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Enterros - 5 Tratamento PDF
Enterros - 5 Tratamento PDF
"ENTERROS"
Roteiro de
Andriolli Costa
andriolli_costa@hotmail.com
+55 (67) 9263-3719
“ENTERROS”
FADE IN:
1
fundo. Toca o rosto, como que querendo saber se está
realmente acordado.
ANTÔNIO
Desculpe, acabei caindo no sono...
DANIEL
(Alfinetando)
È... Nem parece que foi você que insistiu pra
gente pegar a estrada no meio da noite, heim?
ANTÔNIO
Eu sinto muito...
DANIEL
Tudo bem...
DANIEL (Cont’d)
Pelo menos agora que você acordou dá pra gente
ouvir uma música, né?
2
próximo. Nada agrada ANTÔNIO, que por fim se decide por um
CD sem nenhuma indicação de artista.
ANTÔNIO
Eu tive o sonho de novo...
DANIEL sorri.
DANIEL
(Com Interesse)
Se você estiver certo, esse vai ser um dos
últimos.
ANTÔNIO
A gente tá chegando Daniel. Eu to sentindo!
DANIEL
Mas e aí? (Vira para a estrada). Você tá legal?
ANTÔNIO não entende, mas também não fala nada. Olha para o
amigo e simplesmente dá de ombros.
DANIEL
É que... (Vira para Antônio) Não faz nem um mês
que esses sonhos andavam te deixando maluco.
CORTA PARA:
3
pelas calças que veste. Parece exausto, mas ainda assim
continua cavando.
CORTA PARA:
CORTA PARA:
4
CORTA PARA:
CORTA PARA:
ANTÔNIO
Isso é passado Daniel. Agora tudo faz sentido.
5
DANIEL
(Irônico)
Todo o sentido do mundo, Antônio. Todo o sentido
do mundo.
ANTÔNIO
Você fuma?
DANIEL
Desde moleque. Não sabia não?
ANTÔNIO
Não tinha idéia. (Silêncio) Pensando agora, eu
não sei quase nada de você. Só que trabalha
comigo.
DANIEL
Bom... Você sabe que sou seu amigo! Pra sair
assim, gastando gasolina no meio da noite atrás
de uma...
ANTÔNIO
(Ríspido)
“De uma” o que?
DANIEL
De uma lenda Antônio. De uma lenda.
ANTÔNIO
(conclusivo)
Se você não acredita, não devia ter vindo.
ANTÔNIO
Obrigado...
6
ANTÔNIO Pousa a bebida em cima da mesa e passa a arrumar os
papéis que havia derrubado no chão. DANIEL permanece
calado, enquanto o amigo continua pegando os papeis,
ajoelhado no chão. Por fim, quebra o silêncio.
DANIEL
Então é isso...
ANTÔNIO
É... Pede desculpa pro pessoal por mim. É que
acho que tô ficando doido. Já faz uma semana!
Uma semana inteira que estou tendo esses sonhos.
Não agüento mais, é tanta morte, tanta dor...
DANIEL
E tanto ouro, pelo visto.
ANTÔNIO
É... Tanto ouro...
DANIEL
Fica tranqüilo. Meu avô era lá de Bela Vista
e... Ele vivia sonhando com esses enterros
também.
ANTÔNIO
Enterros?
DANIEL
Nunca ouviu falar? Ah... É que você não é daqui.
Olha... Lá na fronteira, todo mundo conhece essa
a historia dos enterros paraguaios.
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parece a do escritório. Embaixo dos livros, um mapa de Mato
Grosso do Sul traz a cidade de Bela Vista circulada por um
canetão vermelho. Um caderno de anotações está do outro
lado do teclado.
DANIEL – OS
Dizem que o Paraguai costumava ter tanto ouro
que dava para fazer um anel em volta da Terra. E
na época da Guerra do Paraguai, o General Solano
Lopes começou a ter medo de perder todo aquele
tesouro.
DANIEL – OS
Por decreto, ele mandou confiscar todo o ouro
dos moradores da fronteira com Mato Grosso do
Sul. Esse ouro, ele enterrou em algum lugar
escondido.
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ANTÔNIO e DANIEL estão novamente na sala. DANIEL conta cada
palavra com seriedade. ANTÔNIO acompanha vidrado.
DANIEL
Dizem que a alma dessas pessoas aparece nos
sonhos dos vivos. Avisando do tesouro escondido
debaixo da terra. Só assim elas vão poder seguir
em frente.
Silencio.
DANIEL
Mas tem uma coisa... Só encontra o tesouro.
A cara de ANTÔNIO
DANIEL
Quem tem coração puro.
DANIEL
Cara era só uma história. Uma história que meu
avô me contava...
ANTÔNIO
Não é só uma história Daniel. Nem é qualquer
enterro...
ANTÔNIO
Esse é o maior enterro de todos os tempos! É
mais dinheiro do que você ou eu nunca sonhamos.
