Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
2019
ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS
Rio de Janeiro
2019
Cap Inf GABRIEL CARLOS FAGUNDES
__________________________________________
JÚLIO CÉSAR DE SALES– Cel
Doutor em Ciências Militares
Presidente/ EsAO
__________________________________________
ANDRÉ CEZAR SIQUEIRA – Cel
Doutor em Ciências Militares
1º Membro / EsAO
__________________________________________
SÉRGIO LUIZ A. DE ANDRADE DE ALMEIDA – TC
Doutor em Ciências Militares
2º Membro (orientador) / EsAO
DEDICATÓRIA
A Deus, por me dar vida, saúde, paz de espírito e serenidade para enfrentar os
desafios que se apresentam diuturnamente.
À minha esposa Vanessa e à nossa filha Mariane, pela motivação, paciência e
compreensão diante das longas horas dedicadas à pesquisa e aos estudos.
Aos meus pais e irmão por sempre acreditarem em meu potencial e por sempre
estarem presentes, seja nos bons ou maus momentos.
Ao meu orientador, Tenente-Coronel Andrade, pelas orientações precisas, pelo
incentivo e pelo apoio irrestrito prestado durante todo o processo de realização da
pesquisa.
A todo o efetivo do Arquivo Histórico do Exército, em especial ao Capitão Mauro,
pelos incentivos e por propiciar o acesso e contato com fontes primárias
importantíssimas para a conclusão da pesquisa.
A todos os inúmeros companheiros de labuta e caserna que auxiliaram o
corrente trabalho com fontes, contatos, sugestões e ideias que vieram a somar
sobremaneira para a consecução dos objetivos propostos pela presente Dissertação de
Mestrado.
A História é êmulo do tempo, repositório de
fatos, testemunha do passado, exemplo e aviso
do presente, advertência do porvir.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15
1.1 PROBLEMA ........................................................................................................ 18
1.2 OBJETIVO......................................................................................................... ..19
1.3 QUESTÕES DE ESTUDO................................................................................... 20
1.4 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 20
2 METODOLOGIA .................................................................................................... 25
2.1 OBJETO FORMAL DE ESTUDO ........................................................................ 25
2.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA ....................................................................... 26
2.2.1 Procedimentos para revisão da literatura ......................................................... 26
2.2.2 Instrumentos..................................................................................................... 27
2.2.3 Procedimentos metodológicos ......................................................................... 28
2.2.4 Análise dos dados ............................................................................................ 28
3 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 30
3.1 ANTECEDENTES E CAUSAS DA GUERRA ...................................................... 32
3.2 DOUTRINA DO EXÉRCITO ANTES E DURANTE A GUERRA...........................38
3.3 A INICIATIVA PARAGUAIA – INVASÃO DE MT E CORRIENTES......................44
3.4 A ASSINATURA DO TRATADO DA TRÍPLICE ALIANÇA .............................. ....45
3.5 BATALHA NAVAL DO RIACHUELO E INVASÃO DO RS....................................47
3.6 O AVANÇO ALIADO NO SUL E O RECUO PARAGUAIO .................................. 50
3.7 OS ANOS DE 1866 E 1867 E SUAS GUERRAS DE POSIÇÕES ...................... 50
3.7.1 A invasão do Paraguai ..................................................................................... 52
3.7.2 Tuiuti................................................................................................................. 54
3.7.3 Curupaiti ........................................................................................................... 56
3.7.4 Caxias entra em cena....................................................................................... 57
3.7.5 Humaitá ............................................................................................................ 59
3.8 DEZEMBRADA ................................................................................................... 64
3.8.1 A manobra do Piquissiri.....................................................................................64
3.8.2 A decisão de Caxias..........................................................................................68
3.8.3 A marcha pelo Chaco........................................................................................75
3.8.4 A batalha de Itororó...........................................................................................76
3.8.5 A batalha do Avaí...............................................................................................82
3.8.6 As batalhas de Lomas Valentinas......................................................................87
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES.. ........................................................................ 97
4.1 PRINCÍPIOS DE GUERRA NA MANOBRA DO PIQUISSIRI...............................97
4.2 A BATALHA DE ITORORÓ E SEUS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS..................102
4.3 A BATALHA DO AVAÍ E SEUS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS..........................104
4.4 AS BATALHAS DE LOMAS VALENTINAS E SEUS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS.
...................................................................................................................................106
5 CONCLUSÃO......................................................................................................... 111
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 115
15
1 INTRODUÇÃO
A Guerra da Tríplice Aliança contra Solano López (1827-1870) foi o maior conflito
bélico da América do Sul (envolvendo, de um lado, Brasil, Argentina e Uruguai, e, do
outro, o Paraguai) e ocorreu entre 12 de novembro de 1864, com o aprisionamento do
vapor Marquês de Olinda, e 20 de junho de 1870, quando Brasil e Paraguai assinaram
um acordo preliminar de Paz (DONATO, 2001). Como qualquer conflito, apresenta
causas remotas e imediatas, e os personagens principais são fatores determinantes na
eclosão e na condução da guerra (FARIA, 2015).
Na primeira metade da década de 1860, o governo paraguaio buscou ter
participação ativa nos acontecimentos platinos, apoiando o governo uruguaio
hostilizado pela Argentina e pelo Império Brasileiro. Desse modo, o Paraguai entrou em
uma situação de antagonismo com seus dois maiores vizinhos e Solano López acabou
por ordenar a invasão de Mato Grosso e Corrientes, iniciando uma guerra que se
estenderia por cinco anos (MOTA, 1995). Segundo Doratioto (2002, p.23), a guerra foi,
na verdade, “resultado do processo de construção dos Estados Nacionais no Rio da
Prata e, ao mesmo tempo, marco nas suas consolidações”.
Na madrugada de 11 de novembro de 1864, chegou à Assunção o navio
brasileiro Marquês de Olinda. A embarcação levava a bordo, o novo presidente da
província do Mato Grosso, o coronel Francisco Carneiro de Campos (1800- 1867).
Horas após partir de Assunção, o Marquês de Olinda foi alcançado pela canhoneira
paraguaia Tacuarí e obrigado a retornar ao porto da capital. López entendia que o
Brasil havia declarado guerra ao Paraguai, ao invadir, meses antes, o Uruguai, seu
aliado (SALLES, 1990).
