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A Participação Social e a Construção do SUS: Anotações preliminares sobre as

Trajetórias dos Movimentos Sociais, e Proposições acerca dos Conselhos e


Conferências de Saúde

Autores: Ligia Bahia, Ana Maria Costa e Ludmila Rodrigues

Introdução

A participação social na saúde, mais precisamente o imenso e fervilhante


contingente de pessoas que integram os conselhos e acorrem às conferências municipais,
estaduais e nacionais de saúde, é um dos cartões postais do Sistema de Saúde
Brasileiro. Figura ao lado de programas universais como o controle da AIDS e da
atualização do menu e cobertura de doenças imunopreviníveis como motivo de orgulho
nacional.

A par do reconhecimento internacional, no âmbito dos fóruns não especializados


em saúde o fato de a participação social constituir um dos alicerces essenciais da
arquitetura do SUS tem sido sublinhado e considerado modelar. Instituições como o
1
SUAS- Sistema Único de Assistência Social , cuja pauta de trabalho comporta temas
extremamente complexos como a gestão, descentralização/ territorialização e
financiamento das políticas de assistência social, inspiram-se no SUS e incluem os
preceitos de participação social entre os seus princípios norteadores. Nota-se, que tal
como no processo de organização do SUS, a convocação da participação social no SUAS
não se dissocia dos diagnósticos realistas sobre os imensos desafios para reorientar e
romper o legado das políticas assistencialistas e benemerentes e o padrão segmentando
e privatizante das políticas de saúde em prol de políticas públicas universais.

Interessa reter, ainda, que a participação social como eixo de organização das
instituições responsáveis pelas políticas sociais mantém-se apesar do contexto de
1
Oficializado pelo decreto presidencial Nº 5.074, 11 de Maio de 2004. Entre outras
deliberações a IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de
2003, reafirmou a importância da participação popular " O Suas, cujo modelo de gestão é
descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo o
território nacional da rede de serviços socioassistenciais".
organização do SUS ser distinto daquele que envolve a criação do SUAS. O final dos
anos 80 caracterizou-se pelas intensas expectativas sobre as possibilidades da
redemocratização reduzir as desigualdades. Atualmente a persistência de problemas
sociais, a incipiência da efetivação dos direitos previstos Constituição de 1988 e a
preservação de um catálogo completo de discriminações no país evidencia certa
dissociação entre a conquista da democracia política e a efetivação do acesso a direitos
sociais.

Depreende-se, portanto que, a confirmação da participação social em distintos


contextos, como componente essencial da arquitetura de instituições cujos objetos de
intervenção são distintos e muito específicos, resulta de um consenso genérico sobre
suas virtudes no enfrentamento de problemas sociais. Mas, talvez não se possa afirmar
que as premissas que conduziram ao estabelecimento de interfaces entre sociedade civil
com instituições governamentais hoje sejam as mesmas de vinte anos atrás.

Dadas as diferenças em relação aos prognósticos – preteritamente mais otimistas


e céticos no presente – sobre os efeitos da democracia na redução das desigualdades
sociais é plausível supor que a natureza do convite à sociedade civil e a própria
conformação das instâncias de participação social tenha se alterado ao longo do tempo.
Outra perspectiva a ser considerada é que as orientações subjacentes à compreensão e
organização de fóruns de participativos sejam similares, mas que o tempo tenha tratado
de colorir com tintas fortes os atributos da participação social delineados anteriormente
em termos ambíguos.

Ambas as perspectivas, especialmente as mudanças que se processaram nos


planos das identidades e práticas sociais decorrentes da individualização crescente da
vida social, ligada em parte ao declínio do corporativismo como regulador da inclusão,
tem sido aprofundadas em estudos de maior fôlego e rigor acadêmico. O tema que
envolve a pluralização dos interesses, perda de eficácia relativa das instituições
republicanas tradicionais e seus rebatimentos sobre a construção da solidariedade social
integra a agenda de trabalho dos cientistas sociais e formuladores de políticas públicas.
As interrogações concentram-se em torno da capacidade e a efetividade da
representação de identidades heterogêneas por movimentos sociais menos centralizados
e desafiados a participar de esferas públicas setorializadas e as novas formas de
coordenação da ação social.
Não é por menos, que as perguntas sobre “quem representa o quê, perante quem”
inspiram grande parte dos estudos e reflexões sobre a participação na área da saúde.
Hoje, as inquietações sobre a legitimidade e poder de coordenação das demandas pelas
instituições de participação social envolvem desde: perplexidades sobre as insuficiências
dos conselhos de saúde no combate à corrupção até ensaios teóricos que subsidiam a
reflexão sobre a reorientação dos pontos de contato entre Estado e sociedade. O teor
dessas perguntas/constatações, quer inspiradas pelas acepções correntes sobre o
colapso genérico das formas de representação, quer quando pautadas pelo compromisso
acadêmico com a investigação sobre a natureza, permanências e mudança nas relações
entre Estado, governo e sociedade sinalizam que o exame do tema central sobre a
participação social na área da saúde não está esgotado. Os esforços para examiná-lo,
sejam os de feição normativa, sejam os tendentes à busca de referenciais explicativos,
têm sido empreendidos e poderão avançar análises mais acuradas sobre a
complexificação das formas de representação de interesses e alternativas de
solidariedade na sociedade brasileira contemporânea.

