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Direito do trabalho da mulher: ontem e hoje

1. Introdução

A industrialização foi o marco para o surgimento do direito do trabalho. Antes


da revolução industrial, que impôs definitivamente a separação entre capital
e trabalho, não se pensava em direito do trabalho. E também não se pensou
em um direito que protegesse os trabalhadores assim que a tecnologia
possibilitou o implemento de máquinas para a produção em série. Foram as
miseráveis condições a que se viram lançados os trabalhadores, nos primórdios
da industrialização, que os levaram a se unir e a reivindicar direitos,
quebrando assim o paradigma de que o contrato de locação do trabalho era
como qualquer outro contrato regido pelas leis de oferta e procura do
mercado.

Se as condições de trabalho e ausência de garantia de direitos já eram duras


para os homens, pior ainda era a situação das mulheres que trabalhavam, pois
seu trabalho sofria duplo preconceito: o biológico, pelas diferenças físicas
existentes entre os sexos, cuja maior delas é a maternidade, e o social, no
qual o trabalho feminino era visto como inferior ao masculino e, portanto, de
menor valor. Assim o trabalho das mulheres é um capítulo à parte na história
do direito do trabalho.

O direito do trabalho da mulher foi construído à margem do direito do


trabalho. Enquanto, com o correr dos anos novos direitos e garantias foram
assegurados aos trabalhadores, normas especiais para regulamentar o trabalho
das mulheres foram sendo criadas, normas estas que passaram por diferentes
fases ao longo de sua história, a criação em si das normas foi importante,
todavia a motivação delas, embora condizente com o pensamento dominante
de sua época, acabou, por muitas vezes, desprotegendo as trabalhadoras.

2. A era da exclusão

No início do processo de industrialização tanto o trabalho da mulher como o


do homem não gozavam de qualquer proteção legal, já que as relações de
trabalho eram regidas por idéias liberais, cujos princípios pregavam a não
intervenção estatal, vez que o mercado, aí incluída a oferta de mão-de-obra,
se regulamentaria por suas próprias leis segundo a oferta e a procura. Assim,
conforme o pensamento liberal, as relações entre empregador e empregado
deveriam ser ajustadas apenas entre eles, relegando, desta forma, os
trabalhadores a um jogo de forças completamente desigual.

Deve-se ter em mente que as condições de trabalho, neste momento, de


início da industrialização no Brasil, são as mais alvitantes: salários
extremamente baixos, jornadas de trabalho de até dezoito horas diárias,
nenhuma forma de assistência a operários acidentados e nada que se
aproximasse de um plano de aposentadoria.

Se o cenário não era favorável aos trabalhadores, menos ainda o era para as
mulheres, embora mão-de-obra aplicada em larga escala, seu trabalho era
considerado de menor valor, fazendo jus a salários mais baixos, dada a
condição de inferioridade feminina. Esta condição inferior das mulheres não
era apenas pensamento generalizado das camadas populares, nesta época
vários estudos comprovavam “cientificamente” esta afirmação, entre estes
estudiosos estava o médico italiano Cesare Lombroso.

Ainda que fosse mão-de-obra abundante e barata, o trabalho feminino era


visto com preconceito: mulheres não deveriam trabalhar. A moral vigente na
época considerava que o lugar das mulheres era em casa, no espaço
doméstico, e que o espaço público pertencia aos homens. Todavia havia
aquelas mulheres que não podiam se dar ao luxo de não trabalhar, pois seu
próprio sustento e, muitas vezes, de seus filhos, dependia de seu trabalho.

2.1. Nichos de trabalho feminino

Já nos primórdios da industrialização iniciou-se uma divisão sexual do


trabalho, tal qual aquela que já existia no espaço doméstico, que persiste, em
menor escala, até hoje. Assim certos setores abrigaram a mão-de-obra
feminina, enquanto outros se fecharam para ela. Nesta época, um dos setores
que mais oferecia postos de trabalhos para mulheres era o setor fabril e nem
todas as mulheres saiam de casa para trabalhar para fábricas, era prática
comum que indústrias de peças de vestuário ou alfaiatarias contratassem
costureiras para efetuar seus trabalhos em casa.

