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da Ciência
Metodologia e Filosofia da Ciência
Prof. Dr. Marcello Árias Danucalov
Diretor Geral
Alexandre
Machado
Sumário
Ementa ......................................................................................................................... 4
UNIDADE I.................................................................................................................... 7
MÓDULO 1 ............................................................................................................... 8
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Ementa
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Currículo Resumido dos Professores
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Bibliografia Utilizada
Bibliografia Básica
BOOTH, W.C.; COLOMB, G.G.; WILLIAMS, J.M. A arte da pesquisa. 2a Edição. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
Bibliografia Complementar
BACON, F. Novum organum. [Os pensadores]. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
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UNIDADE I
História e Filosofia da Ciência
Karl Popper
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MÓDULO 1
Parabéns aluno (a) ingressante. Você acaba de entrar em uma faculdade. A partir deste
momento você passa a fazer parte do mundo acadêmico, e poucas são as pessoas que
gozam deste grande privilégio. Agora você faz parte de uma elite, e isso lhe concederá
certo poder simbólico. Contudo, já dizia o avô do homem aranha: “Grandes poderes,
grandes responsabilidades!”
Esperamos que sua estadia aqui seja repleta de momentos alegradores, permeada de
desafios e cheia de conquistas. Ainda não sabemos quais são os seus sonhos e objetivos
de vida. Todavia, é importante que você saiba que, independente do rumo que você
escolher conceder à sua vida profissional, o mundo acadêmico é o lugar legítimo de
produção de conhecimento científico. Você não necessariamente sairá daqui um
cientista, mas, caso intencione este objetivo, esperamos conceder a você os subsídios
para que possas atingir sua meta. A UNIBR tem, inclusive, um programa de iniciação
científica, e desde já convidamos você a se informar sobre as normas e diretrizes desta
rica e salutar atividade.
tais como a biologia, a física, a química e a astronomia. Tem como foco os aspectos
físicos e não o homem ou os aspectos antropogênicos em si, que são estudados pelas
ciências sociais. Logo, as ciências sociais estudam os aspectos sociais do mundo
humano, como a vida social de indivíduos e grupos humanos. A antropologia, os estudos
da comunicação, o marketing, a administração, a arqueologia, a geografia humana, a
história, a ciência política, o direito, a psicologia, a filosofia e a sociologia são áreas de
seu interesse. Então se prepare. Vamos começar a entender o que de fato é a ciência.
O homem tem tentado conceder sentido à sua existência desde que começou a
diferenciar-se dos outros animais e iniciou sua aventura pelos territórios do pensamento.
A percepção de que esta inserido na temporalidade, e consequentemente, a constatação
de que é um ser finito, provavelmente tem motivando-o na incessante busca por
explicações que lhe apaziguem a inexorável angústia que teima em acompanhá-lo
durante sua jornada pela vida. Sendo assim, o homem tem buscado fruir o mundo e
conceder-lhe significado por meio da utilização de distintos saberes. Em tempos remotos
os mitos foram de grande relevância para a organização psíquica do homem.
Provavelmente, a mitologia fez nascerem sistemas e instituições organizados, dando
origem às distintas religiões. A arte também tem sido companheira do homem desde a
noite dos tempos, e tem lhe servido de refúgio quando suas dúvidas clamam por uma
explicação que transcenda os limites da linguagem falada. O senso comum, uma forma
espontânea de entender o mundo, tem-lhe sido valiosa, pois, mesmo sendo uma
abordagem rudimentar de investigar a vida, o senso comum tem-lhe concedido
praticidade, além de ajudar-lhe a resolver inúmeros problemas do cotidiano. Porém,
houve momentos onde as regras e os rigores do pensar passaram a ser necessários,
quase imperativos, e por este motivo pensadores da Grécia nos legaram a filosofia, mãe
- ou filha? - da racionalidade humana. Patrocinadora de revoluções intelectuais.
Progenitora daquilo que convencionamos chamar de ciência moderna, e que em breve
versaremos com mais vagar. Sendo assim, ainda hoje, existem à nossa disposição seis
maneiras bastante distintas de ver e fruir o mundo: o mito; a religião; a arte; o senso
comum; a filosofia; e a ciência. Contudo, é importante deixar claro que, talvez não seja
prudente advogar em defesa de uma ou de outra, afirmando ser esta ou aquela a melhor
das maneiras de se decodificar o mundo. Mesmo que sejamos um cientista, ainda assim,
em algumas ocasiões, flertaremos com o senso comum, com a arte ou mesmo com a
mitologia, quando, por exemplo, ao torcer por seu time do coração, o referido cientista
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passe a idolatrar um jogador de futebol, acreditando, como nos tempos antigos, que este
homem irá salvar seu time do rebaixamento para a segunda divisão, fazendo ressurgir
assim o velho e bom mito do herói. Todavia, se somente falarmos isso, talvez estejamos
cometendo uma injustiça com a ciência. Carl Sagan, em seu maravilhoso livro O mundo
assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro, nos alerta
(SAGAN, 1997, p.39):
A universidade é o local legítimo para se falar e fazer ciência, e seria de se esperar que
seus agentes - alunos de graduação, de pós-graduação, de mestrado, de doutorado,
assim como professores e orientadores - fossem conhecedores desta forma de saber e
fruir o mundo. Todavia, não é exatamente isso que acontece. Pouquíssimos são os
agentes sociais que transitam nas faculdades e universidade saberiam discursar sobre o
que é ciência. Muitas vezes, as aulas de metodologia da pesquisa científica são
conduzidas por professores que sequer publicaram uma boa pesquisa científica em suas
trajetórias profissionais. Sendo assim, esta disciplina tão rica e necessária pode
transformar-se em um “lugar” onde se discutem regras cosméticas de apresentação do
conteúdo do trabalho científico, sendo esse, muitas vezes, um aglomerado de dados
desconexos, muito pouco representativo daquilo que chamamos de dados científicos.
Ouso afirmar que são escassos os mestres e doutores em nosso país que leram a obra
Discurso do Método de Descartes, ou que obtiveram informações - ainda que superficiais
-, sobre Karl Popper e Thomas Kuhn, representantes legítimos da filosofia da ciência e
que com suas críticas nos ajudaram a compreender os alcances e os limites daquilo que
chamamos de ciência. Acredito que, em parte, devido a esta carência em nossa formação
básica, somos tão frequentemente vítimas de dilemas.
inglês que trabalhou com filosofia da linguagem. Em sua obra Dilemas, Ryle nos mostra
que muitos dos dilemas que vivenciamos hoje, na realidade não são de fato dilemas, são
falsos dilemas. Sempre que transgredimos categorias geramos falsos dilemas, ou seja,
ao colocarmos numa mesma categoria elementos que pertencem a categorias distintas
corremos o risco de produzir conclusões paradoxais. Por exemplo, ao tentar responder
questões científicas com argumentos religiosos, ou vice-versa, ou ao tentar analisar uma
obra de arte por meio de um pensamento estritamente racional.
Recentemente, a revista Veja publicou uma matéria cujo título era Entre a Fé e a Razão.
Nela, é possível perceber parte daquilo que Ryle denomina de dilemas e que outro grande
filósofo britânico, Bertrand Russell (1872-1970), denominava de “batalhas sombrias”, ou
seja, os seculares embates entre a ciência e o campo religioso. Essa matéria faz alusão
à recente declaração do papa Francisco: “Quando lemos no Gênesis sobre a criação,
corremos o risco de imaginar que Deus tenha agido como um mago, com uma varinha
mágica capaz de criar todas as coisas. Mas não é assim [...]. O Big Bang, que hoje temos
como a origem do mundo, não contradiz a intervenção criadora, mas a exige. A evolução
na natureza não é incompatível com a noção de criação, pois a evolução exige a criação
de seres que evoluem”. O intuito do papa Francisco provavelmente não era o de erigir
mais uma batalha nesta guerra que já dura milênios, mas, pacificar a tensão entre os
campos. Ainda assim, sua fala patrocina mais um dilema, uma vez que, como ficará claro
a você caro (a) estudante, ciência e fé definitivamente não combinam! Ciência e religião
são duas maneiras bastante distintas de pensar e estar no mundo, e um dos abismos
que as separa é o dogma, afirma Marcelo Gleiser, físico, astrônomo e professor de
filosofia do Dartmouth College, EUA. E ainda que Albert Einstein (1879-1955), talvez o
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maior cientista do século XX, pensasse diferente, e afirmasse que: “A ciência sem a
religião é manca, a religião sem a ciência é cega”, a esmagadora maioria dos cientistas
da atualidade tem um ponto de vista radicalmente distinto. Ciência e religião são
categorias distintas. Nunca poderemos uni-las sem que incorramos em dilemas, pois
ambas partem de premissas opostas. A ciência, com sua metodologia, pode investigar a
espiritualidade. Podemos pesquisar suas bases biológicas, seus constructos sociais,
seus alicerces linguísticos etc. Todavia, não podemos fundir categorias, ainda que
possamos tentar erigir pontes entre distintos saberes, com vistas a patrocinar diálogos
mais respeitosos entre campos de saberes tão diversificados.
Uma das coisas que faz da ciência uma forma de saber bastante distinta das demais é o
fato dela ser controlada de maneira rigorosa por seus agentes sociais. Costuma-se dizer
que os conhecimentos científicos são objetivos e que as afirmações que brotam da
ciência devem ser controladas por todos os cientistas que militam na causa em questão,
ou seja, elas devem ser intersubjetivamente controláveis. Logo, os saberes que
emanam de seu interior necessitam poder ser compreendidos, confirmados ou refutados
por qualquer outra pessoa que tenha formação necessária para tal, ou seja, todos os
agentes sociais do campo científico têm direito e dever de criticar os conhecimentos
oriundos do seio da ciência. Sendo assim, o conceito de intersubjetividade ambiciona
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Como dito anteriormente, a ciência surgiu da filosofia e esta, embora tenha como objeto
o conhecimento em si, deixou para a ciência a tarefa de explicar como as coisas são,
concentrando-se muito mais nas indagações sobre o por que as coisas são como são, e
não de outro maneira. Perceba amigo (a) estudante, para além do conhecimento
explicativo, a filosofia preocupa-se com o sentido das coisas em relação ao homem.
Todavia, vamos retornar às características apontadas acima. O conhecimento objetivo,
compreendido de forma estrita, não pode ser atribuído nem à religião e nem tampouco à
filosofia. A religião depende justamente de uma experiência pessoal e intransferível,
ligada também à força da fé. Já a filosofia, embora fundada na razão e na pretensa
universalidade de seu conhecimento, foi essencialmente movida pelo desacordo entre
diferentes filósofos e suas concepções ao longo de sua história. Deste modo, torna-se
inexequível falar de um “controle intersubjetivo” para teorias filosóficas. Vejamos agora
quais os pontos mais importantes daquilo que se convencionou chamar de revolução
científica.
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MÓDULO 2
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científico para aumentar o poder de nossa experiência sensível. O universo passou a ser
observado por meio de outra óptica, com “outros olhos” e isso gerou problemas entre
Galileu e a Igreja. Galileu passou a arbitrar em favor do modelo heliocêntrico, sendo
assim, a Terra deixava de ser o centro do universo, dando ao Sol esta primazia. Galileu
também passou a afirmar que os conhecimentos científicos deveriam se desvencilhar da
fé e das escrituras sagradas. Caberia à ciência a missão de tentar descrever o mundo
físico tal como ele é, enquanto as doutrinas religiosas deveriam limitar-se aos assuntos
da alma e sua salvação.
Galileu foi o um dos precursores dos testes controlados, muito embora, suas
experiências controladas ainda não seguissem nenhuma metodologia pré-fixada,
rigorosamente especificada e intersubjetivamente aceita. Como amante da ciência
Galileu desenvolveu teorias sobre o movimento e conseguiu prová-las mediante
experiências concebidas previamente. Note que não se trata mais de simples
confirmações das teorias por meio da contemplação passiva, como comumente era feito
na antiguidade, mas sim, da construção de experimentos projetados para confirmar uma
determinada hipótese. A ciência idealizada por Galileu é detentora de um conhecimento
objetivo, que esquematiza a verdade sobre a realidade, mesmo que essa verdade
contradiga percepções mundanas ou crenças arraigadas. Galileu forneceu para nós os
parâmetros fundamentais para o desenvolvimento de uma prática científica totalmente
inovadora. Matematizou este campo do saber; fez uso de instrumentais práticos, como a
luneta; e construiu de forma racional experimentos elegantes com vistas a testar suas
hipóteses. Ainda que a ciência de Galileu seja desprovida de uma metodologia como a
que conhecemos hoje, sem dúvida, a ciência da contemporaneidade deve muito ao seu
gênio, e a partir das inovações patrocinadas por ele, um novo modelo de ciência começou
a surgir.
que contemplava. Para ele, não só os seres vivos tinham finalidade, mas até os objetos
físicos eram destinados a cumprir sua missão no universo. Em sua época acreditava-se
que o universo era finito, harmônico, organizado, e tudo nele, tinha uma função. Na
ciência moderna ambicionamos outras metas, uma vez que direcionamos nosso
interesse para conhecermos as causas de cada fenômeno e não necessariamente sua
finalidade. Acompanhe:
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Francis Bacon (1561 – 1626) também viveu a efervescência do período onde a ciência
moderna foi gestada, e seu nome é sempre lembrado como um dos mais importantes
deste incrível momento do pensamento humano. Assim como muitos pensadores dos
séculos XVI e XVII, Bacon foi impelido pela atitude crítica em relação ao saber de sua
época, e se empenhou em abolir os conceitos não demonstrados e que se nutriam
somente na autoridade dos filósofos clássicos ou pela maneira pouco afável com que a
Igreja conduzia a sociedade. Bacon colocou todo seu talento a serviço da reestruturação
da maneira como construímos nosso conhecimento, esmerando-se na consolidação de
um saber seguro e, ao mesmo tempo, livre de falsas noções acolhidas pela mente. Assim
como Galileu, o caráter experimental do conhecimento é seguramente uma de suas
maiores contribuições ao desenvolvimento do método científico. Como visto acima
quanto falamos dos ratinhos Pink e Cérebro, a maneira como o homem encarava a
natureza sofreu uma grande modificação na modernidade, e Bacon teve enorme
influência nesta nova maneira de pensar. Foi com ele que teve origem a noção de que a
ciência concederia ao homem a primazia de controlar a natureza. “Saber é poder” é a
máxima mais conhecida de Bacon, e resume sua ênfase na potencialidade da ciência
transformar os produtos da natureza e aplicá-los com maior proveito nas atividades
humanas.
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Bacon afirmava que, no cotidiano, a razão humana tende a lidar com a natureza de
maneira não metódica. No dia a dia temos a tendência de estabelecer certas
antecipações que nem sempre se harmonizam com a realidade. Somos motivados por
certas regularidades observadas nos fenômenos, assim como pela influência, muitas
vezes automática, de nossa imaginação. Contudo, essas antecipações da natureza
podem nos enganar. Não são, de modo algum, seguras, e podem transmutar-se em
concepções falsas ou preconceitos que se cristalizam e nos impedem de progredir na
busca pela verdade sobre os fatos. Desta forma, Bacon nos convida a pensar sobre a
distinção entre as antecipações da natureza produzidas pelo senso comum e a
interpretação da natureza realizada pela ciência. As antecipações da natureza são
noções edificadas sem apoio e orientação metódica. Na maioria das vezes são oriundas
da observação de poucos casos, e acabam sendo responsáveis pela instauração de
diversas concepções equivocadas, ou “erros do espírito”, denominados por Bacon de
ídolos. Podemos nos lembrar das literaturas de autoajuda, que, na maioria das vezes
seguem um modelo bastante conhecido. Escolhe-se um caso de sucesso em
determinada área. Investigam-se os passos dados pelo agente em questão e,
posteriormente, esses passos são universalizados, desconsiderando por completo
inúmeras variáveis do problema, e deixando de lado muitos fatores circunstanciais
envolvidos no assunto. A conclusão, na maioria das vezes é sempre a mesma. Siga cinco
ou dez passos e os resultados serão exatamente os mesmos daqueles sugeridos pelo
autor da obra. Por sua vez, as interpretações da natureza são atributos da ciência e fruto
do trabalho de cientistas, resultado de um método objetivamente construído e da
aplicação experimental da observação criteriosa de inúmeros casos, onde se reúnem
dados capazes de sustentar determinada hipótese. Bacon afirma que para se chegar ao
método adequado para o conhecimento científico todas as falsas noções do espírito
devem ser abandonadas. Isso, de certa maneira, inviabiliza os crentes de qualquer
natureza de seguir uma carreira científica, pois, quando o ser humano mantém alguma
crença, tem a tendência de buscar confirmações para ela a todo o momento. Aquele que
crê em astrologia, por exemplo, direcionará seus olhos no sentido de encontrar no mundo
exemplos que confirmem sua crença. Para Bacon, a prática da ciência está atrelada ao
abandono dos quatro tipos distintos de ídolos:
Ídolos da tribo (idola tribus) – Tendência que tem o intelecto humano de enxergar mais
do que o fenômeno realmente oferece. Nas palavras do próprio Bacon: “Quando encontra
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Para Bacon, é impossível avançar rumo ao conhecimento científico sem que antes
abdiquemos dos ídolos patrocinadores dos preconceitos. Em sua obra Novum Organum
(1620), Bacon nos apresenta as ideias basilares daquilo que denomina filosofia
experimental, que tem como meta a teorização de uma nova técnica de pesquisa da
natureza. Como vimos acima, a ciência antiga apoiava-se na contemplação e na
descrição da natureza. Por sua vez, Bacon descreve um método demonstrativo que se
opõe aos moldes desta maneira de fazer e pensar a ciência. Sua nova proposta assevera
que a aquisição do conhecimento não poderia mais ser meramente contemplativa, mas
deveria favorecer intervenções no ambiente físico, concedendo ao homem certo controle
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Atualmente, muitas das abordagens propostas no século XVI e XVII ainda são caras aos
cientistas, muito embora tenhamos avançado bastante desde os primórdios da revolução
científica. As hipóteses e teorias provenientes das observações e experimentações
criteriosas ambicionam expor e explicar a realidade sob variadas perspectivas
particulares. Quer tenha o cientista uma orientação fundamentada a partir da física, ou
da biologia, ou da astronomia, ou das ciências sociais, e mesmo que cada uma dessas
áreas do conhecimento seja detentora de práticas e metodologias cada vez mais
diversificadas, ainda assim é possível observar elementos fundamentais que lhe são
comuns e que compõem os caracteres gerais do método científico, como por exemplo, o
raciocínio indutivo.
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João é homem.
Aristóteles em sua obra Órganum, mais especificamente na parte Tópicos, nos apresenta
maneiras que julgava correta de raciocinar, e com isso, fazer ciência. Aprecie
(ARISTÓTELES, 1978, p.5):
Foto 3: Aristóteles
21
A indução, também é apresentada por Aristóteles, ainda que este acredite ser esta, uma
maneira menos potente de se chegar à verdade. Note (ARISTÓTELES, 1978, p.5):
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Essas duas formas de aplicação do pensamento estão presentes em nossa vida prática.
Contudo, o processo indutivo é basilar no campo científico, ainda que assuma padrões
bem mais rigorosos e complexos do que aqueles exigidos em nosso cotidiano.
Voltaremos em breve a este assunto.
René Descartes (1596 – 1650), também conhecido por seu nome latino Renatus
Cartesius, atuou como filósofo, matemático e físico e foi uma das principais personagens
da revolução científica. Descartes é, muitas vezes, identificado como o fundador da
filosofia moderna e o pai da matemática moderna, e é também considerado um dos
pensadores mais admiráveis e influentes da história do pensamento ocidental. Não são
poucos os estudiosos que afirmam que foi a partir de Descartes que o racionalismo da
idade moderna foi inaugurado.
Descartes é bastante conhecido no senso comum graças à sua famosa frase: “Penso,
logo existo”, em latim: “Cogito, ergo sum”, ainda que a esmagadora maioria das pessoas
não tenha uma ideia muito clara do que subjaz a esta afirmação. A frase de Descartes é
na realidade um pouquinho diferente: "Eu duvido, logo penso, logo existo", “Dubito, ergo
cogito, ergo sum”, e é a conclusão de um longo argumento apresentado por Descartes
depois que passou a duvidar até mesmo de sua existência enquanto pessoa. Sua dúvida
cessou quando percebeu que quem duvida pensa, e quem pensa, existe de forma
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indubitável. Calma querido (a) aluno (a), não se apresse em julgar Descartes um
desmiolado qualquer. O objetivo de Descartes era basear o conhecimento humano em
um alicerce seguro, concedendo ao homem fundamentações cognitivas que o
libertassem do conhecimento medieval, cujas bases eram pouco seguras. Descartes
concedeu-se o direito de colocar em dúvida todo o conhecimento aceito como verdadeiro
e, de inicio, radicalizou, pondo em duvida até mesmo a possibilidade de sua existência.
O ceticismo é o ponto de partida de sua argumentação, ainda que não se solidifique nesta
posição. O ceticismo de Descartes é somente o início de sua argumentação. Ao colocar
em dúvida todo o conhecimento que possuía, percebeu que não era possível colocar em
dúvida a existência do ser que duvidava, chegando assim à sua primeira certeza: se
duvido, penso; se penso, logo existo.
Em sua outra obra Meditações (1641), Descartes faz uso de um método bem arquitetado
com o propósito de afastar todo juízo duvidoso, incapaz de garantir o saber verdadeiro.
Assim como muitos dos grandes pensadores, Descartes faz uso de uma argumentação
bastante complexa e de um raciocínio baseado em premissas e conclusões logicamente
necessárias. Ao anunciar a verdade primeira "eu existo", Descartes justifica todo o desejo
pelo conhecimento e prenuncia um novo tempo, uma nova Ciência e um novo método de
investigar o mundo. Sua obra Discurso do Método (1637) providencia as bases da
constituição do método científico. Nela, Descartes proclama quatro regras imperativas
para todos os que querem chegar ao conhecimento verdadeiro e desejam evitar os
equívocos e as ilusões que os sentidos e os julgamentos baseados em pressupostos mal
fundamentados podem originar. As quatro regras são importantíssimas e, apesar de
terem sido apresentadas em 1637, muitas pessoas ainda a desconhecem totalmente, o
que, em parte explica muitos dos mal entendidos que ainda teimam em nos assombrar.
Primeira Regra - Evitar tomar por verdadeira qualquer proposição que não seja
diretamente evidente, ou seja, que não se apresenta ao pensamento de forma clara e
abalizada.
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É importante frisar, contudo, que Descartes era um racionalista, e isso significa que ele
acreditava ser possível chegar às verdades por meio exclusivo do pensamento. Existem
outros filósofos conhecidos como empiristas, que acreditam que todo nosso
conhecimento é oriundo da experiência que travamos com o mundo por meio dos nossos
sentidos. David Hume, que vamos conhecer em breve, e John Locke, são exemplos de
empiristas. Sendo assim, apesar de Descartes ter-nos legado um método rigoroso para
pensar, não podemos afirmar que ele era um cientista, pois acreditava que poderia
prescindir das experiências, tão caras ao que hoje denominamos de método científico.
