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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAPÉ


EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA
COMARCA DE GUAPÉ

URGENTE!!!
Ref.: Inquérito Civil MPMG nº 0281.19.000009-7

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS


GERAIS, pelo Promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade
Administrativa em cooperação nesta comarca, no desempenho de suas atribuições
constitucionais e legais, com fulcro nos artigos 127 e 129, inciso III, da Constituição
Federal; artigo 1º, inciso IV, da Lei n.º 7.347/85; artigo 17 da Lei n.º 8.429/92 e
artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n.º 8.625/93, vem à digna presença de Vossa
Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMINATÓRIA, com
PEDIDO LIMINAR DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA (caráter
incidental), em face do

MUNICÍPIO DE GUAPÉ, pessoa jurídica de direito público,


inscrita no CNPJ n.º 18.239.616/0001-85, sediada na Praça Dr.
Passos Maia, 260, Centro, representado pelo prefeito Nelson Alves
Lara, que pode ser localizado na sede da Prefeitura local,

Pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

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I - DOS FATOS

Tendo tomado conhecimento dos preparativos para realização do


Carnaval/2019 pelo Município de Guapé, e atento às dificuldades financeiras
repetidamente propaladas pelo ente municipal para justificar a diminuição na oferta de
serviços públicos essenciais à população (tais como exoneração de servidores
comissionados, a diminuição nos horários de funcionamento de órgãos públicos), o
Ministério Público requisitou ao Município informações quanto a eventual
comprometimento de verbas públicas com tais festividades, nos termos do ofício de fl. 6
do Inquérito Civil que instrui a presente, cuja numeração será doravante adotada.

Em resposta (fl. 7/10), foi confirmada disposição para empenhar


dinheiro público – oriundo de repasses constitucionais atrasados do Estado de Minas –
no Carnaval/2019 em Guapé, destacando-se o fato de o Município apontar como de
“baixo custo” os pretendidos gastos – segundo afirma o Município, contratações de
atrações (bandas), equipamentos, serviços e infraestrutura serão “básicas e módicas”.
Destaca-se também que a Assessoria Jurídica do Município reconheceu expressamente a
não realização de eventos em 3 recentes datas comemorativas – Natal, Ano Novo e
aniversário da cidade – devido à escassez de recursos. Diante da simplória resposta, foi
novamente oficiado ao Município (fl. 14) para que fornecesse ao Ministério Público
toda a documentação relativa ao Carnaval/2019, além de outras informações.

A resposta veio acompanhada de volumosa documentação sobre


procedimentos licitatórios em curso para contratação de produtos e serviços destinados
à realização das festividades do Carnaval (ora anexada ao procedimento ministerial em
exame), donde se extrai um valor estimado total de gastos no montante R$
2.893.361,00 (dois milhões, oitocentos e noventa e três mil, trezentos e sessenta e
um reais), a revelar verdadeiro desperdício de dinheiro público e desconhecimento do
conceito de baixo custo sustentado para justificar a realização do Carnaval em Guapé.

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Mas a crise financeira do Município de Guapé, não obstante de ciência
inequívoca de todos, havia sido comunicada formalmente ao Ministério Público em
novembro de 2018 (v. ofício GAB 88/2018 – fl. 5), oportunidade em que o Exmo Sr.
Prefeito Municipal Nelson A Lara afirmou que os gestores municipais estavam
operando “verdadeiros milagres para manter em dia os salários dos servidores e
pagamentos de fornecedores”, além de estarem receosos por não existirem “mais
reservas financeiras e as despesas dos municípios são altas”, evidenciando um futuro
caótico para a população. A seguir, serão explicitados os impactos e prejuízos
provocados por esse cenário de manifesta instabilidade financeira e desarranjo das
contas públicas do Município de Guapé, que seriam estrondosamente agravados pela
realização da volumosa despesa com festas.

POLÍCIAS MILITAR E CIVIL

Atendendo a requisição ministerial, informou o comando da Polícia


Militar de Guapé que a crise financeira do Município impediu o cumprimento de
convênio celebrado com o Estado de MG, por meio de repasses para abastecimento e
manutenção de viaturas, que foram suspensos nos meses de novembro e dezembro de
2018 (ofício 26/2019, fl. 15).

