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DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA
MARÍTIMA
BRASILEIRA
(Editada desde 1851)

v. 137 n. 01/03
jan./mar. 2017

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt


Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 137 n. 01/03 p. 1-320 jan. / mar. 2017
A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimestre
de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990,
com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,
editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos
6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.


–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:
Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.


Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005


COMANDO DA MARINHA
Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA
Almirante de Esquadra Liseo Zampronio

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA


Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA


Corpo Editorial
Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor)
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva
Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro
Jornalista Kelly Cristiane Ibrahim

Assessoria Técnica
Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva
Terceiro-Sargento-PD Isabelle de Medeiros Vidal

Diagramação
Desenhista Industrial Felipe dos Santos Motta
Designer Gráfica Amanda Christina do Carmo Pacheco
Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes

Assinatura/Distribuição
Suboficial-RM1-CN Maurício Oliveira de Rezende
Marinheiro-RM2 Pedro Paulo Moreira Cerqueira

Departamento de Publicações e Divulgação


Capitão de Corveta (T) Ericson Castro de Santana

Impressão / Tiragem
CMI – Serviços Editoriais Eireli ME / 8.000
REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA
Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ
 (21) 2104-5493 / -5506 - R. 215, 2524-9460

A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA (RMB) é uma publicação oficial da MARINHA DO


BRASIL desde 1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO PATRIMÔNIO
HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As opiniões emitidas em artigos são de
exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento oficial da MARINHA.
As matérias publicadas podem ser reproduzidas, com a citação da fonte.
A Revista honra o compromisso assumido no “Programa” pelo seu fundador,
Sabino Elói Pessoa:
“3o – Receberá artigos que versem sobre Marinha...
5o – ... procurará difundir tudo quanto possa contribuir para o melhoramento
e progresso da nossa Marinha de Guerra e Mercante; programar ideias tendentes a dar
impulso à administração da Marinha e a suas delegações, segundo o melhor ponto de
vista a que seja possível atingir...”
Ao longo de sua singradura, a RMB busca aperfeiçoar o “Programa” ao se
atribuir a “Missão” de divulgar teses, ideias e conceitos que contribuam também para
o aprimoramento da consciência marítima dos brasileiros. Como tal, está presente em
universidades, bibliotecas públicas e privadas do País, entre outras instituições.
Empenha-se em trazer teoria e técnica aplicadas para solver questões que retardam
o desenvolvimento social e material da Nação.
Divulga ensinamentos a respeito da ética e do trabalho, esclarecendo o que nos
cabe realizar na Marinha e no País, respeitando conceitos e fundamentos filosóficos.
Mostra como a conquista da honra ocorre na formação militar, analisando a
lógica do mercado vis-à-vis com nossa ambiência naval.
Atende plenamente à “índole da revista e, confiando no futuro, protestamos
indiferença sobre política e prometemos não nos envolver em seus tão sedutores quanto
perigosos enleios”.

Na internet:
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E-mail: rmbmateria@dphdm.mar.mil.br E-mail: rmbassinatura@dphdm.mar.mil.br
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BRASIL (R$ 15,00 e R$ 60,00) EXTERIOR (US$ 10 e US$ 40)

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intermédio de Caixa Consignatária, no valor de R$ 5,00, ou enviando nome, endereço, CPF, cópia
do comprovante de depósito na conta corrente 13000048-0 agência 3915, do Banco Santander,
em nome do Departamento Cultural do Abrigo do Marinheiro, CNPJ – 72.063.654/0011-47.
SUMÁRIO

8 NOSSA CAPA
DESCOMISSIONAMENTO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO
Eduardo Bacellar Leal Ferreira– Almirante de Esquadra
Correspondência do Comandante da Marinha ao Ministro da Defesa

11 ARAEX – UNO
José Alberto Accioly Fragelli – Almirante de Esquadra (Refo)
O NAeL Minas Gerais apoiando a Marinha argentina na qualificação de pilotos.
Em 1992, o 25 de Mayo suspende reparos e nunca mais se fez ao mar. Atuação do Minas

17 MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA


Elcio de Sá Freitas – Vice-Almirante (Refo-EN)
Marinha, Engenharia e capacitações. Militarização, expectativa e realidade.
Pendores – educação – organização – documentação técnica. Pensamento naval

27 INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS


Armando de Senna Bittencourt – Vice-Almirante (Refo-EN)
Pioneirismo de Santos Dumont. O zepelin – o avião. Interesse militar. Escola de
Aviação Naval. Correio Aéreo. O helicóptero. Operações aéreas

39 INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE


SISTEMAS DE DEFESA
Ruy Barcellos Capetti – Vice-Almirante (Refo)
Apoio Logístico Integrado. Base Industrial de Defesa. Informações de dados
referentes ao apoio logístico – gerenciamento. Padrão adotado nos EUA e na Europa. Papel
do Ministério da Defesa

51 SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES


Tiudorico Leite Barboza – Contra-Almirante (Refo-EN)
Famílias de meios flutuantes – embarcações/navios e sistemas oceânicos. Navios
e plataformas

61 PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA


MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL
Henrique Peyroteo Portela Guedes – Capitão de Mar e Guerra (Marinha de Portugal)
A união africana. Organização marítima da África do Oeste e Central. Comunidades
econômicas na África Ocidental e na Central. Grupo G7 dos amigos do Golfo da Guiné.
Universidades marítimas. A Cimeira de Yaoundé

71 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?


Nelson Marcio Romaneli de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (IM)
Conceituação de conflito. A guerra como fenômeno social – breve análise

80 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL


Marcus Vinicius de Castro Loureiro – Capitão de Mar e Guerra
O setor cibernético e o militar naval. Vulnerabilidades – ataques cibernéticos –
identificação – proteção
87 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL
José Augusto Abreu de Moura – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
O despreparo da Marinha e suas consequências. Na Guerra Fria. Alterações globais
e no Brasil. Situação atual – prioridades

109 COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO


AVALIADOR
Archimedes Francisco Delgado – Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Senso de justiça – competência do avaliador. Feedback – fator de melhoria de
desempenho. Componentes da competência

117 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA


Leonam dos Santos Guimarães – Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN)
Produção de energia dependente de água. Interdependência e mútua vulnerabilidade.
Necessidades atuais e futuras. Metas do desenvolvimento sustentável. Dessalinização

121 DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS


DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA
Reis Friede – Desembargador Federal
Análise dos pronunciamentos nas posses dos presidentes da República, desde
Deodoro até Washington Luís. Comentários diversos. O sagrado direito do voto

139 O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA


Dante Ribeiro da Fonseca – Historiador
Navegação no Rio Amazonas e no Madeira. Os navios Guajará, mercante, de guerra,
a vela e vapor. Família Miranda proprietária do navio. Viagem pioneira em 1858/59

151 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO


PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO
Alessandro Pires Black Ferreira– Capitão de Fragata
Operações ribeirinhas – apoio à hidrografia – busca e salvamento – patrulha e inspeção
naval – guerra eletrônica e antiaérea – operação Antártica – operação de paz – apoio humanitário

158 LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO


Marcos Valle Machado da Silva – Capitão de Fragata (RM1)
Considerações conceituais. Aplicação em sistemas novos e antigos. Redução no
custo do ciclo de vida. Estudo de caso das aeronaves da US Navy. Emprego na MB

173 RADIOMONITORAÇÃO DE REDES DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS


Pedro Henrique Ribeiro Barbosa – Capitão de Corveta
Necessidade de vigilância. Comando e controle. Os satélites geoestacionários.
Interferências. Estação terrena de monitoração de satélites

183 PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO


CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL
Thiago Ribeiro de Jesus – Capitão-Tenente (FN)
Cenário mundial atual. Conceitos de projeção anfíbia – evolução nos EUA e no
Brasil. A projeção e a política externa brasileira. Doutrina e recursos humanos e logísticos
200 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB
Christovam Leal Chaves – Capitão-Tenente (EN)
Manutenção nas edificações – custo – planejamento e controle. Vida econômica
ótima. Estudo de caso

208 A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O


DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL
Sylvio Seoane Lanzellotti – Aspirante
Importância da vela no Programa Olímpico da Marinha. O programa no
desenvolvimento de atletas de alto rendimento. A vela proveu o maior número de medalhas
em Olimpíadas. Ferramenta de educação e desenvolvimento social

215 CARTAS DOS LEITORES

219 NECROLÓGIO

227 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

235 DOAÇÕES À DPHDM

238 ACONTECEU HÁ CEM ANOS


Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa
Marinha, no País e em outras partes do mundo

254 REVISTA DE REVISTAS


Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações
recebidas do Brasil e do exterior

269 NOTICIÁRIO MARÍTIMO


Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras
Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima
NOSSA CAPA

DESCOMISSIONAMENTO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO

C onsiderando a relevância do assunto


para o Brasil e para a Marinha, trans-
crevemos comunicação de 14 de fevereiro
primeiros anos em atividade pela Esquadra
brasileira, possibilitando à Marinha adqui-
rir a capacitação para operar aeronaves de
de 2017 do Comandante da Marinha, Al- alta performance embarcadas. Entretanto,
mirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal seus complexos e antigos sistemas exigiram
Ferreira, ao ministro de Estado da Defesa, um volume financeiro de investimentos em
Raul Jungmann, a respeito da desmobiliza- manutenção além do que a Força dispunha,
ção do NAe São Paulo: ocasionando progressivas limitações, o que
“O Navio-Aeródromo (NAe) São Pau- culminou, em 2005, na parada do navio
lo foi incorporado à Marinha em 2000, para um Período de Grandes Reparos.
a partir de uma compra de oportunidade Após diversas tentativas, sem sucesso,
da Marinha Nacional da França, com os de recuperar a capacidade operativa do
propósitos precípuos de substituir o antigo meio, o Almirantado decidiu, em 2014,
Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais, desenvolver estudos técnicos para realizar
em término de vida útil, e proporcionar a um Programa de Modernização com foco
evolução das operações aéreas embarcadas na substituição do sistema de propulsão de
com o emprego dos aviões de asa fixa e vapor superaquecido para elétrica integrada
propulsão a jato A-4 Skyhawk. e na substituição/modernização dos siste-
Apesar de já contar com 37 anos de mas de aviação.
serviço ativo no momento da aquisição, Lamentavelmente, os estudos de exequi-
o navio cumpriu bem a sua missão nos bilidade do referido Programa indicam um
DESMOBILIZAÇÃO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO

longo período para sua conclusão, aproxi- Vida útil média das aeronaves A-4
madamente dez anos, além de incertezas Skyhawk: a modernização em curso das
técnicas e elevados custos. São as seguintes aeronaves A-4 estenderá sua vida útil,
considerações mais relevantes: em média, até 2030. Ou seja, quando a
Estrutura do navio: a inspeção na parte modernização do navio estiver próxima de
estrutural do navio apresentou, de uma ser concluída, suas atuais aeronaves serão
forma geral, muito bom estado, havendo a desativadas, gerando a necessidade de
necessidade de reparos pontuais, principal- obtenção de novas unidades compatíveis
mente nas seções das praças de máquinas. com o convés de voo do NAe São Paulo,
Sistemas de Aviação (catapultas, apa- inexistentes hoje no mercado.
relho de parada e elevadores): além da Capacidade industrial, riscos e inedi-
obsolescência, descontinuidade e falta de tismo da obra: o recente enfraquecimento
sobressalentes, o reparo dos sistemas de da indústria naval brasileira, com reflexos
aviação exige um conhecimento muito observados na capacitação de pessoal e
específico e mão de obra especializada, qualidade dos serviços, a complexa matriz
disponível apenas no exterior, especifica- de riscos e o ineditismo deste tipo de obra
mente nos EUA, único país que detém o no Brasil geram lacunas muito grandes de
domínio total da tecnologia de catapulta. planejamento, dificultando sobremaneira o
A alternativa de sua substituição esbarra seu correto dimensionamento e, consequen-
na ausência de uma solução técnica, pois as temente, a estimativa de custos.
catapultas disponíveis no mercado exigem Assim, o Almirantado concluiu que o
um convés de voo maior que o do NAe Programa de Modernização do NAe São
São Paulo, e aquelas instaladas a bordo, Paulo é inviável, decidindo pela desmobi-
que utilizam vapor superaquecido, não são lização do meio, a ser conduzida ao longo
mais fabricadas. dos próximos três anos, e propõe a V.Exa.
Sistema de Propulsão: em razão de um programa de obtenção de um novo con-
grande número de avarias, idade avan- junto navio-aeródromo x aeronaves, que
çada dos equipamentos e complexidade ocupará a terceira prioridade de aquisições
das normas internacionais de segurança da Marinha, logo após o Prosub/Programa
a serem atendidas, a possibilidade de Nuclear e o Programa de Construção das
reparo do atual sistema de propulsão a Corvetas Classe Tamandaré. O custo de
vapor foi considerada de alto risco e com aquisição do novo binômio será substan-
disponibilidade futura contestável. Sua cialmente menor que o de modernização
substituição por uma planta elétrica in- do NAe São Paulo e obtenção de aeronaves
tegrada é tecnicamente exequível, porém compatíveis com o navio, as quais, reitero,
requer um investimento muito elevado e não existem no mercado, necessitando ser
traz consigo algumas incertezas. O Brasil desenvolvidas.
ainda não domina a tecnologia envolvida. A capacidade de conduzir operações
A possibilidade de substituição da atual de guerra naval com emprego de aviação
planta de vapor superaquecido por outra de asa fixa, obtida às custas de grandes
com as mesmas características foi consi- investimentos e intensos treinamentos dos
derada inviável técnica e economicamen- nossos pilotos no País e no exterior, será
te, uma vez que este tipo de instalação mantida, até o recebimento do novo navio,
não é mais utilizado pelas Marinhas em a partir da Base Aérea e Naval e de outras
sistemas de propulsão. instalações de terra, bem como por meio

RMB1oT/2017 9
DESMOBILIZAÇÃO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO

de treinamentos com navios-aeródromo que uma campanha de comunicação social


de Marinhas amigas, a exemplo do que as para os públicos interno e externo será lan-
Marinhas do Reino Unido, da Itália e da Ar- çada, com o propósito de esclarecer todos
gentina estão realizando nos últimos anos. os aspectos da decisão tomada e conscienti-
Por fim, Sr. Ministro, antevendo possí- zar a sociedade brasileira da importância de
veis efeitos negativos da decisão sobre a mantermos a capacidade de operar aviação
motivação de nosso pessoal, em especial os embarcada para garantirmos a soberania e
envolvidos com a atividade aérea, participo a defesa do País”.*

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Navio Aeródromo ;

* NR - A respeito do assunto, o Comandante da Marinha publicou nota de no 143 no Boletim de Ordens e Notícias,
a 15 de fevereiro de 2017.

10 RMB1oT/2017
ARAEX – UNO

JOSÉ ALBERTO ACCIOLY FRAGELLI*


Almirante de Esquadra (Refo)

E m novembro de 1993, foi realizada


a primeira Operação Araex, entre as
Armadas da Argentina e do Brasil, quando
Colossus, construído para a Marinha inglesa
com o nome de HMS Venerable. A Holanda
operou este navio de 1948 até vendê-lo para
o nosso Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) a Argentina com o nome de Hr.Ms. Karel
Minas Gerais foi empregado na manutenção Doorman, em homenagem ao almirante ho-
da qualificação de pilotos argentinos, que landês que morreu na Batalha do Mar de Java
operavam os novos Super Étendard. contra o Japão, na Segunda Guerra Mundial.
A Marinha argentina possuiu em seu his- O 25 de Mayo participou do conflito
tórico dois navios-aeródromos: o primeiro, entre Argentina e Chile pela posse do Canal
o Independencia, ex-HMS Warrior, classe de Beagle. Na época, seu convés de voo
Colossus, adquirido da Inglaterra em 1958; foi aumentado de forma a capacitá-lo para
o segundo, o 25 de Mayo, foi negociado receber mais de 21 aviões, como era inicial-
com a Holanda em 1969, também da classe mente previsto.

* Foi chefe do Estado-Maior da Armada, comandante de Operações Navais, diretor-geral do Pessoal da Marinha,
diretor de Hidrografia e Navegação e diretor de Ensino da Marinha. Comandou o 5o Distrito Naval, a Escola
Naval, o Centro de Adestramento Almirante Marques Leão, a Fragata Liberal, o Contratorpedeiro Alagoas
e o Corpo de Aspirantes e, na reserva, foi diretor-presidente da Coordenadoria-Geral do Programa de De-
senvolvimento do Submarino com Propulsão Nuclear.
ARAEX – UNO

O 25 de Mayo na Guerra das Falklands/Malvinas

Em 2 de abril de 1982, iniciou-se o Em 2 de maio de 1982, o cruzador argen-


conflito entre Argentina e Inglaterra pela tino General Belgrano foi afundado pelo
posse das Ilhas Falklands/Malvinas, com a submarino nuclear inglês HMS Conqueror.
invasão das mesmas por ordem do General Sob ameaças de outros ataques de sub-
Galtieri, Presidente marinos nucleares, a
da Argentina. esquadra de superfície
Aquelas ilhas, situ- Em 1992, quando o sistema argentina recolheu-
adas na extremidade -se às suas bases, não
meridional do conti- de propulsão já tinha dando oportunidade ao
nente sul-americano, sido retirado de bordo, os 25 de Mayo de voltar
têm, entre outras, a
possibilidade de con-
trabalhos foram suspensos aconflito. tentar participar do

trole do hemisfério e o 25 de Mayo nunca mais Em 1988, a Arma-


austral. Pela sua posi- se fez ao mar da argentina iniciou
ção, normalmente são um grande refit no seu
submetidas a ventos navio-aeródromo, vi-
muito fortes. Consta que o 25 de Mayo sus- sando inclusive à troca de sua propulsão,
pendeu para esta área, mas teve problemas primeiro incluindo o Cosag1 com novas
em sua propulsão, reduzindo sua velocidade; caldeiras. Posteriormente, mudou o projeto,
encontrou surpreendentemente uma grande substituindo pelo Codog2 com quatro mo-
calmaria, não permitindo operações aéreas. tores diesel. Em 1990, a Fincantieri venceu
1 N.R.: Acrônimo de sistema de propulsão Combined Steam and Gas (Combinado Vapor e Gás).
2 N.R.: Acrônimo de sistema de propulsão Combined Diesel or Gas (Combinado Diesel ou Gás).

12 RMB1oT/2017
ARAEX – UNO

a concorrência inicial
para dar assistência
técnica à AFNE San-
tiago para trocar as
turbinas Parsons pela
GE/Fiat LM 2500 gás
turbina.
Em 1992, quando
os velhos sistemas de
propulsão já tinham
sido retirados de bor-
do e era previsto o
início das obras, por
motivos superiores os
trabalhos foram sus-
pensos ou cancelados
e o 25 de Mayo nunca
mais se fez ao mar. Super Étendard da Marinha Argentina
Nesta situação, a
Argentina precisava manter os seus pilotos com uma série de fortes edificados para
qualificados nos 12 Super Étendard adqui- protegê-la.
ridos da França e, por esta razão, solicitou A bordo do Minas, estavam embarcados
apoio ao Brasil. dois esquadrões de helicópteros navais e o
Sendo eu o chefe do Estado-Maior da Grupo de Aviação Embarcado (GAE) da
Esquadra, fui escolhido para comandar Força Aérea Brasileira (FAB), com quatro
um Grupo-Tarefa brasileiro, composto aviões Grumman S2-E / Tracker.
pelo nosso Minas Gerais e pelo Contra- Agradou-me positivamente o perfeito
torpedeiro Mariz e Barros, incorporando entrosamento entre a nossa gente marinhei-
uma corveta argentina da classe Meko 140 ra e os militares da FAB, numa confraterni-
quando chegássemos a Puerto Belgrano. zação extraordinária, tanto no campo pro-
Suspendemos do Rio de Janeiro no dia fissional como na área de convívio, como
17 de novembro de 1993, atracando três se fosse uma única força, muito diferente
dias depois em Rio Grande para abasteci- de 1964, quando presenciei problemas entre
mento. O meu staff era muito bom, a co- as nossas duas forças.
meçar pelo comandante do Minas Gerais, Chegando a Puerto Belgrano, apresen-
Capitão de Mar e Guerra Wilson Jorge tei-me ao comandante de la Flota (Co-
Montalvão e tendo como meu braço direito mench), Contra-Almirante Fusari, que me
o excepcional Capitão de Mar e Guerra recebeu com grande cordialidade.
João Afonso Prado Maia de Faria, como O Minas estava em estado quase perfei-
meu chefe do Estado-Maior. to, tendo apenas o problema da catapulta,
Saindo de Rio Grande, chegamos três e não tínhamos certeza de poder lançar os
dias depois a Puerto Belgrano, base da Super Étendard. Pessoalmente, o nosso co-
Esquadra argentina. Eu nunca lá tinha es- mandante de Operações Navais, Almirante
tado e me surpreendi pela grandeza dessa Cézar de Andrade, determinou-me que não
base, construída no início do século XX, corresse risco operando com a mesma.

RMB1oT/2017 13
ARAEX – UNO

Assim, combinei com o Almirante Fusa- ses entraram no Estreito de São Carlos,
ri que a qualificação dos pilotos se limitaria visando iniciar o desembarque, o General
ao toque e à arremetida. Menendez, comandante das ilhas, pediu
Já havia algum tempo que os pilotos apoio aéreo, que só chegou horas depois,
argentinos não operavam em um navio- devido à cadeia burocrática de comando,
-aeródromo. Determinei, assim, que o atrasando a solicitação para que os aviões
comandante do GAE, Tenente-Coronel decolassem de suas bases, o que provocou
(AV) Reale, fosse à Base Aeronaval Capi- a chegada deles à área já tendo ocorrido o
tan Espora para presenciar o treinamento desembarque inglês, e assim a prioridade
dos pilotos argentinos. Lá foi feita na pista dos alvos passara a ser os escoltas e não
uma pintura reproduzindo o convés de voo os navios com tropa.
do nosso navio. O Almirante Fusari explicou-me que
No terceiro dia, o Tenente-Coronel a Argentina não possuía Distritos Navais
Reale me deu o pronto, participando que e sim Comandantes de Áreas Marítimas
os pilotos estavam aptos a operar de bordo. e aconselhou-me a não deixar ser criada
Fui então à mencionada base aeronaval, a Guarda Costeira, pois a mesma, que
onde fui apresentado ao Capitan de Navio lá é chamada de Prefeitura Naval, tinha
(CMG) Colombo, comandante da Aviação sugado em muito os recursos e a projeção
Naval argentina. Ele me levou a um salão da Marinha.
para mostrar-me um grande mural na No dia 27 de novembro, suspendemos
parede, reproduzindo as façanhas extraor- para a realização das operações com os
dinárias dos aviadores navais argentinos aviões Super Étendard. Antes de sair do
na Guerra das Malvinas (Falklands), que Rio, meu saudoso amigo e chefe Almirante
partiam das bases de Rio Grande e Rio Oliveira, em sua sensibilidade e vocação
Galego, no extremo sul da Argentina, jurídica, conversou comigo sobre, caso
para alcançarem os navios ingleses, tendo houvesse um acidente, a quem caberia
de fazer dois reabastecimentos em voo, a apuração do inquérito – à Armada da
um na ida e outro na volta. Ao todo eram Argentina ou a Marinha do Brasil. O pri-
sete horas de voo, sentados em cabines meiro avião que tocou no convés do Minas
desconfortáveis de um caça e sob ameaça correu por todo ele e, ao decolar, ficou
de não encontrarem o avião reabastece- oculto pelo casco do navio, dando a im-
dor e caírem no mar, em águas geladas pressão que tinha caído ao mar, vindo-me
que garantiriam apenas sete minutos de logo a mente a preocupação do Almirante
sobrevivência. Oliveira. Pouco depois, o avião apareceu
Convidei o Almirante Fusari para as- e com ele desapareceu o nosso susto. Foi
sistir à operação de seus pilotos a bordo o único contratempo que tivemos em inú-
do Minas. Ele perguntou-me se poderia meros toques e arremetidas.
levar mais dois almirantes, o comandante No fim do dia, o Comandante Colombo
dos Fuzileiros Navais e o comandante da deu por satisfeita a qualificação de todos
Área do Atlântico. Claro que concordei. os pilotos e sugeriu que se encerrasse a
Ele me explicou que antes das Malvinas operação, regressando à base.
a Marinha argentina tinha cerca de 30 No dia seguinte, suspendemos de
almirantes, mas agora estava reduzida a Puerto Belgrano, onde fomos muito feli-
11, pela experiência vivida naquela guerra. zes e iniciamos o retorno, passando por
Explicou-me que, quando os navios ingle- Montevidéu.

14 RMB1oT/2017
ARAEX – UNO

Na viagem de volta, o comandante do comandante da aeronave colocava o trem


GAE convidou-me para voar em um dos de pouso dianteiro e seguia diretamente
seus aviões. Aceitei, com a condição de por ela, não podendo cometer o menor
ficar na cabine. Então ele informou-me que desvio, pois a ponta da asa de boreste
era o único piloto a bordo, que podia voar passava a menos de cinco metros da ilha
sem copiloto e que consequentemente, eu do navio. O piloto só se concentrava nesta
teria de ser submetido a um treinamento tarefa, e as outras mais simples eram feitas
para realizar umas poucas tarefas na oca- pelo copiloto. Fizemos ao todo 16 decola-
sião da decolagem do avião. gens e pousos. O Minas tinha cinco cabos
O Tracker não era catapultado, ele de parada. No pouso, o Tenente-Coronel
decolava em corrida livre. Era um avião Reale perguntava-me qual dos cabos eu
muito grande para operar a bordo do Mi- escolheria, e ele pousava exatamente no
nas. O piloto levava o avião para a popa, cabo escolhido. Era fantástica a sua perícia
acelerava à máxima potência, segurando como piloto.
com os freios até atingir a maior acelera- No dia 7 de dezembro de 1993, o querido
ção, quando então soltava os freios. No e saudoso Minas entrou barra adentro na
convés do Minas existia uma linha preta Baía de Guanabara, com mais uma missão
pintada da popa até o final da proa, onde o bem cumprida.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Marinha da Argentina; Marinha do Brasil; Navio-Aeródromo;
Aviação Naval;

RMB1oT/2017 15
A SEGUNDA MAIS ANTIGA DO MUNDO

A Revista Marítima Brasileira completou 166 anos em


1o de março de 2017. Fundada em 1851 pelo
Primeiro Tenente Sabino Elói Pessoa,
foi a segunda revista mais antiga do mundo
a tratar de assuntos marítimos e navais.
Conforme os registros obtidos, a Rússia foi o
primeiro país a lançar uma revista marítima,
a Morskoii Sbornik, (1848).
Depois vieram:
Brasil – Revista Marítima Brasileira (1851),
França – Revue Maritime (1866),
Itália – Rivista Marittima (1868),
Portugal – Anais do Clube Militar Naval (1870),
Estados Unidos – U.S Naval Institute Proceedings (1873)
República Argentina – Boletín Del Centro Naval (1882).
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA
MARINHA

ELCIO DE SÁ FREITAS*
Vice-Almirante (Refo-EN)

SUMÁRIO

Apresentação
Introdução
Marinha, Engenharia e Capacitações
Militarização e Navios de Guerra
Expectativas e Realidades
Pendores
Educação Contínua
Especialistas
Organização e Hábitos de Trabalho
Documentação Técnica
Responsabilidades
Liderança
Oficiais Engenheiros e o Pensamento Naval
Confiança

APRESENTAÇÃO “A Amazônia Azul apresenta impor-


tância política, estratégica e econômica,

O Comandante do Centro de Instrução Al-


mirante Wandenkolk (CIAW), Contra-
-Almirante Paulo Cesar Demby Corrêa, fez
pelos seus recursos naturais e por ser a
principal via de transporte do comércio
exterior. Para a garantia do emprego
a seguinte apresentação do Vice-Almirante desses espaços, sem interferências exter-
(Refo EN) Elcio de Sá Freitas, que ministrou nas que possam contrariar os interesses
aula inaugural, em dezembro de 2016, para brasileiros, é necessário um Poder Naval
o Curso de Formação de Oficiais no CIAW. moderno, equilibrado e balanceado.

* Serviu na Diretoria de Engenharia Naval de dezembro de 1981 a agosto de 1990, tendo sido seu diretor de abril
de 1985 a agosto de 1990. Colaborador frequente da RMB. Autor do livro A Busca de Grandeza.
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

Uma Força Naval dotada de


tais pressupostos demanda o
desenvolvimento de tecnologias
autóctones, com suporte de ins-
tituições nacionais públicas e
privadas. Em que pese a escassez
dos recursos financeiros, a Mari-
nha do Brasil (MB) tem auferido
resultados importantes, tanto no
que se refere à reestruturação do
setor de Ciência, Tecnologia &
Inovação (C,T&I) quanto para fa-
zer frente aos desafios da gerência
tecnológica e ao desenvolvimento
de equipamentos e sistemas. A In: http://image2.slideserve.com/4125171/navy-ships-are-a-highly-
estratégia adotada permitiu alcan- complex-product-t.jpg
çar resultados relevantes, como
os bem-sucedidos projetos das fragatas primeiros-tenentes do Corpo de Engenheiros
classe Niterói, das corvetas classe Barroso da Marinha, em 17 de dezembro de 2016.
e dos submarinos classes Tupi e Tikuna, Esses oficiais cumprem a etapa inicial de um
construídos no Arsenal de Marinha do Rio período de reestruturação e aperfeiçoamento
de Janeiro (AMRJ); o desenvolvimento do de carreira, realizando o Curso Especial de
míssil antinavio (MAN-SUP) e de sensores, Atividades de Engenharia, e que será proce-
tecnologias de materiais para aplicações dido, ao longo de 2017, por estágios de quali-
militares e sistemas informatizados; e o ficação profissional a bordo dos meios navais
domínio do ciclo de combustível nuclear. e de fuzileiros navais, nas Organizações
Entretanto, persiste a dependência de com- Militares Prestadoras de Serviço (OMPS) E
ponentes e insumos produzidos no exterior, e I e nas Diretorias Especializadas.
frequentemente submetidos a cerceamentos. O diretor-geral do Pessoal da Mari-
Nesse contexto, considerando a cons- nha deixou patente que “não há Marinha
tante necessidade do aprimoramento da de guerra sem uma Engenharia forte
capacidade de manutenção, com ênfase na e estruturada”. Essa realidade pode
recuperação da capacidade operativa da ser sumarizada pela figura acima, que
Marinha do presente, assim como na gestão ilustra os complexos e desafiantes es-
dos programas estratégicos para as Marinhas forços de engenharia para um país que
do amanhã e do futuro, o diretor-geral do se propõe a construir um submarino
pessoal da Marinha, Almirante de Esquadra com propulsão nuclear.
Ilques Barbosa Júnior, formulou um convite Antes de passarmos à aula inaugu-
ao Vice-Almirante (Refº-EN) Elcio de Sá ral propriamente dita, é oportuno citar
Freitas para ministrar uma aula inaugural que “há uma relação forte, embora não
sobre aspectos primordiais que devem nor- evidente, entre projeto, construção e
tear a carreira dos oficiais que concluíram reparo de navios de guerra. Abolidas as
com aproveitamento o Curso de Formação duas primeiras atividades, a terceira se
de Oficiais no Centro de Instrução Almiran- degrada”. (VA-EN ELCIO, in “A Busca
te Wandenkolk (CIAW) e dos nomeados de Grandeza”, p. 43).”

18 RMB1oT/2017
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

No Auditório do CIAW (esq/dir):


CA (EN) Ricardo, VA (Refo-EN) Elcio, VA (EN) Neves, AE Ilques, VA Garcez e CA Demby

INTRODUÇÃO MARINHA, ENGENHARIA E


CAPACITAÇÕES

C aros novos tenentes do Corpo de


Engenheiros da Marinha,
Proferir esta aula inaugural é honra e
Engenharia é cada vez mais impor-
tante em todas as Marinhas. Navios de
responsabilidade. É honra por ser convite guerra são densas concentrações das
da Marinha. E é responsabilidade porque mais diversas engenharias. Projetá-los,
devo iluminar a carreira que vocês agora construí-los, apoiá-los, mantê-los e mo-
iniciam. dernizá-los é missão
Tentarei imagi- que doravante tam-
nar as expectativas Este curso que hoje iniciam bém será a de vocês.
de vocês; recorrerei Para bem cumpri-las
às minhas própria é apenas o primeiro numa vocês terão de capa-
expectativas quando longa série destinada a citar-se mais e mais,
me tornei engenhei- capacitá-los. tanto técnica como
ro; refletirei sobre gerencialmente, des-
minha vida como Capacitação resulta de de os passos iniciais
chefe de engenhei- estudo e prática até os dos escalões
ros e sobre os anos mais elevados. Este
como professor de curso que hoje ini-
Engenharia para alunos civis e militares; ciam é apenas o primeiro numa longa
e tentarei transmitir um resumo do que série destinada a capacitá-los.
vivi e aprendi como engenheiro de campo Capacitação resulta de estudo e práti-
e de projeto, como subordinado e como ca. Vocês possuem a necessária forma-
chefe, tanto no Brasil como no exterior. ção básica. Mas terão que aplicá-la em

RMB1oT/2017 19
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

tarefas práticas, desde as mais simples curso para oficiais engenheiros, procurem
às mais complexas. Além disso, deverão obter o máximo conhecimento possível
ampliar, aprofundar e manter atualizada sobre os vários sistemas de engenharia
sua formação, não só mediante cursos de navios de guerra. E não deixem de
programados pela Marinha, mas princi- aprofundar esse conhecimento em todas
palmente por iniciativa própria, estudan- as oportunidades de estudo e prática.
do em livros, revistas técnicas e cursos a
distância. Para tanto, terão que renunciar EXPECTATIVAS E REALIDADES
a muitas horas de lazer. A compensação
será tornarem-se competentes e valori- Quais são suas expectativas neste mo-
zados, tanto na Marinha como no meio mento? Certamente esperam ter uma carreira
civil, de onde todos viemos. estável, progresso profissional, meios de
vida aceitáveis e contribuir para obtermos o
MILITARIZAÇÃO E NAVIOS DE poder naval indispensável a um País como o
GUERRA nosso. Acima de tudo,
esperam ser felizes.
Em apenas um ano Porém, ao longo da
vocês militarizaram-
O mundo evolui carreira, expectativas
-se. Não tiveram a velozmente, principalmente se defrontarão com re-
longa formação naval nos setores tecnológicos. alidades. Os primeiros
de gerações que os anos costumam ser os
precederam. Poderia Nestes, a obsolescência mais difíceis, como
haver dúvidas sobre profissional só pode ser em todas as carreiras.
militarização assim Mas os primeiros anos
tão rápida. Quanto
evitada por educação também serão os da
a isso, lembro as pa- contínua juventude que vocês
lavras atribuídas a têm e terão por mais
Benjamin Constant, de uma década. Ela é
eminente prócer da República: “Os mi- extraordinariamente resistente e resiliente.
litares são o povo de uniforme”. E real- Resiste a grandes esforços e choques. Rapi-
mente são. Ouso explicitar as palavras de damente se recupera de tensões e embates.
Benjamin Constant: os militares são civis Regida por pensamentos positivos, sempre
que acrescentaram virtudes militares às sai vitoriosa. Portanto, empreguem bem seus
virtudes civis. Constatei essa verdade em anos de juventude. Tenham sempre pensa-
meu serviço na ativa, chefiando oficiais mentos positivos e construtivos.
engenheiros oriundos deste centro de
formação: eles eram ótimos militares, PENDORES
portadores de virtudes civis. Só lhes fal-
tava a vivência em navios de guerra, que Num conjunto amplo como o de vocês
vieram a obter em atividades de engenha- existem vários pendores profissionais. To-
ria a bordo. Logo perceberam que o alvo dos serão valiosos para a Marinha, desde
de sua dedicação profissional tinha que que bem cultivados. Alguns sentem ou
ser o navio e toda a sua infraestrutura de sentirão forte atração por projetos de enge-
projeto, construção, apoio, manutenção e nharia; outros, por construção, apoio e ma-
modernização. Portanto, neste primeiro nutenção; outros, ainda, por gerenciamento

20 RMB1oT/2017
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

técnico ou por pesquisa e desenvolvimento. A maior parte da educação contínua


Alguns já terão identificado seu pendor,deve ocorrer quase sem interrupção das
e outros não. Mesmo os que já o tenham funções de cada profissional. Os períodos
identificado poderão ter-se enganado. De-
de interrupção têm que ser curtos. Do con-
verão confirmá-lo. Seja qual for o pendor,
trário, grandes empresas faliriam. Muitos
todos deverão estar prontos a empenhar-se
deles realizam-se a distância, via internet,
nas tarefas e funções que lhes forem atri-
até mesmo em universidades americanas.
buídas, sem com isso renunciarem às suasEm alguns cursos é necessária presença
preferências, que normalmente a Marinha apenas durante poucas horas semanais.
atenderá diante de bons serviços prestados.
Porém em todos, cada participante tem que
Empenhando-se, ampliarão sua capacidade subtrair horas ao seu lazer para obter mais
e visão profissional, sempre importantes,
que um mero certificado de participação.
principalmente nos postos mais altos da Em qualquer curso de educação con-
carreira. Seu valor será reconhecido. tínua, as horas de estudo individual são
a base para eficácia.
EDUCAÇÃO Este curso que agora
CONTÍNUA
Enquanto a Marinha não iniciam é o primeiro
na educação contínua
O mundo evolui puder formar e manter de vocês. Dediquem-
velozmente, princi- engenheiros especialistas -se intensamente ao
palmente nos setores estudo individual.
tecnológicos. Nes- em seus quadros civis, o Ajam sempre assim.
tes, a obsolescência Corpo de Engenheiros terá Isso os tornará mais
profissional só pode capazes.
ser evitada por edu-
que suprir essa importante
cação contínua. Mas lacuna, tanto quanto ESPECIALISTAS
essa educação não possível
se consegue apenas Marinhas de guerra
com cursos de pós- são organismos am-
-graduação, embora eles sejam indispen- plos e complexos. Possuem vários siste-
sáveis para todos vocês que demonstrarem mas: operacionais, administrativos, educa-
aptidão e mérito. cionais e técnicos-financeiros-gerenciais.
Educação contínua é uma sequência Todos esses sistemas requerem diversas
quase ininterrupta de obtenção de conhe- capacitações em vários níveis, a serem
cimentos, desde os mais técnicos aos mais obtidas por educação contínua e prática
gerenciais, desde os imediatos até os de em diversos órgãos da Marinha. Oficiais
longo alcance, desde processos de exe- passam a funções de comando ou chefia à
cução até os de planejamento, controle e medida que ascendem.
avaliação. Inclui obtenção e atualização Quase todas as capacitações e níveis
de conhecimentos. Abrange teorias e necessários conseguem-se nos Corpos e
práticas. Realiza-se em universidades, Quadros militares da Marinha. Mas neles
em centros tecnológicos ou gerenciais, é muito difícil formar e manter engenhei-
em fábricas, em sociedades técnicas e ros militares especialistas. Especialistas
em grupos especializados. E também nos são os que se dedicam exclusivamente a
locais de trabalho. um setor estreito da engenharia durante

RMB1oT/2017 21
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

pelo menos 15 anos ininterruptos. Mu- são óbvios, mas verifiquei que ainda assim
danças de funções e comando ou chefia, são esquecidos. Eles serão úteis em toda a
requisitos indispensáveis da carreira carreira de vocês.
militar, praticamente impedem a obten- 1º – O propósito de quem organiza deve
ção de engenheiros especialistas. Eles ser multiplicar sua ação pessoal. Evitem
têm que pertencer aos quadros civis da burocracias e centralização excessiva.
Marinha, mas a questão transcende as 2º – Datem todos os documentos de
decisões navais. trabalho e neles registrem referências úteis.
Enquanto a Marinha não puder for- Exijam o mesmo de seus subordinados.
mar e manter engenheiros especialistas 3º – Obtenham informações suficientes
em seus quadros civis, o Corpo de En- antes de iniciar qualquer trabalho não
genheiros da Marinha (CEM) terá que rotineiro: antecedentes técnicos e opera-
suprir essa importante lacuna, tanto cionais, situação atual, fatores técnicos
quanto possível. Vocês tomarão parte no envolvidos, condições de segurança
esforço, que exigirá ainda mais de suas necessárias, normas e instruções técnicas
capacitações. pertinentes etc. Sempre que possível,
examinem o sistema ou equipamento a
ORGANIZAÇÃO E HÁBITOS DE ser instalado ou reparado e obtenham
TRABALHO informações dos operadores.
4º – Elaborem, mantenham e preser-
Provavelmente a primeira comissão de vem registros técnicos de trabalhos im-
vocês na Marinha será também o primeiro portantes. Eles serão úteis para trabalhos
ou o segundo trabalho como engenheiros. futuros. Mantenham e preservem instru-
Tendo obtido êxito num curso de gradu- ções e registros técnicos que receberem
ação e no concurso ao CEM, cada um de seus antecessores.
de vocês já possui seu modo aprovado 5º – Planejem, tanto quanto possível,
de organizar-se e trabalhar. Porém, do- dias, semanas e meses. Ao final de cada
ravante o trabalho não será acadêmico, dia, replanejem o dia seguinte.
exceto quando realizarem cursos de pós- 6º – Planejem e controlem a execução
-graduação. Mesmo para aqueles que de tarefas. Em muitos casos o controle
forem designados para setores de projeto, presencial é indispensável. Não as dei-
mais próximos de tarefas acadêmicas, xem incompletas.
será conveniente reajustar os modos de 7º – Observem bem os subordinados.
organizar-se e os hábitos de trabalho. Avaliem seus desempenhos. Aprendam
Para os que forem enviados para a “linha com os melhores dentre eles.
de frente” (estaleiro, estação naval, base 8º – Avaliem resultados e deles tirem
naval) a conveniência do reajuste será lições.
ainda maior. Ele é necessário porque 9º – Elogiem seus subordinados sem-
agora não trabalharão apenas para vocês pre que merecerem.
mesmos, mas para uma organização com 10º – Se necessário, requeiram assistên-
determinadas condições. cia técnica, principalmente diante de requi-
Cada um saberá fazer seu reajuste. sitos de segurança. A assistência técnica
Mas eis alguns princípios, que obtive em necessária poderá ser a de base, estaleiro,
leituras e experiência pessoal e também na Diretoria Especializada ou a do fabricante.
observação de novos engenheiros. Alguns 11º – Nunca aceitem argumentos que

22 RMB1oT/2017
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

tentem justificar práticas duvidosas. Boas esforços de controle de avarias. Utilizei


práticas de engenharia nunca se opõem às essas informações mais tarde, no projeto
ciências de engenharia. e na construção do Navio-Escola Brasil
12º – Aprendam com os chefes. Em e das corvetas classe Inhaúma.
cada função, deverão preparar-se para 2º – Uma de minhas primeiras tarefas
substituí-los e preparar subordinados que como engenheiro, em 1964, foi retirar e
substituirão vocês. substituir um tampão no casco resistente
13º – Verifiquem quais são os tópicos de um submarino que recebêramos da
de engenharia e gerência cujo estudo po- Marinha americana. Qualquer falha
derá melhorar seus desempenhos pessoais. no casco resistente, quando submerso,
Procurem estudá-los em livros, revistas pode destruir o submarino e toda a sua
técnicas, cursos na internet etc. tripulação. Como retirar e substituir o
14º – Instruam os subordinados. Procu- tampão? Felizmente dispúnhamos da
rem identificar meios para instruí-los. documentação técnica necessária, que a
Marinha americana
DOCUMENTAÇÃO também fornecera.
TÉCNICA Sem um eficiente sistema 3º – Durante um
mês de 1967, estive
Engenharia se faz de elaboração, distribuição, no arsenal da Mari-
com documentação utilização, revisões e nha americana em
técnica, tanto em pro-
jeto como em cons-
preservação de documentos Filadélfia, preparan-
do-me para substituir
trução, manutenção, técnicos, o progresso é lento o chefe do recém-
modernização e geren- e difícil. Documentação -criado Grupo de Re-
ciamento. Sem um efi- paros de Submarinos
ciente sistema de ela- técnica é capital acumulado do AMRJ. Ainda no
boração, distribuição, Brasil, dediquei mui-
utilização, revisões e tas horas a copiar,
preservação de documentos técnicos, o estudar e organizar um extenso conjunto de
progresso é lento e difícil. Documentação instruções técnicas da Marinha americana
técnica é capital acumulado. Citarei três para reparos em submarinos, muitas já vá-
exemplos de minha própria experiência: rias vezes revisadas. Elas haviam sido obti-
1º – Em 1963, no Instituto de Tecnolo- das pelo oficial que eu viria a suceder, meu
gia de Massachusetts (MIT), tive que me antigo chefe. Contudo, havia um problema:
informar sobre danos de guerra impostos muitas das instruções faziam referência a
a contratorpedeiros no Pacífico. Recorri outras, que não possuíamos. Anotei todas
ao Arquivo Técnico que a Marinha ame- essas referências e também fiz uma lista
ricana lá mantinha e logo descobri vários de dúvidas que me surgiram durante o es-
relatórios de comandantes desses navios. tudo. No arsenal de Filadélfia, diante desse
Eles me alertaram sobre a vulnerabilida- material, programaram-me uma sequência
de dos sistemas automáticos da época a de consultas a engenheiros experientes em
impactos e sobre a gravidade da toxidez e cada um dos tópicos em questão. Deles
perda de visibilidade causada pela queima recebi as explicações de que necessitava,
de cabos elétricos em incêndios durante e cada um prontamente me entregou as
combates, dificultando ou frustrando referências que eu procurava obter. Eles

RMB1oT/2017 23
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

as tinham à mão. Para eficiência e boas máximo conhecimento possível sobre os


práticas de engenharia, documentação vários sistemas de engenharia de navios
técnica é ferramenta de trabalho. de guerra. E não deixem de aprofundar
Ainda não formamos a necessária esse conhecimento em todas as oportu-
cultura de documentação técnica. Ela nidades de estudo e prática.
deve ser instilada em todos, desde os seus 2º – Obtenham informações sufi-
primeiros anos na Marinha. Buscamos cientes antes de iniciar um trabalho não
capacitação tecnológica. Mas capacitação rotineiro: antecedentes técnicos e opera-
tecnológica tem três elementos princi- cionais, situação atual, fatores técnicos
pais: cérebros, documentação técnica e envolvidos, condições de segurança ne-
hardware. A documentação é que permite cessárias, normas e instruções técnicas
o acesso de cérebros a experiências e pertinentes etc. Sempre que possível,
conhecimentos acumulados. examinem o sistema, equipamento ou
instalação a ser reparado ou instalado e
RESPONSABILIDADES obtenham informações dos operadores.
3º – Planejem e controlem a execução
Estejam atentos a e tarefas. Em mui-
seus deveres milita- tos casos o controle
res, mas não esque- Como oficiais de Marinha, presencial é indis-
çam das responsabili- temos que nos empenhar pensável.
dades técnicas. Como 4º – Se necessário,
oficiais de Marinha, para que os navios operem. requeiram assistência
temos que nos empe- Como oficiais engenheiros, técnica, principalmen-
nhar para que os navios temos a responsabilidade de te diante de requi-
operem. Como oficiais sitos de segurança.
engenheiros, temos que operem em segurança A assistência técnica
também a responsabi- necessária poderá ser
lidade de que operem a de base, estaleiro,
em segurança. Normalmente essas duas Diretoria Especializada ou a do fabricante.
imposições não colidem. Mas há casos 5º – Nunca aceitem argumentos que
críticos, em que a responsabilidade de tentem justificar práticas duvidosas.
engenharia tem que prevalecer para ga- Boas práticas de engenharia nunca se
rantir indispensável segurança pessoal opõem às ciências de engenharia.
ou material. Vocês perguntarão como 6º – Verifiquem quais são os tópicos
poderão identificar esses casos, ainda de engenharia e gerência cujo estudo
mais com a diversidade de engenharias poderá melhorar seus desempenhos pes-
concentradas num navio e a impossibi- soais. Procurem estudá-los em livros,
lidade de conhecer bem todo esse vasto revistas técnicas, cursos na internet etc.
campo. Não há uma resposta infalível
para essa pergunta. Mas vocês terão alta LIDERANÇA
probabilidade de identificar e solucionar
esses casos críticos se adotarem as se- Liderança é a capacidade de galva-
guintes diretrizes, que novamente citarei: nizar vontades e esforços de um grupo
1º – Neste primeiro curso para ofi- ou de uma organização para cumprir um
ciais engenheiros, procurem obter o propósito desejado.

24 RMB1oT/2017
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

Em sua recente formação, vocês conhe- pelidas por seus pensamentos navais.
ceram este tema de grande importância no Pensamento naval é uma força mental
meio civil e militar. Para nós, militares, só é resultante. Tem várias e distintas forças
liderança a que une as virtudes da liderança componentes. Requer estudos, análises
civil às virtudes militares. e reflexões sobre uma Marinha e sua
Liderança é técnica e arte. Em parte é missão no presente e no futuro.
inata, e em parte é adquirida. Cada um de Pensamentos navais devem abran-
vocês possui liderança inata, em maior ger todos os aspectos relevantes para
ou menor grau. Doravante, todos deverão o poder naval, desde os de geração de
ampliar suas lideranças inatas, median- meios até os de consecução de fins;
te leituras, reflexões e, principalmente, desde exames de oportunidades até os
mediante a observação de suas próprias de identificação e superação de dificul-
atitudes e resultados. Daí poderão fazer dades; desde a geopolítica do momento
correções úteis em até a geopolítica previsível em futuro
procedimentos, mas próximo.
que não afetem suas Em todas as Ma-
personalidades. Marinhas evoluem rinhas, oficiais nos
A parte inata da impelidas por pensamentos p o s t o s m a i s e l e -
liderança é muito vados, com lastro
importante. Ela de-
navais. Pensamento de conhecimento e
termina os setores naval é uma força mental experiência, contri-
buem para a evolu-
e os limites em que resultante. Tem várias ção do pensamento
pode ser ampliada.
Assim, é improvável forças componentes. naval. E nos países
que um líder natural Num mundo cada vez mais de vanguarda, po-
para grandes empre- derosas bases téc-
endimentos de campo
tecnológico, a componente nico-científico-in-
se torne líder numa científica-tecnológica- dustriais de defesa
organização de pes- industrial é fundamental também influem in-
tensamente no pen-
quisa e desenvolvi-
mento. No entanto, samento naval.
militares têm o dever Pensamentos na-
de dar o melhor de si em todos os setores vais são tão mais importantes quanto
de atividade, ainda que só em alguns mais pertinentes forem suas forças
possam ser líderes naturais. componentes. Num mundo cada vez
Cultivem seus dons de liderança. Assim mais tecnológico, a componente
se tornarão mais capazes. científica-tecnológica-industrial é
fundamental. Ela ainda é incipien-
OFICIAIS ENGENHEIROS E O te no pensamento naval brasileiro.
PENSAMENTO NAVAL Desenvolvê-la é parte essencial da
missão do CEM. Incluirá vocês. Neste
“The empire of the future is the em- primeiro curso, e nos cursos e práticas
pire of the minds” dos próximos 15 anos, vocês estarão
Winston Churchill criando a base para suas contribuições
Marinhas de guerra evoluem im- pessoais.

RMB1oT/2017 25
MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

CONFIANÇA suas próprias valorizações profissionais.


Os trechos serão menos árduos quando
Do que eu dis- temperados por ide-
se, certamente vo- alismo pragmático,
cês concluíram que Mantenham pensamentos indispensável para
a carreira de oficiais positivos e construtivos. os que desejam real-
do CEM é árdua. Em mente vencer.
verdade tem trechos Acima de tudo, mantenham Haverá momen-
árduos, como quase confiança em vocês mesmos tos de quase euforia,
todas as carreiras. e alguns de pouco
Neles será necessá- ânimo. Não se dei-
rio dedicar ao serviço e ao estudo muitas xem levar nem por uns nem por outros.
horas que pertenceriam ao lazer e a ou- Mantenham pensamentos positivos e
tras conveniências pessoais. Mas vocês construtivos. Acima de tudo, mantenham
também estarão dedicando essas horas às confiança em vocês mesmos.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<EDUCAÇÃO>; Ensino; Formação de oficial; Engenharia naval;

26 RMB1oT/2017
INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS*

ARMANDO DE SENNA BITTENCOURT **


Vice-Almirante (Refo-EN)

SUMÁRIO

Introdução
Aviões
O Interesse Militar
O Período entre Guerras
O Helicóptero
Considerações Finais

INTRODUÇÃO Prêmio Deutsch, realizando o feito de con-


tornar a Torre Eiffel, pilotando um balão di-

A conquista do ar se tornou efetiva


com balões e Santos Dumont foi
um importante pioneiro entre os que lhes
rigível, saindo e regressando a Saint-Cloud,
em menos de 30 minutos. Desde o início do
uso de balões, imaginou-se a possibilidade
deram dirigibilidade. Em 1901, ganhou o de seu emprego militar. Foram utilizados

* Palestra proferida pelo autor no Seminário do Centenário da Aviação Naval, no Instituto Histórico e Geográfico Brasi-
leiro, em 17 de novembro de 2016.
** Engenheiro Naval pela Universidade de São Paulo e Mestre em Arquitetura Naval pela Universidade de Londres.
Membro dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro, Geografia e História Militar do Brasil e História
Militar Terrestre, membro da Academia de Marinha de Portugal e do Conselho Internacional de Museus.
Foi diretor de Engenharia Naval e do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. Presidente da
Sociedade Brasileira de Engenharia Naval e vice-Presidente do Comitê Internacional de Museus de História
Militar e Coleções de Armas.
Autor de capítulos nos livros: Atlântico – A História de um oceano; Guerra no Mar, Batalhas e Campanhas Navais
que mudaram a História; e Charles Darwin. Coordenador e colaborador do livro A Importância do Mar
na História do Brasil; coordenador e um dos autores do livro Introdução à História Marítima Brasileira.
É autor de artigos sobre História Naval e Arquitetura Naval. Colaborador assíduo da RMB.
INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

com bom êxito em guerras no passado, resolveu também iniciar suas aquisições
servindo como postos de observação, como de zepelins.3
na Guerra Civil americana e na Guerra da Em seu artigo já citado, “Ce que je ferai,
Tríplice Aliança contra o Paraguai, por ce que l’on fera”, do início de 1905, Santos
exemplo. A dirigibilidade lhes deu um novo Dumont prevê também como possível e
potencial. Alberto Santos Dumont publi- provável, além dos dirigíveis, a existência
cou, no número de 15 de fevereiro de 1905 futura de aviões com motores potentes. Ele
do periódico francês Je Sais Tout, um artigo já estava voltando sua atenção e criativida-
intitulado “Ce que je ferai, ce que l’on fera” de para eles.
(“O que farei, o que se fará”)1, em que ele
comenta seus projetos e suas esperanças. AVIÕES
Entre eles, prevê que existirão “cruzadores
aéreos”, balões dirigíveis militares com 200 No ano seguinte, 1906, Santos Dumont
metros de comprimento e 28 de diâmetro, decolou, na França, com o 14 Bis, um ae-
que “realizarão ações sensacionais durante roplano de configuração canard, ou seja,
uma guerra”. Seus sonhos refletiam uma com as asas atrás, que saiu do solo por
genialidade notável2. meio de seu próprio motor e hélice e voou
Nessa mesma época, um oficial aposen- a pequena distância do chão, na presença
tado do Exército alemão, o Conde Ferdi- de muitas testemunhas. Chamava-se 14 Bis
nand von Zeppelin, passou a se dedicar a porque ele pretendia testar seus controles
dirigíveis. Construiu o primeiro em 1900, inovativos em voos em que estaria pendu-
pensando em grandes aeronaves, cheias rado no seu balão 14. Utilizou nesse avião
com hidrogênio, para transportar passagei- um motor novo, potente e leve, que estava
ros e carga, mas seu passado o fez perceber disponível na França, o Antoinette4, desen-
o potencial militar dessas aeronaves, que volvido pelo engenheiro Léon Levavasseur
logo passaram a ser chamadas de zepelins. para motorizar barcos de corrida.
O Exército alemão fez suas encomendas e, Depois Levavasseur se associou a Louis
antes do início da Primeira Guerra Mundial, Blériot, criando, em 1906, a empresa An-
já possuía sete em serviço, principalmente toinette, primeira a se dedicar à fabricação
destinadas a missões de reconhecimento. de motores para a aviação. Seus motores
A Marinha Imperial da Alemanha, por foram empregados em quase todos os novos
sua vez, não estava confiante na eficácia aviões fabricados na Europa.
desse meio e mantinha os recursos financei- Longe dali, nos Estados Unidos da
ros a ela disponíveis, principalmente con- América (EUA), os dois irmãos Wright,
centrados na obtenção de grandes navios Wilbur e Olliver, também desenvolviam
de guerra que pudessem disputar o domínio aeroplanos e já haviam voado com pla-
do mar. Considerando, porém, a falta de nadores. Em seguida, no final de 1903,
cruzadores ligeiros, tradicionalmente uti- experimentaram um avião motorizado,
lizados para missões de reconhecimento, que decolou de uma rampa com trilho na

1 DUMONT, Alberto Santos. “O que farei, o que se fará”, in Revista Marítima Brasileira, v.134 n.07/09, jun./
set. 2014.
2 Além de sua notável contribuição pioneira para o desenvolvimento da aviação, Santos Dumont inspirou Cartier
para fabricar para ele um relógio de pulso, que é o primeiro dos usados a partir de então.
3 MASSIE, Robert K. Castles of Steel, p. 361, 362.
4 Em homenagem a Antoinette Gastambide.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

Praia de Kitty Hawk, com o auxílio de um vencedor, juntou-se aos pioneiros aéreos
vento de 30 a 40 nós, e fez um pequeno prediletos da imprensa internacional: San-
voo5. Mais tarde, repetiram o feito com tos Dumont, Voisin, Farman e, depois de
novos modelos de aviões, sempre com sua apresentação na França, também em
auxílio de rampa e trilho para decolar, 1908, os irmãos Wright.
o que, no entanto, não desmerece seus Blériot, que se associara a Levavaseur
feitos, que somente foram reconhecidos na Fábrica Antoinette, em 1909, atravessou
na França em 1908. o Canal da Mancha com um avião monopla-
Santos Dumont, por sua vez, tinha no, voando cerca de 35 km entre Calais e
apresentado um novo avião monoplano, Dover, a 80 metros de altura, com uma ve-
que voou em 1906, o Demoiselle, assim locidade de 60 km/h9. Foi um feito notável,
batizado por se assemelhar a uma libélula6. que chamou muito a atenção do público na
Provavelmente, essa foi sua contribuição época e fez com que este pioneiro recebesse
mais significativa para o desenvolvimento encomendas de particulares para reproduzir
do avião. Em minha opinião, foi também seu protótipo exitoso. Iniciava-se assim
seu projeto mais importante. uma indústria aeronáutica, a Blériot Aero-
Sem dúvida, ele e os irmãos Wright nautique, que produziu mais de 800 aviões
foram importantes pioneiros da aviação, entre 1909 e 191410.
mas logo outros se juntaram a eles, como Desde 1909, oficinas artesanais que
os irmãos Gabriel Voisin, Henry Farman e fabricavam aviões começaram a receber
Ferdinand Ferber. encomendas comerciais e a se converter em
Na América, enquanto os irmãos Wri- indústrias. Em poucos anos, a aviação se
ght garantiam suas patentes, que depois difundiu por meio de associações e clubes
causaram dificuldades e atrasos para os esportivos, e voar deixou de ser uma ativi-
outros pioneiros americanos, um grupo de dade exclusiva de pioneiros, disseminando-
empreendedores, aviadores e engenheiros -se pelo mundo.
liderados por Alexander Graham Bell 7 O sucesso no desenvolvimento dos
fundou uma associação para empreendi- aviões11 deve-se a um patamar tecnológico
mentos aéreos. Fazia parte desse grupo existente nessa época. Sem esse patamar
Glenn Hammond Curtiss, que, mais tar- de tecnologia disponível e conhecimento
de, ficou famoso por seus motores para acumulado e compartilhado, não haveria
aviação e projetos de aviões. Incentivado capacidade para desenvolver e obter
por Bell, ele participou de concurso ins- paulatinamente o progresso do avião.
tituído pela revista americana Scientific O sucesso alcançado pelo 14 Bis, por
American 8, em 1908. Consagrando-se exemplo, dependeu da existência de um

5 CROUCH. Tom D., p. 81, 82 e 92.


6 Também denominada Demoiselle, em inglês, mais especificamente para as libélulas do gênero Agrion, da família
Calopteryx, que inclui numerosas espécies.
7 Bell, também conhecido por ter desenvolvido o telefone e um aerobarco pioneiro, o Bras D’Or, para águas
tranquilas, tornara-se um próspero empresário que residia no Canadá.
8 A Scientific American, também uma iniciativa de Bell, continua sendo publicada e pode ser encontrada no Brasil,
traduzida para o português, em muitas bancas de jornal.
9 CROUCH, Tom D. Asas, p. 126.
10 CROUCH, Tom D. Asas, p. 141.
11 Todos contribuíram para o desenvolvimento do avião, alguns até realizando feitos notáveis. É difícil definir o
que seria “inventar o avião”.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

motor potente e leve, da disponibilidade de O INTERESSE MILITAR


materiais leves adequados e da experiência
obtida por Santos Dumont no desenvolvi- O interesse militar inicialmente não
mento da dirigibilidade de balões, entre foi significativo. Em 1908, os irmãos
muitas outras coisas. Decididamente, avi- Wright foram contratados pelos EUA
ões não resultaram de um invento fortuito para desenvolver um avião que atingisse
de um indivíduo ou do produto de uma a velocidade de 64 km/h e voasse uma
feliz descoberta ocasional que em inglês distância de 200 km, transportando duas
se define como serendipity, mas sim de pessoas. Entregaram a primeira unidade
um processo árduo de desenvolvimento em meados de 1909. Mais tarde, os Wright
científico e tecnológico, que ocorreu ao ofereceram a patente de seu novo avião ao
longo do tempo. Cada nova experiência Almirantado britânico, que, no entanto,
realimentava o conhecimento que, como não se entusiasmou com a oferta. Voar
é cumulativo, levava ao progresso para era visto como uma atividade de entre-
patamares tecnológicos mais elevados. tenimento, um esporte. A única utilidade
Concorreu para isso o resultado do que viam nos aviões e balões dirigíveis era
trabalho dos cientistas que criaram as ba- para eventuais tarefas de reconhecimen-
ses da aerodinâmica. Destacam-se: Lord to. Somente próximo à Primeira Guerra
Rayleigh (1842-1919), que demonstrou Mundial ficaram evidentes a importância
a existência de uma força de sustentação do reconhecimento aéreo para a guerra e a
que aparece em um cilindro girando sub- possibilidade de outros empregos.
metido ao fluxo de um fluido; Frederick Em 1909, o Reino Unido construiu um
Lanchester (1868-1946), que publicou dirigível rígido, que, ao se preparar para
sobre essa sustentação que é gerada pelo o voo inaugural, foi destruído pelo vento,
fluxo de ar em asas convexas12; Ludwig o que fez arrefecer ainda mais o interesse
Prandt (1875-1953), que demonstrou britânico nessas aeronaves14. Porém o de-
a existência da camada limite, criou a senvolvimento de zepelins pelos alemães
teoria da circulação e deu condições à causou-lhes uma grande preocupação.
Universidade de Göttingen, na Alemanha, Perceberam que este tipo de aeronave
de desenvolver a teoria dos aerofólios poderia bombardear suas indústrias, esta-
(formas das seções retas das asas grossas leiros, portos, bases navais e depósitos de
de um avião); e Theodor von Kármán, que combustível. A sensação de insegurança
aprofundou o trabalho de Prandt. Criaram- se refletiu em sensacionalismo nos meios
-se, assim, as bases científicas que foram de comunicação do Reino Unido, e logo
essenciais para impulsionar o desenvolvi- zepelins, produtos da imaginação das
mento tecnológico do avião, a partir das pessoas, foram “avistados” sobrevoando
primeiras décadas do século XX.13 a Grã-Bretanha e noticiados pelos jornais.

12 Muito simplificadamente: o percurso maior do ar na superfície superior, convexa, da asa, quando comparado
com o percurso do ar na superfície inferior, faz com que o fluxo de ar que percorre a parte superior tenha que
aumentar sua velocidade, ou seja, sua energia cinética, para depois encontrar o fluxo de ar da parte inferior.
Para que se conserve a mesma energia inicial, é necessário que ocorra uma diminuição de pressão no fluxo
superior. Como não se alterou a pressão da parte inferior, consequentemente resulta na asa uma força de
sustentação, que a mantém em voo, se for igual ou superior ao peso do veículo.
13 CROUCH, Tom D. Asas.
14 MASSIE, Robert K. Castles of Steel, p. 362.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

Os zepelins tinham, então, desempenho poder aéreo do inimigo, ele poderia causar
superior ao dos aeroplanos, e pouco se danos, que não se limitariam à frente de
podia fazer contra eles. Mesmo assim, combate. Em sua opinião, isso poderia
Churchill acreditava que os aviões eram até levar a uma possível futura dissua-
militarmente mais promissores, inclusive são do emprego da força para resolver
para combater os zepelins, que, carregados conflitos entre países. O futuro mostrou,
de hidrogênio, eram muito vulneráveis. no entanto, que bombardeios não foram
Isso ainda era um palpite, pois os zepelins suficientes para dissuadir a violência entre
podiam operar à noite, tinham raio de países. Mas, curiosamente, supõe-se ter
ação superior ao dos aviões e alcançavam alcançado esse efeito dissuasório no final
altitudes maiores. Mesmo assim, o esforço do século XX, com a ameaça das armas
da Marinha Real bri- nucleares. Mesmo as-
tânica, da qual Chur- sim, isto somente se
chill se tornou first Desde 1910 os tornou uma possibili-
lord of the Admiralty dade provável quando
durante sua prepara-
aviões estavam em não foi mais possí-
ção para a Primeira desenvolvimento para vel ganhar vantagens
Guerra Mundial, se emprego militar. Diversos decisivas ao atacar
concentrou em avi- primeiro e passou a
ões para emprego em exércitos começaram a ser conveniente evitar
reconhecimentos e explorar seu emprego em uma guerra nuclear.
como arma defensi- Desde 1910, porém,
va. Logo o Exército
reconhecimentos aéreos os aviões estavam em
do Reino Unido tam- desenvolvimento para
bém passou a se interessar neles. emprego militar. Diversos exércitos come-
Herbert Wells, jornalista, historiador e çaram a explorar em manobras seu emprego
escritor famoso por suas obras de ficção em reconhecimentos aéreos. Com o bom
científica15, em um de seus livros, publi- resultado obtido, vários países os incorpo-
cado em 1908, previu que, com o empre- raram a suas Forças Armadas17.
go de aeronaves, haveria uma alteração Em 1911 começaram, de fato, a realizar
no caráter da guerra: “... nenhum lado missões de guerra. Durante um conflito
fica imune aos mais graves prejuízos; e entre a Itália e a Turquia na Líbia, os ita-
enquanto acontece um vasto aumento da lianos os utilizaram para reconhecimentos,
capacidade destruidora da guerra, há tam- e um dos aviões lançou granadas contra o
bém uma grande indecisão”16. A indecisão inimigo, num ato precursor do bombar-
a que ele se refere seria causada pelas deio aéreo. Daí para diante, aviões foram
consequências da grande potência de des- empregados em guerras, inclusive nos
truição em ambos os lados conflitantes. Bálcãs, onde a Turquia tinha 20 aviões e
Enquanto não se eliminasse totalmente o a Bulgária 2518.

15 Wells é considerado o “pai da ficção científica”.


16 WELLS, H. G. The War in Air, and Particulary How Mr. Bert Smallways faired While It Lasted, G. Bell,
Londres, 1908.
17 CROUCH, Tom D. Asas, p.166.
18 CROUCH, idem, p. 168.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

O desempenho da aviação nesses episó- em 1914, os britânicos atacaram a base


dios impressionou favoravelmente alguns de Nordholtz, próxima a Cuxhaven, na
líderes militares, que perceberam que a Alemanha, sem alcançar bom êxito. Outra
utilização de aviões seria imprescindível incursão, que chegou mais próxima do
nas guerras futuras, porém havia ainda os sucesso, ocorreu em dezembro, com sete
que permaneciam céticos. hidroaviões da Marinha Real. Esta ope-
A partir de 1913, os navios de guerra da ração teve vários percalços, inclusive um
Marinha Real britânica começaram a ser ataque de um zepelim e de aviões alemães
adaptados para levar a bordo hidroaviões19, à Força Naval britânica que apoiava os
com o propósito de realizarem reconheci- sete hidroaviões. Foi o primeiro combate
mentos no mar, procurando navios inimi- entre navios de superfície e meios aéreos
gos. Após a missão, pousariam na água e da História. Esse ataque demonstrou que os
seriam recolhidos a bordo por um guindaste zepelins não seriam eficazes contra navios
do seu próprio navio. de guerra no mar, por falta de agilidade nas
No Brasil, essas novidades eram re- manobras, mesmo sem artilharia antiaérea,
cebidas com entusiasmo por alguns, que o navio manobrando no momento certo,
defendiam a ideia podia se esquivar de
de criar um serviço seus ataques.
aeronáutico para a Em 1914 vários países já Durante a Primei-
Marinha. Em 1914, possuíam aviões militares ra Guerra Mundial,
fundou-se uma Esco- no entanto, ocorreram
la Brasileira de Avia- e balões dirigíveis em suas dezenas de ataques de
ção, de iniciativa pri- Forças Armadas zepelins a cidades dos
vada, na qual o então países envolvidos no
ministro da Marinha, conflito, com mortes e
Almirante Alexandrino de Alencar, man- destruição. Em 1916, um avião britânico
dou inscrever 25 alunos e para a qual derrubou um deles, provando sua vulnera-
designou um fiscal, o Primeiro-Tenente bilidade. Mais tarde, a artilharia antiaérea
Jorge Henrique Moller, que foi o primeiro progrediu e se mostrou eficaz, atingindo
militar brasileiro brevetado como aviador. zepelins no ar e derrubando-os. Eram alvos
Em 1914, vários países já possuíam grandes, pouco ágeis e cheios de hidrogênio
aviões militares e balões dirigíveis em inflamável.
suas Forças Armadas. Quando se iniciou Os aviões foram empregados também
a Primeira Guerra Mundial, eles causaram para caça a outros aviões, combatendo no
muita preocupação, pela possibilidade de ar e derrubando inimigos. Para isso, foi
emprego para bombardeios aéreos de cida- preciso armá-los com uma metralhadora
des, principalmente os zepelins, que foram frontal, que atirasse entre as pás do hélice
utilizados pelos alemães contra alvos em girante, sincronizando a cadência do tiro
terra na Bélgica logo nos primeiros dias com a rotação do propulsor.
do conflito. Com a aviação de caça, nasceu o culto
Como destruir os zepelins no solo, em do aviador herói, do ás dos combates
suas bases, utilizando aviões era a solução entre aviões, como os franceses Adolphe
óbvia para o problema, no início da guerra, Pégoud, Roland Garros e Georges-Marie

19 MASSIE, Robert K. Castles of Steel, p. 362, 363.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

Guynemer e os alemães Max Immelman, tecimento e à exaustão, pois ela e os outros


Oswald Boelcke e Manfred von Richtho- países beligerantes não haviam se preparado
fen, o famoso “Barão Vermelho”. Com a para uma guerra longa. Curiosamente, uma
guerra terrestre paralisada nas trincheiras e guerra continental que deveria ser resolvida
atolada nos lamaçais, a aviação se tornou o em terra, com o impasse dos exércitos nas
refúgio daqueles que se alistavam buscan- trincheiras, foi resolvida no mar. A última
do aventuras e querendo se tornar heróis. esperança dos alemães, então, era utilizar
A utilidade da aviação militar, no en- seus submarinos sem restrições, atacando
tanto, não era ainda uma opinião unânime também os navios neutros que abasteciam
nas Forças Armadas. Existe uma anedota o Reino Unido e seus aliados. Isso levou
em que um oficial superior britânico, a que países até então neutros, vendo seus
dirigindo-se aos pilotos, lhes disse que navios mercantes atacados e afundados,
podiam se divertir à vontade, mas que declarassem guerra à Alemanha e a seus
tomassem cuidado para não assustar os aliados. Em 1917, os EUA, o Brasil e ou-
cavalos. A tradição da cavalaria, com tros países entraram no conflito mundial.
seus ataques fron- O Brasil participou da
tais heroicos, ainda Primeira Guerra Mun-
povoava a mente de Em 1916, a MB se dial enviando: uma
alguns, mas os tem- interessou em ter uma missão médica à Fran-
pos haviam mudado. ça, que é lembrada pe-
Com a metralhadora Aviação, criando sua los franceses até hoje;
e outras armas de Escola de Aviação Naval e uma Força Naval para
repetição, que se de- adquirindo seus primeiros substituir os ingleses
senvolveram após o no patrulhamento entre
aparecimento relati- aviões Dakar, no Senegal, e o
vamente recente das Estreito de Gibraltar;
pólvoras “sem fu- nove oficiais aviado-
maça”. A cavalaria perdera seu destaque. res, que se integraram à Royal Air Force
Em 1916, a MB também se interessou (RAF) na frente europeia; dois oficiais e
em ter uma Aviação, criando sua Escola de um suboficial para os EUA; e uma missão
Aviação Naval e adquirindo seus primeiros aérea para a Itália, chefiada pelo Capitão de
aviões, os Curtiss F, nos EUA. Eram hidro- Corveta Protógenes Guimarães.
aviões produzidos pela fábrica Curtiss, que A indústria aeronáutica mundial se
era então a principal fornecedora das Forças desenvolveu e produziu durante a guerra
Armadas dos Estados Unidos e que também aproximadamente 230 mil aviões20, incluin-
exportava para a Europa, principalmente do os países que não eram beligerantes. A
para a Marinha Real britânica. indústria francesa enfatizou a padronização
Após a Batalha Naval da Jutlândia, entre e a produção e fabricou 51.700 aviões; a
a Grande Esquadra Britânica e a Esquadra alemã, a pesquisa e o desenvolvimento,
de Alto-Mar alemã, em 31 de maio e 1º de com apoio de suas universidades – Göttin-
junho de 1916, a Alemanha concluiu que gen e Aachen –, produzindo cerca de 38 mil
o bloqueio exercido pelos navios de super- aeronaves. A britânica também se baseou
fície do Reino Unido a levaria ao desabas- em pesquisa e desenvolvimento, mas com

20 CROUCH, Tom D. Asas, p.191.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

menor capacidade de inovação do que a arte da guerra e até previram que a guerra
alemã, e produziu 55.092 aviões21. terrestre e a naval poderiam se tornar ob-
A Alemanha conseguiu, com seus mode- soletas com o progresso da aviação militar.
los mais avançados, estar tecnologicamente Giulio Douhet22 (1869-1930), um ofi-
na frente dos franceses e ingleses, utilizan- cial do Exército italiano, desde o início
do novos materiais e desenvolvendo ino- percebeu o que poderia ocorrer e disse, an-
vações, como as asas grossas com secções tes de 1914, que “uma nova arma surgiu. O
retas de perfil de aerofólio. Destacou-se céu se tornou um novo campo de batalha”.
no emprego de novas estruturas de avião, Mais tarde, ele foi um dos grandes teóricos
que foram muito importantes para o futuro do emprego do Poder Aéreo e até acredi-
da aviação. Utilizaram tubos estruturais tou que tudo se resolveria no futuro nesse
de aço soldados, cobertura de alumínio e novo ambiente. Caberiam às outras Forças
aviões inteiramente metálicos – como os Armadas tarefas defensivas, enquanto uma
desenvolvidos por Hugo Junkers – e caças força aérea destruiria os centros vitais e
de estrutura de duralumínio. Os alemães abateria a moral do inimigo, inclusive
continuaram produzindo, mesmo quando o atacando cidades e fazendo com que sua
bloqueio inimigo fez com que não tivessem população perdesse a vontade de lutar.
mais matérias-primas importadas, como a No futuro, essa profecia se mostrou
borracha, por exemplo, o que exigiu que exagerada, apesar de ter se confirmado par-
fabricassem, como alternativa precária, cialmente. As outras Forças Armadas conti-
rodas para aviões em madeira. nuaram muito importantes, principalmente
Ainda nessa guerra, a fábrica de por sua maior capacidade de permanência
Junkers se uniu à Fokker. Um de seus em um local distante. As reações humanas,
aviões, o Fokker D.VII, de 1918, é con- por sua vez, nem sempre são previsíveis, e
siderado o melhor caça da guerra e foi o bombardeio de cidades pode não abater
utilizado durante anos depois do con- o ânimo das tropas que estão combatendo,
flito por vários países, em suas Forças como o tempo mostrou ser verdade.
Armadas. Tinha as asas desenvolvidas As ideias de Douhet, embora bem
por Junkers e duas metralhadoras de tiro conhecidas na Itália, por ter publicado ar-
frontal. Fabricaram-se cerca de 3.300 tigos desde 1910, um livro em 1918 e por
desses aviões durante o conflito. seu clássico Comando dos Ares, de 1921,
Esses fatos comprovam que a capaci- custaram a ser traduzidas e consideradas
dade tecnológica produtiva e inovadora nos cursos de estratégia das escolas de al-
de um país já tinha adquirido uma impor- tos estudos militares dos EUA e do Reino
tância vital para a guerra, e a dependência Unido e só ganharam atenção e importância
do Poder Militar em tecnologia, inclusive na década de 1930. Enquanto isso, as ver-
a tecnologia aeronáutica, também se tor- dadeiras campanhas para divulgar a impor-
nou crescente. tância futura da aviação militar, realizadas
Algumas pessoas, como Giulio Douhet, por Mitchell, nos EUA, e Trenchard, no
Billy Mitchell e Hugh Trenchard, perce- Reino Unido, tiveram maior repercussão
beram a mudança que estava ocorrendo na nos seus respectivos países.

21 CROUCH, Tom D. Asas, p.191.


22 DOUET, Giulio, general italiano e teórico aeronáutico, conhecido internacionalmente por sua estratégia de
emprego do Poder Aéreo, em que ele afirma que a potência que conseguir dominar o ar dominará o mundo.

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

O PERÍODO ENTRE GUERRAS Saint Exupery, que desapareceria pilotan-


do um avião na Segunda Guerra Mundial,
A indústria aeronáutica, no Período En- as imortalizou em seus livros, como
tre Guerras, inevitavelmente sofreu com Correio Sul, Voo Noturno e outros, que
a diminuição das encomendas militares, se tornaram famosos internacionalmente.
pois não existia ainda uma demanda civil Nos EUA, o transporte aéreo iniciou-
de vulto. Era preciso abrir mercados. -se nos correios, em uma rota entre Wa-
A aviação civil mundial iniciou-se shington e Nova Iorque. Depois, com a
formalmente em 1919, quando foi assi- expansão dos serviços, tornou-se possível
nada a Convenção Internacional sobre enviar por via aérea uma carta de São
Navegação Aérea e estabeleceu-se, na Francisco para Nova Iorque, transpor-
Liga das Nações, uma Comissão para a tando-a em menos de 30 horas. As rotas
Navegação Aérea, com a finalidade de do correio aéreo foram as pioneiras das
arbitrar sobre disputas. rotas comerciais que mais tarde seriam
Os zepelins, que antes da guerra já criadas no território americano.
haviam transportado muitos passageiros, No Brasil, o serviço regular de Cor-
deram ensejo para reio Aéreo Nacional
que a Alemanha fos- começou somente em
se a primeira a resta-
belecer o transporte
No Brasil, o serviço regular 1936, entre Rio-San-
tos-Florianópolis.
comercial, em 1919. de Correio Aéreo Nacional Outros mercados,
Logo aviões rema- começou somente em além do transporte
nescentes da guerra de passageiros, car-
começaram também 1936, entre Rio-Santos- gas e correio aéreo,
a prestar serviços de Florianópolis também se abriram,
transporte e, ainda como o de fotografias
em 1919, companhias aéreas e o de serviços
de países como a França e o Reino Unido para a agricultura.
abriram seus serviços, inclusive para trans- O empreendimento comercial de trans-
posição do Canal da Mancha. porte aéreo, no entanto, criava dificuldades
Na busca por mercados, o correio aéreo econômicas para as empresas de inicia-
era uma boa opção. A Aerospaciale fran- tiva privada. Essas companhias aéreas
cesa, por exemplo, iniciou um serviço de precisavam de subsídios governamentais
correio da cidade de Toulouse, na França, para manter a regularidade dos voos e se
até Casablanca, no Marrocos. Em 1925, sustentar. Consequentemente, algumas
a rota foi ampliada, através do Saara, até delas foram estatizadas, ou obrigadas a se
Dacar, no Senegal. Além disso, a com- fundir com outras. O sucesso do transporte
panhia estabeleceu uma rota separada, aéreo, nesse período entre as duas guerras
na América do Sul, de Natal, no Brasil, mundiais, no entanto, foi inegável.
primeiro até Montevidéu, no Uruguai, e Na União Soviética, as lutas internas que
depois até o Chile, voando sobre os Andes. se seguiram à Revolução fizeram com que o
Notabilizaram-se nessas rotas pioneiras governo incentivasse a produção e o cresci-
do correio aéreo da Aerospaciale, quando mento de sua indústria aeronáutica militar.
voar ainda era uma aventura, pilotos como A França, apesar das dificuldades orça-
Jean Mermoz e Antoine de Saint Exupery. mentárias, manteve uma Força Aérea bem

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INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

superior às de outras nações, empregando-a Mitchell, no cargo de vice-comandante do


principalmente em suas colônias. Serviço Aéreo dos EUA, fez uma demons-
No Reino Unido, onde o General Tren- tração empregando aviões contra navios,
chard criou o conceito de “controle aéreo” utilizando navios de guerra que seriam
e defendeu a formação da primeira Força sucateados, e os aviões mostraram do que
Aérea independente do mundo, a RAF, a eram capazes, afundando alguns deles.
maior parte do emprego da Força Aérea Em 1919, a MB já possuía uma Flotilha
ocorreu também nas colônias britânicas, de Aviões de Guerra, com 31 hidroaviões,
atuando em revoltas e outros conflitos. na época chamados de aerobotes, sendo
Nos EUA, porém, para manter a sete deles fabricados na Itália (Macchi
atenção, foi necessário persistir com a rea- M-9 e 7 e Ansaldo ISV A). Pouco tempo
lização de feitos notá- depois, começou tam-
veis, como a travessia bém a obter aviões
do Atlântico, viagens que pousavam em ter-
de longa distância e Tanto a segurança do ra. Mas as atividades
mesmo competições sistema globalizado de aéreas da Marinha
e espetáculos de acro-
bacias. Mitchell se
transporte marítimo como foram precárias até
1930, quando o Al-
empenhou em divul- a guerra de litoral levam ao mirante Protógenes
gar a importância do mesmo fim: a permanente Guimarães, futuro
avião, o que, infeliz- patrono da Aviação
mente, confirmou sua mobilização de forças Naval brasileira, tor-
fama de exibicionista. navais de vários Estados nou-se ministro da
Tanto na Primeira
Guerra Mundial como
para propósitos comuns Marinha, tomando di-
versas providências e
nesse emprego em iniciando uma grande
guerras coloniais, as Forças Aéreas tam- aquisição de aviões. Chegou-se a ter 84
bém mostraram que, nos bombardeios que aviões na MB em 1933.
se fizeram necessários, não era possível A instrução de voo foi atualizada, utili-
distinguir combatentes dos não combaten- zando como modelo a Escola de Gosport,
tes e que a população civil também sofreria do Reino Unido – segundo o Almirante
baixas. Tanto Mitchell quanto Trenchard Helio Leoncio Martins, em História Naval
e Douhet apontaram isso como inevitável, Brasileira23, com excelentes resultados,
intrínseco do emprego do Poder Aéreo, formando os primeiros oficiais pilotos
o que, para horror da opinião pública, com mentalidade militar. Ainda segundo
evidenciou-se nos conflitos anteriores à ele, em 1938, “a Aviação Naval tinha
Segunda Guerra Mundial, como na Guerra atingido apreciável nível de eficiência;
Civil espanhola (Guernica, por exemplo) bem equipada, com excelente treinamento,
e na conquista de Shanghai pelo Japão. boa organização, manutenção satisfatória e
O importante, no entanto, era provar doutrina de operações”.
que esse Poder Aéreo era necessário para Em 1941, seguindo uma tendência
o futuro do Poder Militar. O Brigadeiro mundial, criou-se no Brasil o Ministério da

23 Martins, Helio Leoncio. História Naval Brasileira, Quinto Volume, Tomo II. Serviço de Documentação Geral
da Marinha, Rio de Janeiro, 1985, pg.117.

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Aeronáutica, incorporando todo o material, teste com o XR-4, em cujo projeto introduzira
equipamentos e instalações aeronáuticas da várias inovações, foi um completo sucesso.
Marinha e do Exército. Diversos outros fabricantes, além da
Essa medida radical copiava o que ha- empresa de Sikorsky, inclusive franceses
via ocorrido em países de regime totalitá- e britânicos, também produziram novos
rio, como a Alemanha. Por outro lado, as helicópteros. Em sua aplicação militar,
Forças Aéreas unificadas da França e do primeiro encontraram emprego evacuando
Reino Unido foram criadas mantendo as feridos da linha de frente, transportando
forças aeronavais, de natureza tática, sob pessoas e em outras tarefas auxiliares. Na
o controle de suas respectivas Marinhas. Guerra da Coreia e em outros conflitos
dessa época, sua utilidade se mostrou
O HELICÓPTERO crescente, e na Guerra
do Vietnã já exerceu
Se o desenvolvi- Com os desenvolvimentos tarefas operativas im-
mento do avião de- ocorridos na segunda portantes.
pendeu de um longo Para as Marinhas,
processo evolutivo, metade do século XX, os o helicóptero demons-
que necessitou da evo- meios aéreos se mostraram trou ser um excelente
lução de um patamar meio para a guerra
de conhecimento e imprescindíveis para antissubmarino, tanto
desenvolvimento tec- emprego tático nas na detecção acústica
nológico para que se Marinhas à distância como uti-
obtivesse um resulta- lizando torpedos para
do satisfatório, sendo destruir os submari-
controverso apontar um inventor, no caso nos. Tornou-se, portanto, um meio orgânico
do helicóptero esse fato ainda é mais imprescindível para elas.
evidente.
São vários os pioneiros que tentaram CONSIDERAÇÕES FINAIS
conseguir uma decolagem e um pouso
vertical, ou quase vertical. A primeira O progresso das indústrias aeronáuti-
máquina de asa rotativa que logrou subir cas e das companhias de aviação ocorreu
alguns centímetros com um piloto, apesar aceleradamente entre 1926 e 1941. Nas
de descontrolada, foi a de Louis Breguet, Marinhas, também foi nesse período que
em 1907. Seguiram-se muitos outros que se desenvolveram os navios-aeródromo,
alcançaram sucessos relativos, até que, que durante a Segunda Guerra Mundial,
em 1923, o engenheiro Juan de la Cier- na frente do Oceano Pacífico, se tornaram
va buscou uma solução intermediária, os novos navios capitais das esquadras.
o autogiro, que chegou a ser industrial- Lá, na Batalha de Mar de Coral, pela
mente produzido e comerciado, sendo primeira vez, não houve combates de
que alguns foram vendidos para Forças superfície entre navios, mas ataques de
Armadas dos EUA. aviões às duas forças navais, america-
É possível que os resultados obtidos por na e japonesa, e também, durante essa
Igor Ivan Sikorsky (1889-1972) com o desen- guerra, os navios-aeródromo mostraram
volvimento de um novo helicóptero tenham que eram capazes de projetar poder sobre
sido os melhores até então. Em 1942, seu terra, por meio de suas aeronaves.

RMB1oT/2017 37
INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

Com os desenvolvimentos ocorridos e helicópteros, tanto para sua proteção


na segunda metade do século XX, os quanto para projetar poder. Assim, nesse
meios aéreos se mostraram imprescindí- novo ambiente, que nos é contemporâ-
veis para emprego tático nas Marinhas. neo, a Marinha do Brasil voltou a ter sua
As forças navais necessitam de aviões Força Aeronaval.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Aviação Militar;

38 RMB1oT/2017
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA
NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

Amateurs study strategy, professionals study logistics.


(General Omar Bradley, in T. Pierce, Proceedings of
the US Naval Institute, Vol. 122, No 9, p. 74)

RUY BARCELLOS CAPETTI*


Vice-Almirante (Refo)

SUMÁRIO

Sumário
Introdução
Sobre o apoio logístico integrado
Que padrão deve ser adotado, levando em conta a Base Industrial de Defesa?
Obtenção de informações e dados referentes ao apoio logístico
Evolução do gerenciamento das informações específicas
Padrão adotado (EUA)
Padrão adotado na Europa e outros países
A ISO 10303 – Step
Considerações finais

SUMÁRIO gística entre os componentes do Ministério


da Defesa, os elementos da Base Industrial

O artigo trata da necessidade de serem


estabelecidas regras para o intercâm-
bio de dados técnicos de engenharia e de lo-
de Defesa e todos os demais atores envolvi-
dos no processo de obtenção de complexos
sistemas de defesa.

* Foi chefe do Departamento Industrial da Base Almirante Castro e Silva; assessor no reparo de submarinos no
Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro; comandante da Corveta Caboclo, do Submarino Humaitá, da Força
de Apoio e dos Centros de Instrução Almirante Alexandrino e Almirante Átila Monteiro Aché. Foi diretor
de Ensino da Marinha. Publicou o livro Logística Pura e vários artigos sobre logística.
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

INTRODUÇÃO Esses tópicos, cujos reconhecimento


e aprofundamento são essenciais para a
Muito embora o texto que se segue faça obtenção dos produtos de defesa, estão
ocasionais referências ao preparo do Poder inseridos na técnica de engenharia bastante
Naval, tratanto-se de material de emprego difundida nos países de cultura avançada
militar destinado à pauta da Defesa, a – o Integrated Logistics Support – ILS1
amplitude da sua abrangência alcança as e fazem parte do contexto da qualidade.
Forças Armadas nacionais, o Ministério da A principal ferramenta dessa técnica é a
Defesa e todos os atores envolvidos com o Análise de Apoio Logístico.
aparelhamento da expressão militar do País. Deles somente o do item 4 é abordado,
Tal característica indica a necessidade por não ter sido encontrada muita literatura
de órgão superior de controle que oriente sobre tal tema na língua pátria. Neste texto,
e supervisione os muitos processos pratica- quando nos referirmos a produto estaremos
dos por todos os citados atores, de modo a nos referindo a qualquer plataforma, siste-
alcançar padronização necessária, da qual ma ou equipamento (sistemas, equipamen-
resulte desempenho otimizado da Logística tos, instalações de apoio ou veículos aéreos,
de Defesa. terrestres, marítimos,
Quando se trata civis ou militares), e
do preparo dos pode- No preparo dos poderes projeto – terá a defini-
res militares compo- militares, um dos mais ção básica de tarefa de
nentes, um dos mais desenvolver, manter
importantes, se não o importantes, se não o e descartar o produto.
mais importante pro- mais importante processo
cesso a ser considera-
do, é o de obtenção.
a ser considerado, é o de SOBRE LOGÍSTICO
O APOIO

Para sua condução, obtenção INTEGRADO


certas áreas de co-
nhecimentos devem Para efeitos neste
ser perfeitamente dominadas, devendo ser texto, ILS é Apoio Logístico como
enfatizada a atenção dos atores envolvidos, praticado em países atualizados tecnica-
nos principais pontos relacionados a seguir: mente, o mesmo que “ALI nos moldes
1. como a engenharia de sistemas se do ILS”. ALI é o processo praticado na
adequa ao processo de obtenção; Marinha do Brasil e diverge do conceito
2. a análise de apoiabilidade como parte original, conforme exposto no artigo ILS
do processo de engenharia de sistemas; x ALI (ver nota 1).
3. como desenvolver os requisitos de O ILS foi conceitualmente derivado
apoiabilidade; da técnica de análise custo-benefício, nos
4. a obtenção e a geração de dados refe- Estados Unidos da América (EUA), no
rentes ao apoio; início dos anos 60 do século passado e,
5. considerações logísticas nos contra- modernamente, se constitui em notável
tos; e ferramenta de uso na engenharia de sis-
6. papel da logística nas Equipes Inte- temas, voltado para a maximização da
gradas de Produtos. produtividade.

1 ILS: “ILS x ALI”. Revista do Clube Naval, ano 112, nr. 325, jan/fev/mar 2003, p. 38-42.

40 RMB1oT/2017
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

O conceito se desenvolveu a partir da comunicação com clientes internos e exter-


complexidade cada vez maior dos produtos nos, com coerência e ampla possibilidade
e das consequentes dificuldades de esti- de reutilização.
mativas com vistas à alocação de recursos No processo, cuja principal ferramenta
necessários ao apoio logístico, ao longo de de realização é a Análise de Apoio Logís-
seus ciclos de vida, até seus descartes (ou tico, a armazenagem de mais de 600 dados
redistribuições). era inicialmente feita (e ainda é em alguns
Se o apoio logístico ao produto não países) em bancos de dados relacionais,
fosse cogitado a partir da sua fase con- denominados LSAR3, dos quais se podia
ceitual, resultaria em sérios problemas, extrair diversos relatórios padronizados
principalmente de manutenção, ao longo sobre o produto, ou outros relatórios ad
dos períodos de utilização, e encarece- hoc, por meio de queries (consultas) es-
ria o custo de posse. pecíficos. O planeja-
Diante da crescente mento da manutenção
escassez, cada vez Se o apoio logístico ao é o foco principal das
mais acentuada, dos produto não fosse cogitado atividades logísticas
recursos para asse- desenvolvidas.
gurar a otimização em sua fase conceitual, As primeiras ma-
de suas disponibili- resultaria em sérios nifestações nativas de
dades, isso se tornava interesse pelo Apoio
inaceitável. problemas, principalmente Logístico Integrado
Instruções especí- de manutenção, ao longo na Marinha do Bra-
ficas nos EUA (a Di- dos períodos de utilização, e sil (MB), cunhadas
retiva DoD 4003, e as de ALI, ocorreram ali
MIL-STD 1388-1A e encareceria o custo de posse pelos idos de 70/80,
1388-2B) orientaram no período do boom
o estabelecimento da da construção naval
estrutura do ILS, sua organização segundo militar. Embora tradução da sigla da mes-
elementos logísticos, o dicionário dos da- ma metodologia, já usada por Marinhas de
dos a serem considerados e a estrutura da países de elevada competência militar de
base de armazenamento, no início bancos língua inglesa, qual seja o Integrated Logis-
de dados relacionais. tics Support (ILS), os conceitos respectivos
Além da grande quantidade de informa- da expressão nativa e da sua tradução para
ções e dados de engenharia, proveniente das a língua pátria não coincidiam.
atividades de CAD/CAM/CAE2, o ILS é a As primeiras referências ao ALI o
principal fonte de outra grande quantidade caracterizavam como uma atividade lo-
de dados de natureza logística. Todos esses gística de integração de qualquer novo
dados devem ser armazenados em bases ativo de defesa complexo (principalmente
de dados convenientes, que proporcionem supersistemas, como navios, e sistemas,
acesso em cada caso particular, por meio da como carros anfíbios de desembarque, e

2 Computer-aided design (CAD), Computer-aided manufacturing (CAM), Computer-aided engineering (CAE),


Product Data Management (PDM)/Enterprise Data Management (EDM), bem como outros sistemas CAx
(termo genérico para descrever o uso da tecnologia da informação para auxiliar no projeto, na análise e na
fabricação de produtos).
3 LSAR – Logistics Support Analysis Record, em português Banco de Dados da Análise de Apoio Logístico.

RMB1oT/2017 41
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

tantos outros) ao sistema de apoio logístico QUE PADRÃO DEVE SER


vigente, entendimento este em desacordo ADOTADO, LEVANDO EM
com o conceito original do ILS, expresso CONTA A BASE INDUSTRIAL DE
pela definição na origem. DEFESA?
Curso realizado na Diretoria de En-
genharia Naval (DEN)4, ministrado por No passado, numa proposta de instrução
colaborador da Marinha dos EUA nos sobre adoção do “ALI nos moldes do ILS”,
anos de 1982-1984, já disseminava os sugerimos que a autoridade decisora optas-
conceitos corretos, mas estes não moti- se por um modelo de ILS – EUA ou Reino
varam a MB como um todo. Não houve Unido (UK). A escolha, agora, é entre EUA
disseminação apropriada. e Europa, mas em ambos os casos o padrão
Ainda hoje, muito embora se encon- de intercâmbio de dados derivados deve
trem nas Forças Armadas referências à atender também ao que é usado na indústria
Apoio Logístico Integrado, tradução de nacional, por razões óbvias. Portanto, esse
Integrated Logistics Support, parecendo, tópico deve ser discutido num ambiente em
à primeira vista, que se trata da mesma que a indústria esteja presente.
coisa, há pontos conceituais muito di- Tecidas tais considerações sobre o ILS
vergentes na sua aplicação. Por isso, ao e sobre o ALI, retomemos o foco principal
longo do artigo, e quando necessário, a do artigo.
expressão na língua originária – Integra-
ted Logistics Support (ILS) – será usada OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES
preferencialmente. E DADOS REFERENTES AO
Essas diferenças conceituais 5 na APOIO LOGÍSTICO
aplicação do ILS e do ALI brasileiro
geram muitas dificuldades, uma vez que Importantes aspectos a serem consi-
o processo, como praticado no ambiente derados na interação entre as instituições
militar nacional, vem sofrendo vários componentes do Poder Militar de um país
empecilhos, por falta de orientação e (principalmente no que diz respeito ao pre-
supervisão centralizadas, o que resulta na paro) são as trocas de informações e dados
não padronização de uso de ferramentas de natureza técnica e os de natureza logística
apropriadas, e de processos, padrões, referentes aos seus diferentes produtos,
instruções, modelos, análises e várias levando em consideração, principalmente,
outros instrumentos necessários para as a necessidade de padronização com vistas
boas práticas de execução do “ALI nos à interoperabilidade. Não só internamente,
moldes do ILS”. no ambiente militar, mas por razões óbvias,
O ALI nacional, para refletir a natureza essa preocupação deve se estender à Base In-
de metodologia analítica e o processo ge- dustrial de Defesa6, no sentido de serem es-
rencial internacionalmente aceitos, deve tabelecidos padrões e comportamentos que
seguir um padrão também internacional- normatizem toda comunicação empresarial
mente aceito. entre as diversas instituições participantes.

4 O primeiro curso, sob auspícios da DEN, foi ministrado em 1982 pelo CDR (USN) Cowdrill sob o título de
Gerência de Projeto na Obtenção de Meios Flutuantes. O terceiro, por oficiais da MB, aconteceu em 1984.
5 Sobre essas diferenças, ver artigo “ILS x ALI”, Revista do Clube Naval no 325/2003, p. 38-42.
6 Sobre Base Industrial de Defesa, artigo do autor sobre emprego do CALS. Consultar RMB v. 134 no 07 jul/set
2014, p.203, Seção Artigos Avulsos. O artigo completo está disponível na Biblioteca da Marinha.