Entretanto, o cientista da atualidade ainda faz uso das quatro regras que Descartes
propôs, mas acrescentam a elas experimentos bem controlados e dependentes de
nossas percepção e fruição sensorial.
Outro fato digno de menção é a concepção equivocada que o senso comum tem da
palavra reducionismo. No dia a dia costuma-se falar que uma pessoa com visão limitada
das coisas, tendenciosa, é reducionista. Porém, o reducionismo, que nasceu com
Descartes, tem um significado bastante diferente para a ciência. É imperativo, para
aqueles que querem conhecer o todo, fragmentá-lo em pequenas partes, como nos
propõe Descartes em seu Discurso do Método. O reducionismo facilita o trabalho do
cientista. Sobre este assunto podemos lembrar-nos de uma pitoresca passagem que o
neurobiólogo Eric R. Kandel nos presenteia em seu livro Em Busca da Memória: o
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nascimento de uma nova ciência da mente, assim como em um DVD lançado no Brasil
pela Duetto cujo título é A Neurociência de Eric Kandel. Nessas obras Kandel se recorda
de quando era um estudante de medicina e resolveu fazer carreira científica em
neurobiologia. Em seu primeiro contato com seu orientador Kandel afirmou que queria
realizar uma pesquisa científica com vistas a descobrir o local preciso no cérebro onde
se situava o Id, o Ego e o Superego, conhecidos conceitos propostos por Sigmund Freud,
o pai da psicanálise. Segundo nos relata Kandel, neste momento, seu futuro orientador
perdeu totalmente o brilho em seu olhar e emendou: O que acha de começar pesquisando
um único neurônio?
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No rastro do grande salto do pensamento humano caberia a Isaac Newton (1642 – 1727)
obter a máxima expressão dentro da revolução científica deflagrada por Copérnico. Sua
obra maior foi os Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos
da Filosofia Natural), de 1687. Nela, Newton consegue sintetizar todo o conhecimento
científico disponível até aquele momento, descrevendo de forma majestosa a natureza
física a partir de sólidos referenciais metodológicos que estavam a serviço de novas
teorias, como a teoria da gravitação universal e as três leis gerais do movimento.
Newton estabelece no livro III dos Principia algumas regras do raciocínio filosófico,
diretamente relacionadas à sua maneira de pensar e fazer ciência (NEWTON, 1979,
p.18). Essas regras contribuirão para o arremate final da Revolução Científica principiada
por Copérnico. Este comportamento de Newton esta ligado a três importantes
pressupostos assumidos pela ciência moderna. Agora, indaga-se pela razão matemática
ou função de cada coisa, e não mais, como na ciência antiga, pela substância de cada
coisa. Os fenômenos físicos passam a ser decodificados a partir de parâmetros
relacionais extrínsecos aos corpos, isto é, as próprias leis naturais. Logo, deixam de ser
vistos como uma interação de qualidades substanciais. Fora isso, o procedimento
indutivo deve estar firmemente amparado por experiências e demonstrações, uma vez
que não serão mais tolerados argumentos que estejam apoiados em dogmas de caráter
religioso ou mesmo filosófico. A física newtoniana passa a demarcar os territórios da
ciência e da metafísica. E se tudo isso ainda não fosse suficiente, o trabalho de Newton
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permaneceu por um amplo período de tempo orientando a prática científica, além de ter
tido a honra de ser considerado o primeiro paradigma científico. Paradigma pode ser
definido de várias maneiras, como um conjugado de métodos e ideias; como a aceitação
de uma determinada ontologia do mundo; como um contíguo de ideias sobre o campo
científico; como um conjunto de explicações para determinados problemas e anomalias
da ciência, entre outras definições. Mais à frente, versaremos um pouco mais sobre essa
questão, quando falarmos sobre os trabalhos do filósofo da ciência Thomas Kuhn.
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MÓDULO 3
A filosofia da Ciência
referência às coisas do mundo, que estão no mundo, e, por este motivo, não podem
prescindir da experiência e da intermediação dos nossos sentidos. Para David Hume,
quando pensamos sobre as questões de fato, inapelavelmente teremos que lidar com as
relações de causa e efeito, e essas relações nos permitem constatar a existência de
uniões entre os fatos presentes com aqueles que os antecederam. Notem que, as
questões de fato são de âmbito científico, pois tratam de algo necessariamente ligado à
experiência. Sendo assim, a indução consistiria precisamente na projeção para o futuro,
dessa relação anteriormente experimentada no passado. Contudo, Hume nos alerta que
a inferência causal em que nos amparamos para confiar que causas futuras
aparentemente semelhantes às causas passadas provoquem efeitos futuros
semelhantes aos efeitos passados, não se baseia num raciocínio, mas, apenas, na
experiência de eventos observados anteriormente e na esperança de que o andamento
das coisas continuará a ser o mesmo que tem sido até agora, o que, convenhamos, não
está efetivamente demonstrado. Logo, se quisermos ser rigorosos, teremos que admitir
que, a inferência causal ou indução não é fruto de um elaborado raciocínio lógico, mas é
originada pelo hábito resultante de nossa experiência com as repetições que se
manifestaram no passado. O que nos faz acreditar que estamos lidando com questões
de fato provém apenas de uma crença na continuidade do futuro conforme nossa
experiência passada. Hume argumenta que se quisermos respeitar às regras da lógica –
conheceremos algumas delas na Unidade 3 -, mesmo partindo de um grande número de
observações repetidas de um determinado fenômeno, nada nos autoriza a pressupor com
plena certeza, a reprodução do mesmo evento amanhã. Este é o conhecido problema
humeano da indução, a partir do qual não haveria possibilidade de defesa para nossas
inferências indutivas. Tal questão conserva-se, ainda hoje, como a base dos argumentos
de alguns céticos.
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Como você pôde ver até aqui meu/minha aprendiz de cientista, o raciocínio indutivo
consiste na generalização de uma hipotética lei com base na regularidade de fatos
observados no passado, e agindo assim, assumimos que a natureza se manifesta por
meio de regularidades. Entretanto, trata-se de um processo em aberto, uma vez que o
conjunto de casos que confirmam determinada teoria será sempre de caráter provisório,
e isto se deve a dois motivos. O primeiro motivo é que não podemos afastar a hipótese
de nos depararmos com novos casos que contradigam a evidência fornecida pelos
casos anteriormente observados, o que, por si só, refutaria a teoria. O segundo motivo
é o fato de não podermos garantir que os eventos futuros comportem-se tal como
foram observados no passado. Desta forma temos duas objeções contra o processo
de inferência indutiva. A primeira delas é que na maioria das pesquisas científicas é
impossível a observação de todos os casos particulares. Logo, até que ponto uma lei
geral, universal, pode ser alcançada pela indução de um número finito de observações?
Quais seriam os parâmetros para definir a quantidade suficiente de casos observados
para a generalização de uma hipótese? Isso é possível? A segunda objeção é o
pressuposto da regularidade da natureza. Podemos afirmar com segurança a existência
futura de repetição dos eventos? Essa afirmação está fundamentada em algum tipo de
necessidade lógica?
Há muita coisa que a ciência não compreende, muitos mistérios que ainda
devem ser resolvidos. Num universo com dezenas de bilhões de anos-luz
de extensão e uns 10 ou 15 bilhões de anos de idade, talvez seja assim
sempre. Tropeçamos constantemente em surpresas. Entretanto, para
alguns escritores religiosos e da nova era, os cientistas acreditam que “só
existe aquilo que descobrem”. Os cientistas podem rejeitar revelações
místicas para as quais não há outra evidência senão o testemunho de
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Uma das razões para seu sucesso é que a ciência tem um mecanismo de
correção de erros embutido em seu próprio âmago. Alguns talvez
considerem essa caracterização demasiado ampla, mas para mim, toda
vez que fazemos autocrítica, toda vez que estamos nossas ideias no
mundo exterior, estamos fazendo ciência. Quando domos indulgentes
conosco mesmos e pouco críticos, quando confundimos esperanças e
fatos, escorregamos para a pseudociência e a superstição.
Quando Sagan fala de mecanismo de correção de erros, faz referência aos cálculos
estatísticos que devem acompanhar todo e qualquer trabalho científico de caráter
quantitativo. A estatística faz uso de cálculos matemáticos e se dedica à coleta, análise
e interpretação de dados que visam determinar as probabilidades dos fenômenos
estudados no presente voltarem a ocorrer no futuro. A estatística baseia-se na medição
do erro que há entre a estimativa de quanto uma amostra representa adequadamente a
população da qual foi extraída. É o erro amostral que determina a qualidade da
observação e do delineamento experimental, e este também é um dos inúmeros critérios
que diferenciam pesquisas científicas de alta qualidade, daquelas detentoras de pobres
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Nosso intuito agora é levá-lo (a) a conhecer outras ideias de bastante relevância para
todos aqueles que almejam compreender o significado e os limites daquilo que
chamamos ciência, e a apresentação de Karl Popper é de fundamental importância para
que sejamos bem sucedidos nessa nossa empreitada, uma vez que Popper é tido por
muitos como o maior filósofo da ciência que já existiu, e provavelmente um dos maiores
filósofos, em termos gerais, do século XX, senão o maior (MAGGE, 2001).
Popper é um ardoroso defensor da filosofia e afirma que ela é uma atividade necessária
porque todos nós temos pressupostos, e alguns deles são de cunho filosófico. Nossas
ações são pautadas neles, muito embora alguns sejam falsos, e até mesmo perniciosos.
Sendo assim, seria prudente que passássemos a examinar criticamente nossos
pressupostos, ou seja, analisá-los por intermédio e apoio do método filosófico. Isso,
segundo Popper, além de intelectualmente importante é moralmente necessário. Partindo
desse princípio, fica evidente que para Karl Popper a filosofia é algo que deve estar a
serviço da vida. Não pode ser relegada a uma mera atividade acadêmica (MAGEE, 1973,
p.17).
Se você se recorda, no início deste texto versamos sobre como a ciência esmera-se na
descoberta de leis que regem o universo. Todavia, acredito que neste momento seja
prudente versarmos um pouco mais detalhadamente sobre esta questão. Quem nos
auxiliará nesta empreitada é o filósofo Brian Magge, de onde retirei os parágrafos abaixo
(MAGEE, 1973, p.17):
34
sofisticadas, alguma coisa da tradição que Bacon inaugurou foi aceita pela
quase totalidade das pessoas de índole científica, do século XVII ao
século XX. Em linhas genéricas, a situação é a seguinte. O cientista
principia efetuando alguns experimentos, cujo objetivo é o de permitir
observações cuidadosamente controladas e meticulosamente medidas –
em algum ponto da fronteira entre nosso conhecimento e nossa
ignorância. O cientista registra sistematicamente seus achados, divulga-
os, talvez, e, com o correr do tempo, ele e outros pesquisadores que
trabalham na mesma área chegam a acumular uma porção de dados
comuns e dignos de crédito. Crescendo o número de dados, traços de
ordem geral principiam a emergir e os pesquisadores começam a formular
hipóteses gerais – enunciados de caráter legalóide que se ajustam a todos
os fatos conhecidos e explicam de que modo eles se relacionam
casualmente entre si. O cientista procura confirmar sua hipótese,
encontrando evidência que lhe de apoio. Bem sucedido nesta tentativa de
verificação, o cientista descobre mais uma lei científica – lei que lhe
permitirá desvendar mais alguns segredos da natureza. Trabalha-se,
então, nessa nova linha: a descoberta é aplicada em todos os casos que,
segundo se imagina, permitam coleta de informações adicionais. O
conhecimento científico amplia-se dessa maneira, e a fronteira de nossa
ignorância é levada para adiante. O processo se repete num ponto da
fronteira nova.
Como vimos, o método que permite que toda esta sequência descrita por Magee seja
realizada é o método indutivo. Durante muito tempo este procedimento foi considerado o
critério de demarcação entre ciência e não ciência. Vimos também que Hume lançou
algumas dúvidas sobre esta questão.
[...] E não pode ser estabelecido com base em argumentos lógicos, pois
que do fato de futuros passados se terem assemelhado a passados, não
deflui que todos os futuros venham a assemelhar-se aos passados futuros
(MAGEE, 1973, p.22-23).
Embora não existam meios de ratificar a validade dos procedimentos indutivos, devido à
constituição psicológica dos homens, não lhes resta alternativa senão a de ponderar em
termos de tais procedimentos indutivos. No cotidiano, esses procedimentos concedem-
nos alguma legitimidade de ordem prática. Na ciência, também. Todavia, não devemos
asseverar de forma contundente que falte fundamentação racional para as leis científicas,
ou mesmo que elas não se apoiem na lógica e na experiência. Mas, também, não nos é
permitido afirmar que a ciência é detentora de metodologias blindadas. Leia abaixo:
35
Popper tenta apaziguar um pouco este aparente mal estar no momento em que aponta
para a assimetria lógica existente entre a verificação e o falseamento, sendo este último
um importantíssimo conceito nos legado por Popper. Veja que bonito e elegante é este
pensamento:
Veja como o raciocínio é simples. Se um só cisne preto foi observado, então não se pode
afirmar que todos os cisnes sejam brancos. E isso é uma certeza! No universo da lógica,
se consideramos a relação entre enunciados, uma lei científica poderá ser
36
Brain Magee, em seu livro sobre Popper, nos concede um exemplo muito concreto.
Fomos ensinados que: “A água ferve a 100 graus centígrados” e que isso se reflete em
uma lei científica. Pelo que vimos até aqui, nenhum número de casos confirmadores
demonstrará categoricamente a veracidade dessa afirmação, mas ainda poderemos
esmiuçar a lei, submetendo-a a testes, e tentando encontrar circunstancias em que ela
deixe de vigorar. Descobriremos, então, que a água não ferve a 100 graus centígrados
quando está contida em recipientes fechados, e aquilo que supúnhamos ser uma lei
científica universal, imediatamente deixa de sê-lo. Note que, ao tentar falsear a lei,
ampliamos nosso conhecimento e melhorarmos o enunciado da mesma. Agora sabemos
que: “A água ferve a 100 graus centígrados em recipientes abertos”. Agora, o desafio é
refutar esse novo enunciado. Com mais um pouco de reflexão, a refutação da lei pode
ser descoberta a grandes altitudes, e uma vez que o cientista tenha se esmerado para
falsear aquilo que se acreditava ser verdade, um novo conhecimento se abre e um novo
enunciado científico, desta vez, ainda mais restrito, é produzido: “A água ferve a 100
graus centígrados, em recipientes abertos, sob pressão atmosférica igual à que se
constata ao nível do mar”. E as tentativas de falsear os enunciados seguiriam
ininterruptamente. Agindo desta maneira estamos delimitando com muito maior precisão
o nosso conhecimento científico a respeito do ponto de ebulição da água (MAGEE, 1973,
p.26).
Perceba que, de forma bastante resumida, é desta maneira que Popper acredita que o
conhecimento progride, pois, se nos esmerássemos na verificação dos casos que
confirmassem o enunciado original da lei científica, mesmo que reuníssemos trilhões de
exemplos confirmadores, ainda assim o conhecimento não progrediria e não poderíamos
afirmar categoricamente que tínhamos atingido a verdade. Você está compreendendo a
questão caro (a) aluno (a)?
37
A concepção tradicional afirma que o que distingue a ciência da não ciência é a utilização
do método indutivo. Mas, os limites da indução inviabilizam conceder a ela o estatuto e a
primazia para delimitar esta demarcação. Sendo assim, precisamos de um critério. Qual
será? Popper afirma que qualquer tolo pode oferecer um enorme número de previsões
que tenham probabilidade igual a 1, ou seja, 100%. Isso pelo fato do conteúdo informativo
ser pobre. Pense na afirmação: Choverá! Ora, um dia, choverá em algum lugar. É
praticamente impossível falsear essa afirmação. Todavia, ao restringir o enunciado
podemos torná-lo falseável, como no exemplo: Choverá em São Vicente, no bairro do
Bitarú, na próxima quinta feira, no período da manhã. Agora passamos a ter alguma
informação útil, pois, quanto mais específico for o enunciado, mais provável será que ele
se mostre equivocado, mas, ao mesmo tempo, mais informativo e útil ele será, caso seja
verdadeiro (MAGEE, 1973, p.31). Pense bem, existe uma relação inversamente
proporcional que precisa ser entendida, pois, quanto maior o conteúdo informativo de um
enunciado, menor será a probabilidade dele se mostrar verdadeiro, pois quanto mais
informação ele contiver, maior será o número de maneiras segundo as quais ele poderá
se revelar falso. O que a ciência persegue são exatamente esses enunciados de alto
conteúdo informativo e de baixa probabilidade. Por serem altamente falseáveis,
esses enunciados são muito suscetíveis de serem submetidos a teste. Sendo assim, um
enunciado verdadeiro, com alto conteúdo informativo, aproxima-se muito mais de uma
completa, peculiar e detalhada descrição do mundo.
Popper sempre afirmou que a nossa ignorância tende a crescer com o nosso saber. Logo,
um iletrado, provavelmente tem muito menos duvidas do que um doutor em filosofia ou
neurobiologia ou sociologia, por exemplo (MAGEE, 1973, p.40). Para esclarecer um
pouco mais este problema, farei uso de minhas próprias dúvidas, advindas da conclusão
de meu trabalho de doutorado. Nele, investigamos, eu e meus colaboradores, os
possíveis efeitos de práticas de atenção plena na capacidade de cuidadores familiares
de pacientes com doenças neurodegenerativas lidar com o estresse. Sabemos de longa
39
data que o envelhecimento da população mundial está relacionado com uma maior
incidência de doenças crônico-degenerativas causadoras de demência, entre as quais se
destaca o Alzheimer. Os cuidadores em geral costumam emergir do núcleo familiar, e a
sobrecarga física e psíquica imposta a eles, não raro os conduz a uma má qualidade de
vida, podendo gerar muitas doenças como infarto agudo do miocárdio, além de elevados
níveis de estresse, exclusão social, depressão, isolamento afetivo, corrosão dos
relacionamentos pessoais, perda da perspectiva de vida, distúrbios do sono e abusos de
substâncias psicotrópicas. Por esses motivos, a Organização Mundial da Saúde tem
preconizado a importância do cuidador familiar receber orientações e apoio já nos
primeiros momentos deste enfrentamento. Dentre as formas de intervenção passíveis de
serem implementadas com esta população podemos citar as práticas contemplativas.
Sendo assim, propusemos algumas delas a um grupo de voluntários e aferimos por meio
de questionários e escalas comportamentais os níveis de depressão, ansiedade,
estresse, qualidade de vida, autocompaixão e vitalidade. Também foram realizados
testes bioquímicos com vistas a detectar alterações dos marcadores de estresse, como
o hormônio cortisol. Os resultados foram altamente positivos e o trabalho foi aceito para
a publicação em uma importante revista internacional (DANUCALOV et al., 2013 ). Veja
como concluímos a pesquisa:
A partir da análise dos resultados, é possível concluir que a prática do protocolo proposto
neste trabalho:
De fato, os resultados foram tão auspiciosos que a pesquisa foi finalista do Prêmio Saúde
da Editora Abril na categoria saúde mental e emocional em 2013. Contudo, vamos tentar
clarificar as dúvidas que me acometem neste momento. As conclusões foram feitas com
base no protocolo de práticas seguido pelos voluntários do projeto. Entretanto, muitos
40
dos voluntários da pesquisa chegavam mais cedo para as práticas e ficavam sentados
nos tatames da sala de prática dividindo suas experiências, falando sobre suas questões
particulares, suas dores, seus medos e suas preocupações. Não poderia, parte dos
resultados positivos obtidos nesta pesquisa, ser fruto dessa dinâmica de grupos informal
que se construiu naturalmente durante o desenrolar desta pesquisa? Quanto dos
benefícios medidos vem da prática do protocolo em si e quanto vem dos encontros e dos
diálogos de apoio mútuo que se teceram durante o tempo da referida pesquisa? Minha
presença teve algum impacto? Se fosse outro pesquisador, talvez um pouco mais frio e
distante do que eu, os resultados teriam sido os mesmos? Pense nisso com carinho e
parcimônia caro/a aluno (a).
Caso você queira fazer ciência da maneira como ela deve ser feita, sempre será assolado
por dúvidas. Quanto a isso o neurobiólogo John Eccles já afirmava que a crença
equivocada de que a ciência patrocina a certeza e as explicações categóricas, vem
acompanhada da ideia de que é grave crime divulgar hipóteses que possam vir a ser
falseadas no futuro. Por este motivo, alguns cientistas relutaram muitas vezes em
reconhecer a refutação de uma hipótese, e investiram uma enorme quantidade de
energia e tempo na tentativa de defenderem o que não tinha defesa alguma. Acompanhe
abaixo Magee citando Popper:
O que você irá ler nas próximas páginas resulta de estudos e pesquisas
fundamentados na mais moderna tecnologia de aprendizagem e
comunicação conectada com os ensinamentos de veneráveis tradições
(CARMELO, 2000, p.15).
Neste exemplo também temos acesso aos “recentes estudos”, e poderíamos contra
argumentar esta hipótese altamente falaciosa perguntando ao seu autor se ele teve que
enfiar seu dedo vinte e uma vezes no interior de uma tomada elétrica para, somente
depois de ter levado vinte e um choques, se habituar a não fazê-lo novamente.
Argumento passível de falseamento. Os resultados que, provavelmente obteríamos com
nosso autor, e com qualquer outro corajoso voluntário, me parecem bastante óbvios. O
que você acha caro (a) aluno (a)?
Desde que me deparei com a afirmação acima, venho tentando imaginar que tipo de
pesquisa poderia ser feita com a tecnologia atual para que chegássemos ao ponto de
poder realizar uma afirmação tão bombástica e de caráter quantitativo, sobre algo tão
42
Por que toleramos tudo isso? Gostamos de ser criticados? Não, nenhum
cientista gosta disso. Todo cientista tem um sentimento de propriedade
em relação a suas ideias e descobertas. Mesmo assim ninguém responde
aos críticos: “Esperem um pouco; essa ideia é realmente boa; gosto muito
dela; não lhe faz mal algum; por favor, deixem-na em paz”. Em vez disso,
a regra dura, mas justa é que, se não funcionam, as ideias devem ser
descartadas. Não se devem desperdiçar neurônios com o que não
funciona. Eles devem ser aplicados em novas ideias que expliquem
melhor os dados. O físico britânico Michael Faraday alertou contra essa
tentação poderosa: “de procurar as evidências e aparências que estão a
favor de nossos desejos, e desconsiderar as que lhe fazem oposição [...].
Acolhemos com boa vontade o que concorda com nossas ideias, assim
como resistimos com desgosto ao que se opõe a nós, enquanto todo o
preceito de bom senso exige exatamente o oposto”. A crítica válida presta
um favor ao cientista (SAGAN, 1997, p.46).
Logo, qual seria critério de demarcação entre o que é ciência e o que não é ciência? A
resposta que Popper nos concede para a questão é a seguinte: A refutabilidade é o
critério de demarcação entre a ciência e a pseudociência. E ele ainda nos alerta que:
Uma boa brincadeira que serve como treinamento para desenvolver um pensamento
científico e criterioso é tentar “falsear” alguns provérbios ou frases populares. Vamos
tentar? Pense na seguinte frase;
Não faça para os outros aquilo que você não gostaria que fizessem com você.
