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ameaças e desafios para a paz no mar

Centro de Operações de Paz de Caráter Naval


Operações de Paz de Caráter Naval:
ameaças e desafios para a
paz no mar
Operações de Paz de Caráter Naval:
ameaças e desafios para a
paz no mar
Centro de Operações de Paz de Caráter Naval

Rio de Janeiro / 2020


Expediente
Revista: Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Produção: Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC)


Contra-Almirante (FN) Renato Rangel Ferreira
Organizadores:
Capitão de Corveta (FN) Alexandre de Menezes Villarmosa
Projeto Gráfico: Agência 2A Comunicação
Almirante de Esquadra ILQUES BARBOSA JUNIOR, Almirante de Esquadra (FN)
ALEXANDRE JOSÉ BARRETO DE MATTOS, Almirante de Esquadra MARCELO
FRANCISCO CAMPOS, Almirante de Esquadra ALIPIO JORGE RODRIGUES DA
SILVA, Almirante de Esquadra (FN) ALVARO AUGUSTO DIAS MONTEIRO, Vice-
Almirante (FN) PAULO MARTINO ZUCCARO, Vice-Almirante JOSÉ AUGUSTO
VIEIRA DA CUNHA DE MENEZES, Vice-Almirante (FN) CARLOS CHAGAS
Autores:
VIANNA BRAGA, General de Divisão ROLEMBERG FERREIRA DA CUNHA,
Embaixador RUBENS ANTÔNIO BARBOSA, Contra-Almirante (FN) RENATO
RANGEL FERREIRA, Contra-Almirante (FN) ROGÉRIO RAMOS LAGE, Sra.
GISELA VIEIRA, Sr. RICHARD MORRIS, Tenente-General CARLOS HUMBERTO
LOITEY, Contra-Almirante EDUARDO AUGUSTO WIELAND, Contra-Almirante
NARCISO FASTUDO JUNIOR, Capitão de Mar e Guerra BONIFACE KONAN.
Capitão-Tenente (FN) Dutra, Capitão-Tenente (RM2-T) Flavia Barros, 1° Tenente
Traduções: (RM2-T) Mariana Müller, 1° Tenente (RM2-T) Paula Fernandes, 1° Tenente
(RM2-T) Jaqueline Carvalho, 1° Tenente (RM2-T) Caio Vinícius.
Capitão-Tenente (FN) Dutra, Capitão-Tenente (FN) Leandro Gomes, Capitão-
Tenente (RM2-T) Flavia Barros, 1º Tenente (RM2-T) Mariana Müller, 1º Tenente
(RM2-T) Paula Fernandes, 1º Tenente (RM2-T) Jaqueline Carvalho, 1º Tenente
Colaboradores:
(RM2-T) Ana Grangeia, 1º Tenente (RM2-T) Rafael Dantas, 1º Tenente (RM2-T)
Vinicius Oliveira, 1º Tenente (RM2-T) Itiene Nogueira, 1º Tenente (RM2-T) Caio
Vinícius, 2º Tenente (RM2-S) Cássia.
Ano: 2019

O61

Operações de paz de caráter naval : ameaças e desafios para a paz no mar / [Organizado por]
Contra-Almirante (FN) Renato Rangel Ferreira, Capitão de Corveta (FN) Alexandre de Menezes
Villarmosa. – Rio de Janeiro : Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo, 2020.
Recurso digital.

Formato PDF.
ISBN 978-65-990227-0-8

1. Nações Unidas – forças de paz. 2. Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo. I. Ferrei-
ra, Renato Rangel. II. Villarmosa, Alexandre de Menezes. III. Título

CDD
355.357
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Apresentação
Contra-Almirante (FN)
RENATO RANGEL FERREIRA

Em 31 de outubro de 2019, a Marinha do Brasil (MB), por meio do


Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais (CGCFN) e do Centro de
Operações de Paz de Caráter Naval (COpPazNav), realizou o Seminário
Internacional de Operações de Paz de Caráter Naval.

A ideia de realizar este seminário decorreu de duas principais


demandas.

Uma delas foi a de organizar e compartilhar os conhecimentos


acumulados com a participação, desde 2011, da Marinha do Brasil no
comando da Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força Interina das Nações
Unidas no Líbano (UNIFIL). Nesses nove anos, a Marinha indicou os
Almirantes que exerceram os Comandos da Força-Tarefa multinacional e
desdobrou os respectivos navios-capitânia. Sem dúvidas, a preparação
e o emprego desses militares e meios possibilitaram que fosse gerada
uma considerável quantidade de conhecimento específico sobre o
emprego de missões de paz no mar.

A outra demanda dizia respeito ao entorno estratégico nacional.


Tendo como linha de aproximação o tema contemporâneo das ameaças
assimétricas em ambientes marítimos. Uma ação de diplomacia naval,
na forma de um seminário, ao propiciar o intercâmbio de experiências
e apresentações de novas perspectivas, contribuiria, também, para a
construção de parcerias e para o fortalecimento da inserção política e
estratégica do Brasil, particularmente em relação aos países lindeiros ao
Atlântico Sul.

O seminário foi, então, estruturado sobre três eixos principais. O


primeiro explorou as ameaças no ambiente marítimo. O segundo, os
desafios – operacionais e logísticos – de se conduzir a paz no mar. O
último, voltado para o ensino e o treinamento das Forças Navais. Ao
ameaças e desafios para a paz no mar

todo, participaram vinte autoridades cujas apresentações originaram os


artigos que compõem a presente obra. Da parte do público, registrou-se
a presença, no Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC),
de centenas de autoridades, universitários, civis e militares, nacionais e
estrangeiros, de um total de 21 países. Todos com o nobre objetivo de
debater ideias, compartilhar experiências e boas práticas, bem como
propor soluções para problemas enfrentados por missões de paz em um
cenário tão complexo como o marítimo.
Cabe ainda o registro de que foram, também, as citadas demandas que
levaram o COpPazNav - unidade de treinamento da MB para operações
de paz, particularmente aquelas de caráter naval – a preparar e conduzir,
na mesma época do seminário, o primeiro Curso Internacional de
Operações de Paz de Caráter Naval (United Nations Maritime Task Force
Course). Recentemente, este curso foi certificado pelo Departamento de
Operações de Paz da ONU, consolidando o centro como uma referência
mundial no treinamento para missões de paz, sendo o primeiro e único a
receber esse reconhecimento na área proposta.
Antes de encerrar esta breve apresentação, aproveito para agradecer
as palavras proferidas pelo Embaixador Rubens Barbosa, autor do artigo
que compõe o prefácio desta obra, que ressalta a grande importância
da discussão dos temas acima descritos e a participação do Brasil na
reflexão, capacitação e segurança no Atlântico Sul.
Da mesma forma, fica registrada a ilustre abertura do seminário e
a introdução desta obra realizadas pelo Almirante de Esquadra Ilques
Barbosa Junior, Comandante da Marinha, bem como o encerramento
do evento e a conclusão do presente livro realizadas pelo Comandan-
te-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, o Almirante de Esquadra (FN)
Alexandre José Barreto de Mattos.
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Prefácio
Embaixador
Rubens Barbosa

Na definição do Conceito Estratégico da Organização do Tratado do


Atlântico Norte (OTAN), em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como
uma área geoestratégica prioritária, mas não se exclui totalmente a pos-
sibilidade de sua atuação “onde possível e quando necessário”, caso os
interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão,
apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos
oceanos, com a incorporação dos assuntos do Atlântico Sul no escopo
estratégico da organização.

Em pronunciamento recente, o atual ministro da defesa Nacional,


João Gomes Cravinho, observou que “a segurança do espaço euro
-Atlântico tem de ser pensada a partir das pontes que o Atlântico permite
criar e para as quais Portugal tem um posicionamento privilegiado para
contribuir ativamente”.

Dentro desse entendimento, Portugal está criando o Centro para a De-


fesa do Atlântico (CeDA) na ilha dos Açores. O CeDA tem como objetivo
a reflexão, a capacitação e a promoção da segurança no espaço atlân-
tico. O Centro pretende tornar-se um fórum multinacional que contará
com a participação de peritos, civis e militares de países localizados na
bacia atlântica ou com interesses nesse espaço.

Localizado na Ilha Terceira, em parte das instalações da base norte-a-


mericana, e em Lisboa, o CeDA deverá focalizar inicialmente as dinâmi-
cas de insegurança no Golfo da Guiné e na África Ocidental, estando,
contudo, vocacionado para trabalhar todas as temáticas relevantes para
a segurança do Atlântico de Norte a Sul, de Leste a Oeste e onde a capa-
citação no domínio da defesa possa contribuir positivamente. Irá estabe-
lecer parcerias, desenvolver e implementar projetos de capacitação que
permitam aos Estados ribeirinhos do Atlântico reforçar as suas capacida-
des na prevenção, combate e mitigação das ameaças transnacionais tais
como o tráfico de drogas, de seres humanos e de armas, pirataria e as-
salto à mão armada contra navios, a pesca ilegal, não regulamentada e
não declarada. Também a poluição, as alterações climáticas e a resposta
de emergência estão na mira; e, numa fase posterior poderão surgir as
ameaças cibernéticas, entre outras possíveis a se prevenir. O balizamento
conceitual do Centro está ainda em desenvolvimento, com contribuições
dos países atlânticos envolvidos, entre os quais o Brasil.

No que concerne às principais atividades do CeDA, para além de pro-


jetos de capacitação através de parcerias com a ONU, OTAN, União Eu-
ropeia, União Africana, entre outros, o Centro trabalhará igualmente na
busca, tratamento e análise de informação; na elaboração de estratégias
de capacitação e doutrina; na monitorização de ameaças transnacionais
e na implementação de projetos.

O Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, deverá realizar um Se-


minário para apresentar, discutir e divulgar o CeDA. Esse evento con-
tará com especialistas, nacionais e estrangeiros, civis e militares, que
aprofundarão os requisitos e a missão fundamental do Centro e, como
estudo de caso, serão analisadas as várias dimensões dos desafios à
segurança na região do Golfo da Guiné.

No início de 2020, prevê-se, nos Açores, uma primeira ação de for-


mação de uma rede de peritos internacionalmente reconhecidos, que
possam dar continuidade ao trabalho de capacitação junto dos quadros
civis e militares, bem como das Forças de Defesa e Segurança, dos países
do Golfo da Guiné.

Com a constituição do CeDA, Portugal pretende dar corpo à ideia de


contribuir para manter o Atlântico como um espaço de paz e segurança
internacional e de trabalhar com parceiros atlânticos na identificação de
contribuições para esse objetivo.

O Brasil manifestou preocupação, porque não foi informado pre-


viamente da criação do Centro e pela intenção explicitamente indica-
da pelo Conselho de Ministros da OTAN de empregar o Centro como

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Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

plataforma para a Organização e para a União Europeia com vistas à


segurança de todo o Atlântico (incluindo o Atlântico Sul, em especial
o Golfo da Guiné). O Brasil, nessa região, está presente e desenvolve
esforços para o enfrentamento da pirataria.

O Brasil sempre deixou claro sua reserva no tocante às iniciativas que


incluam também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico
Sul, como área de atuação da OTAN. O sul do Atlântico é área geoes-
tratégica de interesse vital para o Brasil. As questões de segurança rela-
cionadas às duas metades desse oceano são distintas e devem merecer
respostas diferenciadas – tão mais eficientes e legítimas quanto menos
envolverem organizações ou Estados estranhos à região.

A Política Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das


áreas prioritárias para a Defesa Nacional e amplia o horizonte estraté-
gico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul e a África Ocidental e
Meridional. Por essa razão, o Brasil não deveria ignorar essa iniciativa.
Seria de nosso interesse acompanhar de perto a definição de como o
Centro vai atuar.

Por outro lado, o governo dos EUA decidiu designar o Brasil como
“aliado prioritário extra-OTAN”, elevando a parceria estratégica com os
Estados Unidos a um novo patamar de confiança e cooperação. Esse sta-
tus é conferido a um número restrito de países, considerados de interesse
estratégico para os EUA, e os torna elegíveis para maiores oportunida-
des de intercâmbio e assistência militar, compra de material de defesa,
treinamentos conjuntos e participação em projetos. Embora não tenha
uma relação direta com a OTAN, o novo status do Brasil recomendaria o
acompanhamento do que está ocorrendo na Organização.

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve em Portugal


recentemente e foi informado da criação do Centro. Para manter a prio-
ridade sobre o Atlântico Sul, como previsto na Estratégia Nacional de
Defesa, o Brasil deveria participar da criação do Centro e oferecer sua
contribuição na definição de suas atribuições e formas de atuação.

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Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Sumário
Introdução 13

Parte I 17
Capítulo 1 – Atuação da Organização Marítima Internacional (IMO) na área 19
e proteção marítima
Gisela Vieira

Capítulo 2 – Tecnologia, peacekeeping e combate às ameaças assimétricas: 24


oportunidades e desafios em contextos complexos e instáveis
Ricardo Oliveira dos Santos

Capítulo 3 – Ameaças assimétricas no ambiente marítimo e manutenção da 36


paz: soluções para promover a segurança nacional no contexto marítimo que
contribuem para a estabilidade nacional, regional e global
Richard Morris

Capítulo 4 – Ameaças assimétricas no ambiente marítimo 39


Contra-Almirante (Fn) Rogério Ramos Lage

Parte II 43
Capítulo 5 – Da segurança para a manutenção da paz: desafios logísticos 45
para operações marítimas
Capitão de Mar e Guerra (Marinha) Boniface Konan

Capítulo 6 – Logística marítima nas operações de manutenção da paz: 51


superando os desafios de manter a paz no mar
Tenente-General Carlos H. Loitey

Capítulo 7 – Brasil na Força-Tarefa Marítima da UNIFIL: transformando 62


desafios logísticos em oportunidades político-diplomáticas
Danilo Marcondes de Souza Neto

Capítulo 8 – Desafios e Oportunidades em uma Operação de Paz de Caráter 71


Naval – a FTM UNIFIL
Contra-Almirante Eduardo Augusto Wieland
Parte III 81
Capítulo 9 – Operações de paz de caráter naval: treinando com foco no 83
futuro
Contra-Almirante (FN) Carlos Chagas Vianna Braga

Capítulo 10 – A preparação da Marinha do Brasil para a UNIFIL 88


Vice-Almirante José Augusto Vieira da Cunha de Menezes

Capítulo 11 – Treinando e ensinando a paz no mar na perspectiva do Diretor 90


do Centro Interregional de Coordenação (CIC)
Contra-Almirante Narciso Fastudo Junior

Capítulo 12 – Operações de paz de caráter naval: treinando e ensinando a 97


paz no mar
Vice-Almirante (FN) Paulo Martino Zuccaro

Capítulo 13 – O papel do Ministério da Defesa nas operações de paz 105


General de Divisão Rolemberg Ferreira da Cunha

Conclusão 111
Almirante de Esquadra (Fuzileiro Naval) Alexandre José Barreto de Mattos
Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais

Autores 113

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Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Introdução
Comandante da Marinha
ALMIRANTE DE ESQUADRA ILQUES BARBOSA JUNIOR

Com satisfação, saúdo as autoridades civis e militares, brasileiras e de


nações amigas, assim como os profissionais de defesa que participaram
do Seminário Internacional de Operações de Paz de Caráter Naval, em
31 de outubro de 2019, e deram suas contribuições para a elaboração
desta obra, tão relevante para o adequado desenvolvimento da paz e da
segurança no mar.
A Marinha do Brasil e a Organização das Nações Unidas realizaram
nessa data um grande evento, no qual foram debatidas ideias, comparti-
lhadas experiências e boas práticas, bem como discutidas soluções para
desafios enfrentados por missões de paz em um cenário tão complexo
como o marítimo.
Em um momento especial de encontro de especialistas em Opera-
ções de Paz, foi realizado o lançamento do livro “13 anos do Brasil na
MINUSTAH - lições aprendidas e novas perspectivas”. Essa publicação re-
gistrou as contribuições oferecidas pelos palestrantes do seminário ocor-
rido no Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC), em
2017, que marcou o fim da exitosa participação das Forças Armadas bra-
sileiras e de outras nações amigas naquela missão de paz no Haiti.
O seminário que originou este livro, por sua vez, de caráter interna-
cional, teve o propósito de compartilhar as experiências adquiridas pelas
diversas instituições convidadas no trato com as ameaças e desafios para
a paz no mar. De nossa parte, oferecemos as lições que foram aprendidas
com a participação da Invicta Marinha de Tamandaré na Força-Tarefa Ma-
rítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano.
Seguindo os assuntos abordados durante o seminário, esta publicação
foi organizada em três partes: “Ameaças Assimétricas no ambiente maríti-
mo e peacekeeping”; “Operações de Paz de Caráter Naval: vencendo os
desafios de manter a paz no mar”; e “Operações de paz de caráter naval:
treinando e ensinando a paz no mar”. Cada parte foi composta utilizando-

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se os artigos e transcrições das apresentações de especialistas nacionais e
estrangeiros nos temas em pauta, com oficiais generais ligados à ONU e
chefes de organizações congêneres palestrantes no seminário.
Na primeira parte, o livro irá explorar o impacto das Ameaças Assimétri-
cas à paz e à segurança no mar. Serão apresentados os resultados dos de-
bates sobre temas como a necessidade de ampliação da consciência situ-
acional marítima para a rápida identificação dessas ameaças, que podem
tanto estar relacionadas a aspectos climáticos e seus efeitos no mar, quando
à ação humana ou estatal, como o tráfico de drogas, pirataria, terrorismo e
crimes ambientais, semelhante ao ocorrido no nordeste brasileiro em 2019.
Em particular, referente a este lamentável episódio, durante o período do
seminário ainda estávamos investigando as causas do surgimento de óleo
em nossas águas e combatendo os efeitos desta agressão sem precedentes,
tanto pela sua extensão como pelo impacto ambiental e socioeconômico.
Esse conjunto de ameaças revela a importância do fortalecimento da co-
operação e da construção de soluções comuns a serem implementadas.
A segunda parte abordará os desafios de manter a paz no mar, apon-
tando as vantagens aditadas às missões de paz pelo aporte das caracte-
rísticas intrínsecas de Poder Naval, como mobilidade, permanência, versa-
tilidade e flexibilidade. Por outro lado, serão compartilhadas experiências
colhidas decorrentes do grande esforço logístico, assim como das pecu-
liaridades operacionais impostas pela tarefa de manter um meio naval
operando distante de sua base, em uma missão real, de longa duração e
com a participação de meios de diferentes países.
A última parte do livro tratará das demandas específicas para o ensino
e o adestramento às forças e meios navais, aeronavais e de fuzileiros na-
vais empregados em operações de paz de caráter naval, as quais reque-
rem uma gama de capacidades e competências que divergem daquelas
empregadas nas missões de paz em terra. As diferenças do ambiente ope-
racional marítimo, as tecnologias presentes nos meios navais e também
as distintas interações entre o operador de paz naval e os indivíduos que
possam integrar diferentes grupos, como forças adversas, civis sob prote-
ção do mandato e nacionais do país anfitrião da missão, impõem conside-
rações especiais que serão aqui debatidas.

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Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

No âmbito da Marinha do Brasil, em particular no seminário que deu


origem ao livro, buscou-se identificar soluções para questões como o en-
volvimento do Poder Naval brasileiro no combate a ameaças assimétricas,
como pirataria, crimes ambientais, narcotráfico marítimo em nosso entorno
estratégico e a atuação em ações sob a égide de organismos internacionais,
seja em operações de paz de caráter naval ou em iniciativas para fortalecer
a cooperação para a segurança marítima (maritime security cooperation).
Esta iniciativa atende, ainda, às seguintes demandas próprias da Força:
a ampliação da capacidade de conduzir Operações Marítimas Combi-
nadas e gerenciar o respectivo conhecimento adquirido; a divulgação de
atividades operacionais aos públicos interno e externo; o fortalecimento
da Mentalidade Marítima na sociedade brasileira, com foco no conceito
oceanopolítico da Amazônia Azul; e a construção de parcerias e o fortale-
cimento dos laços que nos unem a países e Marinhas amigas.
O seminário esteve inserido em outra iniciativa de relevo no âmbito re-
gional: a realização do primeiro Curso Internacional de Operações de Paz
de Caráter Naval, que teve início no dia 28 de outubro, com duração de
duas semanas, e que foi conduzido pelo Centro de Operações de Paz de
Caráter Naval (COpPazNav), localizado no CIASC. Participaram do curso
21 oficiais de Marinhas amigas e nove oficiais da Marinha do Brasil, entre
eles o próximo Comandante da FTM-UNIFIL, o Contra-Almirante Sergio
Renato Berna Salgueirinho, e seu Estado-Maior.
O COpPazNav é responsável pelo treinamento das unidades navais,
aeronavais e de fuzileiros navais em operações de paz, particularmente
aquelas de caráter naval, e vem contribuindo com seminários e cursos inter-
nacionais para a consolidação dos valores da Força e das Nações Unidas.
Como se pode notar, são muitos os desafios que se colocam e este é o
propósito maior que nos fez reunir por ocasião do Seminário Internacional
no CIASC: pensar os desafios estratégicos e a responsabilidade de garantir
a Paz, a Segurança e a Boa Ordem no Mar.
Como considerações finais, reitero minha satisfação pela presente obra
e faço um convite para a leitura das experiências aqui compartilhadas.
A Todo Pano!
Viva a Marinha!

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Parte I
CAPÍTULO 1 – Atuação da Organização Marítima Internacional
(IMO) na área de proteção marítima

CAPÍTULO 2 – Tecnologia, peacekeeping e combate às


ameaças assimétricas: oportunidades e desafios em contextos
complexos e instáveis

CAPÍTULO 3 – Ameaças assimétricas no ambiente marítimo


e manutenção da paz: soluções para promover a segurança
nacional no contexto marítimo que contribuem para a
estabilidade nacional, regional e global

CAPÍTULO 4 – Ameaças assimétricas no ambiente marítimo


Parte I
GISELA VIEIRA

RICARDO OLIVEIRA DOS SANTOS

RICHARD MORRIS

CONTRA-ALMIRANTE (FN)
ROGÉRIO RAMOS LAGE
Capítulo 1
Atuação da Organização Marítima
Internacional (Imo) na área de
proteção marítima
Gisela Vieira

O presente artigo discursará, no primeiro momento, sobre uma in-


trodução à Organização Marítima Internacional (IMO - International
Maritime Organization) no tocante à sua estrutura e missão. No segundo
momento, serão abordadas iniciativas da IMO na área de proteção ma-
rítima e quais são os instrumentos que a Organização dispõe para regu-
lamentar medidas preventivas face às atuais ameaças. No terceiro mo-
mento, o enfoque será no programa de cooperação técnica, no qual são
propostas algumas iniciativas regionais na área de proteção marítima.

A Organização Marítima Internacional foi estabelecida em 1959 pela


convenção da IMO, sediada em Londres. A Organização está composta
por 174 estados membros, incluindo todos os países com as maiores
frotas marítimas, os estados costeiros e também organizações não gover-
namentais e intergovernamentais. O secretariado é composto de mais de
300 pessoas, advindas de mais de 50 países.

A IMO é uma agência especializada das Nações Unidas com respon-


sabilidade pela segurança e proteção da navegação e pela prevenção
da poluição marinha por navios. O órgão principal da Organização é a
Assembleia, que conta com todos os 174 estados membros, e os três mem-
bros associados. A Organização conta com uma estrutura de Comitês: o
Comitê de Segurança Marítima, o Comitê de Proteção ao Meio Ambiente,
Comitê Jurídico, Comitê de Cooperação Técnica e o Comitê de Facilita-
ção, além do Conselho, que é o órgão governante da Organização.

O foco principal da IMO é desenvolver e adotar os instrumentos in-


ternacionais e os regulamentos para transporte seguro, eficiente em oce-
anos limpos. A implementação e a aplicação ficam a cargo e responsa-

• 19 •
bilidade dos estados membros. O papel de aplicação das normativas e
regulamentos fica a cargo dos estados membros da Organização. Com
relação ao avanço das medidas na IMO, tudo se inicia com a necessida-
de de revisar o instrumento existente, ou face a algum incidente ou avan-
ço tecnológico. A partir de um desses três eventos, um Estado membro
ou organização desenvolvem uma proposta para os respectivos comitês,
que, dependendo do tema, discutem a proposta, concordam, discordam,
chegam a uma minuta de texto e a minuta de texto é adotada pelo res-
pectivo comitê ou pelo Conselho e/ou Assembleia.

Em outras palavras, um incidente, uma necessidade de revisão ou


uma nova tecnologia representam um estopim para a atuação da IMO.
Na área de segurança marítima, o estopim para o desenvolvimento de
normas e seguranças internacionais foi o caso Titanic. No caso de pro-
teção ao meio ambiente, foi o aterramento do Torrey Canyon, que le-
vou ao desenvolvimento da convenção MARPOL, e no caso Proteção/
Security, foi o atentado de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas nos
EUA. No caso de proteção especificamente, que é o tópico principal do
Painel, com os atentados das torres gêmeas, a Organização criou uma
conferência diplomática em Londres em dezembro de 2002 e essa con-
ferência adotou emendas à Convenção SOLAS (International Convention
for the Safety of Life at Sea), que até então tratava originalmente apenas
na parte de segurança. Com o novo capítulo que foi introduzido na con-
venção (Capítulo 11/2: Medidas para fortalecer a proteção marítima), a
convenção começou a lidar também com a parte de proteção marítima.
Esse capítulo também introduziu o Código ISPS (International Ship and
Port Facility Security Code). O código traz algumas medidas, como, por
exemplo, o Sistema de Alerta de Proteção de Navios, responsabilidade
dos governos de definir níveis de segurança, além de trazer uma série de
medidas preventivas.

