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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2019.0000147798

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0002617-


97.2018.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que é apelante/apelado MARCELO
AUGUSTO PEREIRA SILVA, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Via de consequência,
REJEITARAM A PRELIMINAR suscitada pela Defesa. No mérito, NEGARAM
PROVIMENTO ao apelo interposto pela Defesa de MARCELO AUGUSTO
PEREIRA SILVA. Em seguida, DERAM PROVIMENTO ao recurso interposto
pelo Ministério Público, para afastar o redutor previsto no § 4º, do art. 33, da Lei nº
11.343/06, fixando ao réu a pena, com relação ao crime de tráfico de entorpecentes,
de 07 (sete) anos de reclusão, além de 700 (setecentos) dias-multa, no piso, ficando
mantida, no mais, a r. decisão de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos
fundamentos. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


SÉRGIO RIBAS (Presidente), MARCO ANTÔNIO COGAN E GRASSI NETO.

São Paulo, 28 de fevereiro de 2019.

SÉRGIO RIBAS
RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Apelação nº 0002617-97.2018.8.26.0196
Apelante/Apelado: Marcelo Augusto Pereira Silva
Apelado/Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Comarca: Franca
Voto nº 36.841

APELAÇÕES CRIMINAIS Tráfico de drogas, posse


ilegal de arma de fogo e corrupção ativa Recurso da
defesa Preliminar de nulidade processual Ingresso na
residência do réu sem mandado judicial Afastamento O
tráfico de drogas praticado nas modalidades “ter em
depósito” e “trazer consigo” é crime permanente, cuja
consumação se prolonga no tempo Lícito aos policiais
adentrarem no imóvel dos acusados a fim de efetuarem a
prisão em flagrante, com fulcro no art. 5º, inciso XI, da CF
Preliminar afastada.
Mérito Absolvição por falta de provas ou
desclassificação para o crime previsto no art. 28 da Lei nº
11.343/06 Improcedência Os firmes e coesos
depoimentos dos policiais militares reputam-se suficientes
para a comprovação dos fatos Tráfico bem
caracterizado, assim com a posse ilegal de arma de fogo
Condenação mantida Fixação da pena-base com relação
ao delito do tráfico em seu mínimo legal, além de
reconhecimento da causa de diminuição da pena nos
termos do art. 33,§4º-da Lei 11.343/06 em seu máximo
legal Inadmissibilidade Regime inicial fechado
adequado à espécie Recurso não provido.
Recurso do Ministério Público Afastamento da aplicação
da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei
nº 11.343/06 Possibilidade Apreensão de grande
quantidade de drogas e diversidade de entorpecentes
(mais de um quilo e meio de maconha e quarenta gramas
de cocaína), além de balança de precisão e petrechos para
o embalo das drogas Evidências no sentido de que o
acusado de dedica a atividades criminosas ou integre
organização voltada para prática de ilícitos Recurso
ministerial provido.

Vistos.

Trata-se de apelações criminais, interpostas pelo


Ministério Público e por Marcelo Augusto Pereira Silva, contra a r. decisão de
fls. 386/393, cujo relatório se adota, acrescentando-se que ao julgar

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procedente a ação penal, condenou o réu como incurso nas penas do artigo 33,
caput, da Lei 11.343/06, artigo 12, caput, da Lei 10.826/2003 e artigo 333,
caput, do Código Penal, na forma do artigo 69, também do Código Penal, à
pena de 05 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 01 ano
de detenção, em regime inicial aberto, mais o pagamento de 520 dias-multa,
no mínimo legal, sendo impossibilitado o recurso em liberdade.

Inconformado, recorre o Ministério Público,


pleiteando, em síntese, o afastamento do § 4º, do artigo 33, da Lei nº
11.343/06 (fls. 409/416).

O acusado também apelou, com razões recursais


às fls. 451/484, nas quais suscita, preliminarmente, a nulidade do processo,
em razão da ilegalidade da prova, sob a alegação de que os policiais
adentraram na sua residência sem mandado de busca e apreensão. No mérito,
requer a absolvição por insuficiência de provas. Subsidiariamente, postula a
desclassificação das condutas para o delito previsto no artigo 28 da Lei
Antidrogas, assim como a fixação da pena-base do delito do tráfico em seu
mínimo legal, além de reconhecimento da causa de diminuição da pena nos
termos do art. 33,§ 4º-da Lei 11.343/06 em seu máximo legal. Por fim, busca
a fixação de regime prisional mais brando.

