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A SUPERAÇÃO DA ALIENAÇÃO NO “INSTANTE” SEGUNDO KIERKEGAARD


Valdomiro Aurélio dos Santos1

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo compreender melhor o conceito de superação da


alienação no “instante” segundo o filósofo Soren Kierkegaard . Ele escreveu a obra
“Migalhas Filosóficas” na qual este conceito é explanado sob o heterônimo Johannes
Climacus . Kierkegaard é considerado como o “pai” da filosofia existencialista, e também
tornou-se famoso pela polêmica criada por sua crítica ao relacionamento entre Igreja Cristã e
Estado na Dinamarca e seus ataques contra o sistema filosófico hegeliano. Mas o ataque
kierkegaardiano contra o sistema idealista tornou-se mais consistente com as “migalhas” cuja
questão principal é : “Como podemos obter a Verdade e um fundamento da nossa felicidade
eterna? Ou : Como superar o estado de alienação?” Tentando responder a esta questão
Johannes Climacus comparou a maiêutica socrático-platônica e a filosofia idealista hegeliana,
apresentando o erro destes dois semelhantes sistemas filosóficos ao ensinar que o ser humano
já está na Verdade. Climacus percebe que o conceito hegeliano de verdade é estático, não
dinâmico, pois ocorre dentro da consciência fenomenológica do Absoluto, sem consider o
estado de alienação da realidade humana nem o dinamismo de sua história. O ser humano
precisa realizar um “salto” desta condição “no instante,” mas este salto é paradoxal para a
inteligencia, na medida em que tem seu fundamento na simultaneidade entre o Mestre, o ser
humano atual e o conteúdo daquela mensagem. A identidade da simultaneidade consiste em
uma estrutura estruturante de sentidos, na qual toda presença da Verdade é resgatada na
história, através da fé, transformando o ser humano e superando sua alienação, cuja garantia
não é uma idéia, mas o Mestre.

Palavras-chave: Johannes Climacus, maiêutica, superar, alienação, simultâneo, instante.

1. Aluno do Centro Universitário de Maringá-CESUMAR, 15/04/2011, valdomirodiplomacia@gmail.com


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ABSTRACT

This work has the goal of a better understanding about concept of overcoming the
alienation in the “momentum” according to the philosopher Soren Kierkegaard . He wrote
“Philosophical Fragments” in which this concept is explained, under the pseudonym Johannes
Climacus. Kierkegaard is regarded as the “father” of the existencialist philosophy, and also
became famous for the controversy made for his criticism about the relationship between
Christian Church and the State in Denmark and for his attacks against the hegelian
philosophical system. But the kierkegaardian attack against the idealist hegelian system
became stronger with the “Philosophical Fragments” , which main question is : “How can we
get the Truth and have a base to our eternal happiness?” Or: How to overcome the alienation
state? Trying to get the answer, under the pseudonym Johannes Climacus, the philosopher
compared the socratic-platonic maieutics with the idealist hegelian philosophy, showing the
mistake inside this two similar philosophical systems in teach us that the man is already in
the true. Climacus understand that the hegelian concept of “truth” is a static, and not a
dynamic concept, because It occurs inside the phenomenological conscience of Absolut,
without consider the alienation of human reality and his dynamic history. The human being
must to do a ” jump” from this condition in the momentum, but this “jump” is paradoxical to
the intelligence because has its base on the simultaneity between the Master, the human being
and the message content. The identity of simultaneity consist of a structuring structure of
sense, in which all the presence of the Truth is rescued through the history, through the faith,
transforming the human being and overcoming the alienation, which warranty is not an idea,
It is the Master.

Keywords: Johannes Climacus, maieutics, overcome, alienation, simultaneous, momentum.


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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é pesquisar os desafios que Sorem Kierkegaard enfrentou sob o
pseudônimo Johannes Climacus, sobre a superação do estado de alienação humana, em
particular nas Migalhas Filosóficas. Antes, é necessária especial atenção à vida do autor, para
compreendermos as condições do ambiente de sua produção literária.