Ora, minha mãe não ficaria muito feliz se eu lhe desse de presente uma viagem de barco
pelas ilhas Mentawai, na Indonésia, para surfar o dia inteiro em ondas perigosas e que
costumam quebrar sobre afiadíssimas plataformas de corais vivos. Contudo, ela faria isso
por mim, pois sabe que seu filho adora surfar, e esse é um dos melhores lugares do
mundo para fazer isso.
Popper viveu em um período onde importantes teorias estavam sendo erigidas, como as
de Freud e de Adler. Todavia, nenhuma delas era passível de refutações, pois não
permitiam a construção e aplicação de nenhum experimento científico que pudesse
almejar refutá-las. Não havia como inventar estratégias experimentais que pudessem
contraditá-las. Para seus adeptos, as teorias freudiana e/ou adleriana eram capazes de
explicar tudo o que ocorria no âmbito da vida psíquica daqueles que eram submetidos a
elas. Sendo assim, Popper se convenceu de que, a possibilidade que tanto empolgava
seus adeptos, ou seja, a capacidade de explicar tudo, era justamente o que nelas havia
de mais censurável (MAGEE, 1973, p.46). Neste momento o marxismo também gozava
44
Popper acredita que o segredo do amplo apelo psicológico exercido por teorias como
essas reside exatamente no fato de tudo explicarem, pois isso confere ao seu defensor
um aprazível sentimento de possessão intelectual e deflagra a segura percepção de que
o mundo é organizado e passível de conhecimento concreto. A aceitação de uma dessas
teorias exerce, segundo nos conta Popper, o efeito de uma revelação intelectual não
disponível aos não iniciados, algo similar a uma conversão religiosa. Acompanhe:
45
perguntei como podia ter tanta certeza. “Porque já tive mil experiências
desse tipo”, - respondeu; ao que não pude deixar de retrucar - “com este
novo caso, o número passará então a mil e um” (POPPER, 1982, p.65).
Talvez, caro/a aluno (a), você possa achar Popper um chato, por acreditar que ele é um
sujeito que não valoriza nada que não seja científico e passível de falseamento. Todavia,
Popper nunca alegou que essas teorias fossem destituídas de importância, absurdas ou
sem valor. Acredita francamente que as teorias propostas por Freud e Adler encerram
sugestões psicológicas interessantíssimas, ainda que não testáveis, e que, no futuro,
podem vir a desempenhar papel proeminente numa ciência psicológica capaz de ser
submetida a testes rigorosos (MAGEE, 1973, p.48). Todavia, as “observações clínicas”
que os analistas ingenuamente acreditam confirmar a teoria, não podem, segundo ele,
ser mais dignas de consideração do que as confirmações diárias que os astrólogos
encontram nas atividades a que se dedicam (MAGEE, 1973, p.47).
Assim como o que foi falado de Popper não dá conta da riqueza de seu pensamento, a
filosofia de Thomas Khun (1922-1996) também demandaria muito mais tempo e espaço
do que dispomos neste momento. Todavia, algumas de suas ideias são tão basilares que
não podem ficar de fora de nenhum texto que pretenda apresentar resumidamente a
história do pensamento científico. Sua noção de paradigma é capital, ainda que seja
largamente utilizada de maneira equivocada. O ponto fundamental da proposta de Khun
é que, a aceitação das teorias por parte dos cientistas é muito mais importante do que
até então fora considerado. Outro ponto relevante para Khun diz respeito ao progresso
da ciência, que, segundo ele, ocorre quando a comunidade científica delibera abandonar
uma forma de fazer investigação científica, com seus pressupostos teóricos e
ontológicos, em detrimento de outra que se mostra mais adequada. Isso denota uma
revolução científica, e as revoluções científicas tendem a ocorrer de maneira lenta, pois
sua gestação é ainda mais demorada. Em sua obra A Estrutura das Revoluções
Científicas (KHUN, 2009), Khun afirma que a ciência alterna períodos de normalidade
e anormalidade. Os períodos de normalidade são caracterizados pelo predomínio de
uma única teoria científica, não existindo, neste momento, aquilo que possa ser chamado
de teorias rivais. Elas podem até mesmo existir, mas não são acolhidas pelos cientistas.
Note que neste momento vigora um paradigma, e este é hegemônico na comunidade dos
46
47
Desta maneira, passamos a um novo modelo de ciência normal, onde agora impera um
novo paradigma. Os cientistas retomam suas pesquisas, ainda que os objetos
pesquisados e os métodos utilizados por eles sejam bastante distintos, pois, segundo
Khun, o paradigma antigo não é mais acolhido, sendo seus métodos e pressupostos
descartados. Note que a proposta explicativa de Khun é de cunho sociológico, pois trata
do caráter histórico da ciência. Por este motivo, sua proposta é mais conhecida e aceita
nas ciências humanas, ainda que valha para as ciências naturais.
48
Provavelmente, a maior contribuição de Khun tenha sido o fato de que ele, de certa forma,
“humanizou” o campo científico, no momento em que apresentou algumas peculiaridades
do comportamento humano, como os jogos de poder que podem orientar as atividades
de seus agentes e que determinam resistências e aceitações em seu interior. Com seu
trabalho, Khun retirou, ou ao menos, fragilizou a “aura imaculada” que alguns leigos ou
mesmo alguns de seus agentes teimavam em conceder a ela. Versaremos mais sobre
este intrigante assunto na Unidade 2.
49
50
MÓDULO 4
Últimas considerações
Como nos relata Khun em sua obra, a ciência é uma instituição com idas e vindas, e com
muito mais desacordo entre seus agentes do que possa parecer aos olhos dos não
iniciados. Muitas vezes, um agente deste campo, apesar de militar em seu interior, não
goza de grande legitimidade de seus pares, exatamente pelo fato de propor ideias que
não vigoram dentro do paradigma vigente do período atual. Este parece ser o caso do
Físico, e agora propagador de ideias espirituais da Nova Era, Amit Goswami.
Goswami foi um dos participantes de um filme de 2004 chamado What the Bleep Do We
Know!? ou What the #$*! Do We Know!? - O Que Diabos nós Sabemos? -, que no Brasil
foi lançado com o nome Quem somos nós? A obra não é um documentário e sim uma
obra ficcional. Porém, a forma com que foi produzida dá a entender ao público leigo, que
se trata de um documentário científico sobre neurobiologia, mecânica quântica e
psicologia, ainda que misture conceitos advindos da metafísica, epistemologia,
pensamento mágico e espiritualidade. O filme é repleto de entrevistas com "especialistas"
em ciência e espiritualidade, o que serviu para confundir ainda mais a percepção que a
população tem daquilo que chamamos ciência, como pode ser apreciado em inúmeros
comentários populares sobre esta película, bastando, para tanto, que você realize uma
pequena pesquisa na internet. O comentário abaixo é um exemplo típico:
51
Todavia, como não poderia deixar de ser, o filme recebeu e continua recebendo ferozes
críticas de toda a comunidade científica. Físicos, em particular, reclamam que o filme
distorce de forma grosseira o significado de alguns princípios da mecânica quântica. Um
dos críticos da visão propagada pelo filme, e, consequentemente, das ideias de Goswami
é David Albert, professor da disciplina Fundamentos Filosóficos de Física da
Universidade de Columbia. Albert aparece de forma frequente no filme, o os
expectadores tem a clara percepção de que ele apoia as ideias apresentadas no
transcorrer da trama. Contudo, segundo um artigo da revista Popular Science (MONE,
2004), ele ficou bastante descontente com o produto final, e declarou que sua entrevista
foi editada e incorporada ao filme de maneira a deturpar seu posicionamento – que, diga-
se de passagem, é o posicionamento da maioria dos físicos da atualidade - quanto às
questões levantadas pelo filme acerca da relação da consciência com a espiritualidade.
No artigo também é possível apreciar os sentimentos de Albert quanto à sua ingenuidade
após ter sido "pego" pelos cineastas.
No ano de 2006 foi lançada uma versão estendida do filme: What the Bleep!?: Down
the Rabbit Hole - O que bleep!?: caindo no buraco do coelho, e nela é possível apreciar
uma entrevista muito elucidativa com David Albert. Seria bastante importante que você,
aluno (a), visse o filme na íntegra, para depois, retornar a esta parte do livro e reler os
escritos abaixo. Em inúmeras ocasiões tenho feito uso da entrevista de David Albert em
minhas aulas sobre metodologia e filosofia da ciência, pois acredito que Albert consegue
ser muito claro em sua exposição sobre como a ciência deve ser vista e tratada por nós.
Por acreditar e pactuar de sua visão, optei por reproduzi-la na íntegra nas páginas abaixo.
David Albert – Sim. Sim. Algo que acontece na mecânica quântica; uma das inovações
importantes da mecânica quântica é que superamos a fantasia que havia na física até
então sobre a possibilidade de observar algo de modo inteiramente passivo; observar
sem afetar o processo de observar. Seja como for, agora já está bem claro que a
mecânica quântica acabou com isso para sempre. Olhar as coisas envolve interagir com
elas de uma forma cujo efeito não pode ser minimizado por mais delicada que seja sua
tecnologia e por mais dinheiro que você gaste.
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Entrevistador – Você estava dizendo que concluíram que o observador não tinha
nenhum efeito?
David Albert – Não, não... O processo físico de fazer uma medição tem um efeito muito
profundo. Já se especulou muito na literatura sobre que elemento no processo de fazer
uma medição tem esse efeito e como o processo de fazer medição tem os efeitos que
tem. Uma das especulações sobre isso, e que teve o seu auge nos anos 50 e 60 na
literatura cientifica e filosófica foi que o agente ativo era a consciência e as pessoas se
empolgaram com isso por diversos motivos óbvios. Foi um novo elo entre a física e algo
que sempre pareceu estar fora dela. Muito do que se diz sobre a mecânica quântica no
filme trata dessas ideias e uma das coisas que eu quis dizer esta manhã é que essas
ideias não influenciaram o que considero a literatura cientifica e filosófica séria sobre o
assunto durante 30 anos. Houve um período em que as pessoas estavam especulando
desta forma. Havia, como eu disse esta manhã, ideias cada vez mais constrangedoras
do tipo: “Um gato pode produzir esses efeitos com a sua consciência? Um rato pode
produzir esses efeitos com sua consciência?”. No fim, fica claro que as palavras
envolvidas aqui eram tão imprecisas, tão escorregadias, que não se poderia construir
uma teoria cientifica útil com base nelas e essa ideia foi abandonada. E mesmo que essas
ideias fossem úteis e verdadeiras, elas não produziriam uma imagem do modo como me
parece que temos em Quem Somos Nós. Mesmo que a consciência seja o agente em
todas essas teorias, as operações da consciência são regidas por leis matemáticas
externas, concretas, secas, bem rígidas. O salto do envolvimento da consciência, mesmo
que houvesse, para essas afirmações maiores de que: “eu crio minha própria realidade”;
“eu escolho minha experiência”; “que a consciência é a base de todo ser”; “há espaço no
mundo para esse fenômeno intangível da liberdade”; e assim por diante, não teria este
resultado mesmo que a imagem da consciência na medição tivesse dado certo, mas essa
imagem da consciência na medição não deu certo. Então, foi sobre isso que tentei falar
esta manhã, isso de uma forma negativa. O positivo é que há uma quantidade enorme
de trabalhos interessantes feitos nos últimos 20 anos que tentam entender os efeitos que
elas têm. Todo esse trabalho tem um caráter que, nos termos deste filme, chamaríamos
de mecanicistas. Uma imagem bem mais mecanicista do mundo. Este trabalho tenta
entender como alterar as equações de forma a produzir essas mudanças; como
acrescentar coisas físicas a nossa imagem do mundo a fim de mostrar como ocorrem
essas mudanças. Nem tudo se baseia na questão de a consciência poder ser um agente.
53
David Albert – Sim. Se você quiser explicar, uma das mais profundas mudanças
filosóficas entre a mecânica quântica é que a mecânica clássica é construída do chão
para cima com base no que hoje sabemos que é uma fantasia: a possibilidade de
observar as coisas passivamente. Certo? Ou a possibilidade de, ao menos se formos
cada vez mais cautelosos, nos aproximarmos cada vez mais de uma posição de observar
as coisas de forma completamente passiva, observar as coisas de forma que você tenha
certeza de que não esta no processo de observar algo alterando a própria coisa que está
tentando observar. A mecânica quântica pôs um ponto final nisso! Este fenômeno de
coisas observáveis incompatíveis de que falei esta manhã, deixa bem claro que, nas
medições, certamente é produzida uma perturbação mínima, finita, em qualquer sistema,
medindo qualquer uma de suas variáveis físicas e que não haverá nenhum modo,
nenhum tipo de progresso tecnológico que possa reduzir isso a um nível inferior a esse
nível finito definido. Veja só, todo mundo sempre soube que para medir um sistema é
preciso interagir com ele fisicamente de uma forma ou outra, mas havia a fantasia de que
se podia tornar essa interação cada vez mais delicada à medida que a tecnologia evoluía.
A mecânica quântica nos dá um nível teórico mínimo finito, insuperável de interação
necessária com o sistema para obter qualquer informação dele. Essa é uma mudança
muito decisiva. Então, esse quadro de uma observação desapareceu. Como eu disse,
era tentador em vista de uma descoberta como essa dizer “o que quer dizer observação?”
“o que é que está produzindo a perturbação?”. Era natural se agarrar a algo com a
consciência, e assim por diante. Houve outras coisas a que eles se agarraram
instintivamente, o caráter macroscópico do aparelho medidor em contraste com o caráter
microscópico do objeto medidor. O corte entre o sujeito e o objeto. As pessoas se
agarravam a todo tipo de coisa. A consciência foi uma das coisas que as pessoas
agarraram, mas de uma forma bem preliminar. Isso chegou bem depressa no ponto em
que parecia um beco sem saída no que se refere ao progresso da física e não teve mais
importância desde então, exceto em certas tentativas de se apropriar da mecânica
quântica em outros tipos de programas: programas da nova era; programas
desconstrucionistas; programas pós-estruturalistas, e assim por diante.
54
Entrevistador – Você pode falar do fato de muitas pessoas terem uma ideia de que a
ciência é algo bem definido e que há um ponto em que os cientistas concordam que é
que a ciência avança de modo organizado fazendo experimentos, mas a história da
ciência nos conta algo bem diferente...
David Albert – Claro que você tem razão nisso e isso é algo que está bem mais no centro
das atenções das pessoas nos últimos 30 anos com obras como de Kuhn e assim por
diante. A ciência é uma instituição bem discutível, com idas e vindas bem complicadas.
Uma instituição social e humana como outras instituições. Claro que não há unanimidade
entre os cientistas quanto aos fundamentos da mecânica quântica. Claro que há
controvérsias sobre tudo isso. Mas se você só disser isso e deixar para lá, acho que não
está sendo justo com a situação. Eu acho - e isso é uma repetição do que já disse esta
manhã -, que ainda há uma distinção muito importante entre dois jeitos bem diferentes
de entender o mundo. Nenhum é perfeito. Os dois são complicados. Os dois têm idas e
vindas. Mas há uma postura de entender o mundo com a necessidade de encontrar algo
que o faça se sentir bem. Onde você almeja encontrar algo terapêutico. Você vai
descobrir que o que fica no centro do universo, o que existe na base de todo ser é uma
imagem atraente, poderosa, segura, acessível e reconfortante de si mesmo. Foi desta
maneira que o Vaticano entendeu a disputa com Galileu. Era desta maneira que os
vitorianos entendiam sua disputa com Darwin. O problema que o Vaticano teve com
Galileu é que a humanidade estava sendo desalojada do centro do universo. O problema
que os vitorianos tiveram com Darwin foi que os ancestrais do ser humano não eram tão
nobres e tão reconfortantes quanto às pessoas queriam que eles fossem. Parece-me que
uma distinção histórica importante a que a ciência tem direito é a de que ela sempre
representa a resistência a este impulso. É a ciência que sempre representa a exigência
de que nos coloquemos no mundo com uma admiração aberta e autêntica e com um
olhar aguçado, frio e claro de uma forma que dá uma atenção especial à descoberta da
verdade, quer ela seja reconfortante e terapêutica, quer não. As afirmações que há no
filme, como “a consciência é a base de todo ser” ou “nossa consciência se liga à
consciência do campo unificado” etc., devo dizer - e é isso que mais me perturbava -, que
eu ouço nisso ecos vívidos da posição do Vaticano segundo a qual a Terra é o centro do
universo; ou da posição antidarwiniana de que o homem foi criado por Deus; de que
temos uma importância especial; de que temos algum papel especial a desempenhar ou
uma ligação especial; uma conexão especial com o que está na base do universo. Nós
55
David Albert – Está certo. Olhe, eu penso que há outras formas de se distinguir como
entendemos o mundo. Há grandes tradições intelectuais. Tradições intelectuais pelas
quais tenho enorme respeito. De acesso místico ao mundo. De acesso revelatório ao
mundo e tudo mais... E há também a tradição cientifica. E a tradição cientifica é, de modo
bem aproximado, uma abordagem do mundo. As pessoas falam de método cientifico
como um tipo diferente de raciocínio. Não me parece um tipo diferente de raciocínio. O
que se quer dizer com método cientifico é uma tentativa de compreender o mundo de
modo global, assim como entender o projeto de iniciar uma fogueira, ou construir uma
casa, ou tecer a sua própria roupa ou algo assim. Existe esse tipo de raciocínio que
chamamos de senso comum, certo? E o projeto científico é, em essência, ver se
conseguimos expandir o estilo do senso comum fazendo dele uma abordagem completa
do mundo, uma abordagem completa da existência. Penso que esse projeto é
interessante e atraente por dois motivos: Primeiro, porque o senso comum é uma forma
atraente de raciocínio. Segundo, porque o projeto de aplicar o senso comum ao mundo
já teve sucesso espetacular. Por outro lado, parece que poderíamos muito bem
argumentar que o senso comum, e não, por exemplo, a revelação mística, é de fato a
forma correta de consertar uma torradeira, mas não é a forma correta de decidir o que
você pensa de Deus ou coisa do gênero. Para isso, precisamos de métodos totalmente
diferentes. Essas duas afirmações são muito interessantes, são afirmações muito
respeitáveis. A única coisa que acho ruim é misturar as duas.
Entrevistador – Você acha que no futuro, com o tempo, as duas pretendem examinar a
natureza do universo, o grande U... Tudo?
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David Albert – Não vejo nenhum motivo para acreditar nisso. O que penso de tudo que
se apregoa sobre essa convergência que vemos por toda parte acabou se revelando
vazio quando examinamos. Então... Não! Penso que não. Na verdade, acho que vejo o
contrario. E acho que vejo como outro modo de defender a ideia que tentei defender esta
manhã. No meu ponto de vista, a imagem do mundo e do nosso lugar nele que emerge
através da ciência está cada vez mais desconfortável para nós com o passar do tempo.
Está cada vez mais se distanciando da imagem de nós que existe nas grandes tradições
religiosas, nas grandes tradições místicas e assim por diante. Estamos vendo uma
imagem mecânica de nós mesmos pela ciência que não sabemos como absorver e penso
que o desafio interessante da ciência quanto a nossa imaginação não é ela reproduzir
outros tipos de conhecimento a que temos acesso, mas ela trazer algo totalmente
diferente de todas essas tradições, algo que vem com uma força enorme por causa do
sucesso e da autoridade conquistada pela técnica cientifica algo que é muito difícil
absorvermos. É muito difícil pensarmos sobre nós mesmos como o tipo de aparelhos
mecânicos que a ciência parece estar dizendo que nós somos. Então, não vejo nenhuma
evidencia de convergência nisso e o que considero empolgante no projeto cientifico é
exatamente a forma como ele se desenvolve, tornando a tensão cada vez mais aguda. A
tensão entre a imagem de nós mesmos que vem de varias tradições culturais e a imagem
de nós mesmos que a ciência está nos trazendo mais uma vez, se olharmos para o
progresso. Galileu nos tirou do centro do universo onde varias tradições religiosas
queriam nos colocar. Darwin nos tirou da criação divina onde varias tradições queriam
nos colocar. Freud nos deslocou de outra maneira. A ciência tem progredido se afastando
da convergência com essas tradições e penso que é isso que há de interessante e
desafiador nela. Se ela só convergisse com essas tradições, haveria algo de redundante.
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Entrevistador – Em física, é claro que o Santo Graal é a teoria de tudo, então, você teria
de dizer que ela não é a teoria de tudo, ela é a teoria de tudo que há no espaço físico.
David Albert – Sim. Mas talvez queira acrescentar que há motivos para acreditar que o
universo físico é o único universo que existe.
Entrevistador – Certo. Certo. Mas agora será possível algum dia responder essa
pergunta?
Entrevistador – Sim.
David Albert – Não sei o que seria responder essa pergunta em definitivo, mas pode-se
imaginar que a física possa chegar ao ponto em que possa dizer que tem uma explicação
física completa de por que você movimentou o braço, uma explicação física completa de
por que esta produzindo esses sons, uma explicação física completa de por que se casou
com essa pessoa, uma explicação física completa de todas as palavras que escreveu em
toda a sua vida. Se a física chegar a esse ponto, cada vez haverá uma questão premente
como “Esse outro elemento em que você acredita... Esse elemento não físico em que
você acredita. Pra que serve? O que ele faz no mundo?”. Temos uma explicação física
completa de tudo que parece estar acontecendo. De por que você diz às pessoas que
acredita que tem livre-arbítrio. Teremos uma explicação física de por que você diz que
acredita que o mundo não é totalmente físico! Isso não provará que o mundo é totalmente
físico, mas levantará uma questão bem delicada para uma pessoa que queira negar o
fisicismo, se a física chegar a esse ponto, e veja que não sei se ela vai. Certo?! Mas se
ela chegar, então, haverá uma questão bem aguda do tipo: “Essa alma ou espírito em
que você acredita o que é isso? Pra que serve?” Temos uma explicação de tudo com
base em movimentos dessas partículas. Já verificamos que não é ela que faz você dizer
o que diz, não é ela que faz você escrever o que escreve, nem é ela que faz você casar
com quem casou. O que ela faz? É aí que as coisas podem chegar.