A área da saúde tem comparecido duplamente à chamada para intensificar a


concertação entre estudiosos e formuladores de políticas em torno do tema participação
popular. A pujança, diversidade e consolidação das instâncias de suas instâncias de
participação social e a prolífica produção de conhecimentos, pela área de saúde coletiva,
geraram um vasto acervo de informações e referenciais específicos. Mesmo assim, o
pioneirismo da saúde e o patrimônio de reflexões sobre o tema não exime seus
pesquisadores e gestores, nem de avaliar as normas, a dinâmica de funcionamento e a
composição das instâncias de participação social, nem de contribuir para o debate sobre
a renovação das instituições democráticas formais e sua articulação com redes mais
sensíveis à atuação conjunta do Estado e movimentos sociais e culturais.

Essas notas preliminares, contudo, desviam-se desses desafios, atendo-se


exclusivamente à tentativa de esboçar uma parte da trajetória dos “instituintes e
instituições” de participação social no sistema de saúde. O intuito é rever, ainda que
brevemente, as categorias conceituais e conseqüentes projeções institucionais das
proposições sobre participação social presentes no momento de formulação da Reforma
Sanitária e aquelas evocadas atualmente. Nesse sentido, o cotejamento, ainda que
incompleto e superficial, das expectativas e rumos do papel do Estado e dos movimentos
sociais na organização das instâncias de participação social que se segue visa apenas
identificar fios condutores para a elaboração de um documento sobre a participação social
no sistema de saúde brasileiro.

Para tanto, recorre-se a trabalhos relacionados com a investigação sobre os


movimentos sociais e o processo de concepção da Reforma Sanitária e disputa política na
formulação e implementação do SUS e a fontes documentais, especialmente alguns
relatórios de Conferências Nacionais de Saúde. A pesquisa sistemática dessas fontes
está em gestação e certamente contribuirá para substituir o indefectível caráter provisório
dessas notas por uma análise mais rigorosa.

A Participação Social na Constituinte de 1988: Expectativas e Proposições

Como se sabe as proposições acerca da participação comunitária/participação


social na saúde precedem a formulação dos preceitos da Reforma Sanitária Brasileira.
Segundo Carvalho (1995) a idéia de participação comunitária em suas vertentes
ideológica e pragmática acompanhou a estratégia de implantação dos centros
comunitários de saúde2 norte-americanos no início do século XX. Mais tarde, nos anos 50,
a proposta de “desenvolvimento da comunidade” integrou as políticas de ajuda externa a
países sub-desenvolvidos sul-americanos no contexto da guerra fria.

Um registro alternativo e imprescindível à compreensão sobre participação social e


seus desdobramentos na área da saúde no Brasil emana das deliberações da
Conferência Alma Ata, realizada em 1968 - marco dos debates internacionais sobre as
políticas de saúde. O lema Saúde para Todos no Ano 2000, expresso na estratégia da
expansão dos cuidados primários à saúde, responsabilidade dos Estados nacionais e
vinculação das realizações das metas de saúde ao desenvolvimento social bem como à
redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o

2
Segundo Mário Magalhães da Silveira (1979), após a I Guerra:

“(...) os Estados Unidos surgiam como potência mais rica e poderosa. O Brasil começava a desviar-
se da Europa para os Estados Unidos e os médicos de saúde pública foram os primeiros que lá
começaram a completar seus cursos. Em 1919 quando a Universidade John Hopkins criou o primeiro
curso para médicos de saúde pública, lá estavam alguns brasileiros de São Paulo e do Rio. Voltaram
entusiasmadíssimos com a saúde pública americana (...). Os outros médicos chamavam esses
novos de `jovens turcos`. (...) O sistema americano era o sistema de centros de saúde. (...) em 1926
foi criado o primeiro centro de saúde no Brasil, o Centro de Saúde de Inhaúma dirigido pelo Dr. [José
Paranhos] Fontenelle [um dos ´jovens turcos´].
dos desenvolvidos, orientou a ação de agências multilaterais como a OMS e a OPAS nos
anos 70 e 80. Os ecos das recomendações internacionais sobre participação popular
vinculada à extensão de cobertura à populações ecoaram no Brasil. A V Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 1975, “(...) teve o efeito de legitimar, em uma base
suficiente e necessária, as propostas que envolviam a atenção à saúde das populações
marginais, com a participação dessas populações” (Escorel: 1998: 61).

As acepções autóctones sobre participação popular no sistema de saúde, que


adquiriram estatuto formal na Constituição de 1988 são caudatárias das formulações do
Movimento Sanitário3, consolidado durante a década de 70, no contexto da denominada
“abertura” do regime militar, emergência e crescimento dos movimentos sociais.

