Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Interessa reter, ainda, que a participação social como eixo de organização das
instituições responsáveis pelas políticas sociais mantém-se apesar do contexto de
1
Oficializado pelo decreto presidencial Nº 5.074, 11 de Maio de 2004. Entre outras
deliberações a IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de
2003, reafirmou a importância da participação popular " O Suas, cujo modelo de gestão é
descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo o
território nacional da rede de serviços socioassistenciais".
organização do SUS ser distinto daquele que envolve a criação do SUAS. O final dos
anos 80 caracterizou-se pelas intensas expectativas sobre as possibilidades da
redemocratização reduzir as desigualdades. Atualmente a persistência de problemas
sociais, a incipiência da efetivação dos direitos previstos Constituição de 1988 e a
preservação de um catálogo completo de discriminações no país evidencia certa
dissociação entre a conquista da democracia política e a efetivação do acesso a direitos
sociais.
2
Segundo Mário Magalhães da Silveira (1979), após a I Guerra:
“(...) os Estados Unidos surgiam como potência mais rica e poderosa. O Brasil começava a desviar-
se da Europa para os Estados Unidos e os médicos de saúde pública foram os primeiros que lá
começaram a completar seus cursos. Em 1919 quando a Universidade John Hopkins criou o primeiro
curso para médicos de saúde pública, lá estavam alguns brasileiros de São Paulo e do Rio. Voltaram
entusiasmadíssimos com a saúde pública americana (...). Os outros médicos chamavam esses
novos de `jovens turcos`. (...) O sistema americano era o sistema de centros de saúde. (...) em 1926
foi criado o primeiro centro de saúde no Brasil, o Centro de Saúde de Inhaúma dirigido pelo Dr. [José
Paranhos] Fontenelle [um dos ´jovens turcos´].
dos desenvolvidos, orientou a ação de agências multilaterais como a OMS e a OPAS nos
anos 70 e 80. Os ecos das recomendações internacionais sobre participação popular
vinculada à extensão de cobertura à populações ecoaram no Brasil. A V Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 1975, “(...) teve o efeito de legitimar, em uma base
suficiente e necessária, as propostas que envolviam a atenção à saúde das populações
marginais, com a participação dessas populações” (Escorel: 1998: 61).
3
Teixeira apud Escorel (1998) considera que o movimento sanitário caracteriza-se por: 1) por ser um
campo de construção de saber; 2) por ser um movimento ideológico; 3) ter um prática política.
4
O MOPS designa genericamente todas as formas associativas de moradores de bairros e favelas
em torno das reivindicações por melhores condições de saúde.
É importante examinar, tendo em vista a finalidade da identificação das
proposições sobre participação social, as origens e vinculações da reflexão crítica e as
práticas alternativas relacionadas à saúde com movimentos políticos e sociais não
setoriais que influenciaram o debate e o redimensionamento das relações entre Estado e
sociedade nesse período. A indissociabilidade do movimento popular com as
experiências das Comunidades de Base da Igreja, do movimento médico com as
mudanças na inserção profissional, caracterizadas pela perda de autonomia decorrente
da ampliação da intervenção estatal e empresariamento privado da prática médica, da
inspiração comunista da associação da saúde à democracia e Reforma Sanitária foi
registrada pela literatura.
5
O temário da VIII Conferência contemplou três pontos centrais: "Saúde como dever do Estado e
direito do cidadão", "Reformulação do Sistema Nacional de Saúde" e "Financiamento setorial".
6
Alicerçado na visão histórico estrutural da sociedade, mas também na “questão institucional
médica” (expressão utilizada por LUZ, 2000) que a partir dos anos 70, na Europa, mobilizou
intelectuais como Michel Foucalt.
A presença do movimento sanitário nos fóruns de debate e articulação do
programa de governo de transição democrática bem como a nomeação de vários de seus
líderes para ocupar cargos relevantes no sistema de saúde viabiliza a convocação de um
amplo fórum de debates, reflexões e deliberação sobre o sistema nacional de saúde – a
VIII Conferência Nacional de Saúde. Na VIII Conferência Nacional de Saúde, a
participação social adquire expressão concreta. A presença de cerca de 4 mil delegados
de um amplo leque de movimentos sociais explicita a imprescindibilidade da participação
social para a construção de um novo modelo de saúde.
7
Jairnilson Paim atualmente é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade
Federal da Bahia.
8
Antonio Ivo de Carvalho atualmente é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e Diretor da Escola
Nacional de Saúde Pública.
