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Introdução Geral.
O texto que se segue está dividido em duas grandes
partes, a saber:
1ª Parte: A vida de Jesus e 2ª Parte: A Morte e
Ressurreição de Jesus. A divisão, contudo, é meramente
1
hneveston@yahoo.com.br . Pároco da Matriz Nossa Senhora da Assunção de Cabo Verde - MG.
didática, pois vida, morte e ressurreição se interpenetram e
se esclarecem mutuamente.
Entretanto, a primeira parte é resumo da obra Sempre
Jesus2 acrescido de reflexões pessoais a partir de estudo
teórico e da experiência pastoral de mais de uma década.
Para maior clareza e compreensão, iremos seguir o esquema
básico oferecido pelo próprio Pe. J. B. Libanio.
A segunda parte é resumo esquemático da obra do Pe.
FERRARO, que entendemos uma argumentação bastante
atual e com desdobramentos pastorais muito sugestivos.
O desfecho do presente estudo levanta alguns
questionamentos oportunos e, um deles, já será levantado
aqui: A morte de Jesus foi vista pelos dirigentes “piedosos”
como um sacrifício necessário, exigido pela Lei. Hoje, o
Mercado continua exigindo sacrifícios através da morte de
crianças de rua, sem terra, sem teto, índios, afirmando a
necessidade de se purificar a cidade. O que há em comum
nestas mortes?
2
LIBANIO, João Batista. Sempre Jesus. A caminho do Novo Milênio. São Paulo: Paulinas, 1998.
2
1ª. Parte – A Vida de Jesus.
1. Jesus e a História.
c) A historicidade profana.
Jesus nasce em pleno apogeu do Império Romano.
Seus tentáculos alcançaram os extremos da Europa e
chegaram aos rincões perdidos da Palestina. Na cultura
romana, a história nutria duas preocupações fundamentais.
Registrar a vida dos “varões ilustres” e oferecer às gerações
futuras modelos de vida. A história era concebida como
9
uma grande pedagoga, “mestra da vida”, na expressão de
Cícero.
Que varão foi mais significativo para a história da
humanidade que Jesus Cristo? Dividiu-a em duas grandes
eras. Antes e depois de seu nascimento. Que vida mais
maravilhosa para servir de exemplo para as gerações
futuras?
No entanto, à historiografia romana passaram quase
totalmente despercebidos o nascimento e a vida de Jesus
nos territórios do Império. Em nenhum anal da história
profana romana registra-se diretamente o nascimento de
Jesus. Em vão se compulsa o elenco dos “varões ilustres” e
se pergunta à história-pedagoga por Jesus Cristo. O silêncio
das fontes judaicas sobre Jesus é ainda mais
impressionante. Que o Império não se preocupe com uma
colônia periférica, entende-se. Mas que os judeus não se
refiram a Jesus, surpreende-nos. Acostumados a ler os
evangelhos, teríamos a impressão de que a passagem de
Jesus produziu gigantesco abalo no mundo judaico. E que
os historiadores da época deveriam ter dado enorme espaço
a esse personagem singular, posto fosse para rejeitá-lo.
10
d)A historicidade no mundo judaico.
O historiador judeu JOSÉ BEN MATHIAS, conhecido
pelo nome de FLÁVIO JOSEFO, viveu na nossa era entre
os anos 37/38 e 100, coincidindo com o período do início
do movimento de Jesus. Deixou-nos duas grandes obras:
Guerra dos judeus contra os romanos e Antigüidades
judaicas.
Este historiador segue também o espírito da
historiografia clássica, ao louvar a virtude, estigmatizar o
vício e desde sua fé judaica louvar a Deus.
Em algumas de suas versões, essas obras de FLÁVIO
JOSEFO mencionam a Jesus. A passagem mais explícita
aparece na versão eslavônia da Guerra dos judeus contra
os romanos. Contudo, há consenso hoje entre os
historiadores de que foi a mão de um cristão que interpolou
o trecho referente a Cristo. Por isso não vamos considerá-la.
As outras se encontram em As Antigüidades judaicas.
Numa passagem, menos discutida, FLÁVIO JOSEFO
refere-se à condenação de Tiago, irmão de Jesus,
cognominado o Cristo. Não deixa de ser intrigante para nós
11
que FLÁVIO JOSEFO somente fale de Jesus ao tratar
diretamente do sumo sacerdote Ananias que condena à
morte alguns inimigos seus, entre eles Tiago. Jesus entra
duplamente de passagem. No centro, está o impiedoso
saduceu Ananias no meio de uma trama política. Em
segundo lugar entra Tiago, condenado ilegalmente. E
finalmente e só indiretamente para especificar um nome
muito comum, como Tiago (Jacó), ele menciona o irmão
mais conhecido dele, isto é, Jesus.
Em outro texto, JOSEFO faz nova menção de Jesus.
Chama-o de homem sábio e autor de feitos surpreendentes.
Mestre que teve seguidores entre judeus e pessoas de
origem grega. Pilatos condenou-o à morte de cruz à base de
acusações de homens proeminentes. Mas Jesus continuou
sendo amado e uma tribo de cristãos, cujo nome se deve a
ele, não desapareceu. Esse núcleo parece remontar
autenticamente a Josefo, embora o texto completo tenha
interpolações de cristãos.
Essas passagens de FLÁVIO JOSEFO garantem-nos de
uma fonte não cristã a existência de Jesus, algo de sua
12
missão, da sua morte na cruz e do seguimento dos
discípulos.
O testemunho de JOSEFO é tanto mais importante
quanto na ampla e rica literatura religiosa judaica não se
encontra nenhuma menção direta sobre Jesus. A descoberta
dos documentos da seita de Qumran tinha aberto uma
esperança de encontrar conexões com a tradição cristã. Mas
nada. Eles não mencionam Jesus, embora ofereçam muitos
elementos para conhecer o contexto da vida de Jesus.
As fontes rabínicas mais antigas não se ocupam do
Jesus histórico. Textos mais tardios revelam antes reações
diante do Cristo proclamado pelo cristianismo que do Jesus
de Nazaré. Trata-se, portanto, de referência indireta. O
máximo que esta literatura judaica pode oferecer é uma
confirmação da existência de Jesus.
f) Evangelhos Apócrifos.
Tem-se escrito muito sobre eles. Certos dados curiosos
sobre a história de Jesus, que se lançam na grande
imprensa, não raro são hauridos desta fonte. Mas para nosso
conhecimento de Jesus sua contribuição não é confiável, já
que a própria Igreja primitiva não os aceitou por causa de
sua forma exagerada e fantasiosa. E toda vez que uma
literatura se entrega à imaginação, às vezes desvairada, em
vez de ajudar o conhecimento da realidade, termina por
deturpá-lo.
17
A originalidade histórica de Jesus manifesta-se já desde
o seu nascimento. Em muitas situações humanas de guerra,
de repressão militar, de desaparecimentos, de migração,
sabemos do nascimento, mas ignoramos o fato da morte. É
o caso de tantos migrantes nordestinos que partem para São
Paulo deixando suas esposas, sem nunca mais darem
notícias. Estarão vivos? Já morreram? Sabe-se que
nasceram, mas não do seu destino último.
Com Jesus deu-se o contrário. O fato mais bem
atestado de que não se tem nenhuma dúvida é o de sua
morte na cruz sob o procurador romano Pôncio Pilatos.
Já, porém, sobre seu nascimento pairam incertezas
quanto à data, ao lugar, às circunstâncias. Evidentemente, o
fato não pode ser questionado, uma vez que só morre quem
nasceu. O contrário até seria pensável. Nascer e não morrer.
Esta é a lenda que nos conta a Escritura a respeito de Elias,
que partiu para o céu num carro de fogo. Sobre Nossa
Senhora há piedosa tradição de que teria dormido e sido
levada aos céus pelos anjos, sem passar pela morte.