DANIEL
Calma cara, tenta pensar um pouco. Como você
pode ter certeza?
ANTÔNIO
Eles me contaram. Eles só falam disso Daniel. Me
contaram tudo! Da guerra, do sangue, do ouro...
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DANIEL tira o cigarro da boca e o joga pela janela.
Suspira.
DANIEL
Eles contaram é? Quem te contou isso Antônio?
ANTÔNIO
Vire a esquerda ali na frente. Tamo quase lá.
CORTA PARA:
ANTÔNIO
E aquele seu avô? Foi atrás de algum enterro?
DANIEL
Só do próprio. Dizia que não tinha coragem.
ANTÔNIO
Morreu faz muito tempo?
DANIEL
Morreu sim. De desgosto.
DANIEL
Eu dava muito trabalho, coisa de jovem sabe? Foi
ele que me criou, e eu tive minha fase rebelde.
ANTÔNIO
Sério?
DANIEL
Então! Você me vê todo engomadinho todo dia que
nem acredita né? Mas eu saia direto com a galera
pra fazer farra. Tinha vez que sumia a semana
inteira. Vivia louco. (Faz um movimento brusco
com o carro). Opa! HAha. Sempre andava com
alguma coisa no bolso.
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ANTÔNIO olha para a frente, afunda no banco do passageiro e
se agarra ao cinto de segurança. Agora é ele quem não
encara o amigo. DANIEL sorri agora se divertindo com as
memórias de infância.
DANIEL – CONT’D
Um dia ele surtou tanto que não agüentou.
Derrame. (Sente o olhar de Antônio e o encara)
Coitado! Aí eu tive que me virar sozinho. Foi só
aí que virei gente. Ainda assim, morro de
vontade de tocar o foda-se e viver na farra
outra vez. Aquilo sim que era vida!
DANIEL
E você Antônio? (Dá um cutucão no amigo).
Aprontava muito?
ANTÔNIO
Não... Nada... Sempre fui pacato. Nunca quis dar
trabalho pra ninguém. A gente tava sempre se
mudando. Nunca dava tempo de fazer nada. Pai
militar sabe?
DANIEL
Sei... É, parece que os sonhos escolheram o cara
certo heim? Se você não tem coração puro,
ninguém mais tem!
ANTÔNIO
É... Ninguém mais.
DANIEL
Ahhhh! Não não.... Não faz isso comigo!
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ANTÔNIO
Não tem problema Daniel... Estamos perto. É por
ali! (Aponta para a mata atrás da árvore).
DANIEL
O que?
ANTÔNIO
Vem, vamo andando.
ANTÔNIO
É aqui...
DANIEL
Achei alguma coisa!
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barro, com uma tampa pesada em cima. DANIEL senta no chão,
limpando o suor com as mangas da camisa. Olha estupefato
para o pote. ANTÔNIO está calado. Respira fundo, também
olhando para a cerâmica.
ANTÔNIO
Eu sabia!
DANIEL
Não dá pra acreditar...
DANIEL
Esse é um os potes... Será que... Será que tem
ouro aqui mesmo?
ANTÔNIO
Não! Espera!
DANIEL
Espera? Espera o que cara!
ANTÔNIO
Espera!
ANTÔNIO se levanta, usando a pá como apoio. DANIEL recua
ainda se arrastando e também se põe de pé cautelosamente.
Não está entendendo nada.
ANTÔNIO
Você não pode... Vai estragar tudo!
DANIEL
Antônio, que é isso cara?
ANTÔNIO
Eu nunca quis nada da minha vida Daniel. Nunca
quis ter dinheiro, nunca quis ter fama, mulher
bonita, carro do ano.
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irredutível. Como se fosse uma lança, ele aponta a
ferramenta para DANIEL, e o guia para longe do pote.
ANTÔNIO
Mas tudo valeu a pena. A minha vida inteira
valeu a pena por esse momento. Eu fui escolhido.
Eu posso ter tudo agora! Quinze carroções em
ouro! E sabe por quê?
DANIEL
Antônio...
ANTÔNIO
Porque eu tenho coração puro Daniel! Eu! E
você... Você é sujo.
DANIEL
(rindo nervoso)
O que? Que absurdo é esse!
ANTÔNIO
Você é sujo Daniel. Você está aqui por
interesse! Só a sua presença aqui põe tudo em
risco. Não... Eu não vou perder tudo por sua
causa. Vai embora. Vai embora daqui! Agora...
DANIEL
Você tá maluco! Eu vim até aqui com você...
ANTÔNIO
(Gritando)
Agora!
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grito dos fantasmas. Segurando a tampa com as duas mãos,
ele a levanta e atira para o lado. Encara o interior do
pote. Seu sorriso desesperado de repente se transforma em
horror. Seu rosto é todo um grito silencioso de descrença.
Dentro do pote, nada. Só a escuridão. De dentro dela,
besouros passam correndo para fora do pote. Sobem os
créditos. Os besouros correm, se espalhando pela tela.
THE END
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