Você está na página 1de 320

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA
MARÍTIMA
BRASILEIRA
(Editada desde 1851)

v. 135 n. 01/03
jan./mar. 2015

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt


Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 135 n. 01/03 p. 1-320 jan. / mar. 2015
A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimestre
de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990,
com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,
editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos
6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.


–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:
Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.


Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005


COMANDO DA MARINHA
Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA
Almirante de Esquadra Airton Teixeira Pinho Filho

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA


Vice-Almirante (Refo-EN) Armando de Senna Bittencourt

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA


Corpo Editorial
Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor)
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva
Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro
Jornalista Manuel Carlos Corgo Ferreira

Assessoria Técnica
Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva
Terceiro-Sargento-PD Isabelle de Medeiros Vidal

Diagramação
Desenhista Industrial Felipe dos Santos Motta
Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes

Assinatura/Distribuição
Terceiro-Sargento-RM1-ES Mário Fernando Alves Pereira
Marinheiro-RM2 Pedro Paulo Moreira Cerqueira

Departamento de Publicações e Divulgação


Primeiro-Tenente (RM2-T) Luiz Cesário da Silveira do Nascimento

Apoio Administrativo e Expedição


Suboficial-CN Maurício Oliveira de Rezende
Suboficial-MT João Humberto de Oliveira

Impressão / Tiragem
CMI Serviços Editoriais Eireli ME / 8.300
A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA é uma publicação oficial da MARINHA DO BRASIL desde
1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMEN-
TAÇÃO DA MARINHA. A opinião emitida em artigo é de exclusiva responsabilidade de seu autor, não
refletindo o pensamento oficial da MARINHA. As matérias publicadas podem ser reproduzidas. Solicitamos,
entretanto, a citação da fonte.

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA


Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ
 (21) 2104-5493 / -5506 - R. 215, 2262-2754 (fax) e 2524-9460

Para contato e remessa de matéria: Para assinaturas e alterações de dados:


E-mail: rmbmateria@dphdm.mar.mil.br E-mail: rmbassinatura@dphdm.mar.mil.br
Intranet: dphdm-083@dphdoc Intranet: dphdm-085@dphdoc

Na internet:
http://www.revistamaritima.com.br

SEJA ASSINANTE OU OFEREÇA AO SEU AMIGO UMA ASSINATURA DA RMB

Os preços do número avulso e da assinatura anual são, respectivamente:


BRASIL (R$ 9,00 e R$ 36,00) EXTERIOR (US$ 10 e US$ 40)

Para assinatura, em caso de mudança de OM, residência, posto ou graduação,


encaminhe as informações abaixo; se preferir, envie por e-mail, fax ou telefone.

Nome: Posto/Grad.:

NIP: CPF.: OM:

Endereço resid.: No:

Bairro: Cidade: UF:

CEP: Tel.: e-mail:

Indique a forma de pagamento desejada, conforme abaixo:.

desconto mensal em folha de pagamento, por intermédio de Caixa Consignatária, no valor de R$ 3,00,
autorizada a sua atualização

em anexo, comprovante de depósito na conta corrente 13000048-0 agência 3915, do Banco Santander,
em nome do Departamento Cultural do ABRIGO DO MARINHEIRO, no valor de R$ 36,00; se
for do exterior, por vale postal
SUMÁRIO

8 EDITORIAL

9 nossa CAPA
9 COMANDANTE DA MARINHA
Passagem do Comando da Marinha do Brasil. Mensagem do Ministro da Defesa.
Ordens de Serviço dos Comandantes

  

PRÊMIO REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA DE 2013


19
TERRORISMO MARÍTIMO
Alexandre Arthur Cavalcanti Simioni – Capitão de Corveta (FN)
Principais ataques e ameaças no mar. Utilização de equipamentos e tecnologias.
Organizações terroristas. Sequestros. Regiões mais vulneráveis. Combate ao terrorismo

47 INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios


Luiz Antônio Fayet – Economista
Importação/exportação. País entre os maiores exportadores mundiais de alimen-
tos, fibras e biomassa. Infraestrutura: fronteiras agrícolas – rodovias, ferrovias, transporte
marítimo. Agronegócio

58 A QUESTÃO PALESTINA – Parte I


Luiz Sérgio Silveira Costa – Vice-Almirante (Refo)
Considerações histórico-culturais-religiosas. Antecedentes – Antes e depois de
Cristo. Guerras árabe-israelenses: da Independência de Israel, de Suez, dos Seis Dias, do
Yom Kippur, outros conflitos

82 Por que foi criada a Amazul?


Ney Zanella dos Santos – Vice-Almirante (RM1)
Desenvolver e aplicar tecnologias e gerenciar projetos para o desenvolvimento
do submarino de propulsão nuclear. Estratégia e inovação. Comercialização de produtos e
serviços técnicos

87 DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I


Mucio Piragibe Ribeiro de Bakker – Contra-Almirante (Refo)
Início da vida – evolução. Conquista dos continentes – vida vegetal e animal; an-
fíbios; regulação térmica; répteis. Mamíferos e aves. Primatas – características, categorias,
especificações, antropóides

111 CANAL DO PANAMÁ


Guilherme Mattos de Abreu – Contra-Almirante (RM1)
Profunda alteração na geopolítica – reordenamento de tráfego marítimo, fluxo de
cargas, custos e tempo de viagem. Atuação norte-americana

116 O CONFLITO É INEVITÁVEL?


Eduardo Italo Pesce – Professor
Conflito e relação social. Concepções sobre sociedade. Sociologia no século XIX
– enfoque contemporâneo. Crítica e análise dos conceitos
126 NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL
René Vogt – Engenheiro
Breve histórico de projeto e da construção naval. Necessidade de navio-escolta
para a MB – missões, conceitos, custos, dimensionamentos

154 ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS


BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA
Rodney Alfredo Pinto Lisboa – Professor
Envolvimento da Itália na Segunda Guerra Mundial. Pioneirismo em ações sub-
marinas por mergulhadores de combate. Sabotagem no porto de Alexandria

167 As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade


Leonam dos Santos Guimarães – Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN)
Veículos portadores de ogivas nucleares. Armas nucleares – Evolução na precisão
e velocidade dos mísseis. Modernização militar da China

176 ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL


Hércules Guimarães Honorato – Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Thaís de Araujo da Costa – Primeiro-Tenente (RM2-T)
Acordos bilaterais de cooperação educacional e cultural. Convênios. Estágio
de nivelamento e qualificação. Análise de dados: alunos e professores. Questionários e
considerações

MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO


190
BRASIL – Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento
Elson Ferreira Machado – Engenheiro de Tecnologia Militar
Conceitos – legislação a atender – classificação de emissões poluentes. Aviso de
Instrução – instalação de sistema de tratamento – separação de água e óleo – cozinha – lixo.
Tratamento de esgoto sanitário

210 ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil


Davi Manoel Gomes Ribeiro – Capitão de Corveta
Aumento da eficácia em operações de vigilância e esclarecimento. Vantagens do
uso do equipamento. Nova doutrina, alteração de procedimentos

213 Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio
de Janeiro
Igor Thiago de Andrade Cesar – Capitão-Tenente (IM)
Navegação de cabotagem – definições – tipos de cargas – legislação. Ressurgimento
no Brasil. Armadores. Portos no Estado do Rio de Janeiro. Uso da Marinha

223 É POSSÍVEL AVALIAR A EFETIVIDADE DO TREINAMENTO EM Crew


Resource Management?
Leonardo Ferreira Cunha – Capitão-Tenente (T)
Treinamento para reduzir erros em acidentes aeronáuticos – Instrução na MB –
Habilidades sociais. Pesquisa para avaliação do treinamento – resultados

227 Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?


Fabio Triachini Codagnone – Capitão-Tenente (S)
Qualidade de vida da tripulação. Doenças alérgicas – aumento no mundo. Con-
trole de ácaros e fungos nos colchões. Escolha de colchões e capas protetoras. Ineficácia
da exposição ao sol. Medidas a adotar
ARTIGOS AVULSOS
233
233 DEseJO E DESCOBERTA DO inCONsCiENTE eM SIGMUNd
fReUD
Marilene Barroso Carneiro – Assistente Social e Psicóloga

234 CARTA DOS LEITORES

239 NECRoLÓGIO

245 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

248 Doações à dphdm

254 ACONTECEU HÁ CEM ANOS


Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa
Marinha, no País e em outras partes do mundo

273 REVISTA DE REVISTAS


Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações rece-
bidas do Brasil e do exterior

282 NOTICIÁRIO MARÍTIMO


Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras
Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima
EDITORIAL
Dever de informar

Desde 1851, a Revista Marítima Brasileira (RMB), publicação


oficial da Marinha do Brasil, atualmente editada pela Diretoria do Pa-
trimônio Histórico e Documentação da Marinha, vem contribuindo para
o pensamento adequado à grandeza e à prosperidade do País, por meio
da divulgação da consciência marítima, sobre a qual a Marinha exerce
“poderosa e irresistível influência”.
Com qualidade em suas edições, fruto da perseverança dos inú-
meros editores, autores e colaboradores, a RMB possui mais de 7 mil
assinantes, em sua maioria formadores de opinião, além de estar presente
em bibliotecas, universidades, escolas e clubes náuticos, no Brasil e no
exterior.
A revista é também fonte para artigos de revistas congêneres,
para trabalhos acadêmicos de graduação e pós-graduação e referência
para diversos concursos. Reflete essa qualificação a inclusão da RMB
no Qualis/Capes (sistema de avaliação de periódicos da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior no Brasil), nas áreas
de ciência política, relações internacionais, engenharia, história, direito,
recursos pesqueiros, entre outras.
Buscando compasso com os tempos atuais, possuímos página na
internet por meio da qual os interessados podem acessar números recentes
da revista e obter interação com a editoria (com privilégio de acesso aos
últimos 12 meses apenas para assinantes). Os investimentos realizados
– entre eles convênio com a Biblioteca Nacional – e os planejados nos
permitem vislumbrar a disponibilização de todas as edições da revista,
incluído o histórico número 1, de 1851, em interface gráfica de fácil acesso.
Com esforço e convivendo com a onipresente precariedade de
recursos, a RMB conseguiu, por quase nove anos (o último reajuste foi em
maio de 2006), manter a mensalidade para o assinante em R$ 3,00. Entre-
tanto, essa estabilidade, em função dos custos de produção e de postagem,
se tornou impossível de ser mantida. Assim, com a firme determinação de
evitar degradação de nossa qualidade editorial, pedimos a compreensão de
nossos assinantes e participamos a necessidade de reajustar a mensalidade
da revista para R$ 5,00, a partir de abril de 2015.
NOSSA CAPA

ALMIRANTE DE ESQUADRA
EDUARDO BACELLAR LEAL FERREIRA

NOVO COMANDANTE DA muito simbolismo, quando a Força, unida


MARINHA ASSUME e coesa, prepara-se para levar aquele que
a chefiou até o patim superior da escada

F oi realizada, em 6 de fevereiro último,


em Brasília-DF, a cerimônia de as-
sunção de cargo do novo comandante da
de portaló, para as honras de despedidas.
Do mesmo modo, tem o cerimonial pronto
para receber o seu substituto e o conduzir
Marinha, Almirante de Esquadra Eduardo ao passadiço, dele aguardando as ordens de
Bacellar Leal Ferreira, em substituição ao leme e de máquinas.
Almirante de Esquadra Julio Soares de Esta solenidade tem, para mim, um
Moura Neto. A cerimônia foi presidida profundo significado por duas razões
pelo ministro da Defesa, Jaques Wagner. primordiais. A primeira, em face de estar
transmitindo o Comando da Marinha, que
DESPEDIDA DO ALMIRANTE representou o mais importante período de
MOURA NETO minha carreira; e a segunda, por estar dei-
xando, após quase 56 anos, vividos intensa
“A Marinha do Brasil se engalana, mais e apaixonadamente, o Serviço Ativo. É um
uma vez, no ensejo da passagem do cargo momento único, no qual, ao olhar a esteira
de seu comandante, tradicional evento que pela popa, uma onda de lembranças toma
sublinha a característica de renovação com conta da minha memória, traduzindo-se em
continuidade, que marca e garante a condu- fortes emoções e sentimentos muito caros,
ção exitosa da instituição. É uma ocasião de que me fazem recordar da camaradagem
COMANDANTE DA MARINHA

granjeada nas diversas praças-d´armas; na atuação das Voluntárias Cisne Branco,


das atividades operativas nos passadiços e incrementando o suporte aos militares e
centros de informações de combate; e dos civis da ativa e na inatividade, bem como
ensinamentos colhidos, fruto do convívio a seus dependentes. Essas ações convergi-
com superiores, pares e subordinados. ram para aumentar o nível de satisfação e
Em 1o de março de 2007, ao assumir o bem-estar de nossa gente, coerentemente
a mais alta posição na hierarquia naval, com as prioridades estabelecidas.
apresentei, em linhas gerais, as diretrizes Os assuntos de Defesa ganharam relevân-
que pautariam a minha administração. Ao cia nos diversos fóruns de discussão. Dentro
proceder um balanço do que foi efetivado, desse contexto, elenco, como aspectos
posso considerar-me realizado por ter sido relevantes, a implementação da Estratégia
fiel à mensagem inicial, feliz pelas conquis- Nacional de Defesa; a elaboração do Plano
tas obtidas e orgulhoso pela coerência entre de Articulação e Equipamento da Marinha
os atos praticados e os princípios forjados do Brasil, fundamental para a revitalização
durante minha longa caminhada. Os desafios dos meios; a contribuição para a expansão da
foram muitos, mas, tendo como sustentação Base Industrial de Defesa; a presença na área
a lealdade e o profissionalismo de meus internacional, tanto no Haiti como à frente da
comandados, consegui ter ímpeto para Força-Tarefa Marítima da Força Interina das
enfrentá-los e coragem Nações Unidas no Líba-
para tomar algumas no (Unifil); além da par-
difíceis decisões para Busquei, incessantemente, ticipação em diversas
sobrepujá-los. atingir o mais alto patamar operações com unidades
Não pretendo elen- pertencentes a nações
car, nesta Ordem do que a conjuntura política e amigas, em particular
Dia, os avanços que as condições orçamentárias na América do Sul e na
julgo terem sido alcan- permitiram África Atlântica.
çados, pois acredito Em que pese as di-
que tal avaliação o ficuldades orçamen-
futuro fará. Tenho a plena convicção de que tárias, por vezes experimentadas, os
não proporcionei tudo o que a Força e seus progressos foram significativos, permi-
componentes necessitavam e mereciam, tindo a estruturação e a materialização de
porém busquei, incessantemente, atingir o importantes projetos estratégicos, dentre
mais alto patamar que a conjuntura política os quais apenas enfatizarei, em virtude da
e as condições orçamentárias permitiram. magnitude e da complexidade, o Programa
Julgo relevante, contudo, destacar o de Desenvolvimento de Submarinos, que,
empenho despendido em prol do pessoal, além da edificação de uma base naval, um
por meio da recomposição parcial dos estaleiro de construção e um de manutenção
vencimentos e da elaboração da Política em Itaguaí-RJ, nos proporcionará quatro
de Remuneração; a valorização da mu- submarinos convencionais e o tão almejado
lher, representada, de forma pioneira, submarino com propulsão nuclear.
pela promoção da primeira almirante e Evoluímos na conscientização da so-
pelo franqueamento do ingresso, na Es- ciedade sobre a vocação marítima do País,
cola Naval, de aspirantes femininas; e os reforçando o conceito de ‘Amazônia Azul’,
variados empreendimentos nos setores de criado na gestão de meu antecessor, o Al-
Saúde e de Assistência Social, com realce mirante de Esquadra Roberto de Guimarães

10 RMB1oT/2015
COMANDANTE DA MARINHA

Carvalho, e ressaltando as riquezas nela  Durante essa jornada, posso garantir


existentes e suas potencialidades, conscien- que empreguei, a cada minuto, a minha
tes que nos cabe zelar por esse inestimável maior energia e disposição em benefício
patrimônio. Com esse enfoque, foi funda- do serviço. Foram passagens que, dificil-
mental intensificar o trabalho de comuni- mente, serão esquecidas, como o dia a dia
cação social, divulgando o cumprimento nas diversas unidades; o retorno à harmonia
de nossas tarefas constitucionais, tais como do lar; as mudanças de sede, permitindo
o emprego do Poder Naval nos exercícios conhecer distintas realidades; e, por que
singulares ou conjuntos; a atuação em não citar, os obstáculos inerentes a cada
missões de paz sob a égide da Organização função, que levaram a uma melhora de
das Nações Unidas; as ações relacionadas desempenho e a um amadurecimento,
à Patrulha Naval e à segurança do tráfego por meio da absorção de conhecimentos
aquaviário; o apoio à Política Externa; a técnico-profissionais e da interação social.
cooperação com a segurança pública; e a Caso fosse possível regressar no tempo,
permanente colaboração para o desenvolvi- conscientemente repetiria tudo outra vez.
mento nacional e para a defesa civil. O turbilhão de sentimentos que invade a
As recordações são pungentes e fazem mente nos instantes que antecedem a uma
relembrar os idos de partida não pode nos
1959, quando cheguei privar de reconhecer as
a Angra dos Reis para pessoas que nos ajuda-
ingressar no Colégio ram a construir a pró-
Naval. Naquela opor- pria caminhada. Assim,
tunidade, com apenas por dever de justiça e de
16 anos, não poderia gratidão, apresento os
antever que estaria meus sinceros agrade-
principiando uma du- cimentos àqueles cujo
radoura trajetória e apoio foi a tônica nos
que seria, dentre aque- relacionamentos:
les rapazes que viriam – ao ex-Presidente
a constituir a Turma da República Luiz Iná-
Mendes, o que atingi- AE Moura Neto despede-se da Marinha cio Lula da Silva e à
ria o posto máximo da Presidenta da Repú-
nossa querida e digna blica, Dilma Rousseff,
carreira. Assim, por ser sabedor que chega- pela confiança ao nomear-me para o cargo
ria a hora de não mais usar os uniformes que e pelas várias demonstrações de apreço;
venho envergando com orgulho e devoção, – aos ministros da Defesa com quem tive
desde aquela época, é com espírito sereno o prazer de trabalhar, Dr. Waldir Pires, Dr.
e pronto para o futuro que enfrento esse Nelson Jobim e Embaixador Celso Amorim,
instante, já bastante próximo. pelo incentivo e pela consideração sempre
No decorrer da longa singradura, desfru- dispensados e pela permanente disposição
tei de momentos inesquecíveis a bordo dos em buscar atender às demandas. Ao Minis-
navios nos quais servi, onde pude completar tro da Defesa Dr. Jaques Wagner, por sua
1.589 dias de mar e 7.683 dias de embarque, presença nesta solenidade, presidindo-a, o
tendo sido agraciado com a Medalha Mérito que corrobora o seu apreço pela Força e
Marinheiro-quatro âncoras de prata. abrilhanta esse dia muito especial;

RMB1oT/2015 11
COMANDANTE DA MARINHA

– aos membros dos Poderes Executivo, rante de Esquadra Airton Teixeira Pinho
Legislativo e Judiciário, por terem recep- Filho e Vice-Almirantes Bento Costa Lima
cionado positivamente as nossas principais Leite de Albuquerque Junior e Celso Luiz
iniciativas, procurando auxiliar em quase Nazareth, pela ajuda amiga, franca e leal;
todas as ocasiões; – aos oficiais e praças dos diversos
– aos ex-comandantes do Exército, Ge- Corpos e Quadros e servidores civis dos
neral de Exército Enzo Martins Peri, e da três níveis, pelo auxílio inestimável e pelo
Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Ju- comprometimento com as metas estabele-
niti Saito, pela maneira equilibrada e amiga cidas, a partir de um indispensável esforço
com que sempre trabalhamos, propiciando diuturno;
uma contínua e harmoniosa cooperação; – aos componentes da instituição que,
– ao chefe do Estado-Maior Conjunto enquanto esta cerimônia se desenrola,
das Forças Armadas, General de Exército encontram-se afastados de seus lares,
José Carlos de Nardi, pelo cordial rela- desenvolvendo a atividade operativa
cionamento e pelos esforços em prol da precípua, adestrando-se em seus navios;
interoperabilidade; e ao ex-secretário-geral patrulhando nossas Águas Jurisdicionais;
do Ministério da Defesa, Dr. Ari Matos levando assistência médico-hospitalar às
Cardoso, pela coordenação das atividades populações ribeirinhas dos rios da Bacia
e sua perfeita articulação; Amazônica e do Pantanal com os ‘Navios
– aos ex-ministros e ex-comandantes da Esperança’; navegando nas desafiado-
da Marinha, dos quais estão presentes os ras águas antárticas e dando sustentação à
Almirantes de Esquadra Alfredo Karam, ciência; levando a mensagem de paz e de
Mauro Cesar Rodrigues Pereira e Roberto brasilidade nas diversas missões sob a égide
de Guimarães Carvalho, pelas atuações em de organismos internacionais, em especial
suas respectivas épocas, que viabilizaram no Haiti e no Líbano, por conduzirem,
o processo de evolução que tem indicado com altivez, o Pavilhão Nacional e zela-
o rumo a seguir, permitindo alcançar a rem despretensiosamente pelos interesses
posição de destaque de que desfrutamos maiores do País;
atualmente; e aos antigos chefes, cujos – aos que já se encontram na inativida-
legados são permanentes e a quem devo de, pela colaboração e pelas palavras de
bastante, por seus exemplos de conduta e incentivo;
pelos aconselhamentos; – aos soamarinos, pelas manifestações
– aos membros do Almirantado, pela de amizade e valiosa contribuição para a
permanente parceria e por terem dividido disseminação da importância da ‘Amazônia
comigo os sucessos e as adversidades, Azul’ e para a consolidação de uma men-
assessorando-me e facilitando sobremanei- talidade marítima;
ra as resoluções do Comando; – aos companheiros da Turma Mendes,
– aos demais almirantes, pela execução pelo estímulo constante e, sobretudo, pela
primorosa de suas atribuições em todos os amizade construída desde quando, ainda
setores, fazendo com que as determinações muito jovens, chegamos à Enseada Batista
e instruções fossem cumpridas da forma das Neves e à Ilha de Villegagnon;
mais eficaz; – à minha mãe Lourença, pelo perma-
– à tripulação do meu Gabinete, pela nente carinho, pela dedicação e afeição e
aplicação e tenacidade ímpares; em parti- pela incansável torcida por novos triunfos.
cular, aos meus chefes do Gabinete, Almi- Presto uma homenagem aos já ausentes,