Recursos regularmente processados e contrariados


por ambas as partes (fls. 491/506 e 436/450).

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de


Justiça manifestou-se às fls. 517/529, apresentando parecer pelo não
provimento do recurso da Defesa e, quanto ao recurso ministerial, pelo seu
acolhimento..

É o relatório.

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Consta da denúncia que, no dia 11 de fevereiro de


2.018, por volta das 18h05min, na Rua Cassiano Garcia de Freitas, 808,
Jardim Vera Cruz III, na cidade e comarca de Franca, o apelante, guardava e
tinha em depósito 1.615,61g da droga conhecida como maconha (dois tijolos),
e 42,39g da droga conhecida como cocaína(uma porção), tudo para entrega ao
consumo de terceiras pessoas, substâncias entorpecentes capazes de causarem
dependência física ou psíquica (laudo do exame de constatação às fls. 17/20),
o que fazia sem autorização e em desacordo com determinação legal e
regulamentar (Auto de Exibição e Apreensão às folhas 10/12).

Consta ainda que, nas mesmas condições de tempo


e local supracitados, o réu possuía e mantinha sob sua guarda, no interior de
sua residência ou dependência desta, uma arma de fogo de uso permitido,
consistente em uma espingarda, sem marca aparente, calibre 28 mm., e um
acessório de arma de fogo, consistente em um carregador de revólver, o que
fazia sem autorização e em desacordo com determinação legal e
regulamentar;

Consta, por fim que, nas mesmas circunstâncias de


tempo e local já indicados, o réu ofereceu vantagem indevida a funcionário
público com a finalidade de determiná-lo a omitir ato de ofício, qual seja, a
prisão em flagrante do imputado por tráfico de drogas.

Estes são os fatos.

A preliminar de nulidade processual suscitada pela


i. Defesa, por suposta violação de domicílio, não comporta acolhimento.

Isso porque o tráfico de drogas praticado nas


modalidades “ter em depósito” e “trazer consigo” classifica-se como crime
permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, situação que possibilita

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a prisão em flagrante do agente a qualquer momento.

Trata-se de situação excepcional prevista pelo art.


5º, inciso XI, da Constituição Federal, que dispensa o mandado judicial para o
ingresso no domicílio do traficante.

Aliás, confira-se entendimento do Colendo


Superior Tribunal de Justiça:

“Tratando-se de crime permanente, torna-se


despicienda a expedição de mandado de busca e apreensão, sendo lícito ao
policial militar ingressar na residência do agente, a qualquer hora do dia ou
da noite, a fim de fazer cessar a prática criminosa e apreender a substância
entorpecente encontrada no local” (STJ Ministro Gilson Dipp 5ª Turma
HC nº 233302/SP DJe 20/06/2012).

“PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS


CORPUS. ARTS. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 E 16, PARÁGRAFO
ÚNICO, IV, DA LEI 10.826/03. BUSCA DOMICILIAR E PESSOAL.
ALEGAÇÃO DE ILICITUDE NA EFETIVAÇÃO PRISÃO. INOCORRÊNCIA.
TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DELITO PERMANENTE.
Tratando-se de tráfico ilícito de substância entorpecente, crime de natureza
permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a busca domiciliar e
pessoal que culminou com prisão do paciente, mantendo em depósito drogas
e na posse de arma de fogo, não constitui prova ilícita, pois ficou
evidenciada a figura do flagrante delito, o que, a teor do disposto no art. 5º,
inciso XI, da Constituição Federal, autoriza o ingresso, ainda que sem
mandado judicial, no domicílio alheio (Precedentes). Habeas corpus
denegado” (STJ Ministro Felix Fischer 5ª Turma HC nº 200900111626
DJe 01/02/2010).

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Sendo assim, rejeita-se a preliminar.

No mérito, analisa-se inicialmente o recurso da


Defesa.