Nascido em Copenhagem, na Dinamarca, em 1813, Soren Aabye Kierkegaard nasceu


em Copenhagen, na Dinamarca, em 1813, filho do rico comerciante pietista Michael
Pedersen Kierkegaard. Filho de pais idosos, perdeu o pai em 1838, a mãe 1834, além das
perdas anteriores de dois irmãos e três irmãs. O pai de Soren chegou a pensar que Deus o
fizera rico para zombar dele e o castigava pelo pecado da blasfêmia em sua juventude ao
amaldiçoar sua pobreza(Gouveia, 2009, p.318). Isso tornou o filósofo melancólico, e, na
faculdade, boêmio, contrariando seu pai, com o qual se reconciliou pouco antes dele morrer .
Com tantas mortes na família, e portador de doença grave, subitamente terminou o noivado
com Regine Olsen em 1838, não deixando de escrever-lhe muito em O Diário de um Sedutor,
do heterônimo Johannes o Sedutor, texto que marca a sua fase chamada estética. Na fase pós-
formatura temos elementos de autoria e pseudônimos não “religiosos”, como Johannes de
Silentio, heterônimo que escreve Temor e Tremor e aborda questões de moral e teleologia a
partir do pedido divino a Abraão de que sacrificasse seu filho Isaque. Também nessa época
de perdas surge Johannes Climacus, que escreveu as Migalhas Filosóficas e o Potscriptum
Ciencífico Não Concludente, um tipo de continuação e fundamentação das “migalhas”,
seguindo-se a fase religiosa.
A fase religiosa intensifica-se por volta de 1846, com intensa produção até por volta de
1850, quando escreveu Doença Para a Morte, e a Prática do Cristianismo, de Johannes
Anticlimacus (Gouveia, 2009, p.360). Anticlimacus é claramente um autor cristão, que
aborda de forma arguta aspectos da existência como o desespero, a sensação de vazio, a
resposta para isso que está no Cristo e a incompatibilidade desta resposta com aquilo que a
Igreja da Dinamarca oferece. Em 2 de Outubro de 1855, novamente com crises, ele caiu na
rua, paralisado como de outras vezes, mas desta vez foi levado ao Hospital onde morreu em
11 Novembro de 1855.

Com Johannes Climacus, o ponto crucial da abordagem kierkegaardiana em sua ácida


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crítica ao idealismo hegeliano encontra-se no conceito de instante e a obtenção da verdade a


partir dele. A partir deste “momento de transformação existencial” novas perspectivas
positivas se abrem ao indivíduo, bem como complexas implicações surgem e precisam ser
melhor compreendidas.

De forma corajosa, Kierkegaard superou suas experiências de perda e tornou-as ponto


de partida para a produção acadêmica. As perdas, o desespero e a angústia, a constatação do
sofrimento dos seus contemporâneos, a indignação com a distorção do exercício daquilo que
se tem por missão “da Igreja” tudo isso misturado à sua erudição torna-se em intensa
pesquisa, de modo a desafiar toda certeza

1. O embate de Kierkegaard com a maiêutica socrático-platônica e o hegelianismo.

Tentando fundamentar sua crítica, escreve o livro Migalhas Filosóficas em 1844, com
pouco mais de 150 páginas, com estilo um tanto poético para lidar com questões densas,
como a temporalidade e a questão da verdade, a conciliação do ser humano consigo mesmo e
a respostas formuladas frente ao divino incógnito.. Mas principalmente, para a fé cristã, trata
do papel dessa fé frente a filosofia ocidental, dos gregos pré-socráticos até a filosofia
hegeliana e o arcabouço teológico cristão que se desenvolveu em torno dessa teologia.

O livro inicia com uma pergunta aparente simples no Capítulo I: “em que medida pode-
se aprender a verdade? Kierkegaard começa as “migalhas” descrevendo o projeto maiêutico
socrático: ninguém pode aprender algo que já sabe, nem lembrar o que nunca aprendeu, mas
pode ser ajudado a lembrar-se . Isso é a base da didática socrática a partir da qual o mestre na
realidade é um “parteiro” que ajuda o estudante no nascimento do conhecimento que já
possuía. Fazendo-lhe perguntas, Sócrates, o mestre por excelência e coerência, ajuda o
discípulo a encontrar a resposta que já havia em si. Sócrates ensinava, por volta de 400 a.C.
que o ser humano já está na verdade, e pelo método pedagógico conhecido por maiêutica
auxiliava as pessoas a chegar a uma verdade “que já se encontrava neles mesmos, bastando
apenas lembrar do que já sabiam(reminiscência).” Platão, seu discípulo, acrescentou a isso a
idéia de que existe uma realidade transcendental- Mito da Caverna, Fedro e Banquete-, que
realmente importa, e que o que sabemos são sombras da realidade em nossa consciência. A
transcendentalização da verdade e a síntese entre sujeito e objeto pela apreensão desta, tem
como um tipo de continuidade no idealismo hegeliano: em ambas o indivíduo já está na
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verdade. Comparando estes dois sistemas com o cristianismo, Sorem percebe que isso
distorce a compreensão do que é o processo de apreensão da verdade , e mais que isso, deixa
de lado a mensagem cristã e o papel de Cristo para com a história humana. Esta percepção
ocorreu antes dos 27 anos, visto que na sua dissertação o Conceito de Ironia esta reserva já se
encontrava. (Gouveia, 2009, p.328).