A normatização do trabalho, conquistada através de manifestações e


protestos dos trabalhadores, contribuiu para a formação de nichos de trabalho
feminino. Com o início da regulamentação do trabalho, à medida que a
industrialização avançava, cada vez mais as fábricas incorporavam a mão-de-
obra de homens, dispensando a de mulheres. Desta forma, a elas restavam os
piores postos de trabalho, onde a regulamentação não chegava.

2.2. As primeiras leis de proteção à mulher

A primeira lei de cunho protecionista à mulher operária surgiu na esfera


estadual em São Paulo. A Lei n.º 1.596, de 29 de dezembro de 1.917, que
instituiu o Serviço Sanitário do Estado, proibiu o trabalho de mulheres em
estabelecimentos industriais no último mês de gravidez e no primeiro
puerpério.

Em âmbito federal, o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde


Pública (Decreto n.º 16.300, de 21 de dezembro de 1.923), facultava às
mulheres, empregadas em estabelecimentos industriais e comerciais,
descanso de trinta dias antes e outros trinta dias mais após o parto. O médico
do estabelecimento ou mesmo o médico particular da obreira deveria
fornecer a seus superiores um atestado referente ao período de afastamento,
constando a provável data do parto. A administração da oficina ou fábrica,
por seu turno, remeteria um memorando à Inspetoria de Higiene Infantil do
Departamento Nacional de Saúde Pública que comunicaria o seu recebimento,
lançando em livro especial a notificação relativa ao descanso da gestante. O
mesmo Decreto facultava às empregadas a amamentação de seus filhos, sem,
todavia, estabelecer a duração deste intervalo; previa, porém, a criação de
creches ou salas de amamentação próximas às sedes dos estabelecimentos,
bem como a organização de caixas, com a finalidade de socorrer
financeiramente as mães pobres.

Não há dados concretos sobre a eficácia e aplicação das leis acima, mas,
conhecendo-se a situação das operárias hodiernamente, podemos deduzir que
elas foram ignoradas pela grande maioria das indústrias.

2.3. As convenções n.os 3 e 4 da OIT

Todas as suas convenções da OIT, a Organização Internacional do Trabalho,


desde sua origem, têm como intuito promover a igualdade das condições de
trabalho em todo o planeta como forma de diminuir as diferenças sócio-
econômicas existentes no mundo. As convenções n.os 3 e 4 da OIT são ambas
do ano de 1919, ano de criação da organização, referem-se à mulher
trabalhadora e foram as primeiras neste sentido.

A convenção n.º 3 entrou em vigor a partir de 13 de junho de 1921; garantia à


mulher trabalhadora uma licença remunerada compulsória de seis semanas
antes e depois do parto e também previa dois intervalos de trinta minutos,
durante a jornada de trabalho, para amamentação, além de assegurar que
durante seu afastamento a mãe recebesse dos cofres públicos uma
remuneração suficiente para garantir sua manutenção e de seu filho,
mediante a comprovação do parto por atestado médico. A dispensa da
empregada durante o período da gravidez ou da licença compulsória seria
considerada ilegal. Em 26 de abril de 1934, o Brasil ratificou essa convenção e
a promulgou por meio do decreto n.º 423, de 12 de novembro de 1935.

Por sua vez, a convenção n.º 4 da OIT proibiu o trabalho noturno da mulher
nas indústrias públicas ou privadas. Entendia-se por trabalho noturno aquele
realizado no período entre 22h de um dia até às 5h do dia subseqüente,
permitindo que esse período de onze horas fosse reduzido em uma hora
durante 60 dias no ano. Tal proibição não se estendia à obreira que realizava
seus trabalhos em estabelecimento onde labutavam apenas membros de uma
mesma família e poderia ser suspensa em casos de força maior ou perigo
iminente de perda de matéria-prima que não fosse manipulada. Esta
convenção foi também ratificada pelo Brasil, promulgada através do decreto
n.º1.396, de 19 de janeiro de 1937 e, posteriormente, denunciada.

Esboçava-se assim o início de uma época em que toda a legislação, de cunho


protecionista, tendia mais a proibir de determinados tipos de serviços às
mulheres do que propriamente protegê-las.