Na interpretação tradicional não se duvidava nem da
data, nem do lugar, nem das circunstâncias do nascimento
18
de Jesus. Qualquer criança do “catecismo” responderia que
Jesus nasceu no dia 25 de dezembro do início da nossa era,
numa gruta em Belém da Judéia, de Maria Virgem.
20
desde sempre, ele é o Deus vivo! Tais narrativas desvelam a
identidade de Jesus à luz do evento pascal.
b)Aspectos literários.
Os estudos literários dos textos de Lucas e Mateus
sobre o nascimento de Jesus foram revelando-nos facetas
até então não percebidas. Um texto só pode ser entendido a
partir do gênero literário em que foi escrito. Destarte,
procurou-se esclarecer a natureza dos textos sobre a
infância no mundo bíblico. Jesus não é o único personagem
sobre o qual as escrituras do Primeiro e Segundo
Testamento relatam fatos do início da vida. Aí estão Isaac,
Jacó, Moisés, Sansão, Samuel, João Batista. Em geral, elas
restringem-se à concepção, ao nascimento, à imposição do
nome e à rápida alusão ao crescimento da criança.
Raramente aludem a algum outro fato.
Os relatos da infância pertencem ao gênero de escritos
narrativos MIDRASHIN HAGADÁ. Eles são tecidos com
textos bíblicos (do Primeiro Testamento) que visam antes a
ensinar que a contar como os eventos aconteceram de fato,
embora se apóiem em alguns fatos históricos. Os
21
evangelistas tinham conhecimento de midrashin hagadá em
torno da pessoa de Moisés. E ninguém melhor do que ele,
personagem central da história do povo escolhido, para
oferecer elementos para confeccionar os evangelhos da
infância de Jesus. Nestes textos sobre Moisés, fala-se de um
sonho do faraó que antevê a futura missão da criança que
vai nascer. Para evitar seu nascimento, ele decreta o
massacre das crianças hebraicas, usando recurso
imaginativo. Os soldados egípcios percorriam as ruas
levando com eles uma criancinha egípcia que faziam gritar,
de modo que os meninos israelitas ouvindo os gritos,
também gritavam e assim podiam ser descobertos. O parto
de Moisés foi tão sem dor que as parteiras egípcias não
ficaram sabendo.
Evidentemente Mateus não copiou sem mais esses
textos sobre Moisés. Eles nos ajudam a compreender a
mentalidade com que se escrevia então. Podem-se
literariamente perceber os contatos entre esta tradição
haggádica e as narrativas evangélicas: os sonhos, o anúncio
do anjo, o nome e a missão do Salvador, a presença dos
magos, a estrela, as perseguições dos inocentes.
22
Há uma diferença entre o uso dos midrashin pelos
judeus e pelos cristãos. Os judeus usavam os midrashin
para entender melhor o texto bíblico sagrado; este era o
ponto de referência. Os cristãos fizeram o contrário: no
centro não está o texto bíblico, mas JESUS
RESSUSCITADO, para cuja intelecção se usam os
midrashin. O texto da Escritura serve à intelecção do
mistério de Cristo, crucificado e ressuscitado.
c) Nome de Jesus.
Na tradição bíblica, a imposição do nome goza de
enorme relevância. Além de servir para designar a pessoa,
revela a vocação e missão que ela vai desenvolver. No caso
de Jesus, o Primeiro Testamento atribui-lhe importância
máxima, como uma antecipação de toda missão de Jesus.
Em Mateus, o anjo do Senhor aparece em sonho a José,
explica-lhe a origem misteriosa do Filho de Maria, gerado
pelo Espírito Santo, e dá-lhe a ordem de pôr-lhe o nome de
Jesus, cujo significado é: ele salvará o seu povo dos seus
pecados (cf. Mt 1,18-25). Em Lucas, anjo tem nome. É
Gabriel, mensageiro de Deus. A comunicação do nome se
23
faz à mãe. E associa-lhe a realeza do trono de Davi,
reinando para sempre sobre a família de Jacó (cf. Lc 1,26-
38).
Portanto, o nome de Jesus na leitura dos evangelistas
liga-se à salvação e ao reinado definitivo na casa de Davi.
Quanto à etimologia, Jesus corresponde à forma hebraica
abreviada Yesua do nome do líder de Israel Yehosua – Josué
–, sucessor de Moisés e que introduziu o povo na terra
prometida. O nome no sentido mais exato significa: “Jeová
ajuda, que Jeová ajude”, sendo depois popularmente
interpretado “Jeová salva”.
A beleza simbólica do nome de Jesus vem do sentido
teológico e da recordação histórica que evocava. No sentido
teológico, Jesus revela a ação de “Javé que salva”. Na
reminiscência (memória) histórica, Jesus é o novo Josué
que introduz a humanidade, o novo povo de Deus, na terra
prometida do Reino de Deus.
d)Aspectos históricos.
No que diz respeito à historicidade dos evangelhos da
infância, até há pouco tempo, rivalizavam duas posições
24
extremas. A posição tradicional se apoiava na seriedade dos
evangelistas, na sua boa documentação. Lucas fala disso
expressamente. Além do mais, há afinidades literárias entre
Lucas e João. É sabido que João cuidou de Maria. Logo,
Lucas terá ouvido de Maria aquilo que ela guardava em seu
coração. Por que então duvidar da historicidade de tudo o
que se narra nesses evangelhos? Para os problemas do
recenseamento de Quirino e para a aparição da estrela,
buscava-se provar a presença de Quirino na Síria no tempo
de Herodes e apelava-se para os cálculos astronômicos para
concluir-se que no ano 07 a.C., quando do nascimento de
Jesus, houve uma conjunção de Júpiter e Saturno que
explicaria a estrela dos magos.
No extremo oposto, estavam os racionalistas que
negavam qualquer realidade transcendental, sobrenatural,
reduzindo a mitos e lendas aquilo que se narrava sobre a
concepção, nascimento e outros fatos concernentes à pessoa
de Jesus.
A exegese foi cavando um caminho difícil entre os
acontecimentos e as interpretações de cunho estritamente
teológico, que os inseriam no universo religioso da
25
comunidade. Acontecimento e interpretação não podem,
porém, ser pensados como dois momentos separáveis, como
duas realidades. Pois todo acontecimento se constitui
acontecimento, ao ser integrado ao mundo de compreensão
pela interpretação.
Os evangelhos da infância, no seu caráter tardio,
escritos entre 75 e 85 d.C., refletem a mentalidade das
comunidades cristãs desse último quartel do primeiro
século. Permitem perceber uma série de dados históricos
referentes à maneira de entender Cristo, os inícios da
devoção Mariana, certas práticas litúrgicas, o tipo de
interpretação dos textos bíblicos que se fazia.
Além disso, o fato de as narrações de Mateus e Lucas
sobre a infância não concordarem entre si, em vez de criar
problemas, traz enorme vantagem de obrigar-nos a
descobrir uma fonte anterior naquilo em que elas
convergem, reflexo do pensar das antigas comunidades
cristãs.
A concordância dos textos em alguns pontos não revela
sem mais o que realmente aconteceu. Pois não encontramos
a “historicidade profana” da infância – algo impossível –, já
26
que não há documentos para tal, mas algo
fundamentalmente importante para nós: a fé comum das
comunidades antigas. E isso serve para alimentar a nossa fé
hoje em comunhão com a fé daquelas comunidades.
Entre alguns elementos comuns aos dois evangelhos,
podem-se citar: Maria é uma virgem casada com José, filho
de Davi; o anúncio do anjo sobre a vinda, nome e missão do
menino, como Salvador e filho de Davi; Maria concebeu
pela força do Espírito Santo antes de conviver com José; ela
deu à luz Jesus, no tempo do rei Herodes; em Belém; isto
provocou uma grande alegria; eles vão morar em Nazaré.
e) Aspectos teológicos.