42 RMB1oT/2017
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

Embora de natureza variada, as comuni- ou abrir um rasgo de chaveta num eixo


cações organizacionais aqui focadas são as recém-fabricado, numa oficina do sistema
que têm como objetivo facilitar a integração de apoio. Nesses casos, de acordo com a
entre os colaboradores para que estejam programação da produção, a matéria-prima,
comprometidos com os objetivos da orga- ou a peça, seria encaminhada a um torno
nização (pela padronização e consequente ou a uma fresa, onde seria feito o serviço.
aumento da produtividade). O material seria encaixado na máquina
Aqui, o foco são as comunicações das por competentes torneiros-fresadores (às
informações e dados técnicos de engenha- vezes operários um pouco envelhecidos),
ria e os dados de logística provenientes que consultariam os dados geométricos
da gestão do ciclo de vida dos produtos indicados no desenho técnico da peça, fa-
de emprego militar. Por exemplo, na riam as medições e ajustagens necessárias
obtenção de um material de emprego e executariam o serviço. Como a máquina
militar, a partir da iniciativa privada, será era velha, podia apresentar algum tipo de
necesssário transmitir folga inaceitável, o
à instituição fornece- que obrigava a para-
dora (uma prestadora O foco da abordagem da do processo várias
de serviços de manu- vezes para controle de
tenção, um estaleiro são as comunicações das qualidade.
de construção, uma informações e dados Ao término do ser-
manufatura etc.) in- viço, o produto final
formações e dados
técnicos de engenharia seria encaminhado a
técnicos de engenha- e os dados de logística um centro de custos
ria e de apoio logís- provenientes da gestão do (acondicionamento e
tico que permitam o transporte, por exem-
fornecimento do pro- ciclo de vida dos produtos plo) e devolvido ao
duto desejado com a de emprego militar solicitante do serviço,
qualidade requerida. sem nenhuma infor-
Num passado não mação de natureza
muito remoto, e até mesmo nos dias técnica ou logística.
atuais, ainda se encontra em países tecni- De meados do século passado ao
camente atrasados a prática ultrapassada início do atual, contudo, alguns setores
de fornecer os elementos de informação da iniciativa privada brasileira, como a
técnica e os dados necessários por meio de indústria automobilística, a da construção
documentos escritos, tais como desenhos naval, aeroespacial e outras semelhantes,
técnicos, relatórios, descrição de serviços, se modernizaram.
instruções de fabricação, entre tantos Após a Segunda Guerra Mundial e o
outros, de modo a orientar o fornecedor desenvolvimento dos recursos computa-
na entrega do objeto ou serviço desejado. cionais, as máquinas NC, ou máquinas
Citamos aqui um exemplo para ilustrar de controle numérico e, em seguida, as
como sucedia na nossa época de serviço máquinas CNC, ou de controle numérico
ativo (final do século passado). Imagine- computadorizado, se tornaram comuns. Os
mos a necessidade de usinar uma peça em robôs de fabricação nas montadoras de au-
aço, como um punho de periscópio, abrir tomóveis se tornaram realidade. Surgiram
furos, fazer o recartilhado indicado etc., os routers (tupias) CNC. Os softwares de

RMB1oT/2017 43
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

CAD/CAM/CAE entraram nas rotinas de (subconjunto do Standard Generalized


design e de produção. Mais atualmente, Markup Language – SGML7) e no uso de
surgiram as impressoras 3D, até com ca- navegadores, a internet proporcionava que
pacidade de usinagem. informações voassem de ponto a ponto do
Se fosse necessário realizar os serviços planeta, com a velocidade da luz. Porém a
de fabricação da peça ou do eixo acima linguagem para codificar suas páginas não
exemplificados, o solicitante enviaria um se prestava bem para o manuseio dos dados
arquivo digital à mecânica selecionada, e de informações que não fossem texto, daí
com instruções ou comandos que seriam criou-se um novo subconjunto conhecido
diretamente inseridos na máquina CNC como XML8, proporcionando uma maneira
apropriada, e a matéria-prima seria con- mais adequada de veiculação dos dados
vertida na peça desejada com alto grau de e das informações por meio dos recursos
qualidade. A econo- computacionais.
mia daí decorrente Entretanto, mui-
seria notável. A Tecnologia da Informação to trabalho teve que
A Tecnologia da permitiu às comunicações se ser realizado para
Informação (TI) per- se chegar ao estágio
mitiu às comunica- expandirem na quantidade de desenvolvimento
ções se expandirem de armazenamento e de atual, em função de
quase que ilimitada- transmissão de dados e muitas dificuldades.
mente na quantidade Tratando-se da área
de armazenamento informações, e na qualidade, industrial, a maioria
e de transmissão de velocidade e segurança delas provinha da falta
dados e informações, de padronização de
e na qualidade, ve- no intercâmbio dos diversos softwares,
locidade e segurança pacotes de dados originados de diferen-
no intercâmbio dos tes desenvolvedores e
pacotes de dados. Fo- que não se comunica-
ram desenvolvidas técnicas como a de hi- vam, bem como as diferentes tecnologias
perlinks, linguagens de marcação (markup que cada interessado usava para resolver o
languages), diferentes linguagens de com- problema da comunicação das informações
putador, programas aplicativos em auxílio e dados peculiares a cada ramo de atividade
a diferentes áreas de conhecimentos, enfim, industrial praticada.
uma verdadeira avalanche de inovações Qualquer que fosse a área industrial,
tecnológicas, que seria aqui impossível de contudo, além da necessidade das ativida-
serem elencadas. des típicas de engenharia, surgia a imperio-
O aparecimento da internet e de seus sa necessidade de projetar e fornecer apoio
diferentes serviços foi praticamente fru- logístico aos produtos disponibilizados,
to dessas tecnologias. Baseada em uma o que gerava uma imensa quantidade de
linguagem de marcação conhecida como dados logísticos e, consequentemente,
Hypertext Markup Language – HTML criava a necessidade de ações no sentido

7 A SGML é uma norma ISO: ISO 8879:1986 Information processing – Text and office systems – Standard Ge-
neralized Markup Language (SGML).
8 XML (eXtensible Markup Language) é uma recomendação da W3C para gerar linguagens de marcação para
necessidades especiais.

44 RMB1oT/2017
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

de gerenciá-los. Surgia uma disciplina de uma iniciativa conhecida como Computer


grande importância, a Logistics Manage- Aided Logistics Support (CALS)9. A Mari-
ment Information (LMI), ou gerenciamento nha americana iniciou esforços similares
das informações logísticas. em 1987 e prosseguiu em 1991. Esses pro-
gramas foram combinados e expandidos a
EVOLUÇÃO DO GERENCIAMENTO todos os serviços sob o nome de Joint CALS
DAS INFORMAÇÕES ESPECÍFICAS (JCALS). O uso do JCALS foi aprovado em
agosto de 1998.
O Programa que possibilitou a racio- Em 1996, como consequência da Re-
nalização da obtenção do apoio logís- forma do Sistema de Obtenção do DoD
tico nas atividades EUA (DoD Acqui-
de construção/produ- sition Reform Act),
ção/manufatura foi o As especificações militares entre outras razões
Integrated Logistics
Support Program,
em vigor nas duas últimas visando descomplicar
o relacionamento com
desenvolvido no am- décadas do século passado a indústria civil (redu-
biente militar do De- eram de uso limitado aos zindo as exigências de
partment of Defense contratos, dando pre-
dos EUA (DoD EUA), seus países de origem, ferência aos padrões
em 1964, de acordo e por isso os MIL- da indústria em vez
com a Diretiva DoD
4100.35, e segundo os
STD-1388, mesmo depois dos padrões militares,
muito mais rigorosos
MIL-STD-1388-1A e de cancelados, continuaram e que encareciam, se
2A. A base de dados a ser requisitados como não inviabilizavam,
inicialmente adotada a obtenção dos siste-
foi o Logistics Sup- padrões em muitos mas, equipamentos
port Analysis Record contratos de obtenção de e produtos), o MIL-
(LSAR), provenien- STD-1388-2B foi
te das diretrizes do
diferentes países cancelado e passou a
MIL-STD- 1388-2A servir de referência
(1984), depois MIL-STD-2B (1991). O no gerenciamento das informações prove-
repositório desses elementos de dados nientes do ILS a MIL-PRF-49506, embora
(mais de 600) foram os bancos de dados re- por pouco tempo. Com a mesma finalidade,
lacionais, e as informações que produziam no Department of Defense do Reino Unido
eram apresentadas por meio de relatórios, (DoD UK), o DEF-Stan 00-60 (1998), mais
alguns padronizados, outros obtidos ad hoc. tarde DEF-STD-0600 (2010) e, na Austrá-
Além do DoD EUA a tecnologia disse- lia, a DEF (AUST) 5692 (2003).
minada pelo ILS foi adotada pela indústria Essas especificações militares eram de
e propagou-se internacionalmente, tanto no uso limitado aos seus países de origem, e
meio militar, como no civil. por isso os MIL-STD-1388, mesmo depois
Em 1986, o Exército dos EUA começou de cancelados, continuaram a ser requisita-
a trabalhar na transformação dos LSAR, dos como padrões em muitos contratos de
produto intensivo em papel, no contexto de obtenção de diferentes países.

9 CALS - Ver nota 6.

RMB1oT/2017 45
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

Desde a implantação da MIL- características, também fora dela, tanto


-PRF-49506, contudo, já era vislumbra- em projetos civis como militares.
da uma especificação substituta a partir No DoD EUA, o padrão Geia foi ado-
do meio civil. De fato, pelo cancelamen- tado no dia 15 de outubro de 2007 para
to dos MIL-STD-1388 surgiram duas uso como novo e melhorado substituto do
iniciativas de substituição da Análise cancelado MIL-STD-1388-2B. Segundo
de Apoio Logístico (LSA), processo o documento de adoção, “esse standard
nuclear do ILS. A primeira, desenvol- Geia-STD-0007 define os dados de obten-
vida dentro da estrutura do Government ção necessários para estabelecer o sistema
Electronics and Information Technology de apoio para sistemas, equipamentos,
Association (Geia), e da qual resultou produtos…”.
a publicação do Geia-STD-0007 (e do Como se trata de um padrão que esta-
manual associado Geia-HB-0007, for- belece normas gerais para o gerenciamento
necendo informações adicionais sobre do fluxo de informações técnicas e de apoio
o uso e dimensionamento dos dados no sobre diversos produtos finais, e levando
Geia-STD-0007) elaborada pela SAE em conta a variedade desses produtos,
International, em 2007) e a segunda foram criados diversos “protocolos’’ para
iniciativa, originada na Aerospace and permitir o enquadramento das informa-
Defence Industries Association of Eu- ções específicas para cada caso particular.
rope (ASD), em 2005, da qual resultou Assim, nasceram vários protocolos de
a publicação do S3000L - International aplicação, entre eles o protocolo AP239
Procedure specification for Logistics da ISO 10303, que trata especificamente
Support Analysis (LSA). dos Product Life Cycle Support (PLCS).
Ambas especificações contêm instru- Em outras palavras, tal protocolo trata par-
ções para a criação e desenvolvimento dos ticularmente das informações e dos dados
dados provenientes da Análise de Apoio de apoio de qualquer produto, por todo o
Logístico segundo modelos de intercâmbio seu ciclo de vida.
semelhantes – os DEX10. Muito embora esse padrão não imponha
o uso de uma específica metodologia ou
PADRÃO ADOTADO (EUA) ferramentas técnicas de análise de apoia-
bilidade, deixando a escolha ao critério
O padrão adotado como referência da atividade de obtenção, o importante é
no campo militar nos EUA, em 2007, que, em decorrência dos dados que pres-
passou a ser a Government Eletronics creve, o resultado será o detalhamento
and Information Technology Association dos produtos finais necessários ao apoio
Standard Logistics Product Data, ou Geia- logístico, tais como, por exemplo, manuais
-STD-0007. Enquanto ele é principalmen- de operadores e mantenedores, listas de
te usado naquele país, e somente para fins sobressalentes, programas de treinamen-
dos programas militares, a especificação to para operadores e mantenedores etc.,
S3000L tem sido usada mais amplamente, requeridos para apoiar o sistema ou o
principalmente na Europa e, pelas suas equipamento final em obtenção.

10 DEX - Data exchange: É o processo de estruturar dados segundo um schema (fonte) e transformá-los em dados
estruturados sob a forma de um schema (alvo) que seja a representação precisa do primeiro. O processo per-
mite que os dados sejam compartilhados por diferentes programas de computador. Schema X é a descrição
da estrutura de um documento X, sendo X uma linguagem de esquema, por exemplo XML.

46 RMB1oT/2017
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

PADRÃO ADOTADO NA EUROPA CA-Computer-aided manufacturing e Pro-


E OUTROS PAÍSES duct Data Management PDM, e tem como
alvos os designs dos sistemas mecânicos e
A S3000L é uma especificação que elétricos, focalizando principalmente nos
faz parte do esforço de padronização dados de geometria e suas tolerâncias e
desenvolvido pela ISO, sob os auspícios nos dados provenientes de análises e de
de entidades tanto civis como militares, manufaturas de indústrias, expandindo-os
de grande cultura e larga experiência no em informações específicas para várias
campo das atividades industriais em seus indústrias já estabelecidas (automotiva,
diferentes setores. Seu propósito é definir aeroespacial, construção naval, plantas de
os processos, os requisitos gerais e o in- processamento de óleo e gás, entre outras).
tercâmbio de informações relacionadas, A ISO em questão pode ser referida,
que regulam a aplicação da Análise de então, “como o padrão para a representação
Apoio Logístico ao longo do ciclo de vida e troca de informações na fabricação do
dos produtos aeroespaciais e de defesa. A produto” e é um aspecto vital a ser levado
abrangência dessa especificação é tal que em consideração na gestão do ciclo de vida
ela também pode ser usada em proveito de qualquer produto.
de complexos produtos técnicos de outros Para cada caso particular da área in-
domínios industriais. dustrial a tecnologia Step gera um modelo
Sua concepção baseia-se geralmente de informações do Produto (Product In-
nos processos do MIL-STD-1388-1A, formation Model) usando a linguagem de
MIL-HDBK-502 e DEF-STD-00-60 e nos modelagem Express. Esse modelo deve ser
modelos de atividades da ISO 10303-239 o registro mestre dos tópicos integrados e
PLCS. Foi concebida e elaborada para modelos de aplicação relativo à informa-
também servir de manual na criação e no ção. É um processo tão complexo que tem
desenvolvimento das ferramentas de inter- que ser dividido em várias partes. Geram-se
câmbio dos dados provenientes da Análise assim protocolos de aplicação AP, cada um
de Apoio Logístico, por meio de DEX, com voltado para uma área industrial específica.
vistas aos relevantes dados indicados pela Os de maior interesse para esse texto são
MIL-STD-1388-2B. o AP233 Early Requirement Analysis e o
AP239 Maintenance and Repair.
A ISO 10303 – STEP O protocolo AP239 ou Product Life
Cycle Support – PLCS, refere-se às infor-
A ISO 10303 – Step: também conhecida mações concernentes ao design do sistema
informalmente como Step (de Standard for de apoio logístico de novos produtos em
the Exchange of Product model data), é um obtenção. É orientado pela tecnologia do
padrão internacional para a integração, a ILS. É usado atualmente para registro das
apresentação e o intercâmbio de dados de informações e dos dados provenientes da
produtos industriais, via computador. Análise de Apoio Logístico e como proto-
Ela foi elaborada e é mantida pelo colo de intercâmbio de informações e dados
comitê técnico ISO TC 184 (sistemas de técnicos e logísticos.
automação e integração industriais), sub- Como deve haver a transformação de
comitê SC4 Industrial Data, sendo usada diferentes recipientes de dados, dos LSAR
para padronizar o processo de intercâmbio (a grande maioria ainda sob a técnica dos
de dados entre os diversos sistemas CAx, bancos de dados relacionais) para Data

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INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

Modules, segundo o emprego da linguagem de centralizar o controle sobre a Logística


de marcação XML, surgiu a necessidade do de Defesa, enquanto esta é mantida descen-
estabelecimento de especificações (DEX) tralizada da execução.
para o intercâmbio de dados entre várias B – É recomendável a criação, no
disciplinas de engenharia (tais como a âmbito do Ministério da Defesa, de uma
engenharia do design, a engenharia de comunidade de profissionais de logística,
manutenção, a engenharia de confiabilida- para exporem e discutirem os problemas
de e a produção de publicações técnicas). inerentes. A organização acima sugerida
Tais especificações regulam a construção em A, além de contribuir também para a
dos Data Exchanges, modelos que são interação com a Base Industrial de Defe-
esquemas de interação entre o processo de sa, poderia assumir a responsabilidade e
Análise Logística e os processos particu- tarefas inerentes ao gerenciamento dessa
lares de uma área industrial específica, e o comunidade a ser criada.
intercâmbio de infor- C – É recomendá-
mações e dados usan- vel a indicação de uma
do computadores. Cabe ao Ministério da organização de ensino

CONSIDERAÇÕES
Defesa assumir o papel de que mantenha a base
de conhecimentos das
FINAIS orientação e supervisão disciplinas de Logís-
das atividades logísticas tica de Defesa, que
Seguem-se algu- centralize a dissemi-
mas considerações que ocorrem dentro do seu nação da doutrina con-
segundo o ponto de contexto cernente e propague
vista do autor, inferi- os conhecimentos de
das a partir da matéria caráter gerencial e téc-
apresentada no texto, levando em conta a nico, além de quaisquer outras disciplinas
sua complexidade, indicativo da necessida- de interesse.
de de orientação e supervisão superiores: D – Tratando-se do tópico específico
abordado nesse artigo (intercâmbio de
De natureza genérica dados), são recomendáveis iniciativas
no sentido de estabelecer um protocolo
A – Cabe ao Ministério da Defesa assu- de entendimentos com a Base Industrial
mir o papel de orientação e supervisão das de Defesa, visando às comunicações de
atividades logísticas que ocorrem dentro dados técnicos, levando em consideração
do seu contexto: nas Forças Armadas e a documentação citada, para permitir a
no próprio Ministério (segundo sua dupla padronização de conhecimentos e facilitar
personalidade, tanto como órgão da gestão o entendimento entre as partes.
pública quanto como órgão de gerencia-
mento das peculiares atividades militares Relativas ao ILS
de defesa). Por razões claras, nele deveria
ser criado uma organização para gerenciar A – Enfatizar a forte polarização nos
as tarefas logísticas específicas, tanto as do conceitos e princípios da qualidade em
contexto militar como também fora deste, todos os processos relatados. Assim, con-
no trato com o componente civil da Base siderar o ciclo PDCA (Planejar, Executar,
Industrial de Defesa. Trata-se, ainda mais, Controlar a ação planejada e Corrigir)

48 RMB1oT/2017
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

como a fórmula mágica permanente para priado11) para haver sempre entendimento
gerenciar o processo de intercâmbio de preciso entre as partes, evitar falhas de
dados (mas não só ele), visando sempre à tradução ou evitar que sejam criados termos
melhoria contínua. e expressões que não reflitam a fase do
B – Tornar equivalentes as metodologias processo a que se referem. Tal medida pode
do ALI e do ILS. Para isso é preciso, prin- contribuir muito para a uniformização de
cipalmente, perceber e separar as diferentes procedimentos e, pela simplicidade decor-
áreas em que atividades específicas aconte- rente, para a economia de meios.
cem. Muito embora tudo ocorra no campo E – Eliminar o inconveniente do Setor
administrativo, diversos assuntos têm ca- do Material fazer distinção entre Organi-
racterísticas distintas. Por exemplo, definir zações Militares no trato do material. Uma
uma necessidade de meio ou material de Gestão, ou Gerência do Material, deve ser
emprego militar tem enfoque predominan- centralizada, enquanto descentralizada a
temente estratégico; definir requisitos para execução. O trato do material deve ter, pois,
desenvolver a concepção (fase conceitual) supervisão centralizada num único órgão,
que resolve uma necessidade cai prelimi- que ditará as normas a serem seguidas, até
narmente no campo da pesquisa e de mer- mesmo em relação aos suprimentos. Isso
cados; definir uma estratégia de obtenção não implica alterar subordinações e cargos,
e iniciar o processo de desenvolvimento que são atividades administrativas do setor
de um sistema recai na área da Engenharia do pessoal.
de Sistemas; um programa de ILS recai F – Atribuir ênfase, na Gerência do
na área da Engenharia de Sistemas e mais Material, ao caráter sistêmico, em ou-
especificamente da Engenharia Logística; o tras palavras, Diretorias Especializadas,
gerenciamento de um período operacional principalmente na área do material. Estas
recai na esfera administrativa-operativa; o devem ser Diretorias de Sistemas (exem-
apoio logístico diz respeito ao campo da plos, na MB: Diretorias de Sistemas de
Logística; idem quanto ao descarte ou à Armas, de Sistemas de Comunicações, de
realocação de um material de emprego mi- Sistemas de Navios – tratando dos siste-
litar etc. Tal seleção contribuirá, em muito, mas de casco, sistemas da propulsão, das
para separar aspectos técnicos dos aspectos auxiliares etc. –, de Sistemas de Propulsão
gerenciais em fluxogramas elucidativos dos Nuclear etc.).
diferentes processos. G – Evitar confundir a fase de identi-
C – Tornar permanente o processo do ficação da necessidade de um novo meio
ILS ao longo de todo o ciclo de vida dos sis- (problema estratégico/tático, da alçada do
temas, embora devidamente dimensionado Sistema de Requisitos) com o processo que
para cada caso particular. Tal processo não se segue, que é de Engenharia de Sistemas
deve ser interrompido, nem mesmo depois (da alçada dos Sistemas e Orçamentação e
da avaliação global dos sistemas. de Obtenção), e que vai da concepção ao
D – Tornar prioritário o estabelecimento fim do ciclo de vida do sistema solução.
de cultura (pelo menos por meio de um H – Buscar estabelecer, na medida do
glossário e pela adoção de inglês apro- possível, a padronização (de nomenclatura,

11 ASD Simplified Technical English, Specification ASD-STE100 (STE), especificação internacional para a
preparação de documentação técnica, numa linguagem controlada. Consultar na internet o STEMG STE
Maintenance Group.

RMB1oT/2017 49
INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

principalmente) das fases de um processo Análise de Apoio Logístico). Tais medi-


de obtenção de sistemas complexos, no das visam à simplicidade de organização,
âmbito das Forças Armadas. Da mesma supervisão e controle pelo órgão superior
forma, estabelecer categorias de obtenção (Ministério da Defesa) e contribuem para
(para facilitar o planejamento e estabelecer a absorção de conhecimentos pela leitura
o devido dimensionamento – tailoring – da de material estrangeiro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ARTES MILITARES>; Logística; Poder militar; Apoio logístico;

50 RMB1oT/2017
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

TIUDORICO LEITE BARBOZA *


Contra-Almirante (Refo-EN)

SUMÁRIO

Introdução
Definições
O projeto de sistemas oceânicos
A divisão de tipos de embarcações/navios e demais sistemas oceânicos em famílias
Descrição dos principais tipos de embarcações/navios e demais sistemas oceânicos
Conclusão

INTRODUÇÃO de leitores da revista: a produção naval


mercante e offshore, principalmente con-

E ste artigo se propõe a abrir espaço na


Revista Marítima Brasileira para um
assunto ligado ao Poder Marítimo que
siderando as atribuições e a atuação da
Diretoria de Portos e Costas (DPC). Este
enfoque se deve, principalmente, ao fato
se supõe ser de interesse da comunidade de que tem havido uma procura perma-

* Serviu na Diretoria de Engenharia Naval e no Centro de Projetos de Navios. Um dos principais participantes dos
projetos das corvetas classe Inhaúma e Barroso. D.S.C. em Engenharia Oceânica, pelo Instituto Alberto Luiz
Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-
-UFRJ). Faz, atualmente, parte do Corpo Docente do Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW).
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

nente pela reativação da indústria naval Há, assim, duas alternativas para o pro-
mercante brasileira. Por se tratar de um as- jetista: enquadrar o novo sistema flutuante a
sunto global e abrangente, que ocuparia um ser obtido numa das famílias já existentes ou
volume de leitura relativamente extenso, se lançar num processo de inovação em ter-
invocando assuntos correlatos, este artigo mos de projeto, razão pela qual é importante
aborda somente os tipos de produtos finais que se tenha o conhecimento do espectro
que são resultantes da cadeia produtiva na de famílias de meios flutuantes existentes.
construção naval mercante e offshore, e que
são os objetos do seu planejamento. A DIVISÃO DE TIPOS DE
EMBARCAÇÕES/NAVIOS E
DEFINIÇÕES DEMAIS SISTEMAS OCEÂNICOS
EM FAMÍLIAS
Os termos embarcação e navio, embora
possam ter o mesmo significado, não têm Para esta divisão, vamos explorar três
o mesmo uso na prática. Atualizando a referências. De Eyres [2] temos os tipos de
definição de Fonseca [1] para abranger os embarcações/navios e sistemas oceânicos
materiais atuais, teríamos: em nove grandes famílias, a saber:
Embarcação: “construção feita de ma- – barcos de alta velocidade;
deira, concreto, ferro, aço, alumínio, ma- – navios offshore;
teriais compósitos ou combinações desses – navios pesqueiros;
que flutua e é destinada a transportar, pela – embarcações (crafts) de apoio oceâ-
água, pessoas ou objetos”. nico e de porto;
Navio: “embarcação de grande porte”. – navios de carga geral;
Como podemos ver, as definições acima, – graneleiros;
embora sejam emanadas de uma referência – navios de passageiros;
consagrada, não estabelecem a fronteira – submersíveis; e
entre embarcação e navio e deixam de – navios de guerra.
fora os demais sistemas oceânicos, como Essas nove grandes famílias acima
plataformas offshore, que serão também mencionadas contemplam, ao todo, 44 tipos
objeto deste artigo. de navios diferentes, sendo que alguns dão
origem a subtipos, como, por exemplo, o
O PROJETO DE SISTEMAS caso dos submersíveis e navios de guerra.
OCEÂNICOS Já de Lamb [3] temos os tipos de em-
barcações/navios e sistemas oceânicos
O projeto de embarcações/navios e siste- divididos em três grandes famílias abaixo
mas oceânicos é, talvez, a mais demandante relacionadas, não havendo referências a
de todas as tarefas de engenharia, pois, navios de guerra:
normalmente, são grandes e complexos – navios comerciais;
produtos manufaturados. Antes que o pro- – navios industriais; e
jetista possa iniciar o projeto, o armador – navios prestadores de serviços.
precisa especificar a natureza do meio Essas três grandes famílias citadas, por sua
flutuante do qual precisa e que deseja, as vez, contemplam ao todo 36 tipos de navios.
áreas de operação e outras considerações Finalmente, de Watson [4] temos os ti-
especiais, que vêm a constituir os chamados pos de embarcações/ navios e sistemas oce-
“Requisitos do Armador”. ânicos em seis grandes famílias, que são:

52 RMB1oT/2017
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

– navios de carga geral, subdivididos em rebocadores, divididos em rebocadores


navios transportadores de carga refrigerada, de alto-mar (ou oceânicos) e rebocadores
porta-contêineres e roll-on /roll-off; de porto.
– navios-graneleiros, subdivididos em
petroleiros, graneleiros propriamente ditos, DESCRIÇÃO DOS PRINCIPAIS
transportadores de gás liquefeito (gás natu- TIPOS DE EMBARCAÇÕES/
ral, com 75% a 95% de metano) e gás não NAVIOS E DEMAIS SISTEMAS
natural constituído de propano, propileno, OCEÂNICOS
butano ou mistura);
– navios de passageiros; Tendo em vista que não é exequível
– rebocadores; descrever, em termos de um artigo, todos
– barcos de alta velocidade; e os tipos de navios/embarcações e demais
– navios de guerra. sistemas oceânicos existentes, ou mesmo
Como pode ser visto, a divisão em aqueles abordados em [2], [3] e [4] já
grandes famílias é um tanto ou quanto citados, a descrição em pauta é limitada
subjetiva, mas em cada grande família de àqueles meios flutuantes que são objetos
uma ou outra referência há características de interseção dos conjuntos discutidos
específicas de cada tipo. Também a seleção pelas três referências, tomadas, no mínimo,
de que tipos de navios são mais relevantes, duas a duas.
no que diz respeito a descrever e detalhar as
suas características, não é a mesma para as Navios de carga geral
três referências citadas, mas há uma inter-
seção de interesse comum. Assim, temos o Possuem vários grandes e desobs-
seguinte quadro para cada referência: truídos porões de carga, e um ou mais
I- Por Eyres [2] são selecionados quatro conveses podem fazer parte do interior
tipos de embarcações/navios para objeto de dos porões. Como normalmente são dois
suas descrições: os navios de carga geral, conveses que fazem parte, são conheci-
os graneleiros propriamente ditos, os petro- dos como navios twin-decks, os quais
leiros e os navios de passageiros; permitem grande flexibilidade no que diz
II- Por Lamb [3] são selecionados: respeito ao carregamento e descarrega-
– oito entre os 13 da família de embar- mento. Permitem segregação de cargas e
cações/navios comerciais: porta-contêiner, têm aprimoradas características de estabi-
roll-on/roll-off, barcaças transportadoras lidade. Têm deslocamentos típicos entre
de contêiner, petroleiros, graneleiros pro- 15 mil e 20 mil toneladas, velocidades na
priamente ditos, transportadores de gás faixa de 12 a 18 nós e, embora possa não
liquefeito (LNG), barcaças com integração ser a divisão mais costumeira, segundo
ao rebocador e ferryboats; Watson [4], podem ser subdivididos
– cinco entre os 13 da família de em- como abaixo:
barcações/navios industriais: pesqueiros – Navios para transporte de carga
para pesca com rede, unidades perfura- refrigerada: são navios providos de sis-
doras offshore, plataformas de perfuração temas de refrigeração nos porões para
semissubmersíveis, navios para perfuração transporte de cargas perecíveis. Os porões
e plataformas oceânicas; são isolados termicamente para reduzir
– um entre os oito da família de navios/ a transferência de calor e, assim, a carga
embarcações prestadores de serviços: os pode ser transportada congelada ou frigo-

RMB1oT/2017 53
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

rificada; os porões podem ter diferentes


temperaturas, de acordo com os requisitos
da carga. Os possíveis efeitos de baixas
temperaturas nas estruturas vizinhas é
um fator que deve ser levado em conta
no projeto. Juntamente com os tipos de
navios roll-on/roll off , são navios mais
rápidos que os demais navios de carga
geral, com velocidades de até 22 nós. A
Figura 1 ilustra um navio para transporte
de carga refrigerada.

Figura 2 - Navio porta-contêiner

forma de trailers. Podem ser rapidamente


carregados por meio de portões na proa, na
popa e, às vezes, nos bordos para veículos
menores. Alguns têm sido adaptados para o
transporte de contêineres. A seção de trans-
porte do navio é um grande porão aberto,
com uma rampa usualmente na seção de
popa, existindo rampas internas que con-
Figura 1- Navio para transporte de carga refrigerada duzem a carga do convés de carregamento
para outros espaços do twin-deck. O porte
– Navios porta-contêiner: são navios destes navios se estende até a ordem de
destinados a transportar caixas reusáveis, 28.000 t de deslocamento e 16.000 t de
com seções quadradas de 2.435 mm (8 porte bruto (deadweight), com velocidade
pés) de lado, com comprimentos padrões na faixa de 18 a 22 nós [4]. A Figura 3
de 6.055mm (20 pés), 9.125mm (30 pés) ilustra um navio roll-on/roll-off.
e 12.190mm (40 pés). São usados para
transporte da maioria das cargas, estando
em uso as cargas líquidas e refrigeradas,
estas últimas podendo ser transportadas
em contêineres com sistemas de refrigera-
ção próprios ou providos pelo sistema de
refrigeração do navio.
Os navios porta-contêiner têm capaci-
dade de carga entre 1.000 a 2.500 TEU
(twenty equivalente unit), em que o TEU
representa a capacidade do contêiner pa-
drão de 6.055mm ou 20 pés [4]. A Figura
2 ilustra um navio porta-contêiner.
– Navios roll-on/roll-off: são projetados
para carga sobre rodas, usualmente na Figura 3 - Navio roll-on/roll-off

54 RMB1oT/2017
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

A Figura 4 ilustra um navio de carga geral.

Figura 4 - Navio de carga geral


Figura 5 - Navio-petroleiro
Navios-graneleiros
de cargas a serem transportadas. Possuem
O chamado granel pode ser sólido, líqui- um porte bruto que vai desde pequenas
do ou gás liquefeito, e assim, dentro desta capacidades até 200.000 t e velocidade na
classificação, são graneleiros os navios faixa de 12 a 16 nós.
listados a seguir [4]: Os graneleiros ditos combinados são
– Petroleiros: tipo de navio transpor- aqueles projetados para transportar qual-
tador de óleo cru cujo porte tem crescido quer uma das várias cargas a granel numa
significativamente de modo a permitir eco- particular viagem, e os petroleiros/mine-
nomias de escala e a responder às demandas raleiros são os mais populares e comuns
por óleo cada vez maiores. Petroleiros com [4]. A Figura 6 ilustra um navio graneleiro
designações como ULCC (Ultra Large propriamente dito.
Crude Carrier) com porte bruto acima de
320.000 t e deslocamento até a ordem de
2.000.000 t e VLCC (Very Large Crude
Carrier) com porte bruto entre 200 mil e
320.000 t têm sido construídos, embora a
tendência corrente seja por um porte bruto
menor, na faixa entre 20 mil e 150.000 t,
com velocidade entre 12 e 16 nós [4]. A
Figura 5 ilustra um navio-petroleiro.
– Graneleiros para grãos sólidos ou
graneleiros propriamente ditos: navios de
um único convés, com as seções de carga
divididas em porões e tanques que têm Figura 6 - Navio graneleiro
apresentado grandes economias de escala
no transporte de carga como grão, açúcar – Graneleiros para gás natural (gaseiros)
e minério. Os arranjos de tanques e de líquido: realizam o transporte de gás natu-
porões variam de acordo com o espectro ral, o qual compreende entre 75% a 95%

RMB1oT/2017 55
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

de metano na forma líquida (liquefeita). tanques semipressurizados operam numa


O uso desses navios começou em 1959 e pressão de cerca de 8 bar e temperatura na
tem crescido regularmente desde então. faixa de -7º C, sendo necessário isolamento
Navios especiais com variações deste tipo térmico e uma planta de reliquefação para
são utilizados para transportar vários gases, que a carga não fique em ebulição. Os tan-
simultaneamente, numa variedade de tan- ques totalmente refrigerados operam a uma
ques combinados dotados de sistemas de temperatura de cerca de - 45º C e requerem
refrigeração voltados para transportar o gás uma construção com casco duplo. Esses
natural na forma líquida a pressão atmosfé- navios existem em portes com capacidade
rica e temperatura no entorno de -164º C. O de transporte de até 95.000 m3 e velocidade
projeto desses navios deve fazer com que a na faixa entre 16 e 19 nós. A Figura 7 ilustra
estrutura do casco seja protegida contra as um navio gaseiro.
baixas temperaturas, reduzir a perda de gás
ao mínimo e evitar a condensação deste gás
fugaz nas regiões do navio ocupadas pelos
tanques. Os tanques e seus isolamentos
térmicos são envoltos por uma estrutura
de casco duplo e são constituídos de duas
paredes estruturais em que a primeira, que
fica em contato com o líquido, constitui-
-se de uma liga de aço com 9% de níquel,
enquanto a segunda barreira é feita de aço
inoxidável. Esses navios existem numa
grande variedade de porte e podem chegar Figura 7 - Navio gaseiro
a transportar até 130.000 m3 de gás, numa
faixa de velocidade entre 16 e 19 nós.
– Graneleiros para gás não natural Navios de passageiros
líquido (gaseiros): realizam o transporte
de gás não natural, que pode ser propano, Podem ser classificados em duas ca-
propileno e butano ou uma mistura deles. tegorias: os de cruzeiro e os ferries. Os
Todos os três têm uma temperatura crítica navios de cruzeiro foram desenvolvidos
(acima da qual o gás não pode ser liquefeito a partir dos liners transoceânicos e têm
por pressurização) acima da temperatura crescido muito em porte e popularidade nos
ambiente normal e podem ser liquefeitos a últimos anos, enquanto os ferries proveem
baixas temperaturas na pressão atmosférica uma ligação no sistema de transporte e
ou em temperatura normal sob alta pressão frequentemente têm recursos roll-on/roll-
ou em uma condição intermediária de tem- -off em adição aos recursos destinados ao
peratura não tão baixa e pressão acima da transporte de passageiros.
pressão atmosférica, em tanques que podem Os navios de cruzeiro ficam na faixa de
ser pressurizados ou semipressurizados e porte em que a capacidade de transporte
ainda parcialmente refrigerados ou total- pode atingir 3.500 passageiros e a arquea-
mente refrigerados à pressão atmosférica. ção bruta pode chegar a 130 mil (arqueação
Os tanques totalmente pressurizados ope- é um adimensional) e a velocidade na faixa
ram numa pressão aproximada de 17 bar e de 22 a 25 nós. O porte dos ferries varia
são usualmente cilíndricos ou esféricos; os de acordo com os requisitos da rota, e a

56 RMB1oT/2017
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

assistir a manobras de grandes navios em


águas confinadas e participar de operações
de socorro, salvamento e combate a incên-
dio. Podem ser classificados, grosso modo,
como de porto e oceânicos. A característica
principal de um rebocador é a sua capaci-
dade de bollard-pull (empuxo do hélice
na velocidade zero). A Figura 10 ilustra
Figura 8 - Liner moderno um rebocador.

Barcos de alta velocidade

Possuem um número de configurações


do casco e sistemas de propulsão variados
em função dos seguintes aspectos:
– o uso de hidrofólios traz benefícios de-
vido à redução da resistência ao avanço pelo
fato de levantar o casco para fora d’àgua;
– os catamarãs evitam a perda de esta-
bilidade a altas velocidades;
Figura 9 - Ferry – veículos sobre colchões possibilitam
operações anfíbias;
velocidade fica usualmente na faixa de 20 – o efeito de ondas é minimizado nos
a 22 nós. As Figuras 8 e 9 ilustram um liner barcos tipo Swath (small waterplane area
moderno e um ferry. twin hull);
– alguns barcos são projetados de modo
Rebocadores a reduzir o embarque d’água e permitir as
suas operações em águas restritas.
Desenvolvem uma grande quantidade A Figura 11 ilustra um barco de alta
de tarefas, como movimentar barcaças, velocidade com casco do tipo catamarã.

Figura 10- Rebocador Figura 11 - Barco de alta velocidade

RMB1oT/2017 57
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

Unidades ou plataformas perfuradoras estrutura é formada, basicamente, por um


não eleváveis e autoeleváveis convés onde são instalados os principais
equipamentos de produção e perfuração e
Atualmente são consideradas as unidades colinas de sustentação do convés que, na
móveis mais complexas que operam em maior parte das vezes, são cilindros com se-
ambiente hostil nas plataformas continentais ção circular sobre flutuadores denominados
do mundo, com equipamentos de perfuração pontoons [3]. A Figura 13 ilustra uma pla-
e metodologia desenvolvidos para atender taforma de perfuração semissubmersível.
aos requisitos mais exigentes aplicáveis à
operação em águas relativamente profundas,
com ondas, ventos e correntes. As unidades
não eleváveis são basicamente estruturas em
treliças que são projetadas individualmente
para localizações específicas, levando em
conta as condições de fundo do mar, pro-
fundidade média da água e intensos estados
de mar e vento. As unidades autoeleváveis,
mais conhecidas como jack-up, são descritas
como um tipo de unidade com casco em
forma de barcaça e reserva de flutuabilidade
para transportar com segurança os equipa-
mentos de perfuração para uma localização
Figura 13- Plataforma de perfuração
determinada em que a unidade inteira é ele- semissubmersível
vada até a uma posição predefinida acima da
superfície oceânica [3]. A Figura 12 ilustra
uma plataforma autoelevável. Navios de perfuração

As principais características que os


distinguem de outros navios são os gran-

Figura 12 - Plataforma autoelevável

Plataformas de perfuração
semissubmersíveis

Estruturas flutuantes projetadas para


perfuração ou produção de petróleo e cuja Figura 14 - Navio de perfuração

58 RMB1oT/2017
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

des guindastes com estruturas massivas se – sistema de amarração feito por meio
estendendo acima do convés principal e a de turret;
existência de um grande poço se estenden- – sistema de movimentação de fluidos;
do para baixo do casco, de modo a acomo- – comportamento no mar (seakeeping)
dar as operações de perfuração. Possuem com impacto no desempenho da planta de
movimentos maiores de arfagem, jogo e processamento e no conforto.
caturro do que uma plataforma semissub- As Figuras 15 e 16 mostram o perfil e o
mersível, devido às maiores excitações arranjo de operação típicos de uma FPSO.
dos estados de mar e diferentes respostas a
estes, o mesmo ocorrendo para movimentos
de avanço e caimento. A Figura 14 mostra
um navio de perfuração.

Plataformas FPSO (Floating


Production Storage and Offloading)

Sistema flutuante para exploração de


petróleo que reúne, numa única unidade,
as funções de produção, armazenamento
e descarregamento para outros navios.
A sua principal diferença, em relação
a um navio comum, está no fato de não
navegar, permanecendo numa posição
predeterminada. Os principais aspectos,
que são objeto de desafio no projeto des-
ses sistemas, são: Figura 15 - FPSO

Figura 16- Arranjo de operação de uma FPSO

RMB1oT/2017 59
SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

CONCLUSÃO vêm surgindo no campo da construção naval


não militar, não somente porque esta faz
O espectro de tipos de sistemas oceânicos parte do Poder Marítimo, mas também pela
é grande e abrangente e merece um acom- possibilidade de que técnicas, tecnologias,
panhamento de perto, sob pena de perda da métodos e processos possam ser absorvidos
atualização com relação às inovações que no campo da construção naval militar.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Marinha Mercante; Navio Mercante; Classificação de navio;

REFERÊNCIAS

[1] FONSECA, M.M. Arte Naval. Rio de Janeiro: Editora SDM, 2005.
[2] EYRES, D.J. Ship Construction. 6th Edition. Oxford: Elsevier, 2007.
[3] LAMB, T.T. Ship Design and Construction. Jersey City: Sname, 2004, Vol II
[4] WATSON, D,G.M. Practical Ship Design. Elsevier, Ocean Engineering Book Series, 1991, Vol I.
[5] VASCONCELOS, J. M. Estabilidade de Sistemas Flutuantes. Rio de Janeiro: Instituto de Ciências
Náuticas, 2005.

60 RMB1oT/2017
PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA
ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA
NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

HENRIQUE PEYROTEO PORTELA GUEDES*


Capitão de Mar e Guerra (Marinha de Portugal)

SUMÁRIO

Introdução
União Africana
Organização Marítima da África do Oeste e do Centro
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
Comunidade Econômica dos Estados da África Central
Comissão do Golfo da Guiné
Grupo do G7 dos amigos do Golfo da Guiné
Universidades marítimas
A Cimeira de Yaoundé
Algumas reflexões

INTRODUÇÃO de ilicitude tem crescido paulatinamente


ao longo dos cerca de 7.700 km de costa

P assados quatro anos do final do boom


de pirataria marítima na Somália, o
continente africano continua, ainda, a
do Golfo da Guiné (GG). Este Golfo, cujas
águas banham países de duas grandes re-
giões da África, a Ocidental e a Central,
ser assolado quotidianamente por esta estende-se, genericamente, do Senegal a
hedionda atividade ilícita, agora na sua Angola, incluindo 17 países costeiros e
costa ocidental. A verdade é que este tipo dois arquipelágicos.

* N.R.: Autor do livro A Pirataria Marítima Contemporânea: as duas últimas décadas. Colaborador costumeiro
da Revista Marítima Brasileira, em especial sobre Pirataria Marítima (2o e 4o trim./2008, 3o trim./2010, 3o
trim./2011, 3o trim./2013, 3o trim./2014, 3o trim./2015, e 1o trim./2016).
PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

A pirataria na re-
gião do GG tem es-
tado mais ativa nas
últimas duas déca-
das, nomeadamente
nas águas da Nigéria,
em geral, e no delta
do Rio Níger, em
particular.
Começou pelo pe-
queno roubo, con-
tudo foi evoluindo
para situações que
já denotam planeja-
mento e organiza-
ção, como o roubo de
combustível (bunke-
ring) e o sequestro Piratas nigerianos (Foto: CCTV África)
de tripulantes para
a obtenção de resgates. Esta mudança no mar territorial ou em águas interiores)
gradual no modus operandi dos piratas e instiga os países da região a partici-
do GG, associada ao aumento da violên- parem ativamente no combate a este
cia durante os seus atos e, ainda, o fato fenômeno; e a Resolução 2.039 (2012),
de o protagonismo de 29 de fevereiro,
da pirataria no con- que veio mostrar a
tinente africano ter O Conselho de Segurança da grande preocupação
passado para esta
região, devido ao seu
ONU manifestou profunda do CSNU com esta
problemática e que
declínio nas águas preocupação com os atos de exorta a Comunidade
da Somália, levaram pirataria e com os assaltos à Econômica dos Es-
o Conselho de Se- tados da África Oci-
gurança das Nações mão armada contra navios dental, a Comunidade
Unidas (CSNU) a no mar do Golfo da Guiné Econômica dos Esta-
aprovar duas Reso- dos da África Central
luções neste âmbito: e a Comissão Golfo
a Resolução 2.018 (2011), de 31 de ou- da Guiné a trabalharem conjuntamente
tubro, que condena os atos de pirataria na elaboração de uma estratégia regional
marítima (atos ilícitos1 cometidos fora do de luta contra a pirataria e os assaltos à
mar territorial2) e os assaltos à mão arma- mão armada contra navios e contra outras
da contra navios (atos ilícitos do mesmo atividades ilícitas praticadas no mar, em
gênero dos da pirataria, só que cometidos cooperação com a União Africana. Esta

1 De violência e/ou de detenção e/ou de pilhagem cometidos, para fins privados, pela tripulação e/ou pelos passa-
geiros de um navio privado, e dirigidos contra um navio e/ou pessoas e/ou bens a bordo do mesmo.
2 O mar territorial consiste numa zona marítima, sob soberania nacional, que vai até às 12 milhas náuticas, contadas
a partir da “linha de costa” (linha de base reta ou normal) de um Estado. Uma milha náutica são 1.852 metros.

62 RMB1oT/2017
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agendas a segurança
e a defesa do espaço
marítimo.

UNIÃO
AFRICANA

Sucessora da Or-
ganização da Unidade
Africana 3 , a União
Africana (UA) foi
fundada em 2002 em
Durban, na África do
Sul, e encontra-se se-
diada em Adis Abeba,
Boarding team da Marinha dos Camarões no Exercício Obangame Express na Etiópia. O seu pre-
(Foto: US AFRICOM) sidente em exercício,
desde 30 de janeiro
Resolução incitava ainda os Estados deste de 2016, é o atual Presidente da República
Golfo a fazerem uma Cimeira. Esta foi do Chade, Idriss Déby Itno. Em 9 de julho
realizada em 19 de março de 2013, no de 2011, o Sudão do Sul tornou-se o 54º
Benim, para delinearem uma estratégia estado-membro.
comum para combater este fenômeno. A UA tem como principais objetivos,
O CSNU, em 25 de abril de 2016, por entre outros, obter
meio de uma declara- maior solidariedade
ção presidencial, vol- entre os vários países
tou a manifestar a pro- Logo após a sua criação, da África, defender a
funda preocupação a UA começou a delinear integridade territorial
da ONU com os atos e independência dos
de pirataria e com os
uma Arquitetura de
estados-membros e
assaltos à mão armada Paz e Segurança para o acelerar a integração
contra navios no mar continente africano política, social e eco-
do GG, salientando a nômica da África.
necessidade de uma Logo após a sua
abordagem abrangente, liderada pelos Es- criação, a UA começou a delinear uma
tados da região com o apoio internacional, Arquitetura de Paz e Segurança para o
de forma a fazer face à atual situação que continente africano. É curioso notar que,
se vive neste Golfo. inicialmente, no arranque de todo este
Neste momento existe um grande processo, a segurança marítima não era
número de organizações ativas na região considerada como estratégica. Contudo,
do GG, conforme se pode ver a seguir, as o mar, que vem ganhando protagonismo
quais, ao contrário do que acontecia no nos últimos anos, tornou-se também palco
passado, já começaram a incluir nas suas de diversos conflitos, dos quais se salienta

3 Criada em 25 de maio de 1963, em Adis Abeba, na Etiópia.

RMB1oT/2017 63
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a pirataria marítima, o que levou a UA, – a África como um ator forte, influente
constituída na sua maioria por Estados e parceiro a nível mundial.
litorâneos, a preocupar-se verdadeiramente A aprovação desses documentos estra-
com o mesmo. Isso demonstra a aprovação, tégicos vem mostrar a preocupação comum
em 31 de janeiro de 2014, da Declaração de dos Estados africanos com o seu cresci-
Adis Abeba4, na qual os ministros africanos mento econômico e com a sua segurança,
adotaram a Estratégia Marítima Integrada da fazendo refletir nestes escritos os desafios,
África 20505 e o seu Plano de Ação de Ope- as ameaças e as oportunidades que têm
racionalização. Esta Estratégia não aborda pela frente.
só aspectos de segurança relacionados com
a pirataria marítima, mas também da pesca ORGANIZAÇÃO MARÍTIMA DA
ilegal, do tráfico de pessoas e do terrorismo ÁFRICA DO OESTE E DO CENTRO
marítimo, apontando também um conjunto
de oportunidades em termos de economia. A Organização Marítima da África do
Um ano mais tarde, em janeiro de 2015, a Oeste e do Centro6 e 7 (Mowca), constituída
Conferência da União Africana, na sua 24ª por 20 estados costeiros e cinco não cos-
Sessão Ordinária, realizada em Adis Abeba, teiros, encontra-se sediada em Abidjan, na
estabeleceu a Agenda 2063, identificando Costa do Marfim, e o seu secretário-geral
as aspirações africanas até o ano de 2063, é Alain Michel Luvambano. Foi estabe-
mencionadas a seguir: lecida em 7 de maio de 1975, em Lagos,
– uma África próspera, baseada no cres- na Nigéria, pelos ministros africanos dos
cimento inclusivo e no desenvolvimento Transportes dos Estados da África Ociden-
sustentável; tal e Central, que resolveram criar um orga-
– um continente integrado, politica- nismo permanente de concertação, ao qual
mente unido com base nos ideais do pan- atribuíram a designação da Conferência
-africanismo e na visão do renascimento Ministerial dos Estados da África Ocidental
da África; e Central para o transporte marítimo. O seu
– uma África de bom governo, democra- nome atual foi adotado, na sequência das
cia, respeito pelos direitos humanos, pela reformas feitas pela Assembleia-Geral dos
justiça e pelo estado de direito; Ministros dos Transportes, numa sessão
– uma África pacífica e segura; extraordinária que decorreu em Abidjan,
– uma África com uma forte identidade entre 4 e 6 de agosto de 1999.
cultural, herança, valor e ética comuns; O papel principal desta organização
– uma África onde o desenvolvimento deveria ser um pouco o de autoridade ma-
seja orientado para as pessoas, confiando rítima regional, devendo servir de elo no
especialmente no potencial da mulher e da estabelecimento de contatos e na negociação
juventude; e entre o setor privado, os portos, as autorida-

4 Esta foi colocada à consideração a 6 de dezembro de 2012, durante a 2.ª Conferência dos Ministros africanos
responsáveis pelos assuntos marítimos.
5 Em inglês Africa´s Integrated Maritime Strategy 2050 - AIM 2050.
6 Do inglês Maritime Organization of West and Central Africa (Mowca). Em francês: Organisation Maritime de
L´Afrique de L´Ouest et du Centre (Omaoc).
7  Países costeiros: Angola, Benim, Camarões, Cabo Verde, Congo, República Democrática do Congo, Costa
do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Mauritânia, Nigéria,
São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa e Togo. Países não costeiros: Burkina Faso, República Centro
Africana, Chade, Mali e Níger.

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des marítimas e os organismos de ensino. com sede em Abuja, na Nigéria, é com-


Contudo isso não tem acontecido. Apesar posta por 15 países10 situados na região da
do seu tempo de existência, e do apoio que África Ocidental, desde o Senegal à Nigé-
tem tido por parte da Organização Marítima ria, unidos por laços culturais, geopolíticos
Internacional (IMO), a Mowca não tem tido e interesses econômicos em comum. A
uma posição de destaque até a presente data, Cedeao existe para promover a cooperação
o que é comprovado pelo fato de não lhe ter econômica, política e de segurança entre
sido atribuído nenhum papel de relevo na os Estados. Em junho de 2007, na sua 32a
arquitetura da nova estrutura de segurança Conferência de chefes de Estado e do go-
marítima que resultou da Cimeira de 2013, verno, ocorrida em Abuja, a Cedeao adotou
realizada em Yaoundé, nos Camarões. No a “Visão 2020”, um documento estratégico
entanto, em 2008, a Mowca, com a con- cujo objetivo principal é contribuir para a
tribuição da IMO, emitiu um Memorando criação de uma união econômica regional
de Entendimento para o estabelecimento sustentável e segura, com a participação, no
de uma Guarda Costeira integrada para a processo de integração, de toda a população
África Ocidental e Central, com vista ao dos países da região. Muitos dos objetivos
melhoramento da segurança marítima em da Visão 2020, assim como do Tratado
geral. Contudo, o mesmo não teve sucesso, revisto da Cedeao, de 23 de julho de 1993,
pois a adesão dos Estados costeiros foi muito têm sido minados pelos desafios que têm
diminuta, em muito devido à falta de meios aparecido no domínio marítimo, tais como
por parte dos países, assim como à ausência a exploração descontrolada dos recursos
de uma consciência marítima. No entanto, marinhos, a poluição, o contrabando, os
o memorando veio alavancar a criação de tráficos de drogas e de pessoas, a pirataria
Centros Regionais de Coordenação de Sal- marítima, os assaltos à mão armada contra
vamento Marítimo8 (RMRCC), indispensá- navios etc. Para fazer face a estes novos
veis para uma boa articulação na segurança desafios, e na sequência do lançamento da
marítima. Espera-se que esta organização Estratégia Marítima Integrada de África
ainda possa vir a ter um papel ativo nas áreas 2050 por parte da UA, iniciou também a
da educação marítima e segurança portuária Cedeao a elaboração de um documento es-
e na relação com as autoridades marítimas tratégico semelhante, a Ecowas, Integrated
nacionais para a implementação de normas Maritime Strategy (EIMS). Este foi direcio-
marítimas internacionais. nado para os países desta comunidade com
o objetivo de regulamentar as atividades e a
COMUNIDADE ECONÔMICA utilização do domínio marítimo, bem como
DOS ESTADOS DA ÁFRICA identificar as medidas para o combate às
OCIDENTAL suas ameaças. Esse documento veio a ser
adotado na 44ª Conferência de chefes de
Criada em 28 de maio de 1975, pelo Tra- Estado e do governo, ocorrida em Yamous-
tado de Lagos, a Comunidade Econômica soukro, na Costa do Marfim, em 28 e 29 de
dos Estados da África Ocidental9 (Cedeao), março de 2014.

8 Do inglês Regional Maritime Rescue Coordinating Centre.


9 Em inglês Economic Community Of West African States (Ecowas). Em francês Communauté Economique Des
Etats de l’Afrique de l’Ouest (Cedeao).
10 Países: Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria,
Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.

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COMUNIDADE ECONÔMICA DOS COMISSÃO DO GOLFO DA GUINÉ


ESTADOS DA ÁFRICA CENTRAL
A Comissão do Golfo da Guiné13 (CGG)
O tratado que instituiu a Comunidade foi estabelecida em 3 de julho de 2001, por
Econômica dos Estados da África Central11 um tratado assinado em Libreville, com o
(Ceeac) foi assinado em 18 de outubro de objetivo de defender os interesses comuns,
1983 em Libreville, no Gabão. Contudo, harmonizando as políticas no que diz res-
só entrou em vigor em 18 de dezembro peito à gestão do petróleo e dos recursos
de 1984, tendo a Ceeac sido considerada naturais em geral, assente no diálogo e
operacional em janeiro de 1985. Esta Co- na concertação, tendo como base os laços
munidade esteve inativa entre 1992 e 1997. de amizade, solidariedade e fraternidade
É composta atualmente por 11 países12. O entre os Estados que a constituem. Fatores
seu objetivo inicial foi promover e reforçar externos, resultantes de uma conjuntura
a cooperação harmoniosa e o desenvolvi- em permanente mudança, fizeram com que
mento equilibrado e autossustentado nas esta Comissão ultimamente, à semelhança
áreas da atividade econômica e social, das comunidades econômicas da região,
com vista a alcançar a economia coletiva, se direcionasse mais para os aspectos
elevar o nível de vida, aumentar e manter relacionados com a paz e a segurança,
a estabilidade econômica, reforçar as re- nomeadamente com a pirataria marítima
lações pacíficas entre Estados-membros e os assaltos à mão armada contra navios
e contribuir para o progresso e desenvol- no mar do GG.
vimento do continente africano. Só mais O Presidente da República da Guiné
tarde é que esta comunidade ampliou a Equatorial, Teodoro Obiang Mbasogo, é
sua visão de integração para poder passar o atual presidente da CGG, desde 10 de
a incluir a promoção da paz, da segurança agosto de 2013. A República do Gana
e da estabilidade na sua sub-região. Os manifestou vontade de vir a aderir à CGG.
países da Ceeac adotaram, em outubro de
2007, um plano estratégico de integração GRUPO DO G7 DOS AMIGOS DO
e uma Visão para 2025, com vista a tornar GOLFO DA GUINÉ
a região um local de paz, de solidariedade,
de desenvolvimento equilibrado e de livre Este Grupo do G7 dos amigos do Golfo
circulação de pessoas, bens e serviços. da Guiné14 e 15, que tem como principal foco

11 Em inglês Economic Community of Central African States (Eccas) e em francês Communauté Economique des
Etats de l’Afrique Central (Ceeac).
12 Países: Angola, Burundi, Camarões, Chade, Gabão, Guiné Equatorial, República Centro-Africana, República
Democrática do Congo, Congo, Ruanda e São Tomé e Príncipe.
13  É composta por oito países: Angola, Camarões, República Democrática do Congo, Congo, Gabão, Guiné
Equatorial, Nigéria e São Tomé e Príncipe.
14 Do inglês G7 Friends Of the Gulf of Guinea Group (G7++Fogg).
15 É composto pelo G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), pelo Grupo de
Amigos [(Bélgica, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Noruega, Países Baixos, Portugal, Suíça, Austrália
(observador), Brasil (observador), União Europeia, UNODC, Interpol e IMO (observador)] e pelos Estados
da região (Angola, Benim, Burkina Faso, Camarões, Cabo Verde, República Centro-Africana, Chade, Re-
pública Democrática do Congo, Costa do Marfim, Guiné Equatorial, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau,
Guiné, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Congo, Senegal, S. Tomé e Príncipe, Serra Leoa e Togo). A Grécia, a
Turquia e o Uruguai foram como observadores para a reunião.

66 RMB1oT/2017
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a pirataria marítima, nasceu em 2011, na uma nova arquitetura regional de segurança


sequência do G8 ter discutido pela primeira marítima para o GG. A região considerada
vez, durante uma reunião, a situação da vai desde o Rio Senegal, no Senegal, até a
segurança marítima no GG. O Grupo do foz do Rio Cunene, em Angola. Para perce-
G7 dispõe de um grupo de trabalho que tem ber melhor esta arquitetura é preciso recuar
auxiliado na coordenação das diferentes ini-ao ano 2009, quando a Ceeac decidiu de-
ciativas marítimas, nomeadamente na cria- senvolver uma estratégia marítima baseada
ção de capacidades, evitando duplicações em seis princípios: gestão da informação,
entre os doadores e os Estados da região. vigilância coletiva por meio da deteção e
Este Grupo reuniu-se em Portugal em partilha de informação, harmonização legal
6 e 7 de junho de 2016, sob a presidência e funcional da ação dos Estados no mar,
portuguesa. autofinanciamento por meio da contribui-
ção dos Estados da re-
UNIVERSIDADES gião e apoio logístico
MARÍTIMAS Na região do Golfo da e institucionalização
Guiné existem pelo menos de uma conferência
Na região do GG marítima para a África
existem pelo menos três universidades ligadas Central.
três universidades li- a assuntos do mar e que Na sequência do
gadas a assuntos do lançamento desta es-
mar em geral e que
vêm se preocupando com tratégia, foi criado,
vêm se preocupando os aspectos da segurança em outubro de 2009,
com os aspectos da marítima o Centro Regional
segurança marítima de Segurança Maríti-
em particular. Temos ma da África Central
então a Regional Academy of Science and (Cresmac)16, em Ponta Negra, no Congo,
Technology of the Sea, em Adidjan; The passando este a ser o responsável pela co-
Regional Maritime University, em Accra, ordenação da segurança marítima na África
no Gana; e The Maritime Academy of Central. Esta estratégia incluiu também a
Nigeria, em Oron, na Nigéria. A existência criação de três zonas de segurança marítima
destas universidades vem contribuindo de (A, B e D), tendo sido previsto, para cada
forma decisiva para maior conscientização uma, um centro de operação marítima,
marítima na região. designado por Centro de Coordenação
Multinacional17 (CCM). As zonas ficaram
A CIMEIRA DE YAOUNDÉ distribuídas da seguinte forma: a Zona A
abrangerá Angola e a República Demo-
Esta Cimeira dos chefes de Estado e crática do Congo; a Zona B, o Congo e
de governo dos Estados da África Central o Gabão (parte) e a Zona D, São Tomé e
e Ocidental, sobre segurança no domínio Príncipe, o Gabão (parte), a Guiné Equa-
marítimo comum, realizou-se em 24 e 25 de torial e os Camarões. Contudo, com a nova
junho de 2013 nos Camarões e dela resultou arquitetura regional de segurança marítima,

16 Em inglês Regional Coordination Centre for Maritime Security in Central Africa e em francês Centre Régional
de Securité Maritime de l’Afrique Central (Cresmac).
17 Em inglês Center for Multinational Coordination (CMC).

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Arquitetura regional de segurança marítima após a Cimeira de Yaoundé (Foto adaptada a partir da imagem original da OBF)
PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

na sequência da Cimeira de Yaoundé, está sediado em Cotonou, no Benim. Tudo in-


praticamente assumido que a Zona D irá dica que o CCM da Zona F possa vir a ser
integrar a Zona B. A confirmar-se esta últi- instalado em Accra, no Gana.
ma situação, o Congo, que pertencia à Zona A arquitetura regional de segurança
B, irá passar a fazer parte da Zona A – que marítima para a África Ocidental e Central
também abrange Angola e a República De- assenta-se, assim, em dois centros regio-
mocrática do Congo –, e o Gabão, país que nais, o Cresmac, para a África Central, e
estava dividido parcialmente pelas Zonas o Cresmao, para a África Ocidental, cada
B e D, passará a fazer parte só da Zona D. um deles responsável por coordenar três
O CCM para a Zona D foi o primeiro a zonas de segurança marítima (o Cresmac
entrar em funciona- as Zonas A, B(?) e D
mento, em setembro e o Cresmao as Zo-
de 2009, e ficou se- Apesar do elevado número nas E, F e G). Por sua
diado em Douala, nos de organizações existentes vez, estes dois centros
Camarões. Existem são coordenados pelo
fortes indícios de que no continente africano, Centro de Coordena-
o CCM para a Zona A os aspectos da segurança ção Inter-Regional19
venha a ser instalado
em Luanda.
marítima estão ainda longe (ICC), que já entrou
em funcionamento em
A Cedeao, após a de um controle efetivo. Yaoundé, em 11 de
Cimeira de Yaoundé, Será justo afirmar que setembro de 2014. O
resolveu adotar para a ICC, devido a alguns
África Ocidental uma começaram a ser dados constrangimentos fi-
estrutura semelhante os primeiros passos no nanceiros, de pessoal e
à da CEEAC, estabe-
lecendo também três
sentido da criação de uma logísticos, ainda não se
encontra, até a presente
zonas de segurança consciência marítima na data, completamente
marítima (E, F e G), África operacional.
prevendo, para cada Apesar das grandes
uma um CCM, coor- preocupações atuais
denado pelo Centro Regional de Segurança destas duas regiões serem a pirataria ma-
Marítima da África Ocidental (Cresmao)18, rítima e os assaltos à mão armada contra
cuja instalação está prevista em Abidjan. navios, tendo a própria arquitetura regional
Estas zonas compreendem os seguintes de segurança marítima sido desenhada
países: a Zona E, a Nigéria, o Benim e o pensando nestas, existem outros aspetos
Togo; a Zona F, o Gana, a Costa do Marfim, de segurança marítima que preocupam os
a Libéria, a Serra Leoa e a Guiné; e a Zona países destas regiões. Isso fica evidenciado
G, a Guiné-Bissau, a Gâmbia, o Senegal e pela aprovação, nesta Cimeira de Yaoundé,
Cabo Verde. do Código de Conduta de Yaoundé, que
O primeiro CCM da África Ocidental a foi elaborado tendo como principais ob-
entrar em ação foi o da Zona E, que ficou jetivos a pirataria marítima e os assaltos à

18 Em inglês Regional Coordination Centre for Maritime Security in Western Africa e em francês Centre Régional
de Securité Maritime de l’Afrique de l’Ouest (Cresmao).
19 Em inglês Interregional Coordination Centre (ICC).

RMB1oT/2017 69
PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

mão armada contra navios. Contudo, este aprovados, o desenvolvimento e a imple-


também leva em consideração aspectos mentação de novas estratégias, a arquitetura
mais latos da segurança marítima, como a de segurança marítima adotada e a instalação
pesca ilegal, o terrorismo e os vários tipos e operacionalização dos diversos centros de
de contrabando. Este código de conduta e coordenação marítima são bons exemplos do
a troca de informação que o apoia têm sido que está sendo feito em prol da segurança
um precioso auxílio no âmbito da coopera- marítima. O fato de todas estas iniciativas te-
ção entre Estados regionais. rem por trás essencialmente países africanos
demonstra bem a vontade e o compromisso
ALGUMAS REFLEXÕES destes na construção de um futuro melhor
para o continente. Torna-se pois de vital
Apesar do elevado número de organiza- importância que as várias organizações
ções já existentes no continente africano, africanas juntem sinergias na procura do
em geral, e na África Ocidental e Central bem comum e não atuem de forma isolada e
em particular, os aspectos da segurança rival na procura de protagonismo. Será justo
marítima estão ainda muito longe de um afirmar que já começaram a ser dados os
controle efetivo. Contudo, o conjunto de primeiros passos firmes no sentido da cria-
reuniões no mais alto nível, os documentos ção de uma consciência marítima na África.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; África; Pirataria; Segurança;

70 RMB1oT/2017
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?*

NELSON MARCIO ROMANELI DE ALMEIDA**


Capitão de Mar e Guerra (IM)

SUMÁRIO

Introdução
Conflito – Conceituação
A Guerra como Fenômeno Social - Breve Análise
Considerações Finais

INTRODUÇÃO Estados, no cenário internacional ainda não


existe uma entidade formalmente designada

“P apel de juiz é resolver conflitos e não


de criar”1. Essa afirmação recente de
um ministro do Superior Tribunal Federal
para exercer o controle do comportamento
humano. Entre os Estados observa-se tão-
-somente uma postura de relacionamento
se adequa bem à sociedade, mas não aos transversal, sem ocorrer qualquer tipo de
Estados. Em que pese ser válido o con- submissão, ou seja, não existem “juízes”
ceito hobbesiano do sistema anárquico de que “resolverão os conflitos”.

* Adaptação do trabalho apresentado na Escola de Guerra Naval-CPEM-2016, com o título:“Em uma era de
múltiplas transformações sociais, econômicas e na política internacional, os conflitos são inevitáveis?”.
** Vice-Diretor de Coordenação do Orçamento da Marinha.
1 MOREIRA, Rene. “ ‘Papel de juiz é resolver conflitos e não de criar’, diz ministro do STF”. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 18 mar. 2016 disponível em < http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-do-
-stf-alfineta-sergio-moro-no-interior-de-sp>. Acesso em 18 mar. 2016.
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

O relacionamento entre os Estados é incompatibilidade acerca de objetos, de


dinâmico e traz em seu bojo os mais varia- desejos ou de propósitos diferentes, mas
dos interesses, que são inerentes a cada um em geral sobre opiniões, juízos de valor
dos envolvidos, podendo tais interesses ser ou simplesmente impressões que se tem
uníssonos ou díspares. Quando existe a con- sobre uma questão ou conjunto de fatos; o
cordância de ideias está presente o estado conflito é de ordem vivencial, imediato ou
de paz, mas quando emergem dissonâncias repetido ao longo do tempo; e, o conflito
de pensamentos poderá surgir o conflito. é uma forma possível de relação social2.
E, nesse sentido, considerando que os Nesse sentido, depreende-se que o con-
Estados “não têm amigos, mas interesses” e flito é uma elaboração social que nasce da
que os conflitos são uma realidade em nível natureza humana e que pode, dependendo
global, há que se pensar se as múltiplas das suas razões, da forma como as partes o
transformações sociais, econômicas e na percebem e da maneira como se desenrola,
Política Internacional (PI) podem exercer ser entendido como positivo ou negativo.
alguma influência na forma como os Esta- A caracterização de um conflito dependerá,
dos percebem e efetuam o gerenciamento dentre outros aspectos, das experiências
de conflitos. pessoais dos líderes, dos seus anseios e
Chega-se, então, às questões em investi- de motivações em buscar soluções menos
gação no presente estudo. Até que ponto as danosas.
dinâmicas mudanças impostas pela globali- Em termos de conceituação de conflito,
zação contribuem para evitar um conflito? Freund (1995, p. 58), assim se expressa:
E os exemplos de conflitos passados podem “El conflicto consiste en un enfrenta-
nos ajudar a entender o tema? miento por choque intencionado, entre
Inspirado por essa realidade, o presente dos seres o grupos de la misma especie
trabalho tem o propósito de analisar se os que manifiestan, los unos respecto a los
conflitos são realmente inevitáveis à luz otros, una intención hostil, en general
dessas mudanças. E, para tal, será estrutu- a propósito de un derecho, y que para
rado da seguinte forma: inicialmente será mantener, afirmar o reestablecer el de-
apresentado um breve marco teórico acerca recho, tratan de romper la resistência
do termo conflito, contextualizando-o no del outro eventualmente por el recurso
escopo deste trabalho; seguir-se-á a expo- a la violencia, la que puede, llegado el
sição da guerra enquanto fenômeno social caso, tender al aniquilamiento fisico
e uma breve análise; e, por fim, serão feitas del otro.”
as considerações finais à luz da literatura
estudada. Assim, da análise desse conceito, depre-
ende-se que: o enfrentamento deve ser mani-
CONFLITO – CONCEITUAÇÃO festo entre as partes; não há conflito entre um
homem e um animal; há de estar presente a
O sociólogo alemão Julien Freund determinação de causar algum dano na outra
(1921-1993) lança algumas ideias para parte; os direitos violados são a causa principal
reflexão antes de partir para a definição do início dos conflitos; e o uso da violência é
de conflito, quais sejam: o conflito não previsto, ou seja, não existe conflito de ideias
nasce necessariamente por conta de uma para se fazer valer seus direitos.

2 FREUND, 1995, p. 20-23.

72 RMB1oT/2017
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

Em síntese, são elencadas algumas li- legal e uma forma de conflito envolvendo
ções acerca do conflito que merecem desta- um alto grau de paridade legal, de hostili-
que, a saber: o atual regime internacional de dade e de violência dos grupos humanos
Estados em que vivemos guarda uma seme- organizados”4.
lhança com o estado da natureza proposto Observa-se que o autor acima já prevê
por Hobbes, ou seja, trata-se de um sistema o ponto de vista sociológico para o trata-
anárquico de Estados, sem uma instância mento da guerra enquanto fenômeno social.
superior; o conflito é intrínseco às socieda- Dessa forma, já em 1945, Gaston Bouthoul
des e pode vir a contribuir de alguma forma (1896-1980) cunhou o termo polemologia
para a unidade do grupo, ou até mesmo para designar uma nova possibilidade de
exercer um papel de equilíbrio no cenário incluir na sociologia o estudo científico das
mundial; o conflito é uma relação social, guerras e da agressividade organizada, no
um fenômeno social, em que a presença intuito de que se pudesse perceber como
de seres humanos com suas características esse fenômeno violento ocorria e permitir
pessoais no processo pode ser considerada que, a par desses estudos, se pudesse efetuar
um fator potencializador para a consecução algum controle nos futuros acontecimentos.
desses; e o conflito é Nesse sentido,
o resultado do anseio nasceu a polemologia
subjetivo de pessoas e Entre outras coisas, o como sendo “o estu-
grupos para defender conflito é o resultado do do objetivo e científi-
seus direitos e suas
pretensões.
anseio subjetivo de pessoas co das guerras como
fenômenos sociais
e grupos para defender seus suscetíveis de obser-
A GUERRA direitos e suas pretensões vação igual a outro
COMO qualquer”5.
FENÔMENO Enquanto fenôme-
SOCIAL – BREVE ANÁLISE no social, e por ser considerada a forma
mais grave e profunda de conflito social
O Manual de Doutrina Militar, do (presença da violência extremada), a guerra
Ministério da Defesa, conceitua a guerra, pode ser observada desde os primórdios da
que será objeto desse estudo, como sendo o civilização humana. Seja por sobrevivên-
conflito no seu grau máximo de violência, cia, busca de comida, motivos territoriais,
podendo implicar a mobilização do Poder políticos, étnicos ou religiosos, entre ou-
Nacional, com relevância para o Poder tros, o homem usou, usa e usará a violência
Militar, para fazer valer a vontade de uma como forma de resolução desses conflitos.
das partes3. Essa afirmação encontra eco nas pala-
De modo a que se possa melhor entender vras de Howard6 (2004, citado por BAL-
o fenômeno da guerra, ao se combinar os TAZAR, 2006, p.169), que afirma que
pontos de vistas jurídico, sociológico, mi- provas arqueológicas, antropológicas e
litar e psicológico tem-se que é “um estado documentais assinalam que a guerra sempre

3 BRASIL, 2007, p.21.


4 WRIGHT, 1988, p.5.
5 BOUTHOUL, 1984, p. 66-67.
6 HOWARD, Michael, A Invenção da Paz – Reflexões sobre a guerra e a Ordem Internacional, Lisboa: Guimarães
Editores. 2004.

RMB1oT/2017 73
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

foi “a norma universal” ao longo da história de um hormônio que induz à agressivida-


humana, sendo irrelevante investigar se de. A guerra, como já mencionado, é um
resultava de uma agressividade natural ou fenômeno social, e para que possamos obter
se essa hostilidade nasceu da necessidade os melhores rumos a seguir no processo
de lutar pela posse de itens escassos, como decisório, há que se recorrer à polemologia
a água e a terra. como ferramenta para obtenção de infor-
Já no plano científico, em 2008, foi mações que contribuirão para controlar ou,
apresentada uma teoria em universidades quem sabe, evitar os conflitos.
americanas e no Reino Unido que sugere Outro ponto que muito se observa nos
que a guerra é um produto da cultura hu- dias de hoje é a tentativa de redução de
mana e, por isso, um fenômeno recente.7 arsenais dos Estados. Simplesmente redu-
Esse estudo sugere que a questão da so- zir o poderio bélico dos Estados por meio
brevivência dos mais fortes nas lutas como da assinatura de tratados ou convenções
parte do instinto de preservação pode ser internacionais não parece ser a panaceia
explicada até mesmo sob a ótica biológica, que tornará as guerras inevitáveis. Se
científica e não somente no que tange aos não houver a preocupação de se trabalhar
aspectos sociológicos questões como cultura,
e psicológicos. valores e crenças dos
Entretanto, Bona- indivíduos, todos os
nate (2001, p. 274) já
Simplesmente reduzir o esforços poderão ser
apresentava um con- poderio bélico dos Estados inócuos.
traponto a esse estudo, por meio da assinatura de No mundo contem-
na medida em que porâneo, vive-se uma
afirma que o compor- tratados ou convenções espécie de culto aos
tamento humano não internacionais não parece conflitos, na medida
é constante e que a
guerra pode ser consi-
ser a panaceia que tornará em que a competição e
o desejo de vencer su-
derada um fenômeno as guerras inevitáveis peram, muitas vezes,
mais sociológico, ou a questão racional que
seja, é consequência envolve o processo da
dos costumes e das tradições das socie- guerra. A violência pode ser observada
dades e não da estrutura orgânica do ser nas diversas etapas desse processo, desde
humano em si. a questão psicológica até a física. Conside-
Os hormônios que o organismo humano rando o atual sistema anárquico de Estados
produz podem até ser controlados, mas não em que se observa uma espécie de horizon-
se consegue atuar sobre todas as variáveis talização de relações, não havendo vínculos
que estão presentes no comportamento do de subordinação e nem o estabelecimento
ser humano, desde a vaidade, passando por de um órgão de controle (“juiz supremo”),
interesse e culminando com a necessidade os Estados mais fortes acabam por buscar
de poder. Dessa forma, não basta traçarmos as formas mais fáceis de resolução de que-
as possíveis diretrizes ou linhas de ação que relas, qual seja a possibilidade de aplicação
poderão compor o processo da guerra ou da violência nos conflitos desencadeados
aplicarmos formas de reduzir a produção por esses Estados.

7 Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/bbc/2008/11/12/ult4432u1812.jhtm>

74 RMB1oT/2017
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

Da observação da história percebe-se Mais recentemente, a imprensa noticiou


que as guerras podem possuir as mais que a Argentina voltou a avocar a sobera-
variadas motivações, desde econômicas, nia das Ilhas Falkland, sob o pretexto de
busca de poder, vaidade dos líderes, orgu- que ainda existiam “questões coloniais”
lho ou até políticas. Não se pode admitir mal resolvidas em pleno século XXI. Essa
que somente motivações, por exemplo, de iniciativa tem criado constrangimentos di-
cunho nacionalista ou puramente questões plomáticos entre os dois países. Tal atitude
territoriais possam vir a ser o estopim de pode, se não for corretamente gerenciada
conflitos. Interesses materiais e tangíveis no plano diplomático, escalar e até mesmo
de uma nação podem fomentar ou ser fo- conduzir a um possível recrudescimento de
mentados por meio da guerra. conflito que foi encerrado em 1982. Nesse
Na visão de alguns autores, a guerra sentido, cabe mencionar que nesse processo
exerce um papel fundamental para o de- estão presentes sentimentos nacionalistas
senvolvimento da humanidade, uma vez de perda do lado argentino. Entretanto, o
que contribui para o progresso, em lugar que dizer da exploração pelo Reino Uni-
de prejudicá-lo. A do (RU) das recentes
própria Atenas as- descobertas de hidro-
cendeu ao tope da sua Na visão de alguns autores, carbonetos na área das
civilização não so- a guerra exerce um Ilhas? Essa questão de
mente pelas guerras, cunho econômico não
mas devido a elas. Já papel fundamental para é recente, na medida
no que tange à Ale- o desenvolvimento da em que o RU já estu-
manha, é dito que os
preparativos para as
humanidade, uma vez que dava aquela área desde
a crise do petróleo de
guerras não foram um contribui para o progresso, 1970 e sabia que o
desastre econômico, em lugar de prejudicá-lo óleo daquela região
mas sim impulsiona- era de boa qualidade,
dores da economia.8 aliado ao fato de que a
Em outras palavras, questões de cunho Argentina também tem conhecimento dessa
econômico podem ser, ainda que veladas, informação. Fica o questionamento: será
as causas mais profundas de uma guerra. Os que esse aspecto econômico foi levado em
decisores podem considerar a possibilida- conta por ocasião da “invasão” das Ilhas
de, por exemplo, de se deflagrar uma guerra pela Argentina em 1982? Estaria o RU
quando um Estado que está em uma situa- protelando a “devolução” da soberania à
ção confortável em termos de economia se Argentina por conta dessas reservas de
sente pressionado por aquele “aventureiro” hidrocarbonetos? Esse pode ser um exem-
que se “atreve” a crescer, tornando-se uma plo de questões econômicas “veladas” que
ameaça. Essas situações foram observadas podem ser a motivação de guerras ou do
ao longo da história, sendo relevante men- recrudescimento delas.
cionar que, de alguma forma, ocorreram Entretanto, existem correntes que
transformações no plano econômico no apregoam que os verdadeiros motivos que
interregno desses conflitos (por exemplo, impelem as nações à guerra não são ex-
Peloponeso e Grande Guerra). clusivamente de cunho econômico. Estão

8 ANGELL, 2002, p. 140.

RMB1oT/2017 75
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

presentes as causas naturais da guerra, ou sob o enfoque também das questões que são
ainda aquelas que são “estranhas ao influxo inerentes ao ser humano e não somente da
da razão”, podendo-se citar a vaidade; o comparação de poderes combatentes.
espírito de competição; o desejo de sobres- O General Homer Lea (1876-1912)
sair, de ocupar uma posição influente e de afirma “não só que a guerra é inevitável,
ostentar poder e prestígio; um impulso de mas que qualquer esforço sistemático
ira; o desejo de dominar um rival a qualquer para aboli-la atenta, inutilmente, contra as
preço, entre outros. E, de modo geral, o fato leis universais”. O General John J. Storey
de que tanto os seres humanos como as na- (1869-1921) assevera que alguns idealistas
ções sempre se digladiaram e continuarão sustentam o seu ponto de vista afirmando
a fazê-lo porque “esta é a sua natureza”9. que, com o avanço da civilização, a guerra
Para ilustrar este ponto cabe a seguinte não mais existirá. Entretanto, ressaltam
reflexão: Realmente existiam armas de que “a civilização não mudou a natureza
destruição em massa no Iraque? Ou seria humana. É a natureza humana que torna
o perfil excessiva- a guerra inevitável.
mente “explosivo”, A luta armada não
combinado com as “Não só que a guerra desaparecerá da terra
causas acima cita- é inevitável, mas que enquanto a natureza
das, do ex-presidente humana não mudar”.10
“texano” George W. qualquer esforço Os idealistas pare-
Bush que contribuiu sistemático para aboli-la cem se equivocar ao
para se levar a cabo a
II Guerra do Iraque?
atenta, inutilmente, contra declarar que as múl-
tiplas transformações
Enfim, constata-se as leis universais” nas mais variadas áreas
que a presença de General Homer Lea (por exemplo, sociais,
um ser humano no econômicas e na po-
complexo processo lítica internacional)
decisório da guerra pode vir a ser o motivo poderiam tornar as guerras evitáveis. Re-
de sua inevitabilidade. almente, tais mudanças podem ser mais um
Dessa forma, as ditas causas naturais elemento que contribuirá para a montagem
apontam para que não se trate o fenômeno do mosaico da guerra. Entretanto, olvidam-
da guerra como um simples modelo carte- -se do fato que alterações nas culturas,
siano de escolhas. Quando existe a presença nos valores e na natureza humana têm um
do ser humano não podemos implementar tempo de maturação bem maior do que as
um modelo simplório que toma como base demais alterações. Os indivíduos sempre
a capacidade cognitiva da razão, mas que terão interesses, vaidades, vontades, espíri-
não parece ser adequado à compreensão da to competitivo, orgulho etc., que moldarão
realidade como um todo. Há que se levar suas atitudes.
em conta todos aqueles fatores psicológicos Para ilustrar esse ponto, relembra-se a
e sociológicos envolvidos na guerra, con- Guerra do Peloponeso. Naquela ocasião, o
forme já abordado. Quando se está diante dilema de segurança fez com que a guerra
do tabuleiro de xadrez que é a guerra, o fosse altamente provável (o que é diferente
cálculo dos movimentos deve ser estudado de inevitável), mas as decisões humanas
9 Ibidem, p. 135.
10 Ibidem, p. 139-140.

76 RMB1oT/2017
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

foram bastante importantes naquele mo- por si só acabam por justificar uma guerra
mento, relevando mencionar que o acaso ou torná-la inevitável.
e as personalidades dos líderes tiveram O conflito, tanto entre as nações (que
importância elevada nas decisões11. Nesse são as guerras) como entre os demais
ponto, mais uma vez o “fator humano” organismos, pode ser considerado uma
prescindiu a razão e alterou o rumo da his- “condição de vida e de sobrevivência”.
tória, na medida em que, se fosse adotada E essa lei biológica que é inerente ao ser
uma postura pragmática e livre de emoções, humano acaba por vedar a humanidade de
o referido conflito poderia ter sido evitado. obedecer à máxima de oferecer ao inimigo
No tocante à Primeira Guerra Mundial, o a outra face, fazendo com que essa afirma-
livro de Churchil retrata bem esse ponto ao ção não seja aceita pela natureza humana.
afirmar que as nações estavam insatisfeitas Assim surge a disposição para o conflito,
com a prosperidade material e se voltaram que deve perdurar enquanto subsista a
para a guerra. Mas, naquela ocasião, “os nossa espécie13.
homens é que estavam desejosos por ar- Mas, enfim, são as guerras inevitáveis
riscar”12. à luz das transforma-
Na verdade, na- ções que o mundo
quele período impe- São as guerras inevitáveis sofre constantemente
rava a crença de que à luz das transformações em todas as esferas?
os Estados estariam Antes de buscar essa
prontos a agir no sen-
que o mundo sofre resposta, há que se
tido de resolver os constantemente em procurar entender as
problemas da Europa todas as esferas? lições que o passado
tão-somente com o nos proporciona, de
uso da força. Essa modo a antever pos-
ideia estava na mente dos homens (líderes) síveis situações que possam evoluir para
que se achavam “indestrutíveis”, e não conflitos. Os conflitos existem desde o
houve a possibilidade de se buscar uma início dos tempos e continuarão a existir
solução pacífica para as questões que se enquanto a civilização estiver presente no
avizinhavam. mundo. Logo, as atenções e os esforços de-
Os conflitos são de caráter universal vem ser dirigidos para encontrar formas de
e existem desde que o homem é homem, extingui-los, diminui-los ou, pelo menos,
mas atualmente pode-se inferir que os controlá-los, a fim de reduzir os efeitos
Estados envolvem-se em conflitos por nocivos decorrentes.
conta do antagonismo de ideias ou quanto
à interpretação de um direito violado. E CONSIDERAÇÕES FINAIS
é essa dissonância de interpretação que
acaba por fazer aflorar os sentimentos da Com base na literatura pesquisada, tem-
natureza humana que desencadeiam os -se que os conflitos são de caráter universal
conflitos (por exemplo, vaidade, orgulho e emergem no seio da sociedade, sendo algo
da sua posição, rivalidade e necessidade de inerente a esta, e podem assumir um papel
grandeza, entre outros). Esses sentimentos de estabilizador nas relações. Os conflitos

11 NYE, 2002, p.22.


12 Ibidem, p. 98.
13 ANGELL, 2002, p.143.

RMB1oT/2017 77
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

tendem a surgir como anseios subjetivos o andamento da guerra; e, na Primeira


de grupos e pessoas, de modo a buscar o Guerra Mundial, em que pese haver alter-
atingimento de suas pretensões ou a reivin- nativas, “os homens estavam desejosos por
dicação de direitos. arriscar”. Relevante mencionar também o
No escopo deste trabalho, foi utilizado espaço decorrido entre essas duas guerras
o conceito de guerra que significa um tipo e que nesse período, certamente, ocorreram
de conflito no seu grau máximo de violên- transformações econômicas, sociais e na PI.
cia, podendo implicar À luz do pensamen-
mobilização do Po- to acadêmico exposto
der Nacional. Como Os conflitos existem desde no presente trabalho,
a estrutura mundial os primórdios da civilização infere-se que questões
guarda uma seme- econômicas premen-
lhança com o sistema e continuarão a existir tes e causas naturais
anárquico de Estados enquanto a natureza da guerra que são es-
proposto por Hobbes,
a polemologia, que
humana estiver presente tranhas ao influxo da
razão (e.g. vaidade,
estuda o fenômeno da no mundo. Assim, todos orgulho, brio, neces-
guerra, pode oferecer os esforços devem ser sidade de poder, entre
ferramentas valiosas outras) são variáveis
para que as decisões direcionados na incessante que conduzem ao ra-
futuras possam ser busca de formas de ciocínio de que, mes-
mais bem avaliadas.
Questões de cunho
extingui-los, diminui-los mo ocorrendo múlti-
plas transformações
econômico podem fo- ou, pelo menos, controlá- sociais, econômicas e
mentar um conflito los, a fim de minimizar os na PI no cenário mun-
e torná-lo inevitável, dial, permanece válida
pois os líderes podem eventuais efeitos danosos à a afirmação de que a
enxergar uma even- sociedade civilização ainda não
tual “oportunidade de alterou a natureza hu-
negócios” na guerra. mana, e os motivos
Da análise dos pontos de vista abordados denominados muitas vezes de irracionais
no presente trabalho, aduz-se que os confli- acabam por justificar uma guerra ou torná-
tos possuem um elemento que exerce uma -la inevitável.
influência grande no processo da guerra, Por fim, observa-se que os conflitos
qual seja, o ser humano. Suas caracterís- existem desde os primórdios da civilização
ticas intrínsecas acabam por introduzir e continuarão a existir enquanto a natureza
um ingrediente que pode ser incontrolável humana estiver presente no mundo. Assim,
nesse processo. Alguns exemplos históri- todos os esforços devem ser direcionados
cos de guerras que não seriam inevitáveis na incessante busca de formas de extingui-
acabam por enriquecer tal afirmação: no -los, diminui-los ou, pelo menos, controlá-
Peloponeso, as “decisões humanas” e “as -los, a fim de minimizar os eventuais efeitos
personalidades dos líderes” influenciaram danosos à sociedade.

78 RMB1oT/2017
CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS>; Conflito;

REFERÊNCIAS

ANGELL, Norman. A Grande Ilusão, São Paulo: UnB, 2002.


BALTAZAR, Maria da Saudade. “(Re)Pensar a Sociologia dos Conflitos: a disputa paradigmática
entre a Paz Negativa e/ou a Paz Positiva”. Revista Nação e Defesa, no 116, Instituto da Defesa
Nacional, Lisboa. 2007. Disponível em <http://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/
textointegral/NeD116.pdf>. Acesso em 27 de fevereiro de 2016.
BONANATE, Luigi. A Guerra. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
BOUTHOUL. Gaston. Tratado de Polemologia. Madrid: Ediciones Ejército, 1984.
BRASIL. Ministério da Defesa. Portaria Normativa nº 113/SPEAI/MD. Doutrina Militar de Defesa.
Brasília, 2007.
FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELLOS, Ana Cristina de. Manual para Normalização de Publi-
cações Técnico-Científicas. 7o. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
FREUND, Julien. Sociología del conflicto. Madrid: Ediciones Ejército, 1995.
MOREIRA, Rene. “ ‘Papel de juiz é o de resolver conflitos e não de criar’, diz ministro do STF”. O
Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 mar. 2016. Disponível em < http://politica.estadao.com.br/
noticias/geral,ministro-do-stf-alfineta-sergio-moro-no-interior-de-sp>. Acesso em 18 mar. 2016.
NYE JUNIOR, Joseph S. Compreender os conflitos internacionais: uma introdução à teoria e à história.
3. ed. Lisboa: Gradiva, 2002. 304 p. ISBN 9726628458.
WRIGHT, Quincy. A Guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,

RMB1oT/2017 79
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO
PODER NAVAL*

MARCUS VINICIUS DE CASTRO LOUREIRO**


Capitão de Mar e Guerra

SUMÁRIO

Introdução
O setor cibernético
Setor militar naval
Identificação de vulnerabilidades
A proteção
Considerações finais

INTRODUÇÃO cibernéticos. A constante evolução tecno-


lógica nos equipamentos militares, nem

N ão se pode ignorar que a nossa


crescente dependência de sistemas,
equipamentos e serviços conectados a uma
sempre acompanhada do nível de segurança
cibernética necessária, permite inferir que a
ação de um único hacker pode ser decisiva
rede tem aumentado a nossa exposição e para burlar e/ou abalar as defesas de um
consequente risco aos incidentes e ataques adversário. Em virtude disso, as grandes

*N.R.: 1o colocado no Concurso da Revista Passadiço de 2016.


** Adjunto do Estado-Maior Conjunto do Comando de Defesa Cibernética – Comando do 7o Distrito Naval.
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

potências militares e, também, países firewall, ou a instalação de um antivírus


com dificuldades para manter os custos de nos computadores. É necessário reforçar
Forças Armadas convencionais estão se as capacidades de segurança cibernética
aprofundando na guerra cibernética. com foco na gestão de riscos e analisar,
As forças navais não se encontram conjuntamente, as vulnerabilidades de to-
alheias a este cenário, pois a proteção dos os sistemas controlados e monitorados
contra ataques maliciosos aos sistemas por softwares.
computadorizados, a
bordo dos navios, está O SETOR
atingindo o topo da É necessário reforçar as CIBERNÉTICO
agenda das principais capacidades de segurança
Marinhas do mundo. A conectividade
Renomados exer- cibernética com foco na global, a existência de
cícios combinados, gestão de riscos e analisar vulnerabilidades e o
como o Joint War- anonimato são caracte-
rior, já contemplam
as vulnerabilidades de todos rísticas que favorecem
a ameaça e execução os sistemas controlados e a utilização do espaço
de ações cibernéticas. monitorados por softwares cibernético. É um setor
Os desafios, atu- que cresce em com-
almente, estão em plexidade e em que se
aprimorar a doutrina de defesa cibernética, observa, ainda, um déficit de conhecimento
encontrar a melhor estratégia para a capa- especializado. É quase uma regra esperar
citação dos recursos humanos frente a esta que a atividade dos hackers supere a tec-
nova ameaça, e a mitigação dos riscos, nologia de prevenção.
já que a evolução desses sistemas torna Os ataques cibernéticos, cada vez mais
imperativo que os ativos de informação1, sofisticados, vêm sendo considerados uma
a bordo dos navios, estejam seguros contra ameaça emergente em face de serem uma
todas as formas de incidentes cibernéticos. alternativa de baixo custo e não necessi-
Entretanto, a ação de proteção passa por tarem de logística (recursos tecnológicos
um conjunto complexo de questões, e complexos). As motivações dos ataques
não apenas sobre o funcionamento de um são imprecisas e variam entre ganho pes-

1 Ativos de informação – meios de armazenamento, transmissão e processamento de dados e informação, os equi-


pamentos necessários a isso, os sistemas utilizados para tal, os sistemas de informação de um modo geral,
bem como os locais onde se encontram esses meios e as pessoas que a eles têm acesso.

RMB1oT/2017 81
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

soal, cunho político, roubo de informações, dade fornece às Marinhas plataformas e


hacktivismo2, sabotagem, negação ou de- sistemas de armas com precisão, agilidade
gradação do acesso ao espaço cibernético e velocidade sem precedentes, também
e o mapeamento das redes. abre vários vetores de ataque para os ha-
Ressalta-se, ainda, que os impactos ckers. O sistema de arma dos Tomahawk,
sobre o pessoal militar e a população civil, por exemplo, utiliza o espaço cibernético
hoje, influem de forma crucial nos plane- para receber dados em voo dos centros de
jamentos, nas decisões e no andamento dos comando operacionais.
conflitos. Essa perspectiva leva a se vis- Fruto disso, a preocupação com a ame-
lumbrar a priorização da ação cibernética, aça cibernética só aumenta, a ponto do
quando comparada à incremento do nível de
cinética3. De acordo proteção dos sistemas
com Richard Clarke Os ataques cibernéticos computadorizados e
(2010), “o espaço ci- representam uma ameaça automatizados tornar-
bernético é vital para -se foco na constru-
os conflitos atuais e
tão grande quanto os ção naval dos navios
para a vantagem mi- mísseis e os torpedos militares. Para o es-
litar futura”. pecialista em defesa
Ben Farmer (2015),
SETOR MILITAR NAVAL os ataques cibernéticos representam uma
ameaça tão grande quanto os mísseis e os
As Marinhas necessitam de acesso e uso torpedos. Novos navios, como o Litoral
irrestrito do seu espaço cibernético de inte- Combat Ship, da Marinha dos Estados
resse (por ex: segurança nas comunicações, Unidos da América (US Navy), e o futuro
manutenção do C2, aquisição de informa- Type-26 (Global Combat Ship), da Marinha
ções de inteligência) para bem executar as do Reino Unido (RN), já foram projetados
suas tarefas militares. com proteção cibernética integrada para os
Cabe destacar que os sistemas empre- seus equipamentos e sistemas.
gados nos novos navios vêm se tornando Os navios mais antigos, em que a
cada vez mais dependentes de uma rede preocupação com sistemas e softwares é
de computadores. Enquanto a conectivi- menor e nem sempre é fácil substituir sis-

2 Hacktivismo – Junção de hacking com o ativismo político (bloqueios virtuais, bombardeios de e-mail, invasões
de computadores e do uso de vírus e worms, para infectar redes computacionais).
3 Cinética – envolve equipamentos, armamento e/ou forças militares.

82 RMB1oT/2017
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

dos sistemas de rastre-


amento e embarcações
não existentes apare-
cessem, bem como sur-
gissem falsos alertas
de socorro, colisão e
informações alteradas
do curso dos navios;
b) interceptações
nas comunicações via
Inmarsat (telecomu-
nicações via satélite),
a ponto de a empresa
Trustwave, braço de
segurança cibernética
da Singtel (Singapore
Telecommunications
Limited), ter sido con-
tratada para fornecer o
serviço UTM (Unified
Threat Management
− firewall avançado,
antivírus, prevenção
temas antiquados, ou já sem atualizações de intrusão e filtros web, com suporte
pelos fabricantes, também demandam global 24 horas), baseado em software e
significativa atenção. Essas características integrado com o hardware da Inmarsat a
os convertem nos alvos mais frágeis para bordo de navios, para proteger os dados e
ações dos hackers. reduzir o risco cibernético de companhias
da Marinha Mercante;
IDENTIFICAÇÃO DE c) alterações em informações de satéli-
VULNERABILIDADES tes, do GPS (Global Positioning System)
e do ECDIS (Electronic Chart Display
Dentre as possibilidades das ações ci- and Information System), sendo possível
bernéticas sobre os meios do Poder Naval, a modificação de rota dos navios. Em de-
encontram-se: corrência, afirma Mollman (2015), algumas
a) alterações no AIS (Automatic Identifi- academias de formação militar naval estão
cation System), sistema de monitoração de recrudescendo e enfatizando o ensino da
curto alcance utilizado em navios e Servi- navegação astronômica e a navegação pelo
ços de Tráfego de Embarcações. Segundo sistema Loran4;
Bartlett (2015), testes já foram efetuados d) comprometimento da malha de redes
no sistema AIS e fizeram, por exemplo, de comunicação, seja de voz, dados ou ví-
com que navios inteiros desaparecessem deo, que trazem consigo vulnerabilidades

4 Loran – sistema terrestre de radionavegação, baseado na utilização de emissões coordenadas de impulsos ra-
dioelétricos de ondas MF e LF.

RMB1oT/2017 83
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

que podem ser exploradas por um inimigo A US Navy está desenvolvendo o sis-
ou oponente, que pode atacar as redes tema Rhimes (Resilient Hull, Mechanical,
de comando e controle de uma imensa and Electrical Security). Trata-se de um sis-
variedade de sistemas militares, buscando tema de proteção cibernética projetado para
a desestabilização ou a degradação da ca- tornar seus sistemas de controle mecânicos
pacidade militar; e elétricos (controle de danos/combate a in-
e) afetar os sistemas mecânicos, como cêndios, máquinas de suspender e fundear,
os de energia e de controle de propulsão. geração de energia, hidráulicas, máquina do
Um navio poderia perder o controle sobre leme e controle da propulsão) resistentes a
a alimentação dos equipamentos, encalhar, ataques cibernéticos. O Rhimes se baseia
mudar de direção etc.; e em técnicas avançadas de resiliência ciber-
f) comprometimento dos sistemas de nética para se defender desses ataques. A
combate. A perda ou a degradação do poder maioria dos controladores físicos possui
combatente. Um radar, hoje, é uma porta aber- backups redundantes (cópias de segurança)
ta em um computador. A mesma frequência que permitem que o sistema permaneça
poderia ser utilizada para transmitir um operacional em caso de falha.
pacote de dados de volta ao computador e Em caráter geral, a mitigação de riscos
alterar o funcionamento do sistema de de- de um ataque cibernético, no mínimo,
fesa antiaérea, por exemplo. Especialistas deve identificar as ameaças, elaborar um
militares da Airforce-Technology (2008) e programa de conscientização da tripulação
o escritor Richard Clarke (2010) garantem e desenvolver padrões e diretrizes a fim de
que o sistema de ataque cibernético dos resolver as questões de segurança ciber-
EUA, chamado de Senior Suter, possui esta nética. O caminho passa pelo incremento
capacidade. Afirmam que essa tecnologia, de inspeções para minimizar falhas, im-
inicialmente testada pelos EUA nas guerras plementar controle de acesso de usuários
do Iraque e do Afeganistão, foi utilizada por e soluções de segurança adequadas para
Israel num ataque sobre uma instalação de os sistemas de bordo, instituir planos de
armas nucleares na Síria, em 2007. contingência e também estar preparado
para gerenciar incidentes que possam vir
A PROTEÇÃO a acontecer. Além disso, é preciso manter
os sistemas atualizados e aperfeiçoados
Os países com maior tradição e cultura ao longo de toda sua vida útil e trocar
de defesa já sinalizam medidas para reduzir informações com o setor privado (for-
as vulnerabilidades e os riscos neste impor- necedores), para o desenvolvimento de
tante flanco estratégico. melhores práticas.

