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Débora Butruce
Or ganizadora do Cachaça Cinema Clube,
técnica em preservação e restauração de filmes e mestranda
em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense.
Cineclubismo no Brasil
Esboço de uma história
be de Cinema de São Paulo. A iniciativa seu de Arte Moderna (MAM), transfor man-
partirá do meio acadêmico, da Faculda- do-se em Filmoteca do MAM, embrião da
de de Filosofia da Universidade de São futura Cinemateca Brasileira. No ano de
Paulo, e está intimamente ligada a um 1952, a FMAM organiza em São Paulo a
momento de grande agitação cultural na “Primeira Retrospectiva do Cinema Bra-
capital paulista. Momento este que ante- sileiro”, em colaboração com os centros
cederá em alguns anos a primeira tenta- de estudos cinematográficos do Rio e São
tiva de uma indústria cinematográfica no Paulo. Pela primeira vez no país, realiza-
país: a Vera Cruz. va-se uma mostra retrospectiva de filmes
brasileiros de forma didática, com pales-
Essa primeira fase do cineclubismo no
tras após as sessões, trazendo para no-
Brasil terá um caráter um tanto restrito,
vas gerações filmes de difícil acesso.
já que as discussões aconteciam entre um
pequeno grupo de intelectuais dotados de Curiosamente, outro componente funda-
uma expressiva cultura cinematográfica. mental para a ampliação do movimento
Mas, ao mesmo tempo, a iniciativa suge- será a Igreja. Desde 1936, criado pela
re uma nova forma de se relacionar com Ação Católica Brasileira, funcionava o
o cinema, o início de uma reflexão críti- Serviço de Informações Cinematográfi-
ca e coletiva. Nesse aspecto, será um cas, de onde eram divulgados boletins
avanço fundamental, pois demonstrará a com as cotações morais dos filmes exi-
insatisfação com o que era oferecido pela bidos no Brasil. Além desse aspecto, a
rede comercial, propondo uma nova for- Igreja estabeleceu uma verdadeira polí-
ma de exibição e apreciação de cinema. tica para a atividade cineclubista, mobi-
Mas toda essa agitação cultural não foi lizando pessoas e recursos e tornando-
setores da época. O Departamento de Im- brasileiro até o início dos anos de 1960.
be de Cinema após pouco mais de dez cineclubes que chegaram a existir sob a
seguiram durante pouco tempo, clandes- considerada uma das únicas vertentes de
Fachada do cinema Odeon em dia de sessão do Cachaça Cinema Clube. Foto de Mauro Kury, 2003.
Sessão do Cachaça Cinema Clube no cinema Odeon. Foto de Mauro Kury, 2003.
documento em que afirmam seu compro- ca, a instrumentalização que muitos par-
metimento com o cinema brasileiro e sua tidos e outras organizações faziam des-
defesa, conhecido como “Carta de sa atividade não se mostrou mais neces-
Curitiba”, e exprimem uma postura poli- sária. A partir deste ponto, efetivou-se
ticamente engajada, típica desse perío- uma nova fase por parte daqueles que
do. A Carta também previa a criação de estavam interessados em um trabalho
uma distribuidora alternativa de filmes, verdadeiramente cultural. Com a escas-
com o objetivo de fornecer opções às sez de películas em 16 mm, muitos
exíguas fontes de abastecimento de pe- cineclubes se direcionaram para a
lículas, principalmente em 16 mm, con- profissionalização, optando por montar
siderada a bitola cineclubista. Mas tal salas com equipamentos em 35 mm. Es-
ação será concretizada somente em ses cineclubes obtinham respaldo na
1976, quando o Conselho Nacional de bem-sucedida empreitada do Cineclube
Cineclubes cria um departamento exclu- Bexiga, em São Paulo, um dos mais im-
sivo para a distribuição de filmes – a Dis- portantes dessa época. A idéia agradou
tribuidora Nacional de Filmes em cheio ao público cinéfilo, sendo copi-
(Dinafilme). A Distribuidora teve seu fun- ada posterior mente por diversos
cionamento bastante prejudicado em cineclubes, como o Estação Botafogo, no
razão das constantes invasões e apreen- Rio de Janeiro, Oscarito e Elétrico, em
sões de filmes feitas pela ditadura mili- São Paulo, e Savassi, em Belo Horizonte.
