Balanço de 30 Anos Sem Chico M Endes: Dercy Teles de Carvalho

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BALANÇO DE 30 ANOS SEM CHICO MENDES

Dercy Teles de Carvalho

Reproduzimos' a seguir, entrevista com sindicato no período de 2006'17 foi marcada


Dercy Teles de Carvalho. Ela foi realizada por por um combate permanente contra as
Nazira Camely (acreana de Cruzeiro do Sul, ex- mazelas produzidas pelo capitalismo verde no
professora da Ufac e atual professora de Acre e por uma defesa intransigente da
Economia da UFF) em maio de 2018, em liberdade e autonomia sindical.
Xapuri. Essa entrevista foi cedida por Nazira a O balanço que Dercy faz a seguir, dos 30
Elder Andrade de Paula, professor da Ufac, anos sem Chico Mendes* mostra com
para utilização em pesquisa e publicações. A formidável lucidez e vigor que o legado de
transcrição e organização deste texto foi Chico Mendes permanece vivo. Com a palavra,
realizada por Elder Andrade de Paula. Dercy:
Dercy Teles de Carvalho nasceu no "Passados 30 anos do assassinato de

município de Xapuri, mora e vive na Chico Mendes, o que houve foi um retrocesso
"colocação"1 pimenteira, seringal Boa Vista. naquilo que se defendia para a ciasse
Foi formada pelas Comunidades Eclesiais de trabalhadora rural, especialmente para os
Base (CEBs) e ainda muito jovem foi eleita, em extrativistas. Na verdade, tudo que a gente

1981, presidente do Sindicato dos sonhou e defendeu um dia, retrocedeu e hoje


Trabalhadores Rurais de Xapuri. Antecedeu existe apenas uma política de enganação
Chico Mendes, que foi eleito no final de 1982. utilizando o nome de Chico Mendes. Inclusive,
Foi a primeira mulher a exercer esse cargo no dizendo que o sonho dele está sendo realizado,
Acre e uma das primeiras no Brasil. Participou que era o homem sobreviver da floresta em pé.
como educadora popular do Projeto Eu nunca vi floresta deitada, não; toda floresta
Seringueiro nos anos 1980 e retornou à direção é em pé, acho uma aberração esse tipo de
do Sindicato como presidente no período de afirmação.

2006-2014, e como vice-presidente entre O que Chico Mendes defendia foi por
2014-17. água abaixo porque ele defendia a vida na
Atualmente, faz parte da direção da floresta com dignidade, mas com a

Federação dos Trabalhadores da Agricultura preservação da floresta. Não adianta insistir

no Acre (Fetacre). Sua gestão na direção do que nós, extrativistas, moradores das florestas

Denominação dada ao lugar de vida e trabalho dos seringueiros e sua família. Constituída geralmente pela casa de moradia e uma área
destinada à pequena agricultura e criação de animais, circundada pelas estradas de seringa. O tamanho médio dessas colocações gira em torno
de 300 ha.

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da Amazônia, vamos se adequar com plantio porque a primeira coisa que eles fizeram foi

de cacau, de seringueira, com plantio de intervir nas organizações da sociedade civil


qualquer espécie porque não faz parte da para enfraquecer o movimento e aí poder fazer
nossa cultura. A nossa cultura é extrativista: é essas distorções, porque o primeiro plano de
explorar o que a natureza já tem pronto e fazer utilização das Resex foi construído em
agricultura de subsistência. Foi assim que a assembléias, com participação dos próprios
gente nasceu, cresceu e vive até agora.
moradores.
E tudo o que a gente defendia, com a
Através das mudanças no SNUC2, as leis
eleição, com a chegada do PT aos governos
que regem as Unidades de Conservação, eles
estadual, federal e municipal, foi distorcido.
foram retirando a autonomia dos moradores
Eles distorceram a política que nós
corn a criação de um conselho gestor da Resex
defendíamos porque passaram a defender os
que não tem autonomia, não tem paridade.
interesses do grande capital, que é quem
Eles foram desconstruindo o plano de
financia os candidatos que se elegem.
utilização através de normativas elaboradas
Tem mais um detalhe: nesses 30 anos,
em Brasília, de acordo com os interesses do
tudo que se construiu de organização na
grande capital, e trazendo apenas para o
sociedade civil foi desfeito porque houve
conselho homologar, com a lista de presença
interferência do Estado na oferta de benesses
dos conselheiros, e aí poderem dizer que os
para as principais lideranças que conduziam o

movimento. E deu no que deu porque a representantes dos trabalhadores estavam de

desmobilização da sociedade civil era essencial acordo com essas normativas.

para implantar o que aí está. Com a sociedade E criaram todas essas mudanças que

mobilizada, seria difícil chegar no patamar que prejudicaram a vida dessa população,

se chegou. inclusive, no sentido de desterritorializá-la

Na verdade, o que aconteceu foi um porque ela não tem poder sobre seu território,

grande retrocesso a partir da eleição dos começando pela exploração madeireira:

membros do PT porque eles desconstruíram porque se libero minha "colocação" para fazer

todo um processo de organização que foi exploração madeireira, a área inventariada


construído ao longo dos 20 anos de ditadura. deixa de me pertencer, e eu não tenho mais
Eles destruíram em 20 anos de gestão do PT autonomia de tirar uma árvore, de fazer nada,
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Sistema Nacional de Unidades de Conservação. de fazer um roçado.