16
1.1 PROBLEMA
1.2 OBJETIVO
1.4 JUSTIFICATIVA
No Manual de História Militar Geral, usado pela Academia Militar das Agulhas
Negras na formação dos futuros chefes e líderes militares, o historiador militar brasileiro
Cláudio Moreira Bento produz uma definição sensata, atual e profissional a respeito do
conceito de História Militar:
21
Estamos em pleno século XXI. Estão decorrendo 150 anos daquela tempestade;
as questões que levaram à tragédia estão superadas; os fatos são rememorados
e servem de ensinamento. Mas, e agora? Grandes indagações nos inquietam no
presente, quanto ao futuro do nosso País, frutos de novos óbices. As lições do
passado somente terão serventia se forem absorvidas e aplicadas nos
procedimentos atuais, para evitar a repetição de problemas e canalizar esforços
benéficos. Fazemos isso? Temos cultura de planejamento estratégico? O Brasil
está preparado? Fazemos (nós, estudiosos) a nossa parte? Os desafios ao
23
2 METODOLOGIA
a) Fontes de busca
2.2.2 Instrumentos
Com o intuito de atingir o objetivo da pesquisa, foi iniciada uma ampla busca de
literatura acerca do assunto. As fontes de obtenção de dados foram apresentadas no
subitem “2.2.1 Procedimentos para revisão da literatura”.
Segundo Gil (2010), a revisão bibliográfica deve ser organizada e metódica. A
presente Dissertação de Mestrado seguiu o seguinte protocolo:
a) levantamento bibliográfico preliminar;
b) elaboração do plano provisório de assunto;
c) busca das fontes;
d) leitura do material;
e) fichamento;
f) organização lógica do assunto
a) Critérios de inclusão
- Estudos publicados em português, espanhol, inglês ou francês;
- Estudos publicados de 1860 a 2019;
- Estudos qualitativos que descrevam as operações e doutrinas empregadas
durante a Guerra da Tríplice Aliança;
b) Critérios de exclusão
- Estudos que abordem o tema com viés ideológico ou com emprego de
personagens fictícios na Guerra da Tríplice Aliança, não se comprometendo com
o rigor dos fatos históricos ocorridos.
maneira, primeiramente o documento foi identificado no que tange à sua natureza, aos
aspectos referentes ao seu autor, à data de publicação e ao local ou região onde foi
produzido.
Em um segundo momento, foi realizada a análise do conteúdo através da
identificação do tema tratado, distinguindo a informação principal das acessórias, e da
identificação do contexto histórico. Também foi feita a Interpretação do documento,
esclarecendo expressões ou frases cujo sentido suscitasse dúvidas.
A terceira etapa foi a avaliação da importância histórica da fonte, que ocorreu por
meio da identificação do interesse histórico do documento para o estudo do assunto em
questão, ou seja, a finalidade da sua produção, a relação do autor com o assunto em
pauta e a ocorrência de erros ou omissões.
Para a análise dos dados, foram utilizadas comparações entre os autores, bem
como a análise subjetiva da bibliografia e documentos primários obtidos. A dissertação
de mestrado foi produzida a partir do estudo comparativo da bibliografia estudada, e os
dados coletados foram confrontados, propiciando a consecução do objetivo proposto.
A apresentação dos resultados foi mediante texto descritivo e teve como objetivo
principal analisar os combates travados por ocasião da “Dezembrada” e suas
influências para a doutrina do Exército Brasileiro, a fim de verificar se tais combates
tiveram papel decisivo para o êxito aliado na Guerra da Tríplice Aliança.
30
3 REVISÃO DE LITERATURA
“a partir dos fins dos anos 60, intelectuais nacionalistas e de esquerda do Rio da
Prata, revisando os fatos concretos e a História da guerra, promoveram Solano
López a líder anti-imperialista. Esse revisionismo apresenta o Paraguai pré-guerra
como um país progressista, onde o Estado teria proporcionado a modernização do
país e o bem-estar de sua população, fugindo à inserção na economia capitalista e
à subordinação à Inglaterra. Por tal explicação, Brasil e Argentina teriam sido
manipulados por interesses britânicos para aniquilar o desenvolvimento autônomo
paraguaio” (2002, p.19).
32
____________________________
1 Agente diplomático investido de plenos poderes, em relação a uma missão especial.
35
.
FIGURA 4 - Carlos Solano López, presidente paraguaio de 1844 a 1862
Fonte: Portal Guarani.com Acesso em: 12 de novembro de 2018
Para os Estados platinos, o ano de 1862 foi um marco, quer para as respectivas
políticas internas, quer para as relações entre eles. No Paraguai, Francisco
Solano López ascendeu ao poder; na Argentina, houve a reunificação nacional
sob a liderança de Buenos Aires e, no Brasil, o Partido Liberal substituiu o
Conservador no governo. Nesse ano, também teve fim a moratória para a
definição dos limites, estabelecida pelo Paraguai com o Império e a
Confederação Argentina na década anterior. As relações do novo governo
paraguaio deterioraram a partir de 1864 de forma acelerada, tanto com o Império
como com a República Argentina, levando o Paraguai à guerra contra esses dois
países que, juntamente com o Uruguai, constituíram a Tríplice Aliança para
enfrentar Solano López (2002, p. 39-40).
36
____________________________
2 Conjunto de regulamentos que versavam desde temas regulamentares, administrativos e disciplinares,
até temáticas doutrinárias e táticas, implementados pelo Conde de Lippe na intenção de reestruturar e
reorganizar o Exército Português no século XVIII.
40
Com a criação, em 1810, da Academia Real Militar, deu-se um largo passo para
a estruturação das forças militares no Brasil. Esta Academia, entretanto, objetivava
mais construir o Brasil do que defendê-lo, tanto que sua elite era de engenheiros,
enquanto que a infantaria e a cavalaria eram subprodutos. Em 1855, com experiência
mais baseada nas lutas internas ocorridas em várias regiões do país, o Exército
Brasileiro, por determinação de Caxias (1803-1880), então Ministro da Guerra, procurou
renovar a tática vigente e enquadrá-la às exigências necessárias. Eram lançadas as
bases para uma nova escola da doutrina brasileira, ainda com influência portuguesa,
inglesa e francesa (MOURA, 1996).
Conforme Oliveira (2017), ocorreu também a unificação das forças milicianas e o
fim do antigo sistema de ordenanças, oriundo da organização sebástica de 1570 3, que
foi o alicerce da estrutura militar do Reino e do Brasil por mais de dois séculos. Além
desses fatos, houve uma série de medidas com o objetivo de reorganizar as forças
militares. Segundo Barroso:
_________________________
4 General inglês que, durante a invasão de Portugal por Napoleão, comandou o Exército Português
contra as tropas francesas de Junot.