As genealogias de Mateus e Lucas arrancam de pontos
de vista teológicos diferentes. Mateus inscreve-a a partir de
José e relaciona Jesus com a história de Israel. Jesus
aparece como o ponto culminante da história. Mateus retém
de Jesus a sua identidade judaica, sua pertença ao
messianismo davídico. Jesus é o novo Moisés, que
proclama a nova lei e conduz o povo de Deus definitivo.
27
Lucas, por sua vez, inicia-a em Adão, que é filho de
Deus. Portanto, remonta à criação. Insere Jesus na história
da humanidade.
Marca a identidade humana de Jesus. Faz dele um
personagem envolvido com nossa história a ponto de ter
entre seus ancestrais pecadores e pecadoras célebres. Da
pureza criativa de Deus sai Adão, os pecadores se
intercalam, para tudo terminar no nascimento do Filho
verdadeiro de Deus. Jesus é o novo Adão. Os nomes,
evidentemente, não pretendem elencar a escala dos
ascendentes de Jesus até Adão. Hoje sabemos pelas ciências
que entre os primeiros seres humanos e Jesus Cristo há um
período de mais de um milhão e meio de anos. Os nomes
alistados são simbólicos. Refletem, na história conhecida
por Israel, a aventura da existência humana, no jogo de
graça e pecado.
A perspectiva teológica de Mateus é apresentar Jesus
como Messias davídico, daí a importância de José. Em
Cristo, cumprem-se as profecias do Primeiro Testamento.
Durante seu evangelho, várias vezes alude a tal
cumprimento, citando a Escritura. No anúncio a José,
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Mateus frisa a filiação davídica de Jesus, ao chamar José de
filho de Davi. Relaciona a concepção virginal com a
realização da profecia de Isaías (cf. Is 7,14). A esperança de
Israel não é o futuro rei Ezequias, filho de Acaz, a que se
refere Isaías, mas Jesus, o filho de Maria, como plenitude
do Primeiro Testamento. Lá foi um nascimento normal,
aqui pela força do Espírito Santo. Lá foi uma esperança
passageira, aqui a esperança definitiva.
Mateus seleciona os fatos da infância na perspectiva de
mostrar a pessoa de Jesus no coração da história de Israel
como realizador de todas as suas promessas, como no Davi,
novo Moisés. Assim o nascimento em Belém, a perseguição
de Herodes, a fuga para o Egito, o massacre dos inocentes
revelam profunda sintonia com a história do povo de Israel
que conheceu a perseguição do faraó, o massacre dos filhos
egípcios, aqui, os dos judeus. Lá se foge do Egito, aqui se
vai ao Egito, lá o povo é perseguido por estrangeiros, aqui
Jesus, pelo seu próprio monarca.
No entanto, na passagem dos magos, Mateus abre os
horizontes para além de Israel. Mesmo que alguns exegetas
vejam também nessa cena alusão ao mago Balaão, vindo do
29
Oriente, prestar homenagem a Israel (cf. Nm 23,7), o
sentido profundo revela uma antecipação da missão
universal de Cristo, que é reconhecido pelos pagãos,
representados pelos magos. Mateus parte da própria
vocação universal de Israel para reforçar a de Jesus.
Lucas assume uma perspectiva Mariana. José cede o
lugar para Maria. No centro do anúncio do anjo estão duas
mulheres: Maria e Izabel. Mas não por elas. Pelos filhos
que vão ter: Jesus e João. A velha estéril, com o seu filho,
encerra o Primeiro Testamento. A jovem, virgem, abre o
Segundo Testamento. Ambas geram pela força de Deus, que
faz uma estéril e uma virgem conceberem.
Ainda mais teologicamente falando, o ponto máximo
do anúncio é glorificar a ação de Deus, Javé, que interpela,
através da história, a humanidade, oferecendo-lhe a
salvação. O profeta João Batista é o precursor. Jesus é o
realizador. Estas duas crianças trazem a alegria da salvação
ao mundo, preparando-a e realizando-a.
E toda essa maravilha dos evangelhos da infância
termina no silêncio de Nazaré, onde Jesus durante trinta
anos aprende a conviver conosco para romper, adulto, com
30
o anúncio: “cumpriu-se o tempo, e o Reinado de Deus
aproximou-se: convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc
1,15).
3. A família de Jesus.
31
Sem perder-se em imaginações, os dados do evangelho
permitem suspeitar que ele foi um migrante do Sul. Pois,
quando do recenseamento, teve de ir inscrever-se em sua
terra de origem, Belém da Judéia (cf. Lc 2,4-5).
A vida em Nazaré, região rural, supunha de todos um
mínimo de trabalho no campo para a própria subsistência.
Além do mais, José exerceu também o ofício de carpinteiro.
E Jesus será introduzido em tal arte (cf. Mc 6,3).
As crianças e adolescentes sentem enorme necessidade
de valer-se do nome de seu pai para impor-se, para ser
reconhecidos. A sua primeira identidade lhes vem dos pais.
Daí as idealizações, de um lado, e, de outro, a frustração,
quando os pais não correspondem às qualidades sonhadas.
Só lentamente vão aceitando os próprios limites,
começando com os dos próprios pais. Jesus não terá sido
exceção nesse processo humano. Em termos de qualidades
éticas, José foi um varão justo (cf. Mt 1,19). Jesus nunca
precisou envergonhar-se dele pelo lado moral. Quantas
crianças sofrem, e muito, porque seus pais voltam
embriagados para casa, espancam suas mães! Outras os
vêem acusados de crimes ou trancafiados em presídios.
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Passam a vida em conflito, a fugir interiormente do
próprio pai e a buscar reconciliação e perdão com ele. Jesus
pôde na sua dupla consciência de filho alimentar seu
inconsciente e seu ego com a figura maravilhosa do Pai do
céu e do pai da terra. Sem isto, nunca nos teria deixado a
oração do Pai-nosso (cf. Lc 11,2-4; Mt 6,9-13), nem a
parábola do Pai Misericordioso (cf. Lc 15,11-32), nem um
retrato delicado do Pai que veste os lírios do campo, que
cuida dos pássaros do céu (cf. Mt 6,26-29).
O menino Jesus, porém, conviveu com crianças com
outros critérios de grandeza. Ostentavam imagens de pais
poderosos, uns proprietários de glebas rurais, outros
fazendo parte da hierarquia religiosa e política da época.
Jesus olhava para José e não podia gabar-se de nada. Talvez
lá longe houvesse alguma gota de sangue real, da estirpe
davídica (cf. Lc 2,5), mas agora não passava de pobre
carpinteiro desconhecido. De seu outro Pai, não podia falar
nada. Era o mistério dos mistérios. Só o silêncio do arcano
e a dor da pobreza sobravam-lhe no cotidiano com os
colegas de infância.
33
Jesus escolheu José, na sua pobreza e simplicidade,
como pai da terra, em vez de ter nascido na Grécia da
inteligência, na Roma do poder, na Jerusalém do templo,
onde teria sido acompanhado por um pai terrestre mestre
grego, ou patrício romano, ou sumo sacerdote judeu.
Este é o mistério de José, “varão justo e prudente”, que
velou e zelou pelo Menino Deus. Ajudou na sua
simplicidade e humildade de títulos e grandezas da terra a
povoar o inconsciente de Jesus elementos com que
traduzirá na sua pregação o mistério da preferência de Deus
Pai pelos mais pobres e marginalizados da terra.
35
Jesus na idade adulta vai mostrar-se extremamente
livre diante dessas regras e conveniências que lhe terão
passado nos primeiros anos de vida.
37
pregação de Jesus vai refletir muito dessa experiência
profunda de partilha e despreendimento.
41
Mas nada se fala dos medos da infância de Jesus. No
entanto, ele, como toda criança, terá sido assaltado por
muitos medos. Os contos de fadas estão aí para falar-nos de
lobo mau, de bruxas, de pessoas maldosas e assustadoras
que as crianças identificam, ao ouvi-los, com os medos que
as assaltam.
São os medos da perda, da ausência dos pais. Não
sabemos quando Jesus fez a experiência da perda de José.