A atuação de movimentos sociais pari-passu às vitórias eleitorais do partido


oposicionista (MDB) conferiu intensa visibilidade às questões sociais, antes
secundarizadas no projeto de modernização conservadora do regime militar. A presença
do Movimento contra a Carestia, movimento estudantil, e posicionamento de entidades
de representação de profissionais liberais, como a OAB e a ABI pelas liberdades
democráticas, o Movimento pela Anistia e o ressurgimento de um renovado movimento
sindical operário bem como a mobilização de sindicatos e associações de engenheiros,
professores e médicos, trouxeram à tona problemas relacionados às condições de vida
da população brasileira. Nesse cenário, no qual novos espaços acadêmicos, políticos,
societais e institucionais foram ocupados por profissionais e estudantes da área da saúde
e técnicos comprometidos com uma reflexão crítica sobre condições de saúde e o modelo
de atenção à saúde o movimento sanitário consititui-se como “ator coletivo”, como uma
“nova força política” (Escorel, 1998).

Sob um enfoque mais detalhado, os movimentos sociais no processo de


formulação das políticas de saúde durante o período de transição à democracia e
consolidação democrática adquirem contornos mais nítidos. O movimento popular em
saúde (MOPS)4, o movimento médico, a produção de um pensamento crítico sobre saúde
nas instituições acadêmicas e os debates e as experiências baseadas na “medicina
comunitária” foram vetores da contestação ao sistema de saúde vigente e ao modelo
médico hegemônico.

3
Teixeira apud Escorel (1998) considera que o movimento sanitário caracteriza-se por: 1) por ser um
campo de construção de saber; 2) por ser um movimento ideológico; 3) ter um prática política.
4
O MOPS designa genericamente todas as formas associativas de moradores de bairros e favelas
em torno das reivindicações por melhores condições de saúde.
É importante examinar, tendo em vista a finalidade da identificação das
proposições sobre participação social, as origens e vinculações da reflexão crítica e as
práticas alternativas relacionadas à saúde com movimentos políticos e sociais não
setoriais que influenciaram o debate e o redimensionamento das relações entre Estado e
sociedade nesse período. A indissociabilidade do movimento popular com as
experiências das Comunidades de Base da Igreja, do movimento médico com as
mudanças na inserção profissional, caracterizadas pela perda de autonomia decorrente
da ampliação da intervenção estatal e empresariamento privado da prática médica, da
inspiração comunista da associação da saúde à democracia e Reforma Sanitária foi
registrada pela literatura.

A procedência e motivações do movimento social e do movimento médico são


bastante distintas, embora em ambos predominasse uma orientação de esquerda.

Em suas origens, o movimento social pela saúde [MOPS]


localizava-se principalmente nos Estados do Rio de Janeiro, Minas
Gerais e São Paulo. Compunha-se de médicos sanitaristas,
estudantes, religiosos, militantes católicos, integrantes de partidos
políticos e das populações carentes agrupadas em torno das
sociedades vicinais e de experiências comunitárias católicas em
bairros das periferias urbanas e favelas (Gerschman, 1995: 71)

(...) ocorreu uma perda de autonomia dos médicos. (...) A


resistência dos médicos às transformações no processo de
trabalho, ao assalariamento maciço e proletarização da categoria
não se fez esperar e na década de 70 a corporação médica
nucleada em torno da chapa Movimento de Renovação Médica
(REME) que vinha conquistando as direções das entidades
médicas, começou a ter singular importância no seio da categoria
médica (idem: 105).

A abordagem crítica sobre o processo de saúde-doença e institucionalização da


atenção à saúde, por sua vez, decorre não apenas ao resgate do objeto saúde da
naturalização, biologização do processo saúde-doença, característico da lógica
biomédica, pela saúde pública mas também das disputas teóricas e político-institucionais
travadas no interior do movimento preventivista. As críticas sobre a conceituação do
social travadas com os preventivistas, para os quais o social é um conjunto de atributos
individuais, como educação, ocupação, renda etc e com os defensores de um modelo
racionalizador, baseado na extensão de cobertura e no custo/benefício das ações de
saúde sancionaram uma concepção sobre o coletivo como campo estruturado de práticas
sociais (Ibidem).

Desdobramentos das polêmicas sobre as concepções sobre o social incidiram nos


debates sobre participação comunitária durante a realização da VII Conferência Nacional
de Saúde em 19805. Duas posições foram consignadas.

[A ´funcionalista´] que espera que a participação comunitária


resolva a questão dos grupos que se mantêm marginais ao
processo do crescimento do país, mantendo-se intacta a questão
social. [A ´participação como instrumento de democratização´] a
qual busca novos canais de expressão e de oportunidades de
confronto com outros grupos sociais, com a intenção de influir no
processo de contínua mudança a que está sujeita a vida social (VII
Conferência Nacional de Saúde, 1980: 188)

Essas contradições expostas ao debate acadêmico e agenda dos movimentos


sociais reafirmaram as bases técnicas e políticas do movimento sanitário. A conjugação
de “uma teoria social da medicina6”, sua difusão e a elaboração de propostas
transformadoras pelo movimento de entidades médicas, associações de médicos
residentes, associações de moradores (movimentos de bairro), erige os pilares do
movimento sanitário ou como prefere Paim (1987a) movimento pela democratização da
saúde. O movimento que propôs a Reforma Sanitária no Brasil logrou traduzir o discurso
“médico-social” à prática política e institucional por meio de uma perspectiva de atuação
transversal aos partidos políticos e entidades corporativas - expressa na criação de
entidades, como o Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) em 1976 e incentivo a
convocação de arenas de debates pluripartidárias, como o I Simpósio sobre Política de
Saúde na Câmara de Deputados em 1979 - e as experiências de organização de redes
de serviços de saúde alternativas. A Reforma Sanitária definida como projeto político-
cultural apresentou uma plataforma integrada pela: ampliação do conceito de saúde:
reconhecimento da saúde como direito de todos e dever do Estado; criação de um
Sistema Único de Saúde integrante de um sistema ampliado e universal de proteção
social; participação popular; constituição e ampliação do orçamento da Seguridade Social.