O projeto socrático também tem como pano de fundo as provas da imortalidade da alma
segundo a tradição helenística. (Kierkegaard, 1996, p.28) Mas acima de tudo, Kierkegaard
vê de modo arguto como essas suas escolas de pensamento se inter-relacionam: A primeira é
que o Idealismo alemão, consubstanciado na filosofia hegeliana que reinava na Europa, era
uma espécie de platonismo, na medida em que formulava uma construção ideal(mundo das
idéias platônico) da realidade, identificando o finito com o infinito. Nas críticas de Johannes
Clímacus, percebe-se que o conceito hegeliano de verdade é estático, não dinâmico. Isto pois
ocorre dentro da consciência fenomenológica, no Absoluto, e não considera o estado de
alienação da realidade humana nem o dinamismo de sua história. Para o socrático e o
hegeliano o indivíduo já está na verdade, bastando olhar para dentro de si. Assunto
controverso, Climacus traz um olhar ao tema da aquisição da verdade e superação da
alienação, contribuição que lança novas luzes sobre a filosofia e a teologia modernas.
Perceber a difícil condição humana se comparada ao otimismo acadêmico idealista levou
nosso filósofo a um mergulho na filosofia grega e iluminista. Comparando a filosofia idealista
platônica e o idealismo alemão, ele identificou uma proximidade conceitual muito grande
entre os dois sistemas filosóficos:

A segunda percepção de Kierkegaard é de que se o humano já está conciliado com o


Absoluto e consigo mesmo, segundo anunciava idealismo hegeliano, então o projeto
cristocêntrico neotestamentário está excluído pois foi justamente o que “o Divino” fez, ao
inserir-se na história por meio de Jesus de Nazaré, tornando-se carne e realizando a superação
da alienação humana e a reconciliação deste consigo. Visto que o idealismo alemão, ao ter seu
ápice na filosofia hegeniana, defendia a existência de uma síntese da consciência com o
Absoluto, no infinito, isso inversamente torna o finito a concretização do Absoluto na história
pois superou-se a condição de alienação humana. O Idealismo pareceria otimismo teológico,
como prevaleceu na maioria dos países do norte da Europa, feito a Alemanha e a Dinamarca
em 1840, mas Kierkegaard viu problemas de natureza lógica nessa simbiose platônico-
hegeliana, com graves consequências teológicas. Por um lado, se o indivíduo está conciliado
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consigo, com a história, a sociedade e com o Absoluto, não é essa a realidade apresentada na
Dinamarca em crise financeira, nem na Inglaterra na época da Revolução Industrial onde
havia milhões de desempregados, violência e exploração selvagem de trabalhadores por
capitalistas, o que se tornou terreno fértil para o avanço, três décadas depois dos trabalhos
kierkegaardianos, dos movimentos marxista e anarquista, ou a sensação de desestruturação do
mundo. Da mesma forma, a lógica do Idealismo contribuiu para a sacralização do Estado, pois
o Absoluto se afirma na própria história e sua síntese com a consciência: chamemos a esse
otimismo de “morte da utopia” na medida em que vê com otimismo o mundo em sua forma
de”eschaton realizado” sem melhores perspectivas. Poder-se-ia pensar que o mestre do
idealismo alemão não possuía uma uma compreensão clara existência. Mas Paul Tillich
lembra que Hegel está consciente do estado de alienação do ser humano, porém crê que ela
foi superada e que o ser humano se reconciliou com seu ser( Tillich, 1982, p..320).

Kierkegaard rejeita, pois o projeto platônico-idealista por representar perigo hermenêutico,


tanto da interpretação da história quanto do indivíduo, perigo ideológico, pois a Igreja
dinamarquesa se tornou ponto de legitimação de quem estava no poder numa simbiose
prejudicial à fé identificando ser cristão com nascer em país cristão, e, principalmente, perigo
teológico ao excluir o projeto cristocêntrico neotestamentário e por o humano já na verdade.

2. A idéia de verdade na liberdade e a interpretação da história.

A interpretação hegeliana da história é velada pela dialética dentro do Absoluto, onde


perde-se a subjetividade, a qual imerge em uma só verdade dentro do Absoluto. Para
contrapor-se a isso, o projeto kierkegaardiano retorna à filosofia de Leibnitz, a qual diferencia
verdades contingenciais e verdades de fato, para enfrentar a lógica socrática. Leibnitz
desenvolveu na sua Monadologia, a diferenciação entre verdades contingenciais, e verdades
de fato ou necessárias. Há verdades lógicas, decorrentes da própria estrutura do conhecimento
ou da realidade, e verdades que não o são. Há verdades necessárias, feito as da geometria,
decorrentes da própria gramática da matemática enquanto linguagem fechada, mas há

2. Pensamento semelhante encontramos em Lutero e Schelling, na medida em que crem na apresentação do Infinito no
finito, seja um objeto ou a Natureza.
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verdades diferentes, que para melhor entendê-las podemos compará-las às verdades da arte,
da existência, da música, do teatro, a verdade das experiências estética e existencial. Ao
escrever livros como O Conceito de Angústia, ou Doença Até a Morte- O Desespero Humano,
ele estava, conforme lembra o Dr. Ricardo Quadros Gouveia, nas conversas sobre esse
filósofo, “pinçando fenômenos da realidade” antes mesmo que houvesse desenvolvimento do
método fenomenológico de Edmund Husserl.