Tudo leva a crer que tenha sido no período de Nazaré, pelo
estranho silêncio sobre ele durante a vida pública. Há
também os medos dos animais, das tempestades, da
escuridão, então muito mais tenebrosa sem as iluminações
de hoje.
As crianças captam desde cedo as inseguranças dos
pais. A família de Jesus viveu momentos de enorme
insegurança. A viagem a Belém nas condições delicadas de
Maria grávida, a fuga para o Egito, a volta sob o governo de
ARQUELAU na Judéia. É claro, os exegetas consideram
estes fatos um MIDRASH, isto é, narrações cujo
fundamento pode ser histórico, mas que visam a ensinar
uma doutrina. Portanto, não há garantia da sua historicidade
42
factual, mas somente oferecem uma base para reflexão de
cunho teológico.
No entanto, a base histórica, e é isto que nos interessa,
mostra-nos, sim, uma realidade política ameaçadora,
sobretudo para os camponeses pobres. Daí a insegurança da
família de Nazaré e os seus medos.
O HERODES do nascimento de Jesus (37-34 a.C.) foi
homem violento. Posto que tenha conseguido com sua
subserviência a Roma uma certa tranqüilidade, assumiu,
contudo, em relação a seu povo atitudes repressoras. Nascer
sob o poder de um tirano-capacho não oferecia nenhuma
segurança. Seu sucessor, ARQUELAU, será ainda mais
violento. Não hesita em massacrar três mil pessoas na praça
do templo no dia de sua posse.
É verdade que Jesus vai viver em outra província. Mas
as rebeliões se estendiam por todo o território da Palestina.
A capital da Galiléia, SÉFORIS, situada a oito quilômetros
de Nazaré, é violentamente arrasada pelos romanos e sua
população está escravizada. Jesus era adolescente naquela
época e dificilmente não terá sabido do fato. É muito
provável que tenha tido colegas, conhecidos, filhos de
43
pessoas que foram perseguidas e mortas pelos romanos,
especialmente se faziam parte dos zelotas. Quem viveu em
tempos de guerra e repressão entende muito bem a
circulação de rumores de desaparecidos, torturados e
assassinados. ERA O CLIMA DA INFÂNCIA DE JESUS.
Entre os discípulos de Jesus contavam-se zelotas, como
SIMÃO, talvez, segundo alguns exegetas, JUDAS
ISCARIOTES, PEDRO e JOÃO. Eles estavam por toda a
parte. E por toda a parte andava a repressão romana a seu
encalço.
Os evangelhos aludem ao morticínio dos “galileus cujo
sangue PILATOS misturava ao dos seus sacrifícios” (Lc
13,1). A violência política atingirá seu clímax no ano 70
com a destruição do templo e da cidade.
Há outros medos. Medo de si mesmo, de sua vocação,
de sua originalidade. Medo religioso. Medo da pobreza.
Jesus enfrentou todos esses medos. Mas, sem dúvida, no
mais profundo de sua consciência de filho e educado numa
atmosfera religiosa de respeito e confiança, terá trabalhado
positivamente tais medos.
44
Na idade adulta, não temerá enfrentar a morte,
assumindo a subida para Jerusalém, apesar da relutância
dos apóstolos. E quando o medo o assaltou no HORTO
DAS OLIVEIRAS, venceu-o caminhando corajosamente ao
encontro de seus inimigos. Só uma infância bem vivida,
uma adolescência em que rompeu com as exterioridades da
infância em busca da própria verdade e liberdade permitiu
que Jesus adulto realizasse a missão de MESSIAS com
destemor, liberdade e sem medo.
46
Mateus descarta, logo de início, qualquer possibilidade
de inferioridade de Jesus em relação a João. Logo que Jesus
se aproximou com a intenção de fazer-se batizar, João
afirma categoricamente a inversão da situação. Ele que
deve ser batizado por Cristo.
Lucas resolve o problema, relatando o batismo de Jesus
depois da prisão de João, tirando-o de cena.
João evangelista vai mais longe. Omite totalmente o
batismo. E afirma fortemente a superioridade absoluta de
Jesus sobre João, desde o prólogo. João não era a luz, mas
simples testemunha da luz. Esta é o Verbo feito carne, Jesus
Cristo (cf. Jo 1,9-14).
Posto desta forma, os evangelistas eliminam o
problema da inferioridade de Cristo em relação ao Batista.
Ficava ainda a questão do fato mesmo do batismo. Os três
relatam uma teofania que oferece o sentido teológico do
batismo. Três sinais marcam a cena. Os céus se rasgam,
uma voz do céu ecoa o Espírito desce em forma de pomba.
Israel vivera longa experiência sem profetas. Os céus
pareciam fechados. Alastrava, deste modo, uma literatura
47
sapiencial e apocalíptica em lugar da profecia. A falta de
profeta era vista como prova e castigo de Deus (cf. Sl 74,9).
A vinda de João Batista, profeta, já foi maravilhoso
sinal de esperança. Mas o interesse do evangelista é mostrar
o significado original e superior de Jesus. O rasgar-se dos
céus indica a inauguração de uma “nova era”. O mundo dos
homens pode comunicar-se com o mundo de Deus, não por
meio da pretensão de construir uma torre até os céus, mas
pela disposição de os céus descerem até os homens.
O sinal mais significativo, porém, é a voz do céu. Só
pode ser de Javé, o Senhor Deus de Israel. Ele pronuncia o
versículo 7 do Salmo 2, muito conhecido dos judeus,
referente à entronização do rei Davi em Jerusalém. É um
salmo de realeza, com perspectiva messiânica, aplicado
diretamente a Jesus. Marcos e Mateus ainda acrescentam ao
substantivo “filho” o adjetivo “predileto”. Quem sabe uma
longínqua alusão a Isaac, o filho predileto de Abraão (cf.
Gn 22), numa antevisão do Jesus a caminho da morte?!
Um paradoxo do batismo de Jesus atravessa toda a sua
vida: o jogo de humilhação e de glória. Enquanto os
sinóticos carregam as tintas na humilhação, o Quarto
48
Evangelho destaca a glória. Na verdade trata-se de uma
completude e não de uma contradição dos textos sagrados,
já que Jesus é – ao mesmo tempo – o esvaziamento do
Divino e a sublimidade do Humano.
b)O teste das tentações.
Jesus foi verdadeiramente tentado na sua vida terrestre
a afastar-se do cumprimento de sua missão. Em vários
momentos, os evangelhos mostram-nos Jesus colocado em
situação em que é provocado a seguir um caminho
diferente. O diferente veste-se de ambigüidade para Jesus:
ora expressa o Projeto do Pai, ora é real tentação. Aquele
que começara livremente a pregar à multidões – diante da
recusa de tantos de ouvi-lo, da crescente oposição ferrenha
de seus inimigos, do claro plano de mata-lo – passa a
dedicar-se ao círculo restrito de seus discípulos. O anúncio
do Reino vai se transformando lentamente na preparação da
Igreja. Ele estava convicto de restringir-se à pregação e às
ações simbólicas do Reino dirigidas unicamente ao povo de
Israel. Mas uma mulher Cananéia – duplamente diferente –
mulher e pagã, provoca Jesus. Jesus lê este gesto de fé da
mulher como sinal de Deus e faz o milagre, mudando sua
49
posição anterior (cf. Mt 15,21-28). A realidade –
sacramento da vontade de Deus – vai modificando as
atitudes de Jesus. Com relação a Pedro – o discípulo que
havia escolhido para chefiar o grupo dos Doze – Jesus
identifica a presença da tentação (cf. Mt 16,23): Pedro tenta
dissuadir Jesus da Páscoa.
Inúmeras outras vezes, fariseus e outros adversários
aproximam-se de Jesus para tentá-lo, colocando-o à prova a
respeito da Lei e dos Princípios Morais do Judaísmo. O
autor da epístola aos Hebreus resume teologicamente essa
dimensão (tentações) da vida de Jesus. Ele é este “sumo
sacerdote eminente que atravessou os céus, Jesus, o Filho
de Deus”, capaz de compadecer-se de nossas fraquezas
porque “foi provado em tudo, sem todavia pecar” (cf. Hb
4,14-15).