43
“o ataque paraguaio a Mato Grosso causou indignação no Brasil, visto como ato
traiçoeiro e injustificável, pois eram normais as relações entre os dois países,
bem como pelo fato de o Marquês de Olinda ter sido aprisionado sem declaração
de guerra. Por todo o país houve, de início, entusiasmo popular e voluntários se
apresentaram para o campo de batalha. O mesmo ardor não foi demonstrado
pela Guarda Nacional, milícia controlada pelas elites regionais” (2002, p.111).
Consoante Pernidji (2010), o domínio da calha do rio Paraná, com a vitória naval
brasileira no Riachuelo, inviabilizou a continuidade da invasão paraguaia, ao dar aos
aliados o controle da navegação do rio Paraná, caminho estratégico para o envio de
tropas e suprimentos aos invasores de Corrientes. A batalha do Riachuelo foi decisiva
em relação à destruição da força fluvial paraguaia, mas não em relação às fortalezas
inimigas sobre o rio Paraguai, que impediram o domínio dessa via fluvial pela esquadra
48
brasileira, situação que perdurou até 1868, ano em que ocorreu a Dezembrada (objeto
de estudo da presente Dissertação de Mestrado). A vitória brasileira permitiu, porém,
consolidar o bloqueio do contato marítimo do Paraguai com outros países, o que
inviabilizou a obtenção de armamentos e mercadorias pelo Prata, e, ainda pôs fim ao
avanço da coluna paraguaia invasora em Corrientes (DONATO, 2001).
Consoante Doratioto (2002), na Batalha do Riachuelo esteve presente a conduta
padrão do governo paraguaio de então. Neste contexto, ponderação, moderação, senso
de equilíbrio, o respeito ao inimigo e a economia de vidas não eram características
valorizadas pelos oficiais e pelo comandante paraguaio, mas sim sua ousadia, suas
bravatas, seu desprezo pelo inimigo, sua valentia em atacar forças muito superiores e,
ainda, desconsiderar um resultado adverso.
De acordo com Lima (2016), existem indícios de que Solano López já planejava
invadir o Rio Grande do Sul antes da intervenção brasileira no Uruguai, fato este
comprovado pela grande mobilização em Encarnación. O plano de López era de que o
Exército de Estigarribia5, dividido em duas colunas, marchasse para o sul, utilizando-se
de ambas as margens do rio Uruguai. Pela margem esquerda, brasileira, desceria a
maior parte do efetivo, enquanto pelo oeste argentino, iria uma pequena força, do Major
Pedro Duarte. Uma coluna estaria sempre à vista da outra, de modo a se auxiliarem
quando necessário. Com a coluna invasora descendo pelas margens do rio Uruguai,
esperava-se que o governo argentino desviasse sua ação militar para esse lado,
favorecendo as operações das forças do General Robles. As tropas de Robles e
Estigarribia se uniriam ao sul, no rio Uruguai, para, então, marcharem para enfrentar o
Exército Imperial (Brasileiro) no Estado Oriental (Uruguai). O pré-requisito para a
unificação dos exércitos invasores paraguaios era a apreensão, ou destruição, da
esquadra brasileira, garantindo o controle paraguaio da navegação dos rios Paraguai e
Paraná (FARIA, 2015).
_________________________
5 Fração militar a comando do General Estigarribia que deveria invadir o sul do Brasil.
49
“Soldados- o território desta província acha-se livre graças à simples atitude das
forças brasileiras e aliados. Os invasores renderam-se; mas não está terminada a
nossa tarefa; a honra e dignidade nacional não foram de todo vingadas; parte da
província de Mato Grosso e do território da Confederação Argentina jazem ainda
em poder do nosso esforço. Avante, pois, que a Divina Providência e a justiça da
causa, que defendemos, coroarão nossos esforços. Viva a nação brasileira”
(2002, p.439).
Foi na referida ocasião que o Marquês de Herval fez uma das declarações que
entraram para a história militar brasileira:
3.7.2 Tuiuti
na medida em que o General Osório, assumindo o comando geral das forças, interveio
diretamente na luta.
ascenderam a mais seis mil homens. Nos Aliados, as perdas estimadas ultrapassaram
os quatro mil homens (FARIA, 2015).
3.7.3 Curupaiti
descoordenação entre a esquadra e o Exército também viria a ter um peso grande para
o desfecho trágico para as tropas aliadas (DONATO, 2001).
Faria (2015) atesta que a derrota também produziu péssimo efeito no Brasil e,
em círculos políticos no Rio de Janeiro, chegou-se a levantar a ideia de estabelecer a
paz com Solano López. A iniciativa não prosperou devido à oposição de D. Pedro II,
que, segundo os representantes britânico e português no Rio de Janeiro, se mostrou
disposto a abdicar do trono, se os deputados não atendessem a seu desejo de
continuar a guerra. O Imperador estava disposto a levar a guerra até a última
consequência. A partir de fins de 1866, coube, sobretudo, ao Brasil continuar a luta do
lado aliado, com participação menor de efetivos argentinos e simbólica presença de
tropas uruguaias (SCHWARCZ, 1998).
A percepção supracitada é respaldada, entre outras, pela observação de Lima
(2016):
Além dos desfalques provocados pelo alto número de feridos, uma epidemia de
cólera começava a assolar todas as frentes de batalha. Como os soldados se
movimentavam quase todo o tempo em terrenos alagados e os próprios
acampamentos eram insalubres, a disseminação da doença era rápida e muitas
vezes letal (LIMA, 2016, p. 251).
3.7.5 Humaitá
Conforme Faria (2015), o Exército sob Caxias oferecia uma boa impressão da
tropa, para qualquer pessoa, autoridade ou não, que visitasse o teatro de operações. O
acampamento brasileiro era extremamente limpo, devido às rigorosas ordens de Caxias
nesse sentido. Ao contar com o reforço do 3º Corpo de Exército de Osório e com o fim
da epidemia de cólera, Caxias iniciou, em 22 de julho de 1867, pela madrugada, o
movimento de flanco, contornando Humaitá. Ao contrário do que Caxias planejara, a
marcha aliada não levou à retaguarda do inimigo, e descobriu-se que os paraguaios, na
extrema esquerda das trincheiras de Rojas e Humaitá, estavam defendidos por uma
linha contínua de fortificações. Estas formavam um grande entrincheirado, que
contornava os pontos de Curupaiti e Humaitá. No dia 29 de julho, a vanguarda aliada
ocupou a pequena povoação de Tuiú-Cuê, abandonada pelos paraguaios, à vista de
Humaitá (DORATIOTO, 2002).