A realidade da existência e seu sentido tem um caráter contingencial, usando termos de


Leibnitz, sem uma relação lógica aparente nem dedutível de uma relação de consequência.
Este aspecto “pinçado da realidade”, fenômeno apreendido, verdade existencial, ontológica,
inerente a realidade do Ser-para-Si(consciência) diante do Ser-em-Si mostra-se nas
entrelinhas kierkegaardianas como condição de alienação existencial, discrepância entre o
existente e a consciência dele. Brota, então, deste solo fértil a correlação entre estado de não-
verdade e alienação existencial com relação a si, ao sagrado e ao mundo. É com relação a si
mesmo na compreensão desta realidade, das experiências vividas, daquilo que nos atinge os
sentidos e provoca sensações como a de prazer(estágio estético); é com relação ao outro e as
demandas sociais do certo e do errado, do que é moral mas não é ético(estágio ético); e com
relação ao Sagrado no sentido de reconciliar-se com Este.

O discipulo poderia permanecer em estado de ignorância- o contrário do socrático que


tem uma “verdade latente” não declarada- mas falando disto com uma parábola, ou “ensaio
poético”, nosso autor compara o Divino a um rei, que ama uma camponesa e a quer junto de
si, e mesmo com essa distância tanto de classe quanto de capacidade de compreensão, busca
tornar iguais os desiguais, e o Divino faz uma elevação, trazendo, feito este rei, a outra pessoa
para junto de si(Kierkegaard, 1995, p.51). Esta metáfora do rei que se faz servo é paradoxal,
pois mostra a verdade do divino infinito exposta no que é finito, mas ao mesmo tempo tem no
seu bojo três aspectos desta relação frente a este paradoxo: ressalta a condição humana de
distanciamento, a sua incompreensão desta verdade e de si, e o distanciamento no tempo.

O fato de alguém ser contemporâneo do Mestre não o torna discípulo, tampouco leva-o a
uma compreensão de sua situação, velada. A compreensão da verdade existencial, do
indivíduo, e a interpretação da existência, são muito mais complexos do que o apresentado
pela metalinguagem do sistema hegeliano e sua lógica reducionista, que tenta reduzir a
existência a um arcabouço logicamente ligado, mas desligado da experiência do ser. Por isso,
Climacus afirma que “o contemporâneo pode ser não-contemporâneo”, do mesmo modo que
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um não contemporâneo pode ter em relação ao mestre sua “contemporaneidade” por dEle ser
conhecido(Kierkegaard, 1995, p.98). O mesmo se aplica ao conhecimento da verdade da
história: a maioria daqueles que foram contemporâneos de eventos que transformaram a
história humana muitas vezes menos compreenderam os fatos, as implicações ou as intenções
dos participantes.

A verdade, do indivíduo ou da história, mais que discurso enquadrado em uma gramática,


tem sua identidade em sua proximidade com a existência, é a própria concordância aliada à
liberdade. A natureza não tem uma subjetividade, uma liberdade, por isso não tem uma
história; mas o sujeito, em sua compreensão do ser, na medida em que se torna abandono do
seu desvelamento, “ek-sistente”,”historial”, supera a “alienação”, torna-se ek-sistente,
verdadeiro, liberdade da consciência que se projeta no mundo. Por isso Heidegger diz que: “
a verdade é a liberdade em sua essência,... pelo fato da liberdade do ek-sistente como
essência da verdade não ser uma propriedade do homem, e ainda pelo fato de o homem não
poder ek-sistir a não ser enquanto possuído por essa liberdade, e ainda assim ser capaz de
história . .. A liberdade já colocou previamente o comportamento do ente em sua totalidade,
na medida em que ela é o abandono ao desvelamento do ente em sua totalidade e enquanto
tal”. ( Heidegger, 1991, p.128-129).

O ser só se apresenta como verdadeiro se tem em seu fundamento concordância,


desvelamento e possibilitar da liberdade, ou em outras palavras, Heidegger destaca que o
verdadeiro leva à compreensão do ser e à realização e compreensão de sua história,
transcendendo a imanência no desvelamento da subjetividade do imanente.

A verdade de um sistema para a compreensão humana está em apresentar-lhe sua história,


não em diluí-la, velando-a, limitando a compreensão e o exercício da liberdade pelo sujeito
pois esta só se manifesta na medida em que o ente é revelado(Heidegger, 1991, p.131), na
medida em que se lhe apresenta compreensão de si,da história, subjetividades que o afetam.

3. Tempo e o encontro com o Divino no “momentum”.

O desvelamento do ser, a compreensão ocorre numa fração de tempo que se mortra


decisivo, o instante. Mas não trata-se do tempo ou da temporalidade e seus conceitos
abordados pela física teórica moderna, até porque se espaço e tempo são vistos por esta como
relativos, o conceito de tempo, da relação deste com as distorções do espaço e da relação entre
este e a comunicação de significados na história são campos com ausência de pesquisa
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consistente e inovadora. Falemos de tempo tangencialmente, o objeto básico refere-se a esse


momentum, esse instante em que algo se torna verdade existencial para o indivíduo.