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Isso também faz parte do REDD+. É um A extração madeireira via Plano de

conjunto de medidas que vai tirando a Manejo Florestal Sustentável - PMFS é, na

autonomia até o extrativista desistir e dali verdade, mais uma atividade predatória que
abandonar sua moradia espontaneamente e não traz benefício, e sim, sacrifício para o

virar delinquente nas periferias. Eu chamo de morador da floresta. É uma das atividades que
uma expulsão moderna, que não usa mais o considero das mais predatórias. Ela, além de
pistoleiro, a força policial, mas tem a estratégia levar as árvores de madeira de lei, também
de expulsar tão sutil que as pessoas saem de afugenta as caças e tira as árvores que
livre e espontânea vontade, e quem vê eles produzem alimentos para essas caças. A
saindo não percebem que estão saindo de tendência, se essa atividade continuar, é a
espontânea vontade. desertificáção da floresta. Ou seja, o
Apesar de ter havido investimentos desaparecimento do ser humano porque não
romo construção de ramais3, política de vai ter razão para permanecer. É uma atividade
habitação ter entrado na Resex, com que mexe no meio ambiente como um todo.
construção de banheiros e tudo mais, isso não Tem várias famílias que se
garante a permanência porque não existe decepcionaram e saíram do manejo, porém
nenhuma alternativa de geração de renda para eles assinaram contrato que os obrigaram a
que essas pessoas possam permanecer lá, ceder a área inventariada para a empresa que
vivendo dignamente. inventariou, porque ela teve um custo. Por
Essas modificações foram feitas na isso, a exploração nessa área vai continuar,
legislação em nome da preservação ambiental independente da decisão do morador em sair.
que chamam de "desenvolvimento A gente nunca viu esse contrato porque eles
sustentável" - que de sustentabilidade não tem não deixam cópia com o morador.
nada, porque o principal a ser sustentável é o
Essa história do manejo comunitário
ser humano, e quem garante a
dos produtos florestais é uma balela porque
sustentabilidade são as pessoas. Se essas
não tem nada de comunitário. A única
pessoas não têm sustentabilidade, não têm
participação da comunidade é autorizar que se
renda para garantir e atender o consumismo
tire a madeira, mas eles sequer acompanham.
que foi demandado com essa infraestrutura
O corte é empresarial; é forte razão para que
que foi colocada no setor rural, não tem como
tirem madeira de várias espessuras, brancas e
elas permanecerem lá.
duras.
3Denominação dada regionalmente às estradas vicinais.

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SUMÁRIO

& Balanço dos 3 0 anos sem Chico M endes (Dercy Teles de Carvalho) 7

4<>Trinta anos pós-assassinafo de Chico M endes e os desafios do sindicalism o 10


rural no Acre (Elder Andrade de Paula)

Chico M endes vive na luta anticapítalista e antifascista! (que é um a luta só) 16


(Michael F. Schm idlehner)
Ascensão e queda - o "desenvolvim ento sustentável" e a força política da 29
Frente Popular do Acre (Israel Souza)

A "sebraelização do in d igenism o" na Am azônia Ocidental como estratégia 42


para a mercantilização e a financeirização (Lindom ar Dias Padilha)
Usos e abusos da im agem de Chico M endes na legitim ação da "econom ia 49
verde" (Maria de Jesus M orais)
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
Órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Regional Amazônia Ocidental

TRINTA ANOS
POS-AS3ASS1NATO DE

CHICO MENDES
E DESTRUIÇÃO OCULTA DE
FLORESTAS E VIDAS NO ACRE

ORGANIZAÇÃO EDITORIAL: Rosenilda Nunes Padilha, Michel E Schmidlehner,


Bárbara Silva Figueiredo e Israel Souza
ARTE DE CAPA: Antônio Fellipi Morais Ferreira
RE VISÃO: Bárbara Silva Figueiredo
PROJETO GRÁFICO: Jerson Oliveira da Silva

Apoio:

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sicfd-terresolidaire

Rio Branco, dezembro de 2018.

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