84 RMB1oT/2017
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS recuperação e resposta diante dessa nova


ameaça no ambiente marítimo.
No âmbito da cibernética, quanto A proteção dos navios passa pela ela-
maior o grau tecnológico e a dependência boração de ações de conscientização e
da interconexão por redes de comunica- sensibilização neste domínio específico,
ção de dados, maior será a vulnerabilida- bem como por ações preventivas e redução
de dos equipamentos das vulnerabilidades, a
e sistemas. Os ata- fim de garantir que os
ques estão cada vez Sob o ponto de vista ativos de comunicação
mais sofisticados, e doutrinário, pode-se e informação existen-
nota-se o crescimen- tes a bordo possuam a
to no universo de
dizer que as operações adequada segurança e
atores e alvos. das Marinhas no espaço resiliência cibernética5.
A preparação para cibernético enfrentam hoje Em médio prazo, todas
garantir a utilização as Marinhas necessi-
com segurança do os desafios típicos de outras tarão ser capazes de
espaço cibernético disciplinas emergentes na mitigar o impacto dos
pelas forças navais
trata-se de uma ten-
História, tais como foram ataques por ações de
proteção e, se neces-
dência mundial. É a Guerra Antiaérea e a sário, de defesa ativa.
imperativo organizar Guerra Antissubmarino Sob o ponto de vista
e treinar equipes de doutrinário, pode-se
profissionais em de- dizer que as operações
fesa cibernética para êxito contra os pos- das Marinhas no espaço cibernético en-
síveis adversários no espaço cibernético, frentam hoje os desafios típicos de outras
e que se desenvolvam ações destinadas disciplinas emergentes na História, tais
a aumentar as capacidades de prevenção, como foram a Guerra Antiaérea e a Guerra
defesa, detecção, exploração, análise, Antissubmarino.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS>; Guerra cibernética;

REFERÊNCIAS

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Acesso em 10 abr. 2016.

5 Resiliência Cibernética – capacidade de manter as infraestruturas críticas de tecnologia da informação e comu-


nicações operando em condições de ataque cibernético ou de restabelecê-las após uma ação adversa.

RMB1oT/2017 85
ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

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abr. 2016.

86 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL*

JOSÉ AUGUSTO ABREU DE MOURA**


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
O despreparo e suas consequências
O Brasil na Guerra Fria
As alterações globais
As alterações no Brasil
A situação atual
As prioridades
Conclusão

INTRODUÇÃO mobilização popular – a Guerra da Tríplice


Aliança (1864-1870). Depois dele, temos
A Defesa Nacional é assunto de baixa vivido este invejável período em harmonia
prioridade no Brasil, fato evidenciado mais com os vizinhos.
uma vez nas eleições presidenciais de 2014, Esses aspectos provocaram crenças
pela falta de qualquer menção relevante a que até hoje (fevereiro/2017) permeiam o
respeito nas campanhas. imaginário nacional, como:
É bem verdade que já faz 146 anos des- –­não há demandas críticas de Defesa
de o último conflito em que houve grande que superem as graves demandas socio-

* Publicado na Revista da Escola de Guerra Naval (EGN) em 2015 e revisto pelo autor em fevereiro de 2017.
* Comandou o CT Pernambuco. Instrutor de Centro de Jogos de Guerra da EGN. Professor do Programa de Pós-
-Graduação em Estudos Marítimos da EGN. Doutor em Ciência Política.
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

econômicas do País – opinião expressa Unidos da América (EUA), dada a preca-


até mesmo por uma autoridade militar há riedade das capacidades nacionais, numa
alguns anos (FLORES, 2002, 79); e condição benevolamente tratada como
–­guerra só seria possível com os vizinhos aliança, o que por si só já é uma situação
– é comum a frase: “Porque alguém de fora desgastante. O contexto, porém, envolveu
viria aqui nos incomodar?”. Por essa crença, se outras questões sensíveis para líderes e
vivemos em harmonia e se temos superiorida- marinheiros brasileiros.
de regional, ainda que pequena, não temos por Esses fatos devem ser lembrados com o
que nos preocupar; além do mais, resolvemos propósito de evitar situações semelhantes
todos os problemas de fronteiras até o início no futuro – em especial em tempos de
do século XX. crise econômica como
Sobre esta última a atual, recordando o
afirmação, poucos O País era constituído que muito justamente
evocam hoje que o por “arquipélagos o ministro da Defesa
momento histórico fez constar do Livro
imediatamente ante- populacionais” ao longo da Branco da Defesa Na-
rior à Segunda Guerra costa, carentes de ligações cional (LBDN): “...
Mundial talvez tenha
constituído o ápice da
terrestres entre eles; havia defesa não é delegável
e devemos estar prepa-
descrença em amea- que proteger os navios rados para combater
ças extrarregionais mercantes nacionais qualquer agressão”
entre as elites nacio- (Brasil, 2012b, 8).
nais, o que, aliado a
fatores econômicos e de política interna, O DESPREPARO E SUAS
conduziu ao grande despreparo do País CONSEQUÊNCIAS
quando “alguém de fora veio aqui nos
incomodar”, sob a forma de submarinos Os anos 1930 foram pródigos em difi-
alemães e italianos afundando mercantes culdades econômicas típicas de uma eco-
brasileiros em nosso litoral. nomia agroexportadora, dramaticamente
Com a guerra, aguçava-se o problema aumentadas pela quebra da bolsa de Nova
de manter o abastecimento das grandes Iorque em 1929, o que nos levou duas
cidades – então realizado primordialmente vezes à moratória da dívida externa, em
pelo transporte marítimo, pois o País era 1932 e 1937. Esses problemas estenderam
constituído por “arquipélagos popula- aos maiores centros urbanos o ciclo de
cionais” ao longo da costa, carentes de convulsões da década anterior: a Revolu-
ligações terrestres entre eles; havia que ção de 1930, cuja vitória trouxe alterações
proteger os navios mercantes nacionais fundamentais nas instituições nacionais; a
contra as unidades da força submarina da Revolução Constitucionalista de São Paulo
Alemanha, provavelmente a melhor do (1932), praticamente uma guerra civil; a
mundo na época; e dar resposta à agressão Intentona Comunista de 1935 e o putsch
sofrida, como o clamor popular – que então integralista de 1938, estas duas últimas
apareceu – passou a exigir (Pereira, 2015, devidas também à influência das ideologias
141-181, 135-136). comunista, fascista e nazista, que mobili-
Tais necessidades custaram ao Brasil a zavam boa parte da elite pensante do País
dependência total em relação aos Estados (Pereira, 2015, 18-19).

88 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

Nessas condições, não é difícil supor por de 1939 ocorrera a batalha naval do Rio
que a Marinha do Brasil (MB), no início dos da Prata, na costa do Uruguai, envolvendo
anos 1940, estava longe de ser a força po- navios ingleses e o encouraçado de bolso
derosa do início do século XX, construída alemão Graff Spee. Em consequência,
com os recursos do auge da exportação de realizou-se a conferência de julho de 1940
borracha e sob os auspícios do Barão do Rio em Havana, em que os chanceleres e re-
Branco, que convencera o poder político presentantes americanos declararam a neu-
das vantagens de uma boa esquadra para a tralidade das Américas, e foi estabelecida
política externa (Pereira, 2015, 128). uma zona de segurança marítima em torno
Alguns desses navios ainda estavam do continente para a proteção da navega-
em atividade, mas não ção costeira contra as
eram apropriados para possíveis extensões da
as operações antissub- O real envolvimento guerra que se travava
marino, como então se brasileiro ocorreu em na Europa (Pereira,
necessitava, por não 2015, 62).
terem sido para isso janeiro de 1942, quando No início de 1941,
especificados. Além foram rompidas as relações começaram a ser rea-
disso, estavam em lizadas, nessa zona de
péssimo estado por
diplomáticas com os segurança, as “patru-
não terem recebido a países do Eixo, seguindo- lhas da neutralidade”
necessária manuten- se o torpedeamento de por uma força-tarefa
ção devido à constante da Marinha norte-
falta de recursos entre mercantes nacionais -americana 1 que, a
os dois momentos, culminando, em agosto, partir de maio, passou
o que também era a
causa das reduzidís-
com os cinco afundamentos adefrequentar o porto
Recife, o qual se
simas e inadequadas próximos à costa da Bahia e tornou sua base naval
dotações de munições de Sergipe em outubro (United
então disponíveis (Pe- States, 2015 “Chrono-
reira, 2015, 128-134). logy”, iii).
A MB até tentara se reequipar – entre O real envolvimento brasileiro ocorreu
algumas outras tentativas, houvera um com o rápido crescimento das tensões a
“plano naval” elaborado em 1932 e imple- partir de janeiro de 1942, quando foram
mentado apenas em diminuta parte nos dez rompidas as relações diplomáticas com os
anos seguintes também pela notória falta países do Eixo, seguindo-se o torpedeamen-
de recursos, mas com foco exclusivamente to de mercantes nacionais por submarinos
regional – visando reduzir a inferioridade alemães e italianos, culminando, em agosto,
diante dos poderes navais do Chile e da com os cinco afundamentos próximos à
Argentina (Vidigal, 1982, 93-97). costa da Bahia e de Sergipe, fato que pro-
Alguns fatos indicavam que as hostilida- vocou violentas manifestações populares
des se aproximavam do País. Em dezembro contra alemães, italianos e japoneses e a

1 Os EUA também eram neutros, e assim permaneceram até o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour, em 7
de dezembro de 1941, tendo declarado guerra ao Japão no dia seguinte e no dia 11 do mesmo mês à Alemanha
e à Itália, que declararam guerra, nesse mesmo dia, aos EUA.

RMB1oT/2017 89
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

declaração de guerra contra Alemanha e a Força Naval do Nordeste (FNN), não


a Itália2 (United States, 2015, “Narrative autorizando o comando da força norte-
Outline”, 11). -americana a “controlar a administração e
Nessas condições, o despreparo nacio- a disciplina das forças brasileiras”.
nal custou ao País medidas amargas, mas Com isso, o almirante norte-americano
inevitáveis: tornou-se o comandante de todas as forças
- em 22 de abril de 1942, após o afun- que operavam contra o Eixo no Atlântico
damento de mais um navio pelos alemães, Sul (United States, 2015, “Narrative Outli-
o Presidente Vargas determinou a cessação ne”, 13; Pereira, 2015, 229-232).
de todas as viagens de mercantes brasilei- Os fatos acima demonstram que o poder
ros (que se dirigiam principalmente aos político, simplesmente, não podia contar
EUA, levando materiais estratégicos). com o poder naval nacional na dura con-
Após isso, articulou um encontro seu com juntura com que se defrontava, fato que
o comandante da força naval que fazia as só tem paralelo durante a consolidação
patrulhas da neutralidade (Vice-Almirante da Independência (1822-1824), quando
Jonas Howard Ingram) e lhe propôs assumir Cochrane e seus oficiais foram contratados
a responsabilidade para formar a Marinha
pela navegação bra- brasileira, prestes a se
sileira se ela fosse O Presidente Vargas defrontar com a arma-
reiniciada, recebendo da da metrópole.
resposta afirmativa,
ofereceu – e a Marinha O Brasil permitiu
com a ressalva de que Americana aceitou aos norte-americanos
não poderia garantir – completo controle a implantação de bases
o êxito total (Pereira, navais, aéreas e outras
2015, p. 64; United operacional sobre todas as estruturas em vários
States, 2015 “Win- forças de defesa do Brasil pontos do Nordeste,
ning over President destacando-se que a
Vargas”, 48-50); base aérea de Natal foi
- em 12 de setembro de 1942, a MB foi decisiva para a vitória aliada e que, após o
colocada sob o comando do Almirante In- conflito, todas as instalações foram devol-
gram por ordem do Presidente, via ministro vidas às forças brasileiras.
da Marinha. (United States, 2015, “Narra- Durante a guerra, a MB recebeu 24
tive Outline”, 13; Pereira, 2015, 231§2); e navios de escolta dos EUA. O Almirante
- em 28 de setembro de 1942, o Pre- Ingram revelou-se um ótimo interlocutor
sidente do Brasil ofereceu ao Almirante entre as autoridades brasileiras e as norte-
Ingram – e ele aceitou – completo controle -americanas; assessorou informalmente o
operacional sobre todas as forças de defesa Presidente do Brasil; organizou a defesa
do Brasil –, acordo que chocou o secretário do País, dividindo as forças disponíveis
da Marinha norte-americana, Frank Knox, em forças-tarefa, e chegou a fornecer ma-
presente ao encontro, no Rio. A formaliza- terial e munição de suas forças para a FNN
ção desse entendimento, contudo, reduziu (bombas de profundidade e calhas para seu
tal amplitude às forças efetivamente en- lançamento) (Pereira, 2015, 65, 131, 234,
volvidas em operações de guerra, como 243, 246, 291).

2 A guerra contra o Japão só seria declarada em 6 de junho de 1945.

90 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

A MB partiu do zero e, com essas imensa força de submarinos procuraria


operações, atingiu considerável eficiência interromper o comércio ocidental.
(United States, 2015, “Liaison, American- Esse papel coincidia com a expertise da
-Brazilian-British”, 72,73), tornando-se MB, resultante das ações naquele conflito,
assim a principal Marinha sul-americana, e servia para exorcizar o trauma dele resul-
pela disponibilidade de material atua- tante, numa época em que a manutenção
lizado e experiência prática recente na ininterrupta da navegação marítima conti-
guerra naval (Alves, 2005, 11§3), ainda nuava sendo uma necessidade vital do País,
que apenas em guerra antissubmarino e por incluir o abastecimento de petróleo.
no nível tático. Em meados dos anos 1960, porém, as
Cumpria-se assim, mais um dos “ciclos duas superpotências rivais atingiram o
dos 40 anos” de expansão moderada e enco- equilíbrio estratégico e passaram a pra-
lhimento que perseguem a MB desde o século ticar uma política de congelamento da
XIX (Pesce, 2013, 438), sendo que a nova partilha do poder mundial para preservar a
expansão então iniciada resultou da pressão distribuição da segurança e da riqueza, si-
dos acontecimentos, tuação que se traduzia
sem que a escolha dos em restrições a seus
meios houvesse obede- O governo deu a subordinados para a
cido a prioridades ou máxima prioridade ao obtenção de tecnolo-
considerações prévias gias sensíveis (princi-
das autoridades brasi- desenvolvimento, para palmente a nuclear),
leiras, voltadas, antes tanto orientando a política que tivessem potencial
do conflito, exclusiva-
mente para os contextos
externa a buscar o interesse para arranhar a bipola-
ridade – a lógica que
regional e interno. nacional, a despeito do produziu o Tratado de
conflito Leste-Oeste Não-Proliferação Nu-
O BRASIL NA clear (TNP), em 1968
GUERRA FRIA (Cervo, 2008, p. 132).
Na época, o Presidente Costa e Silva
Credite-se também ao despreparo acima (1967-1969) considerava tais tecnologias
exposto a situação de dependência logística necessárias ao progresso e rechaçou o con-
e doutrinária em relação aos EUA, que ceito de segurança coletiva que orientava
perdurou por algumas décadas, eufemisti- a política de segurança do País, também
camente reduzida para militares e políticos criticando a bipolaridade como parâme-
pela crença de que o País era um “aliado tro obsoleto de política exterior (Cervo,
especial” (Alves, 2005, 2, 15). 2008, p.133, 131). Assim, o governo deu
Nesse período, a MB recebia navios a máxima prioridade ao desenvolvimento,
norte-americanos antiquados, principal- para tanto orientando a política externa a
mente contratorpedeiros (destroyers, na buscar o interesse nacional, a despeito do
terminologia em inglês), veteranos da conflito Leste-Oeste ou qualquer outro
Segunda Guerra Mundial e especializados condicionamento (Gonçalves; Miyamoto,
em guerra antissubmarino (Vidigal, 1982, 1993, p. 221).
118 – 124) – o papel que cabia às Marinhas Como esse desenvolvimento e a política
periféricas numa possível guerra contra o externa então praticada iriam incomodar
bloco soviético, quando, esperava-se, sua outros atores do sistema internacional,

RMB1oT/2017 91
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

havia a necessidade de possuir uma maior da criação da Petrobras (Brasil, 2010). Na


parcela do poder mundial. Assim, foi inicia- época da implementação do Plano de Reno-
da, também naquele governo, uma política vação (anos 1970), o País importava – em
de nacionalização da segurança, posterior- longas viagens por mar – mais de 80% do
mente incluída no Segundo Plano Nacional petróleo que consumia, o que o tornava
de Desenvolvimento emitido durante o go- fortemente dependente do contexto econô-
verno Geisel (1974-1979), que, procurando mico internacional e acarretava importância
aumentar as capacidades nacionais, previa primordial à defesa da navegação mercante
a eliminação da dependência estrutural nas considerações estratégicas (Corrêa,
(energia, infraestrutura, indústrias de base) 2010, 33), além dos aspectos ligados ao
e o domínio das tecnologias de ponta que conflito Leste-Oeste.
eram negadas pelas potências, como as Em coerência, o plano deu maior atenção
ligadas à energia nuclear e à fabricação de à proteção do tráfego marítimo, consideran-
armamentos (Cervo, do como ameaças os
2008, 132,133,134, ataques de submarinos
136). O Plano de Renovação e a obstrução de portos
O País vivia uma
época de bonan-
continuava rigorosamente edeterminais por ações
minagem. Assim, os
ça econômica – o na linha de pensamento principais navios cons-
“milagre brasileiro” estratégico norte- truídos – as fragatas
(Magalhães, 1976, classe Niterói – tiveram
11-12; 128, tab.V-1)3 americano, preparando- priorizada sua capacida-
– e nesse contexto foi se para a defesa coletiva de antissubmarino, em
aprovado, em 1967, o detrimento das capaci-
Plano de Renovação
do hemisfério contra os dades antissuperfície e
de Meios Flutuantes, soviéticos antiaérea, e foram tam-
pelo qual a Marinha, bém adquiridos navios-
a partir do fim dessa -varredores (de minas)
década, passou a negociar com firmas da e submarinos.
Europa a construção de modernos navios, Além disso, reconhecida a incapaci-
submarinos e aeronaves, recebidos até dade financeira de criar uma força naval
início dos anos 1980, fugindo dos padrões que satisfizesse a todas as necessidades,
da assistência militar norte-americana de considerou-se que sua preparação previa a
enormes dificuldades para o fornecimento participação na proteção do tráfego maríti-
de equipamentos sofisticados (Vidigal, mo interamericano, em conjunto com meios
1982, 123). navais das Marinhas amigas, que nela
Durante a Segunda Guerra Mundial também estariam presentes por força dos
(1939-1945), o Brasil era importador, não tratados existentes. Desta forma, o Plano
de petróleo, mas de seus derivados, pois a de Renovação, mesmo com os principais
primeira refinaria só começaria a operar meios construídos na Europa, continuava
em setembro de 1950 (Refinaria Landulpho rigorosamente na linha de pensamento
Alves, em Mataripe, BA), três anos antes estratégico norte-americano, preparando-se

3 Período de alto crescimento econômico: 9,3% em 1968; 9,0% em 1969; 9,5% em 1970; 11,3% em 1971; 10,4%
em 1972 e 11,4% em 1973.

92 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

para a defesa coletiva do hemisfério contra sobre o tráfego marítimo, quadruplicando


os soviéticos (Vidigal, 1982, 120 – 123). o número de navios entre 1992 e 2012
E esta foi a última vez que se investiu (Worldwide, 2014).
com peso na aquisição de meios navais para Segundo a United Nations Conference
o atendimento a necessidades estratégicas de on Trade and Development (Unctad), o
um contexto bem definido. É bem verdade transporte marítimo é, atualmente, o prin-
que, em fins dos anos 1970 e nos anos 1980 cipal motor da globalização, respondendo
tentou-se a continuidade com um “minipro- pelo comércio global em cerca de 80% do
grama”, empregando os parcos recursos então volume e 70% do valor, sendo esses quan-
disponíveis, pelo qual foram construídas no titativos ainda maiores no caso dos países
País cinco corvetas aqui projetadas e cinco em desenvolvimento (Panitchpakdi, 2012,
submarinos de projeto alemão, mas com “Highlight”). Geoffrey Till afirma que ele
tal lentidão de desembolsos que o último tende a continuar crescendo com o aumento
submarino (Tikuna) só da população mundial,
foi lançado ao mar em sendo que os mares
2004 e a última corveta Os mares constituem a constituem a única via
(Barroso) em 2008. única via capaz de suportar capaz de suportar tal
Durante esse pe- crescimento para que
ríodo, em fins dos
o crescimento para que sejam mantidos os atu-
anos 1980 e nos anos sejam mantidos os atuais ais padrões de vida
1990, premidos pela padrões de vida (Till, 2006, 8).
falta de meios flutuan- Cabe notar que esse
tes, fizemos algumas crescimento também
aquisições de oportunidade, como os quatro se reflete no porte dos navios e na frequência
contratorpedeiros norte-americanos antigos das viagens, o que vem impactando drama-
da classe Garcia, que duraram pouco, e ticamente as infraestruturas portuária e de
quatro fragatas britânicas da classe Bro- transferência de cargas de/para o interior.
adsword, das quais duas continuam em Recentemente houve congestionamento em
atividade atualmente (Vidigal, 2002, 56; portos da Costa Oeste norte-americana, da
MARINHA, 2017). Ásia Oriental e do Norte da Europa, regiões
em que tais infraestruturas são excelentes,
AS ALTERAÇÕES GLOBAIS evidenciando que esse problema é global,
exigindo novos arranjos dos governos e das
Muita água passou sob a ponte depois firmas transportadoras (principalmente na
daquele último grande investimento. área de contentores), com investimentos
No plano econômico, a globalização ini- que ultrapassam a capacidade da maioria
ciada nos anos 1980 se acentuou, questio- dos países, mas cuja falta trará graves
nando o modelo industrial de substituição entraves ao desenvolvimento econômico
de importações adotado por vários países, (Stratfor, 2015).
inclusive o Brasil, e multiplicando o comér- Pelo exposto, Geoffrey Till considera
cio internacional, com efeitos expressivos que existe atualmente um “sistema globa-
sobre o transporte marítimo, que saltou de lizado de comércio marítimo”, pelo qual “o
3.704 milhões de toneladas em 1980 para que acontece em qualquer parte do mundo
9.548 milhões em 2013 (Developments, pode produzir consequências graves e
2014, 5, tab. 1.3), um aumento de 158%; e imediatas na segurança e na economia de

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

qualquer outro país”, exigindo dos Estados Nesse mesmo ano, logo após a Guerra
“provedores de segurança” a capacidade de do Golfo (agosto/1990-abril/1991), os
projeção de poder sobre terra (ações mili- EUA emitiram uma estratégia de seguran-
tares sobre terra a partir de meios navais), ça nacional que transmitia o propósito de
a fim de restaurar ou manter a estabilidade estabelecer uma “Nova Ordem Mundial”,
internacional, questão fundamental para o assumindo como indispensável a lide-
sistema (Till, 2006, 9-13). rança norte-americana e incluindo várias
Till fornece, assim, a fundamentação instruções prevendo a presença avançada
das estratégias navais dos países desen- e a projeção de poder por suas forças onde
volvidos, de suas alianças e também de fosse necessário (United States of America,
vários países em desenvolvimento, como 1991, V, 27- 28).
Portugal (que pertence a uma dessas alian- O documento implicou profundas altera-
ças, a Organização do Tratado do Atlântico ções para a Marinha e o Corpo de Fuzileiros
Norte – Otan) (Rodri- Navais norte-america-
gues, 2014, 2-4). Seus nos, cujas estratégias,
argumentos, a par de O fim da Guerra Fria em vez de uma ame-
procedentes, servem à trouxe a redução das verbas aça global, passaram
manipulação política a focar os desafios e
da ética, pela veicu- e dos meios navais; e os oportunidades regio-
lação de ações para atentados terroristas de nais, a fim de moldar
benefício de Estados o futuro de forma fa-
mais poderosos como
11 de setembro de 2001 vorável aos interesses
realizadas em provei- acarretaram a Guerra do país, reforçando as
to do bem comum, Global ao Terror alianças, impedindo a
aspecto previsto na formação de ameaças
lógica da harmoni- e ajudando-o a pre-
zação de interesses identificada por Carr servar a posição estratégica conquistada
(Carr, 1981, 52). com o fim da Guerra Fria (United States
A Guerra Fria terminou formalmente of America, 1992, 2).
com a Paz de Paris quando, em novembro Em decorrência, a Marinha norte-ameri-
de 1990, os membros da Conferência cana alterou, por meio de dois documentos
de Segurança e Cooperação da Europa – From the Sea (1992) e Forward From the
(CSCE), entre eles os que haviam iniciado Sea (1994) –, o foco estratégico e as priori-
a Segunda Guerra Mundial – Alemanha dades de aplicação de recursos das operações
(já reunificada), União das Repúblicas no mar (“on the sea”) para as operações a
Socialistas Soviéticas (URSS), França, partir do mar (“from the sea”) –, ações de
Reino Unido e EUA –, firmaram um acordo projeção de poder com o propósito de in-
estabelecendo instituições parlamentares fluenciar os eventos nas regiões litorâneas
em todos os Estados, consagrando a vitória do mundo, considerando que, como nação
da superpotência ocidental. O evento não marítima, a estratégia de segurança dos EUA
foi muito noticiado, em virtude da grande era necessariamente transoceânica e seus
relevância dos acontecimentos que se se- interesses vitais estavam nas extremidades
guiram, concernentes ao colapso da URSS, finais das “estradas do mar” (“highways of
que veio a se dissolver em 25 de dezembro the sea”), que começavam em seu território
de 1991 (Bobbitt, 2003, 56). e chegavam a todos os quadrantes do mundo.

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

Tal medida seria implementada princi- (International, 2015) –, até incentivos a


palmente por forças navais desdobradas em outros países para cooperarem com suas
todas as regiões de maior importância estra- forças navais numa espécie de governança
tégica do planeta (Atlântico, Mediterrâneo, marítima global.
Pacífico, Índico, Mar Vermelho, Golfo Pér- Entre essas últimas estão a Prolifera-
sico e Caribe), para demonstrar a intenção tion Security Initiative (PSI), baixada em
e a capacidade de juntar aliados e potências 2003, pela qual os EUA e países que a ela
amigas na defesa de interesses comuns e aderissem assumiriam o direito de “realizar
também para permitir reação a crises se interdições no mar, no ar e em terra” com
essa dissuasão falhasse, intervindo em o propósito de coibir
litorais alheios (United States Of America, “carregamentos de armas biológi-
1994, “The Strategic Imperative”), numa cas, químicas e nucleares, assim como
concepção que, neste estudo, é tratada pelo materiais que poderiam ser usados para
nome da doutrina operacional que daí se fornecer ou produzir tais armas, para
originou – Guerra de terroristas e países sus-
Litoral. Esses con- peitos de tentar adquirir
ceitos foram reafir- Tanto a segurança do armas de destruição em
mados na Estratégia massa” (Arms Control
Cooperativa para o sistema globalizado de Association, 2013).
Século XXI, lançada transporte marítimo como
em 2007 e revisada A iniciativa recebeu
em 2015 (United Sta-
a guerra de litoral levam ao críticas por usar as
tes Of America, 2015, mesmo fim: a permanente fórmulas “armas de
Introduction §5 e 6; mobilização de forças destruição em massa”
Section II – Forward e “combate ao terro-
Presence and navais de vários Estados rismo” para:
Partnership). para propósitos comuns “simplesmente
O fim da Guerra estender a presença
Fria trouxe, porém, a naval e a capacidade
redução das verbas e, consequentemente, combatente dos EUA e de seus aliados
dos meios navais; e os atentados terroris- às linhas de comunicações marítimas,
tas de 11 de setembro de 2001 em Nova hidrovias, regiões costeiras, rotas de
Iorque e Washington acarretaram a Guerra trânsito militar e de energia vitais e
Global ao Terror, na qual os EUA, além de cobiçadas e para dentro de quaisquer
se lançarem em duas grandes campanhas mares a qualquer tempo se considerar
militares, no Afeganistão e no Iraque, bus- que é necessário para atingir exigências
caram envolver a comunidade internacional políticas e estratégicas” (Rozoff, 2009).
numa série de medidas, desde a instituição
de novos procedimentos portuários inter- Outra iniciativa foi a Marinha de Mil
nacionais, como o Código Internacional Navios (Thousand Ship Navy – TSN),
de Segurança de Navios e Facilidades lançada em 2006, que congregaria
Portuárias (International Ship and Port forças navais, operadores portuários,
Facility Security Code – ISPS Code) – um armadores e agências internacionais, de
abrangente conjunto de medidas de segu- governos e não governamentais, num es-
rança de navios e facilidades portuárias forço contra problemas comuns (adress

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

mutual concerns), patrulhando os mares de cerca de 31 países, que se destinam a


do mundo (Rozoff, 2009). prover segurança marítima, realizando
Ambas as iniciativas obtiveram êxito. A ações contra o terrorismo (FT150), contra
PSI começou com 11 países e, em junho de a pirataria (FT151) e para promover a se-
2013, contava com 102; a TSN, formalmen- gurança e a cooperação no Golfo da Arábia
te chamada Global Maritime Partnership, (FT152) (Combined, 2017).
é atualmente voltada contra a pirataria e As tecnologias também viveram revolu-
sua principal expressão é a Força-Tarefa ções no período em questão. A revolução
151, uma das que operam na região da da Tecnologia da Informação (TI) foi ini-
Somália (Arms Control Association, 2013; ciada nos anos 1970, provocando grande
Dunnigan, 2014). impacto sobre a atividade humana com
Vê-se, desta forma, que tanto a segu- a generalização do uso de computadores;
rança do sistema globalizado de transporte depois, a partir dos anos 1980, com o uso
marítimo como a guerra de litoral levam ao dos microcomputadores; a partir dos anos
mesmo fim: a permanente mobilização de 1990, com a Internet e, a partir dos anos
forças navais de vários Estados para propó- 2000, com os sistemas miniaturizados –
sitos comuns, assim julgados por critérios smart phones, i-pads e tablets, que não
estabelecidos pelos EUA, tendo por prin- param de ser renovados em várias gerações,
cipais acólitos os países da Organização do tudo se assemelhando a uma sucessão de
Tratado do Atlântico Norte (Otan). revoluções ou a uma revolução permanente.
As chamadas “novas ameaças” – pi- Uma outra revolução, a Revolução nos
rataria, tráficos ilícitos (drogas, armas e Assuntos Militares (RAM) foi detectada
pessoas) e o crime organizado –, apesar nos anos 1980, embora tenha conquistado
de realmente constituírem um problema notoriedade a partir do início dos anos 1990
atual, têm sido exageradas para justificar a (WATTS, 2011, 1-3). Em vários aspectos
pertinência dessa mobilização (Noto, 2011, ela consistiu na aplicação da revolução da
86, 87, 91). TI aos sistemas militares, e se fez sentir
As ações na região da Somália, por inicialmente em três importantíssimos pon-
exemplo, envolvem cinco Forças-Tarefa tos, que tinham potencial para alterar forte-
(FT), sendo uma da União Europeia (UE), mente – como efetivamente alteraram – os
uma da Otan e três sob o comando da Ma- paradigmas de emprego e mesmo de cons-
rinha dos EUA. tituição das Forças Armadas: o progresso
A FT da União Europeia (European das munições de grande precisão (como os
Union Naval Force – EU Navfor) conduz mísseis), os sistemas de sensores capazes
uma operação permanente contra a pira- de cobrir grandes áreas e os sistemas de
taria (Operação Atalanta) (EU Navfor, comando e controle (C2) computadorizados
2017); e a da Otan realiza a operação Oce- (Watts, 2011, 2, 5).
an Shield, de controle de áreas marítimas Desde então, a RAM já abrangeu tantos
para coibir a ação de piratas, incluindo aspectos que também há divergências sobre
a identificação de navios e a escolta de se continua como uma revolução perma-
mercantes (North, 2017). nente, com uma sucessão de paradigmas
As três comandadas pela marinha norte- em decorrência do progresso científico-
-americana – FT150, FT151 e FT152 – -tecnológico ou se passou à fase de evo-
constituem a Combined Maritime Forces, lução acelerada, a partir da consolidação
e incluem navios e oficiais de estado-maior dos novos paradigmas – nos vários campos

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

da atividade militar, tendo produzido, em lançados da costa contra alvos no mar. É o


conjunto com as concepções estratégicas caso dos mísseis DF21, balístico antinavio
antes citadas, relevantes alterações no (Watts, 2011, 9-10) e DF10, de cruzeiro
campo naval, como: antinavio (Want, 2015), ambos chineses.
– Enorme expansão das possibilidades ­– Emprego de submarinos e de navios
da vigilância sobre terra e mar por meio de de superfície de porte médio em ações de
um sem número de sistemas que empregam projeção de poder sobre terra, empregan-
principalmente satélites e, mais recente- do mísseis não nucleares de muito longo
mente aeronaves remotamente pilotadas alcance e grande precisão, orientados por
(ARP), proporcionando aos decisores navegação satelital (GPS). Os submarinos
possibilidades de ação proativa antes não podem lançá-los em imersão a partir de pon-
imaginadas e criando, na guerra naval, tos inusitados, por vezes próximos à costa
conceitos como “Consciência Situacional inimiga, o que possibilita inúmeras aplica-
Marítima” e “Consciência do Domínio ções operacionais, como fogos precursores
Marítimo” (Maritime Domain Awareness). sobre aeródromos e centros de comando,
Esses conceitos referem-se, com pequenas em operações de intervenção. É o caso dos
variações, à efetiva compreensão de tudo o submarinos nucleares de ataque (SNA)4
que está associado com o meio marinho que norte-americanos e britânicos e contratorpe-
possa causar impacto na defesa, na segu- deiros (Destroyer Guided Missiles – DDG)
rança, na economia e no meio ambiente do norte-americanos que lançam os Tomahawk
entorno estratégico. Trata-se da formação Land Attack Missiles (TLAM), de 1.400
da percepção advinda do processamento milhas (2.600 km) de alcance.
de dados disponíveis que podem afetar Cabe notar que com tais armas, am-
as Linhas de Comunicações Marítimas pliaram-se enormemente as possibilidades
(LCM), a exploração e o aproveitamento de emprego estratégico dos submarinos,
dos recursos no mar; o meio ambiente; a também deram aos navios de superfície
soberania nas áreas de jurisdição nacionais de porte médio um papel estratégico in-
e a salvaguarda da vida humana no mar dividual nas ações de projeção de poder,
na região de responsabilidade de Busca e considerando que tais unidades eram ante-
Salvamento, resultando em informações riormente empregadas basicamente como
acuradas, oportunas e relevantes (Brasil, escoltas de unidades maiores, como navios-
2014a, 1-4, item1.2.5). -aeródromos, os quais, estes sim, com a
– Integração em rede de plataformas aviação embarcada, detinham a primazia
geograficamente muito dispersas – com o nessas ações.
emprego de comunicações por satélite – Este último aspecto permitiu à Marinha
otimizando o emprego de seus sensores e norte-americana otimizar a capacidade
sistemas de armas. Esta possibilidade (que estratégica de suas forças, nas atuais con-
inclui os submarinos), em conjunto com a dições de redução do número de meios.
acima citada, pode permitir o controle de
grandes áreas marítimas ou sua negação a AS ALTERAÇÕES NO BRASIL
vetores hostis.
­– Emprego de mísseis balísticos e de O Brasil também viveu muitas experi-
cruzeiro não nucleares de longo alcance, ências desde os anos 1960.
4 Trata-se de um submarino a ser empregado primariamente contra navios e forças navais, cujo armamento básico
consta de torpedos, minas e mísseis táticos não nucleares.

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

No plano econômico, após o “mila- da década de 2000 a 2010, aumentou


gre”, que terminou ainda nos anos 1970, sensivelmente seu nível de interlocução
seguiu-se, na década seguinte, uma grave no concerto das nações, fazendo parte
crise, notando-se o esgotamento do mo- do relevante subgrupo dos emergentes
delo de substituição de importações, que conhecido como Brics (Brasil, Rússia,
implicava sensível protecionismo indus- Índia, China e África do Sul), que procura
trial e teve fim com a abertura comercial coordenar políticas e tem se distinguido
iniciada no final da década, como efeito por iniciativas inovadoras, como o Banco
das pressões da globalização econômica dos Brics, de apoio ao desenvolvimento
(UNAMA, 2007). (Corrêa, 2014).
Seguiram-se, a partir de meados dos No tocante às iniciativas para a redução
anos 1990, o fim da hiperinflação, outra da dependência do petróleo importado,
crise econômica no além da exploração
fim dessa década e de petróleo em ter-
uma notável ascensão Após o “milagre”, nos ra firme, os investi-
entre 2003 e 2010, mentos na prospecção
quando o Produto
anos 1970, seguiu-se, na marítima obtiveram
Interno Bruto (PIB) década seguinte, uma grave seu primeiro êxito em
quadruplicou (em dó- crise, com o esgotamento 1968 (Guaricema-SE)
lares), tendo o País (Corrêa, 2010, 34),
chegado a atingir a do modelo de substituição seguindo-se vários ou-
posição de sexta eco- de importações e seu tros, como a Bacia de
nomia do mundo em
2011 e se mantido
protecionismo industrial Campos, que, tendo
seu primeiro campo
na sétima entre 2012 e teve fim com a abertura descoberto em 1974,
e 2014 (IPRI, 2016; comercial do final da passou a ser conti-
Nakagawa, 2016). nuamente explorada,
Atualmente, o País década, pelas pressões da com várias outras des-
passa novamente por globalização cobertas nas décadas
dificuldades na eco- seguintes, e hoje é a
nomia, tendo caído principal província pe-
para a nona posição em 2015 (IPRI, 2016; trolífera do País (Dados, 2015).
Nakagawa, 2016). Tais dificuldades são O paradigma da defesa coletiva hemis-
atribuídas por alguns à conjuntura inter- férica, com prioridade à defesa do tráfego
nacional, agravada, no caso do Brasil, por marítimo, perdurou durante a Guerra Fria,
uma condução questionável da política eco- mas a partir de inícios dos anos 1970 tam-
nômica e, ineditamente, pela crise hídrica bém ganhou força a possibilidade de um
provocada pela falta de chuvas em 2014 e conflito no Cone Sul, em virtude da contro-
2015, que reduziu drasticamente o nível vérsia com a Argentina sobre a construção
dos reservatórios do Sudeste, com graves da usina de Itaipu.
consequências para o abastecimento de Nos anos 1980, porém, essa possibili-
água e de energia elétrica (Caldas, 2015). dade foi substituída pela ameaça de países
No campo político, o País alcançou desenvolvidos (o eterno conflito Norte-
a estabilidade democrática e, por esse -Sul), em face das pressões originadas na
motivo e mais os êxitos econômicos globalização econômica e do exemplo

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

da Guerra das Malvinas (abril-junho de a autossuficiência, o que só viria a ocorrer


1982), percebida como mais uma de suas em 2006 (Dias, 2008, slide 9).
manifestações (Vidigal, 2002, 27-29; No tocante à tecnologia, o início da re-
Reuveny;Thompson, 2002)5, perspectiva volução da TI foi acompanhado pela MB,
esta que ultrapassou o período restante da pois coincidiu com a construção dos navios
bipolaridade e vige até os dias atuais. do Plano de Renovação – as fragatas classe
Nesse novo contexto, a Marinha passou Niterói foram os primeiros navios da Mari-
a se preparar, com o material disponível, nha dotados de sistemas digitais de controle
para a defesa de pontos da costa – portos de dados táticos e de armas. Posterior-
e regiões petrolíferas litorâneas, em espe- mente, contudo, apesar de serem mantidos
cial a maior delas, a Bacia de Campos –, quadros de pessoal a par das tecnologias
principalmente contra a aproximação de de ponta, a limitação na construção de
outros submarinos, meios e o fato de as
mas raciocinando estruturas necessárias
também com a ame- A proteção ao tráfego (satélites, por exem-
aça de forças navais plo) ultrapassarem o
agressoras de países marítimo continuava âmbito da Marinha res-
desenvolvidos contra sendo priorizada, tanto tringiram pesadamente
setores limitados da para a obtenção de bens esse acompanhamento
fronteira marítima, em termos de imple-
como ocorrera nas e divisas, acentuada pelo mentação prática.
Malvinas. aumento do comércio A Revolução em
Essa concepção, Assuntos Militares
preconizada pelo Al- exterior provocado pela (RAM) não foi acom-
mirante Flores (Flo- globalização, quanto para a panhada pela MB. O
res, 2002, 80), dera obtenção de petróleo, pois Plano de Renovação
força, no início dos foi anterior a ela, e às
anos 1980, à ideia a autossuficiência só viria a fragatas classe Niterói,
preexistente de cons- ocorrer em 2006 apesar de terem sido do-
truir o Submarino tadas de mísseis, tinham
Nuclear de Ataque concepção de emprego
(SNA), arma que se mostrara decisiva no semelhante à de quando essa arma começou
citado conflito e que proporcionaria grande a ser instalada em meios navais, na década
vantagem a seus detentores em confronta- de 1950 – como arma tática cujo alcance e
ções semelhantes (Corrêa, 2010, 88). eficácia superavam os canhões. A então nova
Apesar dessa concepção, a proteção possibilidade das fragatas classe Niterói – um
ao tráfego marítimo continuava sendo enlace que permitia passar automaticamente
priorizada, tanto para a obtenção de bens e para o sistema de dados táticos das outras
divisas, acentuada pelo aumento do comér- fragatas um alvo detectado e acompanhado
cio exterior provocado pela globalização, por apenas uma delas –, apesar de ter dado
quanto para a obtenção de petróleo, pois a origem a alguns procedimentos operativos, já
crescente produção doméstica não atingira era um sistema em uso em várias Marinhas.

5 O conflito Norte-Sul é o que ocorre entre países pobres e ricos e aparece sob algumas formas, inclusive a de co-
lônia versus metrópole e varia de intensidade segundo alguns fatores, como ciclos de crescimento econômico
mundial, conflitos entre grandes potências e conflitos entre países ricos.

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

Assim, o Plano de Renovação represen- taformas cujo afastamento da costa chega a


tou uma importante atualização da MB, 302 km (163 milhas) (Brasil, 2013a) e que
mas para um estágio anterior à RAM. As se espalham por diversas partes do litoral.
capacidades eram fundamentalmente as Assim, a quase totalidade da produção
da Segunda Guerra Mundial: priorizadas de petróleo e gás – insumos vitais à vida
para o engajamento de alvos submarinos do País – depende de instalações estáticas
e razoavelmente aumentadas contra alvos e isoladas no mar, vulneráveis tanto a
de superfície (principalmente pela adoção ameaças assimétricas como estatais. As
de mísseis e dos helicópteros de ataque assimétricas, ainda que teoricamente li-
Linx), mas ainda bastante limitadas contra mitadas, são objeto das patrulhas navais
alvos aéreos. A Força Naval, além disso, se e medidas correntes de monitoramento e
ressentia de apoio aéreo, bastante restrito controle do tráfego marítimo, incluindo o
devido aos parcos meios da Força Aérea de pesqueiros.
Brasileira (FAB), e mais ainda após 1996, No que toca às estatais, cabe lembrar
quando essa força de- que as plataformas,
sativou suas aerona- por sua importância
ves antissubmarino A quase totalidade da e vulnerabilidade,
P-16, as únicas ade- constituem objetivos
quadas a tal tarefa, e
produção de petróleo e convidativos a ações
que operavam de terra gás depende de instalações de coerção – típicas
e embarcadas (Palma; estáticas e isoladas no mar, de quadros de crises
Carneiro, 2012). político-estratégicas
vulneráveis tanto a ameaças – ou de destruição, no
A SITUAÇÃO assimétricas como estatais caso de um conflito
ATUAL aberto. Elas podem ser
ameaçadas por forças
A década de 2000 trouxe para o Brasil navais que naveguem ostensivamente ou
importantes alterações em termos de ne- submarinos, sendo que todos esses vetores
cessidades estratégicas. Em 2004 foram podem se aproximar ou não, se dispuserem
descobertas as reservas de petróleo do de armas de longo alcance, as quais também
pré-sal, cuja extensão, posteriormen- podem ser lançadas contra instalações em
te determinada, abrange as bacias de terra, como tem ocorrido em praticamente
Santos, Campos e Espírito Santo; e, em todas as intervenções do pós-Guerra Fria,
2006, atingiu-se a autossuficiência no em que o Tomahawk Land Attack Missile
produto, a qual foi perdida entre 2012, (TLAM) foi o carro-chefe.
em face do aumento de consumo e da O maciço tráfego marítimo da atuali-
paralisação das licitações de campos dade, por sua vez, é objeto de acompanha-
petrolíferos desde 2008, mas retomada mento por vários sistemas e organizações
em 2015 (Dias, 2008, slide 9; Teixeira, regulados pela Organização Marítima
2013; Jasper, 2016). Internacional (International Maritime Or-
Hoje as jazidas marítimas são decisi- ganization – IMO – órgão da Organização
vamente importantes, respondendo por das Nações Unidas – ONU), que, em âm-
93,44% do petróleo e 76,12% do gás pro- bito nacional, multilateral e privado (pelas
duzidos no País (percentagens de 2015) companhias de navegação), monitoram
(Brasil, 2016, tabelas 2.9 e 2.13), em pla- continuamente os navios no mar.

100 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

No Brasil, esse serviço fica a cargo provida, em muitos casos, pelos sistemas
da Marinha e é realizado pelo Comando existentes, dos quais eventualmente fazem
do Controle Naval do Tráfego Marítimo parte vários países, enquanto que a prote-
(Comcontram), diretamente subordinado ção dos ativos litorâneos corre por conta
ao Comando de Operações Navais, a quem apenas do dono do litoral, pois acordos que
compete prover os meios de defesa eventu- envolvessem outro Estado provavelmente
almente necessários. acarretariam perda de soberania.
O Comcontram acompanha diutur- O provimento de energia a um país envol-
namente o tráfego marítimo de interesse ve a segurança energética – a disponibilidade
nacional no mundo e o tráfego marítimo de fontes de energia suficientes e a segurança
nacional e estrangeiro nas águas de jurisdi- da energia –, a capacidade de fazer com que
ção brasileira, empregando vários sistemas, os insumos energéticos dessas fontes che-
tais como o Automatic Identification System guem efetivamente aos utilizadores, apesar
(AIS), o Long-Range Identification and Tra- de eventuais ameaças de qualquer natureza,
cking (LRIT), o Programa de Rastreamento o que muitas vezes envolve esforço militar,
de Embarcações Pesqueiras por Satélite especialmente em casos de conflito (India,
(Preps) e o Sistema de Informações sobre 2007, 46).
o Tráfego Marítimo (Sistram), cujos dados O Brasil, sendo praticamente autossu-
são fornecidos às companhias de navegação. ficiente em petróleo, teria garantida sua
Existem vários outros sistemas pelo segurança energética e, dispondo da maior
mundo afora, e, além disso, o tráfego ma- parte de suas fontes no mar, em posições
rítimo pode contar com as medidas de pro- por vezes muito afastadas da costa, teria
teção ou defesa por forças navais de vários condições de prover sua segurança da ener-
países em locais especialmente perigosos, gia inferiores às dos países cujas fontes se
como as forças-tarefa que operam na área situam no próprio território, mas superiores
da Somália, já comentadas. às dos que importam grande percentagem
Tais recursos provêm, assim, razoável do que consomem de fontes distantes que,
segurança contra as “novas ameaças” – em além de necessitarem proteger as linhas
tempo de paz e mesmo contra as ameaças de comunicações marítimas, têm as fontes
estatais em tempo de crise ou conflito, sob o controle de outros Estados, o que
se o país estiver do lado favorável na pode comprometer também sua segurança
governança internacional, pois se não for energética, situação que já foi a nossa no
assim, a situação será oposta. Evoque-se passado recente.
aqui o bloqueio do Iraque, decretado pelo
Conselho de Segurança da ONU em 25 AS PRIORIDADES
de agosto de 1990, por ocasião da Guerra
do Golfo (United, 1990), exercido pela Pelo exposto, vê-se que as prioridades
Marinha norte-americana e várias outras e para a preparação do poder naval, ou sua
que anulou a única linha de comunicações determinação, têm variado nos três últimos
marítimas daquele país. ciclos da MB: a Segunda Guerra Mundial, o
Vê-se, assim, que, como as plataformas Plano de Renovação dos anos 1960-70 e o
petrolíferas, a navegação mercante também atual Plano de Articulação e Equipamento
está sujeita a ameaças e necessita de prote- da Marinha do Brasil (Paemb), elaborado
ção, por vezes militar. Ocorre, porém, que, para permitir o cumprimento da Estratégia
na segunda situação, essa proteção pode ser Nacional de Defesa (END).

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TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

No primeiro, não houve escolha de prio- A negação do uso do mar, o controle


ridades; a precedência da ameaça sobre a de áreas marítimas e a projeção de poder
preparação das forças impôs providências devem ter por foco, sem hierarquização
reativas que demandaram muito mais a de objetivos e de acordo com as cir-
ação política do Presidente da República cunstâncias:
para viabilizá-la do que qualquer ação da – defesa proativa das plataformas
MB para seleção dos meios navais, o que petrolíferas;
não houve, pois correu por conta do que a – defesa proativa das instalações na-
Marinha norte-americana julgou disponível vais e portuárias, dos arquipélagos e das
para fornecimento. ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais
No segundo, a determinação das prio- brasileiras; e
ridades foi realizada pela MB, mas com – prontidão para responder a qualquer
predominância dos ameaça, por Estado ou
aspectos logísticos li- por forças não conven-
gados à modernização As prioridades para a cionais ou criminosas,
dos meios, porque os às vias marítimas de
estratégicos estavam preparação do poder comércio.
fortemente condicio- naval têm variado nos três Antes mesmo, nas
nados pela conjun- Diretrizes, o docu-
tura internacional da
últimos ciclos da MB: a mento determina às
bipolaridade. Segunda Guerra Mundial, três Forças Armadas
No terceiro, a de- o Plano de Renovação dos a dissuasão de forças
terminação das prio- hostis nos limites dos
ridades está sendo anos 1960-70 e o atual espaços jurisdicionais
realizada pela MB, Plano de Articulação e do País (marítimo, aé-
com base em novas
orientações políticas
Equipamento da Marinha reo e terrestre) (Brasil,
2012, 2) e, em coerên-
e estratégicas defini- do Brasil cia, também prioriza
das domesticamente a preparação para a
– pela END, emitida negação do uso do mar
em dezembro de 2008, revisada em 2012 sobre a preparação para o controle de áreas
(Brasil, 2012; Brasil, 2013) –, num contexto marítimas e para a projeção de poder (Bra-
internacional em que não existe filiação sil, 2012, 10).
rígida a qualquer ditame externo. Tal prioridade implica importantes
Nessas orientações, ainda que a navega- alterações doutrinárias e culturais para
ção mercante tenha sua grande importância uma Marinha que, desde sua participação
reconhecida, a END definiu a prioridade à na Grande Guerra, sempre esteve voltada
defesa contra ações de projeção de poder para o controle de áreas marítimas a fim de
contra as plataformas petrolíferas e outros proteger o tráfego mercante.
ativos litorâneos. Nos Objetivos Estratégicos A priorização atual tem a ver com a pers-
para a MB (Brasil, 2012, p.10), estabeleceu pectiva do conflito Norte-Sul vislumbrada a
a “defesa proativa” das plataformas petrolí- partir dos anos 1980, que pressupõe adver-
feras e de outros ativos litorâneos, enquanto sários extrarregionais mais poderosos – a
determinou apenas uma postura reativa em pior ameaça –, já que a postura de negação
relação às linhas de comunicações marítimas: do uso do mar assume a inferioridade ante

102 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

o oponente e, sendo realizada nas águas os aspectos tecnológicos (considerando que


jurisdicionais e suas proximidades, é for- houve uma RAM) e estratégicos nela envol-
temente condicionada pela necessidade de vidos, o que envolve, além de meios – mais
garantir a segurança da energia, defendendo numerosos e muito mais modernos, como o
as vulneráveis plataformas petrolíferas. submarino de propulsão nuclear; novas es-
Configura-se, assim, uma diferença truturas, como o Sistema de Gerenciamento
básica entre a elaboração do Plano de Re- da Amazônia Azul (SisGAAz), a nova base/
novação dos anos 1960 e a do atual Paemb, estaleiro de submarinos, a 2a Esquadra e a
mas existem outras, e importantes: 2a Divisão de Fuzileiros Navais.
–­O Plano de Renovação foi elaborado –­O Plano de Renovação, ao se verificar
num contexto em que os principais fatores que não havia recursos para a obtenção
que condicionavam a aplicação do poder do grande número de meios, assumiu a
militar brasileiro provinham de acordos estratégia da defesa coletiva, prevendo que
internacionais interpretados diretamente sua tarefa principal – proteger o tráfego
pelas Forças Armadas, que, a partir daí, re- marítimo hemisférico – seria dividida com
alizavam independen- as demais Marinhas da
temente seu “projeto região.
de força” – a previsão Verifica-se que a evolução Hoje, ainda que a
dos meios considera- proteção do tráfego
dos necessários, sem
das prioridades navais marítimo continue
maior envolvimento corresponde ao progresso sendo preparada, e
do poder político. O institucional do País e à envolvendo parceiros
Paemb foi elaborado regionais, ela não é
para permitir à Ma- evolução da conjuntura mais a tarefa principal
rinha o cumprimento internacional da MB, mas sim de-
da END – um docu- fender proativamente
mento emitido pelo as plataformas e ativos
poder político para orientar a preparação costeiros e dissuadir forças inimigas de
do poder militar, ou seja, das três forças adentrarem nos espaços jurisdicionais do
coordenadamente, levando em conta o País, o que implica, em princípio, ação
atendimento da Política Nacional de Defesa isolada e, consequentemente, despesas
(PND) (Brasil, 2012a), documento também exclusivamente nacionais.
emitido pelo poder político, aspectos que Quanto a este aspecto, note-se que a
conferem legitimidade aos esforços. legitimidade dos esforços não está sendo
– O Plano de Renovação envolveu, correspondida pela destinação de recur-
basicamente, meios, com reduzido acrés- sos por parte do governo, que se mantém
cimo de capacidades novas – a operação em cerca de 1,4% do PIB (SIPRI, 2017),
de modernos helicópteros foi uma delas quando o necessário seria cerca de 2%,
– e um aspecto condicionante primordial: como observado pelo ministro da Defesa
a modernização de sistemas. Tanto o (Amorim, 2013).
número de meios visualizados como os Cabe observar que a prioridade à nega-
aspectos estratégicos e operacionais não ção do uso do mar, que distingue a concep-
variavam muito – os navios deveriam ser ção atual da antiga, implica tão-somente a
principalmente antissubmarinos. O Paemb forma de iniciar a implementação da END,
tem que considerar, além da modernização, obtendo sua capacidade atualmente mais

RMB1oT/2017 103
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

importante – defesa contra oponentes mais mas também podem operar em apoio direto
poderosos, pois tanto a capacidade de con- de forças navais, participando de ações de
trolar áreas marítimas como a de projetar controle de áreas marítimas e, eventual-
poder continuam presentes na END e no mente, de projeção de poder.
Paemb, ainda que em proveito da defesa
dos ativos e de interesses nacionais, sem CONCLUSÃO
quaisquer propósitos intervencionistas,
como disposto na PND e na Constituição Verifica-se que a evolução das priorida-
Federal (Brasil, 2012a, item 5.12). des navais corresponde ao progresso insti-
Assim, estão sendo priorizados a cons- tucional do País e à evolução da conjuntura
trução de submarinos – SNA e convencio- internacional.
nais, ora em andamento, apesar dos cortes A Segunda Guerra Mundial surpre-
orçamentários –, e o SisGAAz, que, em endeu o País com a necessidade de uma
fase final de especificação, teve que ter seus Marinha atualizada, e a MB reagiu, ain-
trabalhos sustados em da que sem qualquer
2015 devido a esses priorização de meios,
cortes (Stochero, Cabe enfatizar que, tornando-se uma for-
2015), sistemas desti- ça adequada para a
nados primariamente
em caso de uma época. No Plano de
à tarefa de negação, necessidade real, Renovação dos anos
enquanto outros mais a cobrança de um mau 1960-70, houve crite-
específicos para as riosa priorização dos
outras tarefas (cons- desempenho recairá meios e conseguiu-se
trução de escoltas e de sobre a Marinha modernizar a Força,
navios-aeródromos, sob o condicionamen-
por exemplo) aguar- to estratégico interno
dam disponibilidade financeira. Cabe, con- da maior necessidade de proteger o tráfego
tudo, lembrar que, apesar dessa destinação marítimo e externo da bipolaridade. Estes
primária, o SNA e o SisGAAz também têm últimos aspectos constituíram a diferença
emprego nas outras tarefas: básica para a elaboração do atual Paemb,
­O SisGAAz previsto é um sistema de voltado prioritariamente à defesa dos
monitoramento de alto nível, que deverá ativos litorâneos vitais em um contexto
permitir aos comandos conhecer as po- internacional ainda unipolar, mas sem
sições e prováveis intenções dos vetores constrições externas.
amigos e hostis navegando em boa parte do A percepção da necessidade de prepa-
Atlântico Sul, podendo, assim, aumentar a ração para a defesa dos ativos litorâneos e
eficiência dos meios operativos (SNA, sub- costeiros começou nos anos 1980, intensi-
marinos não nucleares, navios e aeronaves), ficou-se com o crescimento da exploração
fornecendo-lhes apoio de comunicações marítima de petróleo e teve seu ápice com
e vigilância para que obtenham posições a descoberta das grandes reservas do pré-
vantajosas em relação aos oponentes. -sal, fato presente na gênese da vontade
Os SNA podem exercer dissuasão contra política de investir na defesa naval e na
forças navais e submarinos em grandes citada alteração de prioridade, cabendo
áreas, como o Atlântico Sul, operando destacar que, pela primeira vez, se faz uma
isoladamente com o apoio pelo SisGAAz, priorização de meios e infraestrutura de

104 RMB1oT/2017
TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

defesa – um projeto de força – com base por parte do governo. Cabe, porém, enfati-
em necessidades e orientações determina- zar que, em caso de uma necessidade real,
das pelo poder político, o que lhe confere a cobrança de um mau desempenho recairá
a necessária legitimidade. sobre a Marinha.
Existem também, como acima exposto, Nunca é demais evocar o testemunho de
sensíveis diferenças entre as condições para um velho marinheiro sobre os idos de 1942:
elaboração e implementação dos dois pla- “O povo chegava na Praça Mauá e
nos, todas apontando para a complexidade tinha um velho encouraçado lá, que não
e custos muito maiores na situação atual, o tinha mais serventia e o povo falava: Vai
que, apesar da legitimidade, não encontra pro mar, o que tá fazendo isso aí? Vai
correspondência na destinação de recursos pro mar!” (Pereira, 2015, citação p.134)

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Marinha do Brasil; História da Marinha do Brasil; Estratégia;
Política nacional;

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108 RMB1oT/2017
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO
(PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

ARCHIMEDES FRANCISCO DELGADO*


Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

Senso de justiça – competência do líder avaliador


O feedback como fator de melhoria de desempenho
As componentes da competência senso de justiça

A competência é conceituada, segundo a de cada componente desse conjunto, neces-


escola dos Estados Unidos da América, como sários para a obtenção de competência para
o conjunto de conhecimentos, habilidades e cargos ou funções de liderança.
atitudes que devam ser praticadas por uma pes- Assim, foi apresentado que os conheci-
soa que busque atingir um bom desempenho mentos mínimos que um líder deve procurar
profissional em determinado cargo ou função obter referem-se aos Liderados, ao Ambiente
(RABAGLIO, 2014). Na primeira parte deste no qual o grupo está inserido, à Profissão e
artigo, na edição anterior desta revista, foram ao próprio Autoconhecimento, formando o
enumerados e analisados os aspectos mínimos acrônimo LAPA.

* Comandou o Aviso de Instrução Aspirante Nascimento, o Rebocador de Alto-Mar Tridente e a Base Fluvial de
Ladário. MBA em Gestão Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Curso Superior
de Guerra Naval no Instituto de Guerra Marítima da Itália e Curso Superior de Estado-Maior Interforças
na Itália. Autor do livro Liderança – A arte de conduzir ao sucesso, professor de Liderança e de Jogos de
Guerra na Escola de Guerra Naval.
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

de fomentar a confiança das pessoas, sen-


do, portanto, imprescindíveis a qualquer
LÍDER.
Foi mostrado, então, que o conjunto des-
ses conhecimentos, habilidades e atitudes
remete às cinco competências consideradas
mínimas do líder contemporâneo: a agili-
dade de raciocínio, de modo a ser capaz de
adaptar-se rapidamente a novas e inespera-
das situações; a disposição para trabalhar
em equipe, atuando como motivador,
coordenador e conciliador; a resiliência,
No que se refere às habilidades, foram evitando sucumbir ante as primeiras dificul-
enumeradas as de Reconhecimento, Ousa- dades; o empreendedorismo, estabelecendo
dia, Coragem (com ênfase no seu aspecto objetivos e metas ousadas e orientando
moral), Humildade, os liderados para o
Estímulo (classifi- caminho do sucesso; e
cando o líder como A principal atividade do avador atuação como culti-
de novos líderes,
um criador de estresse
em nível adequado ao líder, decorrente do seu que é a mais importan-
aumento da produtivi- senso de justiça, é a de te tarefa de um líder,
dade), Delegação (no notadamente o militar,
intuito de preparar avaliador do desempenho no sentido de preparar
seus liderados para de seus liderados seus futuros eventuais
novos desafios) e de substitutos.
ser bom Ouvinte, for- Entretanto, há mais
mando o acrônimo ROCHEDO. uma competência do líder que, por ser de
Finalmente, a componente da atitude importância especial, foi reservada para
foi relacionada à Lealdade, à Integridade,à este artigo específico: o senso de justiça,
Determinação, ao Equilíbrio e ao Respeito, que possibilita ao líder analisar as reais
uma vez que, independentemente da cultura necessidades de seus liderados e atendê-las
organizacional do grupo de liderados, essas (e não às vontades) e, ainda, atuar como
atitudes são sempre importantes e capazes um desenvolvedor de competências e ava-
liador justo e sensato do desempenho dos
liderados, com o cuidado de lhes fornecer
feedback sobre seus pontos fortes, buscan-
do potencializá-los, e sobre os aspectos em
que precisem melhorar, de modo a eliminá-
-los ou, pelo menos, minimizá-los.
Essa avaliação individual que o líder
realiza de cada liderado é a chamada avalia-
ção absoluta, que visa ao desenvolvimento
pessoal do liderado, e difere da avaliação re-
lativa, realizada por um colegiado, com foco
no desenvolvimento da carreira do avaliado.

110 RMB1oT/2017
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

Considerando que o escopo do presente organização, aproximando o desempenho


artigo restringe-se à atuação individual do real do avaliado daquele que a organização
líder, será abordada apenas a avaliação deseja e espera. Assim, para que a avalia-
absoluta como sexta competência do líder ção reflita realmente o desempenho dos
contemporâneo, correlacionando-a aos subordinados e tenha a utilidade apontada,
conhecimentos, às habilidades e às atitudes é preciso que o avaliador tome o cuidado de
apontadas no artigo anterior. A avaliação “não confundir produtividade com o grau
relativa, por ser executada por um colegia- de integração e aceitação dos indivíduos
do, comparando as avaliações absolutas de às normas e aos procedimentos da orga-
várias pessoas, não será objeto deste estudo, nização onde estão inseridos”, conforme
apesar da necessidade de que cada um dos ressalta Frederick Herzberg, citado em
componentes do colegiado possua também AGUIAR (2005, p.362).
essa sexta competência. Em face disso, a avaliação de desem-
penho dos integrantes de uma organização
SENSO DE pode ficar distorcida
JUSTIÇA – caso o líder deixe-se
COMPETÊNCIA Cabe ao líder, incentivar levar pela tendência
DO LÍDER a criatividade de seus de avaliá-los de acordo
AVALIADOR com o grau de acomo-
subordinados, levando dação ao ambiente de
Esta competência em conta que isso pode trabalho, em vez da
é de fundamental im- capacidade técnico-
portância para a mo- provocar falhas e erros -profissional, do com-
tivação dos liderados, na execução das tarefas, prometimento, da ca-
na medida em que os quais devem ser pacidade de inovação
envolve, prioritaria- ou, em última análise,
mente, as habilidades considerados como fontes da produtividade. Tal
do líder referentes de aprendizado distorção, comum nas
à coragem e ao re- grandes organizações,
conhecimento, além inibe a iniciativa e a
daquela de ser um bom ouvinte. Isso porque capacidade de inovação dos liderados, pois
a principal atividade do líder, decorrente do costuma premiar aqueles que não causam
seu senso de justiça, é a de avaliador do de- desconforto ao chefe por não trazerem
sempenho de seus liderados. Dessa forma, novas ideias que o obrigue a pensar de
apesar da predominância das habilidades maneira diferente à que está acostumado.
acima citadas, para bem desempenhar esta Portanto, é importante que o avaliador
competência o líder precisa praticar todas conscientize-se de que os colaboradores
as habilidades e atitudes selecionadas como que não arriscam e não se aventuram a reali-
mínimas e necessárias ao exercício da lide- zar uma tarefa de modo inovador, buscando
rança, além de conhecer todos os aspectos um resultado sempre melhor, em nada con-
apontados anteriormente. tribuem para o crescimento da organização
Neste ponto, vale enfatizar que a e para o aumento de sua eficiência, seja ela
avaliação deve ser útil para o avaliado, medida em termos de serviços prestados ou
contribuindo para o seu desenvolvimento de materiais produzidos. Cabe, portanto,
profissional e pessoal, e também para a ao líder, incentivar a criatividade de seus

RMB1oT/2017 111
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

subordinados, levando em conta que isso Além disso, para que a avaliação seja
pode provocar falhas e erros na execução fiel ao nível de desempenho do avaliado,
das tarefas, os quais devem ser considera- ela deve estar pautada em um sistema estru-
dos como fontes de aprendizado. turado, capaz de unificar os critérios pelos
Vale lembrar que diversos estudiosos e quais os subordinados são avaliados, o que
pensadores chamam a atenção para o fato constitui a tarefa mais simples da avaliação,
de que os erros são, na verdade, tentativas sendo feita por técnicos especializados.
de acerto; e só acerta quem tenta. É desta No entanto, a parte mais difícil da
forma que o líder deve encarar os eventuais avaliação é aquela feita pelo líder, pois se
erros cometidos por seus liderados na ten- baseia em aspectos intuitivos e subjetivos.
tativa de, com boa fé, realizar uma tarefa Dessa forma, o líder deve avaliar cada um
de modo mais eficiente. de seus subordinados levando em conta
Ao perceberem que a avaliação é feita o grau de complexidade das tarefas que
com base no grau de acomodação dos executa (diretamente proporcional ao de-
avaliados às normas e aos procedimentos senvolvimento profissional), os resultados
da organização, os subordinados dispostos que obtém na execução dessas tarefas, ou
a inovar e efetivamente contribuir para seja, a performance, e o comportamento,
a evolução da organização sentem-se caracterizado pelo grau de adesão aos
desmotivados para a realização do seu tra- valores da organização, pelo grau de com-
balho. Essa desmotivação é explicada por prometimento com os objetivos a alcançar,
Herzberg, conforme citado em AGUIAR pelo tipo de relacionamento com pares,
(2005, p.362), ao ensinar que os fatores subordinados e superiores etc.
motivadores inerentes ao trabalho desen- Assim, para desenvolver seu senso
volvido pelas pessoas são “a liberdade de justiça e atuar como avaliador, o líder
de criar, de inovar, de procurar formas deve conhecer profundamente cada um de
próprias e únicas de atingir os resultados seus liderados, deixando de lado a vaidade
das tarefas acometidas”. própria, a fim de evitar ser influenciado por
Assim, o líder que avalia seus liderados bajuladores, sem se deixar levar por impres-
segundo o critério do grau de acomodação sões superficiais e imediatistas, que podem
às normas e aos procedimentos em vigor, conduzir a erros importantes de julgamento.
considerando o comportamento cauteloso, Dentre os erros mais comuns de ava-
pouco criativo e conformista como maduro liação, cabe citar: os efeitos halo e horn,
e integrador, dificilmente conseguirá que nos quais o avaliador considera que, se um
sua equipe tenha um desempenho acima colaborador é bom ou ruim em determinada
de mediano. tarefa, terá desempenho semelhante em
Para que obtenha sempre uma melhoria todas; a tendência central, segundo a qual
no desempenho de sua equipe, o líder deve o avaliador procura avaliar todos os cola-
avaliar seus colaboradores de maneira a boradores como medianos; o efeito de re-
incentivar o comportamento independente, centicidade, no qual o avaliador baseia suas
inovador e criativo, aceitando os eventuais observações apenas nos fatos mais recentes,
erros que possam vir a acontecer como sejam bons ou ruins; a autoidentificação,
fases do aprendizado e evitando cair na que ocorre quando o líder tende a avaliar
armadilha de considerar o liderado com melhor os colaboradores que possuam a
iniciativa e capacidade de inovação como mesma formação ou os mesmos interesses
desintegrador ou “criador de casos”. que ele; e o erro de fadiga, em que, devido

112 RMB1oT/2017
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

ao grande número de avaliações feitas, o critérios estabelecidos. Em outras palavras,


líder perde o foco e tende a mudar os cri- é preciso que o líder forneça ao liderado um
térios, ao avaliar os últimos colaboradores feedback da sua atuação, indicando-lhe o que
(CHIAVENATTO, 2010). considera seus pontos fortes e os aspectos
Todavia, como este artigo não tem a em que precise melhorar. Somente com este
intenção de analisar processos de avaliação feedback o avaliado poderá corrigir seus
ou os erros a eles inerentes, a exemplifi- procedimentos considerados fracos e aper-
cação acima, de forma bastante sumária, feiçoar e explorar cada vez melhor aqueles
dos erros mais comuns de avaliação tem a considerados fortes, aproximando-se do
finalidade apenas de ressaltar a importânciadesempenho dele esperado pela organização.
do desenvolvimento da competência do O feedback pode ser fornecido diaria-
senso de justiça, de modo a “vacinar” o mente, de modo informal, mas é fundamen-
líder contra esses e outros erros comuns no tal que também o seja em uma entrevista
processo de avaliação dos subordinados. periódica formal entre avaliador e avaliado,
para a qual o primei-
O FEEDBACK ro deve preparar-se
COMO É de suma importância cuidadosamente. Esse
FATOR DE que o líder incentive seus preparo é importan-
MELHORIA DE te porque o feedback
DESEMPENHO liderados a adquirir um não pode ser encarado
comportamento inovador como uma sessão de
O processo de
avaliação de desem-
e observe como cada um censura e críticas, mas
sim como uma conver-
penho visa, primor- deles lida com a inovação e sa amigável e sincera
dialmente, aproximar os desafios que ela provoca com a finalidade de
o desempenho real ajudar o desenvolvi-
do avaliado daquele mento profissional e
esperado pela organização. Entretanto, pessoal do avaliado.
esse processo tem sido empregado, em Existe uma tendência natural de trans-
muitas organizações de maneira limitada, formar o feedback em uma resenha dos
servindo apenas para subsidiar processos erros e acertos passados do avaliado, sem
de escolha ou de designação de cargos ou foco no futuro. Esses erros e acertos podem,
funções, normalmente realizados, na fase eventualmente, ser abordados no feedback,
de avaliação relativa, por um colegiado. porém apenas de modo a servir de orienta-
Uma vez que a principal finalidade da ção para definir os aspectos em que o lidera-
avaliação é buscar a melhoria do desem- do precise se desenvolver para lidar com os
penho dos avaliados, ou seja, o seu desen- futuros desafios que irá enfrentar. Para isso,
volvimento profissional, não basta ao líder é de suma importância que o líder, atuando
avaliar seus liderados individualmente e como avaliador, incentive seus liderados
encaminhar suas observações para o cole- a adquirir um comportamento inovador
giado encarregado da avaliação relativa. e observe como cada um deles lida com
É fundamental que converse com cada um a inovação e os desafios que ela provoca.
dos avaliados individualmente, indicando- Para a realização de um feedback provei-
-lhes os motivos pelos quais os avaliou toso, deve existir entre avaliador e avaliado
de determinada maneira, em cada um dos uma relação de confiança mútua, típica da

RMB1oT/2017 113
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

relação entre líder e liderado, que faça com a organização ou instituição a que ambos
que o receptor interprete as observações pertencem. Para isso, o líder deve procurar
apresentadas pelo avaliador como contri- ser o mais descritivo possível em relação ao
buições para o seu próprio aperfeiçoamento, comportamento do avaliado e ao que dele
sejam essas observações positivas ou nega- se espera no futuro, evitando expressões
tivas. Visto dessa forma, o feedback torna- ambíguas ou vagas.
-se uma fonte de energia tanto para o líder Resumidamente, ao final do feedback,
quanto para os liderados, incentivando-os a líder e liderados devem deixar estabelecido
aperfeiçoar seu comportamento e a produzir um conjunto de metas e compromissos a se-
ótimos resultados, além de fortalecer a lide- rem cumpridos durante o próximo período
rança exercida pelo avaliador. de avaliação, visando ao desenvolvimento
A realização desse feedback demonstra, profissional do liderado e ao seu preparo
por parte do líder, consideração e respeito para novos desafios e para o cumprimento
pelos seus subordinados, minimizando suas de tarefas mais complexas.
incertezas e ansiedades, além de reconhe- Assim, para desenvolver a competência
cimento com seu esforço em realizar suas do senso de justiça e avaliar corretamente
tarefas de maneira seus liderados, o líder
correta, fortalecendo precisa agir com leal-
o exercício da lide- Para desenvolver a dade, integridade, equi-
rança. Além disso, competência do senso líbrio e respeito. Além
orienta os liderados disso, é necessário que
quanto ao comporta- de justiça e avaliar tenha bem desenvol-
mento e ao desempe- corretamente seus liderados, vidas as habilidades
nho deles esperados, de coragem moral, de
fazendo com que
o líder precisa agir com reconhecimento, de
saibam como estão lealdade, integridade, ouvinte e de estimu-
sendo vistos no seu equilíbrio e respeito lador, tendo em vista
ambiente de trabalho, que as críticas contidas
o que contribui para o no feedback devem ser
seu autoconhecimento. feitas com sinceridade, honestidade e res-
Dessa forma, para realizar uma avalia- peito, evitando desmotivar o avaliado, a
ção isenta e fornecer um feedback útil ao quem deve sempre ser concedida a palavra,
avaliado e à organização ou instituição a quer seja para este expor suas dificuldades
que pertença, o líder precisa preparar-se no cumprimento das tarefas em que seu
adequada e previamente. É inaceitável desempenho tenha deixado a desejar, quer
que, durante o feedback, o líder venha a seja para contribuir para o aperfeiçoamento
descontrolar-se ou a empregar expressões dos processos nos quais tenha apresentado
que possam ofender o avaliado ou afetar bom desempenho.
negativamente sua autoestima. As críticas
que eventualmente serão feitas durante a AS COMPONENTES DA
conversa de feedback precisam ser cuida- COMPETÊNCIA SENSO DE
dosamente preparadas, medindo-se as pa- JUSTIÇA
lavras, sem deixar de expressar a verdade,
com clareza, honestidade e lealdade para Concluindo, para adquirir a competência
com o avaliado e, principalmente, para com do senso de justiça, de modo que possa

114 RMB1oT/2017
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

avaliar corretamente o desem-


penho de seus subordinados, o
líder precisa exercitar todos os
conhecimentos, habilidades e
atitudes listadas no artigo ante-
rior, conforme alguns exemplos
abaixo.
Para identificar os pontos
fortes e fracos de cada colabo-
rador, o líder precisa conhecer
não só as tarefas que cada um
deles executa (conhecimento
profissional), como também
a personalidade e o potencial
profissional de cada um deles
em particular (conhecimento
dos liderados), além dos valores, da ética e só poderão ser criadas se o líder delegar
da cultura da organização a que pertencem tarefas importantes a seus subordinados,
(conhecimento do ambiente). Além disso, demonstrando estar sempre disponível para
o líder somente será capaz de realizar um orientá-los, e, ao mesmo tempo, tiver hu-
feedback proveitoso mildade para reconhe-
para os liderados e cer o valor das novas
para a organização se O líder precisa desenvolver soluções e acatá-las,
tiver consciência dos e praticar conhecimentos, se for o caso. Além
seus próprios pontos disso, somente pode-
fortes e fracos e de habilidades e atitudes rá realizar um bom
sua maneira de enca- de maneira autêntica e feedback se for capaz
rar situações inespe- de ouvir com atenção
radas e um absoluto
sincera, pois somente a as dificuldades e su-
autocontrole (autoco- autenticidade é capaz gestões dos liderados,
nhecimento). de gerar confiança, que procurando ajudá-los
No que se refere a vencer essas dificul-
às habilidades, é ne- é a base sobre a qual se dades e avaliando com
cessário que o líder sustenta a liderança isenção as sugestões.
seja capaz de exter- Finalmente, as ati-
nar reconhecimento tudes apontadas no
quando o subordinado realizar um bom artigo anterior são de fundamental impor-
trabalho, assim como precisa ter coragem tância, pois é preciso que o líder seja leal e
moral para demonstrar as eventuais falhas, íntegro, não só no momento da avaliação,
caso o trabalho tenha sido feito de maneira mas principalmente no feedback, quando
insatisfatória. Por outro lado, o líder pre- o respeito e o equilíbrio emocional são
cisa ter ousadia para testar novas práticas também de absoluta importância. E, para
desenvolvidas pelos colaboradores, além que tenha condições de executar as tarefas
de estimulá-los a desenvolver novas solu- que lhe cabem em um eficiente sistema de
ções. Essas novas soluções, por sua vez, avaliação de desempenho, é preciso ser

RMB1oT/2017 115
COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

determinado, pois poderá ser obrigado a en- é capaz de gerar confiança, que é a base
frentar situações difíceis e constrangedoras. sobre a qual se sustenta a liderança.
Enfim, o líder precisa desenvolver e Agindo dessa forma, o chefe constituirá
praticar conhecimentos, habilidades e um exemplo para seus subordinados, que
atitudes apontadas de maneira autêntica passarão a enxergá-lo não apenas como
e sincera, pois somente a autenticidade chefe, mas como líder.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<VALORES>; Liderança; Comportamento;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Maria Aparecida Ferreira de. Psicologia aplicada à Administração: uma abordagem in-
terdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005.
CHIAVENATTO, Idalberto. Gestão de pessoas. 3o ed. Rio de Janeiro: Campus, 2010.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteli-
gente. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
GOLEMAN, Daniel. Liderança. A Inteligência Emocional na formação do líder de sucesso. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2015.
RABAGLIO, Maria Odete. Gestão por competências: ferramentas para atração e captação de talentos
humanos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2014.
SIQUEIRA, Wagner. Avaliação de Desempenho: como romper amarras e superar modelos ultrapas-
sados. Rio de Janeiro: Reichman Affonso, 2002.

116 RMB1oT/2017
A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES*


Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN)

A produção de energia depende da água, crescentes em muitas regiões, como con-


principalmente para o resfriamento de sequência do crescimento populacional,
usinas termelétricas, mas também na pro- do desenvolvimento socioeconômico e das
dução, no transporte e mudanças climáticas.
no processamento de Sua interdependên-
combustíveis fósseis. cia tende, portanto,
Além disso, cada vez a amplificar a mútua
mais a água é usada vulnerabilidade.
na irrigação de cul- Para o setor de
turas para produção energia, as restrições
de biomassa de uso à água podem pôr em
energético. Por outro causa a confiabilida-
lado, a energia é vital Bandeira da Agência Internacional de de das operações das
para o funcionamento Energia Atômica (AIEA), usinas termelétricas
uma organização das Nações Unidas1
de sistemas que co- existentes, bem como
letam, transportam, a viabilidade física,
distribuem e tratam a água, garantindo seu econômica e ambiental de futuros projetos.
fornecimento para seus diversos usos. Igualmente importante em termos de riscos
Tanto a energia como a água são recur- relacionados à água enfrentados pelo setor
sos que enfrentam demandas e restrições energético, o seu uso para a produção de

* Doutor em Engenharia, diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro
do Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Colaborador assíduo da RMB.
1 Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Agência_Internacional_de_Energia_Atómica
A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

energia pode afetar os recursos de água de estresse. Além disso, pela primeira vez o
doce, tanto na sua quantidade como na sua WEO 2016 observa a relação energia-água,
qualidade. Por outro lado, a dependência analisando as necessidades energéticas para
dos serviços de abastecimento de água da diferentes processos no setor de água, in-
disponibilidade de energia afetará a capa- cluindo abastecimento, distribuição, trata-
cidade de fornecer água potável e serviços mento de águas residuais e dessalinização.
de saneamento às populações. As principais conclusões foram divulgadas
no Global Water Forum, na COP22, em 15
de novembro de 2016.

Marrakesh COP223

As interdependências entre energia e


água deverão ser intensificadas nos pró-
ximos anos, uma vez que as necessidades
destas no setor energético e as necessida-
des energéticas do setor de água crescem
simultaneamente. A água é essencial para
Capa do Sumário Executivo do World Energy todas as fases da produção de energia: este
Outlook WEO 20162 setor é responsável por 10% das retiradas
mundiais de água, principalmente para o
O World Energy Outlook – WEO funcionamento das centrais termelétricas,
2016, lançado pela Agência Internacional bem como para a produção de combustíveis
de Energia (IEA) em 16 de novembro de fósseis e biocombustíveis. Estas necessida-
2016, tem um capítulo dedicado ao nexo des aumentam, especialmente para água
entre energia e água e analisa como as que é consumida (isto é, que é retirada de
complexas interdependências entre esses uma fonte, mas não devolvida a ela). No
dois recursos se aprofundarão nas próximas setor de energia há uma mudança para
décadas. Esta análise atualiza o trabalho tecnologias avançadas de resfriamento que
anterior, realizado em 2012, e avalia as retiram menos água, mas que, por sua vez,
necessidades atuais e futuras de água doce consomem mais.
para a produção de energia, destacando O crescimento da procura por biocom-
potenciais vulnerabilidades e pontos-chave bustíveis aumenta o consumo de água e

2 Em :https://www.iea.org/publications/freepublications/publication/WorldEnergyOutlook2016ExecutiveSum-
maryEnglish.pdf
3 Em: http://www.cop22-morocco.com

118 RMB1oT/2017
A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

uma maior utilização da energia nuclear realização bem-sucedida de uma série de


aumenta os níveis de retirada e de consumo. metas de desenvolvimento e de mitigação
No outro lado da equação energia-água, a das mudanças climáticas. Há várias cone-
análise do WEO 2016 fornece uma primeira xões entre os novos Objetivos de Desen-
estimativa global sistemática da quantidade volvimento Sustentável das Nações Unidas
de energia usada para fornecer água aos (SDG) sobre água limpa e saneamento (SDG
consumidores. Em 6) e energia limpa e
2014, cerca de 4% acessível (SDG 7), que,
do consumo global Em 2040, a quantidade de se bem geridos, permi-
de energia elétrica foi
utilizado para extrair,
energia usada no setor de tem alcançar os dois
conjuntos de metas.
distribuir e tratar água água é projetada para mais Existem também
e esgoto, juntamente do que o dobro muitas oportunidades
com 50 milhões de to- economicamente vi-
neladas de óleo equi- áveis para economias
valente de energia térmica, principalmente de energia e água que podem aliviar as
diesel, usado para bombas de irrigação e pressões sobre ambos os recursos, se con-
gás em usinas de dessalinização. siderados de forma integrada. Os esforços
Até o período de 2040, a quantidade de para combater as alterações climáticas
energia usada no setor podem exacerbar o
de água é projetada estresse hídrico ou ser
para mais do que o A dessalinização nuclear limitados pela dispo-
dobro. A capacidade é muito competitiva em nibilidade de água em
de dessalinização au- alguns casos.
menta acentuadamente termos de custos, e somente Algumas tecnolo-
no Oriente Médio e os reatores nucleares são gias de baixas emis-
no Norte da África, e
a demanda por trata-
capazes de fornecer energia sões de carbono, como
a energia eólica e solar,
mento de águas residu- necessária para projetos em requerem muito pouca
ais (e níveis mais altos grande escala água, mas quanto mais
de tratamento) cres- uma via de descarbo-
ce especialmente nas nização se baseia nos
economias emergentes. Em 2040, 16% do biocombustíveis, concentrando a energia
consumo de eletricidade no Oriente Médio solar, a captura de carbono ou a energia
estará relacionado ao fornecimento de água. nuclear, mais água é consumida.
A gestão das interdependências água- Possivelmente, a gestão combinada
-energia é crucial para as perspectivas de e harmônica da energia e da água seja
o maior desafio para
uma efetiva transição
para uma economia de
baixo carbono, reque-
rida pela mitigação das
Metas do Desenvolvimento Sustentável4 mudanças climáticas.

4 Em: http://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/

RMB1oT/2017 119
A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

Tendo em vista que a gestão desses recursos campo para a aplicação da dessalinização
tem um forte componente transnacional, os em grande escala, para a qual a energia
efeitos geopolíticos dessa transição se tor- nuclear seria uma alternativa viável.
narão cada vez mais pronunciados. Com efeito, a energia nuclear já está
Note-se, finalmente, que a água do mar sendo usada para dessalinização e tem
é um recurso praticamente inesgotável. potencial para um uso muito maior. A
Seu efetivo uso, entretanto, depende da dessalinização nuclear é muito competitiva
disponibilidade de energia abundante e a em termos de custos, e somente os reatores
baixo custo para dessalinização e posterior nucleares são capazes de fornecer as copio-
transporte e distribuição para os locais ca- sas quantidades de energia necessárias para
rentes em água doce. Isto abre um amplo projetos em grande escala no futuro.

Dessalinização Nuclear5

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<CIÊNCIA E TECNOLOGIA>; Energia nuclear; Ciência; Política nuclear; Água;

5 Em: https://www.oecd-nea.org/ndd/workshops/nucogen/presentations/8_Khamis_Overview-nucleardesalination.pdf

120 RMB1oT/2017
DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO
SOB O PRISMA DOS DISCURSOS PRESIDENCIAIS
DURANTE A REPÚBLICA VELHA

REIS FRIEDE*
Desembargador Federal

SUMÁRIO

Introdução
Dos discursos dos Presidentes da República Velha (ou Primeira República)
Deodoro da Fonseca
Floriano Peixoto
Prudente de Moraes
Campos Sales
Rodrigues Alves
Afonso Pena
Nilo Peçanha
Hermes da Fonseca
Wenceslau Braz
Epitácio Pessoa
Arthur Bernardes
Washington Luís
Conclusão

* Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal (TRF)/2ª Região. Ex-membro do Ministério Público e professor
titular da Universidade Veiga de Almeida e do mestrado em Desenvolvimento Local do Centro Universitário
Augusto Motta (Unisuam). Colaborador costumeiro da RMB.
DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS
DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA

INTRODUÇÃO relacionado com o tema de fundo abordado


no trabalho.

A construção do presente artigo partiu de


uma premissa: a de que os discursos,
notadamente aqueles articulados por oca-
DOS DISCURSOS DOS
PRESIDENTES DA REPÚBLICA
sião da assunção do mandato presidencial, VELHA (OU PRIMEIRA
abarcam, representam e refletem parte REPÚBLICA)
da história nacional, o que nos inspirou
a analisar os pronunciamentos de posse A República Velha (ou Primeira Re-
realizados pelos presidentes durante a Re- pública) abarca a fase compreendida
pública Velha, desde Deodoro da Fonseca entre a Proclamação da República (15 de
até Washington Luís. novembro de 1889) até a Revolução de
Nesse sentido, Fernando Lyra, então 1930, movimento que depôs o Presidente
deputado federal, na qualidade de líder do Washington Luís, em 24 de outubro do
antigo Movimento Democrático Brasileiro mesmo ano. Trata-se, como cediço, de um
(MDB), em discurso publicado no Diário período extremamente conturbado da histó-
do Congresso Nacional de 2 de abril de ria nacional, caracterizado pela ocorrência
1975, afirmou que os discursos, como de diversas revoltas que, volta e meia,
testemunhos de uma época, “integram o redundavam numa intervenção militar, evi-
acervo histórico de qualquer povo civiliza- denciando, assim, o papel desempenhado
do, valendo como fonte das mais originais pelas Forças Armadas de então, enquanto
e autênticas para fixar o grau de desenvol- instrumento de estabilização política, bem
vimento político”. (BRASIL, 1975, p. 2) como a incapacidade de o Poder Judiciário
Tendo em vista o escopo a ser alcançado atuar como mecanismo de solução de cri-
pelo texto ora introduzido, a empreitada ses, apesar de formalmente independente.
limitou-se a identificar, fragmentar e ana-
lisar, especificamente, o ponto de vista DEODORO DA FONSECA
anunciado pelos presidentes da época em
relação às Forças Armadas e ao Poder Ju- Laurentino Gomes, discorrendo sobre
diciário, de modo a buscar informações que o período imediatamente antecedente aos
possibilitassem verificar a respectiva traje- 15 de novembro de 1889, traçou o seguinte
tória institucional em momentos pretéritos. quadro:
Para tanto, foram examinados diversos Na última eleição parlamentar do
discursos presidenciais, sendo que, em Império, realizada em 31 de agosto de
alguns casos, tendo em vista a inexistência 1889, o Partido Republicano elegeu
de uma preleção de posse, outros, relativos somente dois deputados e nenhum
a momentos posteriores, foram sopesados senador. Os votos colhidos pelos seus
em substituição, adotando-se, em qualquer candidatos em todo o País não chegaram
caso, o critério cronológico. a 15% do total apurado. O resultado era
Obviamente, como não poderia dei- pior do que o obtido quatro anos antes,
xar de ser, permitimo-nos, em alguns no pleito de 1885 [...]. Sem eco nas ur-
momentos, extrair certas inferências dos nas, os civis encontraram nos militares
fragmentos textuais transcritos, para, em o elemento de força que lhes faltava
seguida, consignar a nossa própria obser- para a mudança do regime. (GOMES,
vação acerca dos fatos, tudo historicamente 2013, p. 19)

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Laurentino (2013, p. 175) menciona, para a defesa da integridade da pátria e


como um dos antecedentes históricos ao da ordem pública, o governo provisó-
advento da República, o episódio da Questão rio, por todos os meios a seu alcance,
Militar, ou seja, uma série de conflitos envol- permite e garante a todos os habitantes
vendo o Exército e o governo imperial entre do Brasil, nacionais e estrangeiros, a
agosto de 1886 e maio de 1887, cujos des- segurança da vida e da propriedade, o
dobramentos ocasionariam profundas fendas respeito aos direitos individuais e polí-
nas relações hierárquicas, de modo que a ticos, salvas, quanto a estes, as limita-
Monarquia não possuía mais condições de ções exigidas pelo bem da pátria e pela
impor disciplina aos quartéis. Por conta legítima defesa do governo proclamado
desse e de outros fatores, criou-se, assim, o pelo povo, pelo Exército, pela Armada
“caldo de cultura” que viabilizou diversas nacional. (BONFIM, 2004, p. 29-30)
intervenções militares
ocorridas no Brasil, no Notemos a força
qual as Forças Arma- O povo, o Exército e das palavras de Deo-
das figuraram como as doro, que nenhuma dú-
grandes responsáveis a Armada nacional vida deixam a respeito
pela fundação da Re- [...] acabam de do status e do poder
pública brasileira, evi- decretar a deposição das Forças Armadas
denciando, ademais, no final do século XIX:
certa incapacidade da dinastia imperial “O povo, o Exército e
da sociedade civil da e consequentemente a Armada nacional [...]
ocasião em conduzir acabam de decretar a
os rumos do Estado a extinção do sistema deposição da dinastia
liberal. Com efeito, o monárquico representativo imperial e consequen-
advento republicano Deodoro da Fonseca temente a extinção do
consolidou definitiva- sistema monárquico
mente a importância representativo”.
institucional das Forças Armadas. Ademais, o Marechal, ao mesmo tem-
Quando da Proclamação da República, po em que confere às Forças Armadas a
o Marechal Deodoro da Fonseca (15 de denominação de depositárias da vontade
novembro de 1889 a 23 de novembro de nacional, realça o compromisso de lhes
1891) fez expressa referência ao Exército e assegurar o papel de principais mantene-
à Armada (não existia a Força Aérea, ainda, doras da ordem e das instituições. Como
por razões óbvias): comprova a história, tal concepção quanto
Concidadãos – O povo, o Exército à missão das Forças Armadas iria se repetir
e a Armada nacional, em perfeita co- ao longo do século XX, possibilitando,
munhão de sentimentos com os nossos como veremos nos registros subsequentes,
concidadãos residentes nas províncias, diversas intervenções na cena nacional, tais
acabam de decretar a deposição da di- como as de 1937 e 1964.
nastia imperial e, consequentemente, a
extinção do sistema monárquico repre- FLORIANO PEIXOTO
sentativo [...].
No uso das atribuições e faculdades Deodoro, como se sabe, governou provi-
extraordinárias de que se acha investido soriamente de 15 de novembro de 1889 a 25

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de fevereiro de 1891. Era preciso, portanto, Paulista e representante da elite cafeeira


eleger o Presidente da República para um paulista, na pasta da Fazenda. Como não
mandato regular de quatro anos. Sem se poderia deixar de ser, ao discursar, Floriano
afastar do governo, Deodoro candidatou- destacou o papel do Exército e da Armada.
-se ao pleito, o que lhe facilitava, a toda Sinteticamente, afirmou o militar:
evidência, o eventual manejo das Forças São conhecidos os fatos que se rea-
Armadas em seu benefício, caso viesse lizaram nesta cidade [Rio de Janeiro] e
a perder as eleições para o candidato da no seu porto durante a noite de 22 e na
oposição, Prudente de Moraes. A bem da manhã do dia seguinte, precedidos de
verdade, havia um sentimento de que De- levantamento do heroico estado do Rio
odoro, uma vez derrotado, não entregaria o Grande do Sul, e atitude francamente
poder. Eleito indiretamente com 129 votos, hostil do estado do Pará. A Armada,
contra 97 de Prudente, o Marechal toma grande parte do Exército e cidadãos de
posse aos 26 de fevereiro de 1891. diversas classes promoveram pelas ar-
Em 3 de novembro de 1891, no episódio mas o restabelecimento da Constituição
que restou historicamente conhecido como e das leis suspensas pelo decreto de 3
o Golpe de 3 de Novembro, Deodoro da deste mês [novembro], que dissolveu
Fonseca dissolve o Congresso Nacional e o Congresso Nacional. A história re-
instaura o estado de sítio, suspendendo as gistrará esse feito cívico das classes
disposições da Constituição republicana re- armadas do País em prol da lei, que não
ferentes aos direitos individuais e políticos, pode ser substituída pela força; mas ela
possibilitando, assim, que qualquer pessoa registrará igualmente o ato de abnegação
fosse presa sem direito a habeas corpus, e patriotismo do generalíssimo Manoel
o que motivou uma nova intervenção do Deodoro da Fonseca resignando o poder
Exército. Por sua vez, unidades da Armada, a fim de poupar a luta entre irmãos, o
tendo como um dos líderes o Almirante derramamento do sangue de brasileiros,
Custódio de Mello, ameaçam bombardear o choque entre os seus companheiros de
o Rio de Janeiro (Distrito Federal), caso armas, fatores gloriosos do imortal mo-
Deodoro não voltasse atrás e restaurasse vimento de 15 de novembro, destinados
as condições políticas, acontecimento que a defender, unidos, a honra nacional e
restou conhecido como a primeira Revolta a integridade da pátria contra o estran-
da Armada (1891). geiro e a defender e garantir a ordem e
Pressionado devido à crise política e as instituições republicanas no interior
econômica que havia se instalado no País, do País.
causada, notadamente, pela política do En- Esses acontecimentos que não têm
cilhamento, Deodoro renuncia ao mandato muitos modelos nos anais da humani-
presidencial em 23 de novembro de 1891, dade e dos quais podemos nos gloriar,
assumindo o vice Floriano Peixoto (23 de como justamente nos gloriamos das
novembro de 1891 a 15 de novembro de duas revoluções pacíficas que operaram
1894), que inaugura uma fase de governo pela República, a transformação de
antideodorista, na qual se constata uma todo nosso direito político e pela aboli-
coalizão político-militar, tendo em suas ção do elemento servil, a transformação
fileiras, por exemplo, o Almirante Custó- do trabalho nacional, atestarão aos
dio de Mello como ministro da Armada, e vindouros o amor do povo, da Marinha
Rodrigues Alves, do Partido Republicano e do Exército pelas liberdades consti-

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tucionais, que formam e enobrecem a decide permanecer no cargo até o fim do


vida das nações modernas. [...]. quadriênio para o qual Deodoro havia sido
No governo do Estado, que me foi eleito, provocando uma ferrenha oposição
conferido pela Constituição, confio na por parte de alguns segmentos da sociedade
retidão de sua consciência para promo- e dos militares. Diante do impasse suces-
ver o bem da pátria. Da confiança do sório, novamente a embrionária República
povo, do Exército e da Marinha espero vê-se perante uma nova investida militar,
não desmerecer. Das forças de terra agora contra a permanência do florianismo.
e mar conheço o valor realçado pela Assim, diante desse ambiente conturba-
disciplina e pelo respeito aos direitos do, em março de 1892, 13 oficiais-generais
da sociedade civil. Admirei e admiro do Exército e da Marinha assinam um mani-
os meus bons companheiros na guerra festo (conhecido como o Manifesto dos 13
e na paz. Generais) questionan-
A coragem e do a legitimidade do
a constância que Das forças de terra e mar governo de Floriano,
mostraram [os mi-
litares] nos com-
conheço o valor realçado bem como pleiteando
a imediata realização
bates se transfor- pela disciplina e pelo de eleições para Pre-
maram nos anos respeito aos direitos da sidente da República.
de paz, que temos Em reação, Floriano
fruído, no amor da sociedade civil. Admirei determina a prisão e
Liberdade e da Re- e admiro os meus bons a reforma de vários
pública, que com
o povo fundaram
companheiros na guerra militares. Com efeito, en-
e com ele querem e na paz quanto a primeira su-
manter e conso- Floriano Peixoto blevação da Marinha
lidar. (BONFIM, atuou contra Deodoro
2004, p. 36-37) da Fonseca, que pre-
tendia permanecer no poder e foi impedido
Da análise do discurso de Floriano de seu intento, o segundo levante, por seu
Peixoto extrai-se, com muita evidência, turno, guarda relação com a questão da
o protagonismo das Forças Armadas de sucessão de Floriano, tema que encontrava
outrora, cujo poder detinha as condições interpretação e solução jurídica junto ao art.
de apoiar ou rejeitar o governo que se ins- 42 da Carta de 1891, o que, evidentemente,
talava, deixando patente, assim, o respeito não aconteceu sob o agasalho do Poder
do Presidente em relação aos militares, por Judiciário daquela quadra.
ele chamados de companheiros. Assim, em 6 de setembro de 1893, ofi-
Mas a assunção de Floriano ainda ciais da Força Naval, novamente liderados
provocaria outro imbróglio. O art. 42 da por Custódio de Mello, deflagram, no Rio
Constituição de 1891 previa que, no caso de Janeiro a segunda Revolta da Armada,
de vaga, por qualquer causa, da Presidência cujo objetivo era depor Floriano, cujo de-
antes de completados dois anos do período sejo, contrariando o texto constitucional,
presidencial, nova eleição deveria ser rea- era completar o mandato do Presidente
lizada. Não obstante, Floriano faz ouvidos anterior. O movimento, que contou com o
moucos para tal regra constitucional e apoio do Almirante Eduardo Wandenkolk,

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ministro da pasta da Marinha no governo nível de envolvimento das Forças Armadas


de Deodoro, bem como do Almirante com a política na incipiente República
Saldanha da Gama, então comandante da brasileira, aspecto que acabava por gerar o
Escola Naval, ameaçava destruir a capital, quadro abaixo descrito por Tobias Monteiro:
sofrendo, então, forte oposição do Exérci- [...] nas forças militares onde penetra
to, fato que comprova a falta de consenso o vírus da política, forças que subvertem
político entre os próprios militares. regimes, depõem autoridades e mudam
Interessante registrar um dado histórico, situações, os legalistas e os revolucio-
qual seja o fato da Armada não ter parti- nários revezam-se na sua dupla tarefa.
cipado efetivamente da Proclamação da Muitos dos que o levaram [refere-se a
República (1889), mas ter se envolvido, Floriano] ao poder em nome da Cons-
num curto lapso temporal, e sob a liderança tituição depressa passaram a arrogar-
de Custódio, em dois episódios (1891 e -se o poder de interpretá-la e impor a
1893). A explicação, segundo o que o pró- decisão dos canhões; do mesmo modo,
prio Almirante registrou, seria a seguinte: alguns dos que contra eles o defenderam
Na monarquia nunca nos filiamos a e dos mais próximos à sua pessoa já
nenhum partido político, nem uma só preparavam as armas para substituí-los
vez exercemos o direito de voto nos e conspiravam para opor-se ao advento
comícios eleitorais, jamais ocupamos do governo civil.
lugar político, e muito menos nos pres- Era em tudo o espetáculo tão cons-
tamos a manejos militares eleitorais nos tante na vida política do Brasil, desde a
cargos de administração, inerentes ao Independência, de verem-se os homens
serviço militar, que nos foram confiados. caídos do governo trocar os papéis com
Íamos, sim, sempre que o dever militar e os da oposição vencedora; as palavras
o desejo de gratidão o exigiam, ao Paço e as ações passam de uns a outros, pro-
Militar cumprimentar o chefe da Nação, feridas e praticadas com a mesma falta
de quem nunca sofremos desgostos de de convicções e a mesma paixão de inte-
uma só injustiça. Mas, se é certo que resse ferido ou satisfeito. (MONTEIRO,
nossas ideias republicanas, ainda que 2005, p. 46-47)
platônicas, nos afastavam das lutas
partidárias e do convívio dos homens E essa relação militarismo-política,
políticos e dos cortesãos, não é menos como veremos durante o presente texto, se
certo de que servimos a nosso país com repetiria em outras ocasiões.
a maior dedicação, lealdade e patriotis-
mo, do que nossa fé de ofício fornece PRUDENTE DE MORAES
inequívocas e exuberantes provas. [...]
servindo nós agora a República, princi- Prudente de Moraes (15 de novembro
palmente depois de termos por duas [as de 1894 a 15 de novembro de 1898), um
Revoltas da Armada, em 1891 e 1893] advogado, quebra a sequência de militares
vezes arriscado nossa vida para salvá-la. no poder. Não obstante, também consagra
(MELLO, 1938, p. 25-26) a atuação e o apoio das Forças Armadas na
sua alçada à Presidência. Ao ser empossado
O cenário relativo à transição e respecti- e discursar, registrou:
vos embates ocorridos à época entre deodo- Assumindo hoje a Presidência da
ristas e florianistas demonstra justamente o República, obedeço à resolução da sobe-

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rania nacional, solenemente enunciada pel exercido pelas forças militares de terra
pelo escrutínio de 1o de Março. [...]. e mar sobre os denominados inimigos da
O lustro de existência que hoje com- República, vitória que, segundo o transcrito
pleta a República brasileira tem sido de pronunciamento, possibilitou a estabilidade
lutas quase permanentes com adversá- republicana. No entanto, ao longo de seu
rios de toda a espécie [...]. governo, Prudente de Morais realizou cor-
Como expressão concreta desse tes no orçamento militar, o que acarretou
período de funestas dissensões e lutas, problemas quanto ao ensino e à formação
rememoro com amargura a revolta de 6 da oficialidade militar, impedindo, ainda, a
de setembro do ano próximo passado. modernização das instituições castrenses.
Essa revolta,
que foi o mais CAMPOS SALES
violento abalo A vitória da República
de que se podia O Presidente Cam-
ressentir o regi-
foi decisiva para provar pos Sales (15 de no-
me proclamado a a estabilidade das novas vembro de 1898 a 15
15 de Novembro instituições, que tiveram de novembro de 1902),
de 1889, iniciada ao discorrer por oca-
sob o pretexto de para defendê-las a sião de sua posse, não
defender a Cons- coragem, a pertinácia e a se referiu às forças
tituição da Repú-
blica e de libertar
dedicação do benemérito militares. Em nenhum
momento citou termos
a Pátria do jugo chefe de Estado, auxiliado semelhantes aos pro-
de uma suposta eficazmente pelas forças feridos por Deodoro,
ditadura militar, Floriano e Prudente.
reuniu, sob a sua militares de terra e mar Tratou, principalmen-
bandeira, todos os Prudente de Moraes te, de aspectos per-
elementos adver- tinentes à economia,
sos à ordem e à paz tendo em vista que, ao
pública, concluindo por caracterizar-se assumir, herdou uma grave crise econômi-
em um movimento formidável de ataque ca. De importante para o presente estudo,
às instituições nacionais, arvorando o cabe registrar que o discurso de 15 de
estandarte da restauração monárquica. novembro de 1898, de certo modo, teceu
Mas, por isso mesmo que essa luta tre- considerações a respeito da harmonia que
menda foi travada pela coligação de todos deve existir entre os poderes republicanos,
os inimigos, a vitória da República foi de- embora tenha conferido uma função ex-
cisiva para provar a estabilidade das novas tremamente acanhada ao Poder Judiciário,
instituições, que tiveram para defendê-las reveladora mesmo de uma independência
a coragem, a pertinácia e a dedicação do institucional meramente formal:
benemérito chefe de Estado, auxiliado Desde que, sob a influência de funes-
eficazmente pelas forças militares de terra tas tendências e dominado por mal enten-
e mar [...]. (BONFIM, 2004, p. 44) dida aspiração de supremacia, alguns dos
poderes tentarem levar a sua ação além
Como se vê novamente, um Presidente, das fronteiras demarcadas, em manifesto
ao ser investido no cargo, faz alusão ao pa- detrimento das prerrogativas de outro,

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estará nesse momento substancialmen- exercer em nome do sufrágio direto da


te transformada e invertida a ordem Nação, afirmo aqui, desde já, o meu
constitucional e aberto o mais perigoso mais profundo respeito ante a conduta
conflito do qual poderá surgir uma crise dos demais poderes, na órbita de sua
cujos perniciosos efeitos venham afetar soberania. Esta atitude, que será rigo-
o próprio organismo nacional. rosamente observada, dará forças ao
Este perigo é mais para temer-se nas depositário do Executivo para, de seu
urbanizações novas, sobretudo nas fases lado, opor obstinada resistência a todas
que precedem às experiências definiti- as tentativas invasoras.
vas, quando ainda não se tem alcançado, O papel do Judiciário no jogo das
por um longo pro- funções constitucio-
cesso de aplicação, nais torna mais remo-
estabelecer no pró- As linhas que separam tas as suas relações
prio terreno, isto é, com os outros poderes.
praticamente, as
as respectivas esferas É um poder que não
linhas que sepa- de competência. Isto luta; não ataca; não se
ram as respectivas indica bem o cuidado, o defende: julga. Sem
esferas de compe- a iniciativa que aos
tência. Isto indica zelo patriótico, a sincera outros cabe, a sua ação
bem o cuidado, o solicitude, a isenção de não se manifesta se-
zelo patriótico, a
sincera solicitude,
ânimo e o sentimento de não quando provocada.
Fora desta região de
a isenção de âni- justiça que, em cada um paz e pureza, a única
mo e o sentimento dos órgãos da soberania em que reina a justiça,
de justiça que, em o seu prestígio moral
cada um dos ór- nacional, devem presidir o desfaz-se ao sopro das
gãos da soberania exame e assinalamento das paixões.
nacional, devem São mais diretas
presidir o exame
funções respectivas e mais frequentes as
e assinalamento Campos Sales relações entre o Exe-
das funções res- cutivo e o Legislativo.
pectivas. Estes são os poderes
Não ceder nem usurpar. que colaboram em estreita aliança na
Fora daí, em vez de poderes coorde- dupla esfera do governo e da adminis-
nados, não teremos senão forças rivais, tração; a eles, pois, compete manter, no
em perpétua hostilidade, produzindo a desdobramento de sua comum atividade,
perturbação, a desordem e a anarquia uma contínua e harmônica convergência
nas próprias regiões em que paira o de esforços a bem da República. (BON-
poder público para vigiar pela tranqui- FIM, 2004, p. 58-59)
lidade e pela segurança da comunhão
nacional e garantir a eficácia de todos Cumpre destacar quão palidamente
os direitos. Campos Sales concebia o status do Poder
Defendendo intransigentemente e Judiciário, cuja posição de isolamento, se-
com o mais apurado zelo as prerro- gundo o governante, tornava remota a sua
gativas conferidas ao poder que vou relação com os outros poderes.