Um outro instrumento desenvolvido pela IMO é a convenção para


Supressão dos Atos Ilícitos contra a Navegação (Convenção SUA). A
Convenção SUA foi adotada em 1988 como uma resposta para a neces-
sidade de expandir e regular efetivamente crimes ocorridos no mar. Ela

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Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

tipifica uma série de crimes e também estabelece uma base jurídica para
julgar ou extraditar os criminosos. Em 2005, houve uma necessidade de
revisar o texto de 1988, pois constataram-se uma série de lacunas jurídi-
cas. A convenção de 2005 não só tipifica mais crimes, mas ela também
traz uma série de medidas para efetivar o cumprimento das suas disposi-
ções, como a previsão de abordagem de navios além do mar territorial.

Entre as possíveis ameaças previstas na convenção, estão o uso de


navio como arma, o uso de navio para transporte de pessoas ou meios
com intenção para causar atos terroristas, o uso de navios de comércio
ilícito, o financiamento de atividades terroristas, entre outras.

Dentro do tópico do Painel sobre as ameaças, um outro tema que a


Organização considerou e para o qual desenvolveu medidas é a questão
da segurança cibernética (cyber security). A Organização reconheceu que
os sistemas de informação de navios podem ser “hackeados” da mesma
forma que os sistemas terrestres, e o Comitê de Segurança Marítima de-
senvolveu uma série de diretrizes para gerenciar o risco cibernético.

Uma outra ameaça contra a qual a Organização atua é a questão dos


clandestinos. A convenção de facilitação regula e estabelece medidas
preventivas a serem tomadas na interface do navio e do porto, além de
melhores práticas sobre como lidar com o clandestino a bordo.

Em relação a outro problema que também já foi identificado na apre-


sentação anterior, o contrabando, a Organização adotou diretrizes para
prevenção e supressão do ato em navios engajados em tráfico marítimo
internacional. Na área de proteção marítima, a IMO trabalha em parce-
ria com outras organizações da ONU, como a Organização Mundial das
Aduanas e o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes.

Existem novos desafios surgindo todos os dias. Atualmente, a questão


dos navios autônomos está sendo discutida no âmbito do Comitê de
Segurança Marítima, do Comitê Jurídico e do Comitê de Facilitação.
O tema foi trazido para a Organização pela primeira vez em 2017, e o
Comitê de Segurança Marítima decidiu realizar um exercício regulatório
para analisar os aspectos de segurança, de proteção e de meio ambiente

• 21 •
relativos aos navios autônomos. Em junho deste ano, foram adotada as
primeiras diretrizes interinas para a fase de testes.

Finalmente, no que concerne ao nosso programa de cooperação téc-


nica, o programa global para proteção marítima foi iniciado em 2002,
logo depois do atentado das torres gêmeas, e é gerenciado pela Sessão
de Proteção Marítima. As fontes de financiamento do nosso programa
são: um fundo específico para proteção marítima, que é focado na im-
plementação do Código ISPS, além de uma pequena parcela do fundo
do Programa Integrado de Cooperação Técnica, e, finalmente, de con-
tribuições individuais de Estados. Também contamos com um fundo es-
pecífico para implementação do Código de Conduta de Djibouti. Nosso
programa inclui uma série de visitas junto à diretoria executiva da ONU
contra o terrorismo, onde somos parte do time que faz o gerenciamen-
to de fronteiras, workshops em caráter nacional e regional na área de
proteção marítima e consciência situacional. Também oferecemos trei-
namento na área de implementação de Código ISPS, gerenciamento de
risco e exercícios simulados para reforçar a necessidade de uma resposta
interagências. Também prestamos assistência para o desenvolvimento de
estratégias nacionais de proteção marítima, entre outras iniciativas que
podem ser encontradas em maiores detalhes na nossa página web. O
Programa de Cooperação Técnica funciona à demanda dos países-mem-
bros, e conta com um gama de atividades que podemos oferecer quando
solicitado por nossos Estados Membros. Sempre que possível, tentando
utilizar ou treinar os capacitadores, e também oferecer um guia para que
o Estado Membro possa desenvolver o seu próprio pacote de capacita-
ção em diferentes temas na área de proteção marítima.

Nas iniciativas regionais, cabe rapidamente mencionar a Coope-


ração Regional África Ocidental e Central para implementação da es-
tratégia de proteção marítima da IMO para a região, e a assistência
para implementação do Código de Conduta de Djibuti (acordo não
vinculativo entre 21 países da região que está no mapa). Inicialmente,

• 22 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

o Código de Conduta de Djibuti tinha como escopo o combate a crimes


de pirataria e roubo à mão armada. Em 2017, foi alterado o escopo
para incluir todas as ameaças e crimes marítimos. Os quatro grandes
Pilares do Código são: formação; revisão da legislação nacional e par-
tilha de informações; e desenvolvimento de capacitação. O objetivo é
estabelecer um regime que tenha um quadro jurídico legal, que atue
de forma eficaz com capacidade operacional, e finalmente com uma
resposta rápida, que é alcançada através da partilha de informação e
consciência situacional.

Na área da África Ocidental e Central, nós trabalhamos com base


nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, com base na es-
tratégia marítima da União Africana e também na própria resolução da
Assembleia.

As iniciativas no desenvolvimento de capacitação têm como foco


principal os estados membros e o estabelecimento de parcerias para
estimular o interesse por coordenação e capacitação a nível nacional
e regional.

• 23 •
Capítulo 2
Tecnologia, peacekeeping e combate às
ameaças assimétricas: oportunidades e
desafios em contextos complexos e instáveis
Ricardo Oliveira dos Santos1

Introdução
Gostaria de agradecer à Marinha do Brasil, por meio do Comando-
Geral do Corpo de Fuzileiros Navais (CGCFN) e do Centro de Operações
de Paz de Caráter Naval (COpPazNav), e à Organização das Nações Uni-
das (ONU) pelo honroso convite para participar do Seminário Internacio-
nal de Operações de Paz de Caráter Naval, realizado nas dependências
do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC). O primei-
ro painel deste evento, “Ameaças assimétricas no ambiente marítimo no
peacekeeping”, é uma excelente oportunidade para a troca de ideias, ex-
periências e boas práticas, bem como para a proposição de soluções aos
principais desafios enfrentados pelas Operações de Paz da ONU.

Seguindo a minha linha de contribuição acadêmica ao CIASC2, pre-


tendo avançar em duas frentes durante a minha exposição. Em primeiro
lugar, refletirei sobre o nexo envolvendo o enfrentamento das ameaças

1
Coordenador Adjunto da Graduação (2017 - ) e Professor do Quadro Complementar
(2015 - ) do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (IRI/PUC-Rio). Foi Professor Substituto do Departamento de Ciência Política da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (DCP/UFRJ) entre 2014-2016. Doutor em Econo-
mia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEPI/UFRJ). Possui
graduação e mestrado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio). Foi Professor Visitante do Instituto Multinacional de Estu-
dos Americanos da New York University (2019) e Visiting Research Fellow do Departamento
de Ciência Política da Brown University (2012).
2
SANTOS, Ricardo Oliveira dos. Extraindo lições a partir de velhos problemas: superando
os desafios humanitários para além da MINUSTAH. In: BRAGA, Carlos Chaga & FERREI-
RA, Adler Cardoso (Orgs.). 13 anos do Brasil na MINUSTAH: lições aprendidas e novas
perspectivas. Rio de Janeiro: Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo, Escola de
Operações de Paz de Caráter Naval. 2019. pp. 157-164.

• 24 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

assimétricas no sistema internacional, as Operações de Paz e o em-


prego de tecnologias de informação, comunicação e combate. Assim
sendo, à luz de um estado da arte sobre o assunto, objetivo discorrer
sobre como tais avanços tecnológicos podem contribuir para as ativi-
dades de enforcement, monitoramento, vigilância, transporte e ajuda
humanitária. Neste sentido, será demonstrado como tal desenvolvimen-
to potencializa mecanismos de coordenação entre os componentes mi-
litares, policiais e civis, além de permitir a construção de soluções para
algumas funções voltadas para a proteção de civis e de todo o pessoal
presente no teatro de uma missão de paz. De igual modo, nesta primei-
ra parte, buscar-se a entender como as tecnologias superam desafios
logísticos, operacionais e táticos, gerando eficácia, efetividade e ações
cívico-militares satisfatórias. Em segundo lugar, diante da atuação em
ambientes cada vez mais instáveis e complexos e da reconhecida ne-
cessidade de modernização de alguns aspectos no nível estratégico,
operacional e tático das Operações de Paz, voltaremos nossa atenção
para os principais dilemas, desafios e limitações relacionadas ao pa-
pel que estas tecnologias podem exercer para toda a comunidade de
peacekeepers, particularmente para os Estados que mais contribuem
com tropas (TCC’s – acrônimo em inglês). Por fim, a última parte con-
clui apresentando algumas soluções de modo a superar lacunas entre a
dimensão tecnológica e política.

Tecnologia como resposta às ameaças assimétricas no contexto das


operações de paz
Em julho de 2009, o então Departamento de Operações de Manu-
tenção da Paz (DPKO - acrônimo em inglês) e o Departamento de Su-
porte no Campo (DFS - acrônimo em inglês) publicaram um relatório
intitulado A New Partnership Agenda: Charting a New Horizon for United
Nations Peacekeeping. O objetivo central era fortalecer as Operações
de Paz diante dos crescentes e complexos desafios políticos, econômi-
cos e institucionais no terreno e no campo (DPKO/DFS, 2009, p. 10).
Para tanto, estabeleceu como meta um diálogo contínuo entre as partes
relevantes de modo a renovar ininterruptamente o compromisso de to-

• 25 •
dos com as causas da paz e segurança internacional: Estados-membros,
organizações intergovernamentais e não governamentais, e atores da
sociedade civil (Ibidem). Para efeitos de delimitação, é digno de nota
destacar a abordagem introduzida pelo New Horizon conhecida como
capability-driven approach, que busca “melhorar a performance da ma-
nutenção da paz no terreno, vinculando tarefas e padrões operacionais
claros a programas de capacitação e treinamento, equipamentos e ne-
cessidades de suporte e, conforme o caso, incentivos para a realização
de tarefas obrigatórias”3 (ibid., p. 6, tradução própria). Desde então, di-
versos esforços foram conduzidos no sentido de alcançar este paradigma
em prol do incremento das capacidades militares, policiais e civis4 – prin-
cipalmente do ponto de vista tecnológico.
No contexto da sexagésima sétima sessão, a Assembleia Geral das
Nações Unidas, em dezembro de 2013, adotou a resolução 67/301, em
resposta ao trabalho de revisão compreensiva desenvolvido pelo Comitê
Especial das Nações Unidas sobre Manutenção da Paz5 (A/RES/67/301,
3
“seeks to improve the performance of peacekeeping on the ground by linking clear opera-
tional tasks and standards with capacity-building and training programmes, equipment and
support needs, and, as appropriate, incentives to deliver mandated tasks”.
4
No mesmo ano de publicação do New Horizon, o Secretário-Geral das Nações Unidas
publicou um relatório Peacebuilding in the Immediate Aftermath of Conflict ressaltando a
importância e centralidade dos civis no processo de reconstrução de sociedades afetadas
por conflitos armados (Karlsurd, 2017, p. 286). No ano seguinte, Ban Ki-moon iniciou uma
reforma de incremento da capacidade civil das Nações Unidas estabelecendo um Grupo
Sênior de Aconselhamento Independente, liderado pelo Subsecretário-Geral Jean Marie
Guéhemo (Ibidem). O objetivo deste Grupo era tornar mais efetiva a presença civil em pro-
cessos formais e informais de peacebuilding (Ibid.).
5
O referido Comitê, mandatado para conduzir uma revisão compreensiva de todas as ques-
tões relacionadas às Operações de Manutenção de Paz das Nações Unidas, apresenta re-
latórios anuais à Assembleia Geral das Nações Unidas apontando as diretrizes necessárias
de reforma (Dorn, 2011, p. 225). Desde o final da década de 1980, o Comitê já discorria
acerca da necessidade de explorar caminhos legais, políticos, econômicos, e éticos necessá-
rios para o emprego de mecanismos tecnológicos nas atividades de paz e segurança interna-
cional (ver as resoluções: A/44/301, 1989; A/45/330, 1990; A/46/254, 1991; A/47/253,
1992) (Ibidem). Após os três grandes fracassos da organização durante a década de 1990,
na virada do século, o Comitê, em diferentes ocasiões, destacou a urgência do uso amplo e
sistêmico de alta tecnologia nas Operações de Paz, tanto no terreno como no escritório (ver
as resoluções: A/55/1024, 2001; A/59/19/Rev.1, 2005; A/60/19, 2006; A/61/19, 2007;
A/62/19, 2008; A/63/19, 2009; A/64/19, 2010) (Ibid.).

• 26 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

2013). O documento, além de congratular os esforços em curso à época


referente ao reexame do modus operandi das atividades de manutenção
da paz e segurança, demandou que tanto o Secretário-Geral quanto o
próprio Comitê em questão submetessem relatórios adicionais para con-
sideração futura dos Estados membros a respeito dos caminhos possíveis
de reforma em algumas áreas estratégicas (Ibidem).

Três meses depois, Ban Ki-moon apresentou alternativas que pode-


riam ser exploradas diante dos principais desafios que “impactam o tra-
balho dos mantenedores da paz” (A/68/652, 2013, p.2). Reconhecendo
o aumento da complexidade dos conflitos e a presença de ameaças não
convencionais, como no caso do Mali e República Centro Africana; des-
tacando a diversidade de parceiros regionais; e identificando os efeitos
negativos da crise econômica global, que vem produzindo restrições or-
çamentárias expressivas na organização; Ban Ki-moon sugere que “no-
vas tecnologias, habilidades e métodos” sejam empregados em favor das
causas basilares da ONU (Ibidem). No mesmo relatório, o Secretário-
Geral reconhece que a tecnologia já “apoia uma ampla gama de tarefas
nas operações de manutenção da paz das Nações Unidas além daquelas
realizadas pelos militares e pela polícia, incluindo, por exemplo, unida-
des de informação e comunicação, suporte médico e funções de análise
e relatório”6 (ibid., p.17 – tradução própria). Cabe lembrar que neste
momento veículos aéreos não tripulados (VANT) já estavam sendo em-
pregados na República Democrática do Congo (RDC) com o objetivo de
incrementar o conhecimento da situação do terreno, a capacidade de
early-warning e a segurança e proteção dos capacetes azuis (ibid.). Em
resumo: Ban Ki-moon sugere que a efetividade do peacekeeping para o
combate às ameaças assimétricas está diretamente relacionada ao em-
prego de novas tecnologias.

6
“supports a wide range of tasks in United Nations peacekeeping operations beyond those
undertaken by the military and police, encompassing, for example, information and com-
munications units, medical support and analysis and reporting functions”

• 27 •
No ano seguinte7, num momento em que várias questões legais, ope-
racionais, técnicas e financeiras dos VANTs estavam sendo consideradas,
o Painel de Experts em Tecnologia e Inovação das Operações de Ma-
nutenção de Paz das Nações Unidas, convocado pelo próprio Secretá-
rio-Geral, publica o relatório Performance Peacekeeping ressaltando a
urgência de adaptação dos peacekeepers à nova revolução tecnológica
global (United Nations, 2014, p.3). De acordo com o documento, as
tecnologias e inovações possibilitam, em linhas gerais, o aumento da se-
gurança e proteção dos peacekeepers, o revigoramento da capacidade
de resposta e a condução de mandatos de forma mais efetiva (Ibidem).
Presidido por Jane Holl Lute8, o Painel considera que o emprego de no-
vas tecnologias fortalece a conscientização relativa à situação no terre-
no, produzindo melhoria na proteção dos riscos aos quais os civis são
expostos continuadamente; potencializa a capacidade de antecipação
dos ataques cometidos por elementos hostis, detendo, assim, violações
aos direitos humanos – principalmente de grupos vulneráveis (crianças e
mulheres); e a classificação e organização visual de informações, tornan-
do-as mais seguras e fornecendo caminhos mais estáveis para o processo
de tomada de decisão nos diferentes níveis (Ibid.).

Do ponto da interação com os civis, há um entendimento comparti-


lhado entre os experts de que um maior número de tecnologia de infor-
mação e comunicação eleva os canais de interação, diversificando, por

7
Ainda em 2014, a Divisão de Tecnologia de Comunicação e Informação do então Depar-
tamento de Suporte no Campo (DFS – acrônimo em inglês), estabeleceu o Partnership for
Technology in Peacekeeping com o objetivo de expor as Nações Unidas às mais recentes
abordagens de inovação e tecnologia que potencialmente podem fortalecer as Operações
de Paz da Organização (Deparment of Operational Support, 2019). Desde a sua criação,
simpósios internacionais são organizados como forma de facilitar a contribuição de tecno-
logia por parte dos Estados membros da organização (ibidem).
8
Jane Holl Lute foi Secretária Adjunta do Departamento de Segurança Nacional dos Esta-
dos Unidos (2009-2013), Assistente do Secretário-Geral das Nações Unidas no Escritório
de Suporte à Construção da Paz e no Setor de Suporte à Missão do DPKO (Center for
International Security and Cooperation, 2019). Além disso, exerceu diversos cargos na
iniciativa privada na área de cyber segurança e drones (Ibidem).

• 28 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

sua vez, a rede de peacebuilders9 (Karlsud, 2018, p. 62-64). Adicional-


mente, possibilita a transmissão de feedbacks mais rápidos, ajudando a
missão a compreender e integrar melhor as percepções do everyday nas
diretrizes estabelecidas pela missão (Ibidem). Por fim, não exaustivamen-
te, o aumento do acesso às plataformas digitais de comunicação garante
um engajamento expressivo com a população local em termos de nego-
ciação, conciliação e outras ações para a acomodação de demandas e
reivindicações por meios pacíficos (Ibid.). Assim como no caso da RDC,
onde smartphones foram distribuídos para algumas lideranças locais, tal
iniciativa poderia ser expandida para outros contextos com o intuito de
ampliar as repostas de proteção para a população local (Ibid.).

Para que tais objetivos sejam alcançados, é mister que os Esta-


dos membros contribuam com expertise tecnológica nas categorias
de Civilian-Contributing Countries (CCCs) e de Technological Expertise
Contributing Countries (TechCCs), complementando desta forma os es-
forços já existentes dos Troop Contributing Countries (TCCs) (Ibid., p. 73).
A integração desta rede possibilitaria o rápido desdobramento de tropas,
a partir de um ambiente seguro de trocas de informações e comunica-
ções, além de possibilitar caminhos mais efetivos para a proteção de civis
(Ibid.). A despeito da baixa receptividade de muitos pontos apresentados
pelo Painel, os membros que integram esta iniciativa vêm reforçando a
ideia de que diante das ameaças assimétricas, somado ao baixo custo
e a necessidade de responder aos novos desafios do estado da guerra
contemporâneo, as tecnologias poderiam superar diversos desafios lo-
gísticos, operacionais e táticos. Entretanto, conforme será abordado na
próxima seção, há uma série de desafios e barreiras a serem superadas
para avançar nas proposições apontadas pelo Painel.

9
Com o aumento da rede de construtores da paz, os mecanismos para a transformação
dos conflitos tendem a ser ampliados, gerando uma possibilidade de sucesso para as
missões. No contexto em que o estado da guerra se torna cada vez mais informatizado,
as Nações Unidas estão sendo pressionadas a atuar de forma cada vez mais integrada
às plataformas digitais para se conectar mais com as pessoas, fortalecendo abordagens
locais e sustentáveis para a paz (Karlsrud, 2017, p. 273-275).

• 29 •
Barreiras e desafios ao emprego de tecnologias nas Operações de Paz
das Nações Unidas
Além da expressiva contribuição de tropas a partir da década de
1990, Estados do Sul Global10, vêm engajando-se ativamente nos deba-
tes relacionados à prática e doutrina das Operações de Paz das Nações
Unidas (Abiola et al., 2017, p. 172). Inserindo-se nas reflexões acerca
de novas tendências deste instrumento multilateral para a gestão e re-
solução de conflitos, os TCCs apresentam algumas ressalvas sobre o
emprego de novas tecnologias, principalmente no que concerne o acesso
à informação coletada pelos VANTs, o prejuízo à soberania dos Estados,
o tipo de treinamento específico para operar determinados aparelhos, e,
não exaustivamente, as implicações financeiras sobre o orçamento do
Departamento de Operações de Paz (Abiola et al., 2017, p. 172).

Na interpretação de alguns analistas, a tecnologia é o tema que mais


evidencia o dilema contemporâneo das Operações de Paz das Nações
Unidas: o gap entre Norte e Sul Global (Abiola et al., 2017, p. 152-153;
Karlsurd, 2017, p. 272). Uma vez que estes instrumentos de inovação
não são fornecidos pelos TCCs, e diante da grande dificuldade de trans-
ferência, há um receio de que esta tendência apontada pelo Painel possa
agravar ainda mais a clivagem entre aqueles que detêm e não detêm tec-
nologia, fomentando um apartheid peacekeeping11 (Ibidem). Adicional-
mente, é digno de nota apontar que esta mudança paradigmática pode
representar a introdução do vocabulário da inteligência nas Nações
Unidas, instrumentalizando e monopolizando os processos de coleta de
informação para fins militares (Ibid.). Diante da falta de uma cultura insti-
tucionalizada da organização para a coleta de informação estruturada e
de identificação de informações e necessidades estratégicas prioritárias,
10
Para uma discussão pormenorizada sobre a participação dos Estados do Sul Global
nas Operações de Paz das Nações Unidas, ver: CUNLIFFE, Philip. Legions of Peace: UN
Peacekeepers from the Global South. C. Hurst & Co: London. 2013.
11
Terminologia empregada em 2005 por Jean Marie Guéhenno, então Subsecretário-Ge-
ral das Nações Unidas para as Operações de Manutenção da Paz, que denota o envolvi-
mento assimétrico dos Estados mais ou menos desenvolvidos no universo do peacekeeping
(Abdenur, 2019, p. 52).

• 30 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

a tecnologia pode ser mobilizada para abordagens desenvolvidas fora


dos auspícios onusianos – levando a perda das capacidades relativas da
organização (Ibid.). Uma possível associação no campo com a guerra
global ao terror, na qual instrumentos de inteligência são empregados
como forma de alcançar os objetivos das operações militares das gran-
des potências, pode levar à uma perda de investimentos diretos para pa-
íses em desenvolvimento do Sul – como é o caso de Bangladesh e Nepal
(Abiola et al., 2017, p.155-162). Do ponto de vista político, ainda que
alguns Estados africanos não demonstrem oposição para o uso robusto
da força e o emprego de mecanismos de combate modernizados, a repu-
tação política em outros fóruns, como é o caso dos BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul) pode ser prejudicado (Ibidem). Sendo assim,
a tecnologia pode contribuir para o acirramento da atual divisão do tra-
balho nas Operações de Paz.

Como forma de superar os desafios apresentados por sucessivos rela-


tórios, documentos-projeto e resoluções, os TCCs, que correspondem à
mais de 70% do pessoal militar e policial empregado no terreno, defendem
uma maior participação no processo de tomada de decisão – evitando,
desta forma, uma mudança repentina na condução das Operações de
Paz (Ibid.). Ainda que alguns Estados, como é o caso do Brasil, venham
gradativamente contribuindo para uma transição de postura, já que vem
participando ativamente de missões robustas do uso da força12, a posição
discursiva é a de que se deve investir mais em processos políticos e não
apenas em inovações tecnológicas (Ibidem, p. 164-165). Ou seja, o êxito
para a mudança dos conflitos, independente das suas configurações, são
obtidos pela capacidade histórica de mediação e negociação das Nações
Unidas. A crescente informatização das Operações de Paz acabaria elimi-
nando este componente, transferindo as atividades de manutenção de paz
e segurança para uma dimensão não humana, produzindo, desta forma,
uma série de desafios significativos.

12
Para detalhes sobre a participação do Brasil nas Operações de Paz das Nações Unidas e
a relação com o uso da força, ver: HAMMAN, Eduarda. A Força de Uma Trajetória: O Bra-
sil e as operações de paz da ONU (1948-2015). Rio de Janeiro: Instituto Igarapé. 2015.

• 31 •
Outra questão que merece atenção diz respeito à interação entre os
atores humanitários e os peacekeepers no ciberespaço. Em 2013, diante
da crescente utilização de VANTs por parte das organizações não governa-
mentais, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos
Humanitários (OCHA – acrônimo em inglês) recomenda o desenvolvimento
de um referencial legal e regulatório, priorizando transparência e
engajamento permanente com a comunidade local, evitando assim
qualquer tipo de associação militarizada com o emprego desta tecnologia
(Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, 2013). Um ano de-
pois, em outro Ocassional Policy Paper, o OCHA recomenda que a coleta
de informações siga princípios transparentes, e que códigos de conduta
e procedimentos sejam implementados para a utilização ética de dados,
possibilitando, desta maneira, a criação de um espaço tecnológico que
não prejudique os princípios do humanitarismo (Ibidem, 2014). Há uma
preocupação em curso de que o aumento de tecnologia, principalmente
daquelas voltadas para monitoramento, vigilância e observação, possam
produzir um intercâmbio de informações sensíveis, priorizando assim o
componente militar em detrimento do humanitário.

De forma não exaustiva, outro ponto relacionado ao emprego de tec-


nologias e o peacekeeping diz respeito a relação com a iniciativa priva-
da, particularmente as empresas privadas e militares de segurança (PSCs
e PMSCs – acrônimos em inglês). De acordo com o Grupo de Trabalho
do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas, através do Con-
selho de Direitos Humanos, existem riscos quando padrões e vigilância
adequados estão ausentes, somado à crescente terceirização de funções
de segurança pelas Nações Unidas, o que pode gerar um efeito negati-
vo na imagem e eficiência da Organização (UNITED NATIONS HUMAN
RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER, 2019).