Lima (2016) relata que em Tuiú-Cuê, Mitre mandou proceder reconhecimentos e
confirmou que a extensa trincheira inimiga que partia de Tuiuti se unia com a de
Humaitá. Deu conta que as tropas aliadas tinham realizado um cerco, ao tentarem
achar uma brecha nas posições inimigas que permitisse um ataque à retaguarda dessa
fortaleza. Ao perceber a importância desse fato, Mitre ordenou que a cavalaria aliada
agisse à direita de Tuiú-Cuê, em direção à margem do rio Paraguai. Em 3 de agosto, 3
mil cavalarianos, sob o comando do General uruguaio Enrique Castro, bateram o
inimigo em San Solano, causaram pouco mais de 150 mortos e capturaram 600
60
cabeças de gado bovino, 360 cavalos, além de duas carretas de munição e 400 armas,
conforme narrado nos Diários do Exército em operações, do Marquês de Caxias:
Pouco depois, principiou-se a ouvir tiroteiro, seguido do lado por quê se havia
dirigido a força sob comando do general Castro. S. Exc. (Caxias), mandando
imediatamente comunicar essa ocorrência ao general Mitre, foi até a extrema
esquerda de nossas avançadas, e dali observou por algum tempo as posições do
inimigo[...] Às duas horas, veio ter com S. Exc., um oficial que fez parte da
referida força expedicionária, declarando que as do inimigo haviam sido
inteiramente destroçadas, com perda de cento e tantos mortos, e 30
prisioneiros[...] Que a nossa força havia também aprisionado deles o seguinte:
duas carretas, 600 rezes, algum gado manso, éguas, rebanhos de carneiros, uma
grande quantidade de armamento e munições, que foram inutilizados pelos
nossos soldados, e bem assim que haviam cortado o fio telegráfico, de que o
mesmo oficial trazia uma porção (CAXIAS, 1877, p.6).
passaram para o Chaco e seguiram para San Fernando. Ficaram na fortaleza cerca de
3 mil homens, que dispunham de duzentas peças de artilharia de diferentes calibres e
de grandes depósitos de alimentos. Do lado aliado, o General Argolo que, desde 23 de
janeiro, assumira o comando do 2º Corpo, posicionou suas tropas entre Curupaiti e
Hermosa; a tropa argentina, comandada pelo General Gelly y Obes, encarregou-se de
Paso Pucú, e Osório deslocou-se com o 3º Corpo até Pare-Cuê (TASSO FRAGOSO,
2012).
Onze dias e dez noites, sem descanso , sem intervalo, durou tão medonha luta
em que os homens unidos , corpo a corpo, braço a braço, pendiam das bordas
dos escaleres, para irem terminá-la no fundo lodoso da lagoa, onde achavam a
morte dos heróis, a fim de elevarem bem alto a glória de suas pátrias. Renderam-
se finalmente à fome. O quadro era horrível. Mil trezentos e vinte e sete homens
depuseram as armas por não terem mais forças para as manejar, nem mais
couros secos para nutrirem. O orgulho de nossos soldados foi legítimo.
(AZEVEDO PIMENTEL, 1978, p.73).
A queda de Humaitá abriu uma nova fase na guerra. Solano López, mesmo mal
informado e subestimando o inimigo, não poderia ter outra percepção senão a da
impossibilidade de conseguir uma paz honrosa. Ainda assim, persistiu em sua
resistência e, com isso, vitimou não só os aliados, mas os próprios paraguaios.
Para os aliados, por sua vez, ocupar Humaitá não significava o fim da guerra.
Pragmático, Caxias acreditava ser o momento de fazer a paz, para poupar vidas
aliadas e recursos financeiros do Brasil. D.Pedro II, porém, persistiu na posição
de que só a derrota de Solano López, com sua prisão e expulsão do Paraguai,
garantiria, verdadeiramente, a paz futura. Por isso, a guerra continuou, em nova
fase, ultrapassando os quase dois anos dedicados à Humaitá (2002, p.332).
3.8 DEZEMBRADA
Realizada uma revisão a respeito dos antecedentes da guerra, bem como uma
visão geral dos acontecimentos do conflito, dentro de sua linha cronológica, chega-se
na parte central e nevrálgica do trabalho, onde são analisados com profundidade ,
através de todas as ferramentas e procedimentos metodológicos descritos no capítulo 2
da presente dissertação de mestrado, os combates travados em dezembro de 1868,
durante a Guerra da Tríplice Aliança.
Foi obtido contato e apoio no AHEx- Arquivo Histórico do Exército, onde foi
facilitado o acesso a esboços, mapas e croquis originais da manobra do Piquissiri, nos
quais pode-se observar em detalhes as peculiaridades do sistema defensivo do
Piquissiri, Angostura e Lomas Valentinas
Caxias convenceu-se de que tinha diante de si uma forte posição defensiva, difícil
de ser tomada em ataque frontal, pois dispunha de cerca de nove quilômetros de
trincheiras, protegidas atrás de águas provenientes da lagoa Ypoá, não havendo
caminho por onde os aliados pudessem marchar. Colocavam-se três opções:
sustentar as posições, como se fizera em Humaitá, e arrastar a guerra sem
previsão de término; contornar Angostura pela direita, onde, porém, havia uma
barreira insuperável de um terreno inundado ou, por último, utilizar o lado
esquerdo, o território do Chaco, para o qual navios da Marinha transportariam os
soldados brasileiros, que marchariam acima de Angostura, pela margem oposta
do rio Paraguai, e seriam transportados de volta, por essas belonaves, para um
ponto atrás dessa posição. Para surpreender o inimigo pela retaguarda, o
comandante brasileiro optou pela medida ousada, mas que tivera precedente do
próprio Solano López. De utilizar o Chaco. Ordenou a construção de uma estrada
pelo terreno chaquenho, encharcado, pela qual o grosso do Exército Brasileiro
pudesse passar. Após um árduo trabalho de 23 dias, realizado por 3554 homens,
o caminho de onze quilômetros ficou pronto. A essa altura, os aliados eram 31 mil
soldados- 25 mil brasileiros, 5 mil argentinos e mil uruguaios- contra não mais do
que 18 mil paraguaios. (DORATIOTO, 2002, p. 354-355).