3. A época da proteção
O advento da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, fechou um ciclo do
direito do trabalho. Este ciclo começou com as idéias liberais que resultaram
em uma absoluta falta de proteção ao trabalho e acabou com a adoção de
políticas trabalhistas, com o surgimento de toda uma legislação de proteção
ao trabalhador.

3.1. A Proteção à Mulher na CLT

O Capítulo III do Título III da CLT foi intitulado “Da proteção do trabalho da
mulher” e abordou os seguintes assuntos em cada uma de suas seções:
duração e condições do trabalho, trabalho noturno, períodos de descanso,
métodos e locais de trabalho e proteção à maternidade.

Quanto ao conteúdo dessas normas, não houve, em regra, qualquer inovação;


foi apenas compilada a legislação que já regulamentava o trabalho da mulher.
Porém, analisando os artigos contidos em cada uma dessas seções, conclui-se
que o intuito do compilador celetista foi a proteção da mulher quanto à sua
saúde, sua moral e sua capacidade reprodutiva.

No tocante à proteção da saúde da mulher a CLT trazia dispositivos que


proibiam a realização de horas extraordinárias sem que houvesse atestado
médico que a autorizasse e vedação legal de que a empregada fizesse força
muscular acima de vinte quilos, habitualmente, ou vinte e cinco para o
trabalho ocasional, a título de comparação, ao homem era permitido o
emprego de força de até sessenta quilos.

A vedação ao trabalho noturno da mulher apoiava-se em dois pilares: na tese


de proteção à saúde e na de proteção da moral. Tanto que o dispositivo que
excepcionava a regra geral e permitia o trabalho noturno da mulher em casas
de diversões, hotéis, restaurantes, bares e estabelecimentos congêneres
exigia, além de atestado médico, atestado de bons antecedentes. Ou seja, a
mulher que necessitava trabalhar à noite estava sujeita ao julgamento sobre
sua retidão moral. Mas não era apenas sua moral que estava na mira do
legislador: havia uma preocupação com a saúde feminina, que sempre foi
considerada muito mais frágil que a masculina, embora sem justificativa
científica para tanto. Todavia, dificultar a utilização de mão-de-obra feminina
nos períodos noturnos era negar à mulher o acesso a uns tantos postos de
trabalho e acentuar a divisão sexista das atividades desempenhadas por
homens e mulheres.

As normas de proteção à maternidade surgiram para proteger não apenas a


mulher gestante como também a criança fruto desta gestação. Porém, no
momento do advento da CLT, suas normas de proteção à maternidade se
impuseram como um ônus ao empregador. Não que as exigências fossem
descabidas. Até pelo contrário: garantia-se apenas o mínimo para as mulheres
que eram ou viriam a ser mães. O problema é que, então, os homens
trabalhadores eram tão desprovidos de direitos sociais, que os garantidos às
mulheres soavam quase como uma proibição à sua contratação.
Direitos à higiene e à saúde, com o mandamento legal de haver nos locais de
trabalho as devidas instalações sanitárias e ventilação adequada, mais do que
uma garantia legal à mulher trabalhadora, é um direito que deveria e foi,
anos mais tarde, estendido a todos os trabalhadores, porque diz respeito à
dignidade da pessoa humana. Proteger apenas a mulher e não o homem, não
pensar em protegê-los enquanto seres humanos que merecem tratamento
condigno foi um erro que o legislador cometeu e que terminou por condenar
as mulheres a empregos menores.

3.1.1. A igualdade salarial na CLT

A Constituição Federal de 1934 inovou ao assegurar a isonomia salarial entre


homens e mulheres. Porém, a Carta de 1937 não repetiu esta garantia em seu
texto e, desta maneira, abriu a possibilidade de que mulheres viessem a
receber salários inferiores àqueles pagos aos homens. E foi o que,
efetivamente, ocorreu. Em 30 de agosto de 1940 foi promulgado o decreto-lei
n.º 2.548 que permitia que à mulher empregada fosse pago dez por cento
menos do valor fixado para o salário mínimo.

O ministro Waldemar Falcão justificou essa medida alegando que a lei ao


exigir a adoção de certas medidas de higiene e proteção nos estabelecimentos
em que se empregavam mulheres, por si só, onerava o trabalho feminino e, se
não fossem absorvidos tais encargos já na fixação do salário mínimo, estes
benefícios trariam efeitos contrários aos seus propósitos de amparo pelas
restrições que seriam impostas à aceitação de empregadas.