Os sinóticos adotaram uma teologia narrativa. Criaram
três situações de tentação que traduzem muito bem três
propostas messiânicas, presentes na expectativa do povo,
mas que entravam em frontal confronto com a perspectiva
de Jesus. Moisés dera ao povo o maná no deserto durante
anos. O Messias deveria fazer algo ainda maior nesse
50
campo dos bens materiais. Povo pobre, necessitado. O
poder dos milagres de Jesus podia transforma-lo num
Messias que arrastaria as multidões atrás de si na busca do
pão material. Ali estava o verdadeiro demônio a tentar Jesus
transformar pedras em pão. Jesus mesmo sente essa
solicitação: “Eu vos digo, não é porque vistes sinais que me
procurais, mas porque comestes pães à saciedade” (Jo
6,26). Ele promete um pão que dura para a vida eterna.
Antes de tudo, sua palavra. Mais tarde, na Ceia, ficará claro
o sentido mais profundo do pão de seu corpo. Aí está a
tentação a rondar toda a vida de Jesus. Diante da tentação
da Glória, a resposta de Jesus é a Páscoa: “Sabendo Jesus
que a sua hora tinha chegado, a hora de passar deste mundo
para o Pai” (Jo 13,1), “ele, que amara os seus que estavam
no mundo, amou-os até o extremo”.
Não poderia ser algo mais glorioso caminhar para a
morte na lucidez do amor! A tentação de Jesus consistirá
em querer a glória antes do momento da entrega total de
amor e sem passar por ela. Antecipação frustrante do
mistério pascal. A revelação do esplendor eterno de Jesus
51
não se fará em nenhum Tabor terrestre, mas aos olhos dos
que crêem no mistério da morte e Ressurreição.
A tentação do poder: a mais feroz e mais descarada. É o
poder na sua face de domínio. Jesus viu-se confrontado
com o poder. Diante de Herodes, calou-se. Não se impôs,
não advogou sua causa, não quis jogar e brincar com a
supersticiosa visão de Herodes, que o julgava o Batista
redivivo. Diante de Pilatos, Jesus mostrou o significado
profundo de seu poder: não se origina da raiz dominadora
das forças do mal, mas de Deus, fonte de amor e liberdade.
Poder é serviço, é liberdade, é entrega de si.
56
Bem-aventurados os mansos! Mansidão e doçura no
trato com os pecadores, com os inimigos. Os momentos de
cólera e irritação representam exceção de um
comportamento predominantemente manso. A doçura é uma
“coragem sem violência, uma força sem dureza, um amor
sem cólera... É uma paz sempre desprovida de ódio, de
dureza, de insensibilidade”. Só a doçura pode “dominar a
violência, a cólera, a agressividade”. Esta doçura,
mansidão, possuirá a Terra, o Reino, o lugar da felicidade
humana, aqui e para além.
Bem-aventurados os que choram e serão
consolados! Estes aceitam a sua pequenez, seus limites e
suas dores. Não são super-heróis, que tantos filmes
constroem e com isso destroem no fundo do coração da
juventude a bem-aventurança das lágrimas. Jesus não se
poupou esta experiência maravilhosa de chorar junto ao
túmulo de Lázaro (cf. Jo 11,35). As lágrimas estão perto dos
olhos, mas ativadas pelo coração, pelo desejo, pelo
sentimento, pela humanidade que existe em nós.
Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça!
Fome e sede refletem desejo intenso. O desejo é a fonte do
57
bem e do mal. É a alma tanto virtude quanto do vício. Por
isso, a bem-aventurança especifica a orientação do desejo.
E de justiça. Este termo soa-nos hoje bem diferente do
tempo de Jesus. Justo era o observante da Lei. Estamos no
contexto da nova Lei, portanto da Vida Cristã. Justo é, por
conseguinte, o fiel às práticas da vida cristã. A Justiça
Social, naturalmente, é uma delas mas não a única.
Bem-aventurados os misericordiosos! A misericórdia
na perspectiva do Segundo Testamento relaciona-se com o
perdão oferecido a quem nos ofendeu, e recebido de Deus,
a quem ofendemos. Lc 15 retrata o coração misericordioso
de Deus, simbolizado no pai e a pequenez de nosso coração
na figura do irmão mais velho. Perdoar é desejar que o
outro que me ofendeu viva e não morra. O desejo não inclui
a justificativa e o esquecimento do erro cometido pelo
outro, mas antes favorece que ele se converta e assim se
reabilite. Não guarda ódio, nem ressentimento, mas oferece
nova chance de amor e de vida. Supõe confiar no que a
pessoa tem de positivo, de força de regeneração.
Bem-aventurados os puros de coração! São as
pessoas sinceras, honestas, leais, transparentes, que evitam
58
os caminhos tortuosos da mentira, do fingimento, da
duplicidade, da ambigüidade, da falsidade. O seu sim é
SIM, seu não é NÃO (cf. Mt 5,37; Tg 5,12).
Bem-aventurados os construtores da paz! Mateus
dirige-se, primeiramente, à vida interna da comunidade;
num segundo momento, pensa na relação dos perseguidores
e perseguidos e, finalmente, amplia o sentido para toda
tarefa pacificadora. A paz é dom e esforço de todos os
homens e mulheres. Não é, simplesmente, ausência da
“guerra”. Contudo, o círculo da guerra só se suprime na sua
radicalidade: um NÃO absoluto à guerra. Dizendo não à
guerra, diremos sim à promoção e defesa da vida,
alicerçada na Justiça e na Misericórdia.
Bem-aventurados os perseguidos por causa do
Reino! Retrato da vida de Jesus e de seus seguidores. É a
mais exigente das bem-aventuranças.
b)Jesus e os Herodianos.
O projeto herodiano do Reino muito se distancia do de
Jesus. Eram os cortesãos de Herodes Antipas, tetrarca da
Galiléia e Peréia (4 aC.-39 dC.). Homem sanguinário e
frívolo que manda decapitar João Batista para satisfazer o
capricho ciumento de Salomé (cf. Mt 14,1-12). Sem o seu
61
apoio o processo contra Jesus não poderia ter sido levado a
cabo.
Os herodianos não aparecem no evangelho a não ser
simplesmente conspirando a morte de Jesus juntamente
com os fariseus (cf. Mc 3,6). É o poder na sua face mais
degradante. A única proposta que poderiam fazer a Jesus
era de livrá-lo da morte à custa de um gesto cortesão. Jesus,
diante de tanta futilidade, simplesmente calou-se,
merecendo em troca as galhofas de Herodes e de toda a sua
corte (cf. Lc 23,11).
63
d)Jesus e os Essênios.
Um movimento que era uma espécie de “vida monacal
religiosa” com tendências ascéticas. Havia um rigor
exacerbado com relação à Lei. Davam enorme importância
aos ritos de purificação a fim de viverem como “os puros”.
Nesse espírito de pureza, opunham-se ao sacerdócio oficial,
considerado, por eles, como decadente.
Exerciam forte influência sobre o povo pelo seu poder
espiritual. Pensavam-se como “filhos da Luz” em oposição
aos “filhos das Trevas”. Afastavam-se do convívio das
pessoas comuns e fechavam-se em comunidades religiosas
em vida de pobreza e celibato. Este isolamento
(segregação) possuía sentido simbólico e escatológico:
revelava que os membros da comunidade eram puros e, ao
mesmo tempo, anunciava o grande combate final com a
vitória dos filhos da luz e a aniquilação definitiva do mal
com a restauração do mundo.
Resistiam ao processo de helenização, de
mundanização e de colaboração com os romanos. Mais
64
tarde os romanos destruirão o mosteiro essênio de Qumran
na guerra contra a Palestina.