12 RMB1oT/2015
COMANDANTE DA MARINHA

meu pai Claudio e meu irmão, Aspirante e que estão prontos para receber e atender
Moura, este que partiu cedo demais, mas suas ordens e orientações. Certamente, eles
que certamente, se aqui estivessem, esta- estarão ao seu lado quando o mar se tornar
riam muito felizes por verem encerrar mais encapelado e lhe darão respaldo quando
essa fase do meu extenso percurso; for manobrar para ganhar barlavento. Fru-
– à minha esposa Sheila, companheira to de sua experiência de vida e bagagem
de mais de 46 anos de casamento, de modo profissional, aliadas a uma maneira afável
especial, pelo amor, pela cumplicidade, por de proceder, não resta dúvida que saberá
estar sempre ao meu lado e pelo esforço conduzi-los a um destino promissor. Assim,
notável e pioneiro à frente das Voluntárias desejo que Deus o ilumine em todas as suas
Cisne Branco, que, além dos trabalhos de decisões, além de abençoá-lo com alegrias
cunho social, reforçou em muito os laços e realizações, votos estes extensivos às
de união entre as mulheres da Família Na- suas estimadas mãe, Dona Lygia, e esposa,
val. Faço a você a promessa de uma maior Christiani, e a sua família.
disponibilidade; Sinaleiro! Içar a flâmula de fim de
– aos meus filhos Claudio, Fernando e comissão!
Eduardo, dos quais tenho muito orgulho, Geral de comando: manobra com o
pela superação do que decerto sofreram Almirante Leal Ferreira!
com as muitas ausências, geradas pela in- Viva a Marinha!
tensa vida profissional; às minhas noras; e Viva o Brasil!”
aos netos Luana, Pedro, Miguel e Júlia, pela
afetuosidade, pureza e meiguice que têm Mensagem do Ministro da Defesa
trazido uma nova dimensão às nossas vidas;
– aos familiares e amigos, que sempre “Senhoras e senhores,
acompanharam os meus passos, pelas ma- Hoje, com orgulho patriótico, presido
nifestações de carinho e companheirismo; e a passagem de comando de um grande
– por fim, elevo meu pensamento a chefe naval para outro, na briosa Marinha
Deus, reconhecendo sua permanente pro- do Brasil.
teção e as dádivas concedidas. Sob a liderança do Almirante de Esqua-
Ao encerrar a última pernada da prazei- dra Julio Soares de Moura Neto, esta Força
rosa viagem a bordo da Marinha, completo assistiu a uma das maiores transformações
a atracação ao cais e autorizo ‘dobrar a de sua história: a Marinha do futuro co-
amarração e passar a prancha para terra’. meçou a se tornar a Marinha do presente.
Ao término da faina, e assim que o meu pa- As qualidades de marinheiro e chefe
vilhão for arriado, terá chegado o momento naval com que o Almirante Moura Neto
de desembarcar, não sem antes transferir conduziu a Marinha, sob o comando su-
o timão às firmes e competentes mãos do premo de dois presidentes da República,
novo comandante. são conhecidas de todos.
Prezado amigo Almirante Leal Ferreira! Com dinamismo e empreendedorismo
Dentro de poucos minutos, Vossa Exce- característicos, o Almirante Moura Neto
lência será o timoneiro de uma instituição deixa um legado de dedicação absoluta à
secular, dotada de peculiar cultura organi- Força e um exemplo único de confiança nos
zacional, formada por motivados homens e destinos da Marinha do Brasil.
mulheres que juraram ‘defender a Pátria com O Almirante Moura Neto concebeu a
o sacrifício da própria vida, se preciso for’ Marinha à altura dos desafios estratégicos

RMB1oT/2015 13
COMANDANTE DA MARINHA

do Brasil no século XXI e da posição de com o lançamento de várias unidades


nosso país no concerto das nações. novas do complexo de 11 prédios que será
O conceito de Amazônia Azul, lançado utilizado para ensaiar todas as condições
pela Marinha em 2004 para fazer referência de operação possíveis para uma planta de
à riqueza e extensão das águas jurisdi- propulsão nuclear.
cionais brasileiras, foi progressivamente Iniciado já sob a gestão do Almirante
aprofundado e aplicado aos projetos es- Moura Neto, em 2008, o Programa de De-
tratégicos dessa Força, sob o comando do senvolvimentos de Submarinos da Marinha
Almirante Moura Neto. (Prosub) viabilizará a produção do primeiro
Somadas aos recursos pesqueiros de submarino brasileiro de propulsão nuclear e
nossas águas, as descobertas no pré-sal, de mais quatro submarinos convencionais.
localizadas na Amazônia Azul, elevam o A inauguração do prédio principal do com-
Brasil a um novo patamar de reservas e plexo de Estaleiro e Base Naval de Itaguaí,
produção de petróleo e gás natural. em dezembro do ano passado, foi um passo
É no marco da proteção desses recursos, muito importante no desenvolvimento
que ajudam a fazer do Brasil um dos países desse Programa.
mais ricos do planeta, que a nossa Mari- O desenvolvimento nacional da ca-
nha vem aprofundando pacidade tecnológica
seus projetos estratégi- de projetar, construir,
cos, notadamente aque- Tecnologia própria é operar e manter o re-
les que se baseiam no
desenvolvimento de
independência, segundo ator nuclear que será
empregado na propul-
tecnologias e produtos definição de nossos próprios são do primeiro sub-
de defesa nacionais. marinheiros marino nuclear brasi-
O Programa Nucle- leiro é um legado de
ar da Marinha, iniciado soberania e indepen-
em 1979, avançou significativamente duran- dência que deve ser consolidado.
te a gestão do Almirante Moura Neto. O Bra- Outros importantes projetos levados
sil já domina o ciclo do combustível nuclear adiante toda força no comando do Al-
e, com a conclusão da Unidade de Produção mirante Moura Neto são a especificação
de Hexafluoreto de Urânio, prevista para do Sistema de Gerenciamento da Ama-
agosto deste ano, passará a produzir urânio zônia Azul (SisGAAz), que vai utilizar
enriquecido em escala industrial. o primeiro satélite de comunicação e
O domínio do ciclo do combustível defesa 100% controlado por instituições
nuclear em escala industrial é um dos dois brasileiras; a recuperação da capacidade
grandes projetos do Programa Nuclear da operacional da Força de Superfície com
Marinha, e seus avanços significam, para o Programa de Obtenção de Meios de
o Brasil, uma alternativa energética e co- Superfície (Prosuper); e a finalização da
mercial valiosa e um grande salto tecnoló- construção da corveta classe Barroso no
gico. Tecnologia própria é independência, Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro –
segundo definição de nossos próprios um marco de sucesso que nos permitirá
marinheiros. seguir adiante, construindo navios de
As obras de construção do Laboratório combate sofisticados em nosso país.
de Geração Nucleoelétrica avançaram A gestão do Almirante Moura Neto
bastante ao longo dos últimos oito anos, imprimiu elevada importância não apenas

14 RMB1oT/2015
COMANDANTE DA MARINHA

à dimensão material da Marinha, mas cultura geral e militar-naval e sua grande


também à pessoal. Cito a consolidação habilidade interpessoal.
da capacidade expedicionária dos Gru- Ao designá-lo, a comandante suprema
pamentos Operativos de Fuzileiros Na- das Forças Armadas optou por um almi-
vais, como o Grupamento do Haiti, que rante de inexcedível valor e patriotismo.
os chancela como tropa profissional de O Almirante Leal Ferreira tem formação e
pronto emprego. experiência abrangentes, que combinam a
A promoção, em 2012, da primeira mu- especialização em engenharia eletrônica,
lher a oficial general na história das Forças inúmeras funções diretivas; e a vivência
Armadas Brasileiras representou quebra de mais de mil dias no mar. Sua visão
de paradigma em relação à promoção da estratégica sobre o futuro do Brasil e so-
igualdade de gênero. Parabenizo a Marinha bre o papel de destaque que cabe à Força
do Brasil pelo continuado progresso nesse Naval na proteção de nossos recursos
âmbito e por ter recebido, no ano passado, marítimos e de nossa gente o qualificam
a primeira turma de aspirantes femininas para exercer o alto cargo de comandante
da Escola Naval. da Marinha.
A Marinha do Brasil compartilha Estou convencido de que no Almi-
internacionalmente sua expertise e sua rante Leal Ferreira a Marinha terá um
tradição em missões como comandante plenamente
a Força-Tarefa Marítima capacitado para fazer fren-
da Unifil, no Líbano, co- te aos múltiplos desafios
mandada por um almirante dos próximos anos.
brasileiro e que tem como Esta passagem de co-
navio-capitânia a fragata mando entre dois expoen-
brasileira Constituição, e o tes da Força Naval atesta
bem-sucedido programa de que renovação e tradição
cooperação com a Marinha andam juntas na Marinha
da Namíbia. do Brasil. O Almirante
Os avanços da Marinha Moura Neto e o Almirante
sob o comando do Almi- Leal Ferreira são homens
rante Moura Neto permitem imbuídos da magnitude
Ministro da Defesa preside a cerimônia
que vislumbremos, num desta Força. Tenho a cer-
futuro próximo, uma Força Naval ainda teza de que, sucedendo ao Almirante
melhor preparada para a proteção marítima Moura Neto, o Almirante Leal Ferreira
do Brasil. prosseguirá com sabedoria a construção
Registro meu profundo agradecimen- de uma Marinha moderna e robusta, par-
to ao Almirante Moura Neto por essas te indispensável do projeto de um Brasil
conquistas, ao tempo em que transmito cada vez mais democrático, desenvolvi-
calorosas boas-vindas ao novo comandan- do, justo e soberano. A Marinha está no
te da Marinha. O Almirante de Esquadra trilho de sua grandeza.
Eduardo Bacellar Leal Ferreira é um chefe Desejo ao Almirante Leal Ferreira, que
naval respeitado e admirado. As qualidades embarca hoje nesta desafiadora e gratifican-
humanas e agregadoras de sua liderança te jornada no comando da Marinha, bons
são amplamente reconhecidas na Marinha, ventos e mares tranquilos! Muito obrigado
notadamente sua perspicácia, sua vasta a todos.”

RMB1oT/2015 15
COMANDANTE DA MARINHA

PALAVRAS INICIAIS DO zelar por um legado de valores e tradições


ALMIRANTE LEAL FERREIRA centenárias, exigem permanente dedicação,
concito aqueles que formam a instituição
“A emoção que aflora neste momento a, irmanados, me apoiarem para superar
certamente só é comparável à grande res- as dificuldades nesta singradura. A vocês,
ponsabilidade que, com serenidade, recebo. marinheiros, fuzileiros navais e servidores
Para quem, por 44 anos, sempre vislumbrou civis, dirijo minhas palavras iniciais de
na Marinha uma desafiadora carreira, na entusiasmo, otimismo e crença.
qual são cultuados os princípios morais, a Entusiasmo porque servir à Marinha
ética, o profissionalismo e o amor à Pátria, foi uma escolha voluntária e fascinante de
passar a comandá-la faz sentir-me orgulho- todos nós. As inúmeras e diversificadas
so e extremamente motivado. tarefas que somos chamados a desem-
Sou, portanto, reconhecido à Presidenta penhar e que exigem o máximo de cada
da República e ao mi- um nos proporcionam,
nistro da Defesa e julgo em troca, insuperáveis
ser um dever empe- sentimentos de reali-
nhar-me inteiramente zação e de vitória.
para corresponder a Otimismo porque,
este ato de confiança. diante do enorme po-
Registro, honrado, a tencial dos homens e
presença do ministro, mulheres que passo a co-
Dr. Jaques Wagner, mandar, não há obstácu-
presidindo a cerimônia los intransponíveis. Ao
e valho-me da oportu- enfrentá-los, reforço que
nidade para expressar a hierarquia e disciplina,
a Sua Excelência mi- princípios basilares da
nha permanente dis- vida militar, devem ser
posição de, no trato respeitados integral e
dos assuntos da Força, AE Leal Ferreira assume o incondicionalmente.
trabalhar em harmonia Comando da Marinha do Brasil E crença na enorme
com todos os setores importância da Mari-
do Ministério, notadamente o Estado-Maior nha para o Brasil e para a construção de
Conjunto e a Secretaria-Geral. um futuro com o qual todos almejamos.
Faço menção especial às Forças coir- Acredito que, a par de algumas outras
mãs, o Exército Brasileiro e a Força condições favoráveis, o poder dissuasó-
Aérea Brasileira, aqui representadas por rio representado pelo preparo de nossas
seus comandantes, reafirmando o desejo Forças tem sido uma das principais razões
de racionalizar esforços, complementar para estarmos desfrutando do mais longo
capacitações e buscar soluções conjuntas período de paz de nossa história, caracte-
para cenários e hipóteses de emprego rizado pelo encaminhamento diplomático
muitas vezes de difícil previsibilidade, das controvérsias. Vislumbro no mar
criados por um ambiente multifacetado e e nas águas interiores um caminho de
que exigirá aprimorar a interoperabilidade. aproximação e cooperação com as demais
Se a dimensão e a complexidade do car- nações e de acesso a longínquos rincões
go que ora assumo, com o compromisso de do vasto território nacional, permitindo a

16 RMB1oT/2015
COMANDANTE DA MARINHA

presença do Estado nessas regiões. Esse lio Soares de Moura Neto, cuja consistente
é nosso ambiente operacional, um grande atuação de quase oito anos como nosso co-
patrimônio por zelar e defender. Ele requer mandante proporcionou à instituição novas
uma Força Naval moderna, equilibrada e dimensões estratégicas.
balanceada, com meios navais, aeronavais Assumo o timão encontrando uma Mari-
e de fuzileiros navais aprestados, compatí- nha organizada, com rumos bem traçados.
veis com a inserção político-estratégica no Não há necessidade, e este é o momento
cenário internacional e em sintonia com os de asseverar-lhes, de mudanças no regime
anseios da população brasileira, aspectos de máquinas ou guinadas fortes. Assim,
que, desde já, continuaremos a perseguir. permanecem em vigor todas as ordens
Devemos, todos os que servimos à emanadas de meu antecessor.
Marinha, lembrar-nos Prezado Almirante
sempre que a socieda- Moura Neto, leve com
de, a qual faz enormes Devemos, todos os que Vossa Excelência o re-
sacrifícios para manter servimos à Marinha, conhecimento pela forma
a estrutura governa- dinâmica, pormenori-
mental, aí incluídas lembrar-nos sempre que zada, enérgica e sempre
as Forças Armadas, a sociedade faz enormes presente com que liderou
adquire cada vez mais sacrifícios para manter a sua tripulação e como
consciência de que conduziu os relevantes
pode e deve cobrar da estrutura governamental, projetos que nos impul-
administração pública aí incluídas as Forças sionam. Ao presenciar
padrões elevados de seu pavilhão sendo arria-
desempenho. Assim, Armadas, adquire cada do e recebendo as honras
torna-se imperioso que vez mais consciência de de despedida, desejamos
todas as nossas Or- que pode e deve cobrar que o futuro reserve no-
ganizações Militares vos e instigantes estímu-
busquem, com inque- da administração pública los a esse autêntico mari-
brantável persistência, padrões elevados de nheiro e digno brasileiro.
a máxima eficiência e Seja muito feliz!
efetividade no cumpri- desempenho Da mesma forma,
mento de suas atribui- agradeço à Sra. Sheila,
ções. Por outro lado, considero ser um dever, nossa querida diretora nacional das Vo-
como comandante da Marinha, apresentar ao luntárias Cisne Branco. Externo, em nome
ministro da Defesa, sempre com lealdade e da Família Naval, o reconhecimento, pelo
sinceridade, as dificuldades e necessidades trabalho abnegado de coordenação e inte-
da Força para bem atender o que o Brasil gração das atividades que proporcionaram
de nós espera. Jamais nos esqueçamos que educação, cultura, entretenimento e assis-
a Nação tem o direito de exigir que sua Ma- tência social complementares aos militares,
rinha, quando chamada, venha a garantir a civis e seus dependentes.
salvaguarda de sua soberania e de seus inte- Nesta significativa cerimônia, vejo pre-
resses no mar; nessa hora, nunca poderemos sentes diversos ex-ministros e ex-comandan-
alegar que não estamos prontos. tes da Marinha, que muito me distinguem
Sou profundamente grato, assim como ao deslocarem-se até Brasília, e cuja visão e
toda a Força, ao Almirante de Esquadra Ju- comprometimento me servem de exemplos.

RMB1oT/2015 17
COMANDANTE DA MARINHA

Vejo também, bem próximo, neste pa- comunidade marítima, soamarinos, amigos,
lanque principal, meus pares do Almiran- companheiros de outras jornadas e colegas
tado, a quem manifesto a certeza de que a da querida Turma Esperança. Todos, aos
amizade e o respeito mútuo desenvolvido quais não tenho a pretensão de nominar,
ao longo de décadas de convivência profis- abrilhantam a cerimônia e reforçam o valio-
sional permitirão um trabalho harmônico e so estímulo que tanto me ajudará.
em equipe na alta condução da Marinha. Por fim, vejo meus queridos familiares e,
Vejo, ainda, os embaixadores acreditados em seus corações, vejo o meu saudoso pai,
no Brasil, ministros de Estado, ex-ministros exemplo inspirador de amor pela Marinha,
de Estado, ministros do Supremo Tribunal integridade e humanidade.
Federal, parlamentares, comandantes das Ao encerrar, peço a Deus que continue
Forças, chefe do Estado-Maior Conjunto e a proteger a nossa instituição, iluminando
da Secretaria-Geral do Ministério da Defesa, minhas decisões e conferindo-me ânimo e
membros dos alto-comandos, ministros do serenidade para bem cumprir todas minhas
Superior Tribunal Militar e de outros tribu- atribuições, bem como abençoe as nossas
nais superiores, chefes navais de ontem, ofi- tripulações e guarde seus familiares quando
ciais generais, membros do Poder Judiciário de suas ausências para defender os interes-
e do Ministério Público, adidos militares, ses do País.
representantes da indústria de Defesa e da  Viva a Marinha! Tudo pela Pátria!”

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ADMINISTRAÇÃO>; Posse; Comandante da Marinha;

18 RMB1oT/2015
PRÊMIO REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA DE 2013

Instituído em 11 de junho de 1907 for considerado de maior utilidade para


pelo Decreto no 6.510, o Prêmio Revista a Marinha. A partir de 1950, o Prêmio
Marítima Brasileira tem o propósito de RMB passou a ser concedido a cada três
estimular o estudo e a pesquisa de as- anos, republicando-se o artigo premiado.
suntos técnico-navais, sendo concedido, Os autores já distinguidos com o prêmio
desde 1910, ao autor do trabalho que estão relacionados adiante.

ESTADO-MAIOR DA ARMADA
PORTARIA No 328/EMA, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2014
O chefe do Estado-Maior da Armada, 2012 e 2013, ao Capitão de Corveta (FN)
no uso da delegação de competência que Alexandre Arthur Cavalcanti Simioni, pelo
lhe confere o inciso X, art. 1o, Anexo A trabalho “Terrorismo Marítimo”, publicado
da Portaria no 93/2009, do Comandante da na RMB do 1o trimestre de 2012.
Marinha, resolve: Carlos Augusto de Sousa
Art. 1o – Conceder a Medalha “Revista Almirante de Esquadra
Marítima Brasileira”, relativa ao triênio 2011, Chefe do Estado-Maior da Armada

ALEXANDRE ARTHUR CAVALCANTI SIMIONI


Nomeado guarda-marinha (FN) em 13 Serviu no 1o Batalhão de Infantaria de
de dezembro de 1997, foi promovido a Fuzileiros Navais, sendo comandante de pe-
segundo-tenente em 17 de janeiro de 1999, lotão, oficial de comunicações e imediato de
a primeiro-tenente em 25 de dezembro de companhia; foi oficial de pessoal, de inteligên-
2000, a capitão-tenente em 25 de dezembro cia e de operações no Batalhão de Comando;
de 2003 e a capitão de corveta em 25 de foi encarregado da Escola de Comunicação e
dezembro de 2009. Eletrônica do Centro de Instrução Almirante
PRÊMIO REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

Sylvio de Camargo (Ciasc); foi observador mi- evitando a violência politica até 2011.
litar e chefe da Seção de Informação do Setor Boletim do Tempo Presente (UFRJ), 2009.
IV da Missão das Nações Unidas no Sudão – Cenários prospectivos para o Sudão
(Unmis), retornou ao Ciasc como chefe da em 2012. Boletim do Tempo Presente
Divisão de Trabalhos Acadêmicos do Centro (UFRJ), 2009.
de Estudos do Corpo de Fuzileiros Navais – A Missão das Nações Unidas no Su-
(CFN) e atualmente é oficial de Treinamento dão. Revista Âncoras e Fuzis, 2010.
Militar – DPKO – ONU. – O Centro de Lições Aprendidas do
Frequentou e completou os seguintes USMC: um modelo a ser seguido pelo
cursos: CFN?. Revista Âncoras e Fuzis, 2011.
Mestrado em Operações Militares – Cenários apontam para possibilidade
(EB) – 2003-2004; Mestrado em História de conflito no Sudão. Boletim do Tempo
Comparada, com ênfase em Relações Inter- Presente (UFRJ), 2011.
nacionais, Segurança – Uma visão da evo-
e Defesa Nacional, lução das guerras mo-
Consórcio Pró-Defesa dernas: a ameaça da
(MD, EGN, UFRJ, guerra cibernética no
PUC) – 2007-2008; conflito de quarta gera-
Peacekeeping and In- ção. Revista Marítima
ternational Conflict Brasileira (RMB), 2011.
Resolution – Peace – A relação simbió-
Operations Training tica entre mídia, terro-
Institute – 2010; Na- rismo e grandes eventos
tional Security and esportivos. RMB, 2012.
Defense Strategy – In- – Terrorismo Ma-
ter-American Defense ritimo. Revista da Es-
College – 2010; Glo- cola de Guerra Naval e
bal Terrorism – Peace RMB, 2012.
Operations Training – A Projeção Anfí-
Institute – 2011; Cer- bia e o combate às no-
tificate in Terrorism vas ameacas no Atlânti-
Studies – University co Sul. Revista Âncoras
of St Andrews – 2011- CC (FN) Simioni e Fuzis, 2014.
1012; e United Na- Teve texto em jor-
tions Military Observer – Peace Operations nais e capítulos de livros publicados:
Training Institute – 2013. – Cenários apontam para retorno de
Possui as seguintes condecorações: Conflito no Sudão. O Globo/O Mundo. 10
Medalha do Serviço Militar e passador de Janeiro 2010.
de prata – 2o decênio; Medalha “Sangue dos – Uma visão da reação norte-americana
Herois”; Medalha de Paz – Batalhão Suez; pos-11 de setembro: possíveis ensina-
Medalha Mérito Anfíbio – 1 âncora; Meda- mentos para a evolução do planejamento
lha das Nações Unidas no Sudão – UNMIS; brasileiro em segurança e defesa. In: Ne-
e Medalha das Nações Unidas – NYHQ. oterrorismo: reflexões e glossário. Editora
Teve os seguintes artigos publicados: Gramma, 2009.
– Cenários prospectivos para o Sudão: – O terrorismo internacional contem-

20 RMB1oT/2015
PRÊMIO REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

porâneo e suas consequências para a se- na América do Sul: uma ótica brasileira.
gurança e defesa do Brasil. In: Terrorismo Editora Multifoco, 2010.

