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Desde agosto de 2009, já fortalecido com a presença Direito, portanto, os(as) leitores(as) encontrarão 12
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gia, mas também do direito, tanto da USP quanto de revisadas de papers apresentados nesses grupos, os
outras instituições de ensino superior, o grupo vem quais, por sua vez, sinalizam 12 distintas frentes de
pesquisa da antropologia do direito brasileira.
http://enadir-2017.blogspot.com/p/nadir_16.html e também em
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5911329942852747
3 Ver todos os links em http://enadir-2017.blogspot.com/p/apre- -
sentacao_17.html lina Barreto Lemos, é um trabalho que recupera in-
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da Silva apresentam notas de uma pesquisa em que
para problematizar aspectos do controle disciplinar
presentes no cotidiano das cadeias pesquisadas. A crianças e adolescentes, tanto em situação de vul-
autora apresenta um rico material empírico colhido
em entrevistas com presos e presas, bem como et- diferentes instituições de cuidado e/ou de controle.
A narrativa de uma situação social vivida por um dos
entre regras disciplinares, baseadas em hierarquias e autores é descrita de modo a explicitar não somente
desigualdades, e certas previsões da Lei de Execução o jogo de tensões entre tais instituições e os discur-
Penal, a princípio universais e igualitárias. A autora
conclui que os efeitos dessa paradoxal relação po- problemáticos para a garantia dos direitos funda-
dem ser percebidos na permanência de uma cultura mentais dessas crianças e adolescentes.
punitivista que interpreta os direitos da população
encarcerada como privilégios. A maneira por meio da qual alguns grupos culturais e
étnicos mobilizam direitos em favor da manutenção
De autoria de Mariana dos Santos Vianna e Pedro Hei- de seu patrimônio cultural, dentro ou fora dos tribu-
nais, compõe a temática de um segundo bloco que
abriga com dois textos.
revisita um tema clássico da antropologia do direito
brasileira concernente à presença da cultura inquisi- -
torial que permeia práticas investigativas de nossas
instituições policiais, às quais é atribuído o poder de,
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Beatriz Accioly Lins, no paper -
de 100% na internet’: sobre leis, mulheres, intimida- públicos acerca de modelos de família e maternidade
orientadores de suas atuações junto à população em
situação de rua e, especialmente, mulheres grávidas.
Valendo-se de pesquisa qualitativa realizada com
e material de conteúdo íntimo. Por meio de densa informações obtidas junto à Prefeitura Municipal de
São Paulo, além de entrevistas e diálogos com atores
heterogêneas, como materiais midiáticos, participa- da rede intersetorial de atendimento a mulheres, ges-
ção em eventos, entrevistas, documentários, listas de tantes e mães em situação de rua, as pesquisadoras
e-mails e interação em redes sociais, a autora anali-
sa os tratamentos legislativo e jurídico dados ao as- e do judiciário interferem no livre exercício dos direi-
sunto, privilegiando debates sobre alterações na Lei tos reprodutivos das mulheres.
que vivem em contextos de ilegalidade. O trabalho de Luciana da Silva Sales Ferreira, intitu-
a atuação do Ministério Público na implantação do
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cional: pistas para pensar as experiências das crian-
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pologia da Universidade de São Paulo: alps@usp.br
Palavras-chave Resumo
Júri de policiais militares / homicídios dolosos Este trabalho apresenta resultados parciais de uma
praticados por policiais militares / julgamentos de pesquisa em andamento cujo objeto é o tratamento
PM / morte decorrente de intervenção policial judicial dos homicídios dolosos praticados por poli-
ciais militares no sistema de justiça de São Paulo em
diferentes âmbitos do Direito, seja criminal, adminis-
trativo ou cível. Foram estudados múltiplos casos. O
Sumário estudo de caso “convida os pesquisadores em direito
1 Introdução a observar o sistema de justiça sem as barreiras im-
2 Estratégias Metodológicas postas pelas áreas jurídicas, a atentar às interações
2.1 O escrever sobre a observação dos Júris processuais e às suas implicações ao desfecho do
de policiais militares em São Paulo caso” (Machado, 2014, p. 14). Foram, portanto, valori-
3 Relatos de observação: o que vi nos Júris zadas a leitura e análise dos documentos pertinentes,
de policiais militares bem como observações participantes nos Júris, além
4 Considerações finais de entrevistas semidirigidas com os profissionais de
5 Referências Bibliográficas diversas instituições da área. Assim, o “olhar” sobre
o tratamento jurídico e judicial dos homicídios dolo-
sos praticados por policiais militares nos remete ao
“olhar etnográfico”, sensibilizado pela teoria disponí-
vel. Um olhar atento aos rituais, encenações e estra-
tégias dos atores no jogo que é o Tribunal do Júri. O
“ouvir” demanda a “criação de espaços semânticos
compartilhados por ambos os interlocutores”, isto é,
cabe ouvirmos como os atores que operam nas dife-
rentes áreas reconstroem o grave problema da letali-
dade policial durante suas ações. O “escrever” conduz
à reconstrução de narrativas que comporão o mosaico
desenhado pela pesquisadora, a partir de hipóteses
como a de que a atuação do Estado nos processos de
responsabilização varia radicalmente conforme as ca-
racterísticas sociais e étnico-raciais das vítimas.
