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45 2010
O Brasil e o Mundo
Rubens Ricupero
Bolívia e Brasil
Roberto Laserna
os produtores de coca, para Brasil avançou com o projeto difíceis no futuro. Uma Bolívia
participar e apoiar a campanha de geração elétrica no Rio mais pobre e institucionalmente
eleitoral. Madeira, na Bolívia não existe mais fraca causas danos aos
A solidariedade política um único estudo do impacto países vizinhos e pode criar
do presidente Lula foi clara e ambiental do projeto sobre as novos problemas.
firme. Mas, como denunciou planícies inundadas de Beni Isso tem sido discutido
a oposição boliviana, esta e tampouco foram retomadas em diversos debates entre
atitude não correspondeu ao as negociações para avaliar as mais altas autoridades do
que acontecia nas relações alguma eventual partilha. governo brasileiro e pode ser
econômicas entre os dois países. O complexo siderúrgico de interpretado como políticas
Ao contrário, o Brasil buscou Mutún, localizado na fronteira de Estado para a promoção do
e conseguiu reduzir ainda sul com o Brasil, não conseguiu desenvolvimento econômico, da
mais a importância da Bolívia avançar sequer de sua fase equidade social e a democracia
como fornecedor de energia, inicial de ajustes institucionais entre os países vizinhos. E,
e praticamente não ouviu a e legais. Bolívia não possui como a política, é sem dúvida,
Bolívia nas decisões que tomou condições de financiar por sua correta. O problema é que
sobre o projeto hidrelétrico própria conta a infraestrutura isso não tem sido aplicado
do Rio Madeira. Também ferroviária e portuária que se de forma sistemática, pois
defendeu os avanços relativos à comprometeu a instalar, e a enquanto se enfatizou a política
exploração de ferro da empresa empresa Jindal aparentemente de gestos de amizade e boa
brasileira EBX, e deixou que a depende muito da credibilidade vizinhança, foram tratados com
Bolívia enveredasse numa nova do seu contrato com a Bolívia muito menos entusiasmo e
frustração na região de Mutún, para levantar recursos para o interesse os temas econômicos
fronteira com o Brasil, onde, investimento nos mercados e institucionais que são a única
sem licitação ou concurso, a internacionais. garantia de boa vizinhança no
Bolívia ofereceu concessão de Assim, nessas três áreas-chave longo prazo.
depósitos de ferro para uma para a fronteira de interação Em uma avaliação prospectiva
empresa de propriedade da entre a Bolívia e o Brasil há seria bom ter em conta dois
indiana Jindal Steel & Power, um avanço rápido pelo lado fatos aparentemente marginais.
sem capacidade para esse brasileiro e estagnação no lado O primeiro é o que veio depois
empreendimento. boliviano. de violentos confrontos, em
Os resultados já são visíveis Naturalmente, a principal setembro de 2008, quando o
na Bolívia. Os investimentos responsabilidade de tudo o que Brasil passou a receber centenas
no setor de hidrocarbonetos ocorreu cabe ao governo da de refugiados procedentes do
têm diminuído de forma Bolívia, já que o Brasil pode se Departamento de Pando. O
constante, afetando as reservas justificar dizendo que defendia segundo e mais persistente, da
e restringindo a capacidade seus interesses. Isso é verdade, imprensa destacando estimativas,
de produção. A Bolívia perdeu mas apenas numa perspectiva segundo as quais 60% das drogas
importantes mercados e não de curto prazo. Uma visão mais ilegais em circulação no Brasil
tem capacidade para atender ampla vai mostrar que esta sejam originadas na Bolívia.
aqueles que a afinidade combinação de cumplicidade Cabe perguntar se estes
política quis abrir, como política e desgaste econômico fatos são marginais e pouco
Argentina, Uruguai e Paraguai. que tem caracterizado a relação significativos como a aparência
As importações de diesel tem entre os dois países resultou ser sugere, ou se poderiam ser sinais
crescido e, depois de cinquenta negativa para ambos. emergentes das novas dimensões
anos, a Bolívia voltou a importar Precisamente por causa das que marcam cada vez mais as
gasolina. Em alguns meses diferenças relativas, o que futuras relações entre o Brasil e a
o país teve de importar gás Brasil ganhou nesta relação é Bolívia.
natural líquido do Peru e há minúsculo comparado ao que
quem diga que é o mesmo a Bolívia perdeu. Portanto,
gás liquefeito que sai de a distância entre os dois Roberto Laserna é presidente
contrabando, devido aos preços países tem aumentado e o do Instituto Milenio de La Paz e
subsidiados que prevalecem desequilíbrio entre ambos membro do Instituto Fernand
no mercado local. Enquanto o tornarão suas relações mais Braudel.
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em relação aos violadores de direitos personalismo, menos grandiosidade Campos Sales para que reaparecessem
humanos; os erros da mediação do vazia, menos ideologia, e mais atenção nos mandatos de Rodrigues Alves
acordo sobre o enriquecimento do aos interesses específicos do Brasil (1902-06) e de Afonso Pena (1906-
urânio iraniano; a descrição das num mundo complexo. Na véspera da 09) as condições de prosperidade e
relações com um regime que condena posse do novo governo no começo de paz que permitiram ao barão do Rio
mulheres ao apedrejamento como 2011, é preciso dar atenção ao debate Branco realizar uma diplomacia de
“parceria estratégica”; a comparação da orientação internacional que mais extraordinário êxito e projeção entre
das acusações de fraude nas eleições convém ao Brasil como um todo e não 1902 e 1912.
iranianas a uma briga de torcidas no apenas a um projeto de poder pessoal Um contra-exemplo de como
Fla-Flu; os elogios desmedidos ao ou de um partido. a soma de fatores adversos
personalismo autoritário de Chávez. internacionais e internos pode
Em conseqüência, o Washington Virtude e fortuna fazer naufragar política inteligente
Post chamou Lula de “o melhor A expressão mais sintética das e bem concebida é a da chamada
amigo dos tiranos que tem o mundo condições da possibilidade de êxito Política Externa Independente.