O mesmo ocorreu no tocante à Polícia Civil. Em ofício encaminhado à


Promotoria de Guapé, datado de 11/12/2018, informou a autoridade policial que o réu
vinha descumprindo acordo de cooperação celebrado com o estado de Minas Gerais,
visando o aperfeiçoamento da prestação dos serviços da Polícia Judiciária local (fls.
82/84), aduzindo que a unidade policial estava “sem fornecimento de combustível para
as viaturas policiais e com a linha de telefone cortada há meses”, prejudicando
sobremaneira os trabalhos rotineiros.

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SAÚDE DA POPULAÇÃO

Com não rara frequência o Município Réu é acionado judicialmente


para garantir o direito à saúde/vida dos seus munícipes que necessitam de
remédios/procedimentos cirúrgicos não disponibilizados pelo SUS, quando então é
compelido a custeá-los (em certos casos com pedido de bloqueio de verbas públicas),
conforme exemplificativas cópias de ações judiciais acostadas às fls. 21/68.

Em que pese tratar-se de um direito fundamental básico da população,


o Município sempre argumenta dificuldades financeiras para implementá-lo, além de
escassez de recursos e baixa arrecadação, comprometendo assim o custeio de outras
despesas, como se extrai das recentes contestações constantes da documentação acima
citada.

SANTA CASA DE MISERICÓRDIA

Tramita na Promotoria de Guapé o Inquérito Civil nº 0281.15.000068-


1, instaurado para apurar o descumprimento de convênio celebrado entre o réu e a Santa
Casa de Misericórdia de Guapé. No bojo deste procedimento foi firmado, em 2015,
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual o Município se comprometia a quitar
débito do convênio existente com a entidade – então de R$372.426,00 -, de forma
parcelada1. Ocorre que, já naquela época, a crise financeira do ente municipal não
permitiu o cumprimento oportuno do acordo, como se vê às fls. 69/70 2.

1
Foram deduzidos ainda R$110.000,00 (cento e dez mil reais) oriundos de uma doação.
2
Alegou-se que “Como é público e notório, a crise financeira do Município de Guapé, a exemplo
de outros municípios mineiros, não foi completamente resolvida, o que implica, em alguns casos, na

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No ano passado (2018), a Santa Casa manteve um déficit mensal


médio de R$53.000,00, tendo sido necessário a arrecadação de dinheiro por meio de
campanhas, rifas, eventos e doações, a fim de honrar com os salários atrasados de
funcionários e médicos, conforme documentos de fls. 71/74v e 81 – o Município, por
sua vez, doou um terreno para quitar dívidas com a entidade (que até dezembro último
estava no montante de R$167.158,56 – fl. 78). Cumpre registrar, por oportuno, que a
Santa Casa tinha uma obrigação total acumulada de quase UM MILHÃO até outubro
(fl. 76v).

Porém, o envolvimento de dinheiro público na realização das


festividades do Carnaval/2019 de Guapé desponta como claramente incompatível com a
atual conjuntura financeira do Município-Réu quando, neste mesmo ano, ele reduz as
subvenções destinadas à Santa Casa de Guapé (sob o fundamento de ter sofrido redução
no orçamento): de R$1.500,000,00 (um milhão e meio) em 2018, para R$1.200.000,00
(um milhão e duzentos reais) no corrente ano, conforme ofício da entidade de fl. 78.

Em contrapartida, os gestores da entidade já sinalizaram iminente


aumento de atendimentos no Pronto Atendimento, eis que 3 (três) médicos do
Programa Saúde da Família (PSF) tiveram os contratos rescindidos pelo réu no final de
2018 (fl. 78v), com inevitável prejuízo à população guapeense (fl, 81v) - notadamente
no período festivo do carnaval, quando a cidade receberá “número maior de visitantes
que a sua própria população”, consoante afirmado pela própria assessoria do réu à fl.
8.

impontualidade de pagamento.” - fl. 70. Conquanto haja informação da Santa Casa do cumprimento do
estabelecido (fl. 85).

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EXONERAÇÃO DE SERVIDORES

A escassez de recursos financeiros também motivou a exoneração de


quase uma centena de servidores comissionados e detentores de funções gratificadas no
final do ano passado, conforme Portaria nº 175 de 27/11/2018 (fls. 86/88).

Lado outro, não custa relembrar que cerca de 200 (duzentos)3


municípios mineiros cancelaram suas festas de carnaval neste ano de 2019 em virtude
da crise financeira que assola praticamente todo o estado. Na contramão do bom senso,
o Município de Guapé pretende realizar despesas com o carnaval em detrimento do
direcionamento de recursos públicos à satisfação das necessidades primárias da
coletividade, desvirtuando-se da finalidade pública que deve ser perseguida por todo
gestor da res publica.