A materialidade dos delitos em comento ficaram


comprovadas pelo auto de prisão em flagrante delito (fls. 02/03), pelo auto de
exibição e apreensão (fls. 12/14), laudo pericial na arma de fogo (fls. 227/230)
pelo exame químico toxicológico laudo definitivo de fls. 237, assim como
pelas demais provas acostadas aos autos.

A autoria delitiva também restou inconteste.

Em interrogatório judicial, o réu negou a prática


do crime de tráfico de entorpecentes. Disse que um policial ingressou na sua
residência e colocou uma arma de fogo em sua cabeça, perguntando acerca de
entorpecentes, ocasião em que indicou onde estava a arma apreendida e certa
quantia de droga (trinta gramas de maconha) que tinha para uso pessoal.
Esclareceu ainda que os milicianos que ingressaram na sua casa exigiram até
R$20.000,00, salientando que estes disseram que ele teria pagado a quantia de
R$5.000,00 a um policial civil, em momento anterior. Em seguida, ele e sua
mulher foram presos e encaminhados à Delegacia de Polícia (fls. 303
sistema SAJ).

A negativa ofertada pelo irrogado com relação à


prática do crime de tráfico de entorpecentes e o crime de corrupção ativa
mostraram-se isoladas nos autos, padecendo de credibilidade.

É que os policiais militares Ricardo Garcia de


Oliveira e Robson Henrique dos Santos, ouvidos em ambas as etapas da
persecução penal, foram coincidentes e harmônicos no sentido de que
receberam denúncia de populares, indicando o local da residência do acusado,

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onde se encontrava um indivíduo com uma arma de fogo. Em razão disso, foi
solicitado apoio e diligenciaram até o local. Ao chegarem defronte ao imóvel,
avistaram o apelante parado na frente da casa, o qual correu para dentro desta,
porém não conseguiu fechar o portão. Em seguida, o policial Ricardo
conseguiu abordar o acusado dentro do imóvel. Declararam que na posse do
réu nada de ilícito foi encontrado e, na sequência, outros policiais militares
chegaram, e como não tinham visto que outros policiais já estavam dentro da
residência, utilizaram-se de uma escada para entrar pela parte de trás do
imóvel.

Ressaltaram, ainda que, naquela ocasião o réu


confessou que havia dois tijolos de maconha em cima de um guarda roupa, o
que de fato foi encontrado. Em busca pela residência, ainda foram
encontradas uma arma de fogo, juntamente com um carregador de revólver e,
embaixo da pia, sob um piso falso, foi encontrado certa quantia de cocaína,
em torno de 150 reais em dinheiro e uma balança de precisão. Confirmaram
que o acusado declarou que em dias anteriores havia pagado R$ 5.000,00 a
policiais civis para que o liberassem da prisão, tendo oferecido a eles, naquela
ocasião, a quantia de R$10.000,00, chegando a quantia de R$ 20.000,00 (vinte
mil reais), com a finalidade de que não fosse preso (fls. 303 sistema SAJ).

E não é demais lembrar que depoimentos de


policiais, civis ou militares, são plenamente válidos como os de qualquer
outra testemunha, principalmente quando colhidos em juízo, sob o crivo do
contraditório.

Confira-se:

“Os policiais não se encontram legalmente


impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase
investigatória tenham participado, no exercício de suas funções, revestindo-

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se tais depoimentos de inquestionável eficácia probatória, sobretudo quando


prestados em juízo, sob a garantia do contraditório. Precedentes” (STJ Rel.
Ministra Laurita Vaz 5ª Turma HC nº 223086/SP DJe 02/12/2013).

“Ademais, não se vislumbra ilegalidade ou


inconstitucionalidade no depoimento de policiais militares responsáveis pela
prisão em flagrante dos réus, pois, na condição de testemunhas, como
qualquer outra pessoa, prestam compromisso, nos termos da lei, e estão
sujeitos às penas por falso testemunho, tanto que foram ouvidos em audiência
e não foram contraditados no momento oportuno (CPP, artigo 214)” (TJSP
Rel. Des. Juvenal Duarte 5ª Câmara Criminal Apelação nº
0000606-81.2013.8.26.0516 j. 11/06/2015).