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RODRIGUES ALVES Esperando ser um Governo justo,


confio na disciplina dos espíritos, no
Rodrigues Alves (15 de novembro de espírito de ordem dos meus concida-
1902 a 15 de novembro de 1906) foi o dãos, na ação legal das Forças Armadas
Presidente da República seguinte. Dife- e no seu nunca desmentido patriotismo.
rentemente de seu antecessor, referiu-se (BONFIM, 2004, p. 81-82)
às forças militares. De relevante para a
nossa pesquisa, destaca-se, outrossim, ter Ao afirmar que pretendia “dedicar es-
feito menção ao princípio da separação pecial atenção aos interesses das classes
dos poderes: armadas”, Rodrigues Alves preocupa-se
Não permitem as nossas condições em demonstrar, desde logo, alguma de-
financeiras grandes promessas, que ferência pelas forças de terra e mar. Da
não poderiam, ali- mesma forma, ao dizer
ás, ser satisfeitas. de sua confiança na
Espero, todavia, Todos se acham “ação legal das For-
poder dedicar ças Armadas e no seu
especial atenção
convencidos de que a nunca desmentido pa-
aos interesses das ordem e a tranquilidade triotismo”, demonstra
classes armadas, geral são indispensáveis o mandatário empos-
de terra e mar, pro- sado quão frequente
curando acudir às para a marcha normal dos era o emprego das ins-
suas mais urgen- negócios públicos e para o tituições castrenses em
tes necessidades
e promovendo os
aproveitamento regular dos matéria de sustentação
do poder político.
melhoramentos grandes recursos do País
que forem compa- Rodrigues Alves AFONSO PENA
tíveis com os nos-
sos recursos. [...]. Em seguida, Afon-
Adstrito aos encargos que lhe in- so Pena (15 de novembro de 1906 a 14 de
cumbe e bem disposto a não abrir mão junho de 1909) alcança a Presidência da
dos direitos e atribuições que lhe são República, tomando posse em sessão solene
assegurados pela Constituição de 24 no Congresso Nacional. Da mesma forma,
de fevereiro, o Governo há de respeitar cita as Forças Armadas em seu discurso:
como lhe cumpre, a esfera da ação em Por nossa parte, temos mantido
que tiverem a girar os demais poderes tradicionalmente uma política de paz e
da República. de concórdia, conseguindo dirimir, na
A ação do Governo, estou certo, não calma dos gabinetes ou dos tribunais,
há de ser embaraçada por tendências questões herdadas dos tempos coloniais.
perturbadoras de qualquer natureza. O A conservação do mesmo quadro das
período das agitações passou. Todos se forças de mar e terra, durante longos
acham convencidos de que a ordem e a anos, apesar do grande aumento da nos-
tranquilidade geral são indispensáveis sa população e do incremento que tem
para a marcha normal dos negócios pú- tido o nosso comércio interno e externo,
blicos e para o aproveitamento regular dá testemunho eloquente dos intuitos
dos grandes recursos do País. pacíficos que nos animam.

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DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS
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Não quer isto dizer, entretanto, que A Justiça Federal, pairando na es-
devemos descurar de colocar as nossas fera serena e garantidora dos direitos e
forças militares, de tradições tão ricas de guarda da Constituição, vai firmando em
bravura e patriotismo, em condições de sábios arestos alguns pontos duvidosos
bem desempenharem a sua nobre e eleva- desta, mal compreendidos no início de
da missão de defensoras da honra nacional sua execução. É a prova mais eloquen-
e guardas vigilantes da Constituição e te de que não é prudente promover
das leis. A perda de valiosas unidades reformas antes de pedir à experiência
de combate sofrida pela nossa Marinha, e à aplicação leal da Constituição indi-
de anos a esta parte, justifica de sobejo cações seguras sobre o alcance dos dis-
o ato do Governo brasileiro procurando positivos, que se afiguram imperfeitos
substituí-las de acordo com as exigências ou deficientes. A alta cultura jurídica
dos modernos en- dos nossos juízes deve
sinamentos da arte inspirar a mais com-
naval. Da mesma No regime presidencial, pleta segurança de que
forma, melhorar a o Supremo Tribunal,
organização militar mais que em outro colocado na cúpula da
e renovar o material qualquer, o Poder organização judiciá-
de guerra, dentro ria, pode desempenhar
dos limites impos-
Executivo deve dar com lustre o brilhante
tos pela situação exemplo de respeito e papel representado na
financeira, é dever cordialidade em suas União Americana pelo
comezinho do nos- Instituto que serviu
so como de todo relações com os outros de modelo ao nosso
Governo cônscio Poderes que a Constituição legislador constituinte.
de suas responsa- (BONFIM, 2004, p.
bilidades, sem que
criou, independentes e 100-101)
se possa atribuir ao harmônicos
seu cumprimento Afonso Pena A transcrição supra
propósito de ame- possibilita observar
aça ou intuito de alguns pontos interes-
agressão a povo algum, pois que a nossa santes do discurso de Afonso Pena, o qual,
preocupação foi e sempre será angariar num momento, destacou a missão outrora
e estreitar relações com todas as nações. consagrada às forças de terra e mar, ou seja,
No regime presidencial, mais que a de “defensoras da honra nacional e guar-
em outro qualquer, o Poder Executivo das vigilantes da Constituição e das leis”.
deve dar exemplo de respeito e cordia- Em seguida, afirma que a “Justiça Federal,
lidade em suas relações com os outros pairando na esfera serena e garantidora
Poderes que a Constituição criou, dos direitos e guarda da Constituição, vai
independentes e harmônicos. firmando em sábios arestos alguns pontos
Assim praticarei, convencido da duvidosos desta, mal compreendidos no
sabedoria desta norma consagrada em início de sua execução”.
todas as legislações e que se impõe de Vê-se, portanto, que a mesma missão
modo iniludível a qualquer espírito aten- (guarda da Constituição) foi atribuída
to na história política dos povos cultos. simultaneamente às Forças Militares e

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DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS
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ao Poder Judiciário, o que, a nosso ver, não surgirá o sol do cesarismo; mas,
ao mesmo tempo em que reflete o antigo sob a égide de um soldado, o País há
protagonismo daquelas, traduz o incipiente de ver firmar-se de vez a mais civil das
status institucional deste. repúblicas, pela abrogação das práticas
e dos hábitos contrários ao regime e de
NILO PEÇANHA tudo que tem servido para deturpar o
espírito e a inteligência da Constituição
Com a morte de Afonso Pena, ocorrida de 24 de Fevereiro. [...].
em 14 de junho de 1909, assume o vice- E ser-me-á fácil a tarefa porque,
-presidente Nilo Peçanha (14 de junho de soldado, só tenho uma aspiração – o
1909 a 15 de novembro de 1910), que não cumprimento inflexível da lei; cidadão,
realiza discurso de posse, muito prova- só tenho um ideal – a estabilidade do
velmente por conta regime e a felicidade
do momento de luto da pátria. (BONFIM,
nacional. Ser-me-á fácil a tarefa 2004, p. 113; 119)
porque, soldado,
HERMES DA Sobre a importân-
FONSECA só tenho uma aspiração – cia das Forças Arma-
o cumprimento inflexível das, dando especial
Posteriormente, de destaque à missão de
15 de novembro de
da lei; cidadão, só tenho defesa nacional e ao
1910 a 15 de novem- um ideal – a estabilidade respectivo orçamento
bro de 1914, o militar do regime e a felicidade militar, disse Hermes
Hermes da Fonseca, da Fonseca:
que havia sido minis- da pátria Mas o fato de haver
tro da Guerra durante Hermes da Fonseca sido sempre de paz e de
o governo de Afonso fraternidade a política
Pena, é eleito para o internacional do Brasil
cargo de Presidente da República, tendo to- e o propósito formal de prosseguir em
mado posse em sessão solene do Congresso tão sábia política, não significam nem
Nacional. Sua condição marcial foi devida- impõem que nos descuremos dos legí-
mente registrada numa das passagens de timos meios de defesa do País.
seu discurso, mormente ao dizer, em tom de Na medida dos recursos financeiros
esclarecimento, que sua origem castrense da República, cumpre persistir no apa-
não o afastaria dos “princípios republicanos relhamento da nossa Marinha, não só
e dos reais interesses da nação”: pela inteira execução do plano adotado
A minha qualidade de soldado, assim como pelo preparo intensivo do pessoal
como não influiu para que os elementos incumbido, para isto, as escolas técnicas
civis do país me julgassem digno de pre- de eletricidade, maquinistas e marujos.
sidir aos destinos da República, também, Não basta, porém, a aquisição de
afirmo-o sob a fé de todo o meu passado, navios de guerra, que largos sacrifícios
não será causa para que me divorcie, le- custam à nação; é necessário, para que
vando por estreito sentimento de classe, se conservem em condições de desem-
dos verdadeiros princípios republicanos penhar o papel a que podem ser cha-
e dos reais interesses da nação. Comigo mados um dia, que a Esquadra, apesar

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das despesas que isso acarreta, esteja se tornar Presidente da República, quando
em constante movimento, pois é no ocupava a pasta da Guerra no governo
incessante labutar em alto-mar, no per- Afonso Pena, dedicou-se a um projeto
manente funcionamento das máquinas e de modernização do Exército, o qual, no
nos exercícios de toda a espécie que os início do século XX, segundo a maioria da
oficiais e tripulação se habilitarão para oficialidade, encontrava-se militarmente
o perfeito desempenho de suas funções. atrasado. À época, entre outras medidas
No que diz respeito às forças de terra, postas em prática, um grupo de oficiais
estou ainda convencido de que, executa- foi enviado para estagiar junto ao Exér-
do integralmente o plano de organização cito alemão. Retornando ao Brasil, esses
delineado na última reforma, poderemos oficiais deflagraram uma campanha pelo
preparar, em pouco tempo, um exército aperfeiçoamento profissional da instituição.
em condições de enfrentar o mais forte Conforme explica Cristina Monteiro de
e mais disciplinado adversário. Andrada Luna:
A lei do sorteio, com a criação das Devido ao afã modernizador, o
linhas de tiro, que muito se tem desen- grupo foi pejorativamente apelidado
volvido, preparará, dentro em pouco, de “jovens turcos” por uma parcela
numerosa e excelente reserva para o de militares e civis que se opunham
Exército. às suas ideias. O apodo fazia alusão a
Estou certo de que, no limite das do- oficiais turcos que haviam estagiado no
tações orçamentárias, estabelecendo-se Exército alemão e, que, ao retornar à
verbas parceladas e convenientes, pode- Turquia, engajaram-se em um partido
remos, em poucos anos, pelo desenvol- nacionalista e reformista, oficialmente
vimento paulatino de arsenais e fábricas, conhecido como Comitê de União e Pro-
aquisição de armamentos e material gresso, mas informalmente conhecido
bélico, constituídas as unidades táticas como Jovens Turcos, por ser formado
que pela reforma foram criadas, formar por estudantes universitários e jovens
uma nação militarmente forte, sem que oficiais progressistas. Na Turquia, os
haja necessidade de se manterem os Jovens Turcos participaram de uma
nossos quartéis repletos de soldados, rebelião contra o sultanato e de um
pois que, pelos processos adotados, cada processo de transformações que acabou
um dos nossos patrícios se transformará por resultar, em 1923, na Proclamação
em cidadão-soldado. (BONFIM, 2004, da República sob a liderança de Mustafá
p. 117-118). Kemal, após o Império Otomano ter sido
extinto pela derrota na Primeira Guerra
Cumpre notar que o discurso de Hermes Mundial, em 1918.
da Fonseca enaltece o clássico papel ins- Contudo, o apelido que surgiu de
titucional de defesa nacional. Pelo menos forma pejorativa passou a ser visto como
no que se refere aos discursos de posse, um símbolo de abnegação e patriotismo,
pode-se dizer que, de todos os presidentes conforme destacou Estevão Leitão de
da República, Hermes da Fonseca é o Carvalho em sua autobiografia intitulada
primeiro a abordar de modo tão claro a Memórias de um soldado legalista.
missão das Forças Armadas em matéria de Em relação ao pensamento dos jo-
defesa nacional. Cabe destacar, inclusive, vens turcos, é importante notar que o
que Hermes da Fonseca, mesmo antes de grupo considerava o Brasil uma nação

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incipiente, desprovida de nacionalidade tornar-se, em dados momentos, um fator


e de instituições verdadeiramente nacio- decisivo de transformação política ou de
nais. O referencial para suas conclusões estabilização social”.
era a Nação e o Estado-Nação tal como
se desenvolveram nos países da Eu- O trecho destacado pela autora revela
ropa Ocidental e nos Estados Unidos. um dado interessante já naquela ocasião:
Dessa forma, os jovens turcos não se malgrado o profissionalismo que se des-
preocupavam apenas com o Exército, pertava no seio castrense, o sentimento
mas também com a compleição física de que as Forças Armadas deveriam atuar
do brasileiro e sua educação; com o como instrumento de “transformação
estágio agrário da política ou de estabili-
economia nacional zação social” não ha-
e com a dependên- O sentimento de que as via cessado, afirmação
cia e o atraso do Forças Armadas deveriam comprovada por meio
País em relação às das diversas interven-
grandes potências atuar como instrumento de ções militares ocorri-
e a países da Amé- “transformação política ou das desde então, tais
rica Latina como
Chile e Argentina,
de estabilização social” não como o Tenentismo
da década de 1920 e o
cujos exércitos já havia cessado, afirmação movimento de 1964.
contavam com o comprovada por meio Por ocasião do dis-
auxílio de missões curso de posse, agora
estrangeiras. das diversas intervenções em relação ao Judiciá-
Sendo assim, os militares ocorridas rio, Hermes da Fonse-
jovens turcos aca-
baram desenvol-
desde então, tais como o ca afirma que:
Uma das maiores
vendo uma nova Tenentismo da década de preocupações dos paí-
concepção a res- 1920 e o movimento de 1964 ses policiados deve ser
peito da atuação à boa e pronta distri-
política do militar, buição da justiça [...].
à medida que recusaram a intervenção [...] é necessário: elevar cada vez
individual do militar na política, mas mais o nível intelectual e moral da
consideraram válida a intervenção do magistratura, melhorando não só as
Exército, como corporação, na política condições de independência dos juí-
nacional. Tal concepção foi explicitada zes, como o critério para a sua inves-
pelo primeiro editorial de A Defesa Na- tidura e promoção, do qual resulte o
cional, quando seus fundadores afirma- preenchimento efetivo dos requisitos
ram que “nas nacionalidades nascentes de competência moral e profissional;
como a nossa, em que os elementos mais facilitar a justiça colocando-a mais ao
variados se fundem apressadamente para alcance dos jurisdicionados, sobretudo
a formação de um povo, o Exército, pela diminuição dos ônus que lhes são
única força verdadeiramente organiza- impostos; torná-la mais rápida, princi-
da, no seio de uma tumultuosa massa palmente nos julgamentos definitivos
efervescente, vai às vezes um pouco das causas; dar-lhe, no Distrito Federal,
além dos seus deveres profissionais para instalação condigna em edifício que

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satisfaça às mais rigorosas exigências salvas, está entendido, as prerrogativas


e onde funcionem todos os serviços do Poder Executivo. Assegurado o res-
subordinados aos tribunais; dispor sobre peito mútuo entre os poderes públicos
a uniformização da jurisprudência, para e agindo todos eles livre e desapaixona-
que a igualdade judiciária perante a lei damente dentro da órbita constitucional,
atinja ao seu fim, segundo a essência do levaremos definitivamente ao espírito
princípio constitucional que se não res- popular a convicção da eficácia do regi-
tringe à inadmissibilidade de privilégios me em que vivemos. O que se deve que-
pessoais, mas é extensivo ao reconheci- rer, e eu quero, é um Poder Executivo
mento igual do direito sempre que for súdito da lei; um Poder Legislativo de-
idêntico o fenômeno jurídico sujeito à sassombrado fiscalizador do Executivo;
decisão judiciária. e um Poder Judiciário
(BONFIM, 2004, com verdadeira garan-
p. 113-114) Refiro-me às nossas Forças tia de todos os direitos:
Armadas, quer de terra, poderes harmônicos
O retrato insti- e independentes, sem
tucional exposto no quer de mar, de tradições concessões nem usur-
trecho em destaque tão cheias de bravura e de pações. [...].
indica que alguns Não terminarei sem
dos problemas que
patriotismo no desempenho fazer uma referência
afligem o Judiciário da incumbência especial a um dos mais
brasileiro já eram pre- constitucional da defesa sérios problemas no
ocupação desde o iní- nosso país. Refiro-me
cio do século passado, da Pátria no exterior e da às nossas Forças Ar-
tais como: investidura manutenção das leis no madas, quer de terra,
na magistratura, capa- quer de mar, de tra-
citação da carreira, in-
interior dições tão cheias de
dependência, acesso Wenceslau Braz bravura e de patriotis-
à Justiça, celeridade, mo no desempenho da
segurança quanto às incumbência constitu-
decisões judiciais etc. Registre-se, ademais, cional da defesa da Pátria no exterior
que nenhum discurso de posse presidencial e da manutenção das leis no interior.
havia tratado de tão importantes questões. (BONFIM, 2004, p. 130-131; p. 139)

WENCESLAU BRAZ Os dois destaques anteriores versam


sobre o princípio da separação dos poderes
Wenceslau Braz, um advogado, preside e as condições das forças militares, cujas
o País de 15 de novembro de 1914 a 15 atribuições constitucionais, segundo o dis-
de novembro de 1918. De seu discurso de curso de Wenceslau Braz, seriam a defesa
posse extraem-se, em especial, os seguintes da Pátria (no exterior) e a manutenção
fragmentos: das leis (no interior), discurso que reflete
Pela minha parte me comprometo a, bem aquele momento, quando o mundo
mantendo as relações constitucionais se encontrava em plena Primeira Guerra,
com os outros poderes, não concorrer conflito que ensejou uma revisão do con-
para a diminuição de qualquer deles, ceito de beligerância, trazendo consequ-

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ências ímpares para as Forças Armadas, de austeridade, destaca-se, no que concerne


notadamente por acentuar o debate quanto às forças militares, o seguinte:
à necessidade de se modernizá-las, nisso Devemos fugir de agravar os nossos
residindo, como veremos, a importância da compromissos com despesas que não
denominada Missão Francesa, enviada ao sejam reclamadas pela necessidade de
Brasil pelo Governo francês em 1920, com assegurar a integridade da Nação, e
o escopo de analisar e estudar as necessida- desenvolver as suas fontes de riqueza,
des de modernização como sejam o apa-
do Exército brasilei- relhamento da nossa
ro, estendendo-se até Nota-se o valor atribuído defesa militar [...]. A
1940. por Epitácio Pessoa à estas despesas deve-

EPITÁCIO
questão da defesa nacional, mos acudir ainda com
sacrifício, porque [...]
PESSOA cujas despesas, ainda que são a garantia da nossa
realizadas com sacrifício, própria existência [...].
Rodrigues Alves é (BONFIM, 2004, p.
eleito para um segun- não poderiam ser evitadas 161)
do mandato (15 de
novembro de 1918 a Nota-se o valor
15 de novembro de 1922), mas falece antes atribuído pelo Presidente Epitácio Pessoa
mesmo de assumi-lo. Até que fossem con- à questão da defesa nacional (e, por via de
vocadas novas eleições, Delfim Moreira, consequência, às forças militares), cujas
vice-presidente eleito, despesas, ainda que
assume provisoria- realizadas com sacri-
mente a Presidência A preleção de Bernardes fício, não poderiam
(15 de novembro de ser evitadas. Segura-
1918 a 28 de julho de
destacou a importância mente, esse trecho do
1919). da Justiça, do Direito e discurso guarda rela-
Em seguida, Epi- da Ordem, o que, de certa ção com a ocorrência
tácio Pessoa (28 de da Primeira Guerra
julho de 1919 a 15 de forma, não deixa de ser Mundial, que definiti-
novembro de 1922) uma alusão, ainda que vamente inseriu o as-
sucede Delfim Mo-
reira, que, como vis-
implícita, ao Judiciário e às sunto defesa nacional
na pauta estatal, quan-
to, havia assumido a instituições militares do, então, o governo
Presidência interina- despertou e começou
mente. Ressalte-se a dar maior atenção à
que Epitácio Pessoa concorreu ao pleito necessidade de modernização das nossas
eleitoral mesmo estando fora do Brasil, uma instituições militares.
vez que representava o País na Conferência
de Versalhes, em Paris, França, realizada ARTHUR BERNARDES
em 1919, por ocasião do fim da Primeira
Guerra Mundial. De sua Mensagem ao Em seguida, a sucessão presidencial leva
Congresso Nacional, datada de 3 de se- Arthur Bernardes (15 de novembro de 1922
tembro de 1919 e permeada por medidas a 15 de novembro de 1926) ao poder. Em seu

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DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS
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discurso de posse não há qualquer referência aos que possam contratar advogado e que,
expressa às instituições militares, embora a sobretudo, tenham recursos para esperar.
preleção de Bernardes tenha destacado a im- É bem de ver-se que, nessas con-
portância da Justiça, do Direito e da Ordem, dições, só interesses de certo vulto
o que, de certa forma, não deixa de ser uma poderão valer-se de juízes e tribunais, e
alusão, ainda que implícita, ao Judiciário e às que, portanto, só uma restrita, mas muito
instituições militares, envolvidas que estão restrita, parte dos brasileiros poderá
com os temas em questão: fazer respeitar os seus direitos.
No meio dessas delicadas obrigações, A grande maioria, a multidão dos
que tornam hoje tão difícil a tarefa de humildes, esses que sofrem as injustiças
governar [...], uma existe que sobrele- diárias [...], não tem entre nós, na ordem
va bastante às outras, e vem a ser a de judicial, por falta de meios, a proteção
garantir o edifício social atual nos seus das leis.
fundamentos jurídicos próprios. A estru- Só contam com a proteção dos pa-
tura política vigente, para ser melhorada, tronos que assim formam clientela, di-
não carece aderir a ideias subversivas, minuindo o valor moral da nossa gente.
que importam na destruição total da lei. Todas as nações civilizadas tiveram
A obra da civilização só se acelera com e têm, e terão sempre, para os pequenos
eficácia dentro da ordem. Fora daí, tudo e para as pequenas causas, justiça rápida
é incerteza e predomínio das paixões e barata, sem delongas processuais, sem
violentas, contra as quais o mundo inteiro artifícios dos saberes, dada pelos iguais
precisa estar em guarda, para salvar, com quando os iguais pedem.
liberdade, a Justiça e o Direito, isto é, a É a justiça do Vir probus que, na Fran-
porção mais valiosa do patrimônio destes ça, ainda hoje se faz com o Conseil des
vinte séculos da cultura da humanidade. Prudhommes, e que os nossos “homens
(BONFIM, 2004, p. 176) bons” distribuíam nos tempos coloniais.
Feita semelhante organização para o
WASHINGTON LUÍS Distrito Federal, servirá ela de exemplo
para os Estados que a quiserem adotar.
Washington Luís, o último Presidente (BRASIL, 1927, p. 50-51)
da República Velha, toma posse em 15 de
novembro de 1926. Alçado ao poder por Washington Luís, no trecho anterior,
meio de eleição direta, é deposto, em 24 de discorre sobre questões relativas ao acesso
outubro de 1930, por forças militares co- ao Judiciário e à celeridade da prestação
mandadas por Vargas. Analisando o teor de jurisdicional, problemas que, segundo ele,
sua Mensagem Presidencial, encaminhada impediam que a grande maioria da popula-
ao Congresso Nacional em 3 de maio de ção (“a multidão dos humildes”) tivesse a
1927, por ocasião da abertura da 1a Sessão “proteção das leis”. Ademais, impressiona
da 13a Legislatura, verifica-se novamente a como o retrato acima ainda é encontrado
preocupação de um mandatário quanto ao em discursos mais contemporâneos.
acesso à Justiça e à prestação jurisdicional: Outrossim, na mesma data, Washington
Reclama a atenção solícita do Con- Luís dedicou atenção às Forças Armadas:
gresso à organização da justiça para os É desejo do Governo colocar as
pequenos. A nossa organização judiciária, Forças Armadas no pé que, pelo nosso
pesada, lenta e dispendiosa, só dá justiça código fundamental, lhes compete.

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Nesse sentido, e com esse fim, posso blica Velha, espera-se que o frequente
afirmar-vos que já se trabalha com fun- emprego das mesmas enquanto instru-
dadas esperanças. mento de estabilização desta natureza
Com a França vai ser renovado o con- não volte a ocorrer.
trato para permanência da Missão Militar Diante da moldura do atual Estado De-
do exército francês [...]; como também com mocrático de Direito, cremos que as Forças
os Estados Unidos da América do Norte foi Armadas devem permanecer absolutamente
prorrogado o contrato para a Missão Naval subordinadas aos poderes constitucionais,
da Marinha de Guerra norte-americana [...]. somente atuando nos exatos termos da Lei
Com esses elementos, e com a Nação, Maior, cuja exegese final há de ser extraída
poderemos contar, não pelo homem polí-
dentro de alguns tico, mas pelo Supre-
anos, com Forças Poderemos contar, dentro mo Tribunal Federal,
Armadas dignas de alguns anos, com Forças restando impossível,
do destino que a hodiernamente, que
nossa Constituição Armadas dignas do destino elas sejam “convida-
Política, em propo- que a nossa Constituição das”, como acontecia
sição lapidar, lhes em épocas passadas,
traçou, fazendo-as
Política, em proposição a executar tarefas des-
instituições nacio- lapidar, lhes traçou, tinadas à tomada (e
nais permanentes fazendo-as instituições respectiva entrega) do
para defesa da Pá- poder a determinados
tria no exterior e nacionais permanentes para atores políticos.
para manutenção defesa da Pátria no exterior Numa verdadeira
das leis no interior. democracia, cumpre à
(BRASIL, 1927,
e para manutenção das leis sociedade, pelo meca-
p. 59) no interior nismo do sagrado di-
Washington Luís reito de voto, e jamais
Novamente, as atri- por meio das armas de
buições constitucio- militares, decidir a res-
nais das Forças Armadas (defesa da Pátria, peito de quem deve ocupar legitimamente
no exterior; manutenção das leis, no interior) os Poderes Executivo e Legislativo, resi-
são mencionadas num discurso presidencial. dindo, neste aspecto, a importância capital
do Poder Judiciário.
CONCLUSÃO As urnas, elas sim, são a força e as
baionetas da democracia e da mudança.
De tudo o que foi dito a respeito da Usemos, então, a nossa força para provocar
participação das Forças Armadas na vida as transformações e a alternância do poder
política brasileira no decorrer da Repú- que se fazem necessárias.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Poder Executivo; Poder Militar; Poder Judiciário; Poder Político; Forças
Armadas; Poder nacional; História do Brasil;

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REFERÊNCIAS

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Senado Federal, 2004. V. 1. Disponível em: <http://joaoboscobezerrabonfim.com.br/wp-content/
uploads/2013/04/palavra_de_presidente-texto.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2015.
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 26 jun. 2015.
___________. Mensagem encaminhada pelo Presidente Washington Luís ao Congresso Nacional por
ocasião da Abertura da 1ª Sessão da 13ª Legislatura, em 3 mai. 1927. Disponível em: <http://
www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/washigton-luis/mensagens-presidenciais-1/
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___________. Discurso proferido pelo Deputado Federal Fernando Lyra, na qualidade de líder
do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em discurso publicado no Diário do
Congresso Nacional, em 2 abr. 1975. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-
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GOMES, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor
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MELLO, Custódio José de. O Governo Provisório e Revolução de 1893, de 29 nov. 1889 a 5 set.
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SANTA, Virginio Rosa. A desordem: ensaio de interpretação do momento. Rio de Janeiro: Schmidt,
1932.

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O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR
NO RIO MADEIRA

DANTE RIBEIRO DA FONSECA*


Historiador

SUMÁRIO

Introdução
A navegação no Rio Madeira
Os vários Guajarás: mercantes e de guerra, a vela e a vapor
O Guajará do Rio Madeira
A família Miranda
A viagem pioneira e o destino do Guajará
O Guajará na província do Amazonas
Considerações finais

INTRODUÇÃO o comércio. Foi impedido de realizar seu


intento pelo governo do Pará. Após esse

O processo de estabelecimento da na-


vegação a vapor na parte brasileira
da bacia do Rio Amazonas iniciou-se em
frustrado tentame de comércio fluvial,
seguiram-se diversas outras empreitadas
para o estabelecimento de linhas de nave-
1826, quando o navio norte-americano gação a vapor, todas também frustradas.
Amazon, o primeiro movido a vapor de que Na segunda metade daquele século, a
temos notícia na região, aportou em Belém navegação a vapor e a produção da goma
e tentou penetrar naquele rio para praticar elástica cresceram juntas na Amazônia. Em

* Dante Ribeiro da Fonseca é graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor
em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da
Universidade Federal do Pará (UFPA). É professor no Departamento de História da Fundação Universidade
Federal de Rondônia (Unir).
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

1843, o Guapiaçu, pertencente à Marinha participação no comércio regional, percep-


de Guerra, foi o primeiro barco a vapor a tível inclusive pelo interesse do governo
singrar as águas do Rio Amazonas entre provincial do Amazonas em nele estimular
Belém e Manaus. Em 1852, o imperador a navegação a vapor.
do Brasil concedeu ao Barão de Mauá o Em 1855, o presidente daquela provín-
privilégio da constituição de uma compa- cia, Sebastião do Rego Barros, reclamava
nhia de navegação para explorar naquele do “luxo demasiado” em realizar a com-
rio a linha Belém/Manaus/Nauta (Peru). panhia de Mauá duas viagens mensais
Pretendia conter, com essa iniciativa, a ao Rio Negro, por estarem as povoações
pressão internacional pela livre navegação daquele rio decadentes e quase desabitadas.
no Rio Amazonas e atender ao interesse Propunha então que “[...] convertesse uma
do comércio regional, crescentemente dessas viagens em favor do Rio Madeira
envolvido com o negócio da borracha. No [...]” (Jornal Treze de Maio no 489 de
ano seguinte, essa empresa, a Companhia 19/5/1855). Em 1861, outro presidente
de Navegação e Comércio do Amazonas, da mesma província pede a extensão
inaugurou suas opera- da navegação a vapor
ções com a viagem do pelos afluentes do Rio
vapor Marajó. Em 1860, o Rio Madeira Amazonas, ressalvan-
Nos volumosos do: “Em quanto não
tributários do Grande
contribuiu com se consegue a de todos
Rio a navegação a va- aproximadamente 25% da os rios, a que primeiro
por seria também im- renda provincial e em 1862 deve ser attendida, é
plantada, porém com a do Rio Madeira”.
dificuldades. Sobre já participava com pouco (CUNHA, 1861, p. 44)
esse ponto, declarava, mais de um terço de todos Tais declarações
em 1853, o presidente revelam a importância
da província do Pará
os produtos exportados pela daquele rio nos anos
que os quatro grandes província iniciais de crescimento
afluentes do Amazo- da produção da borra-
nas, os rios Madeira, cha, confirmada pelas
Tapajós, Tocantins e Xingu, possuíam estatísticas econômicas e fiscais. Em 1860,
obstáculos que impediam a navegação a o Rio Madeira contribuiu com aproximada-
vapor em toda sua extensão, somente supe- mente 25% da renda provincial (CUNHA,
ráveis com muito trabalho e despesa “[...] 1861, p. 44) e em 1862 já participava com
podendo-se então fazer a navegação por pouco mais de um terço de todos os produ-
meio de barcos pequenos e apropriados”. tos exportados pela província. Isso conferia
(CUNHA, 1853, p. 20). a ele destacada posição (CUNHA, 1864, p.
É evidente que essa preocupação e a pos- 27). Refletia essa importância as falas dos
terior implantação das linhas de navegação presidentes da província do Amazonas.
a vapor ligavam-se diretamente à importân- Em 1861, Manoel Clementino Carneiro
cia comercial ou geopolítica atribuída pelos da Cunha afirmava sobre o Rio Madeira:
governos provinciais a cada um daqueles “É hoje talvez o ponto mais importante da
tributários. No que tange ao Rio Madeira, Província pelo seo commercio, e industria”
os dois interesses se apresentavam. Já nos (CUNHA, 1861, p. 44). Adolfo de Barros
anos de 1850 nota-se o crescimento da sua Cavalcanti de Albuquerque Lacerda ates-

140 RMB1oT/2017
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

tava passar o Rio Madeira: “[...] com razão p. 341). Nessas propostas iniciais para o
por ser de todos o mais rico e mais povoado estabelecimento da navegação regular a
[...]” (LACERDA, 1864, p. 42). vapor no Rio Madeira, o ponto final da na-
Naqueles anos, os produtos da Bolívia in- vegação era sempre a localidade do Crato.
crementavam esse comércio pelo Rio Madei- Era em Santo Antônio que terminava a
ra. No relatório de 1865, o mesmo presidente livre navegação. Então, qual a razão de des-
da província declarava ser a Bolívia, mais carregar os vapores em Crato e seguir a remo
do que qualquer outro dos nossos vizinhos, por mais 38 léguas? É que, ao menos até o
necessitada da saída fluvial pelo Brasil através ano de 1872, não havia em Santo Antônio
do Rio Madeira, o que prenunciava o grau que povoação que desse suporte à navegação rio
um dia atingiriam essas relações comerciais acima, papel este que seria cumprido pelo
(LACERDA, 1865, p. 17). Crato. Outro elemento importante é que
Assim é que transitaram no Rio Madeira a fronteira do Brasil com a Bolívia corria
no ano de 1864, provenientes da Bolí- a partir do ponto médio do Rio Madeira.
via, 70 ubás (cano- Crato ficava próximo
as) com mercadorias desse limite.
avaliadas em cerca de Tempestades, ataques
12:000$ em produtos A NAVEGAÇÃO
agrícolas e pecuários dos nativos, doenças que NO RIO MADEIRA
como: couros, graxa, dizimavam as tripulações,
cacau, charutos, açú-
car, charque, gado
fugas dos remadores eram tadeAtédoa século primeira me-
XIX,
etc.” (LACERDA, elementos da realidade era a navegação nos
1865. p. 23). Um re- adversa àquele que se rios da Amazônia feita
latório da Companhia a remo e vela e apre-
de Navegação e Co- aventurava pelas águas do sentava perigos e di-
mércio do Amazo- Rio Madeira ficuldades de toda or-
nas informava que, dem, inclusive ataques
no ano de 1865, 98 de salteadores. Além
canoas, transportando 32 mil arrobas de desses “piratas”, mencionados pelo ilustre
mercadorias e impulsionadas por 1.276 intelectual amazonense Mário Ypiranga
índios remeiros provenientes da Bolívia, de Monteiro (Os piratas do Rio Madeira,
Cuatro Ojos, no Rio Piraí, e de Exaltación, Caiari), o cônego Francisco Bernardino
no Rio Mamoré, desceram o Rio Madeira de Souza relaciona uma série de ataques
para comercializar seus produtos (Apud realizados por indígenas às embarcações
BASTOS, 1866, p. 253). e aos estabelecimentos rurais, ou mesmo
Nesse mesmo ano, havia no Rio Madeira aos povoados, na Amazônia nos anos de
três localidades com alguma importância. 1860. Destacaremos dois no Rio Madeira:
Estavam situadas às seguintes distâncias “Em 1860, no Crato, Rio Madeira, perpe-
de sua foz: Borba, 25 léguas; Canumã, 47 traram os Parintintins cinco mortes. [...] Em
léguas; e Crato, 130 léguas. A cachoeira 1869, na foz do Rio Machado, assaltaram
de Santo Antônio, onde iniciava o trecho os Parintintins a uma canoa e mataram a
encachoeirado para quem subia o rio, ficava flechadas dous dos tripolantes, conduzindo
a 168 léguas da foz do Rio Madeira, ou os cadáveres para suas malocas” (SOUZA,
seja, a 38 léguas do Crato (MELLO, 1866, 1875, pp. 136-137). O Rio Machado, ou

RMB1oT/2017 141
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

Ji-Paraná, é o principal afluente do Rio o objetivo de pesquisar as condições de


Madeira, que deságua no alto do seu curso. trânsito e colonização por aquele rio foram
Além disso, desbarrancamentos das tomadas nos anos de 1860 e seguintes. O
margens dos rios nas vazantes (terra caída) engenheiro João Martins da Silva Coutinho
faziam naufragar canoas. Tempestades, ata- viajou pelo Rio Madeira em 1861, no vapor
ques dos nativos, doenças que dizimavam Pirajá, da Marinha de Guerra brasileira.
as tripulações, fugas dos remadores, entre Partiu o vapor de Manaus no dia 1o de
outras dificuldades, eram elementos da re- julho de 1861, com destino às localidades
alidade adversa que povoava o cotidiano de de Serpa, Silves, Canumã e Rio Madeira.
todo aquele que se aventurava pelas águas Coutinho, nessa viagem, foi “[...] procurar
do Rio Madeira naqueles anos. A navega- pontos para assentar colonias [...]” (Estrella
ção a vapor poderia evitar a maior parte do Amazonas no 558, de 6/7/1861).
desses riscos ou minimizá-los e tornar-se Em 1864, Coutinho repetiu a viagem ao
um meio mais rápido e eficiente de trans- Rio Madeira, também no vapor Pirajá até o
porte de cargas e passageiros. Crato, prosseguindo o trajeto dali de canoa.
Em 1858, programou o presidente da Entre a cachoeira de Santo Antônio e Salto
província do Amazonas uma viagem para do Teotônio a canoa naufragou, sem perda
aquele rio. Solicitou então ao Ministério de vidas. Em razão de avaria no Pirajá, foi
da Marinha a disponibilização de um vapor fretado o vapor Inca, da Companhia de
que o levaria nessa viagem. A concessão da Navegação e Comércio do Amazonas, para
embarcação foi anunciada em 3 de setembro repor os instrumentos e demais aprovisiona-
de 1858, mas em 18 de novembro a conces- mentos perdidos. Reconstituída, a expedição
são foi negada, visto que o vapor designado seguiu viagem pelo trecho encachoeirado
teve outra destinação (FURTADO, 1859, do Rio Madeira (LACERDA, 1864, pp. 33-
p. 11). Naquele mesmo ano, pouco depois 34). Ambas as viagens tiveram como ponto
dessa frustrada tentativa, temos notícias de final dos vapores a localidade do Crato. Os
um vapor de nome Guajará que subiu o registros pesquisados revelam então os três
Rio Madeira. É possível que seja a primeira primeiros vapores que percorreram aquele
embarcação utilizando essa tecnologia a na- rio até o Crato, a saber: o Guajará (1858), o
vegar naquele rio. Sobre o episódio, informa, Pirajá (1861 e 1864) e o Inca (1864).
em 1859, Francisco José Furtado, presidente Que navio Guajará era esse? A quem
da província do Amazonas, que: pertencia? Onde foi construído? Quais suas
A navegabilidade do importante Rio características? Pelas parcas informações
Madeira ficou demonstrada até o Crato, contidas no relatório provincial, soubemos
pela viagem do vapor mercante – Gua- que era um barco a vapor e que navegou
jará – que em Dezembro o percorreo pelo Rio Madeira em dezembro de 1858.
até àquelle ponto, informando-me o
Commandante que pode ser navegado OS VÁRIOS GUAJARÁS:
por vapores que demandem maior MERCANTES E DE GUERRA, A
calado que o Guajará. (FURTADO, VELA E A VAPOR
1859, p. 12)
Houve diversas embarcações com esse
Notícias sobre esse evento, com teor nome na Amazônia no século XIX. Na
idêntico, foram publicadas em vários jor- primeira metade do século XIX, existiu uma
nais naqueles dias. Outras iniciativas com embarcação da Marinha de Guerra do Brasil:

142 RMB1oT/2017
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

a Escuna Guajará, que em 1835 estava no vés de Dwarte, Potter & Co, de Liverpool”
Pará e no ano seguinte fez parte das operações (LOUREIRO, 2007, p. 248). Essa informa-
contra os cabanos (MENDONÇA, 1959. p. ção confere com a “Lista de embarcações
114-115). Há referência ainda a duas outras construídas nos estaleiros da Cammell
embarcações militares com esse nome: a Laird” (LVCCLS). As questões que se colo-
Fragata Guajará, que foi desmontada sem cavam agora eram: 1) Quando esse Guajará
que tivesse sido concluída sua construção, e iniciou a operar na Amazônia? e 2) A quem
o Patacho Guajará, que teve sua construção esse Guajará pertencia em 1858?
iniciada no Arsenal de Marinha do Pará em Constatamos então que havia somente
1886 e ali concluída em 1922 (TELLES, um vapor Guajará que começou a navegar
1998, parte IV, p. 199). Essas três primeiras dentro da Amazônia em 1858 e que foi enco-
embarcações encontradas eram embarcações mendado à Inglaterra. Também que somente
militares e a vela, nenhuma podia ser então houve um vapor construído pela Cammell
aquele navio que subiu o Rio Madeira em Laird em 1858 com o nome Guajará. No
1858. Houve também um navio mercante de relatório lido para a Assembleia Legislativa
nome Guajará, de nacionalidade francesa, Provincial no dia 15 de agosto de 1858, o
que operava na Amazônia no ano de 1858. presidente da província do Pará, Ambró-
Era impulsionado a vela e possuía três mas- sio Leitão da Cunha, informou: “Chegou
tros. Embora de utilização mercante e com o ultimamente um Vapor de propriedade do
mesmo nome, não é esse o Guajará buscado, lavrador José Antonio Miranda, cujo destino
pois não era um navio a vapor. consta que será a navegação no rio Capim e
Quanto aos vapores mercantes, houve visinhos” (CUNHA, 1858, p. 37). Os rela-
um vapor Guajará que fez a linha São tórios provinciais demonstram que, exceto
Luís-Belém. Não foi aquele que subiu o Rio os navios da empresa de Mauá, apenas o
Madeira, em razão de que apenas em 31 de Guajará operava naquele ano na Amazônia.
maio de 1861 foi entregue à Companhia de Ocorre, porém, que, em outubro de 1858,
Navegação a Vapor do Maranhão. Outro é atribuída a outra pessoa a propriedade do
vapor com esse nome fez linha na Amazônia vapor Guajará. Em uma publicação “a pe-
no século XIX: o Laurium, lançado ao mar no didos”, cujo título é Vapor Guajará, lemos:
dia 2 de agosto de 1879. Passou por diversos “Um abastado proprietário manda vir de
proprietários na Europa até que, no Brasil, foi Inglaterra um vapor à sua custa, [...] o Ilm.
adquirido pela Cia. de Cabotagem do Grão- Sr. Commendador Miranda dono do vapor
-Pará, em 1897, quando recebeu o novo nome Guajará satisfaz a vontade do publico, re-
de Marajó; em 1900 foi renomeado Guajará sultando pequena viagem à Vigia” (Gazeta
(Tyne Built Ships e LOUREIRO, 2007, pp. Official no 124 de 7/10/1858). O Comendador
115 e 248). Assim, o Guajará II somente Miranda de que nos fala o jornal não era José
foi construído 21 anos depois daquele outro Antônio de Miranda, mas seu irmão de nome
vapor Guajará, de 1858. muito parecido, o Comendador Antônio José
de Miranda. Nos jornais consultados, tanto
O GUAJARÁ DO RIO MADEIRA a embarcação como sua carga, quando esta
aparece consignada, são registradas ora em
Temos notícia ainda de outro vapor com nome de um, ora de outro. Assim, os registros
o nome de Guajará que operou dentro da que encontramos vinculam o nome dos dois
Amazônia. Foi um “navio de pás construído irmãos como proprietários da embarcação
por Cammell Laird, nº 229, em 1858, atra- desde o ano de 1858.

RMB1oT/2017 143
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

A FAMÍLIA
MIRANDA

Já assentado que o
vapor Guajará perten-
ceu aos irmãos Antô-
nio José de Miranda e
José Antônio de Mi-
randa a partir de 1858,
resta falar sobre seus
proprietários. Eram
prósperos comercian-
tes paraenses daquela
segunda metade do
século XIX. O vapor
Guajará transporta-
va, para comercializar Figura 1: O convés do “Guajará”.
nos armazéns da firma Fonte: BROWN; LINDSTONE, 1878, p. 423.
Miranda Irmãos &
Companhia (BATISTA, 2004, p. 149), que fez entre os anos de 1858 e 1859. Em
em Belém, tanto a produção da fazenda de novembro de 1858, cogitava o Comendador
José Antônio de Miranda, localizada no Rio Antônio José de Miranda candidatar-se à
Capim (Gazeta Official n 62, de 19/3/1859)
o
subvenção de 12:000$000 oferecida pelo
quanto produtos agrícolas e extrativos que governo da província do Amazonas com
adquiriam no interior amazônico. Além vistas à navegação entre o Porto de Moz,
disso, o vapor Guajará fretava cargas para Almerin, Alenquer, Monte Alegre e Faro,
terceiros e conduzia também passageiros, enviando para viagem a esses portos o seu
tanto para particulares como para o governo, vapor Guajará (Correio Mercantil no 311,
conforme demonstram vários anúncios nos de 17/11/1858). A viagem iniciada no mês
jornais paraenses e amazonenses da época. seguinte ao Rio Madeira objetivava tam-
Aparentemente, dos dois irmãos, An- bém investigar a possibilidade de explorar,
tônio José era a figura de maior destaque sob subsídio governamental, esses portos.
e posses. Afora comendador, foi deputado Assim, no dia 11 de novembro de 1858, o
provincial por diversas vezes e vice-prove- Guajará partiu para o Amazonas. Segundo o
dor da Santa Casa de Misericórdia (Treze de Correio Mercantil: “Tem que tocar em todos
Maio no. 55, de 14/8/1861). Abrangiam os os pontos de escala dos vapores da compa-
negócios desse notável irmão um espectro nhia do Amazonas até Manaos” e seguia
mais amplo que o de José Antônio. “[...] sobremaneira carregado [...]” (Correio
Mercantil no 329, de 6/12/1858). Em razão
A VIAGEM PIONEIRA E O de todas essas escalas, chegou a Manaus no
DESTINO DO GUAJARÁ dia 1o de dezembro de 1859 e no dia 3 de
janeiro daquele ano chegava a Serpa, locali-
Mas a viagem mais importante, que dade próxima à embocadura do Rio Madeira,
reservará para a história do Rio Madeira de retorno do Crato (Gazeta Official no 15,
esse ignorado vapor, foi aquela pioneira de 20/1/1859). Estava de volta a Belém no

144 RMB1oT/2017
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

dia 10/1/1859. Assim, fez o percurso de da província do Amazonas foi autorizada,


volta do Crato até Belém, com paradas em pela Lei no 158, de 7 de outubro, a: “[...]
portos intermediários, em 12 dias e 22 horas.
contractar com Alexandre Paulo de Brito
Nesse retorno, ocupou 22 tripulantes, condu-
Amorim, ou com qualquer outro, a incor-
zia dois passageiros brasileiros, um francês
poração de uma companhia de navegação
e um inglês e transportava 81 toneladas de a vapor nos rios Madeira, Purus e Negro”
carga de vários produtos consignados em (MATTOS, 1869, p. 51).
nome de Antônio José de Miranda (Gazeta Requereu então o Comendador Brito
Official no 7, de 11/1/1859). Amorim ao governo brasileiro a concessão
para a navegação a vapor naqueles rios e as
O GUAJARÁ NA PROVÍNCIA DO obteve por meio do Decreto no 3.898, de 22
AMAZONAS de junho de 1867, assinado pelo ministro e
secretário de Estado dos Negócios da Agri-
Nos anos de 1860, continuou o vapor cultura. Partindo do porto de Manaus, essas
Guajará a fazer viagens pelo Rio Madeira, linhas teriam seus términos nas seguintes lo-
inclusive transportan- calidades: no Madeira,
do passageiros entre em Santo Antônio; no
as diversas localida- A importância comercial Purus, em Iutanan; e no
des daquele rio ou Negro, em Santa Isabel.
próximas. Antônio dos rios Madeira e Purus A importância comer-
José de Miranda já é novamente revelada pelo cial dos rios Madeira e
havia falecido no ano número de viagens anuais Purus é novamente re-
de 1867, pois no rol velada pelo número de
dos imóveis urbanos a serem realizadas pela viagens anuais a serem
arrolados pela rece- empresa: 12 viagens para realizadas pela empre-
bedoria provincial do sa: 12 viagens para o
Pará consta a indica- o Madeira e o Purus e seis Madeira e o Purus e
ção dos seus herdei- para o Rio Negro seis para o Rio Negro
ros. No mesmo ano, (CLIB, 1867, p. 215,
José Antônio abriu Tomo XXX, pt. II).
outra firma, em sociedade com Leonardo A 6 de abril e 2 de dezembro de 1869,
Augusto de Farias Vivas e Gentil Augusto entraram no porto de Manaus, respectiva-
P. de Farias, a qual tomou a razão social mente, os vapores Madeira e Purus, da
de José Antônio de Miranda & Cia. Nela, Companhia Fluvial. Eram vapores gêmeos,
continuou a negociar gêneros como açúcar, possuindo as mesmas dimensões, com
cacau e cachaça, além dos diversos outros lotação absoluta de 800 toneladas, sendo
gêneros extrativos (Jornal do Pará no 93, mais de 300 toneladas livres para carga, e
de 24/4/1867). movidos por motores de 150 cavalos. Fica-
O orçamento nacional de 1865-1866 ram estabelecidas pelo governo provincial
dotava recurso para subvenção de linha re- as seguintes escalas, na subida e na descida
gular de navegação entre Manaus e o Crato do Rio Madeira: Manaus, Canumã, Borba,
(Lei no 1.245, de 28 de junho de 1865, SF/ Tabocal, Manicoré, Baetas, Juma, Crato,
SIL). Em 1866, Alexandre Paulo de Brito Cavalcanti e Santo Antônio (MATTOS,
Amorim criou a Companhia Fluvial do Alto 1870, 38). Estava inaugurada a navegação
Amazonas. No mesmo ano, a presidência regular a vapor no Rio Madeira, mais de

RMB1oT/2017 145
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

dez anos depois da


viagem pioneira do
Guajará.
Em 1871, a Com-
panhia de Navegação
e Comércio do Ama-
zonas ficou autorizada
a negociar com uma
empresa estrangeira os
direitos e as obrigações
que possuía com o go-
verno brasileiro (De-
creto Imperial no 4.735,
de 7/6/1871, CLIB de
1871, tomo XXXIV,
parte II, pp. 341-342).
Em 1872, a Amazon
Steam Navigation Co. Figura 2: O salão do Guajará
Ltd. adquiriu o patri- Fonte: BROWN; LINDSTONE, 1878, p. 422
mônio e os encargos
contratuais havidos pela Cia. de Navegação por lei, e bem assim os respectivos encargos
e Comércio do Amazonas com o governo e (CLIB de 1874, tomo XXXVII, parte II, p.
foi autorizada por este a operar no Império 220). A Amazon Steam havia promovido
do Brasil (Decreto no 5.020, de 18/7/1872, em 1873 uma expedição de pesquisa no vale
CLIB de 1872, Vol. XXXV, parte II, p. 617). amazônico. Os expedicionários, depois de
Quanto ao Guajará, em dezembro de utilizarem dois dos seus navios, o Belém e o
1871 já não pertencia mais aos Miranda, Beija-Flor, embarcaram, em agosto de 1874,
estava incorporado à Companhia Fluvial do no navio que iria conduzi-los à parte final da
Alto Amazonas (Jornal do Pará, 1871). Em expedição, o Guajará (SÁ, 1996, pp. 67 e
1873, a sucessora da Companhia de Nave- 105), que naquele momento já compunha o
gação e Comércio do Amazonas, a Amazon patrimônio da Amazon Steam Navigation
Steam Navigation Co. Ltd., começou a Co. Ltd. em razão de essa empresa ter
operar no transporte fluvial da Amazônia. comprado a Cia. Fluvial do Alto Amazonas.
Em janeiro de 1874, continuava o Guajará As últimas notícias que obtivemos do
a ser utilizado nas linhas da Cia. Fluvial do Guajará datam de 1878. Contudo, já desde
Alto Amazonas, partindo para uma viagem 1872 era apontada sua inadequação para
de Manaus a Tefé (Rio Solimões) no dia 20 operar nas linhas de navegação da província
daquele mês (Commercio do Amazonas no do Amazonas “[...] pelo seu grande calado e
126, de 17/1/1874). escassez de acomodações [...]” e também em
Ocorre, contudo, que, em 21 de março razão de ser considerado um [...] velho vapor
do mesmo ano, o Decreto Imperial nº 5.575 [...]” (REIS, 1872, pp. 35-36). Em março de
concedeu à Companhia Fluvial do Alto 1877, continuava o Guajará a prestar serviços
Amazonas autorização para transferir à à Companhia de Navegação a Vapor do Ama-
Amazon Steam Navigation Company Limi- zonas Ltda. (Amazon Steam Navigation Co.
ted todos os direitos e favores que possuía Ltd.), servindo à linha de Belém para Abaeté.

146 RMB1oT/2017
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

Em maio de 1877 o
Guajará foi aprovado
na vistoria feita no
Arsenal de Marinha
de Belém, juntamente
com os vapores Beija-
-Flor, Inca, Andirá e
Marajó, que recebe-
ram permissão para
continuar navegando
(Diário de Belém no
105, de 10/5/1877).
Em fevereiro do ano
seguinte, foram visto-
riadas no Arsenal de
Marinha as embarca- Figura 3: O barco fluvial Guajará, pioneiro da navegação a vapor no Rio
ções Tocantins, Andi- Madeira
Fonte: BROWN; LINDSTONE, 1878, pp. 418-9
rá e Guajará, sendo as
duas primeiras consi-
deradas aptas a navegar, mas “ [...] o vapor da inauguração da navegação mercante a
Guajará foi condemnado a não emprehender vapor no Grande Rio. Resultado disso é
viagem sem primeiro calafetar o convez e a que, com muita frequência, a navegação
tolda” (Jornal do Pará a vapor “particular”,
no 66, de 21/3/1878). aquela promovida
No final daquele ano, Consultando cerca de uma por comerciantes ou
o Guajará completaria dezena de dissertações, teses, seringalistas, que não
20 anos de construção compunham o mate-
e serviços prestados artigos acadêmicos e obras rial flutuante dessas
à Amazônia Brasilei- de referência sobre o tema, a empresas, fica co-
ra ­ já não navegava
mais para a província
impressão que se tem é que locada em segundo
plano. Contudo, essa
vizinha. Desde então, este navio não existiu. modalidade de nave-
não encontramos mais O Guajará terminou sua gação, não regular,
quaisquer referências também representou
a essa embarcação nas vida útil na obscuridade em importante papel no
fontes que tivemos dis- que permaneceu até hoje, esforço que condu-
ponibilizadas.
embora tenha participado ziu a Amazônia Bra-
sileira ao posto de
CONSIDERAÇÕES de um evento histórico virtual monopolista
FINAIS e, portanto, maior
fornecedor mundial
A literatura sobre o surgimento e a ex- de goma elástica até a segunda metade
pansão da navegação a vapor na bacia do do século XX.
Amazonas tem se empenhado em estudar A história do vapor Guajará ilustra bem
as empresas que surgiram após 1852, ano essa opção preferencial dos pesquisadores

RMB1oT/2017 147
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

pelas empresas de navegação, que explo- Conseguimos rastrear sua história de


ravam a navegação regular, de linha, nos 1858, ano em que foi construída na Ingla-
rios da Amazônia. Em toda a bibliografia terra e entregue no Pará, até 1878, quando
consultada para a realização desse pequeno os sinais de sua decadência já eram visíveis.
trabalho, apenas vemos referência a ele em Após esse ano não encontramos mais qual-
uma fonte secundária: História da navega- quer referência ao Guajará. É possível que
ção no Amazonas, de Antônio José Souto tenha sido sucateado ou vendido a um país
Loureiro (2007). Essa ausência reflete a vizinho, desaparecendo dos registros bra-
opção de pesquisa, que antes destacamos, sileiros. O fato é que na “Lista alphabetica
em virtude de que, como vimos, o vapor dos navios de guerra e mercantes do Impe-
Guajará é citado em diversas fontes primá- rio do Brazil”, publicada em 1886, não está
rias, fato que a conclusão de nossa pesquisa registrado qualquer navio com esse nome.
vem comprovar. Terminou sua vida útil na obscuridade em
Consultando cerca de uma dezena de que permaneceu até hoje, embora tenha
dissertações, teses, artigos acadêmicos participado de um evento histórico.
e obras de referência sobre o tema, a Assim, teve o Rio Madeira os seus
impressão que se tem é que este navio pioneiros e o seu Guapiaçu: os empre-
não existiu. Nosso esforço neste pequeno sários paraenses José Antônio e Antônio
trabalho foi trazer à luz o que pudemos, José de Miranda e o vapor Guajará. Uns
até agora, resgatar sobre a história dessa e outros ficaram, pela força do tempo,
embarcação e sua participação no comér- fora das atividades que inauguraram e
cio regional amazônico. na obscuridade.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ÁREAS>; Amazônia; Rio Madeira; Navegação fluvial; Linha de navegação;

FONTES CONSULTADAS

BASTOS, Aureliano Candido Tavares. O valle do Amazonas: estudo sobre a livre navegação do
Amazonas. estatistica, produccões, commercio, questões fiscaes do valle do Amazonas. Rio
de Janerio: B. L. Garnier, 1866.
BATISTA, Luciana Marinho. Muito além dos seringais elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará
c. 1850 c. 1870. (Dissertação de Mestrado) Programa de Pós-Graduação em História Social
do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2004.
BROWN, Charles Barrington; LIDSTONE, William. Fifteen thousand miles on the Amazon and its
tributaries. London: Edward Stanford, 1878.
CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1867. Tomo XXX, parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1867.
CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1872. Tomo XXXV, parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1872.
CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1874. Tomo XXXVII, parte. II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1875.

148 RMB1oT/2017
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1871. Tomo XXXIV, parte II. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1871.
Commercio do Amazonas, Manaus, [Periódico], Anno V, no 126, Amazonas, 17 de janeiro de 1874,.
Correio Mercantil, Rio de Janeiro, [Periódico], anno XV, no 311, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1858.
Correio Mercantil, Rio de Janeiro, [Periódico], anno XV, no 329, Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 1858.
COUTINHO, João Martins da Silva. Relatório apresentado ao Illm. e Exm. Snr. Dr. Manoel Clemen-
tino Carneiro da Cunha, Presidente da Província do Amazonas, por João Martins da Silva
Coutinho. In: Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862.
COUTINHO, João Martins da Silva. Relatório da exploração do Rio Madeira (1864). In: Relatório
da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Ty-
pographia Universal de Laemmert, 1865.
CUNHA, Ambrosio Leitão da. Relatorio lido pelo ex. mos. vice-presidente da provincia, na abertura
da primeira sessão ordinaria da XI. legislatura da Assemblea Legislativa Provincial no dia 15
de agosto de 1858. Pará: Typographia Commercial de Antonio José Rabello Guimarães, 1858.
CUNHA, José Joaquim da. Falla que o exm. o snr., presidente desta provincia, dirigio a Assembléa
Legislativa Provincial na abertura da mesma Assembléa no dia 15 de agosto de 1853. Pará,
Typographia de Santos & filhos, 1853.
CUNHA, Manoel Clementino Carneiro da. Falla dirigida a á [sic] Assemblea Legislativa Provincial
do Amazonas na abertura da 2a sessão ordinaria da 5a legislatura no dia 3 de maio de 1861
pelo presidente da mesma. Manáos: Typographia. de Francisco José da Silva Ramos, 1861.
CUNHA, Manoel Clementino Carneiro da. Relatorio com que o exm. sr. presidente da provincia,
passou a administração ao primeiro vice-presidente, exm. snr. dr. Manoel Gomes C. de Miran-
da, e com que o exm. snr. dr. Sinval Odorico de Moura abriu a segunda sessão da Assemblea
Legislativa Provincial do Amazonas. Maranhão: Typographia do Frias, 1864.
Diario de Belém [Periódico], Belém, no 105, 10 de maio de 1877.
Estrella do Amazonas [Periódico], Manaus, no 558, 30o trimestre, Amazonas, 6 de julho de 1861.
FURTADO, Francisco José. Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas apresentou
na abertura da sessão ordinaria em o dia 3 de maio de 1859 o presidente da mesma província.
Manáos: Typographia de Francisco José da Silva Ramos, 1859.
Gazeta Official, Pará [Periódico], no 07, Belém 11 de janeiro de 1859.
Gazeta Official, Pará [Periódico], no 124, Belém 7 de outubro de 1858.
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RMB1oT/2017 149
O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

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150 RMB1oT/2017
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS:
IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES
DE EMPREGO*

ALESSANDRO PIRES BLACK FERREIRA**


Capitão de Fragata

SUMÁRIO

Introdução
Operações Ribeirinhas
Apoio à Hidrografia
Busca e Salvamento
Patrulha Naval e Inspeção Naval
Guerra Eletrônica e AA
Operação Antártica
Operações de Paz – Apoio Humanitário
Conclusão

INTRODUÇÃO agora, procurar essa mesma agulha com


um equipamento que permita ampliar

E xperimente procurar uma agulha num


palheiro. Não será um serviço fácil.
Demandará tempo e energia. Imagine,
a sua visão de muito longe, perceber a
variação de temperatura dos materiais ali
presentes e, principalmente, evitar que

*Artigo publicado na Revista Passadiço, 2016.


** Gerente de Obtenção e Modernização de Meios Aeronavais – Diretoria-Geral do Material da Marinha.
Aperfeiçoado em Aviação Naval.
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

você exponha os seus dedos à possibili- visibilidade e compreensão do sentido das


dade de furá-los ao remexer no palheiro. operações em curso)
Para executar tarefas parecidas com essa O leque de aplicações que será aqui
no ambiente terrestre e no marinho em apresentado é ampliado a cada dia, prin-
operações militares, as Aeronaves Re- cipalmente em função da dualidade de seu
motamente Pilotadas (ARP) de pequeno emprego (uso civil e militar), alavancando
porte têm ganhado, a cada dia, mais força o entendimento usual das operações que
e importância, permitindo que seus sen- se utilizam, historicamente, do binômio
sores ampliem a consciência situacional navio-aeronave.
dos comandantes e, quando necessário, Diversos fabricantes vêm se dedicando
reduzam a exposição ao perigo das aero- ao setor, principalmente com equipamen-
naves orgânicas e suas tripulações. tos nas CAT 1 (peso < 2Kg) e CAT 2 (peso
Essas operações militares, sejam elas re- entre 2 e 25Kg), seguindo classificação
alizadas no campo de batalha ou para aten- recentemente divulgada por meio da Nor-
der a atividades subsidiárias dos militares ma ICA 100-40 − Sistemas de Aeronaves
em tempo de paz pelo mundo, têm contado Remotamente Pilotadas, sistemas estes
com a crescente participação desses equipa- que possibilitam o acesso ao espaço aéreo
mentos remotamente brasileiro. O merca-
pilotados, no céu, no do internacional vem
mar ou até abaixo da Para executar tarefas no crescendo, também
superfície, criando a cada dia, o que é
inúmeras e promisso- ambiente terrestre e no exemplificado pela
ras oportunidades de marinho em operações quantidade de feiras
emprego e ampliando militares, as Aeronaves e eventos de equipa-
de forma significativa mentos militares ou
o entendimento e a Remotamente Pilotadas não, com grandes es-
percepção do binô- (ARP) de pequeno porte paços ocupados por
mio navio-aeronave, empresas e equipa-
principalmente pelas têm ganhado, a cada dia, mentos do setor.
Marinhas e guardas mais força e importância A recente publica-
costeiras. ção indicou uma varie-
Neste artigo, serão dade enorme de possi-
sucintamente abordadas essas promissoras bilidades duais para o emprego das ARP:
oportunidades de emprego, apresentando – ferramenta de Comando e Controle (C2);
usos que já podem ser identificados em – ferramenta de inteligência (aerolevanta-
alguns países, podendo até mesmo, um mento e aerofotogrametria);
dia, serem incluídas nos diversos meios de – vigilância marítima, aérea e terrestre;
superfície da Marinha do Brasil (MB), não – repetidor de telecomunicações;
só na Esquadra, mas também nos meios – suporte aéreo para busca e salvamento;
distritais, nos navios hidrográficos e até – segurança pública;
mesmo nos navios polares. – plataforma de desenvolvimento
Este trabalho propõe uma visão de de sistemas;
futuro e um exercício de inteligência – avaliação de catástrofes naturais;
operacional (análise dinâmica da atuali- – monitoramento de trânsito;
dade, em tempo real, e que nos traz maior – monitoramento patrimonial; e

152 RMB1oT/2017
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

– monitoramento de linhas de gás e Em relação à problemática do pou-


linhas de transmissão. so em locais restritos, já existem hoje
Observando essa listagem, podemos diferentes recursos para receber, com
imaginar algumas possibilidades às quais segurança, esses equipamentos a bordo.
o conhecido binômio navio-aeronave, du- Engenhosos sistemas foram desenvol-
rante muitos anos, tem oferecido suporte vidos: redes de recolhimento, sistemas
às operações aeronavais pelo mundo. óticos, sistemas por GPS, linha de reco-
Essas promissoras oportunidades tem lhimento, equipamentos à prova d´agua,
sofrido, a cada dia, um incremento nas uso de ganchos e tantos outros. A escolha
suas questões técnicas e operacionais, dependerá do modelo adotado, do seu ta-
principalmente em função da crescente manho e do tamanho da unidade marítima
integração das ARP em si e seus sistemas, que o operará.
mantendo níveis de segurança compatíveis Antes de começarmos, um alerta: de
com a atividade aérea das operações atu- forma alguma, as oportunidades aqui
almente executadas com aeronaves pilo- apresentadas representam a supressão
tadas, o que facilitaria a transição quando da necessidade das nossas aeronaves da
da sua inclusão no rol dos equipamentos Aviação Naval na maioria dessas ativida-
a bordo dos navios da MB. des, contando com seu inestimável apoio.
Aspectos como interoperabilidade, Mas, num país de dimensões continentais,
modularidade, sistemas de comunicação, onde encontramos meios de superfície se-
espectro eletromagnético, resiliência e diados em localidades afastadas do apoio
logística COTS (Commercial off-the-shelf, de aeronaves dos esquadrões distritais ou
termo usado para descrever produtos da nossa única Base Aérea Naval, em São
fabricados de forma padrão e unificada, Pedro da Aldeia, ou que não possuam a
em vez de customizados para um cliente capacidade de operações aéreas regulares,
específico) farão parte da lógica para esta estas oportunidades reveladas farão com
identificação das oportunidades, em uma que muitos comandantes pensem: o que eu
verdadeira consequência de uma singela faria se tivesse uma dessas oportunidades
análise SWOT (fatores de força e fraqueza, transformadas em realidade?
oportunidades e ameaças).
Essas promissoras oportunidades de em- OPERAÇÕES RIBEIRINHAS
prego, sejam elas de ARP ou de equipamen-
tos remotamente pilotados de emprego na Rios sinuosos e com grande cobertura
superfície ou abaixo dela, vislumbradas de- vegetal nas margens impedem a visão e
vido às inovações tecnológicas embarcadas, dificultam a navegação, trazendo a teoria
já encontram na bibliografia especializada a da “névoa da guerra” (incerteza ou falta
avaliação de atuarem como uma revolução de informações adequadas no campo de
nos assuntos militares (RAM). Elementos batalha) para as operações ribeirinhas. O
como inovação, desenvolvimento de sis- emprego de ARP de pequeno porte, rápido
temas, conceitos operacionais e adaptação lançamento e independente de posições
organizacional, quando em sinergia, refor- favoráveis poderia ajudar na dissipação
çam o sentido dessa quebra de paradigma, dessa “névoa”, contribuindo para o auxí-
tornando-se até mesmo, na mente de visio- lio à navegação e para a antecipação de
nários, uma competência fundamental nos problemas para a segurança do navio e
futuros currículos dos cursos de formação. sua tripulação.

RMB1oT/2017 153
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

APOIO À HIDROGRAFIA* Esses sensores embarcados poderão ser


utilizados em apoio ao monitoramento de
Os incrementos dos sensores ópticos desastres ambientais no mar, lançamento
voltados para o sensoriamento remoto e recolhimento de instrumentação, ma-
poderão fornecer ferramentas importantes peamento da coloração do mar, medição
para os hidrógrafos na sua nobre missão. atmosférica, derivação de batimetria e
Sempre haverá muito o que fazer num país muitos outros.
de dimensões continentais como o nosso, e
com o tamanho do nosso litoral e das águas
interiores navegáveis.

* NR- Por exemplo, na cartografia e oceanografia.

154 RMB1oT/2017
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

BUSCA E SALVAMENTO e interiores. A utilização das ARP de pe-


queno porte no serviço de identificação de
Voltamos àquela história de achar uma possíveis perigos, aumentando a área de
agulha num palheiro. A dificuldade em atuação dos meios navais, poderia reduzir o
localizar pessoas e pequenas embarcações tempo de resposta a graves delitos. Os Dis-
(como botes salva-vidas) no mar é grande. tritos Navais que não possuem esquadrões
As ARP poderiam apoiar navios-patrulha de helicópteros em sua sede poderiam se
distritais, por meio de rápido deslocamento valer deste benefício a partir de seus navios.
para a área de um sinistro, ao cobrir uma Em localidades como o arquipélago de
maior área de busca e diminuir o tempo de Fernando de Noronha e a Ilha de Trinda-
resposta, contribuindo para a salvaguarda de, esse tipo de equipamento permitiria
da vida humana no mar. ampliar o perímetro de segurança e de
presença da MB de forma mais constante
e atemporal, contribuindo para a melhor
efetividade das ações com fatores como
velocidade e surpresa.
Em Fernando de Noronha, especifi-
camente, local onde está instalado um
aeródromo com baixa carga de utilização,
o emprego de ARP de maior autonomia e
consequente maior tamanho, utilizando-
-se da pista existente, poderia ampliar a
atuação da MB na fiscalização das Águas
Jurisdicionais Brasileiras.
PATRULHA NAVAL E INSPEÇÃO
NAVAL GUERRA ELETRÔNICA E AA

Uma das nobres missões da MB é a ma- Uma das maiores dificuldades para
nutenção da segurança no tráfego aquaviá- o treinamento de nossas guarnições é a
rio, cumprido de forma exemplar pela rede indisponibilidade de meios aéreos em
de agências, delegacias e Capitanias dos quantidade e periodicidade suficientes
Portos espalhadas em território nacional, para atenderem ao treinamento de todos
distribuídas pelas nossas águas costeiras nas áreas de guerra eletrônica e
antiaérea (AA). Equipamentos
ARP de baixo custo poderiam
ser utilizados para preencher esta
lacuna. Sem a necessidade de
um grande planejamento prévio,
meios navais poderiam dispor,
operados por pessoal qualificado
e quando da sua necessidade in-
terna, desses equipamentos para
o treinamento nesses ambientes
da guerra, a baixo custo e com
maior periodicidade.

RMB1oT/2017 155
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

OPERAÇÃO ANTÁRTICA

O ambiente antártico é inóspito, e


sua climatologia muda rapidamente. O
emprego de ARP poderá proporcionar a
cientistas e comandantes uma variada gama
de empregos, desde o auxílio à navegação
em campos de gelo até medição meteoro-
lógica, lançamento e recolhimento de ins-
trumentação na água, apoio à salvaguarda
da vida humana no mar em águas frias,
monitoramento ambiental, monitoramento
de fauna marinha e apoio a pessoal em terra,
dentre outros.

direito humanitário. A MB tem participado


ativamente nessas operações, e esses recur-
sos seriam interessantes na ampliação dos
resultados já alcançados. Nesse sentido, e
após consulta de alguns países, a Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU), inclusive,
lançou uma política específica para orientar
a sua utilização pelos países membros.

CONCLUSÃO

Muitas das promissoras oportunidades


aqui apresentadas precisam ter sua ideia
de efetividade ampliada e discutida. A
semente foi lançada. A capacitação de pes-
soal para desenvolvimento, implantação,
operação e manutenção desses equipa-
mentos é essencial para que a verdadeira
contribuição dessas tecnologias-chave e
dessas novas competências aqui vislum-
bradas se tornem realidade um dia na MB.
Após este exercício de identificação,
OPERAÇÕES DE PAZ – APOIO os leitores tiveram a oportunidade de co-
HUMANITÁRIO nhecer um pouco mais sobre o mundo das
ARP em apoio às operações navais e para
Poderão ser utilizadas em apoio ao ge- emprego subsidiário em tempo de paz,
renciamento de desastres ambientais, com tendo ampliado o seu atual entendimento
consequências humanitárias e para fiscali- do reconhecido binômio navio-aeronave
zação da aplicação das leis internacionais de junto com a nossa Aviação Naval.

156 RMB1oT/2017
AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Aeronave; Veículo aéreo não tripulado; Operações;

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RMB1oT/2017 157
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO*

MARCOS VALLE MACHADO DA SILVA**


Capitão de Fragata (RM1)

SUMÁRIO

Sumário
Introdução
Considerações conceituais
Estudo de caso das aeronaves F/A-18 da U.S. Navy e do U.S. Marine Corps
Pensando a PBL no âmbito da MB
Considerações Finais

INTRODUÇÃO de um círculo vicioso que reduz a confiabi-


lidade e a disponibilidade dos meios navais,

O contexto de recorrentes restrições


orçamentárias e o envelhecimento dos
meios que constituem o Poder Naval bra-
aeronavais e de fuzileiros navais. Essa
realidade configura um dos desafios que a
Marinha do Brasil (MB) tem de enfrentar
sileiro apresentam-se como fatores causais nessa segunda década do século XXI.1

*Título original: Logística baseada em desempenho – Performance Based Logistics (PBL): uma aproximação
teórica e contextual à sua utilização
** Docente da Escola de Guerra Naval (EGN). Doutor em Ciência Política (Universidade Federal Fluminense)
com MBA em Gerenciamento de Projetos (Pontifícia Universidade Católica-RJ).
1 A questão foi debatida na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (27/8/2015), em que o comandante
da Marinha declarou: “Evidentemente, a Marinha sentiu fortemente o corte. Nós saímos de um orçamento
de R$ 5,2 bilhões para R$ 3,9 bilhões [...]”. (BRASIL. Senado Federal. Agência Senado)
Em 14 de junho de 2016, com jornalistas no navio Cisne Branco, o comandante da Marinha discorreu sobre
diversos temas, entre os quais a questão da idade dos navios: “Nossos navios estão envelhecidos, são de
manutenção cara – essa é nossa preocupação para ameaças de maior nível”. (Empresa Brasil de Comunicação
S/A – EBC. Agência Brasil)
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

Consciente dessa realidade, a alta admi- aeronaves F/A-18 Hornet e Super Hornet,
nistração naval tem incentivado a pesquisa da U.S. Navy e do U.S. Marine Corps. Es-
e a eventual adoção de inovações que sas duas seções estão pautadas na pesquisa
contribuam para reduzir os efeitos supra- realizada no âmbito da experiência das
citados. Diversos setores têm participado Forças Armadas dos EUA, uma vez que
desse esforço, entre eles a Escola de Guerra são os maiores usuários da logística base-
Naval (EGN), responsável pela condução ada em desempenho e, além disso, existe
dos cursos de altos estudos militares da farta documentação ostensiva relativa à
MB. No âmbito das pesquisas conduzidas experiência do DoD com a PBL. A terceira
tanto por docentes quanto discentes da e última seção tem como foco alguns pontos
EGN, a logística baseada em desempenho, basilares que devem ser considerados ao
ou PBL2, tem despontado como objeto de se pensar na eventual aplicação da PBL na
estudo capaz de contribuir para reverter o Marinha do Brasil.
círculo vicioso vivenciado pela MB.
A PBL é estudada com profundidade CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
por algumas outras Marinhas, bem como
no universo acadêmico de países como os A pesquisa relativa ao conceito intrín-
Estados Unidos da América (EUA), sendo seco à PBL foi iniciada nas publicações
o tema deste artigo que busca responder ostensivas do Estado que é o maior usuário
às seguintes questões basilares: O que é a da logística baseada em desempenho em
PBL? Como, por que e onde surgiu? Como suas Forças Armadas, isto é, os EUA. O
tem sido utilizada na área de defesa? A PBL Glossary of Defense Acquisition Acronyms
pode ser útil para a MB? O que deve ser and Terms foi o ponto de partida para a
considerado para a sua eventual aplicação? apreensão do conceito logístico presente
Para responder às questões supracitadas, na PBL. Essa publicação, elaborada pela
o artigo busca evidenciar e analisar o con- Defense Acquisition University (DAU),3
ceito da logística baseada em desempenho, define a logística baseada no desempenho
suas origens e seu emprego na área militar, da seguinte forma:
bem como a sua eventual aplicação aos PBL – Sinônimo de performance
contextos presente e futuro da MB. Para a based product support, em que os
consecução do objetivo proposto, o texto resultados são adquiridos por meio
foi estruturado em três seções. Na primei- de acordos baseados no desempenho
ra delas são apresentados os conceitos e que atendam aos requisitos do setor
as definições basilares acerca da PBL e operativo e incentivem os provedores
o contexto que levou à sua utilização no do apoio logístico a reduzir os custos,
âmbito do Departamento de Defesa (DoD) por meio da inovação. Esses acordos
dos EUA. Na seção seguinte é apresentado são formalizados por meio de contratos
um estudo de caso relativo à aplicação da com a indústria ou mesmo com outros
PBL na área de defesa. O caso aqui analisa- órgãos do governo. Seu foco primário
do tem como foco a aplicação da PBL nas consiste em otimizar o apoio contratado

2 Do original em inglês Performance Based Logistics (PBL).


3 A Defense Acquisition University (DAU) foi criada em consonância com a Diretiva 5000.57, do Departamento
de Defesa, em 1991, visando à formação de uma força de trabalho qualificada na área de aquisições (UNITED
STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Directive Number 5000.57 - October 22, 1991. Disponível em:<http://
biotech.law.lsu.edu/blaw/dodd/corres/pdf/d500057_102291/d500057p.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2016).

RMB1oT/2017 159
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

e a disponibilidade do sistema de armas em vez de contratos que visavam apenas


objeto do contrato, bem como reduzir à compra de sobressalentes ou equipa-
os custos de propriedade desse sistema4 mentos de apoio). [...] A contratação da
(Tradução nossa). logística baseada em desempenho é um
processo de múltiplas etapas que pode
A aplicação da PBL no âmbito do De- ser aplicado tanto a sistemas novos como
partamento de Defesa dos EUA está inseri- àqueles já em uso. O detalhamento desse
da no contexto da Diretiva 5000.01 daquele processo é apresentado na plataforma de
órgão, expedida em 12 de maio de 2003 e acesso virtual denominada PBL Toolkit.
que, no item E1.1.17 do seu anexo, requer É um processo já testado e que se con-
que os gerentes de programas das Forças centra em programas em uso e pode ser
Armadas “desenvolvam e implementem customizado tanto para componentes
estratégias logísticas baseadas no desempe- quanto para subsistemas e sistemas de
nho, que otimizem a disponibilidade total armas […]7 (DAG, 2003, p 412-413,
do sistema considerado e, paralelamente, tradução nossa).
diminuam os custos
e o esforço logístico”5 À luz do exposto,
(Tradução nossa). A contratação da logística percebe-se que desem-
Alinhado com o baseada em desempenho é penho (performance)
conteúdo dessa Di- é a palavra-chave no
retiva, o Defense Ac- um processo de múltiplas conceito da PBL, sen-
quisition Guidebook etapas que pode ser aplicado do definida no Glossa-
(DAG)6 dedica à PBL ry of Defense Acqui-
boa parte do seu ca- tanto a sistemas novos como sition Acronyms and
pítulo 5 (Life Cycle àqueles já em uso Terms como “aquelas
Logistics), no qual é características ope-
apontada a posição do racionais, bem como
DoD em relação à utilização da logística as de apoio requeridas pelo sistema que
baseada em desempenho. lhe permite executar de forma eficiente e
A intenção do DoD é utilizar o apoio eficaz a missão para a qual foi concebido”8
logístico baseado em desempenho, vi- (Tradução nossa).
sando prover o melhor resultado a longo Uma vez que a PBL está pautada em
prazo, adotando contratos baseados em contratos de aquisição de desempenho,
desempenho em vez de contratos basea- um dos processos essenciais para a sua
dos em transações (isto é, passar a utilizar utilização consiste em estabelecer requisi-
contratos que adquiram disponibilidade tos de desempenho, usualmente expressos

4 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense


Acquisition Acronyms and Terms. Performance-Based Logistics (PBL). Disponível em: < https://dap.dau.
mil/glossary/pages/2510.aspx>. Acesso em: 10 nov.2016.
5 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Directive Number 5000.01 – May 12, 2003. Disponível
em:<http://www.dtic.mil/whs/directives/corres/pdf/500001p.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2016.
6 Publicação voltada para alinhar as práticas de aquisições com as diretivas emitidas pelo DoD.
7 DAG, 2013, p. 412-413.
8 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense
Acquisition Acronyms and Terms. Performance. Disponível em: < https://dap.dau.mil/glossary/pages/2372.
aspx>. Acesso em: 10 nov.2016.

160 RMB1oT/2017
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

em termos de disponibilidade, bem como como foco a entrega de desempenho,


das métricas que vão permitir a sua corres- e não de sobressalentes e serviços10
pondente mensuração. Há que se ressaltar (Tradução nossa).
que esses requisitos serão estabelecidos
pelo próprio setor operativo em função De forma convergente com o contido no
das suas demandas em relação aos com- DAG e no PBL Toolkit, William A. Ko-
ponentes, subsistemas e sistemas de armas bren11, em seu artigo “What Performance
considerados. Nesse sentido, o PBL Toolkit Based Logistics is and What it is not – And
aponta que What it Can and Cannot Do (2009)”, apon-
A PBL tem como foco solucio- ta quais são os pontos centrais relativos à
nar a demanda de PBL, a seguir sumari-
apoio que atenda zados:
aos requisitos do A PBL tem como foco – a PBL tem como
combatente, ge- foco a aquisição de
ralmente expres-
solucionar a demanda resultados de desem-
sos em termos de de apoio que atenda aos penho (Performance
disponibilidade 9, requisitos do combatente, Outcomes), não sendo
e não no consumo a simples aquisição de
de recursos ou no geralmente expressos em sobressalentes e/ou ser-
detalhamento de termos de disponibilidade, e viços para manutenção;
quem executará
esse apoio. Assim,
não no consumo de recursos de –PBL para que contratos
possam ser
métricas mensurá- ou no detalhamento de firmados, é essencial
veis e gerenciáveis quem executará esse apoio que o contratante tenha
relativas aos requi- a capacidade de definir
sitos estabelecidos os requisitos de desem-
pelo combatente são essenciais para penho desejados para os componentes,
estruturar e executar adequadamente subsistemas e sistemas de armas; e
qualquer PBL. […] A PBL delineia – o Governo e as Forças Armadas devem
metas de desempenho de componentes, ter a capacidade de identificar e convencer
subsistemas e sistemas de armas; forne- empresas da Base Industrial de Defesa
ce incentivos para que essas metas sejam (BID) a engajar na PBL, haja vista que
alcançadas; define responsabilidades e serão as empresas as partes contratadas
facilita o gerenciamento da confiabi- com a adoção da PBL.
lidade do sistema, do apoio logístico Além disso, Kobren (2009) também
necessário, bem como dos custos do aponta que a PBL não é apropriada para
ciclo de vida. Em síntese, a PBL tem todos os sistemas de armas:

9 Disponibilidade (Availability) é definida no Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms como: “Uma
medida do grau em que um item se encontra disponível para operar e pode ser alocado para uma missão que
foi solicitada de forma tempestiva” (Tradução nossa). UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE.
Defense Acquisition University. Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms. Availability. Dis-
ponível em:<https://dap.dau.mil/glossary/pages/1469.aspx>. Acesso em: 10 nov.2016.
10 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Performance Based
Logistics Community of Practice – PBL Toolkit. The Basics – PBL Overview – Definitions & Overview.
Disponível em: < https://acc.dau.mil/CommunityBrowser.aspx?id=527126>. Acesso em: 10 nov. 2016.
11 Diretor do Logistics and Sustainment Center, na Defense Acquisition University.

RMB1oT/2017 161
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

– em alguns casos, particularmente Uma vez evidenciados os fundamentos


aqueles envolvendo sistemas muito antigos, conceituais da PBL, tal como definido por
próximos ao fim do ciclo de vida, a PBL seu maior usuário na área de defesa, bem
pode não ser a melhor solução para o apoio como inferidos os pontos centrais presentes
logístico; e na logística baseada em desempenho, é
– em outros casos, a iniciativa privada pertinente observar o contexto que levou
pode não ter interesse em participar de um o DoD a colocar a PBL como objeto de
projeto baseado em PBL, caso avalie que uma de suas diretrizes13, incentivando a sua
os riscos sejam muito grandes, ou que o adoção pelos gerentes de programas da área
retorno (lucro) seja muito pequeno. de defesa. Nesse sentido, cabe um breve
Assim, a análise da definição e dos retorno ao ano 2000, quando Jacques S.
conceitos extraídos Gansler, então subse-
das fontes supracita- cretário de Defesa para
das permitiu inferir A PBL, se corretamente Logística, Aquisição e
os seguintes pontos
centrais presentes na
aplicada, pode contribuir Tecnologia (under se-
cretary of Defense for
logística baseada em para a redução do custo Acquisition, Technolo-
desempenho: do ciclo de vida de um gy, and Logistics), de-
– a PBL tem como clarou em audiência no
foco os resultados de componente, subsistema ou Congresso dos EUA:
desempenho (Per- sistema de armas O nosso material
formance) e pode está envelhecendo.
ser aplicada no nível Não podemos substi-
componente, subsistema ou sistema de tuir grande parte desse material num
armas; futuro próximo. Consequentemente,
– a PBL tem como propósito atender nossos custos de operações e manuten-
a requisitos de desempenho estabelecidos ção continuarão a aumentar. Isso resulta
pelo setor operativo; em uma menor prontidão14, mas com
– os contratos de PBL apresentam res- custos crescentes. Se não revertermos
ponsabilidades claras e possuem métricas essa tendência de forma rápida e deli-
bem definidas para os requisitos de desem- berada, enfrentaremos o que eu descrevi
penho desejados; e como uma “espiral da morte” – uma
– a PBL, se corretamente aplicada, pode situação em que uma menor prontidão
contribuir para a redução do custo do ciclo exige que continuemos a retirar cada
de vida12 de um componente, subsistema ou vez mais dólares da modernização de
sistema de armas. equipamentos para custear as despesas

12 “O custo do ciclo de vida de um item (Life-Cycle Cost – LCC) inclui todos os custos diretos e indiretos relativos
à obtenção, à operação, ao apoio e à alienação do mesmo” (BRASIL, 2013, Cap. 8, p. 1).
13 A já citada Diretiva 5000.01 de 12 de maio de 2003.
14 Prontidão (Readiness) é definida no Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms como: “Estado de
preparação das forças, sistemas, ou de sistemas de armas para cumprir uma missão ou para realizar operações
militares. É baseado em pessoal adequado e treinado, bem como na condição do material, nos suprimentos/
reservas do sistema de apoio logístico, número de unidades disponíveis etc.” (Tradução nossa). UNITED
STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense Acquisition
Acronyms and Terms. Readiness. Disponível em: <https://dap.dau.mil/glossary/pages/2532.aspx>. Acesso
em: 10 nov.2016.

162 RMB1oT/2017
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

com a operação e manutenção dos meios programas do DoD e avaliam os resultados


existentes, o que atrasa a modernização, alcançados. Segundo Gansler e Lucyshyn
fazendo com que o material envelhecido (2006, p. 3), até a década de 1990 a logística
seja ainda mais empregado, o que reduz associada à manutenção dos meios milita-
ainda mais a prontidão e aumenta os res dos EUA tinha como foco a obtenção de
consequentes gastos de operação e ma- sobressalentes e serviços, visando garantir
nutenção, ou seja, um círculo vicioso15 a máxima disponibilidade dos diversos
(Tradução nossa). sistemas de armas. A lógica subjacente a
essa abordagem era ter sobressalentes que
A forma identificada por Gansler para atendessem a qualquer necessidade. No
romper a “espiral da morte” passava por entanto, um resultado não tão desejável
uma reavaliação da forma como o apoio lo- dessa abordagem logística era a existência
gístico era executado pelas Forças Armadas de grandes inventários e custos associados
dos EUA. Gansler relatou ao House Armed ao seu gerenciamento. Além disso, outro
Services Committee as ações em curso no resultado subjacente, porém deletério,
DoD para fazer frente ao círculo vicioso dessa abordagem logística era a tendên-
descrito. Essas ações buscavam reduzir cia dos fabricantes (Original Equipment
os custos com operação e manutenção do Manufacturer — OEM) e demais forne-
material em uso pelas Forças Armadas dos cedores de sobressalentes buscarem, na
EUA. Para tanto, estavam sendo colocados prática, vender o máximo de sobressalentes
em prática 30 programas-piloto voltados e serviços de manutenção. Essa tendência
para melhorar o apoio logístico, reduzir era também um dos fatores que implicava o
os custos e aumentar a confiabilidade do custo crescente da manutenção do material
material coberto por esses programas. das Forças Armadas dos EUA, não só dos
Todas essas iniciativas estavam pau- novos sistemas de armas, mas principal-
tadas em requisitos de desempenho e em mente dos mais antigos.
métricas que possibilitariam avaliar os No conjunto, todos esses fatores levaram
resultados alcançados. As lições aprendidas o DoD a repensar e transformar a aborda-
com esses programas-piloto seriam a base gem logística então em vigor nas Forças
de conhecimento para ampliar essa nova Armadas dos EUA. A transformação
forma de apoio logístico a outros compo- vislumbrada envolvia a identificação do
nentes, subsistemas e sistemas de armas das posicionamento dentro de uma faixa cuja
Forças Armadas dos EUA.16 amplitude variava da total execução do
Seis anos depois, Gansler, juntamente apoio logístico pelo usuário, isto é, as For-
com William Lucyshyn,17 escreveu o ar- ças Armadas, ao completo apoio executado
tigo “Evaluation of Performance Based pelo fabricante ou empresa fornecedora
Logistics” (2006), no qual reconstituem o de sobressalentes e serviços, dentro de um
processo de implantação da PBL em alguns contrato baseado em desempenho a alcan-

15 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Gansler testifies before
Congress on transformation of DoD logistics. Statement before the House Armed Services Committee Rea-
diness Subcommittee Logistics Transformation Hearing held June 27, 2000. Disponível em: < http://www.
dau.mil/pubscats/PubsCats/PM/articles00/gans2s-o.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.
16 Ibid.
17 Pesquisador do Center for Public Policy and Private Enterprise na School of Public Policy, da University of
Maryland (GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 47).

RMB1oT/2017 163
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

Figura 1 – Espectro considerado ao se avaliar a adoção de uma abordagem logística baseada na PBL
Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 6

çar. Em outras palavras, a questão subja- – os requisitos de desempenho desejados


cente à PBL envolvia identificar o quanto para o componente, subsistema ou sistema
de terceirização do apoio logístico seria de armas considerado;
ideal para um determinado componente, – os requisitos de desempenho já alcan-
subsistema ou sistema de armas integrante çados com a abordagem tradicional;
do inventário do DoD. – os custos envolvidos com a aborda-
A Figura 1 permite a visualização da gem em vigor e com a eventual adoção
amplitude a ser considerada, dentro de um da PBL; e
quadro relativo à adoção de uma aborda- – o interesse das empresas em participar.
gem logística voltada para a PBL. Feitas essas considerações conceituais
Nesse contexto, Gansler e Lucyshyn acerca da PBL, bem como evidenciados
(2006, p. 6-7) apontam alguns fatores a os fatores basilares a serem considerados
considerar quanto à decisão do melhor em relação à sua eventual adoção para um
posicionamento na faixa supracitada: determinado componente, subsistema, ou
– a “idade” do componente, subsistema sistema de armas, cabem algumas con-
ou sistema de armas considerado; siderações acerca de experiências da sua
– a estrutura de apoio logístico já exis- utilização efetiva na área de defesa. Para
tente; tanto, será apresentado e analisado um
– a capacidade de apoio logístico, orgâ- caso de domínio público relativo à adoção
nica e comercial, existente; e da PBL no âmbito da Marinha e do Corpo
– a legislação em vigor. de Fuzileiros Navais dos EUA. Esse caso
Com base nas fontes já apontadas neste foi selecionado tanto pela quantidade de
artigo, outros fatores podem ser acrescenta- informações ostensivas disponíveis quanto
dos na avaliação do melhor posicionamento pela considerável experiência da U.S. Navy
em relação à amplitude de terceirização com contratos envolvendo a PBL.18 Assim,
inerente à PBL: trata-se de um estudo de caso que permite

18 Por ocasião da palestra proferida no Simpósio de Logística, realizado durante a Latin America Aerospace and
Defense (LAAD), em abril de 2015, o então chief da Sustainment Division, U.S. SouthCom, Larry Burton,
apontou que, em 2015, 25 % dos contratos da U.S. Navy envolviam a PBL.

