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Os quatro discursos possíveis: É visível que há aí uma escala de credibilidade crescente:

do possível subimos ao verossímil, deste para o provável e finalmente para o certo ou


verdadeiro. As palavras mesmas usadas por Aristóteles para caracterizar os objetivos de
cada discurso evidenciam essa gradação: há, portanto, entre os quatro discursos, menos
uma diferença de natureza que de grau. Possibilidade, verossimilhança, probabilidade
razoável e certeza apodíctica são, pois, os conceitos-chaves sobre os quais se erguem as
quatro ciências respectivas: a Poética estuda os meios pelos quais o discurso poético abre
à imaginação o reino do possível; a Retórica, os meios pelos quais o discurso retórico
induz a vontade do ouvinte a admitir uma crença; a Dialética, aqueles pelos quais o
discurso dialético averigua a razoabilidade da crenças admitidas, e, finalmente, a Lógica
ou Analítica estuda os meios da demonstração apodíctica, ou certeza científica.

História, imaginário e leitura (importante para pensar a História): O discurso lógico


analítico é próprio da filosofia, que é vizinha da poesia na visão panorâmica do esquema,
o que apenas comprova o que Aristóteles dizia no capítulo IX da Poética: "Por isso a
poesia é algo de mais filosófico do que a história, pois refere aquela o universal e esta o
particular". 6 Esgotado o potencial apodíctico atingido pela filosofia, a mente humana
não tem outra opção a não ser saltar para o poético, abrindo espaço para mil
especulações, uma parte das quais seguirá em frente, refazendo o ciclo de incremento de
certeza até desaguar na maior certeza possível, que se diluirá em seguida no oceano do
imaginário e assim infinitamente. Não é possível dissociar o conhecimento humano
positivo do imaginativo. Tudo começa e termina no mitopoético. O ciclo dos gêneros
literários não tem, portanto, nem começo nem fim, unificado pelo componente
imaginativo decrescente a partir da poesia e do componente de credibilidade crescente até
atingir o máximo na filosofia, sem nunca permitir que um anule completamente o outro.
Fica agora clara a razão pela qual prosa e história são vizinhas de porta na sequência
adleriana: entre elas há quase um equilíbrio perfeito entre imaginação e ciência,
colocando-as no centro neutro do esquema, como contraponto assimétrico à tensão
proteiforme entre a filosofia e a poesia, ponto crítico do sistema, uma espécie de
"solstício" que marca o esgotamento da potência de expansão do discurso e permite o
prosseguimento do ciclo pela retomada permanente de novas possibilidades poéticas,
recuperando a vitalidade do processo. Esse salto "quântico" entre a filosofia e a poesia
contrasta com a passagem quase imperceptível da prosa à história. Exatamente como
acontece na natureza, sobre o equador não se nota a passagem das estações com a nitidez
dos polos. Nos polos, onde a tensão é máxima, estão a filosofia e a poesia, transmutando-
se uma na outra, no recomeçar perpétuo da escala de credibilidade flutuante sobre a base
fixa da imaginação poética. Desse modo, já integrados no mesmo mecanismo de aumento
de certeza, cada gênero literário permite o aprofundamento vertical que começa na leitura
elementar e vai parar na sintópica, conforme a maior ou menor vocação de cada um, mas
aí não se está mais arbitrando as diferenças entre os gêneros pelo grau de profundidade,
que seria meramente acidental, mas pela natureza mesma de cada um deles. O progresso
da poesia até a filosofia, para tomarmos a direção ascendente do ciclo, é acompanhado
transversalmente também pela escala vertical de profundidade. Quanto mais andamos na
direção da certeza, mais fundo penetramos no texto.

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