Porém, quando da reunião dos textos de leis trabalhistas esparsos que


existiam para a produção da CLT, esta norma não foi compilada e se
privilegiou a isonomia salarial, segundo o entendimento de que as medidas de
proteção ao trabalho feminino adotadas eram de ordem pública, não
justificando de forma alguma a redução do salário em virtude do atendimento
dessas exigências legais.

3.2. As transformações no trabalho da mulher entre os anos 50 e 60

Durante os anos 50, o Brasil viveu um período de acentuado crescimento


urbano e grande industrialização, o que motivou um aumento tanto no
número de vagas nos bancos escolares como no de postos de trabalho, fatores
que também pressionaram por mudanças sociais.

Com o decorrer desses anos de intensa urbanização e industrialização, houve


uma desvalorização do trabalho doméstico, que foi sendo suplantado pelos
utensílios domésticos que surgiam para facilitar o trabalho dentro de casa e o
tornavam mais rápido de ser realizado. Isto se deve ao fato de que a produção
industrial absorveu grande parte do que antes era produzido domesticamente:
roupas, pães, manteiga, carne de frango, verduras, doces e legumes são
alguns dos itens que deixam de ser manufaturados no âmbito domiciliar e que
surgem em gôndolas de supermercados ou em prateleiras das lojas como
produto da industrialização extremada. Então, para suprir as necessidades
familiares com esses bens de consumo é preciso dinheiro. Houve, assim, uma
mudança no papel da mulher na sociedade, vez que a nova realidade a
empurrava para o mercado de trabalho, atraída por uma maior independência
e a possibilidade de realizar suas necessidades de consumo pessoal e familiar.
Não que não houvesse preconceito contra o trabalho da mulher, ele ainda
estava presente, bem como havia várias proibições legais ao trabalho da
mulher na CLT, mas a mulher trabalhadora se tornava um personagem cada
vez mais comum no dia-a-dia das cidades, e sua luta por seus direitos sociais
também.

Em 27 de agosto de 1962, há o advento da Lei n.º 4.121./62, o Estatuto da


Mulher Casada, que, entre outras coisas, expurga de nosso ordenamento a
condição de relativamente incapaz da mulher casada, constante até então no
Código Civil de 1916, e, repercutindo também na CLT, retira do marido o
poder de autorizar o trabalho de sua esposa. Este estatuto legal surge em
consonância com o novo papel social que a mulher começou, então, a
desempenhar em função de seu trabalho.

3.3. A Carta de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969

Em 24 de janeiro de 1967 foi promulgada uma nova Constituição que, por sua
vez, teve grande parte de seu texto alterado pela emenda constitucional n.º 1
de 17 de outubro de 1969. Ambos os textos trouxeram a proibição de
diferenciação salarial por motivo de sexo ou estado civil e do trabalho da
mulher em condições insalubres, garantiram a licença remunerada à gestante
antes e após o parto, sem prejuízo do salário, ou emprego, bem como seus
respectivos benefícios previdenciários.

A Carta de 1967 inovou ao proibir critérios de admissão diferentes por motivo


de sexo, cor, ou estado civil, além de assegurar aposentadoria à mulher
trabalhadora aos trinta anos de serviço com salário integral.

3.3.1. A Lei n.º 6.136/74

A lei n.º 6.136 de 7 de novembro de 1974 transferiu, definitivamente, para o


sistema da previdência social a responsabilidade sobre o salário
maternidade, em atendimento à convenção n.º 103 da OIT, ratificada pelo
Brasil dez anos antes. Retirar do empregador o ônus deste pagamento e
distribuí-lo entre a coletividade foi uma forma de afastar a discriminação
contra o trabalho da mulher.

3.4. Os empregos femininos nas décadas de 70 e 80

Os anos setenta são marcados pelo recrudescimento do regime militar e pelos


primeiros sinais da crise econômica na qual se veria mergulhado na década
seguinte. A presença de mulheres no mercado de trabalho, que havia
começado nos anos 50, aumentou.