164 RMB1oT/2017
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

Figura 2 – Componentes e subsistemas das aeronaves F/A-18, objeto de contratos iniciais de PBL
Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 17

evidenciar os resultados passíveis de al- mental em 2001 e desde então aprimorados.


cançar com a correta aplicação da logística Por ocasião do primeiro contrato envolvendo
baseada em desempenho. a aplicação do conceito de PBL para as
aeronaves F/A-18, a abordagem escolhida
ESTUDO DE CASO DAS foi a de não adotar um único contrato (isto
AERONAVES F/A-18 DA U.S. é, no nível de sistema de armas), mas sim
NAVY E DO U.S. MARINE CORPS de aplicar o conceito de PBL no nível de
subsistemas e componentes. Assim, foram
O caso19 será apresentado por meio de implementados múltiplos contratos de PBL
quatro tópicos: a abordagem considerada para com vários Original Equipment Manu-
adoção da PBL; os contratos firmados; as facturers (OEM), no nível de subsistemas
principais métricas e os resultados alcançados. e componentes das aeronaves F/A-18. A
Com relação à abordagem adotada, é figura 2 apresenta uma visão dos compo-
pertinente destacar que as aeronaves F/A-18, nentes e subsistemas das aeronaves F/A-18
em todas as suas versões, foram objeto de que foram objeto da PBL por ocasião dos
contratos de PBL iniciados de forma experi- primeiros contratos firmados.

19 O caso foi preparado com base nas informações disponíveis no já citado Evaluation of Performance Based
Logistics (2006, p. 11-22) de Jacques S. Gansler e William Lucyshyn.

RMB1oT/2017 165
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

No que tange aos contratos firmados, o e do U.S. Marine Corps compreendia os


pilar central é o F/A-18 Integrated Readi- seguintes quantitativos nas diversas versões
ness Sustainment Team (First), assinado em uso da aeronave:
com a Boeing, pela primeira vez, em 1o de – 151 F/A-18 A/Bs;
maio de 2001. O contrato estabelecia que – 530 F/A-18 C/Ds ;
a Boeing fosse responsável por obtenção, – 228 F/A-18 E/Fs; e
armazenagem, transporte, distribuição, – 90 EA-18Gs.
gerenciamento de obsolescência e melho- Além disso, existiam 409 aeronaves
rias de confiabilidade dos componentes e F/A-18 em uso pelas Forças Armadas de
subsistemas objeto do First. (GANSLER; sete Estados (Austrália, Canadá, Finlândia,
LUCYSHYN, 2006, p. 14-15). Kuwait, Malásia, Espanha, Suíça e Tailân-
O contrato inicial foi assinado em dia), o que representava um potencial de
2001, com duração de um ano, podendo expansão de contratos de PBL, reforçando
ser renovado por até três anos. Em abril o interesse dos OEM em participar do First.
de 2003, foi assinado um complemento As métricas a alcançar para cada compo-
ao First ampliando as responsabilidades nente e subsistema das aeronaves F/A-18,
da Boeing, que passava a ser responsável objeto dos contratos em pauta, foram esta-
pelo gerenciamento do Apoio Logístico belecidas pelos Commanders of the Strike
Integrado, bem como pelo apoio ao ge- Fighter Wings (Atlântico e Pacífico); rati-
renciamento do programa e por publica- ficadas pelo Commander Naval Air Forces
ções técnicas e sistemas de informações e formalizadas em um Performance Based
gerenciais integrados para as aeronaves Agreement (PBA), junto ao gerente do Pro-
F/A-18 E/F Super Hornet (GANSLER; grama F/A-18 (GANSLER; LUCYSHYN,
LUCYSHYN, 2006, p. 15). 2006, p. 14).
Em dezembro de 2005 foi assinado um No que tange aos resultados alcançados,
novo First, desta feita com duração de cinco o Naval Air Systems Command (Navair)
anos, com opção de mais cinco anos. O destacou que o First proporcionou um
valor do contrato perfazia o montante de U$ aumento progressivo da Mission Capable
995 milhões e englobava 73% de todos os Rate20 das aeronaves F/A-18, saltando de
componentes das aeronaves (GANSLER; 57% para 72%.
LUCYSHYN, 2006, p. 15). O Gráfico 1 apresenta o aumento da Mis-
É pertinente destacar que, em 2005, o sion Capable Rate das aeronaves F/A-18 no
inventário de aeronaves F/A-18 perfazia período de 2000 a 2005, isto é, entre o ano
um quantitativo de monta, sob quaisquer que antecedeu a assinatura do primeiro First
aspectos considerados. Isso proporciona- (2000) até o ano em que o contrato atingiu
va valores extremamente atrativos para o a sua maturidade (2005).
main contractor (Boeing) e pelos Original Os diversos contratos de PBL para os
Equipment Manufacturers, subcontratados. vários subsistemas e componentes das
Conforme apontam Gansler e Lucyshyn aeronaves F/A-18 também apontaram para
(2006, p. 11-12), em 31 de julho de 2005 o um incremento na disponibilidade desses
número de aeronaves F/A-18 da U.S. Navy itens, sumarizados no Quadro 1.

20 Mission Capable Rate corresponde ao “total de aeronaves capazes de cumprir todos os tipos, ou parte dos
tipos, de missões para as quais foram concebidas” (Tradução nossa). UNITED STATES AIR FORCE. Air
Education and Training Command Instruction 21-105 (18 March 2013), p. 12. Disponível em:<http://static.e-
-publishing.af.mil/production/1/aetc/publication/aetci21-105/aetci21-105.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.

166 RMB1oT/2017
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

ao ano. Com o First,


assinado em 2005,
não só os custos em
pauta foram estabili-
zados, como foi esti-
mada uma economia
de aproximadamente
150 milhões de dó-
lares, em relação à
abordagem tradicio-
nal de manutenção,
no período de cinco
anos de duração do
contrato.
Gráfico 1 – Mission Capable Rate das aeronaves F/A-18 (2000 – 2005)
O Gráfico 2 apre-
Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 20 senta a estabilização
projetada no período
Analisando o Quadro 1, percebe-se o compreendido entre 2001 e 2006, bem
aumento da disponibilidade de compo- como a estimativa de redução nos custos
nentes e subsistemas críticos, como, por de manutenção das aeronaves F/A-18 para
exemplo, as turbinas GE F404, que pas- o período 2006-2010.
saram de 43% para 96% após a adoção do Essa projeção de redução de custos não
First. Esse percentual, segundo Gansler e foi confirmada nas fontes consultadas para
Lucyshyn (2006, p. 21), é o maior índice a pesquisa aqui conduzida. No entanto, se
alcançado desde o início da utilização dessa de fato ocorreu, a aplicação da PBL no pro-
turbina pela U.S. Navy. As Unidades de grama do F/A-18 aponta para um impacto
Partida Auxiliar (APU) também tiveram positivo em termos de redução dos custos
sua disponibilidade aumentada de forma de manutenção das aeronaves.
significativa, passando de 70% para 90%. Em síntese, a análise do caso apresenta-
do permite inferir que:
– a adoção da PBL
foi gradual e remete
à ideia de curva de
aprendizagem relativa
a essa abordagem de
manutenção. O caso
das aeronaves F/A-
18 evidenciou que
Quadro 1 – Aumento de disponibilidade decorrente do First
Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 22 os contratos de PBL,
notadamente o First,
No que tange aos custos, a continuidade obedeceram a sequência de menor para
da tradicional abordagem de manutenção, maior complexidade;
centrada na aquisição de sobressalentes – os contratos foram firmados com
e serviços, apresentava uma estimativa empresas da Base Industrial de Defesa
de aumento de custo da ordem de 7% dos EUA;

RMB1oT/2017 167
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

formar uma “massa


crítica” em termos de
Recursos Humanos
com expertise nessa
abordagem logística.
Isso pode ser feito por
meio do envio de pes-
soal da MB para cursos
em centros como a De-
fense Acquisition Uni-
versity, bem como pela
presença e participação
Gráfico 2 – Estimativa de estabilização e redução de custos com manutenção em simpósios, semi-
decorrentes do First nários e congressos
Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 21
que abordem a PBL,
notadamente aqueles
– aparentemente, foram alcançados re- que discutam e analisem casos em que a
sultados expressivos em termos de redução logística baseada em desempenho esteja
de custos em relação ao que se projetava sendo aplicada.
gastar com a abordagem tradicional de A característica intrínseca da PBL é a
manutenção; e compra de resultados de desempenho de
– foram alcançados resultados expres- um componente, subsistema ou sistema
sivos em termos de de armas. A sua ado-
aumento da disponibi- ção, tal como aponta
lidade das aeronaves É mandatório que o Apoio a experiência de outras
F/A-18, notadamente Logístico Integrado (ALI), Marinhas, deve seguir
em termos de compo- a lógica da menor para
nentes e subsistemas principalmente para a maior complexidade.
críticos, como as tur- os novos componentes, Portanto, programas-
binas GE F404.
subsistemas e sistemas de -piloto, envolvendo
inicialmente compo-
PENSANDO A armas da MB, passe a ser nentes e subsistemas
PBL NO ÂMBITO efetivamente implementado menos complexos,
DA MB configuram-se como
pontos iniciais do
À luz dos fundamentos conceituais apre- aprendizado e de avaliação da PBL em
sentados, bem como da análise decorrente sua aplicação por parte da MB.
do caso apresentado, foram inferidos alguns Igualmente importante como ponto
pontos basilares que podem ser considera- de partida para se pensar na aplicação da
dos ao se pensar na eventual aplicação da PBL na MB é o domínio do ciclo de vida
PBL na MB. do componente, subsistema ou sistema de
Como ponto de partida, é fundamental armas considerado. A estimativa confiável
entender o que é a PBL, isto é, o que pode dos custos do ciclo de vida é essencial como
ser obtido e o que não pode ser obtido com elemento comparativo entre o custo daqui-
sua aplicação. Para tanto, é necessário lo que está sendo obtido com abordagem

168 RMB1oT/2017
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

logística vigente e o custo do que poderá interesses desses interlocutores podem ser
ser obtido com a eventual adoção da PBL. sintetizados da seguinte forma:
Nesse sentido, é mandatório que o Apoio – as Forças Armadas almejam o melhor
Logístico Integrado (ALI), principalmente desempenho, notadamente a confiabili-
para os novos componentes, subsistemas dade e a disponibilidade dos seus meios
e sistemas de armas da MB, passe a ser materiais;
efetivamente implementado. – o Governo busca atender às necessi-
A capacidade de identificar e formular dades das Forças Armadas, com um orça-
requisitos de desempenho é essencial para mento limitado; e
se pensar em termos de logística baseada – as empresas (fabricantes/fornece-
em desempenho, haja vista que os requisi- dores) procuram atender aos contratos
tos desejados, bem como as métricas para firmados com as Forças Armadas, obtendo
a sua quantificação, são fundamentais para a maior margem de lucro possível.
os contratos de PBL. Além disso, eles são Portanto, é essencial que todas as partes
a expressão daquilo que o setor operativo interessadas tenham a percepção conver-
precisa ou deseja obter de um componente, gente de que a lógica subjacente à PBL é:
subsistema e sistema de armas. menos gastos com sobressalentes e reparos,
Tais requisitos devem ser compatíveis mais disponibilidade e confiabilidade dos
com as reais necessidades operativas, sistemas de armas e ganhos financeiros
uma vez que os custos de um contrato de médio e longo prazo que permitirão a
de PBL estarão diretamente associados permanência dos fabricantes e fornecedores
a eles. Por exemplo: estabelecer como na atividade empresarial.
requisito de desempenho para um navio, Os contratos são outro ponto central a se
uma disponibilidade de 300 dias de mar pensar na PBL. O contratante, no caso aqui
por ano, terá um custo diferente de um pensado como a MB, deve ter a capacidade
requisito que estabeleça como meta a de formular, redigir, firmar e fiscalizar os
disponibilidade de 180 dias de mar no contratos de PBL. Essa talvez seja a maior
mesmo período. Em outras palavras, o de- vulnerabilidade em um eventual contrato
sempenho a alcançar deve refletir aquilo de PBL para a MB e que, provavelmente
que, de fato, o setor operativo necessita implicará uma curva de aprendizado, haja
do componente, subsistema e sistema de vista que os primeiros contratos não terão
armas objeto da PBL. escopo similar com outros já firmados pela
Convencer as empresas da Base Indus- Marinha.
trial de Defesa é um desafio a se pensar na Os casos estudados na EGN21 apontam
PBL integrada e alinhada com a política e que os contratos de PBL, usualmente, apre-
estratégia nacional de defesa brasileira. A sentam as seguintes características:
PBL é uma relação tipo “ganha-ganha-ga- – uma moldura temporal de longa du-
nha” entre três grandes partes interessadas: ração (cinco anos em média, com opção
as Forças Armadas, o Governo e as em- de renovação por um ou dois períodos
presas. Em termos singelos, os principais subsequentes);

21 Com base nas informações disponibilizadas por Jacques S. Gansler e William Lucyshyn em Evaluation of Per-
formance Based Logistics (2006, p. 23-35), dois outros casos foram preparados e analisados na EGN. Esses
casos abordam, respectivamente, o contrato firmado com a Michelin, para o gerenciamento completo dos
23 tipos de pneus utilizados pelos 16 tipos de aeronaves da U.S. Navy e do U.S. Marine Corps; e o contrato
com a Lockheed Martin Maritime Systems & Sensors para o sistema sonar dos submarinos da U.S. Navy.

RMB1oT/2017 169
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

– envolvem a transferência de risco para va à tradicional abordagem logística de


o contratado; manutenção, centrada na aquisição de
– possuem cláusulas precisas com resul- sobressalentes e serviços. Em contratos
tados mensuráveis a alcançar; e de PBL, o contratante “paga” por desem-
– utilizam com frequência a modalidade penho alcançado e não por sobressalentes
de preço fixo com remuneração de incenti- e/ou reparos.
vo. Essa modalidade de contrato é aquela A ideia subjacente à PBL é que
em que o preço do produto/serviço é defini- minimizar reparos e sobressalentes
do e não está sujeito a alterações, a menos aumentará tanto a disponibilidade
que o escopo do trabalho seja modificado, quanto a confiabilidade dos sistemas
porém contém incentivos financeiros vin- de armas, bem como o lucro do contra-
culados ao cumprimento de determinadas tado. Portanto, estratégias de sucesso
métricas estabelecidas utilizando a PBL re-
(PMI, 2014, p. 363). presentam relações
Correlata a essas Mesmo com a expertise tipo “ganha-ganha-
características, está em todos esses pontos, a -ganha” para as For-
presente a legislação ças Armadas, para
em vigor com os tipos inexistência de recursos o Governo e para a
de contratos permiti- adequados inviabilizará iniciativa privada.
dos aos órgãos públi- Há que se desta-
cos, isto é, as limita-
não só a PBL, mas toda car que a PBL não é
ções e regulações aos e qualquer abordagem e um conceito novo ou
contratos que podem estratégia logística de um um modismo. Con-
ser firmados entre a forme exposto, a PBL
MB e empresas nacio- componente, subsistema ou vem sendo pensada,
nais e/ou estrangeiras. sistema de armas aplicada e aprimorada
Em outras palavras, o no âmbito do DoD
conhecimento e domí- dos EUA por cerca de
nio do marco legal é também basilar para o duas décadas.22 No entanto, o caso aqui
êxito da adoção da PBL. apresentado e analisado deve ser lido com
Há que se ressaltar que, mesmo com a pensamento crítico, uma vez que as fontes
expertise em todos esses pontos, a inexis- disponíveis ressaltam apenas pontos positi-
tência de recursos adequados inviabilizará vos da experiência da U.S. Navy e do U.S.
não só a PBL, mas toda e qualquer abor- Marine Corps com a aplicação da PBL nas
dagem e estratégia logística de um com- aeronaves F/A-18. Assim, o conteúdo deste
ponente, subsistema ou sistema de armas. artigo, longe de esgotar o tema, representa
uma contribuição inicial para pesquisas
CONSIDERAÇÕES FINAIS e estudos subsequentes voltados para as
possibilidades e limitações da eventual
Ao longo deste artigo foi evidenciado aplicação da PBL por parte da Marinha
que a PBL desponta como uma alternati- do Brasil.

22 Tal como atesta o caso das aeronaves F/A-18 apresentado, bem como apontam Benjamin Ertel, Mike Jones e
Ted Seymour em Performance-Based Logistics Perpective (2009, p. 1), “desde 2000, o DoD tem indicado,
de forma consistente, que a PBL deve ser priorizada, tanto para as novas aquisições quanto para o apoio aos
meios já existentes” (Tradução nossa).

170 RMB1oT/2017
LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

O aprofundamento de pesquisas tendo a Além disso, a inexistência ou insuficiência


PBL como objeto de estudo pode e deve ser de recursos financeiros tornará inexequíveis
levado a cabo. É importante que o tema seja os contratos de PBL vislumbrados. Proble-
aprofundado, visando à criação da massa mas de longa data, relacionados como baixo
crítica de recursos humanos, necessária para desempenho e disponibilidade, bem como
viabilizar uma futura decisão quanto à utili- falta de confiabilidade de sistemas de armas
zação da PBL, mesmo em programas-piloto, não podem ser corrigidos ou mitigados sem
por parte da MB. os recursos financeiros
É também perti- necessários.
nente apontar que, O ponto central a ser No entanto, a pes-
dentre os vários se- destacado é que a PBL não é quisa realizada aponta,
tores da Marinha que ainda de forma pre-
possuem vocação para uma panaceia. A sua adoção liminar, que, se uma
a pesquisa, o Centro de não vai eliminar ou superar abordagem logística
Estudos Político-Es- baseada em desem-
tratégicos da Marinha
a falta de planejamento penho for cuidadosa-
do Brasil (CEPE-MB) estratégico ou a inexistência mente planejada e im-
desponta como um de programas e projetos plementada paulatina-
think tank que possui mente, tendo métricas
estrutura para formar para os meios materiais em claras e bem definidas,
grupos de pesquisa, uso ou em aquisição além do necessário
envolvendo múltiplas suporte financeiro e
organizações milita- de um contrato bem
res e instituições de ensino superior, para redigido, alguns resultados significativos
avançar com a produção acadêmica relativa poderão ser alcançados quanto à redução
à logística baseada em desempenho. do custo do ciclo de vida dos meios da
Finalizando, o ponto central a ser des- MB. Assim, a PBL apresenta-se como
tacado é que a PBL não é uma panaceia. uma importante abordagem logística para
A sua adoção não vai eliminar ou superar melhorar o desempenho e reduzir custos de
a falta de planejamento estratégico ou a componentes, subsistemas ou sistemas de
inexistência de programas e projetos para armas e que não pode ser desconsiderada
os meios materiais em uso ou em aquisição. pela Marinha do Brasil.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ARTES MILITARES>; Logística; Marinha do Brasil; Marinha dos EUA;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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172 RMB1oT/2017
RADIOMONITORAÇÃO DE REDES DE SATÉLITES
GEOESTACIONÁRIOS

PEDRO HENRIQUE RIBEIRO BARBOSA*


Capitão de Corveta

SUMÁRIO

Introdução
A necessidade da vigilância
Comando e Controle
Monitoração de satélites geoestacionários
O problema das interferências
A Estação Terrena de Monitoração de Satélites Geoestacionários (Emsat)
Conclusão

INTRODUÇÃO nos dias atuais, sendo esta uma condi-


ção imprescindível para o sucesso de

A importância dos satélites vem au-


mentando a cada dia. A velocidade
da informação nunca havia sido um
qualquer operação militar. A informação
na guerra faz parte da diferença entre o
sucesso do vitorioso e a perplexidade do
fator tão importante e decisivo como perdedor, e sua importância sempre foi

* Serviu na Estação Rádio da Marinha no Rio de Janeiro. Atualmente serve no Comando da Segunda Divisão da
Esquadra. Possui especialização em Eletrônica e aperfeiçoamento em Comunicações Navais.
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

reconhecida ao longo dos tempos. Sun A fim de mitigar a ocorrência dessas


Tzu já afirmava: interferências, foi desenvolvida e imple-
Aquele que conhece o inimigo e a si mentada no Brasil em 2014, pela Agência
mesmo, ainda que enfrente cem bata- Nacional de Telecomunicações (Anatel), a
lhas, jamais correrá perigo. Aquele que Estação Terrena de Monitoração de Saté-
não conhece o inimigo, mas conhece a si lites Geoestacionários2 (Emsat), motivada
mesmo, às vezes ganha, às vezes perde. principalmente pela realização dos dois
Aquele que não conhece nem o inimigo grandes eventos mundiais no país: a Copa
nem a si mesmo está fadado ao fracasso do Mundo Fifa de 2014 e os Jogos Olím-
e correrá perigo em todas as batalhas (A picos Mundiais de 2016 (ANATEL, 2014).
Arte da Guerra, 2007, p.45). Neste artigo, veremos que este poderoso
e moderno recurso poderá ser empregado
A evolução da arte da guerra forçou o pelo País não somente para a manutenção
homem a interagir com métodos, processos, da garantia das comunicações satelitais
tecnologias e inovações, em situações e realizadas pelos meios civis, dentre outras
cenários no campo de batalha, em prol da finalidades, mas também para fins militares,
consecução de objetivos táticos, operacio- caracterizando-se assim num sistema dual,
nais e estratégicos (BRASIL, 2015a). Nesse com aplicações civis e militares.
ínterim, o domínio de novas tecnologias de
informação, tais como as comunicações A NECESSIDADE DA
via satélite, tornou-se fundamental para VIGILÂNCIA
qualquer empreitada militar.
Em um cenário de constantes mudanças, O litoral do Brasil possui cerca de 8.500
o aprimoramento do processo decisório km de extensão. As Águas Jurisdicionais
garante ampla vantagem competitiva Brasileiras (AJB) são constituídas pelas
àquele que o utiliza mais rapidamente e Águas Interiores e pelas áreas marítimas
eficientemente. Neste aspecto, o Comando da Amazônia Azul, somando cerca de
e Controle (C2) veio a se tornar um recurso 4,5 milhões de km². Sobre elas, o Brasil
indispensável para o exercício da decisão, exerce direitos de soberania para fins de
assessorando a complexa responsabilidade exploração e explotação de seus recursos
do comando e diminuindo as incertezas. naturais (minerais e outros recursos vivos
Em contrapartida a esse aumento signi- e não vivos do subsolo e leito marinhos,
ficativo da importância das comunicações assim como suas espécies vivas sedentá-
satelitais, cuja época foi denominada de a rias). Diante de tamanhas potencialidades
“Era da Informação”, o número de interfe- e riquezas dessa gigantesca massa aquífera,
rências1 associadas a esse tipo de comunica- o País possui a responsabilidade e a neces-
ção também aumentou consideravelmente, sidade de protegê-la.
constituindo-se em possíveis ameaças a O que define de fato a soberania do
um país, trazendo consequências bastante Brasil sobre as AJB é a existência de na-
negativas. vios patrulhando ou realizando ações de

1 Esse fenômeno é um dos fatores responsáveis pela limitação no tráfego das informações, produzindo ruídos que
podem ser reduzidos com certos tipos de modulação. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/fisica/o-
-fenomeno-interferencia.htm>, Acesso em 09 jul. 2106.
2 Órbita equatorial ou geoestacionária é aquela em que o satélite está sempre na mesma posição em relação à Terra.
Ela possui uma inclinação de 0 (zero) grau e coincide com o plano do equador.

174 RMB1oT/2017
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOSRR

presença, associada a um efetivo sistema às atribuições subsidiárias previstas em lei,


de vigilância, garantindo o estabelecimento como, por exemplo a Patrulha Naval (Patnav).
de maior consciência situacional sobre o Informações estratégicas e de inteligên-
que realmente acontece na Amazônia Azul. cia operacional poderão ser obtidas otimi-
O Sistema de Gerenciamento da Ama- zando o emprego dos meios navais, aéreos
zônia Azul (SisGAAz) é um dos princi- e aeronavais utilizados nessas Patnav,
pais projetos em desenvolvimento pela reduzindo o tempo de busca, identificação
Marinha do Brasil (MB), com a missão de e interceptação de contatos de interesse.
monitorar, de forma integrada, as AJB e as Tal sistema também poderá contribuir para
áreas internacionais de responsabilidade o sucesso das Operações Conjuntas6, con-
para operações de Socorro e Salvamento duzidas pelo Ministério da Defesa (MD),
(SAR), a fim de contribuir para o controle e até mesmo das Operações Combinadas7.
e a mobilidade estratégica3, representadas
pela capacidade de responder prontamente COMANDO E CONTROLE
a qualquer ameaça, emergência, desastre
ambiental, agressão ou ilegalidade. Porém, Entender Comando e Controle não é
em função de restrições orçamentárias, mais uma opção, mas sim uma exigência.
o SisGAAz está com o seu cronograma Se quisermos ser bem-sucedidos ao en-
original de execução adiado. frentar os desafios do presente e do futuro,
O estudo em lide torna-se relevante na é hora de reconhecer que haverá maiores
medida em que permite que sejam identifi- descontinuidades entre os conceitos e as
cadas as capacidades operacionais da Emsat práticas de C2 sendo ensinadas e praticadas
que possam de alguma forma contribuir hoje do que entre aqueles que o serão ama-
para o incremento da capacidade de C2 da nhã (ALBERTS; HAYES, 2006).
MB sobre a Amazônia Azul e nas áreas Os desafios das atuais missões mi-
internacionais de responsabilidade SAR4, litares aumentaram significativamente.
executando atividades de monitoração e O atentado terrorista de 11 de setembro
vigilância, suprindo em parte a missão do de 2001, ocorrido nos Estados Unidos
SisGAAz. da América (EUA) contra as chamadas
Vislumbra-se que a Emsat poderá pro- Torres Gêmeas, representou um ponto de
porcionar à MB uma relativa capacidade de inflexão entre o ambiente de segurança
monitoramento das AJB, contribuindo para dominado pela simetria da Guerra Fria
o exercício da soberania do País sobre essa (1947-1989) e as incertezas e assimetrias
área e também para o cumprimento de sua do novo milênio. Os riscos e desafios de
missão5, principalmente no que se refere um cenário de segurança incerto crescem

3 Mobilidade Estratégica é a aptidão para se chegar rapidamente ao teatro de operações (BRASIL, 2012).
4 As áreas internacionais de responsabilidade para operações de Socorro e Salvamento (SAR –Search and Rescue),
acertadas junto a Organização Marítima Internacional (International Maritime Organization – IMO) somam
cerca de 10 milhões de km2.
5 Missão da MB: “Preparar e empregar o Poder Naval, a fim de contribuir para a defesa da Pátria; para a garantia
dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem; para o cumprimento das
atribuições subsidiárias previstas em Lei; e para o apoio à Política Externa” (BRASIL, 2014). 
6 Operação que envolve o emprego coordenado de elementos de mais de uma força singular, com propósitos
interdependentes ou complementares, mediante a constituição de um Comando Conjunto (BRASIL, 2015b).
7 Operação empreendida por elementos ponderáveis de Forças Armadas Multinacionais, sob a responsabilidade
de um comando único (BRASIL, 2015b).

RMB1oT/2017 175
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

com a diminuição do tamanho e do custo processo de duas etapas: em primeiro lugar,


das Armas de Destruição em Massa (ADM) obter conhecimentos compartilhados e, em
e sua proliferação em um mundo cada vez segundo, alavancar o compartilhamento
mais interdependente. Ao mesmo tempo, de conhecimentos (autossincronização),
a complexidade das operações militares levando a um aumento substancial na agi-
aumenta significativamente, à medida que lidade e na eficácia do processo decisório.
os níveis estratégico, operacional e tático O segredo da NCW é a emergência de um
se fundem em operações que mesclam comportamento de autossincronização.
objetivos militares e civis. Vive-se em um Em última análise, a contribuição mais
mundo mais perigoso, com menos meios importante das abordagens centradas em
para defender os nossos interesses, com rede para o C2 será o seu fortalecimento
instituições menos estruturadas para reali- ou a sua agilidade (ALBERTS; HAYES,
zar operações, devido às “novas ameaças” 2006, tradução nossa).
que não param de evoluir (ALBERTS; Felizmente, novas tecnologias de in-
HAYES, 2003). formação e novos conceitos de operações
No século XXI, as operações tornaram- e abordagens de C2 criaram um espaço no
-se cada vez mais complexas e dinâmicas, qual indivíduos e organizações estão mais
exigindo capacidades e esforços coletivos. aptos a prover um aumento significativo das
As missões de hoje diferem das tradi- capacidades para lidar com esses desafios.
cionais não apenas em sua essência, mas Essa realidade já pode ser observada no
qualitativamente. Elas requerem o esforço âmbito nacional e está sendo implementada
de capacidades coletivas de muitas organi- conforme orientação prevista na Estratégia
zações para obter sucesso. As abordagens Nacional de Defesa (BRASIL, 2012).
tradicionais de C2 estão desatualizadas, a A configuração da ordem internacional,
estrutura e os conceitos de operação não caracterizada pela crescente assimetria de
estão mais adequados, nem são ágeis o poder, produz tensões e instabilidades inde-
suficiente para acompanhar as mudanças sejáveis para a paz. Os avanços decorrentes
necessárias para o combate moderno. O da Tecnologia da Informação (TI), a utiliza-
conceito de agilidade8 será a característi- ção de satélites, o sensoriamento eletrônico
ca mais importante das forças militares. e outros aperfeiçoamentos tecnológicos
Segundo Alberts e Hayes (2003, p. 2, tra- trouxeram maior eficiência aos sistemas
dução nossa), “a estrada para a agilidade é administrativos e militares, sobretudo nos
pavimentada com informações”. países que dedicam maiores recursos finan-
Essas transformações possuem dois ceiros à Defesa. Em consequência, foram
eixos principais: o primeiro focado na com- criadas oportunidades e vulnerabilidades
preensão dos desafios das missões atuais e que poderão ser exploradas, com o objetivo
outro focado nas Operações Centradas em de inviabilizar o uso dos nossos sistemas
Redes, de onde vem o termo Guerra Cen- ou facilitar atuação a distância. Para superar
trada em Rede, do inglês Network Centric essas vulnerabilidades, torna-se essencial
Warfare (NCW). A NCW consiste num o constante investimento do Estado em

8 Agilidade é a capacidade de realizar com sucesso, lidar com, e/ou explorar mudanças nas circunstâncias. Enquanto
outros fatores também influenciam os resultados, a agilidade em C2 permite que entidades empreguem de
forma eficaz e eficiente os recursos que têm em tempo hábil em uma variedade de missões e circunstân-
cias. (Disponível em:http://dodccrp.org/sas-085/sas-085_report_final.pdf, Acesso em 09 jun. 2016)

176 RMB1oT/2017
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOSRR

setores tais como o da TI (BRASIL, 2012). no território nacional e, principalmente, so-


Veremos que um dos objetivos da Emsat é bre as AJB, podendo identificar a presença
mitigar a ocorrência de interferências nas de um contato de interesse onde pensava-se
comunicações dos satélites nacionais e ainda não existir um sistema nacional capaz
estrangeiros, localizados no Arco Orbital9 de efetuar qualquer tipo de vigilância.
de alcance do Brasil, minimizando as vul- De forma a dissuadir as forças hostis
nerabilidades desse tipo de comunicação. nas AJB, a MB deve estar preparada para
Reforçada pela capacidade de mo- defender-se das agressões e das ameaças.
nitorar/controlar, a Para que a MB tenha
mobilidade estraté- condições de cumprir
gica, associada com a sua missão, provendo
a mobilidade tática10,
A capacidade de pronta resposta para
torna-se o objetivo monitoração de satélites defender-se das ame-
principal do moni- geoestacionários constitui aças, deverá possuir
toramento/controle uma efetiva capacida-
e uma das bases do uma nova e poderosa de de monitoramento
poder de combate, tecnologia que pode ser e controle das AJB,
exigindo das Forças
Armadas (FA) ação
empregada na Segurança atividade fundamental
para o êxito das opera-
que, mais do que con- Nacional e em defesa da ções militares e para a
junta, seja unifica- soberania de um país proteção dos recursos
da, tendo em vista a naturais vivos e não vi-
vastidão do espaço a vos da Amazônia Azul.
defender e a escassez de meios para fazê-lo.
Assim, para desenvolver as capacidades de MONITORAÇÃO DE SATÉLITES
monitorar e controlar as AJB, necessita-se GEOESTACIONÁRIOS
que o emprego da tecnologia de monitora-
mento esteja sob domínio nacional. Com A capacidade de monitoração de satéli-
base nessas tecnologias, desenvolver-se-á tes geoestacionários constitui uma nova e
a capacidade de prover uma resposta rápida poderosa tecnologia que pode ser empre-
para qualquer ameaça ou agressão que se gada na Segurança Nacional e em defesa
apresente (mobilidade estratégica). O es- da soberania de um país.
forço de presença a ser realizado pelas FA, Os primeiros sistemas satelitais surgi-
sobretudo ao longo das fronteiras terrestres ram em 1960. Até o final daquela década,
e nas partes mais destacadas do litoral, tem 74 satélites (civis e militares) tinham sido
limitações intrínsecas, sendo a mobilidade lançados. Na década de 1970, com a evo-
que permitirá superar o efeito prejudicial de lução da tecnologia e a redução nos custos
tais limitações (BRASIL, 2012). de implantação, mais de 70 novos satélites
A Emsat provê a capacidade de monito- foram lançados. Já na década de 1980,
rar qualquer transmissão satelital originada aproximadamente cem países já prestavam

9 A dimensão do arco orbital de interesse brasileiro está entre os meridianos de 46,5° E e 163,2° W. (Disponível
em: <http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPublicacao=34353&ass
untoPublicacao=null&caminhoRel=null&filtro=1&documentoPath=biblioteca/releases/2002/anexo_relea-
se_24_01_2001(11).pdf> Acesso em 01 ago. 2016).
10 Mobilidade Tática é a aptidão para se mover dentro da região em questão (BRASIL, 2012).

RMB1oT/2017 177
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

serviços com essa tecnologia, com o sur- construção da Emsat, concluída em 2014.
gimento dos terminais VSAT (Very Small Com sua ativação, o Brasil tornou-se a
Aperture Terminal)11. Na década de 1990, oitava nação a possuir a capacidade de fis-
outro salto tecnológico permitiu a operação calizar e monitorar comunicações satelitais,
em novas frequências, assim como o sur- passando a integrar o restrito grupo com-
gimento do “processamento embarcado”, posto por Alemanha, Japão, Cazaquistão,
que significa a alteração do comportamento Estados Unidos, Coreia do Sul, Ucrânia
dos novos satélites de simples repetidores e China, além de ser a nação pioneira no
para concentradores de telecomunicações hemisfério sul a possuir esta infraestrutura
no espaço (JUNIOR, 2008). (ANATEL, 2014).
Em um cenário de grande demanda
por esse escasso e valorizado serviço, são O PROBLEMA DAS
necessários planejamento e coordenação INTERFERÊNCIAS
para o uso mais eficiente desta tecnologia.
Surge assim a necessidade de monitorar As interferências normalmente não
e fiscalizar a qualidade dos serviços e podem ser eliminadas facilmente. Nas
recursos (órbita, equipamentos e mão de comunicações por satélites, elas aconte-
obra) empregados. A União Internacional cem frequentemente, sendo observadas
de Telecomunicações (UIT) 12, agência com maior presença nas faixas mais altas.
especializada da Organização das Nações Nesse caso elas devem ser administradas,
Unidas (ONU), é um exemplo de colabo- mantendo-se uma relação sinal/ruído13 de
ração cuja missão é estabelecer um padrão um canal dentro de limites toleráveis.
internacional de qualidade e disponibilida- Organizações como o Grupo de Re-
de desses serviços. dução de Interferências de Satélites (The
O Brasil, com o objetivo de garantir a Satellite Interference Reduction Group –
sua soberania e cumprir a Lei Geral de Te- Sirg) visam combatê-las de maneira contí-
lecomunicações (LGT) no 9.472/97 (marco nua, uma vez que os recursos disponíveis
legal para o setor de telecomunicações), são escassos e os investimentos elevados.
devido à realização dos grandes eventos Atitudes como mudar o tráfego para
a serem feitos em seu território (Copa do outro satélite ou até mesmo a frequência
Mundo em 2014 e Jogos Olímpicos em da operação nem sempre resolvem o
2016) (ANATEL, 2015b), viabilizou pela problema e causam prejuízos por vezes
Agência Nacional de Telecomunicações a de milhões de dólares, sem contar os

11 VSAT refere-se a qualquer terminal fixo usado para prover comunicações interativas, ou recepção apenas,
sempre passando pelo satélite qualquer transmissão terrestre até o receptor (http://www.gta.ufrj.br/grad/02_2/
vsat/definicao.htm, Acesso em 20 jun. 2016).
12 A UIT é a Agência do Sistema das Nações Unidas dedicada a temas relacionados às Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs). Coordena o uso global compartilhado do espectro de radiofrequência, promove a
cooperação internacional na área de satélites orbitais, trabalha na melhoria da infraestrutura de telecomu-
nicações junto a países em desenvolvimento e estabelece normas mundiais para prover interconexão entre
vários sistemas de comunicação, além de dedicar especial atenção a temas emergentes mundiais, tais como
mudanças climáticas, acessibilidade e fortalecimento da segurança cibernética (https://nacoesunidas.org/
agencia/uit/, Acesso em 02 jul. 2016).
13 O parâmetro “relação sinal/ruído” (signal/noise ratio) indica a diferença entre o nível mais alto de sinal que
o equipamento pode operar e o nível de ruído existente no aparelho (http://www.midideejay.com/2009/05/
relacao-sinalruido-e-faixa-dinamica.html, Acesso em 02 jul. 2016).

178 RMB1oT/2017
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOSRR

transtornos sociais e políticos (SMALL para promoção de democracia, liberdade


MEDIA REPORT, 2012). de expressão e informações sem censura,
São muitos os possíveis tipos de inter- principalmente naqueles governados por
ferências presentes nas comunicações via regimes autoritários. Aproximadamente
satélite: o erro humano, interferência em 120 canais de televisão na língua persa
satélite adjacente, interferência terrestre, são transmitidos, o que, para o governo, é
interferência deliberada, polarização cru- considerado uma afronta às suas crenças e
zada, intermodulação, interferência solar aos seus costumes.
e cintilação, que é a variação de energia Entre os anos de 2010 e 2012, foi
do sinal. observado um aumento considerável de
O tipo de interferência por satélite ad- interferências deliberadas no Oriente Mé-
jacente normalmente é acidental, pois uma dio. Segundo dados da empresa Eutelsat
pequena variação no azimute (direção) da (terceira maior operadora de comunicações
antena (0,75º) de uma estação terrena pode via satélite), subiu de 54 para 340 o número
acarretar numa variação de 3 dB (o dobro de casos em 2012. A área de ocorrência
da potência) no receptor do satélite. Devi- do jamming foi do noroeste da Europa ao
do ao fato de os satélites geoestacionários Afeganistão, afetando milhares de pessoas,
encontrarem-se espaçados por somente 2º principalmente por conta do efeito colateral
(dois graus), uma pequena variação nesse do jamming. Foram constatadas 90% das
azimute pode causar uma transmissão ocorrências tendo origem no Irã e na Síria.
indesejada no satélite adjacente. A ocor-
rência desse tipo de interferência no satélite A ESTAÇÃO TERRENA DE
adjacente é o que permite aos sistemas de MONITORAÇÃO DE SATÉLITES
monitoramento efetuarem a geolocaliza- GEOESTACIONÁRIOS (EMSAT)
ção14 de fontes transmissoras.
A interferência deliberada é definida A Emsat foi inaugurada no dia 30 de
como uma interferência intencional. Ela maio de 2014 pela Anatel e está localizada
tem como objetivo gerar prejuízo finan- no interior da Estação Rádio da Marinha no
ceiro, operacional ou político. Ela pode Rio de Janeiro (ERMRJ), Ilha do Governa-
tornar inviável o uso de um canal, de um dor. Avaliações técnicas foram realizadas
transpônder ou de até mesmo todo o satélite previamente nos estados de Goiás e São
e está se tornando pior à medida que o nú- Paulo e no Distrito Federal, tendo sido
mero de estações terrestres capazes de fazer escolhido o estado do Rio de Janeiro, em
transmissões aumenta, particularmente em função da localização das operadoras,
altas frequências, como na banda “Ku”, dos centros de controle de satélites, da
com pequenas antenas. Desta forma, pode- avaliação de cobertura de satélites e do
-se afirmar que a interferência deliberada compartilhamento de recursos. O projeto
é um segmento da Guerra Eletrônica (GE) de construção foi executado pela empresa
orientada para as comunicações satelitais. Alcatel-Lucent em aproximadamente sete
Em alguns países como o Irã, por exem- meses, com um investimento da ordem de
plo, o jamming é um problema real. Como R$ 15 milhões.
em outros países, a mídia televisiva via sa- Seus três objetivos principais são:
télite se caracteriza por ser uma ferramenta atender aos grandes eventos internacionais

14 Localização geográfica de um elemento.

RMB1oT/2017 179
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

(Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016); detectado. Assim, pode-se deduzir que, se


proporcionar um legado ao Brasil, com esse contato de interesse permanecer em
uma nova ferramenta de gestão de espectro silêncio eletrônico durante toda a sua per-
e órbita de satélites; e realizar coopera- manência ou passagem pelas AJB, ele não
ção internacional com a UIT para o uso será detectado, a não ser que um navio ou
eficiente do espectro eletromagnético e aeronave militar em atividade de Patrulha
órbita internacional, com a capacidade de Naval esteja passando pelas suas proximi-
combater interferências. dades. Vale ressaltar que a observação de
Ainda na fase de sua concepção, foi sucessivas transmissões satelitais em um
estabelecida uma parceria estratégica en- mesmo ponto ou região poderá significar a
tre a Anatel e a Marinha do Brasil, pela presença de um contato de interesse parado
própria localização da ou deslocando-se len-
Emsat (dentro de uma tamente, havendo in-
Organização Militar A Estação de dícios de envolvimen-
da Marinha), além da to em atividades de
possibilidade de seu Monitoração de Satélites pesca ou de pesquisa,
emprego para a defesa Geoestacionários da cabendo, neste caso,
nacional.
É importante res-
Anatel poderá contribuir uma investigação in-
-loco e uma análise
saltar que a Emsat significativamente para o das características de
está licenciada para cumprimento da missão seus sinais, por meio
efetuar medidas nas de um banco de dados
bandas UHF, L, S, X, constitucional da MB e previamente obtido,
C, Ku e Ka, porém também para o exercício da a fim de identificá-lo.
está pronta somente Dentre as capaci-
para efetuar medidas
soberania do País sobre a dades da Emsat, po-
nas bandas C, Ku e Amazônia Azul demos citar o forneci-
Ka. Ela é constituída mento de informações
de sete antenas, todas de Inteligência Opera-
elas sendo utilizadas para a monitoração, cional, tais como a identificação da presen-
dentre as quais, dois pares também são uti- ça de um contato de interesse, por meio da
lizados para a geolocalização, sendo um par detecção de suas transmissões satelitais, e
na banda C e outro na banda Ku. Além dis- a geolocalização dessa fonte emissora na
so, a cooperação internacional no processo superfície da Terra. Isso poderá contribuir
de radiomonitoração espacial é importante significativamente para o cumprimento da
para a gestão do espectro e órbita de manei- missão da MB, principalmente no que se
ra eficiente e livre de interferências, sendo a refere às suas atribuições subsidiárias pre-
Emsat um recurso oportuno para a projeção vistas em lei, como, por exemplo a Patnav,
do Brasil no contexto internacional. otimizando o emprego dos meios navais,
Em função da Emsat ser uma estação de aéreos e aeronavais utilizados nessas
monitoração, ela opera apenas na recepção. atividades e reduzindo o tempo de busca,
Assim, para que ocorra a detecção de um identificação e interceptação dos contatos
contato de interesse, faz-se necessário de interesse.
que esse contato realize pelo menos uma Observa-se que a tecnologia empregada
transmissão satelital para que possa ser na Emsat encontra-se no estado da arte em

180 RMB1oT/2017
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOSRR

nível mundial em monitoração de satélites, nicações militares, a fim de possibilitar o


sendo um recurso nacional, moderno e seu emprego em benefício das operações
disponível para ser utilizado em atividades realizadas pelas Forças Singulares, Opera-
de interesse da Defesa Nacional. Sua in- ções Conjuntas conduzidas pelo Ministério
fraestrutura é bastante flexível, permitindo da Defesa (MD) e também das Operações
ampliação para monitorar outras faixas de Combinadas.
frequências, como, por exemplo, a banda
X, utilizada nas comunicações militares, o CONCLUSÃO
que permitirá o seu emprego em benefício
das Operações Conjuntas, conduzidas pelo Diante da responsabilidade de proteger o
Ministério da Defesa (MD), e até mesmo patrimônio da Amazônia Azul e em função
das Operações Combinadas. da indisponibilidade de um sistema eficaz
O Satélite Geoestacionário para Defesa de C2 para monitorar e controlar as AJB,
e Comunicações Estratégicas (SGDC), o presente trabalho identificou que a Emsat
construído pela Thales Alenia Space para poderá contribuir para o incremento da ca-
o Brasil com investimento da ordem de pacidade de C2 da MB sobre a Amazônia
R$ 1,3 bilhão, está pronto para embarque Azul, otimizando o emprego de seus meios
para a plataforma de lançamento Kourou, nas atividades de Patnav, empregando-os
na Guiana Francesa, de onde será lançado de maneira inteligente e direcionada para
pelo foguete Ariane 5, com previsão para os pontos ou áreas possíveis ou prováveis
março. Com duplo emprego (civil e mili- de se encontrarem contatos de interesse,
tar), foi projetado para satisfazer dois ob- obtidas por meio do processo de geolo-
jetivos principais: a implementação de um calização.
sistema seguro de comunicações via satélite Uma vez que já foi estabelecida a in-
para as Forças Armadas e para o governo teroperabilidade entre a Anatel e a MB,
brasileiro, e para o suporte à instalação do os recursos da Emsat podem e devem
Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)15. ser explorados continuamente, tendo em
O SGDC-1 está equipado com vá- vista que se trata de um sistema nacional,
rios transpônderes em banda Ka e 5 com a capacidade de obtenção de dados e
em banda X, trazendo mais segurança para informações estratégicas de inteligência
as comunicações estratégicas do governo operacional, conseguidos por meio do mo-
e para as comunicações militares, pois seu nitoramento dos satélites geoestacionários,
controle será realizado no Brasil em esta- localizados sobre o arco orbital brasileiro.
ções localizadas em áreas militares, sob a Caso sejam utilizados eficientemente, tais
coordenação da Telebras e do Ministério recursos poderão contribuir significativa-
da Defesa. mente para o cumprimento da nova missão
Com o lançamento em órbita do SGDC- constitucional da MB e também para o exer-
1, vislumbra-se a necessidade de ampliação cício da soberania do País sobre a Amazônia
da Emsat, atualmente pronta para efetuar Azul, evitando-se a exploração dos recursos
medidas nas bandas C, Ku e Ka, para a vivos e não vivos da nossa Amazônia Azul
Banda X inclusive, utilizada nas comu- sem a devida autorização.

15 Disponível em http://www.aereo.jor.br/2017/02/03/satelite-brasileiro-sgdc-sera-lancado-pelo-foguete-ariane-5-
-no-proximo-mes-de-marco/ e https://pt.wikipedia.org/wiki/SGDC-1 (Acesso em 11 fev. 2017).

RMB1oT/2017 181
RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<COMUNICAÇÕES>; Comunicações eletrônicas; Telecomunicação; Comunicações por
satélite;

REFERÊNCIAS

ALBERTS, David S.; HAYES, Richard E. Power to the Edge: command and control in the information
age. Washington, DC: Command and Control Research Program, 2003. 259 p.
ALBERTS, David S.; HAYES, Richard E. Understanding Command and Control. Washington, DC:
Command and Control Research Program, 2006. 222 p.
BRASIL. Estação da Anatel para monitoração de comunicações por satélites está em operação.
ANATEL, 2014. Portal da ANATEL, 30 de maio de 2014. Disponível em: “http://www.anatel.
gov.br/Portal/exibirPortalNoticias.do?acao=carregaNoticia&codigo=33862”. Acesso em 05
de agosto de 2016.
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TZU, Sun. A Arte da Guerra: os treze capítulos originais. Edição Completa, adaptaçao e tradução de
Nikko Bushidô. São Paulo: Jardim dos Livros, 2007. 138 p.
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Media Report, 2012. Disponível em <http://www-tc.pbs.org/wgbh/pages/frontline/tehranbureau/
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182 RMB1oT/2017
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO
UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE
FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL*

THIAGO RIBEIRO DE JESUS**


Capitão-Tenente (FN)

SUMÁRIO

Introdução
Cenário mundial atual
Conceitos de projeção anfíbia
Evolução no United States Marine Corps
Evolução no Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil
A projeção anfíbia e a política externa brasileira
Impactos na doutrina e nos recursos humanos e logísticos
Conclusão

INTRODUÇÃO caracterizados pelos antigos padrões, esta-


belecendo, pois, um cenário internacional
A Projeção Anfíbia é a quinta modali- de incerteza e instabilidade.
dade de Operação Anfíbia (OpAnf). Esta Neste contexto, as preocupações da polí-
surge após o fim da Guerra Fria, quando tica de defesa dos países passam a ser com as
os conflitos entre Estados deixam de ser “novas ameaças”, caracterizadas pela baixa

* Adaptação do Trabalho de Desenvolvimento Profissional apresentado ao Centro de Instrução Almirante Sylvio


de Camargo como complementação ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais do Corpo de Fuzileiros Navais.
** Comandante de Pelotão do GptOpFuzNav no Haiti. Oficial de Logística do 1o Batalhão de Infantaria de FN.
Oficial do Estado-Maior do Batalhão de Infantaria do grupo de Assessoramento Técnico de FN na Namíbia.
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

intensidade e grande frequência, que até o de uma Incursão Anfíbia (IncAnf) de uma
momento não estavam sendo consideradas Projeção Anfíbia em uma Operação de
de importância na pauta de segurança. Evacuação de Não Combatentes (OpENC)
Esta conjuntura passa a exigir o emprego Para que se possa inserir uma nova
rápido de uma Força Expedicionária An- modalidade de OpAnf ou, até mesmo, um
fíbia moderna, capaz de realizar variados novo tipo de operação em uma doutrina
tipos de operações, característica assim já consolidada, faz-se necessário estudar
apresentada por Monteiro (2010, p.13-14) seus fundamentos e realizar ajustes visando
como “emprego tempestivo de força autos- a enquadrá-la nos capítulos das normas
sustentável para cumprir missão por tempo brasileiras. Desta forma, não é válido
limitado, sob condições austeras e em área apenas “copiar” as evoluções doutrinárias
operacional distante de sua base”. do USMC, em cuja instituição a Projeção
O presente trabalho estudará o cenário Anfíbia foi inserida inicialmente como um
mundial no qual se insere a Projeção Anfí- tipo de OpAnf e posteriormente como uma
bia, seu conceito e emprego, com o propósito modalidade, só que com denominações di-
de identificar as situações, os contextos e ferentes. Neste contexto, será objetivo deste
tipos de ambientes operacionais em que a trabalho também observar os impactos da
utilização de uma tropa anfíbia seria a so- Projeção Anfíbia na doutrina e nos recursos
lução do problema apresentado e elucidar o humanos e logísticos do CFN.
surgimento da Projeção Anfíbia como uma A Projeção Anfíbia vem impulsionar
nova modalidade de OpAnf, tanto no Uni- e flexibilizar o emprego da MB em um
ted States Marine Corps (USMC) como no cenário internacional de incertezas, por
Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) do Brasil. meio do Conjugado Anfíbio2, o qual é uma
Este trabalho buscará também, por meio excelente ferramenta para o cumprimento
de interpretações do manual que aborda o das tarefas básicas do Poder Naval, par-
conceito do emprego deste tema na Mari- ticularmente da projeção de poder sobre
nha do Brasil (MB), a Doutrina Básica da terra. Proporciona, ainda, ao Poder Naval
Marinha (DBM), analisar se há necessidade características de mobilidade, permanência,
de realizar alterações em definições no versatilidade e flexibilidade, que, somadas
documento, fruto de questionamentos que à capacidade expedicionária, permitem o
surgem ao ser empregada a Projeção Anfí- emprego em largo espectro de atividades.
bia, como por exemplo: como empregar a O CFN, organizado em Grupamentos Ope-
Projeção Anfíbia nas atividades em região rativos de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav)3
permissiva1, sendo que Operação Anfíbia, com características de versatilidade e flexi-
em sua definição, não especifica que ela bilidade, os quais dispõem da combinação
possa ser empregada neste tipo de ambiente dos meios de combate, apoio ao combate
operacional e como diferenciar o emprego e apoio de serviços ao combate, ganha

1 Região permissiva ou ambiente permissivo “é aquele em que o país anfitrião, por meio de suas forças militares
e de segurança pública, mantém o controle institucional, assim como a intenção e a capacidade de apoiar as
operações militares desencadeadas em seu território”. (GAVIÃO, 2010, p. 166)
2 Conjugado Anfíbio “se traduz em uma Força Naval, com um GptOpFuzNav embarcado juntamente com os
meios aeronavais adjudicados, em condições de cumprir missões relacionadas às tarefas básicas do Poder
Naval”. (BRASIL, 2013, p. 2-2)
3 GptOpFuzNav “é uma forma de organização para o emprego de tropa de Fuzileiros Navais, constituída para o
cumprimento de missão específica e estruturada segundo o conceito organizacional de componentes, que
agrupa os elementos constitutivos de acordo com a natureza de suas atividades”. (BRASIL, 2013, p. 4-1)

184 RMB1oT/2017
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

significativo grau de confiabilidade, sendo tráfico e o terrorismo tornam as ameaças


projetado no cumprimento de importantes de pequena envergadura mais frequentes,
tarefas nacionais e internacionais. com intensidade, localização e motivação
Tendo em vista as “pequenas guerras”, desconhecidas e variáveis. Estas incertezas
cujas operações são caracterizadas pelo alto apresentadas passam a exigir um Poder
grau de flexibilidade, versatilidade e mo- Naval fortalecido “do mar” e não apenas
bilidade, o estudo do conceito de Projeção “no mar”, e a projeção de poder sobre o
Anfíbia contribuirá para uma futura análise litoral passa a ser importante, devido à
do seu emprego pelo CFN do Brasil, que, finalidade de mitigar ou evitar crises que
conforme estabelecido na Estratégia Na- possam ameaçar a estabilidade política e
cional de Defesa (END), “consolidar-se-á econômica de determinada região de um
como a força de caráter expedicionário por mundo globalizado.
excelência” (BRASIL, 2008, p.8). Os conflitos se caracterizam por uma
combinação híbrida de táticas padronizadas
CENÁRIO e irregulares, planeja-
MUNDIAL mento e execução des-
ATUAL Os conflitos se caracterizam centralizados e atores
não estatais, que usam
O século XX ficou por uma combinação as tecnologias, tanto
marcado pelos con- híbrida de táticas simples quanto sofis-
flitos entre Estados, padronizadas e irregulares, ticadas, de maneira
em que forças anta- inovadora.
gônicas lutavam por planejamento e execução Acrescenta-se a ins-
seus interesses em um descentralizados e atores tabilidade política em
mundo bipolarizado, áreas com reduzida ou
sendo normalmente não estatais, que usam as nenhuma presença do
empregadas as quatro tecnologias, tanto simples Estado, onde Forças
modalidades clássicas quanto sofisticadas, de Anfíbias modernas são
de OpAnf: retirada, empregadas no comba-
assalto, incursão e maneira inovadora te a grupos criminosos,
demonstração anfíbia. como terroristas, trafi-
Havia a real necessi- cantes e piratas. Estas
dade de um Poder Naval fortalecido “no forças são capazes de atuar em natureza
mar”, com a finalidade de enfrentar uma distinta de operações, desde Atividades
ameaça clara e evidente. Benignas a Operações de Guerra Naval,
Já no início do século XXI, com o fim da tanto em ambiente permissivo quanto par-
Guerra Fria e um mundo multipolarizado, cialmente hostil ou totalmente hostil. Isto
a corrida armamentista e as grandes amea- reforça a necessidade de uma força capaz
ças foram reduzidas. Mesmo diante de um de alterar sua postura rapidamente, advinda
cenário de relativa paz e harmonia, surgem da volatilidade do ambiente.
as crises de menor envergadura capazes de A este cenário de incerteza e instabilidade
ameaçar a segurança e a estabilidade das adicionam-se as disputas e demandas provo-
relações internacionais. As disputas étnicas cadas pelo aumento da população litorânea,
e o extremismo religioso, a perenidade conforme explicitado no artigo “A Cooperative
dos conflitos no Oriente Médio, o narco- Strategy for 21st Century Seapower” (2007):

RMB1oT/2017 185
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

A grande maioria da população mun- anseios da sociedade [...]. A participação


dial vive próxima a algumas centenas em operações internacionais de paz ou
de milhas dos oceanos. A instabilidade humanitárias, preferencialmente as de
social em cidades cada vez mais habita- caráter naval, fora do território e das
das, muitas das quais existem em partes Águas Jurisdicionais Brasileiras, em
já instáveis do mundo, tem o potencial qualquer região que configure um cenário
de criar perturbações significativas. Os estratégico de interesse naval, atuando
efeitos da mudança climática podem isoladamente, em conjunto com outras
também ampliar o sofrimento humano forças ou em coalizão multinacional, é
[...]. As comunicações em massa ressal- outra possibilidade das tropas anfíbias,
tarão o drama do sofrimento humano e que podem ser usadas como resposta
as populações desprovidas ficarão cada imediata para respaldar a política externa
vez mais penosamente cientes e menos brasileira. (MONTEIRO, 2010, p. 24)
tolerantes de suas condições. (ESTADOS
UNIDOS, 2007, p. 7, tradução nossa) Em ambos os países, observam-se a
preocupação e a mudança de postura na
Estes fatores contribuem para que os política de emprego das Forças Armadas
países estejam preparados para responder diante do cenário mundial apresentado,
rapidamente às situações de crises, visando caracterizado por conflitos de baixa inten-
proteger seus Objetivos Nacionais. Neste sidade, advindos de inflexões geopolíticas,
contexto, é com a flexibilidade do conceito econômicas e sociais.
de emprego de meios em Operações Anfí- Com isso, no final da década de 80, o
bias que suas forças poderão ser utilizadas USMC menciona em seus manuais dou-
com poder não tão bélico, possibilitando trinários as Operações Anfíbias ditas não
levar soluções às crises em ambientes que tradicionais, empregadas em conflitos de
variam do permissivo ao hostil. baixa intensidade, resposta militar ante-
Com as mudanças e demandas causadas cipada e outras operações relacionadas.
por pressões decorrentes do crescimento Posteriormente, em 2014, na MB, o CFN
populacional, aumento na busca por fontes passa a se referir ao tema em pauta como
de recursos escassos, desastres naturais, uma nova modalidade de OpAnf, com o
rápidas mudanças sociais, culturais e ge- nome de Projeção Anfíbia.
opolíticas e com os avanços tecnológicos,
os Estados Unidos da América repensam CONCEITOS DE PROJEÇÃO
o preparo e emprego de seu poder militar ANFÍBIA
com capacidade de responder prontamente
e com flexibilidade a estas demandas, sendo O final do século XX apresenta um mun-
capazes de atuar em conjunto com outras do em que a probabilidade de emprego de
agências não governamentais e também uma Força Anfíbia em uma luta armada en-
internacionais. tre Estados é bem menor do que a projeção
No Brasil, estudo realizado pelo Coman- de tropas em terra visando à prevenção de
do-Geral do CFN e divulgado pelo documen- conflitos e mitigação de crises, o que gera
to intitulado “A Próxima Singradura” destaca: uma estabilidade internacional. Porém este
O Corpo de Fuzileiros Navais, além equilíbrio tem sido afetado por elementos
de contribuir para a defesa da Pátria, diversos e de menores proporções, como
deverá se encontrar em sintonia com os os desastres físicos e humanitários citados.

186 RMB1oT/2017
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

É neste período em que a doutrina te decorrentes de disputas internas, terroris-


norte-americana, referência para diversas mo e criminalidade, atendendo aos anseios
Marinhas do mundo, descreve a condução contemporâneos da sociedade mundial,
conjunta das Operações Anfíbias de suas o USMC define, em 1992, OpAnf como
Forças Armadas, abordando formas dinâ- sendo “um ataque lançado a partir do mar
micas e evolutivas de combate de acordo por Forças Navais e Anfíbias, embarcadas
com as novas tecnologias, as ameaças e os em navios ou embarcações, envolvendo o
requisitos. desembarque em litoral hostil ou poten-
Consequentemente, o Brasil, país que cialmente hostil” (ESTADOS UNIDOS,
possui sua doutrina anfíbia fomentada 1992, p. GL-6, tradução nossa), passando
com base nos manuais do USMC, passa a a mencionar dois tipos de ambientes ope-
se referir ao assunto racionais.
como sendo a Pro- O final da década de
jeção Anfíbia uma O final da década de 90 é 90 é marcado por um
quinta modalidade de marcado por um cenário de cenário de relativa paz.
OpAnf.
relativa paz. Com o fim da Com o fim da bipola-
rização e o início da
Evolução no United bipolarização e o início da globalização, surgem
States Marine Corps globalização, surgem crises crises de menor enver-
gadura e com grande
As definições de de menor envergadura e frequência, ameaçando
Operações Anfíbias com grande frequência, a segurança e a esta-
no USMC começam
a ser escritas em ma-
ameaçando a segurança e bilidade das relações
internacionais. O Po-
nuais em 1933. E, no a estabilidade das relações der Naval passa a ser
final da década de 80, internacionais fortalecido não apenas
o manual norte-ame- “no mar”, onde eram
ricano Joint Doctrine combatidas as esqua-
For Landing Force Operations classifica dras inimigas, e sim “a partir do mar”, com
as Operações Anfíbias não tradicionais preocupações na projeção de poder sobre
como de manobras flexíveis e versáteis que o litoral. Nesta conjuntura, a US Navy
atuam em conflitos de baixa intensidade; publica, em 1992, o artigo “From the Sea:
respostas rápidas a crises; outras operações Preparing the Naval Service for the 21st
que envolvam forças de desembarque, de Century”, com um novo direcionamento
caráter naval, mas que não se configurem estratégico para o governo das operações
como guerra anfíbia propriamente dita. conjuntas conduzidas “a partir do mar”.
Nestas estão inseridos o socorro a desastres A partir do século XXI, a definição
ambientais, a evacuação de não comba- de OpAnf passa por diversas alterações
tentes e os desembarques administrativos, nos manuais do USMC. Segundo o Joint
trazendo a ideia de que a doutrina e os Doctrine for Amphibious Operations (JP
seus procedimentos devem se adaptar às 3-02), publicado em 2001, trata-se de “uma
evoluções tecnológicas e às novas ameaças operação militar lançada a partir do mar por
(ESTADOS UNIDOS, 1989). uma Força Anfíbia, embarcada em navios
Com a intenção de levar soluções a esses ou embarcações com o objeto principal de
conflitos de baixa intensidade, normalmen- introduzir uma Força de Desembarque em

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PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

terra para cumprir uma missão determina- rápida resposta a crises, tanto interna quan-
da” (ESTADOS UNIDOS, 2001, p. GL-5, to externa ao País. Esta denominação surge
tradução nossa). Tal conceito, como visto, na revisão do manual norte-americano, em
volta a não mencionar o tipo de ambiente, 2014, mesmo ano em que a MB passa a
pois, com o cenário dos conflitos apresen- adotar uma quinta modalidade de OpAnf.
tado, não terá mais importância o tipo de
ambiente, sendo possível seu emprego nos Evolução no Corpo de Fuzileiros Navais
três ambientes: hostil, incerto e permissivo. do Brasil
Neste mesmo documento do ano de
2001, o USMC cita em suas modalidades O CFN, parcela intrínseca e indissociá-
um quinto tipo de OpAnf não enquadrada vel da MB, por meio de sua doutrina anfí-
como assalto, retirada, demonstração ou bia, confere diferencial valor estratégico ao
incursão, não definindo nome, porém sendo País. A Força de Fuzileiros Navais, como
designada como “outras Operações Anfí- núcleo do componente anfíbio do Poder
bias”, com capacida- Naval brasileiro, vem
de de conduzir outros desenvolvendo e apli-
tipos de operações, A Projeção Anfíbia surge, cando sua doutrina em
como evacuação de pois, como uma solução busca do cumprimento
não combatentes e as- da missão da MB.
sistência humanitária. para flexibilizar o conceito Na MB, a defini-
Em sua nova edição, clássico de OpAnf, o qual, ção de OpAnf não so-
em 2009, este manual
passa a chamar estas
na MB, está enquadrado freu muitas alterações
como no USMC. Em
“outras Operações entre as Operações de 1997, ela incluiu o ata-
Anfíbias” de “Apoio Guerra Naval que lançado do mar
Anfíbio a outras Ope- em litoral hostil ou
rações Anfíbias”, um potencialmente hostil;
tipo de OpAnf que contribui para a pre- e em 2014 lançou a definição que é usada
venção de conflitos ou mitigação de crises. até os dias atuais: “uma operação naval
Ainda assim, a definição de OpAnf não lançada do mar, por uma Força-Tarefa
estava adequada no entendimento dos ame- Anfíbia (ForTarAnf), sobre região litorâ-
ricanos. No mesmo ano de 2009, o artigo nea hostil ou potencialmente hostil, com
intitulado “Amphibious Operations in the o efeito desejado de introduzir uma Força
21st Century” elenca os tipos de OpAnf em de Desembarque (ForDbq) em terra para
ordem de probabilidade de adoção e passa cumprir missões designadas” (BRASIL,
a se referir ao “Apoio Anfíbio a outras 2014, p. 3-4), a qual permanece com o
Operações Anfíbias” como “Engajamento desembarque em regiões litorâneas hostis
Anfíbio e Resposta a Crises”, sendo este ou potencialmente hostis, não tendo sido
tipo o mais provável de ser empregado. incluídos os litorais permissivos.
Atualmente, o USMC denomina essa Alinhada às potências marítimas mun-
quinta modalidade, que nos últimos anos diais, a MB passou a adotar em 2014, em sua
tem sido a mais comum no emprego de uma doutrina básica, uma quinta modalidade de
OpAnf, de “Apoio de Força Anfíbia para OpAnf, denominando-a Projeção Anfíbia.
Resposta a Crises e Outras Operações”, Com a mudança do cenário mundial, há
sendo caracterizada como uma OpAnf de a necessidade de um Poder Naval versátil

188 RMB1oT/2017
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

Figura 1 - Capacidades Militares 4

e com ampla possibilidade de emprego. A apoio a uma Operação de Guerra Naval, ou


Projeção Anfíbia surge, pois, como uma seja, desde conflitos de baixa intensidade
solução para flexibilizar o conceito clássico até conflitos de alta intensidade, de acordo
de OpAnf, o qual, na MB, está enquadrado com a Figura 1.
entre as Operações de Guerra Naval. Mesmo sendo enquadrada em uma
O emprego do Poder Naval em amplo Operação de Guerra Naval, a Projeção
espectro das operações militares exige uma Anfíbia permite que uma força anfíbia seja
Força capaz de ser projetada em todo tipo empregada desde a Guerra Global até os
de ambiente operacional, desde permissivo adestramentos, sendo necessário observar
a hostil. E as características de versatilida- o uso limitado da força ou o não-emprego
de, flexibilidade, permanência e mobilidade da força, fatores que caracterizam estas
do Poder Naval brasileiro, por meio do operações.
emprego do conjugado anfíbio, permitem Desta forma, a DBM define a Projeção
realizar operações de diversas naturezas. Anfíbia como sendo uma operação que:
A Projeção Anfíbia carrega essas ca- [...] utiliza-se das capacidades intrín-
racterísticas de flexibilidade de postura, secas do conjugado anfíbio para introdu-
podendo ser aplicada, conforme os capí- zir em área de interesse, a partir do mar,
tulos da DBM, em Atividades Benignas, meios para cumprir tarefas diversas em
passar a ser empregada em Atividade de apoio a operações de guerra naval ou re-
Emprego Limitado da Força e finalizar em lacionadas, dentre outras contingências,

4 Figura fornecida pelo Contra-Almirante (FN) Nélio de Almeida, por ocasião da palestra realizada na Esquadra
brasileira, em 2015.

RMB1oT/2017 189
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

como prevenção de conflitos e distensão cenário de emprego, há uma necessidade


de crises. É, também, apropriada para brasileira de mudar em suas publicações
a condução de atividades de emprego a definição de OpAnf, mesmo que em
limitado da força e benignas, tais como parágrafos seguintes da DBM seja men-
Operação de Evacuação de Não Com- cionado que a “projeção de tropa anfíbia
batentes (OpENC), resposta a desastres em terra é o que caracteriza a operação
ambientais e Operação Humanitária. anfíbia contemporânea, não importando
(BRASIL, 2014, p. 3-6) o grau de hostilidade do ambiente, nem o
tipo de missão a ser cumprida” (BRASIL,
Fato relevante observado no desen- 2014, p. 3-4). Na visão deste autor, esta
volvimento deste trabalho é que a mesma alteração facilitará o entendimento durante
publicação que define o que é Projeção o planejamento militar.
Anfíbia insere o Apoio à Política Externa Portanto, sugere-se como enunciado da
como uma Atividade Benigna, esta sendo definição de OpAnf: Operação naval lan-
uma das possibilidades de emprego desta çada do mar por uma Força-Tarefa Anfíbia
modalidade de OpAnf, conforme será (ForTarAnf), sobre uma região litorânea,
abordado no próximo capítulo. Porém, em com o efeito desejado de introduzir uma
sua definição, não deixa explícito que esta Força de Desembarque (ForDbq) em
quinta modalidade poderá ser empregada terra para cumprir missões designadas,
em Apoio à Política Externa do País, um não importando, desta maneira, o grau de
dos propósitos elencados na missão da MB. hostilidade do ambiente operacional.
Este autor propõe que seja alterada a defi- Com o gradual aumento de acordos,
nição de Projeção Anfíbia, sendo inserido tanto na área de defesa quanto econômica,
ao final desta o Apoio à Política Externa entre o Brasil e os países do oeste africa-
como exemplo de emprego. Além disso, no, cresce significativamente o número
é necessário que seja incluída nas explica- de nacionais naquele continente. Porém
ções de OpENC, Operações Humanitárias e as chamadas “novas ameaças”, fruto da
Apoio à Política Externa a possibilidade do instabilidade política, econômica e do
emprego da Projeção Anfíbia na condução aumento da criminalidade local, ameaçam
destas operações, ficando evidenciadas a segurança desses brasileiros. Por ser um
as possibilidades de emprego desta nova dos objetivos nacionais a defesa de seus
modalidade de OpAnf. cidadãos no exterior, há a necessidade de
A atual definição de OpAnf menciona uma força em condições de realizar opera-
o seu emprego em ambiente hostil e po- ção militar com o propósito de evacuá-los
tencialmente hostil e não inclui o permis- em caso de crise (SIMIONI, 2014, p.26).
sivo. Sendo a Projeção Anfíbia um tipo Como consequência do estudo das pos-
específico de OpAnf, este fato restringe a sibilidades de emprego do CFN para evacu-
utilização desta modalidade na condução de ar estes nacionais, surge o questionamento
operações em região litorânea permissiva, de qual seria a modalidade mais apropriada
como no caso de uma OpENC, Operação para a realização da evacuação dos não
Humanitária ou em Apoio à Política Ex- combatentes: a recente Projeção Anfíbia ou
terna do País. a já tradicional IncAnf? Após interpretação
Semelhante ao ocorrido com o USMC da DBM por este autor, observa-se que há
no decorrer dos anos ao alterar a defi- necessidade de definir exatamente o efeito
nição de OpAnf, visando se adequar ao desejado de uma Projeção Anfíbia, para

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PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

que ela não venha a ser confundida com Projeção Anfíbia com o planejamento da
emprego de outras modalidades. Na ques- retirada, como em uma IncAnf.
tão apresentada, tanto a Projeção Anfíbia Os efeitos desejados de obtenção de
quanto a IncAnf podem ter como efeito de- informações e o apoio a operações em
sejado a evacuação de pessoal de interesse, terra elencados na IncAnf, na opinião deste
neste caso não combatente. autor, também poderiam ser enquadrados
A OpENC é uma atividade enquadra- apenas na Projeção Anfíbia, por ser uma
da no emprego limitado da força que, de modalidade de apoio a Operações de
acordo com a doutrina da MB, trata-se da Guerra Naval ou relacionadas, coforme sua
forma de aplicação da força, normalmente definição pela DBM.
prescrita pela lei ou pelo mandato que estão
sendo impostos e refletidos nas regras de A PROJEÇÃO ANFÍBIA E A
engajamento, podendo ainda ser utiliza- POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
dos elementos das
Operações de Guerra A Política de De-
Naval, sendo o li- Atualmente, tem crescido fesa Nacional (PDN)
mitado uso da força o interesse dos países descreve um ambiente
o principal aspecto internacional no qual
que as distingue. Este em desenvolvimento em as relações entre as
autor propõe que se realizar uma inserção nações têm enfrentado
pense no emprego
da IncAnf para eva-
positiva na economia e na desafios mais comple-
xos no período pós-
cuação utilizando o política internacional. Para -Guerra Fria, devido à
máximo uso da for- isso é necessário um atuação de atores não
ça, já que as regras estatais, a novas ame-
de engajamento são cenário mundial seguro aças e à contraposição
brandas ou inexisten- e estável, onde os entre o nacionalismo e
tes nesta modalidade,
além de haver um ato
inter-relacionamentos se oalém transnacionalismo,
de disputas por
declarado entre as tornam mais exequíveis áreas marítimas, do-
nações envolvidas; e mínio aeroespacial e
emprego da Projeção fontes de água doce e
Anfíbia para evacuação com emprego limi- de energia cada vez mais escassas.
tado da força, utilizando-se das regras de Atualmente, tem crescido o interesse dos
engajamento mais detalhadas e conduzidas países em desenvolvimento em realizar uma
em tempo de paz. inserção positiva na economia e na política
Porém a interpretação fica ainda mais internacional. Para isso é necessário um ce-
clara caso seja retirada dos efeitos dese- nário mundial seguro e estável, onde os inter-
jados da IncAnf a evacuação de pessoas -relacionamentos se tornam mais exequíveis.
ou material de interesse, pois a Projeção Logo, o Brasil, por meio da sua PDN,
Anfíbia pode cumprir a missão em ambos documento de mais alto nível do planeja-
os casos, tanto com limitado uso da força mento de defesa para ameaças externas,
quanto com uso máximo da força, sendo estabelece entre seus objetivos nacionais
em tempo de paz ou em guerra. Além dis- de defesa: a defesa de interesses nacionais
so, há a possibilidade de ser realizada uma e pessoas, bens e recursos brasileiros no

RMB1oT/2017 191
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

exterior; a contribuição para a manutenção 5-2). E um instrumento eficaz da Política


da paz e da segurança internacionais; a Externa do Estado é o Poder Naval sendo
projeção do Brasil no concerto das nações e empregado em atividades de Diplomacia
sua maior inserção em processos decisórios Naval5, como em cooperação na formação
internacionais. de Marinhas amigas, Operações Humani-
Entre as suas orientações estratégicas, tárias ou em Operações de Evacuação de
estabelece que o País deverá aperfeiçoar o Não Combatentes.
preparo das Forças Armadas para desem- O CFN, por meio do conjugado anfíbio,
penhar responsabilidades crescentes em é um dos principais eixos de emprego do
ações humanitárias e em missões de paz Poder Naval, sendo, assim, imprescindível
sob a égide de organismos multilaterais, de na esfera de influência da MB, conforme
acordo com os interesses nacionais; deverá destacado por Monteiro (2010):
dispor de capacidade de projeção de poder, A segurança da Amazônia Azul
visando a eventual decorrerá da propa-
participação em ope- gação da influência
rações estabelecidas A MB, utilizando das do Poder Naval bra-
ou autorizadas pelo
Conselho de Segu-
características intrínsecas do sileiro pelo Atlântico
Sul, suas adjacências
rança da Organização Poder Naval ‒ mobilidade, e ilhas oceânicas. A
das Nações Unidas versatilidade, flexibilidade e presença crível do Po-
(ONU). der Naval deverá ser
A END, aprovada permanência ‒, percebida não apenas
em 2008, vem cor- atua como um dos principais no mar, mas também
roborar a PDN. Re-
afirma, entre as suas
vetores no apoio à Política nos litorais de nosso
entorno estratégico.
diretrizes, a necessi- Externa do País Nessa presença, uma
dade de: força que avance sobre
Desenvolver, terra, a partir de bordo,
lastreada na capacidade de monitorar/ seja para combater, seja para oferecer
controlar, a capacidade de responder apoio humanitário, será uma ferramenta
prontamente a qualquer ameaça ou imprescindível no balanço de poder da
agressão: a mobilidade estratégica; [...] futura esfera de influência da Marinha
Preparar as Forças Armadas para desem- do Brasil. (MONTEIRO, 2010, p. 33)
penharem responsabilidades crescentes
em operações de manutenção da paz. A Projeção Anfíbia proporciona flexibi-
(BRASIL, 2008, p. 3-6) lidade no emprego do conjugado anfíbio no
cumprimento de uma OpAnf, sendo possí-
A MB afirma em sua Doutrina Básica vel ser empregada também na Diplomacia
que, “desde o tempo de paz, ressalta-se Naval, pois permite que uma mesma Força
o íntimo relacionamento existente entre assuma diferentes posturas decorrentes do
os assuntos de Defesa e de Relações cenário apresentado, partindo desde o as-
Exteriores do País” (BRASIL, 2014, p. sessoramento na formação de uma Marinha
5 Diplomacia Naval – “Influenciar a opinião pública e as elites dirigentes do país-alvo, reforçar laços de amizade,
garantir acordos e alianças e demonstrar intenções em áreas de interesse, contribuindo para a adoção de ações
favoráveis e dissuadindo as desfavoráveis.” (BRASIL, 2014, p. 5-2)

192 RMB1oT/2017
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

amiga até o combate


às “novas ameaças”
com o uso da força.
A Figura 2 ilustra
o entorno estratégi-
co brasileiro definido
pela PDN, o qual ex-
trapola a região sul-
-americana e inclui
o Atlântico Sul e os
países lindeiros da
África, assim como
a Antártica, além de
exigir atenção pela
proximidade do Mar
do Caribe ao Norte.
Partindo da análise
da figura apresentada,
o Atlântico Sul surge
como prioridade es-
tratégica e elemento Figura 2 - Entorno Estratégico Brasileiro
fundamental na in- Fonte: ROCHA (2013)
serção internacional
brasileira. cações marítimas. Um país com a extensão
Como parte desta importância estratégi- de litoral como o Brasil tem a necessidade
ca, a MB vem ampliando sua participação de um Poder Naval fortalecido e apto a
na formação de Marinhas amigas, receben- garantir esta liberdade, favorecendo o seu
do militares estrangeiros em suas escolas de comércio exterior e a exploração dos seus
formação e enviando militares brasileiros recursos marinhos, contribuindo, portanto,
para acompanhar e assessorar na formação para o crescimento da economia do País.
de marinheiros e fuzileiros navais. Exemplo De acordo com Leite (2014, p. 16),
da presença naval no continente africano é “[...] o país que renuncia ao apoio do
a Missão de Assessoria Naval na Namíbia Poder Naval à Política Externa limita seu
e o Grupo de Assessoramento Técnico de Poder Naval e debilita sua Política Exter-
Fuzileiros Navais na Namíbia e em São na”. A MB, utilizando das características
Tomé e Príncipe. Essa presença brasileira intrínsecas do Poder Naval ‒ mobilidade,
contribui para a estabilidade da região e versatilidade, flexibilidade e permanência
fortalece os laços diplomáticos, atendendo ‒, atua como um dos principais vetores no
ao estabelecido nas diretrizes da END. apoio à Política Externa do País.
Dedicada ao cumprimento do estabe- Portanto, alinhada aos documentos que
lecido pela END em preservar a paz e a direcionam o emprego do Poder Naval,
segurança internacionais, particularmente como a PDN, a END e a DBM, e diante da
no entorno estratégico brasileiro, a MB importância estratégica representada pelo
utiliza-se do seu conjugado anfíbio para Atlântico Sul, a Projeção Anfíbia será a
proporcionar a livre utilização das comuni- modalidade de OpAnf mais empregada em

RMB1oT/2017 193
PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

apoio à Política Externa do País, mantendo A Projeção Anfíbia, por ser uma mo-
e salvaguardando os interesses nacionais dalidade que possibilita ao conjugado
em seu entorno estratégico. anfíbio atuar em amplo espectro do campo
de batalha, deverá possuir maior flexibi-
IMPACTOS NA DOUTRINA E lidade em seu planejamento, permitindo
NOS RECURSOS HUMANOS E realizar uma mudança rápida em sua es-
LOGÍSTICOS trutura, decorrente da missão recebida. E
esta flexibilidade é proporcionada quando
A inclusão da Projeção Anfíbia como a Força de Desembarque é organizada
quinta modalidade de uma das operações em Grupamento Operativo de Fuzileiros
de Guerra Naval suscita a necessidade de Navais (GptOpFuzNav). Esta estrutura or-
realizar alguns estudos com o objetivo de ganizacional constituída por componentes
adequar essa evolução a uma doutrina já propicia à Força uma célere alternância em
consolidada e avaliar o preparo e o em- sua organização de acordo com as tarefas a
prego necessários dos recursos humanos serem executadas, seja atuando em apoio
e logísticos. a Operações de Guerra Naval, seja na con-
“A doutrina militar representa, de forma dução de Atividades Benignas.
ampla, o conjunto de valores, princípios fun- Ainda na fase do planejamento de uma
damentais e organizacionais, conceitos bási- Projeção Anfíbia, a relação de comando e de
cos, métodos e procedimentos que orientam controle operacional e tático e a relação de
a organização, o preparo e o emprego das apoio deverão ser estabelecidas de acordo
atividades de uma Força Armada”, conforme com a ideia de manobra inicial, permitindo,
descrito na DBM (BRASIL, 2014, p. VII). porém, uma possível mudança em virtude da
Apesar disso, ela não deve ser consi- demanda da operação desencadeada, visto
derada um dogma; este preceito é aper- que o poder de combate estabelecido em
feiçoado com as evoluções tecnológicas e terra será conforme a necessidade da Força
bélicas e com as demandas do combate. A para o cumprimento da missão.
MB deverá aproveitar as lições aprendidas As fases de planejamento, embarque,
com o emprego da Projeção Anfíbia em ensaio, travessia e assalto das clássicas
países com expertise no assunto e buscar Operações Anfíbias estão muito bem sedi-
uma constante evolução doutrinária. mentadas nos conhecimentos profissionais
A manutenção e o aperfeiçoamento da dos combatentes anfíbios e bastante deta-
capacidade de realizar OpAnf garantem às lhadas nos manuais que abordam o assunto.
Forças de Fuzileiros Navais aptidão para Contudo, a Projeção Anfíbia traz com ela
conduzir operações de diversas naturezas e uma peculiaridade para essas fases, parti-
envergaduras, uma vez que parte das mais cularmente para a fase do assalto.
complexas manobras em relação a plane- A fase do assalto corresponde ao perío-
jamento e execução para as mais simples. do entre a chegada do Corpo Principal da
Ao inserir uma variante nas Operações Força-Tarefa Anfíbia (ForTarAnf) à Área
Anfíbias, um dos eixos estruturantes do de Desembarque e o término da OpAnf,
CFN que direcionam o desenvolvimento compreendendo o movimento navio para
da doutrina, dos recursos humanos e da terra e as ações conduzidas em terra.
logística, os impactos serão analisados e Por ser uma modalidade que permite o
aprimorados com o passar dos anos e as seu emprego em apoio a uma Operação de
experiências adquiridas. Guerra Naval na condução de Atividades

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PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

de Emprego Limitado da Força e Benigna, operação e uma versátil resposta à mudança


o planejamento da fase do assalto deverá de postura. E isto vem sendo incentivado
acompanhar as particularidades do tipo de e aprimorado nos cursos de carreira reali-
operação a ser realizada, visto que uma zados pelos militares, particularmente na
Projeção Anfíbia, sendo realizada na con- Escola de Guerra Naval, escola de Altos
dução de uma OpENC, por exemplo, terá Estudos Militares.
o seu planejamento desta fase diferente do A Projeção Anfíbia não modifica em
realizado para a condução de uma Operação grande escala os adestramentos já reali-
Humanitária. Este fato não ocorre nas de- zados pelas unidades, porém, devido à
mais modalidades, por serem empregadas escassez de pessoal e à gama de atividades
apenas em um tipo de operação. desempenhadas, atualmente verifica-se
Além disso, as medidas de coordenação uma redução significativa destes. Mesmo
e controle da Projeção Anfíbia deverão com a limitação encontrada nos meios
estar em condições navais, aeronavais e
de permitir o empre- de fuzileiros navais,
go da Força em toda A interação com uma há a necessidade de
amplitude, desde uma diversificada população de retomar o rotineiro
entrada forçada em adestramento de pro-
litoral hostil até o de- diferentes culturas exige cedimentos emprega-
sembarque em praia do Fuzileiro Naval, além dos em uma OpAnf.
sem resistência inimi- Esta modalidade
ga para realização de
de um aprimoramento permite conduzir ativi-
ajuda humanitária em profissional, uma crescente dades para as quais as
um país amigo. competência cultural regras de engajamento
A partir do momen- ditam o planejamento e
to em que o CFN visu- a execução. Portanto,
aliza a necessidade de se reestruturar diante seu conhecimento deve ser disseminado
do cenário mundial, as atenções são voltadas e constantemente cobrado em todos os
para os recursos humanos, ferramenta de níveis de comando, evitando que a decisão
execução do empreendimento da Instituição. errônea de militares provoque consequ-
A interação com uma diversificada popu- ências negativas no emprego das Forças
lação de diferentes culturas exige do Fuzilei- Armadas em determinada operação. Uma
ro Naval, além de um aprimoramento profis- ação inadequada de qualquer militar pode
sional, uma crescente competência cultural. causar reflexos em níveis mais altos, como
Nesse contexto, o aprendizado de línguas o estratégico ou político.
estrangeiras, objetivando a interação com Devido à complexidade dos ambientes
as diversas nacionalidades componentes da operacionais, com a crescente urbanização
missão, é fator relevante na formação de e consequente presença de não combatentes
parcerias com a comunidade internacional. nos litorais, são necessárias coordenações
Internamente, no âmbito das Forças com atores governamentais e não governa-
Armadas e até mesmo dentro da própria mentais. A interação com a população de
MB, a interoperabilidade visando operar diversas crenças e demandas exige um com-
em amplo espectro, conhecendo as possi- batente com competência cultural diversifi-
bilidades e limitações de cada meio, é um cada. A Projeção Anfíbia, por sua vez, exige
fator importante para o planejamento da uma força capaz de multiplicar rapidamente

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PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

seu poder de combate,


sabendo conjugar ope-
rações de informação,
de combate e civis-
-militares, facilidade
proporcionada pelas
características do Po-
der Naval.
Esta atuação efi-
ciente do recurso hu-
mano em uma Proje-
ção Anfíbia se dará
por meio de constan-
tes adestramentos e Figura 3 - NDM Bahia
preparo no uso gradu-
al da força, agindo de
forma legítima, humana e respeitosa, não A aquisição recente do Navio-Doca
sendo objeto de uso da mídia onipresente Multipropósito (NDM) Bahia, Figura 3,
para fins de propaganda negativa do em- após acordo entre Brasil e França, propor-
prego das Forças Armadas. cionou maior mobilidade estratégica para
Para que uma força seja capaz de re- a Força, permitindo ampliar a capacidade
alizar uma projeção de tropa anfíbia em de transporte de tropas com seus meios
terra, é necessário possuir não só milita- logísticos para a Área de Operações.
res capacitados profissionalmente, mas O NDM Bahia ampliou sobremaneira
também meios adequados e aprestados a capacidade de atuação do Poder Naval,
para este fim. que poderá cumprir missões desde opera-
O Livro Branco de Defesa Nacional ções de guerra até respostas humanitárias.
(2012), documento que amplia o acompa- No entanto, não se pode parar o esforço
nhamento dos temas militares pela sociedade, para modernização e aquisição dos demais
apresentando as potencialidades e as necessi- meios navais anfíbios da Esquadra, os quais
dades de Defesa, corrobora essa necessidade: ampliarão o emprego do Poder Naval, aten-
Para assegurar a prontidão e sal- dendo às diretrizes da END, que, em muitas
vaguardar a soberania e os interesses delas, apresenta a importância da mobili-
brasileiros, tanto no País quanto no dade e flexibilidade. Cumpre ressaltar a
exterior, a Marinha manterá forças em importância dos vetores de Embarcações
condições de emprego imediato (Força de Desembarque e Viaturas Blindadas,
de Emprego Rápido) em operações e fundamentais na projeção do Poder Naval
ações de guerra naval, tanto no período em áreas de interesse, proporcionada pela
de paz, quanto no de crise e conflito. mobilidade tática.
(BRASIL, 2012, p. 99) A importância de possuir diversificados
Esta condição de emprego da MB por meios para projetar poder sobre terra é
meio da Projeção Anfíbia em amplo espec- reforçada pelas atuais ameaças, às quais a
tro das operações requer recursos logísticos Força Naval está suscetível. Segundo Flynn
amplos, proporcionando mobilidade estra- (2009, tradução nossa), a experiência ope-
tégica e tática para a Força. racional do USMC tem demonstrado, por

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PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
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diversas vezes, que o sucesso das Opera- qual a maior parte do comércio é conduzido,
ções Anfíbias é o resultado da rápida proje- portanto é o local onde as ameaças estão
ção de poder de combate em terra. Essa ra- localizadas e, assim, se torna a arena natural
pidez tem sido dificultada pela proliferação para operações marítimas pós-modernas.
mundial de armas antiacesso, mesmo que O objetivo de flexibilizar o emprego
seja para realização de atividades benignas. de uma OpAnf na prevenção de confli-
Flynn exemplifica citando o fato ocorrido tos e mitigação de crises do cenário pós
contra navio israelense durante a crise do Guerra Fria fomentou estudos de como
Líbano em 2006, quando a embarcação foi esta necessidade poderia se enquadrar na
alvejada por míssil do Hezbollah. doutrina anfíbia; desta forma, diversas
A Projeção Anfíbia surgiu de uma neces- denominações e tentativas foram realiza-
sidade estratégica diante do cenário mundial. das até surgir essa “nova” modalidade.
O entendimento doutrinário em traduzir os A Marinha norte-america, por meio do
ditames estratégicos em táticas, técnicas e USMC, foi pioneira neste desafio, criando
procedimentos padronizados será um dos em 1989 as Operações Não Tradicionais,
fatores de sucesso no emprego desta nova que posteriormente foram sendo designadas
modalidade de OpAnf, alinhado ao preparo com outras nomenclaturas e atualmente se
e emprego dos recursos humanos e à dispo- referem a um tipo de OpAnf com o nome
nibilidade dos recursos logísticos da MB. de Apoio de Força Anfíbia para Resposta
a Crises e Outras Operações.
CONCLUSÃO No CFN esta necessidade de mudança
foi estimulada a partir de 2009, após a
As Forças Armadas, como instituições publicação, pelo USMC, do artigo “Am-
nacionais destinadas à defesa da Pátria, phibious Operations in the 21st Century”,
à garantia dos poderes constitucionais e, que posteriormente foi traduzido e adapta-
por iniciativa de qualquer destes, da lei do por Gavião (2010). Este artigo buscou
e da ordem, têm sua política de emprego inspirar o “renascimento intelectual” do
norteada pelos documentos elaborados pensamento anfíbio, fruto do cenário de
nos mais elevados níveis de decisão. E, na insegurança e incerteza.
constante busca de soluções pacíficas das A DBM flexibiliza o emprego das
controvérsias mundiais e de fortalecimento Operações Anfíbias, alinhada ao contexto
da paz e da segurança internacional, o Bra- internacional atual, com a ideia de que a
sil publicou a PDN, documento corrobora- projeção de tropa anfíbia em terra é o que
do posteriormente pela END. A MB vem caracteriza a operação anfíbia contemporâ-
buscando se enquadrar nos rumos tomados nea, não importando o grau de hostilidade
pelo contexto internacional de emprego do do ambiente nem o tipo de missão a ser
Poder Naval, e o CFN, parcela intrínseca e cumprida. Acrescenta, ainda, a Projeção
indissociável da MB, contribui para que tal Anfíbia como uma quinta modalidade de
propósito seja alcançado. OpAnf. A fim de aprimorar tal documento
O Brasil, por possuir mais de 7 mil quilô- doutrinário, foram apresentadas por este au-
metros de litoral, deve manter um aprestado tor as necessidades de alterações em algu-
Poder Naval para sua defesa. De acordo com mas definições da DBM, como, por exem-
Till (2013, p. 37), o litoral é a área onde plo, o enunciado da definição de OpAnf:
a maioria das pessoas vive, a maioria das Operação naval lançada do mar, por uma
indústrias pode ser encontrada e através do Força-Tarefa Anfíbia (ForTarAnf), sobre

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PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO
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uma região litorânea, com o efeito desejado nacionais e pessoas, bens e recursos brasi-
de introduzir uma Força de Desembarque leiros no exterior; a manutenção da paz e
(ForDbq) em terra para cumprir missões da segurança internacionais; a projeção do
designadas. Desta maneira, não importa o Brasil no concerto das nações e sua maior
grau de hostilidade do ambiente. inserção em processos decisórios interna-
Após interpretação da DBM, há a ne- cionais. Além disso, a Projeção Anfíbia
cessidade, visualizada por este autor, de contribui com um dos propósitos da MB:
definir exatamente o efeito desejado de uma o apoio à Política Externa do País.
Projeção Anfíbia para que ela não venha a Para estabelecer a doutrina de emprego
ser confundida com outra modalidade, uma da Projeção Anfíbia, deve-se levar em consi-
vez que tanto a Projeção Anfíbia quanto a deração a capacidade de recursos humanos e
IncAnf podem ter como efeito desejado a materiais da própria MB. E por já ter a exper-
evacuação de pessoal tise de planejamento do
de interesse do País. Assalto Anfíbio, a mais
O crescente de- É imprescindível que o complexa das Opera-
senvolvimento de um Poder Naval disponha de ções Anfíbias, o CFN
país é fruto de um deverá apenas detalhar
relacionamento amis- ferramenta de projeção em alguns assuntos que
toso com as nações amplo espectro e em todo este trabalho julgou
em seu entorno, e o importante por fazerem
maior meio de comu- o seu entorno estratégico, parte da peculiaridade
nicação entre estes mostrando a importância de uma modalidade
Estados é o modal do surgimento da Projeção que permite o emprego
marítimo. A MB tem em amplo espectro das
papel fundamental Anfíbia como modalidade operações militares,
neste relacionamento, de OpAnf tais como: o estabe-
pois permite que esta lecimento da relação
comunicação ocorra de comando, controle
sem interferência de elementos adversos, operacional e tático, a relação de apoio, o
servindo de elo ao íntimo relacionamento planejamento da fase do assalto e as medidas
das Relações Exteriores com a Defesa. de coordenação e controle.
Visando ao poder dissuasório, o País O aprestamento dos meios navais,
precisa estar permanentemente preparado aeronavais e de fuzileiros navais torna-se
para prevenir e responder rapidamente às imprescindível para a cooperação regional
crises que possam ocorrer em seu entorno na defesa do Atlântico Sul, atendendo aos
estratégico, além de estar em condições interesses nacionais.
para prestar apoio humanitário a locais que Concluindo, cumpre ressaltar que o
venham precisar, no caso de danos causados CFN, atualmente dotado de flexibilidade
por desastres ambientais ou por crises. Isso e mobilidade, constituído por militares
contribui para que o Brasil consiga se inserir profissionais, é um dos eixos do conjunto
no contexto internacional de maneira pacífica. que representa o Poder Naval brasileiro
O preparo dos meios e o emprego do capaz de se projetar em qualquer parte
Poder Naval por meio da Projeção Anfíbia do território nacional ou internacional,
contribuem para a consecução de objetivos estando permanentemente pronto para
nacionais, como: a defesa de interesses responder às crises, assim corroborado

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nas palavras do comandante da Marinha, aspirações da sociedade. Não podemos


Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar ser seduzidos pela crença na perenidade
Leal Ferreira, em sua Ordem do Dia alu- da paz. A constante vigilância é o preço
siva ao 151º Aniversário da Batalha Naval da liberdade! (BRASIL, 2016)
do Riachuelo:
A defesa de nossos interesses marí- Nesse contexto, é imprescindível que
timos requer, desde o tempo de paz, a o Poder Naval disponha de ferramenta de
precisa interpretação de que é funda- projeção em amplo espectro e em todo o
mental preparar-se para o emprego real, seu entorno estratégico, mostrando a impor-
por meio de um Poder Naval moderno, tância do surgimento da Projeção Anfíbia
capacitado e crível, com respaldo nas como modalidade de OpAnf.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Operação anfíbia; Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA; Es-
tratégias; Política internacional;

REFERÊNCIAS

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Riachuelo – Data Magna da Marinha. Brasília, D.F., 10 de junho de 2016.
______.­­­______. Corpo de Fuzileiros Navais. Comando-Geral. CGCFN-0-1: Manual de Fundamentos
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TILL, Geoffrey. Seapower: A Guide for the Twenty-First Century. Nova York, 2013.