Jesus também defendeu a iminência do Reino (cf. Mc
1,15); defendeu uma conversão profunda para entrar no
Reino de Deus, comparada – inclusive – com o nascer de
novo (cf. Jo 3,3).
Contudo, Jesus afastou-se anos-luz dos essênios. Deus
é Pai e não vingador. É misericórdia, perdão e não castigo.
A luz e as trevas estão misturadas, como o trigo e o joio.
Das trevas nasce a luz e vai vencendo-as ao longo do
tempo. A vitória sobre o mal se faz pelo amor, pela graça, e
não pela destruição dos pecadores. O pecador é convidado à
conversão e não rejeitado. A presença salvífica de Deus está
em todas as partes. O Verbo plantou sua tenda entre nós.
Não se refugiou em nenhum rincão privilegiado. Jesus está
no meio dos pecadores, pobres, doentes, bem misturado
com o povo.
e) Jesus e os Zelotas.
No zelo pela autonomia do povo judeu e do território
de Israel, os zelotas envolviam-se em ações violentas e
65
armadas contra o poder romano; concebiam o Reino como
dominação terrena e política de Javé. Foi a tentação de
Jesus na montanha. “Tudo isso te darei, se, prostando-te,
me adorares” (cf. Mt 4,9). Jesus não pensa e nem vivencia o
Reino como domínio. Para ele o Reino é serviço. “O Filho
do Homem veio, não para ser servido, mas para servir” (cf.
Mc 10,45). Os zelotas defendiam um nacionalismo estrito;
a proposta de Jesus, exceto no início de sua missão (cf. Mt
15,24), é universalista.
f) Jesus e o movimento do Batista.
Jesus reconheceu o valor e santidade de João Batista.
Teceu-lhe elogios. Chamou-o de mais que profeta, o
mensageiro precursor, o maior entre os nascidos de mulher
(cf. Mt 11,9-11). Contudo, a concepção de Reino distancia
Jesus de João Batista. A veemência e rudeza profética de
João cedeu lugar à misericórdia paciente de Jesus.
Jesus entrou no movimento de João Batista e o levou à
plenitude, fazendo-o desaparecer. O movimento do Batista
foi “preparação”. Chegando à festa, a preparação cede o
lugar para a alegria e gozo dos convivas (cf. Jo 3,29).
66
7. A pedagogia de Jesus.
67
Por ter uma vida sóbria, Jesus não precisava fazer
jejuns protocolares. Era como raposa sem toca, pássaro sem
ninho, passageiro sem pedra para reclinar a cabeça (cf. Mt
8,20). Portanto, praticava mais que o jejum. Muitos exibiam
o fato de jejuar, enquanto Jesus preferia a aparência limpa e
perfumada, velando os sacrifícios no interior do coração
(cf. Mt 6,16-18).
Quanto à oração, os evangelhos fizeram questão frisar.
Jesus rezava (cf. Lc 3,21; 5,16). Esta insistência revela uma
surpresa admirável dos discípulos de verem Jesus rezando,
não pelo fato em si, mas pelo modo, momento e lugar de
suas orações.
Os evangelhos mencionam à noite: Jesus passou a noite
a rezar (cf. Lc 6,12). Lucas insiste nas longas orações de
Jesus antes de grandes decisões. Na noite da escolha dos
apóstolos, Jesus teria passado nome por nome, pessoa por
pessoa (cf. Lc 6,12). Lá estava Judas entre aqueles por
quem rezou. É terrível constatar que até a oração de Jesus
não é onipotente à revelia da liberdade humana.
Deus encolheu-se no seu poder com a criação e
sobretudo com a do ser humano livre. Ele não se impõe
68
nem a pedido do Filho. Deus se oferece como dom, graça e
solicitação. Dito de maneira humana e imperfeita, mas com
verdade. Deus parece fraco diante da arrogância do ser
humano que não lhe acolhe o dom. Não muda uma
realidade que não queremos mudar. Pois, basta conferir.
Jesus rezou na Última Ceia para que nós fôssemos UM
como ele o Pai o são (cf. Jo 17,21); que aconteceu? Guerras
de religião, ódio entre cristãos...
Jesus rezou antes do Sermão da Montanha (cf. Lc 6,12);
Jesus rezou antes de ensinar-nos o Pai-Nosso (cf. Lc 11,1);
rezou antes das tentações. A sua impecabilidade não era
mágica, mas fruto de sua luta contínua, de sua entrega sem
limite, de sua confiança no Pai, de suas orações. Ele vai
dizer aos apóstolos: “rezai para não cairdes em poder da
tentação” (cf. Lc 22,40).
70
c) Homem simples do cotidiano: pequenos prazeres,
amizades e sofrimentos.
O cotidiano de Jesus transcorria em pregações, viagens,
visitas, conversas, contato com as pessoas, freqüência à
sinagoga, subida ao templo nas grandes festas, orações em
particular. Num tempo e país machista e patriarcal, a figura
de Jesus de um relacionamento livre e amigo com as
mulheres causou profundo impacto (cf. Lc 8,1-3). Elas, de
sua parte, acompanhando-o com ajudas durante a sua vida
de missionário itinerante e na hora trágica da subida ao
calvário, morte e sepultamento. Isso só se torna inteligível
se a relação de Jesus foi realmente de extraordinária
densidade humana e desprovida de preconceitos. No trato
com as crianças manifesta outro toque original do seu
comportamento (cf. Mc 9,36). Se depois de dois mil anos
de caminhada humanizante, ainda vemos no Brasil, país
considerado como tolerante, afável e comunicativo,
tratamentos violentos contra as crianças até seu extermínio,
imaginemos o que deveria ser em tempos antigos. Os
evangelhos tocam neste problema ao mostrar a atitude
hostil dos apóstolos, enxotando as crianças de Jesus (cf. Lc
71
18,15). Contudo, os evangelhos fazem questão de mostrar
Jesus acolhendo, acariciando e abençoando as crianças (cf.
Mc 10,16).
E o tratamento com os pecadores, os pobres e os
desprezados deste mundo? Excesso sublime de bondade e
acolhimento humano. Em Jesus, o excesso de humanidade
não era nenhum contraponto à divindade. Antes sua
manifestação. “Tão humano assim só pode ser Deus
mesmo” (Leonardo Boff).
72
2ª. Parte – A Morte e Ressurreição de Jesus.
8. A significação política e teológica da morte de
Jesus3.
A morte de Jesus na cruz faz parte de nossa profissão de
fé: “padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado”. Para compreender melhor a morte de Jesus
vamos analisar os motivos históricos da condenação de
Jesus – o “por que matam Jesus?” – e buscar a compreensão
dos motivos teológicos – o “por que Jesus morre” –
presentes nos textos sagrados.
74
partir do poder e do prestígio dos dominantes. É algo legal,
mas ilegítimo. Neste contexto:
Jesus é visto como profeta e como um líder popular, na
continuidade dos profetas: Jeremias, Amós e outros.
Jesus suscita esperanças messiânico-apocalípticas e atrai
seguidores: sua prática representa um desafio (cf. Jo
11,43-52) e um perigo para a estabilidade social.
A vida de Jesus é coerente sem se desviar do caminho
(cf. Mc 8,22-11,8; Lc 9,51), mesmo sabendo que isto o
levaria ao enfrentamento com as autoridades judaicas e
romanas.
Não tendo o poder de condenar (cf. Jo 18,31), pois a
sentença de morte era reservada a Roma, os judeus são
forçados a apelar a Pilatos. Embora julguem Jesus digno
de morte (cf. Jo 19,7) pelo fato de ser blasfemo (cf. Mt
26,61; Mc 14,58), os sacerdotes forçam a condenação
alegando motivos políticos (cf. Lc 23,2-5; Jo 19, 12b).
Esta declaração é a negação da messianidade do povo
de Israel! Declaram-se súditos de Roma opressora e
decretam a morte de Jesus, caindo na idolatria.