Os anos 80 começaram sob o signo de uma forte crise econômica, marcada por
uma intensa recessão e pelo aumento da inflação, que fez sentir seus efeitos
por toda a sociedade, principalmente na parcela mais pobre da população.
Esta crise econômica aumentou a proporção de famílias abaixo da linha da
pobreza, ampliando, assim, as desigualdades socioeconômicas. Mesmo para
aquelas famílias que não foram empurradas para baixo da linha da miséria,
houve necessidade de que as mulheres saíssem em busca de trabalho para
complementar o orçamento familiar, já que a crise econômica somada aos
altos índices inflacionários provocavam um achatamento da renda do
brasileiro. E esta crise econômica foi o impulso final para que a mulher
brasileira abandonasse o lar e buscasse postos de trabalhos.

A década de 80, por força da estagnação econômica que assolava o país, foi
marcada pela alteração na estrutura setorial. Diminuíram os postos de
trabalho no setor secundário da economia, tais como a construção civil, a
produção de bens, tanto na indústria de transformação como na agricultura.
Em contrapartida, houve um aumento no terciário, em áreas como comércio e
prestação de serviços. Foi justamente nesse setor da economia que se abriram
mais vagas para o trabalho feminino; obviamente, havia mulheres ocupando
postos de trabalho em outros setores, mas foi em áreas como comércio e
serviços que a mulher encontrou maior receptividade à sua mão-de-obra. As
mulheres eram “barradas” em trabalhos fabris, algumas vezes pela legislação
protecionista que proibia sua atividade em ambientes insalubres, outras vezes
porque as diferenças morfológicas entre homens e mulheres impediam que
maquinários fossem utilizados indiscriminadamente por ambos os sexos.

Essa peculiaridade morfológica terminou por gerar verdadeiros guetos


femininos em determinados setores de produção, fenômeno conhecido
como feminilização do trabalho, e acentuou nas fábricas a já existente e
marcante divisão por gênero.

Esses anos foram igualmente marcados pela diminuição, em termos relativos,


do número de empregados assalariados e pelo aumento de trabalhadores por
conta própria ou sem carteira assinada. Nesse contexto, muitas mulheres
foram obrigadas a procurar uma ocupação como meio de contribuir para a
complementação da renda familiar, quando não supri-la integralmente, nos
casos em que o chefe da família perdia seu emprego. Todavia, elas também
foram vítimas da informalização das relações de trabalho.

Deste modo, nesses anos ocorre uma total reformulação das relações
familiares e de trabalho em que a mulher se via inserida. Neste período
completa-se mais um ciclo do direito do trabalho da mulher.

4. O tempo da igualdade

A Constituição Federal de 5 de outubro de 1.988 primou por assegurar a


igualdade entre homens e mulheres, apenas diferenciando onde a
desigualdade se faz patente, como é o caso da maternidade. Assim caíram
proibições absurdas como a que impedia o trabalho noturno da mulher. É
importante notar que a proibição ao trabalho noturno da mulher, na época do
advento da Constituição Federal, já comportava tantas exceções que só
persistia o veto ao trabalho noturno das operárias.
4.1. O trabalho da mulher na Constituição de 1988

Três incisos do artigo 7.º da Constituição Federal e uma alínea dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias tratam especificamente do trabalho
da mulher nos temas: licença-maternidade; estabilidade à gestante; proteção
do mercado de trabalho da mulher e proibição de diferenças de salários, de
exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo.

A preocupação com a proteção à maternidade aparece tanto na licença-


maternidade como na estabilidade garantida à gestante. Assegurada desde o
momento da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, a
estabilidade provisória já se encontrava presente no texto de vários acordos e
convenções coletivas e surgiu da constatação fática de que muitas mulheres,
quando engravidavam, eram demitidas pelo simples fato de estarem grávidas.
Por sua vez, o aumento da licença-maternidade de 12 semanas para 120 dias
buscou garantir não apenas a saúde da mãe e da criança, mas principalmente
a vida desta, vez que prolongar o tempo de permanência da mãe ao lado do
filho é garantir a amamentação do recém-nascido com leite materno, o que
reduz a mortalidade infantil.

Historicamente a mulher foi alijada dos melhores postos de trabalho. Assim,


na Constituição Federal foi inserido um mandamento para que o legislador
infraconstitucional criasse mecanismos de proteção ao mercado de trabalho
da mulher, não com a intenção de que fossem criados nichos de trabalho
feminino, mas para que fosse incentivada a correta inclusão da mulher no
mercado de trabalho.