RMB1oT/2017 199
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM
INSTALAÇÕES DA MB*

CHRISTOVAM LEAL CHAVES**


Capitão-Tenente (EN)

SUMÁRIO

Introdução
Manutenção nas edificações
Custo da manutenção
Planejamento e controle da manutenção
Vida econômica ótima
Estudo de caso
Conclusão

INTRODUÇÃO atividade-fim que os meios navais, aerona-


vais e de fuzileiros navais tenham o apoio

A manutenção das instalações terrestres


da Marinha do Brasil (MB) é respon-
sável por parte considerável dos recursos
necessário prestado pelas organizações
militares de terra.
Assim, o conceito de gestão da manu-
financeiros da Administração. Além dis- tenção aplicado às instalações passa, prin-
so, é indispensável para a consecução da cipalmente, pela otimização dos recursos da

* N.R.: Título original: Estudo da Vida Econômica Ótima nas instalações terrestres da Marinha do Brasil sob a
perspectiva da Gestão da Manutenção. Todas as figuras do artigo foram elaboradas pelo autor.
** Encarregado da 2a Seção de Instalações Mecânicas da Diretoria de Obras Civis da Marinha (DOCM). Gradu-
ado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Realizou Programa de
Mestrado Integrado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto – Portugal (Feup). Possui Curso
de Extensão em Engenharia do Ar-Condicionado – Instituto Militar de Engenharia (IME) e MBA em Gestão
de Projetos – Universidade Cândido Mendes.
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

Administração por meio do planejamento, ser extensivas a todas as especialidades


do investimento em uma filosofia preventi- envolvidas, tais como: Mecânica, Elétrica,
va e da utilização de ferramentas gerenciais Hidrossanitária, Incêndio (Controle de
para controle e melhoria constante. Avarias – CAV) e correlatas.
Os propósitos deste artigo são apresentar É possível classificar as rotinas de manu-
ao leitor uma descrição sucinta das principais tenção, basicamente, em planejadas (preven-
rotinas de manutenção, descrever a importân- tiva e preditiva) e não planejada (corretiva).
cia de seu planejamento e controle e, por fim,
apresentar uma ferramenta para avaliação da Manutenção preventiva
vida econômica ótima de uma instalação.
Para isso, será feito um estudo de caso Trata-se das rotinas realizadas de manei-
em que um sistema de ar-condicionado de ra preventiva, que visam reduzir ou evitar a
uma edificação específica terá seus custos falha e queda no desempenho. Tais rotinas
levantados para determinar a vida econô- são baseadas em intervalos definidos de
mica ótima do sistema, demonstrando em tempo por meio de dados estatísticos ou
que ponto faz-se necessária modernização, histórico disponíveis.
substituição ou outra intervenção de grande
porte, otimizando assim os recursos da Manutenção preditiva
Administração ao agir no período certo.
Esse tipo de manutenção consiste no
MANUTENÇÃO NAS EDIFICAÇÕES monitoramento dos principais parâmetros
operacionais. Trata-se da intervenção no
Segundo a Norma NBR 5674 da As- momento adequado, antes que o equipa-
sociação Brasileira de Normas Técnicas, mento apresente falha e, diferentemente da
que disserta sobre o procedimento para preventiva, não ocorre necessariamente em
manutenção de edificações, a manutenção períodos determinados de tempo.
consiste em um conjunto de atividades a se-
rem realizadas para conservar ou recuperar Manutenção corretiva
a capacidade funcional da edificação e de
suas partes constituintes a fim de atender Consiste na atuação para retomar a ope-
aos requisitos de segurança e às necessida- racionalidade após a ocorrência da falha.
des dos seus usuários. É a correção da falha de modo aleatório, a
Entretanto, o conceito de manutenção fim de evitar outras consequências indese-
de edifícios não deve ter como objetivo jáveis, uma vez que não há preparação nem
exclusivo manter as condições de desem- planejamento do serviço.
penho originais do edifício construído, Embora os custos de correção geralmen-
mas também acompanhar a evolução de te sejam menores do que o custo de pre-
necessidades dos seus usuários, aspectos venção, a interrupção da operacionalidade
de modernização, desenvolvimento tecno- devido a falha acarreta um custo superior,
lógico e referências normativas ou legais. que é o custo de falha.
Cabe ressaltar que, tratando-se de ma-
nutenção em edificações, tais atividades CUSTO DA MANUTENÇÃO
não se restringem à habilitação em Enge-
nharia Civil, pois, para que a capacidade Os custos da manutenção englobam a
funcional seja atendida, as rotinas devem mão de obra especializada, o ferramental

RMB1oT/2017 201
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

adequado, a subcon-
tratação eventual de
especialistas e toda
a instalação física
necessária.
Pode-se classifi-
car, de forma sucinta,
os custos de manuten-
ção em três grandes
famílias: custos dire-
tos, custos indiretos e
custos de perda.

Custos diretos Figura 1: Evolução dos custos de manutenção

São aqueles diretamente ligados ao manutenção corretiva. Para atingir um


produto e necessários para manter os equi- nível de disponibilidade total, os recursos
pamentos em operação, ou, no nosso caso, empregados seriam infinitos. A evolução
as edificações. Têm como característica a dos custos é mostrada na Figura 1.
individualização em referência ao objeto. De maneira geral, a Figura 1 mostra que
Neles se incluem: as rotinas de manutenção o investimento em manutenção preventiva
preventiva, preditiva e corretiva. tende a reduzir os custos de manutenção
corretiva. Entretanto, ela demonstra que,
Custos indiretos a partir de um ponto de inflexão, o inves-
timento para aumento da disponibilidade
São custos que não podem ser diretamente deixa de reduzir significativamente a ocor-
relacionados a quantidade produzida, ou rência de falhas, acarretando no aumento
serviço realizado. Ou seja, a divisão de tais dos custos para a Administração.
custos pela quantidade final não é proporcio-
nal e objetiva. Neles se incluem: depreciação, PLANEJAMENTO E CONTROLE
custos com análises, estudos para otimização, DA MANUTENÇÃO
gerenciamento da manutenção e correlatos.
Considerando reduções eventuais nos
Custos de perda orçamentos, tal como no momento atual vi-
vido, o procedimento legal para contratação
São os custos oriundos da perda de pro- e aquisição de sobressalentes ou mão de obra
dução, causados, por exemplo, por falhas faz do planejamento e controle da manuten-
ou interrupção da operação. ção atividade vital, devendo receber a maior
atenção dos comandantes e diretores, uma vez
Custos totais de manutenção que “a correta manutenção da Organização
Militar (OM) como um todo é o que melhor
Quanto maior a disponibilidade de um se pode fazer para caminhar no sentido do seu
equipamento, ou instalação, maiores serão aprestamento” (DGMM-0601, 1997, p. 1-1).
os recursos empregados e, consequen- Tal planejamento é, sem dúvida, um
temente, menores serão os custos com aliado relevante nos sistemas de gestão

202 RMB1oT/2017
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

atuais. A manutenção deveria ter não Para uma melhoria gradual de uma
apenas na teoria, mas também na prática, edificação são necessárias correções pe-
devida importância nos órgãos públicos riódicas, visando identificar as diferenças
que tenham como objetivo uma destina- entre os níveis de desempenho atingidos e
ção eficiente de seus recursos, o que torna os pretendidos. Entretanto, deve ser sempre
necessário que se tenha um Programa de verificada também a viabilidade econômica
Controle da Manutenção (PCM). da solução proposta, por meio da análise da
O PCM é um conjunto de atividades para relação custo x benefício.
planejar, programar, coordenar e controlar Dentre as ferramentas e técnicas possí-
a eficácia da execução da manutenção. Por veis para determinar tal custo x benefício,
serem diversificadas as atribuições do PCM, este artigo limitar-se-á ao estudo da vida
consequentemente sua execução ou imple- econômica ótima por meio da avaliação
mentação pode variar de um ramo para outro. do custo de imobilização de capital. Por
Os principais componentes dos custos definição, tal custo é formado pelos bens
de manutenção são o material e o pessoal. necessários à manutenção das atividades de
Com isso, o PCM atua diretamente em tais uma determinada instituição, apresentando-
pontos críticos, uma vez que mitiga a falta -se de forma mensurável.
de informação sobre os serviços, aumenta Com isso, espera-se demonstrar a impor-
a eficiência do pessoal, reduz o tempo de tância da determinação de um tempo em que
parada dos equipamentos e possibilita me- seja economicamente mais vantajoso à Admi-
didas de correção. nistração, por exemplo, se desfazer do bem,
A MB estabelece suas normas, instru- substituí-lo ou investir em uma modernização.
ções e padrões para um sistema de manu-
tenção das instalações terrestres, objeto Vida útil
central deste artigo, por meio da Norma
DGMM-0601, elaborada pela Diretoria de A vida útil de um bem pode ser definida
Obras Civis da Marinha (DOCM). pelo tempo decorrido desde sua aquisição,
Nesta perspectiva, a atividade técnica de ou entrada em operação, até o dia em que
um PCM, aplicável ao patrimônio público o mesmo deixa de operar ou de atender aos
da Administração Naval, deve fixar as con- requisitos esperados de desempenho.
dições mínimas exigíveis na preservação
das características funcionais das edifica- Vida econômica ótima
ções, das instalações e dos equipamentos.
Para o objeto central deste artigo, um A vida econômica ótima consiste no tempo
PCM deve permitir a melhoria da qualidade decorrido desde a aquisição do bem, ou sua en-
das instalações terrestres, sendo concebido trada em operação, até o ponto em que se obtém
de maneira a possibilitar um processo con- o mínimo dos montantes gastos na utilização
tínuo de correção. do ativo. Geralmente, a vida útil é maior que a
vida econômica, pois nesta última o objetivo é
VIDA ECONÔMICA ÓTIMA a otimização dos recursos financeiros.

Um dos desafios para a consecução da Determinação da vida econômica


missão dos engenheiros navais é determi-
nar um “ponto ótimo” para cada máquina, Quanto maior o tempo de utilização do
sistema ou até mesmo edificação. ativo, maiores serão os recursos emprega-

RMB1oT/2017 203
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

dos para sua operação e manutenção. Tal O valor presente no ano zero é definido
fato deve-se à depreciação física, funcional pela equação 5.3:
ou tecnológica dos equipamentos.
O custo de capital consiste nos valores
empregados, descontando, ou agregando, a
evolução de tais valores no tempo por meio
de uma taxa de juros. A evolução do custo ESTUDO DE CASO
de capital é mostrada na Figura 2.
Como estudo de
caso será utilizado o
sistema de ar-condi-
cionado do Edifício
Almirante Tamanda-
ré (EdAT). Instalado
no ano de 1996, ele
consiste em um sis-
tema de expansão in-
direta de água gelada
com condensação da
água por meio de tor-
res de resfriamento.
A capacidade insta-
lada do sistema é de,
Figura 2: Custo de imobilização de capital aproximadamente,
960 TR.
Devido à restrição
Para determinar tal custo, é necessário de recursos federais experimentada na-
definir de forma sucinta alguns parâmetros quela época, a Administração Naval não
econômicos e financeiros. teve recursos para firmar um contrato de
A atualização para o ano zero (V0) de manutenção preventiva do referido sistema,
um valor de algum ano posterior (Vk) será efetuando apenas rotinas corretivas quando
definida pela equação 5.1: ocorriam quebras ou falhas.
V0=rk x Vk Com isso, o sistema não era capaz de
Onde, apresentar parâmetros operacionais ideais,
k= número de anos; sendo a temperatura da água gelada na faixa
r= fator de atualização; de 20ºC a 25ºC, valor muito superior ao
V0 = atualização para o ano 0 de Vk; patamar de 7ºC, conforme desejado. No
Vk= Capitalização para o ano k de V0; ano de 2009, quando firmado um contrato
de manutenção geral, que englobava rotinas
O fator de atualização é dado pela preventivas, o sistema restabeleceu seus
equação 5.2: parâmetros operacionais.
R=1/(1+I) A Central de Água Gelada do EdAT é,
Onde, atualmente, uma das centrais em melhor
i= taxa de capitalização estado de conservação da MB. Destaca-se
assim, neste primeiro momento, a impor-

204 RMB1oT/2017
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

tância da manutenção
preventiva e como
esta influencia no
desempenho de de-
terminada instalação.
O custo de ins-
talação do sistema
em questão, esti-
mado por meio da
Associação Brasilei-
ra de Refrigeração,
Ar-Condicionado,
Ventilação e Aqueci-
mento (Abrava), é de
aproximadamente R$
7,5 milhões. O custo Figura 3: Vida econômica ótima
anual de manutenção,
obtido por meio de pesquisa de mercado pelo Índice Geral de Preços do Mercado
para a contratação de tais serviços, é de (IGPM), com o valor de referência acumu-
R$ 850 mil. lado para o presente ano, que é 6,6600 %
Ao disponibilizar um recurso financeiro (Fundação Getúlio Vargas, janeiro de 2017).
tanto na compra de um ativo quanto na ma- Com os dados coletados para este estudo
nutenção de uma edificação, significa que de caso, tornou-se possível a avaliação da
a União poderia disponibilizar tal recurso vida econômica ótima para o sistema em
para algo que trouxesse algum retorno questão, que apresentou o tempo de 13 anos
financeiro, o que caracteriza um custo de como vida ótima. A Figura 3 explicita os
oportunidade, em que a taxa de referência resultados encontrados.
considerada será a taxa Selic acumulada até A Tabela 1 mostra a planilha de cálculo
o mês de janeiro de 2017, cujo valor é de utilizada no estudo para a confecção do grá-
13,27 % ao ano (Fundação Getúlio Vargas, fico presente na Figura 3, comprovando que
janeiro de 2017). aos 13 anos é dada a inflexão nos valores
Já a evolução do valor gasto com manu- da anuidade, constituindo a vida econômica
tenção e operação do sistema será corrigido ótima da instalação.

TABELA 1: PLANILHA DE CÁLCULO DA VIDA ÓTIMA

RMB1oT/2017 205
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

Tal resultado mostra que, com as ta- O que ocorre, na verdade, é a ausência
xas atuais que foram consideradas para a de um padrão amplamente difundido pelo
avaliação do ativo, o tempo de 13 anos é a Governo Federal, junto com o desconhe-
referência para que o sistema de ar-condi- cimento dos órgãos consultivos, que apre-
cionado do EdAT sofra uma modernização sentam pareceres jurídicos que dissertam
ou intervenção de grande escala. Sendo sobre questões técnicas. As exigências de
assim, o sistema deveria ter passado por parâmetros de qualidade podem, erronea-
uma grande intervenção no ano de 2009. mente, ser confundidas com restrição.
Para se utilizar tal sistema por um tempo Para avaliar a contratação de serviços de
superior, serão necessários cada vez mais re- manutenção das organizações de terra, os
cursos, porém sem acréscimo da qualidade da órgãos consultivos baseiam-se na Instrução
operação do equipamento, conforme demons- Normativa SLTI/MPOG nº 02/2008 (IN
trado no tópico de custos de manutenção. MPOG 02/2008), que apresenta exigências
Aplicando tal estudo em uma organiza- de forma muito genérica e que nem sempre
ção de terra, conhecendo-se seus custos para são aplicáveis, dependendo do objeto.
operação, a Administração poderia otimizar Por uma questão de justiça, cabe
os recursos ao evitar gastos com manutenção ressaltar que os advogados dos órgãos
e operação em uma faixa que, economica- consultivos igualmente buscam o melhor
mente, não incrementam a qualidade. para a União. Porém aqueles devem ser
assessorados por profissionais técnicos
CONCLUSÃO para uma melhor avaliação, assim como
os profissionais técnicos também necessi-
Para a realização das atividades de tam de uma assessoria jurídica. Uma vez
manutenção das OM de terra da MB, um que o advogado não conta com assesso-
programa de manutenção é essencial para ria técnica, o mesmo fica restrito a uma
manter as necessidades da edificação, oti- conferência fiel, item a item, de todos os
mizando os recursos. quesitos da IN MPOG 02/2008, sendo eles
A Administração Naval investe na fi- aplicáveis ou não.
losofia de manutenção para as instalações Tais problemas podem acarretar na ten-
terrestres. Porém, como em qualquer órgão dência do administrador público em abrir
público, deve obedecer às referências legais mão do rigor de seus requisitos de qualida-
nas contratações e, preferencialmente, se- de em prol de uma celeridade no processo
guir as recomendações dos órgãos consul- de contratação, que terá como resultado
tivos da União, previamente à contratação. serviços preventivos menos rigorosos e,
Entretanto, não há publicações oficiais, consequentemente, maiores custos com
de ampla divulgação nacional, que disser- manutenção corretiva. Nesta perspectiva,
tem de forma específica sobre o assunto, a DGMM 0601, atrelada às ferramentas
o que acaba por se tornar um empecilho de gestão, propõe, em suas especificações
para contratação de serviços de manuten- e projetos, requisitos de controle, de qua-
ção na MB, uma vez que as exigências da lidade e de melhoria, mantendo a isonomia
Administração Naval, baseadas em seu na contratação.
planejamento próprio, são em sua maioria Dentre tais ferramentas, o estudo da
apontadas pelos órgãos consultivos, ou vida ótima, tema central deste artigo,
licitantes, como exigências que poderiam além de ser uma ferramenta econômica
restringir a participação de interessados. baseada em custos efetivos diretamente

206 RMB1oT/2017
PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

relacionados ao setor técnico, constitui o que respaldaria a modernização de tal


parte essencial para justificar uma mo- sistema a partir do ano de 2009.
dernização, aquisição, baixa ou qualquer Por fim, tal estudo é válido como fer-
outra intervenção em uma organização de ramenta integrada ao planejamento da
terra ou em suas respectivas instalações. manutenção das instalações da MB, mos-
Com o estudo de caso, ficou demons- trando que é possível reduzir os custos de
trado a importância da implementação de manutenção nas instalações terrestres da
rotinas preventivas e que a instalação em instituição por meio da avaliação da vida
questão tem sua vida econômica de 13 anos, econômica ótima.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ADMINISTRAÇÃO>; Organização militar; Gerência;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MONTEIRO, Caio Italiano; DE SOUZA, Leandro Ramalho; ROSSI, Paulo Henrique Lobo. Manuten-
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nologia e Gestão da Produção de Edifícios) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2003.

RMB1oT/2017 207
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E


FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL
NO BRASIL*

SYLVIO SEOANE LANZELLOTTI


Aspirante

SUMÁRIO

Introdução
A importância da vela no Prolim
A vela como ferramenta de educação e desenvolvimento social
Conclusão

INTRODUÇÃO com a finalidade de permitir aos jovens que


não tem acesso às condições adequadas de

I negavelmente, fica comprovado de forma


cada vez mais incisiva o poder transfor-
mador do esporte na sociedade. Em diver-
educação uma oportunidade de inclusão
social. Nesse contexto, o objetivo deste
estudo é explicitar as consequências e a
sos países e até mesmo no Brasil, inúmeros importância do Programa Olímpico da
projetos surgem em diversas áreas carentes Marinha (Prolim) no que tange ao impacto

* N.R.: Artigo classificado em 2o lugar na categoria Alunos dos Cursos de Formação de Oficiais no Concurso de
Artigos Técnicos e Acadêmicos e de Redação – 2016 da Diretoria de Ensino.

208 RMB1oT/2017
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

da formação militar de seus atletas e sua talar, fisioterapêutica e nutricional, além


utilização como ferramenta de educação e de alimentação, a oportunidade de utilizar
transformação social no Brasil. as excelentes instalações militares como
Este artigo é relevante na medida em centro de treinamento e de ter o apoio
que nos permite avaliar os impactos sociais profissional de renomados professores e
causados pelo esporte como instrumento militares da área esportiva que pertencem
de inclusão social e ao analisar a atuação aos quadros das Forças Armadas.
das Forças Armadas como parceiras desta O Prolim, que surgiu em 2013, esti-
empreitada e formadoras de cidadãos que mulado pelo PAAR na Marinha do Brasil
representam o País em diversos âmbitos­ (MB), tem sua importância constatada não
militar, esportivo e social. somente pelos resultados estatisticamente
Com o advento da realização dos Jogos contábeis nos quadros de medalha, mas,
Mundiais Militares, em 2011, na cidade do acima de tudo, pelos benefícios do projeto
Rio de Janeiro, com o intuito de reforçar sob a ótica dos impactos éticos e morais
os quadros esportivos do país sede e de causados, na medida em que a MB, além de
propiciar maior competitividade a este, proporcionar tamanha infraestrutura, não
surge então o Progra- obstante, forja o atleta
ma Atletas de Alto com os valores e pre-
Rendimento (PAAR). O Prolim ganha relevância ceitos característicos
Criado em 2008, o no cenário nacional na do militar. Assim, a
programa consiste em
uma parceria entre o
medida em que desponta Força passa a contri-
buir também com a so-
Ministério da Defe- como um grande ciedade de uma forma
sa e o Ministério dos fator de auxílio para o geral, tendo em vista
Esportes, tendo como que entrega ao País
objetivo central somar desenvolvimento dos atletas um cidadão que traz
esforços de maneira de alto rendimento consigo uma gama de
complementar e mú- princípios fomentados
tua entre os atletas pela formação militar
e as Forças Armadas brasileiras, com a recebida. Apesar de serem extremamente
finalidade de contribuir para o desenvolvi- raros nos dias atuais, esses valores são
mento do esporte nacional para, no futuro, fundamentalmente essenciais para o de-
transformar o País em potência esportiva1. senvolvimento do Brasil como um todo.
Tais programas, como o Prolim, foram Ao entrar na Marinha por meio de
baseados em diversos outros de reconheci- um edital, o tempo de permanência é
do sucesso em outros países considerados de oito anos no máximo. Nesse período
potências esportivas, como, por exemplo, avaliações anuais são feitas para que
China, Alemanha, Rússia, França e Itália. as performances sejam controladas.
No Brasil, a ideia central é proporcionar Dependendo dos resultados, os atletas
aos atletas que carecem de estímulos tanto prosseguem ou não no programa. [...]No
estatais quanto da iniciativa privada uma entanto, a obtenção de uma graduação
estabilidade econômica, viabilizando, de tem uma contrapartida. Para isso, os atle-
forma integral, assistência médica, hospi- tas precisam ter um período de adaptação
1 Disponível em: <http://veja.abril.com.br/esporte/entenda-por-que-ha-tantos-atletas-militares/>. Acesso em: 25
ago, 2016.

RMB1oT/2017 209
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

à vida militar. Nessa espécie de estágio, Inegavelmente, o Brasil é uma nação


recebem os ensinamentos de técnicas de que nasceu pelo mar. A história do País é,
orientação e sobrevivência, aprendem por essência, escrita pela força das águas e
a manusear armas e vivem a rotina dos dos ventos. Sua descoberta pelas caravelas
demais militares. (SANDER, 2016, p.8) portuguesas, sua colonização, a formação
de sua Marinha, a formação de um povo
Além disso, o Prolim ganha relevância extremamente miscigenado, sua indepen-
no cenário nacional na medida em que des- dência como nação, a formação de seu
ponta como um grande fator de auxílio para território, a sua relação econômica com o
o desenvolvimento dos atletas de alto ren- mundo, todas essas passagens são relevan-
dimento, pelo suporte que lhes é proporcio- tes para o entendimento do contexto deste
nado, seja por uma estabilidade econômica país que tem em seu cerne uma relação
por receberem um soldo de terceiro sargento, extremamente íntima e grandiosa com a
seja pela utilização das navegação pelos bar-
instalações de altíssi- cos a vela.
mo nível nas suas Or- A vela sempre representou Entretanto, nos dias
ganizações Militares. atuais, com o avanço
Além disso, o progra- de forma significativa o País da tecnologia, o que
ma se reveste de um em diversas competições era a mais evoluída
viés fundamental para técnica de navegação
o País no que tange à
internacionais, inclusive no século XV passou
utilização do esporte em Olimpíadas, na qual se a ser um esporte, ou
como ferramenta de tornou a modalidade que um hobby para os que
inclusão e desenvol- a esse fim se dedicam.
vimento social, o que mais proveu medalhas ao No entanto, dada a
é raro nos dias de hoje. Brasil na história, 18 no total complexibilidade dos
Nesse contexto, barcos a vela e a es-
a Marinha direciona pecificidade de seus
também seu olhar para o mar e, como equipamentos, a prática deste esporte
consequência de sua essência náutica, não naturalmente se tornou seleta na sociedade
poderia deixar de incluir em tão valoroso brasileira. Consequentemente, apenas os
projeto o esporte da vela, extremamente que possuem condições socioeconômicas
vitorioso e representativo para o nosso favoráveis podem ter acesso ao esporte.
país, símbolo já característico do desporto Não obstante, o esporte da vela sempre
nacional e além de tudo, de relevância sig- representou de forma muito significativa o
nificativa na sua aplicação como ferramenta País em diversas competições internacio-
de educação e desenvolvimento social, nais, inclusive em Olimpíadas, na qual se
fundamentalmente necessários no Brasil. tornou a modalidade que, por décadas, mais
proveu medalhas ao Brasil na história, 18
A IMPORTÂNCIA DA VELA NO no total. Dada essa constatação de o País
PROLIM ser uma potência esportiva nacional, conco-
mitantemente com a importância histórica
“Você não pode mudar o vento, mas e geográfica supracitados, inevitavelmente,
pode ajustar as velas do barco para che- configurou-se um cenário no qual a vela
gar onde quer.” (Confúcio) surge como relevante viés para investimen-

210 RMB1oT/2017
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

to da MB, tendo em vista as


perspectivas futuras do Prolim.
Este programa não somente
pode potencializar ainda mais
a capacidade competitiva do
esporte no contexto internacio-
nal, como também ser capaz de
provocar na sociedade verda-
deiras transformações sociais
e educacionais, oriundas do
investimento na vela brasileira.
Avaliando os resultados
do programa, ainda recente,
fica muito claro o sucesso
expressivo já alcançado, assim
como a potencialidade que o Atletas Martine Grael e Kahena Kunze – Medalhistas de ouro nas Olimpíadas
mesmo tem de proporcionar
ao esporte da vela grandes conquistas possui, de maneira evidente, uma enorme
futuras, evoluindo o esporte nacional. Os capacidade de difusão dos conhecimentos
resultados realmente são impactantes, e náuticos e marítimos essenciais a um país
isto pode ser observado ao analisar-se o com o mar territorial tão rico e extenso
quadro de atletas, composto por Martine como o do Brasil.
Grael e Kahena Kunze, campeãs mundiais, Mas não só de atletas consagrados
prata nos Jogos Panamericanos de Toronto vive o projeto. O programa Força no
e medalhas de ouro nas Olimpíadas 2016, Esporte (Profesp) e o Projeto Marinha-
além da medalhista de bronze panamerica- -Odebrecht trabalham sem tréguas para
na Fernanda Decnop. formar atletas nas categorias de base
dos esportes que aproveitam o Centro
A VELA COMO FERRAMENTA de Educação Física Almirante Adal-
DE EDUCAÇÃO E berto Nunes (Cefan) como centro de
DESENVOLVIMENTO SOCIAL treinamento. O Almirante (FN) Carlos
Chagas, comandante do Cefan, explica
“O esporte tem a força de mudar o os objetivos das duas estratégias: “Para
mundo.” termos resultados em 2016, necessitá-
Nelson Mandela vamos pegar atletas em altíssimo ren-
dimento. Este trabalho está sendo feito,
Apesar da inegável profunda relação e temos autorizado um efetivo máximo
histórica, geográfica, econômica, geopolí- de 242 atletas. Mas é crucial o trabalho
tica e esportiva com a qual o Brasil interage de base de onde surgirão os atletas do
com o mar, incoerentemente constata-se futuro”. Mas o programa, ainda segundo
que o País não tem uma população com o Almirante, não para por aí: “Já estão
uma mentalidade marítima consistente sendo abertos editais para novas vagas.
e proporcional ao tamanho da influência Tudo vem dando certo, e nossa expec-
do mar para seus indivíduos. Todavia, tativa é mantê-lo. Estamos procurando
o Prolim, promovendo incentivo à vela, atuar com vigor na base, em projetos de

RMB1oT/2017 211
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

longo prazo. Não temos dúvidas de que a vida é feita de sacrifícios, de escolhas,
dessa forma os resultados serão cada vez e a gente tem que lutar para conseguir o
maiores. (SANDER, 2016, p.7) que deseja”, afirma a campeã. Sacrifício
e perseverança são as palavras-chave
Não se trata somente de educar as gera- desse momento do esporte brasileiro. E,
ções atuais e futuras, mas, principalmente, nesse sentido, a participação da MB tem
é necessário, por meio do instrumento da sido de grande valia. Não só trazendo a
vela, promover uma verdadeira revolução estrutura necessária para que os atletas
cultural, iniciada na base educacional, in- consigam os resultados, mas sobretudo
trojetando toda a importância do mar para pelo espírito de disciplina que permeia
o Brasil e incutindo uma mentalidade que a filosofia militar. (SANDER, 2016, p.9)
naturalmente se perpetue. De forma con-
comitante, a vela se CONCLUSÃO
reveste também como
mais um portal de O Prolim, promovendo A importância da
transformação social, incentivo à vela, possui uma vela no cenário na-
na medida em que, ao cional é tão expressi-
incentivar o esporte enorme capacidade de difusão va que até na Escola
nacional, produz um dos conhecimentos náuticos Naval, instituição de
aumento do número
de praticantes, bem
e marítimos essenciais a um ensino superior mais
antiga do País, onde
como torna a práti- país com o mar territorial tão se formam anualmente
ca do esporte mais rico e extenso cerca de 200 novos
acessível às camadas oficiais da Marinha,
econômicas mais ca- a prática da vela se
rentes, podendo servir como real instru- tornou obrigatória para todos os seus aspi-
mento de inclusão social, possibilitando rantes. A prática deste esporte é de suma
estender cada vez mais as oportunidades importância para que se possa adquirir
de desenvolvimento dos jovens para uma a mentalidade marítima e a experiência
nova perspectiva de vida. náutica, mas, sobremaneira, para incutir
Natural do Piauí, Sarah hoje é um nos jovens oficiais situações reais de apli-
verdadeiro exemplo para as novas ge- cação prática da liderança e valorização do
rações de atletas que sonham em um trabalho em equipe, dos valores morais da
dia se consagrar com uma medalha de competitividade sadia e dos ensinamentos
ouro olímpica. Ela ressalta a necessidade empíricos dos momentos de sucesso e
de se estimular desde cedo a prática do derrota, que podem ser muito bem compre-
esporte entre as crianças, não só pelo endidos quando praticado o esporte.
aspecto da competição em si, como Para o Almirante Carlos Chagas, é de
também pela formação da cidadania: “O fundamental importância a renovação
esporte faz mais do que estimular a ativi- da base de atletas: “A gente tem um
dade física, ele ajuda a criança a se tornar planejamento constante de renovação
um grande cidadão, ensina honestidade, dos nossos atletas de alto rendimento.
respeito ao próximo, dedicação dentro e A Marinha é autorizada a contratar 242
fora da sala de aula. Mesmo quem não sargentos, estamos com um efetivo de
se tornar atleta pode compreender que 219 e estamos aumentando e renovando.

212 RMB1oT/2017
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

A gente sempre busca atletas de ponta, de carreiras no esporte pela falta de incentivo,
forma a ter a melhor equipe possível. Ao estabilidade e ferramentas que garantissem
mesmo tempo, existe uma preocupação seu desenvolvimento, o Prolim surge como
muito grande em incentivar a criação de uma ferramenta para fomentar a prática do
novos talentos. Isto aí a gente faz com os esporte nacional de forma profissional, na
projetos de base, temos tido resultados medida em que possibilita um panorama
muito bons nas categorias mais novas”. de perspectiva futura a estes jovens atletas.
[...] O Almirante diz que a Marinha bus- Segundo palavras do Vice-Almirante (FN)
ca, com estas ações, transformar o Brasil Paulo Zuccaro2, diretor do Departamento do
em potência olímpica. “Nós acreditamos Desporto Militar, a avaliação sobre os resulta-
no futuro do esporte por meio do desen- dos obtidos pelos atletas não poderia ser me-
volvimento social. Quanto mais cedo a lhor. O sucesso do programa é inquestionável,
gente conseguir identificar estes valores assim como é indubitável toda a contribuição
e apoiar, especialmente na população direta e indireta do programa para a elevação
mais humilde, aqueles que tenham mais do Brasil à condição de potência olímpica.
dificuldades, talvez esta seja a única Além do mais, é importante considerar que
oportunidade de acesso ao desporto. A o Prolim se caracteriza por ser um progra-
gente tem que tra- ma inclusivo e flexível,
balhar para Tóquio admitindo diversos mo-
2020. Estes atletas Das 19 medalhas delos de parceria com as
de alto rendimento
que temos hoje são
conquistadas pelo Brasil demais entidades liga-
das ao esporte, como,
fundamentais para nos Jogos Rio 2016, 13 são por exemplo, os clubes,
2016, mas para de atletas militares as confederações e as
2020/2024 temos empresas.
que trabalhar com Das 19 medalhas
gerações e gerações cada vez mais novas. conquistadas pelo Brasil nos Jogos Rio
E acreditamos que os Jogos de 2016 per- 2016, 13 são de atletas militares. De
mitam ao Brasil uma grande virada em acordo com o Ministério da Defesa, essa
termos de se transformar numa potência foi a melhor atuação do desporto militar
olímpica, que é o objetivo principal do brasileiro em edições olímpicas.  Com
programa olímpico da Marinha”, conclui. o total de 19 medalhas, o Brasil teve
(SERRÃO, 2016, não paginado) o melhor desempenho da história em
Olimpíadas. A contribuição das Forças
A inclusão dos atletas como militares Armadas para esse alcance foi de 68%
pode gerar um aumento significativo do dos pódios. Os medalhistas brasileiros
interesse pela prática esportiva, dada a es- que integram o Programa Atletas de Alto
tabilidade que o programa possibilita para Rendimento (PAAR) do Ministério da
o desenvolvimento do atleta profissional- Defesa se destacaram nas competições.
mente, com toda a estrutura que fica à sua [...] O investimento anual do Ministério
disposição para sua evolução. Nesse sen- da Defesa no Programa de Alto Ren-
tido, em um país em que há algum tempo dimento é de aproximadamente R$ 18
inúmeros talentos esportivos não trilhavam milhões, entre salários, benefícios, aqui-
2 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/esporte/2016/08/atletas-militares-conquistam-68-das-medalhas-
-brasileiras>. Acesso em: 24 ago. 2016.

RMB1oT/2017 213
A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

sição de equipamentos, uniformes, parti- Portanto, o sucesso do Prolim é incon-


cipação em eventos esportivos nacionais testável. Ao ser levado em consideração
e internacionais e outros itens destinados seu relativo baixo custo, sua capacidade em
ao aperfeiçoamento dos atletas. (Fonte: integrar atletas sem o apoio adequado para
Portal Brasil, com informações do Mi- seu desenvolvimento e a disponibilidade
nistério da Defesa) das Forças Armadas
Isto posto, fica cada em ceder suas insta-
vez mais claro o poten- A iniciativa se apresenta lações olímpicas de
cial do Prolim como excelente condições,
uma riquíssima fonte como ferramenta concomitantemente
de oportunidade ex- eficiente para integração estimulando o esporte
tremamente essencial
no cenário do esporte
e desenvolvimento social no País, acaba fazen-
do com que os atle-
nacional. O projeto por meio do esporte, em tas atuais e as futuras
não só tende a evoluir consonância com os gerações projetem o
e progredir, visto o Brasil como potên-
sucesso alavancado, valores da formação cia olímpica. Dessa
como também serve militar de atletas forma, a iniciativa
de modelo para outras se apresenta, ainda,
entidades e instituições como uma ferramenta
que possam dar a devida importância ao extremamente eficiente para a integração
viés do esporte no Brasil, tão carente de e o desenvolvimento social por meio do
incentivos e reconhecimento, mesmo sendo esporte, em consonância com os valores
tão forte e inquestionável forma de inclusão da formação militar dos atletas brasileiros
e transformação social. do presente e do futuro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<EDUCAÇÃO>; Esporte; Olimpíadas;

REFERÊNCIAS

Atletas militares conquistam 68% das medalhas brasileiras. Disponível em: <http://www.brasil.gov.
br/esporte/2016/08/atletas-militares-conquistam-68-das-medalhas-brasileiras>. Acesso em:
24 ago. 2016.
Entenda por que há tantos atletas militares. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/esporte/entenda-
-por-que-ha-tantos-atletas-militares/>. Acesso em: 25 ago. 2016.
SANDER, R. O esporte olímpico na Marinha do Brasil. Disponível em: <https://www.marinha.mil.
br/sites/www.marinha.mil.br.papem/files/Revista_PAGMAR_4_Edicao.pdf>. Acesso em: 25
ago. 2016.
SERRÃO, P. Patente alta: conheça a preparação dos atletas olímpicos e militares. Disponível em:
<http://www.ebc.com.br/esportes/2015/05/patente-alta-conheca-preparacao-dos-atletas-
-olimpicos-e-militares>. Acesso em: 23 ago. 2016.

214 RMB1oT/2017
CARTAS DOS LEITORES

Esta seção destina-se a divulgar ideias e pensamentos e incentivar de-


bates, abrindo espaço ao leitor para comentários, adendos esclarecedores
e observações sobre artigos publicados. As cartas deverão ser enviadas à
Revista Marítima Brasileira, que, a seu critério, poderá publicá-las parcial
ou integralmente. Contamos com sua colaboração para realizar nosso pro-
pósito, que é o de dinamizar a RMB, tornando-a um eficiente veículo em be-
nefício de uma Marinha mais forte e atuante. Sua participação é importante.

Recebemos do Professor Alvanir Bezer- casco e aos conveses de tais navios. Daí a
ra Carvalho* a seguinte correspondência: minha esperança de que, em algum lugar do
“No Arsenal de Marinha do Rio de Arsenal, abandonados, esquecidos, ainda
Janeiro, há 150 anos, foram construídos possam existir alguns daqueles parafusos,
alguns dos navios encouraçados que lutaram ou ao menos que, nos seus arquivos, exis-
na Guerra do Paraguai: os encouraçados tam descrições técnicas, fotografias ou o
Barroso, Rio de Janeiro e Tamandaré e o que seja sobre eles.
monitor encouraçado Alagoas e seus irmãos. É de se esperar também que, em algum
Os referidos navios, que tinham casco lugar destinado a guardar a memória do
de madeira, receberam, sobre o convés Arsenal, existam fotografias do período
e o costado, uma cobertura de chapas de de construção dos navios encouraçados.
ferro, aparafusadas sobre tais superfícies Considerando-se que uma foto vale mil
de madeira. Deduzi então que, se os navios palavras, encontrar fotos desse tipo também
foram construídos no Arsenal (construção seria considerado um achado muitíssimo
esta que incluiu a instalação de dezenas valorizado, visto que no arquivo de fotogra-
de chapas de couraça), seria de se esperar fias da Diretoria do Patrimônio Histórico
que o Arsenal mantivesse em estoque uma e Documentação da Marinha não existe
quantidade elevada de parafusos longos, de material significativo sobre isto.
formato conicular, por meio dos quais as Realizando pesquisas em vários museus
grossas chapas de ferro eram afixadas ao do Rio de Janeiro, em três deles – Museu

* N.R.: Historiador, professor universitário e nautimodelista. É colaborador da RMB e Amigo da Marinha, com
Mérito Tamandaré.
CARTAS DOS LEITORES

Naval; Museu Histórico Nacional (no pátio canhões, ferindo e até mesmo matando
dos canhões) e Museu Militar Conde de dezenas de marinheiros que se encontravam
Linhares (na sala dedicada à Guerra do Pa- em suas proximidades.
raguai) – encontrei aproximadamente uma Cabe ressaltar que, no meu entender,
vintena de chapas de couraças de ferro, com parafusos coniculares faziam parte de um
as mais variadas dimensões. Todas elas – volumoso estoque de uso do Arsenal de
incluindo-se aí as chapas das couraças que Marinha, que construiu vários desses na-
foram identificadas pelo Museu Histórico vios. Por sua vez, em Ladário (MS), após
como pertencentes aos encouraçados Bra- o final da guerra, os navios encouraçados
sil (corveta) e Silvado (monitor), ambos foram considerados obsoletos, levando-se
construídos na França –, possuem furos em conta o elevado custo de sua transferên-
de formato conicular – de diâmetro mais cia de volta para o Rio de Janeiro (além de
largo na parte externa e mais fino na parte não mais se fazerem necessários). Assim,
interna, junto ao costado do navio –, por todos os encouraçados – à exceção do Rio
onde eram introduzidos os parafusos aqui de Janeiro, que afundou durante o con-
mencionados. O formato conicular dos flito – foram desmontados e seus cascos
furos – e também do corpo dos parafusos vendidos para particulares locais, que os
– era mais uma precaução com o propósito empregaram como batelões de carga. Tal
de impedir que, ao ser atingido por algum providência resultou, possivelmente, no
disparo de canhão inimigo, o parafuso se acúmulo, na Base Naval de Ladário – de um
projetasse para dentro do bojo do navio volume substancial de couraças e parafusos
atingido, ferindo a quem estivesse em suas retirados dos navios que receberam baixa.
imediações. Empenhado na preservação da história
Relatos históricos sobre incidentes desse militar brasileira, solicito, assim, a cola-
tipo com navios encouraçados da Guerra boração dos leitores para que forneçam
Civil norte-americana dão conta de que, quaisquer informações, porventura do seu
embora os parafusos tenham permanecido conhecimento, sobre detalhes da constru-
preso às couraças externas, suas porcas se ção dos navios encouraçados brasileiros
desprenderam, sendo projetadas em alta que tomaram parte na Guerra do Paraguay
velocidade para o interior das torres de (Alagoas, Bahia, Barroso, Brazil, Cabral,
Colombo, Herval, Lima Barros, Mariz e
Barros, Rio de Janeiro,
Silvado e Tamandaré),
incluindo-se aí cópias
de eventuais fotografias
dos referidos navios ou
de suas tripulações –
por menos nítidas que
possam estar as fotos.
Em particular, se-
ria interessante obter a
descrição (bem como
fotografias) dos pa-
rafusos coniculares,
Chapas de ferro que eram usadas em convés de madeira longos, que prendiam

216 RMB1oT/2017
CARTAS DOS LEITORES

as couraças de ferro ao convés e costado Diâmetros


daqueles navios, exemplares dos quais pos- entrada
sivelmente ainda possam existir em algum e saída
do furo
lugar recôndito do Arsenal de Marinha do conicular
Rio de Janeiro ou em algum depósito de
material usado da Base Naval de Ladário.
Aproveitando o ensejo, coloco à dispo-
sição dos eventuais interessados o acervo
de fotos, desenhos e informações técnicas
e históricas por mim coletados.”
E-mail: alvanirbezerra@oi.com.br Parafuso formato conicular

OS GRAÇA ARANHA, O ALMIRANTE E O IMORTAL

Recebemos do Capitão de Mar e Após o encaminhamento do texto à


Guerra (Ref o) Ney Dantas, a seguinte RMB, recebi fotografias da residência da
correspondência: família Graça Aranha em São Luiz (MA),
A Revista Marítima Brasileira v. 136, atenciosamente enviadas pelo Capitão dos
no 07/09, jul/set 2016 publicou o artigo “O Portos do Maranhão. Surpreendeu-me a
Farol Preguiças e o Comandante Graça foto com a placa afixada na parede frontal
Aranha”, de minha autoria, que ora julgo da edificação com os dizeres “Nesta casa
interessante complementar. viveu Graça Aranha nos anos de 1870 a

Residência da família Graça Aranha

RMB1oT/2017 217
CARTAS DOS LEITORES

1884. Homenagem do Governo do Estado e faleceu aos 71 anos, após ter sido duas
do Maranhão, São Luís, 21/6/1968”, que, vezes diretor-geral de Navegação (atual
para minha surpresa não condiziam com Diretoria de Hidrografia e Navegação), du-
o curriculum vitae do personagem foco rante sete meses em 1930 e entre 22/9/1932
de meu artigo, o Almirante Heráclito da e 11/7/1935.
Graça Aranha, o que me levou a buscar A surpresa maior ocorreu ao comparar
referências do imortal Graça Aranha autor a paternidade de um com a do outro. Eram
de romance que eu já lera. filhos de Themistocles da Silva Maciel
José Pereira da Graça Aranha Aranha e Maria da Glória da Graça Aranha.
(21/6/1868-26/1/1931), escritor e diplo- O Almirante Graça Aranha é irmão cinco
mata natural de São Luís, Maranhão, foi anos mais novo de Graça Aranha, o escritor,
membro fundador da Academia Brasileira diplomata, imortal da Academia Brasileira
de Letras em 20 de julho de 1897 e faleceu de Letras e autor do romance Canaã, sua
aos 62 anos. única obra, publicada pela primeira vez em
Heráclito da Graça Aranha (22/3/1873- 1902, na qual o autor aborda a imigração
4/8/1944), oficial de Marinha, natural da alemã no estado do Espírito Santo.
mesma cidade. Formou-se na Escola Naval Ambos habitaram a casa, ainda existente,
em 23 de novembro de 1891, foi promovido em São Luís do Maranhão, na mesma avenida
a Vice-Almirante em 27 de outubro 1932 onde hoje se encontra a Capitania dos Portos.

218 RMB1oT/2017
NECROLÓGIO

A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos seguintes colaboradores e assinantes:

VA Ramon Gomes Leite Labarthe  22/11/1924 † 06/11/2016


VA Cláudio José Corrêa Lamego  24/05/1931 † 20/11/2016
CA Diocles Lima de Siqueira  27/01/1919 † 31/10/2016
CA Haroldo Lopes Pereira  06/08/1928 † 21/01/2017
CMG Carlos Borba  30/11/1921 † 27/01/2017
CMG Newton Ferreira Campos Junior  26/06/1931 † 13/11/2016
CMG (FN) Roberto Franco Keller  27/09/1935 † 09/01/2017
CMG (IM) Luiz Salomão Ribeiro  27/09/1938 † 29/12/2016
CMG (CD) Ivan de Moraes Lenzi  29/01/1927 † 03/01/2017
CMG Henrique Araujo de Souza  04/04/1941 † 17/10/2016
CMG (FN) Sergio Murilo de Castro Victorazzo  06/05/1944 † 14/12/2016
CF (T) Elesbão Ribeiro Soares Neto  28/02/1948 † 31/12/2016
CC (T) Luiz Cleber Cabral Barreto  12/09/1948 † 26/12/2016
CC Igor Simões Bastos  10/10/1980 † 21/10/2016

Nascido no Rio de Janeiro, filho de


Renne Labarthe e de Hilda Gomes Leite
Lopes da Costa.
Promoções: a segundo-tenente em 11/8/
1944; a primeiro-tenente em 24/8/1945; a
capitão-tenente em 25/4/1949; a capitão de
corveta em 22/5/1954; a capitão de fraga-
ta em 20/3/1959; a capitão de mar e guer-
ra em 19/8/1966; a contra-almirante em
28/4/1971; e a vice-almirante em 31/3/1975.
Foi transferido para a reserva remunerada em
22/12/1976.
Em sua carreira exerceu três coman-
dos: Contratorpedeiro Pará; Cruzador
Barroso; e Controle Naval do Tráfego
Marítimo.
Exerceu três direções: Escola de Mari-
nha Mercante do Rio de Janeiro; Diretoria
RAMON GOMES LEITE LABARTHE do Pessoal Militar da Marinha; e Arsenal
Vice-Almirante de Marinha do Rio de Janeiro.
NECROLÓGIO

Comissões: Escola Naval; Centro de as seguintes condecorações: Medalha de


Instrução Almirante Wandenkolk; Estado- Serviço de Guerra – 2 estrelas; Medalha
-Maior da Armada; Cruzador Barroso; da Força Naval do Nordeste – bronze;
Cruzador Tamandaré; Escola de Guer- Ordem do Mérito Naval – Grande ofi-
ra Naval; Comissão Naval Brasileira em cial; Ordem do Mérito Militar – Oficial;
Washington; Gabinete do Ministro da Ma- Ordem do Mérito Aeronáutico – Comen-
rinha; Comando da Força Aeronaval; Co- dador; Medalha Militar e Passador Ouro
mando do 4o Distrito Naval; Estado-Maior – 3o decênio; Medalha Mérito Tamandaré;
das Forças Armadas; Comando do Esqua- Medalha do Pacificador; PT-M2 Portugal
drão de Minagem e Varredura; Diretoria – Medalha do Mérito Militar de 2a classe;
do Pessoal Militar da Marinha; Comissão US-LM Estados Unidos da América – Or-
Naval Brasileira em Washington; e Arse- dem da Legião do Mérito.
nal de Marinha do Rio de Janeiro. À família do Almirante Ramon Gomes
Em reconhecimento aos seus serviços, Leite Labarthe, o pesar da Revista Maríti-
recebeu inúmeras referências elogiosas e ma Brasileira.

ALMIRANTE LABARTHE
Conheci Labarthe na Viagem da Coroação. resultado, mas a ideia causou um alvoroço
O Cruzador Barroso, recebido pelo Bra- entre os armamentistas de bordo. Se não
sil havia pouco tempo, foi designado para criou um novo método para ser posto em
representar nossa Marinha na Grande Para- prática, mostrou bem a sua mente inquieta e
da Naval de Portsmouth, em homenagem à inventiva. E foi assim que conheci Labarthe.
coroação da Rainha Elizabeth II, em 1953. Logo após a Viagem da Coroação,
Eu era primeiro-tenente encarregado da desembarquei do Barroso para cursar
5a Divisão, que tinha sob responsabilidade Armamento. E eis que lá, ensinando os
os canhões de salva. Labarthe era um ar- segredos das torres principais dos cruza-
mamentista sem curso de especialização1. dores, encontro Labarthe. Era um instrutor
Naquele momento, talvez fosse o secretário que tornava de fácil entendimento qualquer
do navio. complicação dos aparelhos de comando à
Mesmo estando fora de uma divisão de distância das torres dos cruzadores.
armamento, com seu amigo Bonoso, tenen- Embora bom aluno, sempre sofri do
te encarregado da Divisão F, especulava terrível sono que abate nossos corpos após
sobre a possibilidade de tomar a altura das o almoço (no meu caso, antes também). Era
estrelas empregando a diretora MK.332, uma luta gigantesca que sempre travei em
independente do horizonte do pôr do sol, todos os cursos que tive de fazer durante
já que era estabilizada. a minha carreira. Fazia de tudo para per-
Labarthe, como eu tenho na memória, manecer acordado, pois tinha, e tenho, a
desenvolveu a nova utilização da direção de convicção de que, para tirar uma boa nota
tiro e chegou a calcular a posição do navio e aprender a essência da aula, o caminho
tendo visado às estrelas independente do era, e ainda é, ouvir bem atento as palavras
horizonte estar visível. Não me lembro do do instrutor.

1 Durante a Segunda Guerra Mundial, os cursos foram suspensos.


2 Da bateria AA de 127 mm.

220 RMB1oT/2017
NECROLÓGIO

Na aula do Labarthe, eu tive um auxiliar Nos últimos tempos, ainda trabalhava no


“para me despertar”: o próprio instrutor, La- meio civil, onde também foi um vencedor.
barthe, que lançava em mim pedaços de giz. Por causa das limitações impostas pela
E, como era bom artilheiro e conhecedor do doença que o afligia, usava a cadeira de
problema do tiro, seus petardos sempre me rodas para ir a seu escritório, no centro da
atingiam. Apesar dessa brincadeira, nunca, cidade, e lá se movimentar. Nada poderia
nem por um instante sequer, Labarthe se abalar seu espírito, seu ânimo, sua alegria
vulgarizou ou foi desrespeitado por alguém de viver, seu dom de fazer amizades.
– era um instrutor de peso, com moral bem lá Sou fã incondicional de Labarthe. Ele
em cima em relação a todos que o cercavam. foi um vencedor, na Marinha e no meio
Nasceu, pois, dos “projetis de giz” uma civil. Muito me honra poder contar uma
forte amizade, com um sentimento de pequena faceta de sua vida, mas de enorme
uma grande admiração entre o “alvo” e o significado para mim.
“atirador”. Ah, Labarthe, que saudade de servir de
Ele era uma dessas pessoas totalmente alvo para os seus projetis de giz...
fora de série, era um especial em todos os
grupos em que trabalhou. Ninguém lhe Luiz Edmundo Brígido Bittencourt
tirava a liderança natural. Vice-Almirante (Refo)

Promoções: a segundo-tenente em
30/3/1954; a primeiro-tenente em 26/10/1955;
a capitão-tenente em 4/11/1958; a capitão de
corveta em 22/12/1962; a capitão de fragata
em 17/4/1968; a capitão de mar e guerra em
30/4/1974; a contra-almirante em 31/3/1981; e
a vice-almirante em 31/7/1985. Foi transferido
para a reserva remunerada em 15/5/1987.
Em sua carreira exerceu quatro co-
mandos: 1o Esquadrão de Helicópteros de
Emprego Geral; Centro de Adestramento
Almirante Marques de Leão; Navio-Aeró-
dromo Minas Gerais; e Força Aeronaval.
Exerceu a direção da Aeronáutica da
Marinha.
Comissões: Cruzador Tamandaré;
Navio-Escola Duque de Caxias; Centro
de Instrução de Adestramento Aerona-
val; Corveta Solimões; Base Aeronaval
CLÁUDIO JOSÉ CORRÊA LAMEGO
de São Pedro da Aldeia; Comissão Na-
Vice-Almirante
val Brasileira em Washington; Escola
Nascido no Rio de Janeiro, filho de de Guerra Naval; Secretaria-Geral do
Claudio Lamego e de Maria da Gloria Conselho de Segurança Nacional; Co-
Corrêa Lamego. mando do 1o Distrito Naval; Comando de

RMB1oT/2017 221
NECROLÓGIO

Operações Navais; e Escola Superior de Ordem de Rio Branco – Oficial; Meda-


Guerra. lha Militar e Passador Ouro – 3o decênio;
Em reconhecimento aos seus serviços, Medalha Mérito Tamandaré; Medalha
recebeu inúmeras referências elogiosas Mérito Marinheiro – 2 âncoras; e Meda-
e as seguintes condecorações: Medalha lha do Pacificador.
do Mérito Naval – Cavaleiro; Ordem do À família do Almirante Claudio José
Mérito Militar – Comendador; Ordem Corrêa Lamego, o pesar da Revista Marí-
do Mérito Aeronáutico – Comendador; tima Brasileira.

IN MEMORIAM
Vice-Almirante Claudio José Corrêa Lamego
Nos idos de 1958, o então Capitão- Passa o tempo e, em 1966, eu, que já
-Tenente Lamego iniciou suas atividades estava na área desde 1964, fui movimen-
aeronavais, ao concentrar no Centro de tado para o 1o Esquadrão de Helicópteros
Instrução e Adestramento Aeronaval de Emprego Geral (EsqdHU-1), onde tive
(CIAAN), para realização do Curso de a oportunidade de conhecer melhor o então
Aperfeiçoamento de Aviação para Oficiais Capitão de Corveta Lamego, quando exer-
(Caavo), como componente da terceira cia a função de imediato daquela unidade
turma que teve formação regular naquele aérea da qual a seguir assumiria o comando.
Centro. Naquela época, as instalações do Em 1969, na chefia do Departamento de
CIAAN se situavam na Avenida Brasil, Manutenção do Esquadrão, meus contatos
próximo ao antigo Quartel de Marinheiros com o comandante eram frequentes, visan-
e de outras organizações da Marinha. do resolver de forma satisfatória os tantos
Em junho de 1961, fruto da necessidade problemas das aeronaves e conseguir man-
abrupta de transferir todo o material e o pes- ter um nível de disponibilidade adequada, a
soal envolvido com a instrução de voo das fim de poder atender aos múltiplos pedidos
instalações do CIAAN para São Pedro da de missões que chegavam ao Esquadrão.
Aldeia, lá estava o Capitão-Tenente Lame- Assim, a possibilidade de considerar o
go fazendo parte do grupo de quatro oficiais comandante na escala de voo, sempre
encarregados da faina. Foi, portanto, um que possível, não era absurda, porque na
dos pioneiros da nossa Aviação Naval em realidade éramos poucos e tínhamos que
São Pedro da Aldeia, um dos primeiros a contar com todos; por essa razão, voamos
conhecer a realidade da área que passamos juntos muitas vezes. Nas ocasiões em que
a nominar como “Macega” e as instalações a situação da manutenção se complicava,
em final de construção da futura Base com aumento da carga de trabalho, e em
Aérea Naval de São Pedro da Aldeia. Foi que o esforço noturno era grande, o co-
um início duro, as residências para oficiais mandante nos apoiava, com serenidade,
e praças, como também os alojamentos e conhecimento e discernimento, sempre nos
demais edificações, não estavam prontas passando confiança com suas orientações
e, além disso, naquela época, o incipiente competentes e seguras.
mercado imobiliário do lugarejo não tinha Em 1970, o Capitão de Fragata Lamego
as mínimas condições de atender às nossas passou o comando do EsqdHU-1, desem-
necessidades de moradia. barcou da área e, pouco mais tarde, foi

222 RMB1oT/2017
NECROLÓGIO

premiado, designado para servir na Co- da Marinha (DAerM), onde tive a satisfa-
missão Naval Brasileira em Washington ção de secundá-lo como seu vice-diretor.
(CNBW). Naquele mesmo ano, também Naquela Diretoria, além das responsabi-
desembarquei do EsqdHU-1 e fui trans- lidades inerentes à DAerM, atendeu, por
ferido para a Diretoria de Aeronáutica da solicitação do Estado-Maior do Exército, à
Marinha. realização de palestra visando à prestação
Entre 1973 e 1974, estive alguns meses de assessoria sobre toda a problemática
na Fábrica da Bell Helicopter para fiscalizar que envolveria a criação da Aviação do
e receber os 18 helicópteros Bell Jet Ranger Exército, que se encontrava em fase de
II, adquiridos pela Marinha para renovar a estudos para sua implantação. Também
frota do 1o Esquadrão de Helicópteros de nesse período, recebeu a tarefa de repre-
Instrução (EsqdHI-1). Na oportunidade da sentar a Marinha em um grupo de trabalho
cerimônia de entrega das aeronaves, nos interministerial para estabelecer, em co-
encontramos outra vez; esteve presente o ordenação com a Força Aérea Brasileira
Capitão de Fragata Lamego representando (FAB), os requisitos para homologação
a CNBW. de operações aéreas nas plataformas de
Em 1979, já no posto de capitão de exploração de petróleo no mar, com suces-
mar e guerra, assumiu o comando do so na empreitada. Mas o mais importante
Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas mesmo, sob a ótica de aviador naval, foi a
Gerais. Tempos difíceis aqueles em que, contratação e a aquisição de mais um lote
após longo período de reparos, o NAeL de helicópteros de instrução, dessa vez dos
voltava ao mar e às operações aéreas, com Bell Jet Ranger III, mais modernos que o
o adestramento da guarnição prejudicado modelo adquirido anteriormente, tendo em
pela longa interrupção de suas atividades vista que os recebidos no primeiro lote se
precípuas. Pois ainda assim, na primeira achavam muito desgastados, devido à sua
comissão de maior duração, conseguiu o intensiva utilização nos voos de instru-
feito de se tornar o primeiro comandante ção. Foi então realizado um estudo para
do NAeL a adentrar e atracar no porto decidir sobre o processo que deveríamos
de Recife, o que até então não havia sido utilizar para trazer esses novos helicópte-
realizado pelos comandantes que o antece- ros para o Brasil. Escolhido e aprovado
deram. Na ocasião, eu estava embarcado no pelo Vice-Almirante Lamego, o traslado
NAeL com helicópteros Lynx SAH-11 do das aeronaves foi realizado de forma até
1o Esquadrão de Helicópteros de Ataque então inédita na Marinha: foram traslada-
(EsqdHA-1), que estava sob meu comando, dos em voo do Texas, nos Estados Unidos
e pude testemunhar o fato. da América do Norte, até São Pedro da
Em 1981, antevendo sua possível Aldeia. Posta em execução após minu-
promoção ao posto de contra-almirante, cioso detalhamento, a ação transcorreu
convidou-me para chefiar seu Estado- sem qualquer problema nem danos. Para
-Maior no Comando da Força Aeronaval, coroar o trabalho, mostrou tratar-se na
recomendando-me discrição porque a época, de processo mais econômico do
notícia ainda não era oficial, tratava-se que os demais considerados.
de intenção que, felizmente, acabou por Em 1987, por motivos exclusivamente
se concretizar. particulares, o Vice-Almirante Lamego
Promovido a vice-almirante, foi desig- solicitou seu desligamento do serviço ativo,
nado em 1985 para diretor de Aeronáutica passando para a reserva.

RMB1oT/2017 223
NECROLÓGIO

Com o seu falecimento, no mês de no- perdi um bom amigo. Sua falta será sen-
vembro do ano de 2016, justamente o ano tida nos desfiles das “Velhas Águias” e
em que a Marinha do Brasil comemorava nos almoços da “Confraria dos Aviadores
o Centenário da sua Aviação Naval, ela Navais”.
perdeu um oficial de escol, a Aviação Naval “No ar os homens do mar.”
perdeu um de seus pioneiros e exemplo a
ser seguido, e eu, que tive o privilégio de Carlos Frederico Vasconcellos da Silva
conhecê-lo, perdi mais do que um chefe, Contra-Almirante (Refo)

Ladário; 4o Distrito Naval; Força de Trans-


porte da Marinha; e Escola Naval.
Exerceu a direção do Centro de Arma-
mento da Marinha.
Comissões: Encouraçado São Paulo;
Navio-Auxiliar José Bonifácio; Navio
Caça-Minas Camaquã; Tênder Belmonte;
Cruzador Bahia; Cruzador Rio Grande do
Sul; Cruzador Barroso; Centro de Instru-
ção Almirante Wandenkolk; Base da Flo-
tilha de Submarinos; Submarino Timbira;
Submarino de Esquadra Humayta; Esta-
do-Maior da Armada; Escola de Guerra
DIOCLES LIMA DE SIQUEIRA Naval; Força de Alto-Mar; Comando do
Contra-Almirante 6o Distrito Naval; Estado-Maior das For-
ças Armadas; Escola Superior de Guerra.
Em reconhecimento aos seus serviços,
Nascido em São Paulo, filho de João recebeu inúmeras referências elogiosas e
José de Siqueira e de Hipólita Lima de as seguintes condecorações: Medalha de
Siqueira. Serviço de Guerra com 2 estrelas; Meda-
Promoções: a segundo-tenente em 30/ lha da Força Naval do Nordeste – bronze;
1/1941; a primeiro-tenente em 6/11/1942; Ordem do Mérito Naval – Oficial; Ordem
a capitão-tenente em 29/12/1944; a capi- do Mérito Militar – Comendador; Ordem
tão de corveta em 22/3/1952; a capitão de do Mérito Aeronáutico – Comendador;
fragata em 21/2/1956; a capitão de mar e Medalha Militar e Passador Platina – 4o
guerra em 8/5/1963; e a contra-almirante decênio; Medalha Mérito Tamandaré;
em 9/12/1969. Foi transferido para a reser- Medalha Ordem Militar de Avis – Grau de
va remunerada em 14/3/1974. Grande Oficial (Portugal).
Em sua carreira exerceu sete comandos: À família do Almirante Diocles Lima
Submarino Tamoio; Submarino Riachuelo; de Siqueira, o pesar da Revista Marítima
Flotilha de Mato Grosso; Base Fluvial de Brasileira.

224 RMB1oT/2017
NECROLÓGIO

Estação Naval do Rio Negro e Flotilha do


Amazonas.
Comissões: Navio-Escola Almirante
Saldanha; Curso de Especialização de
Máquinas para Oficiais; Cruzador Bar-
roso; Navio-Tanque Rijo (imediato); Co-
missão Naval Brasileira em Washington;
Comando da Força da Patrulha Costeira
do Sul; Curso de Adestramento de So-
corro Marítimo; Centro de Adestramento
Almirante Marques de Leão; Comando do
1o Distrito Naval; Escola de Guerra Naval;
Gabinete do Ministro da Marinha; Gabi-
nete da Vice-Presidência da República;
Comissão de Construção Naval da Mari-
nha do Brasil; Diretoria de Engenharia da
Marinha; Comissão Naval Brasileira na
Europa e Estado-Maior da Armada.
Em reconhecimento aos seus serviços,
recebeu inúmeras referências elogiosas
HAROLDO LOPES PEREIRA
e as seguintes condecorações: Medalha
Contra-Almirante
Naval do Mérito de Guerra – Serviços de
Guerra sem estrelas; Ordem do Mérito
Nascido em Mato Grosso, filho de João Naval – Comendador; Ordem do Mérito
Lopes Pereira e de Noemia Lopes Pereira. Militar – Comendador; Ordem do Mérito
Promoções: a segundo-tenente em Aeronáutico – Comendador; Medalha Mi-
18/2/1952; a primeiro-tenente em 16/11/1953; litar e Passador Ouro – 3o decênio; Me-
a capitão-tenente em 16/5/1956; a capitão dalha Mérito Tamandaré; Medalha Mérito
de corveta em 6/7/1961; a capitão de fragata Marinheiro – 1 âncora; Medalha do Paci-
em 20/5/1966; a capitão de mar e guerra em ficador; Medalha Mérito Santos Dumont;
19/6/1970; e a contra-almirante em 31/3/1977. Co-on Colômbia – Ordem Naval Almiran-
Foi transferido para a reserva remunerada em te Padilha.
13/5/1981. À família do Almirante Haroldo Lo-
Em sua carreira exerceu três coman- pes Pereira, o pesar da Revista Marítima
dos: Rebocador de Alto-Mar Tridente; Brasileira.

ALMIRANTE HAROLDO LOPES FERREIRA


– AGRADECIMENTO

Conheci o Haroldo em 1950, na Escola Voltamos a conviver no Cruzador Bar-


Naval, ele aspirante do último ano e eu do roso. Como encarregado da Divisão R, fui
Curso Prévio. seu subordinado no Grupo de Controle de

RMB1oT/2017 225
NECROLÓGIO

Avarias, que ele chefiava, cumulativamente Ao regressarmos, Haroldo foi de-


com a função de encarregado da Divisão A. signado encarregado do Casm, e eu seu
Reencontramo-nos no Curso de Especiali- ajudante. Em março de 1964, o Casm foi
zação de Máquinas para Oficiais (Cemo), incorporado ao Centro de Adestramento
ele instrutor e eu aluno. Almirante Marques de Leão (CAAML),
Dos encalhes da Corveta Angostura e passando a denominar-se Escola de Socor-
do Rebocador Tritão resultou a criação do ro e Salvamento. Continuamos juntos até
Curso de Adestramento do Socorro Maríti- que o Haroldo foi designado comandante
mo (Casm). Antes de sua implementação, do Rebocador Tridente (R22). Em várias
em 1962, foram designados para salvage ocasiões, pude apreciar o seu desempenho.
officer course na Deep Sea Diving School, Segui as águias do guia, sucedendo-lhe no
US Navy, em Washington, DC, o Capitão de comando do R22.
Corveta Haroldo Lopes Pereira, o Capitão- Passam-se os anos. Em 1979, Haroldo
-Tenente Ivan Simas de Oliveira e eu (tam- é contra-almirante, subchefe do Estado-
bém capitão-tenente), todos constantes da -Maior da Armada (EMA) (M-50) e eu sou
listagem de oficiais que haviam servido em capitão de mar e guerra, encarregado da
rebocador. Mais uma coincidência agradável divisão da Subchefia de Logística e Mobi-
de conviver com o Haroldo e com o Simas, lização (M-40). É no EMA que meu senti-
meu colega da Turma Alhanati. mento de respeito pelo Haroldo, presente
Tendo sido a duração do curso de 16 em todas as anteriores ocasiões, torna-se
semanas, abrangendo o período do final ainda mais forte, por suas qualidades ma-
de novembro de 1961 ao final de março de rinheiras, seu equilíbrio, seu discernimento
1962, tive a oportunidade de avaliar quão e sua bondade.
importante foi a solidariedade para enfrentar
o inverno, mormente quando nevava durante Carlos Augusto Vilhena de
os mergulhos no Rio Anacostia, afluente do Magalhães Cunha
Potomac. Tive grandes companheiros. Contra-Almirante (Refo)

226 RMB1oT/2017
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o


que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses.
Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas e
por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha.
São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas.
Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso
por carta, ou por e-mail (internet: rmbmateria@dphdm.mar.mil.br e
intranet: dphdm-083@dphdoc).

VIAGEM A ASSUNÇÃO (PARAGUAI)


E SANTA FÉ (ARGENTINA) – 1987
A viagem era rotineira, havia até check fundeando à noite, “porque era perigoso” (isso
list de providências. Destinava-se a parti- me incomodava). Pegamos um prático militar
cipar das celebrações das datas de indepen- paraguaio em Vallemy e chegamos sem pro-
dência do Paraguai (15 e 16 de maio) e da blemas em Assunção, onde um Grupamento
Argentina (25 de maio). de Desembarque, formado por fuzileiros
Era grande a disputa por embarque nos navais do Grupamento de Fuzileiros Navais
contados espaços de bordo. As listas de de Ladário e por marinheiros da FlotMT,
embarcados eram preparadas em segredo, participou do desfile militar alusivo à data.
em escalões elevados; afinal, era a viagem A representação do 6o DN sempre foi
de ouro do pessoal pantaneiro. bem recebida e tratada com cortesia. O
O trânsito por si só apresentava as preocu- comandante do 6o DN, habitualmente,
pações com os “passos rasos” que, em viagens era condecorado e, às vezes, também o
anteriores, haviam imobilizado a Flotilha. O comandante da Flotilha de Mato Grosso.
Programa de Adestramento era bem suave, Comandantes e esposas eram hospedados
para que as tripulações pudessem preparar os nos melhores hotéis da cidade, Excelsior
navios. O comandante do 6o Distrito Naval e ou Guarany. Brindes eram ofertados com a
sua comitiva se reuniriam à Flotilha de Mato assinatura, de próprio punho, do Presidente
Grosso (FlotMT) em Assunção. Alfredo Stroessner. Visitas a museus eram
E lá fomos nós, Parnaíba, Potengi, Pa- realizadas, com reverência especial ao
raguassu e Piraim, navegando à luz do dia e Mausoléu de Solano López, construído à
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

imagem do de Napoleão, em Paris (mais em território argentino, foi percebida a bor-


singelo, todavia). Havia celebrações diá- do. Houve protesto com base no acordo que
rias. Um tradicional jogo de futebol Brasil permitia o exercício da atividade somente
x Paraguai entre militares e uma esperada conduzindo embarcações paraguaias. Nos-
feijoada de retribuição, promovida pela sas autoridades intercederam, e a situação
FlotMT, encerravam os eventos. foi resolvida com algum mal-estar. Perma-
A programação tinha o dedo do Presi- neceríamos com o assessor paraguaio, por
dente em tudo. Era intensa, minuciosa. Para via das dúvidas, proibido de baixar a terra.
mais bem cumpri-la, designamos um oficial Fizemos trânsitos diurnos e noturnos
recém-embarcado para auxiliar no estudo sem problemas. Curioso é que o prático
do protocolo e do cronograma. Este oficial, não prosseguia sem que visse a boia que
porém, de formação técnica, se mostrou lhe seria referência, e, justiça seja feita,
pouco adaptado às aventuras embarcadas, estavam todas lá, algumas apagadas, mas
de modo que a vida a bordo lhe era um corretamente posicionadas. Estranho para
martírio de incertezas. Sua preocupação em navegantes como nós a confiança irrestrita
não errar fazia-o ler e reler todas as coisas de que depositava no balizamento, mormente
maneira sem fim. Recorria a todos a quem se considerarmos que o Rio Paraná tem
podia, insistentemente, na esperança de forte correntada. Certa tarde, fundeamos
obter conforto para as dúvidas que lhe de- num local chamado Islã do Mal Abrigo.
vastavam a mente. A “malta” logo percebeu Estava tudo calmo. À noite, entretanto, se
essa vulnerabilidade, a partir do que sempre abateu sobre nós um forte e súbito vento sul
injetava falsas incógnitas ao seu problema. que “levantou o mar”. Aí vimos a razão do
Em Assunção, um jovem oficial para- nome. O Parnaíba resistiu bem ao desafio,
guaio nos foi apresentado para apoiar o mas que ideia infeliz essa de escolher um
cumprimento do protocolo. Foi o bastante local de tal nome para se abrigar!
para se tornar o “ouvidor-mor” do nosso Chegamos às proximidades de Santa
cerimonialista. Um alívio para nós, um Fé na véspera. Fizemos uma entrada de
sacrifício para a desacostumada “vítima”, reconhecimento para identificar as carac-
sempre solícita e disciplinada. No seio de terísticas do canal de acesso e do local de
seus pares, entretanto, um indiscreto ouvi- atracação, no fundo de uma dársena. Uma
do pôde identificar a expressão “incha la curiosidade: Santa Fé não fica bem no Rio
pelota” (enche o saco), dita em referência Paraná, mas em braço interno do rio, cujo
ao nosso sofrido oficial. Não precisa dizer acesso se dá através de um canal “feito a
que a alcunha foi imediatamente adotada. pá”, como dizem os argentinos, muitos anos
Findo o Programa de Eventos, partimos atrás – impressionante.
de Assunção, Parnaíba e Potengi, com Em Santa Fé, a recepção foi igualmente
destino a Santa Fé. Paraguassu e Piraim cortês. A Armada argentina colocou um
de volta a Ladário. No Rio Paraná, outra oficial de ligação para o comando da FlotMT
realidade nos esperava. Logo após deixar- e o comandante de um contratorpedeiro de
mos Assunção, chamou atenção o perfeito escolta, atracado na mesma dársena, como
controle que a Prefeitura Naval argentina cicerone do comandante do Parnaíba. Fo-
exercia sobre as embarcações nos rios Para- ram feitas visitas protocolares a autoridades
guai e Paraná. Esse controle nos causou um do Executivo, do Legislativo, do Judiciário
pequeno problema quando a presença do e da Igreja e também foram visitados sítios
prático paraguaio, exercendo sua atividade históricos. O oficial de ligação era um capi-

228 RMB1oT/2017
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

tão de corveta da reserva ligado a assuntos Estávamos dispostos até a aceitar uma visita
de História. No dia 25 de maio, assistimos pacífica, mas nunca intimidação de qualquer
a um desfile cívico-militar no palanque de espécie, tal como ser alvo de lancha ou a
honra. O Parnaíba retribuiu as atenções com presença de visitantes armados. Felizmen-
um almoço a bordo. O adido naval brasileiro te, a lancha foi embora e tudo ficou como
colaborou para que não faltassem recursos. estava. O sábio espírito do Parnaíba, acos-
Iniciamos o regresso, e as boias apaga- tumado àquelas paragens e ao seu gentio,
das na ida já funcionavam perfeitamente. O havia tomado as rédeas da situação e posto
Parnaíba dependia, sobremodo, do Potengi a paz a reinar. Protegeu seu comandante e
para garantir seu combustível. Usávamos evitou uma questão internacional. Hoje diria
um bunker muito pesado e espesso. Se- “Ufa!”. Àquela altura não tenho dúvidas de
guíamos um programa de reabastecimento o Parnaíba já me havia aceitado. O jovem
que começou a se mostrar insuficiente. O comandante era adequado a um patrulha
frio havia endurecido mais ainda o bunker, artilhado e encouraçado, faltava amadurecer.
que fluía com dificuldades. Parecia chicle- Quase em Corrientes, o Potengi come-
te. A frequência dos reabastecimentos foi çou a apresentar problemas de máquinas.
aumentada, expondo o material a esforço Em razão dos compromissos protocolares
não calculado. Numa bela noite, “ploft”, atinentes à visita, o Parnaíba seguiu só
rompeu o mangote de transferência. Ainda para evitar atrasos. Tínhamos pequeníssima
que bastante denso, lançamos muito óleo no reserva de velocidade. Vale lembrar que,
Rio Paraná e no convés do Parnaíba. O cos- no ano anterior, o Parnaíba teve muitos
tado ficou negro. Iniciamos uma demorada problemas de condensador na viagem a
limpeza, que não passou despercebida pelas Rosário, em razão da água barrenta do Rio
autoridades argentinas. Logo uma lancha da Paraná. Nesse ano estávamos tendo suces-
Prefeitura Naval nos acompanhava. so. O chefe de Máquinas, em um hercúleo
Naquele momento, passou-nos pela ca- trabalho, diariamente abria e limpava um
beça um episódio em que o Navio-Escola condensador, de modo a garantir nossa ca-
Custódio de Mello, nosso navio-escola, ao pacidade de processar o vapor das caldeiras.
adentrar o Canal de Beagle, foi interceptado Chegamos a Corrientes no horário. O
por lancha semelhante àquela que ali estava Potengi um pouco mais tarde, não muito. A
e impedido de prosseguir viagem. Sob a programação foi igualmente formal e cortês.
mira de metralhadoras, teve de esperar que Partimos de Corrientes. Com alívio,
as autoridades diplomáticas intercedessem passamos a foz do Rio Paraguai. Ali está
para mostrar que nada tínhamos a ver com a um passado de glórias. A margem esquer-
questão de soberania disputada por chilenos da do rio é cheia de nomes conhecidos, a
e argentinos em Beagle. Ora, o Parnaíba é começar por Passo da Pátria; seguem-se
um encouraçado, e não nos pareceu correto Curuzu, Curupaiti e Humaitá. Nos campos
sofrer a mesma humilhação. Raciocínio de batalha, os paraguaios ergueram monu-
simplista e, convenhamos, errado, mas foi mentos em memória aos caídos. Alguns
o que pareceu importante. Éramos também podem ser vistos do rio. O que era pura “de-
convidados do Governo argentino e blá, blá, coreba” escolar agora desfilava como que
blá... Coisa de jovem petulante e entusias- “em continência”, um em cima do outro,
mado. O Parnaíba, então, guarneceu Postos praticamente, a cada curva do rio. Se em
de Combate e assim permaneceria até que 1987 eram locais ermos, podemos imaginar
a lancha da Prefeitura Naval se afastasse. como seriam as dificuldades logísticas de

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O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

1865/1868. Eu ficava emocionado. Funde- cercada por um dique e possuidora de bombas


amos em Humaitá. para retirar a água do Rio Paraguai nos perío-
A Fortaleza de Humaitá desapareceu pe- dos de cheia. Ali só havia dois telefones, e uma
las águas do rio, exceção para uma igreja em televisão era colocada no meio da pracinha.
ruínas, hoje tornada memorial, cheia de pla- Em Forte de Coimbra, fizemos nossa tra-
cas e flores. Há, ainda, um arganéu daqueles dicional raia de tiro no Morro da Marinha.
que prendiam as correntes que bloqueavam o O comandante do forte havia limpado o
rio. Existe também um cerimonioso silêncio. alvo que se encontrava à nossa espera. Forte
Chegou o Parnaíba, depois o Potengi. de Coimbra também teve sua participação
Como a querer permanecer ali, o motor de heroica na Guerra do Paraguai. Nas suas
combustão principal adoentado do Potengi muralhas, pode-se ler a frase “Só pela honra
negou-se a trabalhar por tempo indetermi- e sorte das armas entregaremos o forte”,
nado. Agora tínhamos pela frente um sério dita pelo comandante à força paraguaia
problema de avanço, já que sem o reabaste- que com ele cruzava espadas. Perdemos
cedor não era possível ao Parnaíba cumprir o forte, mas o exemplo lá está até hoje,
o avanço previsto no Programa de Eventos. lamentavelmente pouco lembrado ao nosso
De qualquer forma, o Potengi não poderia povo. Não é por acaso que logo a jusante
ficar só naquelas paragens vazias e despro- dele encontramos a fronteira boliviana.
vidas de qualquer apoio. Então, decidimos O forte tinha seus encantos para as tri-
rebocar o navio pelos mais de 2 mil quilôme- pulações. Havia uma antena parabólica que
tros que nos separavam de casa. Coisa digna nos fornecia imagens de televisão, coisa
de entrar no Livro de Recordes. Igualmente inexistente na calha do rio, e tinha carne
digna a transferência de óleo, que durou fresca (bovina e suína) que trocávamos por
enquanto o reboque transcorria. Reboques óleo diesel, uma perdoável irregularidade
em rios se dão a contrabordo. Aproveitando que diminuía as agruras do isolamento. O
a presença tão perto do reabastecedor, fomos gerador era ligado só oito horas por dia,
bombeando o tempo todo. Isso valeu uma e nosso óleo era um significativo reforço.
charge com os dois navios colados, tendo o Existiam também entes folclóricos, como
Potengi a forma de uma mamadeira, na qual aquele oficial do Exército que, respondendo
o Parnaíba ia deglutindo o seu leite negro. à indagação se queria tomar uma cerveja,
Passamos por Lomas Valentina, já nos respondeu que “quem toma é galinha, aceito
subúrbios de Assunção. O memorial da beber uma cerveja”. Pela limitação de ener-
batalha é visto do rio. Ali, último bastião gia, a possibilidade de contar com produtos
da capital de Solano López, o exército pa- perecíveis frescos e gelados era especial-
raguaio foi aniquilado defendendo a cidade. mente apreciada. Sempre que passávamos
Em Vallemy, nos despedimos do nosso pelo forte, lhes deixávamos sorvetes. Como
prático-militar paraguaio, grande companhia a felicidade se faz com coisas pequenas!
e contador de muitos “causos”. Estava inte- E, finalmente, chegamos a Ladário:
grado à equipe. Com pesar, o vimos partir. reencontro com as famílias e a satisfação
Atracamos em Porto Murtinho, cidade do dever cumprido.

INSPEÇÃO DE EFICIÊNCIA NO NTFlu PARAGUASSU


Na Força de Submarinos, fazíamos Adestramento (PAD-Ciasa) e inspeções
nossos Programas de Adestramento da para mudança de Condição de Adestramen-
Comissão de Inspeção de Assessoria de to com muito realismo. Simulávamos as

230 RMB1oT/2017
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

avarias de modo que os seus efeitos fossem ser laborado manualmente. A válvula também
efetivamente sentidos. serviria para gerar a avaria real. Então, quando
No ano de 1988, o Paraguassu seria ordenado pelo chefe da comissão, o inspetor de
submetido a Inspeção de Eficiência, e o máquinas abriria o by-pass. E veríamos o que
oficial de Operações do Estado-Maior do se sucederia. Se algo não saísse a contento, o
Comando do 6º Distrito Naval foi desig- inspetor restabeleceria o sistema.
nado chefe da comissão que realizaria a Suspendemos para a inspeção em direção
inspeção. O comandante do navio e o oficial ao Rabicho. Aproveitando o estirão entre a
de Operações eram submarinistas. Fazenda do Rabicho e a Foz do Paraguai-
A comissão se reuniu para elaborar o -Mirim, o inspetor de máquinas recebeu
programa de eventos a ser cumprido pelo ordem para abrir o by-pass. Em que pese
Paraguassu e, como de praxe, não poderia o “fora de leme” ser esperado, acho que o
faltar o tradicional “fora de leme”, em que timoneiro aguardava receber a informação
seria verificado o preparo da tripulação de avaria, jamais ser o “detector da avaria”.
na comunicação da avaria, tramitação de A surpresa o fez “gelar” diante da roda do
ordens pertinentes, transferência e governo leme, onde ficou estático, sem nada dizer ou
a partir da estação de emergência. fazer. O Paraguassu, inicialmente, seguiu
Em seguida, o chefe da comissão e o reto para então, lentamente, tomar direção a
inspetor de máquinas foram a bordo para boreste, justo rumo à margem mais próxima.
verificar como simular a avaria. O sistema de Vendo que teríamos uma emergência de fato,
governo em emergência do Paraguassu era o comandante e o inspetor de máquinas foram
muito simples: um arco que se fazia de cana avisados. O comandante fez o que pôde,
do leme, ligado a dois aparelhos de força, um inverteu máquinas e recuperou o controle, po-
em cada bordo, para ser laborado por tripu- rém não antes de o navio estampar a proa na
lantes escalados em tabela-mestra. A única lama da barranca, em perfeito baixo-relevo,
providência mais sofisticada era saber onde digno de um trabalho de Michelangelo.
se localizava a válvula by-pass que aliviava
o sistema hidráulico normal, sem o que o Gilson Antonio Victorino da Silva*
sistema, de tão duro, se tornava impossível de Capitão de Mar e Guerra

O BURCA**
Há décadas, quando servia numa ilha ela, nem queria morar com o genro. Mas
para os lados do Mocanguê, havia um fazer o quê? O infeliz era a única renda da
graduado, morador da Tijuca, tido como família!
exímio paquerador. Esta característica A vida atribulada era motivo para desaba-
causava-lhe frequentes desentendimentos fos com os colegas de trabalho. Vitimizava-
com a esposa, ampliados pelas constantes -se, dizendo ser um verdadeiro burro de
intervenções da sogra. Na verdade, dizia carga, o que lhe rendeu o apelido de Burca.

* Foi comandante do Navio-Varredor Atalaia, do Monitor Parnaíba e da Flotilha de Mato Grosso e capitão dos
Portos do Espírito Santo. Foi também adjunto do adido militar na República Popular da China. É aperfeiçoado
em Submarinos e Mestre em Ciências Navais (EGN).
** N.A.: O fato foi narrado em Praça D’armas pelo Capitão de Fragata (IM) Márcio Abel da Silva Longo, que,
autorizou a publicação, fazendo questão que o fosse com a minha autoria.

RMB1oT/2017 231
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

Situação insustentável, com cobrança o médico me vem com essa loucura. Oh


das duas “chefes”, forçou o “Dom Juan” prejuízo! Voltarei à rotina.
a consultar um psicólogo. O especialista Dito e feito. Após o expediente da sexta-
desfiava um rosário de aconselhamentos e -feira, saiu com a mais recente conquista.
sugestões, sempre refutados pelo paciente, Tarde da noite chegou em casa; levou mais
que contrapunha com mirabolantes e infin- uma bronca da esposa e da sogra, apesar da
dáveis argumentações, todas em seu favor. boa justificativa de sempre. Estava em reu-
O doutor não acertava. nião de trabalho – a culpa era do chefe, não
Eram tantas as complicações, que o podia fazer nada, reclamassem com ele; afi-
psicólogo ficou descompensado. Para não nal, era o seu trabalho que sustentava a casa.
dispensar o paciente, resolveu consultar No dia seguinte, ainda amuada, a mulher
um colega de especialidade. Não surtiu comunicou-lhe que um casal amigo, morador
efeito, o insucesso do tratamento de ambos de São Gonçalo, havia convidado para um
continuou. Não sabia mais o que fazer, aniversário naquela noite. Sempre de butuca
sentiu-se incapacitado. Pensou em mudar nas conversas do casal, a sogra gritou logo:
de profissão, mas tentaria a última linha de “Eu vou também, eu vou. É hora de inaugurar
ação: entrevistar a esposa do militar. minha roupa e meus sapatos novos.”
– Melhorou nada, nadinha; está cada Que raiva! Pensou em estourar, mas,
vez pior. para aliviar a barra, o Burca sugeriu que ela
– Não é possível! A senhora tem que almoçasse bem e fizesse um bom lanche à
participar, precisa manter um diálogo em tarde, pois o aniversário poderia demorar.
casa. – A sua mãe conversa com ele? – Não vou comer nada. Eu quero é saborear
– Desisti, doutor. A minha mãe, tadinha, todos os doces e salgados da festa, ora mais!
ele nem olha, tem jeito não. Só o senhor Cedo da noite, a família embarcou no
mesmo; é a minha esperança, porque nem carro. A sogra, no banco de trás, com os pés
reza e nem promessa resolveram. doloridos, descalçou os sapatos. Ao parar
– Vou confessar à senhora. Nunca vi no pedágio da Ponte Rio-Niterói, o genro
um caso desse. Estou quase desistindo da sentiu que algo tocou-lhe o pé. Olhou para
profissão, mas, enfim, vamos lá. Aguarde o assoalho e deparou-se com um sapato. O
lá fora e mande ele entrar. coração quase parou!
– E aí, meu caro, como está? “Arre! A doida de ontem deixou o sapato
– Tudo bem, doutor, não tenho nenhum no carro”, pensou. “Minha mulher me mata,
problema, nunca estive melhor. haja confusão e adeus aniversário”. Fingiu
– Que bom! Ótimo, parabéns! Pra melho- não ouvir o funcionário do pedágio, entrea-
rar mais, pense na sua família; o senhor tem briu a porta e com o pé empurrou o sapato
que olhar para as mulheres como se fossem pra fora. “Que alívio! A noite tá salva.”
homens. Faça isto e volte daqui a 30 dias. Ao chegar no destino, notou que a sogra
O Burca saltou da cadeira! não estava bem. Não saía do carro. Supera-
– Eu volto é nunca, doutor. Creio que o gitada, revirava tudo, fazia uma tremenda
senhor é que tem problema, achando que confusão.
mulher é o mesmo que homem. – Vamos, vamos, gente. Estamos atrasa-
Voltou pra casa injuriado, reclamando dos. O que foi, minha sogra, algum problema?
da mulher e da sogra que encheram a cabe- – Problema é pouco! Não estou encon-
ça do doutor. Tanto tempo perdido; perdi trando o meu sapato, estou só com um pé.
oportunidades por causa das consultas e Foi bem você que escondeu.

232 RMB1oT/2017
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

– Pelo amor de Deus, até isso sou eu? O Burca não retrucou. Nem precisava,
Como? A senhora não estava calçada? sentia-se no paraíso. Chorou de gargalhada.
– Não, eu tirei pra descansar os pés. A estimada sogra não participou do ani-
Vasculharam o carro e nada de sapato. versário. Ficou no carro até a madrugada,
– E a senhora trouxe mesmo? saboreando toda fome que Deus lhe dera.
– Claro, não sou doida. Como viria só Manoel Cardoso da Silva
com um sapato? Capitão de Corveta (Refo-T)

VULTO ESTRANHO NA PISCINA


Ladário, situado no estado do Mato acordar mais cedo e dar um mergulho na
Grosso do Sul, é um município minúsculo excepcional piscina do clube, antes do
localizado dentro de outro município, deno- início do expediente. Pelo horário, o clube
minado Corumbá. Na realidade, o município estava deserto, então tranquilamente ele
de Corumbá é imenso, sendo o 11o em área deu um mergulho nas águas límpidas, sendo
territorial no Brasil. O município de Ladário, que, enquanto nadava, observou um vulto
com cerca de 20 mil habitantes, corresponde no fundo da piscina. Achou estranho, pois
a 0,5% do território de Corumbá, estando a piscina estava sempre muito bem tratada
encravado na cidade de Corumbá, que tem e não poderia ter sujeira no fundo. Incomo-
cerca de 105 mil habitantes. dado com o que viu, resolveu ir olhar com
O Complexo Naval em Ladário é lin- mais atenção e surpreendeu-se com um
deiro ao Rio Paraguai, e na outra margem filhote de jacaré. Imediatamente chamou
há uma planície que se alaga no primeiro os empregados de serviço do clube, que,
semestre do ano. Esta planície é uma área muito surpresos, munidos de uma peneira
pouco habitada por ribeirinhos, mas que de limpar piscina, foram ao local para res-
tem, além de gado bovino, uma fauna gran- gatar o animal.
diosa composta de aves, mamíferos, ofídios Felizmente, com um telefone celular
e répteis. Este cenário imenso que alterna fotografaram este resgate para que não
entre períodos de cheias e secas sofre com passassem por mentirosos. O jacaré foi
grandes alagamentos e queimadas, o que solto no riacho citado anteriormente. Pro-
provoca a fuga dos animais para outras vavelmente ele adentrou ao clube, durante
regiões. Daí é que, atravessando o rio a a sua andança noturna, atraído pelo cheiro
nado, de repente o animal se vê dentro da da água da piscina.
cidade. Na realidade, o risco de vida para o Obviamente, o oficial ficou bastante
animal aumenta, pois ele entrará em contato assustado e sentiu-se o lendário “Jim das
com o homem. Selvas”. Durante um período conviveu
Dentro do Complexo Naval de Ladário com as brincadeiras engraçadas dos
existe o Clube dos Oficiais (Marisco), amigos.
separado por um riacho, que deságua no
Rio Paraguai, das instalações da Casa do Ronald dos Santos Santiago
Marinheiro de Ladário (Camala). Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Em abril de 2008, um oficial do Estado- Chefe do Estado-Maior do Com6oDN
-Maior do 6º Distrito Naval resolveu na época

RMB1oT/2017 233
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

NAUFRÁGIO
Ao término do curso da Escola de De repente, foi chamado. Ia participar
Aprendizes-Marinheiros do Ceará, nos dos 100 metros de nado livre. Foi tomado
anos 70, um grupo de marinheiros embar- de grande empolgação. Antevendo o suces-
cou no Cruzador Barroso (C-11), um dos so, via-se como o herói da equipe. Ô glória!
expoentes da Marinha do Brasil à época. Competidores alinhados, o juiz passou
No grupo, um marinheiro destacava-se as instruções: no primeiro apito os nadado-
pela baixa estatura e por ser muito franzino, res ocupam seus lugares; no segundo, larga.
credenciais que, a priori, não o indicavam a – Largar o quê, chefe?, questionou o
ser selecionado para nenhuma modalidade marujo.
desportiva. O dito-cujo, porém, alardeava ser – Saltar, meu filho, cair na água. De
muito bom nadador, habilidade que desen- onde tu veio?
volvera em riachos no interior do Nordeste. – Humm! Sendo assim é fácil, não há
Com apenas três semanas de embarque, dúvida, matutou.
a turma foi surpreendida com a presença de – Primeiro apito, preparar! Segundo
um velha-guarda, suboficial antigão cursa- apito, largar.
do em Educação Física. Estava escalando O representante do C-11 saiu inconti-
atletas para participar da competição de nenti. Largaria bem, não fosse a barrigada
natação, realizada anualmente entre as tri- na água. Recuperou o fôlego, impôs ritmo
pulações dos navios da Esquadra. A prova frenético nas braçadas. Mesmo no estilo
seria disputada na tarde daquele mesmo dia, nado de rio, conseguiu acompanhar os
na piscina da Escola Naval. concorrentes.
Aparentando simplicidade, o marinheiro Com o extenuante esforço, o atleta perdeu
em questão não se voluntariou para partici- o gás na volta, pregou. Nadava quase em pé,
par, no entanto os colegas imediatamente o engolia água com as marolas. Não brigava
indicaram ao dirigente técnico: “Seu Sub, mais por posições, mas para não se afogar.
seu Sub, esse nada, esse nada, é dos bons!”. Tocou desespero! Tentava sair pela
O jovem marujo tentou convencer o lateral da piscina. Gozação geral, ovação
suboficial de que não era tudo aquilo que da torcida: “Nada pra frente, pra frente, se
falavam, mas, a bem-dizer, não era um sair fica preso!”
afogado, dava suas braçadas, mas... Sentiu-se no meio do mar. Não via mais
O suboficial, que estava “na onça” [com nada, não sabia onde estava e nem o que
dificuldade] para conseguir competidores, acontecia. No limite, lutando pela vida, con-
não iria dispensá-lo, especialmente depois seguiu chegar à borda, sem forças pra sair da
da garantia unânime daqueles que mais o
água. Então os “amigos” resolveram dar-lhe
conheciam – os colegas de turma. Usando
uma força: “Olha o tubarão, olha o tubarão!”
da autoridade, esbravejou: “Mas coisa ne-
Mais que isso não era preciso! Pulou
nhuma! Você vai, se sabe nadar vai. Não
fora que nem um raio. Aturdido e apavora-
aceito escamação [corpo mole]. Ou vai ou
leva uma parte de ocorrência. É ordem”. do, perguntou: “O navio afundou, afundou?
Bem, desse jeito não tinha como escapar Cadê o navio?”
da faina. Foi. O técnico aloprou: “O navio não, mas
Começou a competição: nado peito, tu, peste, afundou a equipe. Tá de castigo.
costas, revezamento, e o jovem nadador Vai pegar uma semana de faxina extra, após
inconformado com os pífios resultados da o expediente”.
sua equipe: “Eu aqui, à disposição, sem
participar. Poderia salvar a equipe. Se fosse Manoel Cardoso da Silva
nadar mostraria resultado, iam ver”. Capitão de Corveta (Refo-T)

234 RMB1oT/2017
DOAÇÕES À DPHDM
JANEIRO A MARÇO DE 2017
DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior


Vice-Almirante (Refo) Armando de Senna Bittencourt
Contra-Almirante Ricardo Albergaria Claro
Coronel Nylson Reis Boiteux
Suboficial (Refo) Clóvis Matias Alves

Sr. Gerson Antônio Fonseca


Sr. Aurélio Augusto F. de Meira
Sr. Leonardo Henrique Galvão
Sr. Julio Heilbron
Comando de Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais (CDDCFN)
Centro de Mísseis e Armas da Marinha (CEMASM)

Sociedade de amigos da Biblioteca Nacional (SABIN)


République Francaise Ministère de la Dèfense
Instituto de Estudos Legislativos Brasileiro (IDELB)
Fundação Roberto Marinho
Editora Casa da Palavra

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHA
Naval Forces: International fórum for maritime power – v. 37 no 4, no 5 – 2016

CHILE
Patrimonio del Museo Marítimo Nacional

CUBA
Revista bimestre Cubana: de la sociedad económica de amigos del país – no 44 jan./
jun.– 2016

ESPANHA
Revista de História Naval – v. 34, no 135 – 2016

FRANÇA
Ètudes marines: marines d’ailleurs – no 10 – 2016
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ITÁLIA
Rivista Marittima – v. 149, nos 5, 6, 7 e 8; mai./jun./jul./ago. – 2016

PORTUGAL
Revista de Marinha – v. 78, no 986, set./out; v. 78, no 988, nov./dez. – 2015; v. 79, no
989, jan./fev. – 2016
Anais do Clube Militar Naval – v. 145, tomos 7 a 12

BRASIL
Revista do arquivo geral da cidade do Rio de Janeiro – no 10/11 – 2016
Cadernos do CHDD – v. 47, no 27, 2o semestre – 2015; v. 15, no 18, 1o semestre – 2016
Revista ADESG – no 287, set./out. 2014; v. 40, no 289, jan./abr.; no 290, jul./ago.; e no
291 nov./dez. – 2015
Âncoras e Fuzis – v. 15, no 47 – 2016
Informativo Marítimo – v. 24, no 2, mar./jul. – 2016
Revista da Biblioteca Nacional – v. 8, nos 90 a 96, mar. a set. – 2013; v. 9, nos 97, 98 e
99, out./nov./dez. – 2013; v. 9, nos 100 a 111, jan. a dez. 2014; v. 10, nos 112 a 120,
jan. a set. – 2015; v. 11, nos 121/122, out./nov. – 2015; v. 11, nos 123/124/125, mai./
jun./jul. – 2016
Revista do Clube Militar – v. 88, no 459, jan./fev./mar. – 2016
Tecnologia Militar – v. 38, nos 2, 3 e 4 – 2016
Revista Âncora Social – v. 9, no 9 – 2016
Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil – v. 74, no 101 – 2015
Educação Física – v. 16, no 62, dez. – 2016
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – v. 176, no 469, out./dez. – 2015
Tecnologia e Defesa – v. 33, no 147 – 2016
Mistérios da pré-história americana – 2015
“Uma vasta Caieira”: um estudo sobre os fabricantes de cal da Freguesia da Ilha do
Governador (1861-1900) – 2016
Aspectos logísticos da guerra do Paraguai – 2015
A China e os chins: recordações de viagem – 2016
Pedro Teixeira, a amazônia e o tratado de Madri – 2016
Ilha da Trindade: veo de mysterio à flôr dagua – 2010
Memórias de um soldado legalista – 2016
O soldado e o estado: teoria e política das relações entre civis e militares – 2016
Fé e poder; religião e política no Oriente Médio – 2016
Estratégia moderna – 2016
A Amazônia e eu – 2016
Direito marítimo reflexões doutrinárias: sugestões para monografias, dissertações e teses – 2015
Processo marítimo formalidades e tramitação – 2013
Catálogo Filatélico Portugal – 2016
A defesa do ouro negro da Amazônia Azul – 2016
Escola de Artilharia de Costa Antiaérea 80 anos – Ed. especial EsACosAAe
O X da questão – 2011
O mensageiro milionário – 2012

236 RMB1oT/2017
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

Heaven – 2012
Hades – 2012
A vida imortal de Henrietta Lacks – 2011
A primeira luz da manhã – 2010
A filosofia explica as grandes questões da humanidade – 2013
Fahrenheit 451 – 2012
Ser rico é possível: como administrar seu dinheiro em tempos difíceis – 2010
A história do poder legislativo do Brasil através do tempo – 1826-2009 – 2016
Belém: riquezas produzindo a Belle Èpoque 1870-1912 – 2010
Francisco Caldeira de Castelo Branco: capitão-mor e primeiro descobridor, conquistador
e povoador do Grão-Pará – notas sobre o fundador de Belém – 2016
Dissertação de mestrado profissional em administração: um estudo sobre o consumidor
de museus no Rio de Janeiro – quem são e o que esperam – 2015
Plano de ação Florianópolis sustentável – 2015
Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará – 2015, 2 Exs.
Contos e encontros piratas – 2016
O pesadelo do príncipe – 2016
O poeta voador – 2016
Narrativas, biografias e fontes da guerra da Tríplice Aliança (Subísidios para a história
maritima do Brasil) – v. 1, 2015
Narrativas, biografias e fontes da guerra da Tríplice Aliança (Subísidios para a história
maritima do Brasil) – v. 2, 2015
Ministros do Superior Tribunal Militar oficiais-generais da Aeronáutica oriundos da
Marinha e do Exército
Dicionário de cinema brasileiro: os que vieram de outras terras – 2015, 3 Exs.
Nossa Senhora do Desterro: os primeiros anos – 2015
Construção Aeronáutica no Brasil – no 42, 2016
Ministros do Superior Tribunal Militar oficiais-generais da aeronáutica oriundos da
marinha e do exército – 2016
A defesa do ouro negro da Amazônia Azul – 2016
A caçada: como os serviços de inteligência americanos encontraram Osama bin Laden – 2013
Guerra santa: como as viagens de Vasco da Gama transformaram o mundo – 2012
Roquete Pinto o corpo a corpo com o Brasil – 2017
Mossad os carrascos do Kidon: a história do temível grupo de operações especiais de
Israel – 2014
Soldados sobre lutar, matar e morrer – 2014
1789 a história de Tiradentes e dos contrabandistas, assassinos e poetas que lutaram
pela independência do Brasil – 2014
A fênix islamita: o estado islâmico e a reconstituição do Oriente Médio – 2015
Doutrina Básica de mobilização nacional
Reflexões políticas: uma visão da saga brasileira – 2012
Mestres da batalha a guerra de Monty, Patton e Rommel – 2014
A Defesa Nacional – v. 104, no 831 – 2016
O esporte e as forças armadas na primeira república: das atividades gymnasticas às
participações em eventos esportivos internacionais – 2014

RMB1oT/2017 237
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e


notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do
mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela
Revista Marítima Brasileira.
Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos
a grafia então utilizada.