democrático.” de um príncipe ou governante, de sua Inaugurada por Jânio Quadros em
Tancredo Neves declarava num política interna e externa, continua 1961, prosseguida sob João Goulart
discurso de 1984 que “se há um a ser a resumida por Maquiavel na pelos chanceleres San Tiago Dantas e
ponto na política brasileira que fórmula virtù e fortuna. A virtù Araújo Castro, ela sucumbiria vítima
encontrou consenso em todas as como o conjunto das qualidades das tensões externas da Guerra Fria
correntes de pensamento, esse ponto intrínsecas de um estadista e de intensificadas pela crise econômica e
é a política externa levada a efeito sua política, a coerência, a lógica, a a radicalização da política brasileira
pelo Itamaraty.” Transcorridos 25 adequação conceitual à realidade, que culminariam no golpe militar de
anos, a simples leitura dos jornais ou a proporção entre meios e fins, a 1964. Uma década depois, muitos de
o acompanhamento dos debates no clareza e exeqüibilidade dos objetivos, seus pressupostos seriam retomados,
Congresso são suficientes para indicar sua correspondência aos interesses quando as circunstâncias se tornaram
que esse consenso deixou de existir, coletivos, seu senso de equilíbrio e mais propícias, no governo Geisel e
destruído por uma diplomacia de medida. A fortuna como a somatória inspirariam a política conduzida pelo
partido que impossibilita converter a das circunstâncias mais ou menos chanceler Antonio Francisco Azeredo
diplomacia em causa autenticamente favoráveis do meio internacional, da Silveira.
nacional. de um clima positivo de paz e Esses antecedentes ilustram uma
A “diplomacia paralela” do Partido prosperidade ou negativo de guerras verdade central em todas as épocas e
dos Trabalhadores junto a governos ou e privações. Igualmente de uma nações: não basta o voluntarismo para
movimentos ideologicamente afins, conjuntura doméstica pacificada e assegurar o êxito até mesmo da mais
exercida por meio de contactos fora estimulante em razão da estabilidade inteligente e inspirada das políticas
dos canais diplomáticos e emissários interna e da coesão da população ou, se lhe faltarem mínimas condições
como Marco Aurélio Garcia, assessor ao contrário, prejudicada pela divisão externas e domésticas para levá-la
de política externa da Presidência da e confronto entre facções. Por fim, as adiante. A fim de analisar a política
República, uma espécie de chanceler vantagens extraídas de uma economia externa de Lula, distinguindo o que
informal para a América Latina, em expansão ou os obstáculos se deve nela à fortuna ou à virtù dos
resultou em causa de inúmeras oriundos de um país em declínio. governantes, convém principiar por
complicações. São exemplos desse Nenhuma política exterior, por uma reflexão sobre as características
problema as incursões na política melhor concebida que seja, escapa que vem diferenciando a primeira
interna da Venezuela, em momentos desses condicionamentos. Na década do século, diferenciando-a da
de tensões naquele país; a falta de turbulenta década inicial do regime fase anterior.
isenção ideológica com que se tem republicano, a diplomacia se apagou Em termos políticos globais,
acompanhado a campanha eleitoral em meio aos massacres de Canudos assiste-se ao aparecimento de espaço
em países vizinhos; a parcialidade (1896-97), a Revolta da Armada propício à afirmação de um novo
em relação ao acordo militar da (1893-94), a Revolução Federalista policentrismo, isto é, à possibilidade
Colômbia com os EUA; o contraste (1893-95), o Encilhamento (1889- de que atores de poder intermediário
entre as reações ao golpe hondurenho 91) e a desorganização da economia. (Brasil, Índia, África do Sul, Turquia)
e a complacência diante de Cuba ou Foi preciso esperar pela estabilização tomem iniciativas autônomas em
do Irã e numerosos outros episódios. política e o restabelecimento temas globais antes reservados às
Após Lula, a política exterior econômico levados a efeito pelos potências preponderantes (os cinco
do Brasil precisa mudar para menos governos de Prudente de Morais e de membros permanentes do Conselho
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outros aspirantes latino-americanos de cobrir pontos vitais para dissipar atuar, buscando medir sem ilusões
como o México e a Argentina, a desconfiança. Ademais, a própria o balanço de custos e benefícios
distanciando-se como o favorito para atmosfera de triunfo desportivo que potenciais e esforçando-se, sempre
ocupar uma cadeira que vier acaso cercou a assinatura na capital do Irã, que as circunstâncias o aconselharem,
a ser destinada à América Latina. com os patrocinadores erguendo os a agir de maneira cooperativa com
Reflexo principalmente do próprio braços em sinal de vitória, realçou no outros atores, de modo discreto, sem
crescimento econômico e estabilidade gesto os aspectos não de conciliação, excessos ou jactâncias geradoras de
brasileiras, a percepção diferenciada mas de desafio, o que naturalmente resistências e reações hostis.
deve ser também creditada ao não ajudou a que os destinatários da Essa, aliás, é a linha de orientação
ativismo e senso de oportunidade da manobra apreciassem o acordo. a ser invariavelmente seguida nos
atual política externa. O episódio revela, ao mesmo trabalhos do Conselho de Segurança,
Esses avanços foram recentemente tempo, o potencial e os limites no seio do qual o Brasil deve se impor
comprometidos pela súbita guinada existentes para a afirmação de atores pelos méritos de uma diplomacia que
da atitude brasileira em relação ao represente uma força de moderação
regime iraniano, objeto de várias e equilíbrio, de conciliação e
sanções do Conselho de Segurança. aproximação de adversários,
A consistência da política que em consonância com
o Brasil vinha perseguindo sai a situação de um país
arranhada da aproximação em nível como o nosso, que
presidencial com nação desafiadora não é potência nuclear
das sanções, violadora da nem militar, não possui
democracia e dos direitos veleidades hegemônicas nem
humanos, negacionista do está comprometido com
Holocausto, empenhada rivalidades em conflitos
em adquirir armas regionais.
