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ISSN 2317-6350

Doutrina
Militar
Terrestre
em revista
Exército Brasileiro | Ano 008 | Edição 023 | Julho a Setembro de 2020

A SIMULAÇÃO CONSTRUTIVA NO EXÉRCITO BRASILEIRO


A PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NAS MÃOS DOS ESPECIALISTAS
O EMPREGO DO EXÉRCITO DA FRANÇA EM TERRITÓRIO FRANCÊS
O COMBATE DE ALTA INTENSIDADE E A SUSTENTABILIDADE LOGÍSTICA
A AVIAÇÃO DO EXÉRCITO: CONTRIBUIÇÃO PARA A DOUTRINA TERRESTRE
A BRIGADA DE INFANTARIA PÁRA-QUEDISTA NA GUERRA DE 4ª GERAÇÃO
AS MUNIÇÕES 7,62 X 51 E 5,56 X 45: QUAL A MELHOR OPÇÃO PARA O EXÉRCITO?
A IMPORTÂNCIA DA RESILIÊNCIA E DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA O MILITAR
MENSAGEM do comandante
de operações terrestres
Caro Leitor, Introduzimos as modificações necessá-
rias à vida cotidiana, à instrução e às demais
No momento em que o Brasil e as demais atividades da caserna, para preservar a saúde
nações do planeta foram surpreendidos da tropa e da família militar. Lamentamos as
pela pandemia causada pelo Coronavírus, o perdas humanas, homenageando os integran-
Exército Brasileiro (EB) se movimenta para tes da F Ter que ofereceram a vida em sacrifí-
atender às novas demandas da sociedade, cio aos seus semelhantes e nos solidarizamos
na coordenação de oito, dos dez, comandos com os familiares e amigos enlutados.
conjuntos estabelecidos pelo Ministério Como Comandante de Operações
da Defesa. Cabe ao Comando de Operações Terrestres, tenho a plena convicção de que
Terrestres (COTER), como órgão de direção os nossos soldados darão a resposta que a
operacional, adjudicar os meios da Força sociedade espera, bem como os comandantes,
Terrestre (F Ter) para esses comandos, bem em todos os níveis hierárquicos, saberão
como orientar o preparo e o emprego da tropa, conduzir a tropa para atender às diversas
cooperando com as ações governamentais. demandas.
Embora o principal esforço atual seja É, portanto, com renovada satisfação
o combate à pandemia, a nossa rotina profissional que me dirijo aos nossos leitores
voltada para a atividade-fim continua para prefaciar mais uma edição da DMT
praticamente a mesma, uma vez que o EB em Revista, a vigésima terceira, ciente da
não pode parar, pois a Nação assim o exige. contribuição da Doutrina com o sucesso na
Temos que manter o alto nível de preparo, missão constitucional de defender a Pátria,
atingido pelo programa de instrução militar, que exige, ainda mais, o comprometimento,
buscando a prontidão operativa, o mais alto a dedicação, a resignação e a capacidade de
grau de operacionalidade para a tropa a ser durar na ação na causa maior de servir ao
empregada nos mais diversos cenários. povo brasileiro.
O EB vem realizando, diariamente, cerca Fé na nossa capacidade e força no
de 100 operações, muitas das quais na faixa de cumprimento da missão!
fronteira, no combate a ilícitos transnacionais
e ambientais. A nossa engenharia de Boa leitura!
construção vem se destacando nas atividades
de apoio ao desenvolvimento da infraestrutura
nacional. Estamos participando de mais Gen Ex José Luiz Dias Freitas
de uma dezena de ações fora do território Comandante de Operações Terrestres
nacional, honrando os compromissos
assumidos internacionalmente pelo Brasil.
Prosseguimos na Operação Verde Brasil 2,
em defesa do meio ambiente na Amazônia
e no Pantanal, prevenindo e combatendo
incêndios, garimpos ilegais, desmatamentos
e promovendo a educação ambiental.
Continuamos contribuindo com a defesa civil,
participando de ações humanitárias, como
Foto: Sd Dantas

a Operação Pipa, levando o precioso líquido


aos irmãos nordestinos atingidos pela seca, e
a Operação Acolhida, em Roraima, assistindo
aos refugiados venezuelanos. Tudo isso, sem
descuidarmos das operações convencionais,
ao participarmos, dentre outras tantas, da
Operação Amazônia, adestrando parte da F
Ter no combate no ambiente hostil de selva.
EDITORIAL
A equipe editorial da Revista de volume e poder de fogo, entre outras
Doutrina do Exército - DMT em Revista características, concluindo que a adoção
- produzida pelo Comando de Operações das novas munições 7,62 X 51 mm é a
Terrestres, por meio do Centro de Doutrina opção mais viável, pela confiabilidade e
do Exército (C Dout Ex), sente-se honrada manutenção da operacionalidade.
em levar aos seus leitores uma nova edição Ao relatar suas experiências como
- a vigésima terceira - deste periódico de oficial de ligação do EB junto ao Estado-
assuntos de natureza militar. Maior Conjunto das Forças Armadas da
Abrindo a edição, o Major Cortinhas Guiana Francesa, o Major Aislan discorre
descreve o emprego da Brigada de Infantaria sobre os aspectos doutrinários e jurídicos
Pára-quedista nos conflitos de 4ª geração, que disciplinam o emprego interno do
articulando seus elementos de manobra Exército da França, detalhando a atuação
para obter maior flexibilidade de emprego e em cooperação com a Gendarmerie,
capacidade de pronta resposta e de projeção sobretudo no combate ao garimpo ilegal.
de força em todo o território nacional. A seguir, o Coronel Wellington
Na sequência, o Major Zilberman escreve sobre o retorno do combate de
defende a importância da produção alta intensidade e a sustentabilidade
doutrinária nas mãos de especialistas, logística, detalhando os desafios para os
descrevendo o processo de produção de combatentes logísticos. O autor defende
doutrina vigente no Exército Brasileiro a necessidade de adaptação da Força e a
(EB) e enfatizando a reunião de grupos necessidade de dissuasão convencional
multifuncionais de especialistas, totalmente adaptada às operações em larga escala, além
focados na produção doutrinária. das mudanças nos campos doutrinário,
Em seguida, o 1º Sargento Clayton tecnológico, jurídico e econômico.
aborda a importância do estudo da Encerrando a edição, o Tenente-
resiliência e da inteligência emocional Coronel Amorim fala sobre a modernização
para o militar. O autor descreve a sua e a contribuição da Aviação do Exército com
experiência vivenciada junto ao Exército o desenvolvimento doutrinário, visando
dos Estados Unidos, destacando que à dissuasão extrarregional por meio dos
o indivíduo resiliente possui reações diversos programas com os sistemas
positivas, proativas e adapta-se, mais logísticos.
facilmente, para a solução de problemas. Esperamos que os temas suscitem o
Ao abordar as inovações tecnológicas, debate por parte dos nossos leitores, razão
o Major Menegaz fala sobre a simulação de ser do nosso trabalho, e que sugestões
construtiva no âmbito do EB, descrevendo os sejam encaminhadas para dmtrevista@
desafios que a instituição vem enfrentando coter.eb.mil.br ou diretamente para os
no campo tecnológico, mencionando a autores, cujo e-mail está disponível no início
grande estrutura e os altos aportes de de cada artigo. Sentimo-nos orgulhosos
recursos para aquisição de simuladores. do elevado padrão dos artigos produzidos
Prosseguindo, o Coronel Scussiato e agradecemos a valorosa colaboração
compara as munições 7,62 x 51 mm e 5,56 de todos os articulistas em prol do
x 45 mm, analisando a precisão, alcance, desenvolvimento doutrinário, na certeza de
estabilidade, dificuldade de transporte, novas participações nas futuras edições.

“INTENDÊNCIA: SOLDADO DO ACANTO,


UM SÉCULO DE EXCELÊNCIA NA
LOGÍSTICA MILITAR TERRESTRE”
COMANDANTE DE OPERAÇÕES TERRESTRES
General de Exército José Luiz Dias Freitas sumário
CHEFE DO CENTRO DE DOUTRINA DO EXÉRCITO O EMPREGO DA BRIGADA DE INFANTARIA
General de Divisão Sergio Luiz Tratz
PÁRA-QUEDISTA NA GUERRA DE 4ª GERAÇÃO
CONSELHO EDITORIAL
General de Divisão Sergio Luiz Tratz
General de Brigada Haroldo Assad Carneiro
Major Cortinhas
6
Coronel Maurício de Aguiar Villar A PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NAS MÃOS DOS
Coronel Silvio Renan Pimentel Betat
1º Sargento Erisvaldo Gonçalves de Oliveira
EDITOR-CHEFE
ESPECIALISTAS
Major Zilberman 14
General de Brigada Haroldo Assad Carneiro
EDITOR-ADJUNTO
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA RESILIÊNCIA
1º Sargento Erisvaldo Gonçalves de Oliveira E DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA O
MILITAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO
22
SUPERVISOR DE PRODUÇÃO 1º Sargento Clayton
Coronel Silvio Renan Pimentel Betat
REDAÇÃO E REVISÃO
General de Brigada Haroldo Assad Carneiro A SIMULAÇÃO CONSTRUTIVA NO EXÉRCITO
Coronel Silvio Renan Pimentel Betat
Major Risalva Bernardino Neves
2º Tenente Brunna Guedes Marques de Lima
2º Tenente Patrícia Fátima Soares Fernandes
BRASILEIRO
Major Menegaz 32
1º Sargento Erisvaldo Gonçalves de Oliveira
PROJETO GRÁFICO MUNIÇÕES 7,62 X 51MM E 5,56 X 45MM:
Soldado Douglas Henrique de Jesus Macedo QUAL A MELHOR OPÇÃO PARA O EXÉRCITO
DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL
Soldado Douglas Henrique de Jesus Macedo
BRASILEIRO?
Coronel Scussiato 42
IMPRESSÃO GRÁFICA
Gráfica do Exército O EMPREGO DO EXÉRCITO DA FRANÇA EM
54
Al. Mal. Rondon s/nº - Setor de Garagens TERRITÓRIO FRANCÊS
Quartel-General do Exército
Setor Militar Urbano Major Aislan
CEP 70630-901 - Brasília/DF
Fone: (61) 3415-5815
RITEX: 860-5815 O RETORNO DO COMBATE DE ALTA INTENSIDADE
www.graficadoexercito.eb.mil.br E A SUSTENTABILIDADE LOGÍSTICA: OS DESAFIOS
divcmcl@graficadoexercito.eb.mil.br PARA OS COMBATENTES LOGÍSTICOS
TIRAGEM
200 exemplares
Coronel Wellington
62
DISTRIBUIÇÃO AVIAÇÃO DO EXÉRCITO: MODERNIZAÇÃO E
Gráfica do Exército
CONTRIBUIÇÃO PARA A DOUTRINA MILITAR
VERSÃO ELETRÔNICA
Portal de Doutrina do Exército: www.cdoutex.eb.mil.br
portal.cdoutex@coter.eb.mil.br
TERRESTRE
Tenente-Coronel Amorim
74
Biblioteca Digital do Exército: www.bdex.eb.mil.br
CENTRO DE DOUTRINA DO EXÉRCITO
Quartel-General do Exército – Bloco H – 3º Andar Doutrina
Setor Militar Urbano Terrestre
Militar
CEP 70630-901 em revista

Brasília – DF
Exército Brasileiro | Ano 008 | Edição 023 | Julho a Setembro de 2020
Foto de Capa: arquivo
Fone: (61) 3415 5014/4849/6977 do CCOMSEx.
RITEX: 860 5014/4849/6977 Descrição: a Brigada de
www.cdoutex.eb.mil.br Infantaria Pará-quedista
em operação.
Envie a sua proposta de artigo para: Autor: Sd Douglas.
dmtrevista@coter.eb.mil.br
A SIMULAÇÃO CONSTRUTIVA NO EXÉRCITO BRASILEIRO
A PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NAS MÃOS DOS ESPECIALISTAS

Ano 008, Edição 023, 3 Trimestre de 2020


O EMPREGO DO EXÉRCITO DA FRANÇA EM TERRITÓRIO FRANCÊS
o O COMBATE DE ALTA INTENSIDADE E A SUSTENTABILIDADE LOGÍSTICA
A AVIAÇÃO DO EXÉRCITO: CONTRIBUIÇÃO PARA A DOUTRINA TERRESTRE
A BRIGADA DE INFANTARIA PÁRA-QUEDISTA NA GUERRA DE 4ª GERAÇÃO
AS MUNIÇÕES 7,62 X 51 E 5,56 X 45: QUAL A MELHOR OPÇÃO PARA O EXÉRCITO?

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
A IMPORTÂNCIA DA RESILIÊNCIA E DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA O MILITAR

“As ideias e conceitos contidos nos artigos publicados nesta revista refletem as opiniões de seus autores e não
a concordância ou a posição oficial do Exército Brasileiro. Essa liberdade concedida aos autores permite que sejam
apresentadas perspectivas novas e, por vezes, controversas, com o objetivo de estimular o debate de ideias.”
O EMPREGO DA BRIGADA DE INFANTARIA
PÁRA-QUEDISTA NA GUERRA DE 4ª
GERAÇÃO Major Guilherme Luchetti Cortinhas

O Major de Cavalaria Cortinhas é Adjunto da Seção de A GUERRA DE 4ª GERAÇÃO E OS IM-


Planejamento da Brigada de Infantaria Pára-quedista (Bda Inf PACTOS NA BRIGADA DE INFANTARIA
Pqdt). Foi declarado aspirante a oficial, em 2003, pela Academia
Militar das Agulhas Negras (AMAN). Realizou PÁRA-QUEDISTA
o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, A evolução operativa da Bda Inf Pqdt,
em 2013, na Escola de Aperfeiçoamento desde a década de 1940 até a atualidade,
de Oficiais (EsAO), e o Curso de Altos deve-se à preocupação de deixá-la preparada
Estudos Militares, em 2018/2019, na para superar os seus desafios. O raciocínio
Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército (ECEME). Foi instrutor de pensadores como William Lind e Keith
da Escola de Sargentos das Armas Nightengale, entre outros, é um dos muitos
(EsSA), sediada em Três Corações-MG, fundamentos do processo de aperfeiçoamento
e da Escola de Cavalaria do Exército permanente da brigada. No passado recente,
Argentino, sediada em Buenos Aires,
eles estudaram a natureza dos conflitos
Argentina. Possui os cursos Básico Paraquedista, Mestre de
Salto e Precursor Paraquedista, além dos estágios de Salto Livre militares a fim de prospectarem os embates,
e de Mestre de Salto Livre (cortinhas.guilherme@eb.mil.br). oportunidade em que vislumbraram a guerra
de quarta geração (G4G).
O fator crucial para essa nova etapa
Sediada na cidade do Rio de Janeiro- dos conflitos é o aumento da importância
RJ, a Brigada de Infantaria Pára-quedista da dimensão informacional. Nela, a
(Bda Inf Pqdt) é uma das componentes das participação e o senso crítico da população
Forças de Emprego Estratégico (F Emp são determinantes para a liberdade de ação
Estrt). Pela sua vocação, tem seu preparo e dos chefes militares. Ao mesmo tempo,
emprego regidos por meio das diretrizes do as forças oponentes aproveitam-se dessas
Comando de Operações Terrestres (COTER), mesmas características para ampliar suas
que encontra nessa tropa uma ferramenta possibilidades. Consequentemente, nesse tipo
eficiente às suas demandas. de confronto, atores não estatais assumem
No Brasil, a implantação do paraquedismo papéis relevantes na guerra; gastos tornam-se
militar foi consequência do êxito conquistado exponenciais para a não obsolescência de uma
por tropas semelhantes pertencentes às força armada; exige-se atuações cirúrgicas e
racionalização dos efetivos; além do aumento
forças aliadas na II Guerra Mundial, dentre
da importância dos objetivos psicológicos.
as quais a Força Expedicionária Brasileira
Com tal evolução, as ações protagonizadas
(FEB). Portanto, não é de se admirar que
por tropas aeroterrestres fortaleceram-se
no mesmo ano do “Dia-D” (1944), o capitão como opção viável à solução de problemas
Roberto de Pessôa concluiu o Curso Básico militares em face da sua natureza, que exige
de Paraquedista, em Fort Benning - Geórgia, contínua prontidão e adequação para o seu
Estados Unidos da América (EUA), tornando- deslocamento estratégico. Isso pôde ser
se o primeiro paraquedista militar brasileiro. comprovado pelos norte-americanos quando
Na sequência, a atividade aeroterrestre no empregaram paraquedistas na Operação
(Exército Brasileiro) EB foi estabelecida em Enduring Freedom (2001) e pelo assalto
1945, tendo como embrião a Escola de Pára- aeroterrestre da 173rd Airborne Brigade
quedistas, então comandada pelo coronel (2003) no norte do Iraque. Outra referência
Nestor Penha Brasil. militar, a França, lançou a 11th Parachute

6 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Brigade no Mali, sob o contexto da Operação O Complexo da Maré possuía
Serval, em 2013. aproximadamente 140 mil habitantes e
Dito isso, algumas premissas que sofria ação de narcotraficantes. Grupos
caracterizam o emprego da Bda Inf Pqdt como o Comando Vermelho, o Terceiro
tornam-na extremamente apta a atuar nesse Comando Puro e as milícias disputavam o
tipo de combate, dentre as quais cabem controle da região, tornando necessário que
destaque: a Bda Inf Pqdt utilizasse táticas, técnicas e
 ações desbordantes; procedimentos (TTP) típicos de operações
 organização modular; contra forças irregulares. Cabe ressaltar
 aptidão à interoperabilidade; que os procedimentos nesse tipo de atuação
 atuação em profundidade; e vão muito além das ações características
 atitude não linear. de garantia da lei e da ordem (GLO).
Entre 1994 e 1995, a Bda Inf Pqdt foi Nos anos que se seguiram, grandes
empregada na Operação Rio, que foi deflagrada eventos como a Jornada Mundial da
em decorrência do aumento das ações de Juventude e os Jogos Olímpicos, além da
facções criminosas financiadas pelo tráfico intervenção federal na segurança pública
de drogas. Esse evento foi um marco para a no estado do Rio de Janeiro, também foram
concepção de uso da Força Terrestre no âmbito momentos em que a população carioca
doméstico, em virtude da atuação contra um contou com a atuação da Bda Inf Pqdt.
oponente mesclado à população, além das Em 2017 e no início de 2018, a
semelhanças a uma tropa irregular típica dos criminalidade aumentou sensivelmente na
conflitos assimétricos. Anos depois, em 2010 região metropolitana do Rio de Janeiro-
e 2011, em ambiente operacional semelhante, RJ. Nessas condições, a Bda Inf Pqdt
a brigada foi a primeira grande unidade (GU) recebeu a missão de cooperar com as ações
participante da Operação Arcanjo, ocupando os do Comando Conjunto (CCj)/Gabinete de
complexos do Alemão e da Penha. Intervenção Federal (GIF). Ao término das
Em 2014, às vésperas da Copa do Mundo de ações, a brigada contribuiu para a redução
Futebol sediada no Brasil, a tropa paraquedista dos índices de criminalidade como, por
iniciou a Operação São Francisco, visando a exemplo, os de roubos e de homicídios.
pacificar o Complexo da Maré. A operação foi Dentre as práticas da G4G, pode ser
deflagrada após uma sequência de atentados destacada a integração com os órgãos de
a policiais e ao patrimônio que pertenciam às segurança pública para a realização de
Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). ações de interdição e investimento.

Fig 1 - Bda Inf Pqdt na Op São Francisco.


Nas operações de G4G, a Bda Inf Pqdt fim de agregar e reforçar capacidades para fazer
articulou seus elementos de manobra e de apoio frente a essas mudanças. Considerando sua
sob forma modular, obtendo flexibilidade de base doutrinária e os princípios da flexibilidade,
emprego. Essa característica foi herdada de adaptabilidade, modularidade, elasticidade e
sua vocação para as operações aeroterrestres, sustentabilidade (FAMES), a Bda Inf Pqdt tem
que exigem tal condição, uma vez que essa como aptidões a pronta resposta e a projeção de
manobra ocorre por escalões. Todo esse conjunto força em qualquer parte do território nacional e
é complementado por outro diferencial: a no entorno estratégico do país. Por esse motivo,
motivação da tropa paraquedista. nações relevantes adotam tropas dessa natureza
Outra prática da Bda Inf Pqdt ao longo de para constituir forças expedicionárias.
anos cumprindo essas missões é a adoção do Nesse sentido, a brigada realiza sua
apoio da população como centro de gravidade. É preparação para estar apta a desdobrar até
a prova da equivalência das dimensões humana, três forças-tarefas valor batalhão de infantaria
física e informacional a fim de orientar o peso de paraquedista (FT BI Pqdt). Estas são: a FT
cada fator da decisão nas operações. Afonsos (25° BI Pqdt); a FT Santos Dumont, (26º
Para chegar ao estado final desejado BI Pqdt); e a FT Velame, (27º BI Pqdt). Tais forças
(EFD) é dada a devida importância às ações são constituídas sob a filosofia do planejamento
de inteligência, às operações de informação, baseado em capacidades, em que cada uma
às operações de cooperação e coordenação é dotada dos meios e dos recursos humanos
com agências (governamentais e não necessários para o cumprimento de missões
governamentais) e às operações contra forças típicas da G4G.
irregulares. Tais medidas visam a conquistar Dessa forma, o nível de prontidão alcançado
o apoio da população e a neutralizar as ações pela Bda Inf Pqdt possibilita seu emprego em
das facções criminosas. Além disso, por ocasião
até 24 horas após ser acionada. Essa tropa
de seu emprego, a Bda Inf Pqdt evidencia sua
reúne condições de deslocar-se para qualquer
propensão à interoperabilidade, ao receber
reforços de batalhões de infantaria de outra área de interesse, dentro ou fora do território
natureza, de tropas de cavalaria mecanizada e nacional. Para que isso ocorra, é indispensável
de módulos especializados como inteligência, o apoio da Força Aérea Brasileira ou da Aviação
guerra eletrônica e aviação, incluindo frações das do Exército, no caso das operações aeromóveis.
demais forças singulares e das forças auxiliares. Tal característica é facilitada pela elevada
porcentagem de efetivo profissional da Bda
AS CAPACIDADES DA BRIGADA DE IN- Inf Pqdt (cerca de 80%). Outra evidência que
FANTARIA PÁRA-QUEDISTA comprova a adaptabilidade da Bda Inf Pqdt ao
No contexto da G4G, em 2010, o EB FAMES, exigida na G4G, é o fato de que a FT Pqdt
implementou o seu processo de transformação, a organiza-se com base nos fatores da decisão.

Fig 2 - Aprestamento de uma FT BI Pqdt.


Quanto à sua composição, a Bda Inf Pqdt Como a Bda Inf Pqdt pode atuar desde o
possui organizações militares (OM) cuja nível tático até o estratégico, é fundamental,
destinação é comparável às demais brigadas, para o exercício pleno de suas capacidades, a
guardada a diferença de natureza da tropa. No dotação de meios compatíveis e a existência de
entanto, possui duas unidades subordinadas especialistas com competências adequadas,
que são peculiares: o Batalhão de Dobragem, como os precursores paraquedistas. Por isso,
Manutenção de Paraquedas e Suprimentos a Cia Prec Pqdt possui destacamentos de
pelo Ar (B DOMPSA) e a Companhia de precursores dotados de sistemas de aeronaves
Precursores Pára-quedista (Cia Prec Pqdt). remotamente pilotadas (SARP) e caçadores de
Essas OM, embora prioritariamente estejam operações especiais, além de equipamentos
destinadas a atender à brigada, também ópticos e optrônicos. Os precursores podem
poderão ser empregadas em proveito de atuar em todas as fases do ciclo de inteligência,
elementos externos. dentro da área de interesse
O B DOMPSA tem do escalão enquadrante.
como principal missão
realizar o suprimen- No contexto da G4G, o O PREPARO DA BRIGADA
to aéreo por meio de EB implementou o seu DE INFANTARIA PÁRA-
paraquedas, lançando -QUEDISTA
cargas médias e pesa- processo de transformação Dentro do contexto da
das, bem como conser- para agregar e reforçar G4G, que preza pela utili-
vando ou reparando zação de ações rápidas e
os demais equipamen- capacidades para fazer profundas para desman-
tos aeroterrestres. Sua frente a essas mudanças. telar a coesão tática dos
capacidade de for- oponentes, a Bda Inf Pqdt
necer apoio logístico Considerando sua base destina-se a desestabilizar
a grandes distâncias doutrinária e os princípios o dispositivo inimigo, ain-
possibilita a essa OM da que não linear. Por essa
extrapolar os limites FAMES, a Bda Inf Pqdt tem razão, ela é preparada para
da Bda Inf Pqdt. Esse como capacidades a pronta possuir ou receber capaci-
batalhão é o responsá- dades/módulos (modula-
vel pela gestão e pelo
resposta e a projeção de ridade/elasticidade), a fim
provimento do mate- força em qualquer parte de executar grandes des-
rial aeroterrestre no locamentos estratégicos.
âmbito do EB.
do território nacional e no Também é organizada para
A Cia Prec Pqdt, entorno estratégico do país. permitir a sustentação lo-
por sua vez, é uma tro- gística na ação (sustentabi-
pa que possui prepa- lidade), ficando em estado
ração e adestramento de prontidão permanente.
diferenciados, se comparados aos padrões do Assim, o ano de instrução contempla
combate moderno. Tem como missões prin- exercícios ao longo do território nacional
cipais operar zonas de desembarque (Z Dbq) para as suas FT BI Pqdt. Ao término
e prover, em profundidade, ações de inteli- do período de adestramento, a Bda Inf
gência, reconhecimento, vigilância e aquisi- Pqdt realiza a tradicional Operação Saci.
ção de alvos (IRVA), em proveito da Bda Inf Nessas oportunidades, são atingidos os
Pqdt ou de outras forças. É importante res- objetivos de adestramento, que mesclam o
saltar que as ações de IRVA abordam o pro- emprego em um conflito híbrido (regular e
cesso de integração de suas atividades com o irregular) extrarregional, por meio de um
fim de ampliar a consciência situacional em desdobramento levado a efeito por meio de
todos os níveis e, consequentemente, facili- operações aeroterrestres (Op Aet), enfatizando
tar os processos decisórios. a incursão aeroterrestre.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 9


Fig 3 - Operação Saci 2011.
A incursão aeroterrestre, apropriada específico no interior da posição (interdição,
para a G4G, é o tipo de operação que melhor neutralização, destruição, busca de dados
traduz o emprego de tropas paraquedistas de inteligência, resgate de nacionais etc.).
no combate não linear. É uma ação ofensiva, Após a ação furtiva, ocorre um retraimento
executada no nível FT Btl ou Cia Fuz Pqdt, planejado da tropa que a executou. Esse
que compreende o rápido envolvimento tipo de operação constitui-se na manobra
vertical em uma área sobre controle inimigo. adequada a ser adotada no território nacional,
Ela tem a finalidade de obter um resultado em especial nas regiões de difícil acesso.

XXXXXX

03

01 02

XXX

XXX

Fig 4 - Incursão aeroterrestre.

10 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Além disso, a brigada possui outras O exercício Culminating, que terá duração
capacidades, tais como a prontidão de aproximada de 35 dias, servirá de referência
uma FT BI Pqdt (FT Chivunk), empregada para um novo modelo de treinamento e de
nas operações em situação de não guerra. avaliação de adestramento no EB, além
Possui, também, outra tropa (FT Biguá) de contribuir para o aperfeiçoamento do
treinada a realizar saltos em Z Dbq Sistema de Prontidão (SISPRON) e para
restritas, visando ao possível emprego o aprimoramento da doutrina militar
na faixa de fronteira, como a Amazônia brasileira.
e o Pantanal, ambientes propícios
aos conflitos de quarta geração. Daí CONSIDERAÇÕES FINAIS
o adestramento para salto em massa Ao longo dos últimos 75 anos, a Bda Inf
d’água ou em pistas de pouso de pequeno Pqdt tem sido empregada em importantes
porte. desafios enfrentados pelo
EB. Esses obstáculos per-
OPERAÇÃO CULMI- A capacidade estritamente mitiram à brigada agregar
NATING 2021 capacidades que a con-
Em 2016, os exér- bélica deve ser otimizada duziram até o seu estado
citos dos EUA e do Bra- a fim de abastecer as atual. Em decorrência do
sil firmaram um plano seu processo evolutivo, a
quinquenal, prevendo demandas de um novo Bda Inf Pqdt encontra-se
a realização de uma cenário, em que os Estados preparada para adicionar
série de intercâmbios, mais aptidões e busca,
nas mais diversas áre- dedicam-se à preparação cada vez mais, a modu-
as. Esse plano será fi- das tropas para atuarem laridade e a elasticidade,
nalizado com a execu- características extrema-
ção do exercício com- em conflitos realizados mente necessárias nos
binado Culminating, a em ambientes voláteis, combates modernos.
ser realizado em 2021, Alinhado às premissas
no Centro de Treina-
incertos, complexos e de que o DOAMEPI [1] da
mento de Preparação ambíguos. Bda Inf Pqdt esteja con-
Conjunta (JRTC, na si- dizente com o combate
gla em inglês), sediado do futuro, o seu estado-
no Fort Polk, Louisiana. Nessa oportunida- -maior trabalha para que a brigada possua
de, a Bda Inf Pqdt representará a tropa bra- estruturas modernas, recursos humanos
sileira com uma FT SU Inf Pqdt a ser en- treinados, motivados e equipamentos com
quadrada em um batalhão da 82nd Airborne tecnologia agregada.
Division. A missão será desenvolvida em A capacidade estritamente bélica deve
um contexto de amplo espectro, com pre- ser otimizada a fim de abastecer as deman-
visão de combate regular envolvendo ações das de um novo cenário, em que os Estados
ofensivas e defensivas, presença de forças se dedicam à preparação das tropas para
irregulares, atuação de organizações crimi- atuarem em conflitos realizados em am-
nosas, em ambiente rural e urbano e opera- bientes voláteis, incertos, complexos e am-
ções interagências. bíguos. Portanto, a organização da Bda Inf
Ao final do ciclo de adestramento, a Pqdt em estruturas flexíveis, adaptáveis,
tropa brasileira será avaliada juntamente modulares, elásticas e sustentáveis permi-
com militares do Exército dos EUA, te a obtenção de resultados expressivos nas
sendo certificada para ser desdobrada em operações no amplo espectro, especialmen-
qualquer teatro de operações no mundo. te quando há prontidão e poder militar.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 11


Fruto da conjuntura corrente, a ainda mais a ampliação da mobilidade
divisão entre a segurança pública e a estratégica da Bda Inf Pqdt.
defesa nacional diminuiu. Na prática, A Bda Inf Pqdt persegue a sua
isso representa novos obstáculos para os preparação na probabilidade de ser
assuntos de segurança e de defesa, uma desdobrada em qualquer hipótese
vez que os problemas relacionados a uma de emprego. Isso a conduz a estar
delas, fatalmente, estão associados à focada na prontidão e na flexibilidade
outra. Por isso, a Bda Inf Pqdt é a prova de organização para missões no
de que é fundamental o trabalho em amplo espectro dos conflitos. Essa
ambiente interagências, para a obtenção disponibilidade decorre da sua contínua
do estado final desejado nas ações. busca por capacidades alinhadas às
O EB, e por consequência, a Bda Inf diretrizes do EB, atendendo à doutrina
Pqdt, não abandonou o foco nas missões militar contemporânea.
de defesa externa e, mesmo reajustando Em 2020, a Bda Inf Pqdt completa 75
suas aptidões para atuar internamente, anos de existência. O seu lema: Brasil
nada justifica a perda de poder militar, Acima de Tudo, adotado na década de
sob pena de enfraquecimento. Nesse 1970, enche seus integrantes de orgulho,
sentido, a utilização da aeronave por impor o sentimento e a convicção de
Embraer C-390 Millennium permitirá pertencerem a uma tropa diferenciada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Exército. 70 Anos – Brigada de Infantaria Pára-quedista. Rio de Janeiro, RJ: Bibliex, 2016.
BRASIL. Exército. Comando de Operações Tesrrestres. Manual de Campanha – Força Terrestre
Componente – EB70-MC10.223. 5. ed. Brasília, DF, 2019.
BRASIL. Exército. Comando de Operações Terrestres. Manual de Campanha– Operações – EB70-
MC-10.223. 5. ed. Brasília, DF, 2017.
BRASIL. Exército. Comando de Operações Terrestres. Manual de Campanha– Operações
Aeroterrestres – EB70-MC-10.217, 1. ed. Brasília, DF, 2017.
BRASIL. Exército. Estado-Maior do Exército. Concepção Estratégica do Exército. Brasília, DF, 2019.
BRASIL. Exército. Estado-Maior do Exército. Doutrina Militar Terrestre (DMT) – EB20-MF-10.102.
2. ed. Brasília, DF, 2019.
BRASIL. Exército. Estado-Maior do Exército. Processo de Planejamento e Condução das Operações
Terrestres. EB20-MC-10.211. 2. ed. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2020.
ESCOTO, R. Guerra Irregular: a Brigada de Infantaria Pára-quedista como Força de Pacificação
no Complexo da Maré. Estado-Maior do Exército. Doutrina Militar Terrestre em Revista, Brasília-
DF, 7. ed., p. 6, jan./jun. 2015.
LIND, W. S. Compreendendo a Guerra de Quarta Geração. Military Review. ed. Brasileira, p. 13,
jan./fev. 2005.
LIND, W.; NIGHTENGALE, K.; SUTTON, J. (Orgs.). The Changing Face of War: Into the Fourth
Generation. Marine Corps Gazette, pp. 22-26, out. 1989.