AS RESERVAS DA ARMADA
(RMB, jan/fev 1917, p. 433)

A utilidade das “Reservas Os navios da nossa Marinha


Navaes” mesmo n’uma peque- do commercio tem sido traçados
na Marinha como a do Brazil, – como tudo quanto diz respeito
constitue interessante objecto á construcção naval entre nós –
de estudo. sem a minima consulta ou mesmo
Sob esse nome, precisamos en- sciencia do Estado Maior. Dahi
carar as reservas de material e as resulta que, sob o ponto de vista
reservas de pessoal. do aproveitamento militar, elles
Em nosso paiz não há possibi- não satisfazem a nenhum dos
lidade de organisar “reservas” de requisitos necessarios a permittir
navios de guerra, porque nosso o seo emprego como “cruzadores
material de primeira linha é muito auxiliares”.
resumido. O “Barroso”, cruzador Todavia, as leis brazileiras
antiquado, e os dois guarda- estabelecem que “a Marinha Mer-
-costas de typo “Deodoro” já não cante é a reserva da Marinha de
merecem figurar nessa categoria Guerra”, e isso deve conduzir o
e constituem apenas recursos de nosso Estado Maior naval a exigir
instrucção. que as companhias de navegação
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

não se arroguem a liberdade de Os civis na Esquadra


traçar planos de navios sem o
seu consentimento e ingerencia No que se prende, porém, á “Re-
na determinação dos respectivos serva Naval” – sob o ponto de vista
caracteristicos. da possivel mobilisação e emprego
Os nossos paquetes não tem ve- do pessoal civil a bordo dos navios
locidade nem – o que é talvez ainda de guerra, para a utilisação das
mais importante – o raio de acção armas, confesso as minhas duvi-
conveniente. das, não só sobre a sua convenien-
Tudo isso, porém, tem reme- cia, mas, principalmente, sobre a
dio facil e com tempo, energia sua necessidade.
e patriotismo, resolveremos o Está bem claro que, assim fa-
problema do “auxilio” que a lando, quero exprimir a minha
Marinha Mercante pode e deve incerteza sobre a tal efficiencia,
prestar, com o seo material, á no momento preciso, de um pes-
Marinha de Guerra, em caso de soal sem a instrucção technica e
mobilisação. sem a disciplina indispensaveis
A nossa Marinha Mercante para o seo aproveitamento nos
já representa um papel salien- navios de linha, onde official e
tissimo na grandeza economica marinheiro exercem hoje uma
do paiz e será um poderoso funcção especialisada, exigindo
elemento na solução dos nossos qualidades que não podem ser
problemas estrategicos, em caso adquiridas senão no serviço effec-
de guerra: a concentração das tivo a bordo, por melhor que seja
nossas forças terrestres, de cuja a boa vontade das autoridades e
rapidez e perfeição depende a a intelligencia e dedicação pa-
certeza do castigo a inflingir a triotica dos homens.
quem suppuzer-nos presa facil; Entre os problemas actuaes da
a manutenção do commercio Marinha de Guerra do Brazil não
interestadual e com o exterior; o figura a deficiencia de pessoal sob
aprovisionamento da esquadra o ponto de vista do numero, nem
etc. por certo, da capacidade indivi-
N’esta conformidade, todo o dual, no que se refere ao valor
nosso carinho e todas as nossas profissional dos seos homens
attenções devem ser voltadas – officiaes, sub-officiaes, mari-
para a sua organisação como nheiros e foguistas. Os que vivem
elemento militar “auxiliar”, fa- em contacto com os tripulantes
zendo com que o material seja dos navios de guerra da nossa
o mais conveniente possivel esquadra, tem d’isso uma idéa
ao aproveitamento efficaz dos absolutamente perfeita.
navios. (...)

RMB4oT/2016 239
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A FUSÃO DOS QUADROS DA MARINHA*


(RMB, jan/fev 1917, p. 449)

O Congresso Nacional, na sua Corpo Unico, como a solução mais


presente legislatura, deverá occu- acertada para resolver o problema
par-se de um problema de impor- complexo que envolve as questões
tancia capital para os quadros do serviço naval e do commando.
da nossa Marinha de Guerra: É preciso que a Nação se interes-
referimo-nos á fusão dos officiaes se por tudo quanto de perto se rela-
de machinas e de marinha, pro- ciona com a efficiencia de suas for-
priamente ditos, em um Corpo ças armadas, e nenhuma medida
Unico. affectará mais do que essa o valor
A questão já tem sido abor- profissional e technico dos quadros
dada na imprensa, em alguns de officiaes da Marinha. Ella ne-
dos seus aspec- cessita, portanto,
tos de opportu- ser ventilada e
n i d a d e , c o m o É preciso que a Nação se discutida ampla-
naquelle que se interesse por tudo quanto mente, para que
prende á situa- a opinião possa
de perto se relaciona
ção dos officiaes formar-se com se-
mais modernos com a efficiencia de suas gurança, despida
do actual quadro forças armadas de preconceitos e
de machinas, em immunisada con-
face da nova lei. tra argumentos
Propomo-nos a mostrar aos nos- capciosos, apresentados com arte
sos leitores a questão como ella para impressionar.
se apresenta entre nós, expondo o Do assumpto ha, em geral,
modo de ver da numerosa corrente entre nós, um desconhecimento
que acompanha a orientação ven- profundo, embora julguem muitos
cedora nos Estados Unidos e na conhecel-o de perto... E discute-se,
Inglaterra, paizes nos quaes, si a varias vezes, com bases comple-
fusão é praticada de modo diverso, tamente falsas, chegando-se a re-
e aceito, entretanto, desde bastan- sultados lastimaveis, a confusões
te tempo, o mesmo principio do inevitaveis.

* Com este mesmo titulo publicou esta Revista no seu numero de Setembro – Outubro do anno proximo
findo um excellente artigo do Sr. Capitão de corveta Frederico Villar. Em reforço, ou como um
complemento, das idéas ali preconisadas, julgamos de toda opportunidade transcrever igual-
mente alguns artigos publicados, no decorrer do mesmo anno, na edição da tarde do “Jornal do
Commercio” por um nosso camarada, collaborador militar desse vespertino sob o pseudonymo
de Coronel Z. Agora que o Governo cogita estabelecer entre nós essa fusão, certamente será o
assumpto lido com redobrado interesse – N. R.

240 RMB4oT/2016
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Ha em nosso meio partidarios do para o emprego harmonico e


convictos de reforma, como os ha a utilisação coordenada, sob a
do actual systema; avulta, porém, direcção una do commandante;
o numero dos duvidosos, que, este precisa commandar, não só
por falta de cogitação séria do de direito, mas tambem de facto e
problema, na incerteza do futuro, conscientemente.
preferem o estado de cousas que Os serviços variados de bordo,
encontraram, no qual se formaram cuja execução é confiada á direc-
e ao qual se adaptaram pela força ção e á fiscalisação directa dos
das circumstancias. officiaes subalternos, são todos
Em dous pontos de vista parti- relacionados entre si; é manifesta
culares podemos nos collocar para a sua interdependencia, muitas
encarar a questão: – na ligação dos vezes intima. Confiar essa direcção
serviços e no commando. Em cada e essa fiscalisação a officiaes de
um desses aspectos, o primeiro quadros distinctos, sem dependen-
fusionista impõe-se como principio cia immediata, é um contrasenso
da unidade de direcção, da uni- que urge corrigir.
dade de acção e da coordenação Mas, apressemo-nos em collocar
de esforços. diante do leitor a situação actual,
O navio de guerra é um ins- de maneira succinta, antes de en-
trumento de combate de acção trarmos em detalhes.
individual; nelle tudo está liga- (...)

VALOR MILITAR E TACTICA DO MODERNO SUBMARINO


(RMB, jan/fev 1917, p. 509)
Pelo Lieut. C. W. Nimitz (U.S. Navy)

O valor militar de qualquer na- do navio, ou seu poder de manter


vio destinado para fins da guerra uma guarnição em saúde normal
depende em grande parte dos se- e em condições de peleja.
guintes factores: C – Invulnerabilidade, ou o po-
A – Communicação, ou poder de der de resistir um ataque.
transmittir e receber informações D – Poder offensivo, ou o poder
ou ordens de combate antes ou de dar um decisivo golpe quando
durante o contacto com o inimigo. em contacto com o inimigo.
B – Mobilidade, ou o poder de Comparando-se o valor militar
mover-se rapidamente de um pon- do submarino ou submersivel com
to a outro em todas as condições o moderno encouraçado, vemos
de tempo. Neste factor póde ser que cada um tem o seu distincto e
incluida a condição de habitação determinado valor; o encouraça-

RMB4oT/2016 241
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

do devido ao seu modo de agir e submarina do futuro augmentará


ás suas condições de navio, póde mais rapidamente do que para a
operar em pontos onde os subma- embarcação navegando na superfi-
rinos ou submersiveis modernos cie, vemos que aquella preencherá
ainda não possam ir, devido tão perfeitamente as condições de mo-
sómente á sua falta de mobilidade. bilidade, senão melhor do que esta.
Por outro lado, não entrando em (...)
consideração com o factor da mo- (Trad. de C. Lavigne – Capitão-
bilidade, que para a embarcação -Tenente)

A FALLENCIA DA UNIDADE DE DOUTRINA NA


GUERRA NAVAL*
(RMB, mar/1917, p. 565)
Armando Burlamaqui – Capitão de Fragata

Relutei bastante no modo de que deve guiar os profissionaes em


traduzir as minhas observações estudos technicos.
sobre a guerra naval, e relutei O que se conhece officiosamente
ainda mais no titulo a dar-lhes. da grande guerra nos habilita, en-
A preferencia sobre o titulo tretanto, a assegurar a fallencia de
adoptado explica sufficientemente uma unica doutrina na conducta
a que criterio subordinei as mi- da guerra.
nhas observações. Anterior a esta guerra, domina-
O titulo rival – “As metamor- va em todos os estados maiores a
phoses da guerra no mar” – impu- necessidade de uma doutrina.
nha-me a obrigação de detalhes, A unidade de doutrina sobre a
de confronto minucioso, de estudo conducta da guerra era condição
parallelo, que a carencia de infor- indispensavel para a victoria.
mações exactas não me permitte Não se podia comprehender es-
ainda fazer, não obstante a abun- tado maior sem uma doutrina,
dancia dos dados e elementos que a sua doutrina, dentro da qual
já illustram os factos da grande deviam mover-se chefes e officiaes.
guerra. A grande missão do estado maior
Estes elementos, porém, não era preparar a força para agir de
possuem o cunho official, unico accôrdo com a sua doutrina, a dou-

* O presente artigo é reproduzido do “Jornal do Commercio”, desta Capital, a pedido e sobre a exclusiva
responsabilidade do seu illustrado autor. Em opposição ás idéas nelle expostas, publicamos logo
em seguida ao mesmo e na ordem em que nos chegaram ás mãos dois outros artigos igualmente
dignos de leitura attenta e do maior interesse por parte de todos os nossos camaradas a quem
directamente affecta o importantissimo assumpto. – N.R.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

trina official, que devia presidir O fetichismo pela unidade de


a conducta das operações, tanto doutrina acabou por dominar to-
no dominio estrategico como no dos os espiritos, em toda a parte.
campo tactico. Marinha que não fosse governa-
Em busca desta doutrina, da da por doutrina, na qual imperas-
doutrina verdadeira, labutavam se uma doutrina, em que o corpo de
com esforço todas as forças vivas de officiaes não tivesse a unidade da
uma marinha. Para que ella tomasse doutrina, seria fatalmente vencida
corpo, tivesse existencia garantida, pela rival, que agisse em obedien-
formou-se a Escola de Guerra Naval, cia ás regras fixas e indiscutiveis
por nós impropriamente chamada da doutrina.
Escola Naval de Guerra. A guerra seria conduzida exclu-
O fim desta escola de altos estu- sivamente segundo a orientação
dos navaes era e é pregar uma dou- doutrinaria do estado maior. Este
trina, propagar a doutrina julgada guiaria os chefes da força naval em
indispensavel à conducta efficaz da operações, deixando-lhes tão somen-
força naval em campanha. te a execução summaria dos proble-
As ordenanças e regulamentos mas préviamente estabelecidos.
teriam de prescrever em suas dis- A doutrina official que estaria no
posições os principios capitaes da conhecimento de todos os officiaes,
doutrina unica. previa, provia tudo, tudo resolveria.
O espirito da officialidade tinha Achava-se que o mundo naval
de estar imbuido das regras essen- dominado por esta concepção,
ciaes da doutrina acceita e impos- quando surge esta grande guerra.
ta pelo estado maior, de accôrdo Aos primeiros choques da luta,
com os professores da Escola de a unidade da doutrina fallio. Os
Guerra Naval, e as suas theorias. principios por ella preconizados,
A esquadra agiria segundo a as regras estabelecidas, a conducta
doutrina sagrada. da guerra por ella traçada, abri-
As instrucções para exercicios, ram fallencia.
os themas para manobras, a Em vez da doutrina unica, que
conducta da guerra, tudo, enfim, formaria a unidade de acção, veio
devia ser traçado em obediencia á ter applicação a pluralidade de
doutrina. E o era. doutrinas com o corollario imme-
Não se comprehendia um mo- diato da diversidade de conducta
vimento de força em discordancia da guerra.
com a doutrina. A mais completa liberdade de
Nos actos administrativos a iniciativas succedeu á obediencia
doutrina official projectaria tam- passiva aos preceitos da doutrina
bem a sua sombra, sem o que tudo official, e isto porque encontrou
estaria errado. a mentalidade dos belligerantes

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

affeita a todas as doutrinas, e pude- A conducta da guerra não com-


ram os estados maiores libertar-se porta fixidez de preceitos e regras.
com promptidão dos mares de uma A guerra tem de ser feita segundo
unica doutrina, da famosa unidade condições e circumstancias que não
de doutrina, que só subsiste nos podem ser traçadas de antemão.
principios capitaes, de ser mais Não póde, portanto, ser condu-
forte que o adversario no momento zida segundo os bons principios
dado e no ponto opportuno. de uma unica doutrina, mas deve
A guerra veio provar que nenhu- ser guiada pelos sãos principios de
ma doutrina tem em si o poder da todas as doutrinas.
victoria. (...)

O FETICHISMO DA DOUTRINA*
(RMB, mar/1917, p. 575)
Firmino C. Santos

O illustre commandante Ar- me convenceu o seu minucioso


mando Burlamaqui, no seu bem estudo.
architectado ar- Ha, porém, um
tigo – A fallencia preambulo que se
da doutrina na A Escola é Naval de impõe, antes de
guerra naval**, Guerra e nunca de entrar no assump-
editado no “Jor- Guerra Naval, porque to capital.
nal do Commer-
cio” de 5 do cor-
desta nada existe senão to O titulo appos-
á nossa Escola
rente, procurou o campo maritimo, como Supperior de arte
demonstrar que um outro theatro de lutas. militar da guerra,
tudo quanto de A guerra é e será em todos na sua parte ma-
ha feito no do- ritima, foi, a meu
minio da “arte
os tempos uma só e unica, ver e em minha
da guerra” sob o variando o taboleiro de fraca mentalida-
imperio de uma sua acção, conforme os de, perfeitamente
“doutrina” ruio, factores em jogo escolhido. A Es-
em face da con- cola é Naval de
flagração actual. Guerra e nunca de
Não concordo com S. S., e Guerra Naval, porque desta nada
procurarei dizer porque não existe senão o campo maritimo,

* Publicado no Imparcial de 9 de Março.


** E o que ora vem publicado nesta revista sob o titulo “A fallencia da unidade de doutrina na
guerra naval”.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

como um outro theatro de lutas. só: Exercito e Marinha são os seus


A guerra é e será em todos os tem- instrumentos.
pos uma só e unica, variando o Não creio justificada a expro-
taboleiro de sua acção, conforme bração do illustre commandante
os factores em jogo. A. Burlamaqui ao titulo da nossa
Ela se desdobrará em campanhas Escola Superior. Ella é, repito, Na-
terrestres e campanhas maritimas, val de Guerra, porque, frequentada
de accordo com o desenrolar dos por officiaes de Marinha (o que não
factos, não sendo raro, nas guerras impede que officiaes do Exercito a
passadas, bem como na que assisti- frequentem para o estudo das opera-
mos, acções em que entram os dois ções combinadas, expoente maximo
elementos combinados, com o em- da arte da guerra, e para formação
prego conjuncto das forças militares de uma “doutrina”) tem por objec-
terrestres e maritimas. tivo facultar-lhes o estudo mais
Houvesse uma guerra entre a acurado das campanhas maritimas
Suissa e qualquer das nações fron- de cada guerra havida. Ella não se
teiriças e todas as batalhas teriam resume sómente no conhecimento
um unico theatro e a campanha das campanhas maritimas e no es-
seria terrestre: o estado de guerra, tudo das batalhas navaes. Tambem
ou melhormente a guerra, existiria se estudam, ou se devem estudar,
entre os dois belligerantes, se bem as campanhas terrestres, as gran-
toda a acção devesse desenrolar-se des acções guerreiras havidas nos
em pleno continente. campos de batalhas terrestres e
Uma guerra que estalasse entre preferentemente aquellas em cujo
a Inglaterra e o Japão, provavel- desenvolvimento entraram as duas
mente se decidiria, de preferencia, forças combinadas.
no mar e não em terra: a guerra, Guerra naval é uma expressão
porém, seria sempre a guerra, em- impropria sem base racional,
bora a campanha fosse essencial- tomando-se a parte pelo todo, e
mente maritima e as principaes que vive porque relaxamos a boa
batalhas navaes. applicação das expressões e dos
Entre o Japão e a Russia houve vocabulos, ou por um effeito do me-
a guerra de 1904 que teve por ac- nor esforço. É um caso “simile” ao
ção os dois theatros: o terrestre e o das cartas maritimas, que sendo
maritimo, e as campanhas terres- uma só a geral e todas as outras
tres e maritimas se decidiram com particulares, chamamos, ainda
acções em terra e no mar. assim, carta geral do Brasil, do
Dahi se infere, como logicamen- Atlantico Norte e outras.
te demonstrou, na Escola Naval de A meu ver, denominarmos Es-
Guerra, o commandante Liberato cola Naval de Guerra tem inteiro
Bittencourt, que a guerra é uma cabimento e nunca o erroneo titulo

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

de Escola de Guerra Naval. Nada a “sem razão”, quando diz que a


teria que oppor se dessem o nome “doutrina na guerra naval fallio”.
de Escola ou Curso de “campanhas Porque? – pergunto eu. Para ar-
maritimas” ou mesmo de “batalhas gumentar, porém, eu estabeleço
navaes”. Neste caso significaria que o meu modo de ver, suppondo
o seu objectivo era estudar as campa- que o illustre commandante haja
nhas maritimas e as acções navaes escripto: “A fallencia da doutrina
das guerras havidas e nas quaes o na campanha naval da presente
mar foi um dos theatros da contenda. guerra.”
Como denominarmos á Escola de Peza-me dizer que S. S. edificou
Estado Maior do Exercito? Estará para seu uso a doutrina de que
o titulo errado? Será mais proprio a “doutrina” na arte da guerra
denominal-a “Escola de Guerra substituio tudo que antigamente
Terrestre”? Não creio haja quem dividiamos em, “grosso modo”,
acceite tal nome. E que estudam estrategia e tactica, tanto que
nella? Frequentada por officiaes do firma como principio basico de
Exercito é justo que ahi predomine “doutrina” o que sempre admit-
o estudo das campanhas terrestres timos como preceito maximo da
e dos combates travados na parte estrategia, subsistindo atravez do
solida do globo. Nem por isso, toda- tempo e do espaço: ser mais forte
via, estão os alumnos prohibidos de que o adversario no momento dado
estudar as campanhas maritimas e no ponto opportuno (sic).
e as grandes acções navaes, não “Ser mais forte nem sempre quer
sendo menor a attenção dada ás dizer ser maior em numero, e a boa
operações combinadas de terra e concepção da maxima indestruc-
mar. Escola Naval de Guerra ou tivel que é, quando acceita sem
Escola Militar de Guerra (titulo relutancia e praticada por todos
acceitavel) em ambas se estuda os chefes e subordinados, leva-os
a “guerra” nas suas duas moda- ao “endoutrinamento” isto é, á
lidades: campanhas terrestres e assimilação da “doutrina”.
campanhas maritimas. Facil é o acceitar-se o princi-
Parece-me o bastante para de- pio referido; mas difficilimo é
fender plenamente a propriedade que todos os chefes e sub-chefes
do titulo de “Escola Naval de pratiquem-no “conscientemente”
Guerra”. e saibam realizal-o no ponto dado
e no momento opportuno. Este é o
A “doutrina” papel da “doutrina”. Não é crear
um dogma um credo, tão infallivel
Rejeitando “in limine” a ex- como o da Egreja Catholica, mas
pressão “guerra naval” eu devera trazer todos os individuos ao regi-
concluir que da parte de S. S. está men uniforme de comprehender e

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praticar os mesmos principios, di- A “doutrina”, propriamente, não


fferenciando-os para cada nação. se resume no modo de conduzir a
O exemplo typico do que é “dou- guerra, mas no todo do problema
trina” é aquelle que permittiu nacional, e é estabelecida desde
aos allemães e aos francezes es- os primeiros passos dados para
tabelecerem-se uma “doutrina”, definir claramente qual é o objec-
extractificando-a das campanhas tivo politico do Estado, nas suas
napoleonicas”. relações internacionais. Quer dizer
A prevalecer a these do illustre que a “doutrina” para cada nação
commandante Burlamaqui, fran- é a resultante das multiplas e va-
cezes e allemães deveriam ter um riadas possibilidades de guerra
mesmo systema de “fazer a guer- que ella possa ter com toda e qual-
ra”, ou seja a mesma “doutrina”, quer outra nação e mesmo com os
pois S. S. a quer invariavel. aggrupamentos provaveis.
A “doutrina de guerra”, como Por isso é que a “doutrina de
a comprehendo eu, não é difficil guerra” de qualquer paiz, deve ser
assentar-se, não é rigida nem im- assentada para casos concretos,
mutavel, não póde ser uma unica admittindo-se as variações prova-
para todos os casos e só tem uma veis e estudando-se a “offensiva”
grande e difficilima barreira a e a “deffensiva” para cada caso
vencer, que é trazer todos os indi- especial, a fim de se obter a sua
viduos á mesma concepção do pro- maxima vantagem: “endoutrinar”
blema politico-militar da nação. os chefes e os subordinados de
Dahi outra conclusão evidente: a modo que, sem lhes quebrar a ini-
“doutrina de guerra” de um paiz ciativa, permitta por parte delles
não interessa sómente aos indivi- a observancia fiel, mas não servil,
duos das classes militares, mas a do que está approvado e acceito.
todos os cidadãos. (...)

A DOUTRINA NA GUERRA NAVAL


(RMB, mar/1917, p. 583)
Frederico Villar – Capitão de Corveta
O senhor Capitão de Fragata desta cidade, no qual pretendeu
Armando Burlamaqui, a quem, provar a fallencia da unidade de
interessantes trabalhos publi- doutrina na guerra naval.
cados nesta Revista e em varios Se bem que os argumentos do
periodicos nacionaes, dão re- nobre Commandante já tenham
nome de estudioso e illustrado, sido vantajosamente refutados
surprehendeu-nos com um longo pelo habil Capitão-Tenente Fir-
artigo no “Jornal do Commercio” mino dos Santos, pelo “O Impar-

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

cial”, julgo, todavia, do meu dever S. S. reconhece que “anterior a


contrariar as suas idéas, das esta guerra, DOMINAVA em todos
quaes transparece um provavel os Estados Maiores a necessidade
desconhecimento da significação de uma doutrina, necessidade que
da “unidade de doutrina” e do va- na opinião do nosso presado Com-
lor do “endoutrinamento” de uma mandante, “desappareceu inteira-
Marinha, – alma de sua orientação mente... sem que de tal cousa, no
scientifica e synthese do seu prepa- entanto, ao que parece, se tenham
ro para a guerra. appercebido os referidos Estados
O digno Commandante des- Maiores...
virtuou com a “magie des mots “A unidade de doutrina sobre a
la magie des chiffres” e, como diz conducta da guerra, diz elle, “ERA”
Daveluy, “veut habiller la Marine condição indispensavel para a vic-
á sa façon”, quando S. S. não póde toria. Não se “PODIA” comprehen-
ignorar que “a sound, comprehen- der Estado Maior sem doutrina,
sive, all-pervading doctrine of war dentro da qual “DEVIAM” mover-
is as important to a navy as its -se chefes e officiaes”...
organisation”, como ficou ampla- “A grande missão do Estado
mente provado pelo Commander Maior “ERA” preparar a força
Dudley W. Knox, no seu notavel para agir de accordo com a sua
trabalho “The role of doctrine in doutrina, “a doutrina official”, que
naval warfare”, lido perante o “U. “DEVIA” presidir á conducta das
S. Naval Institute”, de Annapolis, operações, tanto no dominio da es-
e publicado no “Proceedings” de trategia como no campo tactico”...
Abril de 1915. “Em busca desta “doutrina”,
Diz S. S. que o “que se conhece da doutrina verdadeira, “LABU-
officiosamente da grande guerra, TAVAM” com empenho todas as
nos habilita a assegurar a fallen- forças vivas de uma Marinha”.
cia de uma unica doutrina na con- Para que ella tivesse corpo, tives-
ducta da guerra”! e “D’uma unica se existencia garantida, affirma
doutrina na conducta da guerra”, o nosso presado Commandante,
ou da “unidade de doutrina” em “formou-se a “Escola de Guerra
uma mesma Marinha? São cousas Naval”, por nós “impropiamente”
bem diversas – me parece... (?!) chamada “Escola Naval de
Percebe-se que, talvez por não Guerra”...
ter ainda cursado a Escola Naval “O fim desta Escola, “ERA” e
de Guerra, o Commandante Bur- é PREGAR UMA DOUTRINA,
lamaqui não tem idéa perfeita propagar a doutrina julgada
do que seja “doutrina” e prefére indispensavel á conducta efficaz
o esforço improductivo do alar da força naval em campanha”...
“d’escacha”, á bôa “lupada”! “Propagar” ou “impôr”?

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

“O espirito dos officiaes “TI- E conclue: “AOS PRIMEIROS


NHA” de estar imbuido das CHOQUES DA LUTA, A UNI-
regras essenciaes da “doutri- DADE DE DOUTRINA FALLIU!”
na” acceita e “IMPOSTA” pelo “Os principios por ela preco-
Estado Maior, DE ACCORDO nisados, as regras estabelecidas,
COM OS PROFESSORES DA A CONDUCTA DA GUERRA,
ESCOLA DE GUERRA NAVAL POR ELLA TRAÇADA, ABRIU
e as suas theorias”... “Acceita” FALLENCIA!”...
ou “imposta”? “E os belligerantes “PUDE-
“A esquadra “AGIRIA” segundo RAM” libertar-se com promptidão
a “doutrina sagrada”... dos MALES DE UMA UNICA
“Não se “COMPREHENDIA” DOUTRINA!”...
um movimento de força com dis- “A GUERRA VEIO PROVAR
cordancia da doutrina”... QUE NENHUMA DOUTRINA
“O fetichismo pela unidade de TEM EM SI O PODER DA
doutrina “ACABOU POR DOMI- VICTORIA!”...
NAR TODOS OS ESPIRITOS EM
TODA PARTE”... ***
“Marinha que não FOSSE
governada pela doutrina, na A simples leitura dessas “sen-
qual NÃO IMPERASSE UMA tenças” no illustre Commandan-
DOUTRINA, em que o corpo te, bastará para provar de S. S.
de officaes NÃO TIVESSE A está completamente deslocado
UNIDADE DE DOUTRINA, e desorientado, no que diz res-
SERIA FATALMENTE VENCI- peito ao valor e á utilidade do
DA PELA RIVAL, que agisse em endoutrinamento da Marinha e
obediencia ás REGRAS FIXAS E ás funcções do Estado Maior – a
INDISCUTIVEIS da doutrina”... “ALMA DOS SERVIÇOS” – na
Quaes são essas regras “fixas e paz e na guerra!
indiscutives”?! O nobre Commandante avançou
“A guerra “DEVIA” ser condusi- proposições sem a menor exactidão
da segundo a orientação do Estado scientifica, nega verdades indiscu-
Maior! Este “GUIARIA” os Chefes tiveis, embrenha-se confusamente
da força naval em operações, dei- pelos dominios da tactica e põe em
xando-lhes “TÃO SOMENTE” a duvida os principios que sempre
execução summaria dos problemas predominaram e predominarão
estabelecidos”. eternamente em todas as guerras!
“ACHAVA-SE O MUNDO NA- Em todos os tempos – OS QUE
VAL DOMINADO POR ESTA SE AFASTARAM DA DOUTRI-
“FALSA” CONCEPÇÃO, quando NA FORAM VENCIDOS PELOS
surge esta grande guerra”... QUE A ELLA SE CINGIRAM!

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Mas ninguem jámais affirmou sente e será eternamente no futuro,


que doutrina alguma “tem em si emquanto a victoria depender dos
o poder da victoria” – o que seria factores que em tão alto gráo ca-
absurdo! racterisaram os grandes chefes mi-
A simples leitura dos classicos, litares de todos os tempos – todos
criticos da historia naval, e ou- orientados, infallivelmente, pelos
tros autores dos altos estudos que mesmos principios que definem a
caracterisam o programma das UNIDADE DE DOUTRINA!
Escolas Navaes de Guerra, mostra (...)
os erros palmares em que labuta o “Hoje uma armada se decompõe
Commandante Burlamaqui, cujo em esquadras, QUE AGEM AFAS-
artigo não nos julgariamos no TADAS UMAS DAS OUTRAS,
dever de refutar se não o vissemos ligadas entre si pelo “principio”
agora entregue a esta Revista, que unico e verdadeiro de “correr ao
além de ser de caracter official é a fogo e pratical-o com o maximo
expressão do cultivo intellectual e dos seus recursos no ponto em que
do preparo technico da Marinha estiver”. (?!!)
do Brasil. Isso é positivamente “kolossal”!
No nosso modo de ver, as idéas Não são menos bizarras as
do illustre Commandante são dis- suas appreciações sobre a bata-
solventes e altamente perniciosas! lha da Jutlandia, onde, ao con-
Esposal-as, importaria em tor- trario do que S. S. affirma e na
nar inutil a existencia da mais opinião de um dos nossos mais
bella das nossas instituições na- illustres officiaes* “de accordo
vaes – a Escola Naval de Guerra com a equação do successo, se o
– que é o berço das idéas discipli- factor “material” dos Allemães
nadas pelo endoutrinamento, cujo era inferior e o factor “moral”
proveito se pretende negar! igual, foi incontestavelmente a
A justificação da necessidade de preponderancia do factor “in-
um conjuncto de doutrinas funda- tellectual”, REPRESENTADO
mentaes, as opiniões dos grandes PELO “COMMANDO” E PELA
mestres, tão brilhantemente re- “DOUTRINA”, que lhes permittio
sumidas por DARRIEUS na sua feito tão brilhante: Von Hipper
magistral “La guerre sur mer” manobrou de accordo com a bôa
(“La doctrine”), de nada valem na doutrina e, mesmo não querendo
opinião do Commandante Burla- apurar “quem venceu em Jutlan-
maqui, que conjuga no passado o dia, somos, entretanto, forçados
que a Historia transmittio ao pre- a reconhecer que os Allemães

* “Theses curtas” do Capitão-Tenente Nobrega Moreira, Escola Naval de Guerra após a analyse de
batalha no taboleiro do “jogo da guerra”.

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

d’ella se sahiram como não se damente – as suas opiniões. Não


podia prever, dada a sua enorme podemos concordar com S. S.
inferioridade material”! Não foi “a unidade de doutrina”
Terminamos aqui para não que “fallio”!
abusar da bondade dos leitores, Falliram, sim, os argumentos
agradecendo, muito sinceramente, com que o estimavel Commandan-
ao Commandante Burlamaqui te pretendeu provar tão abstrusa
a sua benevolencia, permittindo- asserção!
-nos contrariar assim – tão ousa- Isso, senza rancore...

REVISTA DE REVISTAS

JANEIRO/FEVEREIRO – 1917 tambem delineados planos para a


construcção de diques fluctuantes
CONSTRUCÇÃO DE NAVIOS pelo methodo previlegiado de Mr.
DE CONCRETO – Encontramos Fougner. Consta que Mr. Fougner
no “Shipping Illustrated” de vem a Nova York nos principios
Nova York, de 23 de Setembro do anno vindouro afim de formar
do corrente anno, o que se segue uma companhia semelhante para o
referente á construcção de navios seu previlegio na America, conjuc-
de concreto, o que, por acharmos tamente com o seu irmão em Nova
curioso, transcrevemos: York e com Mr. A. C. Holzapfel. O
– “Annunciou-se na semana pro- primeiro annuncio, feito em con-
xima passada que havia chegado nexão com a chegada do primeiro
a Christiania, do estaleiro cons- navio de concreto a Christiania, fez
tructor, um navio de concreto. Esse parecer que era a primeira vez que
navio, conforme estamos agora in- um tal navio era visto. O Bureau
formados por Mr. A. C. Holzapfel, de Navegação, Departamento do
foi construido por uma companhia Commercio, entretanto, assignala
organisada na Noruega pelo seu ir- que as chatas A. S. e G. Co. ns. 33
mão Mr. Max Holzapfel afim de ex- e 36 foram construidas em concreto
plorar o previlegio de Mr. Fougner, em Fairfield, Maryland, respectiva-
um joven engenheiro norueguez. Ao mente em 1912 e 1913 por “Arundel
todo, seis navios foram construidos Sand & Gravel Co”, de Baltimore,
no estaleiro de construcção naval, Maryland. Esses navios medem
em Moss, Noruega, o qual foi ad- approximadamente 112 pés de
quirido pela companhia, tendo comprimento e 28 pés de bocca e
sido firmado um contracto para a accredita-se que tenham sido os
construcção de um navio de alto primeiros navios construidos de
mar de 3.000 toneladas. Foram concreto. O n. 66 foi abandonado

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ACONTECEU HÁ CEM ANOS

como incapaz para o serviço nos para os 20 compartimentos, como


principios do corrente anno e o n. também por 20 pilares de 6 polle-
33 ainda está em serviço. Apresen- gadas quadradas, estando cada
tamos aqui uma photographia da um d’elles collocado no centro de
chata de concreto acima referida*. cada compartimento. Quando a
Ellas teem uma capacidade para primeira embarcação de concreto
carga de cerca de 500 toneladas appareceo, disseram que o preço
e calam 4 pés e 9 pollegadas em foi mais elevado que seriam os das
lastro. O fim para o qual ellas subsequentes, por causa do preço
foram construidas foi para remo- da construcção dos modelos, mas
ção de area e cascalho da bahia. que usando os modelos originaes,
As quinas do casco, como se pode agora em mãos, poderão ser cons-
ver na gravura, são arredondadas truidas outras embarcações muito
em logar de serem quadradas. O mais baratas do que com madeira.
casco do navio tem cavilhadas em Como, entretanto, só uma outra
seu bordo e nas suas extremidades embarcação foi construida n’este
fortes vigas de madeira que prote- paiz, os dados sobre tal assumpto
gem a sua estructura de concreto. são um pouco insufficientes”.
Na construcção da embarcação foi
adoptado o methodo identico ao GAZES ASPHIXIANTES E
empregado nas construcções terres- PROJECTIS INCENDIARIOS –
tres. O reforço consiste em barras a “Revista Militar” de Lisboa, tra-
de ferro variando entre 1/4 e 1/8 duzio do “Memorial de Ingenieros
de pollegada de diametro e que del Ejercido” o seguinte artigo que,
são tecidas como uma rede. Para por muito interessante, por nossa
dar resistencia á embarcação e ao vez reproduzimos:
mesmo tempo augmentar o seu va- Os gazes venenosos empregados
lor para o mar o interior é dividido pelos alliados e allemães consti-
em 20 compartimentos, na entrada tuem uma nova munição de guer-
de cada qual existe uma escotilha ra que, sem duvida alguma, não
no convez. As paredes lateraes da se deve considerar muito nobre,
embarcação teem 4 pollegadas de quando uns e outros accusam o
grossura, as extremidades teem 6 adversario de ter sido o primeiro a
pollegadas, o fundo tem 6 polle- utilisal-a para pôr fóra de combate
gadas e o convez ou coberta tem um bom numero de homens.
3 pollegadas. A cobertura é sup- Em 23 de Abril de 1915, o gran-
portada não só pelas paredes de 6 de quartel allemão dava conta do
pollegadas que formam as divisões ataque que, no dia anterior, havia

* N.R.: Foto não reproduzida aqui. A revista original encontra-se à disposição na Biblioteca da
Marinha.

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emprehendido contra as posições de dos submarinos inglezes, ou então


N e NE. de Ipres. Um avanço de 9 um telegramma de Roma portador
kilometros, a tomada do desfiladei- de noticias de algum encontro en-
ro de Steentraat, no canal daquelle tre pequenas esquadras alliadas
nome, a de 4 povoações, e por fim a franco-italiana e alguma força
captura de 1.600 prisioneiros e 30 austriaca e particularmente nós
canhões, foi o resultado obtido pelos estamos plenamente convencidos
allemães no seu brioso avanço. da collaboração tão francamente
O estado maior francez, ao dar dada pelos couraçados e cruzado-
conta do facto, confirmando a res francezes os quaes participaram
noticia, accrescentava que os al- dos trabalhos e perigos da nossa
lemães haviam empregado abun- propria frota nos Dardanellos.
dantemente bombas asphyxiantes, Apezar do plano geral designado
cujos effeitos se fizeram sentir a para a frota de cada um dos nossos
2 kilometros á retaguarda das valentes alliados as informações
linhas dos alliados; um espesso teem sido muito insufficientes,
fumo amarelento, que partia das mas os artigos que constituem os
trincheiras allemães, foi impellido capitulos VI a IX do “The Annual”
pelo vento norte reinante e produ- preenchem esta lacuna.
ziu nas tropas um completo effeito A Liga tem sido realmente feliz
de asphyxia que se estendeu até ás em alistar os serviços de um corpo
posições de 2ª linha. de collaboradores cujos requisitos
para o trabalho estão fora de du-
MARÇO/1917 vida, como sufficientemente appa-
recerá no registro dos titulos dos
A PARTE TOMADA PELAS diversos capitulos que se seguem:
FROTAS ALLIADAS NA GRAN- Capitulo VI A Marinha Franceza
DE GUERRA – Da “The Nautical na Guerra, 1914-1916 (coordenado
Magazine”, de Glasgow, extrahi- pela Direcção do Estado-Maior de
mos o seguinte: Guerra Naval Francez). Capitulo
“Não menos importante foi o va- VII A Marinha Russa na Guerra
lioso serviço prestado pelo “Annual (Um official da Marinha Imperial
of the Navy League” (1915-1916), Russa). Capitulo VII A Marinha
recentemente publicado, em relação Italiana e a sua atitude na Guerra
com o trabalho effectuado pelas fro- (R. Mazzinghi, contra-Almirante
tas das forças alliadas em diversas da Marinha Real Italiana). Ca-
partes do mundo. Constantemente pitulo IX Um curto esboço das
chegam noticias de Petrograd de operações navaes imperiaes Japo-
successos obtidos no Baltico por nezas na Guerra (Um official da
couraçados ou cruzadores russos, Marinha Japoneza).
secundados pelos brilhantes feitos (...)

RMB4oT/2016 253
REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores


matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas
em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela
Biblioteca da Marinha.
As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao
acervo da Biblioteca, situada à Rua Mayrink Veiga, 28 – Centro
– RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
ENTREVISTA
Coordenador-geral do Prosub fala à T&D (256)

ÁREAS
CANAL
O “novo” Canal do Panamá (256)

ARTES MILITARES
ESTRATÉGIA
Análise Estratégica do Conflito no Mar da China Meridional (258)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
SENSOR
Satélites de observação terrestre na América do Sul (259)

FORÇAS ARMADAS
ADESTRAMENTO
A 25a versão do maior exercício naval do mundo (260)
FORÇA NAVAL
Forças navais na América do Sul (261)
SUBMARINO
ICN integra tecnologia 3D para construção de submarinos (261)
Um programa gigante para um país continental (262)
REVISTA DE REVISTAS

HISTÓRIA
HISTÓRIA DOS EUA
A origem da “Mensagem a Garcia” (263)
Washington: Um olhar do Império sobre a Guerra Civil Americana, 1861-1862 (264)

VALORES
ÉTICA
Comandantes valentes, ou não... (265)

RMB1oT/2017 255
REVISTA DE REVISTAS

COORDENADOR-GERAL DO PROSUB FALA À T&D


(Tecnologia & Defesa – T&D, ano 33 – no 147, p. 24-26)

O artigo apresenta detalhada entrevista de Defesa. A concretização do programa


concedida pelo Almirante de Esquadra fortalece, ainda, setores industriais na-
(RM1) Gilberto Max Roffé Hirschfeld, cionais de importância estratégica para
coordenador-geral do Programa de De- o desenvolvimento econômico do País.
senvolvimento de Submarinos (Prosub) da Priorizando a aquisição de componentes
Marinha do Brasil (MB). fabricados no Brasil para os submarinos,
Nascido de um acordo de transferência de o Prosub é um forte incentivo ao parque
tecnologia entre Brasil e França, em 2008, o industrial nacional.
programa viabilizará a produção de quatro Além dos cinco submarinos, o Prosub
submarinos convencionais, que se somarão à estabelece a construção de um complexo
frota de cinco submarinos já existentes. Cul- de infraestrutura naval, que engloba o Esta-
minará na fabricação do primeiro submarino leiro e a Base Naval (EBN) e a Unidade de
brasileiro com propulsão nuclear. Fabricação de Estruturas Metálicas (Ufem),
O Prosub vai dotar a indústria brasileira no município fluminense de Itaguaí.
de defesa com tecnologia nuclear de ponta, Na entrevista, o Almirante Max aborda
conforme destacado na Estratégia Nacional suas responsabilidades no Prosub; os ga-
nhos tecnológicos que o progra-
ma proporcionará à MB; o con-
trole dos investimentos públicos
nesse vultoso empreendimento;
e a face socioambiental do pro-
grama, com ações em prol da
recuperação do meio-ambiente
marinho na Baía de Sepetiba e
daquelas voltadas para a quali-
dade de vida da população da
municipalidade. O entrevistado
finaliza explanando o planeja-
mento para formação das tripu-
Coordenador-Geral do Prosub, Almirante de Esquadra (RM1) Max lações dos novos submarinos.

O “NOVO” CANAL DO PANAMÁ


Jorge D’Almeida*
(Revista de Marinha, Portugal, novembro/dezembro 2016, no 994, p. 26-28)

Neste artigo, o autor analisa a importân- Portugal. O Canal sofreu um processo de


cia do novo Canal do Panamá, inaugurado alargamento e ganhou novas eclusas, o que
com pompa em 26 de junho de 2016, e o passou a permitir a navegação para navios
seu impacto na Europa, especialmente em de maior porte e em maior quantidade diária.

* Consultor.

256 RMB1oT/2017
REVISTA DE REVISTAS

Trânsito pelo Canal do Panamá

Esse alargamento consistiu na constru- do que a expansão realizada se justifica,


ção de uma eclusa em Gatun e outra em sobretudo, pelo mercado norte-americano.
Miraflores, além de dragagens em vários Ele observa também que o aumento da
pontos, passando a permitir o trânsito capacidade dos navios irá gerar economias
de navios com dimensões máximas de de escala com redução do frete marítimo,
366 metros de comprimento, 49 de boca criando maior concorrência ao transporte
e 15 de calado. Os maiores navios que ferroviário. Para ele, os principais portos
passaram a transitar pelo Canal vêm das costas leste e sul dos Estados Unidos
sendo denominados neopanamax, numa da América (EUA) deverão investir em
associação aos antigos panamax. O tempo dragagens e acessibilidades diante desse
médio de trânsito pelo Canal é de cerca cenário novo.
de 12 horas, e seu complexo sistema de Ao final, o autor, além de sucintamente
eclusas visa equalizar a diferença de analisar os impactos das novas possibili-
nível de cerca de 20 cm entre o Mar do dades representadas pelo alargamento do
Caribe e o Oceano Pacífico e permitir aos Canal no tráfego mercante para a Ásia,
navios vencerem a elevação de cerca de Europa, Costas dos EUA, Oriente Médio
26 m acima do nível do mar do Istmo do e outras regiões, estuda especificamente
Panamá. As mudanças realizadas permi- Sines, em Portugal, único porto Atlântico
tiram duplicar para aproximadamente 70 da Península Ibérica que funciona como
navios por dia a capacidade de trânsito hub, onde espera efeitos positivos, “quer
pelo Canal. na reorganização dos tráfegos existentes,
Dentre outros dados, D’Almeida analisa quer, sobretudo, na abertura de novos mer-
a quantidade e o tipo de cargas que lá tran- cados, tornados mais competitivos com o
sitam e sua origem e seu destino, concluin- alargamento do Canal”.

RMB1oT/2017 257
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ANÁLISE ESTRATÉGICA DO CONFLITO NO


MAR DA CHINA MERIDIONAL*
Luis Andrés Silberberg Schovelin**
(Revista de Marina, Chile, edição no 5/2016, p. 32-39)

Este artigo proporciona uma análise lograr soberania sobre as ilhas, recifes e
estratégica das atuais tensões no Mar da águas desse Mar terá acesso a essas enor-
China Meridional e busca identificar a mes reservas de energia”, afirma. A China
intenção estratégica da China na região, se tornou o segundo maior importador de
estabelecendo uma visão geral da manei- petróleo do mundo e se prevê que essa de-
ra como o país vem dando forma à sua manda aumente nas próximas décadas. Ter
narrativa naquela área. Propõe, ainda, livre acesso a essas reservas é fundamental
uma estratégia alternativa com o pro- para a segurança energética do país. Além
pósito de contribuir para a proteção da desse aspecto, o autor cita o transporte
estabilidade, segurança e prosperidade marítimo e a sua necessidade de controle
naquele Mar. do mar para evitar transtornos ao comércio
Segundo o autor, as reivindicações chi- por via marítima e a proporção significativa
nesas de soberania no Mar Meridional são de recursos de pesca extraídos na região,
vistas como nucleares de seus interesses fundamentais para a política de segurança
nacionais e, assim, é presumível que o país alimentícia nacional.
não tolere disputas territoriais regionais e Sob o enfoque militar, o Mar da China
que possa usar de força para defender esses Meridional é entendido por Beijing como
interesses. Ele divide em dois âmbitos os uma buffer zone (zona de amortização),
interesses estratégicos chineses: o econô- pois é considerado que o controle desse Mar
mico e o militar. poderia criar barreira militar de proteção,
No âmbito econômico, Schovelin cita mitigando futuras ameaças militares: um
a existência de 105.000 bilhões de barris bloqueio comercial contra a China só pode-
de reservas de hidrocarbonetos no Mar ria ser alcançado por meio do controle desse
da China Meridional. “Quem controlar e espaço marítimo, é parte do pensamento
predominante. Ademais, esse
controle permitirá ao país esta-
belecer e desenvolver posições
militares estratégicas a partir
das quais poderá projetar forças
militares contra adversários re-
gionais ou externos. A presença
militar chinesa na região tem o
propósito estratégico de negar
o acesso e dificultar atividades
militares estrangeiras na área.
A dissuasão é a chave da sua
Conflito no Mar da China Meridional estratégia regional.
* Análise extensa sobre este assunto pode também ser encontrada em artigo do Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Fernando Malburg da Silveira, publicado na RMB V. 131 no 10/12 – out./dez. 2011.
** Capitão de Mar e Guerra (Chile) e membro do Royal College of Defence Studies (UK).

258 RMB1oT/2017
REVISTA DE REVISTAS

O autor prossegue analisando os meios existentes e finaliza seu artigo apresen-


que vêm sendo adotados pela China para tando proposta de estratégia global para a
alcançar seus objetivos nacionais, aspectos solução de controvérsias no Mar da China
do Direito Internacional ligados às questões Meridional.

SATÉLITES DE OBSERVAÇÃO TERRESTRE NA


AMÉRICA DO SUL
André M. Mileski*
(Tecnologia & Defesa, ano 33 – nº 146, p. 78-84)

Este artigo apresenta um panorama dos dados o Venesat-1, comprado da China e


programas e projetos de satélites de obser- colocado em órbita em 2008, e o VRSS-1
vação terrestre de sete países da América do (Venezuelan Remote Sensing Satellite),
Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, lançado em 2011.
Chile, Peru e Venezuela. O autor aborda mais detidamente a situ-
Em relação à Argentina, cita, dentre ação do Brasil, citando seu pioneirismo na
outras coisas, que o programa daquele país exploração espacial regional, inclusive com
é, ao lado do brasileiro, um dos mais avan- sensoriamento remoto a partir do espaço.
çados da região. Aborda o desenvolvimento Cita que a estação terrena de imagens de
pelo país, no âmbito do projeto SAO-COM, satélite instalada em Cuiabá (MT) foi a
de satélites com tecnologia de radar de terceira do mundo, logo após a norte-ame-
abertura sintética com capacidade de gerar ricana e a canadense. Mileski percorre todo
imagens da superfície independentemente um histórico do desenvolvimento do setor
de luz e de cobertura de nuvens. Esse proje- espacial brasileiro, trazendo ao seu texto as
to prevê a construção de duas constelações, informações mais recentes, inclusive um
cada uma composta por dois satélites. É breve status do campo militar.
ressaltada também a intenção de construção
de um satélite argentino-brasileiro de infor-
mações ambientais marítimas, o Sabia-Mar,
que vem sendo discutida desde 1998, mas
que recentemente ganhou novo impulso
para viabilização.
Sobre a Bolívia, a matéria analisa
sucintamente o projeto Tupac Katari; em
relação à Colômbia, cita a interrupção do
desenvolvimento de seu programa de satéli-
tes; do Chile é citado o Sistema Satelital de
Observación de la Tierra (SSOT), lançado
no final de 2011; referente ao Peru, destaca
e analisa a aquisição e o lançamento do
PeruSAT-1; e sobre a Venezuela são abor-

* Editor adjunto da Tecnologia & Defesa.

RMB1oT/2017 259
REVISTA DE REVISTAS

A 25a VERSÃO DO MAIOR EXERCÍCIO NAVAL DO MUNDO


Capitão de Fragata (Chile) Sergio Gómez Weber*
(Revista de Marina, Chile, edição no 6/2016, p. 20-25)

A importância que o exercício Rim of pode permitir uma futura participação com
the Pacific (Rimpac), que significa contorno unidades navais.
ou borda do Pacífico, veio adquirindo desde Este artigo da chilena Revista de Marina
sua primeira realização, em 1971, se rela- apresenta histórico de países participantes,
ciona fundamentalmente com a conversão datas e eventos significativos ao longo da
do Oceano Pacífico em centro de gravidade história desse grande evento militar inter-
de assuntos mundiais no século XXI. nacional e a tabela aqui apresentada.
Esse exercício naval foi iniciado por Analisa ainda, detalhadamente, a parti-
poucos países – Estados Unidos, Canadá, cipação chilena, que ocorre desde 1996, e a
Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia – e contribuição desses exercícios para a polí-
tica exterior daquele país. Ao final, o autor
tinha como propósito a contenção da expan-
apresenta dados relativos ao Rimpac 2016,
são comunista para o Pacífico no período da
tais como a participação de 27 países, 45
Guerra Fria. Hoje ele se converteu no maior unidades de superfície, cinco submarinos,
exercício naval internacional, permitindo mais de 200 aeronaves e de 25 mil militares
oportunidade única de adestramento e de das diversas forças armadas.
desenvolvimento de relações de cooperação Em sua conclusão, Gómez Weber ressal-
para assegurar as linhas de comunicações ta a consolidação do Rimpac como o maior
marítimas e a segurança nos oceanos. Além exercício naval do mundo após mais de 45
das Armadas, ele integra fuzileiros navais, anos de existência e como promotor da po-
exércitos, forças aéreas e guardas costeiras lítica internacional dos Estados envolvidos,
dos países convidados. O Brasil já partici- assegurando o livre uso dos espaços oceâ-
pou desse evento como observador, o que nicos em defesa dos interesses nacionais.

Participação 1998 2000 2002 2004 2014 2016


Países 6 7 9 7 23 27
Pessoal 27.000 22.000 11.000 18.000 25.000 25.000
Navios e
64 50 36 47 53 54
submarinos
Aeronaves 220 200 26 100 200 + 200 +
Países e meios participantes

* Oficial de Estado-Maior e colaborador da Revista de Marina desde 2015.

260 RMB1oT/2017
REVISTA DE REVISTAS

FORÇAS NAVAIS NA AMÉRICA DO SUL


Massimo Annati*
(Naval Forces, no VI, vol. XXXVII, p.56-60)

Políticas e obrigações sul-americanas Neste artigo, o Almirante Annati apre-


apresentam desafios peculiares às suas senta uma abordagem sucinta do status das
forças navais. A região é rica em recursos forças navais dos seguintes países: Argen-
marítimos como petróleo, gás e pescados, tina, Brasil, Chile, Colômbia, Venezuela,
o que exige constante patrulha e vigilância. Uruguai e Peru.
Mas as questões de segurança também são Em sua abordagem sobre o Brasil, especifi-
muitas, tanto nacionais como transnacio- camente, apresenta um quadro de cortes drás-
nais, incluindo o tráfico de drogas e de ticos com diminuição do ritmo de andamento
pessoas, a pesca ilegal, atividades crimi- do Programa de Desenvolvimento de Subma-
nosas, terrorismo e insurgências. Há ainda rinos (Prosub) e paralisação do Programa de
algumas questões de fronteiras e de direitos Obtenção de Meios de Superfície (Prosuper),
de exploração, afirma o autor. que pretendia construir no País cinco navios-
Assim, é alta a necessidade tanto de -escolta, cinco navios-patrulha oceânicos e um
plataformas de combate como de navios navio de apoio logístico. Afirma ainda que a
de patrulha e de meios com capacidade construção das corvetas classe Tamandaré é
anfíbia. Porém dificuldades orçamentárias incerta e sinaliza que o evento mais importante
crescentes vêm forçando cortes ou até da Marinha do Brasil foi a incorporação, em
cancelamentos de programas navais lon- 2016, do Navio-Doca Multipropósito (NDM)
gamente acalentados nos países da área. Bahia, ex-LPD Siroco, da França.

ICN INTEGRA TECNOLOGIA 3D PARA CONSTRUÇÃO


DE SUBMARINOS
(Tecnologia & Defesa, ano 33 – no 146, p. 6)

Segundo a matéria, a Itaguaí Constru- Essa metodologia, por refletir os re-


ções Navais (ICN), empresa com partici- sultados da programação e execução de
pação da organização Odebrecht e partici- serviços na maquete 3D dos submarinos,
pante na construção de cinco submarinos além de agregar novos conceitos de 4D
para Marinha do Brasil, implantou a meto- (tempo) e 5D (custos), torna tangível o
dologia BIM (Built Information Modeling) status de todos os itens de engenharia,
no SisEPC-Manufatura, sistema de gestão suprimentos e da programação/sequen-
desenvolvido por aquela organização. ciamento das atividades de fabricação e

* Massimo Annati é contra-almirante da reserva da Marinha italiana e a ela serviu por 38 anos, principalmente na
área de aquisições de armamento e de cooperação internacional.

RMB1oT/2017 261
REVISTA DE REVISTAS

montagem, elevando a produtividade e a âmbito do Programa de Desenvolvimento


eficiência operacional. de Submarinos da Marinha do Brasil (Pro-
De acordo com o artigo, a citada cons- sub), parte de acordo estratégico entre o
trução de cinco submarinos está prevista no Brasil e a França, assinado em 2008.

Tecnologia 3D para o Prosub

UM PROGRAMA GIGANTE PARA UM PAÍS CONTINENTAL


REVISITANDO O PROSUB
Roberto Caiafa*
(Tecnologia & Defesa, ano 33 – no 147, p. 16-23)

Este artigo apresenta, por meio de Como parte do programa, um acordo


imagens e texto bastante completo e atual, de transferência de tecnologia foi firmado
a evolução do Programa de Desenvol- com a França para a construção de quatro
vimento de Submarinos da Marinha do submarinos convencionais e um com pro-
Brasil (Prosub). O Prosub, de acordo com pulsão nuclear. E para que isso pudesse ser
a matéria, é parte essencial na expansão e materializado, foi construído um complexo
no desenvolvimento da indústria de defesa de infraestrutura industrial e de apoio
nacional e pretende dotar o País com tec- à operação, englobando os estaleiros, a
nologia nuclear atualizada, fortalecendo Base Naval e a Unidade de Fabricação de
setores de importância estratégica para o Estruturas Metálicas (Ufem), localizada em
desenvolvimento econômico. Itaguaí, a 69 km do Rio de Janeiro (RJ).

* Membro da equipe de reportagem da Tecnologia & Defesa.

262 RMB1oT/2017
REVISTA DE REVISTAS

Revisitando o Prosub

O artigo aborda também as dificuldades atrasos e ajustes realizados foram devidos a


pelas quais o programa vem passando e as contratempos tecnológicos, tanto no Brasil
soluções que pretendem mitigá-las. Cita, como na França.
ainda, que a Marinha do Brasil afirma Ao final da matéria é informada a previ-
que o cronograma dos submarinos não foi são de que o primeiro submarino convencio-
afetado por cortes orçamentários e que os nal seja lançado ao mar em julho de 2018.

A ORIGEM DA “MENSAGEM A GARCIA”


Arturo Fuenzalida Prado*
(Revista de Marina, Chile, edição no 5/2016, p. 46-49)

“... O mais importante que necessitava origem à tradição de que ordens devem ser
a juventude nessa época era a inspiração cumpridas sem questionamentos.
pelo amor ao dever, a fidelidade à confian- Já no preâmbulo, o autor ressalva que
ça em si depositada, o fazer prontamente, essa compreensão é parte da formação
o concentrar todas as suas energias em inicial na Escola Naval de seu país, trans-
bem fazer o que há que ser feito, con- mitida dos mais antigos aos mais modernos,
cluindo que isso se sintetiza em: ‘Levar a mas que, futuramente, na carreira naval, ela
mensagem a Garcia’...”. Esta é a citação é complementada pela compreensão de que
inicial deste artigo que analisa o texto indicar o porquê inspira os subordinados
“Uma mensagem a Garcia1”, o qual deu a cumprirem a tarefa da forma desejada

* Oficial de Estado-Maior e colaborador da Revista de Marina desde 2009.


1 Calixto Garcia Iñiguez, general do Exército Libertador cubano.

RMB1oT/2017 263
REVISTA DE REVISTAS

pelo superior. “Desde nosso ingresso na para que ele bem se desincumbisse da ta-
Escola Naval escutamos que ‘Mensagem refa, analisa detalhadamente as principais
a Garcia’ significava incentivo a se cum- diferenças que observou entre a versão
prir uma tarefa sem que se possuíssem os escrita pelo Almirante Hubbard e a do
meios adequados e com poucas orientações, próprio Rowan, escrita em 1922 – Como
empregando-se apenas iniciativa e criativi- Levei a Mensagem a Garcia.
dade”, afirma Prado. Entre suas conclusões, se destaca que
Segundo versão escrita pelo Almirante Fuenzalida Prado considera que a apologia
E. Hubbard, comandante do U.S. Marine à iniciativa e à boa disposição de Rowan
Corps, e que foi leitura obrigatória pro- retratada em alguns textos não passam de
fissional quando o autor era capitão de idealizações de situações que, mais tarde, se
corveta, a tarefa original que inspirou o constatou não terem ocorrido. A ordem de
levar a mensagem a Garcia não foi recebida
texto foi atribuída pessoalmente pelo pre-
diretamente do presidente dos EUA, e dela
sidente dos Estados Unidos da América
constavam todos os detalhes e pontos de
(EUA), William McKinley (1897-1901),
contato para apoio logístico e de transporte.
ao Tenente Andrew Summers Rowan, do
Conclui o autor: “A leitura do texto do
Exército do país, em 1898, ao ser declarada Tenente Rowan – Como Levei uma Men-
guerra à Espanha. Segundo essa versão, sagem a Garcia – nos permite conhecer
o presidente teria colocado nas mãos de uma detalhada operação de inteligência
Rowan uma carta e dito: “Leve esta men- realizada durante a guerra dos Estados Uni-
sagem a Garcia”. Rowan teria escutado em dos com a Espanha, nas Antilhas, que mais
silêncio, recebido a carta e se despedido tarde significou sua ascensão a tenente-
sem qualquer questionamento. Não teria -coronel porque ‘... fez uma travessia por
passado por sua mente perguntar quem era Cuba, esteve com o exército insurgente
Garcia e onde o encontrava, por exemplo. junto ao Tenente-General Garcia e trouxe
O artigo, além de apresentar um breve informação importante e valiosa para o
currículo do protagonista, ressaltando, em governo...’, como ficou consignado em sua
especial, as comissões que contribuíram recomendação para promoção”.

WASHINGTON: UM OLHAR DO IMPÉRIO SOBRE


A GUERRA CIVIL AMERICANA, 1861-1862
(Cadernos do CHDD*, Ano 15, no 28, 1o semestre/2016, p. 12-545)
Fundação Alexandre de Gusmão

O título reúne um conjunto de ofícios Lisboa informa, em sua correspondên-


do chefe da Legação Imperial do Brasil cia, como evoluíram os acontecimentos
em Washington, Miguel Maria Lisboa. Os que levaram à Guerra. Em seu trabalho
documentos datam de 1861 e 1862, perí- de colher informações sobre os diversos
odo inicial da Guerra Civil americana – a aspectos da política americana e passá-las
Guerra de Secessão. à chancelaria de seu país, o diplomata co-

* Centro de História e Documentação Diplomática, órgão da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao


Ministério das Relações Exteriores. A publicação dos ofícios de Miguel Maria Lisboa sobre a Guerra Civil
americana foi iniciada em volume anterior dos Cadernos do CHDD e prossegue em edição posterior a esta,
abrangendo o período de 1859 a 1865.

264 RMB1oT/2017
REVISTA DE REVISTAS

bre os trabalhos do Congresso, mostra os


interesses em jogo e acompanha episódios
da Guerra. Junto com os ofícios, foram
enviados mapas e um quadro sinótico sobre
a evolução do comportamento dos Estados
americanos no conflito.
“Os ofícios de Lisboa podem acrescen-
tar conhecimento à amplíssima literatura
acadêmica sobre a Guerra de Secessão, já
que, lidos em conjunto, trazem um valioso
‘sentimento do cotidiano’ ao longo de seis
anos cruciais para compreender a evolução
histórica dos Estados Unidos”, comenta
Gelson Fonseca Jr., diretor do CHDD, em
sua apresentação ao conjunto documental.
Usando fontes jornalísticas e contatos pes-
soais para fundamentar seus relatos, que,
na avaliação de Fonseca, são de “qualidade
literária”, Lisboa aborda, em seus ofícios,
fatos relacionados à Guerra e ao período,
tais como: a invasão do México por potên-
cias europeias; o comércio bilateral com os panhado de dois sobrinhos que desejavam
EUA e a preocupação com o aumento das alistar-se no Exército federal; e o pedido
taxas sobre o café; o caso do Sumter, navio para que a Marinha imperial deslocasse um
confederado que passou pelo Brasil; a ida navio para a eventualidade do agravamento
do Príncipe de Joinville à América, acom- da Guerra, entre outros.

COMANDANTES VALENTES, OU NÃO...


Arturo Pérez-Reverte*
(Revista de Marina, Chile, edição no 5/2016, p. 29-31)

Este artigo, publicado no começo de Na noite de 14 de abril de 1912, 99 anos


2012 no jornal El País, da Espanha, foi e nove meses antes que o Costa Concordia
republicado agora por iniciativa do Centro abrisse seu casco em uma pedra da ilha
de Estudos Estratégicos de La Armada toscana de Giglio, o Titanic afundou no
(Cedestra), do Chile. Ele é considerado Atlântico Norte, levando 1.503 pessoas.
importante por enfrentar um tema que O abandono do navio foi um desastre. O
dever-se-ia ter em mente permanentemente. Comandante Edward Smith, em que pese
O texto é aqui traduzido e adaptado pela seus 34 anos de experiência profissional,
Revista Marítima Brasileira: se comportou mais como um gerente tor-

* Escritor, navegante e autor de vários romances e livros de temas náuticos.

RMB1oT/2017 265
REVISTA DE REVISTAS

pe de hotel de luxo do que como nauta e o Douro, concluía Conrad, era um navio de
atrasou em 25 minutos o primeiro pedido verdade, tripulado por marinheiros profis-
de socorro. Ademais, retardou a ordem sionais e disciplinados que não perderam a
de abandonar o navio, dissimulando-a de humanidade ou o sangue frio. Não era um
modo que a maior parte dos passageiros não monstruoso hotel flutuante arremessado a
percebeu o perigo até que fosse demasiado 21 nós de velocidade em mar de icebergs,
tarde. Depois, a falta de botes salva-vidas, guarnecido por seis centenas de pobres
o mar gelado e os 25 minutos perdidos para diabos, entre moços, donzelas, músicos,
a chegada do primeiro navio que acudiu animadores, cozinheiros e camareiros.
completaram a tragédia. Escrito há quase um século, o comen-
Quatro semanas mais tarde, em artigo tário conradiano poderia ser aplicado de
memorável publicado no English Review, modo quase literal ao desastre do Costa
Joseph Conrad comparava o final do Tita- Concordia. Considerando-se o tempo e os
nic com o afundamento, recente naquela avanços técnicos entre um e outro navio,
época, do Douro: um navio menor, mas são muitas as lições não aprendidas, as arro-
com proporção semelhante de passageiros. gâncias culpáveis e as incompetências, evi-
O Titanic afundou lentamente, com o des- dentes para qualquer marinheiro, apesar de
concerto e a incompetência do comandante não o serem para armadores e engenheiros
e da tripulação, enquanto que no Douro, navais: desatenção com os grandes navios
que afundou em poucos minutos, a dotação de cruzeiro, fé cega e suicida na tecnologia,
completa, do comandante ao marinheiro pouca preparação da tripulação e escassa
mais moderno, excetuados o oficial co- competência de comandantes e oficiais
ordenador dos botes salva-vidas e dois de manobra. Neste último aspecto, certos
marinheiros da equipagem de cada bote, detalhes do comportamento do comandante
afundaram com o navio, sem pestanejar, de- do Costa Concordia, Francesco Schettino,
pois de salvarem todos os passageiros. Mas merecem ser considerados.

O Costa Concordia

266 RMB1oT/2017
REVISTA DE REVISTAS

Todo comandante tem dois deveres do que aquelas em águas restritas, à noite,
inescusáveis: conduzir seu navio com se- com nevoeiro ou mau tempo, com pedra ou
gurança e destreza e, em caso de incidente recife próximo, ou, como no caso do Costa
ou naufrágio, buscar o salvamento de pas- Concordia, a pouca distância da costa.
sageiros, tripulação, carga e, se possível, Nos casos mencionados, mesmo com
do próprio navio. Por essa razão, em outros aplicação ao comandante de todo o rigor
tempos, um comandante digno às vezes legal que seu erro mereça, é possível com-
afundava com seu navio, pois sua presença preender a tragédia do marinheiro e ter
a bordo era garantia de que tudo se tentara empatia por ele, apesar de sua desgraça.
até o último instante. Assim, um coman- Mas o que coloca qualquer comandante
dante capaz de bem conduzir seu navio e longe de qualquer empatia possível é sua
de assegurar, em caso de incidente ou de incompetência ou covardia na hora de
tragédia, a maior parte possível de vidas e enfrentar as consequências do erro ou do
bens é considerado, hoje como ontem, um azar. Uma desgraça pode advir do azar,
marinheiro competente. mas não encará-la com dignidade é levian-
No encalhe do Costa Concordia, em dade. Se um comandante existe para algo
minha opinião, o conceito de incompetência é, sobretudo, para quando as coisas vão
foi utilizado com certa leviandade. Não mal a bordo. Aí se é marinheiro, ou não. E
creio que o Comandante Schettino fosse Francesco Schettino mostrou que não era.
um incompetente. Trinta anos de experi- Escapar de seu dever e de sua consciência
ência e ótima qualificação profissional o foi uma covardia inescusável que, em tem-
levaram ao passadiço do navio de cruzeiro. pos menos politicamente corretos, diante
Navegava rota conhecida, e a manobra de de um tribunal naval como os de outrora,
aproximação de terra é comum nesse tipo de o levaria ao enforcamento.
viagem. Ademais, uma vez ocorrida entrada Tenho uma opinião pessoal sobre isso.
de água quase na alheta de bombordo – o Com o auge das comunicações fáceis via
que significaria que estavam guinando para internet e telefonia móvel, a responsabili-
boreste para evitar o perigo –, a manobra dade de um marinheiro se dilui em aspectos
de largar o ferro a fim de que, com as má- estranhos às lides do mar e seus problemas
quinas avariadas e sem propulsão, o navio imediatos. O oficial do Costa Concordia
girasse 180º com seu último seguimento que foi verificar quanta água entrava na pra-
para aproximar-se de terra e não afundar em ça de máquinas informou repetidas vezes
águas profundas parece impecavelmente ao passadiço e não obteve resposta porque
marinheira e própria de bons reflexos. O o comandante estava ocupado ao telefone.
excesso de confiança, uma olhada superfi- Assim, boa parte dos 45 minutos transcor-
cial nos instrumentos, teclar duas vezes em ridos entre o momento da colisão (21h58),
vez de três, uma estrutura de 17 andares e as mentiras para a autoridade marítima
114.500 toneladas, a 16 nós e em local com de Livorno (22h10) e a confissão final
pouca profundidade bastaram para que do de que estava embarcando água (22h43),
erro ao desastre transcorressem poucos bem como o quarto de hora seguinte, até
segundos. Nenhum marinheiro veterano que soassem os sete apitos curtos e um
pode afirmar que jamais cometeu erro de longo para abandono do navio (22h58),
navegação ou de manobra, ainda que não Schettino passou falando por telefone com
tivesse consequências, ou que estas não fos- o diretor marítimo da Costa Crociere. Em
sem as mesmas em águas livres de perigos outras palavras: em vez de se ocupar com

RMB1oT/2017 267
REVISTA DE REVISTAS

o salvamento de passageiros e tripulantes, Enquanto isso, a água seguia embarcando,


o comandante do Costa Concordia esteve e o que em outros tempos teria ocasionado
com o celular grudado na orelha solicitando um “vão ao diabo, vou me ocupar do meu
instruções à sua empresa. navio”, no caso do submisso comandante,
Minha conclusão é de que o Comandan- próprio destes tempos “hipercomunicados”
te Schettino não exercia o comando de seu e protocolizados, redundou em indecisão e
navio naquela noite. Quando telefonou para leviandade. Além disso, por ser um covar-
seu armador deixou de ser o comandante de, Schettino abandonou seu navio porque
e se converteu em um pobre homem que não era seu. Porque, na realidade, nunca
pedia instruções. E assim as modernas tec- havia sido.
nologias tornam impossível a iniciativa de Sei que se pode fazer objeção a esta
quem está no local, inclusive em situações hipótese, e que seria de índole histórica:
de urgência. Nem sequer um militar que
o comandante do Titanic também se com-
tenha em sua mira um talibã que dispara
portou com extrema incompetência no
contra ele se atreverá a apertar o gatilho
abandono de seu navio, e sua passividade
até receber autorização de um ministro
teve relação direta com a morte de milhar
da Defesa que está em seu escritório, a
milhares de quilômetros de distância. O e meio de passageiros; Edward Smith não
Comandante Schettino estava pateticamen- possuía telefone celular. Em 1912 somente
te consciente naquela noite de que o tempo havia telegrafia nos navios. Isso permitiria
de marinheiros que tomavam decisões e supor que, nesse caso, as decisões errôneas
assumiam a responsabilidade se extinguiu foram dele. Podem ter sido; nada é simples
havia muito e de que as coisas não depen- no mar nem em terra. Mas não por falta de
diam dele, mas de inumeráveis restrições comunicação direta com seus armadores da
empresariais: cuidado com o departamento White Star. Na noite do iceberg e da tragé-
de Relações Públicas, com o diretor ou o dia, viajava a bordo do Titanic o presidente
conselheiro que não se localizou naquela da companhia de navegação. Ele esteve no
noite, atenção para não alarmar os passa- passadiço e sobreviveu ocupando um lugar
geiros e a possível reação das seguradoras. livre nos botes salva-vidas.

268 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes


da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante,
dar aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesqui-
sadores visualizarem peculiaridades da Marinha.
Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com
fotografias.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
COMEMORAÇÃO
Dia da Marinha Mercante brasileira (272)
NVe Cisne Branco atraca no cais do Museu do Amanhã (273)
CONDECORAÇÃO
Fuzileiros Navais agraciados com Medalha Sangue do Brasil (273)
Tripulação da Fragata Liberal é condecorada pela ONU (274)
DOAÇÃO
Doação de livros sobre Direito Marítimo (275)
INAUGURAÇÃO
Inaugurado Centro Local de Tecnologia da Informação (276)
POSSE
Assume novo chefe do Estado-Maior da Armada (277)
Assunção de cargos por almirantes (284)
DGMM tem novo diretor (284)
FTM-Unifil tem novo comandante (290)
PRÊMIO
1o lugar nacional do Ensino Fundamental da Operação Cisne Branco (291)
Prêmio Eficiência 2016 (291)
Vencedora nacional da Operação Cisne Branco veleja pela
Baía de Todos os Santos (292)
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

TRANSFERÊNCIA DE SETOR
Transferência de subordinação do CPN (293)
VISITAÇÃO
Ministro da Defesa visita o Líbano (293)

ÁREAS
ARQUIPÉLAGO S. PEDRO E S. PAULO
RbAM Triunfo apoia a Estação Científica do Arquipélago de
São Pedro e São Paulo (294)

ATIVIDADES MARINHEIRAS
BUSCA E SALVAMENTO
Fragata União resgata pesqueiro (295)
Marinha coordena Evam de tripulante de navio grego (295)
Salvamar Leste coordena resgate de veleiro (296)
CARTOGRAFIA
Belém é sede de encontro internacional de Cartografia Náutica (297)
COMBATE A INCÊNDIO
EsqdHU-1 combate incêndio na BAeNSPA (299)
SALVAMENTO
MB resgata pacientes em MS (299)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
SATÉLITE
Marinha participará do projeto espacial (300)

COMUNICAÇÕES
COMUNICAÇÕES VIA INTERNET
Aplicativo Papem (301)
Novo portal da Amazul está no ar (302)
SIPM lança aplicativo para celulares (303)

CONGRESSOS
REUNIÃO
EGN promove reunião de colaboradores do Cepe (303)

EDUCAÇÃO
ESPORTE
Resultados esportivos (304)

FORÇAS ARMADAS
AERONAVE
Aeronaves SH-16 realizam voo ASW noturno tático (305)
SUBMARINO
AMRJ corta o casco do Submarino Tamoio (306)
Prosub avança na construção do segundo submarino convencional (306)

270 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PESSOAL
CORPO FEMININO
Primeira mulher combatente integra tropa da ONU (307)

PODER MARÍTIMO
MARINHA MERCANTE
Marinha Mercante apresenta sinal de recuperação (308)
Operação Ship to Ship (308)
ORGANIZAÇÃO
Autoridade Marítima bate recorde de atendimento (309)
SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO
DPC atualiza Normam (310)
Normas da Autoridade Marítima para amadores são alteradas (311)
TRÁFEGO MARÍTIMO
Reunião Anual do PACIOSWG (312)

PSICOSSOCIAL
AJUDA HUMANITÁRIA
AgCSul apoia remoção de atingidos por cheias no Acre (312)
LANÇAMENTO DE LIVRO
Desafios gerenciais em defesa (313)
A Defesa do Ouro Negro da Amazônia Azul (314)
PUBLICAÇÃO
Venda de publicações e livros da DPHDM (314)
SOAMAR
Soamar – Encontro dos presidentes, convenção nacional e posse do
novo presidente (315)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS
COOPERAÇÃO
MB apoia Timor-Leste na implantação da Autoridade Marítima (316)

SAÚDE
ASSISTÊNCIA MÉDICA
MB presta atendimento de saúde a indígenas da etnia Katukina (316)
Pescador acidentado é tratado em câmara hiperbárica (317)

VALORES
SÍMBOLO
Criação e incorporação do estandarte da Marinha Mercante (317)

VIAGENS
VISITA
Militares da Fragata Liberal participam de audiência geral no Vaticano (318)

RMB1oT/2017 271
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

DIA DA MARINHA MERCANTE BRASILEIRA


Foi comemorado, em 21 de dezembro empregos para mais de mil operários, que
último, o Dia da Marinha Mercante brasilei- produziam navios, caldeiras, engenhos de
ra. Na ocasião, o diretor de Portos e Costas, açúcar, guindastes, prensas e armas, dentre
Vice-Almirante Wilson Pereira de Lima outros equipamentos.
Filho, emitiu a seguinte Ordem do Dia: A história das Marinhas mercantes, da
“Com muito orgulho, celebramos em navegação e do comércio marítimo, em
28 de dezembro de 2016 o Dia da Mari- várias épocas, se confunde com a própria
nha Mercante brasileira. Trata-se de um história da humanidade. A gênese de nosso
setor de natureza estratégica que contribui comércio marítimo aconteceu, por certo,
sobremaneira para o desenvolvimento de com a abertura dos portos brasileiros às na-
nossa economia, uma vez que o transporte ções amigas, em 28 de janeiro de 1808, pelo
marítimo é essencial para o comércio ex- príncipe regente Dom João, de Portugal.
terior do País, características que o tornam Na República, três eventos foram deci-
indissociável da atividade de navegação sivos para o desenvolvimento da Marinha
marítima e fluvial, porquanto dispõe de Mercante, em particular da navegação de
quase 8.000 km de costa, cerca de 13.000 cabotagem: em 1890, a fundação da Com-
km de águas interiores navegáveis e in- panhia de Navegação Lloyd Brasileiro,
teresses comerciais espalhados por todo estatal que ancorou o setor por quase um
o mundo. século; e os fortalecimentos da Companhia
Destarte, pode-se afirmar que a Institui- Nacional de Navegação Costeira, criada
ção é um dos mais importantes segmentos em 1891, e da Companhia Comércio e
do Poder Marítimo brasileiro. Por essa Navegação, fundada em 1905.
razão, é mister destacar um dia específico No dia em que homenageamos a nossa
para exaltá-la. A data, criada a partir de Marinha Mercante, não podemos olvidar
1962, consagra a figura de Irineu Evan- a sua brava participação nos dois conflitos
gelista de Souza, o Visconde de Mauá, mundiais, especialmente na Segunda Guer-
patrono de nossa Marinha Mercante, nas- ra Mundial, visto que durante este conflito
cido em Arroio Grande (então Jaguarão), 35 embarcações nacionais foram torpede-
no Rio Grande do Sul, em 28 de dezembro adas, vitimando cerca de 500 marítimos
de 1813. brasileiros, os quais não abandonaram seus
Mauá tornou-se um símbolo do em- postos e não fugiram ao dever de abastecer
preendedorismo no Brasil do século XIX. o nosso país com suprimentos essenciais,
Seu vínculo com a Marinha Mercante mesmo em tempos de guerra.
decorreu da visão estratégica de dispor de Não obstante o protagonismo da Ma-
capacidade logística para garantir o abas- rinha Mercante na evolução do Brasil, ao
tecimento de um território abençoado por longo do processo desenvolvimentista,
dimensões continentais e extenso litoral. ainda não conseguimos consolidar nossa
Nesse sentido, em 1845 adquiriu o Estabe- capacidade de comércio marítimo arvo-
lecimento de Fundição e Estaleiros Ponta rando o pavilhão nacional. Vivenciamos,
da Areia, que é considerado o nosso berço até 2014, um período de crescimento eco-
da construção naval. Em apenas um ano, nômico decorrente, entre outros fatores,
se tornou proprietário da maior indústria das atividades de pesquisa e exploração de
do País, havendo criado oportunidade de petróleo, mas que hoje estão submetidas a

272 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

um período de readequação, em função da o Capitão de Longo Curso Álvaro José


volatilidade do preço dessa commodity e da de Almeida Junior: “não existem grandes
contração econômica, cujos reflexos impac- marinheiros sem grandes tormentas”. Os
taram sobremaneira na atividade marítima. valentes marinheiros não temem os mares
Nesse contexto, a Marinha do Brasil, tempestuosos e sabem que não são intermi-
conforme previsto em suas atividades sub- náveis e logo vem a calmaria.
sidiárias constantes na Lei Complementar no Marinheiros mercantes do Brasil, de
97/1999, prossegue nos esforços de orientar todas as categorias, sigam adiante, traba-
e controlar a Marinha Mercante e suas ativi- lhando com determinação e otimismo, con-
dades correlatas. E nesta data, por intermé- duzindo com segurança e profissionalismo
dio da Diretoria de Portos e Costas, renova os seus navios, seja na nossa Amazônia
a sua admiração e confiança em todos que Azul ou em mares distantes. O Brasil e o
integram a briosa Marinha Mercante, com mar são o seu compromisso!
a convicção de que dias melhores estão no Parabéns, Marinha Mercante brasileira!
porvir. Como sempre declara um dos ícones (Fonte: Bono Especial n o 963, de
e patriarcas da nossa Marinha Mercante, 21/12/2017)

NVe CISNE BRANCO ATRACA NO CAIS DO


MUSEU DO AMANHÃ
Por ocasião da Semana da Marinha,
em dezembro último, o Navio Veleiro
(NVe) Cisne Branco permaneceu atra-
cado ao cais do Museu do Amanhã,
na cidade do Rio de Janeiro, abrindo à
visitação pública nos dias 11 e 13 (Dia
do Marinheiro). Durante o período em
que esteve enriquecendo o cenário da
Praça Mauá, onde fica o cais, o navio
foi visitado por mais de 10 mil pessoas,
que puderam conhecer um pouco das
peculiaridades de um navio veleiro e da Cisne Branco no cais do Museu do Amanhã
vida de bordo. náuticos nacionais e internacionais e divul-
O Navio Veleiro Cisne Branco tem gar a mentalidade marítima.
como tarefa representar o País em eventos (Fonte: www.mar.mil.br)

FUZILEIROS NAVAIS AGRACIADOS COM


MEDALHA SANGUE DO BRASIL

Foi realizada em 18 de novembro últi- Leste, General de Exército Walter Souza


mo, no Salão Nobre do Palácio Duque de Braga Netto. Da Marinha do Brasil, foram
Caxias (Rio de Janeiro-RJ), a cerimônia agraciados os seguintes fuzileiros navais:
de imposição da Medalha Sangue do Bra- Capitão-Tenente (FN) Thiago Zaniboni
sil, presidida pelo comandante militar do Lessa (do Centro de Instrução Almirante

RMB1oT/2017 273
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Cabo Edivaldo Hungaro é agraciado


Capitão-Tenente Thiago Zaniboni Lessa recebendo a
medalha

Sylvio de Camargo), Cabo FN-IF Edival-


do Hungaro (do 2o Batalhão de Infantaria
de Fuzileiros Navais) e Soldado FN Luiz
Romário Anacleto de Araújo (do 1o Bata-
lhão de Infantaria de Fuzileiros Navais).
Esses militares receberam a medalha por
sua atuação na Operação São Francisco,
de pacificação no Complexo da Maré, em
que foram feridos.
Soldado Luiz Romário Anacleto de Araújo recebe a
A Medalha Sangue do Brasil foi criada Medalha Sangue do Brasil
pelo Decreto-Lei no 7.709, de 5 de julho
de 1945, com a finalidade de agraciar os tenham sido feridos em consequência de
oficiais, praças, assemelhados e civis des- ação objetiva do inimigo.
tacados para o teatro de operações e que (Fonte: www.mar.mil.br)

TRIPULAÇÃO DA FRAGATA LIBERAL É


CONDECORADA PELA ONU
Após cinco meses de participação como
capitânia da Força-Tarefa Marítima da For-
ça Interina das Nações Unidas no Líbano
(FTM-Unifil), sob a égide da Organização
das Nações Unidas (ONU), a tripulação
da Fragata Liberal foi condecorada, em 18
de fevereiro último, com a Peacekeeping
Medal, ou Medalha Mantenedores da Paz
das Nações Unidas.
O secretário-geral das Nações Unidas,
Antonio Guterres, outorgou a comenda aos
militares da Fragata Liberal em reconhe- Comandante e tripulação condecorados

274 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

cimento ao profissionalismo e ao profícuo e Guerra Ricardo Silveira Mello. Em 16


trabalho realizado pelo navio na contribui- de março, a Liberal encerrou sua missão
ção da manutenção da paz no Líbano. A na FTM-Unifil, sendo substituída pela
cerimônia foi realizada a bordo e presidida Fragata União.
pelo comandante do Navio, Capitão de Mar (Fonte: www.mar.mil.br)

DOAÇÃO DE LIVROS SOBRE DIREITO MARÍTIMO


O Capitão de Longo Curso Matusalém para capacitação dos diversos profissio-
Gonçalves Pimenta fez doação à Bibliote- nais da área.
ca da Marinha de três publicações de sua Processo Marítimo – formalidades e
autoria com os seguintes títulos: tramitação, 2a edição, lançado pela Editora
Responsabilidade Civil do Prático, Manole em 2013. Nesta edição encontra-
Editora Lumen Juris, 2007, acompa- mos várias análises dos procedimentos
nhada da edição em espanhol Respon- administrativos, destacando aspectos prá-
sabilidade Civil del Práctico, publicada ticos referentes aos processos marítimos
pelo Centro de Capitanes de Ultramar da navegação com trâmite no Tribunal
y Oficiales de la Marina Mercante de Marítimo.
Buenos Aires em 2009. A obra traz uma As obras estarão disponíveis para
abordagem pioneira e de elevado rigor consultas e empréstimos na Biblioteca
científico para o Direito Marítimo, des- da Marinha, localizada na Rua Mayrink
crevendo a profissão dos práticos, suas Veiga 28, Centro do Rio de Janeiro. Vi-
origens históricas, leis reguladoras, seus sitação de segunda a sexta, das 8h às 16h.
direitos e deveres e suas responsabilida- Telefones: (21) 2516-0265/ 2516-8784 e
des administrativas e civis no âmbito da email: biblioteca@ marinha.mil.br.
profissão.
Direito Marítimo
– reflexões doutri-
nárias, sugestões
para monografias,
dissertações e tese,
com co-autoria de
Eliane M. Octaviano
Martins, publicado
pela Editora Lumen
Juris em 2007. O li-
vro apresenta diver-
sas questões de di-
reito marítimo, com
soluções de inter-
pretação de regras
jurídicas, servindo
como ferramentas
complementares Publicações doadas à Biblioteca da Marinha

RMB1oT/2017 275
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

INAUGURADO CENTRO LOCAL DE


TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Foi inaugurado, em dezembro último, o da Marinha, Diretoria de Engenharia Naval,
Centro Local de Tecnologia da Informação Diretoria de Aeronáutica da Marinha, Di-
do Edifício Barão de Ladário (CLTI EdBL). retoria de Sistemas de Armas da Marinha,
O Centro possibilita otimização dos recur- Diretoria de Comunicações e Tecnologia da
sos humanos de Tecnologia da Informação Informação da Marinha, Centro de Tecno-
e Comunicação (TIC), consolidação da logia da Informação da Marinha, Diretoria
centralização dos recursos computacionais, de Obras Civis da Marinha, Diretoria de
diminuição do tempo de atendimento dos Portos e Costas, Procuradoria Especial da
chamados e aumento da disponibilidade dos Marinha, Tribunal Marítimo, Comissão Na-
serviços, permitindo um melhor atendimento val Brasileira na Europa, Comissão Naval
e eficiência das atividades de TIC na Marinha. Brasileira em Washington, Adidâncias e
O CLTI EdBL tem como responsabi- Representação Permanente do Brasil junto
lidade o apoio, em primeiro e segundo à Organização Marítima Internacional.
escalão, das atividades de suporte técnico A equipe do Centro foi formada pelo
dos Serviços de Tecnologia da Informação remanejamento do pessoal dos STI das
e Comunicações (STI) comuns às seguintes organizações militares apoiadas.
organizações: Diretoria-Geral do Material (Fonte: www.mar.mil.br)

Inauguração do CLTI EdBL

276 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ASSUME NOVO CHEFE DO ESTADO-MAIOR DA ARMADA


Foi realizada, em 6 de janeiro último, a A bordo do Aviso Rio das Contas, sus-
cerimônia de transmissão de cargo do chefe pendi pela primeira vez rumo ao Colégio
do Estado-Maior da Armada, no Grupamento Naval, integrando-me ao seleto grupo da
de Fuzileiros Navais de Brasília. O Almirante “Esperança da Armada Brasileira”. Passa-
de Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão dos três anos, já na Escola Naval, tornei-me
assumiu o cargo, em substituição ao Almiran- um “Sentinela dos Mares”, e ao deixá-la,
te de Esquadra Airton Teixeira Pinho Filho. fui à Pátria servir.
O evento reuniu autoridades militares e civis. Diziam os antigos navegantes que
O Estado-Maior da Armada é o órgão de somente mares tranquilos não fazem
direção geral da Marinha e tem o propósito bons marinheiros. Verdade ou não, como
de assessorar o comandante da Marinha na guardas-Marinha, a bordo do Navio-Escola
direção do Comando da Marinha e no de- Custódio de Mello, a minha turma, a Turma
sempenho de suas atribuições no Conselho Esperança, foi submetida ao primeiro gran-
Militar de Defesa e no Conselho de Defesa de desafio ao deparar com um furacão, mar
Nacional. Dentre as diversas atribuições es- 10, em área marítima próxima aos Estados
tão: elaborar a doutrina, a política e o plane- Unidos da América. Passamos por ele,
jamento estratégico da Marinha; controlar afinal, os verdadeiros marinheiros e o mar
e coordenar a Política Marítima Nacional se respeitam. A partir de então, “sendo as
e formular e acompanhar a execução do águas azuis nossos lares”, como consta do
Programa de Reaparelhamento da Marinha, hino da querida Escola Naval, dediquei-me
bem como coordenar, com o Ministério da por cerca de 18 anos à nossa razão de ser,
Defesa e com os outros Comandos da For- a Esquadra, culminando com o comando
ça, a participação de militares da Marinha da Fragata Greenhalgh, carinhosamente
nas representações das Forças Armadas no chamada de “Lobo Guerreiro”. Quantas
País e no exterior. lembranças. Momentos inesquecíveis. Só a
vida no mar nos proporciona tanta emoção
AGRADECIMENTOS E e tamanha satisfação.
DESPEDIDAS DO ALMIRANTE Promovido a Almirante, cônscio das
AIRTON responsabilidades e dos desafios dos impor-
tantes cargos que exerci, dediquei-me com
“Domingo, 9 de abril de 1967, no pátio afinco no limite de minha competência,
externo do então Ministério da Marinha, a fim de bem assessorar meus chefes e o
próximo ao Cais da Bandeira, ao lado dos nosso comandante. Já no Almirantado, foi-
meus pais, Theresinha e Hailton, a quem -me dada a oportunidade ímpar de vivenciar
dedico meu amor e minha eterna gratidão os assuntos da mais alta relevância para
por tudo que fizeram, me apresentei para a Marinha e de participar dos processos
a mais fantástica viagem da minha vida. decisórios que norteiam nossa instituição.
Ainda me lembro das suas palavras de Lidar com as adversidades, com a vida
incentivo: “Meu filho, não se preocupe, na e a carreira do nosso pessoal e decidir o
Marinha terás uma carreira digna e mara- rumo a ser adotado não são tarefas fáceis.
vilhosa. Faça por merecê-la. Se dedique No entanto, cabe lembrar que na jornada
a ela. É o seu futuro”. Eles tinham razão. da vida não navegamos sozinhos, e isso
Sempre tiveram. aprendemos muito bem a bordo dos nossos

RMB1oT/2017 277
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Cerimônia de posse do Almirante de Esquadra Gusmão como chefe do Estado-Maior da Armada

navios. Somos uma equipe de marinheiros. terno relacionamento e pelos ensinamentos


Todos dependem de todos, sejam oficiais e orientações ao longo da minha carreira.
ou praças. Há aqueles que nos orientam, os Aos membros do Almirantado, externo
que nos ensinam, os que nos auxiliam, os minha gratidão pelas amizade e ilibada
que nos incentivam, enfim, os que de algum convivência. Coesos e concisos em suas
modo contribuem para que possamos cum- deliberações, primam pelo correto as-
prir nossa missão. A eles, por tudo que para sessoramento ao nosso comandante. Foi
mim significam, passo a prestar os meus uma honra participar de tão unido e seleto
mais sinceros agradecimentos. colegiado.
Ao comandante da Marinha, Almirante Ao General de Exército Eduardo Dias da
de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferrei- Costa Villas Bôas e ao Tenente-Brigadeiro
ra, meu amigo, colega de turma, expresso do Ar Nivaldo Luiz Rossato, respectiva-
minha gratidão pelo elevado grau de con- mente comandantes do Exército Brasileiro
fiança em mim depositado, pelas demons- e da Aeronáutica, aqui representados, pelo
trações de carinho e amizade dedicadas a apreço e cordial convívio.
mim e a minha família e pelas cordialidade Ao chefe do Estado-Maior Conjunto das
e firme orientação. Tenha a certeza que Forças Armadas, Almirante de Esquadra
sua ativa liderança, habilidade e intrepidez Ademir Sobrinho; ao secretário-geral do
conduzem a nossa Marinha para um futuro Ministério da Defesa, General de Exército
promissor. Joaquim Silva e Luna; ao chefe do Estado-
Ao Almirante de Esquadra Alfredo -Maior do Exército, General de Exército
Karam, ex-ministro da Marinha, pelas Fernando Azevedo e Silva; e ao chefe de
afinidades, amizade e presença sempre Estado-Maior da Aeronáutica, Tenente-Bri-
marcante como exemplo de chefe naval, e gadeiro do Ar Raul Botelho, pela fidalguia e
aos ex-comandantes da Marinha Roberto pelo trato cortês em nosso relacionamento,
de Guimarães Carvalho e Julio Soares de os quais propiciaram a convergência de in-
Moura Neto, pela elevada estima, pelo fra- teresses comuns e o perfeito entendimento

278 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

profissional, de suma importância para as Às autoridades civis e militares, senho-


nossas instituições. ras e amigos presentes, tenham a certeza
Aos Almirantes de Esquadra Eduardo da minha gratidão pelo carinho e estímulo
Monteiro Lopes e Wilson Barbosa Guer- com que sempre me distinguiram.
ra, ex e atual representante permanente Neste momento de despedida, injusto
do Brasil junto à Organização Marítima seria não nominar aqueles que me acom-
Internacional; ao Almirante de Esquadra panharam por muito tempo, como meus
(FN) Alvaro Augusto Dias Monteiro, pre- assistentes: Comandantes Assano, Calmon
sidente do Conselho de Estudos Políticos- e Andréa, assim como meus auxiliares dire-
-Estratégicos; ao Vice-Almirante Antonio tos, Suboficiais Marcelo, Clóvis e Miguel, e
Fernando Garcez Faria e ao Contra-Almi- os Sargentos Mauro, Alex, Assunção, Paulo
rante André Luiz Silva Lima de Santana Cesar, Giovanni, Fernanda, Janine, Suassu-
Mendes, ex e atual diretor da Escola de na, Breno e Fábio Lins. Leais, dedicados e
Guerra Naval; e ao Contra-Almirante (FN) com desempenho irretocável, foram eles os
José Henrique Salvi Elkfury, secretário responsáveis pela minha tranquilidade na
da Comissão de Promoções de Oficiais, labuta do dia a dia e pelo apoio irrestrito
meus agradecimentos pela dedicação e pelo à minha família por ocasião das minhas
notório trabalho que realizaram em suas ausências.
respectivas áreas de atuação. À amada esposa Silvia, madrinha do
Aos Almirantes Garcez, Fiuza, Paulo Navio-Doca Multipropósito Bahia, minha
Ricardo, Renato Melo, Alan, Nelson, fiel companheira e incentivadora por mais
Vazquez, Humberto e Montenegro e de 33 anos, sem a qual este marinheiro não
aos oficiais, praças e servidores civis do teria chegado ao fim da carreira plenamente
Estado-Maior da Armada, com destaque realizado, e aos meus queridos filhos André
para o meu competente e incansável vice- e César, sou-lhes eternamente grato por
-chefe, Vice-Almirante Edervaldo Teixeira tê-los ao meu lado e por tudo de bom que
de Abreu Filho, agradeço pela lealdade, representam. Amo vocês.
dedicação e inestimável colaboração na Ao estimado amigo Almirante de Es-
condução das tarefas afetas a este órgão quadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão,
de direção-geral. companheiro de longa data, entrego em
Aos oficiais e praças do meu Gabinete, suas competentes mãos a minha tripulação.
com destaque para o chefe de Gabinete, Ca- Seus atributos profissionais e pessoais, tão
pitão de Mar e Guerra Gilberto Santos Kerr, conhecidos pela Marinha, nos deixam con-
e aos atuais assistente, Capitão de Corveta victos do pleno sucesso à frente do Estado-
Magalhães, e ajudantes de ordens, Capitão -Maior da Armada. Desejo-lhe felicidades,
de Corveta (FN) Rubem e Capitão-Tenente extensivas à digníssima família.
(AA) Lopes, pelo prestimoso apoio e total Por fim, passados cerca de 50 anos,
empenho, facilitando em muito a condução despeço-me do serviço ativo orgulhoso
das minhas atividades. por ter ostentado este uniforme branco,
Aos meus tão estimados amigos orgulhoso por ter carregado no peito as
da Turma Esperança, em especial ao quatro âncoras, orgulhoso por ter servido
Sacchielle, ao Dore e ao Abílio, compa- à Marinha do Brasil.
nheiros de camarote e de tantas outras Feliz foi a minha chegada, feliz é a
jornadas, pelo apreço, incentivo e ver- minha partida. Não cabe tristeza no meu
dadeira amizade. coração. Só saudades.”