AUTORES DISTINGUIDOS COM O PRÊMIO


REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA
1910 – Capitão de Mar e Guerra Francisco Radler de Aquino
1911 – Capitão de Fragata Raul Tavares
1912 – Capitão de Corveta Luiz Autran de Alencastro Graça
1926 – Capitão de Fragata Américo Vieira de Melo
Capitão de Fragata Tibúrcio Marciano Gomes Carneiro
1927 – Capitão de Mar e Guerra Otávio Perry
1928 – Contra-Almirante Conrado Heck
1929 – Capitão-Tenente José Augusto Vinhaes
1930 – Capitão de Corveta Octávio Mathias Costa
1935 – Capitão-Tenente Oswaldo Alvarenga Gaudio
1947 – Capitão de Mar e Guerra Álvaro Alberto da Motta e Silva
1950 – Capitão de Mar e Guerra Daniel dos Santos Parreira
1953 – Capitão de Mar e Guerra Paulo Antônio Telles Bardy
1956 – Capitão de Fragata Francisco de Souza Maia Júnior
1959 – Capitão de Mar e Guerra Helio Leoncio Martins
1962 – Capitão de Mar e Guerra (IM) Francisco Ferreira Netto
1971 – Capitão de Fragata Mário César Flores
1974 – Capitão de Fragata Roberto Luiz Fontenele Lima
1977 – Capitão de Mar e Guerra (EN) José Luiz Lunas de Mello Massa
1980 – Contra-Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal
1983 – Contra-Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal
1986 – Vice-Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal
1989 – Almirante de Esquadra Mário César Flores
1992 – Vice-Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal
1995 – Capitão de Corveta (IM) Agostinho Santos do Couto
1998 – Vice-Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal
2001 – Professor Eduardo Italo Pesce
2004 – Almirante de Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho
Contra-Almirante Antônio Fernandes Pereira
Capitão de Mar e Guerra Pedro Augusto Bittencourt Lynch
Professor Eduardo Italo Pesce
2007 – Contra-Almirante Reginaldo Gomes Garcia dos Reis
Capitão de Mar e Guerra Fernando Malburg da Silveira
Capitão de Mar e Guerra Antonio Carlos Soares Guerreiro
2010 – Almirante de Esquadra (FN) Alvaro Augusto Dias Monteiro
2013 – Capitão de Corveta (FN) Alexandre Arthur Cavalcanti Simioni

RMB1oT/2015 21
TERRORISMO MARÍTIMO*

ALEXANDRE ARTHUR CAVALCANTI SIMIONI1


Capitão de Corveta (FN)

SUMÁRIO

Introdução
Principais ataques terroristas no mar
Principais organizações terroristas com capacidade de realizar ataques no mar
Principais ameaças ao setor marítimo
Navios militares como alvos compensadores
(ícones/alta repercussão na mídia)
Navios, portos e plataformas como alvos econômicos
Navios sendo empregados como armas
Navios como transporte de pessoas, cargas perigosas e
armas de destruição em massa
Sequestro de navios ou de membros da tripulação para fins diversos
Principais equipamentos e tecnologias que contribuem para o terrorismo marítimo
Principais estreitos e canais vulneráveis a ataques terroristas
Iniciativas legais internacionais
Outras iniciativas dos EUA para combater o terrorismo marítimo
Principais sistemas de segurança empregados na segurança de navios e portos
Considerações finais

* Republicação do trabalho publicado na RMB do 1o trimestre de 2012. Artigo publicado inicialmente na Revista
da Escola de Guerra Naval, vol. 17, no 2/2012.
1 Ver curriculum do autor no início da matéria.
TERRORISMO MARÍTIMO

INTRODUÇÃO ganizações terroristas tem ampliado o con-


ceito de guerra/conflito armado, sobretudo

C ontrariando as expectativas otimis-


tas no pós-Guerra Fria em relação à
segurança2, o mundo se vê perplexo pela
a ambiência das atividades relacionadas à
guerra. Ou seja, as guerras deste início de
século poderão ser caracterizadas pelo uso
escalada da violência expressa pelas novas da força das armas, mas também com o em-
ameaças globais, como o narcotráfico, o prego de outros meios. Os novos princípios
crime organizado, ameaças ecológicas, não prescrevem mais “o emprego da força
ameaças aos direitos humanos, ameaças armada para compelir um inimigo à nossa
financeiras, pandemias globais e o terroris- vontade”, e sim, “a utilização de todos os
mo internacional, por colocarem em risco meios, militares e não militares, letais e não
a integridade dos povos, a estabilidade letais, para compelir um inimigo aos nossos
dos Estados e os esforços pela paz e pela interesses”. (LIANG e XIANGSUI, 1999)
segurança mundial. As organizações transnacionais, também
Os atentados ao World Trade Center e denominadas “Estado-Rede” por Manuel
ao Pentágono em 11 de setembro de 2001, Castells (1999), caracterizam-se por não pos-
nos Estados Unidos da América (EUA), le- suírem território, população ou infraestrutura,
vando à morte cerca de 3 mil pessoas de 88 mas sim “armas” e atividades de inteligência,
nações, bem como as imagens inesquecíveis e empregarem ações de “guerra não militar”
da destruição de dois ícones (capitalista e para atacar a comunidade internacional. Nes-
militar) do Estado norte-americano, abriram se caso, as fronteiras nacionais, as legislações,
um novo capítulo na história da humanidade, as regras de combate e os princípios éticos
marcando de forma contundente este tipo de não têm qualquer efeito restritivo sobre suas
terrorismo com ações de proporções globais ações. Ao se deparar com este tipo de opo-
e ilimitadas, expresso sob múltiplas formas, nente, não há como realizar uma declaração
meios e métodos de ataque e nutrido por formal de guerra, assim como não haverá um
motivações políticas, étnicas e religiosas. campo de batalha definido. Contudo, sabe-se
Uma das consequências desses ataques que a destruição e os danos sofridos não serão,
diz respeito à multiplicidade de meios de forma alguma, inferiores àqueles de uma
empregados neste tipo de ação, que podem guerra militar tradicional: a maioria desses
ser: explosivos, homens-bombas, vírus de ataques não será de ações militares, porém
computador, aeronaves como mísseis, ou, de força destrutiva idêntica ou superior à das
até mesmo, em um futuro próximo, navios guerras militares.
sendo empregados como bombas, transpor- Essas características do terrorismo interna-
te de terroristas ou armas Nucleares, Bioló- cional ensejam um novo conceito que explora
gicas, Químicas ou Radiológicas (NBQR). a correlação entre guerra e terrorismo, pres-
Diante deste cenário, conclui-se que a crevendo o aprestamento de todos os meios
diversidade de meios empregados por or- disponíveis, a informação em tempo real e

2 No imediato pós-Guerra Fria, acreditava-se em uma era de paz e prosperidade, pois, como na visão idealista de
Francis Fukuyama (1992), “um mundo feito de democracias liberais teria menor incentivo para as guerras”.
Porém essa esperança de um mundo sem guerras “catastróficas” de caráter global, como as vivenciadas no
século XX, foi dissolvida ao presenciarmos conflitos como os de Somália, Ruanda, Bósnia, Kosovo, Che-
chênia, Afeganistão e Iraque. Donald Kagan (apud SILVA, 2004) já apontava que “há mais de dois séculos,
a única coisa mais comum que as previsões sobre o fim da guerra tem sido a própria guerra, (...) [uma vez
que,] estatisticamente, a guerra tem sido mais comum que a paz” na história da humanidade.

RMB1oT/2015 23
TERRORISMO MARÍTIMO

a presença do campo de batalha em todos os dade, possuindo, ainda, como característica


lugares. Segundo Fialho (2002), os ataques de marcante a indiscriminação de alvos, com
11 de setembro deram origem a um novo cená- ações programadas de forma a surpreender
rio mundial em que a luta contra o terrorismo e aterrorizar a população.
passou a representar um verdadeiro estado de Diversos Estados, entre eles o Brasil, têm
guerra permanente, descaracterizando a clara procurado adequar os instrumentos de segu-
distinção anterior entre guerra e paz. rança e de defesa colocados à sua disposição
Neste contexto, o terrorismo surge, neste para o enfrentamento da ameaça terrorista,
início de século, como um dos fenômenos tanto no âmbito interno, por meio de preparo
políticos3 de maior impacto na segurança e adequação de suas instituições, quanto no
internacional e à paz mundial, em função âmbito externo, por meio da cooperação in-
da natureza de suas ações, tendo a capa- ternacional, concretizada pelas convenções,
cidade de tornar qualquer pessoa um alvo resoluções, acordos e protocolos.
em potencial, disseminando, dessa forma, a Analisando-se as medidas de seguran-
intimidação coletiva. Sua imprevisibilidade ça adotadas pelos Estados no pós-11 de
e a violência provocam o sentimento de Setembro, principalmente nos EUA e na
insegurança, vulnerabilidade e impotência Europa, verifica-se que foram priorizadas
a todos os Estados e cidadãos. as questões de segurança contra a possibi-
Verifica-se, então, que o terrorismo lidade de atentados provenientes de terra,
contemporâneo4 distingue-se das outras por meio de explosivos, e pelo ar, com o
formas de violência organizada não apenas emprego de aeronaves, como observado
pela severidade de seus ataques, com um nos ataques de 2001.
maior potencial de letalidade, mas pela Diante deste fato, surgiu uma nova pre-
sua amoralidade e pelo desrespeito às ocupação de que organizações terroristas
legislações vigentes, repudiando qualquer estivessem desenvolvendo tecnologias,
comprometimento com a ética e a morali- técnicas e procedimentos para valer-se do

3 Aqui, o conceito contemporâneo de terrorismo segue a abordagem de WHITTAKER (2005), segundo a qual as
ações terroristas possuem um objetivo político, com o propósito de conquistar o poder para atingir alguma
mudança política. Ou seja, o que se busca, em última análise, é uma mudança do status quo de seus países
com uso indiscriminado da violência, amplificado, atualmente, pelas facilidades da globalização e pelo uso
dos meios de comunicação.
4 Diante de um fenômeno de tamanha complexidade, não existe, ainda, um consenso sobre a definição de terrorismo
na literatura. Diversos autores, entre eles Laqueur, Jenkins, Shmid e Jongman, têm trabalhado sobre esta
questão, sem, contudo, chegar a uma definição formal sobre o conceito do terrorismo, em função de suas
diferentes motivações, e fatores políticos, sociais e econômicos, entre outros.
A noção do que pode ser considerado terrorismo possui alguns aspectos polêmicos. O que pode ser
considerado terrorismo na Europa, predominantemente cristã, pode não o ser no Oriente Médio, predo-
minantemente muçulmano, ou em outras regiões do mundo, com diferentes culturas. Essas divergências
explicam o insucesso da Organização das Nações Unidas (ONU) em tentar achar uma definição universal de
terrorismo, visto que o terrorismo de Estado poderia ser imputado até mesmo a alguns dos países-membros
daquela Organização. Segundo Shimid e Jongman (apud AKPAN, 2007), em 1988 havia 109 definições
sobre terrorismo. Laqueur (2002) também apresentou em seus estudos mais de 100 definições sobre o tema,
concluindo que “somente a violência ou a ameaça de violência apresenta-se como uma característica comum
às definições de terrorismo”. Apesar desta indefinição generalizada, para atingir o propósito deste estudo
utilizar-se-á a definição de terrorismo empregada pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA, 2001
apud WHITTAKER, 2005): “Violência premeditada e politicamente motivada, perpetrada contra alvos não
combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de influenciar
uma audiência”.

24 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

ambiente marítimo, a fim de conduzir seus Internacional para a Proteção de Navios


ataques neste meio, por ser, em tese, menos e Instalações Portuárias (International
protegido e de difícil controle. Ship and Port Facility Security Code –
Essas preocupações foram confirmadas ISPS Code), que tem como propósito
durante as ações dos EUA no Afeganistão estabelecer uma estrutura internacional
contra a Al Qaeda no pós-11 de setembro, envolvendo a cooperação entre governos
ocasião em que foram encontrados 241 vídeos contratantes, órgãos governamentais,
sobre procedimentos de operações navais, administrações locais e as indústrias por-
com ações defensivas e ofensivas, desenvol- tuária e de navegação, a fim de detectar
vidos por Marinhas e guardas costeiras, assim ameaças à proteção e tomar medidas
como táticas empregadas por piratas e outras preventivas contra incidentes de proteção
organizações terroristas e separatistas. Além que afetem navios ou instalações portuá-
desses vídeos, foram encontrados, ainda, rias utilizadas no comércio internacional5.
manuais de treinamento, bem como plane- Esse Código entrou em vigor no âmbito
jamentos prontos para serem executados, internacional em 1o de julho de 2004, contan-
especificamente, para alvos no mar da Ásia, do atualmente, no Brasil, com a participação
no Golfo e no Mediterrâneo. Alguns desses ativa da Autoridade Marítima6 nas águas
manuais mostraram que organizações terro- jurisdicionais brasileiras. No que tange às
ristas estão em estágio bem avançado de trei- instalações portuárias, estas ficam a cargo da
namento para desencadear ataques tanto pela Comissão Nacional de Segurança Pública nos
superfície quanto ataques com o emprego de Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Con-
mergulhadores ou homens-bombas-torpedos portos), auxiliada pelas Comissões Estaduais
(Richardson, 2004). Exemplos como de Segurança Pública nos Portos, Terminais
os ataques ao USS Cole, MV Limburg e ao e Vias Navegáveis (Cesportos). Ainda em
Super Ferry 14 demonstram como navios são 2002, a IMO instituiu dois outros sistemas
potencialmente vulneráveis aos terroristas. visando reforçar a segurança a bordo dos
Após os eventos de 11 de setembro navios, nos portos, terminais e plataformas de
de 2001, a 22 a sessão da Assembleia petróleo: o Sistema de Identificação Automá-
da Organização Marítima Internacional tica (Automatic Identification System – AIS)
(International Maritime Organization – e o Sistema de Alerta de Proteção de Navio
IMO), em novembro de 2001, concordou (Ship Secure Alert System – SSAS).
unanimemente em desenvolver novas Embora o percentual de incidentes terro-
medidas relativas à proteção de navios e ristas no mar represente apenas 2% do total
a instalações portuárias. No ano seguinte, de ataques realizados ao longo dos últimos
em 12 de dezembro, foi adotado o Código 30 anos7, somente a possibilidade de orga-

5 O Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias (ISPS) é constituído de uma Parte A,
de cumprimento obrigatório, e de uma Parte B, com caráter recomendatório, de acordo com o Capítulo XI
da Convenção Solas. O Código foi adotado em 12/12/2002 pela Resolução no 2 da Conferência Diplomática
dos Governos Contratantes da Convenção Solas-74 e entrou em vigor, internacionalmente, em 1/7/2004. No
Brasil, o Diário Oficial da União no 137 de 21/7/09 (Seção1, Pág. 30) publicou a Portaria no 7 de 20/7/09,
dando publicidade ao texto em português consolidado da Parte A, incluídas as emendas até 1o de janeiro de
2009. Para mais informações, ver: www.imo.org.
6 Autoridade Marítima: designação dada ao comandante da Marinha, pela Lei Complementar 97, de 1999, para o
trato das atribuições subsidiárias particulares da Marinha do Brasil.
7 RAND Corporation’s Terrorism Chronology Database e RAND-MIPT Terrorism Incident Database (In:
Murphy, 2007)

RMB1oT/2015 25
TERRORISMO MARÍTIMO

nizações terroristas conseguirem realizar víduos estejam expostos, em pequena


ataques a navios, plataformas de petróleo medida, ao perigo de um ataque militar,
ou de transportar uma arma NBQR em um a penúrias econômicas, pressão política
contêiner para ser detonada ao atingir um ou injustiças sociais.
superporto (megaport) localizado em uma
cidade-alvo, por si só, já merece atenção Alguns Estados complementam o en-
de governos, pois o impacto de um ataque tendimento do que seja a Segurança com
dessa natureza em termos de vidas humanas alguns parâmetros objetivos. Entre eles,
e sobre a economia mundial é incalculável. destacam-se: determinação do agente
Em meio a esses acontecimentos, obser- hostil, seu risco ou ameaça e os interesses
va-se que o Brasil, por meio de suas ações nacionais, entre outros.
da política externa, vem procurando, nestes O estabelecimento desses parâmetros per-
últimos anos, projetar o País de forma a an- mite a base de estudos para a coordenação das
gariar maior inserção na arena das decisões políticas e estratégias subordinadas ao Estado,
mundiais. Porém, ao buscar esta posição priorizando os bens a proteger, segundo os
no concerto internacional, é preciso que o riscos e as ameaças atuais, o que, atualmente,
Estado esteja preparado para a entrada em torna-se cada vez mais difícil, em função das
um mundo de competição global e sujeito ameaças transnacionais, características deste
a qualquer tipo de retaliação, inclusive ter- mundo globalizado do século XXI.
rorista. Nesse sentido, a partir do momento Verifica-se, portanto, que a Segurança
em que o Brasil elevar sua participação do Estado deve ser flexível, de forma a se
na arena competitiva, necessitará de mais adequar a qualquer tipo real ou potencial de
segurança, pois, conforme as palavras de hostilidade, bem como estar preparada para a
Kissinger, “[...] política sem o respaldo da possibilidade de um risco se transformar em
força é mero exercício de retórica”. ameaça. Isso implica possuir uma estrutura
A Política de Defesa Nacional (2005) realmente capaz de planejar, preparar, coor-
define Segurança como: denar e executar ações eficazes e eficientes
[...] a condição que permite ao País a para enfrentar os desafios deste século.
preservação da soberania e da integri- Em relação ao emprego das Forças
dade territorial, a realização dos seus Armadas para fazer frente ao terrorismo, a
interesses nacionais, livre de pressões temática apresenta aspectos controversos,
e ameaças de qualquer natureza, e a pois, após o 11 de Setembro, observou-se a
garantia aos cidadãos do exercício dos presença dos meios militares na luta contra
direitos e deveres constitucionais. o terrorismo, principalmente pelo fato de a
Organização do Tratado do Atlântico Norte
Já a Organização das Nações Unidas (Otan) ter evocado o contido no Artigo V
define Segurança como: do Tratado de Washington de 1949, que
[...] a condição de proteção em que se trata da solidariedade entre os seus mem-
considera que os Estados ou os indi- bros em caso de agressão8.

8 Existe uma grande discussão sobre o emprego ou não das Forças Armadas no combate ao terrorismo. Uma
vertente defende que o terrorismo é uma questão de ordem interna dos Estados, devendo, portanto, ser
combatido por meio das instituições domésticas como as forças de segurança, as alfândegas, as repartições
de emigração e, sobretudo, a justiça. Uma outra vertente identifica as organizações terroristas como grupos
que operam a partir do exterior e, portanto, admite o uso das Forças Armadas, incumbidas por definição da
defesa externa. (DIAMINT, 2003)

26 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

Nesse contexto, observa-se que os Es- de recursos marinhos. Nessa visão, a for-
tados alinhados à causa da Guerra Global ça naval norte-americana de 313 navios,
Contra o Terrorismo, desencadeada pelos prevista para 2020, seria complementada
EUA no pós-11 de Setembro, têm revisado com as unidades navais das nações amigas
suas estratégias de Defesa e Segurança para e parceiras dos EUA10 para atingir este
adaptá-las ao terrorismo internacional, esta- propósito. (ROTH, 2010)
belecendo papéis e responsabilidades além No Brasil, o emprego da Marinha do
daqueles tradicionalmente estabelecidos Brasil (MB) na consecução de suas atri-
para as Forças Armadas. No que concerne buições subsidiárias, relacionadas às ações
à segurança marítima, o comandante de preventivas e repressivas do Poder Naval
Operações Navais dos EUA, Almirante contra os delitos de repercussão nacional
Mike Mullen, apresentou em 2006 a ideia ou internacional, como o narcotráfico e
da criação de uma “Marinha de Mil Navios” o terrorismo, é regulamentado pela Lei
(1.000 Ship’s Navy)9. O propósito dessa Complementar no 97, de 9 de junho de
iniciativa visava ao emprego participativo 1999, com as alterações introduzidas pela
de todas as Marinhas do mundo no combate Lei Complementar no 117, de 2 de setembro
ao terrorismo, ao tráfico de drogas e à pira- de 2004, e Lei Complementar no 136, de 25
taria nos mares, bem como na promoção da de agosto de 201011. Desta forma, verifica-
estabilidade econômica e política, de forma -se que, atualmente, a MB possui o amparo
a assegurar a liberdade de navegação, o legal (poder de polícia) para atuar contra os
fluxo do comércio marítimo e a proteção crimes transfronteiriços, por meio das ope-

9 O conceito da “Marinha de Mil Navios” tomou a forma da chamada “Parceria Marítima Global” (Global
Maritime Partnership).
10 Para aprofundar o tema sobre a nova estratégia dos EUA e os conceitos da “Marinha de Mil Navios” e “Parceria
Marítima Global”, ver: http://www.usnwc.edu/getattachment/72712d53-8ef1-4784-925b-93c765c94e89/
Perspectivas-sobre-Estrategia-Maritima-(1).
11 Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999. Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações
pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judi-
ciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas
interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela
recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do
Poder Executivo, executando, entre outras, as ações de (incluído pela Lei Complementar no 136, de 2010):
I – patrulhamento (incluído pela Lei Complementar no 136, de 2010);
II – revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves (incluído pela Lei Com-
plementar no 136, de 2010); e
III – prisões em flagrante delito (incluído pela Lei Complementar no 136, de 2010).
Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:
I – orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas no que interessa à defesa
nacional;
II – prover a segurança da navegação aquaviária;
III – contribuir para a formulação e a condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar;
IV – implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores,
em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em
razão de competências específicas;
V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão
nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio
logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução (incluído pela Lei Complementar no 117, de 2004).
Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do comandante da Marinha
o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como “Autoridade Marítima” para esse fim.

RMB1oT/2015 27
TERRORISMO MARÍTIMO

rações de Patrulha Naval (Patnav)12, cujas nesse porto, movimentando mais de 76 mi-
atividades são conduzidas por meios navais lhões de toneladas de cargas, representando
e aéreos, com o propósito de implementar ¼ de toda a balança comercial brasileira
e fiscalizar o cumprimento de leis e regula- (US$ 289,7 bilhões de dólares em 2009)14.
mentos, em águas jurisdicionais brasileiras, Embora, atualmente, a “real” ameaça à
na plataforma continental e no alto-mar, segurança e ao comércio marítimo tenha
respeitados os tratados, convenções e atos sido a pirataria, em face do aumento sig-
internacionais ratificados pelo País. nificativo de ataques a navios nas últimas
Os números apresentados pelos pales- décadas, há uma grande preocupação, por
trantes durante a Conferência Nacional de parte dos governos e estudiosos, com a re-
Segurança e Proteção Marítima, realizada lação entre pirataria e terrorismo marítimo.
no Rio de Janeiro em 2011, confirmam A pirataria na costa da Somália, por
a importância de segurança e defesa das exemplo, já é capaz de realizar seus ataques
riquezas presentes na Amazônia Azul para em alto-mar, empregando navios maiores e
o País, que podem, em última análise, ser tecnologias disponíveis no mercado, como o
alvos de ataques terroristas. Mais de 90% Sistema de Identificação Automática e o Sis-
do comércio exterior são feitos pelo mar. tema de Posicionamento Global, na identifi-
Somente a Petrobras produz mais de 2,34 cação de seus navios-alvo, por exemplo. Da
milhões boe/d13, sendo 87% da produção lo- mesma forma, há indícios de que algumas
calizada no mar (mais de 2 milhões boe/d). organizações terroristas, motivadas por seus
As reservas comprovadas de óleo e gás do objetivos políticos e ideológicos, poderiam
País somam 15,28 bilhões de boe, sendo estar desenvolvendo suas táticas, meios e
que 91% dessas reservas estão localizadas capacidades para executar ataques por via
na plataforma continental. A empresa pos- marítima. Além disso, poderia haver uma
sui, atualmente, 120 plataformas de petró- aproximação entre o crime organizado da
leo, com previsão de serem 130 até 2013. pirataria e terroristas, de forma a aumentar
Além disso, conta com 250 embarcações os lucros e levantar fundos com o propósito
contratadas que prestam apoio às platafor- de financiar ataques futuros15.
mas e com previsão de serem mais de 460 Comparado com a pirataria, o terrorismo
nos próximos dois anos. A Transpetro opera marítimo é um campo relativamente novo
uma frota de 50 navios e deverá alcançar nos estudos do terrorismo e contraterro-
112 navios nos próximos três anos. rismo, haja vista que, como citado ante-
Em relação à infraestrutura portuária, o riormente, apenas 2% de todos os ataques
Brasil possui 34 portos públicos marítimos terroristas realizados nas últimas décadas
e 129 terminais de uso privativo. Somente foram caracterizados como terrorismo
o porto de Santos possui uma área de 7,7 marítimo.
milhões de m², mais de 500 mil m² em Desta forma, os especialistas em terro-
armazéns, com uma hidrelétrica localizada rismo, ao analisarem os piores cenários de
dentro do porto capaz de produzir 15 mil terrorismo marítimo, os classificaram como
kVA. Em 2010, 5.748 navios atracaram sendo de “alto impacto, porém de baixa

12 Decreto no 5.129/2004.
13 Barris de óleo equivalente/dia.
14 Números apresentados durante a Conferência Nacional de Segurança e Proteção Marítima, 2011.
15 Universidade St. Andrews.