5
O temário da VIII Conferência contemplou três pontos centrais: "Saúde como dever do Estado e
direito do cidadão", "Reformulação do Sistema Nacional de Saúde" e "Financiamento setorial".
6
Alicerçado na visão histórico estrutural da sociedade, mas também na “questão institucional
médica” (expressão utilizada por LUZ, 2000) que a partir dos anos 70, na Europa, mobilizou
intelectuais como Michel Foucalt.
A presença do movimento sanitário nos fóruns de debate e articulação do
programa de governo de transição democrática bem como a nomeação de vários de seus
líderes para ocupar cargos relevantes no sistema de saúde viabiliza a convocação de um
amplo fórum de debates, reflexões e deliberação sobre o sistema nacional de saúde – a
VIII Conferência Nacional de Saúde. Na VIII Conferência Nacional de Saúde, a
participação social adquire expressão concreta. A presença de cerca de 4 mil delegados
de um amplo leque de movimentos sociais explicita a imprescindibilidade da participação
social para a construção de um novo modelo de saúde.

Durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, o prenúncio das


mudanças na ordem jurídico-legal após a prolongada permanência dos militares no
poder, embalaram os discursos de autoridades governamentais da nova coalizão. A
tônica - “passar a limpo a história da saúde no Brasil” (Paim, 1987b) – concedeu à
participação social, como par da descentralização e autonomia, o estatuto de “remédio
para a abusiva e sempre crescente concentração do poder político, econômico e
administrativo exercida pelo governo anterior” (Roberto Santos, Ministro da Saúde, 1986).
Entre os movimentos sociais e pesquisadores da área de saúde coletiva, a participação
social foi, predominantemente, relacionada à democracia, à cidadania. Extratos dos
pronunciamentos dos representantes do movimento sanitário explicitam a compreensão
sobre a relevância da participação social.

(...) Ampliar os canais para a democratização da saúde, de modo


que os indigentes de ontem e os consumidores de hoje possam
amanhã, enquanto cidadãos, lutar pelos seus direitos e organizar-
se politicamente para conquistá-los (...) (Jairnilson Paim7,
Professor da UFBA, Relatório da VIII Conferência Nacional de
Saúde, 1986).
[A participação social é uma] estratégia para que o estado assuma
integralmente a responsabilidade com a garantia da saúde para a
população e aqui nos cabe formular uma estratégia que, com base
na mobilização da população, com base na participação não
apenas como uma característica, um dos atributos do novo modelo
de saúde, mas como um elemento estratégico para garantir de fato
a saúde como direito de todos, assumida por um Estado
democrático, que garanta a participação da população (Antonio Ivo
de Carvalho8, Representante da Federação de Moradores do Rio
de Janeiro, Idem, 1986).

7
Jairnilson Paim atualmente é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade
Federal da Bahia.
8
Antonio Ivo de Carvalho atualmente é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e Diretor da Escola
Nacional de Saúde Pública.
Uma variação dessa acepção de participação popular, como participação na
construção e luta pela democratização da saúde, distingui-se pela delimitação da
composição dos participantes e seus efeitos sobre o acesso aos serviços e cuidados de
saúde. As considerações sobre a participação das “populações excluídas,
marginalizadas” e conseqüências para a obtenção de acesso desses grupos
populacionais também foi apresentada ao plenário, durante a VIII Conferência Nacional
de Saúde. “A participação é o principal instrumento de avanços para conquistas
verdadeiras das populações carentes (João Yunes9, Secretário da Saúde do Estado de
São Paulo, Ibidem, 1986). Mas, a maioria dos posicionamentos, sobre participação
popular, firmaram-na como sendo “a participação de todos” “participação de todos os
segmentos” em “todos” os âmbitos do sistema: formulação e definição de
políticas/prioridades, no planejamento, na gestão e na avaliação. Isto é, prevaleceu a
concepção sobre a participação como principio, como direito por meio do qual a
sociedade decide sobre seu futuro e não como mero requisito para aumentar os
recursos assistenciais de grupos populacionais excluídos.
No Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde constam alusões à
participação social em todos os temas debatidos e postos à aprovação dos delegados.
Observa-se que a priorização de determinadas dimensões da participação social
acompanha as especificidade dos temas abordados. No tema Saúde como Direito
constatou-se “a debilidade da organização da sociedade civil, com escassa participação
popular no processo de formulação e controle das políticas e dos serviços de saúde;
participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de
saúde” e recomendou-se: a “participação da população, através de suas entidades
representativas, na formulação da política, no planejamento, na gestão, na execução e na
avaliação das ações de saúde” bem como “estimular a participação da população
organizada nos núcleos decisórios, nos vários níveis, assegurando o controle social sobre
as ações do Estado”. No tema Reformulação do Sistema Nacional de Saúde sublinhou-
se a forma institucional de participação “ deverão também ser formados conselhos de
saúde em níveis local, municipal, regional e estadual, compostos de representantes