atômicas, contrariando
o Tratado de Não- Novos clusters
Proliferação Nuclear. diplomáticos
As implicações negativas Os esforços de
do gesto junto a parcelas articular agrupamentos
importantes e influentes diplomáticos inéditos
da opinião pública mundial com a Rússia, a Índia
seguramente pesarão no e a China (BRICs)
momento de eventual ou com a Índia e a
reformulação do Conselho de África do Sul (IBAS)
Segurança. oferecem a vantagem do
O acordo com o Irã teria sido fato consumado: pelo próprio
um passo relevante, talvez até peso específico, sem qualquer
decisivo, para valorizar a postura necessidade de delegação dos outros,
brasileira (e turca), caso tivesse sido intermediários. A lição a extrair o Brasil tornou-se efetivamente o
coordenado e harmonizado com o é que o potencial terá possibilidades representante da América Latina
grupo de “Cinco mais Um” (os cinco maiores de se traduzir em frutos nesses grupos. Não por acaso, eles
membros permanentes do Conselho concretos na medida em que as reúnem os membros permanentes
de Segurança mais a Alemanha). iniciativas assumirem natureza mais do Conselho de Segurança (China e
Para isso, deveria ter sido precedido construtiva e consensual. O mérito Rússia) e os aspirantes a essa posição
e acompanhado de consultas a esses do esforço brasileiro permanece, mas que têm em comum a circunstância
países, dos quais teria de depender amputado do êxito completo que se de não serem aliados dos Estados
a implementação do acordo no poderia haver esperado, deixando Unidos na Organização do Tratado
Conselho. Ficou evidente, todavia, rescaldos de ressentimentos que do Atlântico Norte (OTAN).
pela reação dos integrantes do poderão complicar o atendimento Seria uma espécie de clube dos
grupo, que o resultado das tratativas das aspirações nacionais ao Conselho “candidatos naturais” a um status
em Teerã apareceu como um fato de Segurança. O futuro governo terá internacional mais elevado em cada
consumado a ser imposto aos demais, de aprender a escolher com critério um dos três continentes: Índia (Ásia,
já que a solução negociada deixou cuidadoso as oportunidades de a candidatura do Japão ficando por
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conta dos norte-americanos), África A coincidência do instante mais com competência intelectual e
do Sul (África) e Brasil (América agudo da crise de 2008 com a técnica à tarefa de edificar uma
Latina). presidência rotativa do G-20 pelo economia nova, menos sujeita a crises
O desafio a superar no futuro ministro Guido Mantega constituiu catastróficas periódicas e evitáveis.
consiste em contribuir para formular uma circunstância feliz que facilitou Para tanto, não bastará limitar-se a
uma plataforma de ação conjunta o esforço brasileiro de evitar que a uma atitude de resistência à tendência
que signifique na prática um convocação se limitasse a um episódio das maiores economias avançadas no
verdadeiro valor adicional desses de emergência sem continuidade. sentido de reverterem os avanços de
grupos em relação ao que já vem Tanto o ministro da Fazenda quanto o democratização do processo decisório
sendo feito pelo G-20. Para isso seria presidente Lula exerceram influência uma vez se retorne à normalidade.
necessário unificar o comportamento considerável para que o processo Será indispensável que, além da
internacional de países com interesses adquirisse maior consistência e atitude vigilante, o governo ganhe
tão heterogêneos como os dos dois permanência, convertendo-se no efetiva capacidade propositiva no
grupos mencionados. Ambos são, foro mais elevado das lideranças debate sobre a economia mundial
como o G-20, expressão do mesmo mundiais. Em estreita articulação e instituições de regulamentação e
fenômeno: a procura por instituições com os demais BRICs, o Brasil se supervisão.
e mecanismos de coordenação e de empenhou em reformar a arquitetura Posso atestar com a experiência
governança global. No entanto, esses financeira internacional no sentido de que tive no Ministério da Fazenda
grupos não se mostraram capazes de proporcionar aos países emergentes que teremos de reforçar em número
ir além de documentos declaratórios mais poderes e responsabilidades em de pessoal tecnicamente qualificado a
genéricos, sem impacto perceptível todas as instâncias deliberativas na área internacional do ministério, que
naquilo que seria sua finalidade área monetária e financeira, não só dispõe de quadros escassos, embora de
natural: conseguir que os quatro nas instituições de Bretton Woods, alta qualidade como é o caso do atual
BRICs atuem em uníssono, com mas também em organismos como Secretário de Assuntos Internacionais
um programa de ação comum, no o Foro de Estabilidade Financeira (SAIN), embaixador Marcos
aprimoramento da governança global. (FSF), transformado em Conselho Galvão, que tem sido o principal
Essa tarefa tem ficado virtualmente de Estabilidade Financeira, com a representante brasileiro nas reuniões
por conta do G-20, cuja emergência incorporação dos países emergentes. do G-20. Necessitaremos dispor de
como instância política suprema Uma iniciativa de implicações capacidade instalada equivalente à dos
de coordenação macroeconômica relevantes nos anos vindouros foi a ministérios de Finanças das maiores
foi, sem dúvida, uma das mais decisão dos BRICs de conquistarem economias do mundo, das quais o
impressionantes transformações da virtual poder de veto (blocking Brasil hoje se aproxima. A mesma
ordem internacional dos últimos minority) ao fazerem um aporte de recomendação tem de ser estendida à
anos. A incorporação súbita de novos US$ 92 bilhões (US$ 50 bilhões da área internacional do Banco Central,
atores a um processo decisório até China e US$ 14 bilhões de cada um ao Planejamento (que representa o
então guardado com exclusividade dos três, Brasil, Índia e Rússia), mais Brasil nos bancos regionais) e ao setor
pelas grandes economias avançadas de 15% do total, à nova estrutura econômico-financeiro do Itamaraty. A
representou a imposição de uma criada para socorrer as economias em diplomacia econômico-financeira era,
exigência nascida da crise financeira crise, o chamado New Arrangements até recentemente, um campo virgem
mundial. Também marcou o to Borrow (NAB) no Fundo para o governo, que terá de lhe dar
reconhecimento de modificação na Monetário Internacional. O poder atenção à altura de sua importância
correlação das forças econômicas desse modo adquirido ganha relevo determinante para o futuro de nossa
que já estava em curso. Para o Brasil quando se considera que o volume da economia.
o salto foi ainda mais significativo facilidade criada (US$ 590 bilhões) é
por nos habilitar a aceder ao âmbito mais do que o dobro do que os US$ A Organização Mundial do
das grandes decisões financeiras 250 bilhões das quotas/capital regular Comércio
e monetárias a que antes só do FMI. Houve diferenças inegáveis em
comparecíamos como réus relapsos de O próximo governo terá de ajudar relação ao governo anterior na ênfase
moratórias e atrasos de pagamento. a assegurar a contínua relevância do dada pelo governo Lula ao Conselho
Tratou-se também da ampliação G-20 como foro central das decisões de Segurança, bem como nas
da presença e da influência do país no momento em que as crises atuais, oportunidades antes inexistentes sobre
em uma área nova, complementar e concentradas na Europa, cobram agrupamentos que surgiram agora
decisiva em relação à esfera comercial maior urgência. Isso significa que o como o G-20, os BRICs. Entretanto
na qual sempre estivemos atuantes. Brasil se deve preparar a contribuir há muito mais continuidade do
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que mudança na linha seguida em contencioso provido dos recursos Receia ainda que, em decorrência de
pelos governos brasileiros nas humanos capazes de empreender uma tal redução, terá o ônus adicional da
negociações comerciais, primeiro no ação de extraordinária complexidade maior penetração asiática no mercado
GATT (Acordo Geral sobre Tarifas técnica e jurídica como foi a dessa doméstico brasileiro.