68
FIGURA 18- Detalhes das trincheiras e sistemas de represas que compunham Piquissiri
Fonte: AHEx
De acordo com Lima (2016), para realizar seu plano de contornar a posição por
oeste, era necessária a construção de uma estrada pelo Chaco: seria um risco
calculado, pois existiam poucas estradas aproveitáveis na região e havia, ainda, o
perigo das cheias do rio Paraguai. Caxias pretendia atingir a região de Santo Antônio,
ao norte, mantendo o máximo sigilo sobre os locais do desembarque e da transposição,
para atuar na retaguarda da posição do Piquissiri, com a finalidade de conquistar
Angustura e Ita-Ivaté e destruir as forças paraguaias na região.
Em uma das fontes primárias utilizadas na presente dissertação, intitulada
Resumo Histórico das Operações Militares dirigidas pelo marechal-de-exército Marquez
de Caxias na Campanha do Paraguay (1872), encontram-se numerosas informações,
entre as quais destaca-se a presente, a qual justifica a tomada de Decisão de Caxias
para em empregar a manobra de envolvimento pelo Chaco:
Ninguém por certo dirá que o Exército Aliado perseguia em Piquiciri uma visão,
um fantasma, uma sombra, porque seria absurdo dizer que a força de 13 mil
homens com 50 bocas de fogo que o inimigo tinha naquela posição, e que podia
ser facilmente levada ao número de 16 ou 18 mil, se concentrasse em seu campo
os destacamentos que se encontravam dispersos no interior do País, não era
uma força respeitável. Para acometer um exército em tais condições, era preciso
manobrar como manobrou o general em chefe, isto é, com toda a prudência e
69
Dionísio Cerqueira (1847-1910) possui uma das obras mais profundas a respeito
da GTA. Ainda como cadete, ingressou na campanha e pôde acompanhá-la em toda
sua extensão, de 1865 a 1870. Fruto de sua vivência particular, escreveu suas
“Reminiscências da Campanha do Paraguai”, onde oferece ao leitor uma narrativa em
1ª pessoa, rica em detalhes e informações. Em sua obra são encontradas citações
sobre a construção da Estrada do Chaco, como em:
Para construir uma estrada pelo Chaco, Caxias escolheu o 2º Corpo de Exército,
comandado pelo general Argolo. Depois de cerca de um mês de trabalho, em 15 de
novembro de 1868, estava pronta uma estrada, construída com troncos de palmeiras e
com 10.714 metros de extensão, um dos feitos mais notáveis da Engenharia Militar
Brasileira (TASSO FRAGOSO, 2012).
Tasso Fragoso oferece em sua série de 4 volumes intitulada “História da Guerra
entre a Tríplice Aliança e o Paraguai” um robusto conteúdo, o qual forneceu farto
material para a presente pesquisa:
O tempo passava na sua marcha fatal; as águas do rio subiam e subiam sempre
com crescente ameaça; e a estrada memorável do Chaco avançava a cada hora,
demonstrando a tenacidade do general e a resistência do nosso soldado, que
não tem quem o exceda no valor, na abnegação e no estoicismo. [...]
Aproximava-se a hora de passagem do exército para a outra margem, onde o
Ditador nos esperava com as suas hostes aguerridas e fiéis e a espada do
Marquês ia escrever a epopeia da “Dezembrada” resplendente de luz e rubra de
sangue. Disseram que Lopez afirmava que o Exército brasileiro teria a mesma
sorte do exército do Faraó afogado pelo mar Vermelho, quando perseguia os
Hebreus de Moisés. É que a manobra, além de arriscada, parecia, a Lopez,
inexequível, por ser tentada naquele terreno falso e traiçoeiro e na época das
cheias do rio Paraguai, que submergeriam todos aqueles lezírias. O Marquês
seguiu o conselho de Machiavel: “É preciso ousar empreender aquilo que o
adversário julga impossível”. Mais uma vez a audácia foi coroada pela fortuna
(CERQUEIRA, 1980, p. 269).
71
Segundo Faria (2015), Caxias dividiu seu Exército em: um grupamento principal,
composto pelos 1°, 2º e 3º Corpos de Exército, mais elementos de Cavalaria, Artilharia
e Pontoneiros, que seguiriam pelo Chaco, e um grupamento secundário, composto de
uma brigada brasileira, um Contingente Argentino (4.400 homens) e um Contingente
Uruguaio (300 homens) que ficaria em Palmas, ao sul de Piquissiri, frente à posição
defensiva paraguaia . Consoante Tasso Fragoso (2012), no dia 3 de dezembro, Caxias
fez algumas alterações na composição do seu Exército, que ficou com a seguinte
ordem de batalha:
72
4º Btl de Linha
1ª Bda (Cel
Miranda 12º Btl de Linha
Reis)
16º Btl de Linha
8º Btl de Linha
1ª 8ª Bda (Cel
Hermes da 10º Btl de Linha
Divisão
(Gen Fonseca) 32º Corpo de
Gurjão) Voluntários
38º Corpo de
13ª Bda (Cel Voluntários
Barros de
24º Corpo de Voluntários
Vasconcelos)
28º Corpo de Voluntários
2º Btl de Linha
2ª Brigada
(Cel
26º Corpo de Voluntários
Rodrigues
Seixas)
2ª Divisão 40º Corpo de Voluntários
(Gen
Salustiano 1º Btl de Linha
dos Reis)
5ª Brigada (Cel 13º Btl de Linha
Fernando
Machado) 34º Corpo de
Voluntários
48º Corpo de
Voluntários
3º Btl de Linha
reconhecimento que lhe linha sido confiado. Consta que elle dissera nessa
ocasião a Argolo (pelo menos assim correu), que se o inimigo se fortificasse no
terreno que acabava de reconhecer, o Exército não se apossaria delle senão com
muitos sacrifícios, e muito derramamento de sangue (CAXIAS, 1872, p. 86).
Tal descrição da batalha é corroborada por Tasso Fragoso (2010), que atesta
que os brasileiros, na sua marcha, ao alcançarem o alto da colina ao norte da ponte
foram recebidos por uma barragem de fogo da artilharia inimiga. A 5ª Brigada,
80
Nesse ínterim, conforme Azevedo Pimentel (1978), Argolo foi ferido gravemente
e as tropas brasileiras sofreram violentos contra-ataques, sendo obrigadas a
retrocederem para a margem norte. Donato (2001) complementa atestando que, como
não recebesse sinais de que Osório havia atingido o flanco esquerdo do inimigo, Caxias
não hesitou em lançar o 1º Corpo de Exército na ação. Este, também, sofreu um terrível
e maciço contra-ataque inimigo. Caxias vislumbrou a repercussão negativa desse último
lance para o resultado final da jornada e, buscando infundir coragem à tropa, decidiu
conduzi-la diretamente. Conforme Grala (1986), desembainhou, então, sua espada e
bradou: "SIGAM-ME OS QUE FOREM BRASILEIROS!" e, atravessando a ponte de
espada à mão, arrebatou os subordinados. O inimigo foi levado de roldão, tendo
recuando na direção de Vileta. O presente momento é descrito em detalhes por
Dionísio Cerqueira (1980), testemunha ocular dos fatos:
81
Passou pela nossa frente animado, ereto no cavalo, o boné de capa branca com
tapanuca, de pala levantada e preso ao queixo, pela jugular, a espada curva
desembainhada, empunhada com vigor, e presa pelo fiador de ouro, o velho
general-chefe, que parecia ter recuperado a energia e o fogo dos vinte anos.