NOTA
[1] DOAMEPI é o acrônimo formado pelas iniciais de Doutrina, Organização (e/ou processos),
Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura. Trata-se de um conjunto de sete fatores
determinantes, inter-relacionados e indissociáveis para a obtenção das capacidades operativas, que
são as aptidões requeridas por uma força, para que possa cumprir determinada missão ou tarefa.

12 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA DO C Dout Ex
Manuais aprovados de janeiro a setembro de 2020
EB70-MC-10.343 EB70-MC-10.211 EB70-MC-10.243 EB70-MC-10.245

MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA

EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO

COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES

Manual de Campanha Manual de Campanha Manual de Campanha


Manual de Campanha

ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR PROCESSO DE PLANEJAMENTO E DIVISÃO DE EXÉRCITO A ENGENHARIA DE CORPO DE


(APH) BÁSICO CONDUÇÃO DAS OPERAÇÕES EXÉRCITO E DE DIVISÃO DE
TERRESTRES (PPCOT) EXÉRCITO

1ª Edição 2ª Edição 3ª Edição 1ª Edição


2020 2020 2020 2020

EB70-MC-10.244 EB70-MC-10.214 EB70-MC-10.351 EB70-MC-10.353

MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA


MINISTÉRIO DA DEFESA
EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO
EXÉRCITO BRASILEIRO

COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES


COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES

Manual de Campanha Manual de Campanha Manual de Campanha Manual de Campanha

CORPO DE EXÉRCITO VETORES AÉREOS DA FORÇA BATALHÃO DE SAÚDE BATALHÃO DE DEFESA QUÍMICA,
de Ca TERRESTRE BIOLÓGICA, RADIOLÓGICA
Manual
E NUCLEAR

Edição Experimental Edição Experimental 1ª Edição


1ª Edição
2020 2020 2020
2020

EB70-MC-10.251
Edição Experimetal
EB70-MC-10.247 EB70-MC-10.357 EB70-MC-10.356
2020

MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA MINISTÉRIO DA DEFESA

EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO EXÉRCITO BRASILEIRO

COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES COMANDO DE aOPERAÇÕES TERRESTRES
a
2 Edição 1 Edição
2020 2020 2020

Manual de Campanha Manual de Campanha Manual de Campanha Manual de Campanha

AS COMUNICAÇÕES NAS A GUERRA ELETRÔNICA NAS GRUPAMENTO LOGÍSTICO INTELIGÊNCIA CIBERNÉTICA


OPERAÇÕES OPERAÇÕES

1ª Edição 2ª Edição 3ª Edição 3ª Edição


2020 2020 2020 2020

Manuais previstos para aprovação ainda em 2020


BRIGADA DE INFANTARIA AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS COMPANHIA DE ASSUNTOS
DE SELVA NAS OPERAÇÕES CIVIS (EXPR)

BATALHÃO DE OPERAÇÕES GRUPO DE ARTILHARIA DE BATALHÃO LOGÍSTICO


PSICOLÓGICAS CAMPANHA

BATALHÃO DE FORÇAS BATALHÃO DE SUPRIMENTO FORÇA-TAREFA BLINDADA


ESPECIAIS

ORGANIZAÇÕES MILITARES REGIMENTO DE CAVALARIA


DE GUARDAS MECANIZADO

BATALHÃO DE AÇÕES DE BATALHÃO DE AVIAÇÃO


COMANDOS DO EXÉRCITO

http://www.cdoutex.eb.mil.br/
A PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NAS MÃOS
DOS ESPECIALISTAS

Major Paulo Zilberman Henriques

O Major de Artilharia Zilberman é aluno da Escola de Comando As formações, o exercício e o serviço em


e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi declarado aspirante campanha podem ser traduzidos, nos dias
a oficial, em 2005, pela Academia Militar das Agulhas Negras de hoje, pelos termos organização, preparo
(AMAN) estabelecimento de ensino no qual foi
instrutor. É mestre em Ciências Militares e emprego, que descrevem o atual conceito
pela Escola de Aperfeiçoamento de de Doutrina Militar [1], mostrando como
Oficiais (EsAO). Possui pós-graduação em seu papel na arte da guerra não mudou
Geopolítica e em Relações Internacionais
nesses dois séculos que nos separam do
pela Universidade Claretiano. Participou
da formulação do manual de campanha general prussiano. Por sua característica
Planejamento e Coordenação de Fogos, basilar, a doutrina constitui-se em um fator
do anteprojeto dos manuais de campanha determinante da capacidade [2] operativa de
Topografia do Artilheiro e Reconhecimento,
Escolha e Ocupação de Posição do Grupo
uma força, ao redor do qual se estruturam
de Artilharia de Campanha, e do anteprojeto de revisão do os demais fatores que conformam o
Caderno de Instrução do Observador do Tiro de Artilharia pelo acrônimo DOAMEPI (Doutrina, Organização,
Combatente de Qualquer Arma (paulozilberman@gmail.com). Adestramento, Material, Educação, Pessoal e
Infraestrutura) (BRASIL, 2019b, p. 3-3).
O PAPEL DA DOUTRINA A constante evolução característica
A doutrina pode ser definida como da Era do Conhecimento obriga a uma
o “conjunto de princípios, conceitos, permanente transformação dos conceitos e
normas e procedimentos, fundamentados procedimentos previstos na doutrina, de modo
principalmente na experiência, destinados que se constitua como um “importante vetor
a estabelecer linhas de pensamentos e a impulsionador do Processo de Transformação
orientar ações, expostos de forma integrada [...] com a finalidade de introduzir os conceitos
e harmônica” (BRASIL, 2015, p. 94). Sua da Era do Conhecimento no âmbito de toda a
finalidade, portanto, é orientar o modus Instituição” (BRASIL, 2013, p. 31).
operandi de uma Força Armada, integrando, Novas tecnologias, novas formas de
além disso, sua cultura organizacional e seu combater e novas condicionantes operacionais
modo de ver a guerra. impõem mudanças à Força, demandando,
Clausewitz (1996), em sua obra Da assim, novas capacidades. Além da velocidade
Guerra, discorreu sobre a doutrina das forças das mudanças, também é exigida uma
armadas ressaltando que: especialização profissional cada vez maior
em cada assunto, o que torna um desafio
os regulamentos e os métodos o aproveitamento dos melhores recursos
introduzem, na guerra, as teorias que
humanos disponíveis, que se encontram
a preparam pelo fato de se transmiti-
las como princípios atuantes às forças
dispersos no âmbito da Organização.
combatentes exercitadas. O conjunto A gestão eficiente do conhecimento
das instruções relativas às formações, doutrinário gerado na Força permite
ao exercício e ao serviço em campanha tornar realidade a efetividade da produção
constitui os regulamentos e os métodos doutrinária. Para que seja efetiva, a produção
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 132). doutrinária deve, portanto, incorporar

14 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


as novas capacidades e competências Terrestre, de forma a aproveitar os recursos
que o Exército espera possuir na Era do disponíveis na própria instituição.
Conhecimento, atualizando as concepções A produção doutrinária materializa-se nos
e os conceitos doutrinários por meio da produtos doutrinários [3], cuja preparação é
formulação de manuais (BRASIL, 2019a, p. dividida em fases sequenciais: planejamento,
3). Dessa forma, espera-se que a qualidade formulação, validação e difusão. Dentre elas,
do corpo doutrinário espelhe o papel a de formulação traduz-se na elaboração ou
fundamental que a doutrina desempenha na revisão das publicações doutrinárias, tarefa
Força Terrestre. precedida por uma subfase de pesquisa
doutrinária.

CICLO DE PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA


EME
Banco de PLANEJAMENTO
dados PDDMT
Doutrinários

DIFUSÃO FORMULAÇÃO
Projeto
Aprovado
Anteprojeto
Fig 1 - Fatores determinantes das capacidades. VALIDAÇÃO
A PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA Quadro 1 - Ciclo de produção doutrinária.
Como conjunto de ideias, a doutrina A atividade de formulação normalmente
precisa ser escrita, organizada, difundida e é atribuída aos estabelecimentos de ensino
alcançar a todos, permitindo a orientação das
(Estb Ens) ou às organizações militares
ações dos indivíduos e das frações na Força,
(OM) consideradas mais aptas a cumprirem
de modo a salvaguardar o conhecimento
a missão, de acordo com o tema tratado.
institucional. Nesse sentido, o Exército
Esse encargo se torna mais adequado à
Brasileiro estruturou o Sistema de Doutrina
medida que o escalão do assunto tratado
Militar Terrestre (SIDOMT), normatizando
é mais baixo ou o tema mais específico, de
os responsáveis, as tarefas e os processos
acordo com a maior especialização natural
necessários à evolução da Doutrina Militar
dos quadros que integram as unidades
Terrestre (DMT).
militares.
O SIDOMT tem o Estado-Maior do Exército
(EME) como órgão indutor e o Comando de No entanto, quanto maior o escalão
Operações Terrestres (COTER), por intermédio e quanto mais geral o tema, mais difícil
do Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex), se torna encontrar, em um único local, os
como órgão central, responsável por elaborar estudiosos e os especialistas das partes
e manter atualizada a DMT no nível tático que compõem o produto a ser formulado.
(BRASIL, 2017a, p. 15). Essa tarefa engloba a E, mesmo no primeiro caso, por vezes, o
gestão da produção doutrinária, atividade que assunto é tão específico que seu domínio
considera todos os órgãos e entidades da Força somente é verificado em profissionais

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 15


que reúnem profundo conhecimento e
experiência, fruto, muitas vezes, de sua
motivação e dedicação pessoais ao longo
de anos de estudo. Esses profissionais não
necessariamente se encontram servindo
em Estb Ens ou OM correlatas ao tema
de interesse.
O desafio que se apresenta a uma
instituição tão grande e complexa
como o Exército Brasileiro é o de
evitar o desperdício de conhecimentos,
habilidades e experiências, alocando as
pessoas certas para os lugares certos
(BRASIL, 2015a, p. 5), o que enseja uma
eficiente gestão por competências [4]. Fig 2 - Os grupos de trabalho específicos na
Saber quem são os especialistas produção doutrinária.
em cada área se torna primordial para
que o potencial dos recursos humanos e motivam o desenvolvimento das
da Força seja aproveitado, ao máximo, competências [6] atinentes a certas áreas
por meio de um banco de talentos [5] de seu interesse. Desse conjunto de fatores
disponível para os que planejam a surgem os especialistas. À época, o autor
evolução da DMT. Essa ideia já foi concluiu que os integrantes das equipes
apresentada pelo Coronel Jansen, então de produção dos manuais devem ser
gerente do projeto de implantação do C escolhidos por suas competências e não
Dout Ex, que atesta que: pelo local onde estão servindo (JANSEN,
2013, p. 9), argumento que corrobora a
há um imenso conhecimento acu-
mulado pelos integrantes do Exérci-
constituição de Grupos de Trabalho (GT)
to Brasileiro (EB), em todos os seus específicos para esse fim.
níveis, fruto de inúmeros cursos de
formação, especialização, extensão, OS GRUPOS DE TRABALHO ESPECÍ-
aperfeiçoamento e pós-graduação re- FICOS NA PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA
alizados no Brasil e no exterior. Esse
As normas atuais do SIDOMT já
cabedal é complementado pelas expe-
riências individuais colhidas a partir preveem a possibilidade de realização
da participação em operações milita- dos projetos doutrinários por grupos de
res, missões de paz e exercícios. Não trabalho específicos que contam com a
faltam profissionais competentes nos participação de especialistas, apesar de tal
quadros do Exército, capazes de ela- dispositivo ser descrito como uma exceção
borar uma Doutrina Militar atual e
à regra. A visão apresentada no SIDOMT,
contextualmente adequada às no-
vas e emergentes ameaças (JANSEN, acerca dessa metodologia de trabalho, é a
2013, p. 6). de que a colaboração de especialistas em
estudos de assuntos doutrinários deva
Na visão do Coronel Jansen, o ocorrer à distância e sem prejuízo de suas
conhecimento e a experiência são atributos atividades normais (BRASIL, 2015c, p. 28).
individuais, moldados por atividades Talvez por conta disso não se observe nos
desenvolvidas durante a carreira de cada Planos de Desenvolvimento da Doutrina
profissional, mas também catalisados por Militar Terrestre (PDDMT) o encargo direto
características pessoais, que facilitam de projetos doutrinários a GT específicos.

16 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Nível de Tipo de Publicação Formulador Coordenador Aprovador
Hierarquia
Manual de
1º nível EME
Fundamentos (MF)
Manual de
2º nível COTER COTER/C Dout Ex COTER
Campanha (MC)
ODS/OADI
Manual de C Mil A
COTER/C Dout Ex COTER
Campanha (MC)
3º nível
Publicação de Ensino DECEx DECEx DECEx
COTER
4º nível CI, VM ou MT ODS/OADI ODOp/ODS/OADI ODOp/ODS/OADI
C Mil A
Quadro 2 - Responsabilidades dos órgãos quanto às publicações doutrinárias.
Ainda que um GT não tenha sido Militar Terrestre 2019 expressa como
encarregado diretamente como órgão intenção para manter atualizado o SIDOMT
formulador no PDDMT, essa organização o aperfeiçoamento da pesquisa e da
de trabalho vem sendo cada vez mais prospecção doutrinária no âmbito da Força,
empregada no auxílio aos Estb Ens e às sendo fator crítico para isso a “existência
OM, ou mesmo às grandes unidades (GU) de pessoal especializado para realizar o
responsáveis por cada projeto doutrinário. planejamento, elaboração, validação e
Diversas iniciativas já foram e estão sendo difusão da DMT” (BRASIL, 2019d, p. 13).
estimuladas pelo C Dout Ex, valendo-se Nesse sentido, como aproveitar de
dos meios digitais para integrar a opinião forma efetiva na atividade de produção
de colaboradores em fóruns específicos. doutrinária tamanho potencial pulverizado
Dentre as iniciativas em curso está a reunião na Instituição? A solução para isso vem
presencial de representantes de órgãos e sendo construída rapidamente no processo
de unidades militares para colaborarem de transformação do Exército, impulsionada
pontualmente com a elaboração de com a criação do C Dout Ex, e nos aproxima
produtos doutrinários e a organização de cada vez mais de uma eficiente gestão por
seminários que visam a validar anteprojetos competências na área da doutrina. Esse é o
de publicações doutrinárias. As lições fator-chave para que a produção doutrinária
aprendidas desses empreendimentos são seja efetiva, sustentando uma Força com
extremamente positivas e, certamente, novas capacidades e competências e, de
estão nos conduzindo a dar mais um passo acordo com a Concepção de Transformação
na especialização da produção doutrinária. do Exército (BRASIL, 2013), fazendo-a
O SIDOMT reconhece a importância evoluir para a Era do Conhecimento.
dos especialistas nas mais diversas áreas
de atuação para a realização das pesquisas REUNINDO OS ESPECIALISTAS
doutrinárias, porquanto os considera “fonte A produção doutrinária é uma atividade
primária de conhecimentos tácitos que complexa e não existe apenas uma solução
podem ser úteis ao desenvolvimento da que se aplique a todos os problemas
DMT” (BRASIL, 2017, p. 19). militares. Para cada produto doutrinário
A pesquisa doutrinária demanda a ser desenvolvido, uma forma diferente
competências pessoais para produzir de trabalho pode ser mais efetiva, o que
resultados, motivo pelo qual a Política representa um desafio aos gestores do

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 17


processo. Identificar a melhor forma  proporcionarem dedicação exclusiva
de conduzir cada projeto faz parte da às atividades de pesquisa e de formulação
análise desenvolvida durante a fase de doutrinárias;
planejamento, na qual é designado o órgão  facilitarem a gestão da equipe;
formulador e são estabelecidas as diretrizes  possibilitarem meios adequados de
para a execução do trabalho. trabalho;
Nessa fase, dispondo-se de um banco  melhorarem a comunicação dos
de talentos para a área da doutrina, pode- integrantes entre si e destes com os órgãos
-se optar por diferentes níveis de integra- externos; e
ção dos especialistas, a depender do tema  reduzirem, consideravelmente, o
a ser tratado, dos prazos estabelecidos e tempo necessário para a elaboração do
dos recursos disponíveis para a realização anteprojeto.
do projeto. Em todos eles, é possível bus- Como desvantagem, esse modelo de GT
car a participação de profissionais que ser- presencial demanda recursos para o desloca-
vem em diferentes locais, constituindo-se mento e para a manutenção do pessoal, quan-
grupos de trabalho ad hoc [7] a partir das do as atividades se realizarem fora das guar-
competências individuais nições de origem. Além
necessárias à formulação disso, desguarnecem tem-
porariamente as funções
do produto doutrinário. O estado da arte, exercidas pelos especialis-
Inúmeras vantagens po-
dem ser identificadas no sem dúvidas, tas selecionados.
seu emprego, conferindo consiste em reunir Como forma de apro-
substância e celeridade à veitar o conhecimento e a
produção doutrinária. presencialmente um experiência advindos de
O estado da arte, sem grupo multifuncional missões no exterior, pode-
dúvidas, consiste em reu- -se ainda buscar adequar o
nir presencialmente um de especialistas nos cronograma do projeto de
grupo multifuncional de assuntos a serem modo que coincida com o
especialistas nos assun- período de retorno da mis-
tos a serem tratados, com
tratados, com prejuízo são de um ou mais mili-
prejuízo de suas ativida- de suas atividades tares da equipe. Além das
des funcionais. Os pro- vantagens de aumentar a
fissionais passariam à
funcionais. capacitação dos profissio-
disposição do órgão coor- nais selecionados para o GT
denador do projeto (vide quadro 2), a quem e minimizar o prejuízo de unidades militares,
caberia proporcionar as condições necessá- por terem de passar seus quadros à disposição
rias ao desenvolvimento dos trabalhos. Essa de outro órgão, pode-se determinar com ante-
forma de trabalho é a que, certamente, me- cedência o levantamento dos Elementos Es-
lhor traduz a afirmação de Serrano (2019, senciais de Informações Doutrinárias (EEID)
p. 6), de que “estudos doutrinários, por se- necessários ao projeto, para que seja realiza-
rem de certo modo uma pesquisa, requerem do, durante a missão no exterior. Aumenta-se,
método e rigor intelectual e, por possuírem dessa forma, o aproveitamento institucional
finalidade prática, precisam atender aos das missões no exterior, ao direcionar os es-
critérios de necessidade, pertinência e fac- forços do militar em temas de interesse da
tibilidade”. Força e proporcionar o emprego imediato dos
Os grupos de trabalho ad hoc conhecimentos obtidos, por meio da atividade
presenciais apresentam como vantagens que mais multiplica conhecimento na Insti-
a maximização da eficiência dos recursos tuição: a produção doutrinária.
humanos e da qualidade do produto a ser Por sua vez, a forma não presencial
desenvolvido, por: de trabalho se baseia nas iniciativas

18 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Fig. 3 - Terceira videoconferência da Reunião de Coordenação Doutrinária.
anteriormente mencionadas que já estão coordenador do projeto. Para isso, faz-se
sendo executadas pelo C Dout Ex e por alguns necessário a realização de ajustes quanto ao
órgãos coordenadores de projetos doutrinários, regime de trabalho especial em suas unidades
como a realização de seminários, o emprego de origem e pode-se pensar em uma forma de
de plataformas virtuais para debates e as valorizar sua participação em missões dessa
reuniões de coordenação esporádicas para natureza, de modo a motivar a especialização
verificar o andamento dos trabalhos de profissional ao longo da carreira e a incentivar
formulação dos anteprojetos. Essas atividades a colaboração matricial de cada militar na
sintetizam um grande avanço na metodologia produção doutrinária.
de desenvolvimento de projetos doutrinários, Cabe ressaltar uma forma inovadora
embora os gestores da DMT ainda não para a formulação de publicações
disponham, nos dias de hoje, dos melhores doutrinárias, realizada sob a forma de
recursos disponíveis na Força para a execução Projeto Interdisciplinar. Tal metodologia tem
desses trabalhos. sido utilizada recentemente na Escola de
Atualmente, a constituição dos GT ainda Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e na Escola
depende dos Estb Ens ou das OM encarregadas de Comando e Estado-Maior do Exército
de formular os produtos doutrinários, e (ECEME), como aproveitamento dos cursos
mesmo que haja colaboradores externos, de Aperfeiçoamento de Oficiais e de Altos
eventualmente, estes são representantes Estudos Militares. Essa sistemática aproveita
de outras unidades militares, escalados por o valor do universo de alunos e de instrutores,
conveniência ou disponibilidade naquele que cursam anualmente essas escolas, e
momento – e não necessariamente por suas que, naturalmente, conta com especialistas
competências pessoais – para participarem e estudiosos com anos de experiência em
dos trabalhos do grupo formulador. variados temas. Além disso, a execução
A seleção de especialistas, por meio dos trabalhos de pesquisa conta com meios
de um banco de talentos para a área da adequados e tempo previsto nos cronogramas
doutrina, e a constituição formal de grupos dos cursos, atendendo mutuamente aos
de trabalho ad hoc, pelo C Dout Ex, para interesses da DMT e das ciências militares.
alguns produtos doutrinários, tornariam Como se pode observar, várias soluções
mais efetiva a metodologia de trabalho que metodológicas permitem tornar cada vez mais
se experimenta atualmente, incluindo nas efetiva a produção doutrinária da Força, mas
equipes de desenvolvimento profissionais todas elas dependem das competências dos
não subordinados diretamente ao órgão profissionais que realizarão o trabalho em si.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 19


A integração dos conhecimentos produzidos identificação dos especialistas em cada tema
matricialmente pelas demais fontes do de interesse, torna-se viável a constituição de
conhecimento doutrinário demanda uma grupos de trabalho ad hoc para a formulação
avaliação apurada de quem tem melhores de produtos doutrinários de acordo com os re-
condições de julgamento das informações e cursos demandados, aproveitando-se das ex-
opiniões levantadas. Assim, o conhecimento periências pessoais e do conhecimento adqui-
empregado na subfase rido por seus integrantes
de pesquisa doutrinária “Um especialista ao longo de anos de estudos
para a elaboração de um que tenha passado a pregressos.
produto se soma a todos Diferentes graus de
metade da sua vida
os estudos individuais interação podem ser pro-
pregressos dos integrantes tentando dominar porcionados para o desen-
da equipe do projeto, todos os aspectos de volvimento dos trabalhos
“afinal um especialista que algum assunto obscuro desses GT. O estado da arte
tenha passado a metade que se visualiza para a pro-
da sua vida tentando certamente terá dução doutrinária consis-
dominar todos os aspectos maiores probabilidades te na reunião presencial
de algum assunto obscuro, de obter progressos de grupos de especialistas
certamente, terá maiores nos assuntos tratados, com
probabilidades de obter do que um homem que prejuízo de suas atividades
progressos do que um esteja há pouco tempo funcionais. Entretanto, ou-
homem que esteja há pouco tentando dominá-lo” tras formas de interação
tempo tentando dominá- entre os membros dos GT
lo” (CLAUSEWITZ, 1996, p. (CLAUSEWITZ). podem ser empregadas,
155). conferindo, ainda assim,
maior substância e celeridade à produção dou-
CONSIDERAÇÕES FINAIS trinária.
A doutrina exerce um papel fundamental Algumas iniciativas recentes do C Dout
na organização, no preparo e no emprego das Ex já apontam para a complementação do
forças armadas e encontra-se regulada no atual modelo de formulação de produtos
âmbito do Exército Brasileiro pelas normas doutrinários por GT orgânicos dos Estb
que regem o SIDOMT. Sua evolução ao longo Ens ou das OM consideradas mais aptas de
do processo de Transformação do Exército acordo com o tema tratado. O sucesso desses
tem sido considerada um vetor de impulsão novos empreendimentos, que estimulam a
à Era do Conhecimento, materializado sob a colaboração de profissionais não pertencentes
forma de novas publicações doutrinárias. ao órgão formulador, reforça a necessidade
As normas atuais do SIDOMT preveem de especialização dos recursos humanos
a possibilidade de formulação de produtos responsáveis pela produção doutrinária
doutrinários por Grupos de Trabalho e encoraja o desenvolvimento de novas
Específicos, entretanto, a inexistência de um metodologias de trabalho.
banco de talentos para a área da doutrina é um O desafio de se realizar uma eficiente
dos fatores que dificulta o aproveitamento dos gestão por competências em uma Instituição
especialistas em cada área de interesse, que se tão grande e complexa como o Exército
encontram dispersos pela Instituição. Brasileiro demanda esforços na mesma
Nesse sentido, uma eficiente gestão por proporção que o papel institucional que cabe à
competências na área da doutrina é o fator- doutrina. Para que seja possível fazer evoluir
-chave para que a produção doutrinária se tor- a Doutrina Militar Terrestre, segundo os
ne mais efetiva, sustentando uma Força com preceitos da Era do Conhecimento, devemos
novas capacidades e competências compatí- aproveitar o melhor de nossos especialistas na
veis com os desafios do século XXI. A partir da produção doutrinária da F Ter.

20 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


REFERÊNCIAS
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______. EB10-IG-01.005: Instruções Gerais para o Sistema de Doutrina Militar Terrestre
(SIDOMT). 5. ed., Brasília, DF, 2017a.
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ed. Brasília, DF, 2015c.
______. EB20-MF-10.102: Doutrina Militar Terrestre. 2. ed., Brasília, DF, 2019b.
______. EB20-P-03.001: Plano de Desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre – 2017/2018
(PDDMT 17/18). 5. ed. Brasília, DF, 2016.
______. EB20-P-03.001: Plano de Desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre 2018 – PDDMT
2018. 6. ed. Brasília, DF, 2017b.
______. EB20-P-03.002: Plano de Desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre 2019 – PDDMT
2019. 7. ed. Brasília, DF, 2018.
______. EB20-P-03.002: Plano de Desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre 2020 – PDDMT
2020. 8. ed. Brasília, DF, 2019c.
______. EB20-P-10.001: Plano de Desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre 2016/2017 (PDDMT
16/17), 1. ed. Brasília, DF, 2015d.
______. Política Militar Terrestre 2019, integrante do Sistema de Planejamento Estratégico do
Exército. Brasília, DF, 2019d.
JANSEN, Alexandre Eduardo. Uma nova estrutura para a produção doutrinária no Exército
Brasileiro. Doutrina Militar Terrestre em Revista. Brasília, v. 1, ed. 1., p. 6-15, jan-mar, 2013.
SERRANO, Marcelo Oliveira Lopes. As bases do pensamento doutrinário. Doutrina Militar
Terrestre em Revista, Brasília, ano 007, ed. 018, p. 06-09, abr-jun. 2019.
VON CLAUSEWITZ, Carl. Da Guerra. Tradução Maria Teresa Ramos. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.