e Comércio), mais tarde na sua indiscutível vitória da diplomacia A compensação que esperamos
sucessora, a Organização Mundial comercial brasileira. receber em agricultura precisa também
de Comércio. Mesmo as eventuais Diante do persistente impasse ser submetida a um reexame. Os
alterações afiguram-se quase sempre nas negociações da Rodada Doha, o subsídios agrícolas, é claro, somente
desdobramentos naturais impostos próximo governo não poderá deixar serão reduzidos de modo apreciável
por novas fases da Rodada Doha, de conduzir um exame criterioso nas negociações multilaterais, sendo
originando-se nos governos passados da conveniência de remanejar as essa a razão principal que aconselha
muitas das posições e alianças prioridades da diplomacia comercial nosso contínuo engajamento. Deve-
utilizadas na OMC. do Brasil. Não se trata de desconhecer se, contudo, examinar se, como
O recurso à abertura de o valor insubstituível da Organização pensam a Confederação Nacional
contenciosos exemplares como o Mundial de Comércio como o foro da Agricultura e o Banco Mundial,
dos subsídios ao algodão contra os para avanços em temas sistêmicos o problema maior estaria não tanto
Estados Unidos (posteriormente como o dos subsídios agrícolas ou nos subsídios, mas nas barreiras
contra os subsídios da União Européia para a solução quase-judicial de de acesso aos mercados externos.
ao açúcar) é uma boa ilustração da contenciosos. Sem prejuízo da atenção Se for verdade que os ganhos de
continuidade de política de Estado, à OMC, devemos indagar até que acesso seriam mais substanciais que
pois havia sido iniciado pelo governo ponto se justifica concentração talvez a diminuição dos subsídios, seria
do presidente Fernando Henrique excessiva nas expectativas criadas preciso recorrer a acordos bilaterais,
Cardoso. É também raro exemplo de pela Rodada Doha. A indústria que se revelam geralmente mais
coordenação com órgãos competentes brasileira, que sofre de problemas eficazes para a conquista de acesso do
na substância como o Ministério da crônicos de competitividade, revela que negociações longas e complicadas
Agricultura e entidades privadas dos escasso entusiasmo pelos ganhos como as da OMC.
produtores, cuja colaboração, inclusive potenciais da Rodada, temendo que Recomenda-se, desse modo, que
no financiamento da causa, se revelou os benefícios da eventual redução nos se devote tempo e esforços maiores
decisiva. Ademais, data igualmente da picos tarifários em produtos sensíveis a iniciativas menos ambiciosas, nas
administração do ministro Celso Lafer (têxteis, calçados, artigos de couro) quais é possível alcançar resultados
a decisão de estabelecer na estrutura sejam praticamente monopolizados imediatos e tangíveis. Se, por exemplo,
do Itamaraty um setor especializado pelos chineses e outros asiáticos. nos últimos oito anos, em lugar de
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apostar tudo em Doha, tivéssemos carga de tributos, a burocratização e A nossa patética descoordenação
dedicado mais energia e atenção baixa qualidade da regulamentação e fragilidade institucional ficaram
a remover ou reduzir as barreiras governamental, a péssima dramaticamente patenteadas naquele
fitossanitárias às nossas carnes, frutas infraestrutura de transportes e portos, instante.
e vegetais frescos em alguns mercados enfim, o conjunto dos fatores que Admitindo que o próximo governo
específicos, talvez tivéssemos agora formam o “custo Brasil”, responsável seja competente para encontrar
resultados mais alentadores. Idêntico pelo alto custo de transação em soluções efetivas para a maioria
raciocínio vale para os acordos nosso país. Sem a solução parcial dessas deficiências, passaríamos a ter
bilaterais. Quem sabe se um esforço ou completa dessas permanentes condições para levar a efeito política
mais sistemático e intenso de nossa causas da baixa capacidade brasileira comercial menos marcada por uma
parte não nos teria proporcionado de competir não há muito o que a postura defensiva, legítima, aliás,
acordos de livre comércio mais diplomacia comercial poderá fazer nas circunstâncias correntes, mas
significativos do que a magra colheita sozinha. que nos priva de espaço de manobra
atual, reduzida praticamente aos Há muita ilusão sobre a capacidade para conduzir iniciativas ofensivas
acordos com o Peru, o Grupo Andino que têm as negociações comerciais, dada a impossibilidade de oferecer
e Israel. os acordos bilaterais ou regionais, compensações. Em tal caso, seria
de alterar essa ingrata realidade possível começar negociações de
Os problemas no comércio competitiva. Não se percebe que acordos com atores médios – México,
exterior negociações e acordos, mesmo quando Austrália, Canadá, sul-africanos,
O comércio exterior brasileiro bem sucedidos e executados, podem países do Golfo – como preparação
vive aguda crise de competitividade, no máximo gerar oportunidades para vôos mais ambiciosos em
manifestada no acelerado declínio de exportação. Aproveitar essas relação aos grandes mercados: União
do saldo na balança comercial e no oportunidades vai depender, como Européia, Estados Unidos, Japão,
alarmante agravamento do déficit sempre, da capacidade de oferta Índia, Coréia do Sul, ASEAN.
em conta corrente. A gravidade da de produtos de qualidade e preço Sem preconceitos, mas atentos
situação é acentuada pela tendência competitivos nos mercados, o que ao interesse objetivo nacional, seria
aparentemente irreversível para a passa por câmbio favorável. aconselhável reexaminar a questão dos
erosão das vantagens competitivas dos O futuro governo terá de temas da “nova agenda” dos acordos
produtos manufaturados e a crescente encaminhar solução para os problemas de livre comércio: propriedade
concentração das exportações em que ora afetam negativamente a taxa intelectual, proteção de investimentos,
número sempre menor de commodities cambial e os outros componentes da compras governamentais, cláusulas
e artigos de baixo nível de elaboração competitividade. A complexidade ambientais e trabalhistas. Somos
derivados de recursos naturais. Na do desafio e os conflitos de posições geralmente refratários a esses temas
raiz do problema existem sérios inevitáveis nessa matéria exigirão o e por boas razões, pois quase sempre
desequilíbrios macroeconômicos: envolvimento pessoal e constante é essa uma agenda que pouco tem
crescimento puxado quase do Presidente da República a fim de a ver com os interesses brasileiros.