“Importante ressaltar que os depoimentos dos


policiais militares não devem ser desqualificados tão só pelas suas condições
profissionais, pois não teriam qualquer motivo para imputar falsamente a
conduta criminosa aos acusados. Além disso, nada há de concreto nos autos
que pudesse desmerecer essa prova. Os policiais exercem função pública
relevante e presumidamente cumprem a lei. Não existe razão para
desmerecer seus depoimentos. E, ainda, não tinham motivos para atribuir
crime de tal gravidade a pessoas inocentes, ao menos nada de concreto nesse
sentido foi demonstrado. Em verdade, não restou demonstrado nos autos
qualquer fato que ponha em suspeição os depoimentos prestados pelos
agentes da lei, os quais prestam serviço de extrema relevância à sociedade e
não possuem, a priori, qualquer motivo para incriminar falsamente os
acusados” (TJSP Re. Des. Freitas Filho 5ª Câmara Criminal Apelação nº
0044576-16.2010.8.26.0071 j. 26/06/2014).

Portanto, não há que se falar em insuficiência


probatória, muito menos em desclassificação para porte de drogas para

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consumo pessoal, porque os depoimentos dos milicianos indicam a


traficância, além do que houve apreensão de considerável quantidade de
cannabis sativa L na casa do apelante.

Outrossim, é cediço que a condição de usuário de


droga do apelante não afasta o fato de ser traficante, sendo perfeitamente
cabível que este, além de ser usuário, igualmente pratique a comercialização
de entorpecentes, como na espécie.

De mais a mais, as circunstâncias em que o


acusado foi detido, a considerável quantidade e variedade de drogas que
guardava, a maneira como estavam acondicionados os entorpecentes a
balança de precisão, próprias à distribuição aos usuários, bem como a arma de
fogo apreendida, indicam que as substâncias ilícitas destinavam-se ao
comércio espúrio.

A testemunha de defesa Veruska, esposa do réu,


por sua vez, declarou que havia um policial na sacada da residência
apontando uma arma para o réu, xingando-o e dizendo que iria prendê-lo pelo
fato dele ter dado dinheiro para um investigador para não ser preso. Ressaltou
que, em seguida, ela e o acusado foram colocados em uma viatura e, no meio
do percurso, pararam numa mata, onde outra pessoa foi presa. Esclareceu que
na residência foi encontrada uma espingarda, de propriedade de seu marido e
também maconha, pois seu esposo é usuário (fls. 303 sistema SAJ).

As testemunhas de Defesa Leandro Pimenta da


Silva, Emily Alves de Paula, Felipe Razzieri de Souza, por sua vez, não
conseguiram contradizer a robusta prova produzida pela acusação, sobretudo
porque estas possuem relação próxima com o apelante, não podendo ser
tratados como idôneos seus depoimentos, que mostram apenas tentativa de
corroborar a versão apresentada pelo acusado.

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Demais disso, fica difícil acolher a versão


apresentada pela defesa no sentido de que os milicianos plantaram drogas na
casa do apelante, tendo em vista a grande quantidade que este tinha em
deposito em sua residência.

Igualmente ficou bem demonstrada a prática do


delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, eis que o Laudo
Pericial de folhas 227/230 foi conclusivo no sentido de que a arma apreendida
na posse do réu é eficaz na realização de disparo, assim como o crime de
corrupção ativa, pois os relatos dos policiais foram seguros nesse sentido, não
se verificando nenhuma inverossimilhança.

Desse modo, mantém-se a condenação do apelante


como incurso no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, artigo 12, caput, da Lei
10.826/2003 e artigo 333, caput, do Código Penal, na forma do artigo 69,
também do Código Penal.

O pleito alternativo da Defesa quanto a redução da


pena-base pelo Delito de tráfico de entorpecentes, de igual maneira, não será
acolhido.

