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ENTREVISTAS

Luis Quinta – O próximo voo de um fotógrafo de vida


selvagem
2007-12-31
Foi durante muitos anos um nome incontornável da fotografia subaquática em
Portugal e embora continue a sê-lo, ultimamente tem trabalhado mais em terra.
Luís Quinta percorre o país em busca do que é singular e planeia editar, em
2008, um livro com imagens de todo o território, para mostrar paisagem, fauna
e flora do continente e regiões autónomas. Um livro que vem juntar-se aos três
já editados, todos de fotografia subaquática. Tem vários prémios no currículo e
muito trabalho publicado em revistas e jornais, para além daquele que mostrou
em exposições. Na edição portuguesa de Janeiro da National Geographic
Magazine pode ler-se um artigo de Luís Quinta sobre falcões peregrinos.

No blog Lusitanicus Luís Quinta oferece uma imagem por semana. Tratam-se de
fotografias de um país ainda rico em vida e vale a pena conferir os belíssimos
momentos que este fotógrafo de natureza, mais conhecido pelo seu trabalho debaixo
de água, tem recolhido por todo o país.

É fotógrafo de natureza, mas poderia ser fotógrafo de moda porque é uma actividade
em que “há muita criatividade, muitos ambientes e conceitos.”
Não tem animais de estimação em casa mas vê documentários de vida selvagem com
os dois filhos e leva-os com frequência ao campo para uma observação próxima e
directa dos animais. Conta, divertido, como dissecou um Robalo com os filhos e o
entusiasmo que despertou neles, a ponto de estarem já a planear dissecar uma
galinha!

Mais de onze anos como director da revista Mundo Submerso permitiram-lhe mostrar
locais, seres e ambientes de todo o país.
Abandona agora a direcção da revista e pretende começar a explorar as
potencialidades da imagem em movimento.

Como é que aconteceu tornar-se fotógrafo de natureza? Foi um acaso ou uma


decisão reflectida?

Eu gostava muito de fotografia, gostava muito do mar porque já tinha antecedentes da


pesca submarina desde miúdo e gostava muito dos animais ( fazia pesca submarina
mas isso não invalida que eu goste dos animais) e aí pelos meus 21 anos a opção foi
mais ou menos óbvia. Só precisava da câmara, e assim que se reuniram todas as
condições comecei a fotografar a sério debaixo de água.
Foi em 1989 e logo a partir daí decidi tentar vender a revistas, jornais. Durante seis
anos só fiz fotografia subaquática e depois comecei a fazer também fora de água.
Seria numa proporção de 80 para 20%. Hoje em dia essa proporção inverteu-se e
talvez de toda a fotografia que faço agora só 20% se relacione com o mar.
Neste momento continuo a fotografar debaixo de água, tenho o equipamento todo, já
digital, mas hoje em dia estar a trabalhar 15 dias no mar já é muito raro, é
praticamente só os Açores e as baleias, é um produto que se consegue vender em
qualquer parte do mundo, as baleias e os golfinhos é sempre vendável.

O mercado para este tipo de produtos está a crescer?

Quando eu comecei não havia muita gente a fazer fotografia subaquática de um modo
consistente; acontecia mais uma pessoa ir viajar e fazer um artigo na sequência dessa
viagem. Enquanto eu trabalhava especificamente com animais, o polvo, o choco, e
depois era solicitado por revistas, às vezes até por editoras que queriam fotografias
para manuais escolares, para livros de ciências. Portanto comecei a fotografar os
habitats, os ambientes, os animais marinhos. Nisso fui, em Portugal, não digo o
primeiro mas um dos poucos a definir como actividade profissional a fotografia
subaquática e de vida selvagem.
Na altura não era tão abrangente, os livros que publiquei até agora são todos
subaquáticos. Vai sair em 2008, se conseguir os apoios, um livro de fotografia
nacional: todo o país e arquipélagos, uma abordagem geral, invertebrados, aves,
paisagem, o mundo da flora também, um pouco de tudo, mas vai ser uma abordagem
muito mais de superfície do que subaquática.

Mergulha menos hoje em dia?

