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CAVALCANTE, P.P. A. SILVA, C. O. Da S. - Aulas de Campo e As Práticas Educomunicativas - A Sala de Aula Encontra A Realidade PDF
CAVALCANTE, P.P. A. SILVA, C. O. Da S. - Aulas de Campo e As Práticas Educomunicativas - A Sala de Aula Encontra A Realidade PDF
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Abstract: This paper discusses the field classes of the Educomunication course
of the Digital Systems and Media (UFC), as meaningful practice in developing
educommunicators professionally. The field classes, inspired by Freinet’s class
outing (1998), are held throughout the semester to meet educomunicative
practices in the school context and non-governmental organizations and
represent a moment when the classroom meets reality, generating knowledge
exchange among the participants. It is possible for students to articulate the
theoretical knowledge with practical experience, strengthening learning. In these
meetings, apart from understanding the communication experiences developed in
these institutions, the students have the opportunity to teach workshops for
children and young people from the training received in the classroom. Through
an evaluative questionnaire of such activities, it has been established that the
field classes are significant initiatives to understand the educational
communication as a social intervention area and for the career development of
the future professional of the Digital Systems and Media course because they
allowed bridging the university context and the school context, contributing to
the understanding that dialogic and participatory practices promote new ways of
learning.
Key words: Educational communication. Field classes. Learning.
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Trabalho apresentado na Divisão Temática DTI 4 - Educomunicação do XIV Congresso Internacional
IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015.
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Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: andrea@virtual.ufc.br
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Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: catia@virtual.ufc.br
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Introdução
A disciplina de Educomunicação, criada em 2013, é optativa do Curso Sistemas e Mídias
Digitais (SMD) da Universidade Federal do Ceará, de natureza interdisciplinar, sendo
constituído por docentes de várias áreas do saber, especialmente das áreas de Computação,
Educação e Comunicação Social. Foi criado no Instituto UFC Virtual, espaço da
Universidade com larga experiência em Educação a Distância, sendo responsável pelos
cursos de graduação semipresenciais da Universidade Aberta do Brasil e reconhecido
como um dos mais eficazes centros de produção de material didático digital.
O curso possui duas áreas de concentração, Sistemas Multimídia e Mídias Digitais. Nos
semestres iniciais, os três primeiros, os alunos cursam conjuntamente as disciplinas
obrigatórias e a partir do quarto semestre, elegem as disciplinas de maior interesse entre as
duas áreas, definindo assim a sua trajetória de formação. Os itinerários formativos, como
são designados, compõem-se de um conjunto de disciplinas optativas que orientam a
formação do aluno em determinada área do conhecimento, como jogos digitais, sistemas
web e animação gráfica. A primeira oferta para ingresso de alunos se deu em 2010.
Atualmente são cerca de 300 alunos matriculados nos cursos diurno e noturno.
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formativos. Na próxima seção, apresentamos os conceitos de conhecimento complexo e
pluriversitário.
Morin (2011), por sua vez, entende que está na ideia de complexidade a chave para a
ruptura com a fragmentação científica.
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Segundo o autor, “no conhecimento-regulação a ignorância é concebida como caos e o saber como ordem;
no conhecimento-emancipação, a ignorância é concebida como colonialismo e o saber como solidariedade”
(2006, p.155).
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epistemologia positivista, em detrimento das epistemologias alternativas”. (SANTOS,
2006, p. 155).
Nessa mesma linha de entendimento, Morin fala em re-ligação de saberes de modo que
seja possível articular a cultura das humanidades e a cultura científica (2011, p.33),
favorecendo novas formas de pensar. “É nessa mentalidade que se deve investir, no
propósito de favorecer a inteligência geral, a aptidão para problematizar, a realização da
ligação dos conhecimentos” (p.32).
A disciplina de Educomunicação assume, pois, esse desafio de, articular as questões dos
campos da comunicação e da educação, na perspectiva do conhecimento complexo e
pluriversitário.