Na primeira fase, a pena-base estipulada, com


relação ao delito de tráfico de entorpecente, foi corretamente exasperada pelo
Magistrado, que levou em consideração a grande quantidade de drogas
apreendidas bem salientando: “...As circunstâncias judiciais são favoráveis
ao réu; porém, a grande quantidade de droga apreendida (1.615,61g de
maconha e 42,39g de cocaína) indica que não se pode equiparar o delito de
tráfico aqui tratado com aqueles praticados por pequenos traficantes, esses
sim merecedores da pena mínima prevista. Assim, fixo a pena-base do crime
de tráfico acima do mínimo legal e as dos demais no piso: 07 anos de
reclusão (tráfico), 01 ano de detenção (posse ilegal de arma de fogo) e 02

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anos de reclusão (corrupção ativa)...”.

Verifica-se, assim, que o Julgador, em sua r.


decisão, acertadamente levou em consideração a quantidade e a natureza dos
entorpecentes apreendidos para fixar a pena-base acima do mínimo, em
frações adequadas, não obstante o entendimento diverso da Defesa. .

Tais exasperações são adequadas e devem ser


mantidas, pois o artigo 42 da Lei 11.343/06 determina que a quantidade e
qualidade das drogas apreendidas devem ser consideradas para a fixação das
penas-base, juntamente com as demais circunstâncias judiciais elencadas pelo
artigo 59 do Código Penal.

Nesse sentido, a vultosa quantidade de droga


apreendida (1.615,61g de maconha e 42,39g de cocaína) demonstra a
excepcional dedicação do acusado ao tráfico de droga, a justificar a fixação
das penas-base em patamar superior ao mínimo legal, nos moldes da r.
decisão ora hostilizada.

Demais disso, há de se considerar que foram


apreendidas grande quantidade de cannabis sativa L e cocaína em pó,
substância de elevado poder deletério e geradora de consequências
devastadoras aos seus usuários, com efeitos nefastos à saúde pública.

Quanto ao pedido de reconhecimento da


diminuição prevista no artigo 33, § 4º da Lei nº. 11343/06 pela fração
máxima, a questão será apreciada na análise do recurso ministerial, infra.

Por fim, correta a fixação do regime inicial


fechado, porque a natureza e considerável quantidade da droga apreendida
(maconha, além de cocaína), as circunstâncias da prisão, pois o réu foi preso
em flagrante no interior de sua casa, onde guardava o entorpecente, tinha a

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posse de uma arma de fogo e também praticou o delito de corrupção ativa em


face dos policias, indicando que faz do tráfico o seu meio de vida. É por isso
que merece tratamento penal severo.

Não obstante, o regime não pode decorrer


exclusivamente da quantidade da pena imposta, sendo tarefa do julgador
analisar todas as circunstâncias que permearam a prática delitiva.

Com relação ao delito de tráfico de entorpecentes,


é pacífico nos Tribunais Superiores que a gravidade concreta do crime,
analisada com supedâneo na quantidade e/ou natureza da droga, autoriza a
imposição de regime mais gravoso.

A esse respeito:

“No crime de tráfico de drogas, o fato de as


circunstâncias judiciais serem favoráveis ao réu e de a pena privativa de
liberdade aplicada ser igual ou inferior a 8 (oito) anos não lhe assegura, por
si só, o direito de cumpri-la em regime semiaberto. Dependendo da natureza
e/ou da quantidade da droga com ele apreendida, poderá ser imposto regime
mais gravoso” (STJ Rel. Ministro Newton Trisotto 5ª Turma HC n°
321860/SP DJe 29/06/2015).

“No caso dos autos, a despeito de todas as


circunstâncias judiciais terem sido consideradas favoráveis e de a pena
reclusiva ter sido fixada em 5 anos de reclusão, a quantidade e a espécie das
drogas apreendidas em poder do paciente - 27,71g de cocaína, 29,06g de
crack e 22,43g de maconha (fl. 07) -, levadas em consideração na terceira
etapa da dosimetria da pena, também devem ser utilizadas para o fim de fixar
o regime prisional, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, por reclamar
o delito cometido maior intensidade na retribuição penal” (STJ Rel.

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Ministro Gurgel de Faria 5ª Turma HC nº 319975 DJe 23/06/2015).

Fica mantido, pois, o regime inicial fechado.

O recurso ministerial, por sua vez, merece


acolhimento.

O Ministério Público pretende o afastamento do


redutor previsto no § 4º, do art. 33, da Lei Antidrogas.