Note meu/minha amigo (a), para aprender as regras do campo científico e conseguir
sobreviver ileso nesta arena de batalhas, o cientista tem que despender alguns anos em
árduo treinamento técnico e emocional. Depois de longo período de aprendizado ele se
acostuma com esta dinâmica e passa a entender que ela está a serviço da humanidade,
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e não contra ele. Contudo, podemos entender o quanto deve ser perturbadora essa
dinâmica aos olhos de um indivíduo forjado no campo da espiritualidade, da autoajuda,
das crenças esotéricas, ou mesmo, porque não dizer, em alguns setores mais
fundamentalistas e dogmáticos da sociedade.
contido em toda esta unidade que agora lês. Todavia, meus esforços foram vãos, pois o
discípulo de Shiva não se convenceu de que não éramos ateus impuros pregando a
indiferença, o ceticismo e a discórdia e, num gesto de revanchismo, abriu sua mochila,
retirando do seu interior inúmeros “badulaques”, chinelos de couro, desta feita novos e
perfeitamente embalados, e camisetas de Shiva, Buda, Ghandi e mahatmas diversos, e
começou a comercializar seus itens ali mesmo, no meio do anfiteatro, enquanto eu e
Roberto tentávamos cumprir com nossa obrigação finalizando a palestra para aqueles
que estavam interessados em nos ouvir. Neste momento, lembrei-me de Brian Magee:
Hoje, acho que compreendo muito mais o referido rapaz. A plateia como um todo não
estava devidamente preparada para nos ouvir, e alguns, como este menino, sentiram-se
agredidos em sua fé, quando o que se almejava, de fato, era somente discutir ideias à
luz do pensamento científico, de maneira reflexiva e não dogmática. Aprendendo a agir
desta maneira, não somente os cientistas podem se sentir libertados, mas todos nós, em
todas as atividades que nos propusermos realizar. Para aqueles cuja fé já não mais
auxilia, a ciência pode ser uma opção, pois podemos aperfeiçoar nossos procedimentos,
identificando assim, o que pode ser melhorado. Consequentemente, no interior do campo
científico, as falhas devem ser verdadeiramente procuradas e em hipótese alguma
contornadas.
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61
RESUMO
Nesta unidade você foi apresentado à história do pensamento científico. Versamos sobre
os aspectos metodológicos e a intersubjetividade da ciência. Delimitamos os campos de
atuação das ciências naturais e das ciências sociais e pontuamos as diferenças entre a
ciência moderna e a ciência realizada na antiguidade. Trabalhamos também com as
fases mais importantes daquilo que convencionalmente chamamos de revolução
científica, apontando para seus principais agentes, como Copérnico, Galileu, Francis
Bacon, René Descartes e Isaac Newton. Você também foi apresentado à filosofia da
ciência e algumas das ideias e agentes mais importantes deste campo do saber, como
as relações de ideias e as questões de fato; o problema humeano da indução; o método
científico: a concepção tradicional e a concepção de Karl Popper; o critério de
demarcação entre ciência e não ciência; a verificação e o falseamento; a natureza
provisória do conhecimento científico; as revoluções de Thomas Khun; os períodos de
normalidade e anormalidade da ciência, assim como o significado de paradigma
científico.
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EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM
2 - Faça uma pesquisa na internet e nas bibliotecas à sua disposição e escreva algo que
diferencie as ciências naturais das ciências sociais.
11 - E você meu amigo aluno (a), já identificou quais são os seus ídolos? Seus ídolos se
manifestam na forma de ideias, livros, partidos, igrejas, crenças, professores, filósofos,
partidos políticos? Liste-os abaixo:
Você consegue perceber que durante a sua vida, provavelmente alguns deles foram
trocados por outros? O que acha da música A Lista, de Osvaldo Montenegro?
13 - Faça uma pesquisa na internet e nas bibliotecas à sua disposição e escreva algo
que diferencie o ceticismo filosófico do ceticismo científico.
17 - Explique o que David Hume queria dizer quando nos falava sobre as relações de
ideias e as questões de fato.
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20 - Qual vem a ser o critério de demarcação entre ciência e não ciência, segundo Karl
Popper?
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66
Referencial Bibliográfico
DESCARTES, R. Discurso do método. [Os pensadores]. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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MOORE, D. Statistics for the Twenty-First Century. Washington, DC: The Mathematical
Association of America, 1992.
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UNIDADE II
Uma Sociologia do Campo Acadêmico / Científico
Bachelard
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MÓDULO 1
tem a ver com o que se quer. A ação humana será boa em função do seu efeito.
Maquiavel inaugura o pragmatismo ao afirmar que vive bem quem consegue o que quer.
Descartes nos avisa que a vida será melhor na razão direta da nossa capacidade de
duvidar, pois por meio da dúvida diminuiremos a probabilidade de sermos vítima de
pensamentos enganadores e tirânicos. Spinoza chega para nos alertar sobre a ilusão da
liberdade e bradar que o conhecimento é o mais potente dos afetos. Vive bem aquele
que conhece as causas corretas de seus afetos. Só assim obteremos alguns “grauzinhos”
a mais da tão sonhada liberdade. Bentham e Mill nos convidam a pensar a alteridade,
pois para eles o certo e o errado têm a ver com a felicidade do maior número de pessoas.
Finalmente Kant, baluarte do Século das Luzes, afirma que o certo e errado da vida tem
a ver com a boa vontade. Inaugura o intencionalismo ao afirmar que agirá bem aquele
que intencionar o bem, uma vez que os resultados da ação, invariavelmente escapam a
qualquer um.
Se você se recorda caro (a) aluno (a), na unidade 1 versamos sobre o programa de
iniciação científica de nossa faculdade. Você terá à sua disposição aqui na UNIBR a
possibilidade de entrar em contato com o rico pensar científico, e independente de sua
opção de curso superior, saiba que a UNIBR contempla linhas de pesquisa em ciências
naturais e ciências humanas, e esta última ganhou notoriedade com o surgimento da
sociologia. Muitas vezes quando o assunto é sociedade tem-se em mente a ideia de seres
humanos em relações de intersubjetividade, interdependentes uns dos outros. Todavia,
a sociologia não se limita a esses tópicos. A sociologia também se baseia na observação
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72
Durante toda a Idade Média o homem tinha uma atitude de contemplação passiva do
universo, oriunda de sua submissão ao poder religioso exercido pela monarquia. Todas
as explicações sobre a sociedade estavam baseadas na vontade de Deus. Esse período
começou a ser questionado no Renascimento e no Iluminismo. O Renascimento se
iniciou em algumas cidades italianas no século XIV. Sua característica mais marcante é
a retomada dos valores da cultura greco-romana, e seu ideal preponderante foi o
Humanismo - valorização do homem. Os humanistas foram ferrenhos questionadores dos
valores e da organização social e política da Idade Média. O surgimento do
Renascimento deve ser considerado por meio da análise de dois fatores. O primeiro deles
foi a invenção da imprensa, que permitiu a propagação de vários clássicos greco-
romanos e também bíblicos, outrora somente acessíveis aos monges. O segundo diz
respeito às grandes navegações que ampliaram os horizontes culturais, contribuindo de
forma muito contundente para o questionamento de ideias até então tidas como verdades
absolutas.
Talvez não seja demasiado afirmar que o Renascimento pode ser considerado a
expressão do movimento Humanista em campos como a literatura, as artes, a arquitetura,
a filosofia e a ciência. Todavia, foi dentro do movimento filosófico conhecido como
Iluminismo que o questionamento das explicações do mundo atingiu seu ápice. Esse
movimento filosófico procurou usar a razão para elucidar os fenômenos sociais. Sua
origem é o século XVII, período de extrema fertilidade intelectual. Ao trocar Deus pelo
uso sistemático da razão, o período das luzes patrocinou uma austera crítica da cultura
e da política absolutista, difundindo a racionalidade e propagando que, com esse
instrumento, poderíamos dominar a natureza, alterar seu curso e produzir resultados que
nos levariam a um nível de progresso jamais sonhado em todos os aspectos da
existência.
Antes do Iluminismo, absolutamente tudo poderia ser explicado por meio do divino, do
transcendente, do metafísico. O Iluminismo arguiu e protestou contra isso, e
gradativamente os acontecimentos de nossa vida, tais como a vida política, a economia
das cidades, a cultura e nosso cotidiano, passaram a ser explicados pelo uso da razão,
e o triunfo desta autorizou o entendimento de que o mundo é forjado pela vontade
humana, podendo ser livremente questionado e, principalmente, transformado. O homem
passou a ser o centro do universo, surgindo assim o antropocentrismo.
73
Comte viveu em uma época embrionária no que diz respeito à sociologia. Essa, nem
mesmo era uma disciplina acadêmica. Contudo, seus passos não passaram
despercebidos por aquele que viria a se tornar o responsável pela implantação da
sociologia no cerne das universidades.
Émile Durkheim também era francês, e nasceu em 1858, em Épinal de Vosges, tendo
falecido em 15 de novembro de 1917. Realizou seus estudos no Liceu Louis Le Grand e
na École Normale Supérieure, onde se graduou em filosofia. Lecionou pedagogia e
ciência social em Bordeaux. No ano de 1902 foi convidado a lecionar na Universidade de
Sorbone, em Paris tornando-se titular da cadeira de pedagogia enquanto também
lecionava sociologia. Em 1913, a cadeira de Sociologia foi transformada em cátedra,
75
Durkheim acreditava que a sociologia deveria preocupar-se com a investigação dos fatos
sociais. Assim, os sociólogos deveriam estudar os aspectos da vida em sociedade que
moldam as ações individuais. Mas o que são os fatos sociais? São as maneiras de atuar,
pensar, agir e sentir que, como práticas da coletividade exercem, de forma amplamente
inconsciente, coerção sobre os indivíduos. Além disso, os fatos sociais são
independentes dos indivíduos e coube a Durkheim a primazia de demonstrar a
exterioridade dos fatos sociais, separando-os de razões pessoais ou consciência
individual. Segundo Durkheim:
Fato social é toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, que é geral na extensão de
uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente
das manifestações individuais que possa ter (DURKHEIM, 1978, p. 13).
Logo, a maneira como agimos é sempre condicionada pela sociedade, pois o agir
individual origina-se no exterior, na sociedade. É-nos imposto pela sociedade e por esta
razão fala-se em coerção social. Fatos sociais tem existência própria e independente da
do indivíduo. Não é difícil perceber, e Geraldo Vandré que nos perdoe ("Vem, vamos
embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, / Não espera acontecer"),
mas para Durkheim, a hora já vem amplamente marcada pela sociedade.
Durkheim tinha a firme convicção de que a sociedade tem vida própria e vai além da
soma dos interesses mais comezinhos das ações individuais. O modo de organizar o
pensamento, de dar vazão aos sentimentos e de patrocinar ações em uma sociedade, já
existe antes dos indivíduos que nela se encontram, e continuará sendo posterior a eles,
pois tem vida própria. A sociedade é como um gigantesco animal que tem vida e
manifestações próprias e transcende em muito as manifestações de caráter individual.
Sendo assim, devemos atentar que os fatos sociais devem ser entendidos como
coisas, e é neste ponto que podemos encontrar ecos de Comte no pensamento de
Durkheim, pois os fatos sociais, sendo externos à vontade e à consciência dos indivíduos,
deveriam ser tratados como coisas materiais e seu estudo ser feito por meio da
observação e da experimentação, ou seja, por intermédio da ciência. Logo, é imperativo
76
que o sociólogo tenha uma postura investigativa semelhante a dos pesquisadores das
ciências naturais, que estudam a biologia, a física ou a química. Para exercer a
sociologia Durkheim afirmava que era necessário livrar-se de conceitos pré-
concebidos e de paixões sobre os fenômenos sociais, pois somente assim o
sociólogo poderia investigar a exterioridade e a objetividade dos fatos sociais
como predicados da sua própria natureza.
Cada indivíduo que pertence à sociedade contém um pequeno fragmento dela, e por este
motivo, não é possível compreender a sociedade se olharmos somente para um sujeito
que a compõe. Neste caso, é o todo que tem primazia sobre as partes. É a sociedade
que deseja, pensa, sente e age por intermédio dos indivíduos que lhe dão forma. Do
mesmo modo que a “dureza do bronze não figura nem no cobre, nem no estanho, nem
no chumbo que serviram para formá-lo e que são corpos maleáveis ou flexíveis; figura
na mistura por eles formada” (DURKHEIM, 1978, p. 25). Para Durkheim os indivíduos
não atuam como gostariam de atuar, mas como a sociedade os permite atuar. É a
sociedade quem dita regras, e são os indivíduos que as seguem, na maioria das vezes
de forma automática, impensada, sem sequer perceber que estão seguindo regras que
lhe foram sovadas pelo tecido social.
Alguns cientistas almejavam fazer uma pesquisa. Para tanto colocaram seis
macaquinhos em uma jaula. Um cacho de bananas foi pendurado no teto desta mesma
jaula. Cada vez que um macaquinho tentava pegar uma banana, um cientista lançava um
forte e dolorido jato de água fria em todos eles. Com o tempo, nenhum macaquinho ousou
tentar pegar uma banana sequer, mesmo que a fome fosse grande. Passado certo tempo,
um dos cientistas apanhou um dos seis macaquinhos e o trocou por um diferente. Este,
ao chegar à jaula, imediatamente tentou apanhar uma banana, mas ao seu primeiro
movimento foi impedido e espancado pelos cinco macaquinhos antigos. Com o tempo,
os cientistas foram trocando todos os macaquinhos antigos por outros macaquinhos, até
chegar a um momento onde existiam seis macaquinhos novos e esfomeados na jaula, e
que nunca tinham levado sequer um único jato frio e dolorido. Todavia, nenhum deles
ousava pegar uma banana. Certo dia, um desses macaquinhos perguntou ao grupo: “Ei
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turma, qual o motivo de não podermos comer as bananas?”. A resposta foi certeira: “Não
sabemos bem, mas é melhor não arriscar, pois as coisas sempre foram assim por aqui”.
78
MÓDULO 2
Agora, para explicar o que é certo ou errado a partir de um ponto de vista sociológico,
devemos, à maneira de Nietzsche, fazer a genealogia da moral. A genealogia dos
valores. E para isso teremos que examinar a sociedade em suas entranhas, abstendo-
nos de manifestar qualquer idealismo. A sociedade terá que ser “fatiada”, e em seu
interior poderemos ter maior clareza da gênese dos valores. O valor das coisas é oriundo
da sociedade. O critério de validação da vida que vale a pena ser vivida é fruto das
relações sociais.
Vamos pegar um objeto de interesse de Durkheim para que nos sirva de exemplo de
como nossas inquietações e dúvidas podem ser sanadas por intermédio da pesquisa
científica séria. Uma das colaborações mais revolucionárias que Durkheim nos concedeu
foi sua ideia sobre o suicídio. Perceba caro (a) aluno (a), que quase qualquer assunto
pode ser problematizado pela ciência. Isso abre muitas possibilidades para sua atuação
nesta faculdade. Até o seu tempo acreditava-se que esta ação tinha causas
eminentemente individuais, pessoais. Todavia, Durkheim fez uso de metodologias
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científicas para afirmar que o suicídio era oriundo de causas sociais. Durkheim fez uso
de estatísticas oficiais, bem como das taxas de suicídio em diferentes arcabouços
familiares e em diferentes nacionalidades. Levou em consideração até mesmo as
distintas filiações religiosas. Com tudo isso chegou a conclusões bastante atraentes.
Percebeu uma frequência maior de suicídio entre solteiros, assim como entre os casais
sem filhos. Quanto à influência da religião, Durkheim afirma que a proteção contra o
suicídio não provém dos seus dogmas, mas sim da fundamentação que esta concede a
uma ordem social. Neste sentido, um grupo familiar, um partido político com forte
ideologia ou uma comunidade religiosa exercem proteção eficaz contra o suicídio.
Durkheim aponta para existência de três tipos distintos de suicídio. O primeiro deles é
chamado de suicídio egoísta e é advindo daquilo que chamamos individualismo,
consequência de uma fraca integração social. Quanto menor forem os vínculos sociais,
maior será a probabilidade de se cometer suicídio. No outro extremo da balança temos o
suicídio altruístico, que decorre exatamente do oposto, ou seja, é oriundo de uma
integração social muito forte e contundente. Lembremo-nos dos kamikazes japoneses,
da honra dos samurais, dos homens-bomba muçulmanos. Os vínculos sociais são tão
contundentes que em todos esses exemplos, seus agentes abdicam de suas liberdades
individuais para morrer pelos valores de sua comunidade social. Acompanhe:
O terceiro tipo de suicídio foi chamado por Durkheim de suicídio anômico. Ele é fruto das
rápidas mudanças sociais, que segundo o autor andam junto com a desestruturação da
sociedade. Decadências econômicas e prosperidades súbitas ocasionam aumento da
taxa de suicídio, pois podem fragilizar os laços que unem o indivíduo à sua sociedade:
Desde a publicação do livro O suicídio, muitas pesquisas foram realizadas e muitas falhas
nas análises estatísticas foram encontradas. Todavia, a contribuição de Durkheim
permanece inabalável, pois sua percepção sobre a influência da sociedade neste
acontecimento perturbador foi, como já mencionamos, revolucionária.
Se Émile Durkheim afirmava que a hora já vinha marcada pela sociedade, Max Weber
(1864 - 1910), outro grande nome da sociologia, asseverava ser importante também levar
em conta o sentido que os indivíduos constroem para legitimar suas ações e suas
escolhas. Pensemos por exemplo na questão da dominação. Para Weber, alguém que
se deixe dominar pode fazê-lo devido a hábitos não refletidos, mas também por perceber
de forma racional que esta concessão pode trazer-lhe algum ganho. E isso também é
válido para o dominador. Segundo Weber, existe uma dinâmica social entre dominador e
dominado que permite o estabelecimento de certo equilíbrio entre as partes. É a
justificativa que o dominado concede para sua dominação, e não a maneira de execução
do poder por parte do dominador, a responsável pela legitimação do ato de dominação.
O dominado, desse modo, torna-se o sujeito de uma ação, cujo sentido construído por
ele pode legitimar o poder do dominador. Pode-se concluir que a dominação é passível
de ocorrer por convicções pessoais, por dependências de caráter afetivo ou econômico,
ou, ainda, porque os envolvidos nesta dinâmica desejam alcançar algum tipo de benefício
futuro, como por exemplo, ser reconhecido, apoiado ou receber algum ganho em
determinada esfera. Logo, Weber não descarta as inclinações pessoais na dinâmica
social. É a natureza dos desejos que motiva o tipo de dominação, e a natureza dos
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desejos pode ser encontrada na complexa relação entre a sociedade e os indivíduos que
a compõe. Isso não deixa de ser uma profunda relação social. Contudo, é constituída
pelos sentidos que os indivíduos concedem para sua ação.
Weber difere de Durkheim, para quem a sociedade estava sempre na frente dos
indivíduos. Em Weber, os indivíduos são participantes na construção da História. Seus
desejos se mesclam às regras sociais gerando padrões complexos de relação e
comportamento, ora conscientes, ora inconscientes. Nada surge meramente da cabeça
dos envolvidos, uma vez que todas as ações estão baseadas em relações sociais
(BOTTOMORE; NISBET,1980).
Para saber mais:
Assista as vídeo aulas com este conteúdo e acesse o site: https://www.marcelloarias.com.br
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MÓDULO 3
Parte 1
Pierre Félix Bourdieu (1930 – 2002) foi um renomado sociólogo francês. Sua fama foi
mundial, e teve seu período áureo no final do século XX. Herdeiro direto de Émile
Durkhein, Max Weber e também de Karl Marx, exerceu um enorme impacto em diversas
áreas do conhecimento, como a educação, as ciências sociais e a comunicação. Para
um aluno (a) mais atento (a) ficará evidente o quanto este autor nos é caro para que
possamos obter maior clareza quanto aos mecanismos subjacentes ao campo social que
agora começamos a conhecer, ou seja, o campo acadêmico, científico.
Como cientista que era, assim como seus predecessores, Bourdieu se diferencia dos
filósofos por abster-se de fazer especulações que não possam ser comprovadas
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empiricamente. Sua obra já seria densa mesmo se ele não acrescentasse a ela uma
gigantesca quantidade de informações colhidas ao longo dos anos em suas pesquisas
de campo. Números, tabelas, fórmulas, cálculos, gráficos, estatísticas e demais
instrumentais científicos concedem à sua produção intelectual um significativo peso,
assim como um ônus para aqueles que almejam criticá-la, pois, para argumentar com
este autor de forma séria, é indispensável contrapor seus achados empíricos, o que
dificulta sobremaneira a existência de um bom número de críticos abalizados e sérios.
Fora isso, sua escrita é desprovida de qualquer preocupação didática. Seu estilo literário
é inversamente proporcional à sua gigantesca genialidade, ou seja, tosco. Um de seus
livros mais emblemáticos é sem sombra de dúvidas A Distinção, Crítica Social do
Julgamento, que foi publicado na década de sessenta, sendo essa obra um exemplo
clássico do que foi dito (BOURDIEU, 2006). Para aqueles que entram em contato com
sua produção intelectual, a primeira impressão é que ela é por demais densa, enigmática,
obscura. Sua forma de escrever é radicalmente confusa e seu didatismo simplesmente
não existe. Kant e Heidegger provavelmente se sentiriam orgulhosos e representados
por Bourdieu, pois esses três senhores são de uma leitura um tanto quanto “indigesta”.
Todavia, antes de entrar em contato com seu pensamento, fui apresentado a ele por
intermédio de um grande professor chamado Clóvis de Barros Filho. Foi ele quem me
concedeu - como brinca o filósofo Luc Ferry -, as “chaves do castelo” de Bourdieu. Sem
elas, a leitura dos originais poderia ter se tornado um pesadelo de enormes proporções.
E é sempre prudente reiterar que muitas das ideias didáticas contidas nesta obra que
agora tens em mãos, são oriundas do professor Clóvis. E como ainda não existe uma
forma de se referenciar aulas, fica aqui um agradecimento a este professor admirável,
modelo a ser seguido por todos aqueles que ainda acreditam na força de um mestre
apaixonado pelo que faz e no poder que uma didática sem precedentes tem de introduzir
lucidez onde antes havia obscuridade e desconhecimento. E para você, querido (a) aluno
(a) que recém chegou, este é mais um aprendizado para você. Nenhum professor tira
suas ideias do nada e nenhum cientista elabora suas pesquisas a partir do zero. Por este
motivo, é sempre elegante e ético citar as fontes originais de onde suas ideias evoluem
ou de onde sua pesquisa científica emana. Lembre-se disso durante todo o transcorrer
de sua jornada acadêmica.
84
A ilusão naturalista
Um dos conceitos com o qual Bourdieu colocou muito foco em sua carreira foi o da ilusão
naturalista, o que em sumo é uma crítica às afirmações da primazia da natureza sobre
o social. Em outras palavras, muitas coisas que na sociedade temos a tendência de
considerar como sendo genéticas, hereditárias, biológicas, são na verdade ecos de uma
socialização que nos foi imposta. O aparente natural tem sua origem no social. Bourdieu
acredita que nos acostumamos a naturalizar nossas ações do cotidiano, ignorando de
forma grosseira a maneira como o trabalho social vai sovando nossas convicções mais
profundas e vitimando nossa consciência de forma lenta e sorrateira. Como já dizia
Durkheim, e aqui começamos a ver as heranças de Bourdieu sendo expostas, muitas
coisas ditas naturais são fatos sociais, intervenções sociais tão profundas e arraigadas
que na maioria das vezes passam despercebidas para aqueles que se acostumaram a
viver suas vidas concedendo ao piloto automático a primazia da condução de suas
existências. Se quisermos escapar da quase inexorável teia de atos irrefletidos e crenças
disfuncionais, teremos que desenvolver a capacidade de identificar o socialmente
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explicável. Esse passo é um pré-requisito imperativo para todos que desejam fazer
ciência de maneira séria, e para todos aqueles que desejam despir-se de seus
moralismos ingênuos e de seus imaginários metafísicos que nos acorrentam ao senso
comum e a seu pensar ingênuo.
