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VIDA&ARTE

􀊴 FORTALEZA - CE, SEGUNDA-FEIRA, 11 DE FEVEREIRO DE 2019

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Cinema&séries
séries
Por João Gabriel Tréz
SALAS E HORÁRIOS
Jornalista e integrante da Associação BAIXE O APP AGENDA V&A
cearense de críticos de cinema (aceccine)
joaogabriel@opovo.com.br NA APPSTORE E GOOGLEPLAY

| EDUARDO COUTINHO | No mês que marca cinco anos da morte do cineasta, convidamos
realizadores cearenses para refletirem sobre a influência do documentarista em suas obras

DEMASIADAMENTE
Na lista dos 100 melhores Cabra Marcado Para Morrer
documentários da Associação (1984), Jogo de Cena (2007), Edi-

HUMANO
Brasileira de Críticos de Cinema fício Master (2002) - respectiva-
(Abraccine), nove são realiza- mente, número 1, 2 e 4 da lista
ções do documentarista paulis- da Abraccine -, Moscou (2009),
tano Eduardo Coutinho - no top As Canções (2011) e Últimas Con-
10, filmes do diretor constam versas (2015). Para lembrar a
na primeira, segunda e quarta data e a obra de Coutinho, o V&A
posições. Considerado mestre e convidou quatro realizadores
referência para o gênero docu- que produziram documentários
mental no Brasil, Coutinho mor- no Ceará para dividirem depoi-
reu em 2 de fevereiro de 2014. mentos sobre a influência do
Deixou como legado obras inven- diretor na construção de seus
tivas, políticas e humanas como olhares documentais.

FILIPE REDONDO/FOLHAPRESS / DIVULGAÇÃO


ORALIDADE ENCONTRO
DO COMUM COM O OUTRO
Eduardo Coutinho foi muito importante na Assistir aos filmes de Coutinho e não
minha formação como documentarista se envolver completamente com os
por dois motivos: o primeiro foi porque seus personagens é algo impossível. A
ele foi o primeiro documentarista forma com que ele conseguia conduzir
brasileiro que tive acesso pelo cinema. uma entrevista como uma conversa
Ter contato com a forma como ele nos fazendo ouvir durante horas (e com
entendia a estética para o cinema foi muito interesse) as histórias de vida de
motivador, principalmente por sua pessoas das quais nunca ouvimos falar,
forma crua de tratar a imagem, por “pessoas anônimas”, que contavam suas
sua objetividade enquanto processo e vidas e também se reinventavam para
clareza, e pela importância que ele dava ele naquele momento, era fantástico! E
para a oralidade do comum. A segunda é exatamente essa mágica do encontro
razão foi como o que aprendi com seus com o outro (interlocutor) que sempre
filmes influenciou no meu trabalho com me inspirou nos filmes do Coutinho
audiovisual. O que mais me adicionou e que procurei de alguma maneira
foi a forma como ele interagia com as também levar para os meus filmes,
pessoas que ele entrevistava, tratava-os buscando tirar a entrevista do modelo
claramente como personagens, mas sem do inquérito para uma experiência de
abrir mão do respeito e da humanidade, interlocução e troca com as pessoas.
qualidades essenciais na abordagem de
um documentarista. Isso me proporcionou DANIELE ELLERY é professora da
uma base, tanto para entender como lidar Universidade da Integração Internacional
com as pessoas, quanto para a forma da Lusofonia Afro-Brasileira e diretora
como eu escolheria expor suas vidas para do documentário Do Outro Lado do
outras pessoas. É com grande pesar que Atlântico (2016)
hoje me lembro da sua morte e como
ela ocorreu, mas é com igual estima que
guardo o grande aprendizado e a enorme ACASO
admiração que tenho por sua vida e obra.
QUE VIRA DESTINO
BRUNO XAVIER, membro do coletivo Eduardo Coutinho respeitava suas
Nigéria, que já realizou documentários personagens, algo tão primordial que
como Com Vandalismo (2013), Defensorxs me tocou profundamente, a mim e ao
(2015) e o ainda inédito Swingueira Arthur Gadelha, amigo e parceiro de
trabalho. Recebemos influência direta
desse cinema e colocamos em prática
no nosso segundo filme, o documentário
PODER A Jovem Democracia, sobre o primeiro
voto de estudantes secundaristas
DA HISTÓRIA da rede pública de Fortaleza. O filme
Conheci Eduardo Coutinho em 1986, surgiu de um contexto imediato e ficou
ele estava exibindo Cabra Marcado muito claro que não sabíamos o que
Para Morrer no Festival Internacional iríamos encontrar. Tivemos que lidar
em São Francisco. Foi um encontro com diferentes realidades e entender
breve em uma recepção do Consulado uma juventude que já não era a nossa,
Filmo em lugares Brasileiro. Nessa época, nem tinha
ideia da sua obra e da sua importância
uma história nova sobre como pensam
politicamente. Não tínhamos qualquer
terríveis, mas na consolidação do documentário no
Brasil. Como estudante de cinema,
direito de buscar algo que queríamos
ver. Iria surgir. Então Coutinho está
evito tratar os fiquei impactado com o filme: estava
impregnado de vida! Era uma
na gente e não seria coincidência que
durante as gravações exibimos no
personagens experiência muito nova a possibilidade
de fazer cinema sem grande aparato,
nosso Cineclube Âncora o seu Cabra
Marcado Para Morrer. Um senhor que
como coitadinhos. mas com uma ótima história. Voltamos
a nos encontrar em 2002 quando fui
criou muito, fazendo um trabalho
que reinventou nosso cinema. Quem

Ou como heróis” chamado para fazer a captação de


som direto de um projeto conjunto que
dera estivesse vivo hoje para ajudar
a entender a loucura que vivemos.
Coutinho e João Moreira Salles estavam “Quando o acaso acontece no filme, vira
EDUARDO COUTINHO realizando. Um era Entreatos, dirigido destino”. Ouvi isso de Beth Formaggini
(1933 - 2014) pelo João e o outro Peões, pelo Coutinho. no começo do ano passado, ela que foi
O do João seguia a campanha do Lula produtora de muitos documentários de
por onde ele fosse, até o dia da eleição. Coutinho. Pude ouvir histórias sobre
O do Coutinho conta a história das ele e, vindas de alguém tão próximo,
pessoas contemporâneas de quando foi como se eu o conhecesse um pouco
Lula era metalúrgico. Foram semanas também. O “acaso” no documentário é
intensas, de pequenas descobertas tão mais importante do que um roteiro
quando pude abraçar meu mito e prévio. Guardo isso com muito carinho
aprender com ele a importância de e sigo buscando esses acasos que dão
escutar o outro, de prestar atenção no significados especiais ao cinema.
que o outro está falando.
KAMILLA MEDEIROS é diretora do curta
MÁRCIO CÂMARA, diretor do de ficção Capitais (2018) e do ainda
documentário Do Outro Lado do Atlântico inédito documentário Primeiro Turno

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