Uma variação dessa acepção de participação popular, como participação na
construção e luta pela democratização da saúde, distingui-se pela delimitação da
composição dos participantes e seus efeitos sobre o acesso aos serviços e cuidados de
saúde. As considerações sobre a participação das “populações excluídas,
marginalizadas” e conseqüências para a obtenção de acesso desses grupos
populacionais também foi apresentada ao plenário, durante a VIII Conferência Nacional
de Saúde. “A participação é o principal instrumento de avanços para conquistas
verdadeiras das populações carentes (João Yunes9, Secretário da Saúde do Estado de
São Paulo, Ibidem, 1986). Mas, a maioria dos posicionamentos, sobre participação
popular, firmaram-na como sendo “a participação de todos” “participação de todos os
segmentos” em “todos” os âmbitos do sistema: formulação e definição de
políticas/prioridades, no planejamento, na gestão e na avaliação. Isto é, prevaleceu a
concepção sobre a participação como principio, como direito por meio do qual a
sociedade decide sobre seu futuro e não como mero requisito para aumentar os
recursos assistenciais de grupos populacionais excluídos.
No Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde constam alusões à
participação social em todos os temas debatidos e postos à aprovação dos delegados.
Observa-se que a priorização de determinadas dimensões da participação social
acompanha as especificidade dos temas abordados. No tema Saúde como Direito
constatou-se “a debilidade da organização da sociedade civil, com escassa participação
popular no processo de formulação e controle das políticas e dos serviços de saúde;
participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de
saúde” e recomendou-se: a “participação da população, através de suas entidades
representativas, na formulação da política, no planejamento, na gestão, na execução e na
avaliação das ações de saúde” bem como “estimular a participação da população
organizada nos núcleos decisórios, nos vários níveis, assegurando o controle social sobre
as ações do Estado”. No tema Reformulação do Sistema Nacional de Saúde sublinhou-
se a forma institucional de participação “ deverão também ser formados conselhos de
saúde em níveis local, municipal, regional e estadual, compostos de representantes
9
João Yunes em 1986 era Secretário Estadual de Saúde de São Paulo. Depois de seu mandato na
Secretaria de Saúde de São Paulo, tornou-se representante da OPAS e da OMS em Cuba (1987-
1989). Mais tarde assumiu o cargo de Coordenador do Programa de Saúde Materno-Infantil da Opas
em Washington. No retorno ao Brasil tornou-se professor titular da Faculdade de Saúde
Pública/USP e assumiu a função de Diretor Interino da BIREME–Opas, onde permaneceu até 1998.
Faleceu em 2002 quando exercia o cargo de Diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP.
eleitos pela comunidade (usuários e prestadores de serviço), que permitam a participação
plena da sociedade no planejamento, execução e fiscalização dos programas de saúde.
Deverá ser garantida a eleição das direções das unidades do sistema de saúde pelos
trabalhadores desses locais e pela comunidade atendida”. E, no tema Financiamento a
ênfase recaiu sobre o caráter de gestão/fiscalização dos fundos públicos “os Fundos de
Saúde, nos diferentes níveis, serão geridos conjuntamente com a participação colegiada
de órgãos públicos e da sociedade organizada”.
À semelhança de outras deliberações da VIII Conferência Nacional de saúde, a
participação social foi assegurada constitucionalmente. A Constituição de 1988 prevê a
participação da comunidade na gestão das ações e serviços de saúde, consolidadas no
Sistema Único de Saúde – SUS (artigo 198, III). Os relatos sobre as polêmicas e os
embates travados no encaminhamento, apreciação e aprovação das teses sobre saúde
na Constituição sugerem que a participação social no Sistema Único de Saúde não tenha
suscitado maiores controvérsias. A adoção do termo comunidade e não sociedade parece
dever-se antes à opção pelo uso generalizado no texto constitucional dos termos
comunitário e comunidade (nos capítulos sobre justiça, educação, assistência social etc)
do que a discordâncias político-conceituais. Segundo Rodriguez Neto (2003) as
divergências relacionadas com a saúde concentraram-se em torno do temor da
“estatização”.
Assim, a efetiva participação social na formulação da plataforma da Reforma
Sanitária e a confirmação de sua imprescindibilidade para a construção do SUS no texto
constitucional viabilizou o protagonismo do movimento sanitário na condução das
propostas de mudança do sistema de saúde brasileiro. A capacidade de combinar as
matrizes conceituais sobre a compreensão do processo saúde–doença à de uma
institucionalização permeável às mudanças com a realização de alianças políticas supra-
partidárias para viabilizá-las facultaram a aproximação das diretrizes da Reforma Sanitária
às transformações político-democráticas em curso.