tar, além de nunca ter se mostrado viá-
vel do ponto de vista econômico e Com a quase extinção da produção cine-
organizacional, apesar dos esforços nes- matográfica no Brasil no início dos anos
sa direção. de 1990, muitos cineclubes e suas enti-
dades representativas praticamente de-
Essa nova fase da atividade no Brasil será
saparecem, salvo raras exceções. Uma
marcada pela ampla presença de
delas é o cineclube Incinerasta, que ini-
cineclubes em quase todos os estados e
cia suas atividades em meado da déca-
nas principais capitais, indo além de esco-
da, no Rio de Janeiro. Ligado ao meio
las e universidades. Nesse momento, o
universitário, era composto por realiza-
cineclubismo se desenvolveu sobretudo em
dores dos mais diferentes for matos
sindicatos e associações, o que lhe garantiu
(super-8, 16 mm, vídeo), em sua maio-
uma feição extremamente popular.
ria curtas-metragistas que buscavam uma
O advento da Nova República, em 1985, alter nativa para a circulação de suas
fez com que muitos cineclubes caracte- obras. Nessa época nota-se também a
rizados essencialmente por uma atitude criação de diversos centros culturais, que
político-cultural perdessem sua função. privilegiam produções dirigidas a um
Com a volta da normalidade democráti- público mais restrito.
Nos primeiros anos de 2000, o cada vez maior de salas de exibição, esse
cineclubismo no Brasil começará a ga- número ainda se mostra inexpressivo. O
nhar novo fôlego, com iniciativas espa- investimento na consolidação de um atu-
lhadas por quase todo o país. O desta- ante movimento cineclubista, especial-
que será para o Rio de Janeiro, já que mente com as condições do circuito
de 2002 para cá houve o surgimento de exibidor, e com a situação de quase im-
quase dez cineclubes na cidade, como o possibilidade de um filme brasileiro se
Cachaça Cinema Clube, or ganizado por pagar em nosso mercado, passa a ser de
estudantes de cinema da Universidade extrema importância para a formação de
Federal Fluminense; o Cineclube Digital, novas platéias. Com o alto custo dos pre-
sob o comando do cineasta Walter Lima ços dos ingressos na rede de exibição
Jr.; a Sessão Cineclube, or ganizada pela comercial, os cineclubes também cum-
revista eletrônica de cinema prem a função de popularizar a ativida-
Contracampo ; o Tela Brasilis, também de cinematográfica, revelando-se uma
iniciativa de uma revista eletrônica, a opção mais acessível para uma grande
Cinestesia ; e o cineclube da ABD. parcela da população. E no que concerne
E
à produção cinematográfica de curtas-
ssa rearticulação da atividade
metragens, já que não é possível se pen-
cineclubista demonstra que al-
sar em retorno financeiro, os cineclubes
gumas velhas questões per ma- são, por excelência, o canal de comuni-
necem em pauta, já que ainda é uma pe- cação de que dispõe este tipo de filme
quena parcela da população brasileira para chegar ao público. São o canal de
que tem acesso ao cinema. Diante da escoamento de toda essa produção, a pos-
lógica tão invisível quanto determinante sibilidade de colocar em circulação obras
do mercado, as opções de atividades que geralmente ficam restritas a um cir-
culturais se mostram cada vez mais res- cuito de mostras e festivais específicos.
tritas, pois ficam condicionadas a uma
ótica monopolista que acaba por esma- Neste aspecto, é imprescindível a
gar qualquer particularidade. É vital a cri- profissionalização da atividade
ação de espaços que possibilitem o con- cineclubista, com a formação de novos
tato com um outro tipo de manifestação quadros, propiciando tanto a geração de
cultural, um pouco mais livre dessa pres- empregos quanto benefícios sociais e
são mercadológica. Os cineclubes se culturais em curto prazo. Os cineclubes
mostram como o lugar propício para essa devem se tornar uma alter nativa real ao
prática, difundindo obras cinematográfi- circuito de exibição comercial, consoli-
cas que não têm lugar na rede de exibi- dando-se como um espaço que incenti-
ção comercial. Mesmo que o cinema bra- ve a pluralidade da atividade cinemato-
sileiro venha ocupando uma quantidade gráfica e garantindo sua difusão.
R E S U M O
Este artigo faz um breve histórico de alguns dos momentos mais importantes do movimento
cineclubista no Brasil e propõe uma reflexão sobre o modo como o cineclubismo se inseriu no
contexto político-cultural de cada época e seu papel nos dias atuais.
A B S T R A C T
This article presents a brief historical from some important moments of the movies clubs activities
in Brazil, and suggests a reflection on how this movement has introduced itself in the political
and cultural context in every period of time and its role at present-day.