O conceito é mediado pela linguagem, nosso primeiro ponto de contato. No caso do


filósofo em questão, são o nosso ramo linguístico latino ibérico e o ramo das línguas de
origem germânica em que estes trabalhos foram escritos. Observando as línguas nórdicas, em
especial o sueco e o dinamarquês – que é a língua mãe de Kierkegaard- logo de início
percebe-se a necessidade de diferenciar a descrição dos concentos de instante nos idiomas que
fazem a intermediação da nossa comunicação. Em línguas nórdicas-exceto finlandês e
húngaro que são de outro ramo linguístico-a palavra instante tem sua etimologia antiga, desde
a época das tribos germânicas do norte, no fato de que a referência de algo rápido era o tempo
de uma olhada, uma piscadela, um olhar de relance(em fração de segundos). Não remete a
comparação entre dois objetos no tempo e no espaço, mas ao que acontece de relance, em um
momento em que no piscar de olhos deixa-se de perceber algo, ou perde-se a vida em batalha.
Não é de se admirar quão decisivo torna-se tal momento para nosso autor.

Esse instante, momentum em latim, torna-se ponto de ruptura e transformação, quando o


indivíduo dá um “salto” na experiência que transforma o ser humano o qual encontra algo que
para ele é vivencial, vital, verdadeiro; é algo dado como condição recebida de compreensão
do eterno. Portanto, é nesse instante que o discípulo pode encontrar a verdade na história,
como diz o autor das “migalhas”:

“De que maneira aquele que busca aprender torna-se crente ou discípulo? Quando a
inteligência é despedida e ele recebe a condição. Quando é que a recebe? No instante. O que
esta condição condiciona? Que ele compreenda o eterno. Mas uma tal condição só pode ser
uma condição eterna.- Portanto, no instante(momentum) ele recebe a condição ... e a recebe
daquele Mestre mesmo.” (Kikerkegaard, 1996, p.94).

Por conta do texto acima, o tradutor das “Migalhas Filosóficas”, o Dr. Álvaro Valls,
lembra que nos escritos kierkegaardianos “uma diferença fundamental está em que o livro
Conceito de Angústia analisa o espírito como síntese de corpo e alma, enquanto as migalhas
filosóficas descobrem o 'Instante' como síntese de temporalidade e eternidade”.

Nosso filósofo dinamarquês mostra que o Mestre transpõe a eternidade, insere-se na


história e concede ao discípulo uma “condição eterna”. É eterna por apresentar uma verdade
do Eterno, mas também por não ser uma verdade condicionada pelos eventos individuais ou
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históricos, não depende de uma relação lógica-necessária, mas nasce da inserção do Mestre na
própria existência, na contingência, na finitude e na impossibilidade do discípulo de controlar
a realidade ou superar a sua condição de angústia, desespero, sua doença existencial, seu
Pathos. É neste olhar de relance, nesta piscadela que ele apreende a verdade a partir da
condição recebida.

Antes que houvesse desenvolvimento da linguística moderna, o projeto aponta para uma
novo aprendizado, uma nova descoberta de valor e sentido da existência a partir da verdade
recebida no instante. É, sim, uma nova forma de compreensão na, e da temporalidade. Esse
salto conceitual no tempo, que leva em conta os dramas do indivíduo e sua superação na
história é prejudicado no sistema de Hegel, que recebeu muitas críticas pelas consequências
de seu projeto, como ressaltou Tillich:

“...Hegel foi criticado por razões lógicas por Tredelenburg e por razões teológicas por
Kierkegaard...Hegel apontou para uma temporalidade dentro do Absoluto, da qual o tempo,
tal como o conhecemos, é, ao mesmo tempo, imagem e distorção. Contudo a crítica de
Kierkegaard era justificada na medida em que Hegel não percebeu a situação humana, que
inclui uma temporalidade distorcida, invalida sua tentativa de dar uma interpretação final e
completa da história. Mas a sua idéia de um movimento dialético dentro do Absoluto está de
acordo com o sentido autêntico de eternidade. A eternidade não é, pois, ausência de tempo...
Tampouco ausência de fim do tempo,... eternidade em sentido simbólico é “a unidade do
passado relembrado e do futuro antecipado no presente experienciado” (Tillich, 1982,
p.279ss).

Essa assertiva tem sua coerência dentro do sistema hegeliano, enquanto “escatologia
realizada” e superação da alienação no Absoluto, nessa consciência transcendental ou síntese
objeto-sujeito, não nas vicissitudes da história. O sistema hegeliano está dentro da história,
não vice-versa; é necessário transpor o estado de não-verdade, de alienação, de desespero
enquanto relação com o mundo e de angústia com relação a si mesmo, dando um “salto” a
partir do tornar-se discípulo.

É, assim, a experiência de tornar-se discípulo um “salto”, a partir da fé, naquele instante,


que possibilida essa experiência com o Eterno. Nesse sentido, a essa reinterpretação do
passado e essa antecipação do futuro, mais que “novo círculo hermenêutico-existencial”, mais
que uma nova atribuição de sentido a realidade ao confrontar a realidade com essa nova
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compreensão recebida, torna-se experiência escatológica na medida em que se apresenta


como experiência com o Divino, antecipação e transformação em um novo estado ontológico.
Neste sentido, em outra obra Climacus afirma que subjetividade é a verdade, pois tornar-se
“objetividade”, é perder essa essência. Essa subjetividade da verdade se torna ato de paixão
infinita, na “apropriação da objetiva incerteza pela mais apaixonada interioridade”
(Kierkegaard, 1941, p.171), sendo assim, salto, decisão e liberdade.