9
João Yunes em 1986 era Secretário Estadual de Saúde de São Paulo. Depois de seu mandato na
Secretaria de Saúde de São Paulo, tornou-se representante da OPAS e da OMS em Cuba (1987-
1989). Mais tarde assumiu o cargo de Coordenador do Programa de Saúde Materno-Infantil da Opas
em Washington. No retorno ao Brasil tornou-se professor titular da Faculdade de Saúde
Pública/USP e assumiu a função de Diretor Interino da BIREME–Opas, onde permaneceu até 1998.
Faleceu em 2002 quando exercia o cargo de Diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP.
eleitos pela comunidade (usuários e prestadores de serviço), que permitam a participação
plena da sociedade no planejamento, execução e fiscalização dos programas de saúde.
Deverá ser garantida a eleição das direções das unidades do sistema de saúde pelos
trabalhadores desses locais e pela comunidade atendida”. E, no tema Financiamento a
ênfase recaiu sobre o caráter de gestão/fiscalização dos fundos públicos “os Fundos de
Saúde, nos diferentes níveis, serão geridos conjuntamente com a participação colegiada
de órgãos públicos e da sociedade organizada”.
À semelhança de outras deliberações da VIII Conferência Nacional de saúde, a
participação social foi assegurada constitucionalmente. A Constituição de 1988 prevê a
participação da comunidade na gestão das ações e serviços de saúde, consolidadas no
Sistema Único de Saúde – SUS (artigo 198, III). Os relatos sobre as polêmicas e os
embates travados no encaminhamento, apreciação e aprovação das teses sobre saúde
na Constituição sugerem que a participação social no Sistema Único de Saúde não tenha
suscitado maiores controvérsias. A adoção do termo comunidade e não sociedade parece
dever-se antes à opção pelo uso generalizado no texto constitucional dos termos
comunitário e comunidade (nos capítulos sobre justiça, educação, assistência social etc)
do que a discordâncias político-conceituais. Segundo Rodriguez Neto (2003) as
divergências relacionadas com a saúde concentraram-se em torno do temor da
“estatização”.
Assim, a efetiva participação social na formulação da plataforma da Reforma
Sanitária e a confirmação de sua imprescindibilidade para a construção do SUS no texto
constitucional viabilizou o protagonismo do movimento sanitário na condução das
propostas de mudança do sistema de saúde brasileiro. A capacidade de combinar as
matrizes conceituais sobre a compreensão do processo saúde–doença à de uma
institucionalização permeável às mudanças com a realização de alianças políticas supra-
partidárias para viabilizá-las facultaram a aproximação das diretrizes da Reforma Sanitária
às transformações político-democráticas em curso.
Logo após a aprovação da Constituição de 1988 o consenso em torno da
prioridade do tema saúde e sua inserção em um sistema de social de corte universalista
foi desfeito. Os ventos da denominada “reforma da reforma da Previdência Social” repôs
as velhas (mas com roupagens renovadas) propostas de capitalização da previdência e
focalização das políticas sociais. As conseqüências para dessa “virada” nas concepções
oficiais sobre o sistema de proteção social afetaram profundamente a velocidade,
profundidade e extensão das mudanças no sistema de saúde.
A Participação Social no Processo de Implementação do SUS: Normatização e
Ênfase no Controle Social

As normas sobre a participação social no SUS foram promulgadas em meio as


incertezas sobre a efetivação dos preceitos constitucionais. A legislação
infraconstitucional que cuidou de enfatizar e detalhar a participação da comunidade na
Administração Pública, sendo que a Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/90, a erigiu como
um dos princípios e diretrizes do SUS (artigo 7o., VIII).

Mas foi a Lei 8.142/90 que iniciou de fato os contornos da participação da


comunidade na gestão do SUS – detalhados pela legislação que se seguiu - criando as
conferências e os conselhos de saúde e determinando que cada esfera de governo -
União, Estados e Municípios deve contar com um conselho de saúde. A mesma lei atribui
a característica de órgão colegiado aos conselhos de saúde, definindo-os da seguinte
forma:

Artigo 1o. (...)


Parágrafo 2o. – O Conselho de Saúde, em caráter permanente e
deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do
governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuário,
atua na formulação de estratégias e no controle da execução da
política de saúde na instância correspondente, inclusive nos
aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão
homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada
esfera de governo.