75
A rejeição da prática e do projeto de Jesus demonstra a
não aceitação do Anúncio do Reino.
1. Dogmático.
Os evangelistas procuram mostrar que a paixão e morte
de Jesus são a realização da vontade de Deus. São paixão e
morte do Messias. Nos relatos da paixão há uma dupla
insistência: procura esconder o caráter trágico do evento
(cf. os ultrajes dos soldados romanos: Mt 27,27-30; Mc
76
15,16-20; Lc 23,11.36; o grito na cruz: Mt 27,46; Mc 15,34;
Lc 23,46; Jo 19,30) e, por outro lado, explicita o caráter
divino de Jesus. Este caráter divino é manifestado em: a)
profissões de fé: Mc 14,61; 15,32; 14,21.41; Mt 26,2;
27,17.22.40.43.53; Lc 22,61; 23,47; Jo 13,13-14.16; b) na
presciência de Jesus e seu poder: Mt 26,2-5.53; Jo 18,4-9;
Mt 26,20-25; Jo 13,21-30; Lc 22,32; Jo 18,19; c) na entrega
livre de Jesus: Mt 26,53; Jo 18,11; Mt 26,26-29; Mc 14,22-
25; Lc 22,15-20.
2. Biográfico.
Este motivo procura ressaltar traços da vida de Jesus,
mostrando seu enraizamento histórico (cf. Mt 26,1-5; 26,6-
13.14-16; 26,48-51).
3. Cúltico e Catequético.
Motivos ligados à vida de oração e do culto, com clara
dimensão catequética: Mc 15,1.25.33; Mt 26,26-29; Mc
14,22-25; Lc 22,15-20; 1 Cor 11,23-25.
77
4. Parenético.
A paixão e morte de Jesus são apresentadas como modelo
de sofrimento e morte (Jesus é a testemunha fiel), aceito
como realização da vontade de Deus. A partir da morte de
Jesus, aplica-se sua forma de enfrentamento a outros
personagens: cf. Estevão (At 6,11-15; 7,55-56.59-60);
negação de Pedro (Mt 26,69-75, indicando a necessidade de
arrependimento, pois se até Pedro pode negar, como não
será a situação dos outros); oração de Jesus (Mt 26,36-46,
mostrando a importância da oração nos momentos de maior
enfrentamento); anúncio da traição (Mt 26,22-25, onde todo
seguidor de Jesus deverá se colocar na mesma situação de
Judas); cena da crucificação (Mt 27,39-42; Lc 23,39,
mostrando a atitude a ser desprezada e evitada e Mc 15,39-
40; Lc 23,40-48, indicando atitude a seguir).
5. Apologético.
Fazendo uso das Escrituras como referencial de sua fé e
de sua tradição, as comunidades procuram ultrapassar as
dificuldades advindas da morte de Jesus, o Messias, na
cruz:
78
Anúncio da traição de Judas: Mc 14,17-21 (Sl 41,10).
Pagamento da traição: Mt 26,15 (Ex 21,32; Gn 37,28).
Fuga dos discípulos: Mt 26,31-35 (Zc 13,7).
Tentativa de desculpar os romanos e culpabilizar os
judeus ao mostrar que a incredulidade dos judeus já
estava no plano de Deus.A crucificação é apresentada
como o resultado final da incredulidade (Mt 23,32.37;
Lc 13,33-34). Esta linha apologética chega até a mostrar
Pilatos declarando Jesus inocente (cf. Lc 23,4.14.23; Jo
18,38; 19,4.6, embora acabe condenando-o à morte).
Também em Lc 23,25-26 e Jo 19,16-17, são os judeus e
não os romanos que conduzem Jesus para ser
crucificado. Entretanto, há outro corrente, retomando a
história, onde se mostra os ultrajes dos soldados
romanos (Lc 22,63-65), as atitudes diversificadas das
autoridades do povo (Lc 23,35) e a participação dos
romanos na prisão de Jesus (Jo 18,3.12).
Os dirigentes judeus confessam sua responsabilidade na
morte de Jesus: (Mt 27,25), escolhem Barrabás (Lc
23,25) e declaram César o único rei (Jo 18,39-40;
19,15), negando a messianidade do povo.
80
A ressurreição fez com que os discípulos se constituíssem
novamente como grupo, como comunidade e conseguissem
superar o fosso cavado pela morte. Entretanto, esta
superação se fez através de muita reflexão e fazendo uso
das Escrituras. Esta reflexão procurava conciliar a morte de
Jesus na cruz, com a ressurreição, vista como sua
glorificação e exaltação. Este foi o trabalho das primeiras
comunidades: superar o paradoxo entre a morte-maldição
de Jesus (Dt 21,23; Gl 3,13) e sua glorificação-ressurreição.
Basicamente, em resumo, existem duas categorias de
interpretações sobre o significado teológico da morte de
Jesus: a partir da experiência pascal e na tradição teológica.
A- Interpretações a partir da Experiência
Pascal.
A morte de Jesus vista como morte de um profeta.
As primeiras comunidades interpretam a morte de Jesus
na linha da tradição do martírio dos profetas. Sua morte está
diretamente articulada com a morte dos profetas. Um
primeiro passo foi considerar a cruz como o destino de um
profeta (1 Ts 2,14s; Rm 11,3), explicação que os evangelhos
retomarão (Mt 23,37; Mc 12,2s) explicitando a fonte Q que
81
se trata da rejeição de Israel aos profetas (Lc 11,49-50; Mt
23,34s), e acrescentando todos os sinóticos que o profeta
rejeitado retornará para julgar seus verdugos (Lc 12,8-9; Mt
10,32-33; Mc 8,38). Ao mesmo tempo, por estarem sendo
perseguidas, as comunidades se compreendem no
seguimento de Jesus.
86
outro lado, mostra seu valor, na medida em que a vida
humana tem uma estrutura sacrificial.
Redenção-resgate-libertação.
Esta imagem está ligada ao modo de produção
escravocrata. Libertar é alforriar , pagar um resgate, para
que a pessoa possa retomar a liberdade. O limite desta
representação é tomar a redenção como um drama que se
passa entre Deus e o demônio. A pessoa se torna mero
expectador. Seu valor reside no fato de que necessitamos,
continuamente, ser salvos, pois a libertação acontece no
terreno de uma captividade profunda em que se encontra a
humanidade.
Satisfação representativa.
Esta imagem traduz a visão jurídica do direito romano e
tem sua raiz em Tertuliano, Agostinho e Anselmo. Traduz a
necessidade irrevogável da encarnação para que a satisfação
frente ao pecado possa se realizar. Seu limite está no fato de
beber do modo de produção feudal, onde Deus é
apresentado como um Senhor Feudal absoluto que quer
cobrar a dívida a qualquer custo. Seu valor reside no fato da
pessoa ser sempre um ser não-satisfeito.
87
9. Teologia da Ressurreição.
A ressurreição está no coração do cristianismo. É
possível fazer Cristologia por causa da fé pascal, que
possibilitou o seguimento de Jesus no Espírito. Esta é a
condição indispensável de toda e qualquer Teologia. Nossa
fé depende da fé dos primeiros seguidores e seguidoras de
Jesus, homens e mulheres que, aceitando sua proposta,
acreditaram na sua presença em seu meio. É o encontro
com o Ressuscitado que fundamenta a fé dos discípulos e
discípulas. Os relatos das aparições são produzidos a partir
da fé pascal e não para provar a fé. Estamos diante da
atmosfera cultual, procurando mostrar a fé da comunidade
que acredita que o crucificado é o ressuscitado. O túmulo
vazio ou aberto não fundamenta a ressurreição de Jesus
mas, antes, indica o modo do encontro com o ressuscitado,
que se deixa encontrar na vida.