Estava realmente belo. Perfilamo-nos como uma centelha elétrica tivesse
passado por todos nós. Apertávamos o punho das espadas, e ouvia-se num
murmúrio de bravos ao grande marechal. O batalhão mexia-se agitado e atraído
pela nobre figura que a baixou a espada em ligeira saudação aos seus soldados.
O comandante deu a voz de firme. Dali a pouco, o maior dos nossos generais
arrojava-se impávido sobre a ponte, acompanhado dos batalhões galvanizados
pela irradiação da sua glória. Houve quem visse moribundos, quando ele passou,
erguerem-se brandindo espadas ou carabinas para caírem mortos adiante. A
carga foi irresistível e o inimigo completamente feito em pedaços. As bandas
tocaram o hino nacional, cujas notas sugestivas se mesclaram com a alvorada
alegre, repetida pelos corneteiros que ainda viviam (1980, p. 272 e 273).
De acordo com Costa (1974), meia hora após a conquista da ponte, Osório
chegou com seu Corpo de Exército, após haver percorrido três léguas para contornar o
inimigo e não apenas uma e meia, como havia sido informado. Terminado o combate, a
perseguição, no entanto, só se fez sentir num pequeno raio de ação, por estarem as
tropas fatigadas e a maioria, composta pela cavalaria, ainda estar na margem direita do
Paraguai à espera do embarque (CAXIAS, 1872). Derrotado em Itororó, Caballero e
suas forças remanescentes se retiraram para Villeta, situada a aproximadamente 6
quilômetros de distância (DORATIOTO, 2002).
Ao relatar as decisões de Caxias em Itororó, as quais poderiam ter mudado o
rumo da Guerra, como por exemplo a exposição e risco de vida que o Duque sofreu ao
liderar a famosa carga sobre a ponte, Dionísio Cerqueira (1980) defende Caxias com
uma frase que viria a marcar a historiografia sobre a GTA:
A crítica, porém, aos grandes mestres é sempre fácil. A arte da guerra é aquela
em que mais erros se comete. Os maiores capitães cochilaram, como o divino
Homero. A guerra, na frase de um ilustre oficial francês, é uma série de erros e
vence o que menos erra (1980, p. 274).
Oficiais Praças
Mortos 29 212
Feridos 81 1262
Contusos 22 108
Extraviados 0 92
Parcial 132 1674
Total 1806
QUADRO 2 - Baixas Brasileiras em Itororó
Fonte: Tasso Fragoso (2010)
Caballero dispôs seus meios. Eram 5600 homens, infantaria no centro, apoiada por 18
canhões, e a cavalaria nos flancos (CENTURION, 1987).
De acordo com Faria (2015), Osório à frente do 3º Corpo de Exército avançou e
ao aproximar-se do arroio Avaí, deparou-se com o inimigo em posição. Caxias
concebeu uma manobra que visava romper o dispositivo inimigo e ao mesmo tempo
atuar nos seus dois flancos, tendo em vista cortar a sua retaguarda. Com esta intenção,
ordenou a Osório que atuasse frontalmente com o 3º Corpo de Exército, reforçado pela
5ª DC, de Câmara. Simultaneamente, lançou, pela esquerda, Andrade Neves com as 2ª
e 3ª DC e, pela direita, Menna Barreto com a 1ª DC (DONATO, 2001).
De acordo com Lima (2016), quando a batalha já havia sido iniciada ocorreu uma
violenta chuva que fez subir as águas do arroio, alagar o terreno e provocar a perda de
uma grande quantidade de munição. Osório, com dificuldade, atacou a ala esquerda de
Caballero. Este, perigando ser ultrapassado, usou suas reservas naquele setor
ameaçado, conseguindo, com isso, flanquear alguns batalhões brasileiros à direita da
linha de ataque do 3º Corpo (MORGADO, 2010).
Consoante Tasso Fragoso (2010), Caxias ordenou a Osório que usasse o
restante de sua infantaria contra o centro e a esquerda inimiga, enquanto ele próprio
85
de seu cavalo e lhe foi tirado seu poncho e suas esporas de prata, mas não foi
reconhecido pelo inimigo e no dia seguinte se apresentou a López. Os coronéis
Serrano e Gonzalez foram tomados prisioneiros, e, em geral, todos os que não
morreram, caíram em poder do inimigo (THOMPSON, 1992, p.203, tradução
nossa).
Oficiais Praças
Mortos 13 153
Feridos 22 451
Contusos 14 49
Extraviados 0 27
Parcial 49 680
Total 729
QUADRO 3 - Baixas Brasileiras em Avaí
Fonte: Tasso Fragoso (2010)
Doratioto (2002) possui uma estimativa mais elevada das perdas brasileiras e
contabiliza o saldo final da Batalha do Avaí da seguinte maneira:
Caballero salvou menos de 200 dos 5 mil homens que comandava, tendo os
brasileiros sepultado 3 mil cadáveres paraguaios, enquanto as perdas das forças
imperiais, entre mortos e feridos, foram de dois mil soldados. Foram feitos 1200
prisioneiros paraguaios e, também, trezentas mulheres que os acompanhavam.
Elas foram, segundo Garmendia, vítimas sexuais da soldadesca e sofreram “os
ultrajes da luxúria na noite mais negra de suas penas”, enquanto os adolescentes
que compunham a tropa paraguaia não tiveram suas vidas poupadas. (2002,
p.276 e 277).
De acordo com Tasso Fragoso (2010), era de grande importância para Caxias
saber o que se passava na sua frente e qual a situação do flanco direito da posição de
López. Dessa maneira, a 1ª DC foi lançada em 17 de dezembro, com a missão de
exploração no rumo leste e a 2ª DC, na direção das colinas de Lomas Valentinas, onde
ficava a coxilha Ita-Ivaté, na qual López instalou seu quartel-general. Foi nas encostas
oeste e norte dessa coxilha que López estabeleceu uma linha de trincheiras ao verificar
que o inimigo atacaria do norte para o sul (MORGADO, 2010).