NOTAS
[1] A doutrina militar compreende o conjunto harmônico de ideias e de entendimentos que define,
ordena, distingue e qualifica as atividades de organização, preparo e emprego das Forças Armadas (FA).
Engloba a administração, a organização e o funcionamento das instituições militares (como organizar,
como equipar, como combater) (BRASIL, 2019b, p. 1-2).
[2] Capacidade é a aptidão requerida a uma força ou Organização Militar para cumprir determinada
missão ou atividade. Essa aptidão é exercida sob condições e padrões determinados, pela combinação
de meios para desempenhar uma gama de tarefas (BRASIL, 2019b, p. 3-2).
[3] Produtos doutrinários são classificados quanto ao fim a que se destinam como manuais de campanha,
cadernos de instrução, vade-mécum, dentre outros (BRASIL, 2017, p. 10).
[4] A Gestão de Pessoas por Competências será entendida como um conjunto integrado de processos e de
atividades dos gestores da Área de Pessoal, que visa a aumentar a efetividade da organização por meio
do desenvolvimento de talentos e alinhamento das competências individuais e profissionais de seus
integrantes com as capacidades necessárias à organização (BRASIL, 2015b, p. 4).
[5] A Diretriz de Pessoal do EB prevê que a identificação de talentos ocorrerá de forma permanente, a
partir das Escolas de Formação, a fim de permitir que, desde os primeiros anos de sua vida profissional,
o militar seja incentivado e estimulado a desenvolver importantes competências que permitirão à Força
direcioná-lo para áreas funcionais de interesse do Exército e do próprio militar. Nesse contexto, torna-
se de fundamental importância a estruturação de um banco de talentos. Um eficaz Sistema de Gestão
de Talentos, gerido pelo Departamento-Geral do Pessoal (DGP) e com a participação de outros Órgãos de
Direção Setorial (ODS), permitirá o gerenciamento do cadastro de habilitações e de talentos do pessoal
militar da ativa e da reserva, visando à melhor alocação dos recursos humanos (BRASIL, 2015b, p. 4).
[6] As competências necessárias para que um militar desempenhe um cargo estão apoiadas na aquisição
de conhecimentos e habilidades; no desenvolvimento de atitudes e valores institucionais; e na
experiência (BRASIL, 2019b, p. 2-9).
[7] Os grupos de trabalho ad hoc têm como característica serem criados para cumprirem um propósito
específico por um tempo determinado.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 21


A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA RESILIÊNCIA
E DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL PARA O
MILITAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO
1º Sargento Clayton dos Santos

O 1° Sargento de Artilharia Clayton serve no 6º Batalhão de pode colaborar para o desenvolvimento


Inteligência Militar, Campo Grande-MS. Foi promovido à graduação de líderes. No que concerne à inteligência
de Terceiro-Sargento, em 1999, pela Escola de
Sargentos das Armas (EsSA). É bacharel em
emocional, será possível perceber a
administração pela Universidade do Sul de importância de treinamento nesse campo a
Santa Catarina e graduado em recursos fim de aprimorar a habilidade de gerenciar
humanos pela Universidade Paulista. Está as emoções, de controlar os impulsos e de
realizando Master Business Administration manter o otimismo em situações difíceis.
(MBA) em Leadership and Management.
Cursou, nos Estados Unidos da América
Como resultado, fornecerá uma visão geral
(EUA), o Sergeants Major Course, no NCO sobre a importância da implementação do
Leadership Center of Excellence (USASMA), e treinamento da resiliência e da inteligência
o Master Resilience Training (MRT). Comandou emocional para os militares do EB.
o Corpo de Alunos da Escola de Aperfeiçoamento As constantes mudanças nos cenários
de Sargentos das Armas. Foi nomeado instrutor da USASMA, nos
EUA, para o biênio 2021/2023 (cleytonsantos2003@hotmail.com).
político, econômico e social fazem com que
as pessoas necessitem, cada vez mais, de
Atualmente, o Exército Brasileiro (EB) se adaptar rapidamente aos novos modelos
passa por um processo de transformação e de interação social. Esses fenômenos
busca valorizar, cada vez mais, seus recursos interativos, por diversas vezes, causam
humanos. Possuir militares que possam problemas e desafios a serem superados.
se sobressair nos ambientes operacionais A dinâmica e a complexidade da interação
complexos, perante ameaças de difícil humana estão sendo gradativamente objetos
definição e objetivos incertos, é fundamental de estudos para se alcançar resultados e a
para o sucesso da Força Terrestre (F Ter). efetividade nas ações. Todavia, líderes em
Todavia, são diversos desafios físicos e todo mundo enfrentam dificuldades em
psicológicos enfrentados quando o militar é superar esses desafios em um ambiente
exposto a situações de estresse. em que as pessoas estão, paulatinamente,
Este artigo tem por objetivo argumentar distantes e, ao mesmo tempo, tão próximas
sobre a importância de implantar cursos umas das outras. A informação e a situação
de desenvolvimento de resiliência e de mudam todos os dias, sendo fundamental
inteligência emocional para os militares ter soldados em condições de responder às
do EB, com a finalidade de otimizar a transições dinâmicas da atualidade. Por isso,
capacidade de reação positiva diante de torna-se importante que o EB desenvolva um
situações de pressão às quais os militares são plano de treinamento para capacitar líderes
expostos. Apresentará como o treinamento ágeis e adaptativos, capazes de preparar seus
da resiliência e o da inteligência emocional soldados para as situações que exijam preparo
podem contribuir para o desenvolvimento físico, emocional e intelectual.
de competências e de habilidades essenciais A implantação do treinamento para
para dar objetivo, motivação, orientação e o desenvolvimento da resiliência e da
capacidade de superar desafios, quando em inteligência emocional nos militares
uma situação de adversidade. Além disso, proporciona vantagens operacionais,
abordará como o treinamento da resiliência tornando as equipes mais coesas e os seres

22 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


humanos mais flexíveis e adaptáveis às (MRT) aplicado junto ao Exército dos EUA
situações e aos desafios que surgem. O (2011), o indivíduo resiliente possui reações
treinamento, por intermédio de cursos que positivas, proatividade e adaptabilidade, para
solucionar problemas que contribuem para o
desenvolvem esses atributos, traz conceitos
exercício da liderança.
e capacitações necessários para desenvolver
Em outras palavras, a resiliência é a
habilidades importantes para qualquer
capacidade de persistir diante dos desafios e
militar. Além disso, o EB pode aproveitar esse
de subjugar as adversidades. No livro “O fator
treinamento para desenvolver resiliência
de resiliência - sete habilidades essenciais
e inteligência emocional em soldados,
para superar os inevitáveis obstáculos da
familiares e civis que porventura façam parte vida” (2002), o Dr. Andrew Shatté ensina os
da família militar. sete fatores da pessoa resiliente como sendo:
Os estudos da resiliência e da inteligência  o otimismo;
emocional podem contribuir, também, com  a empatia;
o desenvolvimento da liderança, ponto de  a administração das emoções;
inflexão na estrutura da F Ter, por tratar-  o controle dos impulsos;
se de um dos mais importantes elementos  a análise causal;
do poder de combate terrestre. Os cursos  a autoeficácia; e
de desenvolvimento de resiliência e de  o alcance da vida.
inteligência emocional estão diretamente Corroborando os ensinamentos de
relacionados a essa temática. Dessa Shatté, há uma série de fatores, baseados em
forma, o EB capacitará ainda mais seus evidências, que contribuem com o estudo
integrantes para superar desafios, solucionar da resiliência e foram expostos por Reivich,
conflitos, buscar metas e atingir resultados. Seligman e McBride (2011):
Consequentemente, cursos dessa natureza  otimismo;
utilizam-se de diversas técnicas e áreas  solução eficaz de problemas;
cognitivas e metacognitivas, que possuem  fé;
forte influência na formação de líderes.  senso de significado;
 autoeficácia;
A RESILIÊNCIA  flexibilidade;
A dinâmica das atividades e das  controle de impulsos;
informações exige que as pessoas rapidamente  empatia;
se moldem e se adaptem às novas tendências,  relacionamentos íntimos; e
às tecnologias e às adversidades, que se  espiritualidade, dentre outros.
apresentam cada vez mais complexas e de Os fatores e os conceitos relacionados
difícil resolução. Assim, a resiliência se à resiliência estabelecem conexões desse
tornou um conteúdo atitudinal crucial para os atributo com as atividades diárias das
líderes. Uma das definições trazida pela Dra. pessoas. As relações interpessoais e as
Edith Grotberg, em seu livro “Descobrindo as habilidades socioemocionais são otimizadas
próprias fortalezas”, é: pela correta prática, que pode ser realizada
durante e após o curso específico. Para os
resiliência é o processo em que um sujeito militares, pode-se afirmar que os soldados,
enfrenta as adversidades, se abala, supera por se tornarem resilientes e possuidores
as adversidades e o seu próprio abalo e
amadurece, desenvolvendo-se a partir de outros conteúdos atitudinais, identificam
daquele enfrentamento. problemas e desenvolvem comportamentos
e ações para superá-los. Assim, é possível
Outro fato importante a mencionar diz afirmar que a resiliência favorece uma
respeito à resiliência como um componente transformação cultural nas organizações
essencial da liderança. Por meio da militares, por meio do desenvolvimento de um
resiliência, os líderes aplicam a liderança clima organizacional positivo e de pessoas cada
na adversidade e em situações difíceis. De vez mais comprometidas e preparadas para
acordo com o Master Resilience Training agirem em prol do sucesso da organização.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 23


Consequentemente, é possível perceber  reconheça as forças do caráter em si
que o desenvolvimento de um curso mesmo e nos outros;
específico para o treinamento da resiliência  força dos personagens;
proporcionará diversos benefícios aos  comunicação assertiva;
recursos humanos da F Ter.  elogio efetivo e resposta constru-
tiva;
 resiliência e primeiros socorros; e
VISÃO GERAL DO CURSO DE DESEN-  treinamento de resiliência de ciclo
VOLVIMENTO DE RESILIÊNCIA de implantação (MRT, 2014).
O curso de desenvolvimento de resiliência Como resultado, o treinamento fornece
tem como base a psicologia positiva, preparação, suporte e aprimoramento para
que foca nos objetivos pelo pensamento os participantes, tornando-os mais fortes
otimista e pelas atitudes positivas. Além das psicologicamente no enfrentamento de
vantagens para o próprio militar que realiza adversidades. Dessa maneira, o EB, por
o curso, é possível adquirir conhecimentos meio de parcerias e militares capacitados,
com a finalidade de ensinar outros soldados pode planejar um curso específico para a
(REIVICH; SELIGMAN; McBRIDE, 2011). realidade brasileira, no intuito de preparar
Hoje em dia, curso similar é realizado junto seus militares para alcançarem alto nível
ao Exército dos EUA e ao Centro de Psicologia de autoconsciência e de agilidade mental
Positiva da Universidade da Pensilvânia para o enfrentamento dos desafios e
(REIVICH; SELIGMAN; McBRIDE, 2011). adversidades atuais.
Esse curso de desenvolvimento de
resiliência realizado junto ao Exército dos
EUA possui os seguintes módulos: A IMPORTÂNCIA DAS COMPETÊNCIAS
 definição de metas; As competências treinadas em curso
 caçando aspectos positivos no obstá- de desenvolvimento da resiliência devem
culo; ser estimuladas por meio de provocações
 evento ativo, pensamentos e conse- aos instruendos, instigando-os à prática de
quências; habilidades que o EB pode utilizar dentro
 gerenciamento de energia; de um cenário real. Como mencionado, as
 evite armadilhas de pensamento;
principais competências que podem ser
 detectar icebergs;
 solução de problemas; propostas no curso são:
 coloque o problema em perspectiva;  autoconsciência;
 jogos mentais;  autorregulação;
 resiliência em tempo real;  otimismo;

Fig 1 - Habilidades desenvolvidas no curso de resiliência conduzido pelo Exército dos EUA.

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 agilidade mental; estrutura da F Ter, pois se trata de um dos
 forças de caráter; e elementos do poder de combate terrestre. A
 conexão (MRT, 2014). resiliência, nesse contexto, surge como um
A autoconsciência, capacidade de dos atributos que sustentam e reforçam o
reconhecer suas próprias emoções, legado de qualquer líder. Ambas, liderança
desenvolve pessoas mais seguras e e resiliência, são cruciais para estabelecer
autoconfiantes, pois elas conhecem seus e cumprir um objetivo. A liderança fornece
próprios sentimentos, proporcionando objetivos, motivação e orientação, enquanto
melhor autocontrole de suas ações. a resiliência traz a capacidade de se
A autorregulação aponta como é relevante recuperar das dificuldades e de se adaptar
saber regular e expressar as emoções na a novos ambientes. Assim, elas caminham
dose correta, no momento oportuno e de juntas para alcançar o sucesso de uma
acordo com o perfil do receptor, evitando
missão.
pensamentos contraproducentes.
A profissão militar é diferente das outras
Quanto ao otimismo, o curso ensina a
profissões porque os soldados devem estar
permanecer realista, com esperança, e como
prontos para usar a força letal e resistir a
combater as tendências negativas.
A agilidade mental pressões para superar
oferece a oportunidade A implantação do vários tipos de ameaças.
de desenvolver a flexi- Portanto, a liderança e a
treinamento para o resiliência apresentam
bilidade, o pensamento
crítico e criativo, a dis- desenvolvimento da a mesma importância
posição para fazer as resiliência e da inteligência no programa de trei-
coisas e a capacidade de namento da resiliência
identificar e entender os emocional nos militares aqui proposto. Por meio
problemas. proporciona vantagens de alguns atributos e
Os pontos fortes do competências ensinados
caráter são essenciais operacionais, tornando as no transcorrer do curso,
para construir morali- equipes mais coesas e os os militares podem de-
dade e integridade, a fim senvolver a resiliência
de continuar reforçando seres humanos mais flexíveis e a liderança, além de
os valores da institu- e adaptáveis às situações e outras habilidades que
ição. Dessa maneira, o promovem a preparação
curso aborda e expõe,
aos desafios que surgem.
mental para situações
para reflexão, como os de enfretamento e de
pontos fortes do caráter são úteis para supe- decisões difíceis.
rar desafios e alcançar objetivos.
Como competência no treinamento da A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
resiliência, a conexão visa ao fortalecendo das A inteligência emocional é fator decisivo
relações interpessoais, pela compreensão da
para o comando e para os líderes de todos
importância de desenvolver relacionamentos
níveis. Em um momento decisivo, a perda
fortes, usar a comunicação eficaz e apoiar os
do equilíbrio emocional pode comprometer
outros (MRT, 2014).
toda a missão. Assim, administrar a quan-
Dessa maneira, torna-se evidente a
contribuição do desenvolvimento dessas tidade de informações, separando-as em or-
habilidades para o militar do EB. dem de prioridade, perceber as tendências
e os impactos que elas terão, bem como as
LIDERANÇA E RESILIÊNCIA mudanças na sua vida e na vida de outras
A liderança pode ser considerada pessoas, são fatores a serem considerados
como um ponto de inflexão dentro da para o líder na era do conhecimento.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 25


É necessário ter: líderes chegam ao topo de uma organização por
 a ousadia e a coragem para aplicar meio do trabalho, da inteligência e de outros
aquilo que acredita, além de autoconhecimento atributos e competências que possuem. Porém,
e integridade suficientes para manter-se atualmente, muitos fracassam quando chegam
congruente e em harmonia; em funções de comando, pois, nesse momento,
 o equilíbrio, entre a atenção a si exigem-se não só o quociente de inteligência
mesmo e aos outros, no contexto espaço- (QI), mas também o quociente emocional (QE).
temporal em que está enquadrado; e Como a liderança hoje requer a proximidade
 a capacidade de perceber os detalhes e do líder com os seus liderados, o militar do EB
o todo, para conduzir pessoas de forma segura deve apresentar uma boa dose de equilíbrio
emocional, autocontrole e habilidade em
para novos tempos, nos quais a complexidade
gerenciar conflitos.
é crescente e a relação entre todas as coisas se
Ao desenvolver a inteligência emocional,
manifesta de forma cada vez mais veloz.
o líder motiva, trabalha e lida positivamente
Nesse contexto, a inteligência emocional com os seus sentimentos e com os sentimentos
apresenta-se como um dos mais importantes das outras pessoas, estabelecendo relações
atributos para o líder. O manual de campanha interpessoais e incentivando a cooperação
Liderança Militar C 20-10 dedica o artigo V, mútua. Inteligência emocional é a capacidade
do capítulo V, para destacar a importância de de identificar as próprias emoções e as dos
desenvolvermos habilidades necessárias para outros, de automotivar-se e motivar outros.
que os militares do EB possam gerenciar, com Uma das grandes vantagens das pessoas
liderança, os enfrentamentos atuais. Esse dotadas de grande inteligência emocional é a
manual estabelece a seguinte definição para capacidade de automotivar-se e seguir em frente,
inteligência emocional: mesmo diante de frustrações e de desilusões. O
controle das emoções e dos sentimentos, com
portanto, inteligência emocional pode
ser definida como a capacidade de criar o intuito de conseguir atingir algum objetivo,
motivação para si próprio e de persistir pode ser considerado, atualmente, como um
em um objetivo, apesar dos percalços; dos principais trunfos para o sucesso pessoal e
de controlar impulsos e saber aguardar
pela satisfação de seus desejos; de se profissional. 
manter em bom estado de espírito e de Para o líder, o conhecimento, levando em
impedir que a ansiedade interfira na conta somente as necessidades intelectuais,
capacidade de raciocinar; de ser empático
e autoconfiante (pp. 5-10-11). está sendo considerado um aspecto superado
na sociedade dinâmica atual. Na liderança, há
A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA a necessidade de se traçarem objetivos afetivos,
sociais e outros que transcendem as técnicas e
EMOCIONAL PARA A LIDERANÇA
os estudos que levam aos tipos de liderança.
A inteligência emocional é um dos atributos
mais importantes para consolidar e fortalecer É preciso administrar outros fatores que
a liderança. Um dos principais desafios influenciam os relacionamentos interpessoal e
contemporâneos é gerenciar a dinâmica e a intrapessoal.
complexidade da interação humana. A conexão O desenvolvimento de curso que venha a
entre as pessoas está sendo cada vez mais abranger essa habilidade é essencial para pro-
objeto de estudos para se alcançar os resultados mover continuidade das ações de sucesso e
e a efetividade nas ações. A habilidade de para a formação de novos líderes.
gerenciar as emoções, de controlar os impulsos
e de manter o otimismo em situações difíceis OS CONCEITOS E AS HABILIDADES QUE
são algumas das características da inteligência PODEM SER TRABALHADAS NO CURSO
emocional. Em sua obra, o Doutor Golemann (1995,
No livro “Inteligência Emocional” (1995), o p. 337) ensina que inteligência emocional
Doutor Daniel Golemann, renomado professor da é: “a capacidade de identificar os nossos
Universidade de Harvard, menciona que muitos próprios sentimentos e os dos outros, de nos

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motivarmos e de gerir bem as emoções dentro que definem determinada situação. Muitas
de nós e nos relacionamentos”. vezes, os resultados negativos alcançados são
Ainda segundo Golemann, existem cinco consequências de atos impulsivos que, após
habilidades que definem o ser humano capaz realizados, são muito mais difíceis de serem
de apresentar a inteligência emocional: contornados. Nesse bojo, é fundamental
 autoconsciência; dominar os instintos e os impulsos, com
 autogestão; o intuito de promover o sucesso pessoal,
 empatia; em proveito da organização militar e,
 habilidade social; e consequentemente, de toda a F Ter.
 automotivação.
A EMPATIA
A AUTOCONSCIÊNCIA Atualmente, a sociedade está tão
O soldado do EB deve ser capaz de conectada como em nenhuma outra
compreender suas emoções, aquelas que
época da História. O ser humano está
o levam a demonstrar suas fraquezas,
suas necessidades e seus impulsos. Essa frequentemente voltado para uma interação
autoavaliação constante faz o indivíduo se virtual, que consome tempo e esforço para
conhecer profundamente. Dessa maneira, enfrentar estímulos e obstáculos diversos.
a pessoa se torna hábil o suficiente para Consequentemente, o exercício de nossa
superar situações e se destacar positivamente capacidade de entender o outro, perceber
em momentos de estresse e de conflitos. Além as dificuldades e o que realmente a outra
disso, o militar que possui autoconsciência pessoa está passando é tarefa crucial para o
de suas limitações também predominará líder. Empatia é a capacidade psicológica de
sobre os sentimentos de insegurança e outros sentir o que sentiria uma outra pessoa caso
que geralmente perturbam e dificultam a estivesse na mesma situação vivenciada
tomada de decisões e a efetividade das ações por ela. Consiste em tentar compreender
no cotidiano da vida militar. Observe que
sentimentos e emoções, procurando
aqui se fala em se autoconhecer. Quando o
militar se depara com algo que pode ser de experimentar de forma objetiva e racional o
difícil resolução e conhece suas condições que sente outro indivíduo.
físicas e emocionais, ele tomará decisões Verificam-se, constantemente, pessoas
no sentido de potencializar alternativas, com deficiência de caráter, de valores e de
em vez de confrontar diretamente princípios. Essas questões da vida moderna
determinado problema. Esse é o grande exigem líderes cada vez mais adaptáveis
trunfo do autoconhecimento no processo de e ágeis para responder aos desafios
entendimento da importância da inteligência contemporâneos. Em um mundo globalizado
emocional para o líder. e em constante transformação, entender as
nuanças da comunicação, tais como um longo
A AUTOGESTÃO silêncio, os gestos, as questões culturais e
A autogestão é a habilidade de controlar étnicas que envolvem o comportamento
as emoções e canalizá-las para decisão
humano, promove entendimento, diálogo e
que a pessoa julga ser a mais sábia, em
colaboração, essenciais para o líder estar um
determinado contexto. Para o militar, trata-
passo à frente na resolução de problemas.
se de uma ferramenta poderosíssima, pois
constantemente é colocado em situação de A habilidade da inteligência emocional
pressão e de estresse, em que deve predominar que está diretamente relacionada com esse
sua capacidade de reação rápida e de controle entendimento é a empatia.
das ações. É importante frisar que, primeiro, Em outras palavras, quanto mais conhece
foi lembrada a importância do conhecer as próprias emoções e sabe lidar com elas, mais
(autoconsciência). Em seguida, traz-se à tona empático é o ser humano. Assim, mais efetiva
o agir, fazer o que tem que ser feito, com será a aproximação do líder, ao lidar com as
prudência e sabedoria, demonstrando, a todo diversas questões do cotidiano. Nesse contexto,
momento, o controle das emoções e das ações a empatia é um instrumento poderoso para

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 27


Fig 2 - Militares realizando adestramento conjunto.

o militar entender e influenciar em todos os intervir com prudência e precisão e ter sempre
níveis de uma organização, contribuindo para algo a oferecer. O líder tem que ser capaz de
a fortalecimento da instituição. navegar além dos limites físicos, de analisar
todas as variáveis das pessoas envolvidas e
A HABILIDADE SOCIAL de tirar proveito dos pontos fortes e fracos
Os relacionamentos interpessoais são dos relacionamentos. Tais capacidades são
a chave de qualquer equipe. Obviamente, a essenciais para o sucesso de qualquer líder.
habilidade social está interligada com outras O militar do EB que dominar essa habilidade
habilidades da inteligência emocional, pois é contribuirá, decisivamente, para o sucesso da
necessário ser empático, conhecer a si mesmo e organização e para o seu próprio crescimento.
controlar os próprios impulsos quando lidando
com relacionamentos. O militar deve ser um A AUTOMOTIVAÇÃO
líder habilidoso, possuir bons relacionamentos Quando a pessoa entende que as emoções
e ser capaz de influenciar, positivamente, o podem aumentar ou diminuir sua capacidade de
ambiente no qual está inserido. Deve, ainda, persistir, de solucionar problemas e de superar
saber lidar com as emoções dos subordinados, frustrações e outros fatores relacionados à
no intuito de ter como resultante a melhor habilidade mental de agir de acordo com o
performance de todos. O principal lema do enfrentamento, torna-se possível traçar uma
líder que possui essa habilidade é: “juntos rota ao encontro da motivação. É crucial que
somos mais fortes”. Não é ser “popular” nem o militar tenha domínio e pleno entendimento
ser visto como alguém simpático, mas é ganhar de suas emoções, a fim de automotivar-se em
a confiança das pessoas por saber ouvir, situações desafiadoras, mobilizando sensações

28 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


positivas e se apartando das negativas. Não é à descrever, dirigir, controlar e avaliar as
toa que um dos valores da instituição Exército ações tomadas. Nesse contexto, no momento
Brasileiro seja o amor à profissão. Ter satisfação da análise de qualquer problema, o líder
ao cumprir, muito bem, o seu trabalho e seguir deve possuir a consciência situacional,
os preceitos éticos da profissão são fatores que assim definida no manual do Processo de
influenciam diretamente a motivação do Planejamento e Condução das Operações
militar. Dessa feita, o militar se reorganiza Terrestres (2020, pp. 1-3-1-4):
rapidamente, demonstra vontade e energia
a consciência situacional consiste na
e se mostra motivado à tropa todas as vezes percepção, precisa e permanentemente
em que é acionado. Esses comportamentos, atualizada, do ambiente operacional no qual
ações e palavras motivadoras somente são se atua e influencia na missão atribuída.
possíveis se o líder conhecer e praticar a
automotivação constantemente. Por diversas vezes, junto à sua fração, o lí-
Dessa maneira, é possível verificar a im- der terá que exercitar a inteligência emocional,
portância do desenvolvimento dessas cinco a fim de alcançar a visão do todo, que está a
habilidades para o mi- sua volta. O exemplo ge-
litar do EB. É também nérico citado acima ocor-
notório que um curso
O treinamento de re frequentemente com
de desenvolvimento de resiliência e de os militares do EB. Em
inteligência emocional, decorrência do aumento
inteligência emocional do reconhecimento, vem
que venha a abranger os
tópicos aqui sugeridos, trará diversos benefícios, o recrudescimento da
contribuirá positiva- pois líderes serão responsabilidade, e sa-
mente para a preparação ber analisar o ambiente
treinados e estimulados operacional é tarefa do
da F Ter.
a agir pela razão, sem comandante militar. A in-
A INTELIGÊNCIA EMO- teligência emocional oti-
descartar os aspectos miza esse processo.
CIONAL EM USO
A aplicação da in- emocionais que
teligência emocional é envolvem determinada A METACOGNIÇÃO
verificada em diversas A metacognição apre-
situação, contribuindo, senta-se como outro im-
ocasiões da vida pessoal
e profissional de um in- decisivamente, para o portante fator para o
divíduo. O exercício des- preparo e o emprego da F Ter. líder que utiliza a inteli-
se atributo promove o gência emocional como
desenvolvimento de outros conteúdos atitu- um dos pilares de seu legado. O controle ativo
dinais e competências, projeta o poder pes- sobre os processos cognitivos, como planejar,
soal do líder e reforça padrões mecânicos, abordar um determinado problema, monitorar
até transformarem ações em hábitos. Dentre e avaliar o progresso das ações, é um dos mo-
as principais conquistas para os militares do mentos em que é necessário utilizar a metacog-
EB que um curso nessa área pode promover, nição. Agindo assim, o militar é capaz de usar,
estão: com mais prudência e sabedoria, o repertório
 a consciência situacional; de estratégias disponíveis e selecionar as linhas
 a metacognição; e de ação que possam ser mais bem aplicadas no
 o pensamento crítico e criativo. contexto em que estiver inserido.
Tradicionalmente conceituada como o
A CONSCIÊNCIA SITUACIONAL “pensar sobre o pensar”, a metacognição consiste
A inteligência emocional é uma forte na capacidade do indivíduo de monitorar e
aliada do líder na tomada de uma decisão. autorregular os próprios processos cognitivos,
Para isso, é relevante entender, visualizar, analisando cuidadosamente aquilo que já foi

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 29


analisado, com a finalidade de minimizar os pensamento com a intenção de se analisar/
riscos e maximizar os resultados positivos. produzir: pontos de vista, objetivo, problema,
Como já foi observado, por meio de curso que informações, interpretações, conceitos,
busque desenvolver a inteligência emocional, o suposições e consequências.
militar exercitará a autoconsciência, aprenderá
a lidar com as emoções, automotivar-
se-á, buscará desenvolver a empatia e o Ponto de Vista
relacionamento interpessoal. Quadro de Referência, Propósito
Pespectiva e Objetivo e
Nessa direção, é fácil compreender que Orientação. Meta.
o militar que usa essas habilidades deve
analisar, com cuidado e atenção, mais de Qustionamento
Implicações e
uma vez, as diversas possibilidades de Consequências
sobre a situação
Problema e
emprego de sua tropa. Consequentemente, já ELEMENTOS Argumentação.
DO
se está falando sobre metacognição. Por isso, PENSAMENTO
é factível dizer que uma das heranças do uso Informação
Suposição Dados, Fatos,
da inteligência emocional é o exercício da Pressuposto e
Dado como certo.
Observações e
Experiências.
metacognição pelo líder militar.
Conceitos
Teorias, Interpretação e
OS PENSAMENTOS CRÍTICO E CRIATIVO Definições,
Axiomas, Leis,
Interferência
Conclusôes e
Na mesma direção que a metacognição Princípios e Soluções.
Modelos.
e a consciência situacional, o pensamento
crítico e o pensamento criativo são mais um
ganho significativo, resultante do uso da Fig 3 - Elementos do pensamento, segundo Paul
inteligência emocional pelo líder nos dias Élder (2008).
atuais. Os pensamentos crítico e criativo
devem ser usados pela pessoa em todos os É primordial, para o militar do EB,
momentos. Todavia, em situações de estresse entender essa dinâmica e a necessidade de
e de difícil análise, típicas da atividade seu uso, pois os constantes enfrentamentos
militar, o líder deve estar em condições de exigem do líder a análise, o comportamento
pensar de forma crítica e criativa, no intuito e as ações adequadas perante a adversidade.
de tomar a melhor decisão. Cursos que possam ajudar o militar a superar
No livro Critical thinking: concepts and esses momentos de grande estresse poderão
tools (2008), o Dr. Richard Paul e a Dra. Linda ser implementados, a fim de melhorar a
Elder (2008) definem o pensamento crítico e preparação da dimensão humana na F Ter.
o pensamento criativo como:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
o pensamento crítico é a arte de analisar
e avaliar o pensamento com o objetivo de Apesar de os conceitos de resiliência e de
melhorá-lo. [...] O pensamento criativo é inteligência emocional serem relativamente
a habilidade para combinar, transformar novos, o desenvolvimento de habilidades
ou reaplicar ideias já existentes, algumas
vezes inovando. cognitivas, metacognitivas e emocionais, que
possibilitem às pessoas se tornarem mais
Segundo esses autores, esses dois tipos de preparadas para os desafios contemporâneos,
pensamento estão diretamente relacionados é uma imposição da atual conjuntura da
aos elementos do pensamento (elements of sociedade.
thought), que são usados rotineiramente, pois A utilização pelo EB de cursos com o ob-
é inerente ao ser humano estar raciocinando jetivo de desenvolver a resiliência e a inte-
com a intenção de analisar determinada ligência emocional em seus militares pode
situação. Tais elementos do pensamento são apresentar resultados significativos, que con-
e podem ser considerados o resultado do tribuirão com o sucesso das ações.