Na esfera federal, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) é o responsável pelo


controle social. Foi instituído pela Lei 378, de 13 de janeiro de 1937, que reformulou o
Ministério da Educação e Saúde Pública, e debatia apenas questões internas. Com a
separação do Ministério da Saúde e da Educação, o CNS foi regulamentado pelo Decreto
34.347/54, com a função de assistir ao Ministro de Estado na determinação das bases
gerais dos programas de proteção à saúde 10. Desde então teve suas atribuições e
funcionamento modificados até atingir sua configuração atual. Além da Lei 8.080/90 e,
especialmente, da Lei 8.142/90, as atribuições e o funcionamento do CNS estão dispostos

10
http://conselho.saude.gov.br/apresentacao/historia.htm
no Decreto 99.438/90, parcialmente revogado pelo Decreto 4.878/03, em seu Regimento
Interno, aprovado pelo Plenário do Conselho em 1999, e também na Resolução do CNS
333/03, que fixa diretrizes para a estruturação e reorganização dos conselhos de saúde.
A maioria dos conselhos estaduais e municipais de saúde foi criada por lei
estadual ou municipal, conforme o caso. A criação por meio de lei é uma recomendação
constante atualmente da Resolução do CNS 333/03, e já constava da Resolução 33/92.
Cumpre observar que a criação por meio de lei pode significar maior legitimidade e
autonomia ao conselho de saúde, visto que sua concepção fica a cargo do Poder
Legislativo. Com isso, a possibilidade de interferência por parte do Poder Executivo -
cujas atribuições ora são repartidas ora fiscalizadas pelo conselho de saúde – já na
organização, funcionamento e composição do conselho, fica reduzida.
Sendo assim, os conselhos de saúde têm origem constitucional, sendo
regulamentados por meio de leis e de regulamentação infralegal. São órgãos do Poder
Executivo, que integram, nas respectivas esferas de governo, o Ministério da Saúde, a
Secretaria Estadual da Saúde e a Secretaria Municipal da Saúde e, portanto entes da
Administração Pública Direta.
A promulgação das normas legais sobre a participação social e seu conteúdo
gerou polêmicas no seio do movimento popular. A natureza jurídica dos conselhos de
saúde, considerada como espécie de divisão interna do governo federal, estadual ou
municipal, e a ausência de personalidade jurídica, têm sido apontadas como obstáculos
para a efetivação da participação social. Para Gerschman (1955) a democratização
emprestou um significado distinto àquele de “mobilização popular”, típico da organização
em prol da reivindicação. A dinâmica das relações entre os movimentos sociais com as
instâncias governamentais é alterada, na medida em que deixa de ser arbitrada de fora
para ser desenvolvida pelos atores envolvidos entre si e na relação com os outros.
As discordâncias com a institucionalização e burocratização da participação social
levaram a divisões do movimento popular pela saúde. No Rio de Janeiro uma corrente do
MOP defendeu a criação de um Conselho Popular de Saúde como instância autônoma
em substituição ao Conselho Estadual de Saúde. No âmbito nacional:
O dilema dos movimentos sindicais e populares entre manter uma
posição de “costas para o Estado” e interagir com este, que
atravessou as décadas de 70 e 80 e aflora no período de
constituição dos conselhos, quando alguns movimentos, ao serem
chamados, negam-se a ter uma participação institucionalizada
(Correia, 2000)
Em 1992 durante a IX Conferência Nacional de Saúde, os movimentos sociais
decidiram criar e manter fóruns independentes e autônomos para preservar a
independência e evitar a instrumentalização das entidades.
Uma outra ordem de problemas relaciona-se com a natureza territorial dos
conselhos. Segundo autores como Cohn (2003) o fato da Lei 8142 ter vinculado os
repasses de recursos a criação dos conselhos de saúde estabeleceu uma espécie de
incentivo à mobilização. Dada a precariedade de recursos municípios, regiões, unidades
federadas passam a competir por recursos. Tal lógica, a da defesa de interesses
delimitados territorialmente remeteu dificuldades aos movimentos populares que vinham
empunhando bandeiras por melhores condições de vida comuns.

A terceira norma legal que incide sobre a efetividade da participação social


relaciona-se a imposição legal da criação dos conselhos de saúde como requisito à
obtenção de recursos. A organização dos conselhos de saúde, em quase todas as
cidades brasileiras e na totalidade das unidades federadas, cuja função claramente
definida é a “aprovação das contas” redefiniu o escopo e a escala da participação social
antes ambígua. Em face da função de controlar o fundo público, a participação social
adquire a feição de fiscalização.

Diversamente aos problemas enfrentados pelo movimento popular, a participação


do movimento médico não foi comprometida em função da institucionalização dos
conselhos e conferências de saúde. Após um curto período de aproximação às teses da
Reforma Sanitária, que atribuíam a estes profissionais o cumprimento de um trabalho
assalariado com remuneração digna no setor público, as principais entidades médicas do
país passaram a privilegiar a autonomia do trabalho médico. Conforme Campos (1986) as
lideranças que substituíram aquelas que haviam contribuído para a formulação da
transformação do sistema de saúde propuseram uma agenda de trabalho que combinava
a propriedade privada, o exercício autônomo da prática médica e intervenção do Estado
baseada no credenciamento de médicos particulares.