Logo após a aprovação da Constituição de 1988 o consenso em torno da
prioridade do tema saúde e sua inserção em um sistema de social de corte universalista
foi desfeito. Os ventos da denominada “reforma da reforma da Previdência Social” repôs
as velhas (mas com roupagens renovadas) propostas de capitalização da previdência e
focalização das políticas sociais. As conseqüências para dessa “virada” nas concepções
oficiais sobre o sistema de proteção social afetaram profundamente a velocidade,
profundidade e extensão das mudanças no sistema de saúde.
A Participação Social no Processo de Implementação do SUS: Normatização e
Ênfase no Controle Social
10
http://conselho.saude.gov.br/apresentacao/historia.htm
no Decreto 99.438/90, parcialmente revogado pelo Decreto 4.878/03, em seu Regimento
Interno, aprovado pelo Plenário do Conselho em 1999, e também na Resolução do CNS
333/03, que fixa diretrizes para a estruturação e reorganização dos conselhos de saúde.
A maioria dos conselhos estaduais e municipais de saúde foi criada por lei
estadual ou municipal, conforme o caso. A criação por meio de lei é uma recomendação
constante atualmente da Resolução do CNS 333/03, e já constava da Resolução 33/92.
Cumpre observar que a criação por meio de lei pode significar maior legitimidade e
autonomia ao conselho de saúde, visto que sua concepção fica a cargo do Poder
Legislativo. Com isso, a possibilidade de interferência por parte do Poder Executivo -
cujas atribuições ora são repartidas ora fiscalizadas pelo conselho de saúde – já na
organização, funcionamento e composição do conselho, fica reduzida.
Sendo assim, os conselhos de saúde têm origem constitucional, sendo
regulamentados por meio de leis e de regulamentação infralegal. São órgãos do Poder
Executivo, que integram, nas respectivas esferas de governo, o Ministério da Saúde, a
Secretaria Estadual da Saúde e a Secretaria Municipal da Saúde e, portanto entes da
Administração Pública Direta.
A promulgação das normas legais sobre a participação social e seu conteúdo
gerou polêmicas no seio do movimento popular. A natureza jurídica dos conselhos de
saúde, considerada como espécie de divisão interna do governo federal, estadual ou
municipal, e a ausência de personalidade jurídica, têm sido apontadas como obstáculos
para a efetivação da participação social. Para Gerschman (1955) a democratização
emprestou um significado distinto àquele de “mobilização popular”, típico da organização
em prol da reivindicação. A dinâmica das relações entre os movimentos sociais com as
instâncias governamentais é alterada, na medida em que deixa de ser arbitrada de fora
para ser desenvolvida pelos atores envolvidos entre si e na relação com os outros.
As discordâncias com a institucionalização e burocratização da participação social
levaram a divisões do movimento popular pela saúde. No Rio de Janeiro uma corrente do
MOP defendeu a criação de um Conselho Popular de Saúde como instância autônoma
em substituição ao Conselho Estadual de Saúde. No âmbito nacional:
O dilema dos movimentos sindicais e populares entre manter uma
posição de “costas para o Estado” e interagir com este, que
atravessou as décadas de 70 e 80 e aflora no período de
constituição dos conselhos, quando alguns movimentos, ao serem
chamados, negam-se a ter uma participação institucionalizada
(Correia, 2000)
Em 1992 durante a IX Conferência Nacional de Saúde, os movimentos sociais
decidiram criar e manter fóruns independentes e autônomos para preservar a
independência e evitar a instrumentalização das entidades.
Uma outra ordem de problemas relaciona-se com a natureza territorial dos
conselhos. Segundo autores como Cohn (2003) o fato da Lei 8142 ter vinculado os
repasses de recursos a criação dos conselhos de saúde estabeleceu uma espécie de
incentivo à mobilização. Dada a precariedade de recursos municípios, regiões, unidades
federadas passam a competir por recursos. Tal lógica, a da defesa de interesses
delimitados territorialmente remeteu dificuldades aos movimentos populares que vinham
empunhando bandeiras por melhores condições de vida comuns.
Já no início dos anos 90, o debate sobre o caráter deliberativo ou não dos
conselhos de saúde e sua composição passaram a ter como referência uma agenda de
controle sobre o gasto público. A preponderância das acepções e práticas relacionadas
com a fiscalização direta da sociedade civil nos processos de gestão da coisa pública
refletiram nas deliberações da IX Conferência Nacional. Desde então o termo controle
social tem sido preferido, certamente por sua conotação mais direta ao “poder” de
reprovar/sancionar atos governamentais do movimento social
Referências bibliográficas