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Lembrança do Criminalista

Tínhamos mangas em casa. Não era todos os dias que tínhamos mangas. Poderia ser fácil no
outono. Ganhamos as mangas. Todos queriam das mangas. Não havia mangas para todos e minha
tia não fez a divisão, aquela divisão de mãe, tipo; uma manga para quatro indivíduos. Pois tínhamos
mais de uma sendo menos de cinco.
Eu pensei em contar como foi a minha desilusão dessa história de Papai Noel ou, o caso da
farofa de ovo, mas também, não queria apenas mais uma história sobre mangas. Meu primo foi para
a morada eterna. Lembrança ficou. Eram três anos de diferença na idade cronológica que não
correspondia a diferença na maturidade.
— Aqui chegou umas mangas. Cadê as mangas? - esta é Cleusa, dias depois.
— Mãe, eu nem senti o cheiro dessas mangas – este é Fábio, falando grave e pontuadamente.
— Eu só comi um pedaço – este é Usiel.
— Gente, só vi no dia que chegou! Rapaz, será que as mangas foram para São Paulo? - Todos se
entreolharam. É a tia mãezona apertando mais um pouco. Antes os olhares estavam intercalados às
falas, agora são o código principal da comunicação, um pouco desconhecido pelos presentes, mas é
um código forte.
— Nessa hora ninguém aparece – a tia continua. Mas para mim quem comeu foi a Sandra e o Tio
Zé. A tia continua insistindo, parece goteira no balde, água mole em pedra dura. Mas parece
simples: quem fala é só quem não comeu. Até que o carinha que comeu um pedaço quer ser um
meio-termo, numa tentativa de alcançar clemência.
— Eu mesmo só comi um pedaço.
— Mas comeu, não comeu? - é o Fábio contra-argumentando.
— Mas foi só um pedaço.
— Mas comeu. Responde uma coisa! Comeu, sim ou não?
— Comi!
— Viu? Comeu! - então foi cessada a disputa, tipificada a ação pelo verbo.
Argumentação de advogado criminalista. Ele usou mesmo as palavras corretas. Soube
mesmo enquadrar. E esse episódio trouxe uma lição para mim: Faz as coisas para valer! Faz com
coragem! Assume a responsabilidade do que fazes! Sofre de uma vez! Enfrenta o problema de
frente! Encara os fatos! Comeu sim! E em outras palavras: “Um pedaço de manga não é uma
manga, mas quem comeu um pedaço de manga, comeu manga.” É. Comeu(Aeroporto Internacional
de Guarulhos, 27 de janeiro de 2019, 22 horas aproximadamente, com ajustes posteriores).
Sobre a perda – A verdade é que não perdemos. Não perdemos porque nunca tivemos ou
possuímos. Nunca foi nosso. O melhor sinônimo de morte é separação. E essa coisa de “meu e teu”
é só entre nós, e nestes poucos dias de nossas vidas terrenas. Como a vida é tão pequena e
conseguimos sofrer tanto! Nós tardamos a aprender e depois que aprendemos recusamos acreditar.
Ficamos como este texto, igualmente fragmentados. Eu fui separado do meu irmão.
Sobre a hora – Não sabemos a nossa hora. E só sabemos a hora dos outros depois que
acontece. Lutamos pela vida acreditando em não ser a hora ou em uma intervenção do Criador. Pois
é isso mesmo! Lutemos pela vida, pois isso é o que fazem os heróis e esperançosos. Essa é a
intenção de quem nos observa. É mais uma prova. Já na casa onde há luto, há sinceridade,
quebrantamento, reflexão,… It is better than a Hallelujah sometimes(Amy Grant).
Quem comeu a manga? Na verdade a investigação não chegou a uma conclusão. Mas deixo
para amigos alguns pensamentos sobre a vida. Que vivam o momento com bom senso e
responsabilidade. “Sendo assim, compreendi que não pode haver felicidade para o homem a não
ser a de alegrar-se e fazer o bem durante toda a sua vida.” “Em tempo de paz e alegria, sê feliz e
aproveita-os bem; quando os maus dias chegarem reflete: Deus fez tanto um quanto o outro, a fim
de que o ser humano não tenha o poder de desvendar o seu futuro(Eclesiastes, KJA).”
Usiel N S Barreto, São Paulo, 3 de fevereiro de 2019

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