Bourdieu afirma que grande parte da naturalização dos comportamentos humanos nada
mais é do que um pretexto para ocultar uma complexa edificação social que varia
amplamente de lugar para lugar. Mais ainda, que os constructos simbólicos oriundos da
sociedade subvertem constantemente os ditos suportes biológicos, ainda que para a
maioria das pessoas isso não seja evidente. Todavia, a ilusão naturalista não tem a ver
somente com gênero, ela também se estende para todas as declarações referentes às
diferenças étnicas, o que ajuda na propagação dos preconceitos raciais e na crença que
reforça posturas etnocêntricas nefastas.
Bourdieu foi fortemente influenciado por Karl Marx (1818 - 1883), e de certa forma,
estendeu a análise social deste pensador. Por este motivo, valerá à pena conhecermos
um pouquinho da obra de Marx. Não é pequeno o número de pessoas que critica Marx
sem ao menos conhecer um fragmento de seu pensamento. É comum associá-lo com
comunistas comedores de criancinhas, com o colapso dos países do bloco socialista,
com as ditaduras de Josef Stalin, Nicolae Ceauşescu e companhia. O que poucos sabem
é que o pensamento de Marx é brilhante e revolucionário e que é praticamente impossível
compreender a sociedade e a dinâmica do comportamento das relações humanas sem
conceder-lhe o devido crédito. Marx foi um cientista e um idealista ao mesmo tempo.
Como cientista, realizou uma primorosa análise da sociedade que continua válida até os
dias atuais. Como idealista, sonhou com um mundo melhor que, infelizmente, não se
concretizou. Quando criticamos Marx, é provável que estejamos criticando o Marx
sonhador. Criticar o Marx cientista já é tarefa para poucos, pois sua análise social foi
requintada e bastante elegante. Provavelmente ainda ouviremos falar deste cidadão por
séculos. Todavia, é pertinente lembrá-los que nossa disciplina versa sobre Metodologia
e Filosofia da Ciência. Pontuo esta lembrança, pois acredito que alguns de vocês podem
estar se questionando se é realmente necessário adentrarmos nessas questões quando
nosso objeto de estudo parece ser de outra natureza. A resposta para esta inquietação é
um contundente SIM. Pois se não compreendermos a natureza social do campo
científico, não estaremos prontos para abraça-lo com entusiasmos e responsabilidade.
Daí a necessidade de uma análise social do campo acadêmico e científico. Então,
87
revigore-se que o melhor ainda está por vir. Continuemos com nossa leitura. Escreva
suas dúvidas que em breve estaremos juntos para esclarecê-las mais uma vez.
Marx afirma que os valores que concedemos às coisas do mundo não são explicáveis
por essas coisas em si. Seja uma prancha de surfe, um evento esportivo, uma obra
literária, uma composição musical, necessitamos de uma referência que facilite a
valoração, e esta referência é a infraestrutura econômica. Em outras palavras, a
produção dos bens materiais nos concede parâmetros para valorar as coisas como sendo
boas ou ruins, e consequentemente, como certas ou erradas. A economia seria assim o
lugar privilegiado para encontrar os valores das coisas do mundo. Quanto maior a
produção dos bens materiais, melhores serão as coisas. A produção de bens materiais
concede as respostas para tudo no mundo. Se existe produção de bens materiais a coisa
é boa, caso contrário, não tem valor algum!
sua maioria, veículos burgueses. Pense nas revistas de moda, nas revistas que expõe a
vida das celebridades. Recorde-se dos programas televisivos dos canais abertos, a
esmagadora maioria das rádios de cunho não alternativo, entre outros. Em resumo, se
nosso desejo é entender a gênese do certo e do errado, devemos estudar em
profundidade as formas como a burguesia oprime o proletariado e faz valer seus pontos
de vista. Bourdieu concorda com Marx, mas vai além, pois não acredita que seja somente
por esta via que entenderemos a genealogia dos valores. Dizer que a sociedade, dividida
em dois grandes grupos, é a fonte maior do bem e do mal, é ancorar a análise social em
algo muito amplo. A divisão da sociedade em classes burguesa e trabalhadora explica
muitas coisas, todavia, deixa muitas outras de fora. É deste ponto que Bourdieu continua
a análise social.
Os campos sociais
Mas afinal, o que vem a ser um campo? Um campo pode ser definido como um espaço
onde pessoas, ou agentes sociais, ocupam posições simbolicamente determinadas.
Essas posições sociais são as responsáveis pela forma como as relações entre as
pessoas são constituídas. É importante frisar que o espaço ocupado por um determinado
campo não é necessariamente um espaço físico, é um espaço abstrato. As relações
sociais de um determinado campo poderão acontecer em qualquer lugar onde os agentes
se encontrarem. Sendo assim, as posições sociais são muito mais atreladas ao
simbolismo do que a um determinado lugar geograficamente determinado, e mesmo
quando as distâncias físicas entre os agentes de um campo são aumentadas, ou
diminuídas, as distancias ditas simbólicas não sofrerão nenhuma alteração. Nas palavras
de Bourdieu:
89
Eu não sou atopos, sem lugar, como Platão dizia de Sócrates, ou “sem
vínculos nem raízes”, como afirma um tanto às pressas, aquele que por
vezes se considera como um dos fundadores da sociologia dos
intelectuais, Karl Mannheim (BOURDIEU, 2001, p.160).
Não existe ninguém que não esteja caracterizado pelo lugar em que está situado de
maneira mais ou menos permanente (BOURDIEU, 2001 , p.165).
Durkheim afirma que a sociedade estabelece suas regras aos indivíduos, impondo a eles
muitas maneiras de agir que, por vezes, acabam sendo inconscientes. Desta maneira,
não nos damos conta da coerção social a que estamos sendo submetidos. Aprendemos
padrões de comportamento praticamente a cada instante. Alguns deles nos foram
ensinados, como por exemplo, as regras de convivência e etiqueta, como o uso dos
talheres à mesa, não falar com a boca cheia, entre outras. Contudo, pense na distancia
que você mantém ao falar com outra pessoa. Essa distância obedece a certo limite que
não costumamos subverter, e para a maioria das pessoas este comportamento foi
adquirido naturalmente, inconscientemente, sem que precisássemos de orientação para
realizá-lo. Distâncias físicas entre diferentes sujeitos são aprendidas inconscientemente,
e este é um bom exemplo de como, ao longo dos anos, a sociedade vai-nos sovando
gradativamente, subvertendo em muitos aspectos o livre arbítrio que muitos de nós
pensamos ter na maioria das ocasiões.
Mas, voltemos aos campos sociais. Sabemos que as posições sociais não podem ser
definidas pela forma clássica de definição de objetos, ou seja, de maneira universal e
própria, pois as posições sociais tornam-se estéreis quando analisadas em si mesmas.
Elas necessitam ser definidas por tautologia, uma vez que a presença do seu oposto é
indispensável para que possamos conceder-lhe um significado. As posições sociais são
sempre polarizadas, relacionais, pois algo é o que o outro não pode ser. Assim, um
soldado só é soldado em função do cabo, um burguês só o é em função da classe
proletária, um professor em função de seu aluno, um chefe só é chefe em função de seu
subordinado e assim por diante.
As estruturas do campo
Todo campo social é estruturado, ou seja, é cortado por eixos que lhe dão sentido e
conferem singularidade às posições sociais ocupadas por seus agentes. Pense por
90
exemplo no campo político. Ele é cortado por um eixo que lhe confere a possibilidade de
identificarmos seus agentes sociais ao centro, à esquerda ou à direita. A partir desse eixo
é possível aproximar ou afastar os agentes sociais, e isso facilita a identificação do
posicionamento de cada um deles. Se tomarmos, por exemplo, um esporte, como o surfe,
perceberemos que ele é estruturado por meio de modalidades. Existem surfistas que
surfam deitados sobre pequenas pranchas de espuma, são chamados de bodyboarders.
Existem os que surfam em pé, com pequenas pranchas de fibra de vidro, conhecidos
como shortboarders. Encontramos surfistas que gostam de surfar em pé, com pranchas
muito grandes, são os longboarders. Existem ainda surfistas competidores profissionais
e surfistas profissionais que são pagos por grandes empresas somente para viajar e
produzir fotos em lugares espetaculares, esses são conhecidos como free surfers.
Apesar de tudo isso pertencer ao esporte surfe, essa estruturação concede uma enorme
diferenciação aos seus praticantes. Não somente no que diz respeito à técnica esportiva,
mas principalmente no comportamento, na forma como compreendem suas atividades,
no jeito de se vestir, de agir, de falar sobre suas modalidades. Enfim, são quase que
pertencentes a “tribos” diferentes. O campo jornalístico também apresenta vários eixos
estruturantes, como por exemplo, o jornalismo de massa da Rede Globo, das Revistas
Veja, Época, Istoé, e o jornalismo de cunho alternativo como o da Revista Carta Capital.
No campo da arte podemos contrapor a arte popular à arte apreciada e consumida pelas
elites. O campo jurídico tem uma grande diversidade de eixos estruturantes como o dos
advogados trabalhistas, advogados de empresas, juízes, promotores, delegados,
defensores públicos, etc. O campo acadêmico é traspassado por um eixo
estruturante que muito nos interessa e que cliva o campo em duas metades
bastante distintas, o das universidades particulares e o das faculdades, centros
acadêmicos e universidades privadas. Tradicionalmente, as universidades públicas
são o reduto privilegiado da produção científica, pois gozam de incentivos financeiros
advindos do Estado, e saiba caro (a) aluno (a), produzir pesquisa científica de
qualidade é bastante trabalhoso, desafiador e oneroso. Todavia, ainda que as
faculdades, centro acadêmicos ou mesmo universidades privadas não tenham
necessariamente a obrigação de serem os agentes principais no que tange a produção
de ciência e tecnologia, não podem se conceder o luxo de virar as costas para esta
gigantesca necessidade social. Daí a importância de conceder a todo e qualquer aluno
universitário, as noções mais basilares deste campo em particular. Fora isso, a
91
Uma das coisas mais peculiares dentro da sociologia dos campos é a descoberta de que,
muitas vezes, o reconhecimento que um agente goza dentro de seu campo, nem sempre
é refletido no senso comum e vice versa. É preciso fazer parte do campo para
compreender a força e o poder simbólicos que determinados agentes são
detentores, pois, quando não se conhece o campo profundamente, quando não se tem
noção das regras inerentes a cada campo social, temos a tendência de imaginar
posicionamentos fantasiosos e irreais para determinados agentes. Lembre-se da unidade
1, quando versamos sobre Amit Goswami. Este senhor ganhou enorme popularidade
escrevendo livros sobre espiritualidade e física quântica. Todavia, a reputação dele não
é oriunda do campo da física, e sim do campo do esoterismo. Para um leitor menos
prudente e atencioso, conceder a Amit Goswami uma reputação dentro do campo
científico da física pode ser uma confusão bastante recorrente de ser encontrada. Logo,
para vocês que agora adentram o campo acadêmico, é imperativo que se saiba que o
reconhecimento de personalidades fora do seu campo, muitas vezes pode não refletir o
reconhecimento desta mesma personalidade dentro do campo. Fátima Bernardes pode
ser tida pelo senso comum como uma das maiores jornalistas do Brasil, todavia, se
perguntarmos ao povo quem foi Cláudio Abramo é provável que poucos o reconheçam.
Entretanto, dentro do campo jornalístico Abramo, ainda que falecido, detém uma
quantidade muito superior de capital simbólico.
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Permitirei-me citar-me como exemplo caro (a) aluno (a). Uma das atividades que exerço
em minha vida profissional é a docência universitária, e esta atividade me permitiu
conhecer um grande amigo, que por anos a fio foi diretor geral da nossa UNIBR, seu
93
nome é Danilo Nunes. Além de amigo, sempre fui um grande admirador do professor e
líder Danilo Nunes. Todavia, ainda que sejamos amigos; ainda que ambos tenhamos uma
sincera e aberta admiração recíproca; socialmente somos competidores, pois
ministramos aulas na mesma faculdade e da mesma disciplina – comportamento
organizacional. Aos olhos de Bourdieu, seria ingenuidade imaginar que ambos, eu e
Danilo, não buscamos a consagração e os troféus simbólicos presentes no interior do
campo acadêmico, como já dito, perpassado pelo eixo que origina duas realidades
opostas, universidade pública e universidade privada. Ambas com universos, regras,
troféus e comportamentos distintos entre seus agentes, assim como detentoras de
consagrações simbólicas radicalmente diferentes. Siga Bourdieu abaixo:
As portas de entrada
A entrada em um campo social seja ele qual for, obedece a alguns critérios que não
podem ser facilmente subvertidos. Todo campo tem os jogadores que estão em plena
atividade, deleitando-se com o jogo, competindo pelos seus troféus. Em contrapartida,
existem os pretendentes, aqueles que ainda não estão nem sequer no banco de reservas,
mas almejam poder jogar. Por exemplo, a porta de entrada do seleto grupo dos surfistas
de ondas grandes, os denominados big riders, é um desempenho convincente quando o
mar atinge proporções épicas. A porta de entrada do campo jurídico é sem sombra de
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Um fato que deve ser pontuado e apreciado com bastante parcimônia, é que os capitais
simbólicos tendem a ter validade somente dentro de campos específicos. Por exemplo,
um doutoramento pode ser considerado uma gigantesca aquisição de capital simbólico
no campo acadêmico. Todavia, este título tem validade quase nula no seio do mundo
corporativo. De forma inversa, um MBA pode conceder algumas preciosas fichas para
um executivo jogar o jogo das corporações, mas não será levado em consideração na
hora em que esse mesmo executivo almeje ministrar algumas aulinhas no curso de
Administração de Empresas de uma universidade qualquer. Em outras palavras, poderes
e capitais simbólicos adquiridos em um determinado campo, quase que invariavelmente
não tem validade em outros campos, ainda que muitos agentes sociais se esforcem no
sentido de validar esta conversão. Todavia, o preço a ser pago na forma de taxas
simbólicas de conversão de capital, na maioria das vezes inviabiliza o sucesso desses
esperançosos agentes sociais. Nas palavras de Bourdieu:
Marília Gabriela não foi poupada quando fez incursões pelas telenovelas. Lobão foi
censurado quando se aventurou como apresentador da MTV. Antônio Ermírio de Moraes
e Silvio Santos fracassaram em suas tentativas de adentrar o campo político. No campo
acadêmico científico a taxa cobrada é ainda mais elevada, e os rigores que devem ser
obedecidos precisam ser conhecidos por todo e qualquer agente social que pretenda
fazer parte deste campo.
96
MÓDULO 4
O conceito de Illusio
Que todo o jogo tem troféus, isso já falamos. Todavia, o que são esses troféus? Platão
nos fala que o homem comum é guiado pelos desejos e que com o uso da razão pode
transcendê-los. O filósofo nada mais seria, segundo este pensador, do que o sujeito que
supera suas inclinações mais viscerais, no intuito de conhecer a verdade. Todavia, muita
água rolou debaixo da ponte platônica, e apesar de sua inegável contribuição para o
aprimoramento do pensamento humano, hoje são poucos os pensadores sérios, sejam
eles filósofos, sociólogos ou neurobiólogos, que acreditam que o homem possa abdicar
de todas as suas inclinações e desejos, com vistas ao atingimento de ideias eternas e
verdades imutáveis. Somos seres humanos, e faz parte de nossa humanidade buscar
carinho, afeto, reconhecimento, algum status, certo tipo de diferenciação, uma premiação
aqui, uma promoção acolá, um título qualquer ali, um certificado pendurado na parede.
Todo o campo tem troféus, e eles são bastante específicos. O campo jornalístico os tem,
o jurídico, o artístico, o acadêmico, o esportivo, etc. E por mais que se tente explicar aos
agentes de outros campos, o valor do troféu só é percebido por quem joga o jogo, e isso
pode muito bem ser uma definição do conceito de illusio, ou seja, a naturalização do
valor dos troféus para os agentes inseridos no campo. Quem não joga o jogo, não
entende a motivação de quem joga.
visceral no jogo, e os princípios que podem ser invocados nesse caso não
passam de racionalizações post festum destinadas a justificar, tanto para
si como para os outros, um investimento injustificável (BOURDIEU, 2001,
p.124).
Muitos troféus podem ser materializáveis, em taças, medalhas, placas etc. Porém, a
maioria dos troféus é simbólico, e quem não está inserido no campo, não está apto a
compreender suas regras, sua dinâmica, as relações entre seus agentes. Sendo assim,
terá grande dificuldade para compreender a motivação dos jogadores na disputa por
esses símbolos. Por exemplo, mestrados, doutorados, pós-doutorados, livres-docências,
são todos troféus do mundo acadêmico científico. Para conquistá-los, os agentes do
campo acadêmico abdicam anos de convívio com a família, de diversão e lazer, de
investimento em outros campos sabidamente mais rentáveis financeiramente do que o
campo acadêmico. Passados aproximadamente quinze anos de luta incessante, podem
qualificar-se para disputar uma vaga em uma universidade e desfrutar de um salário de
aproximadamente oito mil reais. Sim caro aluno (a), é pouco! Muito pouco! Comparado
ao esforço, é mesmo uma vergonha! Todavia, muitas pessoas passam a vida em busca
dessas titulações, e é importante que se perceba que por detrás delas existem valores
simbólicos que são incomensuráveis. Motivações advindas de outras esferas que não a
econômica. Reconhecimento de outras ordens. É assim no campo acadêmico, e é assim
também em inúmeros outros, onde as motivações transcendem interesses econômicos,
e isso, como veremos um pouco mais à frente, de certa forma subverte a perspectiva
social de Marx, que acreditava que estudando as relações de conflito entre burgueses e
proletários compreenderíamos a totalidade da sociedade.
O professor Clóvis de Barros Filho, assim como eu, um crítico das receitas prontas, das
fórmulas mágicas para atingir o sucesso, das universalizações de cases de sucesso, ao
criticar a efetividade das palestras motivacionais nos lembra em uma de suas aulas que:
“Toda motivação pressupõe um contexto social mais amplo do que uma palestra possa
proporcionar. A motivação é a quantidade de energia que você disponibiliza para buscar
98
troféus em espaços específicos de convivência que são os teus. Espaços onde você se
sente um agente legítimo. A motivação pressupõe a inscrição em um contexto relacional
de jogo que é social, não é pessoal”.
Bourdieu chamava os desejos de eros, assim como Platão em sua obra O Banquete . Os
agentes sociais estão sempre erotizados, isto é, desejosos. E essa carga erótica é
recorrentemente direcionada para a busca dos troféus dos campos. Os agentes articulam
estratégias com vistas à aquisição dos capitais específicos do campo. Todavia, esses
desejos parecem não ser tão nefastos quanto Platão nos falou. Eles fazem parte de nossa
humanidade. Estão incrustados nas sinapses de nosso sistema nervoso central. E como
seres humanos, somos agentes de obras magníficas, obras não tão admiráveis e obras
pouco atraentes. Assim também é no seio dos campos sociais. Tem gente que joga
dentro das regras, tem gente que abusa das faltas, tem gente que subverte o aceitável
no afã da conquista do troféu. Tem sido assim desde o começo dos tempos. Faz parte
da natureza humana. Natureza temperada com pitadas de sociedade, ou quem sabe,
sociedade temperada com pitadas de natureza. Ponto de origem de conflitos, de inveja,
de ciúmes, de rancores e de mágoas, os troféus, mais especificamente os troféus do
campo acadêmico científico, também ajudaram na erradicação de doenças; no avanço
da tecnologia; na melhora sensível da qualidade de vida; pois foi buscando todos os tipos
de premiações, que o homem evoluiu. Saímos em busca do triunfo e fomos deixando as
marcas e os legados de nossas conquistas.
Uma vez inseridos na sociedade, a probabilidade de nos inscrevermos nas contendas
sociais é quase inexorável, pois isso é decorrência do nosso pertencimento e da nossa
inscrição no jogo da vida. Mas nem todos tem a sorte de fruir sua humanidade de forma
integral. Lembremo-nos de Émile Durkheim e sua obra O Suicídio. Nela, Durkheim afirma
pela primeira vez que o suicídio tem causas sociais e que, uma vez inscrito em um
contexto social, os riscos de cometê-lo são menores, excetuando-se, como visto
99
Houve um tempo em que este professor que vos fala exerceu a atividade de surfista
profissional. Não é à toa que muitos de meus exemplos são advindos desta inserção no
campo esportivo. Ponto para Bourdieu. Contudo, isso foi há muito tempo. Nesta época
existiam dois surfistas profissionais muito competentes, um deles era Francisco Alfredo
Alegre Aranã, o Cisco. O outro, Alexandre “Picuruta” Salazar, ambos na casa dos vinte e
oito anos. A maneira como surfavam era soberba, e por anos a fio os tive como modelos
a ser seguidos, copiados, imitados, enfim, plagiados. Em algumas ocasiões meu estilo
de surfar foi comparado ao deles, e para mim, isso foi a glória.
100
Logo, voltemos aos valores. Voltemos à moral. Voltemos à ética. Plagiar é bom ou ruim?
Para Platão existe uma verdade absoluta habitando o mundo das ideias. A forma do
plágio é uma só. O que ele é? Só o filósofo poderá um dia descobrir. Para Kant, teríamos
que perguntar a nós mesmos: “O mundo seria viável com todos plagiando a todos?” Se
a resposta for não, vale o imperativo categórico! Não plagie nunca! Para Bourdieu, tudo
depende do campo em questão. Messi é idolatrado, pois copiou Maradona. Marisa Monte
canta Cartola e é aplaudida. Rod Stewart americanizou o teteretê do Benjor, mas
esqueceu de avisá-lo. Deu “treta”! Pintor que reproduz Renoir, Vincent van Gogh,
Picasso, não sofre grandes críticas, desde que assine seu próprio nome e caracterize a
obra como “estudo”. E cientista quando arrisca um plagiozinho, provavelmente começa a
decretar o fim de sua carreira.
Nos campos existe uma severa proteção às regras do jogo e seus agentes, e como vimos,
o capital simbólico de cada campo só vale mesmo dentro do campo original. Por este
motivo, as estratégias para a conquista desses capitais variam na exata medida em que
variam os campos. Nos campos os jogadores articulam meios e recursos para obter seus
troféus, e na maioria das vezes são conscientes disso. Suas estratégias obedecem à
dinâmica proposta por Maquiavel, mas também as transcendem, pois o comportamento
dos agentes em sociedade é muito mais significativo naquilo que tange as ações não
articuladas, não pensadas, não realizadas na forma de estratégias conscientes. Para
Pierre Bourdieu, aquilo que não nos damos conta em nossa vida social é o que de mais
significativo um sociólogo pode investigar. Maquiavel limitou sua análise social ao que
era percebido com clareza. Bourdieu foi ainda mais requintado em sua investigação, e
101
percebeu que muitos comportamentos sociais são inconscientes. Sendo assim, não
podem ser manifestados em termos estratégicos, a isso se denomina habitus.