30 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Para o desenvolvimento de líderes, cur- buscam unir habilidades racionais com
sos nessas áreas podem proporcionar ga- habilidades emocionais, especialmente
nhos imensuráveis, pois aperfeiçoam os re- quando se trata de confiar em pessoas e de
cursos humanos já existentes e ensinam, de colaborar com elas na solução de problemas
maneira correta e consistente, aos futuros e de ação efetiva nas oportunidades.
líderes a importância de se possuir essas Enfim, o treinamento de resiliência e de
habilidades como pontos de honra a seguir, inteligência emocional trará diversos benefícios,
sempre que for necessário agir perante as pois líderes serão treinados e estimulados a
adversidades. agir pela razão, sem descartar os aspectos
Pode-se destacar, também, que os emocionais que envolvem determinada
líderes com maior resiliência e inteligência situação, contribuindo, decisivamente, para o
emocional produzem mais resultados, pois preparo e o emprego da F Ter.

REFERÊNCIAS
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of Pennsylvania, 2014.
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USA. Army Doctrine Reference Publication (ADRP) 6-22. Army Leadership. Washington, DC: U.S.
Government Printing Office, 2012.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 31


A SIMULAÇÃO CONSTRUTIVA NO
EXÉRCITO BRASILEIRO

Major Guilherme Machado Menegaz

O Major de Cavalaria Menegaz é instrutor do Simulador Com o passar dos tempos, as técnicas para
de Adestramento de Comando e Estado-Maior (SimACEM) do tal atividade foram evoluindo e passaram a
Centro de Adestramento - Sul (CA-Sul). Foi declarado aspirante ser chamadas de simulação. Na simulação, os
a oficial, em 2006, pela Academia Militar
das Agulhas Negras (AMAN). Possui o
comandantes de tropa e seus estados-maiores
curso de Observador Aéreo, da Escola levantam o máximo de possibilidades de
de Instrução Especializada (EsIE), e o resultados referentes a um planejamento e
curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, tentam eliminar as variantes que levariam
da Escola de Aperfeiçoamento
de Oficiais (EsAO). Serviu no 8º ao fracasso da missão, originando-se, dessa
Regimento de Cavalaria Mecanizado, forma, os chamados jogos de guerra (JG).
sediado em Uruguaiana-RS, no O JG, como conhecido hoje e antes da
Esquadrão de Comando da 5ª Brigada de inserção de equipamentos computacionais,
Cavalaria Blindada, sediado em Ponta Grossa-
PR, e na Escola de Instrução Especializada, situada no Rio de foi criado por Von Reisswitz, um civil e
Janeiro-RJ, estabelecimento de ensino onde foi instrutor conselheiro militar da corte prussiana, em
no Curso de Observador Aéreo (guilhermenegaz@me.com). 1.811. A atividade consistia na elaboração de
um planejamento, o qual era posto à prova
por meio de um tabuleiro e tratava-se de:
O presente artigo é um trabalho de
pesquisa e revisão literária que relata o um tabuleiro de madeira quadrado com
histórico dos jogos de guerra no Brasil, cerca de 1,8 metros de lado, preenchido
descrevendo sua evolução, de forma a com peças quadradas menores de
abordar assuntos relativos aos softwares argamassa pintadas representando o
utilizados, às metodologias aplicadas e à terreno (estradas, rios, vilas). Havia
atual sistemática de rotação adotada, para a também peças retangulares de porcelana
representando as tropas e um conjunto de
certificação das tropas do Exército Brasileiro, acessórios (compassos, réguas, pequenas
bem como o novo Simulador de Adestramento caixas para a guarda de tropas ocultadas,
de Comando e Estado-Maior. e um conjunto de regras escritas). Um
aspecto interessante do jogo: todos os
HISTÓRICO DOS SISTEMAS DE SIMULAÇÃO componentes representados no tabuleiro
O anseio em prever o resultado de estavam em escala e tinham proporções
e características bastante semelhantes ao
guerras, mesmo antes delas iniciarem, é real. Essa foi uma das grandes inovações
algo que os diversos comandantes de tropas do sistema do Barão Reisswitz. As peças,
desejam desde o primeiro momento em que representando regimentos em coluna,
recebem a missão. Diante disso, os exércitos ajustavam-se à paisagem e ocupavam no
de diversas nações, tanto do passado como modelo somente a quantidade de espaço
do presente, vêm desenvolvendo maneiras que elas ocupariam no terreno real
(Reisswitz adotou a escala de 1:2373 para
de pôr à prova seus planejamentos sem a as tropas na primeira versão do jogo).
necessidade de entrar em combate real, na O tempo também era representado em
esperança de preverem todas as variáveis escala, baseada na observação da duração
de um campo de batalha. do deslocamento de tropas reais para

32 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


cobrir uma certa distância. O alcance da controlados por pessoas reais, em um cenário
Artilharia era representado em escala simulado. Nesse caso, ela também é conhecida
tendo-se por base o alcance do armamento como JG.
da época. Foi estabelecido também que as
No Brasil, a simulação construtiva
partidas seriam presididas por um árbitro
com uma ampla quantidade de tarefas, chegou nas primeiras décadas do século XX,
como por exemplo: receber e pôr em por iniciativa própria de alguns aficionados
prática, no tempo determinado, as ordens pelo assunto, mas não houve interesse sobre
operacionais determinadas pelos dois a sua importância por parte do Comando do
comandantes rivais, passar relatórios Exército Brasileiro (EB) na época. Estudos
parciais aos dois partidos envolvidos e mais aprofundados sobre tal tipo de simulação,
receber novas ordens para as tropas. De
realizados pelo EB, só vieram a acontecer a
acordo com Caffrey, “para se determinar
o resultado do combate, o árbitro era partir dos anos 1970 na Escola de Comando e
dotado com tabelas com vários resultados Estado-Maior do Exército (ECEME).
baseados em distâncias e outros fatores“. Fruto dos estudos desenvolvidos na
O lançamento de um dado determinava o ECEME, em 1990, foram realizadas as
exato resultado, de forma a representar as primeiras simulações para fins educativos,
incertezas do campo de batalha. Portanto, com a criação de uma manobra na carta,
era criado no cenário um ambiente de apoiada por simulação. Nessa ocasião, a
informações limitadas e aleatoriedade
em que um árbitro operava o sistema Força Aérea Brasileira também participou
e dirimia qualquer dúvida surgida no da simulação. No ano seguinte, foi realizado
processo (CUNHA, 2011, p. 88). o exercício de simulação construtiva
AZUVER (azul versus vermelho), baseado nas
experiências de 1990. Tal exercício continua
sendo executado até os dias atuais.
Segundo Cunha (2011, p. 147), em 1991,
foi criado na ECEME um sistema de simulação
construtiva totalmente informatizado, o JG
ECEME. Esse exercício possuía uma série de
limitações, entre elas:
 não apresentava resultados próximos
aos preconizados pela doutrina;
 representava o jogo de usuários contra
o computador; e
 representava somente sistemas de
Fig 1 - Kriegsspiel de Reisswitz, jogo de manobra, entre outras deficiências.
guerra do século XIX. De qualquer forma, o JG ECEME merece
destaque por ter sido o primeiro sistema de
simulação construtiva brasileiro, totalmente
Atualmente, a simulação de combate é baseado em computador.
dividida em três tipos: Em 1993, foi criado, no escalão divisão
 a viva, que envolve pessoas reais de exército, o VERAMA (verde versus
operando sistemas reais (armas, viaturas amarelo). No mesmo ano, foi criado um
e equipamentos sensorizados), em um sistema de simulação construtiva (jogo
cenário real; de guerra) em computador. Esse sistema
 a virtual, que envolve pessoas reais abordava a manobra de brigada de infantaria
operando sistemas simulados ou gerados motorizada (Bda Inf Mtz) e de brigada de
por computador, em um cenário simulado cavalaria mecanizada (Bda Cav Mec), sendo
(virtual); e empregado no adestramento dos estados-
 a construtiva, que envolve tropas maiores das brigadas subordinadas e suas
simuladas operando sistemas simulados, OM. A experiência obtida pela 6ª Divisão de

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 33


Exército foi, posteriormente, empregada na Ainda em 2003, em 14 de novembro, foi
aplicação de um jogo de guerra na 4ª Bda inaugurado o CAESC II, situado na cidade de
Inf Mtz e foi o embrião de outro sistema: o Santa Maria-RS. O CAESC II foi concebido
JG 2000. para conter os novos meios físicos/lógicos da
aplicação de simulação construtiva SISTAB
A ORIGEM DOS CENTROS DE SIMULAÇÃO (Sistema de Simulação Tático de Brigada)
DO EXÉRCITO BRASILEIRO e SABRE (Sistema de Adestramento de
No ano 2000, o Comando de Operações Ter- Batalhões e Regimentos do Exército).
restres (COTER) realizou uma série de estudos A Portaria nº 209-EME, de 21 de dezembro
que comprovaram a necessidade de aquisição de 2005, previa a criação de pelo menos um
de sistemas de simulação para serem utilizados CAESC para cada comando militar de área,
no adestramento de comandantes e de estados- ficando essa quantidade condicionada ao
maiores, empregados em cenários táticos. Na- número de comandos de divisão de exército,
quele momento, foi ressaltada a importância de brigadas e de unidades a serem adestrados.
de se adquirir um sistema de simulação para a Além dos supracitados, foi criado o CAESC
Força desenvolvido totalmente no Brasil. Além da Academia Militar das Agulhas Negras
disso, o COTER propôs ao (AMAN), inaugurado em
Estado-Maior do Exército 20 de junho de 2005, e
(EME) a criação de uma A simulação construtiva, o Núcleo do CAESC da
legislação que tratasse da 5ª Região Militar e 5ª
apesar de ser algo Divisão de Exército (hoje
atividade de simulação,
no âmbito EB, sendo relativamente novo no 5ª Divisão de Exército),
subordinada ao Comando
aprovada a portaria que Exército Brasileiro, está Militar do Sul (CMS).
determinou as diretrizes
para a atualização e para
em constante evolução e Foi verificado, porém,
que a centralização dos
o aperfeiçoamento dos jo- possui um futuro promissor,
meios contribuía para o
gos de guerra. haja vista a grande aperfeiçoamento dos exer-
Nesse contexto, todo
estrutura atualmente cícios táticos apoiados em
desenvolvimento de sis-
sistemas de simulação,
temas construtivos e existente e a importância
uma vez que agregava ex-
sua aplicação em exercí-
dada a essa atividade pelo pertise com economia de
cios nos comandos ope- meios, impossibilitando a
racionais ficou a cargo Comando da Força. criação de novos CAESC.
do Centro de Simulação Nesse novo cenário
de Combate da Chefia de centralização dos meios, o CAESC de
do Preparo da Força Terrestre, subordinada Santa Maria foi o único que manteve seu
ao COTER, elemento responsável pelo prepa- funcionamento, haja vista o Comando Militar
ro da Força Terrestre brasileira. Em 2001, o do Sul já ter adotado esse método para
COTER propôs ao EME a atualização da por- adestrar suas tropas do Rio Grande do Sul, do
taria editada no ano anterior, sendo criado fi- Paraná e de Santa Catarina. Tal modificação
nalmente o Sistema Integrado de Simulação na implantação dos CAESC ocasionou a
de Combate do Exército Brasileiro (SISCOEx). mudança de sua denominação para Centro
Juntamente com a criação do SISCOEx, de Adestramento e Simulação de Posto de
em 2001, surgiu o Centro de Aplicação Comando (CAS/PC), em junho de 2013, e, com
de Exercícios de Simulação de Combate isso, a construção de instalações específicas
(CAESC), na Escola de Aperfeiçoamento de e dedicadas à aplicação das atividades de
Oficiais (ESAO), que utilizou o Sistema de simulação construtiva, bem como a criação
Simulação Construtiva GUARINI, até 2003. de quadro de cargos próprio para o CAS/PC.

34 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Com o aumento da utilização de sistemas em todo o mundo. No Brasil, tal busca
de simulação para o adestramento das tropas iniciou-se no ano de 1991, quando, segundo
do Exército Brasileiro, surgiu a necessidade Cunha (2011, p. 147), foi criado o JG ECEME,
de centralização desses meios. Sendo assim, um sistema de simulação construtiva
em dezembro de 2012, foi criado o Núcleo informatizado, mas que possuía diversas
do Centro de Adestramento e Avaliação - Sul limitações, como a não representação
(NuCAA - Sul), com o propósito de estudar de resultados próximos da doutrina, a
e elaborar propostas de estruturação e de impossibilidade de simulação de dupla
implantação da futura organização militar ação, a representação apenas da função de
(OM). Essa OM teria a incumbência de combate manobra, entre outras.
centralizar e disponibilizar instalações e Em decorrência da evolução tecnológica,
equipamentos de simulação que seriam a partir de 1993, o EB passou a utilizar
utilizados no adestramento das diferentes outro sistema de simulação mais moderno,
tropas do CMS, acompanhados da integração que abordava manobras de brigadas de
de sistemas operacionais (EXÉRCITO infantaria motorizada e brigadas de cavalaria
BRASILEIRO, 2014). mecanizada. Esse sistema de simulação foi o
Fruto da criação do NuCAA-Sul, em embrião de um outro programa de simulação
2014, o Centro de Adestramento e Avaliação do EB, o JG 2000.
- Sul (CAA-Sul) iniciou suas atividades e, No ano de 2000, surgiu o primeiro sistema
com isso, o CAS/PC foi incorporado como de simulação de combate com interface
uma seção do CAA-Sul, com a denominação gráfica do Exército Brasileiro, o GUARINI.
de Seção de Simulação Construtiva. No ano Tal programa foi desenvolvido para simular
de 2017, a denominação do CAA-Sul passou combates no escalão brigada, tendo como
a ser Centro de Adestramento-Sul (CA-Sul), principal característica a simplicidade. Seu
e as alterações realizadas no seu Quadro de funcionamento foi baseado em uma rede de
Cargos Previstos mudaram a denominação da computadores interligados com estrutura
Seção de Simulação Construtiva para Seção lógica. O sistema permitia a automatização
de Simulador de Adestramento de Comando e de movimentos e engajamentos, bem como
Estado-Maior (Seç SimACEM). possuía sistemas de informações geográficas
Seguindo o projeto inicial do Exército em duas dimensões (Fig 2).
Brasileiro (EB), que previa a implantação de
diversos centros de adestramento no Brasil,
foi criado o Centro de Adestramento-Leste
(CA-Leste), na cidade do Rio de Janeiro-RJ.
Esse centro funciona desde 13 de outubro
de 2017 e já está adaptado à nova concepção
da sistemática de simulação do EB. Além
disso, possui também uma Seç SimACEM à
semelhança do CA-Sul.

OS SOFTWARES UTILIZADOS NA
SIMULAÇÃO CONSTRUTIVA
A utilização de um software que simule
o combate e que retrate fidedignamente a
realidade, objetivando o adestramento de
comandantes e seus estados-maiores, é uma
ferramenta buscada por diversos exércitos Fig 2 - Interface gráfica do GUARINI.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 35


A necessidade de melhorar o sistema de mais simples, treinava todos os subsistemas
simulação do EB ocasionou a evolução do das unidades e subunidades das armas-
sistema GUARINI para o Sistema de Simulação base e permitia, segundo Orlando (2008,
Tático de Adestramento de Brigadas (SISTAB). p. 21), a visualização de três tipos de telas
Esse programa, utilizado a partir de 2004, em diferentes: carta topográfica convencional
substituição ao sistema GUARINI, também bidimensional, com pontos georreferenciados
foi empregado no adestramento de estados- (A); modelo tridimensional, com altimetria
maiores do escalão brigada, sendo adaptado diferenciada por cores hipsométricas (B);
para escalão grande comando, quando e características do terreno destacadas,
necessário. Desenvolvido em parceria com simulando uma fotografia aérea ou imagem
uma empresa civil, empregava um sofisticado orbital (C), conforme as figuras 4 e 5.
sistema de cartografia digital, conferindo-lhe
riqueza de detalhes referente ao terreno.
Segundo Rocha (2011, p. 42), o SISTAB
passou a considerar não apenas a largura
e a profundidade, mas também a terceira
dimensão do combate com seu sistema de
informações geográficas em 3D, empregando
cartas vetorizadas. Conforme Orlando (2008,
p. 18), o SISTAB também permitia uma
modelagem com dados de fatores intangíveis
para as tropas representadas, como fome,
fadiga, sono, entre outros (Fig 3).

Fig 4 - Interface gráfica do SABRE.

Fig 3 - Interface gráfica do SISTAB.

Com o surgimento da necessidade de Fig 5 - Visualizações do SABRE.


se adestrarem unidades, o COTER passou
a utilizar o Sistema de Adestramento de O crescente aumento de importância
Batalhões e Regimentos (SABRE). Esse dado à simulação construtiva, por parte
simulador coexistiu com o SISTAB a partir de do EB, fez com que a busca por melhores
2005 e consistia de um sistema que utilizava softwares culminasse na aquisição do Sistema
três dimensões, não possuía custos com COMBATER, um simulador da empresa
licenças, utilizava um banco de dados de francesa MASA, que foi customizado de acordo
acesso fácil, funcionava com um modelo de com a doutrina brasileira e utilizado a partir
engajamento mais realista, possuía comandos de 2014, substituindo o SISTAB e SABRE.

36 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Segundo Cunha (2001, p. 150), o Sistema do assunto, portanto era necessário testar e pôr
COMBATER é o mais novo programa de à prova tais conhecimentos. Com o aumento
simulação construtiva do COTER. Projetado da importância da simulação e com os jogos
para apoiar o adestramento dos escalões de guerra já em andamento, alguns trabalhos
força terrestre componente (FTC), divisão de acadêmicos começaram a abordar o assunto.
exército (DE), brigada e regimento, merecem Após cerca de uma década, começaram a surgir
destaque as seguintes características do os primeiros questionamentos e conclusões
sistema: relacionados ao tema.
 a capacidade de ser operado Rocha (2011, p. 21) propõe a elaboração
remotamente pela internet; de uma pesquisa mais aprofundada. O autor
 a possibilidade de integração com o sugere a realização de uma investigação
sistema C2 em combate; e minuciosa sobre a atual forma de aplicação
 a capacidade de integração com da simulação construtiva no Exército
outros simuladores por meio do protocolo Brasileiro e a possibilidade de se realizar uma
arquitetura de alto nível (high level
alteração fundamental. Na visão do autor, o
architecture).
COTER poderá optar por modelos utilizados
O emprego desse tipo de protocolo
em outros países ou até mesmo um modelo
aumenta significativamente o poder da
próprio, fruto do trabalho e da experiência
ferramenta. O COMBATER poderá, com
adquirida pelos militares em exercícios no
esse protocolo, por exemplo, compartilhar
Brasil ou no exterior.
o processamento de uma determinada
simulação entre várias máquinas com seus Ainda segundo Rocha (2011, p. 29), para
processadores, afastando a possibilidade de que o objetivo geral proposto possa ser
travamento ou de funcionamento lento da atingido, torna-se fundamental a estruturação
simulação (Fig 6). de um caminho lógico a ser percorrido. Esse
caminho terá como elementos norteadores
os seguintes objetivos específicos, sempre
direcionados à comparação dos dois modelos
de aplicação de Exercício Tático com Apoio de
Sistemas de Simulação (ETASS) apresentados:
 apreciar os modelos com relação à
contribuição para a avaliação de oficiais
integrantes de EM de grandes unidades e de
comandantes em todos os níveis;
 avaliar as infraestruturas e suas
principais alterações;
 avaliar a origem e a necessidade
de especialização da Direção do Exercício
(DirEx), da Força Openente (ForOp) e dos
Fig 6 - Visualizações do SABRE.
controladores e sua possível centralização
A EVOLUÇÃO DA METODOLOGIA no CESIMEx;
DE APLICAÇÃO DA SIMULAÇÃO  avaliar sucintamente as comunicações
CONSTRUTIVA entre os participantes; e
Os primeiros exercícios de simulação  apreciar a contribuição para com a
construtiva do Exército Brasileiro, realizados doutrina militar terrestre (ROCHA, 2011, p. 29).
a partir da década de 1990, utilizavam Somente em 2017, foi publicado o primeiro
métodos de aplicação baseados em estudos manual que tratava de procedimentos,
realizados desde 1970 pela ECEME, porém montagem, organização e condução dos
ainda não existiam muitos estudos a respeito exercícios de simulação construtiva, o

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 37


EB70-CI-11.410 Caderno de Instrução de  na terceira semana, ocorrerá
Exercícios de Simulação Construtiva. Esse a simulação viva, na qual as OM irão
caderno organizou os JG, como segue: para o terreno com equipamentos de
 com uma direção do exercício (DirEx), sensoriamento.
na qual é possível acompanhar e interferir Após a conclusão desse ciclo, completa-
em todos os eventos ocorridos durante o JG; se o exercício Rotação. Cabe ressaltar que
 um escalão superior (Esc Sp), que essa é a previsão inicial de execução dessa
representará o estado-maior (EM) do nova sistemática de avaliação, podendo
comando enquadrante; e ocorrer mudanças e adaptações para atender
 um comando em adestramento (Cmdo às necessidades de cada comando aplicador.
Adst), que é a tropa que será adestrada, Quanto à simulação construtiva, o que
sendo constituída por um EM e, em alguns será implementado é o “como” realizar a
casos, também pelos EM das suas OM certificação de um EM. Para isso, além
subordinadas. dos relatórios já gerados pelo sistema
As decisões desses EM são inseridas COMBATER, está sendo confeccionada uma
no sistema COMBATER, por meio ficha de certificação, a qual abordará todo
de controladores e de operadores o processo de planejamento e condução
representantes de uma OM. Todos os de uma OM. Essa ficha será utilizada por
procedimentos e as decisões adotadas nos oficiais observadores do adestramento (OCA)
exercícios são observadas por militares para quantificar a qualidade do trabalho dos
específicos e, ao final, faz-se uma análise das comandantes e de seus EM.
informações colhidas dos observadores e dos
relatórios gerados pelo sistema COMBATER, O NOVO SIMULADOR DE ADESTRAMENTO
chegando-se a conclusões a respeito do DE COMANDO E ESTADO-MAIOR
adestramento da tropa avaliada. Atualmente, em consonância com a
No ano de 2020, com o intuito de atualizar Diretriz para a Implantação do CAA-Sul –
a metodologia e tornar mais precisas as Portaria Nº 076-EME, de 8 de abril de 2015,
supracitadas conclusões, o COTER iniciou está sendo construído o novo Simulador
a implantação de uma nova forma de de Adestramento de Comando e Estado-
verificação do adestramento e da avaliação Maior (SimACEM). Trata-se de um prédio
dos Cmdo Adst. Nessa nova sistemática, que abrigará o sistema COMBATER e toda a
é possível certificar uma tropa de acordo infraestrutura necessária para a realização
de jogos de guerra, até o nível divisão de
com a sua empregabilidade. Essas diretrizes
exército. Essa estrutura abrigará o comando
já são de conhecimento dos centros de
que está em adestramento e a ForOp,
adestramento e consistem, basicamente, da
possibilitando-se a realização de exercícios
aplicação de um exercício de simulação mais
de dupla ação completos.
completo, denominado Rotação. O exercício
A referida estrutura comportará um
Rotação utiliza a simulação virtual e viva,
número aproximado de 300 militares,
além da simulação construtiva.
os quais irão compor os partidos (azul e
O novo sistema de avaliação, implemen- vermelho), os escalões superiores (azul e
tado pelo COTER, divide a avaliação em três vermelho) e a direção do exercício. Além
períodos específicos, a saber: disso, será capaz de abrigar toda a equipe
 na primeira semana, os Cmdo e EM da Seç SimACEM, chegando-se a cerca
da tropa serão adestrados/certificados em de 340 militares envolvidos no novo
um JG (simulação construtiva); SimACEM. É importante ressaltar que,
 na segunda semana, haverá um em um JG, ainda existe o desdobramento
treinamento tático da mesma manobra, de todos os postos de comando da fração
virtualmente, pelas OM daquele Cmdo Adst; e em adestramento e da ForOp.

38 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


O investimento que está sendo  oito impressoras, ao custo
realizado pelo Exército Brasileiro aproximado de 900 reais cada;
nessa obra foi orçado em 10 milhões de  seis projetores, ao custo
reais, conforme o cronograma físico- aproximado de 2 mil reais cada;
financeiro, datado de 29 de outubro de  quatro nobreaks, ao custo
2015. Considerando-se as correções aproximado de 10 mil reais cada;
financeiras e os aditivos contratuais,  250 telefones VoIP, ao custo
comuns em obras dessa magnitude, o aproximado de 300 reais cada; e
valor final do contrato será maior que o  além de outros acessórios de
previsto inicialmente. menores valores.
A nova estrutura será composta de: O grande potencial dessa nova
 duas salas de partidos, com instalação está alinhado com a percepção
capacidade para 88 militares cada; de que a centralização dos meios
 duas salas de escalão superior, contribui para o aperfeiçoamento dos
com capacidade para 28 militares, cada; exercícios táticos apoiados em sistema
 uma sala para os controladores da de simulação. A centralização dos
DirEx, com capacidade para 48 militares; exercícios agrega expertise e economiza
 uma sala de consciência recursos, uma vez que possibilita a
situacional da DirEx, com capacidade utilização dos equipamentos em um local
para 16 militares; específico, diminuindo o desgaste sofrido
 um auditório, com capacidade pelo material e, até mesmo, os danos
para 208 militares; irreversíveis decorrentes de transporte.
 uma sala de cartografia; Sendo assim, a criação de centros de
 uma sala para prestadores de serviço; adestramentos centralizados em oposição
 uma sala para o Chefe da Seç à antiga sistemática, que previa diversos
SimACEM; CAESC nos comandos militares de área,
 uma sala para os instrutores da constitui-se em vantagem para a Força e
Seç SimACEM; refuta a ideia de criação da modalidade
 uma sala de apoio administrativo; móvel da Seç SimACEM.
 uma sala de reuniões, com Dessa forma, o novo SimACEM
capacidade para 40 militares; contribuirá sobremaneira para o
 uma sala de triagem; aperfeiçoamento dos futuros jogos
 uma sala de manutenção de hardware; de guerra que serão realizados no
 uma sala de manutenção de Centro de Adestramento Sul. Os
software, exercícios, combinados, como as
 um depósito; operações GUARANI [1], PARANÁ
 uma sala de suprimentos; [2], ARANDU [3], entre outros, terão
 uma sala de informática; um grande ganho qualitativo no
 uma sala de servidores; e adestramento das tropas, uma vez
 banheiros e vestiários. que as limitações físicas, existentes
O custo total da estrutura de atualmente, deixarão de prejudicar
tecnologia da informação (TI) está orçado o bom andamento das atividades.
em cerca de 1,3 milhão de reais, com a Os compromissos futuros, como as
previsão da existência de: operações PANAMAX [4], VIKING [5],
 três servidores de dados, ao custo entre outros, terão um local adequado,
aproximado de 100 mil reais cada; preparado e customizado para a
 290 computadores, ao custo realização das atividades, enaltecendo
aproximado de 3 mil reais cada; a imagem da Exército Brasileiro.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 39


Fig 7 - Novo SimACEM do CA-SUL.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Também foi apresentado o novo SimACEM,
No presente artigo, foram abordados uma estrutura já em construção. Esse SimACEM é
assuntos relativos à simulação construtiva, resultado de um grande investimento financeiro
abrangendo-se o seu histórico, os softwares e fruto de estudos e análise de viabilidade
utilizados inicialmente, a evolução da desenvolvidos ao longo de cerca de 20 anos. Tais
metodologia de aplicação de exercícios e o estudos mostraram as vantagens de se utilizar
novo simulador de adestramento de comando uma estrutura física permanente e estática
e estado-maior. Nesse cenário, é possível na simulação construtiva. A utilização dessa
constatar a importância da simulação estrutura contribuirá para o aperfeiçoamento
construtiva como ferramenta de aprendizado, dos exercícios de adestramento por agregar
expertise e economizar meios.
focada no adestramento de comandantes e de
Além disso, é possível perceber que a
seus estados-maiores, com a finalidade de
descentralização dos meios de simulação, aos
manter o preparo da Força Terrestre.
moldes da sistemática dos antigos CAESC, seria
Nesse trabalho, ficou evidente que um retrocesso na evolução da metodologia
a utilização da simulação construtiva, de adestramento e avaliação, bem como,
como ferramenta para adestramento de possivelmente, representaria maiores gastos em
comandantes e de seus estados-maiores, não manutenção e em logística para se manter essa
é algo simples de ser executado, uma vez que antiga estrutura funcionando.
envolve uma gama de conhecimentos ainda Logo, a simulação construtiva, apesar de ser
em evolução no Exército Brasileiro, bem algo relativamente novo no Exército Brasileiro,
como o empenho de grandes quantidades está em constante evolução e possui um
de recursos para a criação e/ou aquisição de futuro promissor, haja vista a grande estrutura
softwares que realmente contribuam para atualmente existente e a importância dada a
um adestramento satisfatório. essa atividade pelo Comando da Força.
REFERÊNCIAS
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2005. Aprova a Diretriz para o Aperfeiçoamento e Modernização do Sistema Integrado de Simulação
de Combate do Exército. Boletim do Exército, Brasília, DF, 06 jan. 2006. p. 13.
BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Portaria nº 076-EME, de 08 de abril de 2015.
Aprova a Diretriz para a Implantação do Centro de Adestramento e Avaliação - Sul. Boletim do
Exército, Brasília, DF, 17 abr. 2015. p. 43.
BRASIL. Exército Brasileiro Grupo de Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento do Projeto CAA-Sul.
Pavilhão CAS-PC: Planta Baixa Mobiliada. Santa Maria, RS, nov. 2016.
BRASIL. Exército Brasileiro. Grupo de Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento do Projeto CAA-Sul.