A Educomunicação no SMD
Temas relativos às áreas da Comunicação e Educação têm sido estudados por diferentes
cursos e disciplinas na Universidade Federal do Ceará (UFC). Entretanto, foi somente no
âmbito do Curso Sistemas Mídias Digitais, que a primeira disciplina denominada
“Educomunicação” foi criada com carga horária de 64 h/a, sendo 32 h/a teóricas e 32 h/a
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práticas. A iniciativa de criar a disciplina partiu de duas docentes do curso com trajetórias
profissionais e acadêmicas ligadas a esse campo e que atuam juntas desde a concepção da
proposta de trabalho, a cada semestre, até a realização das aulas.
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aluno então desenvolve uma produção relacionada ao que aprendeu, seja individualmente
ou em grupo. O objetivo das oficinas não é somente conferir capacitação técnica ao aluno,
mas proporcionar-lhe uma oportunidade de reflexão crítica e ainda de expressão das suas
subjetividades. Ao criar seu próprio fanzine, conto digital etc, o aluno também é chamado
à reflexão para a aplicação educomunicativa do que desenvolveu em cenários educativos
reais.
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palavra geradora, “tornou possível a geração de novos sentidos [...] instaurando o espaço
da comunicação”.
Setton (2011, p. 7, 8), por sua vez, introduz na discussão o componente da cultura. Para ela
as mídias precisam ser consideradas “como matrizes de cultura porque atuam enquanto
agentes sociais da educação”.
[...] as culturas, entre elas a cultura das mídias, devem ser vistas enquanto
processo; devem ser vistas nos atos de produção, nos atos que envolvem a
divulgação e nos atos de promoção das mensagens, bem como nos atos de
recepção daquilo que é produzido. [...] A cultura não se reduziria aos
objetos, símbolos morais ou bens materiais de uma sociedade, mas se
apresentaria também como resultado das diferenças de sentido ou diferenças
de usos entre os diversos indivíduos que a produzem e a consomem [...] A
cultura mediatiza uma ideia, um sistema de ideias, ela oferece um discurso
que cria os sentidos e as verdades. (SETTON, 2011, p. 19, 21, grifo nosso).
Para Soares (2011), o termo educomunicação passou a ser adotado para designar as
práticas não restritas ao âmbito da leitura crítica da mídia, mas que envolviam a produção
midiática em si, como os jornais e as rádios escolares, por exemplo.
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Soares (2011, p. 44, grifo do autor), assim, nomeia o campo da educomunicação: “um
conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos,
programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos”.
O sentido de ecossistema é para o autor “uma figura de linguagem para nomear um ideal
de relações, construído coletivamente, em dado espaço, em decorrência de uma decisão
estratégica de favorecer o diálogo social” (SOARES, 2011, p. 44) em oposição ao
entendimento de Martín-Barbero, que designa ecossistema como nova ambiência
proporcionada pelas tecnologias e na qual estamos todos compulsoriamente imersos.
Soares (2011, p. 49) relaciona seis áreas de intervenção segundo as quais as práticas
educomunicativas estão situadas. O autor defende o argumento de que as áreas de
intervenção funcionam como “pontes lançadas entre os sujeitos sociais e o mundo da
mídia, do terceiro setor, da escola”.
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aprendizagem, a dimensão da inclusão digital e a dimensão como meio de expressão, que
busca a participação de jovens (BELLONI, 2012, p. 52).
Entendemos que tais aulas de campo constituem espaços ricos de formação, como propõe
Avena (2008): “A viagem é uma possibilidade de formação, é um espaço sócio-cultural de
construção do conhecimento, é um movimento multirreferencial. É, em síntese, um espaço
de aprendizagem multirreferencial privilegiado para a difusão do conhecimento” (2008,
p.93).
A viagem como espaço de formação, no sentido proposto por Avena (2008), se relaciona
ainda com o conceito de Educomunicação de Donizete Soares (2006, p.01), como sendo
um campo de pesquisa, de reflexão e de intervenção social (...) “um campo de ação
política, entendida como o lugar de encontro e debate da diversidade de posturas, das
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diferenças e semelhanças, das aproximações e distanciamentos” (2006, p.04), com o qual
temos completa identificação.