Os relatos das aparições fazem parte de um gênero
literário próprio. Eles buscam passar o querigma da
comunidade. Não são relatos de tipo histórico, mas
procuram mostrar a nova forma de presença do
ressuscitado. Há nos relatos uma continuidade e uma
88
descontinuidade, revelando que estamos diante de um
mistério que somente será captado pela fé. Somente quem
tem fé é que pode ver o ressuscitado (cf. 1 Jo 1,1-4).
A ressurreição ratifica o caminho histórico de Jesus e
manifesta a aceitação por Deus Pai da sua vida, sua prática
e sua morte (Jo 8,14; 14,6). A ressurreição confirma que a
morte não tem a última palavra sobre a vida de Jesus. Esta
certeza de que Jesus venceu a morte abre a possibilidade de
se proclamar o seu senhorio e seu reinado sobre toda a
história sobre todo o universo. A ressurreição aponta que
toda a humanidade tem um horizonte definido, caminhando
para a perspectiva da plenitude onde Deus será tudo em
todos (1 Cor 15,24-28). Assumindo a causa do oprimido e
aproximando-se dos deserdados e excluídos, o crucificado
que é o ressuscitado torna-se a esperança dos que esperam
contra toda esperança.
89
Estamos diante de textos que são escritos a partir da fé e
não para provar a fé. A perspectiva dominante é cultual.
Não se está preocupado em provar nada, mas sim mostrar a
fé da comunidade que venera o sepulcro vazio de Jesus.
SOBRINO prefere o termo sepulcro aberto. O Segundo
Testamento nunca fundamenta a ressurreição de Jesus no
fato de que o sepulcro estivesse vazio, mas sim, no
encontro com o ressurreto. O Catecismo da Igreja Católica
no nº 640 diz: “No conjunto dos acontecimentos da Páscoa,
o primeiro elemento com que se depara é o sepulcro vazio.
Ele não constitui em si uma prova direta. A ausência do
corpo de Cristo no túmulo poderia explicar-se de outra
forma. Apesar disso, o sepulcro constitui para todos um
sinal essencial”.
91
Em resumo, pode-se afirmar que crer na ressurreição
é:
Voltar para Jerusalém, de noite, reunir a comunidade e
partilhar as experiências, sem medo dos judeus e dos
romanos (cf. Lc 24,33-35).
Receber a força do Espírito Santo, abrir as portas e
anunciar a Boa Nova à multidão (cf. At 2,4).
Ter coragem de dizer: “É preciso obedecer antes a Deus
que aos homens” (At 5,29).
Reconhecer o erro e voltar para a casa do Pai (cf. Lc
15,32).
Sentir a mão de Jesus ressuscitado que, nas horas
difíceis, nos diz: “Não tenha medo! Eu sou o Primeiro e
o Último. Sou o Vivente. Estive morto, mas eis que
estou vivo para sempre. Tenho as chaves da morte e da
morada dos mortos” (cf. Ap 1,17s).
92
1. A morte de Jesus não foi da vontade de Deus Pai. A
morte de Jesus foi a conseqüência de sua vida – plena
adesão ao Reino.
2. “De tão humano assim, só poderia ser divino” (F.
Pessoa e L. Boff). Refletir sobre a verdade de fé que
diz: Jesus é verdadeiramente humano e
verdadeiramente divino.
3. Como falar da Cruz como “penhor de salvação” sem se
cair em fatalismo ou masoquismo religioso?
4. A morte de Jesus foi vista pelos dirigentes “piedosos”
como um sacrifício necessário, exigido pela Lei. Hoje,
o Mercado continua exigindo sacrifícios através da
morte de crianças de rua, sem terra, sem teto, índios,
afirmando a necessidade de se purificar a cidade. O que
há em comum nestas mortes?
5. O que dizer do filme “Paixão” de M. Gibson. Você o
recomenda a seus amigos? Porquê?
6. O que dizer de Maria, a mãe de Jesus?
93
A Ressurreição de Jesus4.
Até hoje a ressurreição acontece. Ela nos faz
experimentar a presença de Jesus na comunidade, no
cotidiano e nos leva a cantar: “quem nos separará, quem vai
nos separar, do amor de Cristo, quem nos separará? Se ele é
por nós, quem será, quem será contra nós? Quem vai nos
separar do amor de Cristo, quem será?” (cf. Rm 8,23).
Nada, ninguém, autoridade alguma é capaz de neutralizar o
impulso criador da Ressurreição (Rm 8,38-39). A
experiência da Ressurreição ilumina a cruz e a transforma
em sinal de vida (cf. Lc 24,25-27). Abre os olhos para
entendermos o significado das Sagradas Escrituras (cf. Lc
24,44-48) e ajuda a entendermos as palavras e os gestos do
próprio Jesus (cf. Jo 2,21-22; 5,39;14,26).
Com a força que vem da fé na ressurreição, as
comunidades enfrentam hoje a ameaça do caos e da morte e
contribuem para que o mundo seja um lugar favorável à
vida. Uma comunidade que quiser ser testemunho fiel da
Boa Nova da Ressurreição deve ser sinal de vida, deve lutar
pela vida contra as ameaças de morte.
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DIOCESE DE GUAXUPÉ. Tempo de Ver. Tempo de Crer e amar! Módulo II. Guaxupé, 2003, pp. 103s.
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Não é fácil seguir Jesus e andar com ele na contramão da
sociedade. Ele exige muito. Pede que a gente esteja disposta
a perder a vida por amor a ele e ao Evangelho (cf. Mc
8,35). O Evangelho de Marcos, escrito no ano 70 d.C., é
escrito para uma comunidade que corria o perigo de
desanimar e queria saber como seguir Jesus naquela
situação difícil. Marcos responde apresentando a caminhada
dos primeiros discípulos de Jesus, como um espelho para
todo aquele que deseja seguir Jesus. Vejamos.
No início da caminhada o entusiasmo era grande, aos
poucos aparecem as falhas. Muitas vezes os discípulos não
entendiam nada (cf. Mc 4,13.41). Jesus teve muita
paciência com eles (cf. Mc 9,19). No fim, Judas o traiu,
Pedro o negou (cf. Mc 14,37-39.45.68-72), e todos o
abandonaram (cf. Mc 14,50). Fugiram. Romperam com
Jesus.
Mas Jesus não rompeu com eles. Continuou acreditando
neles. Depois da ressurreição pediu que fossem reencontrá-
lo na Galiléia (cf. Mc 16,7). Os discípulos tinham
desanimado de seguir Jesus. Jesus não desanima de chamá-
los de novo. Se isto não estivesse escrito, não daria para a
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gente acreditar. Ora, a mesma atitude, Jesus a conserva para
conosco. Ele nos manda o mesmo recado. Jesus continua
esperando por nós à beira do lago. Tem esperança.
E o Verbo se fez carne
No ventre de Maria
Deus se fez homem.
Mas na oficina de José
Deus também se fez classe.
10. Bibliografia.
1. LIBANIO, João Batista. Sempre Jesus. A caminho do
Novo Milênio. São Paulo: Paulinas, 1998. Existe,
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também, a versão vídeo-texto exposta pelo próprio
autor.
2. FERRARO, Benedito. Cristologia. Petrópolis: Vozes,
2004.
3. FELLER, Vitor Galdino. Jesus de Nazaré. Homem
que é Deus. Petrópolis: Vozes, 2004.
4. MESTERS, Carlos. Com Jesus na contramão. São
Paulo: Paulinas, 1995.
5. BOFF, Leonardo. Paixão de Cristo, paixão do mundo.
Petrópolis: Vozes, 1977.
6. ______________. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis:
Vozes, 1972.
7. SOBRINHO, João. A fé em Jesus Cristo – Ensaio a
partir das vítimas. Petrópolis: Vozes, 2000.
8. SEGUNDO, Juan Luiz. A História perdida e
recuperada de Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulus,
1997.
9. CNBB. Caminhamos na Estrada de Jesus. São Paulo:
Paulinas, 1996.
10. DIOCESE DE GUAXUPÉ. Tempo de Ver.
Tempo de Crer e amar! Módulo II. Guaxupé, 2003.
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