40 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Pavilhão CAS-PC: Planta Baixa 1º Pav. Mobiliada. Santa Maria, RS, nov. 2016.
BRASIL. Exército Brasileiro. Comando de Operações Terrestres. Caderno de Instrução de Exercícios de
Simulação Construtiva. EB70-CI-11.410. 1. ed, Brasília, DF, 2017.
CENTRO DE ADESTRAMENTO LESTE. O Histórico do CA-Leste. 2020. Disponível em: http://www.
caleste.eb.mil.br/historico.html. Acesso em: 1º jul. 2020.
CUNHA, André Luiz Nobre. O Emprego do Sistema de Simulação Construtiva como Ferramenta de
Apoio à Decisão: uma proposta ao Exército Brasileiro. 2011. 93 p. Dissertação (Mestrado em Ciências
Militares). Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2011.
EXÉRCITO BRASILEIRO. A Simulação de Combate na Guarnição de Santa Maria. 2014.
Disponível em: http://www.eb.mil.br/oexercito =a-simulac ao-decombate- na-guarnicao-de-santa-
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EXÉRCITO BRASILEIRO. Comando de Operações Terrestres. Exercício Viking 18. Disponível em: http://
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KUWABARA, Leonardo. A simulação de Combate no Adestramento do Exército Brasileiro. 2017. 57
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RIBEIRO, Luís Fernando Barbosa. Centro Integrado de Simulação de Combate: uma proposta. 2005.
101 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização). Escola de Comando e Estado-Maior do Exército,
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ROCHA, Sergio Martins. Simulação de Combate Construtiva: a especialização de recursos humanos
e a criação do Centro de Simulação do Exército. 2011. 170 p. Tese (Doutorado em Ciências Militares).
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2011.
SAMPAIO, Henrique. Kriegsspiel: como os videogames mantêm vivo um jogo de guerra do
século XVIII. 2020. Disponível em: https://www.overloadr.com.br/especiais/2020/3/kriegsspiel-como-
osvideogames- mantem-vivo-um-jogo-de-guerra-do-seculo-xviii.Acesso em.: 25 maio. 2020.
SANSEVERINO JR., Jobel. O Emprego de Simuladores de Combate na Instrução Militar das
Tropas Blindadas e Mecanizadas no Exército Brasileiro. 2016. 64 p. Trabalho de Conclusão de Curso
(Especialização em Ciências Militares). Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2016

NOTAS
[1] A operação Guarani é um exercício combinado que conta com a participação das tropas dos
Exércitos do Brasil e da Argentina. Trata-se de exercício de adestramento realizado dentro de um
cenário operacional simulado e já foi praticado em diversas regiões do território nacional.
[2] A operação Paraná é um exercício tático de defesa externa, com execução de operações ofensivas.
Nesse exercício são empregados dispositivos de simulação de engajamento tático (DSET) modernos e é
realizado apoio ao Centro de Adestramento Leste (CA-Leste).
[3] A operação ARANDU é uma operação combinada, realizada entre os Exércitos Brasileiro e Argentino.
Tal operação foi planejada e coordenada pelo Comando de Operações Terrestres (COTER) e realizada em
conjunto com o Centro de Adestramento-Sul (CA-Sul).
[4] A operação PANAMAX é um exercício multilateral, organizado pelo Departamento de Defesa dos
EUA, com a participação ativa de 18 países. Seu objetivo é treinar militares para uma atuação conjunta,
criando um espaço de cooperação e conhecimento mútuo.
[5] A operação VIKING é um exercício multinacional de defesa, realizado em parceria com diversos
países e organismos internacionais, no qual se utiliza ferramentas de comando e controle, amparados
por uma plataforma assistida por computadores. Esse exercício tem por finalidade realizar treinamentos
de militares, de policiais e de civis, por meio de simulação, em um contexto de missão de paz.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 41


MUNIÇÕES 7,62 X 51 MM E 5,56 X 45 MM:
QUAL A MELHOR OPÇÃO PARA O EXÉRCITO
BRASILEIRO?
Coronel Marcus Vinicius Scussiato Pimentel

posicionamento sobre questão tão profissional


O Coronel de Cavalaria Scussiato é Oficial de Estado-
Maior no Comando Militar do Planalto. Foi declarado e empolgante, especialmente quando essa
aspirante a oficial, em 1993, pela Academia Militar das matéria estiver sendo analisada em contexto
Agulhas Negras (AMAN). É formado em mais amplo. Por exemplo, quando esse tema for
jornalismo pela Universidade Federal
aplicado a distintos ambientes operacionais
de Mato Grosso do Sul e mestre em
Ciências Militares pela Escola de (como o urbano, de selva ou pampa), quando
Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO). focado no emprego de diferentes tipos de
Possui os cursos de Altos Estudos tropa (como a aeromóvel, mecanizada ou de
de Política e Estratégia, pela Escola selva) ou quando o assunto for voltado para
Superior de Guerra, e de Comando
e Estado-Maior, pela Escola de operações de desiguais demandas (como
Comando e Estado-Maior do Exército as de garantia da lei e da ordem, operações
(ECEME). É Range-Officer (oficial de especiais ou de combate convencional).
campo/pista) pelo National Range Officer Com tal intenção, passemos à conferência
Institute e detentor de diversos títulos, em competições
de nível estadual, regional e nacional, pela Confederação dos diferenciais tidos como determinantes
Brasileira de Tiro Prático (jornalismoaventura@gmail.com). para a expansão, ou não, de uma munição no
seio da Força Terrestre.
A busca por possuir o armamento
mais moderno, além de mais adequado OS CARTUCHOS OTAN 7,62 X 51 MM E
ao cumprimento de suas missões, é uma 5,56 X 45 MM
constante na história dos exércitos. Atingir Na comparação entre os cartuchos
o binômio modernidade e adequabilidade é OTAN 7,62 X 51 mm e 5,56 X 45 mm, a qual
tarefa desafiadora. Tenhamos em mente o visa a verificar vantagens e desvantagens
que significou o fuzil Chassepot na Guerra de sua manutenção ou estabelecimento,
Franco-Prussiana (1870-1871) e, mesmo respectivamente, no âmbito do EB, algumas
assim, qual foi o desfecho desta. questões vêm logo à mente. Por exemplo:
Nos últimos anos, vem crescendo a o que o estudo da história militar nos diz a
tônica da substituição, total ou parcial, pelo respeito de questões similares? A adoção do
Exército Brasileiro (EB) da munição 7.62 x 51 5,56 aumentaria o poder de fogo da tropa,
mm pela 5.56 x 45 mm, ambas padronizadas superando o atual 7,62? Em caso positivo,
pela Organização do Tratado do Atlântico o 7,62 seria retirado de serviço? Total ou
Norte (OTAN). Numerosos quesitos técnicos parcialmente? Além disso, quais seriam as
e de emprego vêm sendo levantados, seja implicações decorrentes dessa mudança nas
em experimentações doutrinárias, estudos capacidades da tropa? O que a prática, “vista,
teóricos ou pareceres de especialistas. tratada e pelejada”, mesmo que em tempos
Em meio a tamanho fervilhar de ideias, de paz, ensina àqueles que se dedicam a esse
o presente trabalho visa a colocar, de forma ramo de atividades?
simples, esclarecedora e até intuitiva um Atualmente, experimentações doutrinárias
comparativo entre as duas munições, de em curso no EB têm procurado resposta a
modo que o leitor possa firmar seu próprio essas e outras indagações. Em apoio a tais

42 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


iniciativas, e para melhor concatenação projétil mais leve e menor carga propelente.
de ideias, neste estudo dividiremos nossa Para essa munição, foram desenhados
exposição em algumas seções. Vejamos. fuzis inovadores, com registros de tiro e
segurança (RTS) para fogo semiautomático
HISTÓRICO DOS FUZIS DE ASSALTO e automático, além de carregadores com
A idealização de um fuzil de calibre mais trinta cartuchos. Era o aparecimento dos
leve que os convencionalmente utilizados pelo primeiros fuzis de assalto: os Sturmgewehr
“grosso” dos exércitos não é, absolutamente, (StG) 42, 43 e 44, versões largamente
nova. Mesmo antes da Primeira Guerra empregadas durante o conflito mundial.
Mundial (I GM), tal concepção foi colocada Tais modelos, de excelente desempenho
em prática. O Exército Imperial Alemão em combate, uma vez capturados, foram
passou a empregar o cartucho 7,92 X 57 mm profundamente analisados pelos soviéticos
S Patrone em seu fuzil Gewehr 1.888. Quando que, já em 1943, chegaram ao cartucho 7,62
comparado com seu antecessor, o cartucho X 39 mm, o qual viria a dotar o fuzil de
11,15 X 60 mm do fuzil Mauser 1871, o 7,92 assalto Automat Kalashnikov modelo 1947,
podia ser considerado tênue. No mesmo o famoso AK-47.
período, a Inglaterra substituía seus fuzis Os Estados Unidos da América (EUA),
Martini-Henry, de munição 11,43 X 60 mm, entre suas experimentações, apresentaram
pelos Lee-Metford, de 7.7 X 56 mm. as carabinas M1 e M2, em calibre 7,62 X 33
É bem verdade que tais modificações mm. Apesar de ótimos atributos, o limitado
foram impulsionadas pela utilização de novos poder de incapacitação e o reduzido alcance
propelentes, como a pólvora de base dupla útil de tais armas levaram o Exército dos
em substituição à pólvora negra, entre outras EUA, após a Guerra da Coréia, a retirá-las de
inovações tecnológicas revolucionárias. Com serviço. Mesmo antes disso, e baseando-se
isso, não apenas o peso e as dimensões das no 7,92 Kurz alemão, os EUA iniciaram sua
armas foram reduzidos, como também sua busca por um calibre mais leve que o bem-
precisão e alcance útil foram aumentados. sucedido 30-06 (7,62 X 63 mm), utilizado no
Entretanto, após o emprego real desses fuzil M1 Garand. Chegou-se ao cartucho 7,62
avanços, notou-se que as condições gerais X 51 mm, adotado pela OTAN, em 1953. Em
do soldado médio, principalmente, quando 1957, o fuzil M14, calibre 7,62, foi escolhido
submetido ao estresse de combate, não o e tornado padrão pelo Exército dos EUA. Uma
permitiam engajar alvos com adequado das munições 7,62 da época, a M80 FMJ, com
aproveitamento das potencialidades dos peso total de 392 grains (gr) [1], utilizava um
novos cartuchos. Assim, uma munição de projétil de 147 gr, atingindo uma velocidade
menor potência, volume, peso e custo seria de 2.800 pés por segundo (fps) e transmitindo
mais adequada. Dando prosseguimento à uma energia de 2.559 joules (J) ao alvo.
evolução do final do século XIX, verificou-se No Brasil, desde a importação inicial
que, a partir da elaboração de um “cartucho dos fuzis belgas FN FAL (Fabriqué Nationale
intermediário”, chegar-se-ia a fuzis mais - Fusile Automatique Léger, em francês), o
compactos e leves, para os quais o soldado 7,62 X 51 mm manteve-se como o cartucho
poderia levar maior quantidade de munição padrão do EB. Sua subsequente fabricação,
sem, necessariamente, carregar maior peso. sob licença pela Indústria de Material Bélico
Consequências disso seriam, entre outras, o do Brasil (IMBEL), consolidou a ambos,
aumento do poder de fogo e da capacidade de arma e munição, no âmbito nacional, em
durar na ação. consonância com mais de noventa países que
Em 1938, a Alemanha, na iminência da também o adotaram. Assim, a possibilidade
II GM, assume a dianteira ao elaborar um de sua substituição pelo fuzil de assalto
novo cartucho intermediário: o redesenhado IMBEL 5,56 IA2 incidiria sobre uma história
7,92 X 33 mm Mauser Kurz, com um de mais de 50 anos de êxito.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 43


E quanto ao 5,56 X 45 mm? Foi, para uso militar. Relevantes estudos e
juntamente com o rifle M16, pensado e experimentações sobre munições mais leves
projetado para atender à presença norte e efetivas têm sido realizados, há mais de
americana na Guerra do Vietnã (1965 - um século, pelos exércitos mais poderosos
1973). Novamente, então, o Exército dos do mundo. As soluções encontradas têm sido,
EUA chegava à conclusão de que seu soldado compreensivelmente, adotadas pelas demais
médio não era, seja por falta de capacidade, nações. A partir da década de 1950, tal
seja por limitações impostas pelo teatro de reflexo foi notório, ocorrendo, praticamente,
operações (TO), capaz de utilizar plenamente uma padronização mundial em torno dos
seu armamento de dotação. No entanto, a cartuchos 7,62 X 51 mm, 5,56 X 45 mm, 7,62
verdade é que, na ocasião e em relação ao TO, X 39 mm e 5,45 X 39 mm.
não foram considerados possíveis obstáculos,
principalmente para alvos além de 300 m. CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DOS CAR-
Interessante notar que tal situação é bastante TUCHOS 7,62 MM E 5,56 MM
comum em ambientes de selva, onde galhos, Visando a propiciar maior número de
troncos e folhagem espessa podem deter um
pontos de interseção deste artigo com ou-
projétil ou alterar sua balística de forma a
tros que o antecederam, consideraremos
reduzir, sobremaneira, as chances de impacto.
quesitos técnicos vistos como básicos
Considere-se, também, que geralmente tal
para a análise das munições. Dentro des-
assertiva é mais verdadeira quanto mais leve
sa lógica, foram elencados os seguintes
é o projétil.
parâmetros: penetração/incapacitação/
Entretanto, após extensos testes, os quais
letalidade, precisão/alcance/estabilida-
resultaram em uma série de aperfeiçoamentos,
de, transportabilidade de munição/arma-
tanto a munição quanto o fuzil foram adotados
mento, volume/poder de fogo e, por fim,
como padrão pelos EUA. O cartucho M193,
tecnologias correlacionadas.
inicialmente utilizado, possuía um projétil de
O atual cartucho 7,62 (M1 ou,
apenas 55 gr, o qual atingia uma velocidade
simplesmente, comum), em uso pelo EB,
inicial de 3.260 fps em um M16 com 20
polegadas de cano, transmitindo 1.755 J ao possui um projétil do tipo full metal jacket
alvo. Perceba-se que cerca de apenas uma (FMJ - jaqueta em liga de cobre e zinco
década separa os processos de criação dos preenchida com chumbo). Atingindo uma
dois cartuchos em pauta. velocidade inicial de 838 m/s, sua massa
Sob a poderosa influência de uma potência de 147 gr pode transmitir uma energia
global, outros países, com destaque para os cinética de 3.276 J ao alvo. Trata-se de
integrantes da OTAN, passaram a fabricar e um projétil antipessoal, cujo desenho
a adotar armamentos no calibre 5,56. Para foi concebido para, ao reduzir o arrasto,
contrapor-se a essa tendência, a então União manter velocidade e estabilidade em uma
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) trajetória o mais longa e tensa possível.
aprimorou, mas não retirou de produção, Com tais propriedades, pode-se dizer
seu consagrado AK-47 e, em 1974, adotou o que sua precisão é ótima para longas
fuzil AK-74, com cartucho de 5,45 X 39 mm. distâncias, que podem atingir a faixa
Na esteira do líder do bloco, os países do entre 600 e 800 m.
Pacto de Varsóvia, em maior ou menor grau, Para o cartucho 5,56, focaremos em sua
fizeram o mesmo. versão SS109, detidamente estudada em
Dessa forma, contrariando alardeada experimentações doutrinárias levadas a
ideia, que se tornou quase um senso cabo pela Força Terrestre. Com um projétil
comum, nada de ultramoderno, ou de 62 gr, alcança uma velocidade de 915 m/s,
sequer novo, há em calibres mais leves transferindo 1.962 J aos alvos. Ressalta-

44 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


se que tal munição foi desenvolvida para Contrastando as figuras 1 e 2, pode-se
alvos levemente blindados a distâncias de compor um paralelo. A lesão, em um primeiro
até 300 m, uma vez que a relativa leveza do momento, poderia ser considerada maior com
projétil, frente à resistência do ar, torna-o o 5,56 SS109 do que com o 7,62 M1, dentro
gradativamente mais lento e instável além de um alcance de até 300 m. Entretanto,
desse alcance, reduzindo sobremaneira sua continuemos a ver como as consequências
precisão e potencialidades em distâncias dos impactos manifestam-se.
mais longas.

PENETRAÇÃO, INCAPACITAÇÃO E LETA-


LIDADE DAS MUNIÇÕES
Uma das formas mais elucidativas para
se compreender os efeitos de um projétil é a
utilização da gelatina balística. Simulando
a densidade do corpo humano, tal material
permite observar e mensurar as cavidades
permanente e temporária, além do possível
estilhaçamento ocorrido no alvo. Com isso,
testes de munições podem ser realizados com Fig 3 - Munição 7,62 X 51 mm M80 FMJ – efeitos máxi-
mos observáveis em gelatina balística (após transfixação).
máxima efetividade, reduzindo-se prazos Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=sGYF8DTLcj4.
para desenvolvimento e homologação.
Vejamos alguns momentos de provas
realizadas com as munições em estudo.

Fig 4 - Munição 5,56 X 45 mm SS109 – efeitos máximos


observáveis em gelatina balística (após transfixação).
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=HRbAfdoU9vY.

Fig 1 - Munição 7,62 X 51 M80 FMJ – efeitos em gelatina Impressiona o resultado do 5,56, apesar
balística, observáveis imediatamente após transfixação.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=sGYF8DTLcj4. de seu pequeno projétil de 62 gr. Na verdade,
justamente pela menor massa, esse tem maior
tendência de tombar, aumentando a cavidade
permanente e, dessa forma, acentuando a
lesão. Todavia, não passa desapercebido que a
energia transmitida pelos 147 gr do projétil 7,62
termina por causar o rompimento do bloco, com
dispersão e perda de material gelatinoso.
Entretanto, as afirmativas acima
suprimem detalhes que não podem ser deixados
de lado. Um deles é que tais munições foram
concebidas para finalidades distintas. O 7,62
Fig 2 - Munição 5,56 X 45 mm SS109 - efeitos em gelatina
balística, observáveis imediatamente após transfixação.
M1 é eminentemente antipessoal, enquanto
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=HRbAfdoU9vY. o 5,56 SS109 foi voltado para a superação

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 45


de um possível obstáculo, metálico ou não,  velocidades de impacto reduzidas,
antes de atingir o seu objetivo. Apenas ocasionadas tanto por maiores distâncias de
isso já tornaria complexa a comparação. engajamento, quanto por disparos feitos com
Quando se inclui na equação a expressiva armas de cano mais curto;
diferença entre o peso dos projéteis, carga  passagem do projétil apenas por um
propelente, velocidades em diferentes mínimo de tecido, como um membro ou até
pontos da trajetória e necessidades vigentes
mesmo o peito de um indivíduo magro e
nos momentos históricos de concepção,
nota-se que tal equiparação é preenchida desnutrido; e
por desafiadoras circunstâncias. Somemos  variações de fabricação na com-
a isso, então, as constatações mencionadas posição, calibragem e pesos relativos das
na figura abaixo: jaquetas dos projéteis, assim como os ti-
pos de perfis e de núcleos destes, bem
como a posição dos sulcos causados pelo
raiamento dos canos em seus enjaqueta-
mentos [2].
Complementa-se que alguns lotes ou
variantes da munição M855, como a SS109
também é chamada nos Estados Unidos da
América, percorrem até sete polegadas antes
de começarem a tombar. Considerando-se
que a espessura de um oponente, mesmo no
tórax, pode ser próxima a 18 cm, conclui-se
que há possibilidade de que o projétil 5,56 já
tenha transfixado o corpo antes que a guinada
ou a fragmentação ocorram. Infelizmente,
para o atirador, a consequente e drástica
redução do ferimento tornaria improvável a
Fig 5 - Munição 5,56 X 45 mm SS109 Green Tip
incapacitação imediata, significando que os
Penetrator – efeitos reais no corpo humano. Fonte: soldados inimigos alvejados continuariam a
https://www.youtube.com/watch?v=e1tAtW2JKRE. representar uma ameaça.
Como já explanado, a capacidade
Pelo reportado, a grande capacidade
de penetração pode conter um grau de
de penetração da SS109, especialmente
em sua versão green tip penetrator, deriva relativização considerável, embora seja
em paradoxal falha na incapacitação do fundamental para causar danos definitivos
oponente. Observe-se que, em um ângulo de à estrutura do antagonista e, também,
impacto de 90o, os efeitos máximos, tanto da para superar eventuais obstáculos em sua
cavidade permanente quanto da temporária, trajetória.
dar-se-iam somente após a transfixação, não Quanto ao tópico letalidade, deve-se
afetando o alvo. Isso porque os esperados, e entender que, apesar de ser intimamente
característicos, tombamento (ou guinada) e relacionado às capacidades de penetração
estilhaçamento do projétil 5,56 podem vir a e incapacitação, é dependente do ângulo
ocorrer apenas após a passagem pela massa e ponto de impacto, além da trajetória
fluida, representada pelo corpo atingido.
percorrida no interior do corpo. Entretanto, é
Assim, os ferimentos causados seriam
relativamente insignificantes, semelhantes correto afirmar que, quanto maior a energia
aos produzidos por projéteis de munições transmitida ao alvo, maior será a taxa de
de calibre assemelhado, embora de potência mortalidade e de incapacitação provocada
muito inferior, como a .22 Long Rifle (.22 LR). pelo artefato. Nesse aspecto, os cerca de
Tal fenômeno seria devido, provavelmente, a: 3.200 J do 7,62 fazem substancial diferença.

46 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


PRECISÃO, ALCANCE E ESTABILIDADE O TRANSPORTE DE MUNIÇÃO E DE
DAS MUNIÇÕES ARMAMENTO
Entendendo que os itens precisão, alcance Peso e dimensões, especialmente
e estabilidade são intimamente ligados, tem- o comprimento, são a chave para se
se que a tecnologia inserida, a qualidade dos qualificar a transportabilidade de um
insumos empregados e a precisão no processo objeto. Novamente o recurso de tabelas
de fabricação os delineiam, tanto para as comparativas poderá ser o meio mais
munições, quanto para os armamentos didático para se chegar a uma conclusão.
empregados. Equalizando-se tais atributos, a Comecemos verificando as duas munições.
diferenciação entre os objetos em estudo se Dimensões/
dá pelas suas características ideais próprias, Cartucho Peso
comprimento
as quais passam a ter pesos absolutos para 7,62 M1 392 gr (25,4 g) 71,12 mm
fins de paridade, especialmente no que
5,56 SS109 190 gr (12,31 g) 57,40 mm
concerne aos alcances máximo e de utilização,
Quadro 2 - Comparativo para transporte das munições.
parâmetros finais advindos da sinergia entre
os três quesitos em pauta. Para fins de transporte, o qual deve ser
Com essa percepção, uma simples visualizado como sendo feito em mochilas ou
tabela pode ser elucidativa. Para efeito equipamentos individuais, o peso do cartucho
de padronização e congruência, foram 5,56 X 45 mm configura-se como extremamente
utilizados os dados constantes dos manuais vantajoso. Afinal, seus 12,31 gramas sequer
da Indústria de Material Bélico do Brasil chegam à metade da massa do cartucho 7,62
(IMBEL), fabricante do Fuzil Automático Leve X 51 mm. Portanto, o dobro da quantidade de
7,62 M964 (FAL) e do Fuzil de Assalto 5,56 munição pode ser levada sem carga extra para o
IMBEL - A2 (IA2), a qual utiliza os cartuchos combatente.
padronizados pelo EB para a confecção de Tal vantagem comparativa seria exata se as
sua documentação técnica referente. Quanto munições tivessem as mesmas capacidades de
à nova versão 7,62 do fuzil IA2, espera-se que neutralização do alvo. Então, poder-se-ia afirmar
tenha desempenho semelhante ao do FAL. a existência de real assimetria, obtida a partir
Vejamos: do binômio massa/volume. Entretanto não foi o
que vimos nas avaliações técnicas já citadas, as
Alcance de
Arma
Munição/
Utilização
Alcance quais suscitam a ideia de que, na média, seriam
Calibre Máximo necessários mais impactos de 5,56 do que de 7,62
(Precisão)
600 m para a obtenção de resultado equivalente quanto
M1/7,62 X
FAL
51 mm
(800 m com 3.800 m à anulação de opositor.
luneta) Complementa-se que os paralelos
entre dimensões e peso das munições
SS109/5,56
IA2
X 45 mm
300 m 1.800 m têm, normalmente, considerado apenas o
indivíduo ou frações dotadas de armamento
Quadro 1 - Comparativo de alcances. homogêneo. Entretanto, com as mais recentes
Claramente, a munição M1 7,62 supera, experimentações doutrinárias já considerando
em ambos os quesitos e com larga margem, a a mescla de calibres, as vantagens de uma
SS109 5,56. Nada há de surpreendente nisso, munição mais leve ficam relativizadas, uma vez
uma vez que o peso dos projéteis, as dimensões que dependerão diretamente da proporção de
dos cartuchos e, por suposto, a quantidade armas de um calibre ou de outro.
de carga propelente são bastante diferentes, Já quanto à praticabilidade da adoção de
mesmo existindo significativa diferenciação dois cartuchos distintos, para armas portáteis
tecnológica entre eles. longas em uma mesma fração, somente

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 47


isso suscita tantos questionamentos que a se como plenamente viável a transposição dessa
inserção de um quesito específico, dentro do expertise para a plataforma FAL, incluindo
rol de testes previstos para experimentação a repotencialização daqueles que, há muito,
doutrinária, poderia ser de grande utilidade encontram-se nas organizações militares (OM)
para desanuviar certas convicções, sejam do EB. Ampliando o horizonte de possibilidades
operacionais ou logísticas. Aludo-me àquelas para a IMBEL, tais versões custom,
ideias que, apesar de nascidas dentro de disponibilizadas em escala industrial, poderiam
elaborada concepção macro, quando deparadas ser oferecidas, em um segundo momento, às
com a realidade vivenciada em momentos forças armadas estrangeiras, usuárias ou não
críticos de confronto, revelam-se inadequadas, do M964 e seus congêneres. Tais ofertas, feitas
tanto tática quanto logisticamente. a preços competitivos, visariam a compensar o
Devido às suas menores dimensões necessário tempo para a fabricação e entrega
e carga propelente, o cartucho 5,56 tem dos novos IA2. Além disso, o afluxo de recursos,
propiciado o desenvolvimento de armas mais prestígio e outros benefícios para a indústria
leves e compactas, versáteis para o emprego nacional de defesa seriam inquestionáveis.
em ambientes confinados ou urbanos, Vejamos tabela de comparação de pesos
desgastando menos o usuário ao transportá-las e medidas de armas longas atualmente em
e tornando mais fácil o seu emprego. Todavia, produção pela IMBEL, focando nos fuzis de
a crescente utilização de polímeros de última assalto 5,56 IA2 e 7,62 IA2, uma vez que são
equivalentes em suas finalidades. Para fins
geração, compondo armações, acessórios e
ilustrativos, foram incluídas as versões da
até mesmo partes internas do mecanismo
Carabina IMBEL IA2, tanto em calibre 5,56
de armamentos, pode e vem reduzindo essa
quanto em 7,62, e o PARAFAL.
vantagem. Hoje já se tem à disposição uma
Comprimento
gama de peças plásticas, como coronhas e Peso (sem (coronha Comprimento
Arma
empunhaduras, para customização de armas munição) aberta/ do cano
fechada)
de maior calibre, como o FAL. Há, mesmo,
grupos de entusiastas que destinam tempo e
Fz IA2 5,56 3,45 kg 87,5 / 62 cm 36,5 cm
recursos à atividade de personalização e de
adequação do FAL para diversas finalidades,
Fz Assalto
expondo seus produtos finais na rede mundial IMBEL 7,62 4,03 kg 92/67 cm 39 cm
de computadores. IA2
A IMBEL já emprega largamente polímeros
Carabina
em suas pistolas e em seu fuzil IA2, tanto em IMBEL 5,56 3,35 kg 82,5/58 cm 33,5 cm
calibre 5,56 quanto em 7,62. Isso posto, percebe- IA2

Carabina
IMBEL 7,62 3,8 kg 80/55 cm 26,5 cm
IA2

Fz 7,62
M964 A1 4,3 kg 99/75 cm 44 cm
PARAFAL

Diferencial
entre Fuzis 0,58 kg 4,5/5 cm 2,5 cm
IA2
5,56 e 7,62

Quadro 3 - Para diferenciar as medidas entre o fuzil e a


carabina IA2 5,56, foram utilizadas as extremidades das
Fig 6 - Projetos inovadores utilizam a plataforma do margens previstas pela IMBEL (+ / -), somando-as à
FAL, perpetuando esse fuzil clássico. média do fuzil (+) e retirando-as da média da carabina (-).
Fonte: https://www.pinterest.ca/pin/426082814727867695. Fonte: https://www.imbel.gov.br/index.php/fuzis.
48 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020
Observando mais detidamente a linha na prática, características que extrapolam
diferencial, poderíamos afirmar que há o cálculo. Quando somos colocados em
grande desigualdade entre os fuzis de assalto qualquer equação, vale o ditado: acima de
dessa nova geração da indústria nacional? ideias, a realidade se impõe.
Suficiente para alterar significativamente Em campanhas militares, especialmente
sua portabilidade e transporte por um as conduzidas a partir da década de 1990 do
combatente de médio porte? Suficiente século XX, notou-se uma redução nos relatos
para justificar todas as consequências que a de neutralização ao primeiro impacto de pro-
mudança para um cartucho distinto, menos jétil 5,56. Roupas pesadas em alvos a maiores
potente e de menor calibre, traria? distâncias, situação frequente em teatros de
Não sendo 5 cm medida significativa no operação montanhosos, podem minimizar ex-
comprimento de uma arma longa, o que fica pressivamente os efeitos de projéteis mais le-
mais evidente são os 580 g na coluna “peso ves. Caso sejam necessários dois, três ou mais
sem munição”. Contudo, deve ser salientado impactos para se suprimir a agressão, então a
que qualquer equipamento e/ou acessório
almejada vantagem em reduzir-se peso e di-
que venha a ser anexado a tais armamentos
mensões do cartucho passa
poderá alterar a correlação
a ser ilusória. Nesse caso,
de peso entre eles.
desconsiderando o acerto
Complementar men-
te, percebe-se que to- Um disparo perdido de
em pontos vitais, um único
impacto de 7,62, com seus
dos os armamentos da uma munição SS109 tem
efetivos 3.200 J, superaria
linha IA2 apresentam
importante redução de
maior possibilidade de dois ou mais de 5,56.
transfixar paredes e Sob tal ótica, outra
dimensões e massa em
questão importante seria o
relação ao PARAFAL. atingir inocentes que o
fato de que a maior quanti-
Todavia, devemos lem-
brar que este, ainda em de uma munição 7,62, dade de disparos aumenta-
ria a possibilidade de efei-
produção, não recebeu, principalmente se esta
tos colaterais: as chamadas
até o momento, nenhum
dos benefícios de de-
for do tipo soft point ou “balas perdidas”. Princi-
expansiva. palmente em zonas urba-
senho e de tecnologia
mais recentes, o que po- nas, durante operações de
derá reduzir seu peso e garantia da lei e da ordem
dimensões, além de melhorar sensivel- (GLO), as repercussões de
mente sua ergonomia em versão custo- casos assim podem mudar não só o curso da
mizada ou repotencializada. manobra, como a própria definição de seu su-
cesso. A isso deve ser somada uma caracterís-
VOLUME E PODER DE FOGO DAS tica já citada da munição 5,56 SS109: foi pro-
MUNIÇÕES jetada para alvos levemente blindados, ou seja,
Com o dobro de munição disponível, seria um disparo perdido de uma munição SS109
de se esperar o dobro de volume ou de poder tem maior possibilidade de transfixar paredes
de fogo. Além disso, o menor recuo de um e atingir inocentes que o de uma munição 7,62,
disparo pode proporcionar maior controle principalmente se esta for do tipo soft point ou
de cadência, seja no tiro rápido, seja no expansiva. Este tipo de munição possui projétil
automático, o que maximizaria tal poderio deformável, diminuindo as possibilidades de
devido a uma provável média superior de transfixação e, simultaneamente, destinando
acertos. Essa lógica parece, teoricamente, mais energia a um alvo composto por massa
incontestável e favorável à opção pelo calibre fluida, como é o caso do corpo humano, au-
5,56. O ser humano, entretanto, apresenta, mentando o chamado “poder de parada”.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 49