28 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

probabilidade”. No entanto, desde o caso PRINCIPAIS ATAQUES


do sequestro do navio Achille Lauro, em TERRORISTAS NO MAR
1985, e a prisão de dois principais membros
da Al Qaeda, Khalid Sheikh Mohammed De acordo com o National Consortium
(em 2003) e Abd al-Rahim al-Nashiri (em for the Study of Terrorism and Responses
2002), terem expressado a real intenção de to Terrorism (Start)18, houve, entre 1970
realizar terrorismo marítimo, esta é uma e 2010, 181 incidentes de terrorismo ma-
possibilidade que não pode ser desprezada rítimo, conforme apresentado no gráfico:
pelos governos. Estima-se que quase 90%
de todo o comércio mundial são transpor-
tados pelo mar, empregando pelo menos
50.054 navios16 e 4.571 portos17, havendo,
ainda, inúmeras rotas marítimas ainda
desprotegidas e suscetíveis a ataques ter-
roristas, suscitando, portanto, uma grande
preocupação de que a indústria marítima
torne-se um provável alvo do terrorismo
transnacional.
Diante deste cenário, este artigo pre- Fig.1: Incidentes de terrorismo marítimo entre
1970 e 2010 – Fonte: Start, 2011
tende apresentar, sumariamente, algumas
considerações sobre o terrorismo marítimo. Não obstante, organizações terroristas e
Inicialmente, será discutida a importância grupos guerrilheiros/separatistas têm demons-
no aprofundamento dos estudos deste tema, trado interesse em desenvolver suas capacida-
haja vista os indícios de que algumas or- des de conduzir ataques no mar em termos de
ganizações terroristas, motivadas por seus armamento, tecnologia e táticas, como obser-
objetivos políticos e ideológicos, poderiam vado nos ataques aos navios Achille Lauro,
estar desenvolvendo suas táticas, meios em 1985; Petro Ranger, em 1998; Our Lady
e capacidades para executar ataques por Mediatrix, em 2000; USS The Sulivans, em
via marítima no pós-11 de Setembro de 2000; USS Cole, em 2000; M/V Ocean Silver,
2001. Posteriormente, serão apresentados em 2001; M/V Sintel Marine 88, em 2002;
os principais ataques terroristas efetuados M/V Limburg, em 2002; M/V Trimanggada,
no mar, assim como, as organizações com em 2003; M/V Penrider, em 2003; M/V Dong
capacidade de realizá-los. Além disso, se- Yih, em 2003; e o Super Ferry 14, em 2004.
rão mencionadas as principais ameaças e os Dentre esses incidentes, quatro casos
locais mais vulneráveis ao setor marítimo na história recente chamaram a atenção da
na atualidade. Por fim, serão indicadas comunidade internacional para a emergên-
algumas iniciativas legais internacionais e cia do terrorismo marítimo: os ataques aos
os principais sistemas de segurança contra Achille Lauro, USS Cole, M/V Limburg e
atentados terroristas. Super Ferry 14.

16 http://www.marisec.org/shippingfacts/worldtrade/number-of-ships.php
17 http://www.worldportsource.com/index.php
18 Para outras informações sobre incidentes terroristas marítimo, ver: http://www.start.umd.edu/gtd/search/
Results.aspx?start_yearonly=&end_yearonly=&start_year=&start_month=&start_day= &end_year=&end_
month=&end_day=&asmSelect0=&asmSelect1=&target=11&dtp2=all&success= yes&casualties_
type=b&casualties_max=

RMB1oT/2015 29
TERRORISMO MARÍTIMO

Achille Lauro homens-suicidas da Al Qaeda, próximo


Primeiro atentado terrorista no mar de ao porto de Mina AL-Dabah, no Iêmen.
grande repercussão na mídia. Em 7 de ou- O impacto da explosão foi suficiente para
tubro de 1985, o cruzeiro italiano Achille perfurar o casco duplo do navio. Apro-
Lauro foi sequestrado por quatro membros ximadamente 90 mil barris de petróleo
da organização terrorista Frente de Liberta- foram espalhados pelo Mar da Arábia. Os
ção da Palestina, no Egito. A exigência dos rumores do incidente foram suficientes
terroristas era de que 50 palestinos presos para elevar o preço do petróleo em 1,3%
em Israel fossem libertados. Após Israel nas primeiras horas após o ataque, assim
não aceitar esta demanda, os terroristas como o seguro para os navios com destino
mataram um passageiro norte-americano. ao Iêmen triplicou um dia após o incidente.
Depois de prolongada negociação com
autoridades italianas, egípcias e sírias, Super Ferry 14
os terroristas concordaram em finalizar o No dia 26 de fevereiro de 2004, a orga-
sequestro, em 9 de outubro daquele ano. nização Abu Sayyaf Group (ASG) realizou
um ataque a bomba no Super Ferry 14,
USS Cole empregando oito libras de TNT. Este navio
Em 12 de outubro de 2000, o USS do tipo roll on/roll off, com capacidade
Cole foi atacado por uma lancha com dois de até 1.747 passageiros, era usado como
homens-bombas suicidas da Al Qaeda. transporte de passageiros entre Manila e
Acredita-se que a embarcação estava car- Davao. Após as explosões, 116 passageiros
regada com, aproximadamente, 500 libras morreram e o navio afundou.
de explosivos C4. Esta carga foi suficiente
para abrir uma avaria de 12 por 12 metros PRINCIPAIS ORGANIZAÇÕES
no costado do navio norte-americano. TERRORISTAS COM
Nesse ataque, 17 membros da tripulação CAPACIDADE DE REALIZAR
morreram e 39 ficaram feridos. Estima-se ATAQUES NO MAR
que o atentado ao USS Cole tenha custado à
Al Qaeda US$ 50 mil, enquanto o reparo do Os ataques do 11 de Setembro confirma-
navio somou as cifras de US$ 350 milhões. ram a hipótese da natureza indiscrimina-da
Este foi o segundo atentado a navios da e imprevisível dos ataques perpetrados
Marinha dos EUA. O primeiro foi realizado pelas organizações terroristas. Diante dessa
em janeiro daquele ano contra o USS The premissa, é factível que tais organizações
Sullivans, porém a lancha estava muito pe- desenvolvam técnicas, táticas e capaci-
sada e afundou antes de colidir com o navio. dades para atacar pelo mar. Contudo, são
relativamente poucos os grupos que têm a
M/V Limburg capacidade de realizar operações maríti-
Em 6 de outubro de 2002, o super- mas, destacando-se entre eles: Liberation
petroleiro francês M/V Limburg, carregado Tigers of Tamil Eelam (LTTE), Al Qaeda,
com aproximadamente 400 mil barris de Abu Sayyaf Group (ASG), Moro Islamic
petróleo bruto, foi atacado por um peque- Liberation Front (MILF), Palestinian Isla-
no bote carregado com explosivos por mic Jihad e Jemaah Islamiyad (JI)19.

19 Informações retiradas do módulo sobre Terrorismo Marítimo do curso Terrorism Studies da St. Andrew’s
University. Para aprofundar as informações sobre estas organizações, ver também: http://www.start.umd.
edu/start/data_collections/tops/

30 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE) Aproximadamente 40 marinheiros foram


Informações gerais – Este grupo lutava feridos neste ataque.
pela independência do Estado de Tamil,
no norte do Sri Lanka, até encerrar suas Abu Sayyaf Group (ASG)
atividades em 2009. Em seu braço maríti- Informações gerais – Categorizada
mo, também conhecido como Sea Tigers, como um grupo separatista, esta organi-
chegou a possuir 3 mil membros e entre zação está baseada no sul das Filipinas e
100 e 200 embarcações. O grupo realizou é influenciada ideologicamente pela Al
diversos ataques no mar, muitos deles Qaeda. Conduziu seu primeiro ataque em
considerados sofisticados, com emprego 1991. Para financiar suas atividades, este
de mergulhadores e com equipamentos grupo realiza sequestros, assaltos e pira-
similares aos usados por mergulhadores taria, incluindo incursões em resorts para
de combate. Acredita-se que as técnicas praticar sequestros de ocidentais, como ob-
suicidas utilizadas nos ataques ao USS servado nas ações em Sabah – Malásia, em
Cole e ao Limburg foram as mesmas de- 2000 – e em Palawan – Filipinas, em 2001.
senvolvidas pelo Black Sea Tigers, seção Além da Al Qaeda, o grupo tem conexões
do Sea Tigers especialmente treinada para com o Jemaah Islamiyad (JI) e Kumpulan
conduzir missões suicidas. Mujahedeen Malaysia (KMM). Acredita-se
Táticas – Ataques marítimos suicidas, que possua entre 200 e 500 integrantes.
assim como táticas de perfídia para realizar Táticas – Principalmente ataques de
seus ataques a navios mercantes ou a navios pirataria, assassinatos e sequestros. O grupo
da Marinha do Sri Lanka (SLN)20. tem ameaçado atacar a indústria do petróleo
Meios – Estima-se que o grupo chegou e o comércio marítimo regional.
a possuir quase 200 embarcações, in- Meios – Estima-se que a organização
cluindo algumas de até 50 pés, equipadas possua pelo menos 300 fuzis, incluindo
com metralhadoras .50. Desenvolveram, fuzis de assalto M-16, explosivos, mortei-
ainda, tecnologias primárias de stealth ros e equipamentos de comunicações de
para reduzir a capacidade de detecção de última geração.
suas embarcações. Quando o grupo foi Áreas de Atuação – Basicamente na
desestru-turado pelas Forças Armadas do costa da Malásia e Filipinas.
Sri Lanka, projetos de minissubmarinos, Principal ataque – Ataque a bomba no
minas flutuantes, torpedos e explosivos Super Ferry 14, em fevereiro de 2004. Este
submarinos foram descobertos em suas navio do tipo roll on/roll off era usado como
instalações. transporte de passageiros entre Manila e
Áreas de Atuação – Basicamente na Davao. Após as explosões, 116 passageiros
costa nordeste do Sri Lanka e sul da Índia. morreram.
Principal ataque – Em 23 de outubro de
2000, quatro embarcações com tripulações Anti-Israel Groups
suicidas conseguiram penetrar a zona de Informações gerais – Desde 1966, o
segurança do porto de Tricomalee, no Sri conflito entre Israel e palestinos possui
Lanka. Os terroristas conseguiram destruir uma dimensão no mar. Porém, desde o
um navio de transporte de tropa da SLN. 11 de Setembro, analistas apontam para o
20 Em uma de suas ações, esta organização chegou a pintar seus navios com as mesmas cores dos navios da
SLN, assim como usar uniformes militares para conduzir seus ataques a navios comerciais, simulando uma
inspeção oficial.

RMB1oT/2015 31
TERRORISMO MARÍTIMO

aumento de atentados a navios israelenses Jemaah Islamiyad (JI)


por organizações terroristas palestinas no Informações gerais – O Jemaah Isla-
Estreito de Málaca, semelhantes aos ata- miyad é uma organização islâmica terro-
ques realizados ao USS Cole e Limburg. rista localizada na Indonésia. Seu objetivo
Como exemplos de organizações palestinas é o de unificar o sul das Filipinas com
que incluem o terrorismo marítimo como Indonésia, Malásia, Singapura, Brunei e
modalidade de ataque estão: Hamas, He- os muçulmanos denominados deep south
zbollah e Paletinian Islamic Jihad (PIJ). da Tailândia, para formar uma República
Táticas – Entre as táticas usadas, in- islâmica na região. Acredita-se que o grupo
cluem ações suicidas com o emprego de tenha conexões com o ASG e o Milf.
embarcações, mergulhadores e a tática da Táticas – Principalmente ataques por
perfídia. terra. Porém, em dezembro de 2001, o
Meios – Não confirmados. Departamento de Segurança de Singapura
Áreas de Atuação – Não confirmadas. descobriu o planejamento de um ataque
Principal ataque – Em 22 de novembro coordenado contra vários alvos, incluindo
de 2002, um barco pesqueiro foi preparado um ataque suicida, semelhante ao realizado
com bombas para explodir ao entrar na área ao USS Cole, e a um navio norte-americano
patrulhada pelas forças de Israel. Quando atracado na base naval de Xangai.
uma patrulha israelense se aproximou para Meios – Armas automáticas, explosivos
identificar a embarcação, as bombas foram e lança-granadas.
detonadas. Felizmente, a bomba foi acio- Áreas de Atuação – Filipinas, Indonésia,
nada prematuramente, causando pequenas Malásia, Singapura, Brunei e Tailândia.
avarias ao navio israelense; contudo, quatro Principal ataque – A organização foi
membros da tripulação israelense foram responsabilizada pelo planejamento de
feridos neste ataque. atentados a navios norte-americanos an-
corados no porto Sembawang Wharf e na
Moro Islamic Liberation Front (Milf) Base Naval de Xangai. Porém tais ataques
Informações gerais – Categorizado não foram executados por falta de experi-
como um grupo separatista, o Milf é uma ência na condução de ataques. No entanto,
organização islâmica, formada na década este incidente aponta para possibilidades
de 1970, e o seu objetivo é a luta pela inde- futuras desta organização conduzir ataques
pendência da minoria étnica moro, nas Fili- a instalações portuárias.
pinas. Há suspeitas de que esta organização
esteja vinculada a outras duas organizações Al Qaeda
terroristas: o Jemaah Islamiyad (JI) e o Abu Informações gerais – Estima-se que a
Sayyaf (ASG). Al Qaeda possua mais de 20 organizações
Táticas – Guerrilha e ataques suicidas. filiadas, espalhadas em mais de 60 países.
Meios – Explosivos. Desde os ataques do 11 de Setembro, as
Áreas de Atuação – Filipinas. medidas de segurança desenvolvidas pelos
Principal ataque – A organização foi países têm tornado extremamente difíceis
responsabilizada pelos ataques ao Ferry as ações por parte das organizações ter-
Our Lady Mediatrix, em 2000, e ao cais roristas por terra ou pelo ar. Diante desse
em Davao, em 2003, onde havia dois fer- fato, especialistas em terrorismo passaram
ries interilhas ancorados. Nestes ataques a estudar a possibilidade de que a Al Qa-
morreram 16 pessoas e 55 foram feridas. eda passasse a desenvolver técnicas para

32 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

realizar ataques pelo mar. Essas previsões demonstraram como aeronaves civis, sem
foram confirmadas na ação de captura de qualquer tipo de alteração em sua estrutura
Osama Bin Laden no Paquistão, em que as ou preparadas com explosivos, foram em-
análises dos computadores confirmaram as pregadas para atingir os ícones capitalista
intenções do grupo em realizar terrorismo e militar dos EUA, além, é claro, de terem
marítimo como estratégia para atingir a causado um grande impacto na economia
economia ocidental, conforme apresentado e serem alvos considerados de alta letali-
anteriormente. dade (mass casuality). Transportando este
Táticas – Ataques marítimos suicidas cenário para o mar, surgem algumas possi-
com embarcações e mergulhadores. Porém bilidades de ameaças que o setor marítimo
a maior preocupação é que a organização pode enfrentar em futuro próximo:
empregue armas NQBR em seus futuros – navios militares como alvos compen-
ataques. No que concerne ao terrorismo sadores (ícones/alta repercussão na mídia);
marítimo, a preocupação é que essas armas – navios, portos e plataformas como
sejam transportadas em contêineres e deto- alvos econômicos;
nadas ao atingir algum superporto. – navios sendo empregados como
Meios – Não confirmados. armas;
Áreas de Atuação – A organização ain- – navios como transporte de pessoas,
da tenta manter suas conexões em todo o cargas perigosas e armas de destruição
globo, mesmo após a morte de Osama Bin em massa;
Laden. Em relação ao terrorismo marítimo, – sequestro de navios ou de membros da
as principais preocupações recaem sobre tripulação para fins diversos.
as conexões no sudeste da Ásia, parti-
cularmente na Malásia, nas Filipinas, na Navios militares como alvos
Indonésia e em Singapura. O grupo possui compensadores (ícones/alta
ligações com o ASG, o Milf e o JI. repercussão na mídia)
Principal ataque – Ataques suicidas
ao USS Cole e ao M/V Limburg em 2002, Navios de guerra podem ser considera-
ambos na costa do Iêmen. Ataques suicidas dos alvos em potencial para organizações
aos terminais de petróleo em Al Basrah e terroristas, como a Al Qaeda e o LTTE.
Khawr Al Armaya (Abot e Kaaot) em abril O LTTE executou mais de 40 ataques
2004. Atentados, sem êxito, aos USS Kear- suicidas contra navios da Marinha do Sri
sarge e USS Ashland, localizados no porto Lanka entre 1990 e 200921. Os atentados ao
de Aqaba em agosto de 2005. Atentado USS Cole e ao USS The Sullivans em 2000,
suicida, sem êxito, ao petroleiro japonês M no Iêmen; os atentados ao USS Ashland e
Star, em 28 de julho de 2010, no Estreito USS Kearsarge na Jordânia, em 2005; os
de Hormuz. planos descobertos de ataque a navios dos
EUA em Singapura e no Estreito de Hor-
PRINCIPAIS AMEAÇAS AO SETOR muz, assim como os planos contra navios
MARÍTIMO do Reino Unido no Estreito de Gibraltar,
apontam para a possibilidade de ataques
Os atentados do 11 de Setembro de 2001 futuros a navios de guerra como um alvo
ao World Trade Center e ao Pentágono compensador.

21 St. Andrew’s University, 2011.

RMB1oT/2015 33
TERRORISMO MARÍTIMO

Navios, portos e plataformas como alvos iraquiano. Em abril de 2004, três embar-
econômicos cações da Al Qaeda estavam a seis milhas
da costa de Basra, navegando em direção
Em um vídeo divulgado em 2004, Osama aos terminais de petróleo. Um navio-
Bin Laden demonstrou sua vontade de fazer -patrulha norte-americano foi enviado para
com que os EUA falhem economicamente. realizar a identificação e a inspeção destas
Não há dúvidas de que o petróleo é uma embarcações. Ao se aproximar, uma das
fonte de energia de vital importância para embarcações foi explodida pelos terroristas
o desenvolvimento de qualquer país, como suicidas, matando três marinheiros norte-
também o é para a economia norte-americana. -americanos. As outras duas embarcações
As consequências econômicas do ataque ao iniciaram o deslocamento na direção do
MV Limburg, em 2002, fez com que o preço terminal, porém explodiram antes de atingir
do petróleo subisse nas primeiras horas após o alvo. Não há relatos de que incidentes
a divulgação na mídia sobre o ataque, assim desta natureza tenham se repetido até então;
como fez com que triplicassem os valores contudo, as consequências econômicas no
de seguros de navios para aquela região. mercado mundial serão altíssimas caso um
Contudo, por meio de uma análise mais apro- ataque desses seja bem-sucedido.
fundada, verifica-se que as consequências Em termos de análise das probabilidades
econômicas desse ataque ficaram limitadas à de ameaça, a Universidade de St. Andrew’s
região do Oriente Médio e foram rapidamente considera que a probabilidade de um navio
superadas. ser empregado como arma para atingir um
No entanto, após Abd al-Rahim al-Nashiri porto é baixa, porém com um alto impacto
ter anunciado que a Al Qaeda planejava para a economia caso se concretize. Esta
atacar, simultaneamente, vários navios análise fundamenta-se na dificuldade de
petroleiros no Estreito de Hormuz, com o manobrar navios e na necessidade de se ter
propósito de causar o maior dano possível à um planejamento detalhado das instalações
economia ocidental, as medidas de segurança portuárias, a fim de que o navio atinja um
contra o terrorismo marítimo foram intensifi- local que possa maximizar os danos, como,
cadas. O planejamento a ser executado pela por exemplo, armazéns com produtos infla-
organização seria o de afundar vários navios máveis ou depósito de combustíveis.
petroleiros, de forma a bloquear o estreito
e impedir o comércio marítimo na região, Navios sendo empregados como armas
causando um caos nas bolsas de valores mun-
diais e interrompendo o mercado de petróleo Navios poderão ser empregados, em
temporariamente. similitude com as aeronaves usadas nos
Em relação às instalações de petróleo ataques do 11 de Setembro, como armas
e gás, verifica-se que a Al Qaeda realizou para atacar terminais de petróleo e gás,
alguns ataques por terra a instalações de plataformas, portos, outros navios ou
petróleo na Arábia Saudita e no Iraque, espalhando cargas ou substâncias no mar
degradando, sensivelmente, a produção que afetem o meio ambiente e o comércio
de óleo e a economia local. No entanto, marítimo. Um pequeno bote, rebocador ou
atentados a terminais ou ataques a plata- traineira, por exemplo, pode ser preparado
formas de petróleo por via marítima são com explosivos para uma missão suicida.
raros. Há relato de apenas uma tentativa de Um exemplo histórico demonstra o po-
ataque, por mar, a um terminal de petróleo der destrutivo de um navio carregado com

34 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

material inflamável ou explosivo. Em 6 de Esta análise fundamenta-se na dificuldade


dezembro de 1917, o navio francês Mont de manobrar navios maiores e, em termos
Blanc, transportando 2.500 toneladas de de destruição, o impacto é alto, em face da
benzol, TNT e ácido pícrico, explodiu no quantidade de combustível e outros mate-
porto de Halifax, Nova Escócia, Canadá. riais transportados em um navio deste porte.
Mais de 1.600 pessoas morreram imedia- Para o caso de pequenos botes, a pro-
tamente com as explosões. Posteriormente, babilidade é alta, porém com um baixo
as mortes chegaram a mais de 2 mil pessoas impacto. Esta análise fundamenta-se na fa-
e mais de 9 mil feridos. (MURPHY, 2007) cilidade de aquisição e manobrabilidade de
Fazendo um paralelo com os ataques embarcações de menor porte e, em termos
do 11 de Setembro, o potencial destrutivo de destruição, o impacto é baixo, em face
que navios carregados com substâncias da quantidade de combustível e explosivos
perigosas, como nitrato de amônia (utili- que uma embarcação pequena pode trans-
zado para produzir fertilizante, porém al- portar (exceto se empregado contra um alvo
tamente explosivo), cargas voláteis (como ícone, em face da repercussão na mídia).
gás natural, LNG ou LPG) ou petróleo é Para a situação de uso de navios para
enorme, podendo se tornar um meio para poluir um canal ou estreito, a Universidade
que organizações terroristas empreguem considera a probabilidade alta, porém com
esses navios como bombas. um baixo impacto. Esta análise fundamen-
Outro fator preocupante recai no furto de ta-se na teoria de que é necessário apenas
embarcações com o propósito de usá-las em um único navio para espalhar grande
ataques terroristas. Em 2 de outubro de 2002, quantidade de óleo, porém o impacto no
o jornal The Economist reportou a preocu- meio ambiente e na economia pode ser
pação de especialistas ingleses baseados na considerado apenas local.
Aegis Defense Services (ADS) de que rebo- Já para o caso de afundar navios, a
cadores estariam sendo furtados no Estreito fim de bloquear um estreito ou canal,
de Málaca e que poderiam ser usados por considera-se a probabilidade baixa, po-
terroristas a ataques a portos ou para rebocar rém com um alto impacto. Esta análise
grandes navios a serem usados como bombas. fundamenta-se na dificuldade de afundar
Como citado anteriormente, outra possi- vários navios para atingir este objetivo,
bilidade é que organizações terroristas em- porém, caso seja concretizado um ataque
preguem os navios para obstruir a passagem dessa natureza, o impacto será alto para o
em algum estreito ou canal, afundando-os comércio marítimo.
ou utilizando a sua carga para fazê-lo,
como, por exemplo, despejando óleo ou Navios como transporte de pessoas,
contêineres no mar. Em 2005, relatórios de cargas perigosas e armas de destruição
segurança apontavam para a possibilidade em massa
de ataques terroristas a navios no Canal de
Suez, na tentativa de afundá-los e impedir As maiores preocupações no pós-11
o tráfego marítimo. (ibidem, 2007) de Setembro em relação ao terrorismo
Em termos de análise das probabilidades internacional recaem sobre a possibilidade
de ameaça, a Universidade de St. Andrew’s de organizações terroristas terem acesso a
considera que a probabilidade de que um material NBQR.
navio de grandes proporções seja empregado Não obstante, especialistas apontaram
como arma é baixa, porém com alto impacto. para a possibilidade de armas de destruição