A Constituição Federal repetiu a proibição de diferenças salariais por motivo


de sexo. Muito embora o texto já tivesse enunciado que homens e mulheres
são iguais, os constituintes fizeram por bem repetir o que já aparecia nas
Constituições anteriores. Proibiu-se a diferença na execução de funções pelo
critério do sexo e também foi proibida a diferenciação de critérios de
admissão baseados exclusivamente na diferenças de gênero: mais uma vez, a
preocupação do constituinte em evitar a formação de rincões de trabalhos
femininos.

4.2. A regulamentação do trabalho da mulher

O direito do trabalho da mulher passou de uma fase de proteção alguma à


mulher trabalhadora até chegar ao seu outro extremo, um período
marcadamente protetivo, que começou, a título de proteção, excluindo a
mulher de inúmeras atividades e, assim, negando-lhe postos de trabalho. Esta
fase, marcada por profundas transformações tecnológicas, econômicas e
sociais, culminaram com a minimização dessa mesma proteção, mantendo-a
apenas naqueles itens de real importância para a mulher trabalhadora. Assim,
hoje em dia fala-se em um caráter promocional do direito do trabalho da
mulher, em uma busca de promover a igualdade entre os gêneros e que a
proteção legal à mulher trabalhadora apenas se faça presente onde
diferenças, como as biológicas e de tratamento assim o exigirem.
4.2.1. A Lei 9.029/95

A lei 9.029, de 13 de abril de 1995, surgiu para combater uma prática


discriminatória que se tornou comum após a promulgação da Constituição de
1988, vez que a estabilidade à gestante foi considerada uma ameaça ao
direito do empregador de demitir suas empregadas: a exigência de atestado
negativo de gravidez para as ingressantes no emprego ou da comprovação de
esterilização tanto das postulantes ao cargo quanto das empregadas para a
manutenção de seu posto.

Assim, a referida lei criminalizou a conduta do empregador que exigisse teste,


exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento
relativo à esterilização ou ao estado gravídico. Também foi considerada crime
a adoção de quaisquer medidas, por iniciativa do empregador, que
configurassem indução ou instigamento à esterilização genética ou promoção
do controle de natalidade, assim não entendido o oferecimento de serviços de
aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições
públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Desta forma, a lei 9.029 combateu, tornando crime, a prática nas duas frentes
em que ela se manifestava: proibindo a exigência de atestados de gravidez ou
de esterilização e o incentivo à esterilização ou controle de natalidade que
não seguisse as normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

4.2.2. A Lei 9.799/99

Esta lei, promulgada em 26 de maio de 1999, inseriu novos artigos no capítulo


III da CLT, que trata da proteção ao trabalho da mulher. As modificações no
texto da Consolidação das Leis do Trabalho buscam corrigir as distorções que
afetam a formação profissional e o acesso ao emprego, assim como as
condições gerais de trabalho da mulher.

Um dos escopos dessa lei é garantir o igual acesso de mulheres às vagas de


emprego, vedando, para tanto, uma série de atividades que, se promovidas
pelo empregador ou futuro empregador, dificultariam ou impediriam a
consecução do emprego pela trabalhadora. Assim, a lei proíbe: publicação de
anúncios de emprego cujo texto faça referência a sexo, idade, cor ou situação
familiar; recusa de emprego ou promoção, ou dispensa do trabalho em razão
de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; e também
condena considerar sexo, idade, cor ou situação familiar como variável
determinante para fins de remuneração, formação profissional e
oportunidades de ascensão profissional, bem como impossibilitar o acesso ou
adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em
concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação
familiar ou estado de gravidez.

E na seção, que versa sobre a proteção à maternidade, inseriu parágrafo que


garante à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais
direitos, sua transferência de função, quando sua condição de saúde assim o
exigir, assegurada a retomada da função anteriormente exercida logo após o
retorno ao trabalho e também a dispensa do horário de trabalho pelo tempo
necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais
exames complementares.