exclusivamente pelo consumo do dispor de um mecanismo eficiente Não se deve, contudo, descartar de
governo e dos particulares, baixa de coordenação de todos os órgãos saída que haja algum espaço para
poupança, investimento insuficiente e relevantes dos quais depende a boa ser flexível dentro de certos limites,
a inelutável contrapartida de todo esse condução do comércio exterior. Ainda sobretudo quando o crescimento
quadro, que consiste no aumento da estamos engatinhando nessa área e o amadurecimento da economia
dependência em relação à poupança conforme prova o espantoso episódio brasileira começam a mudar nossa
externa e aos influxos financeiros de da decisão (felizmente não aplicada) perspectiva, como ocorre com a
fora. A taxa de câmbio representa em fins de 2007 de impor direitos proteção dos nossos sempre mais
papel fundamental na deterioração específicos a calçados, têxteis e outros vultosos investimentos fora do país
das contas externas, não sendo possível produtos. Como terá sido possível que graças à transnacionalização de
cogitar de solução duradoura para os técnicos da Receita Federal tenham algumas de nossas empresas.
problemas do comércio exterior em obtido a promulgação de tal medida A questão é, acima de tudo, de
abstração da questão cambial. sem consultas prévias ao Ministério equilíbrio. A recusa de princípio a
Além do câmbio, outras deficiências de Desenvolvimento, Indústria e discutir temas desse tipo acaba nos
estruturais afetam a capacidade Comércio (MDIC) e ao Itamaraty, limitando seriamente. Não deveríamos
brasileira de concorrer nos mercados sem falar na Câmara de Comércio em nenhuma circunstância aceitar em
mundiais com os asiáticos. O Exterior (CAMEX)? Como a decisão propriedade intelectual compromissos
altíssimo custo do capital, a sufocante teria passado pelo filtro da Casa Civil? que limitem a produção de genéricos.
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Será, porém, que não haveria espaço MERCOSUL é um dos exemplos papel de mercado impulsionador
e até interesse próprio para proteger de decisões de graves implicações na do crescimento do Uruguai e do
certas patentes na área do agronegócio América Latina sobre os quais até hoje Paraguai.
ou para combater a pirataria? a opinião pública tem dificuldade em Não surpreende, assim, que até
compreender a motivação brasileira no âmbito restrito da América do
MERCOSUL e o próprio desenrolar do processo Sul, três países médios e não por
No que tange ao futuro do decisório. Uma avaliação cuidadosa acaso os de melhores fundamentos e
MERCOSUL, o governo não terá como das conseqüências teria demonstrado desempenho econômico, o Chile, o
evitar um reexame da conveniência de a falta de sentido em promover Peru e a Colômbia, tenham optado
manter ou não a União Aduaneira e/ a entrada de país que só poderia pela fórmula dos acordos de livre
ou a Tarifa Externa Comum (TEC). aumentar os problemas agudos de que comércio com os EUA. Inviabilizou-
Uma decisão a respeito deve ser sofre o grupo. Entre eles, a ausência se assim a possibilidade de uma zona
embasada em ampla consulta aos de compatibilidade das diversas comercial puramente sul-americana,
setores industriais que se beneficiam orientações macroeconômicas, gerando ao mesmo tempo para as
da TEC (veículos, autopeças, adicionando um complicador exportações brasileiras o perigo de
eletroeletrônicos, máquinas, ideológico, o socialismo do século XXI, tratamento discriminatório frente às
químicos) ou que se beneficiariam à economia de mercado dos demais. de procedência.
potencialmente de uma TEC sem Se já existe impaciência crescente com
tantas perfurações (bens de capital, a pesada máquina decisória da união América Latina e América do Sul
informática e telecomunicações), aduaneira e as dificuldades, supostas Na América do Sul, o Brasil
principalmente em razão das margens ou reais, que ela cria para a negociação não pode tudo, mas pode algo.
de preferência no mercado argentino. de acordos comerciais com terceiros, A diplomacia brasileira teria tido
Caso se reconfirme a percepção a adição de governo atritado com condições de agir mais ou de agir
corrente de que esses setores inúmeros outros como o venezuelano de modo diferente. Por exemplo,
dependem das margens de preferência apenas dificultaria ainda mais os entre o Uruguai e a Argentina,
para manter suas exportações diante impasses. para ajudar, como facilitador, dois
de concorrentes extra-zona nos Esses temas não se resolverão sem vizinhos prioritários e membros
mercados dos vizinhos, haveria um direto envolvimento presidencial do mesmo acordo de integração a
argumento de peso para continuar e liderança política no mais alto superarem o conflito em torno da
enfrentando os custos de preservar nível. Infelizmente as cúpulas do instalação de empresas de papel em
uma política comercial comum MERCOSUL se transformaram em solo uruguaio. Antes da sentença
frente a terceiros. Mesmo porque a espetáculos vazios de mídia, com da Corte Internacional de Justiça,
impressão generalizada de que, sem os a presença indevida de convidados em Haia, em abril de 2010, os dois
parceiros do MERCOSUL, o Brasil estrangeiros, longos discursos e virtual governos atravessaram anos de tensões
teria maiores facilidades de negociar ausência de qualquer discussão real e e desentendimentos, com implicações
acordos bilaterais é provavelmente de substância sobre os assuntos difíceis negativas para outras áreas. Exemplo:
equivocada, uma vez que boa parte da agenda de trabalho. o veto uruguaio a Nestor Kirchner
dos obstáculos nessas negociações que paralisou por meses a escolha do
provém da resistência compreensível As preferências comerciais secretário-geral da União das Nações
da indústria brasileira. É presumir demais da própria Sul-Americanas (UNASUL).