Como cediço, destinam-se os recursos públicos às atividades


diretamente relacionadas a áreas consideradas prioritárias, em atenção aos princípios da
razoabilidade, proporcionalidade e moralidade.

Nesse diapasão, é dever da Administração Pública promover os


ajustes necessários no orçamento, a fim de atender às necessidades primárias da
população local e arcar com as despesas assumidas e programadas.

Em que pese a atual e conhecida dificuldade financeira em honrar seus


compromissos, a Municipalidade resolveu levar a cabo, às expensas dos depauperados
cofres públicos, o Carnaval/2019, atividade nitidamente não essencial, em gritante
ofensa aos princípios da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade.

3
Trata-se de notícia amplamente divulgada na mídia: https://g1.globo.com/mg/minas-
gerais/carnaval/2019/noticia/2019/02/15/cerca-de-200-cidades-devem-cancelar-carnaval-em-mg-por-
causa-da-crise-diz-amm.ghtml

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Ora, não é crível conceber que o Município-Réu, no atual quadro de
instabilidade financeira em que se encontra, já por ele próprio afirmado em incontáveis
oportunidades, obre em evidente abuso ao poder discricionário que lhe é conferido na
gestão dos recursos públicos, deixe de zelar pelas necessidades primeiras da população
guapeense e, em contrapartida, efetue gastos com festas que poderiam ser patrocinadas,
inclusive, pela iniciativa privada.

A bem da verdade e ao menos segundo a ideologia, a principiologia


e a moral que norteiam o munus publico, o Exmo Sr. Prefeito Municipal, a quem,
acredita-se, caberia velar pelos direitos consagrados na Constituição Cidadã, pelo
patrimônio público e pela gestão responsável e ética da res publica, vem
deliberadamente diminuindo e até frustrando os direitos básicos da população local.
Instado a posicionar-se, escora-se ordinariamente no argumento da falta de verbas.
Mas, contraditoriamente, prepara o dispêndio de quase três milhões de reais com as
festas que se aproximam.

Destarte, por tudo quanto alinhado acima, torna-se patente que, em


tempos de arrocho econômico e de declarada crise financeira, o gasto de receita
pública com a promoção de festividades de Carnaval, por mais tradicionais que
sejam, é gritantemente supérfluo, raiando ainda às portas do insulto ao contribuinte e
aos credores do município.

II - DO DIREITO

A causa de pedir, a questão de direito material de fundo desta ação


coletiva é a tutela do erário, do patrimônio e da moral públicos. Sendo assim, o
Ministério Público está plenamente legitimado pelo artigo 129, inciso III, da Lei
Maior, para patrocinar esta demanda. O Supremo Tribunal Federal, a respeito
disso, firmou entendimento segundo o qual “o Parquet tem legitimidade para propor
ação civil pública com o objetivo de anular o TARE, em face da legitimação ad

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causam que o texto constitucional lhe confere para defender o erário. Não se aplica
à hipótese o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985.” (RE 576.155, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 12-8-2010, Plenário, DJE de 1º-2-2011, com
repercussão geral.). No mesmo sentido 4, é o teor da Súmula 329 do STJ:

"O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública
em defesa do patrimônio público”.

De acordo com o princípio da responsabilidade fiscal é dever da


Administração Pública promover os ajustes necessários no orçamento, a fim de arcar
com as despesas programadas. Mais que isso, a Administração Pública deve pautar-se
pelos princípios básicos norteadores da gestão da res publica, de observância cogente e
permanente para todo e qualquer gestor público, quais sejam: legalidade, moralidade,
impessoalidade, publicidade e eficiência; inclusive, a inobservância de um dos
princípios precitados caracteriza improbidade administrativa, segundo os mandamentos
da Lei n.º 8.429/92.

A atual conjuntura orçamentária do Município de Guapé aqui


revelada é, sem sombra de dúvidas, incompatível com o dispêndio financeiro
proveniente da contratação de bandas, da realização ou da promoção de festas por
parte do Poder Público municipal no período do Carnaval, o que viola o princípio da
moralidade e fere de morte o erário público.