Diante da perspectiva em tela, é necessário seguir alguns princípios


que equilibrem a necessidade de inovação, mas ao mesmo tempo, con-
serve os parâmetros e referencias dos diferentes atores que interagem no
universo de uma Operação de Paz das Nações Unidas – sejam militares
os civis. Conforme a última seção apresenta, o maior desafio é equacio-

• 32 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

nar as habilidades tecnológicas com a disposição política das Nações


Unidas na gestão e resolução de conflitos.

Conclusão
Na seção em que discorre sobre tecnologia e inovação, o Painel In-
dependente de Alto Nível sobre as Operações de Paz das Nações Unidas
considera que:

“(...) a tecnologia deve ser uma agenda chave de reforma para o futuro, e
o Secretário-Geral deve assegurar que as novas tecnologias introduzidas
devem ter o enfoque do campo, sejam confiáveis e efetivas do ponto
de vista dos custos, garantindo que a sua introdução seja motivada por
necessidades práticas dos usuários no terreno (...)”13 (United Nations,
2015, p. 83, tradução própria).

Neste sentido, é preciso criar garantias de que as novas tecnologias


não comprometerão os direitos humanos e outras fontes do direito inter-
nacional. Diante do cyberwarfare, as inovações nas Operações de Paz
não podem se associar às práticas militares de outras coalizões ou opera-
ções. A informatização e a inovação não podem desconsiderar que vidas
humanas importam e que os civis constituem o principal objeto referente
de proteção das Nações Unidas. Com as devidas considerações legais e
um balanço apropriado, é possível chegar a um denominador comum,
onde os stakeholders consigam exercer suas funções sem qualquer tipo
de prejuízo político, econômico ou institucional.

13
“That technology be a key reform agenda for the future, and that the Secretariat should
ensure that new technologies introduced are field-focused, reliable and cost effective and
that their introduction be driven by practical needs of end users on the ground”.

• 33 •
Referências
ABDERNUR, Adriana Erthal. UN Peacekeeping in a Multipolar World Order: Norms,
Role Expectations, and Leadership. In: CONING, Cedric de & PETER, Mateja (Eds.). United Nations
Peace Operations in a Changing Global Order. Cham: Palgrave Macmillan. pp. 45-65.

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de et al. (Eds.). UN Peacekeeping Doctrine in a New Era: Adapting to Stabilisation, Protection and
New Threats. London and New York: Routledge. 2017. pp.152-186.

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Partnership Agenda: Charting a New Horizon for UN Peacekeeping. The New Horizon Initiative:
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DEPARTMENT OF OPERATIONAL SUPPORT. Partnership for Technology in Peacekeeping. Dispo-


nível em: <https://operationalsupport.un.org/en/partnership-technology-peacekeeping>. Acesso
em: 30 de nov. de 2019.

DORN, A. Walter. Keeping watch: Monitoring, technology and innovation in UN peace operations.
Tokyo, New York and Paris: United Nations University Press. 2011.

KARLSRUD, John. The UN At War: Peace Operations in a New Era. New York: Palgrave Macmillan.
2018.

______________. New technologies and UN peacekeeping operations. In: CONING, Cedric de et


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Threats. London and New York: Routledge. 2017. pp.271-287.

UNITED NATIONS. Performance Peacekeeping. Final Report of the Expert Panel on Technology and
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_______________. Comprehensive review of the whole question of peacekeeping operations in


all their aspects. Resolution A/RES/67/301. New York: General Assembly. 2013. Disponível em:
<https://undocs.org/en/A/RES/67/301>. Acesso em: 29 de nov. de 2019.

_______________. Implementation of the recommendations of the Special Committee on


Peacekeeping Operations. Report of the Secretary-General. General Assembly Resolution
A/68/652. 2013. Disponível em: <https://undocs.org/pdf?symbol=en/A/68/652>. Acesso em:
29 de nov. de 2019.

• 34 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER. Study on the use
of private military and security companies (PMSCs) by the United Nations. Disponível em: <https://
www.ohchr.org/EN/Issues/Mercenaries/WGMercenaries/Pages/StudyOnPMSC.aspx>.Acesso em:
20 de nov. de 2019.

UNITED NATIONS OFFICE FOR THE COORDINATION OF HUMANITARIAN AFFAIRS. Occasio-


nal Policy Paper. Unmanned Aerial Vehicles in Humanitarian Response. New York: Untied Nations.
2013.

_______________. Occasional Policy Paper. Humanitarianism in the Age of Cyber-warfare:


Towards the Principled and Secure Use of Information in Humanitarian Emergencies. New York:
Untied Nations. 2014.

THE CENTER FOR INTERNATIONAL SECURITY AND COOPERATION. Jane Holl Lute Profile. Dis-
ponível em: <https://cisac.fsi.stanford.edu/people/jane_holl%20lute>. Acesso em: 29 de nov.
de 2019.

• 35 •
Capítulo 3
Ameaças assimétricas no ambiente
marítimo e manutenção da paz: soluções
para promover a segurança nacional no
contexto marítimo que contribuem para a
estabilidade nacional, regional e global
Richard Morris

O mar, em grande parte, não é fiscalizado, propiciando assim que


atividades ilícitas ocorram nesse espaço. É um desafio para uma nação
litorânea compreender padrões de vida, anomalias e coordenar uma res-
posta apropriada para melhorar ou garantir a segurança marítima e eco-
nômica de uma nação. Há exemplos dessas ameaças desde o mais alto
nível de terrorismo, passando pelo tráfico de pessoas, pirataria e crimes
financeiros, até a degradação do ambiente marinho e a interrupção de
cabos submarinos que transmitem redes de telecomunicação essenciais
globalmente conectadas. Para atingir esse nível de compreensão, é ne-
cessário haver uma abordagem coerente entre todas as partes interes-
sadas com responsabilidade marítima, obtendo assim a vantagem da
informação e o entendimento eficaz das ameaças no domínio marítimo.

A Conscientização sobre o Domínio Marítimo (MDA) é um componen-


te crítico de uma abordagem de segurança marítima de vários níveis para
alcançar um entendimento eficaz de tudo o que está associado ao domí-
nio marítimo que poderia impactar a proteção, a segurança, a economia
ou o ambiente de uma nação, de seus parceiros e de toda a Comunidade
Marítima Internacional.

A boa MDA não se limita às fronteiras de departamentos governa-


mentais tradicionais, mas deve operar através de uma variedade de fon-
tes de informação, trabalhando ao lado da Comunidade Marítima, dos
Parceiros Internacionais e dos Parceiros do Governo. O modelo da MDA
deve ser ágil para poder combater a segurança marítima e as ameaças

• 36 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

econômicas futuras e emergentes, sem a necessidade de remodelação


ou redefinição. Portanto, qualquer programa de MDA deve ser proativo
na compreensão do ambiente e das ameaças marítimas, fornecendo à
comunidade marítima e às autoridades responsáveis informações oportu-
nas para permitir uma tomada de decisão com conhecimento de causa,
melhorando assim a segurança no mar.

A conscientização das atividades marítimas é apenas metade do ca-


minho. Em nível nacional, é essencial que todos os departamentos go-
vernamentais com interesse marítimo sejam reconhecidos e contribuam
diretamente para a entrega dos efeitos da MDA - isso garante que con-
juntos de informações coerentes sejam reunidos e que respostas eficazes
sejam coordenadas pelo governo, principalmente com a aplicação cor-
reta do processo legal no ciclo de tomadas de decisão. Muitas ativida-
des marítimas, ilícitas ou não, são inter-relacionadas, de modo que um
incidente de contrabando também pode estar relacionado ao terrorismo
ou à imigração, e é provável que exija coordenação e ação de várias
agências. Embora as prioridades nacionais não necessariamente estejam
alinhadas às prioridades regionais, é provável que as atividades majori-
tárias afetem o bem-estar econômico tanto nacional quanto regional e,
portanto, a segurança econômica. Não lidar com esse tipo de atividade
leva à atividade criminosa contínua e, em última análise, a maiores cus-
tos financeiros em nível nacional (por exemplo, com saúde, policiamento,
justiça, seguros, entre outros).

A Estratégia Nacional de Segurança Marítima do Reino Unido (NSMS),


publicada em maio de 2014, define a abordagem de segurança maríti-
ma do Reino Unido e explica que, embora o mar seja a força primordial
da economia do Reino Unido, por meio do qual é transportada a grande
maioria do seu comércio e muitos recursos essenciais, ele pode também
ser explorado por nações, criminosos e terroristas. Isso exige, portanto,
policiamento e regulamentação nacional e internacional e fortes par-
cerias globais para se tratar de áreas de interesse comum, buscando o
equilíbrio apropriado entre facilitar o movimento legítimo e monitorar a
atividade hostil. O domínio marítimo também é um sistema internacional

• 37 •
complicado, no qual o Reino Unido é um dos principais atores, utilizando
alavancas diplomáticas, militares e policiais para impulsionar a coope-
ração internacional e desenvolver sua capacidade. Em janeiro de 2019,
o Departamento de Transportes do Reino Unido publicou o MARITIME
20503, uma estratégia de longo prazo para o setor marítimo do Reino
Unido, voltada para a ambição de se tornar uma nação marítima líder
mundial, possibilitada por uma segurança marítima eficaz (consulte o
Capítulo 11) através do gerenciamento ativo de riscos e oportunidades,
dentro e a partir do domínio marítimo.

Resumindo, a abordagem da MDA do Reino Unido prevê uma capa-


cidade multiagências, transgovernamental e internacional permitida pelo
compartilhamento de informações em todos os domínios marítimos, e
fornece a capacidade de lidar efetivamente com ameaças assimétricas,
de caráter existencial e emergente, voltadas para a segurança maríti-
ma e econômica. Nesse ambiente complexo, a capacidade de coletar,
entender e explorar informações no domínio marítimo permitirá que os
governos sejam proativos com o tempo para considerar uma opção de
resposta (para monitorar, impedir ou interditar) em vez de reagir quando
as ameaças são percebidas só depois do ocorrido.

• 38 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Capítulo 4
Ameaças assimétricas no
ambiente marítimo
Contra-Almirante (FN)
Rogério Ramos Lage

O Comando Naval de Operações Especiais, Organização Militar ati-


vada em 16 de setembro de 2019, é responsável por estudos e assesso-
ramento ao Comando de Operações Navais sobre ameaças assimétri-
cas, guerra híbrida e temas afins.
Nesse contexto, em junho de 2019, a Marinha participou do
10 NMIOTC Conference - Countering Hybrid Threats: An Emerging
th

Maritime Security Challenge, no Centro de Treinamento da OTAN de


Operações de Interdição Marítima (NMIOTC, em inglês), em Creta, na
Grécia, onde foram reunidos os principais países que enfrentam essas
nomeadas ameaças híbridas, para debater e trocar experiências sobre o
tema e, dentro do possível, levantar soluções para inúmeros problemas
que estão sendo apresentados na comunidade internacional e que têm
influenciado diversos países.
O tema “ameaças híbridas” tem sido estudado como uma evolução
do conceito de diversos outros, como “novas ameaças”, “ameaças assi-
métricas”, “guerra híbrida”, dentre outros. Existem inúmeras definições de
ameaças híbridas, mas que têm alguns aspectos em comum, quais sejam:

• Uso sob medida de múltiplos instrumentos de poder, militar ou


não; e
• Armas, convencionais ou não em todo o espectro de funções da
sociedade visando a vulnerabilidades específicas para criar efeitos
contra um oponente.

Nesse contexto, normalmente são realizadas ações de forças regu-


lares e irregulares, utilizando o apoio local, manobrando com a guerra

• 39 •
informacional e com a guerra cibernética, desencadeando ações carac-
terizadas como crimes ambientais, terrorismo ou pirataria, com a finali-
dade de provocar medo, incerteza e dúvida.

Focando o ambiente marítimo, destacam-se quatro aspectos:

• Comércio: 90% do comércio mundial é marítimo. Mares e ocea-


nos abertos, protegidos e seguros são essenciais para o comércio
global;

• Desenvolvimento: A segurança marítima é uma condição prévia


para o desenvolvimento da economia;

• Diplomacia: A cooperação internacional no mar costuma ter um


efeito positivo sobre outras áreas; e

• Governança marítima: Existência de interesses e responsabilida-


des compartilhadas.

Ainda no contexto do ambiente marítimo, a segurança marítima é


afetada por um grande número de ameaças híbridas, cujos objetivos
são embarcações e portos comerciais, sistema de navegação, intranet,
ambiente cibernético, cadeia de suprimento de energia, dentre outros.

Alguns métodos empregados que se caracterizam como ameaças hí-


bridas no ambiente marítimo são pirataria, terrorismo, ataques ciberné-
ticos, ataques convencionais a infraestruturas críticas, guerra comercial,
interferência nas comunicações, Operações de Informação e ataques às
Forças de Segurança Marítima.

Dois casos podem ser apresentados como alerta para esse tipo de
ameaça. O primeiro foi o ataque cibernético realizado com o vírus
NotPetya na empresa MAERSK, em 2017, que causou sérios problemas
no processamento de pedidos. As “políticas” e “administração de TI há-
bil” estabelecidas falharam em impedir o ataque e suas consequências.
Outro caso importante é caracterizado pelas várias ocorrências de inter-
ferência significativa no GPS relatadas por embarcações e aeronaves que
operam no Mar Mediterrâneo Oriental e no Oceano Pacífico.

• 40 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

A pirataria também compõe essas ameaças híbridas e incluem aspectos


importantes como a existência de marinhas privadas, prestadores de ser-
viços marítimos, milícias marítimas, sindicatos de pirataria, grupos insur-
gentes que operam no mar, grupos terroristas, contrabando de sindicatos
usando rotas oceânicas e comunidades costeiras marginalizadas familiari-
zadas com as águas locais. Ataques, abordagens e sequestros, entre outras
ações, são desencadeados contra o comércio marítimo, além de ataques a
infraestruturas por militantes terroristas, explorando vulnerabilidades militar
e econômica e tendo como alvos, normalmente, centros militares, platafor-
mas de petróleo, tubulações de gás e de óleo, dentre outros.

A eficiência no enfrentamento a esses tipos de ameaça reside em dois


principais aspectos: resiliência e cooperação. A primeira constitui-se na
capacidade da infraestrutura de impedir e/ou resistir a possíveis peri-
gos, absorver os danos iniciais e recuperar a operação normal. Envolve
aspectos relacionados à segurança, gestão de risco, gerenciamento de
crise e continuidade de operação, além das capacidades de prevenção,
absorção, adaptação e restauração. No que se refere à cooperação,
podem ser levados três eixos que devem compor essa junção de esfor-
ços para que as ameaças híbridas sejam adequadamente enfrentadas:
o Governo, com a participação de ministérios e outras entidades, ações
conjuntas e interagências e respostas com credibilidade e adequadas; a
sociedade civil, com a conscientização da importância do tema e a parti-
cipação da Academia e do setor privado; e a comunidade internacional,
com a colaboração entre Estados e Organizações Internacionais, o com-
partilhamento de informações e ações multilaterais.

Como exemplo de cooperação, destaca-se o que ocorre na Euro-


pa, onde existem parcerias público-privadas e a participação de orga-
nismos com a finalidade de que essas ameaças sejam adequadamente
enfrentadas, como o consórcio CyberSec 4E e outras instituições como
EUROSUR, European Patrols Network (EPN), Frontex, NATO Cooperative
Cyber Defense COE, NATO STRATCOM COE, European Countering
Hybrid COE e NMIOTC.

• 41 •
Embora a solução militar sempre esteja presente, é fundamental que
haja a cooperação entre entidades para criar uma governança resiliente,
capaz e com credibilidade.

Forças Armadas bem preparadas e equipadas, proteção cibernética,


segurança marítima e contraterrorismo eficientes, assim como uma boa
prevenção contra a desinformação, formam um arcabouço para esse
enfrentamento, além da necessidade de revisão dos marcos legais, o ge-
renciamento da crise em alto nível e o aumento da conscientização nos
níveis político, estratégico, operacional e tático.

• 42 •
Parte II
CAPÍTULO 5 – Da segurança para a manutenção da paz:
desafios logísticos para operações marítimas

CAPÍTULO 6 – Logística marítima nas operações de


manutenção da paz: superando os desafios de
manter a paz no mar

CAPÍTULO 7 – Brasil na Força-Tarefa Marítima da UNIFIL:


transformando desafios logísticos em oportunidades
político-diplomáticas

CAPÍTULO 8 – Desafios e Oportunidades em uma Operação


de Paz de Caráter Naval – a FTM UNIFIL
Parte II
CAPITÃO DE MAR E GUERRA (MARINHA)
BONIFACE KONAN

TENENTE-GENERAL
CARLOS H. LOITEY

DANILO MARCONDES DE SOUZA NETO

CONTRA-ALMIRANTE
EDUARDO AUGUSTO WIELAND
Capítulo 5
Da segurança para a manutenção
da paz: desafios logísticos para
operações marítimas
Capitão de Mar e Guerra (Marinha)
Boniface Konan

O Golfo da Guiné se refere geográfica e tradicionalmente à área


marítima entre a Libéria e a Angola. No entanto, essa área foi estendida
ao norte para abranger os 19 estados costeiros que são membros das
Comunidades Econômicas dos Estados da África Central (CEEAC) e das
Comunidades Econômicas Regionais da África Ocidental (CEDEAO) e,
portanto, estende-se de Cabo Verde a Angola.

O Golfo da Guiné é a principal rota marítima da parte atlântica da


África. Seus 6.000 km de litoral representam 90% da área de transporte
comercial na região. Além de ser um ponto de passagem estratégico
para cabos de comunicação submarinos, é também um local rico em
recursos pesqueiros, um poderoso regulador do ecossistema e contém
reservas significativas de petróleo.

Os países da área, no entanto, estão sofrendo sérios danos à


sua estabilidade com o desenvolvimento do extremismo violento e a
proliferação de grupos armados cujo transtorno não está mais confinado
apenas à região do Sahel. Deve-se considerar, portanto, utilizar o
componente marítimo das operações de manutenção da paz para conter
e eliminar tal ameaça.

Ameaças marítimas onipresentes


O Golfo da Guiné ainda enfrenta atos de pirataria. Ataques foram
registrados na primeira quinzena de maio de 2019 contra um navio de
carga e um rebocador nas águas territoriais da Guiné Equatorial e contra

• 45 •
um navio-tanque ancorado no Togo. Esses eventos, resolvidos com
sucesso pela intervenção das marinhas da Guiné Equatorial e de Togo,
no entanto, não devem ocultar os outros oito ataques a reféns e vítimas
que ocorreram entre novembro de 2018 e abril de 2019 e que deram ao
Golfo da Guiné a reputação de área marítima perigosa. Tanto a pesca
ilegal, que também persiste na Zona Econômica Exclusiva dos países
costeiros, quanto o tráfico de drogas, armas e seres humanos contribuem
para sufocar as economias nacionais. Essas ameaças transfronteiriças
confirmam, portanto, a necessidade de resposta regional dos Estados
do Golfo da Guiné. A análise atual aponta para uma economia criminal
real que pode fornecer combustível para o terrorismo atuante na região.

A YAMS
Em junho de 2013, após duas resoluções da ONU (de 2018 e de
2039), tomadas em 2011 e 2012, uma Cúpula de Chefes de Estado
e de Governo da CEDEAO, da CEEAC e da Comissão do Golfo da
Guiné (CGG) foi realizada em Yaoundé, Camarões. Seu objetivo
foi buscar uma sinergia de ações e uma resposta abrangente a esses
desafios de segurança no domínio marítimo regional. Desse ápice, surgiu
o Memorando de Entendimento e o Código de Conduta de Yaoundé
para Segurança e Proteção Marítima. Essa construção, endógena às
três instituições regionais fundadoras, não exclui e nem incentiva a
cooperação bilateral e multilateral.

A arquitetura de Yaoundé é uma estrutura que inclui vários níveis e


entidades: o Centro de Coordenação Inter-regional para a execução da
estratégia regional de segurança marítima no Golfo da Guiné (CIC),
localizado em Yaoundé; o Centro Regional de Segurança Marítima
da África Central (CRESMAC), em Pointe-Noire, no Congo, com seus
Centros Multinacionais de Coordenação Marítima (MMCCs) A (em
Luanda) e D (em Douala); o CRESMAO, em Abidjan, Costa do Marfim,
com seus MMCC E (em Cotonou), F (em Accra) e G (em Praia). Os
Centros Nacionais de Operações Marítimas coordenarão suas ações e
compartilharão informações através desse sistema.

• 46 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Essa arquitetura dedicada à segurança e à proteção marítima é


implementada de acordo com alguns princípios: sua apropriação,
primeiramente realizada pelos atores regionais, abre um campo bem
coordenado de cooperação com os outros parceiros. Isso permite a
domesticação de mecanismos operacionais e legais e o apoio aos vários
centros mencionados anteriormente. Os Estados membros são os pilares
da construção do sistema de segurança marítima e os Centros são pontos
de entrada, plataformas e ferramentas para cooperação e colaboração
entre agências. Por fim, a sustentabilidade a longo prazo requer
treinamento, formação e pesquisa em uma abordagem multidisciplinar
para formar uma equipe de especialistas regionais.

Um processo implementado ativamente


Cada região econômica desenvolveu sua própria estratégia marítima.
A Estratégia Marítima Integrada (EIMS) da CEDEAO foi adotada em 2014,
em Yamoussoukro, Costa do Marfim. As Estratégias Nacionais para a
Ação Estatal no Mar estão sendo concebidas e as avaliações do quadro
jurídico são conduzidas, a pedido dos países, pelo programa europeu
de apoio à estratégia marítima da CEDEAO (denominada SWAIMS) e
ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime para estabelecer
cooperação judicial entre Estados. Seis dos oito centros regionais e zonais
planejados foram abertos e equipados: o CIC de Yaoundé, CRESMAC,
CRESMAO e as zonas D, E e F (ver acima). Já está também em andamento
a realização de contatos para a abertura dos centros A e G. A eficiência
será alcançada por meio de patrulhas e operações conjuntas. A Zona D
opera uma força conjunta desde 2009.

Na área da CEDEAO, marinhas e guardas costeiras estão adotando


Memorandos de Entendimento (MoUs) para operações conjuntas. A Zona
E, após a assinatura de um MoU entre as Marinhas de Benim, Nigéria
e Togo e a Gendarmaria nigeriana, lançará em breve suas primeiras
patrulhas conjuntas. A Zona F assinou seu MoU em 25 de julho em Accra,
Gana. A eficácia das operações marítimas, a coleta, o processamento e
o compartilhamento de informações ajudará a tranquilizar aqueles que

• 47 •
utilizam os meios marítimos e evitará a sobretaxa estatística prejudicial à
imagem das instalações portuárias da região.

De acordo com o Código de Conduta de Yaoundé, os Estados costeiros


do Golfo da Guiné estão adotando gradualmente uma estratégia
marítima para atuar coletivamente no mar. Os centros fornecem uma
estrutura para colaboração e intercâmbio com outras partes regionais
interessadas no setor marítimo. De organizações das indústrias de pesca,
de meio ambiente e marítima, a institutos de treinamento, todos estão
envolvidos na segurança em um sentido mais amplo.

Rumo à segurança marítima coletiva


No entanto, os Estados terão que continuar a fortalecer seus recursos
de vigilância marítima e seus meios de intervenção no mar. Os centros
devem continuar adquirindo equipamentos e infraestrutura adequados.
Eles também devem ser dotados de pessoal bem treinado para coletar,
processar e disseminar informações. Uma cultura de cooperação e
compartilhamento ainda deve ser consolidada inicialmente em nível
nacional pela eficácia das plataformas entre agências. É necessário
obter confiança para conciliar as reivindicações soberanas e o
compartilhamento necessário de informações. Adotar o MoU para
ações conjuntas, Procedimentos Operacionais Padrão e um sistema
harmonizado de compartilhamento de informações são caminhos para
melhorar ainda mais a eficiência operacional. Os desafios de recursos
devem ser abordados com urgência para que haja uma luta eficaz contra
a nuvem de ameaças transfronteiriças e interdependentes.

A apropriação dessa iniciativa pelos atores regionais e sua


sustentabilidade exigirá uma cooperação judiciosa e franca com seus
parceiros (Estados, organizações regionais e internacionais, setor
marítimo). No entanto, a região precisa desenvolver uma verdadeira
cultura marítima para superar a ignorância quanto às questões
relacionadas ao mar e abrir um novo capítulo de regras sustentáveis,
inclusivas, ecológicas e de boa governança da economia marítima, que
chamamos de Economia Azul.

• 48 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Juntos, vamos afastar o nevoeiro para gerar uma melhor


cooperação marítima.

Poderia esse sistema marítimo, à luz das ameaças de desestabilização


e do extremismo violento que preocupam a região, ser adaptado às
operações marítimas de manutenção da paz? Como enfrentar os desafios
que as Marinhas do Golfo da Guiné encontrarão?

A Arquitetura de Segurança Marítima de Yaoundé (YAMS) - um dispositivo


adaptável às operações de manutenção da paz
Alguns navios passaram por operações de manutenção da paz
marítima durante a crise na Libéria nos anos 90. É o caso de embarcações
da Nigéria e da Costa do Marfim. O principal objetivo era fornecer apoio
logístico às forças terrestres.

