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DISCURSO DIRECTO

Filomena Serrazina - "Os olhos são a principal arma


dos gatos para cativarem o ser humano."
2007-12-24
Filomena Serrazina

Funcionária pública, vive e trabalha no concelho de Vila Franca de Xira. Os


seus maiores interesses estão ligados à literatura, comunicação e artes.
No seu dia-a-dia, usufrui das vantagens e desvantagens de ser solteira aos 35
anos, como sejam a possibilidade de bater com o carro sem ter que ouvir
sermões de ninguém, e por outro lado, a tragédia grega em que se pode tornar
a necessidade de montar candeeiros de tecto.
Nos gatos aprecia o seu espírito independente, a capacidade de dar ternura, as
manias, as brincadeiras. E os olhos. São a principal arma dos gatos para
cativarem o ser humano.
São quatro

"Mas apenas a três deles já lhes consegui aprender a personalidade. O outro continua
fugidio, mais solitário, nem sei ainda se é gato ou gata.

Nenhum deles parece gato de rua, de tão meigos que são. Há um então que é uma
graça, porque ainda tem reminiscências de gatinho. Corre atrás de qualquer coisa que
mexa, é um destemido, vem para o colo de modo próprio, e já esteve à beira de me
entrar em casa.
A outra é a fêmea do grupo, e fazendo jus a isso, quem sabe se também com
autoridades de mãe, lidera. Faladora, faz questão de chamar sempre que passo por
ela, outra característica tipicamente feminina, que aos outros ainda não lhes conheço
um miau.

E depois há o tímido. O que quer e não quer. O que me vira as costas quando o
chamo, e faz de conta que não ouve. O que abala a fugir quando vê a mão erguer-se,
quase a tocar-lhe a cabeça, para fazer festas. Que se senta a um metro de onde eu
me sento mas não arreda pé, a fingir para ele próprio que não quer saber de mim para
nada. Que dá imediatamente um passo para trás quando vê os companheiros a
chegarem-se à frente e fica só a olhar, tal e qual como tantos de nós fazemos pela
vida fora.

É a ele que eu vejo com mais frequência, porque ultimamente passa muito tempo
próximo da minha janela. Quando o chamo começa a rebolar no chão de felicidade,
vai se aproximando sempre a rebolar, deita-se no parapeito da janela com as patas
para o ar, mas sempre a uma distância tal que não me permite chegar-lhe. Ele próprio
estica as patas até ao limite e ficamos ali os dois, suspensos neste toque que não
chega a ser, eu porque não consigo lá chegar mesmo querendo, ele porque não
consegue ainda querer o suficiente.

No outro dia conseguimos, os dois. Ao fim de um tempo infinito à janela, ao frio (será
por isso esta dorzita de garganta? Mas que se lixe, para os gatos nunca me faltou
paciência), lá o consegui atrair a mim à conta de brincadeira, numa altura em que os
companheiros andavam por outras paragens. Aceitou as festas até ao ponto de lhas
fazer na barriga, o local mais sensível para os bichanos, e que eles não consentem a
qualquer um. Totalmente rendido, colocou uma pata no meu braço, como quem quer
retribuir os afagos, e olhou-me de uma forma tão intensa que senti sinceramente o
meu carinho a ser correspondido. Foram apenas alguns segundos de silêncio e magia.
Mas encheram-me o coração de coisas positivas.

A seguir lembrou-se que era tímido, deu um salto e foi-se embora, porque afinal, o
senhor gato precisa de continuar a ser fiel a si próprio e à sua reputação!..."

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