RMB1oT/2015 35
TERRORISMO MARÍTIMO

em massa, principalmente bombas radioló- ao World Trade Center. Autoridades


gicas, conhecidas como bombas sujas (dirty portuárias italianas do porto Gioia Tauro
bombs), e terroristas serem transportados descobriram um passageiro clandestino
em contêineres. dentro de um contêiner, o qual possuía
A revolução na logística mundial, pro- cama, comida e água suficiente para uma
vocada pela movimentação de cargas por longa viagem. O passageiro de naciona-
meio de contêineres, em face da velocidade lidade egípcia, porém com passaporte
nas operações de carga e descarga e à prote- canadense, possuía dois telefones celu-
ção às mercadorias, proporcionou também lares, telefone satelital, laptop, diversas
um grande risco à segurança, tendo em vista câmeras, credenciais de segurança e
que não há como autoridades portuárias e certificados de mecânico de voo de
aduaneiras realizarem a inspeção em 100% quatro grandes companhias aéreas dos
dos contêineres. EUA. Além desse caso, foi declarado
Somente em 2010, estima-se que houve a pelo chefe do Comitê de Inteligência do
movimentação de mais de 20 milhões de con- Senado dos EUA, senador Bob Graham,
têineres em todo mundo, sendo que menos de que 25 “extremistas” entraram em solo
2% deles foram inspecionados fisicamente ou norte-americano por meio de viagens
escaneados por equipamentos com a tecnolo- em contêineres. (RICHARDSON, 2004)
gia de raio X e raio gama (X-ray e gamma ray Em termos de análise das probabili-
scanners). De acordo com a Universidade de dades de ameaça, a Universidade de St.
St. Andrew’s, 7 milhões de contêineres entram Andrew’s considera que a probabilidade
nos EUA anualmente, sendo que menos de 5% de transportar cargas perigosas e terroris-
são fisicamente inspecionados ou escaneados. tas em contêineres é alta, porém com um
No Brasil, 70 milhões de toneladas foram baixo impacto em termos de destruição.
movimentadas em contêineres em 2010, com Essa análise fundamenta-se na dificuldade
previsão de atingir 200 milhões até 2030. em inspecionar 100% dos contêineres e o
Navios e contêineres poderiam também impacto ser apenas local.
ser empregados para transporte de cargas pe- Já para o caso de transporte de armas
rigosas e terroristas. Atualmente, verifica-se de destruição em massa, considera-se
que uma das grandes dificuldades é o cadas- de probabilidade baixa, porém com alto
tro de tripulantes dos navios. Uma pesquisa impacto. Esta análise fundamenta-se na
realizada em 54 administradoras marítimas complexidade de adquirir e esconder uma
pelo International Maritime Bureau (IMB) arma NBQR, porém, em caso de detonação,
revelou mais de 12 mil irregularidades no os impactos em vidas humanas e para a
cadastro de pessoas que trabalham no setor economia são altíssimos.
marítimo. Diante desse fato, alguns espe-
cialistas em terrorismo marítimo acreditam Sequestro de navios ou de membros da
que pode haver algumas células terroristas tripulação para fins diversos
“adormecidas” atuando legal ou ilegalmente
no comércio marítimo, esperando apenas Segundo a Universidade de St.
uma ordem para entrar em ação. Andrew’s, o sequestro de navios pode ser
A preocupação de terroristas estarem perpetrado por diversas razões, entre elas:
sendo transportados em contêineres pirataria com fins políticos, “escola de na-
foi confirmada em outubro de 2001, vegação”, tomada de reféns e, obviamente,
praticamente um mês após os ataques terrorismo marítimo.

36 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

– Pirataria com fins políticos: a linha que mente no mercado e de difícil controle que
separa a pirataria e o terrorismo, neste caso, poderão ser empregados por organizações
é tênue. Geralmente, o objetivo de piratas é terroristas, como, por exemplo:
o ganho financeiro, fruto do seu roubo, po- – Lanchas rápidas, como as lanchas
rém o dinheiro arrecadado do sequestro de pneumáticas e de casco rígido – Encontradas
navios e sua tripulação poderá ser utilizado facilmente no mercado e de simples opera-
para financiar organizações terroristas. ção, as quais poderão ser empregadas em
– “Escola de Navegação”: no pós-11 ataques suicidas, como visto anteriormente.
de Setembro, especialistas em terrorismo – Equipamento de mergulho de circuito
alertaram para a possibilidade de organi- fechado – Recicla o oxigênio e não produz bo-
zações terroristas estarem desenvolvendo lhas, o que dificultaria a identificação dos mer-
suas capacidades marítimas, entre as quais gulhadores. Apesar do mergulho ser limitado a
a possibilidade de sequestro de tripulações aproximadamente 10 metros de profundidade,
com o propósito de aprender como mano- é o suficiente para que organizações terroristas
brar navios. Um caso em especial chamou realizem um ataque submerso.
a atenção da comunidade internacional: no – Veículos de propulsão submarina (sea
dia 26 de março de 2003, quando o navio scooters) – Não são difíceis de operar, são
Dewi Madrim estava navegando na costa de baixo custo e, dependendo do tipo, per-
da Sumatra, sua tripulação foi surpreendida mitem uma autonomia de 90 minutos a uma
pelo ataque de um “grupo de piratas” bem velocidade de 3,5 km/h, operando entre 20
armados. De acordo com o jornal The Eco- e 30 metros de profundidade.
nomist de 2 de outubro de 2003, os “piratas” – Minissubmersíveis (Swimmer Delivery
navegaram por uma hora pelo Estreito de Vehicles) – Não são facilmente encontrados
Málaca e depois deixaram o navio, seques- no mercado civil, porém há firmas que cons-
trando o comandante e o imediato do navio, troem este equipamento para fins turísticos
sem deixar qualquer pedido de resgate. Es- (geralmente para duas pessoas), podendo ser
pecialistas de Londres, baseados na Aegis empregados por terroristas. O Departamento
Defense Services (ADS), acreditam que de Segurança dos EUA já adicionou o minis-
esse sequestro foi realizado por terroristas submersível em seu boletim, com instruções
e não por piratas, com o propósito de ga- para que escolas de mergulho e lojas reportem
nharem experiência na manobra de navios qualquer atividade suspeita em relação à
de grande porte naquele estreito. compra e/ou uso desse tipo de equipamento.
Em termos de análise das probabilidades Um fato que chamou a atenção de espe-
de ameaça, considera-se que a probabili- cialistas foi o sequestro de um instrutor de
dade de sequestros a navios e tripulações mergulho em junho de 2003 pela organização
de navios é alta, porém de baixo impacto. terrorista Abu Sayyaf. Por ocasião de sua
libertação, o instrutor reportou que o grupo
PRINCIPAIS EQUIPAMENTOS estava interessado em que ele ensinasse
E TECNOLOGIAS QUE técnicas de mergulho. Experts em contrater-
CONTRIBUEM PARA O rorismo apontam que a Al Qaeda pode estar
TERRORISMO MARÍTIMO treinando seus membros para realizarem
ataques empregando técnicas de mergulho,
Segundo estudos desenvolvidos pela com sea scooters e homens-bombas-torpedo.
Universidade de St. Andrew’s, há diversas – Equipamentos de navegação, como
tecnologias e equipamentos vendidos livre- o Global Positioning System (GPS), e o

RMB1oT/2015 37
TERRORISMO MARÍTIMO

Automated Identification System (AIS) – estreito é considerado a rota mais perigosa


O GPS poderia, por exemplo, ser usado aos ataques. Um quarto de todo comércio
para acompanhar o deslocamento de um mundial, incluindo metade de todo o trá-
contêiner que está transportando uma fego de óleo bruto do leste da Ásia e dois
bomba suja (radiológica) e detoná-la a terços de todo o comércio de gás natural
distância no local desejado. Já em relação liquefeito, passa por este estreito. Apro-
ao AIS, este é um sistema que informa o ximadamente 600 navios passam por este
nome do navio, seu rumo, seu destino, sua choke point por dia.
velocidade e detalhes sobre a carga trans- – Estreito de Bab el-Mandeb: extensão
portada. Organizações terroristas de posse de 30 km e largura de 2,8 km no seu ponto
de um equipamento-receptor AIS podem mais estreito. Aproximadamente 3,3 mi-
empregá-lo para selecionar seus alvos. lhões de barris de óleo são transportados
por dia por este estreito. Principal entrada
PRINCIPAIS ESTREITOS E dos navios ao Mar Vermelho.
CANAIS VULNERÁVEIS A – Estreito de Hormuz: estreito de 280
ATAQUES TERRORISTAS km de extensão e 2,8 km de largura no seu
ponto mais estreito. Aproximadamente 15
A presença de algumas características milhões de barris de petróleo são transpor-
da geografia marítima cria condições tados por dia por esta rota. Conecta o Golfo
favoráveis ao terrorismo marítimo, tais Pérsico ao Mar da Arábia.
como os pontos de passagem de elevado – Bósforos: 30 km de extensão e aproxi-
valor estratégico, como estreitos e canais madamente 700 metros de largura no ponto
de grande circulação de navios, chamados mais estreito. Conecta o Mar Negro ao Me-
de choke points. Nesses locais, os navios diterrâneo. Anualmente, aproximadamente
estão mais vulneráveis a ataques de piratas 50 mil navios usam esta rota, sendo 10%
e terroristas, em função de serem obrigados deste total, aproximadamente, de petrolei-
a navegar em velocidade reduzida. Entre ros transportando óleo russo e cáspio.
esses choke points vulneráveis a ações ter- A região sudeste da Ásia é, indiscuti-
roristas, destacam-se: Estreito de Gibraltar, velmente, um dos maiores centros de rotas
Bósforos, Canal de Suez, Estreito de Mála- marítimas, assim como é reconhecida como
ca, Canal do Panamá, e estreitos de Hor- um dos lugares mais críticos à navegação,
muz, Bab el-Mandeb, Sunda e Lombok22. seja pela sua complexidade nos choke
– Estreito de Málaca: possui 805 km points, seja em face do risco de ataques
de extensão e 2,8 km (1,5 milha náutica) por terroristas e piratas23. Além disso, a
de largura no seu ponto mais estreito. Este região é conhecida por fazer parte da área

22 Cabendo aqui um breve questionamento: estariam as organizações terroristas estudando geoestratégia para atingir
seus propósitos? Um dos principais historiadores navais e geoestrategista foi o britânico Sir Julian Stafford
Corbett (1854-1922). O construto teórico de Corbett para a Estratégia Naval estava pautado na proteção das
vias de comunicação marítimas. O autor sustentava a teoria de que o objeto da guerra naval deveria ser o de
assegurar o comando do mar ou negá-lo ao inimigo. Segundo Corbett, o comando do mar estaria relacio-
nado ao controle das vias de comunicação marítimas, com propósitos comerciais ou militares. Para tanto, o
controle dessas vias seria relevante, além do das bases navais, dos terminais das rotas comerciais e das áreas
focais, onde convergem as rotas. Corbett definiu dois métodos fundamentais para obter o controle das vias
de comunicação marítimas: a destruição física ou a captura de navios de guerra ou mercantes inimigos e o
bloqueio naval. (CAGARRINHO, 2011)
23 Esta região concentra 41% dos índices de pirataria no globo.

38 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

de operações de algumas organizações alto-mar. Em sua parte VII, “Alto-Mar”


terroristas, como o Jemmah Islamiyah e o (artigos 100 a 107), a Convenção foca as
Abu Sayyaf, que possuem apoio logístico medidas de segurança; contudo, volta-se
e de infraestrutura na região. especificamente para atos de pirataria.

INICIATIVAS LEGAIS Solas


INTERNACIONAIS – A Convenção Internacional para a Sal-
vaguarda da Vida Humana no Mar tem por
Desde o sequestro do navio Aquille Lauro, propósito, entre outros, estabelecer a dotação
a comunidade internacional mobilizou-se na de equipamentos de segurança e proteção
tentativa de estabelecer sistemas e medidas para os procedimentos de emergência e
de segurança internacionais que prevenis- para as inspeções e emissão de certificados.
sem ataques de piratas e terroristas a navios É considerada a mais importante conven-
e portos. Contudo, em face dos ataques do ção para a segurança de navios mercantes
11 de Setembro, algumas medidas sofreram em viagens internacionais. As alterações
alterações e outras medidas legais foram realizadas com a ameaça terrorista incluem:
criadas com o propósito de evitar o terrorismo – Sistema de Identificação Automática
marítimo24. (AIS);
– números identificadores;
Medidas legais anteriores ao 11 de Setembro – poder aos Estados para realizar inspe-
– Convenção das Nações Unidas sobre o ções, controle, retardar/impedir ou expulsar
Direito do Mar (United Nations Conventions navios;
on the Law of the Sea – Unclos) – 1982; – registro contínuo de navios;
– Convenção Internacional para a Salva- – sistema de alerta navio-seguro;
guarda da Vida Humana no Mar (Safety of – inclusão do código ISPS.
Life at Sea Convention – Solas) – 1974/1988;
– Convenção para a Repressão de Atos SUA
Ilícitos contra a Segurança da Navegação – Tem o propósito de promover a coo-
Marítima (Convention for the Suppression peração internacional entre os Estados na
of Unlawful Acts against the Safety of formulação e adoção de medidas eficientes
Maritime Navigation – SUA). e práticas para a prevenção de todos os atos
ilícitos contra a segurança da navegação
Medidas legais pós-11 de Setembro marítima e para o julgamento e a punição
– A Solas sofreu reformas em seu texto de seus perpetradores.
inicial e recebeu novos suplementos;
– Criação do Código Internacional de ISPS
Proteção de Navios e Instalações Portuá- – O Código versa sobre as diretrizes da
rias (International Ship and Port Facility IMO sobre a implementação de medidas
Security Code – ISPS) – 2004. de segurança para prevenir a ocorrência
de ações ilícitas contra navios e instalações
Unclos portuárias ou a utilização dessas instalações
– Estabelece os princípios fundamentais e/ou navios para a prática de atos terroris-
que regem as liberdades e obrigações no tas. Os objetivos deste Código são:

24 Para aprofundar o assunto, sugere-se o site da IMO: www.imo.org.

RMB1oT/2015 39
TERRORISMO MARÍTIMO

1. estabelecer uma estrutura interna- de proteção deverão ser mantidas por um


cional envolvendo a cooperação entre período limitado de tempo quando um inci-
governos contratantes, órgãos gover- dente de proteção for provável ou iminente,
namentais, administrações locais e as embora possa não ser possível identificar o
indústrias portuária e de navegação a alvo específico.
fim de detectar ameaças à proteção e
tomar medidas preventivas contra in- OUTRAS INICIATIVAS DOS
cidentes de proteção que afetem navios EUA PARA COMBATER O
ou instalações portuárias utilizadas no TERRORISMO MARÍTIMO
comércio internacional;
2. estabelecer os papéis e responsabili- No pós-2001, os EUA lançaram três
dades dos governos contratantes, órgãos iniciativas, especificamente com o pro-
governamentais, administrações locais e pósito de prevenir e inibir o terrorismo
as indústrias portuária e de navegação a marítimo. O foco principal destas medidas
nível nacional e internacional a fim de está centrado na prevenção de que possíveis
garantir a proteção marítima; ameaças atinjam o solo norte-americano.
3. garantir a coleta e troca eficaz de Para tanto, essas medidas visam assegurar
informações relativas a proteção; o transporte seguro de mercadorias em
4. prover uma metodologia para ava- navios e, principalmente, em contêineres.
liações de proteção de modo a traçar Estas medidas são:
planos e procedimentos para responder – Customs-Trade Partnership Against
a alterações nos níveis de proteção; e Terrorism (C-TPAT) – 2001;
5. garantir que medidas adequadas – Container Security Initiative (CSI)
e proporcionais de proteção sejam – 2002;
implementadas. – Proliferation Security Initiative (PSI)
– 2003.
Para tanto, o ISPS Code prevê o estabe- – C-TPAT: O propósito deste programa
lecimento de três níveis de proteção para é o de aumentar a segurança na cadeia de
uso internacional, sendo aplicáveis a navios suprimento das companhias privadas que
e instalações portuárias em um determinado exportam seus produtos para os EUA.
período. Estes são: Dessa forma, as companhias que aderirem a
– Nível 1 de proteção: significa o nível este programa serão vistas como de “baixo-
para o qual medidas mínimas adequadas -risco” e terão “facilidades” no acesso de
de proteção deverão ser mantidas durante suas mercadorias em solo norte-americano,
todo o tempo. não estando sujeitas às inspeções de rotina
– Nível 2 de proteção: significa o nível conduzidas pela US Customs and Border
para o qual medidas adicionais adequadas Protection (CBP), reduzindo os custos e o
de proteção deverão ser mantidas por um tempo na entrega de mercadorias25.
período de tempo, como resultado de um – CSI: O propósito desta iniciativa é
risco mais elevado de um incidente de o de evitar que organizações terroristas
proteção. transportem armas de destruição em massa
– Nível 3 de proteção: significa o nível e outras cargas perigosas em contêineres
para o qual medidas adicionais específicas para os EUA. Para tanto, é necessário que

25 Para aprofundar o tema sobre C-TPAT: http://www.cbp.gov/xp/cgov/trade/cargo_security/ctpat/apply_ctpat/.

40 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

100% dos contêineres sejam escaneados – Container Tracking and Tracing Equi-
(raios X e gama) antes de atingirem o solo pment: Sistema empregado para verificar
norte-americano26. a localização do contêiner, assim como,
– PSI: Iniciativa global proibindo o informar se o contêiner foi violado, em
transporte marítimo de armas de destruição tempo real.
em massa ou qualquer material relacionado – Long Range Acoustic Device
a armas NBQR. Apesar de ser um acordo (LRAD): Equipamento acústico que
informal, há mais de 40 Estados que apoiam emite feixe sonoro a uma distância de
a iniciativa27. até 3 mil metros. Porém, a curtas dis-
tâncias, poderá ser empregado como
PRINCIPAIS SISTEMAS DE arma não letal, em face da potência do
SEGURANÇA EMPREGADOS equipamento.
NA SEGURANÇA DE NAVIOS E – ShipLoc: Consiste em um sistema
PORTOS de localização de navios por satélite
privativo. Possui sistema de alarme
Atualmente, os principais sistemas de que avisa aos proprietários do navio e a
segurança empregados para apoiar as me- autoridades competentes sobre invasão,
didas de segurança e vigilância de navios ataque, sequestro etc., sem poder ser
e portos são: identificado por qualquer pessoa que
– Automated Notice to Mariners System tenha invadido o navio ou por outros
(ANMS); navios na área.
– X-Ray and Metal Detection Equipment; – Secure-Ship: Consiste em uma cerca
– Container Tracking and Tracing elétrica não letal instalada no costado do
Equipment; navio a fim de evitar que piratas ou terro-
– Long Range Acoustic Device (LRAD); ristas subam a bordo.
– ShipLoc; – Unmanned Aerial Vehicle (UAV):
– Secure-Ship; Veículos aéreos não tripulados que poderão
– Unmanned Aerial Vehicle (UAV); ser empregados para realizar a vigilância de
– Automatic Identification System (AIS). uma determinada área marítima.
– Automatic Identification System
– ANMS: Este sistema provê informa- (AIS): Este sistema provê informações
ções aos navegantes sobre a segurança da entre navios, portos, armadores etc.,
navegação (similar ao “aviso aos nave- com informações, em tempo real sobre
gantes”). No que concerne ao terrorismo identificação do navio, velocidade, po-
marítimo e à pirataria, o sistema informa sição, detalhes sobre a carga e local de
os principais incidentes e áreas de risco à destino. Apesar de o sistema contribuir
navegação contra possíveis ameaças. para a segurança no mar, como, por
– X-Ray and Metal Detection Equip- exemplo, contra abalroamento, o sistema
ment: Empregado para verificar o conteúdo permite que qualquer indivíduo, de posse
de contêineres, principalmente materiais de um equipamento AIS, receba todas
perigosos, como armas NBQR, explosivos estas informações, inclusive terroristas
e armamentos. e piratas.

26 Para aprofundar o tema sobre CSI: http://www.cbp.gov/xp/cgov/trade/cargo_security/csi/csi_in_brief.xml.


27 Para aprofundar o tema sobre PSI: http://www.armscontrol.org/factsheets/PSI.

RMB1oT/2015 41
TERRORISMO MARÍTIMO

CONSIDERAÇÕES FINAIS organização terrorista Al Qaeda impôs um


fim à “América Inviolável”, “marcando o
O presente artigo teve por finalida- fim de uma era”. (Booth & Dunne, 2002;
de apresentar, sumariamente, algumas Chomsky, 2002; Pecequilo, 2003 apud
considerações e fatos sobre o terrorismo AMARAL, 2008)
marítimo. Verificou-se que as medidas de segu-
O terrorismo, em função da natureza rança adotadas pelos Estados no pós-11
indiscriminada de suas ações, tem a capa- de Setembro, principalmente nos EUA e
cidade de tornar qualquer pessoa um alvo na Europa, priorizaram as questões de se-
em potencial, disseminando, dessa forma, gurança contra a possibilidade de atentados
a intimidação coletiva, pois, em última provenientes de terra, por meio de explosi-
análise, estão todos na rota da morte, vos, e pelo ar, com o emprego de aeronaves.
sejam os descrentes como infiéis, sejam Diante desse fato, surgiu a preocupação de
os crentes atuando como mártires de uma que organizações terroristas estivessem de-
causa. Sua imprevisibilidade e sua violên- senvolvendo tecnologias, táticas e técnicas
cia provocam o sentimento de inseguran- para empregar no ambiente marítimo a fim
ça, vulnerabilidade e de conduzir seus ata-
impotência a todos os ques, por ser este, em
Estados e cidadãos, O terrorismo, em função tese, menos protegido e
sendo consideradas as de difícil controle.
principais ameaças à da natureza indiscriminada O Brasil, por meio
paz mundial. de suas ações, tem a de suas ações da políti-
Os atentados de 11 ca externa, vem procu-
de setembro de 2001
capacidade de tornar rando, nestes últimos
aos Estados Unidos da qualquer pessoa um alvo anos, projetar o País
América, sem dúvida em potencial, disseminando, de forma a angariar
alguma, abriram um maior inserção na arena
novo capítulo na his- desta forma, a intimidação das decisões mundiais.
tória da humanidade, coletiva Porém, ao buscar esta
marcando de forma posição no concerto
contundente esse tipo internacional, é pre-
de terrorismo, com ações de proporções ciso que o Estado esteja preparado para
globais e ilimitadas, expresso sob múlti- a entrada em um mundo de competição
plas formas, meios e métodos de ataque e global sujeito a qualquer tipo de retaliação,
nutrido por motivações políticas, étnicas e inclusive terrorista.
religiosas. Alguns autores sugerem que esse Nesse contexto, surgem indagações
acontecimento representa o mais importan- acerca da possibilidade de atentados ter-
te marco histórico do início do século XXI, roristas no Brasil, como, por exemplo: O
pois nenhum outro evento na História teve Brasil pode ser palco para ações terroristas
tamanha repercussão no cenário mundial contra seus alvos tradicionais? O Brasil
desde o colapso da URSS, representando pode ser alvo de ações terroristas? O Brasil
um ponto de inflexão tanto na história dos pode ser local de obtenção de facilidades
EUA quanto da própria ordem mundial, para terroristas?
pois, ao atingir os principais símbolos do Esses questionamentos foram apresen-
poderio econômico e militar dos EUA, a tados e debatidos por ocasião do II Encon-