Hoje, o sistema de segurança marítima oferece uma estrutura mais


adequada para esse tipo de ação, especialmente devido aos seguintes
fatores:

• Os Departamentos de Paz e Segurança da Comissão da CEDEAO


e o Secretariado Geral da Comunidade Econômica dos Estados
da África Ocidental (ECCAS), que formam uma ancoragem
institucional coerente, também são responsáveis pela segurança
marítima;

• Os meios navais, a infraestrutura e a coordenação estão


crescendo como resultado dos compromissos assumidos no
âmbito do Código de Conduta. Os recursos do estado estão em
desenvolvimento. Cada zona pode contar com infraestruturas de
apoio em países como Angola, Guiné Equatorial, Camarões,
Nigéria, Togo, Gana, Costa do Marfim e Senegal;

• A Divisão de Logística da MMCC, do Centro Regional de


Segurança Marítima (CRESM) e do Tribunal Penal Internacional
(ICC) atua para oferecer apoio e sustentabilidade;

• 49 •
• A disposição da União Africana e das Comunidades Econômicas
Regionais (CER) de criar forças de prontidão para operações de
manutenção da paz, de acordo com o princípio da subsidiariedade.
A União Africana está tentando capitalizar as realizações da
segurança marítima das CER.

A ideia de força marítima multinacional foi mencionada como opção


para gerenciar a insegurança no Golfo da Guiné (Conferência de Abuja,
outubro de 2019) e pôde ser implementada progressivamente através do
estabelecimento de forças da Zona/MMCC.

No entanto, há ainda desafios significativos para a operacionalização da


YAMS, conforme discutido acima:
• Aumentar a capacidade logística (infraestrutura, vetores,
conscientização do domínio marítimo em apoio às operações);

• Realizar treinamento e formação;

• Para operações de manutenção da paz, a área de conflito


não oferecerá apoio adequado à força; o alongamento da
área de operações requer plataformas logísticas maiores e
a cooperação/colaboração necessária com as Marinhas parceiras
e o setor privado.

É necessário, portanto, vincular o processo de segurança marítima


existente às iniciativas de prevenção e gerenciamento de conflitos (União
Africana e CER). O quadro da ONU (resoluções) sobre segurança marí-
tima precisa incluir operações de paz no Golfo da Guiné. As instituições
e os estados regionais devem considerar uma evolução necessária das
disposições de suas estratégias, a fim de unir as operações marítimas às
operações de paz, concedendo o status de forças marítimas de reserva
aos bens navais comprometidos com a segurança.

• 50 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Capítulo 6
Logística marítima nas operações de
manutenção da paz: superando os desafios
de manter a paz no mar
Tenente-General
Carlos H. Loitey

Este artigo tem o objetivo de dissertar sobre as operações de manu-


tenção da paz das Nações Unidas e os desafios enfrentados por esse
setor, com foco no componente marítimo. Visa também a abordar a con-
tribuição que pode ser provida pelos meios navais, bem como ressaltar a
importância da Força-Tarefa Marítima (FTM) UNIFIL no Líbano.

Fatos e números
A ONU possui 13 operações de manutenção da paz ocorrendo no
momento, nas quais emprega um contingente aproximado de 77.000
militares, 10.000 policiais e 18.000 civis de bandeira internacional e
local. Para tal, utiliza um orçamento de US$ 6,8 bilhões (para o período
de julho de 2019 a junho de 2020), que representa menos de 0,5% dos
gastos militares globais. O número de países que contribuem para essas
operações chega a 121. Isso representa um esforço significativo em al-
gumas das regiões mais conturbadas do mundo, onde os civis precisam,
desesperadamente, de ajuda.
Apesar das muitas deficiências e desafios nas operações de manuten-
ção da paz da ONU, estamos focados em soluções e melhorias. Traba-
lhando em conjunto com os Estados-Membros e outros parceiros, pode-
mos alcançar esse objetivo.

Contribuição brasileira para a manutenção da paz


O Brasil pode se orgulhar de sua participação nas Operações de Ma-
nutenção da Paz da ONU, pois tem um forte histórico de contribuição.
Em consonância com suas responsabilidades internacionais como membro

• 51 •
fundador da ONU, o país não se esquivou do envolvimento na solução de
crises. Militares, policiais e civis de todos os estados do Brasil trabalharam
como pacificadores e embaixadores em muitos países diferentes, levando
a bandeira brasileira para os mais diversos cantos do mundo. Desde 1948
até agora, a nação tem contribuído com tropas em 6 missões de Manu-
tenção da Paz, e com componentes de Estado-Maior (Staff Officers) e ob-
servadores militares em 41 missões – um histórico impressionante do qual
pode se orgulhar. Atualmente, contribui com 291 militares em 9 missões,
incluindo 9 mulheres. A maior contribuição ocorre na FTM-UNIFIL.

Visão geral da manutenção da paz da ONU


As operações de manutenção da paz tiveram um impacto direto na
vida de inúmeras crianças, mulheres e homens em todo o mundo. Todos
os dias, os nossos mantenedores da paz estão trabalhando arduamente
para cumprir os seus mandatos, em muitos locais, colocando as suas
próprias vidas em risco para proteger os mais vulneráveis.
Três princípios orientam este tipo de operações: consentimento das
partes do conflito para o desdobramento da missão; imparcialidade na
implementação de mandatos; e não uso da força, exceto em legítima
defesa e em defesa do mandato.
As nossas missões variam enormemente desde o capítulo 6, o mais
“tradicional” da Carta das Nações Unidas, a respeito da Resolução Pa-
cífica de Controvérsias, que inclui missões de manutenção da paz que
envolvem basicamente a separação de forças; até o altamente comple-
xo capítulo 7, “Ação Relativa a Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos
de Agressão”, com missões envolvendo uma série de grupos armados e
ameaças tipicamente encontradas na África.
A manutenção da paz enfrenta uma infinidade de desafios, incluin-
do o aumento das ameaças, a diminuição do consentimento, mandatos
complexos, tarefas de proteção surpreendentes, estratégias de retraimen-
to pouco claras e falta de progresso nos processos políticos. Em muitos
casos, mantenedores da paz já não estão protegidos pela bandeira da
ONU; em vez disso, muitos estão se transformando em alvo justamente
por isso. Um exemplo foi o ataque devastador à base em Semuliki, Re-

• 52 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

pública Democrática do Congo, em dezembro de 2017, que resultou em


15 mantenedores da paz mortos, 43 feridos e um desaparecido (presu-
mivelmente morto) em ação e, mais recentemente, em julho de 2019,
um ataque de IED (Dispositivo Explosivo Improvisado) no Mali. No ano
corrente, 21 capacetes azuis já foram mortos por atos hostis. Temos de
prestar homenagem a todos os que caíram em busca da paz e saudar a
sua bravura e dedicação aos ideais das Nações Unidas.

Visão geral dos desafios


Os problemas que as forças de manutenção da paz enfrentam hoje vêm
sendo exacerbados pela natureza mutável do conflito. Os conflitos internos
dos Estados estão associados ao surgimento de movimentos transnacionais
de armas, grupos armados, novas tecnologias e crime organizado que cru-
zam as fronteiras, levando a novas formas de guerra e violência, incluin-
do ameaças assimétricas. Governos fracos e respostas insuficientes aos
descontentamentos da população podem alimentar o ciclo da violência e
complicar o caminho para a paz. Enfrentamos hoje conflitos mais longos,
nos quais a obtenção de uma paz sustentável depende da luta em conflitos
de múltiplas dimensões – como demonstram as operações no Mali, na
República Democrática do Congo e na República Centro-Africana.

Nossos mantenedores da paz são introduzidos em ambientes de con-


flitos violentos não resolvidos entre grupos armados não-estatais e esta-
tais altamente capazes, com mandatos complexos projetados para abor-
dar questões profundamente controversas, muitas vezes através de vastas
distâncias e sem as condições necessárias para tal empreendimento.

O implemento de operações de manutenção da paz em ambientes


onde não existe um acordo político ou paz para manter representa um
desafio imediato à segurança do pessoal. Nos últimos 20 anos, o traba-
lho da ONU tornou-se mais complexo, difícil e perigoso.

Além disso, ciclos de violência, alimentados por atores regionais ine-


ficazes que possibilitam fluxos constantes de armas, munições e dinheiro,
complicaram os conflitos e os tornaram cada vez mais de caráter trans-
nacional. Tais conflitos representam claras ameaças à paz e à segurança

• 53 •
internacionais e impõem uma ameaça direta aos civis. O número de
pessoas deslocadas em algumas missões chega a milhões. Na ausência
de progresso político e controle do Estado, a dependência da ferramenta
militar para proteger os civis está em alta.

Ação pela Manutenção da Paz (A4P)


A A4P é uma iniciativa do Secretário-Geral lançada em 28 de março
de 2018, quando ele “apelou aos Estados-Membros, ao Conselho de Se-
gurança, aos países anfitriões, aos países que contribuem com tropas e
contingente policial, aos parceiros regionais e aos contribuintes financeiros
para renovarem o nosso envolvimento coletivo com a manutenção da paz
da ONU e comprometerem-se mutuamente a alcançar a excelência”1.

Em consonância com os nossos compromissos com esta iniciativa, con-


tinuamos a trabalhar para fortalecer nosso desempenho de manutenção
da paz, inclusive em aspectos-chave, como proteção de civis e prevenção
e abordagem de questões de conduta e disciplina, incluindo exploração
sexual e abuso. A transformação das missões de manutenção da paz em
missões multidimensionais integradas é, por si só, uma característica do
novo paradigma da manutenção da paz: a complexidade da crise levou
à complexidade das ferramentas para resolver a crise e à necessidade de
alinhar as iniciativas de melhoria. A A4P reposiciona a manutenção da paz
com mandatos mais orientados para tornar nossas operações mais fortes
e seguras, com forças mais bem equipadas e treinadas, mobilizando o
apoio a soluções políticas. Assim, a Ação representa a agenda central para
nossas ações e é um motor da mudança que permeia todos os aspectos do
trabalho de manutenção da paz da ONU.

Manutenção da Paz Marítima da ONU


As operações de manutenção da paz da ONU raramente se limitam
a um tipo de atividade. Embora destacadas no contexto de um quadro
político que apoie um acordo de paz, ou no contexto da criação das
condições para o retorno à estabilidade, as operações de manutenção
1
https://peacekeeping.un.org/en/action-for-peacekeeping-a4p

• 54 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

da paz podem exigir elementos marítimos para desempenhar difíceis ta-


refas que envolvam o uso criterioso da força, especialmente em situações
em que o país anfitrião não é capaz de fornecer essa capacidade. O
destacamento de uma Força-Tarefa Marítima (FTM) das Nações Unidas
pode contribuir decisivamente para o sucesso da realização dos objetivos
da Missão, fornecendo uma grande variedade de capacidades, como o
monitoramento de cessar-fogos, a aplicação de sanções e embargos da
ONU, o fornecimento de ajuda humanitária e o monitoramento de águas
territoriais, provendo a segurança da costa e prevenindo a entrada não
autorizada de armas ou materiais similares por mar.
A FTM da ONU, quando destacada, é uma parte totalmente integrada
ao Componente Militar da Missão das Nações Unidas. Além das capa-
cidades militares terrestres e aéreas tipicamente existentes nas Forças da
ONU, a FTM adiciona uma importante terceira dimensão à abrangente
execução de tarefas sob responsabilidade do Force Commander, parti-
cularmente quando se considera que metade da população mundial vive
dentro de um raio de 60 quilômetros de proximidade do mar e três quar-
tos de todas as grandes cidades estão localizadas na costa. Essa Força
tem a possibilidade de chegar rapidamente a uma área de crise, apresen-
tando uma resposta internacional oportuna e significativa, muitas vezes
antes do envio significativo de tropas terrestres se tornar possível. Uma
FTM da ONU pode permanecer no local na área de operações marítimas
por longos períodos de tempo, sujeita ao reabastecimento disponível no
mar, e pode evitar o contato direto com atores locais enquanto ainda
realiza patrulhas à distância por mar ou por ar, fornecendo comando,
controle e comunicações para aumentar a consciência situacional e a
proteção da Força para as forças terrestres e navais. Também pode mo-
nitorar e aplicar sanções e embargos da ONU e garantir o cumprimento
de acordos políticos específicos vitais para o sucesso da Missão.

Essa Força-Tarefa tem a capacidade de incrementar as operações ter-


restres, fornecendo presença, dissuasão, controle marítimo, projeção de
poder e segurança marítima. Com isso, pode patrulhar águas territoriais
e áreas de recursos offshore de um Estado que não possua sua própria
capacidade marítima, bem como apoiar a construção dessa capacidade

• 55 •
para os estados emergentes. Se for incumbida, ainda pode fornecer as-
sistência humanitária e ajuda em caso de desastre.

A presença de uma Força-Tarefa Marítima das Nações Unidas pode


ser o fator fundamental para a estabilidade regional, fornecendo poder
marítimo de credibilidade para cumprir os objetivos da Força e apoiando
as atividades de paz e segurança em terra. Pode agir em indicações e
em avisos e fornecer uma resposta oportuna para impedir, intimidar e
resolver o conflito no mar, ou provindo dele, que pode também afetar
operações de terra. Ela desempenha um papel ativo na formação de um
ambiente operacional e fornece apoio para assistência humanitária e
operações de socorro em desastres, quando necessário.

O controle do mar é um precursor e ingrediente necessário em qual-


quer operação marítima bem-sucedida. É alcançado, principalmente,
através da utilização demonstrada de meios marítimos. A utilização do
ambiente marítimo pela FTM impede a sua utilização por quaisquer ele-
mentos hostis. Para tal, espera-se que a Força realize operações de con-
trole marítimo para garantir a liberdade de ação da ONU, permitir a
projeção das forças de manutenção da paz em terra ou facilitar o fluxo
seguro e desimpedido do transporte comercial.

A FTM da ONU pode ser organizada para moldar, influenciar e con-


trolar o ambiente operacional em terra e no mar. Com os ativos corretos,
ele pode superar desafios geográficos para acessar e projetar poder so-
bre terra, apoiando atividades de paz e segurança em terra e no mar sem
depender de portos e aeródromos na área da missão.

A grande dimensão e a complexidade do domínio marítimo criam


desafios de segurança críticos que afetam as Forças das ONU em terra e
no mar. Terroristas, piratas e criminosos transnacionais podem capitalizar
a instabilidade nacional ou regional e usar o tráfego marítimo legítimo
para mascarar suas atividades. Estas atividades ilícitas constituem uma
ameaça crítica para a segurança e a reconstrução dos esforços da Mis-
são, aumentando assim os desafios enfrentados por todas as forças de
manutenção da paz da ONU.

• 56 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Como já mencionado, a Força-Tarefa Marítima da ONU pode ser


encarregada de realizar operações de segurança marítima para ajudar
a estabelecer as condições de segurança e proteção, assistência huma-
nitária e socorro a desastres. Desastres naturais ou artificiais episódicos
muitas vezes resultam em níveis catastróficos de sofrimento humano e
destruição. Com a preponderância da população mundial concentrada
perto dos mares, oceanos e grandes vias navegáveis, a FTM se torna uma
opção eficaz e de pronta-resposta para fornecer assistência humanitária
e ajuda em desastres, pois pode operar por períodos prolongados, pro-
vendo instalações médicas cruciais, médicos, apoio logístico, bem como
transporte marítimo estratégico limitado utilizando navios mercantes, o
chamado sealift, e transporte tático aéreo e marítimo através do sealift.

Força-Tarefa Marítima UNIFIL


A FTM UNIFIL está sendo empregada desde outubro de 2006 a pe-
dido do Governo do Líbano, sob o mandato da Resolução 1701 do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Apoia a Marinha libanesa
no monitoramento de suas águas territoriais, na segurança da costa e
na prevenção da entrada não autorizada por mar, no Líbano, de armas
ou materiais relacionados. Outro aspecto importante da missão da FTM
é a sua contribuição para o treinamento da Marinha libanesa, para que
possa executar, no futuro, as tarefas de segurança marítima atualmente
por ela realizadas.

Esta é a primeira Força-Tarefa naval a participar de uma missão de


paz das Nações Unidas. O envio da FTM após o conflito de julho a
agosto de 2006 foi um movimento marcante que levou Israel a retirar
seu bloqueio naval ao Líbano. Uma Força-Tarefa Marítima interina foi
destacada até 15 de outubro de 2006, quando a FTM UNIFIL, liderada
pela Alemanha, assumiu. Em 29 de fevereiro de 2008, a Alemanha en-
tregou o comando à Força Marítima Europeia (EUROMARFOR), liderada
pela Itália, que em 24 de fevereiro de 2011 passou o comando para o
Brasil, país que lidera a Força desde então, tendo fornecido os navios-
capitânea desde novembro de 2011. Um total de 15 países já contribuiu
para a FTM: Bangladesh, Bélgica, Brasil, Bulgária, Dinamarca, França,

• 57 •
Alemanha, Grécia, Indonésia, Itália, Holanda, Noruega, Espanha, Sué-
cia e Turquia. Atualmente, a FTM-UNIFIL é composta por unidades navais
de Bangladesh (um navio), Brasil (um navio – navio-capitânea e um heli-
cóptero), Alemanha (um navio), Grécia (um navio), Indonésia (um navio
e um helicóptero) e Turquia (um navio).

Voltando-se para o apoio logístico, de acordo com o Manual de Equi-


pamentos de Propriedade Contingente (COE) da ONU, esta organiza-
ção fornece apenas apoio seletivo aos navios da Força-Tarefa Marítima
da ONU. Em vez disso, os navios da Força-Tarefa Marítima das Nações
Unidas estão sujeitos a acordos de reembolso ao país contribuinte – sob
esses acordos, um contingente é implantado com seu COE e é responsá-
vel por sua manutenção e apoio, tornando o apoio logístico da respon-
sabilidade do País Contribuinte Marítimo. Tal apoio pode ser executado
a partir de um número limitado de portos aprovados; portanto, espera-se
que a Força-Tarefa Marítima das Nações Unidas atenda aos requisitos
de autossustentação de acordo com as normas nacionais, os termos do
Requisito da Força e qualquer Memorando de Entendimento (MOU) ou
Carta de Assistência (LOA) assinados pela ONU e pelo respectivo País
Contribuinte Marítimo. Para evitar que o pessoal componente da FTM
chegue despreparado para se sustentar em suas operações, os países
contribuintes marítimos e seus contingentes devem ser claros sobre o
apoio que será fornecido pela ONU e qual o apoio que eles devem pres-
tar por conta própria. É necessário enfatizar que deve ser dada atenção
especial aos requisitos detalhados para rações, água, abrigo, suprimen-
tos médicos e essenciais a bordo do navio e para quaisquer elementos da
Força-Tarefa Marítima que possam estar alocados em terra.

Os navios no mar devem ser capazes de se autossustentar em supri-


mentos de necessidades básicas, como alimentos, combustível, água e
abrigo. Dependendo dos acordos de apoio estipulados no Requisito de
Força/Declaração de Exigência da Unidade, MOU ou LOA, qualquer
apoio da ONU à Força-Tarefa Marítima, se estiver sendo fornecido, não
deve ser iniciado até depois dos primeiros 30 a 90 dias após a chega-
da da unidade na área da missão. Até lá, a unidade é responsável por

• 58 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

atender a todas as suas próprias necessidades de alimentos, combustí-


vel, água, lubrificantes, entre outros. Durante a fase de planejamento
de cada operação, deve ser dada atenção especial ao apoio médico
e às capacidades, procedimentos e tempo para execução das Evacu-
ações Casuais (CASEVAC) e Evacuações Médicas (MEDEVAC) com os
staff officers apropriados no Quartel-General da FTM, que coordenarão,
conforme apropriado, com o Quartel-General da Missão/Força. A ONU
é responsável por fornecer transporte às CASEVAC/MEDEVAC realizando
apoio à movimentação de doentes e feridos para instalações médicas
além do Nível 1. Os elementos da Força/Missão especializados para
conduzir as CASEVAC/MEDEVAC e os Hospitais de Nível 1/2/3 forne-
cerão apoio médico (se não estiverem disponíveis a bordo do navio) e
devem treinar com o contingente da missão.

O suporte de vida da missão à Força-Tarefa Marítima da ONU, as-


sim como requisitos operacionais, devem ser satisfeitos pelo Diretor da
Missão ou Chefe de Suporte de Missão por meio do Escritório do Chefe
de Prestação de Serviços, em caso afirmativo, estipulado no Requisito de
Força/Declaração de Requisito da Unidade, MOU ou LOA.

O Departamento de Operações de Paz (DPO) e o Departamento de


Apoio Operacional (DOS) no Quartel-General da ONU fornecem apoio
dedicado às missões de campo de manutenção da paz nas áreas de
planejamento e supervisão de missões, geração de forças, recursos hu-
manos e administração geral, serviços de apoio logístico, comunicações
e tecnologia da informação, verificação e reembolsos financeiros. Entre
essas responsabilidades de apoio, a estreita coordenação dos processos
de geração de força e planejamento logístico são requisitos essenciais.
Esta coordenação ocorre assim que os países contribuintes são selecio-
nados para uma missão específica. Os problemas que os eles podem
enfrentar para equipar ou prover o devido suporte aos seus contingen-
tes são identificados e relatados para resolução no Quartel-General da
ONU. A identificação destes problemas é feita com base na combinação
de dados disponibilizados pelos países contribuintes marítimos e inspe-
ções conduzidas pelo efetivo do DPO e DOS.

• 59 •
Gênero
Voltando à manutenção da paz em termos mais gerais, é necessário
salientar a importância das mulheres mantenedoras da paz. Precisamos
de mais mulheres para serem treinadas e disponibilizadas para serem
empregadas, tanto em terra como no mar. Não se trata de uma questão
de politicamente correto, pois experiências prévias demonstram que o
emprego de mulheres em todos os níveis da manutenção da paz reforça
a nossa capacidade de planejar e conduzir essas operações. Foram esta-
belecidas metas para a inclusão de mulheres pacificadoras e a ONU está
fazendo bons progressos em relação a esses objetivos, embora o desafio
não deva ser subestimado, porque existe a dependência dos países con-
tribuintes de tropas apoiando plenamente essas iniciativas. Como uma
ideia aproximada de onde estamos em todas as 13 missões de paz em
termos de mulheres militares:

• As mulheres militares constituem atualmente 14,5% dos


Estados-Maiores e observadores militares nas missões;

• No Quartel-General da ONU existem atualmente 21,5% de mu-


lheres em cargos militares;

• 4,4% de mulheres militares atuando em contingentes de tropas;

• Hoje temos uma mulher servindo como Comandante de Missão


(Force Commander) e duas servindo como Subcomandante da
Missão (Deputy Force Commander); mulheres neste nível elevado
de liderança militar é um marco sem precedentes na ONU;

• Temos também 19 conselheiros militares de gênero e proteção no


campo.

Assim, o número de mulheres militares em missões está aumentando,


mas precisamos do apoio dos Estados-Membros para cumprir os futuros
objetivos desafiadores - o mais exigente dos quais é a meta da porcen-
tagem de mulheres em contingentes; 5,25% até o final de 2019 e 15%
até 2028.

• 60 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Compromissos e recursos
Para se adaptar a conflitos mais complexos e de alto risco, as nossas
missões de manutenção da paz devem se tornar mais móveis e proativas.
Em termos de Geração de Forças, as Nações Unidas verificaram recente-
mente unidades militares em modo de espera que podem ser acionadas
em menos de 60 dias no Sistema de Prontidão para a Capacidade de
Manutenção da Paz (PCRS). O PCRS é o ponto de entrada única para
os Estados-Membros se comprometerem com a Manutenção de Paz da
ONU, e o mecanismo através do qual o Secretariado da ONU fará a sua
seleção para os destacamentos. O PCRS inclui todas as capacidades,
incluindo exigências navais.

Conclusão
Os desafios em operações de manutenção da paz da ONU são pro-
fundos tanto em terra como no mar. A ampla gama de tarefas atribuídas
a estas operações expandiu-se significativamente em resposta às mu-
danças nos padrões de conflito e ameaças emergentes. À medida em
que a natureza e o domínio do conflito armado se expandem, as opera-
ções marítimas também devem ser adicionadas a toda gama de opções
militares da ONU. O ambiente marítimo é estrategicamente importante
para fazer cumprir acordos, proteger fronteiras e reabastecer as forças
de manutenção da paz. As operações marítimas também podem reforçar
significativamente a segurança do processo de paz e proporcionar segu-
rança aos parceiros humanitários e de desenvolvimento. A presença de
uma capacidade marítima consistente proporciona às altas lideranças
da ONU a flexibilidade operacional e opções eficazes para enfrentar os
desafios da manutenção da paz.

A minha mensagem final é que as operações de manutenção da paz


da ONU constituem um instrumento único de multilateralismo, dentro
das quais estamos trabalhando coletivamente para desenvolver e adaptar
às necessidades de hoje.

• 61 •
Capítulo 7
Brasil na Força-Tarefa Marítima da UNIFIL:
transformando desafios logísticos em
oportunidades político-diplomáticas
Danilo Marcondes de
Souza Neto1

Introdução
O objetivo desta contribuição é analisar como os desafios logísticos
associados ao envolvimento brasileiro na Força-Tarefa Marítima da Força
de Emergência das Nações Unidas no Líbano (FTM-UNIFIL) se traduzem
em oportunidades político-diplomáticas para o Brasil. Longe de poder
discutir de maneira ampla o envolvimento do Brasil na UNIFIL, abordado
em outra contribuição (Silva, Braga e Marcondes, 2017), o presente capí-
tulo se concentra nas considerações apresentadas acima, argumentando
que elementos podem ser considerados à primeira vista como desafios
logísticos, devido à sua complexidade e especificidade, podem se tradu-
zir em ganhos para a política externa e de defesa do Brasil. Tais ganhos
decorrem principalmente do aspecto singular da FTM-UNIFIL dentro do
âmbito das operações de paz autorizadas pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas, em especial o seu componente naval, o que fornece
ao Brasil uma oportunidade sem precedentes de envolvimento em inicia-
tiva multilateral de caráter inovador no campo da manutenção da paz e
da segurança internacional.