Deve ser considerado, também, que Talvez até porque sua ótima performance
o menor recuo proporcionado pelo 5,56, indicasse não haver essa necessidade. Assim, os
embora mais confortável aos atiradores, numerosos testes realizados, comparativos e de
induz boa parte destes a um maior consumo desempenho, permaneceram mais focados no
de munição. Em outras palavras, transporta- cartucho antipessoal M1, com seu projétil FMJ.
se mais 5,56 do que 7,62, mas, sem uma No entanto, embora em menor escala e mais
disciplina que apenas militares muito bem notadamente no ambiente esportivo, têm sido
adestrados possuem, desperdiçam-se mais desenvolvidos e utilizados projéteis 7,62 que,
munições, equiparando-as em possibilidade embora possam apresentar trajetórias balísticas
de acertos dentro de quantitativos e tempo muito semelhantes ao M1, são deformáveis
similares. Sob essa ótica, novamente as ou estilhaçáveis, reduzindo sobremaneira as
probabilidades de incapacitação imediata por chances de transfixação, transmitindo o máximo
impacto de 7,62 ganham realce. de energia ao alvo e, com isso, reduzindo as
Entretanto, há de se considerar que, chances de efeitos colaterais. Isso significa que
para tropas de operações especiais, por um trivial câmbio do tipo de munição, antes
exemplo, a mais rápida retomada de visada ou durante a ação, leva a resultados balísticos
proporcionada pelas armas de calibre 5,56, absolutamente distintos. Assim, utilizando o
aliada a outras variáveis, como a consecução mesmo armamento, por mais distintas que
de maior percentual de acertos em pontos venham a ser as imposições da operação, pode-
incapacitantes, é um fator relevante.
se obter os resultados almejados, desde que com
Finalizando o quesito poder de fogo,
a munição certa.
coloquemos a execução do fogo automático,
À vista disso, podem ser visualizados já para
praticamente exclusiva das armas de
um futuro próximo, potenciais incrementos em
emprego militar. Se, durante treinamentos,
a experiência demonstra que já é difícil o diversos tipos de munições 7,62. Até porque,
controle da rajada, em situações de combate explanando de forma simples e prática, há
torna-se ainda mais. Mesmo essa deficiência mais espaço para ajustes na pólvora, tipos
de controle sendo reduzida com a munição de projéteis e inserções tecnológicas em um
5,56, não se atinge uma concentração objeto mais volumoso do que em um similar
considerável, remetendo-nos, novamente, ao de menores dimensões e massa. Comparem-
dispêndio de cartuchos e à relativização de se o conjunto e os componentes do cartucho
tal qualidade nos calibres menos potentes. 7,62 M1 com os do 5,56 SS109 e toda dúvida a
respeito será dissipada.
AS TECNOLOGIAS CORRELACIONADAS Finalizando este tópico, não pode deixar de
Mais de meio século se passou desde ser citado o Programa Next Generation Squad
a criação dos dois cartuchos em estudo. Weapons (NGSW), em curso pelas Forças
Tecnologias foram criadas, aplicadas e Armadas dos Estados Unidos da América,
testadas, mudando as possibilidades e as o qual estuda a substituição do cartucho
limitações visualizadas à época. Coloquemos 5,56 X 45 mm OTAN. Projetos disruptivos,
apenas quatro exemplos: um relacionado à envolvendo munições como a 6,8 X 43 mm
munição em si, outro às proteções individuais, Remington, podem revolucionar a indústria
depois aos sistemas de pontaria do armamento bélica em nível mundial. Com tal possibilidade,
e, por fim, um referente às tecnologias de fica a dúvida: estamos no momento mais
comunicações e apoio de fogo mais recentes. oportuno para efetivar uma onerosa mudança
de calibre? Especialmente para o 5,56?
AS MUNIÇÕES
No corpo deste texto, pudemos perceber AS PROTEÇÕES INDIVIDUAIS
que houve substancial aperfeiçoamento da Em meados do século passado, os coletes à
munição 5,56, partindo do cartucho M193 prova de balas eram artigos raros e incômodos.
e chegando ao SS109. Entretanto, o mesmo Hoje, concepções e desenhos futuristas unem
não pode ser dito para o 7,62 X 51. Desde materiais como o kevlar, tecidos sintéticos e
sua concepção, na década de 1950, essa cerâmicas especiais, formando blindagens
munição não foi objeto de grande evolução. compostas que propiciam inédito grau de

50 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


proteção ao combatente. O velho embate das potencialidades de um armamento, o
“valor da blindagem X poder da munição” atirador britânico Craig Harrison, em 2009,
chegou ao nível do indivíduo a pé! Assim, no Afeganistão, acertou um disparo a 2.475
de uma forma quase instintiva, própria de metros, utilizando-se de um fuzil Accuracy
indivíduos que normalmente andam a pé, International L115A3, de calibre .338 Lapua
perguntamos: qual projétil pode comportar Magnum. O alcance útil de tal munição,
maiores aperfeiçoamentos tecnológicos? embora haja mais de uma avaliação a respeito,
Um maior ou um menor? Se ambos, em qual gira em torno de 1.600 m.
a mesma tecnologia aplicada possibilitaria Assim, estaria o soldado médio, ainda,
maiores resultados? Qual deles poderá, antes, com uma limitação estatística de 300 m para
ter sua capacidade de penetração tornada
aquisição e neutralização de alvos com seu
obsoleta? Em face dessas incertezas e contra
armamento individual? Poder-se-ia afirmar
adversários providos de coletes modernos,
fuzil de que calibre o leitor optaria por ter em que a distância de 600 m, na qual a muni-
mãos durante um combate? ção 7,62 M1 mantém uma balística de preci-
são, seria exequível para tal militar,
desde que equipado com os moder-
nos tipos de visores disponíveis?
Caso respondamos que é possível,
como ficará a questão do alcance da
munição SS109, balizado atualmen-
te em 300 m? É viável ampliá-lo
até sua duplicação? Considerando
a hipótese de confronto entre duas
unidades, uma dotada com fuzis no
calibre 5,56 e a outra com 7,62, se-
ria importante tal assimetria para a
definição da tropa vencedora?

AS TECNOLOGIAS DE COMU-
NICAÇÕES E APOIO DE FOGO
Mesmo nos primórdios do
Fig 7 - Colete balístico tipo Dragon Skin, com diferentes níveis de prote- 5,56 X 45, no sudeste asiático, o
ção, poderá tornar obsoletas as munições mais utilizadas na atualidade. combatente equipado com um fuzil
Fonte: https://www.slideshare.net/DesiPink/dragon-skin-bullet-proof-clothing.
M16 podia contar com um sistema
OS APARELHOS DE PONTARIA de comunicações que assegurava à sua fração
Se, nos anos 1950 e 1960, o ápice consistente apoio aéreo e de artilharia. Dessa
de sofisticação eram as clássicas e caras forma, se a tropa vietnamita, equipada
lunetas, hoje encontramos uma variedade com AK-47, viesse a oferecer antagonismo
considerável, o radioperador podia passar
de itens avançados a custos cada vez mais
as coordenadas para baterias de obuseiros,
reduzidos. O sistema de mira aberta tem
caças-bombardeiros e, se próximo ao litoral,
sido complementado por optrônicos de
até mesmo uma belonave que por ali passasse.
operação simplificada, utilizáveis após E, assim, foi desenvolvida toda uma
período de treinamento relativamente curto. doutrina, baseada na liberdade de conduta,
Tais equipamentos elevam, sensivelmente, na coordenação interarmas, alicerçada na
a capacidade de detectar e de engajar, com certeza de não se estar isolado ou realmente
precisão, alvos a distâncias que vão até mesmo sozinho no campo de batalha. Sistemas
além do limite de alcance útil protocolar dos avançados de comunicações e de aquisição
armamentos. Citando um caso extremo de de alvos, integrados com sistemas de
aplicação de tecnologias para o aprimoramento aeronaves remotamente pilotadas (SARP)

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 51


com impressionantes tecnologias e poder de de operações e logística de munições e
fogo embarcados ampliaram as possibilidades armamento (classe V).
ofensivas e defensivas, relativizando não só Da comparação entre as munições
o potencial do soldado em si, mas dando-lhe 7,62 e 5,56, percebe-se que apresentam
segurança nunca antes vista. características e resultados que induzem à
Entretanto, o distanciamento tecnológico percepção de que seus fins e, por consequência,
ocorrido nas últimas décadas impôs uma seus usuários são bastante diferentes. Não
realidade dura e, muitas vezes, distante apenas isso, mas, também, que o futuro a elas
de manuais: a situação de se estar do lado destinado será, provavelmente, bem diverso.
que foi superado tecnologicamente ou, O cartucho 5,56 X 45 já passou por
simplesmente, de não se poder contar, mesmo consistente processo de aprimoramento.
que temporariamente, com o apoio de SARP Apesar disso, a munição SS109 possui
de reconhecimento e ataque ou sistemas limitações relativas às suas dimensões
integrados de comunicação e apoio de fogo mais reduzidas. Sua divulgada vantagem
que atendam, tempestivamente, a imposições nos quesitos transportabilidade e poder de
urgentes do combate. Em qualquer caso, fogo é afetada pela relativa capacidade de
o combatente ver-se-ia na condição de neutralização do antagonista, notadamente
poder contar somente com seu armamento se este contar com proteções individuais ou
individual e o de seus companheiros mais estiver a maiores distâncias. Sua precisão
próximos. Tal circunstância aumenta, circunscreve-se a 300 m, limitando a efetiva
exponencialmente, a importância da escolha ação da tropa em distâncias superiores, mesmo
e padronização de calibres. com o emprego de aparelhos de pontaria de
alta tecnologia. Especialmente em cenários
CONSIDERAÇÕES FINAIS densamente habitados, pode-se dizer que
Quando se aproxima o momento de apresenta, em maior grau, o perigoso efeito
mudança, instituições e profissionais colateral das “balas perdidas”, proveniente do
buscam as melhores alternativas. Estudos e binômio disparos excessivos/maior capacidade
experiências anteriores são somados ao que há de transfixação até 300 m. Mesmo que haja
de inovador, de forma a se chegar a soluções formidável evolução da munição 5,56, essa
que não apenas superem obstáculos, mas, se nova versão, provavelmente mais potente,
possível, rompam paradigmas e coloquem ensejaria um novo fuzil para ser disparada, o
seus desenvolvedores à frente dos demais. que geraria, justamente, os custos adicionais
Entretanto, a empolgação que envolve tais que qualquer exército deseja evitar sem
momentos pode ocultar impropriedades, justificada razão.
Com massa e dimensões relativamente
mesmo aquelas que já tenham sido reveladas
maiores, o 7,62 sinaliza com oportunidades
em ciclos anteriores.
mais viáveis para adições tecnológicas. Mesmo
Embora a possibilidade de ampliação,
atualmente, sua maior precisão, alcance e
pelo EB, da dotação de armamento em
energia transmissível ao alvo tornam seu
calibre 5,56 X 45 mm OTAN possa parecer potencial de incapacitação e poder de fogo mais
revolucionária, vimos que assuntos efetivos, relativizando sua transportabilidade
similares vêm de longa data, havendo mais laboriosa. Anexando-se ao armamento
estudos aprofundados a respeito. Tópicos modernos sistemas de pontaria, ampliar-se-
de diversos matizes vêm sendo analisados, ão os efetivos capacitados a atingir alvos a
tanto em experimentações doutrinárias quaisquer distâncias, até o limite do fuzil e
quanto por especialistas. Suas conclusões, da munição empregada. A utilização de novos
quando interligadas, deverão conduzir às cartuchos, com projéteis distintos e cargas
melhores decisões, almejando atender às propelentes específicas, poderá atender, mais
especificidades dos diversos ambientes prontamente, às imposições de diferentes tipos
operacionais, tropas especializadas, tipos de operações, necessidades de tropas variadas

52 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


e teatros de operações diversos. Tudo isso sem daquele já em uso, além de ser gradual e
a necessidade de gastos com armamentos de criteriosa, precisa acompanhar as inovações
menor calibre e sem tornar mais complexa a disponibilizadas. Nesse contexto, faz-se
logística de abastecimento classe V. necessário testá-las para as novas realidades
Deve-se notar que, pela lógica, toda operacionais e seguir os pareceres emitidos
engenharia de ponta, uma vez aplicada ao pelos usuários finais, sejam batalhões
cartucho 5,56, será passível de ser reproduzida aeromóveis ou regimentos mecanizados.
no 7,62, modernizando-o. Isso significa que não Incluímos, ainda, questões que consideramos
há espaço para o cartucho 5,56 em um exército imersas em dúvidas, tais como a mescla de
que já disponha do 7,62? Absolutamente não. calibres em pequenas frações convencionais.
As experimentações em curso têm apontado Semelhantes processos, na contramão da
para aplicações nas quais o 5,56 tem-se empolgação que momentos assim trazem,
mostrado bastante efetivo, destacando-se seu
necessitam de tempo. Tempo de intenso
emprego específico por forças de operações
foco, trabalho e assessoramento competente,
especiais e ao mesmo tempo mostram que
sempre consciente de que mudanças dessa
o 7,62 mantém-se à frente para outras. Não
magnitude são importantes demais para não
se pode desprezar essa bagagem e, à revelia
do apreendido, tomar posições baseadas em serem precisas.
opiniões que, embora entusiasmadas, sejam Considerando todo o exposto encade-
menos pragmáticas. Simultaneamente, deve-se amento de ideias, penso que, atualmente,
ter em mente que a experiência adquirida pela incentivar o aperfeiçoamento, a aquisição
Força Terrestre pode ser repassada às forças e a avaliação de novas munições do con-
policiais e auxiliares, nas quais munições sagrado cartucho 7,62 X 51 mm pode ser
intermediárias, como uma 5,56 expansiva, um ótimo e econômico caminho para o EB
podem encontrar imediato e incontestável uso. manter sua operacionalidade frente aos de-
A adoção de munições e seus respectivos safios que um horizonte temporal mensu-
armamentos, em qualquer calibre diferente rável nos reserve.
REFERÊNCIAS
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Estudos para instruções - Acosta Escola e Clube de Tiro. Porto Alegre, RS, 2017.
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OTAN: os calibres atuais e seus limites de emprego em conflitos assimétricos. Revista Defesanet.
Disponível em: http://www.defesanet.com.br/armas/noticia/22563/Os-calibres-atuais-eseus- limites-
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GROSSMAN, Dave; CHRISTENSEN, Loren. On combat: the psychology and physiology of deadly
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IMBEL, Divisão de Engenharia da Fábrica de Itajubá. Apresentação da dinâmica do Fz Ass 5,56
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PLASTER, John L. The ultimate sniper: an advanced training manual for military and
police snipers. Paladin Press, 1993-2006, United States of America.
TRINDADE, Valério Stumpf. Cenários, operações no amplo espectro e brigadas de cavalaria
mecanizadas. Doutrina Militar Terrestre em Revista, vol. 1, n 3, jul/set, Brasília, DF, 2013.
Disponível em: http://www. http://ebrevistas.eb.mil.br/index.php/DMT/article/view/647. Acesso em:
25 mar. 2020.
NOTAS
[1] Grain = unidade de massa inglesa, largamente utilizada em cálculos envolvendo munições. Um
grain (“grão”, símbolo: gr) é igual a 64,79891 miligramas.
[2] Enjaquetamento ou encamisamento é o revestimento de liga de cobre aplicado ao redor do projétil.
Tem por finalidade eliminar os resíduos de chumbo que se acumulariam no raiamento do cano devido
às altas temperaturas envolvidas, além de melhorar a performance balística do projétil.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 53


O EMPREGO DO EXÉRCITO DA FRANÇA
EM TERRITÓRIO FRANCÊS

Major Aislan Carvalho Andrade

meio da presença ostensiva de militares do


O Major de Infantaria Aislan é o Oficial de Ligação do Exército Francês nas áreas sensíveis.
Exército Brasileiro junto ao Estado-Maior Conjunto (EMIA) A Operação Harpie, por sua vez, teve
das Forças Armadas da Guiana Francesa (FAG). início em 2008 e trata da luta contra o
Foi declarado aspirante a oficial, em 2006,
pela Academia Militar das Agulhas
garimpo ilegal (LCOI, na sigla em francês),
Negras. É mestre em operações militares realizada no departamento além-mar da
pela Escola de Aperfeiçoamento de Guiana Francesa. Essa operação se resume
Oficiais, tendo ainda realizado o no emprego permanente das Forças Armadas
Curso de Formação de Comandante de da Guiana Francesa (FAG) [1] em combate
Unidade na França (CFCU). Foi instrutor
da Escola de Sargentos das Armas. Serviu
à atividade de garimpo ilegal na floresta
no 4º Batalhão de Infantaria de Selva, onde equatorial da Guiana Francesa.
realizou o Curso de Operações na Selva, no 1º A seguir, apresentaremos alguns aspectos
Batalhão de Ações de Comandos e no 1º Batalhão doutrinários e jurídicos sobre o emprego das
de Forças Especiais, após ter realizado os cursos de Ações de FA, especificamente, do Exército Francês
Comandos e de Forças Especiais (aislan.andrade@eb.mil.br).
(Armée de Terre, em francês), no território
nacional (TN). Serão apresentados, ainda,
O emprego de Forças Armadas (FA) como alguns exemplos de engajamentos terrestres no
suporte às forças de segurança dos países território francês e uma reflexão comparativa
tem sido cada vez mais recorrente. Diversos com o emprego do Exército Brasileiro.
riscos, ameaças e motivos podem gerar
essa necessidade de emprego, dentre eles OS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E
catástrofes naturais e até grupos terroristas. JURÍDICOS PARA O EMPREGO DO
Esses últimos, como ameaças assimétricas, EXÉRCITO FRANCÊS
normalmente suplantam a capacidade de Segundo o Livro Branco de Defesa e
atuação das forças de segurança policiais de Segurança Nacional da República Francesa
um país. Na França essa realidade também de 2013, os primeiros objetivos da estratégia
se confirma, havendo algumas operações de defesa e segurança do país consistem na
pontuais e outras permanentes das FA desse proteção de seu território, na defesa de seus
país, em apoio às suas forças policiais. cidadãos, na preservação e na continuidade
Particularmente na última década, a das funções essenciais do Estado. Assim, o
República francesa tem apresentado alguns
trinômio dissuasão, intervenção e proteção
desafios em relação à proteção do seu
estruturam as ações das FA.
território, dentre eles podemos destacar:
Nesse entendimento se enquadra a
a Operação Sentinelle, na metrópole, e a
Operação Harpie, na Guiana Francesa. necessidade de as FA estarem prontas para,
A Operação Sentinelle teve início em em caso de solicitação das autoridades civis
2015, após os atentados terroristas ocorridos e sob coordenação do Ministério do Interior,
naquele ano. Seu escopo principal tem sido atuar de forma complementar às forças
a prevenção e o combate ao terrorismo de segurança internas (FSI) e às forças de
no território francês, principalmente, por segurança civis (FSC).

54 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


A publicação doutrinária conjunta (DIA) meios específicos e, sempre que possível, dentro
“Emprego das FA no TN (2016)” elenca entre de um espaço e tempo predetermindos; e
as principais ameaças ao território francês  no meio terrestre, mantém-se a
os ataques terroristas e a criminalidade cadeia de comando já estabelecida dentro da
organizada nas suas formas mais graves. Organização Territorial Conjunta de Defesa
Ainda seguindo essa publicação, as FA (OTIAD).
devem ser empregadas apenas se houver A regra a ser seguida pelo Ministro do
solicitação de uma autoridade civil. Na Interior (MI) para justificar as eventuais
maioria dos casos, essa autoridade é o Prefèt solicitações de apoio é conhecida como
local, que equivale ao governador de estado regra dos 4 “I”. Nesse sentido, os meios que
no Brasil. No caso da França, porém, o Prefèt o MI já dispõe devem se enquadrar como
local não é eleito pelo povo, mas designado inexistants, inadaptés, insuffisants ou
pelo presidente da república. indisponibles.
A solicitação de emprego do Exército deve Algumas publicações descrevem, de
seguir uma forma oficial enquadrada dentro forma mais detalhada, a participação do
das três possibilidades previstas, como segue: Exército Francês nas situações de emprego
no TN. É o caso da Doutrina Conjunta DIA
[...] sobre engajamentos terrestres no TN de
a. A aplicação de uma requisição que pode 2018. Nesse documento fica clara a falta
ser: de vocação do Exército Francês para o
(1) Administrativa, o único quadro engajamento em operações de manutenção
regulamentar fora do estado de sítio que
permite a participação de exércitos na
da ordem. Esse emprego deve ocorrer apenas
preservação da ordem pública: como último recurso, de modo a evitar o
(i) Geral, referente a um conjunto de emprego em ações de controle de turba ou
meios, um determinado local e horário, e de dispersão de manifestantes.
limitando o uso da força à legítima defesa; É perceptível a intenção apresentada nos
(ii) Específicas, relativas a uma documentos doutrinários de evitar, sempre
missão específica, unidades designadas
que possível, ações que demandem o emprego
que podem autorizar o uso da força fora
da legítima defesa; e de força pelas FA em contato com cidadãos
(iii) Adicional especial, permitindo o franceses. A lógica de emprego restringe-se,
uso de armas sob condição de manutenção na maioria das vezes, na substituição das FSI,
da ordem pelas FA fora da autodefesa. em atividades secundárias, para que possam
(2) Judicial, em aplicação do Código de se concentrar nos esforços principais.
Processo Penal.
b. A resposta a um pedido de assistência
A opinião pública, as questões jurídicas
para atender a uma necessidade pública e a situação política do país são aspectos
ou a uma missão de interesse geral; e considerados importantes na decisão de
c. A implementação de um protocolo emprego das FA no TN. Um exemplo particular
entre as FA e uma organização para a é a própria Operação Sentinelle que, devido
prestação de um serviço específico, não ao seu alto grau de impacto nas questões
permitindo o uso da força (MINISTÈRE
DE LA DÉFENSE, Pág. 23, 2016). políticas e até mesmo internacionais, terá
as decisões sobre o emprego da reserva
Dentre os princípios elencados nesse estratégica de pessoal tomadas somente pelo
documento, destinados a regulamentar presidente da república.
o emprego das FA em território francês, Outra característica importante em
ressaltam-se os seguintes aspectos: relação aos engajamentos terrestres no
 o de ser sempre necessária a território francês é que apenas quando
solicitação de uma autoridade civil; decretado estado de sítio [2] no país os
 as solicitações são sempre feitas na militares passam a ter poder de polícia.
forma de efeitos desejados e não em termos de Em todas as outras situações eles devem

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 55


respeitar as regras de emprego da força (autoridade civil) possuem as prerrogativas
(REF) específicas para cada operação. Tais para autorizar os ETTN. Para esse fim, o
regras são emitidas, sempre, pelo Estado- ComSup possui uma delegação permanente
Maior das Forças Armadas (EMA) e não de autoridade do Chefe do Estado-Maior das
fornecem poder de polícia aos militares. FA (CEMA), para realizar desdobramento
A publicação DIA ETTN também impõe local de capacidades militares de até 130
limitação à utilização de meios militares. pessoas, por um período máximo de três
De acordo com esse documento, o emprego dias. As capacidades que excedem deverão
de meios militares deverá ser autorizado ser autorizadas pelo CEMA.
pelo 1º Ministro da França e não pelos
comandantes militares das zonas de OS ENGAJAMENTOS TERRESTRES
defesa e segurança (ZDS), como é o caso do NO TERRITÓRIO FRANCÊS
Comandante Superior (ComSup) das FAG. O emprego das Forças Armadas francesas,
Entre esses meios restritos está a utilização tanto no eixo da defesa militar quanto no
de armamentos coletivos e de viaturas eixo da defesa civil, obedece, rigorosamente,
blindadas. a aspectos jurídicos e doutrinários. Esse
Por último, destaca-se que nos territórios emprego pode ser verificado na prática
além-mar, como a Guiana Francesa, o Com Sup pelas operações realizadas pelo Exército, no
das FAG (autoridade militar) e o Prefèt da GF território francês, conforme quadro abaixo:

CONTRIBUIÇÃO DA FORÇAS ARMADAS FRANCESAS À AÇÃO DO ESTADO NO TERRITÓRIO NACIONAL


Defesa civil Luta Antiterrorista Luta contra Fogo de
(VIGIPIRATE ; SENTINELLE)
Segurança Interna
Florestas (Hephaistos)
Proteção PPS AAE (Busca e
CSG (TITAN, POLFUS) (Ar, Mar) AEM salvamento de
(Seg no Mar) aeronaves)
Segurança Defesa
Luta Garimpo Ação Aeroespacial Civil
Ilegal (Harpie) Pública
do Estado (AAE) Catástrofes
POLÍCIA Crises
NACIONAL Naturais
Transporte Ação Estado no Sazonais Direção (IRMA)
Material Mar (AEM)
da Segurança Civil

Sensível

Inundação Catástrofe
GRANDES EVENTOS REU INTERNACIONAIS
(COP 21, EURO 2016) (G8, G20, OTAN) Tecnológica (AZF)

Legenda:
Apoio aos Serviços Públicos
Permanente
Alojamento (Plano Transporte Riscos Sanitários Recorrente
Recursos Nacionais
Grande Frio) (Hidrocarbonetos) (Alimento) (Gripe A, Ebola) Circunstancial

Defesa militar

DEFESA OPERACIONAL DO TERRITÓRIO DEFESA MARÍTIMA DO TERRITÓRIO DEFESA AÉREA DO TERRITÓRIO

Quadro 1 - Centro Conjunto de Conceitos, de Doutrinas e de Experimentação.


Engajamentos terrestres no território francês.
DIA 3.60.2-ETTN (2018).
N° 58/ARM/CICDE/DR, de 18 de junho de 2018, página 39.

56 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Dentre as operações descritas no quadro zona, a fim de evitar saques e garantir o
anterior, serão detalhadas as operações Irma, abastecimento da população.
Sentinelle e Harpie, a fim de aproveitar as Na ocasião, os serviços essenciais estatais
experiências dos militares que contribuíram e as comunicações estavam bastante afetadas
com este artigo. A primeira enquadra-se pelos efeitos do furacão. Em função disso
como apoio à segurança civil, enquanto as e com o intuito de facilitar a coordenação
duas outras como apoio à segurança pública. das ações, o território foi dividido em
setores, respeitando o que já era feito pela
A OPERAÇÃO IRMA Gendarmerie [3] local, independente das
A Operação Irma foi realizada após outras formas de atuação previstas na
a passagem do furacão Irma na Ilha de doutrina militar francesa. Nessa operação,
Saint-Martin, em 2017. Segundo o Coronel a posse das mesmas cartas topográficas, a
Durville, Chefe do Estado-Maior Conjunto mesma denominação do terreno e a mesma
das FAG, houve um suporte logístico inicial divisão de setores foram primordiais para o
extremamente limitado e foi estabelecido, desenvolvimento das atividades, mesmo com
logo de início, um sistema de controle de o sistema de comunicações bastante afetado.

Fig 1 - Militares franceses durante a Operação Irma.


A OPERAÇÃO SENTINELLE A excelência da REF foi obtida por meio de
A Operação Sentinelle foi desencadeada a orientações claras dos procedimentos a serem
fim de apoiar a luta contra o terrorismo no adotados pela tropa e a celeridade no fluxo
solo francês. Segundo a publicação Doutrina de informações foi fruto da ótima capacidade
de Emprego da Força Terrestre – DFT 3.60.2, de retorno das informações e dos relatórios
essa operação pode ser enquadrada como de atividades. No ambiente de luta contra
um desdobramento contra o terrorismo. o terrorismo, o envio de informações e de
Tal operação foi iniciada em 2015, após os dados deve ocorrer em tempo real, de modo a
atentados terroristas daquele ano, sendo possibilitar um controle de danos eficiente e
empregado um efetivo aproximado de 10 mil evitar novos incidentes.
militares das três forças singulares da França.
O Coronel Durville, Chefe do Estado- A OPERAÇÃO HARPIE
Maior Conjunto das FAG, participou da Segundo o Memento Jurídico para o
operação, como comandante de um batalhão Território Nacional, a Op Harpie teve seu
empregado na região leste de Paris, incluindo início em fevereiro de 2008, visando a
os aeroportos de Orly e de Roissy. Ele garantir a luta contra o garimpo ilegal (Lutte
possuía 15 subunidades sob seu comando,
Contre L’Orpaillage Ilégal, em francês), na
especificamente para essa missão. O modo
Guiana Francesa. Essa operação foi uma
de ação empregado foi o controle de zona,
missão interna, coordenada pelo Ministério
onde se considerou os setores previamente
do Interior, em que as FAG deram suporte às
estabelecidos pela polícia local.
FSI, como segue:
A maior preocupação dos chefes nesse tipo
de operação era se as patrulhas desdobradas  desorganizar o fluxo logístico dos ga-
no terreno, normalmente no nível esquadra ou rimpeiros ilegais;
grupo, teriam as melhores reações esperadas  identificar os indivíduos envolvidos
em caso de algum incidente terrorista. nessa atividade;
Ainda segundo o Coronel Durville, dois  conduzir os garimpeiros ilegais até a
fatores foram essenciais para garantir o bom fronteira; e
resultado nessa missão: a existência de boas  destruir os materiais dos garimpos
REF e a celeridade do fluxo de informações. após autorização do procurador da república.