42 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

tro de Estudos sobre Terrorismo, realizado 2012; da Copa do Mundo, em 2014; e das
pela Secretaria de Acompanhamento e Olimpíadas, em 2016, entre outros grandes
Estudos Institucionais do Gabinete de eventos que o País sediará e que contará
Segurança Institucional da Presidência com a divulgação dos eventos, em tempo
da República em julho de 2004. Segundo real, pela mídia internacional.
Diniz (2004), todas as respostas foram Após o 11 de Setembro, a postura brasi-
afirmativas, pois, primeiramente, o Bra- leira diante da crise internacional resultou
sil dispõe de inúmeras instalações que na rediscussão da agenda de segurança
são “alvos tradicionais” de organizações internacional, o que impulsionou a reava-
terroristas; em segundo lugar, o Brasil liação da política de segurança e de defesa
poderia ser alvo de atentados terroristas nacional do País, discutindo as questões do
caso a Al Qaeda, por exemplo, encontrasse emprego das Forças Armadas no combate
dificuldades de realizar seus ataques onde ao terrorismo, da Tríplice Fronteira e co-
vem agindo ou devido à necessidade de operação regional e hemisférica contra o
mostrar aos seus próprios seguidores que terrorismo, questões até então relegadas a
ainda está em condições de luta, e pelo segundo plano, em função da ausência de
fato de o Brasil ser um local de fácil en- tensões regionais ou de preocupações com
trada e saída; em terceiro lugar, pelo País conflitos de natureza clássica interestatal
ter dificuldades comprovadas nas áreas na região da América do Sul.
de inteligência e segurança, combinadas Segundo Vidigal (2004a), embora o
com as diversas etnias aqui presentes, que terrorismo seja um problema tipicamente
tornam o Estado brasileiro privilegiado policial, em alguns casos extremos pode
para a obtenção de facilidades para ações envolver a intervenção das Forças Arma-
terroristas. Ou seja, não há nada que ex- das, que, assim, devem dispor de unidades
clua o Brasil da possibilidade de ser alvo contraterror para essa eventualidade. Para
de um ataque terrorista28. Vidigal, apesar do papel tradicional das
Nesse aspecto, mesmo havendo uma Forças Armadas ter sido sempre o de
baixa probabilidade de ocorrência de ata- enfrentar forças regulares inimigas, “[...]
ques terroristas em solo brasileiro, existe o contexto atual indica a necessidade de
esta possibilidade, principalmente quando ampliação do emprego das Forças Armadas
se considera a hipótese de atos terroristas do País em inúmeras situações antes não
contra os alvos tradicionais, como embaixa- previstas”.
das, empresas multinacionais e delegações Os ataques terroristas de 2001 trou-
oficiais estrangeiras, como serão presen- xeram novas variáveis para o cenário
ciadas em maior intensidade nos próximos mundial, no qual, em um contexto de
anos, em face da realização do Rio+20, em ameaças difusas29, é indispensável que o

28 O Brasil, dentro do concerto internacional, apresentava em 2004 um risco médio de sofrer alguma ameaça
terrorista. Os parâmetros utilizados para classificá-lo neste nível foram desde a percepção (não testada em-
piricamente) pelos órgãos responsáveis pela segurança do Estado até a caracterização da ameaça terrorista
como parte de uma realidade mais complexa: A Guerra Assimétrica. (CEPIK, 2004)
29 Segundo Vidigal (2004), “o fato de considerarmos difusas as ameaças não significa que elas não sejam concretas,
objetivas; o que queremos assinalar é que essas ameaças podem vir de muitas possíveis direções, sendo um
risco desnecessário relacioná-las a um inimigo específico, a um determinado Estado. O inimigo é qualquer
um que possa concretizar as ameaças identificadas. A questão, portanto, está em estabelecer critérios para a
concreta identificação dessas ameaças. A afirmativa de que o inimigo precisa ser claramente estabelecido é uma
reminiscência da época em que as hipóteses de guerra eram o marco orientador do planejamento estratégico”.

RMB1oT/2015 43
TERRORISMO MARÍTIMO

Brasil identifique novos parâmetros para de Petróleo, de forma a contribuir para


que possa orientar os seus planejamentos neutralização das atuais vulnerabilidades
estratégicos de defesa. Nesta ótica, Vidigal existentes no mar.
(2004b) propõe que seja empregada como Por fim, apesar de todas as evidências
parâmetro a identificação das vulnerabi- obtidas de que não há na América do Sul
lidades estratégicas nacionais. Isto é, os nenhuma célula terrorista, inclusive com
pontos fracos do Estado, por meio dos capacidade de realizar terrorismo marítimo,
quais o País pode ser facilmente ameaçado. não há nada que garanta que isso não possa
Segundo o autor, a partir da identificação mudar no futuro próximo. Nesse contexto,
dessas “vulnerabilidades estratégicas” será a participação em fóruns internacionais
possível definir os meios necessários para com o propósito de fomentar a coopera-
diminuí-las ou eliminá-las, de forma que as ção internacional, coordenar os esforços
ações de médio e longo prazos promovam políticos e os mecanismos de segurança
soluções eficazes para mitigá-las. e defesa da região, bem como aumentar
No que concerne ao papel da Marinha o intercâmbio de informações, permitirá
do Brasil na consecu- conjugar esforços na
ção de suas atribui- busca da preservação
ções subsidiárias, a
Marinha deve manter
Verifica-se a imperiosa e da paz mundial contra
esta terrível ameaça.
o Poder Naval prepa- inadiável necessidade de Isto posto, verifi-
rado para que o Esta- reestruturação e formação ca-se que a integração
do possa fazer uso do regional é fundamen-
mar, ou garanti-lo, em de sistemas de Inteligência, tal para o desenvolvi-
prol dos seus interes- com amplo intercâmbio mento desses proces-
ses nacionais, tornan- sos de segurança e de
do-se imprescindível
entre os Estados, a fim defesa. Neste aspecto,
o aprestamento dos de contrapor-se a estas a atividade de Inteli-
meios para patrulhar novas ameaças do cenário gência é um bem vital
de forma permanen- para o desenvolvi-
te toda a Amazônia internacional mento da integração,
Azul. podendo se constituir
Além disso, com o no instrumento mais
propósito de monitorar e proteger as águas valioso que fortalecerá todo arcabouço
jurisdicionais brasileiras, a Marinha do de defesa necessário para a segurança
Brasil apresentou ao Ministério da Defesa, regional. No que concerne especifica-
em 2007, a concepção do Sistema de Ge- mente ao emprego da Inteligência contra
renciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), o terrorismo, considera-se que um dos
que contém no seu bojo, entre outros, o fatores para o seu êxito depende, em
Sistema de Informações sobre o Tráfego muito, do planejamento e da execução
Marítimo (Sistram), o Sistema de Identifica- das ações baseadas em um consistente e
ção e Acompanhamento de Navios a Longa bem estruturado Sistema de Inteligência,
Distância (LRIT), o Programa Nacional de por ser considerado o meio mais eficaz
Rastreamento de Embarcações Pesqueiras de combatê-lo e a primeira linha de
por Satélite (Preps) e o sistema de Proteção defesa dos Estados contra esta ameaça.
às Instalações de Prospecção e Extração (RIBEIRO, 2006)

44 RMB1oT/2015
TERRORISMO MARÍTIMO

Diante desta premissa, verifica-se a Inteligência, com amplo intercâmbio entre


imperiosa e inadiável necessidade de os Estados, a fim de contrapor-se a estas
reestruturação e formação de sistemas de novas ameaças do cenário internacional.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Terrorismo; Pirataria;

REFERÊNCIAS

AKPAN, Idongesit Uko. Terrorismo: a nova guerra. Rio de Janeiro. ECEME, 2007.
AMARAL, Arthur Bernardes. A Guerra ao Terror e a Tríplice Fronteira na agenda de segurança
dos Estados Unidos. Rio de Janeiro. PUC-RJ, 2008.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo. Ed: Paz e Terra, 1999.
BRASIL. Presidência da Republica. Política de Defesa Nacional. Decreto no 5.484 de 30 de junho
de 2005.
CAGARRINHO, Elias J. V. O papel da estratégia naval decorrente das novas ameaças e cenários
de crises. Instituto de Estudos Superiores Militares. Lisboa, 2011.
DIAMINT, Rut. Terrorismo e democracia nas Américas. Texto apresentado no Fórum Interparlamentar
das Américas em novembro de 2003.
DINIZ, Eugênio. Considerações sobre a Possibilidade de Atentados Terroristas no Brasil. II Encontro
de estudos: Terrorismo. Gabinete de Segurança Institucional. Secretaria de Acompanhamento
e Estudos Institucionais. Brasília, 2004.
FIALHO, Ivan. “A Questão da Segurança Nacional Reconsiderada”. Revista da Escola Superior de
Guerra. Rio de Janeiro. Ano XIX, vol. 41, 2002.
FORTUNA, Hernani Goulart. “O Desafio Brasileiro no início do século XXI”. Revista da Escola
Superior de Guerra. Rio de Janeiro. Ano XIX, vol. 41, 2002.
FUKUYAMA, Francis. O fim da História e o último homem. São Paulo. Ed. Rocco,1992.
LANDIN, José W. Geopolítica brasileira e a proteção da Amazônia Azul. EGN, 2008.
LAQUEUR, Walter. The New Terrorism: Fanaticism and the Arms of Mass Destruction. New York.
Ed. Oxford University Press, 1999.
______. A History of Terrorism. New Jersey. Ed: Transaction Publishers, 3a Edição, 2002.
LIANG, Qiao; XIANGSUI, Wang. A Guerra Além dos Limites: Conjecturas sobre a Guerra e a
Tática na Era da Globalização. Beijing: PLA Literature and Arts Publishing House, 1999.
LINS, Michelline Carmo. As novas ameaças à segurança internacional e a Organização dos Estados
Americanos. UnB. Brasília, 2005.
MURPHY, Martin N. Contemporary piracy and maritime terrorism: the threat to international security.
The International Institute for Strategic Studies. Routledge. UK, 2007.
QUINTÃO, Geraldo Magela da Cruz. Aula Inaugural do Ano Letivo de 2002 da Escola Superior de
Guerra. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro. Ano XIX, vol. 41, 2002.
RIBEIRO, Fábio Pereira. “Cooperação Estratégica em Inteligência Formação da Defesa Regional:
uma contribuição dos serviços de inteligência”. Cadernos Prolam/USP, ano 5, vol. I, 2006.
RICHARDSON, Michael. A time bomb for global trade: maritime-related terrorism in an age of
weapons of mass destruction. Institute of Southeast Asian Studies. Singapura, 2004.

RMB1oT/2015 45
TERRORISMO MARÍTIMO

ROTH, Luis Carlos de Carvalho. “Contribuições para a formulação de uma nova estratégia marítima
pelos Estados Unidos”. In: Perspectivas sobre estratégia marítima : ensaios das Américas, a
nova estratégia marítima dos EUA e comentário sobre uma estratégia cooperativa para o poder
marítima no século XXI. Naval War College Press, 2010. Disponível em: http://www.usnwc.
edu/getattachment/72712d53-8ef1-4784-925b-93c765c94e89/Perspectivas-sobre-Estrategia-
-Maritima-(1). Acesso em: 10/Set/2011.
SILVA, Antonio Ruy de Almeida. “Vencendo a Guerra e Perdendo a Paz”. Revista do Clube Naval.
Rio de Janeiro, 2004.
SIMIONI, Alexandre A. C. O terrorismo contemporâneo: consequências para a segurança e defesa
do Brasil. Rio de Janeiro, UFRJ, 2008.
VIDIGAL, Armando F. A nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos da América:
uma reflexão político-estratégica. Simpósio da Escola de Guerra Naval.
EGN, 2002 a.
______. 11 de Setembro de 2001. Rio de Janeiro. Ed. Femar, 2002 b.
______. “A Missão das Forcas Armadas para o século XXI”. Revista Marítima Brasileira. 4o trimes-
tre, 2004 a.
______. Inteligência e Interesses Nacionais. III Encontro de Estudos: Desafios para a Atividade
de Inteligência no Século XXI. Brasília. Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria de
Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2004 b.
______. Segurança Regional. Texto apresentado no VII Encontro de Estudos Estratégicos, Brasília, DF.
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, 06 a 08 de novembro de 2007.
WHITTAKER, David J. (Org). Terrorismo: um retrato. Rio de Janeiro. Biblioteca do Exército, 2005.
WOOLSEY, R. James.Countering the Changing Threat, National Commission on Terrorism, Estados
Unidos da América, 2000. Disponível em: http://www.fas.org/irp/threat/commission.html.
Acesso em: 15/Nov/2007.

46 RMB1oT/2015
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios*

LUIZ ANTÔNIO FAYET**


Economista

SUMÁRIO

Introdução
Importação/exportação
Infraestrutura
Rodovias
Ferrovias
Transporte marítimo
Agronegócio
Adendo
INTRODUÇÃO espetacular, mas, saindo dali, perdemos a
guerra. O Ministério da Agricultura e Pe-

T emos dedicado muito tempo e esforço


à área de logística e Infraestrutura do
agronegócio. Quando Roberto Rodrigues
cuária e Abastecimento (Mapa) precisa ter
uma Câmara Temática de Infraestrutura e
Logística do Agronegócio (CTLOG)”. Ele
era ministro da Agricultura, Pecuária e disse: “Vou criar”.
Abastecimento, eu disse a ele: “Da portei- Desde então, em 2005, começamos a
ra para dentro, o agronegócio brasileiro é avaliar a questão da logística nas cadeias
* N.R.: Texto da palestra do autor no 4o Congresso Brasileiro de Fertilizantes, realizado em 26 de agosto de 2014,
no Renaissance São Paulo Hotel.
** Consultor em Planejamento Estratégico e Logística. Membro do Conselho da Autoridade Portuária de Paranaguá.
Exerceu também os seguintes cargos: diretor de Crédito Rural e presidente do Banco do Brasil; presidente do
Banco do Estado do Paraná; presidente do Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná; professor titular
de Geografia Econômica da Universidade Federal do Paraná; deputado federal pelo Paraná.
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

produtivas do agronegócio, especialmente time do mercado internacional. Mas, mais


por corredores de exportação. Montamos importante, até o fim da década poderemos
uma rede de relações com muitas entidades nos tornar o maior exportador mundial do
e uma interface com a Frente Parlamentar agronegócio.
da Agropecuária (FPA). Atualmente, com Isso determinou internamente uma nova
70 entidades, a CTLOG foi amadurecendo geografia de produção. O setor nasceu na
e se instrumentando tecnicamente, para Região Sul e expandiu-se para as regiões
ter uma doutrina sobre o tema. Assim, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Atual-
se consolidou, e hoje mente, o Brasil está
seus fundamentos são ocupado por esse novo
utilizados por toda a Em meio século, de agronegócio brasileiro.
comunidade do agro- importadores de comida É uma história recente
negócio e, inclusive, e inusitada em termos
pelo próprio Governo. atingimos posição de de um país e do mundo.
destaque entre os maiores Quando avaliamos
Importação/ sob o ponto de vista es-
Exportação
exportadores mundiais tratégico, vemos o agro-
de alimentos, fibras e negócio como a maior
Em meio século, biomassa. fonte de desenvolvi-
fizemos uma revolu- mento e de renda para
ção. Saímos da posi- Até o fim da década o Brasil. Outros países
ção de importadores poderemos nos tornar o adorariam ter este setor
de comida até atingir
posição de destaque
maior exportador mundial tão forte e desenvolvido
como temos aqui.
entre os maiores ex- do agronegócio Na CTLOG, inicia-
portadores mundiais mos o planejamento re-
de alimentos, fibras e cuperando um conceito
biomassa. Com produtores qualificados, o empregado pelo extinto Grupo de Estudos
agronegócio brasileiro aparece no primeiro de Integração da Política de Transportes
(Geipot), o planejamento por corredores de
Brasil: Ranking mundial (2013)
exportação, porque, para o abastecimento
Produtos Produção Exportação interno, os problemas logísticos são muito
Açúcar 1o 1o menores, tanto nas suas características
Café 1o 1o como nos volumes a operar por trechos.
Suco de laranja 1o 1o Tomemos como exemplo a soja e o
Carne bovina 2o 1o milho, que são dois produtos importantes
no complexo de proteína animal. Na soja,
Soja em grão 1o 1o
os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina,
Carne de frango 3o 1o
juntos, concentram 81% da produção e 86%
Farelo de soja 3o 2o da exportação mundial. No milho, estes três
Milho 3o 2o países respondem por 67% das exportações,
Óleo de soja 3o 2o com aumento na participação brasileira.
Carne suína 4o 3o Cada um destes países possui muita res-
Algodão 5o 3o ponsabilidade com a oferta de grãos, com
Fonte: MAPA a chave da dispensa da alimentação do

48 RMB1oT/2015
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

Safra 2013/14: Produção, consumo e exportação de soja

Produção Consumo Exportação


Soja Milhões de Milhões de Milhões de
Part. % Part. % Part. %
toneladas toneladas toneladas
EUA 89,5 31 49,0 18 41,1 38
Brasil 90,0 31 40,4 15 45,0 41
Argentina 54,0 19 38,6 14 8,0 7
Subtotal 233,5 81 127,8 47 94,1 86
Mundo 287,7 100 269,3 100 109,3 100

Safra 2013/14: Produção, consumo e exportação de milho

Produção Consumo Exportação


Milho Milhões de Milhões de Milhões de
Part. % Part. % Part. %
toneladas toneladas toneladas
EUA 353,7 37 297,2 32 40,6 36
Brasil 70,0 7 55,0 6 20,0 17
Argentina 24,0 2 8,0 1 16,0 14
Subtotal 447,7 46 360,2 39 76,6 67
Mundo 966,6 100 938,8 100 114,4 100
Fonte: USDA

mundo em suas mãos. Mas o mais signifi- safras anuais. Contamos com um fator de
cativo é que, dentre eles, somente o Brasil vantagem diferencial: de cada cinco hec-
possui áreas disponíveis para incrementar tares passíveis de serem incorporados no
significativamente estas culturas. processo produtivo no mundo, um está no
Por ano, a população do mundo cres- Brasil, em condições climáticas favoráveis.
ce uns 80 milhões de Outra variável não
habitantes, enquanto, desprezível é que se
com a melhoria do
De cada cinco hectares produz na entressafra do
nível de renda, isso passíveis de serem hemisfério norte, onde
equivale a 100 milhões incorporados no processo estão concentrados os
de habitantes. Então, grandes produtores e
o mercado internacio- produtivo no mundo, um consumidores. Como
nal cresce anualmente está no Brasil, em condições entramos com a nossa
perto do tamanho de produção justamente
uma população brasi-
climáticas favoráveis neste período, temos
leira. Esses dados são vantagens comerciais.
referenciais, mas sinalizadores da demanda.
Do lado da produção, faltam áreas Infraestrutura
adequadas para produzir. A Sibéria, por
exemplo, com muitas terras férteis para Com a mudança da geografia de produ-
plantar, precisa antes tirar o gelo da sua ção e o avanço das fronteiras agrícolas para
superfície. Aqui, mesmo sem irrigação, as áreas sem infraestrutura de transportes,
somos privilegiados com duas ou três formulamos uma hipótese referencial para

RMB1oT/2015 49
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

Fayet mostrando as fronteiras agrícolas


estudarmos onde estaria a linha de indife- essa situação, os fluxos mudarão de sentido,
rença de custos nos fluxos de exportação seja na importação de fertilizantes, seja
da soja e do milho – para o Norte ou para o nas exportações de grãos, que serão com-
Sul. Definimos o paralelo 16º Sul, que passa plementados por muitos outros produtos,
próximo das cidades de Cuiabá, Brasília principalmente os florestais.
e Ilhéus. De 2009 a 2013, a quantidade Nesse quadro de deficiências de infra-
de soja e milho deslocada acima deste estrutura, a evolução dos nossos custos
paralelo para os portos das regiões Sul e médios para retirar a produção da porteira e
Sudeste passou de 38 milhões de toneladas levá-la a um porto para embarque passou de
para aproximadamente 60 milhões – um duas vezes, em 2003, para quatro vezes, em
aumento anual em torno de 4,5 milhões. 2013, quando em comparação aos custos
Para comparar, o porto de Santos, o maior dos americanos e dos argentinos.
do País, em 2013, entre as importações e as Custo comparativo do frete –
exportações, movimentou 114 milhões de média nacional (US$ por tonelada)
toneladas, enquanto o porto de Paranaguá, País 2003 2005 2007 2009 2011 2013
o segundo maior, registrou 46 milhões. Isso Argentina 14 15 16 20 20 20
dá uma ideia do que representa o volume Estados
15 16 17 18 23 23
deslocado de 60 milhões, mas somente de Unidos

soja e milho. Brasil 28 43 59 78 81 92

A falta de infraestrutura no chamado Fonte: estimativas da ANEC


Arco Norte – que abrange desde Itacoa-
tiara, no Amazonas, até o porto do Pecém, Para escoar o produto de Sinop, no Estado
no Ceará – resulta em congestionamento do Mato Grosso, ao porto, o frete corresponde
nos transportes terrestres das regiões Sul a cerca de 25% do preço da soja e 60% do pre-
e Sudeste brasileiras. Quando corrigirmos ço do milho. Essas deficiências logísticas ge-

50 RMB1oT/2015
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

ram vários efeitos adicionais que desestimulam Mais de 85% da produção e do consumo
a produção. Nesta safra, deixamos de produzir de bens no mundo dão-se no hemisfério
em torno de 4 milhões de toneladas de soja e norte, acima da linha do equador. Isso
milho. Esse abortamento de produção é uma significa que a oportunidade é boa para o
riqueza que deixamos de criar e incorporar na Brasil. A China e a Índia possuem, juntas,
nossa economia. 40% da população global. A renda por
A capacidade operacional nominal de ex- habitante do brasileiro é o dobro da do
portação do Arco Norte é de 10,8 milhões de chinês e seis vezes superior à do indiano.
toneladas de grãos, com um déficit gigantesco Se levarmos em conta os outros pequenos
em torno de 50 milhões quando comparado às e médios mercados, chegaremos a um nú-
estimativas de demanda. Haverá um aumento mero avassalador do potencial de mercado
na capacidade entre 2014 e 2015, mas o desafio para alimentos.
é enorme para atender a demanda projetada O Canal do Panamá, que liga os oceanos
para até 2025. Aliás, deveríamos ter, hoje, a Atlântico e Pacífico, localizado logo acima
capacidade operacional prevista para 2025. da linha do equador, opera no seu limite
anual de 300 milhões de toneladas. Hoje, o
Capacidade operacional no Arco
Norte – estimativas (milhões de maior navio que transita por lá é o chamado
toneladas) Panamax, com capacidade de transportar
até 60 mil toneladas, o correspondente a
Portos 2013 2015 2025
aproximadamente 1.600 carretas. Agora,
São Luís – Itaqui 3,8 8,8 15,0
está sendo construído um segundo canal
Calha paralelo, para mais do que dobrar o volume
Santana-Macapá 1,0 5,0
Itacoatiara 4,0 4,0 4,0 de tráfego e que prevê a movimentação de
Santarém 3,0 4,0 4,0 navios com até 150 mil toneladas de carga,
Belém 6,0 36,0 cerca de 4 mil carretas. A mudança do porte
Total 10,8 23,8 64,0 dos navios permitirá uma redução dos custos
de fretes na ordem de 25%, fator impor-
Fonte: CTLOG tantíssimo para atingir mercados do outro
No momento em que tivermos condi- lado do mundo. Com a ampliação do canal,
ções logísticas adequadas para as novas assistiremos a uma verdadeira revolução
fronteiras, o deslocamento da porteira até nas rotas dos oceanos Atlântico e Pacífico.
um porto de embarque será reduzido entre
500 e mil quilômetros de percursos terres- Rodovias
tres. Isso poderá significar uma redução mé-
dia nacional de custos Nas rodovias, pre-
logísticos na ordem de cisamos garantir os
US$ 50 por tonelada. Nas rodovias a incorporação recursos para a sua
Essa avaliação, como de investidores privados construção e manuten-
um primeiro passo, ção. A incorporação
permite imaginar a
é essencial de investidores pri-
revolução que acon- vados é essencial. Os
tecerá na competitividade sistêmica das editais de licitação de
cadeias de produção do agronegócio e na concessão de rodovias com cobrança de
renda da atividade produtiva, inclusive pelo pedágio previam outorga da concessão
aprimoramento das soluções logísticas. para quem oferecesse o maior ágio ao Go-