Talvez seja viável trabalhar importância querer exigir de um O Uruguai e a região do Rio da
com fórmula de meio-termo: uma vizinho para os quais o mercado dos Prata são as áreas do mundo onde o
União Tarifária, formal ou informal EUA representa 50% ou mais do Brasil possui mais longa tradição de
(alinhamento voluntário como na destino das exportações que escolha envolvimento, melhor conhecimento
ASEAN), com flexibilidade para entre nós e os Estados Unidos em direto das situações e mais numerosas
negociações externas em separado, matéria de comércio. O Brasil não tem e legítimas razões para desejar
sem a sobrecarga burocrática das evidentemente condições de rivalizar, um desenvolvimento pacífico.
exigências para uma efetiva União como mercado importador ou fonte Agora que o pior passou na crise
Aduaneira. Tal situação não seria de investimento com os EUA, uma argentino-uruguaia, o futuro governo
radicalmente diferente da realidade vez que há décadas acumulamos deveria tentar desempenhar papel
atual, faltando apenas a flexibilidade com quase todos os sul-americanos construtivo de aproximação entre os
para negociações externas dentro de saldos comerciais crescentes. Nem nossos dois mais íntimos vizinhos.
critérios a definir. mesmo dentro do MERCOSUL Sem necessidade de estimular a
O ingresso da Venezuela no o país conseguiu desempenhar o proliferação de organizações e
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burocracias redundantes, bastaria Canadá”, curiosamente iniciativa do transporte na América do Sul continua
reativar o Tratado da Bacia do México, o primeiro país latino a se um dos maiores obstáculos à efetiva
Prata, injustamente esquecido e que associar no NAFTA aos dois gigantes integração das economias. A mesma
possui competência temática em desenvolvidos do hemisfério norte afirmação se aplica aos tratados já
problemas de vizinhança como os num acordo de livre comércio e talvez citados acima, o da Bacia do Prata e o
do rio Uruguai. Existe um potencial por isso preocupado em atenuar seu de Cooperação Amazônica.
rico de projetos a serem retomados isolamento em relação aos ibero-
para a revitalização das áreas de americanos. Questões polêmicas
fronteira, para a pesquisa comum Esse tipo de diplomacia (não só do As prioridades da próxima
em agronegócios, para a proteção do Brasil) merece talvez o qualificativo administração e a efetividade de sua
meio ambiente e das águas dos rios da de “gestual” no sentido de que a diplomacia deverão ser avaliadas pela
bacia. Com o Uruguai, por exemplo, ausência de condições objetivas ou capacidade que revele de encaminhar
seria interessante retomar o exame de resultados palpáveis é menos solução para os seguintes problemas: a)
da viabilidade dos projetos de obras importante do que o gesto em si a persistente incapacidade de resolver
comuns para a valorização da zona de mesmo. Às vezes se assemelha a uma os contínuos atritos e contenciosos
fronteira da bacia da Lagoa Mirim. fuite en avant: o aumento da dose de com a Argentina em matéria comercial;
São ações que nada têm de espetacular, remédio que não está dando certo, b) a passividade e falta de iniciativa
mas que podem ajudar enormemente um pouco como a anotação feita por corretiva frente ao descrédito do
a aumentar o sentimento de célebre orador peruano à margem de MERCOSUL; c) a incompreensível
solidariedade e colaboração com os parágrafo de um discurso – argumento renúncia a acionar os meios pacíficos
vizinhos, combatendo o sentimento débil, reforzar el énfasis. do direito internacional em defesa
de frustração que os afeta em relação Até pouco tempo atrás, a diferença de direitos brasileiros atropelados
às promessas não-realizadas do de estilos e resultados entre os eixos em incidentes como o da violação
MERCOSUL. globais e regionais chegava a alimentar boliviana de tratados e contratos sobre
A mesma abordagem se aplica à a versão da existência de uma suposta o gás; d) a imprudente ingerência nas
necessidade de que o próximo governo dualidade de comandos diplomáticos, eleições bolivianas e paraguaias por
brasileiro corrija a parcialidade correspondendo a uma espécie motivo de simpatias ideológicas; e)
ocasional e a quase permanente de divisão de áreas de influência a parcialidade na campanha contra
omissão do atual em relação a outros entre a Chancelaria e a Assessoria o acordo militar entre a Colômbia
conflitos sul-americanos, retornando Internacional da Presidência. e os Estados Unidos, em contraste
a uma posição de estrita não- Todavia, nesses últimos 12 meses, o com a omissão diante de iniciativas
ingerência em eleições ou processos padrão de tentar ignorar ou superar de compra pelos guerrilheiros da
políticos internos de vizinhos, cada a realidade por meio do voluntarismo FARC de armamentos de Chávez
vez menos freqüente nestes tempos de e da retórica midiática tende a se ou de suas freqüentes provocações
diplomacia de afinidades partidárias e disseminar do continente para áreas ao governo colombiano; f ) a falta
ideológicas. mais distantes como sugere a busca de de senso de medida e equilíbrio em
cenários improváveis para o exercício relação ao golpe hondurenho, ao
Diplomacia de gesto do protagonismo diplomático entre mesmo tempo em que se mantinha
A contradição entre a busca israelenses e palestinos ou na explosiva incoerente complacência frente a
incessante de resultados de prestígio questão nuclear do Irã. regime controvertido como o cubano,
nos agrupamentos como o G-20 e os Nesse domínio, o futuro governo sem falar no iraniano.
BRICs contrasta com o desempenho deveria preocupar-se menos em Muitas dessas dificuldades nos
sensivelmente mais mitigado no multiplicar estruturas novas do que foram impostas por uma adversa
eixo de direta influência brasileira, o em tornar efetivas e operacionais as evolução na região nestes últimos anos,
imediato entorno da América Latina estruturas ou processos já existentes, em direção oposta à convergência
e do Sul. Não que tenham faltado sobretudo quando estes se justificam de valores e modelos de organização
aqui exemplos do talento inesgotável por razões concretas e de permanente político-econômicos registrada na
de criar foros novos (o Conselho de validade. É o caso da Iniciativa para a Europa e no mundo após o fim do
Defesa) ou de rebatizar grupos pré- Integração da Infraestrutura Regional comunismo. Na América do Sul, ao
existentes (como a Comunidade de Sul-Americana (IRSA) do governo contrário, a integração e até o bom
Nações Sul-Americanas ou CASA, passado, que tem avançado sem convívio normal têm sido dificultados
transfigurada em UNASUL). Não alardes publicitários e conserva toda por processos radicalizados de
se deixou até de estabelecer uma a atualidade uma vez que o problema refundação e lideranças polarizadoras
“OEA sem Estados Unidos ou da falta de integração das redes de de tensões e conflitos, internos e
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externos. Uma leitura realista da parece fora do alcance de uma de uma agenda negativa em expansão:
situação exigiria reconhecer os limites organização que se intitula com o manejo do golpe de Honduras
do que é possível fazer com esses alguma pretensão de “União de Nações e agora da situação pós-eleitoral
governos. Abriria espaço, por outro Sul-Americanas”. Para que serve o naquele país; o acordo de cooperação
lado, a uma diplomacia alternativa Conselho de Defesa se não somos militar da Colômbia com os EUA;
mais sintonizada com os países sequer capazes de adotar uma posição as responsabilidades americanas
que adotam posturas econômicas e comum a respeito das guerrilhas das pelo impasse da Rodada Doha e
políticas centristas mais próximas às FARCs? Sem esse mínimo, não se ultimamente o complexo de questões
nossas. Não por acaso, esses países concebe que a Colômbia, país que relativas ao Irã, a seu programa
são aqueles que, pelo tamanho ou luta há meio século contra guerrilhas nuclear e à maneira de tratar com o
desempenho econômico, ofereceriam e narcotraficantes, aceitasse abrir mão regime iraniano.