Sim, porque trabalho muito por objectivos: tive o objectivo que era fazer um livro sobre
a região de Sesimbra e nessa altura mergulhava sistematicamente em Sesimbra.
Noutra altura tive o objectivo de fazer um livro sobre os Açores, e trabalhei muito nos
Açores. Agora vou virar um bocadinho mais para a Madeira, é outro cenário português
com grande potencial, quero trabalhar lá nos próximos anos, portanto às vezes é por
objectivos.

Como decide fazer um novo livro? Essa decisão resulta de algum tipo de
solicitação?

Não, são projectos de autor. Às vezes é por querer agrupar numa obra única uma
série de trabalhos acumulados ao longo de uma série de anos. Às vezes as fotografias
saem em dois artigos do Mundo Submerso, outras duas não sei onde, as pessoas não
viram, e depois ainda há aquelas que não se enquadram nos artigos e portanto é uma
maneira de conseguir conjugar o trabalho que fiz, o que publiquei e o que não
publiquei. E agora entendi que seria interessante agrupar tudo e fazer um livro em que
ficam retratados uma série de animais e de locais do país.

Como é fotografar animais dentro e fora de água? Há grandes diferenças?

Não, os princípios são sempre os mesmos: os animais são curiosos, são territoriais,
temos de saber interpretar os comportamentos deles para antecipar o que vai passar-
se. Faço muita preparação, com outras pessoas que já os conhecem, com biólogos
que conhecem as características dos animais. Agora vou encontrar-me com um
falcoeiro, uma pessoa que faz actividades de falcoaria, às vezes no aeroporto andam
lá a espantar as gaivotas ou os pombos. Quero ver se faço um curso de falcoaria para
entender melhor as rapinas, elas não são todas iguais, às vezes são mais tolerantes,
outras são mais agressivas, quero saber como é que elas interpretam o território,
como se relacionam com outras espécies, enfim quero conhecer melhor a
personalidade das rapinas.

Porquê? Vai fotografá-las?

Para já gosto muito de rapinas, gosto muito de fotografar rapinas, mas quero saber
mais ainda sobre os animais porque se calhar ando a fazer algumas coisas que são
erros, erros de aproximação, erros de interpretação, e se calhar com esta formação eu
posso entender melhor os animais e talvez perceber as causas de alguns
comportamentos.

Um fotógrafo de natureza tem uma actividade solitária e demorada. Gosta


dessas características do trabalho?

Não tenho problema nenhum em estar dois dias à espera de conseguir chegar a um
determinado local, ou que os animais se habituem à minha presença.
Mas o resultado depende mais da preparação, da produção.
Para mim a fotografia assenta em 4 pilares: a técnica fotográfica, o equipamento, a
formação e a produção.
Na formação é importante dominar a parte artística, consumir muita fotografia, música,
pintura, coisas a que às vezes as pessoas não dão valor mas que têm grande
influência na concepção da fotografia.
No que diz respeito à produção é importante estar no sítio certo à hora certa e para
isso é preciso saber de marés, de meteorologia, de biologia. Eu tenho falado, por
exemplo, com os biólogos para saber qual é a altura do ano em que as abetardas
fazem a corte. Mas se calhar para essas aves é em Março e para outros passarinhos é
em Julho e é preciso saber estas coisas para programar o trabalho. É preciso estudar,
fazer muitos contactos e perceber muita coisa e isso chama-se produção.
São estes quatro pilares que contribuem para um resultado final melhor.
O que eu costumo dizer é que hoje em dia todas as pessoas podem fazer boas
fotografias porque a tecnologia evoluiu muito e o digital veio facilitar o trabalho, mas
nem todas as pessoas conseguem fazer muitas fotografias boas durante muito tempo.
Ter uma abordagem mais completa de um animal é se calhar aquilo que diferencia um
fotógrafo ocasional daquele que encara este trabalho de uma maneira mais
profissional.

Há animais mais fáceis de fotografar do que outros?

