De todas as recomendações maternas, a de lavar as mãos talvez seja a mais deso bedecida. Parece pirraça. Na agitação de hoje, lavar as mãos antes de pegar nos alimentos virou luxo, es quisitice de gente cismada, mania de hipocondríaco. É só entrar numa lanchonete da cid ade, botequim de bairro ou restaurante caro e contar quantos tomam tal precaução hig iênica antes de atacar o hambúrguer, a batata frita ou o pãozinho com patê. Na hora das refeições, a mão suja é universal, irmana trabalhadores braçais, moças bonitas e senhores d gravata. No entanto, se todos lavassem as mãos com água e sabão (qualquer sabão) antes de manipular os alimentos muitas doenças seriam evitadas. Perderíamos o medo de comer empadinha em padaria, pastel de feira, espetinho de camarão na praia e os tradicio nais salgadinhos expostos em todos os bares brasileiros, que a religiosidade do povo houve por bem batizar de "Jesus me chama". Nada ilustra melhor a eficiência das mãos na disseminação de infecções do que as gr pes e resfriados. A pessoa chega na festa e avisa: "Não me beijem que estou gripad a", e sai apertando a mão de todos os convidados. Seria muito melhor que desse o r osto a beijar; na face o vírus não está. Em compensação, as mãos estão repletas dele: quem a gripado assoa e coça o nariz o tempo todo. Como conseqüência, os incautos que aperta ram a mão infestada, ao coçar o nariz ou os olhos semearão as partículas virais diretame nte nas mucosas. É possível que sejamos tão renitentes em lavar as mãos porque vírus, fungos e bacté ias são seres tão minúsculos que, no fundo, não acreditamos na existência deles. Fica um p ouco chato, entretanto, manter essa descrença mais de 300 anos depois da descobert a do microscópio. Quando os ingleses aprenderam a acoplar lentes de aumento e construir microscópios rudimentares, ficaram interessados em enxergar o que era pouco visível: a cabeça do s mosquitos, a boca das abelhas ou os buracos existentes num pedaço de cortiça (de o nde surgiu a palavra célula). Em 1683, na Holanda, Antony Leeuwenhoek, um dono de armarinho que se dis traía montando lentes quando não havia fregueses, focalizou o microscópio para investi gar o que nenhum cientista havia procurado. Em vez de usá-lo para magnificar peque nos seres conhecidos, Leeuwenhoek decidiu explorar o invisível: o que haveria no i nterior de uma gota de chuva? O que seus olhos viram deixaram-no tão maravilhado, que escreveu uma carta para a Sociedade Real de Londres, a mais importante associação científica daquele tem po: "No ano de 1675, descobri pequenas criaturas na água da chuva colhida numa tin a nova pintada de azul por dentro... esses pequenos animais, a meu ver, eram mai s de 10 mil vezes menores do que a pulga d´água que se pode enxergar a olho nu..." Essa demonstração cabal de que em ciência fazer a pergunta certa, às vezes, é mais importante do que buscar respostas, abriu as portas para o mundo das bactérias. Duzentos anos depois de Leeuwenhoef, um cientista francês que não era médico, Louis Pasteur, visitou necrotérios para estudar por que tantas mulheres, que davam à luz, morriam de febre após o parto. Nas amostras de sangue e de secreções colhidas no útero dessas mulheres, identificou as pequenas criaturas descritas pelo holandês. Uma noite, em 1879, numa reunião da Academia de Paris, um obstetra descart ou com desprezo a hipótese de que a febre pós-parto fosse provocada por bactérias. Pas teur interrompeu: "A causa dessa doença são os médicos, que levam germes da paciente d oente para a sadia". Mais recentemente, a importância de esfregar as mãos com água e sabão foi bem ca racterizada nas unidades de transplante de medula óssea. Nesse tipo de transplante , as defesas imunológicas ficam arrasadas por vários dias e o doente se torna vulneráv el aos germes que o cercam. Quando surgiram as primeiras unidades de transplante nos Estados Unidos, nos anos 80, para entrar no quarto do paciente era preciso colocar luva, gorro, máscara, avental e proteção para os pés. Além disso, de uma das paredes vinha um fluxo de ar contínuo que passava pela cama do doente e saía pela porta permanentemente abert a. Todos os que entravam no quarto eram proibidos de ficar entre a cama e essa p arede, para impedir que a corrente de ar levasse os germes do visitante para o d oente. A experiência mostrou que tais medidas eram dispendiosas e descabidas. Hoj e, nas unidades de transplante, pode-se chegar com a roupa da rua, mas é obrigatório lavar as mãos ao entrar e sair do quarto do transplantado, não importa o que o visi tante tenha ido fazer lá dentro. Uma medida tão simples como a lavagem das mãos tem grande importância em saúde púb lica. Por exemplo, se fosse possível convencer todos os que trabalham nos hospitai s - principalmente médicos e enfermeiras - de que antes e depois de pegar numa pes soa doente as mãos precisam ser lavadas, estaria decretado o fim das infecções hospita lares. Se conseguíssemos ensinar as mães a tomarem o mesmo cuidado antes de tocar em qualquer coisa que vá à boca do bebê, talvez acabasse a mortalidade por diarréia infant il no país.