O conceito de habitus
O conceito de habitus não é novo. David Hume, filósofo britânico que já estudamos na
unidade 1, o investigou com bastante perspicácia. Todavia, com relação a este tema,
Bourdieu nos apresenta uma visão ainda mais profunda que a de Hume, pois sua análise
foi científica e não meramente especulativa. O habitus é um conjugado de inclinações
para agir, todas elas construídas socialmente, mas que não orbitam a consciência de
seus agentes.
O conceito de habitus tem por função primordial lembrar com ênfase que nossas ações
possuem mais frequentemente por princípio o senso prático do que o cálculo racional
(BOURDIEU, 2001, p.78).
Temos a tendência de respeitar regras sociais sem pensar na conveniência disso, como
os seis macaquinhos dos quais já falamos. O habitus é um saber prático incorporado em
nosso comportamento devido a toda trajetória de nossas vidas. Quase nada, quando
versamos sobre estar no mundo, tem a ver com heranças biológicas. Para Bourdieu,
olhos azuis podem até ser explicados pela genética, mas não existe sangue azul, e sim
socializações azuis. Saberes que se sabem sem que saibamos que os sabemos.
Deliberações que foram feitas sem a parcimônia da escolha abalizada.
Todavia, tudo aquilo que não sabemos bem de onde vem, temos a tendência naturalizar.
E assim vamos “biologizando” todos os aspectos da vida, sejam eles “biologizáveis” ou
102
não. E assim vamos nos dispondo a agir sem nos sentirmos obrigados a pensar na ação.
Um acadêmico se comportará como um acadêmico por toda sua vida, pois age como um
acadêmico sem que perceba que o faz de forma automática, pois foi forjado em um
espaço específico de massificação de mentes. Tenderá a ministrar aulas nos botecos da
vida, mesmo nas situações mais inapropriadas. Assim também será com os agentes do
campo esportivo, do jurídico, do artístico etc. O habitus prescinde do pensar estratégico.
Por este motivo, quem age por habitus é rápido, ligeiro, acelerado. Acompanhe:
Mas, se por um lado o habitus nos concede eficácia e eficiência, por outro lado pagamos
o preço da homogeneização comportamental. Tornamo-nos autômatos sem muita
inovação. Restringimos nossa capacidade de pensar, e com isso nos ancoramos em
pontos de vista desgastados, corroídos. E isso pode acontecer até mesmo entre
cientistas! Habitus é um jeito de agir oriundo do campo, e como existem muitos campos,
haverá sempre muitos habitus. Nesse sentido, todos nós somos, invariavelmente, vítimas
dos campos aos quais pertencemos. Propagamos cegamente seus dogmas, suas doxas,
muitas vezes sem perceber que o fazemos. Caminhamos pela vida como escravos dos
campos específicos em que fomos modelados como argila.
Muitas pessoas têm resistência a aceitar o conceito de habitus, pois muitos de nós fomos
forjados em um sistema de crenças que nos fez acreditar que temos total controle sobre
nossos atos. Todavia, desde Spinoza: “Podemos ter somente graus de liberdade”;
Nietzsche: “Algo pensa em mim!”; Freud: “O eu não é senhor nem mesmo em sua própria
casa”; e Durkhein: “A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais
como coisas”, essa crença vem sendo constantemente posta a prova. Bourdieu também
não deixou por menos:
103
[...] o agente nunca é por inteiro o sujeito de suas práticas: por meio das
disposições e da crença que estão na raiz do envolvimento no jogo,
quaisquer pressupostos constitutivos da axiomática prática do campo (a
doxa epistêmica, por exemplo) se introduzem até nas intenções
aparentemente mais lúcidas (BOURDIEU, 2001, p.169).
Não somos tão responsáveis quanto a nossa moral cristã, Descartes e Kant nos fizeram
pensar. Quase nada é biológico, a não ser o suporte sináptico que dá possibilidade ao
social se manifestar em nós. Somos movidos por células e neurônios sociais. Somos
resultados de uma trajetória de vida inscrita em um determinado campo social. Todavia,
apesar de não sermos cem por cento agentes de nossas ações, podemos como vimos
acima, dar algum crédito a Spinoza quando nos alerta de que por intermédio da razão
podemos adquirir maiores graus de liberdade. Liberdade deliberativa - ainda que em
pequenos graus; consciência ampliada; responsabilidade para perceber que nossa
presença, mesmo que não acreditemos, também afeta o mundo; e abertura para novas
aprendizagens. As passagens do livro Meditações Pascalianas, onde Bourdieu cita
Gilbert Ryle são perfeitas para encerrarmos, ao menos por ora, o assunto habitus, uma
vez que nos lembram de que fazemos parte de um grande sistema onde cada efeito só
ocorre, na razão direta da permissão do objeto afetado:
104
Dominantes e dominados
Maquiavel, em sua obra O Príncipe, nos fala que quem tem o poder deseja ardentemente
mantê-lo. Bourdieu nos ensina que um dominante, seja ele quem for e esteja ele inserido
em qualquer campo, desejará sempre continuar a dominar. Por isso adotará de forma
irrestrita, uma postura conservadora, pois deseja conservar seu capital, e se possível
adquirir ainda mais. O dominado, por sua vez, não tem o poder, e isso o leva a querer
subverter as rígidas regras e estruturações do campo com vistas à aquisição de capital
simbólico que o permita ascender posições. Todo dominado é um subversivo! Todo
dominante é um conservador.
Hoje, caro (a) aluno (a), se você desejar adentrar o campo acadêmico científico, por
exemplo, terá que entrar pela única porta de acesso a esse campo, ou seja, o mestrado
– ainda que a iniciação científica seja uma antessala, como já foi pontuado. Quem optar
fazê-lo terá primeiro que se sujeitar aos estágios probatórios. Passará por muitas
sabatinas. Será impedido de trabalhar, pois se espera dedicação exclusiva aos estudos
científicos do campo acadêmico. Terá que estudar uma quantidade considerável de
assuntos para as provas de admissão ao mestrado, e todos os livros de leitura obrigatória
foram escritos pelos dominantes do campo acadêmico. Uma vez admitidos no mestrado,
terá que pesquisar os assuntos de interesse dos dominantes do campo acadêmico,
quase nunca os seus. Participará de congressos e simpósios que são organizados pelos
mesmos dominantes do campo acadêmico. Dependerá desses mesmos dominantes para
conseguir uma bolsa de estudos que mal dará para a alimentação. Sendo assim, serão
anos e anos de refeições nos famosos “bandejões universitários”, onde a dificuldade de
saber se o que se come é frango, carne ou porco é, via de regra, tão desafiadora quanto
a defesa pública de sua dissertação de mestrado. Aliás, essa mesma dissertação deverá
ser publicada na forma de artigos científicos, e o aval final sobre a pertinência ou não em
publicá-la será concedido pelos editores e revisores dos periódicos científicos em
questão, não por coincidência, cargos de responsabilidade dos dominantes do campo.
Tudo isso se repetirá no doutoramento e no pós-doutoramento. Depois de anos, você
prestará um concurso público e será aprovado como o mais novo acadêmico de uma
universidade qualquer. Parabéns, você acaba de se tornar um dominante! E tudo o que
você mais odiou em toda a sua vida. Todas as mazelas pelas quais passou e julgou
injustas, censuráveis e desonestas. Todos os encontros entristecedores que você teve
na vida acadêmica por conta das posturas reacionárias, conservadoras e retrógradas
daqueles que um dia foram seus dominantes, serão exatamente reproduzidas por você.
Isso vale para o campo artístico, jurídico, jornalístico, esportivo etc. As regras pouco ou
nada mudam. As estruturas em quase nada se alteram. Os dominantes, ainda que outros,
seguirão incólumes, segurando seus baluartes conservadores e desfilando seus
comportamentos reacionários.
107
Espere! Não me abandone! Não vá embora! Eu sei! Você ficou com um pouco de raiva
do que leu agora. Com você seria diferente. Foi diferente. Não tenho o direito de falar
isso de você. Mas não sou eu quem fala! É Pierre Bourdieu! E não é bem de você
enquanto indivíduo que ele está se referindo, é de uma massa esmagadoramente maior
do que suas ideologias mais pessoais e comezinhas. É de um espírito coletivo, social,
admiravelmente enorme chamado campo social, que foi por anos investigado com os
requintes e instrumentos forjados neste mesmo campo acadêmico ao qual nos referimos,
e onde Bourdieu, como dominante que foi, fez carreira durante toda a metade do século
XX.
Você pode discordar dele, mas lembre-se, a obra deste senhor é enorme. Os dados
pesquisados são tantos que causam vertigens nos não iniciados. Prepare-se muito bem
para argumentar com Bourdieu, será um desafio de proporções abissais.
Mas, voltemos à questão da dominação. Como ela se sustenta? Vimos que na medida
em que você vai tendo condições de subverter o campo, vai gradativamente perdendo o
interesse em subvertê-lo. É sabido, desde os escritos de Max Weber, que se um
dominado é dominado, provavelmente percebe algum tipo de vantagem em sua posição
na estrutura do campo, pois se essa posição lhe fosse insuportável, as estruturas sociais
entrariam em colapso. Sendo assim, o gradativo acúmulo de capitais simbólicos vai
outorgando aos agentes sociais a percepção de que a chegada ao topo é franqueada a
qualquer um. Além disso, a existência de troféus intermediários permite que muitos
agentes se alegrem no transcorrer do percurso. Logo, para que exista legitimidade na
dominação é imperativo que a grande maioria dos agentes compartilhe desse tipo de
illusio, ou seja, a naturalização não somente do valor dos troféus almejados, mas acima
de tudo, a crença de que eles são plenamente acessíveis a todos aqueles que se
esforçarem para atingi-los. Isso torna a dominação aceitável.
108
O poder será legítimo quando for exercido por alguém que é entendido como autorizado
a exercer tal posto. Esse tipo de poder necessita que os pares do dominante que ocupam
posições inferiores na estrutura do campo reconheçam-no como alguém que chegou ao
topo obedecendo às regras inerentes ao seu campo social. Nada pode ser percebido
como arbitrário e despótico, ainda que muitas vezes o seja de forma velada, como nos
processos seletivos que nos fazem crer que os agentes sociais disputam troféus em pé
de igualdade, quando na realidade, tais disputas tendem a mascarar as gigantescas
diferenças sociais pré-existentes ao referido processo. Pense bem, e responda: Quem
está mais bem preparado para concorrer a uma vaga em uma universidade pública, o
filho de um banqueiro ou um estudante de escola pública da periferia da zona leste de
São Paulo? Os processos seletivos tendem a conceder um ar de retidão, de justeza, de
lisura às disputas sociais, mas na esmagadora maioria das vezes são ações que tendem
a conservar no poder os dominantes de ontem, ainda que representados por seus filhos,
netos e bisnetos. Sendo assim, segundo Pierre Bourdieu, legitimar é somente tornar
aceitáveis situações fáticas de grande injustiça. [...] o reconhecimento, que não é outra
coisa senão o desconhecimento do arbitrário de seu princípio (BOURDIEU, 2001, p.126).
Talvez um dos maiores interesses da sociologia seja o estudo das mudanças sociais.
Mas as permanências seduziram Bourdieu durante toda a sua trajetória, e se Zygmunt
Bauman, com muita elegância advoga que vivemos na impermanência líquida, a solidez
das permanências dos dominantes no ápice de seus respectivos campos não pode ser
negada tão facilmente.
109
Bourdieu era um filósofo de formação, mas sua carreira foi gradativamente enveredando
para a investigação social. Foi obcecado pelo trabalho e apresentou no decorrer de sua
trajetória um genuíno interesse em esclarecer as ideias filosóficas a partir de uma
perspectiva sociológica. Esse interesse colocou a filosofia em uma situação vulnerável,
pois para o filósofo tradicional, sovado nas crenças deste campo, sua função primordial
é descobrir a verdade. Entretanto, quando analisada pelo ponto de vista da sociologia de
Bourdieu, nenhuma ideia filosófica, por mais elegante que possa parecer, é desprovida
dos interesses pessoais de quem a propõe, e isso também vale para o campo acadêmico
científico, ao qual Bourdieu consagrou um livro inteiro Homo Academicus (BOURDIEU,
2011). Logo, diria Bourdieu, “Não existem atos desinteressados”. Todas as ideias
filosóficas e mesmo científicas, por mais belas e atraentes que sejam, estão a serviço
dos interesses pessoais de seus proponentes. As três passagens abaixo explicitam
claramente esse ponto de vista em Bourdieu:
Ora, para além dos conflitos que os opõe, nossos filósofos “modernos” ou “pós-
modernos” têm em comum esse excesso de confiança nos poderes do discurso
(BOURDIEU, 2001, p.11).
Se você conceder o devido crédito às ideias de Bourdieu, deverá durante sua trajetória
universitária fazer uma análise social das ideias proferidas por todos os seus professores.
Todas elas, por mais desinteressadas que possam parecer, camuflam desejos,
inclinações, pretensões, ambições e aspirações daquele que fala. Todos nós somos
interessados, e isso não é necessariamente algo ruim, egoísta, mesquinho. A natureza é
amoral, e evoluiu graças à tendência, essa sim genuinamente biológica, de lutarmos pela
110
fora do texto, diria Bourdieu com relação aos filósofos. Todo sentido de algo estará
sempre fora desse algo. O professor Clóvis de Barros exemplifica isso de forma
primorosa ao nos perguntar: “Qual o sentido da cidade de São Vicente?”. Para
respondermos a esta questão é necessário estarmos fora da cidade de São Vicente. O
mesmo vale para agentes sociais, pois o sentido lhes escapa, pois o habitus ofusca suas
inteligências, privando-os de graus mais elevados de racionalidade. Para saber o sentido
de um texto necessitamos investigar a circunstância social em que esse texto foi gerado.
Só uma sociologia séria da linguagem dará conta de uma atribuição de sentido mais
contundente. Os campos sociais facilitam o encontro com as lógicas de produção de
sentido. É necessário recuar, olhar de fora, abster-se de envolvimentos especulativos
grosseiros, amparar-se em metodologias menos subjetivas que permitam olhar a questão
dentro de uma perspectiva de significação mais sólida.
Últimas considerações
Como foi dito acima, não existem atos desinteressados. Por detrás de toda ação existe
interesse. Dalai Lama, por mais que possa aparentar aos espiritualistas ser uma pessoa
desapegada, tem também seus interesses. Competiu arduamente pelo poder político
espiritual do Tibet e ainda cultiva um ego, pois é um homem, um ser humano como todos
nós. Mesmo as pessoas que aparentam não ter interesses, ainda assim os tem em
grande medida com as coisas que as alegram. Todas as ações que fazemos dentro da
sociedade geram efeitos. Ações egoístas podem gerar efeitos nefastos. Ações
aparentemente desprovidas de interesses pessoais podem trazer muitos ganhos para
seus agentes. Brad Pitt e Angelina Jolie são bons exemplos. Os ganhos sociais que esse
casal teve devido as suas posições engajadas frente aos assuntos sociais que
sensibilizam o senso comum são evidentes. Essas afirmações podem parecer muito
fortes, mas simplesmente representam o homem em toda a sua crueza, ainda que a
sociedade mascare essas obviedades.
Bourdieu faz uso de premissas que concedem ao homem o direito de se preocupar com
a sua alegria. Não há nenhum crime nisso, uma vez que o homem também tem
112
Por último, vale à pena afirmar que a compreensão das ideias de Bourdieu pode ter a
força necessária para redimir o homem. Como os estoicos, Maquiavel, Spinoza, Hume,
Nietzsche e Freud, esse autor não se esquivou de investigar o homem em toda a sua
crueza e aspereza. Absorver suas ideias pode não lhe acrescentar uma visão muito doce
da vida, mas sem sombra de dúvidas te concederá uma sagacidade muito além da média,
capacitando-o para jogar o jogo da vida com muito mais instrumentos, assim como a
exercer sua atividade profissional com maior lucidez.
114
RESUMO
115
EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM
Para exercer a sociologia Durkheim afirmava que era necessário livrar-se de conceitos
pré-concebidos e de paixões sobre os fenômenos sociais, pois somente assim o
sociólogo poderia investigar a exterioridade e a objetividade dos fatos sociais como
predicados da sua própria natureza.
5 - O que Pierre Félix Bourdieu quer nos dizer quando apresenta o conceito de ilusão
naturalista?
6 - Comente de maneira resumida tudo que você compreende sobre os campos sociais.
8 - Comente de maneira resumida e objetiva o que vem a ser capital simbólico dos
agentes sociais.
9 - Bourdieu, quando nos apresenta o conceito de campo social fala sobre regras de
caráter jurídico e tácito. O que são essas regras?
116
12 - Os campos sociais são compostos por agentes sociais que Pierre Bourdieu costuma
denominar de dominantes e de dominados. Comente a respeito do comportamento de
cada um desses agentes, tomando por base o campo acadêmico científico.
19 - A quais fatores você atribui o seu atual posicionamento dentro das estruturas de seu
campo?
20 - Quais são as regras que normatizam o jogo que é jogado no interior de seu campo?
21 - Qual o seu nível de conhecimento das regras jurídicas e tácitas de seu campo social?
23 - Você saberia discursar com clareza sobre o que é permitido, o que é tolerado e o
que é abominado em seu campo social?
25 - Você saberia aferir a quantidade de capital simbólico que você detém no campo ou
nos campos em que atua?
27 - Qual foi a porta de entrada do campo social que você atua hoje?
117
31 - Quais são as portas de entrada do campo social que você almeja entrar?
32 - Qual a trajetória que deverá ser seguida rumo à aquisição dos troféus inerentes a
este campo? E com relação ao campo acadêmico científico?
33 - O que lhe motiva na vida? Essa motivação está a serviço da conquista de qual troféu?
Referencial Bibliográfico
118
_______. A distinção. Crítica social do julgamento. 2ª. Edição. Porto Alegre: Editora Zouk,
2006.
GIDDENS, A. Sociologia: Uma breve, porém crítica introdução. Rio de Janeiro: Zahar,
1984.
119
UNIDADE III
Lógica, a Linguagem da Ciência
“A maior parte das pessoas prefere morrer a pensar; na verdade, é isso que fazem”
Bertrand Russell
120
MÓDULO 1
Introdução
motivos, é importante que entenda que, no campo acadêmico - como vimos na unidade
2 -, as regras são outras. O senso comum não tem espaço neste ambiente, nem
tampouco a religião. No mundo acadêmico científico as ideias são discutidas tendo como
pano de fundo as regras da lógica argumentativa. Sendo assim, é prudente que você
se familiarize com elas o quanto antes, para que possas ser um jogador mais eficaz e
eficiente e aproveite ao máximo sua estadia neste ambiente.
Bom, o reitor me pediu para falar sobre “o papel da Lógica nas questões humanas”. Mas
se eu levar seu pedido ao pé da letra vocês vão assistir à palestra mais curta da história!
Explicar a origem de seus pontos de vista, defendendo suas conclusões de forma não
dogmática tem sido uma característica dos bons pensadores, principalmente na tradição
filosófica. Juvenal Savian Filho, em seu pequeno, mas esclarecedor livro Argumentação:
A Ferramenta do Filosofar, nos apresenta uma boa introdução a este tema:
122
A lógica formal também é uma das ferramentas utilizadas pelo filósofo clínico em seu
trabalho (PACKTER, 1997, p.34). Por meio dela é possível estudar os conceitos, os
raciocínios e os juízos do partilhante, ou seja, do indivíduo que busca auxílio de um
filósofo clínico com vistas a resolver suas questões existenciais. Por meio da lógica o
filósofo clínico pode observar como seu partilhante estrutura seu pensamento, justifica
suas crenças e defende seus valores.
intrigante e sedutora maneira de pensar, deixando para o final deste capítulo algumas
das críticas mais comuns que o pensamento lógico pode sofrer.
Há alguns anos tive a grata surpresa de me deparar com um livro que abordava a questão
da argumentação de uma maneira bastante divertida e de fácil compreensão. Tratava-se
da obra do professor Sergio Navega, intitulada Pensamento Crítico e Argumentação
Sólida: Vença suas Batalhas pela Força das Palavras (NAVEGA, 2005). Acredito já ter
deixado claro no decorrer desta obra que admiro bastante os professores que se
esforçam para transmitir conteúdos densos de maneira palatável e aprazível. Contudo,
nem sempre este tipo de trabalho é bem compreendido no mundo acadêmico.
Infelizmente, muitos acadêmicos associam clareza, simplicidade e didática com falta de
rigor acadêmico e pobreza de conteúdo. Um bom exemplo disso foram as constantes
críticas que ainda hoje são dirigidas a Jostein Gaarder, autor de O Mundo de Sofia:
Romance da História da Filosofia (GAARDER, 2004). Graças à Gaarder milhares de
pessoas tiveram a oportunidade de compreender pensamentos desafiadores de maneira
singela e poética. Mas, voltando à lógica, são inúmeros os textos de peso e fôlego que
poderiam ter sido utilizados por mim na elaboração das bases desta unidade. Entretanto,
foi a generosa didática do professor Sergio Navega que me pareceu mais adequada aos
objetivos que eu tinha em mente quando escrevi estas linhas. Muitos exemplos abaixo
são oriundos da sua obra.
124
Premissa 1 - Todos os filósofos clínicos tem que estudar com um professor desta
área por no mínimo três anos antes de começar a clinicar.
Premissa 2 – Minha esposa saiu cedo com meu carro e não me avisou.
Note que a conclusão acima pode confundi-lo e até fazê-lo acreditar que é decorrente
das premissas, mas isso não é verdade. O exemplo acima não é um argumento válido.
A conclusão é somente um fato isolado, facilmente verificável sem que seja necessário
recorrer às premissas. É importante entender que um argumento bem apresentado é
composto por uma alegação que é antecedida por uma série de premissas que lhe
validam. Agora, pense e responda caro (a) aluno (a): suas opiniões têm sido
apresentadas na forma de argumentos válidos? Saiba que no campo acadêmico
científico isso lhe será constantemente cobrado, pois “achismos” e
“achologismos” não costumam ser tolerados dentro desse campo.
Toda opinião pode ser transformada em argumento, e talvez, mais importante do que o
direito a opinião, seja o dever de transformá-la em bons argumentos. Em se tratando de
125
Premissa 2 – Minha esposa saiu cedo com meu carro e não me avisou.
126
Note que, no exemplo acima, a conclusão é oriunda das premissas, e sendo assim, o
argumento é válido. Todavia, podemos discordar da conclusão, uma vez que não é
necessário curar um paciente para que ele se sinta melhor, ou para que sua vida social
127
seja mais plena etc. Ainda que a psiquiatria não cure seus pacientes, ela pode estar a
serviço de muita coisa boa para seus pacientes.
Você costuma apresentar seus argumentos obedecendo a este formato padrão, ou seja,
premissa 1, premissa 2, premissa X, conclusão? Nem todas as pessoas tem este hábito,
ainda que o formato padrão facilite muito a comunicação e a compreensão das ideias.
Líderes, professores e cientistas que dominam formas mais eficazes de comunicação
podem colaborar com seus com a compreensão de seus interlocutores se estiverem
dispostos a apresentar seus pontos de vista desta forma, ou ainda a ajudar seus
interlocutores a apresentar seus argumentos no formato padrão:
Formato Padrão
E [premissa 2].