Keywords Abstract
military police jury / intentional homicides This paper presents some partial findings of an ongo-
committed by military police officers / judgment of ing research about the criminal justice treatment of
PM / death resulting from police intervention deaths resulted by police approaches in the state of
São Paulo. The research wants to comprehend the
outcomes of those cases in different areas of the le-
gal system, criminal, administrative and civil. Meth-
odologically it will use multiple case studies. In the
legal field, case studies “invite the legal researcher
to observe the legal system without the barriers im-
posed by other legal areas, to pay attention to the
process interactions and its implications in the case
outcomes” (Machado, 2014, p. 14). In addition, par-
ticipant observations of juries as well as semi-guided
interviews with law professionals and analysis of the
legal processes will be conducted. The ethnography
“look” at the legal and judicial treatment of lethal mil-
itary police approaches involves attentive observa-
tion of rituals, performances and strategies of actors
or players in the game that is the jury courtroom. The
ethnography “listening” indicates the need to “cre-
ate semantic spaces shared by both interlocutors”,
which means listening to how the actors that operate
in those cases reconstruct the grave problem of police
lethality. At last, the “writing” directs us to the recon-
struction of narratives that will integrate the mosaic
designed by the researcher. This step takes into ac-
count the research hypothesis that the State dealing
of those cases varies radically in accordance with so-
cial and ethnic racial characteristics of the victims in
all three legal areas of this study.
Um olhar atento tem me levado a observar outros ele- Quanto às testemunhas, figuraram como vincula-
mentos, para além da atuação pontual dos atores que das à defesa do réu, em regra, policiais ex-colegas
operam nessa seara. Assim, noto que em todos os ca- de batalhão, que relataram o histórico de bom com-
sos observados, os jurados, destinatários últimos de portamento. Também compareceram familiares de
todo o ritual e procedimentos realizados no Júri, para- réus que se dedicavam a descrever em plenário o
doxalmente pouco participam das sessões. São cha- sofrimento do parente acusado ao passar por aquela
mados no início do julgamento para julgarem a causa, experiência ou o seu próprio sofrimento ao ver o réu
a partir de suas convicções, e para prestarem atenção ser preso e processado por “defender a sociedade”,
nas narrativas que ali serão colocadas, mas poucas expressão recorrente nas falas dos familiares de réus
são as tentativas de participação efetiva dos jurados que testemunharam me juízo. As testemunhas de
ao longo dos julgamentos. Nenhum fez perguntas à acusação foram mais restritas, na maioria dos Júris
acusação ou à defesa durante as intervenções, tam- assistidos. Eram autoridades que haviam registrado
pouco os jurados requisitaram os autos do processo o fato na delegacia, peritos que produziram laudos
para verificar quaisquer provas ali acostadas. constantes dos autos e outros policiais que participa-
ram da mesma ação, mas que não foram denuncia-
O que se nota é que as pessoas sorteadas parecem pou- dos pelo membro do Ministério Público.
co envolvidas com o que se passa diante delas. Muitas
passam boa parte do tempo olhando para o plenário, Acusação e defesa se revezaram em plenário com
para o relógio, ou com um olhar perdido sobre o cená- diferentes recursos. A primeira, na figura de um dos
rio em que se encontram, como que incrédulas frente à membros do Ministério Público, normalmente acusou
missão que acabaram de receber. Dos jovens aos mais formalmente os réus, baseando-se nos termos da sen-
velhos, a postura nas cadeiras ou o andar entre a sala tença de pronúncia e apoiando-se, além de em relatos
de julgamento e o sanitário, durante os intervalos, aca- de testemunhas de acusação, especialmente em lau-
ba denunciando não só a falta de envolvimento com o dos de exame de balística e de exame cadavérico. Em
caso – traindo, talvez, até um certo desprezo – como pelo menos cinco dos seis Júris assistidos o membro
também a exaustão que parece mais evidentemente do Ministério Público se baseou na hipótese de o acu-
nas últimas horas de julgamento. Em alguns casos, ela sado ter realizado uma execução sumária da vítima.
é demonstrada desde as primeiras horas, através de
respirações profundas, bocejos, pedidos de intervalos As defesas, exercidas em todos os Júris por advogados
para um café, ou pedem que não haja intervalos para particulares (pagos pelos acusados), centraram suas
que o julgamento não se prolongue. narrativas nos históricos dos policiais na corporação e
em quem haviam sido as vítimas, buscando desquali-
Os réus, por sua vez, em nada demonstram impaciên- ficá-las enquanto tais. Em todos os casos, a tese sus-
cia. Têm postura ereta, sentados com os pés alinha- tentada por defensores foi a de legítima defesa.
dos, cabeça levemente inclinada. Quase a pedir per-
dão, aguardam e observam cada ato da acusação e
da defesa praticamente imóveis. E assim se colocam
durante todo o julgamento.