O trabalho é construído a partir da análise de fontes primárias, tais


como documentos ostensivos solicitados via Lei de Acesso à Informação,
assim como por contribuições acadêmicas a respeito do envolvimento
brasileiro em missões de paz. O capítulo está dividido em quatro partes,

As ideias apresentadas aqui são de inteira responsabilidade do autor, e não necessaria-


1

mente refletem as posições das instituições às quais o autor está vinculado.

• 62 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

a primeira aborda o envolvimento do Brasil na FTM, a segunda discute a


interação com os países contribuintes da FTM, a terceira, a interação do-
méstica relacionada ao envolvimento com a FTM. O capítulo se encerra
com uma conclusão.

O envolvimento do Brasil na FTM


A princípio, o envolvimento do Brasil na FTM-UNIFIL poderia ser inter-
pretado como um elemento destoante do histórico do envolvimento bra-
sileiro nas missões de paz da ONU, caracterizado pela participação em
missões em países lusófonos (Angola, Moçambique, Timor Leste) ou no
continente americano, como ilustrado pelos 13 anos de envolvimento na
Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH) e tam-
bém em missões da ONU desdobradas na América Central2. No entanto,
ao olharmos para o histórico do envolvimento brasileiro em missões de
paz, a participação do Brasil na Força de Emergência das Nações Unidas
(UNEF) em Suez entre 1957 e 1967 reforça o peso e o histórico do en-
volvimento em missão de paz pioneira, localizada na região do Oriente
Médio (Breda dos Santos, 2002).
O envolvimento do Brasil na FTM deve ser considerado, primeiramen-
te, a partir das próprias características da UNIFIL. Dessa forma, merece
destaque o reconhecimento de que a UNIFIL é um exemplo de missão
criada em 1978, ainda no contexto da Guerra Fria e uma missão que
manteve desde a sua criação um componente forte de atuação, como
contribuintes com tropas, de Estados na sua maioria localizados na Euro-
pa Ocidental e membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN), tais como Itália, Irlanda, França e Espanha. Esses dois aspectos
destacados já são suficientes para se ressaltar a diferença da UNIFIL em
relação à maioria das missões de paz atualmente desdobradas, estabe-
lecidas principalmente no contexto pós-Guerra Fria, e cuja maioria dos
países contribuintes com tropas é constituída por Estados localizados no
chamado Sul Global, tais como Etiópia, Índia, Paquistão, Nepal, e Uru-
2
Para um histórico sobre o envolvimento brasileiro em missões de paz da ONU, ver: Fon-
toura, 2005. Para uma análise sobre o envolvimento em período mais contemporâneo,
ver: Uziel, 2015.

• 63 •
guai. O perfil dos componentes da UNIFIL se diferencia bastante, por
exemplo, da MINUSTAH, importante contribuição da história recente do
envolvimento brasileiro em missões de paz.
Tendo as considerações anteriores em mente, o envolvimento brasilei-
ro na FTM da UNIFIL, a partir de 2011, pode ser entendido como ocor-
rendo devido a uma percepção, por parte da comunidade internacional,
de que o Brasil seria um Estado que poderia trazer uma contribuição
positiva e inovadora a uma missão marcada por mais de três décadas
de duração, e que precisou adaptar o seu mandato a fim de incluir uma
Força-Tarefa Marítima, a partir do conflito entre Israel e Líbano de 2006.
A participação do Brasil, primeiramente com a designação de um ofi-
cial-general da Marinha do Brasil para exercer o comando da FTM e, em
segundo momento, com a designação de um navio brasileiro para atuar
na FTM, reflete as credenciais internacionais do país, estando estas relacio-
nadas principalmente ao seu histórico do envolvimento em missões de paz,
sua valorização do Direito Internacional e da diplomacia e também a sua
percepção como um ator sem interesses geopolíticos imediatos no cenário
do Oriente Médio. Tais elementos permitiram uma aceitação positiva a res-
peito da participação brasileira entre as diferentes partes envolvidas com
a missão, tanto por parte dos demais contribuintes quanto pelos países
da região. Esse último elemento foi reforçado pelas autoridades da ONU
quando em conversa com representantes brasileiros em Nova Iorque3.
As circunstâncias relacionadas ao início do envolvimento brasileiro na
FTM-UNIFIL merecem destaque. Em julho de 2010, representante do MRE
em visita à UNIFIL ouviu do Force Commander da missão que uma con-
tribuição brasileira para a missão “seria muito bem-vinda.”4 Em agosto
de 2010, o Escritório de Assuntos Militares do Departamento se reuniu
com representantes da Missão de Operações de Paz das Nações Unidas
(DPKO) Brasil em Nova Iorque informando da necessidade de oficiais, tro-
pas e equipamentos para a UNIFIL, inclusive indicando a vacância de pos-
3
Ver: Mensagem 547 do Ministério das Relações Exteriores para o Gerente da Divisão de
Relações Internacionais do Ministério da Defesa, data: 10/08/2010.
4
Ver: Mensagem 547 do Ministério das Relações Exteriores para o Gerente da Divisão de
Relações Internacionais do Ministério da Defesa, data: 10/08/2010.

• 64 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

tos como de Comandante da FTM, oportunidade que também permitiria a


indicação de oficiais para o Estado-Maior pessoal do Comandante.

O início da participação brasileira na FTM ocorreu quando um oficial-


general da Marinha do Brasil passou a exercer o comando da FTM a
partir de fevereiro de 2011. Em agosto de 2011, a possibilidade de
envio de navio à UNIFIL já estava sendo objeto de estudo no âmbito das
autoridades brasileiras5. A chegada da Fragata F-45 “União” em 14 de
novembro de 2011 inaugurou a participação do Brasil como contribuin-
te de meios navais para a FTM6.O início da contribuição decorrente do
deslocamento de uma fragata da Marinha do Brasil, apesar do esforço
logístico considerável decorrente da mobilização de um meio naval da
Marinha para atuação em esforço multilateral, também foi mobilizado
como instrumento de apoio da política externa e de defesa do país.
A chegada da fragata ao Líbano acabou coincidindo com visita ao país
do então Vice-Presidente do Brasil, Michel Temer7, que veio a receber o
presidente do Líbano a bordo da fragata brasileira em 21 de novembro
de 20118. Autoridades brasileiras e libanesas já tinham demonstrado o
entendimento em, agosto de 2011, de que a visita de Temer seria refor-
çada com o envio de navio brasileiro à UNIFIL9.

5
Ver: Telegrama 365 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 22/08/2011.
6
Ver: Telegrama 544 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 29/11/2011.
7
Em novembro de 2011, o então Vice-Presidente da República, Michel Temer, descendente
de libaneses, visitou o Líbano, participando de cerimônia de comemoração da indepen-
dência do país. Conforme destacou relato da embaixada brasileira em Beirute: “pela
primeira vez na história, uma autoridade estrangeira foi convidada a juntar-se, na tribuna
de honra”. Ver: Telegrama 547 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de
Estado das Relações Exteriores, data: 29/11/2011.
8
Ver: Telegrama 501 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 18/11/2019. O início da participação brasileira na FTM contou
também com a presença do Comandante de Operações Navais da Marinha do Brasil.
Ver: Telegrama 509 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 24/11/2011.
9
Ver: Telegrama 365 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 22/08/2011.

• 65 •
A interação com os países contribuintes da FTM
A participação na FTM da UNIFIL permite ao Brasil uma oportunidade
de interação sem precedentes com os Estados-membros da OTAN, que
também são contribuintes para a missão, tanto em relação à atuação
conjunta na FTM, como é o caso da Alemanha, Grécia e Turquia, que
dispõe de meios navais desdobrados na FTM, quanto nas oportunidades
relacionadas ao apoio logístico associado à manutenção da participação
do navio brasileiro na FTM.
O segundo tipo de interação decorre do fato de que a distância geo-
gráfica e o tempo de deslocamento entre o território brasileiro e a área
de atuação da FTM requerem a necessidade de escalas ao longo do
trajeto entre o território brasileiro e a área de atuação na FTM. O navio
brasileiro designado para participar na FTM costuma realizar escalas em
diferentes portos da região do Mediterrâneo e, nesse aspecto, merece
destaque a interação que foi desenvolvida com a Turquia. Por exemplo, a
escala operacional no porto turco de Mersin envolveu também “apoio lo-
gístico e ao suprimento de combustíveis ao navio e à aeronave embarca-
da”10. Em algumas ocasiões, os navios brasileiros também transportaram
em suas escalas na Turquia, o comandante da FTM-UNIFIL, permitindo
que ele pudesse interagir com autoridades turcas.11 Representantes diplo-
máticos brasileiros na Turquia reconheceram o uso do porto de Mersin
como contribuindo para o “aprofundamento do intercâmbio entre as Ma-
rinhas dos dois países”12.
Além da interação com os Estados-membros da OTAN, a participa-
ção na FTM também permitiu um aumento da interação do Brasil, em
especial da Marinha do Brasil com Estados que não seriam identifica-
dos como parceiros imediatos, principalmente por estarem localizados
em contextos geográficos de grande distância do território nacional
10
Ver: Telegrama 109 de embaixada do Brasil em Ancara para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores de 23/01/2012.
11
Ver: Telegrama 596 de embaixada do Brasil em Ancara para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 14/06/2012.
12
Ver: Telegrama 951 da embaixada do Brasil em Ancara para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 03/10/2011.

• 66 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

brasileiro. Para tanto, merece destaque a interação que foi desenvolvida


com a Indonésia. A coincidência de atuação na FTM permitiu a diversifi-
cação de parcerias em defesa entre o Brasil e os dois países. Em outubro
de 2013, foram criadas, por decreto, as Adidâncias de Defesa e Aero-
náutica; Naval; e do Exército, residentes em Jacarta. No que diz respeito
à cooperação entre as Marinhas, em 2017, representantes da Marinha
do Brasil participaram do 3º Simpósio Internacional de Segurança Marí-
tima, organizado pela Marinha da Indonésia13. A aproximação também
envolveu oportunidade de realização de exercícios. Em 2018, a Marinha
do Brasil participou do 3º Exercício Naval Multilateral “Komodo-2018”,
realizado na Indonésia (MNEK 2018)14.

A interação doméstica relacionada ao envolvimento na FTM-UNIFIL


As escalas internacionais mencionadas anteriormente demandam
um nível de interação e coordenação doméstico entre as burocracias
do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e do Ministério da Defesa
(MD) brasileiros. Antes mesmo do desdobramento de navio brasileiro
para a FTM, a interação e coordenação já eram necessárias. Em outu-
bro de 2011, a Missão do Brasil perante a ONU informou ao MD, via o
MRE em Brasília, a respeito da visita de avaliação pré-desdobramento
conduzida pela ONU15.

Parte importante da interação entre os dois ministérios está relaciona-


da aos pedidos referentes às visitas dos navios, que são encaminhados
pelas adidâncias em postos como Roma, Atenas e Ancara para que as
embaixadas brasileiras nesses países possam solicitar às autoridades lo-
13
Ver: Marinha do Brasil participa do 3º Simpósio Internacional de Segurança Marítima,
organizado pela Marinha da Indonésia, 3 de setembro de 2017. Disponível em: <http://
tecnodefesa.com.br/marinha-do-brasil-participa-do-3o-simposio-internacional-de-segu-
ranca-maritima/>. Acesso em 20 de novembro de 2019.
14
Ver: Marinha do Brasil participa do 3º Exercício Naval Multilateral “Komodo-2018” na
Indonésia 16 de maio de 2018. Disponível em: <https://www.marinha.mil.br/noticias/
marinha-do-brasil-participa-do-3o-exercicio-naval-multilateral-komodo-2018-na-indo-
nesia>. Acesso em 20 de novembro de 2019.
15
Ver: Telegrama 3681 da Missão do Brasil perante as Nações Unidas para a Secretaria de
Estado das Relações Exteriores, data: 14/10/2011.

• 67 •
cais responsáveis, normalmente os ministérios das relações exteriores, a
autorização necessária. Essas autorizações são mais complexas do que
apenas a possibilidade de visita e atracação no porto. Por exemplo, soli-
citação realizada em 2012 ao Ministério das Relações Exteriores italiano
incluiu “autorização para passagem pelo mar territorial italiano e permis-
são para utilização de equipamentos de comunicações”16. Em algumas
ocasiões, a coordenação entre o MRE e o MD também foi necessária
para atividades além das relacionadas à passagem do navio brasileiro.
Por exemplo, em 2013, a Adidância da Aeronáutica na embaixada do
Brasil em Roma contactou o Ministério das Relações Exteriores italiano
para “solicitar autorização de sobrevoo e pouso, em território italiano,
para aeronave da Força Aérea Brasileira, em missão de transporte de
pessoal e material no âmbito da UNIFIL.”17

A importância da interação entre as duas burocracias ainda pode ser


observada quando consideradas as especificidades de como alguns pe-
didos de autorização são respondidos. Por exemplo, em 2012, as autori-
dades turcas autorizaram a visita da Fragata União, mas comunicaram à
embaixada brasileira em Ancara que “não concederam autorização para
a operação, em território turco, do helicóptero embarcado no navio bra-
sileiro.”18 Muitas das visitas também requerem planejamento, reforçando
a necessidade de coordenação. Por exemplo, o Estado Maior da Turquia
“requer ser informado, com antecedência mínima de vinte dias, das datas
de chegada e partida da embarcação visitante.”19

A interação entre o MRE e o MD também é necessária para tratar de


assuntos de natureza burocrática que surgem decorrentes das visitas. Por
exemplo, em 2012, a embaixada brasileira em Ancara encaminhou às
16
Ver: Telegrama 1537 de embaixada do Brasil em Roma para Secretaria de Estado das
Relações Exteriores de 20/12/2012.
17
Ver: Telegrama 395 de embaixada do Brasil em Roma para Secretaria de Estado das
Relações Exteriores de 04/04/2013.
18
Ver: Telegrama 109 de embaixada do Brasil em Ancara para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores de 23/01/2012.
19
Ver: Telegrama 142 de embaixada do Brasil em Ancara para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores de 06/02/2013.

• 68 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

autoridades em Brasília as faturas referentes ao combustível fornecido


pela Marinha da Turquia às fragatas brasileiras participantes na FTM.20

Por fim, deve ser lembrado que além da interação doméstica entre
o MRE e o MD, a interação no terreno também é importante. Nesse
sentido, no âmbito da embaixada brasileira em Beirute, foi estabelecida
uma equipe responsável pelo acompanhamento de temas relacionados à
UNIFIL, de forma a também apoiar a participação brasileira na FTM21. A
embaixada também sugeriu, já em 2011, a possibilidade de criação de
uma adidância militar em Beirute, pedido que foi atendido em 201322.

Conclusão
A participação do Brasil na FTM da UNIFIL consolidou uma trajetória
consistente de contribuições do país para as missões de paz da ONU, em
especial no aspecto da liderança exercida, tomando como referência a
responsabilidade de fornecer a nau capitânia e também o comandante
da FTM. O envolvimento brasileiro em missões de paz e a continuida-
de desse envolvimento precisam ser considerados à luz dos objetivos de
política externa e de defesa do país no curto, médio e longo prazo. A
candidatura a uma vaga de membro não permanente do Conselho de
Segurança da ONU para o período de 2022-2023 coloca o Brasil em
grande evidência em termos das suas contribuições em prol da manuten-
ção da paz e da segurança internacional, reforçando a importância do
Brasil como país contribuinte para as missões de paz da ONU23. Cabe
também ressaltar a relevância da incorporação das lições aprendidas
decorrentes da participação na FTM para outras áreas de atuação de
interesse do Brasil, como a região do Golfo da Guiné.
20
Ver: Telegrama 970 de embaixada do Brasil em Ancara para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores de: 09/10/2012.
21
Ver: Telegrama 501 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 18/11/2011.
22
Ver: Telegrama 384 da embaixada do Brasil em Beirute para a Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, data: 06/09/2011.
23
Dentre os elementos que também levaram a uma maior aproximação entre Brasil e
Líbano no campo diplomático, merece destaque a coincidência enquanto membros não
permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas entre 2010 e 2011.

• 69 •
Referências
Breda dos Santos, Norma. Dez anos no Deserto: a Participação Brasileira na Primeira Missão de
Paz das Nações Unidas. In: Dupas, Gilberto; Vigevani, Tullo (orgs.). Israel-Palestina: a Construção
da Paz vista de uma Perspectiva Global. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 263-285.

Fontoura, Paulo Roberto Campos Tarisse da. O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das
Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2005.

Silva, Antonio Ruy de Almeida; Braga, Carlos Chagas Vianna; Marcondes, Danilo. The Brazilian
participation in UNIFIL: raising Brazil’s profile in international peace and security in the Middle
East? Revista Brasileira de Política Internacional, v. 60, n. 2, 2017, p. 1-19.

Uziel, Eduardo. O Conselho de Segurança, as Missões de Paz e o Brasil no Mecanismo de Segu-


rança Coletiva das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2015.

• 70 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Capítulo 8
Desafios e Oportunidades em uma
Operação de Paz de Caráter Naval –
a FTM UNIFIL
Contra-Almirante
Eduardo Augusto Wieland

O objetivo desse artigo é ressaltar os principais desafios e oportunida-


des percebidos por mim no meu período como chefe da FTM e também
por meus antecessores e superiores da missão.

Contextualização
A distribuição geográfica aproximada das treze missões de manu-
tenção da paz existentes atualmente no mundo é de sete no continente
africano, uma no continente europeu e as outras cinco no continente
asiático. O continente africano é onde ocorre a maior quantidade das
missões (53%), e o maior número de pessoas trabalhando em missões
de manutenção de paz (86%), porém o espaço geográfico onde existe a
maior concentração de missões é o Oriente Médio, com quatro delas em
um raio de apenas 350 km. Dessas quatro missões no Oriente Médio, a
UNIFIL é a maior, com uma força de trabalho de 11.075 pessoas. Essa
força está distribuída em 10.039 tropas, 206 do Estado-Maior e 830 ci-
vis e, dos 10.039 militares na UNIFIL, 780 são da Força-Tarefa Marítima,
o que representa cerca de 8% da UNIFIL.

Então ficamos com o seguinte quadro geral das missões de manuten-


ção de paz no mundo de hoje: existem cerca de 98.000 pessoas traba-
lhando nessas missões e somente 780 estão diretamente envolvidas nas
tarefas da FTM-UNIFIL, o que representa apenas 0,8% da força de tra-
balho total. Logo, o conhecimento e a experiência adquiridos na missão
de manutenção de paz de caráter naval é muito raro e de muito valor.

• 71 •
Desafios
Os desafios aqui apresentados foram elencados pelo alto escalão da
missão em recente visita de delegação VIP. Eles são inerentes à missão
como um todo.

Restrição financeira
Tais restrições obrigam a UNIFIL a implementar rearranjos e a reduzir de
tamanho a cada ano. A cada momento, a UNIFIL, e mais especificamente
a FTM, precisa demonstrar eficiência na aplicação dos recursos e resultado
nas tarefas realizadas, o que tem significado mais criatividade, maior foco
no cliente e melhor aproveitamento e planejamento das ações.

A UNIFIL recebe o controle operacional dos mesmos países participan-


tes. Por delegação, o Force Commander da UNIFIL transfere o controle
operacional dos navios para o comandante da FTM, que assim atua muito
no nível operacional de decisão, em acúmulo com o nível tático. A FTM
está estruturada em uma doutrina CWC (Composite Warfare Commander),
na qual o comandante da FTM atua por veto. Na FTM, emprega-se o
comandante da guerra antiaérea, o comandante das operações de inter-
dição marítima e o comandante da guerra de superfície. Passarei a tratar
então no nível operacional, onde já existe uma real proximidade do cargo
do comandante da FTM. Esses são basicamente desafios de liderança e
adaptação de normas ou ambiente de realidade naval.

A vida a bordo e a vida no quartel


A UNIFIL, na parte terrestre, está dividida em dois grandes setores:
leste e oeste. Ambos têm ampla área interna e instalações excelentes,
com quadras esportivas, ginásio, academia de ginástica, recreação mas,
a bordo do navio, existe uma limitação de espaço intrínseca e uma rotina
de trabalho diferenciada. Além disso, a restrição de licença para compo-
nentes terrestres que vivem num quartel pode ser mais facilmente assimi-
lada devido à possibilidade de afazeres diversos, enquanto que, para um
marinheiro, tal restrição precisa ser constantemente avaliada e feita uma
análise de risco e segurança versus bem-estar e moral.

• 72 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Proteção de civis
No mar, não estamos em contato direto com a população civil. Even-
tualmente, temos que travar contato para um resgate ou assistência hu-
manitária a uma embarcação sinistrada.

Relacionamento com a comunidade


Nós, marinheiros nos navios, não somos vistos pela população quan-
do no mar. Após uma hora de suspender, nossa patrulha é afastada da
população.

A FTM tem mantido relacionamento com escolas libanesas para dispo-


nibilizar os navios para visita entre as crianças e professores. Ao mesmo
tempo, o comandante da FTM tem visitado as autoridades portuárias e
locais, pois existe a necessidade de se apresentar o que está sendo feito.

Evacuação médica e aeromédica


Grande preocupação da ONU, que tem instruções específicas quanto
ao assunto, no mar precisamos de adaptação dos prazos e procedimentos.

O navio capitânia tem uma capacidade maior de atendimento médi-


co, de um hospital de nível 1. O helicóptero embarcado não é um meio
apenas para realização de Evacuação Aeromédica, mas sim um meio
efetivo e operativo do navio.

Presença marítima externa na ONU em águas internacionais


No momento de crise, temos um grande número de navios de guerra,
principalmente de grandes potências como Estados Unidos, Rússia, Fran-
ça, Reino Unido e também Israel. A Força-Tarefa Marítima contribui com
a missão, com a capacidade de monitorar esses avisos, momentos de
crise, possibilitando uma visão externa. O desafio reside na manutenção
de uma compilação de superfície apropriada que permita o controle e o
arrefecimento de qualquer mal-entendido.

• 73 •
A cultura terrestre da ONU
De uma maneira geral, a ONU não conhece as possibilidades e limi-
tações do emprego do poder naval até mesmo pelos números apresenta-
dos na introdução dessa exposição. Portanto, a tendência da FTM é ser
esquecida em exercícios e eventos da própria missão.

Coordenação com a LAF (Lebanese Armed Forces) Headquarters


A FTM realiza encontros periódicos com a LAF Navy para coordena-
ção dos assuntos afetos à parte marítima da missão. Porém, a LAF Navy é
apenas um departamento da LAF, da Lebanese Armed Forces, Forças Ar-
madas Libanesas. Há momentos em que a LAF-HQ interfere na LAF Navy
e a FTM não tem acesso e coordenação com a LAF-HQ.

Oportunidades
O conhecimento adquirido e as competências são transformadas em
documentos. O manual de operações de paz de uma Força-Tarefa Ma-
rítima é um grande exemplo, uma grande meta atingida em 2015 e um
passo inicial para o estabelecimento de uma doutrina naval multinacional
da ONU. Além disso, o conhecimento acumulado ao longo desses nove
anos no comando da missão permitiu que instruções, memorandos e guias
fossem produzidos e tornados verdadeiros repositórios de experiências e
conhecimentos. Assim, o Brasil deixa sua marca no comando da missão.

A interoperabilidade
O inglês é a língua comum, e essa é a única facilidade entre os in-
tegrantes da FTM, já que existe uma diversidade de origem de procedi-
mentos: o que é OTAN e o que não é OTAN, equipamentos modernos e
antiquados, e as tradições mais variadas possíveis. A Força ainda opera
em claro, sem sigilo, pois estamos construindo os procedimentos ope-
rativos da ONU. Além de tudo, procuramos respeitar datas religiosas,
culturas individuais de cada país e até mesmo conviver com contendas

• 74 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

internas. O entendimento e o respeito mútuo são fundamentais. Outro


fator a evidenciar é o estado final desejado: que a LAF Navy e as forças
de segurança sejam capazes de executar as tarefas de segurança maríti-
ma. Portanto, o cumprimento da missão da FTM depende da LAF Navy,
e essa depende da Lebanese Armed Forces, que é dependente do go-
verno do Líbano.

Desafios inerentes à missão


Tratando diretamente sobre as tarefas inerentes à missão, a primeira
seria Comissão de Operações de Interdições Marítimas e a falta de na-
vios da LAF Navy em número, qualidade e deslocamento. Isso provoca
uma limitação no progresso dos adestramentos, é um fator de fraqueza
da responsabilidade SAR do Líbano e, além disso, a LAF Navy tem uma
infraestrutura logística inadequada, tendo em vista o fracasso nas tentati-
vas de reparo ao país e a dependência logística do exterior.

Existe uma inaceitável rotação de pessoal, onde à medida em que o


pessoal vai ficando mais antigo e experiente, é removido para funções
alheias à LAF Navy, ou mesmo durante a qualificação para a função a
bordo, o oficial ou praça desembarca para uma função em terra, muitas
vezes afastada do mar. A consequência disso é o comprometimento dos
objetivos de treinamento.