E [premissa 3].
Portanto [conclusão].
128
Curiosidade
Qual a conclusão?
Conclusão – Kelly Slater não pode se inscrever para participar dos torneios do
circuito mundial de surfe.
Agora caro (a) estudante, gostaria que você criticasse o argumento. Lembre-se que, no
senso comum, muitas pessoas afirmariam que E.Ts não existem. Todavia, isso não seria
criticar o argumento, pois não é este assunto que está em pauta. Além do mais, você
teria que provar que E.Ts não existem – lembre-se de Karl Popper -, e isso o colocaria
em uma situação bastante complicada, uma vez que a existência ou não de E.Ts ainda
é uma questão em aberto e de difícil, para não dizer impossível falseamento. Uma forma
129
mais eficaz de criticar o argumento seria perguntar: Onde está a lei ou o decreto que
determina que extraterrestres ilegais não podem se inscrever nos torneis do circuito
mundial de surfe? Se a lei não existir, o argumento inteiro destruído. Se Kelly Slater não
for um extraterrestre, mas um ser humano dotado de qualidades excepcionais para a
realização destas tarefas específicas, o argumento é colocado em xeque. Se Kelly Slater
for de fato um extraterrestre, mas esteja devidamente registrado e legalizado no planeta
Terra, o argumento inteiro é descartado.
Se você almeja melhorar seus argumentos é possível fazer uso de algumas abordagens
que podem auxiliá-lo (a). Vamos a elas.
Para Saber mais:
Assista as vídeo aulas com este conteúdo e acesse o site: http://www.e-marcelloarias.com.br
130
MÓDULO 2
O encargo da prova
Um tema bastante peculiar quando versamos sobre argumentação diz respeito ao que
ficou conhecido como o encargo da prova. Em um debate argumentativo aquele que
propõe a alegação por meio de um argumento será sempre o responsável em
providenciar o seu suporte. Quando um cientista defende sua tese de doutorado terá que
fazer o mesmo. E você também! Terá que argumentar de forma exemplar em seu
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Todavia, no dia a dia encontramos muitas
falácias argumentativas como a explicitada abaixo:
Paulo - Minha teoria afirma que no fundo dos oceanos habitam hominídeos muito
inteligentes. É um desmembramento da raça humana que deu origem ao mito e as
estórias de sereias. Todavia, eles têm medo de nós e se escondem muito bem.
Paulo - Não entendo por que você duvida de mim? Qual a prova você tem de que
não pode haver uma civilização de “sereias” vivendo no fundo dos oceanos?
O encargo da prova é algo tão importante em nossa sociedade que é um dos princípios
básicos que devem ser respeitados quando a justiça julga os cidadãos. Assumimos que
todos são inocentes até prova em contrário. Não cabe ao réu provar a sua inocência, e
sim o promotor provar que esse é culpado. E você, acredita que tem concedido
evidências suficientes para suas teorias, seus pontos de vista, suas teses morais, suas
opiniões?
131
Aceitabilidade
As premissas que dão suporte ao argumento tem que ser aceitáveis, não apenas para
quem defende o argumento, mas também para quem o contesta. Todavia, não esqueça
que quando falamos em aceitabilidade não estamos nos referindo ao conceito de
verdade. Premissas aceitáveis não garantirão a veracidade do argumento. Por fim, a
aceitação das premissas dependerá bastante das pessoas que estão argumentando. Em
um debate franco e respeitoso, o que está em jogo são as ideias, e é importante que
todos os debatedores estejam dispostos a aceitar o melhor argumento, ainda que não
seja o seu. No final, todos ganharão, pois a ideia passará a ser utilizada por todos os que
veem nela um bom modelo de representação da verdade relativa de ponta. Note o
exemplo abaixo:
Esse argumento é logicamente válido, pois sua conclusão decorre das premissas
utilizadas. Todavia, a primeira de suas premissas é inaceitável. Muita coisa que
comemos, nem mata e nem engorda. Um bom exemplo são as fibras, que passam
incólumes pelo trato digestório.
Relevância
As premissas podem ser aceitáveis, mas ainda assim, irrelevantes. Para que o argumento
seja um bom argumento é necessário que as premissas sejam relevantes, ou seja,
tenham implicação direta na veracidade ou falsidade da conclusão. Por exemplo:
132
Suficiência
Ainda que algumas premissas sejam aceitáveis e relevantes, podem não conceder
suporte suficiente para a conclusão. O que você acha do exemplo abaixo?
Note que apesar de aceitável e relevante, as premissas acima não são suficientes para
suportar a conclusão. Se o Ministério da Saúde tivesse a incumbência de controlar a
venda de sal, provavelmente deveria controlar a venda de todos os alimentos, pois, em
excesso, quase tudo faz mal a saúde, até a água.
Refutabilidade
Argumentos bons devem ser refutáveis. Quando fazemos uso de argumentos que não
nos permitem realizar experiências para tentar falseá-lo estamos no âmbito dos
fundamentalismos irrefutáveis, logo, não filosóficos e muito menos científicos. Sendo
assim, voltemos à questão da melhora dos argumentos. Como é possível aprimorar a
capacidade argumentativa? Pensar antes de falar pode ser um bom começo. Pense
em seus argumentos. Prepare-os com antecedência. Analise as premissas que lhe
parecem mais frágeis e organize suporte adicional para elas. Se o argumento lhe parecer
demasiadamente complexo, solidarize-se com seu interlocutor, apresentando-o de forma
lenta. Construa seu raciocínio gradativamente. Outra estratégia prudente é evitar as
133
declarações categóricas. Opte pelo uso das declarações qualificadas, como no exemplo
abaixo.
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134
MÓDULO 3
Um pouco de História
Os primeiros estudos sobre a lógica datam da Grécia antiga, e foi Aristóteles (384-322
a.C.) que a levou a um outro patamar. Aristóteles, diferentemente dos pré-socráticos, dos
sofistas, de Sócrates e de seu professor Platão concede à lógica um tratamento singular,
transformando-a em uma disciplina que merece uma investigação rigorosa e sistemática.
Por isso, Aristóteles é considerado o pai fundador da lógica. Em sua obra Organon,
Aristóteles defende que a lógica serve de instrumento para a filosofia, facilitando a
distinção entre os padrões de raciocínios corretos e os incorretos. Sendo assim, a lógica
foi concebida como um instrumento de análise e compreensão do pensamento, algo
essencial para o filósofo e, posteriormente, para todo e qualquer cientista, seja ele ligado
às ciências naturais ou às ciências humanas, pois o auxilia a pensar com rigor, clareza e
coerência.
135
antes de atingir seu objetivo e o posterior sucesso da filosofia de Kant ofuscou o projeto
de uma formalização matemática do raciocínio.
No transcorrer do século XIX a ideia de Leibniz foi retomada por vários filósofos-
matemáticos como Bolzano, Boole, De Morgan, Peirce e, finalmente, por Gottlöb Frege
(1848 – 1925) que concretiza a criação da lógica matemática. A obra de Frege influenciou
os trabalhos de grandes filósofos e matemáticos como George Cantor, Alfred North
Whitehead e Bertrand Russell, e o trabalho de todos esses pensadores culminou com o
desenvolvimento de diversas áreas da filosofia, da ciência e da tecnologia, tornando-se
a base das linguagens da computação, tão difundidas e necessárias nos dias atuais.
Saiba caro (a) aluno (a), seu Facebook, seu Instagram e seu WhatsApp são todos filhos
dos trabalhos dessa turminha da pesada. Todavia, neste momento não nos interessa
adentrar neste ramo específico da lógica matemática. Meu objetivo aqui é mais singelo e
me limitarei a investigar algumas peculiaridades de nossa linguagem verbal cotidiana.
O que caracteriza a lógica é que ela ainda é óbvia e intuitiva mesmo que possa parecer
estranha e incompreensível. Note que a estrutura dos argumentos abaixo são iguais a
utilizada no argumento acima, com exceção de que, nos exemplos abaixo identificamos
o nexo de causalidade, mas não compreendemos o conteúdo:
Premissa 2 – Um C é um A
O pensamento lógico pode seduzir, ainda que seja impessoal. Suas formas ainda serão
válidas mesmo na ausência de qualquer característica pessoal. Ela pode ser utilizada
como instrumento de qualquer área do conhecimento, da filosofia à física. Da geografia
ao direito etc. Por não depender das informações do mundo, a lógica é autossuficiente.
Ao aceitarmos as premissas, sejam elas claras ou obscuras, poderemos ter que aceitar
a conclusão. Sendo assim, a lógica é a arte de estudar a validade ou não das
estruturas gerais do pensamento independente do seu conteúdo - significado.
A lógica pode estar presente tanto em raciocínios dedutivos, quanto em indutivos. Vamos
recordar um pouco este assunto discutido na unidade 1? Fazemos uso de deduções e
induções rotineiramente, ainda que muitos de nós não saibamos dos limites que cada
uma dessas formas de pensar pode esconder. De maneira genérica, podemos afirmar
que o pensamento dedutivo é um método de raciocinar um pouco mais forte, pois permite
137
Dedução
Indução
Lembre-se que a indução é um tipo de raciocínio que sugere como será o futuro com
base em algumas poucas ocorrências do passado. Por este motivo a indução é entendida
como uma forma de argumentação que parte do particular - ocorrências ou amostras
específicas -, em direção ao genérico com vistas ao atingimento de determinações gerais.
Todavia, apesar de ser muito utilizado não somente no senso comum, mas também nas
ciências, o pensamento indutivo pode nos fazer correr sérios riscos:
Premissa 1 - Meu amigo sempre surfa em uma praia do Recife que é infestada de
tubarões.
formas de argumentar que só nos serão benéficas se as premissas que a compõe sejam
de qualidade e validem a conclusão, e as induções, por sua vez, só nos concedem
probabilidades. Na verdade, o termo “provar” muito utilizado no senso comum, só
tem mesmo sentido em lógica e em matemática, e mesmo assim, existem
restrições. Nem mesmo nas ciências podemos provar nada. Poderemos, quando muito,
suportar empiricamente hipóteses por meio de cálculos probabilísticos. Voltaremos a este
assunto em breve.
Aristóteles foi o primeiro pensador que fez uso dessas estruturas de pensamento. O
silogismo aristotélico é uma maneira de raciocinar por meio da utilização de três
proposições, sendo as duas primeiras chamadas premissas e a última conclusão. É um
tipo de argumento dedutivo, onde a conclusão é uma consequência lógica das premissas
que estão ligadas a ela por uma relação de consequência. Neste tipo de raciocínio, o
sujeito e o predicado das três proposições estão sempre inter-relacionados. Sendo assim,
os silogismos são discursos que com certas coisas postas, outra coisa necessariamente
decorrerá delas. Isso é bem intuitivo. Vejamos os exemplos abaixo:
Premissa 2 – Os C são S.
Os silogismos permitem que se obtenham formas genéricas que são válidas em todas as
situações:
139
Premissa 2 – Nenhum B é C.
Premissa 2 - Nenhum B é C.
Todavia, é preciso cautela, pois nem sempre funciona de maneira tão perfeita. Atende
para os exemplos abaixo e perceba que o último deles, apesar de ter a mesma estrutura
que os dois que o antecedem é bastante falho:
141
Exemplo 1:
Todos sabem que o altivo vereador é um vigarista costumaz, logo como podemos
concordar com sua ideia de redução de impostos?
Essa falácia ocorre quando se opta por atacar a pessoa que proferiu o argumento e não
as premissas do argumento. Não se discute a ideia por detrás do argumento. Isso mostra
fraqueza argumentativa. É muito mais fácil atacar uma pessoa do que seus argumentos.
O vereador pode ser um trapaceiro e ainda assim sua proposta pode ser boa.
Exemplo 2:
Esta instituição comporta-se me maneira paternalista, porque ela trata seus funcionários
como crianças.
Note que, quem faz uso do argumento acima está afirmando que X é verdadeiro porque
X é verdadeiro.
Exemplo 3:
Como posso acatar o argumento de que fumar faz mal a saúde, se o médico que me
informou sobre este assunto também é fumante?
Essa falácia se funda quando se utiliza os erros cometidos por outros - principalmente os
do argumentador oponente - para desqualificar o argumento apresentado.
Tenha sempre em mente caro (a) aluno (a), que todas as críticas que você receber em
sua trajetória acadêmica serão, ou ao menos devem ser direcionadas aos seus trabalhos,
às suas ideias, aos seus argumentos. Faça o mesmo com seus professores. Esforce-se
142
para não levar nada para o âmbito pessoal, afinal, estamos em um ambiente propício
para se discutir ideias sem melindres. No final, todos saem ganhando.
Exemplo 4:
Como não provaram que extraterrestres não existem, então eles devem existir.
Aqui o argumentador conclui que algo é verdadeiro só porque não pode ser provado como
falso, ou vice versa.
Exemplo 5:
O Doutor Drauzio Varela afirmou que o PIB deve crescer 6% no ano de 2015. Ele é muito
inteligente, deve saber do que está falando.
Perceba que o suporte do argumento acima não é oriundo das premissas, mas da
autoridade que o argumentador tem em outro campo do saber, ou campo social, para
recordarmos de Bourdieu. O apelo à autoridade tenta estender a especialidade de origem
e a popularidade de um dado pensador a outros campos de atuação que não são os
seus.
Exemplo 6:
Devemos destinar recursos do Estado com vistas a fomentar a arte e a cultura em nosso
país, pois todas as grandes potências da história da humanidade agiram desta maneira.
Perceba que a neste caso, a conclusão pode até ser boa, todavia as premissas não dão
o devido suporte a ela. O argumento justifica sua aceitação afirmando que no passado
143
sempre foi assim. O apelo à tradição ancora-se na noção indutiva de que tudo o que
funcionou no passado irá funcionar no futuro. Porém, vimos anteriormente que o
raciocínio indutivo pode ocasionar sérios problemas.
Exemplo 7:
[após um bom argumento sobre porque não deve ser enviado dinheiro para a Etiópia]:
Como você pode ser cruel e não destinar recursos internacionais à Etiópia? Pense em
todos os homens, mulheres e crianças que estão morrendo de fome por lá! (NAVEGA,
2005, p.150)
Exemplo 8:
Devemos baixar os impostos e as taxas dos serviços públicos, pois a maioria do povo
deste país apoia essa medida.
144
Exemplo 9:
João: Eu acredito que o capitalismo é bom porque ele incentiva as pessoas a trabalhar
e a poupar.
José: Você acha que o capitalismo é bom porque diz que a riqueza vem à mão de quem
trabalha, mas isso é claramente falso, já que muitas pessoas ricas simplesmente herdam
suas fortunas sem nunca trabalhar, por isso o capitalismo é um fracasso (NAVEGA, 2005,
p.153).
Exemplo 10:
O red herring introduz tópicos irrelevantes no assunto que está em pauta. Agindo desta
maneira o adversário tenta desviar o assunto inicial, mudando o foco do debate. A
questão introduzida pode até ser pertinente e digna de discussão, todavia, isso não
145
Exemplo 11:
A inteligência inata dos brasileiros é claramente maior agora do que há quarenta anos, já
que durante esse período nosso índice de alfabetização cresceu muito devido aos
programas educacionais implantados pelos sucessivos governos (NAVEGA, 2005, p.
157).
O non sequitur pode ser facilmente identificado quando não há conexão lógica entre as
premissas e a conclusão. É um tipo de falácia engraçada, pois a falta de relação entre os
tópicos do argumento pode caracterizar certo tipo “ingenuidade alucinada”. Lembre-se
que todo argumento necessita que as premissas conduzam para a veracidade da
conclusão. As falácias non sequitur falham totalmente neste quesito. No exemplo acima
fica clara a confusão. Se a inteligência é inata, como pode ser melhorada com os
programas de educação?
Exemplo 12:
Exemplo 13:
146
Desde que comecei a tomar comprimidos de creatina minha energia aumentou. Logo, a
creatina é um potente energético.
Nome da falácia: post hoc ergo propter hoc; falácia da falsa causa.
Assume-se que por anteceder um episódio, este deve necessariamente ser a sua causa.
O aumento de energia pode ser advindo de infinitas causas e sua determinação necessita
de investigações mais parcimoniosas, ou seja, científicas!. Nosso “tomador de creatina”
pode estar dormindo um pouco mais, ou ainda tenha mudado para um trabalho mais
agradável, ou quem sabe esteja namorando a Deborah Secco. Tudo isso pode ajudar
bastante no aumento da energia do rapaz. À noite segue-se o dia, mas não podemos
dizer que a noite provoca o dia (NAVEGA, 2005, p. 162).
Mais pessoas morrem em hospitais do que em qualquer outro lugar. Portanto, internar-
se em hospitais causa a morte (NAVEGA, 2005, p. 163).
Para Saber mais:
147
MÓDULO 4
Os limites da lógica
Já vimos que algumas construções aparentemente lógicas podem conter armadilhas para
nós. Vamos analisar mais algumas dessas possibilidades? O que você acha do seguinte
exemplo? Ele pode falhar?
WYX
Todavia, satisfazer-se ao encontrar um exemplo que valide o argumento pode ser uma
grande armadilha. Pense, por exemplo, em um sujeito X, um Y e um W conversando em
uma mesa redonda! Note como o silogismo é facilmente refutado.
Isso nos alerta para certo tipo de automatismo que muitos de nós somos vítimas, pois
quando queremos defender nossos pontos de vista, quase que invariavelmente
buscamos exemplos que possam validá-los. Todavia, esta é uma maneira bastante frágil
de raciocinar, como já nos alertou o grande filósofo Karl Popper. Lembre-se que ele
argumentava que na ciência, o conhecimento só consegue crescer por meio da falseação
de hipóteses. Não basta tentar confirmar a veracidade de uma ideia, é necessário pensar
constantemente em sua refutação. Aquilo que confirma uma teoria, não é algo que possa
ser utilizado para garantir a sua veracidade. Por outro lado, aquilo que a falseia, por meio
da evidência contrária, confere uma irrefutável confirmação de que a teoria é falha.
148
Outro problema que pode surgir diz respeito à complexidade da linguagem. Nossa
linguagem é concreta, mas também pode ser permeada de muitos devaneios, uma vez
que somos seres abstratos que se compreendem em suas abstrações. Isso pode
ocasionar enormes problemas para os silogismos, que foram, por séculos, considerados
formas perfeitas de raciocinar. Veja o exemplo abaixo:
149
Conclusão – Alguns animais com rabo de peixe não são animais com rabo de
peixe.
Como pode ser observado, poderemos produzir silogismos paradoxais sempre que
fizermos uso de termos concretos misturados com termos abstratos. Por este motivo caro
(a) aluno (a), abstrações não tem lugar na ciência. Isso também poderá ocorrer quando
fizermos uso de termos vagos. Veja só como isso funciona:
A construção do raciocínio acima fez uso da palavra nada. Mas, dependendo do contexto
essa palavra pode ser possuir diversos significados. O filósofo Wittgenstein afirmava que
nossa linguagem é um apanhado de muitos jogos diferentes, e com muitas regras
distintas. A nossa linguagem tem tanta flexibilidade que pode originar uma infinidade de
jogos. A linguagem pode ser jogada para tantos lados que os silogismos aristotélicos,
que por séculos foram os modelos de perfeição linguística, podem ser facilmente
invalidados.
Aquilo poderia ser um gato, um cachorro, um pato etc. Logo, a negação do consequente
é indevida. Contudo, preste atenção ao seguinte exemplo e note que a estrutura é
exatamente a mesma do exemplo dado acima, porém, seu conteúdo é plenamente
aceitável:
Premissa 1 – Se você lavar o meu carro (A), eu lhe pago trinta reais (B).
Conclusão – Portanto, não vou lhe pagar trinta reais (negação indevida do
consequente? – B. Negação devida do consequente? – B).
151
por outros trabalhos, por exemplo. Sendo assim, o argumento acima é logicamente falho,
mas é pragmaticamente aceitável.
Podemos também analisar a lógica por meio da neurobiologia. Nosso cérebro não evoluiu
para trabalhar com a lógica! Os seres humanos estão no planeta a duzentos mil anos, e
por quase todo esse período nosso cérebro teve que lidar com desafios bem menos
complexos do que os impostos pela lógica, como fugir de um predador, por exemplo. A
necessidade de se trabalhar com a lógica é algo muito recente em termos evolutivos.
Muito provavelmente, na medida em que nosso cérebro continue evoluindo, teremos
cada vez mais facilidade em lidar com problemas de ordem lógica. Nossas linguagens
ainda não são muito adequadas para suportar esses desafios. Nosso mundo é caótico e
nos surpreende a cada instante. Definitivamente a lógica nos é cara e imprescindível em
inúmeras situações e contextos, mas definitivamente também, nosso mundo não opera
de forma lógica!
Que tal um desafio? O exemplo abaixo foi retirado do livro Pensamento Crítico e
Argumentação Sólida. Como será que você vais se sair?
Duas cartas foram retiradas de um baralho e colocadas com a face para baixo em uma
mesa. Alguém que viu as duas cartas, diz para você que somente uma das proposições
abaixo é verdadeira:
Dado que somente uma das proposições acima é a verdadeira, quais as cartas mais
prováveis de termos na mesa?
Qual carta você escolheu? Parece que uma delas seria o Ás, pois existem duas chances
de tê-la na mesa, certo?
152
Sinto muito! Se você escolheu o Ás, você errou! Veja o que nos diz o professor Sergio
Navega em seu exemplo:
153
Viena teve influências de Ernst Mach, Percy Bridgman e Ludwig Wittgenstein, sendo este
último autor do Tractatus Logico-Philoshophicus, obra seminal que os membros do
Círculo se inspiraram para a construção das suas premissas.