Kierkegaard, com frequencia, apresenta o risco de recairmos no socrático caso optemos


por caminho inverso. Recair no socrático implica cair tanto na armadilha hegeliana com seu
ocultamento da condição humana, quanto nas dificuldades da lógica socrática na medida em
que o tempo grego antigo era cíclico e não linear, a alma eterna e na verdade, ou pior ainda, o
projeto de aproximação humano- Divino por meio de Cristo está posto de lado, ou até mesmo
inutilizado. Mas surge nas entrelinhas a pergunta pelo caráter de antecipação e de
simultâneidade, como algo que por completo se nos apresenta à consciência, mas
cronologicamente afastado.

4. O “salto” frente ao paradoxo e a identidade da simultaneidade.

Para não recair no socrático tem-se uma transformação qualitativa do indivíduo, neste
“momentum”. Esta mudança ocorre por um salto, a partir “dAquele” que se lhe torna
simultâneo por apresentar-se por completo, e por conseguinte nele surge esta situação
paradoxal, aparente contradição, para superar as contradições do ser. No instante o discípulo
recebe a condição do Mestre, e dá esse “Salto” rumo à Verdade, algo atemporal, que envolve
todo o ser, a consciência e, nos dizeres de Bultmann, nesse Mestre, que insere-se na
temporalidade, na história sendo que “...nele (Cristo segundo a carne conforme Hirsch)
experimentamos o senhorio sobre nossa consciência moral; pois ele 'rege a consciência
moral com autoridade régia'. Sua presença se me torna uma decisão sobre toda a vida
anterior e, ao experimentar isto, eu me 'torno simultâneo' a Ele, ou melhor: ele se me torna
presente. Mas será que aqui se trata daquela 'simultaneidade' de que falava Kierkegaard?
Trata-se realmente de presença? Não, mas simplesmente de atemporalidade...” (Bultmann,
2004, p.43).
É a ofensa à razão, e ao mesmo tempo sua condição de superação; há aspectos da
encarnação do Verbo Divino que fogem do domínio da razão, da construção do logos
ocidental e de como isso se apresenta ao indivíduo, o que Bultmann resume dizendo que:
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“O paradoxo da existência cristã corresponde ao paradoxo 'o verbo se fez carne'. Ele está dado pelo
fato de Jesus não poder ser demonstrado como 'Verbo': é no ser humano Jesus de Nazaré que se
apresenta o próprio Deus, sem que se possa legitimar como tal. É o que Kierkegaard chamou de
“incógnito” em Jesus.”(Bultmann, 2004, p.390).

Sem saber como, vê-se Deus em Jesus de Nazaré, pois é Ele mesmo quem dá essa
condição. A fé é a condição dada no instante, algo atemporal quando Ele de forma
“simultânea” se apresenta por completo enquanto “condicionante” da fé na consciência, e não
confunde-se por exemplo, com a compreensão de uma proposição considerada verdadeira,
que é questão lógica e linguística, e é diferente da apreensão deste conteúdo da fé. Se fosse o
contrário, recairíamos no socrático e na teologia de fundo platônico do século III e IV, que
identificava Jesus, o Logos Divino enquanto verdade que ensina interiormente, como se o
simples amor a verdade implicasse amor a esse Cristo.

Até que se apresente do indivíduo, no instante, o Divino não pode provado. Ao contrário,
provoca escândalo para a paixão paradoxal da inteligência frente ao Divino desconhecido.
Podemos por fatos e obras apenas provar que coisas existem, não ao Divino; “as obras que
provam a existência de Deus só Deus as pode realizar(Kierkegaard, Vozes, 1995p.66),“ de
modo que não existem de modo imediato, e O tornam desconhecido. Nosso filósofo diz que
Ele é: “...Absolutamente-Diferente”, ...e “limite, ao qual se chega constantemente, e
enquanto tal, quando substituímos a categoria do movimento pela categoria do repouso, é o
que difere, o absolutamente diferente”(Idem, p.71)

Simplificando essa linguagem metafísica poderíamos dizer que o Divino é causa de si


mesmo, sem nenhuma perturbação de ordem que lhe é externa. Ele não está encadeado pelas
contingências da história ou da física, nem pela lógica com que as teologias tentam aprisioná-
lo e descrevê-lo; ao contrário, dá a condição no instante por não ser condicionado por
contingências, é ipso facto necessário, ou ato puro. É Este não alterado por vicissitudes que
encarna e dá a condição ao indivíduo. A inteligência depara-se com o escândalo deste
paradoxo, em seu especto padecente sofre com isso. No entanto “o escândalo tem o mérito de
fazer mais nitidamente a diferença(Ibidem, p.82).“ Sendo que o Divino encarnou, tornou-se
servo, caminhou com os discípulos, e mesmo com sua morte, os discípulos puderam ter fé,
dar este salto pois foi “O não contingente” que lhes deu a condição na contingência.