Já no início dos anos 90, o debate sobre o caráter deliberativo ou não dos
conselhos de saúde e sua composição passaram a ter como referência uma agenda de
controle sobre o gasto público. A preponderância das acepções e práticas relacionadas
com a fiscalização direta da sociedade civil nos processos de gestão da coisa pública
refletiram nas deliberações da IX Conferência Nacional. Desde então o termo controle
social tem sido preferido, certamente por sua conotação mais direta ao “poder” de
reprovar/sancionar atos governamentais do movimento social

A participação social hoje, para abrir a caixa de pandora da gestão participativa.

Contemporaneamente, assiste-se uma profunda alteração nas formas de


participação social. Ao longo dos anos 80, a participação social centrava-se, sobretudo
no poder público. Atualmente, a orientação pela busca do aumento da participação
direta da sociedade na gestão municipal e, outrossim, pelo aumento da eficiência e
efetividade das políticas públicas procurou fazer da participação ferramenta de gestão
pública, a qual sob algumas condições passou a ser entendida e denominada de gestão
participativa. A gestão participativa hoje é termo bastante disseminado e abrange
inúmeras formas de participação.
Na saúde a gestão participativa vem sendo encarada como um desafio conceitual
e prático. A renovação e criação de instâncias mais flexíveis, porosas e efetivas às
complexas demandas sociais coadunam-se com as evidencias sobre as limitações dos
canais tradicionais de articulação entre Estado e sociedade. Por outro lado, a filiação das
promessas de participação na gestão aos projetos de reforma do Estado, amplamente
difundidos pelos organismos internacionais, visando a descentralização como estratégia
de enfrentamento dos processos de exclusão social, expõe suas intenções instrumentais.
Adicionalmente, as críticas à noção de governabilidade, que confere sentido à gestão
participativa, em função de seu suposto caráter de categoria estratégica e conteúdo
normativo de princípios e critérios e afeitos a uma lógica de mercado sinaliza a existência
de contradições incontornáveis (Fiori,1995; Oliveira ,1998 apud Santos Jr. et alii, 2004).
A difusão no país das idéias e formas institucionais de gestão encontram nos
fóruns de participação em saúde um potencial de inovação institucional na gestão das
políticas de saúde. A questão da gestão participativa ocupa então lugar privilegiado na
recente perspectiva de participação e requer para seu entendimento sua inserção no
quadro do desenvolvimento histórico de algumas formas da participação social da
sociedade civil brasileira. (Gohn, 2004a, 2004b, 2003). Ao qualificar-se a temática da
participação em outro patamar emerge a acepção de participação cidadã.
Nesse sentido, participação cidadã é a categoria central por meio da qual outros
sujeitos sociais, os cidadãos como um todo, independente de classe social e balizada
pela universalização dos direitos, produzem uma nova compreensão sobre o papel do
Estado. Intervenções sociais, periódicas e planejadas ao longo de todo circuito de
formulação e implementação de políticas públicas, transformam-se em gestão
participativa. E a nova cultura política que fundamenta as relações Estado/sociedade,
democrática por suposto, ainda que transformadora, efetiva e eficiente, é essencialmente
gestora.
As pesquisas nas ciências sociais têm apresentado nos últimos anos, frente ao
processo de consolidação da democracia brasileira, um crescente interesse pela análise
da relação entre as orientações políticas subjetivas dos indivíduos e o funcionamento do
sistema democrático. Mais recentemente parte da literatura sobre participação popular
tem procurado se debruçar nas análises de ações e projetos não totalmente
governamentais, vinculados, porém à arenas participatórias de caráter não
tradicionalmente institucionais. Os casos concretos de participação multiplicaram-se no
decorrer da última década e meia e fomentaram uma ampla gama de estudos sobre o
tema da responsabilidade social e as novas formas de democracia participativa. Suas
origens foram detectadas a partir da crise de legitimidade das formas tradicionais de
representação de interesses e nas recomendações das agências internacionais de
desenvolvimento no novo contexto internacional do final da década de 80, o que verificou-
se ademais nos distintos projetos de reforma das relações entre Estado e sociedade civil
(Gascón,Tamargo e Carles, 2005).
A compreensão dos casos concretos de participação existentes nos conselhos de
saúde e outros fóruns da mesma área pautou-se em larga medida por analisar as origens
da participação na agenda política recente. A enorme importância da construção de
regras de institucionalidade transparentes que permitiram a criação de mecanismos de
participação, com caráter democrático e propositivo que numa primeira instância- não
necessariamente efetiva- propiciassem a criação de formas diferenciadas de distribuição
de recursos nas quais as prioridades sejam as necessidades sociais e não aquelas afeitas
às necessidades do mercado, necessita por certo ser sublinhada.
Nessa mesma linha de pensamento sobre a agenda atual de temas relativos à
área da participação na saúde, é importante lembrar como o tema da governança tomou
proporções mais definitivas na medida em que a capacidade do Estado de gerir, gestar,
implementar e controlar políticas públicas tornou-se comprometida durante a década de
90; e nas mais variadas acepções teóricas e ideológicas criou elementos para que nas
ciências sociais conceitos como o de governança e o de governança local fossem
remetidos ao tema da ampliação da esfera pública - tema esse tão presente no conjunto
dos trabalhos analisados, seja nas teses ou artigos.
No que se refere aos espaços de participação, a idéia de governança nos termos
em que envolve cenários de tensões e conflitos, é certamente mais visível no que tange
ao poder local, dentro do qual atores sociais se relacionam mais diretamente e a
reconfiguração de estratégias de recomposição de grupos e lutas por hegemonia possui
maiores possibilidades de serem observados; o que é evidenciado pelos estudos de caso
das teses e artigos que abordam mais objetivamente reflexões sobre o poder local tal
como nas dissertações de doutorado de Goulart (2003) e Mendes (2000). A experiência
da construção de um espaço de explicitação de interesses baseado no preceito
democrático do reconhecimento do direito de todos à participação na vida pública,
ampliou a necessidade do exercício da fiscalização e vigilância sobre os poderes
públicos, destacando-se aqui o papel do Ministério Público, Promotorias e as recentes
Ouvidorias.
Considerando que na saúde, as idéias sobre a participação sejam direcionadas a
um projeto amplo de participação cidadã, não se deve subscrever as noções apressadas
sobre a associação dos fóruns de gestão participativa com a desqualificação ou
despolitização da força das organizações autônomas da sociedade civil. Porém é preciso
identificar as mudanças e alterações na identidade e representatividade das instâncias de
participação social.