Uma feição topográfica dessa coxilha, que o leitor não deve perder de vista para
bem interpretar os acontecimentos que ali vão ocorrer, é que ela avança para o
norte apresentando uma espécie de degrau. Depois do planalto existente no
cume, o terreno descia nessa direção, deixava-se cruzar por um filete d´água (ao
que parece uma cabeceira da sanga Branca), apresentava outro planalto ou
degrau, e depois descia novamente até prender-se aos terrenos convizinhos. Foi
na borda deste primeiro degrau que López estabeleceu uma linha de trincheiras,
quando se deu conta de que o inimigo o ia atacar vindo de norte (2010, p.89).
De acordo com Faria (2015), para o acesso a Ita-Ivaté, pelo norte, havia dois
caminhos, de difícil deslocamento e por leste o acesso era mais fácil por qualquer
ponto. Pelo sul, embora a posição estivesse apoiada em vegetação densa, o acesso
era aberto devido ao grande descampado do Potreiro Marmol; por oeste, somente por
Cumbariti, o terreno permitia o acesso à região. Conforme Tasso Fragoso (2010), para
sua defesa, Solano López dispunha de cerca de 9.800 homens em Ita-Ivaté, 3.000 em
Piquiciri e 900 em Angostura. Os brasileiros concentrados em Villeta, por sua vez,
contavam com um efetivo no entorno de 19.500 homens, sem contar com as tropas,
brasileiras, argentinas e uruguaia, deixadas em Palmas (DORATIOTO, 2002).
Para Morgado (2010), Ita-Ivaté constituía na visão de Caxias o Objetivo, uma vez
que conquistado permitiria a destruição do mais importante grupamento de forças
inimigas e facilitaria a conquista de Angostura e da linha do Piquissiri e cortaria a
possível rota de escape das forças de López por leste, pelo Potreiro Marmol. Para
conquistar Lomas Valentinas, Caxias planejou um ataque partindo de Villeta na direção
de Palmas, devendo cobrir-se na região de Angostura e fixar o inimigo na direção
Palmas-Villeta (GRALA, 1986).
Íamos atacar o ditador e todo o seu exército concentrado nas fortes posições de
Piquissiri, Angostura e Lomas Valentinas. O nosso objetivo nessa guerra foi
sempre o exército inimigo. A capital do país era ponto secundário. Fazia-se a
guerra ao governo do Paraguai. O governo era o ditador e este estava sempre
com o seu exército... no Passo da Pátria, Tuiuti, Humaitá, Piquiciri e Lomas
Valentinas, Cordilheiras e finalmente em Aquidabã, onde pereceu com ele (1980,
p. 280).
A situação que permitiu a fuga de Solano López deu margem a todo tipo de
críticas por parte da imprensa e da classe política no Brasil e na Argentina,
ganhando versões variadas dos historiadores. Alguns destes acreditam ter havido
falta de empenho de Caxias para fazer a captura do adversário. Outros, que
houve uma questão de honra entre generais. Foram feitas até especulações de
que houvera um gesto de misericórdia do general brasileiro pelo irmão maçom.
Mas é preciso lembrar que López não costumava se expor ao combate e, durante
a batalha, já devia estar em retirada com seu grupo familiar (2016, p. 310).
Do lado aliado quase metade do efetivo brasileiro foi posto fora de combate, num
total de 10079 homens, dos quais 2099 mortos e 7980 feridos. Os argentinos
tiveram 99 mortos e 464 feridos. Os mortos ficaram espalhados em uma área de
quatro quilômetros quadrados e grande parte dos cadáveres paraguaios era de
crianças e velhos (DORATIOTO, 2002, p. 374).
A fuga de Solano López fez a guerra estender-se por mais quinze meses (até 1
de março de 1870, em Cerro Corá) ao preço de alguns milhares de mortos adicionais e
um rastro de flagelos e destruições para todos os envolvidos, aí incluídas as
populações civis da área deflagrada.
97
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Esta seção tem por objetivo principal apresentar e discutir os resultados obtidos
por meio da revisão bibliográfica e documental, com a finalidade de analisar em que
medida é possível concluir que a série de combates de dezembro de 1868 (Itororó, Avaí
e Lomas Valentinas) teve papel decisivo para a vitória aliada na Guerra da Tríplice
Aliança, gerando influências para a Doutrina do Exército Brasileiro.
Por intermédio de uma acurada revisão de literatura, foram reunidas as principais
fontes, inclusive primárias, que abordam os aspectos mais relevantes relacionados à
importância da Dezembrada para a vitória aliada na Guerra do Paraguai. Em função
disso, foi possível alcançar uma visão teórica ordenada sobre o tema em estudo e
sobre as questões que o envolvem.
Nos trabalhos acadêmicos da EsAO e da ECEME, nas fontes primárias, nos
artigos científicos, livros nacionais e estrangeiros, manuais, relatórios e documentos
oficiais pesquisados, foram encontradas fontes autênticas e fiéis, suficientes para dar
suporte à discussão, que teve como foco solucionar os aspectos relevantes do
problema apresentado e responder às questões de estudo propostas. Sendo assim, as
informações aqui expostas servirão como base para futuras conclusões, solucionando o
problema de pesquisa proposto e sugerindo futuras pesquisas.
Após a apresentação dos antecedentes e causas, além da sequência
cronológica de todos os momentos de vulto da guerra anteriores a dezembro de 1868,
feitas no capítulo 3 -Revisão da Literatura, será dado destaque ao tema central da
dissertação: os combates de dezembro de 1868.
Definição do
Princípio Manual Características observadas na manobra do
de Guerra Doutrina Militar Piquissiri
Terrestre
_________________________
6
Conforme o Manual de Operações do EB (2017), manobra na qual a força atacante contorna, por terra
e/ou pelo ar, a principal força inimiga, para conquistar objetivos profundos em sua retaguarda, forçando-
a a abandonar sua posição ou a deslocar forças ponderáveis para fazer face à ameaça envolvente. O
inimigo é, então, destruído em local e em ocasião de escolha do atacante.
103
_________________________
7 Suprimento é a atividade logística que trata da previsão e da provisão do material necessário às
organizações e forças militares. O termo suprimento pode, também, ser empregado com o sentido geral
de item, artigo ou material necessário para equipar, manter e operar uma organização militar (BRASIL,
2007, p. 10-22).