Também esse salto da fé não é algo simples como o “sentimento de absoluta dependência”
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dos trabalhos de Friedrich Schleiermacher, é algo que toca o indivíduo de forma última,
envolve sua existência e toma-o feito paixão. Sobre este tocar de forma última, incondicional,
Paul Tillich ressalta que “aquilo que é último só se dá a si mesmo na atitude de preocupação
última... O último é o objeto de uma entrega total, exigindo também, enquanto olhamos para
ele, uma entrega da nossa subjetividade. É uma questão de paixão e interesse
infinitos(Kierkegaard), transformando-nos em objeto sempre que tentamos transformá-lo em
objeto”(Tillich, 1982, p.29)

Essa fé, condição proporcionada no instante, possibilitando o salto, é algo forte o


suficiente para na condição de preocupação incondicional “se manifesta em todas as áreas da
realidade e em todas as áreas da vida da pessoa”, centro integrador que une todos os aspectos
da vida da pessoa. Também é algo que nos toma de forma integradora em todos os aspectos
da vida, mas é incondicional pois não podemos impor-lhe condições, ao mesmo tempo que a
própria condição é dada pelo Mestre.

Mas este salto ocorre na condição de contemporaneidade/simultaneidade, equivalência


identitária de experiências entre o discípulo contemporâneo que viu o mestre e aquele que
deles se distancia no tempo, mas não na experiência nem na igualdade de condições. Mistério
em que esbarra a razão humana. Por isso Gadamer insiste na pergunta:

“Que tipo de identidade apresenta a si própria no decurso de mudanças de eras e


circunstâncias, e não se desintegra nos aspectos de mudanças de si mesmo de modo a perder
toda a sua identidade, mas está lá neles todos? Eles são todos contemporâneos desta....que
tipo de contemporaneidade é esta?”(Gadamer, 2006, p.119)

Começamos a desdobrar o novelo kierkegaardiano do instante, pois o que seria de início


uma questão teológica, com a vinda do divino para a história, possibilitando o aprendizado do
discípulo e se tornando critério da verdade da fé, a irrupção do sagrado na história e a
possibilidade de se apreender a Verdade, se torna aqui em questão hermenêutica de suma
importância: a contemporaneidade do discipulo a sua apreensão da verdade traz no bojo do
instante a identidade que está nos outros instantes vivenciados em outras eras. A esse respeito
Gadamer continua, usando o exemplo da experiência estética e a hermenêutica da obra de arte
dizendo que “...contemporaneidade... não é simultaneidade de consciência estética,
...contemporaneidade...significa que em sua apresentação, esta coisa em particular, “a-presenta-se”
a si mesma e nos atinge com sua completa “pre-sença,” contudo sua origem pode ser longínqua...
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conceito este que remonta a Kierkegaard”: (Gadamer, 2006, p.123).

É esse paradoxo que surge na simultaneidade que Gadamer descreve. No ato


hermenêutico, que em última instância, atribuir sentido a algo é interpretar, dar sentido e
encontrar carga semântica, emocional, existencial, etc a algo que mesmo distante no tempo
atinge o indivíduo com sua completude, em sua plenitude mesmo que distante culturalmente e
afastado no tempo. É essa identidade paradoxal que surge no “salto”, em presença daquilo
que está distante, e em tê-lo por completo em nossa existência mesmo que não o vejamos,
seja um objeto de arte, seja um objeto da fé. Esta correlação entre experiências estéticas na
acepção daquilo que nos toca os sentidos e a apreeensão da verdade na existência tem assim,
esta identidade sintética, na medida em que condensa o todo no fragmento, que na sua
interpretação traz consigo carga semântica, emocional, existencial, e mesmo distante no
tempo recria macro-estruturas de sentido na realidade a partir da micro-estrutura da
experiência.

Desse modo, ter essa condição de contemporaneidade é ter a condição, no momentum,


como algo que se lhe apresenta por completo. É o que fascina, na lógica kierkegaardiana
reproduzida em Gadamer, essa identidade sintético-estruturada e estruturante, capaz de a
partir de um fio de uma simples mensagem, verbal ou não, no momentum, desenrolar o
novelo da carga de sentido que um signo, símbolo, acontecimento, pintura ou objeto possui, e
de reproduzir a partir de um momento, um instante de uma experiência existencial vivida
séculos de distância. O instante tem identidade sintético-estruturante, na medida em que reduz
grupos de sentido de expressões de vivências, a categorias simbólicas menores, resgatáveis
através da história, apreendidas no instante, mesmo que o contexto vivencial não se reproduza
tal qual no primeiro registro. Diante disso, o indivíduo pode aproximar-se do Mestre e ter
acesso à mesma verdade que os primeiros cristãos-discípulos receberam, mesmo perante
condições totalmente diferentes.