É observada uma falta de cultura por parte do libanês quanto à men-


talidade marítima, na qual qualquer obstáculo parece ser impossível de
ser superado. Basta ver a dificuldade de se permanecer no mar por pe-
ríodos superiores a 24 horas e na manutenção dos meios. Na parte de
treinamento, a revisão do conceito é constante: ano passado foram reali-
zadas certificações em meios, verdadeiras inspeções operativas e à partir
do meio deste ano, com o novo comandante da LAF Navy, o foco são
os cursos básicos. As tarefas extra-marinha são inesperadas e verifica-se
também dificuldades nas habilidades linguísticas, limitadas por parte dos
libaneses, e falta de padrão a bordo, visto que eles não têm doutrina
própria, dificultando a padronização.

• 75 •
Quadro 1.1

Quadro 1.2

• 76 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

O quadro anterior (1.1) mostra a evolução comparativa entre a FTM e


a LAF Navy desde 2016. A tendência é de redução e enxugamento da FTM
e sem a devida contrapartida de implemento da capacidade da LAF Navy.

O Líbano tem desenvolvido estações costeiras radar. O quadro ante-


rior (1.2), página anterior, apresenta essas novas estações adquiridas por
doação alemã, e recentemente atualizada com software e sistema que
permitem o monitoramento das águas territoriais.

Falta de regramento do ambiente marítimo


Israel e Síria não são signatários da Convenção das Nações Unidas
do Direito do Mar, diferentemente do Líbano e do Chipre, e todos esses
países vivem num extenso campo de óleo e gás marítimo na chamada
Baía do Elefante. Essa questão de limites marítimos não faz parte do
mandato e missão da UNIFIL, mas os desdobramentos causam preo-
cupação, como é o caso do uso de embarcações para manifestações
próximas ao limite de Israel.

Cumprimento do Conceito da Operação


Especificamente quanto ao conceito da operação, a FTM é composta
por seis navios e pelo ConOps (Conceito da Operação). Três navios
devem patrulhar durante 24 horas em sete dias na semana, 365 dias no
ano. Diversos fatores contribuem para que esse planejamento seja desa-
fiador. Atualmente é preparado o programa de manutenção e rotação da
tripulação. A cada seis meses, o navio tem 20 dias para sua manutenção
e living da tripulação. Existem variações por país contribuinte. Grécia e
Turquia, por exemplo, trocam de navio a cada 45 dias; a Alemanha troca
a tripulação a cada 4 meses; a Indonésia troca a tripulação a cada 6 me-
ses; Bangladesh troca a tripulação a cada ano, e o Brasil troca o navio e
tripulação a cada 6 meses.

Além disso, outros fatores apontados no quadro anterior contribuem


para que o objetivo de três navios seja desafiador. A FTM opera no li-
mite de número de navios, porém temos oportunidades de treinamento,
que dificilmente seriam obtidas numa situação normal em nosso litoral.

• 77 •
Quadro 1.3

Quadro 1.4

• 78 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

É uma operação real de comando de força no mar. Existem casos SAR


e de resgate com certa frequência, além da detenção e do acompanha-
mento de contatos militares, aéreos, superfície e submarino.

Conclusão
A FTM-UNIFIL é uma componente de uma missão de manutenção de
paz de caráter naval, inserida pela missão de manutenção de paz. Todo
conhecimento obtido precisa ser retido e disseminado e esse conhecimen-
to pode ser distribuído em diversas esferas. Os navios da FTM precisam
de adestramento a nível individual para estarem prontos para executar
a abordagem, prover a autodefesa, prover o quadro tático de superfície
aéreo e todas as demais tarefas inerentes à rotina de bordo. Além disso,
a FTM precisa cumprir as normas da ONU para a Força-Tarefa maríti-
ma, as diretivas de procedimentos operacionais da missão, UNIFIL, e
as diretivas dos documentos do comandante da Força-Tarefa marítima.
A UNIFIL e, é claro, a FTM, cumprem as normas da ONU e do DPO para
as questões de manutenção de paz.

Assim, é importante ressaltar que o componente marítimo da missão


de manutenção de paz tem contribuído com as seguintes capacidades:

Quadro 1.5

• 79 •
• 80 •
Parte III
CAPÍTULO 9 – Operações de paz de caráter naval: treinando
com foco no futuro

CAPÍTULO 10 – A preparação da Marinha do Brasil


para a UNIFIL

CAPÍTULO 11 – Treinando e ensinando a paz no mar na


perspectiva do Diretor do Centro Interregional de
Coordenação (CIC)

CAPÍTULO 12 – Operações de paz de caráter naval:


treinando e ensinando a paz no mar

CAPÍTULO 13 – O papel do Ministério da Defesa nas


operações de paz
Parte III
CONTRA-ALMIRANTE (FN)
CARLOS CHAGAS VIANNA BRAGA

VICE-ALMIRANTE
JOSÉ AUGUSTO VIEIRA DA CUNHA DE MENEZES

CONTRA-ALMIRANTE
NARCISO FASTUDO JUNIOR

VICE-ALMIRANTE (FN)
PAULO MARTINO ZUCCARO

GENERAL DE DIVISÃO
ROLEMBERG FERREIRA DA CUNHA
Capítulo 9
Operações de paz de caráter naval:
treinando com foco no futuro

Contra-Almirante (FN)
Carlos Chagas Vianna Braga

Para pensar no futuro das operações de paz de caráter naval, deve-


se refletir a respeito das operações já realizadas. No ano de 1978, a
UNIFIL realizou uma operação de paz com estrutura tradicional e, em
2011, permaneceu com essa. Há alguns aspectos interessantes a respei-
to dessa estrutura tradicional, como ser a única em ambiente marítimo;
realizar operações de interdição marítima e treinamento da Marinha no
Líbano; a presença permanente de navio brasileiro em área estratégica
do Mediterrâneo; o primeiro combate a ser exercido por país não inte-
grante da OTAN; a atuação multinacional, incluindo meios de países da
OTAN; Estado-Maior multinacional; complexidade política (ambiente) e
logística (distância); e as lições e os novos procedimentos aprendidos.
Isto é, há uma série de coisas que o Brasil aprendeu, corroborou e fez
durante esse período.

Em vinte de março de 2017, a Fragata União chegou ao Líbano para


a sua quarta participação, o que evidencia a quantidade de vezes em
que o Brasil se mostrou presente no local. A Marinha do Brasil manifestou
a sua intenção de encerrar a missão em 2020. Então, fica a pergunta:
quais serão os próximos desafios? O que se espera da próxima participa-
ção do Brasil? O que o Brasil enfrentará futuramente?
Ao voltar ao passado, na missão de Angola, de 1995 a 1997,
(UNAVEM III - United Nations Angola Verification Mission III) não houve
o uso da força. Sete anos depois, com o Brasil no Haiti (2004-2017),
ocorreram grandes mudanças, pois no país caribenho (2004-2017), sur-

• 83 •
preendentemente, houve o uso da força na operação de paz robusta
integrada. Essa questão foi uma surpresa, pois não estava no cabedal de
conhecimento do Exército Brasileiro e nem da Marinha do Brasil. Apesar
da rápida adaptação do Brasil, observa-se que as experiências anteriores
têm uma importância muito grande no treinamento das Forças.

As instituições precisam ter treinamentos com foco no futuro. Nesse


contexto, três aspectos principais merecem ser observados com atenção:
conhecer a história, ou seja, saber o que aconteceu para poder preparar
e repetir o que foi bem sucedido e não repetir o que foi mal sucedido;
compreender bem a doutrina, já consolidada com base nas experiências
históricas; e os desafios futuros, uma vez que realizar uma previsão é
uma tarefa extremamente difícil, pois treina principalmente o pensamento
reflexivo, que é exatamente a capacidade do oficial de refletir e desen-
volver ideias próprias.

O último item citado é um aspecto muito importante, inovador, tra-


balhado pela Marinha do Brasil na capacitação dos oficiais no Curso
de Aperfeiçoamento Avançado de Oficiais, que permite exatamente que,
além do conhecimento doutrinário normal da instituição, tenha-se uma
parcela acadêmica para permitir desenvolver esse conhecimento reflexi-
vo, o qual faz parte daqueles desafios que não estão escritos, mas que
vão aparecer no futuro.

Fazendo uma referência histórica, em 44 A.C., navios da Rússia e


EUA já operavam juntos no “Chifre da África”, perto da Somália, contra
a pirataria, já identificada naquela época por Cícero, um dos maiores
oradores romanos, como o inimigo comum de todos. Tais ações vão se
repetindo ao longo da nossa história e ainda acontecem hoje na África.
Já na época da Guerra da Coreia (1950-1953), com uma força naval
das Nações Unidas, grandes navios também trabalharam eventualmente
em missões de paz.

Posteriormente, tropas fizeram um desembarque anfíbio na UNEF I (First


United Nation Emergency Force), em SUEZ (1956), demonstrando uma ca-
pacidade importantíssima do poder naval. E, no Camboja, na autoridade
transitória do Camboja (UNTAC – United Nations Transitional Authority of

• 84 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Camboja), em 1993, houve a atuação de observadores desarmados em


lanchas. Já os CLAnfs (Carros “Lagarta Anfíbios”) participaram de opera-
ções de paz embarcando no Líbano com o início da FTM-UNIFIL.
Houve, ainda, a situação no Líbano, onde uma Força-Tarefa Marítima
dos Estados Unidos fez exatamente uma evacuação de não combatentes
naquele país, utilizando a sua capacidade anfíbia. Tropas do Uruguai
trabalharam fortemente nos rios, garantindo a segurança. No mais, a ex-
periência atual, recente, também contou com diversas tarefas que foram
apreendidas e incorporadas. Esses exemplos fazem notar a amplitude de
coisas que podem acontecer numa operação de paz de caráter naval.

Compreensão da doutrina

A teoria não pode encher a mente com fórmulas para a solução de


problemas e também não pode mostrar um único caminho para a
solução do problema [...] Ela deve prover conhecimentos globais sobre
o fenômeno e seus relacionamentos, deixando a mente livre para buscar
a solução do problema [...] A teoria existe para que não se tenha que
partir do zero [...] Ela se destina a educar a mente do futuro comandante
ou, mais precisamente, para guiá-lo na sua autoeducação, não para
acompanhá-lo no campo de batalha. (CLAUSEWITZ, 1984, p.155-156).

Um aspecto muito importante que merece destaque é a compreensão


da doutrina. As questões navais dizem que se deve deixar a mente livre
para a solução dos problemas; ela deve educar a mente dos futuros co-
mandantes e guiá-los. No campo das operações de paz de caráter naval,
há considerações importantes a esse respeito.

A primeira consideração é a de que a doutrina não é dogma, então


pode ser ajustada de acordo com as necessidades do momento. A segun-
da consideração é a de que a doutrina das operações de paz necessita
de entendimento. Logo, não é possível fazer uma operação de paz de
caráter naval sem entender antes o que acontece como um todo. Em se
tratando de uma operação no mar, deve se conhecer a doutrina naval
independente de se tratar de uma operação de paz, além da Convenção

• 85 •
das Nações Unidas para direitos do mar e outras legislações. Muitas
vezes, existe um desconhecimento grande sobre essa Convenção, o que
causa dúvidas sobre a tomada de ações necessárias.
É importante mencionar também o manual feito em 2015 que esta-
belece um arcabouço doutrinário da ONU para essas operações, assim
como a Carta das Nações Unidas, que baliza todo o emprego das opera-
ções de paz. Na época da sua criação, preservar as gerações futuras da
guerra não tinha a intenção de trazer nenhum paraíso, mas exatamente
livrar a humanidade do inferno. Por isso, muitas vezes existe uma frus-
tração durante as operações de paz devido às coisas não acontecerem
exatamente como gostaríamos, mas o espírito é exatamente este: não de
elevar o país, mas de evitar o inferno.
Nas operações robustas, passou-se da imparcialidade para o con-
sentimento, ou seja, a não usar a força exceto em autodefesa. Algumas
missões mais ambiciosas e mais políticas em termos de mudanças de
comportamento e multinacionais chegam ao consentimento e ao não
uso da força, exceto em autodefesa e na defesa do mandato. É uma
realidade: no Haiti, apesar de algumas resistências iniciais ocorridas
em relação a isso, que posteriormente foram superadas, a missão foi
realizada com muito sucesso.
Há várias semelhanças entre operações de guerra e operações de paz
no nível tático. Atualmente, já se tem inteligência sendo utilizada nas mis-
sões de paz. Enquanto antigamente falar em inimigo em operação de paz
era algo impensável, hoje isso é questão de inteligência. Alguns temas
atuais a respeito são: o uso de inteligência; a influência do terrorismo; o
ambiente operacional de risco e o aumento da participação das mulheres
que integrarão o Corpo da Armada e dos Fuzileiros Navais. Há uma série
de possibilidades importantes para a participação feminina, e a Marinha
do Brasil está trabalhando ativamente para isso.

Considerações de doutrina
Nas operações de paz de caráter naval, têm-se uma visão muito clara
da inter-relação entre a guerra no mar e a guerra em terra, o que fica mui-

• 86 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

to claro quando se fala de pirataria e de tráfico de drogas. Tudo isso passa


pelo mar, mas o seu endereço é em terra, ou seja, está inter-relacionado.

As operações de paz de segunda geração começaram a trazer esse


problema na parte do caráter naval, trazendo a necessidade de uma
doutrina específica a respeito. As suas principais ameaças são: a pira-
taria (Somália); o terrorismo (navios sequestrados); o tráfico de drogas
(rotas do tráfico); o tráfico de armas; os refugiados (uma missão em terra
e no mar); as novas tecnologias (as salas de aula modernas, o uso de
armas a laser e drones) e as ameaças ambientais (impacto ecológico e
econômico). Além dessas possíveis situações com as quais as tropas em
mar ou em terra podem se deparar mais constantemente no futuro, o
treinamento também deve considerar o surgimento de novas ameaças.

Considerações finais
As operações de paz contemporâneas têm semelhanças táticas e logís-
ticas com as operações de guerra. Elas também permitem uma experiência
real de emprego para a tropa, contribuem para o preparo das Forças Arma-
das, marcam a presença brasileira no cenário internacional e trazem novos
desafios, tanto nos cenários marítimos como em operações mais robustas.
O Brasil já é hoje uma referência em operações de paz: temos o CCOPAB
(Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil) e o COpPazNav (Centro
de Operações de Paz de Caráter Naval). Os dois livros publicados recen-
temente, frutos da atuação desses Centros, com certeza representam como
os conhecimentos gerados estão sendo armazenados.

Tudo isso são fatores de muita força para o nosso Brasil e, para pensar
no futuro, o ensino tem uma importância fundamental. As lições aprendi-
das fornecem uma base importante, porém não deve balizar tão somente
o treinamento. Ao se pensar nos desafios futuros, é importante desenvol-
ver o pensamento reflexivo: o líder deve ser treinado para ter capacidade
de decidir e de se adaptar às mudanças inesperadas.

• 87 •
Capítulo 10
A preparação da
Marinha do Brasil para a UNIFIL

Vice-Almirante
José Augusto Vieira da Cunha de Menezes

As Marinhas, em geral, possuem uma característica muito forte:


capacidade de mobilidade e de permanência em determinadas áreas,
sem necessidade de apoio externo e de transporte de material. Dessa
maneira, conseguem chegar primeiro aos locais, ponto base ou às
missões, com seu conjugado anfíbio (navios e fuzileiros navais).
A Marinha do Brasil não é apenas uma Marinha fight navy, pois é
voltada para a guerra naval clássica e para as operações de não guerra,
como alguns países classificam. Nesse contexto, torna-se importante
a preparação de uma tropa, como a da Marinha do Brasil, para as
operações de paz.
Ao longo do tempo, e através da sua atuação nas operações de paz,
a Marinha do Brasil mostrou-se preparada para cumprir as missões.
Atualmente, a experiência no Líbano reforçou a qualidade na preparação
das tropas. A operação no Líbano é uma operação de manutenção de paz
com a tarefa de observar, monitorar e coibir confrontos entre Hezbollah
e Israel, no sul do Líbano. Além disso, também é realizada uma tarefa de
adestramento da Marinha do Líbano.
Contudo, esse processo só foi possível através da assinatura de um MoU
cujas principais partes são: regulamentação de padrões de comportamento
da ONU; estabelecimento de conduta disciplinar; e responsabilidades
financeiras e logísticas. Em decorrência da assinatura do memorando, é
realizada a assinatura de uma Carta de Assistência (LOA), com requisições
e diretrizes específicas para a missão, cujas principais partes são: tipo de
navio e de aeronave e requisitos do navio e da tripulação.
A partir da LOA é que efetivamente a parte técnica do adestramento
da preparação do navio se inicia. A LOA 2019 possui uma Corveta, um

• 88 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

helicóptero e pessoal para operá-los de acordo com o seguinte: principais


capacidades do binômio “Navio-aeronave”; todos os sistemas de armas
antiaéreas e anti-superfície operando; e propulsão e geração de energia
em suas capacidades plenas. A tripulação precisa estar em boa condição
física, apresentar excelentes níveis de adestramento e familiaridade com
o idioma inglês. Os navios, até por imposição e por contrato com a
ONU, têm no máximo 200 militares. Diante disso, é feita uma redução
da capacidade de tripulação das fragatas e corvetas brasileiras enviadas
ao Líbano, com o objetivo de atender às exigências da ONU.
A missão no Líbano é de longa duração, cerca de oito meses e meio. Por
isso, deve haver especial atenção aos aspectos relacionados à manutenção
do navio; realização de um Período de Manutenção Extraordinário (PME);
e período de alinhamentos e de experiência de máquina.
Além da grande preparação logística, a tripulação passa por um
adestramento composto por procedimentos de abordagem Grupos
de Visita e Inspeção/Guarnição de Presa (GVI/GP); procedimentos
do Grupo de Reação a Ameaças Assimétricas (GRAA); procedimentos
para condução de Operação de Interdição Marítima (MIO); Controle
de Avarias (CAv) e avarias operacionais; Sistema de Apresentação
Gráfica e Banco de Dados (SAG-BD); Emprego de Armamento não Letal;
e Comunicação Satelital. Os adestramentos individuais e por equipes
serão complementados com Estágios/Cursos voltados para Operações
de Manutenção da Paz: Curso Especial de Operação de Paz de Caráter
Naval; Estágio de Preparação no CCOPAB; e Estágio de Preparação do
Contingente de Operação de Paz. Em paralelo a toda essa preparação,
torna-se cada vez mais necessário o suporte psicológico aos militares e
às famílias dos militares que participam das missões.
Por fim, as exigências da ONU impõem um navio com elevado grau
de aprestamento, operando longe de suas bases logísticas nacionais.
Tais exigências elevam tanto o grau de aprestamento do meio ao início
da preparação quanto o grau de adestramento das tripulações, gerando
projeção internacional da Marinha do Brasil na contribuição para a
manutenção da paz entre Líbano e Israel e obtenção de know-how para
o estabelecimento de uma cadeia logística no exterior.

• 89 •
Capítulo 11
Treinando e ensinando a paz no mar
na perspectiva do Diretor do Centro
Interregional de Coordenação (CIC)

Contra-Almirante
Narciso Fastudo Junior

Histórico
O continente africano, nas suas costas oeste e sul, não tem histórico
de conflitos marítimos envolvendo suas nações, porém desde os anos
90 vem aumentando a incidência do que chamamos de novas ameaças
(pirataria, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, pesca ilegal, crimes am-
bientais). Nesse contexto, aliado aos conflitos fronteiriços, atores inter-
nacionais, desfalecimento do Governo de Kadaff na Líbia, crises internas
dos países do continente por questões sejam raciais, sejam religiosas,
acabam por contribuir de certa forma para o recrudescimento da vio-
lência na região, amplificando as ameaças agora existentes no entorno
marítimo da região.

Desde o ano de 2009, vem se discutindo no âmbito do conselho de


segurança da ONU uma forma dos países da região, especificamente,
do Golfo da Guiné, medidas a serem adotadas para se contraporem às
novas ameaças. Sendo assim, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas, em outubro de 2011, adotou, por unanimidade, a Resolução
2018 (2011), convidando os membros da CEDEAO1, da CCEEAC2 e da
CGG3, em conjunto com Estados de bandeira e dos Estados com vítimas
ou com autores de atos de pirataria ou roubo armado no mar, para co-

1
Países membros: Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana,
Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Togo.
2
Países membros: Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Chade, Congo, Guiné
Equatorial, Gabão, Ruanda, São Tomé e Príncipe, República Democrática do Congo e Angola.
3
Países membros: Angola, Congo, República Democrática do Congo, Camarões, Gabão,
Guiné Equatorial, Nigéria e São Tomé e Príncipe.

• 90 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

operar na detenção de alegados autores, incluindo facilitadores e finan-


ciadores de tais atos. Além disso, saudou a intenção de convocar uma
cimeira com os Chefes de Estados do Golfo da Guiné para considerar
uma resposta abrangente para a questão da pirataria.

Para tal, essa Resolução incentivou a CEDEAO, CEEAC e a CGG a


desenvolverem uma estratégia global, incluindo:

• O desenvolvimento de leis e regulamentos criminalizando a pira-


taria e roubo armado no mar;

• O desenvolvimento de um enquadramento regional para comba-


ter tais atos; e

• O desenvolvimento e o fortalecimento das leis e regulamentações


nacionais para implementar um acordo internacional relevante
para a segurança e proteção da navegação, de acordo com o
direito internacional.

Em junho de 2013, o “Código de Conduta relativo à repressão da


pirataria, roubo armado contra navios e atividades marítimas ilícitas na
África Ocidental e Central”, também conhecido como Código de Con-
duta 2013, foi adotado em Yaoundé-Camarões pelos 25 representantes
dos Estados Africanos da África Ocidental e Central que participaram da
reunião. O Código foi desenvolvido pela CEEAC, CEDEAO e CGG, com
assistência da Organização Marítima Internacional (IMO) e da União
Africana (UA), em conformidade com as Resoluções do Conselho de Se-
gurança das Nações Unidas 2018 (2011) e 2039 (2012).

Adicionalmente, após uma Reunião de Cimeira entre os países do


Golfo da Guiné para institucionalizar o normativo do Código de Condu-
ta de Yaoundé, criou-se o Centro Inter-regional de Coordenação (CIC).

O CIC foi criado para implementar a estratégia regional de seguran-


ça marítima do Golfo da Guiné na luta contra a criminalidade marítima
transnacional, cada vez mais crescente no Golfo da Guiné. Utilizan-
do como mecanismo de coordenação dos dois centros pertencentes à
África do Oeste e à África Central, subordina-se às estruturas de paz e

• 91 •
segurança da União Africana, representada pelas Comunidades Econô-
micas Regionais.

Na Arquitetura de Paz e Segurança da União Africana, temos que


realçar igualmente o sistema de centros de manutenção de paz que
capacitam os elementos que são selecionados para executar missões de
construção e manutenção de paz por todo o Continente. Sendo assim,
possuímos o da África Austral, no Zimbabwe, desde 1995; o da África
do Leste, em Addis Abeba; e o da África do Norte, na Tunísia. Porém,
na África do Oeste e na África Central, possuímos três centros, que são:
o do Mali, chamado “Allioune Blondin Beye”, criado em 1999; o do
Ghana, “Koffi Annan”, criado em 1998 e que funciona desde 2004;
e o da Nigeria Defence College. Tais instituições foram criadas pelos
Ministérios da Defesa para treinar homens, mulheres civis, militares e
policiais, a fim de satisfazer as exigências na mudança das operações
de paz multidimensionais.

Na SADC, os Comitês de Paz começaram a surgir entre 1991 e 1994,


e através dos estudos de alguns casos, como o da vitória da Batalha
de Cuito Cuanavale, onde se deu o primeiro passo para diálogos de
paz em Nova York, no mês de dezembro de 1988; da retirada das for-
ças cubanas, que se iniciaram em 1989; da independência da Namíbia,
em 1990; das primeiras eleições multipartidárias em Angola, no ano de
1992; a democracia multirracial, iniciada na África do Sul, em 1994,
onde no mesmo ano ocorreu o massacre do Ruanda. Então, as forças de
manutenção de paz nessa região recebiam a formação e treinamento em
Harare, no Zimbabwe (operações de apoio à paz; gestão de conflitos;
estudos de paz e segurança).

Operações de paz e novas ameaças


As operações de paz são respostas pragmáticas da comunidade inter-
nacional a uma situação de ameaça ou comprometimento à paz e segu-
rança internacionais. Nas últimas décadas, as operações de paz sofreram
algumas modificações importantes, com a tendência do Conselho de
Segurança das Nações Unidas em priorizar a realização do mandato e a

• 92 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

proteção de civis que correm risco decorrente dos conflitos. Enquanto as


missões tradicionais se davam em conflitos interestatais, as mais recentes
têm sido criadas num ambiente de guerra civil. Com isso, as Marinhas
deixaram de executar apenas tarefas militares (como bloqueio naval) e
passaram a incluir atividades relacionadas com direitos humanos, prote-
ção de civis, refugiados, desmobilização e reintegração de combatentes
e desenvolvimento.

A ONU e as operações de paz

A intenção da Carta da ONU foi de apresentar opções para a solu-


ção de disputas entre Estados, quando a força pode ou não ser usada,
e dar à Organização capacidade de colocar em prática o sistema de
segurança coletiva. Apesar de não constarem especificamente na Carta,
as operações de paz no mundo foram iniciadas em 1948.

A Marinha de Guerra em tempo de paz

Respondendo a uma grande diversidade de missões, as tarefas dadas


às forças navais em missões de paz são distintas daquelas que lhe estão
tradicionalmente atribuídas: para além da presença naval e das outras
tarefas genéricas das Marinhas em situações de crise, as operações de
apoio à paz podem exigir especificamente: vigilância e fiscalização das
áreas sujeitas a restrições; utilização de helicópteros orgânicos para mo-
vimentar forças, prestar ajuda humanitária e evacuação de doentes; em-
penhamento de forças de fuzileiros em operações em terra; capacidade
anfíbia para extrair as forças de paz, trabalhadores ou civis a serviço das
organizações internacionais; assistência a refugiados; fornecimento de
plataformas neutras para negociação; operações de limpeza de minas
marítimas; e cooperação civil-militar. Essa participação passa, na maio-
ria das vezes, pelo emprego de um ou de vários navios. A utilização dos
meios navais nacionais pode fazer-se a nível individual (nacional), ou
através da afetação de meios a uma determinada organização ou força
naval internacional, além das diversas missões de vigilância e patrulha-
mento na região.