oportunidades mais promissoras: da assistência militar dos Estados A tensão oriunda da multiplicação
México, Chile, Colômbia, Peru, Unidos. Por desejável que seja de tais desencontros, em especial
Uruguai. evitar a presença militar americana sobre o Irã, começa a encontrar
no continente não se vê bem que expressão na imprensa e no Congresso
Unasul e o Conselho de Defesa alternativa existiria para que Bogotá dos EUA e só tem sido disfarçada
Não obstante a evidente ausência obtivesse os recursos e o know-how na área oficial pelo reconhecimento
dos requisitos objetivos mínimos, de que necessita. O Brasil, impotente do papel moderador do Brasil num
a diplomacia do governo atual diante do controle exercido pelo contexto sul-americano conturbado
insistiu em edificar um espaço narcotráfico em morros do Rio de por personalidades mais abrasivas
político-econômico que utilizasse Janeiro, dispõe de escassa autoridade e provocadoras que as dos nossos
não o conceito de América Latina, para censurar os colombianos por líderes. Pondo de lado o aplauso dos
mas apenas o da América do Sul, buscarem quem os ajude. setores hostis aos americanos, vale
justificável, sobretudo em projetos indagar: o que ganha o Brasil com
de caráter territorial como sucede As relações com os Estados atitudes pouco conducentes à solução
com a referida IIRSA. É muito mais Unidos serena dos espinhosos pomos de
difícil estender o critério a áreas mais O país continua a sofrer de discórdia evocados?
complexas como as do comércio e persistente incapacidade de alcançar
da defesa, que dependem não da com os Estados Unidos relação Ruptura, não consenso
contigüidade territorial, mas da madura e construtiva baseada, entre Por conseguinte, em muitas
compatibilidade de visões políticas e outros elementos, em crescentes questões de conteúdo da diplomacia
econômicas. Em contexto regional de vantagens mútuas no comércio atual existem diferenças honestas de
aumento da divergência de modelos, e na complementação de cadeias avaliação e julgamento que corroem
de desconfianças e animosidades, produtivas e exportadoras. Tentou-se o relativo consenso multipartidário
projetos como o da Unasul ou do durante a administração de George prevalecente na véspera de fundação
Conselho de Defesa correm risco W. Bush revitalizar essas relações, da Nova República. Além dessas
de passarem à história como meras superando o impasse da
expressões de diplomacia gestual cujo ALCA (Associação de Livre
potencial se esgota em reuniões que Comércio das Américas)
constituem um fim em si mesmo, sem com uma colaboração em
maiores conseqüências. O mínimo torno do etanol. Além de
que se deveria exigir de tais grupos é obviamente estreito demais
que lograssem o que a Argentina, o para fundamentar uma
Brasil e o Chile tinham consolidado relação mais vasta, o esforço
no Acordo do ABC, há mais de um não foi capaz de sobrepujar o
século: a reafirmação da mais estrita protecionismo em relação ao
observância do princípio de não- etanol de milho americano.
ingerência nos assuntos internos É paradoxal que em
dos vizinhos e o compromisso de governo multilateralista
não permitir a presença ou ações como o de Obama o
de movimentos armados nas zonas relacionamento com
fronteiriças. Washington mostre sinais
Pré-condição básica de qualquer de um alargamento das
união de países, a não-ingerência divergências em torno
BRAUDEL PAPERS 13
divergências substantivas sobre a com a sinistra aliança responsável pelo ao decretar o controvertido plano
política externa propriamente dita, bloqueio das tentativas de investigação nacional de direitos humanos. Do
concorrem para a crise do consenso ou pressão sobre violações maciças outro, enfraquece e desmoraliza o
problemas da “política interna” da dos direitos mais elementares. Em próprio fundamento de seu recém-
diplomacia, isto é, a maneira como direitos humanos o Brasil se afasta adquirido prestígio internacional, que
ela é formulada e apresentada à de sua proclamada identificação deriva da conjunção de duas imagens,
opinião pública, a seus formadores, com os valores latino-americanos. a do Brasil e a de Lula, ambas
aos políticos e o modo como é Contrastando com a Argentina, associadas a valores humanos como a
percebida por esses últimos. Dessa o Chile, o México, que honram paz, o combate à fome, à injustiça e à
perspectiva, a responsabilidade maior as melhores tradições da América miséria.
cabe a comportamentos concentrados Latina, o governo brasileiro se tem Há nisso uma contradição mais
nos seguintes fatores que afetam a alinhado na matéria aos mais notórios profunda, que nasce da falta de clareza
possibilidade de edificar consensos em violadores como Cuba e Paquistão. em relação aos objetivos e valores finais
política exterior: a ênfase na ruptura, O governo brasileiro tem que inspiram o esforço do governo em
em lugar da continuidade; o colaborado, por omissão conquistar reconhecimento e respeito
excesso de protagonismo e absenteísta ou ação bloqueadora, internacionais. A diplomacia atual se
glorificação da liderança caracteriza pela incessante
pessoal de Lula; a auto- busca de oportunidades
suficiência na formulação de acumular prestígio.