4.2.3. Lei 10.421/2002

A lei 10.421, de 15 de abril de 2002, que inseriu o artigo 392-A na CLT,


estendeu às mães adotivas o direito à licença-maternidade já garantido pela
Carta Magna às mães biológicas, em claro atendimento ao princípio da
igualdade e também ao mandamento constitucional que garante que filhos
havidos dentro ou fora do casamento e os adotivos têm os mesmos direitos.

A referida lei escalonou o tempo de licença-maternidade em relação direta à


idade da criança adotada: assim, no caso de crianças até um ano, a mãe
adotiva terá direito a 120 dias de licença; crianças entre 1 e 4 anos geram o
direito a 60 dias; e crianças entre 4 e 8 anos, 30 dias de licença.

5. Conclusão

O direito do trabalho da mulher passou por diferentes fases ao longo de sua


história. Primeiramente houve uma fase de exclusão: quando nem mesmo
existia um direito do trabalho da mulher, mulheres não deveriam trabalhar, e
as que o faziam, o faziam à margem da lei, sem qualquer proteção legal, vez
que não havia legislação que regulamentasse a prestação de serviços de
mulheres, e não havia, sequer, limitação da jornada de trabalho, um dos mais
básicos direitos dos trabalhadores.

Depois veio um período de proibição, quando o trabalho feminino sofreu com


severas limitações constrangendo seu exercício, inclusive com a exigência da
outorga marital. Não eram proibições apenas impostas às trabalhadoras,
proibindo-lhes de laborar em determinadas atividades, mas também
imposições proibitivas, em que a legislação impunha tantas regras aos
empregadores de mulheres (regras de segurança e higiene que, mais tarde, se
tornaram de ordem pública garantida a todos os trabalhadores) que sua
melhor opção era não empregá-las. Todavia, eles o faziam ao largo da lei,
que, ao impor tantas proibições com o intuito de salvaguardá-las, culminava
por desprotegê-las. Em outras palavras, no intuito de proteger a mulher de
certos tipos de trabalho, a legislação terminava por colocá-la à mercê destes
mesmos trabalhos com total falta de proteção legal.

Em seguida, temos o início de uma fase de proteção. Óbvio que esta proteção
muitas vezes andou de mãos dadas com proibições como a do trabalho
noturno – só permitido nos casos em que a mulher laborava com membros de
sua família ou mediante a apresentação de atestado de bons antecedentes – e
a do trabalho insalubre ou perigoso, muitas vezes excetuadas em convenções
coletivas. Porém foi durante esta fase, marcada por profundas mudanças
tecnológicas e sociais, que se deu a definitiva transição entre a proibição e a
proteção. As proibições foram sendo banidas do ordenamento, pois não
condiziam com o novo papel social da mulher trabalhadora e foram restando
apenas aquelas necessárias à proteção das mulheres, como as que disciplinam
as questões ligadas à maternidade. Todavia, somente com o advento da
Constituição Federal de 1988, a igualdade entre homens e mulheres − em
todos os níveis, inclusive na questão do trabalho − foi promulgada e
amplamente alardeada.

Hoje, o que se busca é a promoção da igualdade de oportunidades no mercado


de trabalho entre homens e mulheres. O direito do trabalho da mulher
atualmente fomenta a isonomia entre os gêneros, apenas admitindo
diferenciação onde ela, de fato, tem lugar, como nos casos de diferenças
biológicas entre os sexos, a maternidade e as diferenças sociais, nas situações
em que a mulher é discriminada, e a lei procura coibir esta mesma
discriminação. Assim, o cerne da questão do direito do trabalho da mulher,
atualmente, está na busca para que a igualdade, que é formal, possa também
se tornar uma igualdade fática, até mesmo porque a legislação existente já
propugna pela igualdade e impõe punições ao seu desrespeito. O que urge ser
construído são mecanismos para que esta igualdade seja de fato aplicada ao
mercado de trabalho.

A igualdade de condições de trabalho, de acesso a este mesmo trabalho e de


remuneração das mulheres em comparação com os homens passa ao largo de
uma vazia igualdade finda em si mesma, mas tem sua verdadeira razão de ser
na formação das bases de uma sociedade igualitária que permite um real
desenvolvimento econômico e social do país. Com igualdade, não ganham só
as mulheres, mas todos. No atual jogo de forças do mercado de trabalho elas
perdem, mas os efeitos indiretos desta derrota afetam todos.

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