Cumpre ressaltar que não viola o princípio da independência dos


poderes a condenação da Municipalidade na obrigação de fazer e não fazer. Da
mesma maneira, não se pode considerar, no atual contexto fático experimentado
pelo Município de Guapé, que a decisão de realizar ou não o Carnaval seja ato

4
No e. TJMG: (…) O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública na
defesa do patrimônio público. (Apelação Cível 1.0027.13.037970-7/001, Relator(a): Des.(a) Alberto
Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2018, publicação da súmula em 06/09/2018)

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puramente discricionário. Seria, se não houvesse situação de escassez de recursos
financeiros e descumprimento de obrigações assumidas.

Sustenta o eminente administrativista CELSO ANTONIO


BANDEIRA DE MELLO que o ato discricionário deve preencher requisitos de
“razoabilidade” e de “proporcionalidade”, dentre outros princípios gerais do Direito:

“Então, o administrador público, que, enquanto tal, é alguém


encarregado de gerir interesses coletivos (não os próprios), tem, acima
de tudo, o dever de agir em prol de terceiro (a coletividade) e se
considera que o faz quando busca as finalidades legais, não poderia
fazê-lo se não tivesse os poderes indispensáveis para tanto. Donde, a fim
de que possa atender o interesse destes terceiros (a coletividade), lhe é
atribuído um círculo de poderes. Logo, a razão de existir deste círculo de
poderes (competência) é exclusivamente propiciar-lhe que supra os fins
legais. Então, o administrador dispõe, na verdade, de “deveres-poderes”
(e não poderes-deveres), porque o poder é ancilar; é meramente
serviente da finalidade. Segue-se que a medida de competência, in
concreto, é dada pela “extensão e intensidade do poder necessário para,
naquele caso, alcançar o fim legal”. Com efeito, se o poder conferido é
meramente instrumental, se é tão-só serviente de um fim (nada tendo a
ver com a idéia de “direito”, de “domínio” ou de “propriedade” do
Direito Privado), só se justifica, só existe, na medida necessária. Ergo,
em todo ato desproporcionado, excessivo, há por definição um excesso
em relação à competência, pois não guarda a indispensável correlação
com ela. Em outras palavras: o agente, em tais casos, supera a
demarcação de seu “poder”, porque ultrapassa o necessário para se
desincumbir do dever de bem cumprir a lei. Eis por que todo excesso,
toda demasia é inválida, viciando o ato. A final, como disse Jesus
Gonzales Peres, o princípio da proporcionalidade “no postula otra cosa
que una adecuación entre medios y fines” (“El principio general de la
buena fe” en Ei Derecho Administrativo, Madrid, 1983, p. 39). (…) A
existência de discrição não significa arredamento dos cânones básicos
da Ordenação Jurídica. Daí que o ato discricionário terá de respeitá-los,
pena de invalidade”. (Revista de Direito Público - Doutrina RDP-86, p.
57).

O Judiciário não pode se demitir da análise de questões que


atingem direta e rotineiramente interesses dos cidadãos, sob o pálio de se tratar
de questões políticas ou discricionárias da Administração. O controle judicial da
Administração Pública é realizado para que os outros poderes cumpram as

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exigências básicas da Constituição: direito à saúde, dignidade humana, Estado
Social. Não parece lícito invocar regras abstratas e ortodoxas sobre a separação de
poderes para, com isso, desprezar a realidade presente e renunciar a soluções práticas
de utilidade geral. Os atos emanados pelos Três Poderes, para terem validade e
legitimidade, têm de vir respaldados por todo um contexto jurídico-social, dominado
pela nota da efetividade, com destaque para os valores maiores da moralidade,
eficiência, economicidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Nessa perspectiva, e tendo em mira o princípio da


inafastabilidade do Poder Judiciário do exame de ameaça ou lesão a direito (artigo
5º, inciso XXXV, CF/88), permite-se o controle jurisdicional do Poder Público,
existindo a possibilidade de análise jurisdicional de atos normativos e
administrativos.

Não é outro o entendimento do Pretório Excelso:

“Esse princípio (da separação dos poderes), que tem assento no art. 2º
da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um
inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários,
por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer
instituição estatal. O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar
as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a
supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente
legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que
pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da
separação dos poderes”. (MS 23.452-1-RJ. Rel. Min. Celso de Mello,
Pleno. DJ 12.05.2000 - grifamos).