e condução; a politização O prestígio é um dos
partidária e ideologização elementos componentes
da política externa. do poder, do que hoje se
denomina soft ou smart power,
Direitos e valores o poder suave, brando, o poder
Um dos piores inteligente, a capacidade de
aspectos da diplomacia persuadir pelo exemplo e os
de Lula é a invariável argumentos, em contraposição
subordinação da promoção ao poder contundente dos
dos direitos humanos, do meio armamentos ou da coerção
ambiente e da luta contra econômica.
as armas de destruição A singularidade do Brasil
maciça a uma estreita é justamente o de ser o
e egoísta consideração único grande país que só
de interesses de curto dispõe a rigor de soft power.
prazo. São conhecidos Dos quatro BRICs, por
alguns exemplos dessa exemplo, apenas o Brasil
insensibilidade, tais como não é potência atômica
a apologia da repressão do nem militar convencional.
governo cubano contra dissidentes, na vergonhosa tarefa Isso se deve, no fundo, a um
a assimilação de greves de fome de obstruir o correto funcionamento conjunto de razões geográficas e
de desesperados prisioneiros de do Conselho. Ademais, vem históricas que nos beneficiaram com
consciência a ações de criminosos concorrendo ativamente para situação invulgar de segurança. Em 1º
comuns ou a relação com o regime proteger e favorecer os autores dos de março de 2010, aniversário do fim
iraniano que, dias antes da visita piores atentados aos valores humanos da Guerra do Paraguai, comemoramos
do presidente brasileiro, havia nos dias atuais, na Coréia do Norte, 140 anos de paz ininterrupta com dez
enforcado vários dos participantes em Sri Lanka, no Congo, no Irã, no vizinhos, conquista provavelmente
das manifestações contra as fraudes Sudão do genocídio de Darfur. sem paralelos entre países de porte e
eleitorais. Ao preferir ganhos diplomáticos número de vizinhos comparáveis aos
Tem sido muito menos divulgado, imediatistas aos valores universais, o nossos.
fora de círculos especializados, o governo brasileiro se torna culpado O que habilitou o Brasil a se
comportamento no Conselho dos de dupla contradição. De um lado, tornar credor de crescente prestígio
Direitos Humanos da ONU em suscita dúvidas sobre a sinceridade internacional foi justamente a cultura
Genebra da delegação do Brasil, que se das causas que afirma sustentar de paz, o fato de não ser potência
vem notabilizando pela cumplicidade internamente como, por exemplo, nuclear nem militar, de não se
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comportar como os demais. Naquilo mesmo brandido pelos militares no estão sujeitas ao que se acentuou no
que não é reflexo do tamanho e da passado). início do trabalho: virtù e fortuna,
economia, a irradiação brasileira é A miopia de um falso “realismo” as condições internas, inclusive
fruto do exemplo, da encarnação de concentrado em ganhos de prestígio de natureza político-partidária, a
valores morais. Por que então destruir sem maior substância acaba por levar qualidade e competência da liderança
essa reputação ao se confundir com ao desperdício de oportunidades de governamental e as circunstâncias do
os inimigos do reforço mundial dos construir algo muito mais valioso. entorno internacional.
direitos humanos? É o que se constata na área onde Essas condições se encontram em
A mesma pergunta se aplica ao o Brasil teria melhores condições constante movimento e algumas
concorrer para o enfraquecimento do para reclamar o status de potência, transformarão radicalmente o quadro
regime de não-proliferação nuclear o de potência ambiental. Graças às atual. Basta pensar que o carisma e
ao recusar, sem motivo convincente, características da matriz energética a vocação protagônica de Lula, que
a adesão ao Protocolo Adicional do e do seu baixo custo potencial de praticamente se haviam tornado
Tratado de Não-Proliferação (TNP). redução de emissões, o país poderia, indissociáveis da política externa do
Se o governo é sincero em acatar sem afetar interesses econômicos governo, já não estarão presentes.
a adesão ao Tratado, efetuada no relevantes, tornar-se símbolo de uma Outro fator de incerteza se refere à
governo passado, se não tenciona política pró-ativa como primeiro recuperação da economia dos EUA,
violar a proibição constitucional grande país em desenvolvimento a da Europa e do Japão, dos efeitos que
de armas nucleares, por que adotar aceitar metas de redução. Em lugar os diferentes cenários produzirão em
atitude cômoda de crítica aos defeitos de servir de instrumento à China e termos de demanda de importações
inegáveis do TNP, sem utilizar sua à Índia na resistência a avanços nas e disponibilidade dos vultosos
reconhecida capacidade de proposição negociações sobre mudança climática, influxos financeiros de que o Brasil
diplomática para sugerir modos de o governo brasileiro deveria voltar precisará em razão do déficit em conta
fortalecê-lo? a desempenhar, como fez durante a corrente e do ambicioso programa de
O Brasil parece vacilar entre grande conferência do Rio de Janeiro investimentos anunciados.
perseverar no caminho pacífico em 1992, o papel de intermediário No momento em que termino
que lhe valeu o prestígio até agora e facilitador de um acordo histórico a análise (15 de agosto de 2010), as
ou passar a agir como aqueles que entre as nações avançadas e os perspectivas brasileiras estão muito
sempre criticou no passado. A países em desenvolvimento, o que condicionadas externamente pelo que
não ser que a ambigüidade sobre significaria de fato uma vitória acontecerá na China e, em âmbito
proliferação esconda uma reserva diplomática consagradora não só para interno, pelas próximas eleições
mental para eventual reviravolta o Brasil, mas para toda a humanidade. presidenciais. Quanto ao primeiro
futura, em linha com o programa de condicionante, não há muito que se
armamentos dispendiosos como o Epílogo possa fazer. Em relação ao segundo,
submarino nuclear, os aviões caça e Sem ser exaustivo, este inventário a plena realização da promessa
outros projetos recentes que evocam analítico das principais áreas de ação de estabilidade e crescimento,
o fantasma do retorno aos sonhos de da diplomacia brasileira serviu para base da consolidação do prestígio
Brasil Grande Potência da ditadura mostrar que o problema não resulta internacional do Brasil, vai depender,
(aliás, o argumento da soberania da inexistência de alternativas às como sempre, da virtù de todos nós,
invocado às vezes para justificar os políticas discutíveis que vêm sendo da sabedoria, do discernimento, da
votos brasileiros no Conselho de aplicadas. A consideração e eventual capacidade de escolha do eleitorado e
Direitos Humanos é exatamente o adoção das alternativas sugeridas dos dirigentes eleitos.