Razão lhe assiste.

Com efeito, embora não se vislumbre a


inconstitucionalidade do dispositivo em comento, já que ele possibilita ao
julgador a correta individualização da pena do traficante eventual, ou seja,
aquele que acabou de ingressar ao submundo das drogas e que não se dedica a
atividades criminosas, é certo que, no caso em análise, mostrou-se
clarividente que o réu Ricardo não é “traficante de primeira viagem”
(expressão utilizada por Guilherme de Souza Nucci in Leis Penais e
Processuais Penais Comentadas 5ª Edição 91 pág. 372). Em outras
palavras, a quantidade e natureza das drogas apreendidas (1.615,61g de
maconha e 42,39g de cocaína), bem como as circunstâncias da prisão em
flagrante do agente evidenciam a dedicação deste à atividade criminosa.

É por isso que o increpado, indubitavelmente, não


faz jus ao benefício “sub examine”, pois não é traficante eventual e
nitidamente já é experiente no submundo das drogas.

Aliás, é pacífico no C. STJ que a quantidade e/ou


natureza do entorpecente são critérios válidos para aferir a configuração do
“tráfico privilegiado”.

Confira-se:

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“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO


ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO. CAUSA
ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. DESCABIMENTO.
EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGA. REGIME INICIAL DE
CUMPRIMENTO DE PENA. AFASTAMENTO DA OBRIGATORIEDADE
LEGAL AO REGIME FECHADO. EXAME DOS PRESSUPOSTOS
LEGAIS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REMESSA DOS AUTOS AO
TRIBUNAL A QUO. 1. Se as instâncias ordinárias, soberanas no exame das
provas, decidem acerca do preenchimento ou não dos requisitos legais para o
reconhecimento do tráfico privilegiado com base em critério válido e
condizente com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça -
quantidade ou natureza da droga apreendida -, não cabe a esta Corte, que
não constitui instância revisora, alterar os pressupostos fáticos tomados no
julgamento da causa por meio do reexame de prova, o que é inviável na sede
do recurso especial, nos termos do que preceitua o enunciado nº 7 da Súmula
desta Corte. (...)” (STJ, AgRg no REsp 1423400/SP, 6ª Turma, Min. Maria
Thereza de Assis Moura, jg. 04/09/2014, DJe 16/09/2014).

Nesse mesmo sentido é o posicionamento desta


Egrégia Corte Bandeirante:

“A diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei


nº 11.343/2006 é para casos especialíssimos, tendo como intuito beneficiar os
infratores que agiram ocasionalmente, sendo primários, de forma que não
integram organização criminosa ou se dedicam à atividade. In casu, embora
os réus sejam primários, não demonstraram o exercício de atividade laboral
lícita e estavam na posse de considerável quantidade de entorpecente, não
sendo crível que traficante tenha confiado a desconhecidos o transporte de
droga de alto valor, sem que esta pessoa fosse envolvida com sua atividade

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ou organização. Os réus não faziam jus à concessão do benefício, que fica


afastado” (TJSP Rel. Des. José Damião Pinheiro Machado Cogan 5ª
Câmara Criminal Apelação nº 0021966-74.2011.8.26.0344 j. 11/06/2015).

Pelo exposto, fica afastado o redutor contido no


art. 33, § 4º, da Lei Antidrogas, fixando-se a sanção imposta ao réu, quanto ao
crime de tráfico de entorpecentes, à pena de 07 (sete) anos de reclusão, além
de 700 (setecentos) dias-multa, no piso.

Via de consequência, Rejeito a preliminar


suscitada pela Defesa. No mérito, NEGO PROVIMENTO ao apelo interposto
pela Defesa de MARCELO AUGUSTO PEREIRA SILVA. Em seguida,
DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público, para
afastar o redutor previsto no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, fixando ao
réu a pena, com relação ao crime de tráfico de entorpecentes, de 07 (sete)
anos de reclusão, além de 700 (setecentos) dias-multa, no piso, ficando
mantida, no mais, a r. decisão de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos
fundamentos.

SÉRGIO RIBAS
Relator

Apelação nº 0002617-97.2018.8.26.0196 -Voto nº 36.841 15

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