5. A iniciativa do salto: desejar é suficiente, ou participar é o pressuposto?

A transposição do estado de não-verdade não ocorre pelo simples desejo de transposição


ou pela simples decisão do indivíduo. Não é pelo simples desejo de superar a alienação
existencial, as aporias existencias, o paradoxo da existência, a condição para sua superação.
A esse respeito Martin Heidegger lembra que: “no desejo, o ser-aí esboça o seu ser em vista de
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possibilidades, possibilidades que no ato de providenciar não só são disperdiçadas como também não
é sequer cogitada ou esperada(!) sua realização. Ao contrário: a predominância do ser-adiante-de-si
no modo do mero desejo traz consigo uma incompreensão das possibilidades fáticas... O desejar é
uma nadificação existencial do projetar-se cogitante, o qual, á mercê da condição de estar-lançado-
no mundo, limita-se a cismar em torno das possibilidades.”(Heidegger, 1997, p.382).

A tentativa de transpor esse abismo do Não-Ser somente vem a afirmar a sua condição
negativa de forma circular, ou em termos sartreanos, o Ser-Para-Si(da consciência) ao
projetar-se no mundo, no Ser-em-Si, encontra neste limitação e condicionamento de seu
próprio projeto e realização. Perante essa negatividade, ao crer, o discípulo consegue transpor
esse obstáculo, pois ao crer, não tem como objeto de fé a doutrina, mas o próprio
Mestre;” ...mas a contradição está em que ele receba a condição no instante, condição que,
sendo uma condição para a compreensão da verdade eterna, é eo ipso a condição eterna. Se
as coisas passam de outra maneira, permanecemos na reminiscência socrática”Kierkegaard,
1996, pp.91 e 92).

Ter o conhecimento da verdade não é o mesmo que conhecer fatos, como se o


conhecimento da verdade existencial se limitasse ao conhecimento dos movimentos da
história a da situação do indivíduo com o outro e consigo. Aqui cabe ressaltar essa pérola
kierkegaardiana: conhecer a verdade é ser transformado por ela, em liguagem tillichiana, “na
forma de preocupação última, por aquilo que nos toca incondicionalmente e reestrutura nossa
vida como um todo. Portanto, a condição que é dada transpõe a limitação citada e o “cismar
em torno de possibilidades” heideggeriano, pois ao crer seu projeto torna-se o projeto do
próprio Mestre. Aqui mora a conquista da alienação existencial: o crer que transpõe o querer,
que atinge seu objetivo de superação e nadificação, sem no entanto limitar-se ao mero desejar
e projetar-se no mundo, ou seguir métodos, doutrinas ou caminhos. Por isso Kierkegaard diz
que o objeto na fé tornou-se o próprio Mestre, que é a condição de superação da não-verdade.

Querer, à primeira vista, mostra algo totalmente dependente da condição humana, que é o
caso socrático, mas vimos os frustrantes obstáculos trazidos por esse antropocentrismo. Ao ter
o Mestre como objeto da fé, condição dada no instante, feito o rei que se tornou servo e se
aproximou da camponesa, o discípulo foi elevado, elevação esta que torna-se “um tomar
parte” com o Mestre por meio de Sua verdade que toda ao discípulo se apresenta.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto kierkegaardiano mostrou-se aqui numa bifurcação, na qual o indivíduo tem por
um lado a afirmação de “pecado”, alienação existencial e necessidade humana de
reconciliação com a verdade e consigo mesmo e por outro lado, o resgate da mensagem dos
primeiros cristãos. Johannes Climacus, muito além de ser um opositor do hegelianismo, é um
cristão em sua reafirmação do projeto cristocêntrico do Novo Testamento. Este projeto
concretiza-se no instante, tendo o Mestre como objeto da fé, com o qual pode-se dar um
salto, uma elevação para perto dEle, superando a condição de alienação existencial. O
instante, síntese de tempo e eternidade, tem dimensão escatológica, esse instante tem uma
identidade sintético-estruturante, na medida em que reduz, sintetiza e reestrutura experiências
do passado de outros, por complexas que fosses, na nossa própria experiência, resgatando-as ;
por isso torna-se decisivo, mas é o mestre quem dá a condição.

Outra diferença entre esta “ elevação no instante” e o dueto socrático-hegeliano está na


perda do caráter da “simultaneidade” na experiência com o Sagrado, no conhecimento da
verdade e na apreensão da experiência estética de algo que mesmo distante se nos apresenta
como um todo. Para Hegel e seus diversos seguidores isso deixa de ser possível na medida em
que o simultâneo é absorvido no Absoluto, nessa consciência fenomênica transcendental; ou,
invertendo o raciocínio, elimina-se o Sagrado pela sacralização da consciência do fenômeno,
elimina-se o que é chamado em linguagem kierkegaardiana “Totalmente Outro”, se
comparado ao indivíduo, dissolvendo essa diferença dentro do Sistema.

Enfim Kierkegaard afirmou que o Mestre é condição sine qua non para nossa elevação,
superação da alienação, conhecimento da verdade pelo desvelamento do ser e termos
participação nEle, que é a própria Verdade. Por isso dize-se: “E conhecereis a Verdade, e a
Verdade vos libertará”.
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