III - DA LIMINAR

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É imperiosa a antecipação dos efeitos do provimento final de mérito
para o fim de impor ao Município-Réu a obrigação de se abster de realizar quaisquer
despesas públicas com as festividades do Carnaval deste ano, incluindo a contratação
de artistas, de bandas, de serviços de bufê ou similares, a montagem de estruturas, de
palcos ou afins para eventos, assim como de rescindir contratos já celebrados e
desfazer toda e qualquer obra pública realizada para servir ao evento.

Tal como nos provimentos de tutela de urgência em geral, em se


tratando de pedido de liminar deduzido em ação civil pública, com esteio no artigo
12, caput, da Lei n.º 7.347/85, cumpre perscrutar, em análise embrionária, sobre a
existência de elementos indicadores do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Autorizada estará a concessão de liminar quando evidenciado, satisfatoriamente,
relevância do fundamento da demanda, do direito reclamado, e houver risco de
ineficácia da medida se deferida somente a final, tal qual se verifica na hipótese sub
judice.

Pois bem. A existência de elementos que evidenciam a


probabilidade do direito invocado emanam da farta documentação acostada no
Inquérito Civil que instrui a presente, a qual confere verossimilhança às assertivas
lançadas nesta inicial.

A seu turno, o perigo da demora manifesta-se pelo justificado e


inaceitável risco de ineficácia prática do provimento final, inerente à situação de fato
subjacente à causa. Induvidosamente, se postergada a tutela jurisdicional somente
para o epílogo da demanda coletiva, consumar-se-á, de modo irreversível, o dano ao
erário, como também ao patrimônio e à moral públicos.

Dessa forma, em virtude da urgência que o caso reclama e da


proximidade do Carnaval 2019, necessária a exigência de concessão da medida
liminar pleiteada (artigo 2º da Lei n.º 8.437/92).

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Por derradeiro, com fulcro no artigo 497, caput, do Código de


Processo Civil, há de se impor ao Município-Réu multa coercitiva por dia de
inadimplemento, bem assim a obrigação de rescindir contratos já celebrados e o
desfazimento de obras públicas já realizadas pertinentes ao Carnaval/2019.

Na esteira da consolidada jurisprudência pátria, o suprarreferido


dispositivo legal, que trata das medidas para assegurar a efetivação da tutela
específica deferida judicialmente, aplica-se à Fazenda Pública:

(…) É cabível a fixação de multa diária pelo descumprimento da


obrigação, mesmo em face da Fazenda Pública, conforme precedentes do
c. STJ. A multa diária cominatória em face de seu caráter coercitivo deve
ser limitada ao tempo, de forma a respeitar os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade e evitar o enriquecimento sem causa.
(TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0015.18.001470-4/001,
Relator(a): Des.(a) Geraldo Augusto , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento
em 09/11/2018, publicação da súmula em 14/11/2018)

(…) Consoante posicionamento firmado pelo STJ em sede de recurso


repetitivo é possível a imposição de multa diária (astreintes) à Fazenda
Pública. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.18.090216-5/001,
Relator(a): Des.(a) Jair Varão , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
22/11/2018, publicação da súmula em 23/11/2018)

IV - DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer o Ministério Público:

a) o deferimento da LIMINAR/TUTELA ANTECIPADA, a fim de


obrigar o réu a ABSTER-SE DE REALIZAR QUAISQUER DESPESAS
PÚBLICAS COM AS FESTIVIDADES DO CARNAVAL DESTE ANO DE
2019, INCLUINDO A CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS, DE BANDAS, DE
SERVIÇOS DE BUFÊ OU SIMILARES E A MONTAGEM DE ESTRUTURAS,

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DE PALCOS OU AFINS PARA EVENTOS, BEM COMO DE RESCINDIR
CONTRATOS JÁ CELEBRADOS E DESFAZER TODA E QUALQUER
OBRA PÚBLICA JÁ REALIZADA PARA SERVIR AO CARNAVAL, sob pena
de MULTA DIÁRIA, no valor sugerido de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), e de
INTERDIÇÃO DO EVENTO;

b) a citação do Município de Guapé, na pessoa de seu representante


legal, para, querendo, apresentar sua defesa no prazo legal, sob pena de revelia
quanto à matéria de fato (art. 344 do CPC);

c) a procedência do pedido final, de modo a confirmar a liminar em


todos os seus termos;

d) a produção de prova documental e testemunhal.

Dá-se à causa o valor meramente estimativo de R$ 3.000.000,00


(três milhões de reais).

Guapé, 19 de fevereiro de 2019.

FERNANDO MUNIZ SILVA


Promotor de Justiça (em cooperação)

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