RMB1oT/2015 51
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

verno. A CTLOG propôs a mudança desse Ferroviário Independente (OFI), novo


critério para a menor tarifa. Em 2007/2008, marco regulatório do setor. De forma
o Governo passou a adotar este critério. simplificada, o sistema compreende um
No caso da Lei no 12.619, de 30 de abril gestor da linha e os operadores que pagam
de 2012, a chamada Lei dos Motoristas, pedágio para transitar, como se fosse uma
procuramos mostrar ao Governo a inviabili- rodovia com trilhos. Surge, então, a opor-
dade de sua aplicação. Em janeiro de 2013, tunidade para o transporte ferroviário tor-
o Governo constituiu um Grupo de Tra- nar-se mais competitivo e para os usuários
balho, e iniciamos as não serem tão reféns
discussões. Paralela- das concessionárias.
mente, a Câmara criou No setor ferroviário é É um modelo bastante
uma Comissão Espe- usado na Europa.
cial. Em conjunto, até
onde está o maior nó.
a metade desse ano, O modelo atual gera Transporte marítimo
conseguimos 95% de condições monopolistas
convergência. Após Cabotagem é a na-
uma longa tramitação, inconvenientes vegação entre portos
conseguimos correr de um mesmo país,
as vias congressuais: independentemente
só falta submeter ao Plenário da Câmara da distância. Se for entre dois países, a
dois artigos do Projeto de Lei (PL), e as navegação é chamada de longo curso. A
mudanças estarão conclusas para a sanção tarifa por milha cobrada pela navegação
presidencial. de cabotagem brasileira ultrapassa de
sete a dez vezes a de longo curso, um
Ferrovias absurdo que compromete a competitivi-
dade nacional.
Já no setor ferroviário é onde está A legislação da cabotagem é da época
o maior nó. O modelo atual gera do Plano de Metas do Presidente Jusce-
condições monopolistas inconvenientes. lino, quando houve uma vinculação de
A questão-chave é a criação do Operador estímulos conjugados com recursos do

52 RMB1oT/2015
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

sistema de navegação para a construção Agronegócio


naval. Hoje, esta vinculação não faz mais
sentido. Temos empresas competentes A nova realidade do agronegócio
para fazer a transformação, mas, para isso, exige outras decisões estratégicas. No
há a necessidade de uma radical mudança começo dos anos 90, houve a decisão
na legislação; aliás, não só na de cabota- governamental para terminar com a
gem, mas de toda a navegação brasileira, Comissão de Compra de Trigo Nacio-
porque este segmento é estratégico para nal (CTRIN), subordinada ao Banco do
um país com as dimensões e caracterís- Brasil. O motivo era reduzir o esforço
ticas brasileiras. O Brasil necessita ter fiscal e administrativo do Governo e
um grande poder marítimo. Somente o introduzir mecanismos de mercado.
agronegócio do Sul tem, hoje, mais de 5 Desenvolvemos um projeto de política
milhões de toneladas entre milho, trigo e para “carregamento de estoques”, que
arroz que poderiam ser utilizadores desse seria uma alternativa para obtermos es-
transporte. Por aí, podemos imaginar a tabilidade de renda e redução de riscos
magnitude do volume para o conjunto de suprimento de mercado.
de nossa economia. A iniciativa privada Como a produção de trigo con-
precisa concentrar-se nessa questão. centra-se em curto período do ano, en-
A nova Lei dos Portos, no 12.815, de quanto o consumo distribui-se durante
5 de junho de 2013, o ano, existiria, então,
aprovada pelo Con- o desafio de formar
gresso Nacional, terá, O Brasil necessita ter um etoques administrar os es-
para ajustar
ainda, de sofrer uma
série de ajustes. Com grande poder marítimo essas “duas curvas”.
ela, as decisões estão Precisaríamos operar
centralizadas em Bra- com armazéns con-
sília, ou seja, um marco não autoaplicável. fiáveis, mediante vínculos de garantia
Tudo remete para uma instância adminis- com o banco financiador da operação.
trativa a ser definida. Com esse centralismo Planejaríamos um cronograma de ven-
aleatório e discricionário, já estamos dois da obrigatória, com títulos financeiros
anos atrasados em implantação e ampliação comerciáveis, tipo warrant. O custo
dos portos públicos, e os terminais priva- financeiro seria zerado por abrigar as
dos, que, construídos em áreas privadas, operações nas chamadas reservas de li-
precisam submeter-se a uma infinidade quidez, recolhidas pelos bancos no Banco
de exigências e controles – inclusive uma Central. Ficaríamos somente com o custo
espécie exótica de licitação apelidada de administrativo do estoque. Na época, com
“chamamento”. Um absurdo intervencio- a hiperinflação, não foi possível aplicar
nista, pois, para construir um hospital, que esse modelo, mas, depois, continuamos
lida com a vida da população, basta um insistindo na sua necessidade até os dias
alvará. Paralelamente, o novo modelo de atuais. Continuamos pregando a neces-
governança “chapa-branca” criou o risco sidade da estruturação do modelo, pois
de se perderem as informações estratégicas se trata de uma questão estratégica, que
e o controle de gestão, especialmente pela será essencial para garantir a gestão de
exclusão dos usuários nos Conselhos de estoques em um país que será o maior
Autoridade Portuária (CAPs). supridor do mercado de exportações e

RMB1oT/2015 53
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

que com isso não poderá brincar. Tere- competência com que os Estados Unidos
mos de gerir essa questão com a mesma da América fazem isso há muitas décadas.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ECONOMIA>; Logística; Agricultura; Via de transporte; Porto; Exportação;

ADENDO

Ao final do painel, o seu moderador, fronteiras. Isso deverá ter mudanças com
Tobias Grasso Júnior, diretor presidente da o aumento da capacidade de exportação
Mosaic Fertilizantes do Brasil, formulou as do Arco Norte, pois os fluxos de fretes de
seguintes questões a Luiz Antônio Fayet: retorno intensificar-se-ão, e, certamente,
os suprimentos de fertilizantes passarão
Grasso Júnior paulatinamente para a nova realidade.
Os temas da logística e da infraestrutu- Aliás, as novas rotas poderão determinar
ra estão sempre presentes no dia a dia do reduções de custos para os produtores.
agronegócio. Se perguntarmos para os exe- Essa transformação volumétrica não será
cutivos a prioridade do setor, com certeza, muito sentida no curto prazo, mas, se forem
estes dois temas estarão lá. liberadas as amarras existentes para o setor
Uma palavra de ordem sempre repetida portuário brasileiro, teremos um grande in-
no agronegócio é gargalo, seja na armaze- cremento, especialmente pela viabilização
nagem, no recebimento, no embarque ou da exportação do milho.
no desembarque das mercadorias. As filas
e os atrasos com os pagamentos de estadias Grasso Júnior
cobram muito da conta do agricultor. O Governo sabe disso tudo para se
Os marcos regulatórios ainda não se pro- posicionar?
varam eficientes por uma série de questões.
O Arco Norte pode, agora, se demonstrar Fayet
mais vivo e presente. Há dez anos, na Mo- Temos frustrações e alegrias com o Go-
saic, no Estado do Mato Grosso, abrimos verno. Em 2004, começamos a conversar
uma fábrica em Sorriso, distante apenas 60 com o Ministério dos Transportes e o Mapa
quilômetros de Sinop. A crença, naquela sobre a gestão do escoamento de safra. Na-
época, era de que a BR-163 estaria pronta, quela época, ainda não existia a CTLOG.
no máximo, em cinco anos. Éramos somente três pessoas. Rastreamos
Perguntamos, então: até que ponto esse o fluxo de saída de um ano para estimar o
crescimento da reversão na exportação de potencial de saída no ano seguinte. Identi-
grãos irá ocorrer nos fertilizantes? ficamos problemas potenciais e as formas
de contorná-los. O sistema funcionou até
Fayet 2008. Entretanto, em 2013, conseguimos,
Hoje, os portos das regiões Sul e Su- com o Ministério dos Transportes e o Mapa,
deste possuem nos fretes de retorno uma a reinstituição do Sistema do Controle do
oportunidade para abastecer as novas Escoamento de Safras. Retomamos o velho

54 RMB1oT/2015
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

modelo, ajustamos as novas tecnologias Fayet


e contamos com a determinação governa- Na verdade, as informações sobre como
mental. Foi uma virada importante. Como será o futuro sistema de exportação ainda
choveu pouco e o crescimento da safra e a não estão conhecidas pela nossa comuni-
exportação de soja e milho não foram tão dade, até porque os planos governamentais
expressivos, tivemos a tarefa facilitada, estão com grandes atrasos. O corredor da
mas fizemos um trabalho intenso tanto em rodovia BR-163, de Cuiabá a Santarém,
medidas estruturais como em questões pon- será uma rota de logística intermodal. Em
tuais, aparentemente simples, mas de grande Miritituba, que fica a 250 quilômetros
repercussão na economia e na segurança. antes de Santarém, estão sendo projetados
Vejamos exemplos: ou construídos 11 terminais privados de
• Proposta de agendamento no porto transbordo rodo-hidroviário. A partir daí,
de Santos semelhante ao já existente e navega-se pelo baixo Tapajós e pelo Amazo-
em perfeito funcionamento em Paranaguá nas, passando pelo sul da Ilha de Marajó, até
desde 2001. o sistema portuário da Baía de Guajará (em
• Desobstrução do acesso rodoviário ao Belém-PA), onde estão sendo construídos
terminal no porto de São Luís-MA. alguns terminais. Lastimavelmente, o prin-
• Autorização de transporte de material cipal deles, o terminal público de Outeiro,
rodante para concessionária ferroviária na para atender 15 milhões de toneladas de
Ferrovia Norte-Sul. grãos, está na lista de atrasos de dois anos.
• Disponibilização de quatro patrulhas Houve dois erros graves na realização
para desencalhar veículos na BR-163, da audiência pública no Pará. O terminal
durante o período das chuvas, entre outros. de fertilizantes de Santarém ficou de fora,
Aliás, temos insistido com as autorida- e o terminal de Outeiro, na Baía de Guaja-
des que precisamos manter uma espécie rá, estava previsto para operar navios com
de força-tarefa permanente para receber capacidade de carga para 150 mil toneladas,
as demandas e provocar as soluções, já mas, no projeto, foi reduzido para 40 mil
que as soluções quase sempre dependem toneladas. Dos três lotes, passou-se para
de Brasília. É a realidade. um lote só, e, da capacidade total para 15
milhões de toneladas, reduziu-se para 6
Grasso Júnior milhões. Houve, então, indignação e um
Com a melhoria da logística, quanto imenso retrabalho junto às autoridades, pois
seria transferido para o consumidor final e tudo já havia sido aprovado pela Agência
quanto beneficiaria o agricultor? Nacional de Transportes Aquaviários (An-
taq) e submetido ao Tribunal de Contas da
Fayet União (TCU). Com a pressão, tudo voltou
As avaliações da Aprosoja para as novas ao conceito original, mas o episódio não po-
fronteiras são de que, em média, haverá uma deria ter acontecido. Essa rota multimodal
redução de custos na ordem de US$ 50 por será a principal no escoamento das novas
tonelada. É significativo. fronteiras e, logicamente, a de recebimento
de fertilizantes.
Grasso Júnior
Por que o acesso a Santarém e Miritituba Grasso Júnior
por rodovia é muito mais comentado do que A transformação dos CAPs em órgãos
o transporte hidroviário pelo Rio Tapajós? meramente consultivos não tirará a agi-

RMB1oT/2015 55
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

lidade na implantação de melhorias na Fayet


infraestrutura portuária, tão carente nos A parte rodoviária é a mais fácil de ser
dias de hoje? feita. Como as licitações foram lançadas e
as concessões definidas, assim teremos uma
Fayet melhoria no transporte rodoviário nessas no-
Apesar de desconhecidos no País, os vas fronteiras. Quando abordamos os portos
CAPs eram responsáveis pela formulação e as hidrovias, começam as complicações.
dos planos diretores e a elaboração das Na navegação hidroviária e de cabotagem,
normas regulamentares. No porto de Pa- as embarcações construídas no Brasil são
ranaguá, por exemplo, a implantação de muito mais caras do que no exterior.
agendamento de exportação de grãos foi A Hidrovia Tietê-Paraná, por exemplo,
aprovada, regulada e aperfeiçoada pela com mais de 50 anos de existência, trans-
administração junto com o CAP, em 2001. portou 6,5 milhões de toneladas em 2013.
Então, tínhamos um sistema de governança Com a queda do índice de chuvas, tivemos
em que se permeava a informação da clien- uma grave crise neste ano, pois, em termos
tela para dentro e fora do porto. Tiraram de prioridades no uso das águas, a primeira
esse poder do CAP e mudaram a sua repre- é o consumo humano; depois, vêm os usos
sentação, que era de maioria privada. Hoje, convencionais conforme cada hidrovia, como
as suas deliberações são as do Governo, e é o caso para transporte e energia. Contudo,
não dos usuários. o órgão gestor do uso da água, chamado
Com essa mudança, perdemos a informa- Operador Nacional de Sistema, determinou
ção aberta e o controle social. O representan- prioridade para as hidrelétricas gerarem mais
te da iniciativa privada dos usuários passou energia, sem levar em conta as prioridades
a ser da associação comercial do município e os limites mínimos da lâmina d’água es-
onde está o porto. Isso significou um atraso tabelecidos para navegação pela Marinha
institucional que não podia acontecer. Isso do Brasil. Gerou-se, assim, uma confusão
porque o porto está no município, mas, no institucional, e, com isso, a hidrovia paralisou
caso de Paranaguá, atende a uma hinterlân- muito as suas atividades. Os prejuízos caíram
dia de aproximadamente 500 mil quilôme- na conta dos usuários, e as autoridades que
tros quadrados. A Associação Brasileira deveriam tomar providências calaram-se. É
dos Terminais Portuários (ABTP), uma das a nossa triste realidade. Insegurança jurídica
entidades da CTLOG, fez um trabalho deta- e irresponsabilidade administrativa. Será que
lhado e de referência sobre as mudanças na vai ficar por isso mesmo?
Lei no 12.815, o qual enviei eletronicamente
e sugiro que seja avaliado pelos usuários. Grasso Júnior
Como está, a legislação será um atraso para Até que ponto as barcaças serão realida-
o País e uma ameaça à livre competição. de para o transporte de fertilizantes, tendo
em vista esse rateio de custos de frete e
Grasso Júnior retorno esperado da logística reversa?
As alterações mais urgentes na logística
do Brasil poderão ser feitas em quanto Fayet
tempo? A exemplo dos Estados Unidos, que Foi citado que o uso das barcaças no
utiliza as suas hidrovias com muito vigor, retorno com fertilizantes não contamina
o Brasil, sendo grande detentor de rios, o o transporte de soja e milho, produtos ali-
que está fazendo para isso? mentares; logo, é possível usar os retornos

56 RMB1oT/2015
INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA: Oportunidades e desafios

de embarcações. Temos no transbordo de dovias, ferrovias e cabotagem, diante dos


fertilizantes uma operação complexa. Po- recursos limitados direcionados à infraes-
demos estudar como solução tecnológica trutura, como estabelecer as prioridades e
os bags. Como voltar com as embarcações investimentos em todas essas áreas?
vazias não faz sentido, poderemos ter uma
boa solução, mas num sistema não con- Fayet
taminante. Podemos ter uma combinação Temos a mania brasileira de lançar pla-
de modais, mas, em curtas distâncias, o nos. Riscamos um mapa de um lado para o
caminhão é a alternativa mais competitiva. outro e dizemos qual é o plano. O resultado
é que realizamos pouco e ficamos sem
Grasso Júnior prioridades. Tomemos o caso dos planos
O programa de licitações do governo ferroviário e rodoviário: de repente, sai da
federal para os portos públicos será sufi- cartola e aparece um negócio sem viabili-
ciente para atender à crescente demanda dade nenhuma. Existem, por exemplo, pro-
por logística portuária no Arco Sul? jetos para a construção de duas ferrovias:
uma na região Sul, em
Fayet linha paralela ao litoral,
A Lei 12.815 diz O Brasil tem nas e a outra uma ferrovia
que o chamado por- exportações do agronegócio bio-oceânica, para ligar
to organizado, o porto as novas fronteiras ao
público, constitui-se uma oportunidade invejável Pacífico. Pode? Para
do patrimônio públi- para sair do sufoco na um país em que o go-
co composto por bens
imóveis e por instru-
balança comercial e para verno não tem dinheiro
para investir, o correto
mentos para a movi- acelerar o desenvolvimento seria estabelecer um
mentação. Assim, na sadio, sem subsídios, sem plano modesto e esca-
opinião de especialistas lonado para o dinheiro
e juristas, as poligonais, favores e sem distorções público e a liberação da
que são linhas de re- iniciativa privada para
ferência, não incluem investir. O custo social
propriedades privadas. Entretanto, algumas e econômico da falta de infraestrutura e do
áreas de governo levantam dúvidas, o que emperramento das ações privadas é muito
cria uma imensa instabilidade jurídica para grande. O Brasil tem nas exportações do
os investimentos privados. De outro lado, o agronegócio uma oportunidade invejável
Governo não tem recursos para investir nessa para sair do sufoco na balança comercial e
área. Eis a questão. para acelerar o desenvolvimento sadio, sem
subsídios, sem favores e sem distorções.
Grasso Júnior Além disso, não pode trair as expectativas
Considerando os grandes problemas a mundiais de ter um suprimento seguro e de
serem resolvidos quanto aos portos, ro- qualidade, pois com comida não se brinca.

RMB1oT/2015 57
A QUESTÃO PALESTINA

Parte I

Cristo desceu à terra e encarnou em Belém; redimiu o


mundo no Gólgota; subiu aos céus no Monte das Oliveiras;
e enviou aos discípulos o Espírito no Monte Sião. Como não
seria santa a terra que testemunhou a salvação do mundo?
Karen Armstrong
(do livro Jerusalém – uma cidade, três religiões)

LUIZ SÉRGIO SILVEIRA COSTA*


Vice-Almirante (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Informações gerais
Considerações histórico-culturais: o judeu e o judaísmo
Considerações histórico-religiosas: o árabe e o islamismo
Alguns dados atuais
Os antecedentes
Os antecedentes e principais fatos em ordem cronológica
No período antes de Cristo
No período depois de Cristo
As guerras árabe-israelenses
A Guerra da Independência de Israel
A Guerra de Suez
A Guerra dos Seis Dias
A Guerra do Yom Kippur
Outros conflitos, operações e fatos importantes posteriores, em ordem cronológica

* Foi comandante do Submarino Goiás (interino), Submarino Bahia e Navio-Escola Brasil; foi diretor do Centro de
Instrução Almirante Áttila Monteiro Aché (Ciama), da Escola de Aprendizes-Marinheiros do Espírito Santo
e Capitão dos Portos de Santa Catarina. Como almirante comandou a Força de Submarinos e o 2o Distrito
Naval e foi diretor de Aeronáutica da Marinha.
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

INTRODUÇÃO por falta de qualificação de historiador ou


professor e de maior vivência na região,

H á pouco tempo, em outubro de 2014,


fizemos uma viagem em excursão
a Jordânia e Israel, movidos pela curio-
pois duas semanas de viagem, com roteiro
padronizado em pontos turísticos, é muito
pouco, apenas uma gota nesse imenso e
sidade intelectual de conhecer de perto tormentoso mar, ou melhor, Rio Jordão,
a antiga e complexa problemática entre de tanta relevância histórica pelo batismo
israelenses e palestinos e ver tantos locais de Jesus Cristo, e, hoje, como provedor de
e símbolos históricos da religiosidade de água para as populações locais.
cristãos, judeus e muçulmanos. Foi uma Não temos ascendência política árabe
ótima viagem, com dois guias locais que ou israelense e religiosa judia ou muçul-
falavam português: Mohamed, palestino, mana, e nem predisposições, a não ser
na Jordânia, e Uri, israelense, em Israel. tentar compreender as posições, consi-
O que estudamos antes, via Google, com derar a História – esse imenso sistema de
todas as suas eventuais imperfeições e alarme –, julgar com isenção e concluir
desatualizações, debatemos com os guias por uma ação a tomar. Acadêmica, é
e lemos nos livros citados ao final, na volta claro!
da viagem, nos permitiu maior conheci- Houve, ainda, outro dado a nos estimu-
mento, melhor entendimento e chegar a lar, como cariocas: Jerusalém é cidade-irmã
este trabalho, que, reconheço, temerário do Rio de Janeiro!

A Cidade Velha, vista do Sudoeste. Logo abaixo do Domo da Rocha, cúpula dourada, fica o Muro das
Lamentações. Na parte bem baixa, à direita, vê-se parte da Muralha da Cidade Velha

RMB1oT/2015 59
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

e a Turquia (majorita-
riamente asiática, mas
com a Trácia incluída
na Europa).