• 93 •
Histórico e estrutura do Código de Yaoundé
O CIC deve garantir uma resposta coletiva da região a todas as ame-
aças surgidas nas águas do Golfo da Guiné para assegurar que exista
desenvolvimento da economia azul de todos seus Estados membros. Tra-
balhando diretamente com os centros CRESMAC/CRESMAO e com pon-
tos focais fornecidos pelos Estados Membros, bem como com os comitês
de segurança marítima, que incluem as componentes civis e militares
desses Estados, e em estreita colaboração com os seus parceiros interna-
cionais e com a indústria marítima, pode assim fazer a coordenação dos
programas destinados a evitar e mesmo neutralizar os atos ilícitos. Como
resultado, pode obter uma transportação marítima segura sem proble-
mas de proteção em todos os portos e linhas de navegação costeira do
Golfo da Guiné.

União Europeia e seus projetos na África Central e do Oeste


Os nossos grandes parceiros são as universidades, as Instituições de
Defesa e Segurança, a indústria de transportação marítima, pesqueira,
petrolífera, organizações ambientais – difícil mencionar todos os interve-
nientes no mar. Por outro lado, temos os EUA, a UE, e outros parceiros
como a Índia, China, Rússia e Coreias/Japão, igualmente membros do
Grupo G7 e amigos do Golfo da Guiné.

Soluções para alguns desafios da estrutura do CIC


O conceito de manter o foco e explorar como e onde reforçar a
inter-relação entre os civis e os militares no mar tem como objetivo me-
lhorar a cooperação e a colaboração entre as várias instituições, com
o seguinte intuito: colher as melhores práticas, debater e entender os
desafios e as oportunidades dessas organizações, assim como manter o
nível de segurança marítima na região e evitar as medidas de autoprote-
ção que alguns marinheiros e algumas empresas preferem ao invés das
Marinhas que estão dedicadas a essas funções.

Relatórios do Escritório Marítimo Internacional (IMB) registraram 201


incidentes de pirataria e roubos à mão armada no GG em 2018, e em

• 94 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

2017 registraram 180. Passaram a designar o Golfo da Guiné como


bastante perigoso, com uma tendência horrível de violência exacerbada.
Isso se deu, por exemplo, pois de outubro a dezembro de 2018 houve
41 raptos de tripulantes para além das 100 milhas náuticas, ou seja, dis-
tante das águas territoriais da Costa dos Estados Africanos; seis seques-
tros de navios, e dos 18 navios abordados, 13 haviam sido no Golfo da
Guiné e 130 dos 141 reféns continuavam em cativeiro, e entre 78 dos
83 marinheiros que haviam sido raptados pelo mundo afora pertenciam
ao Golfo da Guiné.

As expectativas do CIC

• Institucionais: estrutura de quatro estágios;

• Estratégicas: multiplicidade de estratégias e coordenação;

• Financeiras: atrasos nas contribuições de CERs e Estados Mem-


bros;

• SMR: Organização da Conferência de Parceiros e Lançamento de


Estudos para o Fortalecimento Financeiro da Estrutura;

• Coordenação de iniciativas de parceiros: COOPERAÇÃO


FINANCEIRA, coordenação, questões de política, diplomática e
internacional, lógica de intervenção.

O CIC pretende cooperar com a Marinha do Brasil nas seguintes


áreas:

• Troca de informações entre as duas faixas do Oceano Atlântico


(interoperabilidade entre os sistemas brasileiros com os da estru-
tura de Yaoundé - CIC);

• Capacitação;

• Formação e treinamento de pessoal (CIC);

• Compartilhamento de experiências (intercâmbio de pessoal, inter-


câmbio de conhecimentos, reuniões temáticas, visitas locais, etc.).

• 95 •
Conclusão
O mar junta as nações, por isso devemos apoiar a liberdade da
navegação marítima. Porém, como o mar é essencial para todos, pas-
samos a ter alguns problemas comuns, que precisam ser resolvidos de
forma pacífica, com aprendizagem e criação de centros de manutenção
de paz. Nesse campo, nossos parceiros continuam a competir, mas nós
precisamos apenas de cooperação. Por outro lado, o marinheiro nunca
se sente sozinho no mar, porque este está cheio de vida. Então, o mar
não deve ser militarizado, mas sim possuir uma defesa coletiva de um
mar aberto apenas com estrito respeito pela Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar a ser promulgado pelos centros de ma-
nutenção da paz.

• 96 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Capítulo 12
Operações de paz de caráter naval:
treinando e ensinando a paz no mar

Vice-Almirante (FN)
Paulo Martino Zuccaro

Introdução
A Marinha do Brasil tem participado intensamente em operações de
paz sob a égide de organismos internacionais nas quais houve a pre-
sença de contingentes brasileiros. Mais recentemente, essa participação
assumiu uma nova dimensão, ao engajar-se em operações de paz de ca-
ráter naval, mediante o compromisso assumido pelo país perante a Força
Interina das Nações Unidas do Líbano, a UNIFIL, mais especificamente
em seu componente naval, Força-Tarefa Marítima (FTM). Atualmente, o
Brasil tem o privilégio de contribuir para essa nobre missão com o Co-
mandante da FTM, uma parcela ponderável de seu Estado-Maior e com
o navio capitânia da Força.
O atendimento a esse relevante compromisso perpassa todos os se-
tores da Marinha, cada qual aportando recursos humanos, materiais e
financeiros para sua materialização. Contudo, é possível destacar duas
Forças e uma Organização Militar, que, atuando de forma sinérgica e
harmoniosa, terminam por incumbir-se da maior parte das tarefas e res-
ponsabilidades relacionadas a essa participação: a Esquadra, a Força de
Fuzileiros da Esquadra (FFE) e o Centro de Instrução Almirante Sylvio de
Camargo (CIASC).
Naturalmente, cabe à Esquadra Brasileira a parcela mais vultosa des-
ses encargos, a começar pelo aprestamento dos navios que, em siste-
ma de rodízio, são designados para exercerem o papel de Capitânia da
FTM. Esse vasto assunto será abordado neste Seminário pelo Coman-
dante-em-Chefe da Esquadra. Desta forma, este autor pretende focar as
atribuições do CIASC e da FFE.

• 97 •
O Centro de Operações de Paz de Caráter Naval do CIASC
O CIASC é considerado um órgão de ensino em nível de excelência
da Marinha, por onde passam todos os Fuzileiros Navais pelo menos
uma vez em suas carreiras, sejam oficiais ou praças graduadas. Dentro
do CIASC, o setor incumbido da atividade em tela é o Centro de Ope-
rações de Paz de Caráter Naval (COpPazNav), onde são conduzidos os
estágios de preparação para as missões de paz de interesse da Marinha,
bem como cursos e estágios de capacitação para missões individuais.
Portanto, aqueles militares que se incorporam às diversas missões de paz
em caráter individual, em sua maioria como observadores militares ou
especialistas, também passam pelo CIASC para obter os conhecimentos
necessários a seu adequado desempenho.
Dentre as diversas atribuições do COpPazNav, cumpre destacar a
acumulação e a disseminação dos ensinamentos colhidos na UNIFIL e
em exercícios ou operações também voltadas para a segurança maríti-
ma. A propósito, é oportuno afirmar que, independente da participação
da Marinha em operações de paz de caráter naval, o COpPazNav do
CIASC preserva a tarefa paralela, igualmente importante, de contribuir
para o desenvolvimento de competências e capacidades no campo da
segurança marítima como um todo, extrapolando o escopo das opera-
ções de paz. Exemplos disso são os adestramentos de grupos de visita
e inspeção e grupos de presa (GVI/GP), assim como adestramentos de
combate à pirataria e ao terrorismo no mar.

O COpPazNav conduz o Cur-


so de Preparação para Missões
de Paz de Caráter Naval, como
é o caso da UNIFIL, e apoia a
Esquadra na preparação das tri-
pulações dos navios que se in-
tegrarão à FTM-UNIFIL. Dessa
maneira, o Centro acaba se con-
figurando como um repositório
dos conhecimentos relativos às
Figura 1:Pista de Conteineres do COpPazNav.

• 98 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

operações de paz na Marinha, sendo inclusive responsável por pesquisas


e as atualizações doutrinárias que se façam necessárias. O COpPazNav
vem crescendo muito desde sua criação, há aproximadamente uma déca-
da, já tendo consolidado seu espaço na Marinha, apoiando não apenas a
Esquadra, mas também a FFE na preparação de seus contingentes para a
participação em operações de paz.

Ademais, existem pelo menos duas inserções do Centro de Operações


de Paz de Caráter Naval nos cursos de Oficiais, tanto em nível avançado
quanto em nível de aperfeiçoamento. O mesmo acontece com os cur-
sos para Sargentos e de Especialização de Cabos, o que mostra que os
nossos Oficiais, de antiguidade intermediária em diante, assim como as
nossas Praças, a partir da graduação de Sargento, tiveram aulas formais
de Operações de Paz pelo menos duas vezes em suas carreiras. Além
disso, é muito comum encontrarmos militares da FFE com uma, duas ou
mais missões de paz em seus currículos, o que representa um diferencial
perante outras forças, no Brasil e no exterior. Vale ressaltar que existem
alguns outros países que também têm uma extensa e tradicional partici-
pação em operações de paz, mas o Brasil hoje pode, certamente, se con-
siderar incluído na lista de nações com maior expertise nessas operações.

Uma relativa novidade, que já está em sua terceira edição, é o Está-


gio de Operações de Paz para Mulheres, recordando que a Organização
das Nações Unidas (ONU) tem feito grandes esforços para o incremen-
to da participação do segmento
feminino nas operações de ma-
nutenção da paz. A presença de
mulheres nessas missões con-
tribui para a humanização das
operações e, nelas, oportuniza
a abordagem de questões de
gênero, ampliando o espectro
de atuação dos peacekeepers.
Então, pode-se dizer que este é
Figura 2:Estágio de Operações de Paz para um aditivo importante que tem
Mulheres.

• 99 •
ocorrido sob os auspícios da ONU, tendo o CIASC adquirido papel de
destaque nesse aspecto.

A Força de Fuzileiros da Esquadra: A Força que vem do Mar!


A FFE, conhecida como “A Força que vem do Mar”, constitui parcela
importante do setor operativo da Marinha do Brasil, sendo composta de
aproximadamente 7.500 homens e mulheres bem preparados e equi-
pados. Além disso, dispõe de aproximadamente 700 viaturas, sendo
mais de 100 delas blindadas nas mais diversas categorias, além de uma
miríade de armas e sistemas de combate. Possui um nível de prontidão
operativa diferenciado. Nossa Força tem amplo espectro de atuação e
de aprovação, principalmente no que tange à nossa atividade-fim, as
operações e ações de guerra naval, com destaque para nossa razão
de ser, que é o desembarque anfíbio em litoral hostil ou potencialmente
hostil. Embora esta seja nossa ocupação principal, nunca deixamos de
lado as demais possibilidades de participação em operações conjuntas,
multinacionais, ações cívico-sociais, ações de defesa civil, ações de bus-
ca e resgate, operações humanitárias e de resposta a desastres, como é
o caso da recente operação em resposta ao desastre ambiental decor-
rente das manchas de óleo que contaminaram milhares de quilômetros
do litoral brasileiro.

Com relação às operações de


paz, participamos recentemente da
Missão das Nações Unidas para
Estabilização do Haiti (MINUSTAH)
e da Força Interina das Nações
Unidas no Líbano (UNIFIL), mas,
ao voltarmos um pouco mais no
tempo, podemos mencionar tam-
bém outras operações, como as de
Angola (UNAVEM) e de Moçambi-
que (ONUMOZ), neste último caso
Figura 3: FFE - atuação em amplo
espectro. com observadores militares.

• 100 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

A FFE cumpre um intenso e rigoroso ciclo de adestramento, cuja pe-


riodicidade é anual. Esse ciclo nos permite realizar o aprestamento da
força nas diversas operações e ações em que poderemos ser emprega-
dos. Contudo, dentre todas essas possibilidades de emprego, são priori-
zadas as operações anfíbias, nossa razão de ser, as operações ribeirinhas
e as atividades de emprego limitado da força, também conhecidas pelo
acrônimo “ELIF”. Esse último grupo abarca diferentes formas de atuação,
dentre as quais se destacam as operações de garantia da lei e da ordem
(GLO) e as de paz.

Nosso adestramento para todos esses tipos de operações é progressi-


vo e acontece em várias localidades. No nível de adestramento de equi-
pes e frações, o primeiro logo acima do individual, é realizado o exer-
cício ADEST-EQ/FFE ao início de nosso eixo central de adestramento.
Normalmente, ocorre na Ilha da Marambaia-RJ.

No nível de subunidade, são realizados os exercícios do tipo SUBEX,


em sua maioria conduzidos na Área de Apoio Administrativo que a FFE
mantém em Itaoca-ES, que, a propósito, é muito útil e permite a realiza-
ção de vários outros adestramentos e instruções, inclusive por unidades
não pertencentes à FFE. Para o chamado Batalhão “ELIF”, que se adestra
também para as operações de paz, o exercício SUBEX é uma excelente
oportunidade para a prática de diversas atividades típicas de um Batalhão
de Infantaria participando de operações de paz. Para esse Batalhão, o
adestramento é focado na doutrina de operações de paz da ONU, em
especial o contido no United Nations Infantry Battalion Manual (UNIBAM).

Na prática, o Batalhão ELIF se prepara para constituir o núcleo de um


Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais para operações de paz, em
conformidade com os compromissos assumidos pela Marinha e pelo Bra-
sil perante a ONU, no âmbito do sistema United Nations Peacekeeping
Capability Readiness System (UNPCRS). Já os adestramentos de nível uni-
dade podem ocorrer em duas principais áreas: no Campo de Instrução
de Formosa-GO ou no Campo de Instrução da Escola de Sargentos das
Armas, em Três Corações-MG, ambas pertencentes ao Exército Brasilei-
ro, que gentilmente nos cede esses espaços já há vários anos. Nesta fase

• 101 •
do adestramento, é testada a Força de Emprego Rápido (FER) da FFE,
que justamente corresponde a um Grupamento de Fuzileiros Navais de
nível Unidade Anfíbia (UAnf).
O coroamento do eixo central de adestramento da FFE se dá por meio
da Operação DRAGÃO, um exercício anfíbio em que praticamos nossa
capacidade de projeção de poder sobre terra utilizando o máximo de
nossas capacidades de combate. Em termos ideais, esse exercício deve
ser realizado no nível Brigada Anfíbia (BAnf). No ano de 2019, a Ope-
ração DRAGÃO foi cancelada para que a Esquadra e a FFE pudessem
realizar a Operação AMAZÔNIA AZUL – MAR LIMPO É VIDA! Foi uma
das principais atividades realizadas pela Marinha em resposta ao terrível
desastre ambiental que se abateu sobre parcela ponderável do litoral
brasileiro, contaminado por um grave derramamento de óleo.
Deste modo, configura-se um ciclo de adestramento contínuo, ano
após ano, onde sempre teremos tropas aprestadas para as operações an-
fíbias em condição de emprego imediato, mas também para outras possí-
veis aplicações do Poder Naval, particularmente as operações ribeirinhas
e as de paz. Esse alto nível de prontidão operativa pode ser crucial não
apenas para a participação em operações de paz já constituídas e estabi-
lizadas, mas também para que se componham forças interinas de rápido
desdobramento para atuação em áreas conflagradas, interrompendo con-
flitos e crises humanitárias, proporcionando à ONU algum tempo para a
organização de uma operação de manutenção da paz propriamente dita.
Neste caso, a Marinha pode oferecer a FER da FFE, que, como já
visto, consiste em uma UAnf, nucleada em um Batalhão de Infantaria
de Fuzileiros Navais. No início de 2004, ano em que foi estabelecida a
MINUSTAH, a FFE realizou um exercício de acionamento da FER, que foi
denominado Operação ALBATROZ, justamente usando como tema uma
possível participação em uma força interina tal como acima descrito.
Ocorre que, aproximadamente à mesma época, precedendo o estabele-
cimento da MINUSTAH, foi enviada ao Haiti a Multinational Interim Force
- Haiti (MIF-H), que promoveu uma pacificação precária das partes em
conflito, até que a ONU lograsse iniciar a referida missão de paz, que
contou desde o início com a marcante liderança do Brasil. A MIF-H era

• 102 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

basicamente organizada sob a forma de uma UAnf e era composta por


tropas do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, que também detinham
seu Comando, na pessoa do Brigadier General Ronald Coleman, além
de militares de Canadá, Chile e França. A transferência de responsabili-
dade da MIF-H para a MINUSTAH ocorreu em junho de 2004.
Em um primeiro momento, pensou-se na possibilidade de que o
GptOpFuzNav acionado no exercício ALBATROZ pudesse ser enviado
ao Haiti para iniciar suas operações ainda na fase de MIF-H. No final,
isto não aconteceu e esse Grupamento Operativo foi remodelado para
integrar-se à MINUSTAH, de
que participou do primeiro ao
último contingente.
No ano de 2013, a FFE re-
alizou um exercício interessante
no contexto da Comunidade
dos Países de Língua Portugue-
Figura 4: Operação ALBATROZ (2004) - acio-
sa (CPLP), em um cenário em
namento da FER.
grande medida semelhante ao
vivenciado pela MIF-H e pela
MINUSTAH no Haiti. Tratou-se
do desembarque de uma UAnf
em um país convulsionado por
uma grave crise interna, com
características já próximas às
de uma guerra civil, abrindo
Figura 5: Tropas da MIF-H em ação nas ruas
de Porto Príncipe. caminho e ganhando tempo
para que a ONU pudesse or-
ganizar uma operação de ma-
nutenção da paz, conduzida
por seu Department of Peace
Operations (DPO). O exercício
propriamente dito foi executado
na área de adestramento man-
Figura 6: Operação FELINO – 2013. tida pela Marinha em Itaoca-ES

• 103 •
e contou com a participação de: Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambi-
que, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Conclusão
Sumarizando o presente artigo, cabe-nos ressaltar conclusivamente os
principais aspectos oferecidos ao leitor em seu conteúdo. Primeiramen-
te, é nítida a elevada importância que a Marinha do Brasil atribui a seu
aprestamento para engajar-se em operações de paz, seja por meio de
tropas, de navios ou mesmo de observadores e especialistas em missões
individuais. Até porque continua sendo uma das possibilidades de apli-
cação do Poder Naval com as mais altas probabilidades de ocorrência.

Essa participação é histórica, mas adquiriu maior vulto e relevância


com a MINUSTAH e a UNIFIL, que, aliás, se configuram como missões
muito bem sucedidas e fontes valiosíssimas de ensinamentos para novos
compromissos em prol da paz e da segurança internacionais.

Há que se enfatizar, igualmente, o grande avanço representado pela


criação do COpPazNav. São notáveis suas contribuições para o aper-
feiçoamento da instrução e do adestramento em operações de paz na
Marinha, tendo se consolidado como um grande repositório de conheci-
mentos e um órgão com grande capacidade de conduzir cursos e even-
tos de alto nível, inclusive em âmbito internacional, como foi o caso
deste Seminário.

Finalmente, restou evidenciado o alto nível de prontidão operativa da


FFE, fazendo-a capaz de aportar vultosas contribuições para as opera-
ções de manutenção da paz propriamente ditas, mas também e diferen-
cialmente para a conformação de forças interinas de rápido desdobra-
mento, capazes de, cumprindo resoluções do Conselho de Segurança da
ONU, fazerem cessar hostilidades e propiciar tempo àquele organismo
internacional para que inicie uma missão de paz propriamente dita, es-
truturada e supervisionada pelo DPO.

ADSUMUS!

• 104 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Capítulo 13
O papel do Ministério da
Defesa nas operações de paz

General de Divisão
Rolemberg Ferreira da Cunha

Atualmente, no Ministério da Defesa, a ideia de atuação em conjunto


prospera bons resultados. Essa, inclusive, é reverberada pelo Chefe do
Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, o Brigadeiro Baptista Júnior,
exaltando que a ideia de conjunto fortalece as instituições, de forma que
se tem procurado atuações cada vez mais integradas, tomando decisões
conjuntas, com o objetivo precípuo de avançar em soluções de modo
mais pleno e mais econômico.

Inspirado nessa visão, abordaremos a participação do Ministério da


Defesa na preparação de um contingente brasileiro a ser desdobrada
em uma missão de paz, para que se possa entender qual é o papel do
Ministério da Defesa nesse contexto e, particularmente, no aspecto da
preparação e treinamento.

A título de considerações iniciais, vale ressaltar a relação do Ministério


da Defesa e da ONU, perpassando, evidentemente, pelo Ministério das
Relações Exteriores, pela missão permanente do Brasil junto à ONU.
Contudo, essa é uma relação de guardião: o Ministério da Defesa exerce
o papel de ser o grande guardião da demanda da ONU.

Dito isso, põe-se à luz dois documentos que amarram e direcionam


o trabalho do Ministério da Defesa, de forma que se busca fiscalizar,
valorizar e preservar o que se tem como vigente, uma vez que tais
documentos colocam os Estados-Membros como atores responsáveis por
oferecer treinamento e currículos baseados num acordo, numa resolução
previamente determinada. Por aí já cabe o esclarecimento de que onde se
lê Estados-Membros, deve-se ler, no caso do Brasil, que a formalização
do processo, ou a assinatura de anuência, é do Ministério da Defesa.

• 105 •
Pelos ordenamentos jurídicos com que trabalhamos, observa-se que a
nossa Constituição traz os princípios que regem as relações internacionais.
Há também a lei que dispõe sobre o envio das Forças Armadas ao exterior,
assim como a política e a Estratégia de Defesa Nacional, bem como o
Livro Branco da Defesa, que conforma o arcabouço jurídico da questão
em pauta. É um princípio base prepararmos tudo o que diz respeito à
missão de paz.

Descendo um pouco mais, chega-se nas leis complementares,


e a Lei Complementar 97/1999 dispõe sobre as normas gerais para
a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Tal lei
subordina diretamente ao Ministério da Defesa o emprego das Forças
Armadas em operações de paz, assim como enfatiza que compete ao
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas elaborar o planejamento
e o emprego conjunto das Forças Armadas e assessorar o Ministro
da Defesa no que tange à atuação de brasileiros em forças de paz e
outras atribuições que forem estabelecidas e a quem compete também
coordenar a interoperabilidade entre as forças singulares.

Nessa feita, vale destacar que existe uma lei que complementa a
Lei Complementar 97/1999: a Lei Complementar 136/2010, que traz
consigo no seu inciso II, artigo 15, o papel exercido pelo Ministro da
Defesa “(...) para fim de adestramento, em operações conjuntas, ou por
ocasião da participação brasileira em operações de paz”. Essa lei serve
para dar respaldo jurídico ao trabalho do Ministério da Defesa.

Baixando já aos ordenamentos normativos, pode-se encontrar


a recente Portaria Normativa nº 73 do Gabinete do Ministério da
Defesa, de novembro de 2018, que aprova as diretrizes ministeriais
para o gerenciamento da participação brasileira em operações de
paz sob a égide da ONU e de outros organismos internacionais,
trazendo outros elos como gerenciar com eficiência a participação
das Forças Armadas em operações de paz. Ademais, no anexo do
referido documento, aponta-se a missão mais direta e objetivamente,
cabendo ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas normatizar as
atividades destinadas.

• 106 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

O verbo é normatizar: a implantação, o preparo, o emprego e a


repatriação de meios militares nacionais e de militares em missões
individuais. Da natureza desses verbos, as tarefas vão sendo cumpridas.
Baseado então no que diz o anexo da supramencionada portaria, enfatiza-
se como primeira fase a normatização da implantação, do planejamento
e da coordenação das ações de paz. Trata-se de algo bastante complexo,
porque não envolve somente o Ministério da Defesa. Mesmo que a missão
seja da Marinha, do Exército e da Força Aérea, ela envolve também todas
as forças singulares, o reconhecimento extremamente detalhado dessa
missão, sua dimensão e custo/benefício, a estimativa de seu êxito ou
fracasso, a periculosidade das ações; ou seja, há uma série de coisas
envolvidas nesta fase da implantação.
A seguir, emerge a fase da preparação. Cabe destacar aqui os seguintes
verbos: monitorar, coordenar e apoiar as atividades de preparo conjunto.
Uma vez mais, a ideia da atuação em conjunto se faz presente, porque
se estabelece o planejamento em conjunto e o emprego integrado, se
orienta e supervisiona as atividades de instrução e adestramento e se
promove a interoperabilidade.
Em momento subsequente, chega-se à fase de emprego, já com a
tropa no terreno. Nesta fase, se adjudica uma força para fazer uma
operação de paz sob a égide da ONU.
Resumindo, há que se monitorar, coordenar o apoio nacional, os
meios e o pessoal desdobrado, acompanhar as atividades realizadas
nas missões de paz, tanto o contingente quanto individual, e controlar
e manter as comunicações com os militares empregados nas operações
de paz. Esse último caso se faz mais complexo nas missões individuais,
tendo em vista a capilaridade e a disseminação no terreno. E quanto
à repatriação, entre outras coisas, deve-se coordenar as atividades
destinadas à repatriação regular.
O documento que rege essa instrução para a coordenação das
atividades de preparo, emprego e repatriação do contingente brasileiro
da UNIFIL, especificamente nesse caso, é anual. Nele, constam a
finalidade, as características e os objetivos. Trata-se de um documento

• 107 •
feito a várias mãos e não é algo provido pelo Ministério da Defesa, mas
oriundo de várias reuniões feitas com todas as forças, para que nele sejam
apresentadas todas as ações numa ordem cronológica, com designação
de participantes e responsabilidades. Tal documento amarra toda a fase
desde o planejamento do preparo até a repatriação.