Fig 2 - Militares franceses na Op Sentinelle.

58 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Fig 3 - Militares franceses na Op Harpie na Guiana Francesa.
Em termos de enquadramento legal, no nível pelotão, comunicadores com link
as FAG atuam sob requisição do Prefét via satélite. Essa medida, porém, não foi
do departamento da GF. Em termos de totalmente efetiva, uma vez que não pôde
subordinação, os militares atuam sob as ser empregada durante os deslocamentos,
ordens do comando superior das FAG que, ocasionando lapsos de comunicação entre os
em nível de departamento, possui atribuições escalões, empregado e enquadrante.
similares às dos oficiais-generais das zonas de Ainda segundo o Capitão Giuliani, o
defesa e segurança, existentes na metrópole. relacionamento com os outros órgãos e
De acordo com o Coronel Durville, o agências locais proporcionou bons resultados
fato de os militares das FA não possuírem em decorrência da sinergia entre as equipes
poder de polícia limitou sobremaneira a sua empregadas, ressalvadas as diferenças
atuação na GF. Nesse modelo de atuação, institucionais na forma de atuação. As
eles poderiam manobrar, observar, apoiar, diferentes capacidades das equipes, quando
dissuadir e proteger, porém, sem a presença empregadas de forma conjunta, proporcionaram
dos agentes de polícia nas patrulhas, eles resultados satisfatórios e contribuíram para
não poderiam controlar, revistar, confiscar e o sucesso da missão, permitindo alcançar
nem prender nenhum civil. É por essa razão resultados improváveis de serem obtidos
que as operações contra o garimpo ilegal são isoladamente. Foram observados problemas
realizadas, sempre, por meio de patrulhas pontuais no relacionamento entre as equipes,
mistas, contendo militares do Exército que não comprometeram ou limitaram o
Francês, agentes de polícia e de outros órgãos. trabalho realizado.
O Capitão Giuliani, Comandante de
Companhia no 9º Regimento de Infantaria de CONSIDERAÇÕES FINAIS
Marinha, relata algumas dificuldades táticas As FA francesas, assim como as de
de emprego na luta contra o garimpo ilegal. outros países, incluindo o Brasil, vêm sendo
Ele destaca fatores já conhecidos em relação às empregadas, de forma recorrente, nas ações
ações táticas realizadas na floresta amazônica, de não guerra. Nesse contexto, é importante
em particular, a dificuldade de deslocamento e observarmos as experiências externas e
de comunicações em tempo real. aplicarmos oportunidades de melhoria às
Para sanar as dificuldades impostas pela formas de emprego de nossas capacidades.
floresta aos deslocamentos táticos, a solução O exemplo da França, onde o Prefét tem
encontrada foi o emprego de pequenas autoridade para fazer requisição de emprego
embarcações durante as operações e do das FA, proporciona um alinhamento
modal de transporte aéreo, com a utilização de estratégia entre os governos local e
de helicópteros ou aeronave de asa fixa CASA central. Isso evita conflitos de interesses
nas inserções. Além disso, para solucionar políticos que, às vezes, não representam as
as dificuldades de comunicação, utilizou-se, demandas da população.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 59


O emprego das FA da França em (Gendarmerie ou civis), diferentemente do
território francês, diferentemente do que que se observa no Brasil. Na Operação Harpie,
ocorre com o Exército Brasileiro, é feito de a necessidade de atuação conjunta trouxe
forma conjunta, com a utilização das três limitações ao emprego das tropas, uma vez
forças singulares (interarmées, em francês). que, às vezes, não havia disponibilidade de
Essa forma de atuação dificulta o emprego pessoal nas agências.
isolado do Exército Francês. Por outro lado, Em contrapartida, o Exército Brasileiro
a decisão e a forma de desdobramento possui poder de polícia na faixa de
das forças ficam concentradas no Estado- fronteira. Essa condição, praticamente,
Maior Conjunto das FA francesas. obriga a integração entre as agências e
Isso possibilita a complementação das garante a complementação de capacidades.
capacidades disponíveis em cada força Logo, é possível deduzir que ter poder
singular, caracterizando-se, talvez, como de polícia evita limitações de emprego e
uma forma de emprego mais eficaz que a flexibiliza o planejamento, entretanto,
utilizada no Brasil, uma vez que possibilita o essa prerrogativa deveria ser usada
desenvolvimento de planejamento conjunto apenas em caso de completa ausência de
e a interoperabilidade. capacidade das agências governamentais.
Na Guiana Francesa, por exemplo, toda Nas situações normais, seria conveniente
a preparação, o planejamento e o emprego que as operações se realizassem de forma
de forças na luta contra o garimpo ilegal conjunta, interagências, com o Exército
são realizados pelo Estado-Maior das FAG fornecendo, sempre, os suportes logístico e
que tem como comandante um Brigadeiro operacional necessários.
da Força Aérea; como comandante da zona Por fim, é importante a manutenção
marítima e segundo no comando um Capitão de relações militares cordiais e constantes
de Mar e Guerra; e um Coronel do Exército com outros exércitos, principalmente, os
Francês como Chefe do Estado-Maior. do arco do “estado da arte”. Os desafios
Os militares das FA franceses não modernos, principalmente os decorrentes da
possuem poder de polícia quando empregados globalização, muito semelhantes no mundo
internamente. Sendo assim, qualquer ocidental, e o conhecimento gerado por outras
atuação das FA, necessariamente, precisa da forças poderão ser incorporados às forças
participação de policiais ou de outras agências brasileiras, gerando economia de recursos.
REFERÊNCIAS
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Permanent Hors Territoire Métropolitain. PIA - 3.36 COMIA PHTM. [S. l.], 10 ago. 2011.
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d’Expérimentations. Doctrine interarméesDIA-3.60_EATN(2016)N°130. Emploi des Armées sur le
territoire national. Paris, 28 jun. 2016.
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d’Expérimentations. Doctrine interarméesDIA-3.60.2_ETTN(2018). Engagements Terrestres Sur Le
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MINISTERE DE LA DEFENSE (França). Centre Interarmées de Concepts, de Doctrines et
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lutte contre l’immigration irrégulière, Paris, 5 jul. 2010.
MINISTERE DE L’INTERIEUR - Ministere des Armees (França). Centre Interarmées de Concepts,
de Doctrines et d’Expérimentations. MFT 3.60.2/1. Mémento de procédures d’actions conjointes
sur le territoire national entre les unités de l’armée de terre et celles de la gendarmerie
nationale, Paris, 10 jul. 2018.

60 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


MINISTÈRE DES ARMÉES (França). Centre de Doctrine et d’Enseignement du Commandement. MFT
3.60.2/1. Mémento du Chef « Au Contact » sur le Territoire National Connaissance des forces
de sécurité intérieure, Paris, 29 jun. 2018.
MINISTÈRE DES ARMÉES (França). Centre de Doctrine et d’Enseignement du Commandement. MFT
5.60.2. Le mémento juridique Territoire National, Paris, 27 ago. 2018.
MINISTÈRE DE LA DÉFENSE (França). État-major des Armées/Division Emploi. PIA-3.39_GRANDS-
ÉVÉN(2013). Mémento de planification et de conduite de la participation des armées à la
protection des grands évènements (type sommets), Paris, 16 abr. 2013.
MINISTÈRE DE LA DÉFENSE (França). Armée de Terre Française. Vade-mecum. lutte
antiterroriste missions de securite generale vade-mecum provisoire des militaires en
missions autonomes. Paris, 2015.

NOTAS
[1] As Forças Armadas da Guiana Francesa (FAG) são a parcela das Forças Armadas da França que
atuam na Guiana de forma conjunta com a Gendarmerie. Sua atuação é análoga à da polícia militar no
Brasil, porém em nível nacional.
[2] O Estado de Sítio é uma medida excepcional, prevista na constituição francesa, em caso de grande
perigo iminente possível de causar uma insurreição armada ou uma guerra.
[3] A Gendarmerie é uma polícia militar francesa, de amplitude nacional, que integra funções de
segurança pública e de polícia judiciária.

… que a Escola de Paraquedistas, embrião da atual Brigada de Infantaria Paraquedista, foi criada após o então Capitão
Roberto de Pessôa concluir, em 1944, o Curso de Paraquedista do U.S. Army, conduzido pela Airborne School, sendo consi-
derado o primeiro paraquedista militar do Exército Brasileiro?

… que a Airborne School foi criada em 1941, ainda nos primeiros anos da 2ª Guerra Mundial, no Forte Benning, apenas
quatro anos antes da Escola de Paraquedistas brasileira e que, em 1948, o então Tenente do Exército Brasileiro Celso Nathan
Guaraná de Barros realizou o Curso de Pathfinder, que serviu de base para a criação do Curso de Precursor Paraquedista em
1951?
… que a Airborne School, nos dias atuais, faz parte da Airborne Ranger Training Brigade (ARTB), sendo responsável pela
formação e especialização de todos os paraquedistas militares do U.S. Army, bem como dos integrantes dos Regimentos
Ranger?
O RETORNO DO COMBATE DE ALTA
INTENSIDADE E A SUSTENTABILIDADE
LOGÍSTICA: OS DESAFIOS PARA OS
COMBATENTES LOGÍSTICOS
Coronel Francisco Wellington Franco de Souza

A perspectiva de um conflito maior suscita, de


O Coronel de Material Bélico Wellington é o Oficial de forma inequívoca, a imperiosa necessidade de
Ligação do Exército Brasileiro junto ao Exército da França, no reflexão sobre os conceitos, as condicionantes, as
Centro de Doutrina e Ensino do Comando, em
restrições e os impactos que serão causados por
Paris. Foi declarado aspirante a oficial, em
1992, pela Academia Militar das Agulhas
essa “nova” forma de guerra dos combates futuros.
Negras (AMAN). Cursou mestrado O atual cenário político-militar, marcado
em Operações Militares na Escola de pelo aumento de poder da China e pelo
Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) retorno da Rússia como importante ator no
e em Ciências Militares na Escola de cenário internacional, permite vislumbrar o
Comando e Estado-Maior do Exército reaparecimento de uma bipolaridade relativa
(ECEME). É Gerente de Manutenção de (ou tripolaridade) propícia a uma confrontação.
Aeronaves. Realizou os cursos de Estado-
Essa nova ordem geopolítica, também permite
Maior no Exército Francês, de Preparação para
Recebimento de Aeronaves e de Ensaio em Voo, na
conjecturar sobre a possibilidade de confrontos
Força Aérea Brasileira e o de Planejamento e Controle Gerencial indiretos, fazendo realçar novamente a
na Fundação Getúlio Vargas (wellington.mb92@gmail.com). importância da dissuasão convencional como
ferramenta estratégica de primeira grandeza.
O retorno das tensões entre as grandes
“O combate denominado de alta potências internacionais, depois de um
intensidade retorna ao protagonismo
período de relativa normalidade, é marcado
nos últimos anos. O risco de não saber se
pelas crises permanentes na Ásia ou no leste
preparar corretamente a uma forma de
europeu, pelo aumento do potencial militar da
guerra mais rigorosa, a qual nós poderemos
China e da Rússia e pelo aumento continuado
ser confrontados no futuro, é, com efeito,
bem real” (General Michel Delion).
nos orçamentos de defesa em quase todos os
continentes. Assim, no momento em que se
A queda do muro de Berlim e as convulsões observa o recrudescimento das ameaças, o
geopolíticas decorrentes do fim da Guerra risco de uma confrontação interestatal em larga
Fria conduziram estrategistas e estudiosos da escala torna-se uma possibilidade real que não
guerra para além do horizonte do Fulda Gap pode ser negligenciada.
[1], fazendo com que uma grande parte das Essa competição clássica entre os Estados
forças armadas das nações ocidentais fossem indica que haverá uma superioridade militar
empregadas em operações de contra-insurgência concorrente, tanto pelas potências mundiais
e de estabilização. O aludido “desaparecimento como pelas novas potências regionais.
da ameaça convencional” e, por conseguinte, a Tal assertiva é ratificada pelos pesados
possibilidade remota de eclosão de um conflito investimentos desses atores em pesquisa e
de alta intensidade, levou a uma diminuição de desenvolvimento (P&D) e nas áreas de alta
investimentos em defesa e a redução de meios tecnologia e inovação, tais como: aeronaves
militares (pessoal e material). (pilotadas e remotamente pilotadas), blindados,
O retorno da competição entre fogos (cinéticos e não cinéticos), robótica,
Estados Nações, em particular, nas duas munições inteligentes, entre outros. Essas
últimas décadas tem levado os Estados a tecnologias avançadas serão confrontadas pela
reconsiderarem como possível - e até mesmo disseminação crescente de sistemas de armas
provável - uma confrontação armada na de alto desempenho e equivalentes, sejam
Europa, no Oriente Médio ou no Leste Asiático. anticarro, antiaéreo ou de guerra eletrônica.

62 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Fig 1 - Exercício Vostok 2018 no oeste da Sibéria com tropas russas e chinesas.
Fonte: https://america.cgtn.com/2018/09/13/the-heat-vostok-2018.
A doutrina, base dos fatores indutores A atuação em ambiente operacional de
de capacidades militares, vem se deparando multidomínios (físico e imaterial) demandará
com essa temática em exércitos de vários novas capacidades e competências para a
países do mundo, uma vez que existem lacunas prestação do apoio logístico necessário às forças
conceituais que precisam ser melhor definidas, desdobradas no terreno. Tais cenários são
notadamente, pelas mudanças de paradigmas caracterizados pela profusão de capacidades
a serem introduzidos. Nesse sentido, não se tecnológicas, pela valorização de questões
trata de um mero retorno às idéias de “guerra humanitárias e ambientais e pela prevalência
total” de Clausewitz (Era Industrial), mas de de combates em áreas urbanizadas, com a
compreender e definir os níveis e os processos de presença da população civil. O aspecto dual
planejamento, de coordenação e de condução do desempenhado pela logística nesse cenário
emprego dos recursos necessários, não somente que se descortina demonstra, de forma
militares, para a preparação e para o emprego inequívoca, que essa atividade é um dos fatores
de forças terrestres. determinantes para o êxito das operações.
Segundo Decis (2019, p.3), o combate O Exército Brasileiro (EB), sempre
do futuro será, antes de qualquer coisa, um
atento às inovações doutrinárias e às lições
desafio logístico, uma vez que será necessária
aprendidas em outros exércitos, manteve o
a adequação das capacidades de projeção a
foco de seu preparo operacional no combate
possíveis adversários dotados de capacidades
convencional, tendo acompanhado e, em certos
militares equiparadas. Indubitavelmente, a
logística militar, em particular, a terrestre pontos, incorporado aspectos da doutrina do
continuará a ter papel relevante na garantia combate de baixa intensidade, ocorridos nas
da liberdade de ação dos comandantes e na duas últimas décadas. Notadamente, o EB
capacidade de durar na ação dos recursos incorporou aspectos da doutrina do combate
materiais e humanos. do Exército dos Estados Unidos da América
A definição de alta intensidade sugere (EUA). Nesse contexto, surge a importância
que as consequentes perdas humanas e de se discutir e de se internalizar a doutrina
materiais terão um impacto direto na logística. do combate de alta intensidade, que deve
Ademais, acrescente-se que o ambiente de contribuir para o processo de transformação
relativo “conforto operacional” das últimas e para o delineamento dos Programas
operações, nas quais não havia contestação da Estratégicos do Exército (Prg EE).
superioridade aérea, nem ameaça de fogos não O presente artigo tem por objetivo propor
cinéticos (por exemplo, ataque cibernético) uma reflexão doutrinária inicial sobre os
ou utilização de armas químicas, biológicas, estudos que estão sendo desenvolvidos no
radiológicas e nucleares (QBRN) será contexto do retorno do combate de alta
forçosamente substituído por um ambiente intensidade, com ênfase nas visões da França
operacional e humano degradados, com fortes e dos EUA e nas implicações e reflexos para a
impactos para a cadeia de apoio logístico. função de combate Logística.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 63


Fig 2 - Tiro com canhão CAESAR na Operação Chammal.
Fonte: © Alexandre Serpillo/Armée de Terre/Défense.
O RETORNO DO COMBATE DE ALTA que a possibilidade de uma guerra em larga
INTENSIDADE escala e com operações em multidomínios
O fim da guerra fria, conforme descreve tem ganhado relevância nas discussões sobre
Clée (2019, p. 2), fez surgir os conceitos como serão os conflitos futuros.
de simetria, dissimetria e assimetria dos O conceito de guerra híbrida e seu
conflitos, possibilitando a caracterização corolário “ameaça híbrida” surgiu em meados
de um adversário, sendo as referências em dos anos 2000 e pode ser entendido como um
termos de intensidade, por vezes, associadas conflito que mescla ações convencionais e
inadequadamente à paridade ou à disparidade não convencionais, adversários regulares e
das capacidades dos beligerantes. Assim, os irregulares e confrontos que abarcam campos
conflitos de alta intensidade são associados imateriais, tais como: cibernética, influência
à existência de adversários simétricos, militar e subversão. São exemplos marcantes
enquanto se restringe os de baixa intensidade desse tipo de ameaça: a estratégia do grupo
às confrontações limitadas e aos inimigos Hezbollah durante a guerra do Líbano (2006)
dissimétricos ou assimétricos. e a recente intervenção da Rússia na Ucrânia
As duas últimas décadas foram marcadas (2014 até o presente momento). Todavia,
por mudanças significativas no xadrez essa acepção não se constituiu um critério
estratégico mundial, com destaque para o suficiente para revolucionar e qualificar a
surgimento da China como potência regional, compreensão de intensidade de um conflito,
para o aumento da influência da Rússia uma vez que as guerras são caracterizadas
no leste europeu, para a ameaça nuclear por ameaças interconectadas e pela utilização
crescente da Coréia do Norte, no leste de assimetrias, destinada a explorar as
asiático e para a atuação do Irã nos conflitos fraquezas do adversário.
na região do Oriente Médio. É nesse contexto O pressuposto de intensidade surgiu
de acomodação e de crises pela prevalência do conceito de Low-Intensity Conflict, que
da influência de atores globais e regionais, possibilitou aos estrategistas ocidentais

64 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


descrever certos tipos de operações uma possibilidade, cada vez mais, real nos
específicas, como as de contra insurgência. cenários prospectivos para os conflitos
Todavia, observa-se nesses conflitos que futuros. Tal acepção impactará na mudança
mesmo o emprego de pequenos escalões de paradigma dos combates atuais, nos quais
táticos pode ser extremamente intenso, existe a prevalência de operações focalizadas
no tocante às perdas, à variedade de meios no contraterrorismo, na contra insurgência
empregados, aos consumos de toda ordem, e na estabilização, privilegiando o emprego
entre outros. maciço de meios em um ambiente operacional
Mas, afinal o que é na prática esse multidomínios.
retorno do combate maior? Para responder
essa indagação alude-se às concepções de ASPECTOS GERAIS DO COMBATE DE
alta intensidade do Exército Francês e às ALTA INTENSIDADE
operações de combate em larga escala do O Exército dos EUA vem empreendendo,
Exército dos EUA. ao longo dos últimos anos, mudanças no foco
Nesse contexto, o Exército Francês [2] tem de sua doutrina, no preparo e na formação
o conflito de alta intensidade (conflit de haute de líderes, de modo a aumentar a sua
intensité), como um confronto prolongado prontidão operacional e a sua capacidade
entre massas de manobras agressivas, de prevalência nas operações de combate
contestando-se até a profundidade e nos em larga escala. O FM 3-0 prescreve que o
diferentes ambientes de todos os campos Exército dos EUA forneça à Força Conjunta
de conflito (físico e imaterial), cujo objetivo as funções estratégicas necessárias para
é vencer o poder do adversário. Outrossim, moldar o ambiente de segurança, antecipar
o Exército dos EUA, a partir da atualização os conflitos, predominar em operações
do Manual de Campanha FM 3-0 Operações de combate multidomínios e consolidar
(Field Manual FM 3-0 Operations), enfatiza ganhos para obter resultados temporários e
as operações de combate em larga escala permanentes.
(large-scale combat operations – LSCO), nas Nesse mesmo diapasão, as Forças
quais a ação decisiva é resultante de modos Armadas francesas vêm discutindo essa
de operação ofensivos, defensivos e de temática. Digno de nota as palavras do
estabilização. Essas ações são desenvolvidas General de Corpo de Exército Lecointre, atual
por meio de manobras conjuntas e Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas
interaliadas, conduzidas em espaços de (CEMA, na sigla em francês), sobre esse tema:
batalha em múltiplos domínios (multi-
domain battle), contra ameaças com poder de um confronto maior aparece hoje como
combate equiparado ou quase equiparado ao uma potencialidade real. O armamento da
dos EUA. China, a afirmação de potências regionais
Ressalta-se que a alta intensidade tem com pretensões nucleares, o papel da
Rússia, a concorrência à supremacia
sido frequentemente associada à noção de americana ou os desequilíbrios em torno
guerra total de Clausewitz, a qual apregoa do Golfo Persa-Arábico são suscetíveis
a mobilização da totalidade de recursos de provocar um ponto de ruptura
disponíveis do Estado e da sociedade, com (LAGNEAU, 2019).
a coerção ilimitada em todos os campos de
confrontação (militar, econômico, diplomático A multiplicidade de cenários e de níveis de
e ideológico). Todavia, tal associação mostra- intensidade passíveis de serem encontrados
se falaciosa, tendo em vista que esse modelo no campo de batalha leva à necessidade de
teórico de conflito não se coaduna com as desenvolver e contextualizar uma polivalência
concepções anteriormente referidas, uma de multi-intensidades. Trata-se das forças
vez que a liberdade de ação dos beligerantes terrestres serem capazes de planejar e conduzir,
será limitada na prática por fatores, como a simultaneamente, operações de combate em larga
intervenção de outros Estados, a evolução escala em um quadro de emprego perpassando
da situação do conflito e as determinações desde uma manobra tática convencional até o
políticas, entre outras. apoio humanitário. Tais operações ocorrem em
Assim, o retorno do combate de alta compartimentos de terreno contíguos ou não, no
intensidade interestatal é percebido como qual comandantes de organizações dos mais baixos

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 65


escalões terão que tomar, de maneira autônoma, do que despesas a fundo perdido, os quais podem
decisões que poderão impactar sobremaneira os se tornar particularmente rentáveis no campo da
níveis superiores (cabo estratégico). segurança internacional.
Dentre os principais desafios do combate de O combate de alta intensidade requer a
alta intensidade, destaca-se a emergência de uma observância de algumas condicionantes, dentre
dissuasão convencional adaptada às operações as quais se destaca a larga utilização de sistemas
em larga escala, a qual pressupõe questões e materiais de alta tecnologia, cujos exemplos
nos campos doutrinário, tecnológico, jurídico e mais marcantes são os sistemas robotizados,
econômico. É importante considerar também o as plataformas semiautônomas e a inteligência
esforço de mobilização nacional, a formação e a artificial. Tal característica permite às forças
preparação da tropa adaptadas às condicionantes terrestres manter sua superioridade face ao
desse novo tipo de conflito, mantendo-se as adversário, que pode dispor dessas mesmas
operações conjuntas (interaliadas) e o combate tecnologias avançadas. Isso leva à necessidade
interarmas, além dos desafios logísticos próprios de se ter uma capacidade de apoio logístico
à sustentabilidade de forças expedicionárias, adequada a esses materiais em todas as situações
operando a longas distâncias, como já se observa de combate (normal ou degradado).
atualmente na Operação Barkhane [3]. É importante ressaltar que a vantagem
Acrescente-se que o combate de alta tecnológica ocidental poderá não se constituir
intensidade tem um alto custo nos campos um pressuposto estratégico válido, tendo
econômico e político e, notadamente, em perdas de em vista que a superioridade técnica poderá
materiais e de vidas. Cria-se, segundo Decis (2019, tornar-se relativa, em particular, nos campos
p. 6), um paradoxo a ser superado pelas elites informacional e cibernético. Nesse contexto,
políticas, no qual a maneira mais recomendada as forças terrestres deverão estar aptas a atuar
para evitar a eclosão desse tipo de conflito em ambientes degradados, nos quais cresce
reside na manutenção de uma força dissuasiva de importância a capacidade de comando e
convencional efetiva e, por conseguinte, um controle, a liderança dos comandantes táticos
aumento dos orçamentos de defesa. Ademais, sob (desde os mais baixos escalões), a preparação
o prisma orçamentário/financeiro, tais recursos operacional para o combate em multidomínios e
constituiriam mais um investimento no futuro a sustentabilidade logística.

Fig 3 - Comboio de suprimento na Operação Barkhane.


Fonte: © Jérémy Bessat/Armée de Terre/Défense.
A SUSTENTABILIDADE LOGÍSTICA perdas desse tipo de material, a sua necessidade
A logística é, ao mesmo tempo, uma arte de substituição e a existência em estoque nos
e uma ciência. Ela existe desde os primórdios EUA. Seriam necessárias semanas para realizar
da civilização e experimentou uma evolução o transporte e o fornecimento de novas viaturas
constante ao longo da história, tendo alcançado para emprego pelas unidades em campo,
a atual relevância para as organizações civis apresentando obstáculos logísticos significativos
e para as militares nos últimos cinquenta e impactando diretamente o poder de combate.
anos. A premissa chave da logística é que ela Outro aspecto muito recorrente no
não é um fim em si mesma, mas existe para apoio logístico das últimas operações de
satisfazer as necessidades de seus usuários ao vulto é a utilização da terceirização, a qual,
longo de uma cadeia de valor agregado. indubitavelmente, deverá ser necessária -
A capacidade logística é um fator quando mesmo - indispensável no combate de
operacional crítico do sucesso de qualquer alta intensidade. Neste contexto, hiatos (gaps)
operação, existindo desde os tempos remotos de capacidades na logística militar terrestre
do primeiro exército permanente dos assírios, ainda deverão ser observados, notadamente
por volta de 700 a.C., passando por Alexandre, o nas funções logísticas transporte, suprimento
Grande, que utilizava as fraquezas logísticas de e manutenção, que demandará o recurso da
seus inimigos contra eles, até chegar na Guerra contratação (terceirização) para preencher essas
Civil americana, que prenunciou a importância lacunas. Assim, visualiza-se que as capacidades
do apoio logístico nas guerras futuras, por meio da logística militar sejam desdobradas para
do largo emprego de ferrovias para o transporte o apoio no contato, deixando o suporte de
de tropas e de suprimentos. Posteriormente, retaguarda sob o encargo de operadores civis
durante as Primeira e Segunda Guerras Mundiais, contratados, limitando e reduzindo a dependência
na Era Industrial, houve a introdução de novas da terceirização ao estritamente necessário.
tecnologias de guerra baseadas em requisitos A atuação das forças terrestres em
logísticos, surgindo, a seguir, o moderno contrato operações de larga escala requer sua integração
operacional de suporte, cujas origens remontam com a logística nacional: indústria e operadores
às experiências do Exército dos EUA, na guerra logísticos civis, que garantam a qualidade dos
do Vietnã. Finalmente, ocorreram os avanços sistemas e materiais e tenham capacidade
no apoio logístico à manobra estratégica, por de atender às necessidades de substituição
ocasião das operações Tempestade no Deserto e de equipamentos, particularmente daqueles
Iraque Livre, realizadas no Oriente Médio. pertencentes às tropas em contato com o
Considerar que os conflitos de alta adversário. Além disso, existe a necessidade
intensidade serão caracterizados pelas altas de preparação da sociedade para que ela
perdas de pessoal e de material permite compreenda as nuances relacionadas aos
vislumbrar que a logística deverá adequar- combates de alta intensidade, bem como o
se a essa realidade. Ou seja, ela deverá estar papel fundamental da mobilização nacional na
corretamente dimensionada para atender sustentação do esforço de guerra.
o aumento das demandas de recursos e de A adequada capacidade de sustentabilidade
manutenção/substituição de equipamentos. logística tem papel fundamental na geração e na
Nesse mister, cita-se a reestruturação do manutenção da prontidão operacional para fazer
Comando de Apoio de Armas Combinadas face às ameaças no combate de alta intensidade.
(CASCOM, na sigla em inglês), onde houve Fatores, como a quantidade de recursos materiais
a reativação de determinadas unidades e humanos, as distâncias a serem vencidas,
logísticas, a fim de assegurar o apoio às forças a complexidade da cadeia de suprimento,
terrestres norte-americanas nas operações de manutenção e saúde, entre outros, implicam
combate em larga escala. necessidades muito além das possibilidades
Segundo Nance (2017, p. 6), em 2003, no existentes, atualmente, na maioria das forças
estado de prontidão dos estoques no quadro terrestres do mundo, incluindo o próprio
do combate de alta intensidade, as unidades Exército dos EUA. Não se trata de um desafio
do Exército dos EUA eram desdobradas em teórico futuro, mas de uma demanda atual para
operações com uma ou duas viaturas blindadas estudiosos, planejadores e tomadores de decisão
extra dotação. Hoje em dia, isso representa um em todos os campos do poder, mesmo em nações
luxo inédito, caso se considere a estimativa de não belicistas como o Brasil.