(...) as contingências e os desdobramentos do processo político


brasileiro pós Constituição de 88, levaram à criação de esferas
públicas não estatais, como os diferentes tipos de conselhos. As
ONGs buscaram ocupar espaços nestes conselhos,
principalmente no plano municipal, legitimadas pelo trabalho “junto
as bases” (que tem sentido e significado político diferenciado do
“trabalho com as bases”) (...) no lastro das ONGs surgem outras
entidades, fundações e organizações assoaciativas (...).
(Gohn,2004:65)

Se as mais recentes necessidades sociais estão a requerer posturas que tenham


como objetivo práticas de inclusão social e a democracia participativa demanda nesse
aspecto um tipo de participação dos indivíduos e grupos em termos qualitativos e não
somente quantitativos, carecendo atingir segmentos diferenciados; o que tem sido
proposto claramente pelos foruns participativos em saúde e pelas próprias ações
governamentais visa atender grupos e agentes socioculturais com identidades
diferenciadas. A esse respeito vale nos remeter aos comitês de promoção de equidade,
objeto da fase subseqüente da pesquisa em questão.
De forma mais geral nunca é excessivo dizer que os fóruns de participação social
na saúde, tanto no campo institucional como no campo característico das práticas de
cada grupo envolvido e agentes sociais, têm sido importante espaço para representação
de interesses sociais. A diversidade de atores sociais incorporada aos fóruns pode sugerir
numa análise mais otimista que as condições básicas para a representação dos
interesses dos setores e segmentos na esfera pública é bastante razoável, considerando-
se a sua condição institucional recente, contudo, de uma maneira geral, as pesquisas
tendem a apresentar esses grupos e agentes envolvidos na participação social na saúde
como constituídos por uma espécie de elite social por diferirem do conjunto da população
quanto à participação social e política, o que não nos desobriga de reconhecer os terríveis
desafios impostos à esses espaços de participação social em saúde (Monteiro dos
Santos, 2004).
Resta ainda pontuar as atuais possibilidades que se esboçam para a gestão das
políticas sociais com a cooperação das organizações sociais públicas não-estatais, mais
bem delineadas no contexto pós reforma do Estado demonstrando como uma
necessidade de promover relações de parceria com diversos atores e com as
organizações públicas não estatais tem assumido crescente proporção na promoção de
políticas sociais.
Os pressupostos de forte conotação ideológica - que se fizeram acompanhar
dessas transformações - como autonomia, liberdade, inciativa privada, concorrência,
competitividade, eficácia/eficiência, podem por uma lado estimular a deletéria função de
tentar legitimar a retirada do Estado da prestação de serviços, mas trazem um inequívoco
apelo a um princípio de comunidade e às idéias que esse princípio carrega consigo:
participação, solidariedade, autonomia. Esse possível saldo positivo, no entanto não
autoriza a cessação das inquietações sobre o tema. A apresentação à sociedade civil
brasileira da legitimação da participação de novos atores na arena pública não estatal -
que em tese pode fortalecer a sua organização na resolução de problemas sociais - não
responde a que comunidade estamos nos referindo.
Sabemos que esta não foi uma exclusividade da sociedade brasileira, ações
autônomas no mundo inteiro têm sido revitalizadas na busca por provisão de políticas
sociais, o que mesmo considerando as especificidades de cada surgimento em seu
cenário político particular, aponta para uma hegemonização de uma perspectiva de
participação e de um ideal de princípio de comunidade. Essa noção antes restrita às
organizações autônomas da sociedade civil ou mais recentemente no Brasil à uma lógica
empresarial que se diz portadora de responsabilidade social, parece ter se aproximado
bastante das novas formas de gestão pública.
Se não há dúvida de que a participação da população cidadã e inclusão social
podem se dar através dos mecanismos de participação social na saúde e, sobretudo
sobre seu papel na construção de uma cultura política pública e de um projeto
sóciopolítico-cultural, assevera-se que a idéia de participação sofreu mutações relevantes
no que tange ao seu conteúdo de participação política.

Referências bibliográficas

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