Obviamente aqueles que se afastam dos ambientes urbanos são um pouco mais
difíceis. Mas há pássaros difíceis, mamíferos difíceis, répteis difíceis. Também há
peixes difíceis.
No réptil o mais difícil é encontrá-lo, depois de o encontrar não é muito difícil trabalhá-
lo.
Em qualquer caso o importante é a pessoa estar preparada, quer tecnicamente quer
psicologicamente, para conseguir resolver a situação. Muitas vezes estamos vários
fotógrafos a fotografar o mesmo bicho com equipamento semelhante e como se
distingue o trabalho de cada um? É pela técnica fotográfica e pela concepção da
fotografia.

Tem animais preferidos?

Gosto muito do mar e das aves. Primeiro o mar e depois as aves, são os ambientes
onde se pode viver a verdadeira aventura. Eu vou para o mar, entro ali em Sesimbra e
posso ver ali um tubarão qualquer. Não há fronteiras, os animais podem desviar-se da
sua rota, portanto eu posso ver em Sesimbra uma coisa nova, algumas até pouco
descritas pela ciência, alguma coisa que nunca foi documentada e isso eu acho que é
a verdadeira aventura. Nas aves isso também pode acontecer, pode aparecer-me de
repente uma ave que é pouco conhecida, já nos mamíferos não se vê nada de novo,
não vai aparecer aqui um urso pardo de repente.
Nunca se cansa de fotografar uma determinada espécie? As baleias, por
exemplo?

Não. Vou todos os anos aos Açores, mas posso sempre encontrar uma coisa
diferente. Ainda este ano fotografei um cachalote com golfinhos à volta, foram-se
meter com ele, na brincadeira, nunca tinha visto. Há cachalotes e há golfinhos, mas
nunca tinha visto uma interacção entre eles. É uma fotografia que vou tentar vender lá
fora, em Portugal não há sensibilidade para este tipo de coisas.

Não acha que os portugueses estão mais atentos às questões relacionadas


com a protecção da biodiversidade?

Um pouco, mas apenas em consequência da evolução natural num país. Em relação


ao mar, como diz o Presidente da Republica, é só retórica. Como se compreende que
não haja em rádio nenhuma um programa dedicado ao mar? Já nem falo na televisão,
mas mesmo em rádio, que é mais barato, não há um simples programa semanal
dedicado ao mar, aos desportos, à ciência, com entrevistas, não existe. E sendo o
país que somos, custa-me a compreender.
Deixa agora a Mundo Submerso, revista que ajudou a fundar e que dirigiu
durante muitos anos. Fale-nos desta mudança.

Foram onze anos e meio de Mundo Submerso, onde tentei sempre divulgar o que
eram os portugueses, o país, locais, ambientes, acho que publiquei um artigo sobre
cada região do território, as Desertas, as Selvagens, o Corvo, a Graciosa, o Faial, toda
a costa continental, artigos sobre os locais e outros sobre os animais. Tivemos uma
cooperação grande com o DOP (Departamento de Oceanografia e Pescas da
Universidade dos Açores) na sequência da qual divulgámos muitos dos seus
trabalhos, trabalhos de investigadores portugueses que investigam em Portugal.
Tentámos também transmitir conhecimento relativo à pesca submarina e ao mergulho.
A revista agora vai continuar com outro formato e eu vou tentar continuar na área da
vida selvagem dentro e fora de água, a trabalhar imagem fixa e imagem animada.

© Pedro Narra
Uma última pergunta: nada de animais em casa? Nem um peixinho num
aquário?

Não. Sou capaz de ter um insecto no estúdio durante uns dias, porque estou a
trabalhar com ele, mas só isso. De resto, mesmo com os meus filhos, todo o contacto
com animais se faz na natureza. Ainda há dias estive a abrir um peixe com eles, um
peixe grande, um robalo, quase que fiz uma autópsia ao robalo e estive a explicar-lhes
o que era o fígado, as tripas, o estômago, as guelras. Eles vão desenhando, cada um
à sua maneira, e já me estão a pedir para abrir outro peixe, maior, e agora querem
uma galinha. É uma maneira de explicar os animais, além da net e dos livros.

Para saber mais:


www.luisquinta.net
lusitanicus.blogspot.com

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