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ASPECTOS GERAIS DO APOIO LOGÍSTICO relações frente-retaguarda (tooth-to-tail),
NO COMBATE DE ALTA INTENSIDADE que tratam da dicotomia entre a quantidade de
soldados no contato (tooth) e a arquitetura do
Não será difícil provar que batalhas, apoio de retaguarda (tail), não se conformam à
campanhas e até mesmo guerras foram ganhas constatação de que as forças terrestres devem
ou perdidas primordialmente por causa da prover seu próprio apoio, bem como contribuir
logística (General Dwight D. Eisenhower).
para a logística conjunta em todo o espectro
das operações militares. Daí a importância da
A sustentabilidade logística no combate
“logística na medida certa”, que contribui para
de alta intensidade deve assegurar a
uma correlação otimizada entre combatentes
capacidade de durar na ação e atingir o alcance
operacional planejado, por meio do apoio de no contato e combatentes logísticos.
Pode-se inferir como um fator de risco para
material, pessoal e saúde, nas quantidades e
a logística no combate de alta intensidade a
nos prazos adequados, de maneira a permitir
redução de estruturas logísticas verificada na
flexibilidade, rapidez e liberdade de ação aos
maioria dos países nas duas últimas décadas,
elementos apoiados. Dessa forma, entender a decorrente das características das operações
logística, saber planejá-la e torná-la o ponto de contra insurgência (baixa intensidade) nos
central dos planejamentos caracteriza-se Balcãs, no Iraque e no Afeganistão. Se por
como uma responsabilidade de todos os um lado essas reduções foram mitigadas pelo
profissionais militares. largo emprego da terceirização e foco do apoio
O apoio logístico, desde os tempos logístico no escalão brigada, de outra parte
imemoriais de Alexandre, O Grande, tem elas resultaram lacunas na sustentabilidade
papel relevante no combate, não podendo logística e na falta de experiência para os
ser tratado de maneira dissociada dos requisitos das operações em larga escala, sendo
demais atores que intervém nas operações. imperativa a existência de uma adequada
As discussões das últimas décadas sobre as capacidade de apoio logístico orgânico.

Fig 4 - Transporte estratégico na Operação Barkhane.


Fonte: © Jérôme Salles/Armée de Terre/Défense.
De igual maneira, aduz-se que os de suprimentos, como combustíveis e
comandantes táticos não podem tomar munições demanda um tempo considerável.
decisões calcadas tão somente nos aspectos Logo, a preocupação relacionada à
relacionados à manobra, sem a observância capacidade de obtenção e de fornecimento
de uma apreciação mais ampla e um de suprimentos em tempo hábil deve
entendimento profundo e especializado da permear o pensamento dos planejadores, de
logística. Logo, a logística deverá permanecer modo a impedir que a falta de suprimentos
válida no combate de alta intensidade, limite a liberdade de ação.
demandando adestramento dos planejadores, A possibilidade de desdobramento de
preferencialmente, na utilização de forças expedicionárias coloca em evidência
ferramentas de simulação logística. Demanda, as capacidades de transporte estratégico
ainda, conhecimento sobre as consequências e tático no contexto do apoio logístico.
decorrentes do planejamento e da condução Nesse mister, salienta-se as considerações
logística deficientes. de Maldera (2018) de que a necessidade de
Nesse sentido, adaptando-se os projetar forças pesadas para fora do território
pressupostos descritos pelo Tenente- nacional, implica a existência de meios
General Piggee (2018), chega-se às quatro aéreos e navais para movimentar tropas e
competências a serem observadas pelos materiais a grandes distâncias, mesmo que
combatentes logísticos, nas operações de alta se considere um teatro de operações europeu
intensidade: (por exemplo, no leste da Europa). Além
 saber operar em ambientes degrada- disso, focando mais detidamente a logística
dos pelas características do teatro de opera- militar terrestre, há de se ter capacidades
ções (terreno, condições climáticas severas) de transporte aéreo (asa fixa e rotativa) e
ou por ação/ameaça do inimigo (interrupção terrestre orgânicas, dimensionadas para
do fluxo logístico, interferência nos sistemas garantir o funcionamento da cadeia logística
de informação e comunicações), por meio de ao longo do tempo, de modo a recorrer o
cadeias logísticas resilientes; mínimo necessário aos apoios externos.
 ser meticuloso, oportuno e preciso, O planejamento e a condução de comboios
zelando para que as estruturas logísticas logísticos terão extrema relevância nas
sejam responsivas (pronta resposta às alte- atividades de apoio logístico nos conflitos
rações e/ou às variações da demanda), rápi- de alta intensidade, uma vez que a via
das (mínimo de burocracia nos processos) e terrestre possui uma capacidade de
confiáveis (rastreabilidade das informações transporte e distribuição de suprimentos
logísticas); maior (logística de massa) que por via aérea
 ter conhecimento completo da dou- (logística complementar). Essa assertiva é
trina, processos e ambiente operacional, de plenamente comprovada no apoio logístico
modo a adequar a dosagem do apoio confor- à operação Barkhane, onde são realizados
me as necessidades operacionais, estabele- comboios logísticos que necessitam de
cendo as prioridades logísticas de acordo com antecipação de necessidades e coordenação
o emprego das unidades na manobra; e rigorosa entre os elementos especializados
 desenvolver a liderança e o relaciona- pela circulação e escolta, equipes de saúde
mento interpessoal para obter vantagem ope- móveis, equipes leves de manutenção,
racional sobre os adversários, tendo em conta meios de engenharia e drones.
os valores culturais, éticos e organizacionais. A manutenção da disponibilidade
A existência e a manutenção de estoques operacional dos sistemas de armas
de suprimentos são aspectos importantes danificados pelo uso e/ou ação do adversário
e devem ser observados atentamente, em quantidade, qualidade e prazos
em particular no tocante às munições, compatíveis é outro aspecto importante para
cuja disponibilidade, em tempo de paz, é assegurar o poder de combate e a liberdade de
limitada a níveis de estocagem mínimos ação dos comandantes táticos. As constantes
em decorrência dos custos de obtenção e restrições orçamentárias no custeio do
dos prazos de validade. Nesse contexto, é ciclo de vida dos materiais impõem uma
difícil dimensionar o tamanho do estoque abordagem puramente contábil de redução
a ser mantido, uma vez que a aquisição de custos, não compatível com a lógica da

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logística militar, que deve ser apta a operar ao longo  líder/Seguidor (leader/follower), que
do tempo e, normalmente, de maneira imprevista. permite que dois soldados conduzam um com-
Essa condicionante exige uma disponibilidade boio de dez caminhões em uma área de alta
quase imediata de peças e conjuntos de reparação, ameaça, no qual nove veículos não tripulados
bem como de estoques permanentes para prover seguem um único veículo tripulado;
todas as capacidades básicas da logística militar  sistema tático conjunto de reabasteci-
terrestre (gerar - desdobrar - sustentar - reverter). mento aéreo autônomo (JTAARS, na sigla em
A constatação de que permanecerá válida inglês), poderá ser usado como processo espe-
no combate de alta intensidade a prevalência das cial de suprimento por via aérea (drone), trans-
operações em área urbanizada, como evidenciado na portando pacotes de suprimentos pré-configu-
liberação de Mossul [4], onde a evacuação de feridos rados até os elementos apoiados, fazendo tam-
em aeronaves de asa rotativa ficou prejudicada pela bém a logística reversa de materiais;
situação tática e por zonas limitadas de pouso de  plasma liofilizado (FDP, na sigla em in-
helicópteros, impactará a estrutura de apoio de glês), que pode ser usado para tratar traumas
saúde às forças desdobradas. Como consequência, agudos até a instalação médica de 2º escalão
as equipes de saúde operacional deverão estar o de saúde, sendo transportado em um recipien-
mais à frente possível, para permitir a evacuação te robusto sem a necessidade de gelo seco;
dentro da “hora de ouro” (golden hour) [5], bem  fabricação aditiva (AM, na sigla em inglês),
como a possibilidade das por meio da utilização de
instalações de 2° escalão
estarem localizadas mais
A logística é, ao mesmo impressoras 3D, fornecendo
peças que podem ser fabri-
próximas das tropas no tempo, uma arte e cadas de maneira rápida e
contato, de modo a garantir eficiente no local de neces-
que o nível adequado de uma ciência. Ela existe
sidade, reduzindo os tempos
atendimento possa ser desde os primórdios da de armazenamento e distri-
alcançado a tempo. buição de itens da Classe IX
A formação continu- civilização e experimentou (motomecanização, aviação
ada dos combatentes de uma evolução constante e naval) e peças para equi-
logística deverá enfatizar
ao longo da história, pamentos obsoletos; e
o combate de alta inten-
 manutenção basea-
sidade, inserindo-se as tendo alcançado a atual da em condições plus (CBM
devidas adaptações/atu-
relevância para as +, na sigla em inglês), que
alizações dos currículos.
rastreia a condição do equi-
É importante enfatizar o organizações civis e para
pamento para permitir que
estudo de casos históri-
cos relevantes, as experi- as militares nos últimos a manutenção seja feita nos
ências de outros países e momentos mais oportunos,
a utilização de ferramen-
cinquenta anos aumentando a disponibi-
tas informacionais de lidade e a confiabilidade,
simulação, que possibilitem a criação de uma além de otimizar os tempos
sólida base de conhecimentos. Dessa forma, é de parada para manutenção.
fundamental que os comandantes logísticos de- Um ponto crucial na gestão dos recursos
senvolvam um profundo conhecimento sobre logísticos nos combates de alta intensidade
as próprias capacidades e àquelas das ameaças será o desenvolvimento de sistemas integrados
levantadas em suas hipóteses de emprego. e protegidos (cibernética e guerra eletrônica),
Os estudos e projetos sobre as tecnologias comando e controle e informação logística (SIL).
e inovações no campo da logística destinada ao Esses sistemas serão baseados na integração de
combate de alta intensidade vislumbram áreas banco de dados, atualizados preferencialmente
de pesquisa e desenvolvimento de interesse de modo automático, proporcionando aos
para o Exército Brasileiro. Nesse contexto, comandantes táticos e logísticos uma consciência
destacam-se as seguintes tecnologias funcionais situacional mais efetiva do campo de batalha. Ele
aplicadas à logística, descritas na publicação possibilitará, in fine, estimar as demandas mais
The Long Haul (2018, p. 201): próxima da realidade, reduzindo a necessidade de

70 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020


Fig 5 - O retorno do combate de alta intensidade.
Fonte: https://mwi.usma.edu/large-scale-combat-operations-army-can-get-groove-back.
grandes estoques de suprimentos nas respectivas respostas tecnicamente corretas, exige
zonas de ação dos elementos apoiados, aumentando soluções efetivas no que se refere aos custos
a proteção da força. e aos objetivos almejados.
Constata-se que o conceito de combate
CONSIDERAÇÕES FINAIS de alta intensidade (francês) e operações de
O retorno do combate de alta intensidade combate em larga escala (americano) ainda
torna-se uma realidade cada dia mais estão em maturação, ensejando a noção
recorrente no xadrez geopolítico atual, com de intervenção maior, no qual haverá o
reverberações para todos os campos do Poder confronto entre dois ou mais adversários,
Nacional das potências mundiais e regionais, estatais ou não, e seus respectivos aliados.
bem como em outras nações emergentes, Esse tipo de confrontação envolverá o
como o Brasil. Compreender os seus desafios emprego pelos beligerantes de ordens de
e internalizar seus conceitos, conforme as batalha constituídas, utilização de tecnologias
realidades socioeconômicas e militares de modernas, mobilização nacional (política,
cada nação é fundamental para se antecipar material e humana), além de todos os recursos
e poder exercer um papel de ator relevante
disponíveis em termos de combate, apoio ao
nesse “novo-velho” cenário que se descortina
combate e apoio logístico, nos ambientes
para os combates futuros.
físico e imaterial. Esse cenário, improvável
A sustentabilidade logística tem e
continuará a ter papel relevante nas há algumas décadas, é hoje muito factível e
operações de alta intensidade, uma vez exige preparação.
que os combatentes logísticos contribuem Assegurar uma independência logística
sobremaneira para garantir a liberdade de requer um pensar estratégico em termos
ação, a capacidade de durar na ação e, em última de Defesa e de Segurança Nacional. Exige,
análise, a capacidade de prevalência sobre também, ação política no sentido da
os adversários de poder militar equiparado constituição de dotações orçamentárias
ou quase equiparado. Nesse contexto, faz-se adequadas e da valorização da indústria
necessário garantir a efetividade do apoio da de defesa nacional, pois a dependência
cadeia logística, mantendo a eficiência (fazer externa de cadeias de suprimento para
bem feito) e a eficácia (obter o efeito desejado) os sistemas de armas estratégicas poderá
ao longo do tempo. Tal característica exige acarretar a interrupção dos fluxos
dos combatentes logísticos mais do que logísticos e inviabilizar as operações.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 71


Ademais, considerando-se as estimativas de entre os comandantes táticos e logísticos.
perdas em material nessas operações futuras, Essa interação deve ocorrer por meio de
as estruturas logísticas de manutenção sistemas de informações integrados e da
(incluindo o parque industrial) poderão inclusão da logística nos exercícios de
ser rapidamente saturadas. Isso implica adestramento, de modo a avaliar os impactos
em complementação da terceirização e que o planejamento logístico deficiente pode
da mobilização nacional, mantendo-se as causar no efeito final desejado.
competências técnicas que permitam mitigar Finalmente, a sustentabilidade logística
possíveis interrupções do nível de serviço no combate de alta intensidade requer a
contratado. adaptação da doutrina (incluindo o ensino), a
A logística participa de todas as fases adequação de estruturas organizacionais e a
da manobra (desde a geração de forças até a introdução de tecnologias para fazer frente às
sua reversão), sendo a integração manobra demandas desse novo ambiente operacional.
tática - manobra logística fator crítico de Embora as operações limitadas de contingência
sucesso para todas as operações militares. ainda sejam recorrentes, os profissionais
Todavia, devido a fatores diversos, as tarefas da guerra, especialmente, os combatentes
logísticas tornaram-se menos arraigadas nos logísticos devem estar preparados para atuar
elementos de manobra, havendo a ideia de e vencer nesse ambiente de intervenções
que tais assuntos são reflexos das operações maiores, independentemente do grau de
limitadas de contingência e inerentes incerteza das ameaças. As máximas de que
somente aos logísticos. Tal aspecto será em logística não se improvisa e que dela
improvável no combate de alta intensidade, depende o sucesso ou o insucesso da guerra
havendo a necessidade de interação estreita nunca foram tão pertinentes.
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v. 74, n. 1, p. 12-27, 1. trim. 2019. Edição brasileira.

NOTAS
[1] Fulda Gap é uma região de baixa altitude, localizada na antiga fronteira entre a República
Democrática Alemã (Alemanha Oriental) e a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental), que
teve importância estratégica durante a Guerra Fria, por ser considerada como uma região de passagem
vantajosa para condução de operações de forças blindadas de grande envergadura, no caso de uma
invasão do Pacto de Varsóvia contra a Alemanha Ocidental.
[2] Extraída da definição dada pelo Chefe do Estado-Maior do Exército Francês, constante da Lettre n°
502895/ARM/EMAT/OAT/BEMP/ACT/NP, de 18 março de 2020.
[3] A Operação Barkhane, iniciada em agosto de 2014 pela fusão das operações Serval e Epervier, é
uma operação interaliada liderada pela França contra grupos armados salafistas jihadistas na região
da Banda Sahel Saariana, na qual são empregados, atualmente, um efetivo de mais de 5 mil militares,
910 veículos militares (blindados e veículos logísticos), 10 aviões de transporte (tático e estratégico),
3 drones, 7 aviões de caça e 22 helicópteros. Disponível em: https://www.defense.gouv.fr/operations/
barkhane/dossier-de-reference/operation-barkhane.
[4] A Batalha de Mossul (2016-2017), foi uma ofensiva militar para reconquista da cidade de Mossul,
Iraque, que contrapôs, de um lado, as forças governamentais iraquianas, tropas curdas, milícias aliadas
e forças da coalizão e, de outro lado, os jihadistas do Estado Islâmico (EI).
[5] A hora de ouro (golden hour) refere-se à primeira hora após um ferimento traumático, quando é
mais provável que o tratamento de urgência seja bem sucedido.

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Aviação do Exército: modernização
e contribuiçÃO para A doutrina
MILITAR terrestre
Tenente-Coronel Ricardo de Amorim Araújo Pereira

O Tenente-Coronel de Infantaria Amorim é o Chefe da empregada constantemente em todos


Seção de Operações do Comando de Aviação do Exército (CAvEx), os principais eventos de Preparo e
sediado em Taubaté - SP. Foi declarado aspirante Emprego, bem como buscando fornecer
a Oficial, em 1999, pela Academia Militar as capacidades necessárias para o
das Agulhas Negras (AMAN). Realizou o
cumprimento da missão.
curso de aperfeiçoamento na Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO), em Segundo House (2008, pp. 283 a 287),
2008, e o de comando e estado-maior, além de dotar um exército com seu próprio
na Escola de Comando e Estado-Maior apoio aéreo, o helicóptero forneceu a
do Exército (ECEME), em 2018. Possui, possibilidade de realizar combinação das
ainda, os cursos de Piloto de Aeronave,
armas na terceira dimensão, facilitando
Piloto de Combate, Avançado de Aviação
e de Oficial de Segurança de Voo (CENIPA- ainda mais a conquista dos objetivos.
FAB), além do estágio de Operações Aeromóveis. Com isso, por ser um elemento que
Foi instrutor no Centro de Instrução de Aviação do Exército agrega modernidade e versatilidade à
(CIAvEx), nos anos de 2012 a 2016 (amorim.ricardo@eb.mil.br). Av Ex, pela sua relevância, insere-se nos
diversos planos e projetos estratégicos de
modernização da Força Terrestre.
A Aviação do Exército (Av Ex) foi
recriada no início da década de 1990, O PLANO ESTRATÉGICO DO EXÉRCITO
por uma ação do Ministro do Exército, BRASILEIRO 2020-2023
General Leônidas Pires Gonçalves, a fim O Exército Brasileiro vem passando por
de preencher uma lacuna existente no um processo de transformação ao longo dos
Exército Brasileiro. Segundo Baganha últimos anos. O resultado foi materializado
(2003, p. 20), foi por meio dessa recriação pela aprovação da Portaria do Comandante
que se abriu a possibilidade de projetar do Exército nº 001-Res, de 27 de fevereiro
poder em áreas na retaguarda inimiga, de 2012, que aprovou o Projeto de Força do
como forma de atingir de forma mais Exército Brasileiro (PROFORÇA) e na Diretriz
rápida objetivos estratégicos e assim do Comandante do Exército 2017-2018. Todos
encurtar o desgaste de uma guerra esses documentos buscaram a modernização
prolongada. da sua doutrina e a criação de uma nova
Além disso, ao passar a ser dotado estruturação da Força Terrestre para
novamente de uma aviação orgânica, a cumprimento de sua missão constitucional,
Força Terrestre sofreu um grande salto face ao atual cenário difuso e imprevisível e
evolutivo na doutrina e no preparo, tendo como marco final da transformação o
permitindo buscar se alinhar com os ano de 2030, com impactos para a Av Ex.
modernos exércitos existentes e adequar Em 2020, o Comandante do Exército
as necessidades do combate moderno elaborou o Plano Estratégico do Exército
(BAGANHA, 2003, pp. 20, 60 e 69). 2020-2023, cujo cerne é dar continuidade
De fato, observa-se que desde sua ao processo de transformação iniciado
criação até os presentes dias, as asas no passado. Seu bojo marca inúmeros
rotativas da Força Terrestre vêm sendo objetivos estratégicos, no qual o objetivo

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estratégico 1, qual seja, contribuir com a  modernização do sistema de
dissuasão extrarregional, possui uma ação armamento axial e imageamento para
estratégica que ressalta a necessidade da helicópteros (SiAAIH): - a modernização de um
ampliação da mobilidade e elasticidade da sistema de armas para as aeronaves AS550A2
Força, ponto que marca a necessidade e “Fennec Av Ex” permitirá incrementar a
grande relevância da Av Ex para a Força capacidade de inteligência, reconhecimento
Terrestre, fato que reflete em muito no armado, vigilância e aquisição de alvos,
Programa Estratégico Aviação do Exército. aprimorando o atual “Sistema Olhos da Águia
– SOA”, aumentando o poder dissuasório
O PROGRAMA ESTRATÉGICO AVIAÇÃO do Exército Brasileiro. Além disso, o
DO EXÉRCITO projeto prevê a aquisição de 20 sistemas de
O Programa Aviação foi instituído com a armas completos que serão instalados nas
finalidade de regular as medidas necessárias aeronaves já existentes. Tais sistemas irão
para manter a Av Ex atualizada, face aos dotar as aeronaves com foguetes modernos,
modernos meios e formas de combate canhões e outros armamentos, mudando a
existentes. sua capacidade de apoio de fogo; e
Segundo se observa no sítio do Escritório  simulador de voo: - a implantação
de Projetos do Exército, o Programa Aviação do Centro de Simulação, que segue rígidos
contribuirá para a dissuasão extrarregional critérios de normas internacionais de
do Exército Brasileiro, uma vez que ampliará certificação, visa instalar a estrutura física
a sua projeção no cenário internacional. e lógica dos dispositivos de simulação. O
Além disso, possibilitará a implantação projeto prevê o desenvolvimento de software
ou a modernização de sistemas, como o e hardware de um full flight simulator da
Operacional Militar Terrestre, o de Doutrina aeronave AS365K2 “Super Pantera”, sendo
Militar e o Logístico Militar Terrestre. importante para racionalização de recursos
O Programa Aviação segue por cinco eixos e, junto com as ferramentas de simulação
principais, a saber: construtiva e virtual, elevar a capacitação e
 obtenção da capacidade de ataque: operacionalidade da Av Ex.
- o resultado a ser obtido é a aquisição de
uma aeronave de ataque, aumentando a
capacidade de apoio de fogo de aviação. Além
disto, as aeronaves de ataque atuarão ainda,
em missões de guerra eletrônica, inteligência,
reconhecimento armado, vigilância e
aquisição de alvos;
 manutenção de capacidade operativa
das aeronaves de manobra: - o core é reduzir
o desequilíbrio entre as frotas de diferentes
origens, ampliar as opções logísticas que Fig 1 - Simulador de voo SHEFE, de tecnologia nacional
atendem ao Sistema Aviação do Exército base para simulador Anv Super Pantera.
(SisAvEx) e diminuir a dependência a um só
fabricante; No Programa Aviação existem, ainda,
 ampliação da capacidade de trans- as ações complementares de infraestrutura
porte logístico: - a aquisição de aeronaves e de modernização das aeronaves Esquilo/
de asa fixa visa cumprir missões de Pronta Fennec e Pantera, ambas com as finalidades
Resposta Estratégica (de forma limitada), de suprir as necessidades de infraestrutura e
Comando e Controle (ligação de comando) e finalizar o processo de modernização dessas
Sustentação Logística, particularmente na aeronaves. Tais medidas irão estender a vida
faixa de fronteira, apoiando os Pelotões Es- útil da frota, mantendo as atuais capacidades de
peciais de Fronteira; reconhecimento, de instrução e de emprego geral.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Julho a Setembro/2020 75


É importante ressaltar que com a Outra grande contribuição para a doutrina
implementação das medidas complementares a e para o preparo da Aviação e sua mudança de
Av Ex poderá entregar, à Força Terrestre, novas patamar, diz respeito à capacidade de combater
capacidades e possibilidades com reflexos na à noite, graças ao voo com óculos de visão no-
doutrina, no emprego e na operacionalidade. turna (OVN). Atualmente, fruto da aquisição e
da modernização de aeronaves proporcionadas
A CONTRIBUIÇÃO DA AVIAÇÃO DO pelo Programa Aviação, todo o acervo de aero-
EXÉRCITO PARA A MODERNIZAÇÃO DA naves foi modernizado e encontra-se em plenas
DOUTRINA TERRESTRE condições de emprego. Desde então, a Aviação
Desde a sua recriação, a Av Ex buscou vem se adestrando junto à 12ª Brigada de Infan-
sua inserção dentro das principais ações do taria Leve, ao Comando de Operações Especiais,
Exército Brasileiro, sendo que sua principal à Brigada de Infantaria Pára-quedista e aos ba-
talhões de infantaria de selva. Nesses adestra-
missão seria o assalto aeromóvel com tropas
mentos são realizadas operações aeromóveis
leves. (RODRIGUES, 2006, pp. 32 e 35). Entre-
utilizando OVN, com a finalidade de conferir a
tanto, foi no incidente do Rio Traíra, ocorrido
capacidade executar operações aeromóveis à
em 1991, que a aeromobilidade proporcionada
noite, algo bastante utili-
por aeronaves do Exército zado nos últimos combates
Brasileiro fez a diferença O Programa Aviação modernos, segundo Notin
na forma de operar. contribuirá para a (2017, pp. 290), ao analisar
Na época, foram exe- dissuasão extrarregional do a campanha da França no
cutadas diversas missões Mali.
e infiltração de tropas Exército Brasileiro, uma vez As operações aeromó-
especiais e de apoio lo- que amplia a sua projeção veis, realizadas em período
gístico. Tal fato, além de no cenário internacional. noturno, foram importan-
auxiliar no cumprimen- Além disso, possibilitará tes nas ações de combate
to da missão, criou uma às organizações crimino-
nova capacidade para a a implantação ou a sas, durante a intervenção
Força Terrestre materia- modernização de sistemas, federal na segurança pú-
lizada no binômio Avia- como: o Operacional Militar blica do estado do Rio de
ção – BFEsp (RODRIGUES Janeiro. Segundo Oliveira
Terrestre, o de Doutrina (2019, p. 39, 46, 52 e 53), a
2006, pp. 202 e 203).
Após esse “batismo Militar e o Logístico Militar capacidade de voo noturno
de fogo”, a Av Ex passou Terrestre. e o emprego da aeronave
a desenvolver diversos HA-1 com sistema Olho da
trabalhos e estudos para contribuir com o Águia garantiu a manutenção da consciência
situacional ao decisor. Além disso, possibilitou
preparo e emprego das diversas brigadas do
a infiltração de tropas em locais confinados e
Exército, dentre elas, a própria Brigada de
restritos, proporcionado vantagem nas ações.
Infantaria Leve (Aeromóvel).
Além da contribuição no emprego da
Nesse mister, Herzer (2004, pp. 152-163)
Força Terrestre, a Av Ex busca oferecer
trouxe grande contribuição analisando as suas capacidades para novos elementos
possibilidades, as limitações e as necessidades do Exército Brasileiro, por exemplo,
da Av Ex, principalmente nas missões de às unidades de infantaria mecanizada.
ataque e de reconhecimento aeromóvel. A Segundo Alcantara (2017, pp. 17 a 20) e
contribuição do autor, face as hipóteses de Pereira (2017, pp. 24 a 26), o emprego da
emprego, despertou para a necessidade de Av Ex, em apoio ao Batalhão de Infantaria
modernização e de aquisição de capacidades Mecanizado, trouxe aspectos doutrinários
(principalmente de ataque), atualmente interessantes, sobretudo, em uma de suas
contemplada no escopo do Programa Aviação. missões específicas: o ataque à localidade.

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Fig 2 - A capacidade de voo OVN da aeronave HA-1. Fig 3 - Tropas da 12ª Bda Inf L em incursão aeromóvel.
Por fim, dentro da situação de de conduzir o combate na terceira dimensão
contribuir para a mudança de pensamento do espaço de batalha.
da Força Terrestre, as diversas revisões Além desse aspecto, observando as ações
doutrinárias em curso buscam atualizar a constante no Processo de Transformação do
base doutrinária da Av Ex e quebrar certos Exército e no Plano Estratégico do Exército
paradigmas. Nesse contexto, trabalhos 2020-2023, nota-se que, fruto da sua
como o de Oliveira (2019, pp. 55-58) trazem relevância, existe um espaço destinado ao
ensinamentos úteis obtidos na campanha da desenvolvimento e à modernização da Av Ex,
França no Mali, com impacto na composição materializado no Programa Aviação.
e constituição de um módulo de aviação e O resultado de todo o esforço e investimento,
até na forma de emprego de aeronaves. culminará com um incremento da capacidade
Outro exemplo, está no manual Aviação do operacional da Av Ex e isso refletirá em um
Exército em Operações (BRASIL, 2019, pp. novo cenário para o preparo e emprego da
2-10), que criou a possibilidade de a Av Ex Força Terrestre.
receber, de forma temporária, elementos da Por fim, nota-se que a Av Ex, em seu
Força Terrestre, para uma missão específica, processo evolutivo, será sempre mais
ampliando seu poder de combate. um elemento da Força Terrestre capaz
de induzir mudança no pensamento
CONSIDERAÇÕES FINAIS doutrinário do Exército Brasileiro, com
A recriação da Av Ex no final dos anos o foco de atualizar e adequar o Exército
80 representou, de fato, a inserção da Força de Caxias para combater em um cenário
Terrestre Brasileira no rol de forças capazes complexo, volátil e incerto.

REFERÊNCIAS
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nas funções de combate Inteligência, Logística e Comando e Controle em apoio ao Batalhão
de Infantaria Mecanizado, no ataque à localidade, trabalho acadêmico apresentado à Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2017.
BRASIL, Comando do Exército, Diretrizes do Comandante do Exército 2017-2018, Brasília-DF, 2017.
_______. Comando de Operações Terrestres. EB70-MC-10.204 – A Aviação do Exército nas Operações.
1 ed. Brasília, DF. 2019
_______. Estado-Maior do Exército. Processo de Transformação do Exército, 3ª Edição, Brasília-DF, 2010.
_______. Estado-Maior do Exército. Plano Estratégico do Exército 2020-2023, EB10-P-01.007,
Brasília-DF, 2020.
BAGANHA, Luiz Fernando Estorilho. A estrutura da Aviação do Exército Brasileiro: necessidade
de evolução e de criação do Esquadrão de Reconhecimento e Ataque, à luz da Doutrina Delta,
Dissertação apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro-RJ, 2003.

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www.epex.eb.mil.br/index.php/aviacao. Acesso em: 30 mai. 2017.
HERZER, Fernando Dias. A aviação do exército nas missões de Reconhecimento e Ataque
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OLIVEIRA, Elton Freire de. O emprego da Aviação do Exército francês no conflito do Mali e os
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Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro-RJ, 2017.
OLIVEIRA, Adilson Inácio de. O emprego da Aviação do Exército nas ações de segurança pública
na Intervenção Federal do Estado do Rio de Janeiro: Possibilidades e Limitações. Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro-RJ,
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NOTIN, Jean-Christophe, Guerra da França no Mali, Rio de Janeiro, RJ, Biblioteca do Exército, 2017,
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PEREIRA, Fabiano Lopes. Possibilidades e limitações da Aviação do Exército nas funções de
combate movimento e manobra, fogos e proteção em apoio ao Batalhão de Infantaria Mecanizado,
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RODRIGUES, Luis Azambuja Contreiras. História Oral da Aviação do Exército, de 1985 a 1994,
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