Com o tempo, as doutrinas do positivismo lógico foram sendo cada vez mais atacadas
por diversos pensadores, um dos críticos era o já citado Karl Popper. Popper, apesar de
franco defensor da lógica, não aceitava que o verificacionismo pudesse ser uma das
bases do conhecimento. Já sabemos que para ele, buscar aquilo que pode falsear uma
teoria, uma ideia, uma crença, um ponto de vista, um argumento é uma atitude muito
mais científica do que buscar aquilo que os confirme. Com esse tipo de procedimento
Popper chegou mesmo a afirmar que nada pode ser provado, nem mesmo em ciência. O
que podemos obter são meras probabilidades. A grande citação abaixo foi retirada da já
citada obra de Magee. No meu entender, a leitura que Magee faz do legado deixado por
Karl Popper é bárbara. Nela é possível perceber a lucidez de Popper, que buscou durante
toda a sua vida conceder a Ciência uma base rigorosa, sem cair na armadilha de acreditar
que por meio dela chegaríamos às certezas absolutas:
154
Foi com relação à filosofia da ciência que Popper elaborou suas ideias
mais fundamentais: que nunca somos capazes de estabelecer com
segurança a veracidade de qualquer enunciado irrestritamente geral
sobre o mundo e, portanto, de nenhuma lei ou teoria científica (é
importante deixar claro que ele não está falando de enunciados
singulares, mas de enunciados irrestritamente gerais; é possível às vezes
ter certeza de uma observação direta, mas não da estrutura explanatória
que a explica; as observações diretas e os enunciados singulares são
sempre suscetíveis a mais de uma interpretação); que, por ser impossível
em termos lógicos chegar a estabelecer a veracidade de uma teoria,
qualquer tentativa nesse sentido é uma tentativa de fazer o impossível em
termos lógicos; portanto, não é só o positivismo lógico que deve ser
abandonado em virtude de seu verificacionismo, mas também toda a
filosofia e toda a ciência envolvidas com a busca da certeza, busca que
dominou o pensamento ocidental de Descartes até Russell; que por não
conhecermos, e nunca podermos conhecer no sentido tradicional dessa
palavra, a verdade de qualquer uma de nossas ciências, todo o nosso
conhecimento científico é, e sempre será falível e corrigível; que nosso
conhecimento não aumenta, como ao longo dos séculos como se
acreditou que acontecesse, pelo perpétuo acréscimo de novas certezas
existentes, mas pela repetida derrubada de teorias existentes por teorias
melhores, o que significa principalmente teorias que explicam mais ou que
geram previsões mais exatas; que devemos esperar que essas teorias
melhores, por sua vez, sejam um dia substituídas por teorias ainda
melhores; e que o processo jamais terá fim, de modo que o que
chamamos de nosso conhecimento somente pode chegar a ser
constituído de nossas teorias; que nossas teorias são produto de nossa
mente; que somos livres para inventar absolutamente qualquer teoria,
mas que, antes que qualquer teoria dessas possa ser aceita como
conhecimento, é preciso que se demonstre que ela é preferível a qualquer
outra ou quaisquer outras que substituiria caso a aceitássemos; que uma
preferência dessa ordem somente pode ser estabelecida por testes
rigorosos; que, embora os testes não possam estabelecer a veracidade
de uma teoria, eles podem determinar sua falsidade – ou revelar falhas
nela – e, portanto, embora não possamos nunca ter elementos para
acreditar na veracidade de uma teoria, podemos ter elementos decisivos
para preferir uma teoria a outra; que, por conseguinte, o comportamento
racional consiste em basear nossas escolhas e decisões no “que nos é
dado saber” ao mesmo tempo que procuramos substituí-lo por algo
melhor. Logo, se quisermos progredir, não devemos lutar até a morte em
defesa de teorias existentes, mas acolher as críticas a elas e permitir que
nossas teorias morram no nosso lugar (MAGEE, 2001, p.212).
155
Popper, tido como uma das maiores mentes do século XX, quiça da história do homem
na Terra, concede-nos durante o transcorrer de toda a sua enorme obra “pílulas de
modéstia”, tão necessárias em um mundo onde as certezas “pipocam” por todos os lados.
A grande crítica endereçada aos livros de autoajuda é que a quase totalidade dos títulos
existentes fazem uso da mesma estratégia: 1-buscam encontrar em nossa sociedade
exemplos de pessoas que se adequem às “teorias” propostas na obra; 2- uma vez
encontrados os exemplos, esses são imediatamente universalizados, como se a
aplicação da fórmula utilizada por uma pessoa ou por um pequeno grupo de indivíduos
pudesse garantir o sucesso de todos os que seguissem seus passos. Sendo assim, o
que a autoajuda nos propõe é um tipo bastardo e medíocre de verificacionismo de terceira
categoria, sem perceber que até mesmo os argumentos dos positivistas lógicos - sem
exceção, todos filósofos e cientistas brilhantes -, foram solapados pelos potentes
argumentos de Karl Popper há muitos e muitos anos. Ainda assim, os títulos abaixo
continuam a seduzir milhões e milhões de leitores pelo mundo afora, autoajudando
assim, os autores das referidas obras:
Deixe Os Homens aos seus Pés. Como se Tornar uma Mulher Poderosa e
Irresistível, de Marie Forleo.
Trabalhe 4 Horas por Semana. Fuja da Rotina, Viva Onde Quiser e Fique Rico, de
Timothy Ferriss.
156
A Chave do Segredo. Use a Lei da Atração Para Obter Tudo o que Quiser, de Jerry
e Esther Hicks.
Bem caro (a) aluno (a), até aqui pontuei e enalteci a lógica, pois afinal, estamos a falar
sobre a ciência. Todavia, não é minha intenção erigir mais um fundamentalismo ao estilo
dos positivistas lógicos. Para tanto, mais uma vez chamo Brian Magee para fazer um
salutar contraponto. Ao pontuar suas limitações Magee de certa forma nos alerta
para os limites da lógica em nossa vida. Russell estava certo ao afirmar que as
pessoas em geral não fazem uso do pensamento lógico e com isso acabam deixando de
fruir insights de grande profundidade e que poderiam auxiliá-las nos desafios do
cotidiano. Por outro lado, uma significativa parcela de acadêmicos, formadores de
opinião, passou a agir como se tudo pudesse ser avaliado por meio de análises lógicas
157
Perceba caro (a) aluno (a), que Bryan Magee nos fala da visão, mas poderia falar-nos
igualmente sobre todos os cinco sentidos e as dificuldades em colocar nossas
percepções em palavras continuariam a ser as mesmas. Nota-se ai um limite da lógica
argumentativa, pois sendo essa constituída de proposições - premissas e conclusão -, e
sendo as premissas e conclusões dependentes das palavras que as compõe, fica
evidente que em alguns momentos teremos dificuldades em representar nosso mundo
158
159
ajudar você a construir um bonito castelo, mas também tenho me policiado para que você
não se esqueça de que ele é feito de areia:
Contudo, ainda que falha; ainda que limitada; ainda que restrita; a lógica é imprescindível
ao cientista, ao estudante, ao administrador de empresas, ao líder, ao professor etc. É
certo que ela não dará conta de tudo. Nada da conta de tudo. Mesmo assim é uma
competência da qual não podemos nos dar ao luxo de prescindir:
160
Curiosidade:
*Nota: Reductio ad absurdun é uma tática indireta utilizada para provar que uma
proposição é verdadeira, assumindo como correta a proposição oposta, ou seja, sua
contradição e depois mostrando que esta induz a uma conclusão que é falsa,
justificando desta forma a proposição original. É importante notar que, para qualquer
proposição, ou essa proposição é verdadeira, ou a sua negação é verdadeira.
Conclusão 1 – Uma teoria que só pode ser confirmada e não refutada não é
científica, mas pseudocientífica. (SWAN, 2013, p.407).
Seja bem vindo (a) amigo (a) estudante. Agora você é um dos nossos. É um (a)
acadêmico (a)!
Para Saber mais:
RESUMO
164
EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM
7 - O que vem a ser formato padrão quando versamos sobre montagem de argumentos?
165
Na verdade, o termo “provar” muito utilizado no senso comum, só tem mesmo sentido em
lógica e em matemática, e mesmo assim, existem restrições.
Todavia, mesmo fora do universo científico, quando, por exemplo, estamos á frente de
uma empresa tendo que escolher a ação mais adequada em uma dada circunstância,
buscar argumentos contrários à hipótese escolhida pode ser uma ação necessária para
que se possam evitar prejuízos advindos de uma investigação pobre em termos de lógica.
Popper buscava encontrar o argumento mais forte do seu oponente e o atacava de forma
impiedosa. Porém, sempre que possível Popper aperfeiçoava o argumento de seus
adversários antes de atacá-lo. Para tanto, fazia uso de diversas páginas de exame
preliminar onde procurava extrair fraquezas ou contradições, permitindo assim que a
argumentação do seu oponente ficasse ainda melhor. Somente depois de agir desta
maneira começava a investir com ferocidade contra ele. O resultado era, na maioria das
166
ocasiões, devastador. No final, não restava nada da leitores menos atentos e pouco
críticos? argumentação contrária a não ser os créditos e concessões que o próprio
Popper já apontara (MAGEE, 2001, p.135).
26 - De que maneira os livros de autoajuda podem ser perniciosos para leitores menos
atentos e pouco críticos?
167
Referencial Bibliográfico
FILHO, J.S. Argumentação: a ferramenta do filosofar. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2011.
SWAN, L.S. Sir Karl Popper e o argumento da demarcação. In: BRUCE, M &
BARBONE, S. (orgs). Os 100 argumentos mais importantes da Filosofia ocidental. São
Paulo: Cultrix, 2013.
WOLK, L. Coaching, a arte de soprar brasas. São Paulo: Qualitymark Editora Ltda,
2008.
168
UNIDADE IV
Aspectos Básicos da Metodologia da Pesquisa
169
MÓDULO 1
Toda e qualquer pesquisa científica deve começar com uma inquietação, um incomodo,
uma dúvida, ou seja, um problema a ser solucionado. E seria bastante interessante que
esse problema produzisse no pesquisador uma grande vontade de solucioná-lo. Esses
problemas que são investigados pelos cientistas habitam o interior de determinadas
170
3 - O problema deve ser uma pergunta cuja busca da resposta seja viável.
171
2 - Clara: uma pergunta de pesquisa deve ser clara. O que você compreende quando
ouve a seguinte pergunta: “Quais serão os efeitos da musculação sobre os idosos?” A
quais efeitos o pesquisador se refere? Estéticos? Efeitos sobre o sistema ósseo?
Cardiovascular? Endócrino? Neural? A quais idosos? Do sexo feminino? Masculino?
Saudáveis? Portadores de necessidades especiais? A qual método da musculação o
pesquisador se refere? Resistência muscular localizada? Hipertrofia?
Fase 2 – Planejamento
a) Tema: o tema deve ser o primeiro item a ser explicitado no projeto de pesquisa. O
título do projeto, em geral, já apresenta o tema da pesquisa.
172
f) Metodologia: aqui o pesquisador deve descrever como a sua pesquisa será realizada
definindo o tipo de pesquisa, o campo, os sujeitos e o tipo de abordagem que será
utilizada: qualitativa, quantitativa ou qualiquantitativa.
Esta fase deve ser iniciada apenas após a conclusão da fase 2 e a aprovação da pesquisa
pelos Comitês de Ética e Pesquisa que analisarão se a metodologia não fere direitos
humanos ou mesmo direitos básicos dos animais, caso a pesquisa envolva a utilização
173
a) Coleta: caracteriza-se pelo momento em que o pesquisador colhe os dados por meio
das fontes e técnicas definidas no projeto de pesquisa. Não se pode esquecer que a
coleta deve estar totalmente relacionada ao problema de pesquisa e aos objetivos da
investigação.
174
MÓDULO 2
Luna (2002) afirma que o levantamento científico está a serviço de vários objetivos.
Vamos acompanhar quais são eles:
Talvez uma das informações mais importantes que você, caro (a) aluno (a), necessita ter
neste seu momento inicial de flerte com o campo acadêmico/científico, diga respeito aos
lugares onde se deve procurar pelas referências de seu trabalho. Logo, para que
175
possamos iniciar nossa conversa é imperativo que você saiba que os dias de busca no
Google findam aqui! Uma pesquisa científica precisa ser muitíssimo mais elaborada e
rebuscada do que uma simples e pouco eficaz visita ao Google. Moroz e Gianfaldoni
(2006) nos concedem algumas dicas sobre onde procurar as obras e publicações que
serão referenciadas por você em seus futuros trabalhos científicos:
Seria bastante prudente que você iniciasse suas primeiras jornadas de busca de tais
periódicos. Para tanto, seguem abaixo algumas indicações de onde obter referências on-
line.
176
equivalem! Existem periódicos que concedem grande prestígio aos cientistas que
publicam neles – capital simbólico, você se recorda? – e outros bem menos exuberantes.
177
A redação científica
Quanto ao estilo do texto científico também podemos Gil (2002) nos pontua algumas
considerações:
178
c) Seja claro. Evite ambiguidades. Evite fazer uso de expressões com duplo sentido,
palavras supérfluas, repetições desnecessárias, prolixidade em geral.
f) Seja conciso e expresse suas ideias com poucas palavras. Frases longas atrapalham
a compreensão e tornam a leitura mais morosa e cansativa.
g) Busque a simplicidade. Ainda que alguns possam crer que simplicidade seja sinônimo
de pouco requinte e sofisticação, esta é uma das qualidades mais difíceis de serem
alcançadas. Aquele que sabe verdadeiramente consegue se expressar de maneira
simples, porém, sem abrir mão do conteúdo requintado e profundo.
Durante todo o processo, e ao final da redação, faça algumas perguntas a você mesmo:
a pergunta formulada está bem clara e compreensível?; Minha pergunta é realmente
original?; Tenho domínio sobre todos os termos que utilizei no texto?; Outros poderiam
ter feito a mesma pergunta de modo diferente?; Esses termos são dominados e
compreendidos por todos ou é necessário algum tipo de esclarecimento adicional?;
(LAVILLE; DIONNE, 1999). Provavelmente você terá dificuldades para responder a essas
perguntas sozinho (a). Sendo assim, participe de grupos de estudo e discussão. Ampare-
se em seus professores. Busque auxílio em seu orientador. Enfim, legitime seu
pertencimento no campo acadêmico/científico e não tenha vergonha de pedir ajuda aos
seus pares. Ao final, todos nós sairemos ganhando.
179
MÓDULO 3
Os Tipos de Pesquisa
Pesquisa
O sujeito que conduz a pesquisa científica e o objeto por ele investigado podem se
relacionar de diversas maneiras, e esta relação faz com que o conhecimento científico -
por mais que o pesquisador se esforce para impedir que isto aconteça -, seja ao mesmo
tempo objetivo e subjetivo. É objetivo pelo fato de envolver um dado objeto de
investigação, e ao mesmo tempo é subjetivo, pois envolve um indivíduo que esquematiza,
planeja, desenvolve, analisa, interpreta e comunica suas descobertas. A relação sujeito-
objeto pode ser interpretada a partir de três diferentes modelos teóricos. Acompanhe o
que nos diz Ghedin e Franco (2008):
Modelo objetivista
180
Modelo subjetivista
Neste modelo observamos uma inversão total quanto ao modelo objetivista. Parte-se do
pressuposto de que o sujeito tem supremacia sobre o objeto de conhecimento. Sendo
assim, assume-se que a realidade é percebida como criação do sujeito. Segundo Ghedin
e Franco (2008), os princípios norteadores do modelo subjetivista são os seguintes:
181
Modelo subjetivista
Este modelo supera a dicotomia das duas abordagens anteriores. Sujeito e objeto estão
em ininterrupta e dialética relação, não de maneira determinista, mas como resultado da
intervenção humana na prática. Os princípios desse modelo são:
Pesquisa exploratória
A maior característica deste tipo de pesquisa é o fato de ter como principal objetivo a
aquisição de uma maior familiaridade com o objeto de estudo. Na maioria das vezes ela
é realizada quando o pesquisador não encontra na literatura específica, dados suficientes
para formular uma pergunta adequada ao seu projeto de pesquisa. Pense bem amigo (a)
estudante, sabemos muita coisa a respeito de vários assuntos, tais como, distribuição de
renda no país, evasão escolar, cursos universitários mais procurados. Sendo assim, não
182
seria pertinente realizar mais estudos exploratórios sobre tais temas. Todavia, investigar
os efeitos bulling digital realizado por intermédio do facebook pode nos trazer
informações preciosas e que ainda não dispomos de forma adequada.
Pesquisa explicativa
Pesquisa quantitativa
A pesquisa do tipo quantitativa é uma das características mais antigas da ciência, pois
como a ciência teve início com a investigação dos fenômenos naturais, quantificá-los,
prevê-los e, posteriormente, dominá-los, era o objetivo de todo e qualquer cientista. Este
tipo de pesquisa afirma que todos os dados podem ser quantificados, até mesmo os de
caráter subjetivo, como opiniões, posicionamentos políticos, pontos de vista etc, pois se
pode traduzir todos esses dados em números, tabelas e gráficos. Busca-se, desta
maneira, uma generalização de caráter indutivo. Quantificar os dados permite a
mensuração das variáveis estabelecidas, explicando, posteriormente, suas mútuas
influências por meio da análise de suas frequências e correlações estatísticas. Assim,
termos como variáveis, desvio padrão, porcentagem, média, probabilidade, moda,
mediana farão parte do seu dia a dia. É isso mesmo amigo (a), se você não entende de
estatística, precisará do auxílio de um profissional da área. Por este motivo, as pesquisas
científicas quase nunca são publicadas com um único autor, pois este precisará do apoio
183
É bastante comum que no início de sua carreira de cientista você cometa alguns
equívocos, como acreditar que a mera aplicação de um questionário constitui uma
pesquisa, ou mesmo confundir uma simples descrição dos dados encontrados com uma
análise interpretativa parcimoniosa e profunda amparada nos dados já existentes na
literatura. Todavia, tranquilize-se! Você está adentrando agora o campo
acadêmico/científico, e com, um pouco de boa vontade e muito apoio de seus professores
orientadores você poderá aprender a fazer ciência de uma maneira bastante exemplar.
Pesquisa qualitativa
Na pesquisa qualitativa cada situação é tida como única. Logo, o método indutivo é muito
pouco útil, pois não se busca estabelecer leis gerais e universais e sim compreender um
determinado indivíduo ou grupo dentro de características circunstanciais que são
bastante específicas. Pense, por exemplo, em um pesquisador que se insira por um
184
tempo no universo dos usuários da droga crack da Praça da Sé na cidade de São Paulo.
Este é um exemplo de investigação de um grupo social muito específico, que usa termos
específicos em sua fala, que são portadores de jogos de linguagem bastante peculiares
e de comportamentos que só fazem sentido dentro deste contexto singular. A situação
investigada pode tão somente auxiliar na compreensão parcial de casos similares, pois
cada grupo é único em suas qualidades de manifestação.
Pesquisa “quanqualitativa”
Não podemos esquecer que a ciência e seus métodos não estão prontos. A cada
momento percebemos lacunas e impropriedades em nossas maneiras de investigar o
mundo e a realidade. A pesquisa qualitativa, por exemplo, emergiu de uma visão
dicotômica entre quantidade e qualidade, e esta visão ainda pode ser percebida em
muitos campos de pesquisa. Ainda existem pesquisadores que acreditam que as ciências
naturais são “mais ciência” do que as ciências humanas. A contrapartida também pode
ser percebida com bastante facilidade. Bourdieu novamente nos auxilia nesta
compreensão, pois o campo científico é transpassado por eixos que facilitam o
posicionamento de seus agentes e, um dos eixos é o que separa os pesquisadores
adeptos do método quantitativo daqueles adeptos dos métodos qualitativos. Entretanto,
gradativamente já se reconhece que quantidade e qualidade são propriedades
interdependentes de um mesmo fenômeno, o que, de certa maneira, enfraquece a tensão
que já foi bem maior há alguns anos (GHEDIN & FRANCO, 2008).
185
186
MÓDULO 4
Para finalizar
Uma vez realizada a coleta dos dados, é necessário que o pesquisador organize-os, para
posteriormente efetuar uma boa análise, tornando-os compreensíveis para si mesmo e
para todos os leitores que venham a se interessar por seu assunto. Para tanto é
imperativo explicar adequadamente seus achados, pois é neste momento que os bons
pesquisadores diferenciam-se dos medianos, uma vez que a capacidade crítica do
pesquisador fica evidente na forma como discute seus dados.
Depois da organização e discussão dos resultados é preciso deixar claro quais são as
conclusões da pesquisa. Na maioria das vezes elas devem ser sucintas. Partindo-se dos
objetivos que foram elencados no início da pesquisa é possível conceder um significado
aos resultados que emergem dos dados, discutindo a pertinência deles, suas
implicações, quer sejam de caráter científico puro ou sociais aplicadas, e se as
conclusões corroboram ou não os estudos anteriores que serviram de referência no início
da investigação (MOROZ; GIANFALDONI, 2006).
Como dito acima, esta etapa diz muito sobre a capacidade crítica do pesquisador, uma
vez que nela o pesquisador dialoga com os resultados encontrados, esforçando-se para
responder a todas as dúvidas explicitadas nos parágrafos anteriores de seu texto
científico. Como não poderia deixar de ser, é neste momento que a subjetividade do
pesquisador se mostra com mais contundência, uma vez que ele estará indo além de
seus dados, estabelecendo relações com toda a bibliografia do campo escolhido,
identificando áreas de convergência e possíveis lacunas a serem preenchidas em futuras
pesquisas.
187
A comunicação da pesquisa
Como já foi falado aqui, a pesquisa científica precisará ser transformada em um texto
sucinto, claro, compreensível e objetivo. Os textos científicos formais podem ser
produzidos em diversos formatos, e dependendo da situação serão escritos na forma de
artigo, relatório, projeto de pesquisa, monografia de conclusão de curso superior,
dissertação de mestrado, tese de doutorado etc. A escolha do formato dependerá da
situação na qual o pesquisador se encontre.
É importante lembrar que escrever para os outros é sempre mais desafiador do que
escrever para si mesmo. Logo, enquanto se escreve é pertinente imaginar quais são as
necessidades e expectativas daqueles que entrarão em contato com seu texto científico.
Lembre-se que você adentrará um campo social específico, e nele existem algumas
normas que devem ser respeitadas. Para fazer parte do campo científico você terá que
obedecê-las.
Outro ponto importante e que deve ser lembrado é o fato de que, ao publicar a sua
pesquisa, o pesquisador deixa automaticamente de ser o “dono” de suas descobertas,
uma vez que, como o próprio nome diz, a publicação as torna públicas, incorporando-as
no vastíssimo espaço de conhecimento desenvolvido pelos agentes sociais que compõe
a comunidade científica. Logo, a comunicação é etapa final de um processo de pesquisa,
e todo o pesquisador deve, para respeitar seus colegas, coautores, professores,
orientadores e órgãos financiadores de sua pesquisa, cumprir com esta obrigação. Ainda
será cobrado do pesquisador sua participação em encontros científicos, seminários,
congressos, simpósios e debates acadêmicos. Mas caberá ao autor da pesquisa decidir
se sua comunicação terminará nos limites do campo científico ou se ele se esforçará para
expandir esses limites acadêmico-científicos, divulgando-a nos veículos midiáticos de
massa, o que concederá à referida pesquisa uma abrangência social ainda maior.
Uma última dica pode auxiliá-lo um pouco mais nessa sua jornada inicial pelo campo
acadêmico/científico. Existe uma plataforma disponível na internet conhecida como
Plataforma Lattes. Nela você encontrará o currículo de todos os professores e cientistas
brasileiros. Vale à pena navegar um pouco por lá, pois esta plataforma colocará você em
contato com a trajetória profissional de todos os professores que ministrarão aulas para
você aqui na UNIBR, assim como com um número muito significativo de pesquisadores
brasileiros que tem ajudado a fomentar o conhecimento, a ciência e a tecnologia em
nosso país. Seja bem vindo ao campo acadêmico/científico! Seja bem vindo à UNIBR!
Desfrute desta maravilhosa etapa de sua vida e, parabéns! Agora você é um acadêmico!
189
RESUMO
190
EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM
191
192
Referencial Bibliográfico
BOOTH, W.C.; COLOMB, G.G.; WILLIAMS, J.M. A arte da pesquisa. 2a Edição. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
LUNA, S.V. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2002.
MOROZ, M & GIANFALDONI, M.H.T.A. O processo de pesquisa: iniciação. 2a Edição.
Brasília: Líber Livro, 2006.
193