Quanto às atividades de preparo, basicamente todo o aprestamento


de um contingente e também, em alguma medida, da missão individual,
divide-se em dois pacotes. O “pacote verde” se vincula às Forças Armadas,
que preparam os seus homens no seu dia a dia, na sua capacidade, na
sua prontidão, fazendo a seleção do pessoal para uma missão e para
a formação da unidade. O “pacote azul”, por sua vez, na sua primeira
etapa, visa a preparar o militar quanto ao ambiente ONU: como as leis
da ONU são regidas, quais são as características do sistema, qual é o
Código de Conduta. Além disso, também treina os instrutores, já que no
contingente, nessa primeira etapa, não se tem como desenvolver esse
processo com todos os militares, então aqueles comandantes e chefes que
participam desse estágio voltam para o seu contingente e disseminam esse
conhecimento. Dessa forma, emerge a segunda etapa, que é a preparação
do contingente por esses instrutores. Já a terceira etapa é o exercício final
do pré-desdobramento, que fica a cargo da Força.

Vale ressaltar que a Força realiza um pacote misto, por assim dizer,
porque nele há tanto a parte de emprego específico da força quanto a
parte do que rege a ONU. Um militar pode ser qualificado em Centros
de Treinamento, como o Centro de Treinamento em Brasília, mas pode
ser qualificado num Centro de Treinamento no Exterior, desde que o curso
seja credenciado e homologado pela ONU. Esse militar tem o treinamento
convencional da tropa e o específico para a missão. A Força deve buscar
certificação da ONU para seus cursos e estágios, pois seu reconhecimento
é importante para que o Ministério da Defesa emita o certificado da tropa
operacional, tanto para contingente quanto para as missões individuais,
justamente para proteger as normas ao longo do texto citadas.

• 108 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Outra questão importante a destacar é que a ONU não certifica a


escola, mas o curso. Dessa forma, diante da iniciativa de certificação
de determinado curso, a escola solicita seu reconhecimento, o que terá
sua entrada realizada via escritório do Ministério da Defesa do Brasil nos
Estados Unidos, o qual chega a um órgão próprio e competente que
analisa os parâmetros do curso. Tais parâmetros, com suas exigências e
solicitações, voltam para a escola e, por fim, depois de todo o trabalho
feito, gera-se a emissão de um diploma para o curso.

Quanto à certificação do desdobramento, tanto individual quanto


coletivo, para esclarecer quais são as exigências da ONU, solicita-
se, por exemplo, ao governo do Brasil, que ateste por escrito que não
tem conhecimento de nenhuma alegação, envolvimento de indivíduo
por ato ou omissão na prática de ações que representem violações
na Lei Internacional dos Direitos Humanos ou do Direito Humanitário
Internacional, sendo de responsabilidade do governo do Brasil garantir
que se forneça treinamento necessário. Reforça-se aí, novamente, a
importância da certificação do curso, inclusive para abordar questões
como conduta, disciplina, prevenção, exploração e abuso sexual.

Como considerações finais, observa-se que o Ministério da Defesa


participa de todas as fases da missão, desde a sua implantação até
a repatriação, e tem como missão normatizar, gerenciar, coordenar,
supervisionar, monitorar, acompanhar e controlar. Tudo isso consta num
sistema radicalmente integrado, em conjunto com as Forças, com o
Ministério das Relações Exteriores e com o seu escritório permanente na
ONU. Essa integração é feita através de todos os canais, desde reuniões
e documentos formais até mesmo contatos via WhatsApp, demonstrando,
portanto, a necessidade recorrente e fundamental de trabalharmos em
conjunto a todo o momento.

• 109 •
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 97, de 09 de junho de 1999. Dispõe sobre normas gerais para organização,
preparo e emprego das Forças Armadas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/lcp/lcp97.htm

BRASIL. Lei nº 136, de 25 de agosto de 2010. Altera a Lei Complementar nº 97, de 09 de junho
de 1999, que “dispõe sobre normas gerais para organização, preparo e emprego das Forças
Armadas”, para criar o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e disciplinar as atribuições
do Ministro de Estado da Defesa. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/
Lcp136.htm

BRASIL. Ministério da Defesa. Gabinete do Ministro. Portaria nº 73, de 20 de novembro de 2018.

BRASIL. Decreto 373, de 25 de setembro de 2013. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF:
Ministério da Defesa, 2013. Disponível em: http://www.defesanet.com.br

BRASIL. Decreto 373, de 25 de setembro de 2013. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília, DF:
Ministério da Defesa, 2013. Disponível em: http://www.defesanet.com.br

• 110 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Conclusão
Almirante de Esquadra (Fuzileiro Naval)
Alexandre José Barreto de Mattos
Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais

Ao se propor a realização de um Seminário Internacional de Opera-


ções de Paz de Caráter Naval, admite-se a necessidade de refletirmos
conjuntamente a respeito dos enormes desafios que se fazem presentes
no cenário marítimo internacional contemporâneo.
Considerando o fato de que cerca de 70% da superfície do globo é
composta por água, é imprescindível que seja direcionada especial aten-
ção às diversas ameaças que se impõem à paz e à segurança no mar, o
que implica, consequentemente, em um nível crescente de responsabili-
dade por parte das nações comprometidas com tais questões.
O conjunto de artigos que compõe esta obra foi fruto do rico debate
estabelecido entre profissionais dos meios civis e militares, que atuam no
âmbito da defesa e das relações internacionais, os quais se propuseram
a compartilhar experiências e boas práticas vivenciadas no que tange
às operações de paz de caráter naval. As trocas ocorrida por ocasião
do Seminário realizado em outubro de 2019 certamente contribuíram
para ampliar o conhecimento existente a respeito do assunto, bem como
podem ajudar a balizar e respaldar as ações dos tomadores de decisão
diretamente envolvidos em tais missões.
Nesse contexto, foi com grande orgulho que o Brasil compartilhou
sua experiência na Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações
Unidas no Líbano, maior exemplo de nossa atuação em prol da promo-
ção da paz em ambiente marítimo, por meio do uso de nossos meios
navais. Já são oito anos de operação, em que nossas fragatas e suas
tripulações se revezam, gerando continuidade em um trabalho que visa
não apenas levar maior segurança ao litoral daquele país, impedindo
atividades criminosas diversas, como também contribuir para a formação
e o treinamento de sua Marinha.

• 111 •
Esta e outras vivências foram compartilhadas ao longo do dia de
exposições, encontrando-se relatadas nesta obra, com a participação
de especialistas brasileiros e estrangeiros, os quais integraram os três
painéis que trouxeram diferentes contribuições e pontos de vista acer-
ca do tema discutido. Estou certo de que o público presente naquela
ocasião teve a oportunidade de se beneficiar com as análises acerca
das ameaças à paz presentes no ambiente marítimo, das diferentes ma-
neiras de identifica-las e combatê-las, bem como da importância de se
perpetuar entre as Marinhas amigas o conhecimento decorrente de tais
experiências. A disseminação dos aprendizados obtidos é fundamental
para o constante aperfeiçoamento das missões realizadas e das tropas
empregadas nesse tipo de operação.

O maior benefício que se alcança a partir desta coletânea é o fato da


mesma nos proporcionar diferentes perspectivas que certamente contri-
buirão para ampliar nossos horizontes acerca do tema. Dessa forma, nos
mantemos firmes em nosso propósito de estarmos prontos e preparados
para atuar no cenário internacional contemporâneo, sendo um vetor do
estado brasileiro na promoção da paz e na cooperação para o progresso
da humanidade.

Adsumus!

• 112 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Autores
Contra-Almirante (FN)
RENATO RANGEL FERREIRA
Comandante do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo

O Contra-Almirante (FN) Renato Rangel Ferreira é o atual Comandan-


te do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo. As funções mais
recentes que exerceu foram as de Comandante do Material de Fuzilei-
ros Navais, Imediato do Comando do Desenvolvimento Doutrinário do
Corpo de Fuzileiros Navais e Comandante do Batalhão Naval. Realizou
o Curso de Altos Estudos e Política e Estratégia e o Curso Superior de
Defesa na Escola Superior de Guerra, assim como o Curso de Política e
Estratégia Marítimas na Escola de Guerra Naval e o Amphibious Warfare
School no United States Marine Corps, entre outros.

Embaixador
RUBENS ANTÔNIO BARBOSA
Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo e Presidente e fundador do
Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

O Embaixador brasileiro Rubens Barbosa é consultor de negócios.


Entre outros cargos atuais, é presidente do Conselho Superior de Co-
mércio Exterior da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo), presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo e pre-
sidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio
Exterior (IRICE). Escreve regularmente no jornal O Estado de São Paulo
e é autor de diversos livros e ensaios. Foi Embaixador do Brasil em
Washington e em Londres. É Mestre pela Escola Superior de Ciências
Econômicas e Políticas de Londres (London School of Economics and
Political Science).

• 113 •
Almirante de Esquadra
ILQUES BARBOSA JUNIOR
Comandante da Marinha

O Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior é o Comandante da


Marinha. As funções mais recentes que exerceu foram as de Comandante
da 2ª Divisão da Esquadra, Secretaria de Ciência, Secretário de Tecno-
logia e Inovação da Marinha, Diretor de Portos e Costas, Comandante
do 1º Distrito Naval, Comandante em Chefe da Esquadra, Diretor-Geral
do Pessoal da Marinha, Chefe do Estado Maior da Armada. Realizou o
Curso Regular de Estado Maior da Academia de Guerra Naval da Ar-
mada do Chile, o Curso de Política e Estratégia Marítimas na Escola de
Guerra Naval, o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia na Escola
Superior de Guerra, entre outros.

Contra-Almirante (FN)
ROGÉRIO RAMOS LAGE
Comandante Naval de Operações Especiais

O Contra-Almirante (FN) Rogério Ramos Lage é o Comandante Na-


val de Operações Especiais. As funções mais recentes que exerceu fo-
ram as de Oficial de Intercâmbio com o United States Marine Corps,
Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais (Comandante),
Ministério da Defesa (Subchefe de Operações de Paz) e Comando de
Operações Navais (Subchefe de Inteligência Operacional). Realizou
cursos de Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais de Infantaria – EsAO,
Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais do Corpo de Fuzileiros Navais,
Curso de Estado-Maior para Oficiais Intermediários, Curso de Estado
-Maior para Oficiais Superiores, Curso de Política e Estratégia Maríti-
mas, entre outros.

GISELA VIEIRA
Representante da Organização Marítima Internacional (IMO)

Gisela Vieira é Gerente de Projetos de Segurança Marítima da Orga-


nização Marítima Internacional e ingressou na Instituição em 2010 como
Oficial de Projeto (Jurídico) do Projeto de pirataria para a implementação

• 114 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

do Código de Conduta do Djibouti. Atuou como Gerente de Projeto da


África Central e África Oriental da Organização Marítima Internacional
do Programa de Segurança Marítima, e entre outras coisas, atuou na
Marinha do Brasil como oficial técnico da Representação Brasileira na
Organização Marítima Internacional.

RICHARD MORRIS
Gerente de Programa MDA, Maritime Domain Awareness and Trade – Gulf of Guinea
Section (MDAT-GoG), Royal Navy, Reino Unido

Richard Morris é Gerente do Programa de Consciência Situacional Ma-


rítima do setor de Guerra de Informação da Marinha Real Britânica (Royal
Navy), atuando como contratado civil do Ministério da Defesa do Reino
Unido. Serviu à Marinha Real Britânica por 36 anos, período no qual co-
mandou diversos navios de guerra, como o HMS TRUMPETER e o HMS
SOUTHAMPTON. Suas últimas funções em serviço foram as de Oficial de
Ligação da Marinha Britânica no Golfo e de Oficial Comandante da Naval
Party 1023, na Embaixada Britânica em Dubai, Emirados Árabes.

RICARDO OLIVEIRA DOS SANTOS


Professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (IRI/PUC-Rio)

Coordenador Adjunto da Graduação e Professor do Quadro Comple-


mentar do IRI/PUC-Rio.

Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal


do Rio de Janeiro (PEPI/UFRJ). Possui graduação e mestrado em Relações
Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(IRI/PUC-Rio). Em 2012, foi Visiting Research Fellow do Departamento de
Ciência Política da Brown University.

General de Divisão
CARLOS HUMBERTO LOITEY
(Ejército de la Republica Oriental del Uruguay), UN Military Advisor

O General de Divisão Loitey é Conselheiro Militar e Secretário Geral


Adjunto. As funções mais recentes que exerceu foram as de Delegado da

• 115 •
Junta Interamericana de Defesa em Washington DC e Chefe de Missão
das Forças Armadas e de Defesa do Uruguai. Possui vasta experiência
em Operações de Paz das Nações Unidas, já tendo servido em cinco
missões: UNIIMOG, UNTAC, UNAMIR, MONUSCO e MINURCAT. O
Coronel Loitey graduou-se na Academia Militar do Uruguai como Te-
nente de Infantaria, em 1977. Em 1993, realizou o curso de Comando e
Estado-Maior na Escola do Estado-Maior do Uruguai, cursando, poste-
riormente, a Escola de Guerra das Forças Armadas.

Contra-Almirante
EDUARDO AUGUSTO WIELAND
Comandante da Maritime Task Force da Força Interina das Nações Unidas no Líbano
(FTM-UNIFIL)

O Contra-Almirante Eduardo Augusto Wieland é o Comandante da


Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano
FTM-UNI-FIL. As funções mais recentes que exerceu foram as de Co-
mandante do Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão e de
Superintendente Técnico do Centro Tecnológico da Marinha no Rio de
Janeiro. Formou-se na Escola Naval e, posteriormente, realizou os se-
guintes cursos: Comando e Estado-Maior para Oficiais Superiores, na
Escola de Guerra Naval; Altos Estudos de Política e Estratégia e Curso
Superior de Defesa, ambos na Escola Superior de Guerra.

Capitão de Mar e Guerra


BONIFACE KONAN
Director of the West African Regional Center for Maritime Safety and Security (CRESMAO)

O Capitão de Mar e Guerra Boniface Konan é Diretor Interino do


Centro Regional de Segurança e Proteção Marítima da África Ocidental
(CRESMAO) desde setembro de 2016. Ocupou vários cargos de coman-
do na Costa do Marfim, como a Base Adiake (2005-2009), a Força-
Tarefa marfinense do Teatro de Operações (2007-2011), além de ser o
Inspetor Geral da Marinha de seu país desde 2012. Em 2008, Konan
graduou-se em diplomacia pela Escola Nacional de Administração de
Abidjan - Costa do Marfim e, em 2014, concluiu a faculdade de Guerra
da Universidade de Defesa Nacional da China.

• 116 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

DANILO MARCONDES DE SOUZA NETO


Professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (IRI/PUC-Rio)

Graduou-se em Relações Internacionais pela PUC-Rio em 2007. Cur-


sou um semestre de intercâmbio acadêmico na State University of New York
at New Paltz (SUNY – New Paltz). Foi estagiário do Centro de Informação
das Nações Unidas no Rio de Janeiro (UNIC-Rio) e assistente de pesquisa
e bolsista de iniciação científica no Instituto de Relações Internacionais da
PUC-Rio e no Radar do Sistema Internacional. Atualmente é professor do
curso de graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio.

Vice-Almirante (FN)
PAULO MARTINO ZUCCARO
Comandante da Força de Fuzileiros da Esquadra

O Vice-Almirante (FN) Zuccaro é Comandante da Força de Fuzileiros


da Esquadra desde 2018. As funções mais recentes que exerceu foram as
de Comandante da Divisão Anfíbia, de 2013 a 2015; Comandante do
Comando do Material de Fuzileiros Navais, de 2015 a 2016; e Chefe do
Departamento do Desporto Militar do Ministério da Defesa, de 2016 a
2018. Realizou o Curso Especial Avançado de Operações Anfíbias, Cur-
so de Estado-Maior para Oficiais Superiores e o Curso de Política e Estra-
tégia Marítimas. No exterior, realizou o Curso de Comando de Infantaria
de Marinha, na Espanha, e o Curso de Comando e Estado-Maior Naval
para Oficiais Infantes de Marinha, na Argentina.

Vice-Almirante
JOSÉ AUGUSTO VIEIRA DA CUNHA DE MENEZES
Comandante em Chefe da Esquadra

O Vice-Almirante José Augusto Vieira da Cunha de Menezes é Co-


mandante em Chefe da Esquadra da Marinha do Brasil. As funções mais
recentes que exerceu foram as de Comandante do 1º Distrito Naval,
Chefe do Gabinete do Comandante da Marinha e Secretário da Comis-
são Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM). Realizou o Curso
de Estado-Maior para Oficiais Superiores na Escola de Guerra Naval,

• 117 •
o Curso de Política e Estratégia Marítimas na Escola Superior de Guerra
(ESG) e o Curso Superior de Política e Estratégia na Escola Superior de
Guerra de Brasília, entre outros.

General de Divisão
ROLEMBERG FERREIRA DA CUNHA
Subchefe de Operações de Paz, Ministério da Defesa

O General de Divisão Rolemberg Ferreira da Cunha atualmente ocupa


o cargo de Vice-Chefe de Operações de Paz do Estado Maior Conjunto do
Ministério da Defesa. Ele ingressou no Exército Brasileiro em 1978. Desde
então, ocupou diversos cargos, tais como Comandante da Companhia de
Helicópteros de Manobra, Oficial de Operações do 3º Esquadrão de Avia-
ção do Exército, assessor parlamentar do Gabinete do Comandante do
Exército e como Oficial General atuou como Diretor Adjunto do Colégio
Interamericano de Defesa, com sede em Washington, DC.

Contra-Almirante
NARCISO FASTUDO JUNIOR
Director of the Interregional Coordination Center (CIC) for the execution of the regional
strategy on maritime safety and security in the Gulf of Guinea

O Contra-Almirante Narciso Fastudo é o Diretor Executivo Interino no


Centro Inter-Regional de Coordenação (CIC) estabelecido em Yaoundé-
Camarões, com a responsabilidade de implementar a estratégia maríti-
ma conjunta da CEDEAO / ECCAS/ CGG para combater a pirataria e
outros crimes; e infrações na área marítima do Golfo da Guiné. Antes de
ingressar na CIC, o Contra-Almirante Narciso Fastudo Fastudo formou-se
em Bacharelado de Engenharia Eletrônica pela Universidade de Odessa
na antiga União Soviética (Rússia 1982), é Mestre e Doutor em Filosofia
(Phd), especializado em Relações Internacionais pela Universidade Agos-
tinho Neto (em Angola. 2011). As funções mais recentes que exerceu
foram as de Conselheiro no Ministério das Relações Exteriores de Angola;
serviu no Quartel General das Forças de Defesa de Angola, na sessão
de Organização do Estado Maior, e durante sua carreira na Marinha
de Angola por 25 anos foi membro do Comitê Marítimo Permanente da
SADC como Oficial Sênior.

• 118 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Vice-Almirante (FN)
CARLOS CHAGAS VIANNA BRAGA
Assessor Especial Militar do Ministro de Estado da Defesa

O Vice-Almirante (FN) Carlos Chagas Vianna Braga é Doutor em


Relações Internacionais pela PUC-Rio e Mestre em Military Studies pela
United States Marine Corps University. Foi assistente do primeiro Force
Commander da MINUSTAH e Chefe do Estado Maior Conjunto da orga-
nização responsável pelo emprego das Forças Armadas no Rio de Janei-
ro, nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Possui trabalhos publicados em peri-
ódicos, como a International Peacekeeping, o anuário canadense Guide
du Maintein de la Paix e a Revista Brasileira de Política Internacional.
Atualmente, é Assessor Especial do Ministro da Defesa.

Almirante de Esquadra (FN)


ALEXANDRE JOSÉ BARRETO DE MATTOS
Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais

O Almirante de Esquadra (FN) Alexandre José Barreto de Mattos é


Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais. As funções mais re-
centes que exerceu foram as de Comandante da Força de Fuzileiros da
Esquadra, Comandante do Pessoal de Fuzileiros Navais e Comandante
do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes. Realizou o
Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia na Escola Superior de
Guerra, Curso de Política e Estratégia Marítimas na Escola de Guerra
Naval e o Curso Superior de Guerra Naval, entre outros.

• 119 •
SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE

31 DE OUTUBRO
“...debate de ideias,
compartilhamento de experiências,
soluções para problemas
enfrentados por missões de paz em
um cenário marítimo.”

Seminário Internacional de
Operações de Paz de Caráter Naval
31 de outubro de 2019
• 128 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

Lista de
Siglas e Abreviaturas
SIGLA/ABR. CORRESPONDENTE
A4P Do inglês, Action for Peacekeeping (Ação pela Manutenção da Paz)
Do inglês, State Action Sea (Estratégias Nacionais para a Ação Estatal
AEM
no Mar)
APSA Arquitetura Africana de Paz e Segurança
BAnf Brigada Anfíbia
CASEVAC Evacuações Casuais
CAv Controle de Avarias
CCOPAB Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
CeDA Centro para a Defesa do Atlântico
CEDEAO Comunidades Econômicas Regionais da África Ocidental
CEEAC Comunidades Econômicas dos Estados da África Central
CER Comunidades Econômicas Regionais
CGG Comissão do Golfo da Guiné
CIASC Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo
Centro de Coordenação Inter-regional para a execução da estratégia
CIC
regional de segurança marítima no Golfo da Guiné
CNUDUM Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar 
COpPazNav Centro de Operações de Paz de Caráter Naval
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CRESM Centro Regional de Segurança Marítima
CRESMAC Centro Regional de Segurança Marítima da África Central
CRESMAO Centro Regional de Segurança Marítima da África Ocidental
CWC Do inglês, Composite Warfare Commander
Do inglês, Department of Field Support (Departamento de Suporte no
DFS
Campo)
continua...

• 129 •
continuação

SIGLA/ABR. CORRESPONDENTE
Do inglês, Department of Peacekeeping Operations (Departamento de
DPKO
Operações de Paz da ONU)
Do inglês, Economic Community of Central African States
ECCAS
(Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental)
EIMS Estratégia Marítima Integrada
FER Força de Emprego Rápido
Força-Tarefa Marítima da Força Interina das
FTM-UNIFIL
Nações Unidas do Líbano
GRAA Grupo de Reação a Ameaças Assimétricas
GVI/GP Grupos de Visita e Inspeção/Guarnição de Presa
ICC Do inglês, International Criminal Court (Tribunal Penal Internacional)
Do inglês, Improvised Explosive Device
IED
(Dispositivo Explosivo Improvisado)
Do inglês, International Maritime Bureau
IMB
(Escritório Marítimo Internacional)
Do inglês, International Maritime Organization
IMO
(Organização Marítima Internacional)
IRICE Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior
LAF Do inglês, Lebanese Armed Forces (Forças Armadas Libanesas)
Do inglês, Lebanese Armed Forces Headquarters
LAF-HQ
(Alto Comando das Forças Armadas Libanesas )
LOA Do inglês, Letter of Assist (Carta de Assistência)
MD Ministério da Defesa
Do inglês, Maritime Domain Awareness
MDA
(Conscientização sobre o Domínio Marítimo)
MEDEVAC Evacuações Médicas
Do francês, Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti
MINUSTAH
(Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti)
Do inglês, Maritime Interdiction Operation
MIO
(Operação de Interdição Marítima)
Do inglês, Maritime Multinational Coordinating Centre
MMCC
(Centro Multinacional de Coordenação Marítima)
continua...

• 130 •
Operações de Paz de Caráter Naval: ameaças e desafios para a paz no mar

continuação

SIGLA/ABR. CORRESPONDENTE

MNEK 2018 Exercício Naval Multilateral “Komodo-2018”

MoU Memorando de Entendimento

MRE Ministério das Relações Exteriores

Do inglês, Nato Maritime Interdiction Operational Training Centre


NMIOTC (Centro de Treinamento da OTAN de Operações de Interdição
Marítima)
Do inglês, UK National Strategy for Maritime Security (Estratégia
NSMS
Nacional de Segurança Marítima do Reino Unido)

ONU Organização das Nações Unidas

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

Do inglês, Peacekeeping Capability Readiness System (Sistema de


PCRS
Prontidão para a Capacidade de Manutenção da Paz)

PME Período de Manutenção Extraordinário

Do inglês, Southern African Development Community (Comunidade


SADC
para o Desenvolvimento da África Austral)

SAG-BD Sistema de Apresentação Gráfica e Banco de Dados

SAR Do inglês, Search and Rescue (Busca e Salvamento)

Do inglês, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners


SMR
(Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos)

UA União Africana

Do inglês, United Nations Angola Verification Mission III (Terceira


UNAVEM III
Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola)
Do inglês, First United Nation Emergency Force
UNEF I
(Primeira Força de Emergência das Nações Unidas)
Do inglês: United Nations Interim Force in Lebanon
UNIFIL
(Força Interina das Nações Unidas do Líbano)

UNTAC Do inglês, United Nations Transitional Authority of Camboja

YAMS Arquitetura de Segurança Marítima de Yaoundé

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ameaças e desafios para a paz no mar
Centro de Operações de Paz de Caráter Naval
REALIZAÇÃO:

ORGANIZAÇÃO:

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