105
munição e de fuzis, retirando da tropa uma boa parte de seu poder de fogo e gerando
uma grande desorganização, na qual repetiu-se a necessidade da intervenção dos
comandantes para conter recuos e indecisões da tropa. Dessa vez, Osório recebeu um
grave ferimento no maxilar, o qual o tiraria das frentes de batalha.
Na batalha do Avaí, López evidenciou um erro tático fundamental: a coluna
móvel do general Caballero estava realizando um movimento retrógrado, assim descrito
no manual Batalhões de Infantaria: “procura-se evitar o combate decisivo sob condições
desfavoráveis, seja rompendo o contato com o inimigo, seja retardando-o a fim de
trocar espaço por tempo, evitando sempre empenhar-se em ações que possam
comprometer a integridade da força” (BRASIL , 2007, p. 5-2). Além disso, histórica e
doutrinariamente, cabe ao defensor escolher o melhor local para desenvolver o
combate, forçando o inimigo a reagir de acordo com seu plano defensivo.
A decisão de López de travar um combate no terreno do Avaí foi um erro de
grande relevância, observado tanto pelas tropas Aliadas, quanto por seus próprios
comandantes. Segundo o coronel Garmendia, oficial argentino que vivenciou os
combates, “a opção de López por travar essa batalha foi um erro, pois era um local sem
importância militar que podia ser facilmente contornado e cercado por um inimigo com
força numérica maior” (1890, p.337). O próprio coronel paraguaio Centurión (1987) faz
críticas à “mania” do ditador paraguaio em dividir seu Exército em batalhas secundárias,
o que o enfraquecia. Centurión reconhece que, apesar de estarem em inferioridade
numérica, os paraguaios contavam com a vantagem defensiva, na qual poderiam
“escolher o terreno para uma batalha campal decisiva, o que seria suficiente para
vencer o inimigo” (1987, p.191).
devem caracterizar sua destruição total ou parcial” (BRASIL, 2007, p.4-41). Diante da
supracitada definição, observa-se que as colinas de Lomas Valentinas se enquadravam
corretamente no conceito de objetivo.
O 1º ataque às posições paraguaias ocorreu em 21 de dezembro, embate no
qual são observadas duas lições aprendidas, as quais, entre outras, contribuíram para o
insucesso da primeira investida contra Lomas Valentinas.
A 1ª observação doutrinária diz respeito à sobrecarga que Caxias impôs às
tropas Brasileiras. Apesar de possuir tropas argentinas e uruguaias em reserva na
região de Palmas, em condições de serem empregadas e relativamente próximas ao
objetivo final, Caxias preferiu empregar somente as tropas brasileiras, já bastante
desgastadas pelos combates anteriores, o que contribui para uma menor combatividade
e efetividade no ataque do dia 21. Há interpretações na literatura, como a do
combatente argentino José Garmendia (1890), de que Caxias estava focado em
encerrar a Guerra o mais rápido possível, para “tentar monopolizar a glória da esperada
vitória final” (p.366). A preocupação com a função logística recursos humanos, aliada a
um judicioso emprego da reserva, poderia ter antecipado o fim da Dezembrada.
O 2º erro tático cometido foi a realização de um reconhecimento superficial da
posição inimiga. Caxias não conseguiu descobrir que a posição era acessível por
diversos pontos e que, se a desbordasse, poderia atacá-la em posições sem nenhuma
rede de obstáculos e fortificações. Dessa maneira, o ataque através de dois
desfiladeiros de frente para a posição com melhor fortificação inimiga, contribuiu para o
insucesso do combate do dia 21.
Apesar de Caxias mais uma vez se expor a sacrifícios extremos e ao fogo
inimigo, na tentativa de impulsionar e motivar suas tropas para um desfecho decisivo no
ataque a Lomas Valentinas, evidenciando mais uma vez o que hoje é considerado um
dos Elementos de Poder de Combate Terrestre, a liderança8, seu suplício não foi
suficiente para desequilibrar o combate em favor dos brasileiros no dia 21 de dezembro.
_______________________
8
É definida como uma competência individual que confere ao indivíduo a capacidade de dirigir e
influenciar outros militares, por meio de motivação, objetividade e exemplo. Comandantes competentes,
informados e dotados de iniciativa e coragem física e moral são capazes de extrair o melhor resultado
do pessoal e dos sistemas de combate colocados sob seu comando. (BRASIL, 2014, p.5-8)
108
combate superior para explorá-los; e os próprios para serem protegidos. Os CG (próprios e do inimigo)
existirão em todo nível de comando. Para tanto, deverão ser identificados os que oferecem resistência
para o cumprimento da missão dos diversos níveis de decisão (político, estratégico, operacional e tático
(BRASIL, 2016, p.3-33)
111
5 CONCLUSÃO
________________________________________
REFERÊNCIAS
______. Exército. Estado Maior. C 7- 20: Batalhões de Infantaria. 3ª. ed. Brasília, DF,
2007.
______. Ministério da Defesa. Batalha Naval do Riachuelo. 2018. Disponível em: <
https://www.marinha.mil.br/batalha-naval-do-riachuelo> Acesso em: 13 nov. 2018.
CARDOZO, Efraím. Breve historia del Paraguay. Buenos Aires: Eudeba Editorial
Universitária de Buenos Aires, 1965.
______, General Luiz Alvez de Lima e Silva. Resumo Histórico das Operações
Militares dirigidas pelo marechal-de-exército Marquez de Caxias na Campanha do
Paraguay. Rio de Janeiro: Typographia Popular de Azeredo Leite, 1872.
CLAUZEWITZ, Karl von. Da Guerra. Tradução de Teresa Barros Pinto Barroso. São
Paulo: Martins Fontes, 1979.
COSTA, Virgílio Pereira da Silva. Duque de Caxias. São Paulo: Três, 1974.
______. Nova luz sobre a guerra do Paraguai. Revista Nossa História, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 13, 2004, p. 18-23.
______. Perfis Brasileiros- General Osório. São Paulo: Companhia das letras, 2008.
GARMENDIA, José Inácio. Campaña del Pikysiri. Buenos Aires: Jacobo Peuser, 1890.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas,
1999. 206 p.
______. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.
LIMA, Luiz Octavio de. A guerra do Paraguai. São Paulo: Planeta, 2016.
LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Campus,
1990. 383 p.
RAPOSO FILHO, major Américo. Caxias e nossa doutrina militar. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1959.
SAVIAN, Elonir José; LACERDA, Paulo Henrique Barbosa. Manual de História Militar
Geral. Resende: Academia Militar das Agulhas Negras, 2009.