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

AGRADECIMENTOEBOAS-VINDAS mirante, em um justo reconhecimento por


DO COMANDANTE DA MARINHA seu irretocável desempenho e, em 2013,
coroando a bela carreira, foi promovido a
“Almirante Airton, ao som de um api- almirante de esquadra.
to longo, indicando o encapelamento da Nos seus quase 12 anos de oficial-general,
espia uno, inicia-se a última manobra de exerceu os relevantes cargos de chefe do
atracação de sua fascinante singradura de Gabinete do Comandante da Marinha, co-
quase 50 anos de doação e serviço à Pátria, mandante do 3º Distrito Naval, vice-chefe do
caracterizada por grandes alegrias, desafios Estado-Maior da Armada e secretário-geral
e realizações. Aquele jovem que, em 1967, da Marinha, culminando com a chefia do
deixou o conforto do convívio familiar e Estado-Maior da Armada. Em todos esses,
adentrou os portões do Colégio Naval em soube corresponder à confiança e às respon-
busca do sonho de viver esta empolgante sabilidades depositadas pela instituição.
carreira ligada às lides do mar encerra, hoje, Como almirante de esquadra, primeira-
uma jornada brilhante, em que alcançou mente na Secretaria-Geral e, em seguida,
a expressiva marca de 1.351 dias de mar no Estado-Maior, deparou-se com o enorme
e galgou todos os postos, mercê de seus desafio de, como um dos principais res-
esforços e de sua determinação e eficiência. ponsáveis pelas ações decorrentes, fazer
Como comandante da Marinha, tenho a frente aos expressivos cortes orçamentários
obrigação e, como seu amigo fraterno, me de quase 50%, que provocaram imensas
reservo, com orgulho, a honra de registrar, restrições à manutenção do aprestamento
em nome da Força, o reconhecimento a e aos programas estratégicos da Força.
este experiente marinheiro por uma vida Sua firmeza, competência e criatividade
de entrega e amor à nossa querida Marinha, permitiram que as consequências negativas
vida essa marcada por retidão de caráter e para a Armada fossem muito menores do
invejável honestidade de propósitos. que as inicialmente previstas.
Desde suas primeiras comissões como Com notável capacidade gerencial e mi-
oficial, o Almirante Airton demonstrou sua nucioso acompanhamento e controle, soube
capacidade de liderança, aliada a um grande atribuir a correta prioridade no emprego dos
espírito de companheirismo, o que o tornou recursos disponíveis, equilibrando, com
sempre muito querido a bordo dos navios maestria, o atendimento das necessidades
e das organizações de terra onde serviu. O da Marinha do presente com a continuidade
convívio alegre, harmônico e profissional dos programas estratégicos que nos pro-
nas praças d’armas dos contratorpedeiros porcionarão a Marinha do futuro. Estamos
Espírito Santo e Mato Grosso, bem como vencendo a tempestade, e o Almirante
do 2o Esquadrão de Contratorpedeiros, as Airton teve papel essencial nesta vitória.
grandes escolas operativas daquela época, Adicionalmente, durante o período em
forjou na sua alma a têmpera dos verdadei- que ocupou o honroso cargo que ora passa,
ros homens do mar. são dignos de nota outros significativos
Mercê de suas qualidades, foi selecio- avanços que, por dever de justiça, faço
nado para o comando do Rebocador de questão de citar:
Alto-Mar Triunfo e da Fragata Greenhalgh, – a coordenação da defesa da posição do
além da direção do Centro de Educação Brasil no Plenário da Organização Maríti-
Física Almirante Adalberto Nunes. Em ma Mundial referente à eficiência energé-
2005, recebeu as almejadas estrelas de al- tica no transporte marítimo internacional;

280 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– a atualização de inúmeras publicações E agora, com a flâmula de fim de comis-


doutrinárias; são atopetada e a guarnição em postos de
– a criação do Conselho de Estudos continência, só nos resta içar o sinal que
Político-Estratégicos da Marinha; tantas vezes Vossa Excelência teve a honra
– a ação no Comitê de Supervisão Es- e a felicidade de receber:
tratégica, durante as revisões da Política Bravo Zulu! Bons ventos e que Deus o
Nacional de Defesa e da Estratégia Nacio- acompanhe!
nal de Defesa 2016; e Ao Almirante de Esquadra Luiz
– na vertente que mais lhe toca, que são Guilherme Sá de Gusmão, apresento
as Operações Navais, a Marinha incremen- as boas-vindas ao Estado-Maior da Ar-
tou sua capacidade de conduzir Operações mada, com a certeza de que a assunção
Anfíbias e de Ajuda Humanitária, com a de tão honroso cargo representa um
aquisição do Navio-Doca Multipropósito devido reconhecimento da Marinha pela
Bahia. excelência dos seus mais de 46 anos de
Neste momento de despedida, em que serviço ativo, em que perfez 812 dias de
recordamos as grandes aventuras vividas mar e angariou uma vasta e diversifica-
e celebramos a solidez das amizades da experiência profissional, permeada
formadas, não posso deixar de expres- de grandes realizações, dentre as quais
sar a tristeza pelo afastamento do leal destaco os comandos da Embarcação de
amigo e querido companheiro de turma Desembarque de Carga Geral Tambaú,
e salientar minha grande admiração por da Corveta Inhaúma e do Navio-Escola
seu entusiasmo, lealdade, patriotismo e Brasil; a Direção do Centro de Eletrônica
sensatez no trato da coisa pública. Ao da Marinha; o prestigiado cargo de che-
cruzar pela última vez a prancha deste fe da Representação do Brasil na Junta
grandioso navio, tenha a certeza do Interamericana de Defesa; a Direção do
dever bem cumprido e da significativa Centro de Inteligência da Marinha; a
contribuição que prestou ao engrandeci- Direção de Obras Civis; o Comando do
mento da Marinha. 8º Distrito Naval e, já como Almirante de
Os atributos que o distinguiram, Esquadra, a complexa e importantíssima
ao longo desta longa jornada, como Direção-Geral do Material da Marinha.
respeitado líder e marinheiro na mais Formulo votos de que, no desempenho
completa acepção da palavra, repre- desta nobre missão, possa ampliar o legado
sentam agora o seu grande legado, de conquistas e assessoramento preciso dos
objeto de inspiração e motivação para brilhantes oficiais que lhe antecederam,
as futuras gerações e para todos aqueles utilizando-se de sua irrefutável competên-
que tiveram a honra de conviver e servir cia e seus inúmeros atributos.”
com Vossa Excelência.
Cumprimento também a querida Silvia PALAVRAS INICIAIS DO
e seus filhos André e César. Bem sei o ALMIRANTE GUSMÃO
quão importantes eles foram para o seu
sucesso, incentivando-o, acompanhando- “Hoje é um dia muito feliz para mim,
-o e apoiando-o em todos os momentos da pois assumo a chefia do Estado-Maior da
carreira. Desejo a eles e a você, meu amigo, Armada (EMA), órgão de direção-geral da
muitas felicidades e realizações nesta nova Marinha e de assessoramento direto ao seu
fase da vida. comandante.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Almirante de Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão durante a cerimônia

Criado há mais de um século, o EMA a não esmorecer diante dos problemas aos
se distingue, em toda sua existência, pela quais seremos apresentados.
complexidade das tarefas a ele atribuídas, Devemos conhecer a nossa história, e
assim como pelo grau de profundidade e dela tirarmos lições para compreendermos
pela exigência de alta qualidade que os o presente e projetarmos o futuro, dentro
seus estudos demandam. Portanto, é, sem de uma perspectiva realista do que o nos-
dúvida, desafiadora e instigante a missão so país necessita e a sociedade brasileira
de conduzi-lo. espera de sua Marinha. Somente desse
A busca de soluções exige estudo, refle- modo poderemos prestar ao comandante
xão, pensamento analítico e perseverança da Marinha assessoramento adequado,
– foi assim que fizeram os nossos dignos com o melhor de nossos esforços, de modo
antecessores. Se seguirmos na mesma dire- a propiciar a ele o quadro mais preciso
ção, não erraremos. Isso não significa que possível da situação, a qual, na maioria
devamos adotar atitude passiva, buscando das vezes, está encoberta por névoa, mas
apenas copiar, sem qualquer visão crítica, o como bons marinheiros saberemos sugerir
que já foi feito. Pelo contrário, imaginação, rumo e velocidade, de modo a propiciar as
criatividade e liderança positiva e motiva- melhores condições ao nosso comandante
dora devem ser incentivadas em todos os na condução da Marinha, com as suas
níveis. Dessa forma, concito a todos os reconhecidas qualidades de competência,
integrantes do Estado-Maior da Armada habilidade e equilíbrio.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Assim, orgulhoso pela indicação para Agradeço as prestigiosas presenças do


exercer tão honroso e nobre cargo, agradeço embaixador da Itália, Sr. Antonio Bernar-
a confiança do comandante da Marinha, Al- dini, e de almirantes, generais, brigadeiros,
mirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal membros do Corpo Diplomático, adidos
Ferreira, estimado amigo e companheiro de estrangeiros acreditados no Brasil, oficiais,
muitas jornadas. senhoras e senhores, colegas da Turma
Aos ilustres chefes navais e às autori- Aspirante Cesar Henriques e amigos. As
dades aqui presentes, sou-lhes grato pelo suas presenças enobrecem sobremaneira
prestígio que emprestam a esta cerimônia, esta cerimônia.
pedindo desculpas por não nominá-los Faço uma menção especial de agrade-
todos, em proveito da desejada brevidade cimento a todos os amigos soamarinos,
da cerimônia. aqui representados pelo presidente e pelo
Ao Almirante de Esquadra Alfredo vice-presidente da Soamar Brasil, respec-
Karam, ex-ministro da Marinha; e ao tivamente Sr. Orson Antônio Féres Moraes
Almirante de Esquadra Julio Soares de Rêgo e Sr. Cesar Amorim Krieger, e pelo
Moura Neto, ex-comandante da Marinha, representante da Soamar São Paulo, Sr.
agradeço por suas presenças e pelos exem- Paulo Marinheiro.
plos que nos legaram. Apresento, também, É chegado um momento difícil, qual
o meu reconhecimento aos ex-chefes do seja o de apresentar as despedidas ao fra-
Estado-Maior da Armada que aqui vieram terno amigo Almirante de Esquadra Airton
e aos ex-ministros e aos atuais do Superior Teixeira Pinho Filho, companheiro desde a
Tribunal Militar. Escola Naval, a quem agradeço pelo modo
Agradeço aos estimados membros completo com que me transmitiu o cargo
do Almirantado, caros amigos e compa- com esmero, fidalguia e cordialidade.
nheiros desse colegiado extraordinário, Ao casal amigo – Silvia e Airton –,
que tem como característica a liberdade desejamos, Maria Teresa e eu – votos de
e a franqueza com que são discutidos as- muitas felicidades e expressamos a nossa
suntos da maior relevância, tendo sempre perene amizade. Almirante Airton, temos
em vista alcançar o melhor para a nossa certeza de seu sucesso como presidente
Marinha. da Fundação de Estudos do Mar (Femar),
Ao chefe do Estado-Maior Conjun- cargo que irá ocupar em março deste ano e
to das Forças Armadas, Almirante de para o qual já começou a se preparar, o que
Esquadra Ademir Sobrinho; ao secre- demonstra, mais uma vez, a sua incansável
tário-geral do Ministério da Defesa, disposição para o trabalho. Sejam muito
General de Exército Joaquim Silva e felizes, caros amigos.
Luna; aos chefes dos Estados-Maiores À minha esposa Maria Teresa e aos
do Exército e da Aeronáutica, General nossos filhos Diego, Daniela e Débora,
de Exército Fernando Azevedo e Silva aos meus netos Letícia, Luisa e Guilher-
e Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Bote- me aos meus irmãos Antonio Carlos,
lho, respectivamente, destaco a minha Tereza Cristina e Paulo Vitor, agradeço o
disposição permanente para buscar permanente incentivo à minha profissão e
soluções harmoniosas para as questões o carinho e o apoio sempre presentes em
que nos afetam, com esforço sinérgico todas as ocasiões de nossas vidas e que
apoiado no profissionalismo que nos sempre me revitalizaram nos momentos
caracteriza. difíceis.”

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES

– Contra-Almirante Alexandre Rabello – Contra-Almirante Humberto Cal-


de Faria, superintendente de Manutenção de das da Silveira Junior, subchefe de
Meios da Diretoria de Gestão de Programas Logística do Estado-Maior da Armada,
Estratégicos da Marinha, cumulativamente em 12/1;
com o cargo de superintendente de Obtenção – Contra-Almirante Luiz Octávio Barros
de Meios da mesma Diretoria, em 7/12/2016; Coutinho, comandante do 6o Distrito Naval,
– Almirante de Esquadra Leonardo em 13/1;
Puntel, chefe de Logística e Mobilização – Contra-Almirante (IM) Sergio Hen-
do Estado-Maior Conjunto das Forças rique da Silva Almeida, diretor do Centro
Armadas, em 5/1/2017; de Controle de Inventário da Marinha, em
– Almirante de Esquadra Luiz Guilher- 18/1;
me Sá de Gusmão, chefe do Estado-Maior – Contra-Almirante (EN) Ricardo Soa-
da Armada, em 6/1; res Ferreira, diretor do Instituto de Pesqui-
– Vice-Almirante Almir Garnier Santos, sas da Marinha, em 10/2; e
comandante do 2o Distrito Naval, em 9/1; – Almirante de Esquadra (RM1) Airton
– Almirante de Esquadra Luiz Henrique Teixeira Pinho Filho, presidente da Funda-
Caroli, diretor-geral do Material da Mari- ção de Estudos do Mar, em 10/3.
nha, em 10/1; (Fonte: www.mar.mil.br)

DGMM TEM NOVO DIRETOR

Foi realizada, em 10 de janeiro último, AGRADECIMENTOS E DESPEDIDA


a solenidade de transmissão do cargo de DO ALMIRANTE GUSMÃO
diretor-geral do Material da Marinha. Na
ocasião, o Almirante de Esquadra Luiz “No momento em que me despeço da
Guilherme Sá de Gusmão transmitiu o Diretoria-Geral do Material da Marinha,
cargo para o Almirante de Esquadra Luiz sinto-me gratificado pelo trabalho realizado
Henrique Caroli. A cerimônia foi presidida junto a uma equipe dedicada e amiga. Mui-
pelo comandante da Marinha, Almirante de tos foram os desafios vencidos; os ainda a
Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, superar não perdem por esperar!
no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro A tenacidade, perseverança e compe-
(AMRJ) e contou com a presença de diver- tência dos que aqui trabalham é admirável.
sas autoridades. Somente este espírito permitiu-nos fazer
A Diretoria-Geral do Material da Ma- incontáveis ajustes aos programas ora
rinha (DGMM) é um Órgão de Direção em curso, devido aos cortes e contingen-
Setorial da Marinha, tendo como propósito ciamentos orçamentários muitas vezes
contribuir para o preparo e a aplicação inopinados. Devo salientar que a política
do Poder Naval no tocante às atividades de forte austeridade adotada pela Marinha
relacionadas ao material e à tecnologia da já mostrou seus frutos, o que permitiu ao
informação da Marinha. setor do Material concluir o ano de 2016

284 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

em condições bastante satisfatórias diante mentos de transferência e de manutenção,


dos compromissos assumidos. Entretan- cumprindo rigorosamente os trâmites
to, falta-nos melhorar as perspectivas de legais e administrativos. Sua tripulação
investimentos, de modo a prosseguirmos foi selecionada, enviada para a França,
com a recuperação do Poder Naval, com a recebeu adestramento em terra e a bordo
renovação de meios e sistemas. e operou junto com a tripulação francesa,
A seguir mencionarei algumas conquis- sem qualquer incidente. Após um período
tas significativas nas áreas de manutenção de quatro meses de manutenção, realizada
e novos projetos. pela DCNS, construtora do navio, ele foi
Primeiramente, a continuidade na ma- incorporado à Armada e veio para o Brasil,
nutenção de submarinos, com a conclusão em travessia direta – de Toulon a Salvador
do período de manutenção do Submarino – em 14 dias de navegação.
Tupi, o que foi feito conjuntamente com a Também é necessário mencionar o re-
instalação de novo sistema de combate para torno do Navio-Tanque Almirante Gastão
lançamento do Torpedo MK 48. Também já Motta à atividade, após a substituição de
estão em curso os períodos de manutenção seus três geradores de energia, além de
dos submarinos Tikuna e Tamoio, sendo outros reparos importantes, tudo feito no
que este último já foi submetido à rotina de AMRJ.
corte e separação de seções pelo Arsenal de O Centro de Projetos de Navios (CPN)
Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), feito concluiu o Projeto Básico da Corveta
notável realizado com pleno êxito, pela Tamandaré, que agora está na Diretoria
sexta vez, em submarinos desta classe. de Engenharia Naval para especificação
Com o recebimento das duas últimas de aquisição. O NPa 500-Br teve sua fase
aeronaves SH-16 (Seahawk), concluímos de exequibilidade concluída, em projeto
o lote de seis helicópteros entregues à contratado pela Empresa Gerencial de
Força Aeronaval. Elas estão entre as mais Projetos Navais (Emgepron) ao CPN. Ele
modernas disponíveis no mercado mundial, irá atender aos requisitos da MB e também
com emprego na guerra antissubmarino e incorpora sugestões de potenciais clientes
antissuperfície. No ano passado ocorreu externos, de modo a disputar o mercado
o lançamento, com sucesso, do míssil internacional.
Penguin, tendo como alvo a ex-Corveta Quanto ao Navio-Aeródromo São Paulo,
Frontin, o que demonstrou plenamente o durante todo o ano de 2015 foi realizada
seu emprego contra alvos de superfície. minuciosa inspeção estrutural, inédita na
Quanto a meios de superfície, incorpo- MB, certificada por uma Sociedade Clas-
ramos o Navio de Pesquisa Oceanográfico sificadora. Foi constituído um grupo de 18
Vital de Oliveira, construído na China, e o engenheiros, de várias áreas da engenharia,
Navio-Doca Multipropósito (NDM) Bahia, em grupo multidisciplinar, para o Estudo de
ex-Sirocco da Marinha Nacional da Fran- Exequibilidade sobre a implementação da
ça. O NDM Bahia foi uma aquisição por propulsão elétrica integrada e de um sistema
oportunidade, após utilização por 16 anos de vapor dedicado às catapultas. Tal grupo
pela Marinha francesa. O recebimento do técnico será o embrião do Programa de
navio foi realizado com alto grau de efici- Obtenção de Navios-Aeródromos (Pronae).
ência, com o envolvimento de praticamente A Corveta Júlio de Noronha deverá
todos os setores da Marinha. Em menos de concluir ainda este ano os seus períodos de
cinco meses foram prontificados os docu- modernização e de manutenção geral, com

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

modernização de sistemas de propulsão, senvolvimento Nuclear e Tecnológico da


dos auxiliares e de controle de avarias e a Marinha (DGDNTM), a qual também será
revisão completa da turbina e dos motores a responsável pelos demais programas
de combustão principais e auxiliares. científicos e tecnológicos. Como o PNM
Estamos na segunda etapa do desenvol- e o Prosub estiveram sob a subordinação
vimento do Míssil Antinavio Nacional de da DGMM até novembro do ano passado,
Superfície – Mansup – com a participação permito-me falar um pouco do que já foi
de três empresas nacionais – Avibras, Mec- realizado.
tron e Omnisys –, do Centro Tecnológico É motivo de justificado orgulho ver
da Marinha em São Paulo, com gerencia- que já temos inteiramente construídos os
mento complementar pela Fundação Ezute cascos resistentes de dois submarinos con-
e gerenciamento geral pela Diretoria de vencionais, com seis das suas oito seções
Sistemas de Armas da Marinha. A primeira fabricadas no Brasil pela Nuclep e todas
etapa do desenvolvimento do motor foguete elas já transferidas para o estaleiro cons-
já foi concluída, tendo sido realizados qua- trutor – Itaguaí Construções Navais (ICN).
tro lançamentos do míssil Exocet MM40 Prosseguem as obras de finalização do esta-
Block1 com êxito, utilizando o motor leiro de construção, que estará inteiramente
produzido pela Avibras. Para 2018 está prontificado em abril de 2018, de modo
previsto o lançamento do primeiro protó- a possibilitar que o primeiro dos quatro
tipo do Mansup. submarinos convencionais – o Riachuelo
A DGMM teve alterada sua estrutura – seja lançado ao mar em julho de 2018,
organizacional, de modo a diminuir a com entrega ao setor operativo em 2020,
amplitude de controle e propiciar a inte- e o último – o Angostura – em 2022. O
gração do apoio logístico. Para isso foram projeto do submarino de propulsão nuclear
realizados muitos estudos, workshops e tem avançado, com o envolvimento direto
simpósios, com a participação de órgãos de 190 engenheiros, técnicos e projetistas
externos à MB para colher experiências brasileiros. Para se ter uma ideia do que
de outras Marinhas, do Exército Brasilei- envolve um programa dessa natureza, o
ro, da Força Aérea Brasileira e de grandes grau de complexidade e o número de horas
empresas na manutenção de meios. Assim, trabalhadas necessários para o projeto e a
a partir de 25 de novembro passado foram construção de um submarino nuclear de
reorganizadas a composição da própria ataque, como o nosso, é equivalente ou até
DGMM e das diretorias especializadas, mesmo superior ao de projeto e construção
atribuídas novas tarefas a elas e criada a de uma estação espacial.
Diretoria Industrial da Marinha, que tem O projeto do reator nuclear em terra – o
sob sua subordinação o AMRJ, o Centro Labgene – está pronto, e muitos de seus
de Manutenção de Sistemas da Marinha subsistemas já foram entregues e as obras
(CMS) e o Centro de Mísseis e Armas civis estão em andamento, de modo a ter
Submarinas da Marinha (CMasm). seu comissionamento iniciado em 2020.
Com foco na reorganização do Progra- Parece muito ambicioso, e é, mas, sem
ma de Desenvolvimento de Submarinos dúvida, chegaremos lá!
(Prosub) e do Programa Nuclear da Mari- Este texto parece longo. O motivo é sua
nha (PNM), estes dois grandes programas proporcionalidade aos três anos, quatro
tiveram alterada sua subordinação da meses e dez dias em que fui o diretor-geral
DGMM para a Diretoria-Geral do De- desta extraordinária Diretoria.

286 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

É chegado o momento dos agradecimen- tivo à minha profissão, o carinho e o apoio,


tos e despedida. presentes em todas as ocasiões de nossas
Ao Almirante de Esquadra Eduardo vidas e que sempre me revitalizaram nos
Bacellar Leal Ferreira, comandante da momentos difíceis.
Marinha, agradeço o apoio, a compreensão A todos os integrantes da Diretoria-
e as contínuas manifestações de apreço e -Geral do Material da Marinha, transmito
amizade. uma mensagem de otimismo e confiança,
Aos membros do Almirantado, agra- porque soubemos transformar óbices em
deço as presenças nesta cerimônia e o desafios e superá-los, contribuindo para
apoio mútuo nas soluções de problemas o lema do Material da Marinha: “Nossa
intersetoriais e os motivadores e profícuos soberania em talento, aço e tecnologia”.
debates em nossas reuniões. Aos antigos Deixo na DGMM amigos e levo sauda-
chefes navais e aos meus superiores, pares e de. Muito obrigado.”
subordinados, civis e militares, muitos dos
quais aqui presentes, que de alguma forma AGRADECIMENTOEBOAS-VINDAS
influenciaram a minha carreira, tornando DO COMANDANTE DA MARINHA
possível este momento, agradeço pelos
exemplos e ensinamentos transmitidos. “Após um período de aproximadamen-
Ao Almirante de Esquadra Mauro Cesar te três anos e quatro meses de intensos e
Rodrigues Pereira, ex-ministro da Marinha; produtivos trabalhos como diretor-geral
ao Almirante de Esquadra Arnaldo Leite do Material da Marinha, o Almirante de
Pereira, ex-ministro-chefe do Estado-Maior Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão
das Forças Armadas; ao Almirante de transmite um dos mais complexos cargos
Esquadra Julio Soares de Moura Neto, ex- da Alta Administração Naval, responsável
-comandante da Marinha; aos ex-diretores- pelo gerenciamento de grande parte do
-gerais do Material da Marinha, senhores Orçamento da Marinha e de uma vasta
almirantes, oficiais, amigos, senhoras e gama de atividades técnicas relacionadas
senhores, agradeço pelas presenças que com preparo do Poder Naval.
fazem esta cerimônia ter um brilho especial. Sua excelente capacidade de articulação,
Aos amigos e companheiros de jornada competência e diversificada experiência
na Marinha, por mais de 46 anos, da Tur- profissional foi determinante para a defesa
ma Aspirante Cesar Henriques, sinto-me dos interesses da Marinha na supervisão
lisonjeado por suas presenças e amizade. dos diversos contratos de manutenção e
Ao Almirante de Esquadra Luiz Henri- aquisição de meios e equipamentos, bem
que Caroli, agradeço as fidalguias e o pro- como dos Programas Estratégicos, geran-
fissionalismo que caracterizaram o período do inegáveis benefícios para o correto e
de passagem de cargo. Caros amigos Caroli acurado emprego dos recursos destinados
e Liliane, sejam muito bem-vindos à família à Força.
do Setor do Material. Na incessante busca para o aumento da
À minha esposa Maria Teresa e aos eficiência de gestão, conduziu minucioso
nossos filhos Diego, Daniela e Débora, aos estudo que pavimentou a reestruturação
nossos netos Letícia, Luisa e Guilherme, ao do Setor do Material, com vistas a reduzir
genro Dario e à nora Fernanda, aos meus a elevada amplitude de controle de órgãos
irmãos Antonio Carlos, Tereza Cristina e e coordenadorias subordinadas, aperfeiçoar
Paulo Vitor agradeço o permanente incen- a integração do apoio logístico da MB e

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

promover uma melhor gestão do Programa minação em bem conduzir e implementar


de Desenvolvimento de Submarinos e do virtuosas mudanças no seu Setor. Agradeço
Programa Nuclear da Marinha. sua lealdade e seu comprometimento e
Suas elevadas qualidades pessoais e pro- espero contar com sua valorosa assessoria
fissionais, notadamente a liderança, a corte- no cargo de chefe do Estado-Maior da
sia, o espírito empreendedor e a ponderação, Armada.
foram determinantes para as expressivas Desejo-lhe muitas felicidades nesta nova
conquistas alcançadas, dentre as quais tenho etapa de sua vida, extensivas à sua esposa
o dever e a satisfação de registrar: Maria Teresa, seus filhos Diego, Daniela
– a inauguração do prédio principal e Débora e aos seus netos Letícia, Luiza
do Estaleiro de Construção em Itaguaí; o e Guilherme.
término das atividades de fabricação dos Bravo Zulu!
cascos resistentes do primeiro e segundo Bons ventos e mares tranquilos!
submarinos convencionais; a inauguração Ao Almirante de Esquadra Luiz Hen-
da Plataforma de Integração em Terra para rique Caroli, apresento as boas-vindas à
o Sistema de Combate dos submarinos; o Diretoria-Geral do Material da Marinha,
recebimento da Seção de Qualificação do certo de que possui todos os atributos ne-
casco resistente; e a conclusão de diversas cessários para o sucesso nesta desafiante
outras obras estruturais do Estaleiro e Base e empolgante missão, forjados com muita
Naval de Itaguaí; dedicação e competência ao longo de mais
– O desenvolvimento e a fabricação de de 43 anos de serviço, em relevantes e des-
ultracentrífugas de nova geração e o cum- tacadas comissões, dentre as quais ressalto
primento de importantes etapas nas obras os comandos do Navio-Varredor Atalaia,
do Laboratório de Geração de Energia do Navio-Patrulha Fluvial Pedro Teixeira,
Nucleoelétrica (Labgene); do Navio-Aeródromo São Paulo, do Cen-
– o recebimento de cinco aeronaves tro de Adestramento Almirante Marques
de Emprego Geral UH-15 e o desenvol- de Leão, da 2a Divisão da Esquadra, da
vimento de suas versões Combate SAR e Força-Tarefa Marítima Unifil, do 2o e do
de Ataque; 1o Distritos Navais e, como almirante de
– a continuidade da modernização das esquadra, a Chefia de Logística do Estado-
aeronaves AF-1; -Maior Conjunto das Forças Armadas.
– o início da modernização de três ae- Estou seguro que suas credenciais são
ronaves Super Lynx; e a garantia de que manteremos a evolução
– a incorporação do Navio de Pesquisa permanente desse relevante Órgão de Di-
Hidroceanográfico Vital de Oliveira, do reção Setorial.
Navio-Doca Multipropósito Bahia, do Na- Seja Feliz!”
vio Hidroceanográfico Fluvial Rio Branco
e de três embarcações de desembarque de PALAVRAS INICIAIS DO
viaturas e material. ALMIRANTE CAROLI
Prezado Almirante Gusmão, no momen-
to em que Vossa Excelência se despede da “É com grande satisfação e orgulho
Diretoria-Geral do Material da Marinha, profissional que retorno à Marinha para
externo publicamente minha admiração assumir o honroso cargo de diretor-geral do
pelo grande legado deixado, por seu jeito Material da Marinha. Esses sentimentos se
conciliador e amigo e pela coragem e deter- justificam pela relevância das tarefas atribu-

288 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

AE Caroli assume a DGMM

ídas à Diretoria-Geral e às suas Diretorias Cabe também mencionar a reestrutura-


Especializadas e Organizações Militares ção organizacional do Setor do Material,
subordinadas, seja na manutenção e as- que foi planejada e iniciada em 2016 e que
sessoria técnica aos nossos meios navais será concluída este ano. A nova estrutura
e aeronavais, na concepção e obtenção de possibilitará a concentração de tarefas cor-
novos navios, aeronaves e sistemas, bem relatas, otimizando os processos logísticos
como nas questões relacionadas à Tecno- decorrentes da obtenção dos novos sistemas
logia da Informação. navais e da gestão do ciclo de vida desses
A atuação do Setor do Material, respon- sistemas.
sável por muitas conquistas no passado, Ademais, a mudança busca, ainda, reu-
é importante não apenas para garantir a nir as atividades afetas à Função Logística
operação de nossos navios e aeronaves, a Manutenção nas duas novas diretorias,
Marinha do Presente, como também para criadas com o propósito de aperfeiçoar o
projetar e incorporar os novos meios e planejamento, o controle e a execução da
sistemas que serão legados ao Brasil e às manutenção de nossos meios.
próximas gerações de marinheiros, a Ma- Desta forma, quero manifestar a alegria
rinha do Futuro. de assumir a DGMM e registrar alguns
Para isso, a DGMM prosseguirá o agradecimentos.
trabalho de nossos antecessores, com de- – Ao Comandante da Marinha, Almi-
dicação e profissionalismo, buscando dar rante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal
continuidade aos projetos em andamento, Ferreira, pela confiança em mim depositada
bem como propondo à Alta Administração ao me designar para o importante cargo de
Naval os ajustes que se fizerem necessários. diretor-geral do Material da Marinha.

RMB1oT/2017 289
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– À minha esposa Liliane, minhas filhas, Ao Almirante de Esquadra Luiz Gui-


e à minha família, pela compreensão e pelo lherme Sá de Gusmão, pelas demonstrações
incentivo e apoio irrestrito. de consideração e pela forma profissional e
– Ao Almirante de Esquadra Mauro Ce- criteriosa com que me transmitiu o cargo,
sar, ex-ministro da Marinha; ao Almirante desejando-lhe votos de felicidades na nova
de Esquadra Moura Neto, ex-comandante fase da carreira como Chefe do Estado-
da Marinha; aos ministros do Superior -Maior da Armada, extensivos à sua esposa
Tribunal Militar; aos membros do Almiran- Maria Teresa e família.
tado; aos ex-diretores-gerais do Material; Por fim, aos integrantes da Diretoria-
e aos antigos chefes navais e aos oficiais -Geral do Material, gostaria de externar a
generais que nos prestigiam com suas minha plena confiança de que, fruto de sua
presenças, sou grato pelas orientações e competência técnica e comprometimento,
pela amizade que sempre me dispensaram. o Setor de Material será capaz de continuar
Às autoridades civis e militares, aos a superar os óbices e buscar soluções que
representantes das indústrias de defesa, aos contribuam para a construção de um Poder
colegas de turma, companheiros e amigos, Naval que atenda às necessidades estraté-
bem como a todas as senhoras e senhores, gicas do Brasil.
agradeço por suas presenças, que trazem Muito obrigado.”
prestígio a esta cerimônia. (Fonte: www.mar.mil.br)

FTM-UNIFIL TEM NOVO COMANDANTE

A Força-Tarefa Marítima da Força e do comandante da Marinha do Líbano,


Interina das Nações Unidas no Líbano Contra-Almirante Majed Alwan, bem como
(FTM-Unifil) está sob novo comando des- de diversas personalidades civis e militares
de 27 de fevereiro último. Naquela data, locais e de países integrantes da missão.
foi realizada, no cais do porto de Beirute, Sob o comando da Marinha brasileira
Líbano, a cerimônia de transmissão de desde fevereiro de 2011, a FTM-Unifil pos-
cargo de comandante do órgão. Na ocasião, sui um estado-maior multinacional e sete
o Contra-Almirante Sergio Fernando de
Amaral Chaves Junior recebeu o cargo do
Contra-Almirante Claudio Henrique Mello
de Almeida, que esteve à frente da FTM
pelo período de um ano.
A cerimônia foi presidida pelo force
commander da Unifil, General de Divisão
Michael Beary, do Exército irlandês, e
contou com a presença do embaixador do
Brasil no Líbano, Jorge Kadri; do coman-
dante de Operações Navais, Almirante de
Esquadra Sergio Roberto Fernandes dos
Santos; do chefe de Logística do Estado-
-Maior Conjunto das Forças Armadas, Contra-Almirante Sergio Fernando de Amaral Chaves Junior
Almirante de Esquadra Leonardo Puntel; assume como Comandante da FTM-Unifil

290 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

navios, de seis diferentes nacionalidades: missão de paz. Sua tarefa é a execução de


Alemanha, Brasil, Bangladesh, Grécia, operações de interdição marítima, a fim de
Indonésia e Turquia. A Força-Tarefa foi prevenir a entrada, por mar, de armas não
criada em 15 de outubro de 2006, em aten- autorizadas em território libanês e apoiar a
dimento à Resolução 1.701 do Conselho de qualificação dos militares daquela Marinha,
Segurança das Nações Unidas, por solicita- contribuindo, assim, para a estabilidade na
ção do governo libanês, tendo a peculiarida- região do Oriente Médio.
de de ser a única FTM componente de uma (Fonte: www.mar.mil.br)

1o LUGAR NACIONAL DO ENSINO FUNDAMENTAL


DA OPERAÇÃO CISNE BRANCO
A aluna Beatriz da Silva Falcão, do Para participar do Concurso de Redação
Colégio Militar de Manaus (CMM), foi a da Marinha do Brasil, a aluna contou com
vencedora nacional do Ensino Fundamen- a orientação da Primeiro-Tenente (RM2-
tal do Concurso de Redação da Operação -T) Larissa Batista, professora de Língua
Cisne Branco 2016. Portuguesa do CMM.
O Comandante do 9o Distrito Naval (Fonte: www.mar.mil.br)
(Manaus-AM), Vice-Almirante Luís An-
tônio Rodrigues Hecht, entregou à aluna
os prêmios, que foram patrocinados pela
Associação de Poupança e Empréstimo
(Poupex): notebook, smartphone, HD ex-
terno e mochila. Após receber o prêmio,
Beatriz agradeceu e destacou a participação
de seus familiares e do CMM em sua vida
escolar. “Agradeço à minha família e à
equipe do CMM que contribuíram para a
minha formação, sem eles não seria meta-
de do que sou e não teria conseguido essa
vitória”, afirmou. Beatriz da Silva Falcão recebe a premiação

PRÊMIO EFICIÊNCIA 2016


O Comando da Força de Superfície – Navio de Desembarque de Carros de
(ComForSup) entregou, em 6 de março Combate Almirante Saboia, do Comando
último, o Prêmio Eficiência 2016. do 1o Esquadrão de Apoio.
Foram os seguintes os navios pre- Criado em 4 de janeiro de 2013,
miados: o Prêmio Eficiência é destinado aos
– Fragata Constituição, do Comando do navios que mais se destacaram nos
1o Esquadrão de Escolta; níveis de aprestamento e de compro-
– Fragata Rademaker, do Comando do metimento com a prontificação para
2o Esquadrão de Escolta; e o combate.

RMB1oT/2017 291
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Os comandantes dos navios


agraciados receberam das mãos
do comandante da Força de
Superfície, Contra-Almirante
Wladmilson Borges de Aguiar,
um certificado e uma placa
atinentes ao prêmio.
Os navios premiados po-
derão ostentar o símbolo “E”
pintado na cor branca nas asas
de seus passadiços até a próxi-
Comandantes e tripulações dos navios agraciados
ma premiação.
(Fonte: www.mar.mil.br)

VENCEDORA NACIONAL DA OPERAÇÃO CISNE BRANCO


VELEJA PELA BAÍA DE TODOS OS SANTOS

A vencedora nacional do concurso de equipe da tripulação e como tudo é tão bem


redação da “Operação Cisne Branco 2015”, sincronizado”, destacou Janaína.
Janaína Oliveira da Cruz, embarcou, na Após a atracação no porto de Salvador,
manhã do dia 13 de novembro último, no Janaína e suas acompanhantes receberam os
Navio Veleiro (NVe) Cisne Branco para cumprimentos finais do comandante do 2o
uma velejada na Baía de Todos os Santos DN e do comandante do NVe Cisne Bran-
(BA). Na ocasião, Janaína, aluna do 8o ano co, Capitão de Mar e Guerra João Alberto
do Colégio Militar de Salvador, foi acom- de Araújo Lampert.
panhada por sua mãe, Lucidalva Oliveira (Fonte: www.mar.mil.br)
Cruz; por sua tia, Denise
Souza de Oliveira; e pelo
comandante do 2o Distri-
to Naval (Salvador-BA),
Vice-Almirante Cláudio
Portugal de Viveiros.
O embarque no Cisne
Branco fez parte da pre-
miação da estudante, que
pôde acompanhar a nave-
gação e as manobras de
vela do navio, conhecendo
de perto o trabalho dos
militares sobre os quais
escreveu em sua redação
premiada. “O que mais
me impressionou positi-
vamente foi o trabalho em Estudante vencedora acompanhou as manobras do Cisne Branco

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

TRANSFERÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO DO CPN

No âmbito do processo de Reestrutu- A presente transferência de subordinação


ração do Setor do Material, foi realizada, faz parte dessa reorganização, cujo propósito
em 8 de fevereiro último, a Cerimônia de é alicerçar as estruturas técnicas da DGePEM,
Transferência de Subordinação do Centro tornando-a peça fundamental para o exercício
de Projetos de Navios (CPN) da Diretoria- de suas novas tarefas, dentre as quais estão as
-Geral do Material da Marinha (DGMM) atribuídas ao CPN, que são de ‘gerenciar as
para a Diretoria de Gestão de Programas atividades especializadas de projeto básico,
Estratégicos da Marinha (DGePEM), em de projeto de integração de sistemas e de aná-
consonância com o estabelecido pela Porta- lises e avaliações de engenharia, pertinentes
ria no 14/2017, do Comandante da Marinha. aos processos de construção, modernização,
Transcrevemos a Ordem do Dia do conversão, alteração e apoio de navios de
diretor-geral do Material da Marinha, Al- superfície e submarinos’.
mirante de Esquadra Luiz Henrique Caroli, Sendo assim, como diretor-geral, tenho
alusiva ao evento: plena convicção de que esta alteração
“Após cerca de 20 anos de excelentes administrativa representa uma relevante
serviços prestados à Marinha do Brasil e mudança conceitual, que contribuirá para
à Diretoria-Geral do Material da Marinha, que sejam alcançados os resultados espera-
transfere-se hoje para a subordinação da dos pela Marinha. Essa certeza se justifica
Diretoria de Gestão de Programas Estraté- pelo profissionalismo, pela criatividade,
gicos da Marinha (DGePEM) o Centro de pela dedicação e pelo comprometimento
Projetos de Navios (CPN), como resultado que todos os militares e servidores civis
do estudo de reestruturação do Setor do do CPN têm demonstrado no desempenho
Material, aprovado pela Alta Administra- de suas atribuições para superar os óbices e
ção Naval. desafios inerentes às suas atividades.
Em seu fulcro, tal reestruturação visa Por fim, apresento os cumprimentos à
organizar as atividades técnicas e admi- DGePEM e ao CPN, formulando votos de
nistrativas do Setor do Material, de modo a continuado êxito nas singraduras que ora
não somente se obter maior efetividade nos iniciam, na certeza de que, com os reco-
programas e projetos executados pela Ma- nhecidos atributos profissionais já demons-
rinha, como também possibilitar introduzir, trados pelas suas tripulações, continuarão a
de modo pleno, o conceito da manutenção cumprir com eficácia suas tarefas dentro da
no ciclo de vida de sistemas, promovendo a nova estrutura do Setor do Material.
integração do Apoio Logístico, desde a fase Bons ventos e mares tranquilos!”
de concepção até o descomissionamento (Fonte: Bono Especial n o 115, de
dos meios navais. 8/2//2017)

MINISTRO DA DEFESA VISITA O LÍBANO


O ministro da Defesa, Raul Jungmann, fil), em missão de paz naquele país. A visita
visitou Beirute, Líbano, entre 2 e 4 de no- também serviu para fortalecer a cooperação
vembro último, para homenagear os cinco no setor de defesa entre as duas nações.
anos da participação do Brasil na Força- Em encontro com o ministro da Defesa
-Tarefa Marítima das Nações Unidas (Uni- do Líbano, Samir Moqbel, Jungmann deu

RMB1oT/2017 293
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

início às negociações do futuro acordo de


defesa entre os dois países e o convidou
a visitar o Brasil em 2017. Por sua vez,
Moqbel destacou a importância da coope-
ração no âmbito das escolas militares e as
recentes aquisições de aviões Super Tucano
e carros de combate Guarani.
O ministro Jungmann também se reuniu
com o comandante das Forças Armadas
libanesas, General Jean Kahwaji, quando
recebeu os agradecimentos pela participação
da Marinha do Brasil (MB) na missão de paz Fragata Liberal
da Organização das Nações Unidas (ONU). atuaram como seu capitânia, alguns por até
Kahwaji destacou o treinamento e a assistên- três missões intercaladas, como é o caso da
cia mútua entre as forças navais do Brasil e do Fragata Liberal.
Líbano e sugeriu que a cooperação também “O Brasil tem mantido a liderança da
fosse feita com o Exército e a Aeronáutica. Força-Tarefa Marítima da Unifil não ape-
No dia 2, o ministro da Defesa brasileiro nas por causa da eficiência com que nosso
participou da cerimônia em comemoração aos pessoal vem desempenhando suas ativida-
cinco anos da participação da MB na Unifil. des, mas também por não haver qualquer
“Há cinco anos o Brasil assumiu o comando da restrição ao exercício dessa liderança por
primeira Força-Tarefa Marítima a integrar uma parte da ONU ou de quaisquer dos partidos
operação de paz na história das Nações Unidas. envolvidos no processo de paz”, assinalou.
É uma enorme satisfação estar aqui, a bordo Ainda no discurso, Jungmann disse que,
da Fragata Liberal, para celebrar esse lustro”, “em tempos de instabilidade geopolítica e
disse em discurso. E acrescentou: “Criada há incerteza do ponto de vista da segurança
dez anos com a missão de patrulhar a costa internacional, torna-se especialmente im-
libanesa, evitar a entrada ilegal de armas portante o esforço de colocar-se no lugar do
no país e contribuir para o adestramento da outro e de cultivar princípios como a solu-
Marinha do Líbano, a Força-Tarefa Marítima ção pacífica de conflitos, que fundamentam
soma esforços com os demais componentes as Nações Unidas desde sua criação e que
militares e civis da Força Interina das Nações também norteiam a atuação externa do Bra-
Unidas no Líbano, em prol da manutenção da sil”. O ministro lembrou também o episódio
estabilidade na região”. ocorrido em setembro de 2015, em que a
Nestes cinco anos, seis almirantes bra- Corveta Barroso resgatou 220 refugiados
sileiros exerceram o cargo de comandante no Mar Mediterrâneo*.
da Força e vários navios brasileiros já (Fonte: www.defesa.gov.br)

RBAM TRIUNFO APOIA A ESTAÇÃO CIENTÍFICA DO


ARQUIPÉLAGO DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO
O Rebocador de Alto-Mar (RbAM) transportou, no período de 16 a 24 de novem-
Triunfo, navio subordinado ao Comando do bro último, pessoal e material necessários
Grupamento de Patrulha Naval do Nordeste, para a realização de diversas tarefas de ma-
* N.R.: Ver matéria de capa da RMB, v. 135, no 07/09-jul./set. 2015.

294 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

nutenção das atividades da Estação Científica


do Arquipélago de São Pedro e São Paulo,
localizada a aproximadamente 500 milhas
náuticas do continente. A missão foi em apoio
à Secretaria da Comissão Interministerial para
os Recursos do Mar (Secirm).
Além do apoio logístico imprescindível
para a localidade estratégica do arqui-
pélago, pesquisadores a bordo do navio
realizaram a manutenção periódica de equi-
pamentos essenciais à Estação Científica RbAM Triunfo
e coletaram dados referentes à atividade
sísmica na região, trazendo a presença da diversas tarefas do rebocador, contribuindo
comunidade científica ao extremo leste das para a salvaguarda dos interesses nacionais
terras brasileiras. Esta comissão reafirma a na Amazônia Azul.
importância e capacidade de realização de (Fonte: www.mar.mil.br)

FRAGATA UNIÃO RESGATA PESQUEIRO


A Fragata União, que navegava rumo instalado dispositivo para reboque. Ao
a Natal (RN), primeiro porto de escala a amanhecer do dia 31, já próximo ao porto
caminho do Líbano, foi acionada, na noite de Tubarão, a Capitania dos Portos do Es-
do dia 30 de janeiro último, pelo Salvamar pírito Santo enviou uma embarcação para
Sueste para prestar apoio ao Barco de Pesca assumir o dispositivo e levá-la para Vitória
Emanuel, que estaria à deriva 45 milhas a (ES), encerrando o evento com a tripulação
leste do Porto de Tubarão (ES). Imediata- e a embarcação em segurança.
mente, invertendo seu rumo (Fonte: www.mar.mil.br)
e aumentando a velocidade,
procedeu para a última posi-
ção conhecida da embarca-
ção. Ao localizá-la, foi feita
a abordagem pela lancha
orgânica do navio às 0h30.
Constatando a impossi-
bilidade de reparo do motor
da embarcação pelo pessoal
do navio, foi preparado e Fragata União encerrando o reboque do Emanuel

MARINHA COORDENA EVAM DE


TRIPULANTE DE NAVIO GREGO
O Comando do 1o Distrito Naval (Rio de resgate de um tripulante do navio Desert
Janeiro-RJ), por meio do Salvamar Sueste, Melody, de nacionalidade grega, com
coordenou, em 26 de janeiro último, o suspeita de derrame. Para realizar a Eva-

RMB1oT/2017 295
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Após o acionamento da tripulação de ser-


viço, acrescida de integrantes do G-SAR e
equipe médica, o helicóptero decolou para
o ponto de encontro do navio, voando um
total de 280 milhas náuticas e realizando
um resgate de aproximadamente 20 mi-
nutos sobre a embarcação. Em virtude da
impossibilidade de realizar o pouso a bordo,
houve a necessidade de realizar a manobra
de resgate com a utilização do guincho da
aeronave, pelo método HI Line, descendo
Marinha resgata tripulante grego a 100 milhas de os militares do G-SAR e com posterior
Cabo Frio
resgate do tripulante por maca. Após o
cuação Aeromédica (Evam) a 100 milhas embarque do enfermo, a aeronave seguiu
náuticas (185 quilômetros) de Cabo Frio para o Aeroporto de Jacarepaguá, na capital
(RJ), foi empregado o helicóptero Pégasus fluminense, onde já havia uma ambulância
para realizar o transporte do mesmo para
N-7106, do 2o Esquadrão de Helicópteros
um hospital na Barra da Tijuca.
de Emprego Geral (HU-2).
A execução dessa operação, envolvendo
Participaram da operação de salvamen-
diversas áreas da Marinha, ao permitir a
to o Comando da Força Aeronaval, que
remoção com segurança do enfermo que
adjudicou a aeronave ao Comando do 1o
estava em perigo no mar, reforçou a ca-
Distrito Naval, e a Capitania dos Portos
pacidade do País de colaborar com ações
do Rio de Janeiro, além do Comando
de Busca e Salvamento (SAR). O repre-
do Controle Naval do Tráfego Marítimo
sentante da agência marítima que presta
(Comcontram), que monitorou constan-
serviços ao navio Desert Melody, Valter
temente a posição do navio grego no mar.
Porto, enviou mensagem ao Comando do
1o Distrito Naval em agradecimento à ação:
“Em meio aos últimos acontecimentos de
nosso país, é um orgulho saber que temos
na Marinha do Brasil todo suporte que
precisamos para as situações de extrema
urgência e necessidade como essa em ques-
tão. Um trabalho efetuado diuturnamente
e de que nós brasileiros quase não temos
conhecimento. Nosso muito obrigado a
todos, e nos colocamos a vossa disposição
sempre que necessário”, disse Valter Porto.
Helicóptero sobrevoando o navio (Fonte: www.mar.mil.br)

SALVAMAR LESTE COORDENA RESGATE DE VELEIRO


O Serviço de Busca e Salvamento -BA), coordenou as buscas que resultaram
Marítimo (Salvamar) Leste, operado pelo na localização do veleiro Don Diego III,
Comando do 2o Distrito Naval (Salvador- em dezembro último. A embarcação tinha

296 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Don Diego III a 33 km da costa, na


altura da foz do Rio dos Frades, ao
sul de Porto Seguro (BA), reportan-
do que a embarcação, com pane de
máquinas e velas danificadas, esta-
va sendo rebocada por uma lancha
de pesca oceânica que navegava nas
proximidades.
Assim que informado, o Sal-
vamar Leste determinou que o
Guaratuba se dirigisse àquela
posição para que, juntamente com
a Delegacia da Capitania dos Portos
Delegado da Capitania dos Portos com os tripulantes  do veleiro em Porto Seguro (DelPSeguro),
sinistrado e da lancha Shotgun, que auxiliou no socorro apoiasse o socorro do veleiro até
que a embarcação chegasse em
segurança àquela cidade.
deixado Salvador com destino ao Rio de (Fonte: www.mar.mil.br)
Janeiro (RJ) e escala em Vitória (ES), onde
deveria ter chegado após cinco dias
de navegação, o que não ocorreu.
Dada a ausência de qualquer co-
municação com o veleiro, o Salva-
mar Leste enviou o Navio-Patrulha
Guaratuba para efetuar buscas na
área marítima compreendida entre
Salvador e Vitória, em conjunto
com uma aeronave de patrulha
marítima P-3AM da Força Aérea
Brasileira (FAB), que decolou da
Base Aérea de Salvador.
Pela manhã, a aeronave da FAB Veleiro Don Diego III chega a Porto Seguro rebocado por lancha
estabeleceu contato com o veleiro de pesca e acompanhado por embarcação da DelPSeguro

BELÉM É SEDE DE ENCONTRO INTERNACIONAL DE


CARTOGRAFIA NÁUTICA
Foi realizada em Belém (PA), de 14 a Internacional, para o triênio 2017/2019. Tal
17 de dezembro último, a 17a Reunião da fato contribui como fator de força para a can-
Comissão Hidrográfica da Mesoamérica didatura do Almirante de Esquadra (RM1)
e Mar do Caribe (MACHC), da Organi- Luiz Fernando Palmer Fonseca ao cargo de
zação Hidrográfica Internacional (OHI). secretário-geral ou de diretor da OHI, em
Na oportunidade, Brasil e Holanda foram eleição a ser realizada em abril de 2017.
eleitos como os representantes da MACHC Simultaneamente a esse evento, foi
no Conselho da Organização Hidrográfica realizado, no Salão Nobre da Associação

RMB1oT/2017 297
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Participantes da 17a Reunião da Comissão Hidrográfica

Comercial do Pará, um seminário sobre drografia e Navegação, Vice-Almirante


a importância do Arco Norte* para o de- Marcos Sampaio Olsen; dos secretários
senvolvimento sustentável da Amazônia estaduais de Desenvolvimento Econômico,
e suas consequências para a segurança Mineração e Energia, Adnan Demachki, e
da navegação. Este evento contou com a de Transporte, Kleber Ferreira de Menezes,
presença do diretor-geral de Navegação, respectivamente, e de membros da comu-
Almirante de Esquadra Paulo Cezar de nidade marítima local.
Quadros Küster; do comandante Militar do Por ocasião da abertura, o Almirante
Norte, General de Exército Carlos Alberto Küster ressaltou a importância da escolha
Neiva Barcellos; do assessor da Diretoria da capital paraense para sede do evento.
de Hidrografia e Navegação para Assuntos “Belém está situada estrategicamente no
do Bureau Hidrográfico Internacional, portal de acesso à imensa e rica região
Almirante de Esquadra (RM1) Luiz Fer- amazônica, inserida nos ambientes marí-
nando Palmer Fonseca; do comandante do timo e fluvial, além de estar mais próxima
4o Distrito Naval, Vice-Almirante Alipio aos grandes centros comerciais mundiais,
Jorge Rodrigues da Silva; do diretor de por meio do Canal do Panamá”.
Portos e Costas, Vice-Almirante Wilson Esta Comissão foi originalmente es-
Pereira de Lima Filho; do diretor de Hi- tabelecida em 1994, e o Brasil se tornou

* A RMB publicou na edição do 2o trimestre de 2010 matéria relevante sobre o Arco Norte – Corredores de Ex-
portação, do economista Luiz Antonio Fayet.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

membro pleno em 2005. A Comissão sentantes de Antígua e Barbuda, Barbados,


possui como principais propósitos promo- Belize, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba,
ver a cooperação técnica, a capacitação e República Dominicana, El Salvador, Fran-
treinamento de pessoal e a condução de ça, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras,
investigações científicas no domínio de Holanda, Jamaica, México, Nicarágua, Pa-
levantamentos hidrográficos, cartografia e namá, Santa Lúcia, São Cristovão e Neves,
informações náuticas; estimular todos os São Vicente, Suriname, Trinidad e Tobago,
seus membros a expandir suas atividades Reino Unido, Estados Unidos da América
hidrográficas nas áreas de seu interesse e e Venezuela; e de membros da indústria.
assessorá-los a buscar assistência técnica Durante a plenária da MACHC, diver-
e assessoria da OHI, a fim de ampliar suas sos assuntos foram discutidos, cabendo
capacidades hidrográficas; estimular a destacar: a cobertura cartográfica da
participação dos seus membros nos comi- região – cartas em papel e eletrônicas;
tês e grupos de trabalho da OHI; e realizar visualizadores de arquivos batimétricos
estudos por meio de seus comitês e grupos para planejamento; criação de capacitação
de trabalho. em hidrografia; infraestrutura de dados
A MACHC faz parte do calendário ofi- espaciais; e a disseminação de informações
cial da OHI e contou com a participação do de segurança marítima.
Secretário-Geral da Organização; de repre- (Fonte: www.mar.mil.br)

EsqdHU-1 COMBATE INCÊNDIO NA BAeNSPA


A aeronave N-7088, do 1o Esquadrão último, para conter incêndio que seguia em
de Helicópteros de Emprego Geral (Es- direção ao sítio radar, na Base Aérea Naval
qdHU-1), foi acionada, em 10 de fevereiro de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA), no
estado do Rio de Janeiro.
Em menos de 45 minutos, a aeronave
foi reconfigurada com o equipamento
de combate a incêndio bambi bucket e
lançada, iniciando o pronto combate ao
sinistro. O bambi bucket é um disposi-
tivo de coleta, transporte e descarga de
água aerotransportada, que é acoplado
ao gancho de carga externa da aeronave,
com capacidade de aproximadamente
300 litros. Após quatro lançamentos,
o fogo foi debelado e a aeronave foi
recolhida.
Aeronave com equipamento de combate a incêndio (Fonte: www.mar.mil.br)

MB RESGATA PACIENTES EM MS
Um helicóptero do 4o Esquadrão de He- do 6o Distrito Naval (Ladário-MS), deu
licópteros de Emprego Geral (HU-4), Orga- apoio, em 1o de março último, ao transporte
nização Militar subordinada ao Comando de uma criança de três anos com ferimento

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

por faca na coxa esquerda. O resgate foi paciente, também em Mato Grosso do Sul.
realizado na Fazenda Tarumã, localizada José Batista Lima, 65 anos, apresentou
na Região do Paiaguás, a cerca de 130 sintomas de princípio de infarto na Fazenda
quilômetros do município de Ladário. Palmeira, localizada na região do Paiaguás,
No dia 15 de fevereiro, o HU-4 já ha- a cerca de 130 quilômetros do Complexo
via prestado apoio ao transporte de outro Naval de Ladário.
Nos dois casos, a necessidade de atendi-
mento foi informada inicialmente ao Corpo
de Bombeiros, que solicitou o apoio de ae-
ronave da Marinha do Brasil (MB), já que se
tratavam de locais distantes e que demandaria
muito tempo para chegar por via terrestre. Os
voos contaram com o acompanhamento de
um médico do Hospital Naval de Ladário para
prestar os primeiros socorros aos pacientes.
Em ambas as ocorrências, após a chegada ao
heliporto do HU-4, os atendidos seguiram em
ambulância para o Pronto-Socorro Municipal
de Corumbá (MS).
José Batista recebe atendimento na chegada ao heliponto do (Fonte: www.mar.mil.br)
Complexo Naval de Ladário

MARINHA PARTICIPARÁ DO PROJETO ESPACIAL


A Marinha do Brasil, a Telecomunica- Space, será lançado na Guiana Francesa no
ções Brasileiras S.A. (Telebras) e a Força próximo dia 21 de março. Ele permitirá a
Aérea Brasileira (FAB) assinaram, em 17 transmissão de internet banda larga para
de fevereiro último, acordo que permitirá todo o Brasil continental, bem como para
a operacionalização do primeiro Satélite as águas jurisdicionais brasileiras e com
Geoestacionário de Defesa e Comunicações transferência de tecnologia.
Estratégicas (SGDC). Em ceri-
mônia realizada no Salão Histó-
rico do Comando do 1o Distrito
Naval (Rio de Janeiro-RJ), foi
celebrada a assinatura do termo
de cessão de uso do imóvel para
implantação de um Centro de
Operações Espaciais Secundário
(Cope-S), que será construído
pela Telebras em uma área de
aproximadamente 25 mil metros
quadrados da Estação Rádio do
Rio de Janeiro (ERMRJ), na Ilha
do Governador (RJ). Da esquerda para a direita: Major-Brigadeiro Fernando Cesar Pereira,
O SGDC, construído pela Vice-Almirante Cláudio Portugal de Viveiros e o presidente da Telebras,
empresa francesa Thales Alenia Antônio Kingler Loss Leite

300 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Em seu discurso na cerimônia, o Major- visto que parte de sua capacidade de uso será
-Brigadeiro Fernando Cesar Pereira, presi- destinada à banda X, uma faixa de frequência
dente da Comissão de Coordenação e Implan- de uso exclusivo militar.
tação de Sistemas Espaciais (CCISE), órgão O comandante do 1o Distrito Naval, Vice-
da FAB, mencionou a importância de contar -Almirante Cláudio Portugal de Viveiros, re-
com o apoio do Ministério da Defesa no conheceu a importância do evento: “O setor
projeto. “O SGDC brasileiro vai permitir que espacial, destacado na Estratégia Nacional de
a internet chegue aos lugares mais remotos, Defesa, alcança um novo patamar com esse
podendo gerar desenvolvimento, melhores projeto, com impactos positivos para a defesa
condições de saúde, educação e possibilidade do País”, afirmou. Ele também incluiu em seu
de crescimento”, disse. Ele ressaltou ainda a discurso a importância de estabelecer parcerias
dualidade na utilização do SGDC, que poderá em grandes projetos e o orgulho da Marinha
servir tanto para a inclusão digital da socieda- em estar contribuindo para essa conquista.
de quanto em benefício das Forças Armadas, (Fonte: www.mar.mil.br)

APLICATIVO PAPEM

A Pagadoria de Pessoal da Marinha


(Papem) ativou o aplicativo para smartpho-
nes e tablets que utilizam as plataformas
Android ou IOS. O propósito é propiciar
maior agilidade e flexibilidade às informa-
ções relevantes do pagamento de pessoal,
bem como alinhar a família naval com as
tendências tecnológicas atuais.
Por meio do aplicativo, o usuário poderá
ter acesso aos seguintes itens:
– site da Papem;
– bilhete de pagamento online e com-
provante de rendimentos para Imposto de
Renda;
– informações de pagamento;
– margem consignável;
– Sistema de Proteção Social dos Mili-
tares (SPSM);
– Carta de Serviços ao Cidadão;
– Relatório Econômico da Diretoria de
Finanças da Marinha;
– telefones úteis; e
– informativos Pagmar e Nomar.
Para a instalação, basta realizar o do-
wnload gratuito, buscando por Papem na
Apple Store ou no Google Play.
(Fonte: Bono no 136, de 14/2/2017) Aplicativo da Papem

RMB1oT/2017 301
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

NOVO PORTAL DA AMAZUL ESTÁ NO AR


Está no ar o novo portal da Amazônia de Desenvolvimento de Submarinos, dos
Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul), quais a Amazul participa.
em www.amazul.gov.br. A reformulação do O novo portal também destaca a gover-
site buscou adequar o portal da empresa às nança, planejamento estratégico, projetos e
exigências da Lei de Acesso à Informação áreas de atuação da empresa e traz informa-
(Lei no 12.527/2011). Com visual atualizado ções sobre licitações e contratos, balanços
e novas funcionalidades, o site facilita o financeiros, relatórios de administração,
acesso a informações e documentos, con- quadro de empregados e editais de concur-
ferindo mais transparência e visibilidade às sos e processos seletivos.
atividades da empresa, além de melhorar a Segundo o diretor-presidente da Ama-
comunicação com a sociedade. zul, Vice-Almirante (RM1) Ney Zanella
Por meio do novo portal, o internauta dos Santos, um dos princípios que orienta-
pode acessar o Sistema Eletrônico do ram a reformulação do site foi privilegiar
Serviço de Informação ao Cidadão (e- a transparência ativa, ou seja, publicar o
-Sic), o Sistema de Ouvidorias do Poder maior número possível de informações de
Executivo Federal (e-Ouv) e as páginas de forma voluntária, independentemente de
Transparência Pública do Governo Federal, solicitações por parte do cidadão. “Estamos
além dos sites de instituições parceiras comprometidos com os princípios da Lei
no âmbito do setor nuclear e da Marinha de Acesso à Informação, segundo a qual o
do Brasil. O site traz seções fixas sobre o sigilo das informações deve ser a exceção
Programa Nuclear da Marinha do Brasil, o e não a regra”, disse o Almirante Zanella.
Programa Nuclear Brasileiro e o Programa (Fonte: www.mar.mil.br)

Visual atualizado e novas funcionalidades no portal da Amazul

302 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SIPM LANÇA APLICATIVO PARA CELULARES

O Serviço de Inativos e Pensionistas fornecer ao seu público-alvo informações


da Marinha (SIPM) lançou um aplicativo rápidas sobre locais de atendimento mais
para smartphones que utilizam as platafor- próximos, horários de funcionamento e
mas Android ou IOS, com o propósito de documentos necessários para solicitar
serviços.
O novo aplicativo permite que o usuá-
rio realize consulta completa aos serviços
prestados pelo SIPM antes de comparecer
fisicamente à Organização Militar (OM), o
que evita o transtorno de um retorno para
apresentação de documentos complemen-
tares.
O aplicativo traz também, entre suas
funcionalidades: consulta a notícias de
interesse da família naval e ao Bilhete de
Pagamento do Sistema de Pagamento de
Pessoal da Marinha (Sispag) e a programa-
ção para a emissão, no mês de aniversário,
de lembrete/notificação para a realização
de recadastramento anual, de forma a evitar
indesejado bloqueio do pagamento.
Para realizar o download gratuito do
aplicativo, basta pesquisar por SIPM na
Ferramenta disponibiliza todas as informações Apple Store ou no Google Play do celular.
sobre os serviços do SIPM (Fonte: www.mar.mil.br)

EGN PROMOVE REUNIÃO DE COLABORADORES DO CEPE

Foi realizada, no auditório do Centro de


Jogos da Escola de Guerra Naval (EGN),
a reunião anual dos colaboradores do
Conselho de Estudos Político-Estratégicos
da Marinha (Cepe). Participaram, dentre
autoridades navais e representantes civis
do setor acadêmico, os Almirantes de
Esquadra Mauro César Rodrigues Pereira
(ex-ministro da Marinha) e Julio Soares de
Moura Neto (ex-comandante da Marinha).
Na ocasião, o Almirante de Esquadra
(Refo-FN) Álvaro Augusto Dias Monteiro,
presidente do Cepe, apresentou a concep-
ção do futuro Conselho de Estudos Político- Reunião ocorreu no auditório do Centro de Jogos da EGN

RMB1oT/2017 303
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

-Estratégicos da Marinha (Cepe-MB), um exemplo de outros já existentes, como o de


think tank em Estudos Marítimos, cuja Ensino Naval; e o de Ciência, Tecnologia
principal tarefa será a de realizar pesquisas e Inovação da Marinha, congregando o
e estudos de interesse da administração conhecimento organizacional disponível na
naval. MB, robustecido por meio da ampliação da
O Cepe-MB será uma organização sem interlocução com a comunidade acadêmica
personalidade jurídica, de natureza epis- e do desenvolvimento de parcerias nacio-
têmica e estruturada como um sistema, a nais e internacionais.

RESULTADOS ESPORTIVOS
71o CAMPEONATO BRASILEIRO DE sentada pelos seguintes atletas de base do
BOXE MASCULINO ELITE Projeto Marinha/Odebrecht: Renan Sena
Realizado em Salvador (BA), entre 3 e 9 – campeão no arranco com 120 kg, cam-
de dezembro de 2016. A Marinha do Brasil peão no arremesso com 140 kg e campeão
(MB) foi representada por seis atletas, com os no total olímpico com 260 kg; Vitória
seguintes resultados: 3oSG Sergio Santos Dan- Rodrigues – vice-campeã no arranco com
tas, Categoria 81 kg – 1o lugar; 3oSG Cosme 65 kg, campeã no arremesso com 90 kg e
Henrique dos Santos Nascimento, Categoria vice-campeã no total olímpico com 155 kg;
+91 kg – 1o lugar; 3oSG Leanderson Conceição e Laura Nascimento – campeã no arranco
dos Santos, Categoria 52 kg – 2o lugar; 3oSG com 77 kg.
Arilson Gonçalves, Categoria 56 kg – 2o lugar;
3oSG Arisson dos Santos Tavares, Categoria 16a TAÇA BRASIL DE SALTOS OR-
69 kg – 2o lugar; e 3oSG Brendo Alison Coelho NAMENTAIS
da Costa, Categoria 75 kg – 3o lugar. Realizada entre os dias 8 e 11 de de-
zembro no Centro de Educação Física
13o CAMPEONATO MUNDIAL DE Almirante Adalberto Nunes, na cidade
NATAÇÃO PISCINA CURTA do Rio de Janeiro. O 3oSG Hugo Pellicer
Realizado entre 8 e 11 de dezembro, Parisi e o 3oSG Jackson André Rondinelli
em Windsor, Canadá. A 3oSG Etiene Pires de Oliveira conquistaram a medalha de
Medeiros conquistou a medalha de ouro nos ouro no Salto da Plataforma Sincronizado.
50 metros costas, sendo bicampeã da prova, O 3oSG Jackson André conquistou, ainda,
e a medalha de prata no Revezamento 4x50 o 2o lugar no Trampolim de 1 metro, o 2o
metros Medley Misto. lugar por Equipe e o 2o lugar na Plataforma
MARATONA AQUÁTICA REI E Individual. A 3oSG Luana Wanderley Mo-
RAINHA DO MAR reira Lira conquistou medalha de ouro no
O 3 o SG Allan Lopes Mamedio do Trampolim de 1 metro, prata no Trampolim
Carmo conquistou a medalha de prata na Sincronizado e na Plataforma Sincronizado
competição, ocorrida em 11 de dezembro, e bronze no Trampolim de 3 metros.
em Copacabana, cidade do Rio de Janeiro.
CAMPEONATO BRASILEIRO DE
CAMPEONATO SUL-AMERICANO VELA 2016
SUB-17 DE LEVANTAMENTO DE Os atletas do Programa Olímpico da
PESOS Marinha do Brasil classificaram-se em
Realizado em Sucre, Bolívia, entre os 2o lugar geral no Campeonato nos barcos
dias 5 e 11 de dezembro. A MB foi repre- classe J-24. As atletas 3oSG Juliana Senfft

304 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

(timoneira), Renata Decnop, Gabriela Sá cipação de oito militares da MB, conquistou


e Larissa Juk, com a orientação da 1oTen vaga para a Copa do Mundo Fifa Bahamas
Martha Rocha (técnica da equipe), além da 2017, a ser realizada de 27 de abril a 7 de
civil Gabriela Kidd, compuseram a tripula- maio deste ano. O Brasil sagrou-se hepta-
ção vitoriosa. O campeonato, realizado no campeão das Eliminatórias da Conmebol
Iate Clube do Rio de Janeiro, de 24 a 27 de em 12 de fevereiro, em Assunção, Paraguai,
novembro, contou com a participação de 13 vencendo a Seleção Paraguaia por 7 a 5,
barcos, alguns deles com a presença de uma mantendo, assim, uma invencibilidade de
elite de velejadores consagrados, campeões 29 partidas.
mundiais e pan-americanos.
PRÊMIO BRASIL OLÍMPICO
COPA AMÉRICA DE FUTEBOL DE Foi realizada em 29 de março último,
AREIA na Cidade das Artes, Barra da Tijuca,
A Seleção Brasileira de Futebol de cidade do Rio de Janeiro, a cerimônia de
Areia sagrou-se campeã da Copa América premiação dos melhores atletas de 2016
de Futebol de Areia, na Praia do Gonzaga, em 43 modalidades esportivas, escolhidos
em Santos (SP). Na final, o Brasil goleou o pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Paraguai por 12 a 2, com sete gols feitos por Onze atletas da MB foram contemplados:
militares da MB, sendo dois gols do 3oSG Boxe – 3oSG Robson Conceição; Judô –
Bruno Xavier, dois do 3oSG Maurício Braz, 3oSG Rafaela Silva; Lutas – 3oSG Aline
dois do 3oSG Rafael Antônio e um do 3oSG Silva; Natação – 3oSG Etiene Medeiros;
Diogo Catarino. O 3oSG Bruno Xavier foi Nado Sincronizado – 3oSG Luisa Borges
eleito o “Melhor Jogador” da competição. e 3oSG Maria Eduarda Miccuci; Saltos
Ornamentais – 3oSG Hugo Parisi; Vela –
ELIMINATÓRIAS DA CONMEBOL 3oSG Martine Grael e 3oSG Kahena Kunze;
A Seleção Brasileira de Beach Soccer e Vôlei de Praia – 3oSG Alison Cerutti e
(Futebol de Areia), que conta com a parti- 3oSG Bruno Schmidt.

AERONAVES SH-16 REALIZAM VOO ASW NOTURNO TÁTICO


O 1o Esquadrão de Helicópteros
de Emprego Geral realizou, em
15 de fevereiro último, operação
Anti-Submarine Warfare (ASW) no
período noturno, com duas aerona-
ves SH-16 Seahawk, dentro de um
cenário tático com várias unidades
de superfície e aéreas, em oposição
a uma ameaça submarina.
Esse tipo de operação não era
realizada desde 2007, quando o
evento ocorreu ainda com o empre-
go das aeronaves SH-3.
Militares que participaram da operação (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB1oT/2017 305
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

AMRJ CORTA O CASCO DO SUBMARINO TAMOIO


O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro a instalação do AN-BYG, que capacitará o
(AMRJ) realizou, em dezembro último, Tamoio a efetuar lançamento de torpedos
o corte do casco do Submarino Tamoio MK-48.
(S-31), com a presença do diretor-geral O AMRJ é um dos poucos estaleiros da
de Material da Marinha, Almirante de América Latina com capacidade técnica
Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão. para a realização deste tipo de corte, fun-
O corte, efetuado entre as seções 10 e 20, damental para possibilitar a retirada dos
marca a fase inicial do segundo Período de equipamentos de grande porte. Esta é a
Manutenção Geral (PMG) do submarino, sétima vez que o Arsenal corta o casco de
que se prepara para retornar ao mar no um submarino – este procedimento já foi
segundo semestre de 2019. realizado em meios da Marinha do Brasil
Neste segundo PMG, serão realizados e no Submarino Santa Cruz, da Armada da
diversos serviços importantes, dentre os República da Argentina. Após o período de
quais se destacam a revisão geral dos manutenção, o Tamoio estará pronto para
motores de combustão principais e dos iniciar outro ciclo operativo, registrando
geradores, dos sistemas de ar comprimido e mais um marco na história do primeiro
hidráulico, dos equipamentos eletrônicos e submarino fabricado no Hemisfério Sul,
sensores, bem como a troca das baterias. O tendo sido construído pelo próprio AMRJ.
sistema de combate será modernizado, com (Fonte: www.mar.mil.br)

PROSUB AVANÇA NA CONSTRUÇÃO DO


SEGUNDO SUBMARINO CONVENCIONAL
A Nuclebrás Equipamentos Pesados casco resistente do S-BR2, Submarino Hu-
S.A. (Nuclep) entregou à Itaguaí Cons- maitá, segundo dos quatro navios conven-
truções Navais (ICN), em cerimônia no cionais deste tipo previstos no Programa de
município de Itaguaí (RJ), a última seção do Desenvolvimento de Submarinos (Prosub).

Última seção do casco resistente do Submarino Humaitá é entregue pela Nuclep

306 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Essa etapa representa um marco im- Durante a cerimônia, o coordenador-


portante na construção dos submarinos -geral do Programa de Desenvolvimento
convencionais no País. O casco resisten- de Submarino com Propulsão Nuclear, Al-
te do S-BR2 é o primeiro com tecnologia mirante de Esquadra (RM1) Gilberto Max
francesa integralmente produzido no Roffé Hirschfeld, parabenizou os operários,
Brasil. Todas as seções do casco re- técnicos, engenheiros e gestores da Nuclep
sistente do Humaitá estão na ICN para e da ICN pelo empenho de todos e por mais
instalação de  diversos equipamentos e essa conquista.
sistemas. (Fonte: www.mar.mil.br)

PRIMEIRA MULHER COMBATENTE


INTEGRA TROPA DA ONU
A Segundo-Tenente (AFN) Débora Fer-
reira de Freitas, do Grupamento Operativo
de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav), é a
primeira mulher combatente do Corpo de
Fuzileiros Navais (CFN) e das Forças Ar-
madas brasileiras a integrar uma tropa em
missão de paz. No ano passado, a Tenente
Débora concluiu o curso de Especialização
em Guerra Anfíbia e tornou-se a primeira
mulher habilitada a comandar um pelotão
de infantaria no Brasil.
A oficial ingressou no CFN em 2004 no
Quadro de Músicos, no qual as mulheres
têm a oportunidade de entrar como terceiro-
-sargento. Ao concluir o nível superior, ela
prestou, em 2014, concurso interno para o
Quadro de Oficiais Auxiliares da Marinha,
sendo aprovada.
Atualmente a Tenente Débora exerce Segundo-Tenente Débora Ferreira é a primeira mulher
a função de oficial de Assuntos Civis e de habilitada a comandar um pelotão de infantaria no Brasil
Comunicação Social do GptOpFuzNav, com e a integrar tropa em missão de paz
a missão de planejar e executar ações de das Nações Unidas para Estabilização do
coordenação civil-militar a fim de contribuir Haiti (Minustah) é formado por 850 mili-
para a manutenção do ambiente seguro e tares, sendo 181 da MB, 639 do Exercito
estável na área de atuação do Grupamento. Brasileiro e 30 da Força Aérea Brasileira.
Como oficial de Comunicação Social, atua A maior parte do efetivo da Marinha, 175
na divulgação do nome da Marinha do Brasil militares, faz parte do GptOpFuzNav, peça
(MB) e, consequentemente, dos Fuzileiros de manobra do Brabat. O Grupamento tem
Navais para as nações e forças amigas. constituição semelhante à do Batalhão, com
Os militares que compõem o 25o Con- um comando, estado-maior e frações de
tingente do Batalhão de Infantaria de apoio e de combate.
Força de Brasileiro (Brabat 25) na Missão (Fonte: www.mar.mil.br)
RMB1oT/2017 307
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MARINHA MERCANTE APRESENTA


SINAL DE RECUPERAÇÃO

Alunos da Escola de
Formação de Oficiais
da Marinha Mercante
(Efomm) tiveram, em 3
de novembro último, um
bom motivo para acreditar
na recuperação do merca-
do de trabalho da Marinha
Mercante brasileira: na-
quele dia, foi realizado o
lançamento e batismo do
PSV Pinguim, o mais novo
navio pertencente à Wilson
Sons UltraTug Offshore.
A empresa de navegação
é parceira do Centro de
Instrução Almirante Graça
Alunos da Efomm ao lado da madrinha do navio, Elisandra Tozatto
Aranha (Ciaga) na tarefa
de disponibilizar vagas O lançamento do 23o navio da Wilson
aos recém-formados praticantes alunos que Sons, parte do pacote de modernização da
necessitam do período de embarque para empresa, iniciado em 2000, é um alento
completar sua formação. para o mercado, que enfrenta dificuldades
consequentes do atual período eco-
nômico brasileiro, e vem estimular
os alunos da Efomm, futuros ho-
mens e mulheres da Marinha Mer-
cante, a acreditarem na melhora
deste mercado no qual é realizado o
transporte comercial e são explora-
das as principais riquezas do Brasil.
Navio Mercante PSV Pinguim
(Fonte: www.mar.mil.br)

OPERAÇÃO SHIP TO SHIP

Os navios petroleiros Navion Stavanger rinha do Brasil, por intermédio de oficiais


(Suezmax) e TI Hellas (Very Large Crude da Diretoria de Portos e Costas (DPC) e
Carrier) realizaram, em 19 de janeiro últi- da Capitania dos Portos do Espírito Santo.
mo, a operação piloto Ship to Ship, ao largo Com foco nos aspectos relacionados à
do porto de Vitória (ES). A operação refere- segurança e à preservação do meio ambien-
-se à transferência de carga entre navios a te, a ação aconteceu para que pudessem ser
contrabordo e foi acompanhada pela Ma- comprovados os resultados dos estudos

308 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos


Naturais Renováveis (Ibama), além de téc-
nicos da Petrobras e da Transpetro, também
estiveram a bordo dos navios.
A Operação Ship to Ship é uma alternativa
à utilização de portos ou terminais, o que evita
os longos deslocamentos dos navios, promo-
vendo a redução de custos operacionais. O
local escolhido foi o litoral do Espírito Santo,
que possui condições climáticas favoráveis
para operações dessa natureza.
A DPC encontra-se em fase de elabo-
Com os navios emparelhados, a Primeiro-Tenente (T) ração de procedimentos específicos para
Vanessa Luna, especialista em Segurança do Tráfego
Aquaviário, acompanha a Operação Ship to Ship
esse tipo de operação, que serão inseridos
nas Normas da Autoridade Marítima sobre
e das simulações no Tanque de Provas Tráfego e Permanência em Águas Juris-
Numérico da Universidade de São Paulo dicionais Brasileiras – Normam-08/DPC.
(USP). Representantes do Instituto Bra- (Fonte: www.mar.mil.br)

AUTORIDADE MARÍTIMA BATE RECORDE


DE ATENDIMENTO

Gráfico de apresentação de atendimento

RMB1oT/2017 309
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O Sistema de Atendimento ao Público aos usuários, a fim de alertá-los sobre as


(Sisap) utilizado pelos agentes da Autorida- mudanças de status em seus documentos.
de Marítima constatou um aumento das de- Esta iniciativa, além de representar um
mandas da comunidade marítima por mais acréscimo de 17,13% em relação ao ano
de 160 tipos de serviços prestados pelas anterior, reduziu de forma expressiva a
27 capitanias, 14 delegacias, 22 agências e necessidade de ida de usuários a Organi-
pelos dois Centros de Instrução – Almirante zações Militares para tomar conhecimento
Graça Aranha (Ciaga) e Almirante Braz de do andamento de seus processos, agilizan-
Aguiar (CIABA) – que integram o Siste- do o atendimento.
ma de Segurança do Tráfego Aquaviário Dentre os serviços de prontificação de
(SSTA) e o sistema do Ensino Profissional documentos mais procurados pela comu-
Marítimo (EPM). nidade marítima, destacaram-se a obten-
A Diretoria de Portos e Costas (DPC) ção de carteira de habilitação de amador
observou que a demanda pela prontifica- (CHA), de carteira de inscrição e registro
ção de documentos foi uma das que mais (CIR) e de certificados de cursos realizados
se destacaram nas estatísticas, saltando de no âmbito do Ensino Profissional Marítimo;
184.143 no ano de 2015 para 217.250 em a transferência de propriedade de embarca-
2016, um acréscimo de 17,98 % no volume ções de esporte e recreio e as inscrições de
de solicitações atendidas. O balanço do Si- embarcações, totalizando um número de
sap também registrou que 398.113 emails 172.003 atendimentos em 2016.
foram encaminhados automaticamente (Fonte: www.mar.mil.br)

DPC ATUALIZA NORMAM

A Diretoria de Portos e Costas (DPC) embarcações de apoio portuário. Também


atualizou as Normas da Autoridade Maríti- foi incluída nova tabela contendo a defi-
ma para embarcações empregadas na nave- nição de 61 tipos de embarcações e foram
gação interior (Normam-02/
DPC). Tais mudanças foram
necessárias para incrementar
a segurança da navegação e
salvaguardar a vida humana,
bem como para esclarecer
os processos de inscrição e
transferência de propriedade
de embarcações, que foram
divulgadas em Diário Oficial
da União por intermédio de
portarias da DPC.
Dentre as alterações pro-
movidas, destaca-se o novo
Anexo 1-D, que estabelece
parâmetro mínimos de segu-
rança para as tripulações de Fiscalização de embarcações pela Marinha

310 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

estabelecidas novas validades para os que 20. A instalação de sistema de alto-


Certificados de Segurança da Navegação -falantes para a divulgação de informações
(CSN), de forma a harmonizar com a Nor- nas embarcações que transportam mais
mam-01/DPC, específica para embarcações de 100 passageiros também faz parte das
empregadas em mar aberto. atualizações.
As atualizações incluem, ainda, as revi- Essas alterações representam um avan-
sões das Listas de Verificação para Visto- ço especialmente na padronização de
rias de CSN, do capítulo referente à dotação procedimentos previstos na Normam-02/
de material de segurança, registrando a DPC, não apenas nos aspectos técnicos,
obrigatoriedade de rádio VHF fixo para as mas também nos burocráticos, uma vez
embarcações de transporte de passageiros que foram listadas de forma detalhada as
com propulsão, além da obrigatoriedade documentações a serem apresentadas nas
de bombas de esgoto para embarcações de Capitanias dos Portos e suas Delegacias e
passageiros com Arqueação Bruta (AB) Agências subordinadas.
maior que 10 e de carga com AB maior (Fonte: www.mar.mil.br)

NORMAS DA AUTORIDADE MARÍTIMA


PARA AMADORES SÃO ALTERADAS
As Normas da Autoridade Marítima evitar manobras bruscas, uma vez que a
para Amadores, Embarcações de Esporte e/ criança deverá ter condições de manter-se
ou Recreio e para Cadastramento e Funcio- firme no dispositivo.
namento das Marinas, Clubes e Entidades A Autoridade Marítima Brasileira revisa
Desportivas Náuticas (Normam-03/DPC) constantemente suas normas, com o propó-
foram alteradas, em 22 de dezembro último, sito de sempre contribuir para o incremento
por meio da Portaria 426/2016, assinada da segurança em rios, mares e lagos.
pelo diretor de Portos e Costas. (Fonte: www.mar.mil.br)
Entre as alterações estão as no-
vas regras para transporte de crian-
ças em motos aquáticas, tal como a
proibição na condução de crianças
com idade inferior a 7 anos; as com
idade igual ou superior a 7 anos e
inferior a 12 deverão ser conduzi-
das na garupa da moto aquática,
acompanhadas ou autorizadas por
seus pais ou responsáveis.  Foi
ainda recomendado como a melhor
situação o transporte de crianças
entre dois adultos, em moto aquá-
tica de três lugares.
Outra recomendação estabe-
lecida pela norma é a condução
da embarcação em  velocidades Criança posicionada entre dois adultos em uma
seguras e controladas, de modo a moto aquática para três lugares

RMB1oT/2017 311
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

REUNIÃO ANUAL DO PACIOSWG

A Marinha do Bra-
sil (MB), por meio do
Comando do Controle
Naval do Tráfego Ma-
rítimo, sediou, de 23 a
27 de janeiro último,
a Reunião Anual do
Grupo de Trabalho so-
bre Tráfego Marítimo
dos Oceanos Pacífico
e Índico (PACIOSWG,
sigla em inglês). Es-
tiveram presentes ao
evento representantes
dos seguintes países: Representantes dos países participantes na reunião
Austrália, Canadá, Chi- O evento também se destinou a capaci-
le, Estados Unidos da América, Equador, tar a MB para o planejamento e execução
França, Nova Zelândia, Reino Unido e do exercício internacional de CNTM Bell
República da Coreia do Sul. Buoy, de 8 a 12 de maio deste ano. Este
O propósito da reunião foi compartilhar Exercício proporcionará a oportunidade de
informações que visem à melhoria da se- aprimorar os conhecimentos sobre a dou-
gurança do Tráfego Marítimo (TM), bem trina NCAGS e de testar os procedimentos
como estreitar o relacionamento entre os sobre compartilhamento de informações
órgãos internacionais responsáveis por essa sobre o TM com as Marinhas pertencentes
atividade. Trata-se de um importante foro ao PACIOSWG, bem como com outras
para a MB, pela oportunidade de acompa- instituições governamentais com interesse
nhar as evoluções da Naval Cooperation no mar, buscando, assim, a vanguarda da
and Guidance for Shipping (NCAGS), que Cooperação Multinacional e Multiagencial
é a doutrina de Controle Naval de Tráfego em proveito do incremento da consciência
Marítimo (CNTM) aplicada pela Organiza- situacional marítima brasileira.
ção do Tratado do Atlântico Norte (Otan). (Fonte: www.mar.mil.br)

AgCSul APOIA REMOÇÃO DE ATINGIDOS POR


CHEIAS NO ACRE

Militares da Agência Fluvial de Cruzei- dos rios Juruá e Moa, a maior cheia desde
ro do Sul (AgCSul) prestaram apoio à De- o ano de 1995.
fesa Civil e ao Corpo de Bombeiros Militar Durante as ações, os militares realiza-
do Estado do Acre, em janeiro último, na ram as remoções de pessoas das áreas de
retirada de famílias atingidas pelas cheias risco para os abrigos disponibilizados pela

312 RMB1oT/2017
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Prefeitura de Cruzeiro do Sul (AC). Na


ocasião, participaram da ação outros
órgãos, dentre eles: o 61o Batalhão de
Infantaria de Selva, o Serviço de Aten-
dimento Móvel de Urgência (Samu), o
Instituto de Meio Ambiente do Acre, a
Defesa Civil estadual e a Defesa Civil
municipal.
Militares durante o resgate de moradores
(Fonte: www.mar.mil.br)

DESAFIOS GERENCIAIS EM DEFESA

Foi lançado, pela FVG Editora, o li-


vro Desafios gerenciais em defesa, de
Paulo Roberto Motta, Valentina Go-
mes Haensel Schmitt e Carlos Antônio
Raposo de Vasconcellos (organizado-
res). A obra, de 367 páginas, reúne 15
textos de profissionais e estudiosos de
políticas e gestão de Defesa e da ad-
ministração militar, com abordagens
diversas e interdisciplinares.
O livro apresenta desafios em
gerenciar grandes instituições, entre
elas as Forças Armadas, em capítulos
que abordam, de modo geral: aspectos
contemporâneos da gestão estratégica
da defesa nacional, a gestão de pesso-
as, a relevância da cultura e do mul-
ticulturalismo, o trabalho emocional
e psicológico nas ações militares, a
liderança e a logística.
Além dos organizadores, assinam
os artigos da coletânea os seguintes
autores: Jacintho Maio Neto, Jorge
Calvario dos Santos, Luís Moretto
Neto, Rejane Pinto Costa, Flávio
Sérgio Rezende Nunes de Souza,
Armando Santos Moreira da Cunha, Edson Willian Trajano de Andrade Costa, Angela
Gonçalves Lopes, Joaquim Rubens Fontes Maria Monteiro Silva, Fátima Bayma de
Filho, José Francisco de Carvalho Rezande, Oliveira, Ândrei Clauhs, Moacir Fabiano
Reinaldo Costa de Almeida Rêgo, Diego Schmitt, Neyde Lúcia de Freitas Souza e
de Faveri Pereira Lima, Elias Ely Gomes Thales Mota de Alencar.
Vitório, José Joaquín Clavería Gusmán, (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB1oT/2017 313
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A DEFESA DO OURO NEGRO DA AMAZÔNIA AZUL

A Escola de Guerra Naval (EGN) lan- A publicação traz como tema central a
çou, em julho último, o livro A Defesa do segurança e a defesa das plataformas dos
Ouro Negro da Amazônia Azul, de autoria campos marítimos de exploração e explota-
do Capitão de Mar e Guerra Luciano Ponce ção de petróleo e gás. Abordando em duas
Carvalho Judice e do Capitão de Fragata vertentes, uma estratégica-operacional e a
(FN) Charles Pacheco Piñon, ambos mem- outra normativa e regulatória, os autores
bros do corpo docente da EGN. apóiam-se em consistentes pesquisas,
desenvolvidas no programa de Pós-Gra-
duação em Estudos Marítimos da EGN,
apresentando visões atuais e instigantes
sobre as complexas questões que envolvem
a região das águas jurisdicionais brasilei-
ras de inegável importância estratégica e
econômica.
A obra reflete a necessidade de conver-
gência das atividades de aplicação da lei,
proteção de infraestruturas críticas, inteli-
gência e Defesa, entre outras atribuições,
para que uma grande estratégia nacional
encare com profundidade os desafios e
potencialidades de nossa Amazônia Azul.
Leitura recomendada para todos aqueles
que se interessam pelos temas nacionais
de grande relevância para o país.
O livro está disponível para consulta
e empréstimo na Biblioteca da Marinha.
Informações: www.mar.mil.br/dphdm/
biblioteca/servicos-da-biblioteca.

VENDA DE PUBLICAÇÕES E LIVROS


DA DPHDM

A Editora Serviço de Documentação da Com esta nova facilidade, o antigo


Marinha, da Diretoria do Patrimônio Históri- posto de venda da DPHDM, localizado
co e Documentação da Marinha (DPHDM), no prédio do Arquivo da Marinha, na
está comercializando, desde dezembro últi- Ilha das Cobras, não está mais em
mo, sua produção editorial por meio de seu funcionamento. Informações adicionais
site, em parceria com a Empresa Gerencial podem ser obtidas em http://www.
de Projetos Navais (Emgepron). O catalógo dphdm.mb/ e https://www1.mar.mil.br/
de vendas está disponível em http://www. dphdm/.
publicacoesnavais.com.br. (Fonte: Bono no 962, de 21/12/2016)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SOAMAR – ENCONTRO DOS PRESIDENTES,


CONVENÇÃO NACIONAL E POSSE DO NOVO PRESIDENTE
A Sociedade Amigos da Marinha 2016, como a criação de três novas Soamar
(Soamar), em parceria com o Comando regionais, e desejou êxito ao presidente
do 4o Distrito Naval (Belém-PA), com o empossado.
Centro de Comunicação Social da Marinha No dia 19, ainda na capital maranhense,
(CCSM) e com a Capitania dos Portos do foi realizada a XXI Convenção Nacional
Maranhão, promoveu, em 17 de novembro da Sociedade Amigos da Marinha, que
último, em São Luís (MA), o II Encontro culminou na eleição, por aclamação, e
Nacional de Presidentes de Soamar. O com a totalidade dos votos, do presidente
evento foi presidido pelo diretor-geral de da Soamar-Florianópolis, César Amorim
Navegação, Almirante de Esquadra Paulo Krieger, como vice-presidente da Soamar-
Cezar de Quadros Küster, que, a convite, -Brasil para o biênio de 2016 a 2018. De
representou o comandante da Marinha. acordo com o estatuto da instituição, o
Após a abertura do encontro, o anfitrião vice-presidente eleito fica no cargo por dois
e comandante do 4o Distrito Naval, Vice- anos e, subsequentemente, mais dois como
-Almirante Alípio Jorge Rodrigues da Sil- presidente. Os soamarinos tiveram a opor-
va, fez uma apresentação com o título “A tunidade de participar da cerimônia alusiva
Marinha do Brasil”. O Encontro Nacional ao Dia da Bandeira, ocorrida na Capitania
de Presidentes de Soamar é uma oportuni- dos Portos do Maranhão. A convenção
dade de troca de experiências e integração foi encerrada com um evento de confra-
entre militares da Marinha do Brasil e pre- ternização, durante o qual César Krieger
sidentes das Soamar existentes no País. A recebeu das mãos de sua esposa, Raquel
Sociedade Amigos da Marinha foi fundada Krieger, o broche de vice-presidente da
em julho de 1979 e é uma instituição sem Soamar-Brasil.
fins lucrativos composta por civis e mili- (Fonte: www.mar.mil.br)
tares que têm por propósito
colaborar e divulgar as ações
da Marinha.
Um dia após o encontro,
também em São Luís, foi re-
alizada a cerimônia de trans-
missão de cargo de presidente
da instituição. O comandante
da Marinha, Almirante de
Esquadra Eduardo Bacellar
Leal Ferreira, presidiu a ceri-
mônia e declarou empossado
como novo presidente Orson
Antônio Féres Moraes Rêgo.
Em seu discurso, o Almirante
Leal Ferreira ressaltou reali-
Comandante da Marinha acompanhado do ex-presidente da Soamar-
zações do então presidente Brasil, Valter Porto (à sua esquerda), e o novo presidente empossado,
Valter Porto no biênio 2014- Orson Féres

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MB APOIA TIMOR-LESTE NA IMPLANTAÇÃO


DA AUTORIDADE MARÍTIMA

Com o propósito de auxiliar o Timor- ração na área de defesa entre o Brasil e o


-Leste na implantação da Autoridade Marí- Timor-Leste. Além dos cursos de formação
tima, um oficial da Marinha do Brasil (MB) oferecidos aos oficiais timorenses no Brasil,
passará a trabalhar como assessor militar do tanto pela MB quanto pelo Exército Bra-
ministro da Defesa timorense. O Capitão de sileiro (EB), essa parceria agora também
Fragata (CF) Jorge Silva Filho foi apresen- passa a contar com a presença de um oficial
tado ao ministro da Defesa do Timor-Leste, da MB e dois do EB naquele país.
Cirilo Cristovão, em dezembro último, du- (Fonte: www.mar.mil.br)
rante reunião deste com o
então adido brasileiro de
Defesa Naval, do Exér-
cito e Aeronáutico no
Japão e no Timor-Leste,
Capitão de Mar e Guerra
(CMG) Flávio de Jesus
Costa. Na ocasião, foi
apresentado também ao
ministro o CMG Mauro
Castro Júnior, que assu-
miu o cargo em 18 de
janeiro de 2017.
O embaixador do
Brasil no Timor-Leste,
Adelmo Garcia, também
esteve presente duran-
te a apresentação dos Da esquerda para a direita: Coronel Cavalcante (EB); embaixador do Brasil no
dois oficiais e destacou Timor-Leste; CMG Castro Júnior; ministro da Defesa do Timor-Leste; CMG
o crescimento da coope- Flávio; CF Silva Filho e assessores do ministro da Defesa timorense

MB PRESTA ATENDIMENTO DE
SAÚDE A INDÍGENAS DA ETNIA
KATUKINA

Vinte e cinco militares da Marinha


do Brasil (MB) prestaram atendimento
médico e odontológico, em 8 de fevereiro
último, a indígenas da etnia Katukina das
aldeias Campinas, Waninawa, Samauma,
Masheya, Bananeira, Martins e Warinawa,
localizadas na BR 364, a 55 km do municí- População indígena recebe atendimento médico

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

pio de Cruzeiro do Sul, no estado do Acre. Sul e do Distrito Sanitário Especial Indí-
Na ocasião, os indígenas também assistiram gena. Durante todo o dia, 234 indígenas
a palestras de prevenção à saúde. receberam 2.904 procedimentos médicos,
A ação aconteceu durante a Operação odontológicos e de enfermagem, gratui-
Acre 2017, realizada pelo Navio de Assis- tamente, da equipe de saúde do navio,
tência Hospitalar Doutor Montenegro, e que distribuiu 4.610 medicamentos aos
contou com o apoio da Secretaria de Saúde pacientes.
e da Prefeitura Municipal de Cruzeiro do (Fonte: www.mar.mil.br)

PESCADOR ACIDENTADO É TRATADO EM


CÂMARA HIPERBÁRICA
O Comando do Grupamento de Patrulha O serviço foi prestado a um pescador debi-
Naval do Nordeste, por meio do Grupo de litado pertencente à colônia de São Miguel
Mergulho e com o apoio do Hospital Naval do Gostoso (RN), envolvido em um acidente
de Natal (HNNa), realizou, em 12 de novem- de mergulho na pesca da lagosta.
bro último, mais um tratamento hiperbárico. Ao longo de 2016, foram atendidos
pescadores das colônias de Pirangi (RN),
Rio do Fogo (RN), Caiçara do Norte (RN)
e Aracati (CE) nos cuidados relacionados
às doenças descompressivas e pacientes do
HNNa para a realização de tratamento ba-
seado na oxigenoterapia. A câmara hiper-
bárica, única existente na área do Comando
do 3o Distrito Naval (Natal-RN), dispõe de
algumas possibilidades, tais como: recom-
pressões pautadas em tabelas específicas,
tratamento de doenças descompressivas e
aplicação de oxigenoterapia hiperbárica
alternativa.
Médico do HNNa acompanhando tratamento do paciente (Fonte: www.mar.mil.br)

CRIAÇÃO E INCORPORAÇÃO DO ESTANDARTE DA


MARINHA MERCANTE
O Centro de Instrução Almirante Graça e membros da comunidade marítima.
Aranha (Ciaga) realizou, em 2 de fevereiro Durante a incorporação do estandarte à
último, a cerimônia de criação e incorpo- guarda-bandeira do Ciaga, o diretor-geral
ração do estandarte da Marinha Mercante de Navegação, Almirante de Esquadra
brasileira. O evento contou com a presença Paulo Cezar de Quadros Küster, convidou
de autoridades militares, ex-comandantes o representante da comunidade marítima,
do Ciaga, alunos da Escola de Formação Capitão de Longo Curso Álvaro José de
de Oficiais da Marinha Mercante (Efomm) Almeida Jr., para a entrega oficial.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

de 1.20 m x 1.00 m, debruado com torçal


de ouro, com o chefe de azul com a cons-
telação do Cruzeiro do Sul e o contrachefe
de prata separado do chefe por fronteira
ondulada com a roda do leme e a silhueta
de navio a vapor, de ouro e filetados de
preto. O estandarte é firmado num mastro
forrado de azul e ouro, encimado por ponta
de lança, de ouro, e guarnecido por duas
fitas, de azul e ouro, franjadas de ouro, com
a inscrição “Marinha Mercante”, de prata,
Estandarte da Marinha Mercante (em primeiro
numa delas, ambas pendentes de uma roseta
plano) incorporado à guarda-bandeira
azul e ouro.
O azul do chefe alude ao firmamento
O estandarte da Marinha Mercante do litoral brasileiro; e o
brasileira foi criado pelo representante da metal prata do contra-
Autoridade Marítima em parceria com o -chefe, a esperança dos
Centro de Capitães da Marinha Mercante, componentes da Mari-
com apoio da Diretoria do Patrimônio nha Mercante. A roda do
Histórico e Documentação da Marinha leme com a silhueta de
(DPHDM). A criação do estandarte teve navio a vapor enaltece a
os propósitos de valorizar os profissionais figura de Irineu Evange-
da Marinha Mercante brasileira e reforçar lista de Souza, Visconde
os laços históricos que sempre uniram a O estandarte
de Mauá, Patrono da
Marinha do Brasil e a Marinha Mercante Marinha Mercante bra-
na formação de homens e mulheres que, sileira. A constelação do
pelo mar, contribuem para o desenvolvi- Cruzeiro do Sul e a roda
mento do Brasil. do leme determinam o rumo seguro a ser
O estandarte da Marinha Mercante seguido pelos navios da Marinha Mercante.
constitui-se num campo retangular de seda (Fonte: www.mar.mil.br)

MILITARES DA FRAGATA
LIBERAL PARTICIPAM
DE AUDIÊNCIA GERAL
NO VATICANO

Uma representação de 150 militares


da Fragata Liberal, em visita a Itália, foi
recebida, em 31 de agosto passado, em
audiência geral no Vaticano. Na ocasião,
o comandante do navio, Capitão de Fra-
gata Ricardo Silveira Mello, presenteou
o Papa Francisco com uma pintura a óleo Comandante do navio entrega a pintura a óleo da Fragata
da fragata. Liberal ao Papa Francisco

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

A Fragata Liberal estava em trânsito na Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força In-


ocasião, após suspender da Base Naval do terina das Nações Unidas do Líbano (Unifil).
Rio de Janeiro (BNRJ) no dia 7 de agosto O navio substituiu a Fragata Independência
de 2016 com destino ao Líbano, a fim de na função, no décimo rodízio de navios da
assumir a condição de navio capitânia da Marinha do Brasil integrantes da FTM/Unifil.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

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