Ao longo de três semestres foram realizadas quatro aulas de campo e na ocasião foram
ministradas oficinas de fanzine, podcasting, stop motion, contos digitais e sobre redes
sociais na educação. Em 2015.1 estão previstas duas viagens. Em abril, para a Fundação
Casa Grande, em Nova Olinda e em maio, para a Escola Padre Rodolfo Ferreira da Cunha.
Estão em fase de preparação as oficinas que serão oferecidas pelos estudantes às crianças e
jovens que atuam na Fundação Casa Grande, bem como aos demais estudantes do
município e cujas temáticas foram definidas: “Laboratório Criativo de Imagens”,
“Campanhas Educativas no Rádio”, “Acessibilidade em portais digitais: Web design e
linguagem de programação (CSS e XHTML)” e “Ensaios em Arte-educação”.
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crianças que aprenderam sobre as histórias dos povos indígenas que habitaram o lugar e
explicam com pertinência os achados da pesquisa arqueológica feita pela Fundação.
O Programa de Turismo é responsável por receber os visitantes que podem se hospedar nas
pousadas comunitárias mantidas pelos pais das crianças e jovens que atuam na Fundação,
bem como pela orientação sobre as atividades que podem ser realizadas na cidade de Nova
Olinda e na região do Cariri de maneira geral.
O contexto das aulas de campo que acontecem em Trairi é bem diverso, visto tratar-se de
uma instituição educacional. Na sala de aula os alunos vivenciam experiências de
educomunicação, tais como o Bioclick, projeto do ensino de Biologia que propõe a
observação da fauna e da flora do município litorâneo de Trairi, para além dos livros
didáticos e das aulas expositivas. Tal projeto consistiu na realização de concurso
fotográfico sobre o ecossistema local, através de registro fotográfico, por meio de telefone
celular, para publicação no perfil Rizoma do Canaan, o Facebook. Na rede social foi
possível interagir com os conteúdos publicados, ampliando assim, o diálogo antes restrito
ao espaço da sala de aula.
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conhecer aspectos do meio ambiente local, como o mangue do Rio Mundaú, comprometido
devido às inúmeras fazendas de carnicicultura da região, bem como o engenho de cana de
açúcar onde se fabrica rapadura e outros produtos e ainda o trabalho da Associação de
Moradores de Canaan, que mantém uma emissora de rádio de alto-falantes, uma biblioteca
comunitária e oferece cursos gratuitos de informática.
Mediante questionário de avaliação de tais atividades foi possível constatar que as aulas de
campo são iniciativas significativas para a compreensão da educomunicação como área de
intervenção social e para a formação do futuro profissional do curso de Sistemas e Mídias
Digitais porque possibilitaram aproximar o contexto universitário do contexto escolar,
contribuindo para o entendimento de que práticas dialógicas e participativas favorecem
novas formas de aprendizagem.
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A vivência foi muito importante para nossa formação como possíveis
educomunicadores. Lá tivemos a oportunidade de ver de perto e experimentar mais
do contexto educomunicacional que tanto temos lido a respeito em artigos e
discutido em nossas aulas. Foi muito gratificante participar do processo de
compartilhamento de conhecimentos. É como se agora nos sentíssemos um
pouquinho também responsáveis por aquele projeto. Em suma, foi uma experiência
que, com certeza, impactou a todos nós e sempre será lembrada como um exemplo
do que podemos fazer e um incentivo para irmos mais além (entrevistado 5).
Muitos alunos mencionaram ainda, que pela primeira vez em sua formação acadêmica,
saíram do espaço da Universidade e vivenciaram realidades distintas das que estão
familiarizados. Alguns consideraram gratificante a possibilidade de trocar experiências
com grupos de crianças e adolescentes de várias regiões do estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os depoimentos dos entrevistados indicam que as aulas de campo, de fato, se constituem
como espaços de formação multirreferencial, como defende Avena (2008). São
identificadas ainda como ações de intervenção social, no sentido de que pela troca de
conhecimentos, os saberes se interconectam, na perspectiva do conhecimento complexo de
Morin (2011). Fica evidenciado também, pelas respostas ao questionário, que pelo
encontro, todos os envolvidos são afetados, do ponto de vista das suas subjetividades.
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