Considerações
histórico-culturais: o
judeu e o judaísmo

a) O termo “semita”
tem como principal
designação o conjunto
de vários povos, entre
os quais se destacam
os árabes e hebreus,
que compartilhavam as
mesmas origens cultu-
INFORMAÇÕES GERAIS rais e falavam línguas
semíticas, mas que, devido às migrações,
A terra de muitos nomes, Canaã, Judá, não compõem um grupo étnico homogêneo.
Judeia, Israel, Palestina, Terra Santa (dos Entre os antigos povos semitas estão os fe-
cristãos) e Terra Prometida (dos judeus) é nícios, hebreus, amoritas, cananeus, sírios,
a área de 30 mil km2 entre o Rio Jordão, arameus, árabes e hicsos. Historicamente,
a Leste, e o Mar Mediterrâneo, a Oeste, e esses povos tiveram grande influência cul-
entre o Líbano, ao Norte, e o Deserto de tural, pois as três grandes religiões monote-
Negev, ao Sul, ou seja, inclui Israel e a mo- ístas do mundo, o judaísmo, o cristianismo
derna Palestina. É o local em que profetas, e o islamismo, possuem raízes semitas.
como Jesus Cristo e Maomé, interagiram, O termo é muito usado no contexto ra-
e seus seguidores o consideram como uma cial, mas não como termo linguístico, que
região sagrada. se refere a uma família de línguas — quer
A Jordânia, até 1920, foi parte da Pales- antigas, quer modernas —, originárias na
tina, e, por isso, sua população também tem sua maioria do Oriente Médio, que inclui
origem palestina, além de beduína. o acádio, o amárico, o árabe, o aramaico,
O Oriente Médio é a região que engloba o assírio, o hebraico, o maltês e o tigrínia.
parte da Ásia Europeia e da África Seten- A mais convincente hipótese da origem
trional, banhadas pelo Mar Mediterrâneo e do povo semita é que esses povos teriam
Oceano Índico. Engloba os seguintes paí- surgido na Arábia a partir de 3.500 a.C.
ses: Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrein, e teriam migrado para outras regiões em
Catar, Chipre, Egito, Emirados Árabes busca de terras férteis.
Unidos, Iêmen, Israel, Irã, Iraque, Jordâ- A palavra “semita” deriva de Sem, ver-
nia, Kuwait, Líbano, Omã, Palestina, Síria são grega do nome hebraico Shem, um dos
e Turquia. Desses, os únicos países não três filhos de Noé nas escrituras judaicas
totalmente asiáticos são o Egito (que tem (Gênesis 5:32). Mas hoje, e indevidamente,
parte de seu território na península do Sinai, o termo “antissemítico”, ou “antissemita”,
na Ásia, mas é majoritariamente africano) é usado como sinônimo de antijudeu e, no

60 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

sentido radical, quer dizer que o judeu não c) O termo “judeu” vem do nome Judá,
deve ter lugar na sociedade. um dos 12 filhos de Jacó e umas das doze
b) Sião é o nome da mais alta montanha tribos de Israel.
de Jerusalém (cerca de 800 metros), onde o d) A religião judaica foi a primeira reli-
Rei Davi construiu uma fortaleza em posição gião monoteísta do mundo, surgida entre os
privilegiada, que passou a ser a capital do hebreus antigos, sendo Abraão considerado
Reino de Israel e que, pela definição bíblica, o primeiro judeu e o primeiro patriarca de
foi chamada de Cidade de Davi. Quando Israel, seguido por seu filho Isaac e, em
Davi mandou que para lá fosse levada a Arca seguida, Jacó. Depois, com Moisés, o juda-
da Aliança, o monte passou a ser conside- ísmo foi formalizado, e, após a sua morte,
rado local santo pelos judeus. Mais tarde, Josué, sob a direção de Deus, liderou os
com a construção do Templo de Salomão, judeus a se estabelecerem na terra onde hoje
e a remoção da Arca para lá, o termo Sião é Israel. Em seguida, os hebreus sofreram
passou a se referir ao pequeno monte em diversas invasões e a religião se tornou o
Jerusalém, dentro da Cidade Velha, onde principal elo entre eles.
se construiu o Tem- e) Israelense é o
plo de Salomão. Mais atual cidadão de Israel,
tarde, Sião passou a Israelense é o atual cidadão e israelita é o povo dos
se referir ao próprio tempos bíblicos.
Templo e aos terrenos
de Israel, e israelita é o f) Em termos de
do templo, o Monte do povo dos tempos bíblicos. religião, os judeus se
Templo. Depois disso, Os judeus se diferenciam diferenciam uns dos
Sião foi usado para outros pela prática ri-
simbolizar Jerusalém uns dos outros pela prática tualista. São de cinco
e a Terra Prometida. ritualista tipos: os conservado-
O sionismo, de- res, ou sionistas secu-
rivado de Sião (ou lares ou judeus secu-
Jerusalém), foi um movimento criado nos lares, 50% da população judaica de Israel,
tempos modernos, no século XIX, que ex- os que construíram o Estado de Israel, não
pressava o apelo dos judeus de todo o mundo observam os rituais (são não observantes) e
por sua pátria histórica – Sião, a Terra de consideram que o Estado substitui a sinago-
Israel – e defendia o direito à autodetermi- ga (são nacionalistas); os judeus ortodoxos,
nação do povo judeu, a criação de um estado que acham que o Estado não substitui a
nacional judaico, o Estado de Israel e o sinagoga e são 30%; ou judeus ortodoxos
retorno dos judeus espalhados pelo mundo. messiânicos, 5%, que acham que o Estado
Assim, com a sua criação como Estado so- é apenas necessário para trazer o Messias, o
berano em 1948, por direito legal e não por ungido por Deus; os judeus ultraortodoxos,
ato de força, o termo deveria perder o seu 15%, os Haredim, que não são sionistas,
sentido. Mas tem sido usado incorretamente são repletos de reverência a Deus, não
como sinônimo de antissemitismo, o que é mandam seus filhos para servir ao Exército,
incorreto, pois o judaísmo tem mais de 5 mil não comemoram o dia da Independência
anos de existência e o sionismo deixou de de Israel, preferem falar em iídiche (língua
existir sem ter completado nem um século dos judeus da Europa Oriental), vestem os
de vida. Há até judeus que são antissionistas, casacos e chapéus negros usados no século
sem serem, é claro, antissemitas! XVIII pelos cavalheiros da Europa Orien-

RMB1oT/2015 61
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

tal, não consideram a criação do Estado de mana no mundo, sendo que turcos, afegãos
Israel como tendo significado religioso, e e iranianos (persas), embora muçulmanos,
acham que a Terra Santa não é dos judeus, não são árabes. Outros 30% de muçulmanos
mas a Terra Prometida, que ainda está que não são árabes estão no subcontinente
por vir e que o Holocausto foi a punição indiano (Índia e Paquistão), 20% no norte
pelo povo judeu ter renegado a Jesus; e da África, 17% no sudeste da Ásia e 10%
os judeus reformados ou reformistas, que na Rússia e na China. Há minorias muçul-
não são reconhecidos oficialmente, pelo manas em quase todas as partes do mundo,
seu posicionamento antissionista. Dos 13 inclusive nos Estados Unidos da América
milhões de judeus no mundo, apenas 1,5 (EUA) (cerca de 6 milhões) e no Brasil
milhão praticam hoje a doutrina reformista. (cerca de 2 milhões).
Conservadores e reformistas são o A maior comunidade islãmica do mundo
oposto dos ortodoxos. Por exemplo, nas está na Indonésia, que não é árabe.
sinagogas ortodoxas, as mulheres ficam c) O Islã é o conjunto dos povos que
separadas do homem por causa da supers- professam o islamismo. O muçulmano
tição em relação à pureza delas durante o é o seguidor da fé islâmica e, por isso, é
ciclo menstrual. também chamado de islamita. O termo
g) A Terra Prometida era a terra fértil de maometano às vezes é usado para se refe-
Canaã, ou seja, a Terra Santa. rir ao muçulmano, o que não é adequado,
pois a religião é a devoção a Deus, e não
Considerações histórico-religiosas: o ao profeta Maomé (nasceu em 570 d.C. e
árabe e o islamismo morreu em 632 d.C.).
Em árabe, Islã significa “rendição” ou
a) Árabe é a pessoa oriunda da Península “submissão” e se refere à obrigação do
Arábica (ou Arábia) – que hoje é composta muçulmano de seguir a vontade de Deus.
por Arábia Saudita, Catar, Kuwait, Bahrein, O termo está ligado a outra palavra árabe,
Emirados Árabes Unidos, Omã e Iêmen –, salam, que significa “paz”, o que reforça o
no Oriente Médio, e da África Setentrional. caráter pacífico e tolerante da fé islâmica.
Um árabe, no sentido moderno da palavra, é O termo surgiu por obra do fundador do
alguém que é cidadão de um estado árabe, islamismo, o profeta Maomé, que dedicou
conhece a língua árabe e possui um conhe- a vida à tentativa de promover a paz em
cimento básico da tradição árabe, isto é, dos sua Arábia natal.
usos, costumes e sistemas políticos e sociais d) As raízes do islamismo não são
da cultura. Eles falam o árabe, uma língua conflitantes com as do cristianismo e do
semita, que tem a mesma origem do hebreu. judaísmo. Assim, como nas duas outras
b) O árabe é essencialmente formado grandes religiões monoteístas, as raízes
por muçulmanos, judeus e cristãos. Ou seja, do islamismo vêm do profeta Abraão. O
ser árabe não significa ser necessariamente profeta Maomé, fundador do islamismo,
muçulmano e praticar o islamismo, embora seria descendente de Ismael, o primeiro
a maior parte dos árabes seja de muçulma- filho de Abraão. Moisés e Jesus seriam
nos e seguidores do islamismo, religião descendentes de Isaac, o filho mais novo
fundada pelo profeta Maomé no século VII, de Abraão.
na Península Arábica, ou Arábia. e) Os muçulmanos não têm um deus
Na verdade, o Oriente Médio reúne diferente, pois Alá é simplesmente a pala-
apenas cerca de 18% da população muçul- vra árabe para “Deus”. A aceitação de um

62 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Deus único é idêntica à de judeus e cristãos. pois, no século VII, após o falecimento de
Deus tem o mesmo nome no judaísmo, Maomé, ocorreu uma disputa sobre quem
no cristianismo e no islamismo, e Alá é o seria o seu sucessor. Os sunitas, que ven-
mesmo Deus adorado pelos judeus, cristãos ceram, diziam que o novo líder deveria ser
e muçulmanos. escolhido por processo eleitoral, e os xiitas,
f) Apenas uma minoria entre cerca de que ele deveria ser familiar e descendente
1,6 bilhão de praticantes da religião muçul- de Maomé. Os sunitas são mais ricos, e os
mana no mundo é adepta de interpretações xiitas pobres e despossuídos. Há outros gru-
radicais dos ensinamentos de Maomé. Para pos menores, como os alauítas, presentes,
essa minoria, a violência contra outros sobretudo, na Síria.
povos e religiões é considerada uma forma i) Os muçulmanos têm cinco obrigações:
de garantir a sobrevivência do Islã em seu a shahada, que é o recital do credo “Alá
estado puro. Com efeito, a jihad – que não é o único Deus e Maomé o seu profeta”;
significa “guerra santa”, mas “luta”, “em- a salat, que consiste em orar cinco vezes
penho”, contra os judeus, o Ocidente e os ao dia voltado para Meca; a zakat, que é o
EUA, que consideram “infiéis” – virou uma pagamento de doações, espécie de dízimo,
ideologia, a morte e a destruição dos infiéis para ajudar os pobres; a siam, jejuar no mês
em nome de Alá. Mas, sagrado do Ramadã; e
para a maioria dos se- a haji, fazer, ao menos
guidores do islamismo, Apenas uma minoria uma vez na vida, uma
a religião muçulmana é entre cerca de 1,6 bilhão peregrinação a Meca.
de paz e tolerância. Não abrem mão disso,
g) Os especialistas de praticantes da religião enquanto que, ao raiar
se dividem em relação muçulmana no mundo é do dia, os alto-falantes
à dificuldade de se
impor a democracia
adepta de interpretações das mesquitas chamam
os fiéis para rezar.
em países islâmicos. radicais dos ensinamentos j) Na mesquita, mu-
Para muitos, a religião de Maomé çulmana, a porta prin-
e a cultura islâmica cipal fica voltada para
formaram sociedades Meca; na sinagoga, ju-
em que os princípios democráticos não dia, para Jerusalém (em Jerusalém, voltada
têm espaço e nem atraem as pessoas. Esses para o Santo dos Santos, ou Santíssimo
consideram que é inútil tentar impor regi- Lugar – era uma sala do Tabernáculo que,
mes democráticos no Islã, pois a própria mais tarde, se transformou em uma sala do
população não estaria disposta a abraçar a Templo de Salomão, de 5 m x 5 m, onde
mudança. Mas outros analistas dizem que ficava guardada a Arca da Aliança); e na
o islamismo não impede o florescimento igreja, católica, para o Leste, o nascer do
da democracia e que os países muçulmanos sol. Na cidade de Jerusalém há 1.204 sina-
têm ditaduras e monarquias por causa de gogas, 158 igrejas e 73 mesquitas.
outros fatores. Seja qual for a explicação, o
fato é que as democracias são raras no Islã: Alguns dados atuais
só a Indonésia, a Turquia e Bangladesh têm
esse tipo de regime. a) No mundo, são 2,1 bilhões de cris-
h) Os muçulmanos se dividem basica- tãos (31,5%), 1,6 bilhão de muçulmanos
mente entre sunitas – a maioria – e xiitas, (24,2%) e 14 milhões de judeus (0,2%); em

RMB1oT/2015 63
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Israel, numa população de cerca de 8 mi- OS ANTECEDENTES


lhões de habitantes, há cerca de 6 milhões
de judeus, 1,4 milhão de muçulmanos e Os antecedentes e principais fatos em
100 mil cristãos. ordem cronológica
b) Dos que são muçulmanos no mundo,
cerca de 90% são sunitas e 10%, xiitas. A Desde 3.000 anos antes de Cristo, a
maioria dos xiitas, cerca de 80%, vive em região da Terra Santa era habitada por
quatro países: Irã, Iraque, Paquistão e Índia. nômades de origem hebraica, que pastore-
c) Os países com mais muçulmanos avam seus animais e vagavam pelo deserto.
no mundo são: Indonésia – 209,1 milhões
(87,2% da população local); Índia – 176,1 No período antes de Cristo
milhões (14,4% da população local); Pa-
quistão – 167,4 milhões (96,4% da popu- Foram os seguintes os fatos mais sig-
lação local); Bangladesh – 133,5 milhões nificativos:
(89,8% da população local); Nigéria – 77,3 – No ano 2000 a.C., a Faixa de Gaza foi
milhões (48,8% da população local); Egito invadida e ocupada pelos filisteus, povo de
– 76,9 milhões (94,9% da população local); origem indo-europeia que veio pelo mar.
Irã – 73,5 milhões (99,5% da população Na mesma época, a Cisjordânia foi invadida
local); Turquia – 71,3 milhões (98% da pelos hebreus, povo de origem semita.
população local); Argélia – 34,7 milhões Os dois povos lutaram entre si na disputa
(97,9% da população local) e Marrocos – por territórios, porém ambos acabaram
31,9 milhões (99,9% da população local). suplantados por impérios mais poderosos
d) A maior parte dos muçulmanos que dominaram sucessivamente a região.
(61,7%) vive na região da Ásia-Pacífico, – A Bíblia diz que os hebreus (israelitas)
onde estão os quatro países com mais provieram da Mesopotâmia (atual Iraque),
muçulmanos no mundo: Indonésia, Índia, da cidade de Ur, e que, durante algum tem-
Paquistão e Bangladesh. Em seguida, apa- po, habitaram Canaã, mas, no século XVIII,
recem o Oriente Médio e o norte da África por volta de 1750 a.C., as doze tribos de
(19,8%) e a África Subsaariana (15,5%). Israel emigraram para o Egito, tangidas pela
Na Europa existem apenas 2,7% dos mu- fome, com a liderança de Abraão, patriarca
çulmanos do mundo, mas eles são cerca de do povo judeu. No século XIII, por volta de
44 milhões, o que equivale a cerca de 6% 1250 a.C., depois de 400 anos como escra-
da população europeia. vos no Egito, e já sob a liderança de Moisés,
e) No Holocausto, foram mortos 6 mi- fugiram, atendendo a um chamado de Deus
lhões de judeus. para que fossem para a “Terra Prometida”
f) Descartando os que estão em outros de Canaã. Os israelitas, obedecendo a Deus,
países, são 6 milhões de judeus em um percorreram os desertos daquela região por
único país, Israel, contra os 1,6 bilhão de muitos anos em busca da Terra Prometida.
muçulmanos em 22 países. Na França, a Entre os israelitas estavam os filhos de
maior comunidade na Europa Ocidental, Abraão: Ismael, que seria o ascendente dos
são 700 mil judeus. povos árabes, e Isaac (teve um filho, Jacó,
g) Israel tem 20,7 mil km2 (é quase igual que Deus chamou de Israel), que seria o
ao estado de Sergipe e metade da Bélgica); ascendente do povo hebreu.
a Cisjordânia, cerca de ¼ de Israel, tem 5,6 – Depois da fuga, perseguidos pelos
km2 e a Faixa de Gaza, 350 km2. egípcios, foram salvos por Deus no Mar

64 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Vermelho, no chamado Milagre do Mar não conseguiria sobreviver sem a sua liga-
Vermelho, descrito no Êxodo, 2o livro do ção com o céu. Na Babilônia, o líder judeu
Antigo Testamento, e chegaram ao Monte foi Daniel, que foi forçado a servir na corte
Sinai, quando Moisés recebeu de Deus a da Babilônia por ter dons premonitórios.
tábua dos Dez Mandamentos e a Arca da – De 539 a.C. a 336 a.C. foi o período
Aliança. Moisés morreu antes de os israe- persa e helenístico (o persa Ciro, o Gran-
litas chegarem à Terra Prometida, mas seu de, mata Nabucodonosor e permite que
sucessor, Josué, conduziu-os ao Canaã, os israelitas voltem para Jerusalém). Foi
chegando a Jericó, onde as doze tribos se quando foi construído e terminado em 516
estabeleceram em 1200 a.C. Mas, depois de a.C., já no reinado de Dario, o Grande, o
terríveis massacres, acabaram dominados que seria o Segundo Templo – que não foi
pelos filisteus. considerado como Segundo Templo, mas o
– Em 1020 a.C., já no tempo do profeta posterior, construído por Herodes.
Samuel, e ainda sob domínio filisteu, foi – De 336 a.C. a 166 a.C. foi o período
criada a monarquia, o Reino de Israel, e macedônico (Alexandre, o Grande).
Saul foi o primeiro rei. – De 166 a.C. a 63 a.C. foi o período dos
– Em 1000 a.C., Davi, que matou Go- macabeus (Simão, o Grande), de autonomia
lias, o gigante filisteu, sucedeu a Saul e, judaica.
derrotando os filisteus, levou os israelitas – Em 63 a.C., Jerusalém foi capturada
para Jerusalém, que se tornou a cidade de pelo general romano Pompeu, que matou
Davi. 12 mil judeus e iniciou o longo período de
– Em 970 a.C., Davi foi sucedido por domínio romano.
seu filho Salomão.
– Em 960 a.C., foi construído em Jeru- No período depois de Cristo
salém, no Monte Sião, pelo Rei Salomão,
o Primeiro Templo de Jerusalém, ou o – Domínio romano, de 63 a.C. a 313 d.C.
Templo de Salomão, o centro nacional e Naquele período, ocorreram:
espiritual do povo judeu, que guardaria a – De 37 a.C. a 4 d.C., o governo do rei
Arca da Aliança e os Dez Mandamentos. vassalo romano Herodes, que fez grandes
– Em 930 a.C., o Reino foi dividido em obras. Decidiu construir o Segundo Tem-
Judá e Israel. plo (ou Templo de Herodes), que levou 18
– Em 720 a.C., o Reino de Israel foi meses e ampliou a Esplanada, reforçando
conquistado pelos assírios. o pátio com blocos de pedra pesando até
– Em 586 a.C., após longo cerco, que cinco toneladas. Essa obra durou 80 anos
causou fome e até canibalismo, Judá e (Herodes morreu antes) e usou 18 mil
Jerusalém foram conquistadas pela Babilô- trabalhadores.
nia. Jerusalém e o Primeiro Templo foram – De 10 d.C. a 40 d.C., foi o período de
destruídos por Nabucodonosor, o rei da Jesus Cristo. Quando do nascimento de Je-
Babilônia, e a maioria dos judeus, exilada sus, Herodes tomou conhecimento de uma
e tangida para a Babilônia, por 800 km pelo profecia dizendo que iria nascer em Belém
deserto, para se tornarem escravos. Com a o Rei dos Judeus. Como ele, Herodes, se
destruição do Primeiro Templo, desapare- considerava o Rei dos Judeus, mandou
ceu, para sempre, a Arca da Aliança. No matar todos os recém-nascidos em Belém,
mundo antigo, a destruição de um templo mas Jesus escapou, levado por Maria e José
equivalia à destruição de um Estado, que para Nazaré e, depois, para a Galileia.

RMB1oT/2015 65
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

– De 66 a 70 d.C., houve a Primeira Depois disso, Jerusalém seria reconstru-


Revolta Judaica contra os romanos, feroz- ída pelos romanos, mas o Imperador Adria-
mente esmagada pelo Imperador Vespa- no ordenou a mudança do nome para Aelia
siano, com a destruição de Jerusalém e do Capitolina, para evitar qualquer associação
Segundo Templo e a expulsão dos judeus com a cidade sagrada que ele destruíra.
por Tito, filho de Vespasiano, começando Durante o século IV, o Imperador Cons-
novo êxodo. tantino I, que imperou de 306 a 337 d.C.,
– Em 73 d.C, caiu a última fortaleza dos recriou o nome de Jerusalém, construiu
judeus (Massa). partes cristãs lá, como a Igreja do Santo
– Entre 115 e 117 d.C., ocorreu a Segun- Sepulcro, erguida no lugar do templo de
da Revolta Judaica por causa do governo Adriano, dedicado a Vênus, permitiu os
romano ter transformado uma contribuição cultos cristãos e cancelou o Shabat. Des-
anual dos judeus da diáspora, para a manu- de Constantino e até o século VII, já no
tenção do Templo de Júpiter, em imposto, período bizantino, os judeus continuaram
na época do Imperador Trajano. perseguidos em Jerusalém, só voltando no
– Em 118 d.C., assumiu o Imperador período árabe, a partir de 636 d.C.
Adriano, que permitiu o retorno dos judeus – Domínio bizantino, de 313 d.C. a
e que reconstruíssem o Templo e helenizou 636 d.C.
o Império política e culturalmente, o que Com a divisão do Império Romano, já
desagradou aos judeus, inclusive por ter no século IV, em 395 d.C. a região da Pales-
editado uma lei, em 127 d.C., proibindo tina passou a pertencer à sua porção orien-
a circuncisão dos recém-nascidos, o que tal, que viria a ser conhecida como Império
revoltou os judeus e deu início à Revolta Bizantino. Naquele período bizantino, com
do Bar Kochba (a Terceira Revolta Judaica) o surgimento do islamismo na Península
contra os romanos, de 132 a 135 d.C., quan- Arábica, no século VII, as tribos árabes se
do os judeus, liderados pelo messiânico Bar uniram e conquistaram largas porções do
Kochba, foram derrotados e a cabeça de Império Bizantino, incluindo a Palestina.
Bar Kochba cortada e levada ao Imperador Porém, a diáspora semita também ocorreu
Adriano como troféu. com o outro tronco cultural da família, o
Para os judeus, a punição romana foi dos árabes, logo após a fundação do isla-
cruel, pois cerca de mil aldeias foram ar- mismo, no século VII. Os povos árabes
rasadas e houve mais de 500 mil mortos. pré-islâmicos tiveram grande assimilação
Dezenas de milhares de judeus, homens religiosa graças aos longos contatos com
e mulheres, foram capturados e vendidos o judaísmo e com o cristianismo, e a pro-
como escravos, e proibidos de pôr os pés pagação da religião muçulmana aconteceu
na Terra Santa, o que durou até o século IV. de forma rápida, sendo que o islamismo
Banidos, pois, do Império Romano, no de Maomé uniu diversos povos que se
evento conhecido historicamente como lançaram à conquista do mundo, indo até
Diáspora, milhares de judeus se espalharam a Espanha e o Oceano Pacífico.
mundo afora, formando grandes grupos em – O domínio árabe (o califado islâmico),
diversas regiões do mundo, passando por de 636 d.C. – quando as forças árabes do ca-
diferentes contatos culturais, onde, mesmo lifa Omar derrotaram o imperador bizantino
estigmatizados, perseguidos e humilhados, Heráclito – a 1099, e Omar autorizou os
e às vezes expulsos, nunca perderam a sua judeus a voltarem para a cidade. Omar, que
identidade cultural e religiosa. mandou construir uma pequena mesquita,

66 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

a Mesquita de Omar, na área de Primeiro de que Saladino agiu de modo muito mais
e Segundo Templos, foi assassinado em cristão do que os cristãos cruzados, ao con-
664 d.C. por um prisioneiro persa. Em quistarem Jerusalém em 1099. Saladino,
691 d.C., ocorreu a construção, no lado que morreu de febre tifoide em 1194, foi
norte da Esplanada, do Domo da Rocha um dos maiores líderes muçulmanos, res-
pelo califa Abd al-Malik I, e, depois, em peitado pelos judeus, e chegou a se tornar
705 d.C., pelo mesmo califa Al-Walid I, sultão do Egito.
da Mesquita Al-Aqsa, esta no lado sul da – Domínio dos Tártaros, de 1244 a 1250.
Esplanada, local de Primeiro e Segundo Na verdade, um exército de turcos
Templo e da Mesquita de Omar. Ao fim corasmianos que devastaram Jerusalém,
do longo domínio árabe de mais de quatro profanaram a Igreja do Santo Sepulcro,
séculos, a religião islâmica, em sua cam- dizimaram a população cristã da cidade e
panha de massificação, acabou amplamente afastaram os judeus, alguns reinstalados
majoritária, seguida de uma pequena mino- em Nablus.
ria de cristãos e judeus, até que, no século – Domínio dos mamelucos, de 1250 a
XI, ano de 1072, sobreveio a conquista da 1516.
região pelos turcos seldjúcidas, que tinham Os mamelucos eram originários das
capital em Bagdá, e, posteriormente, pelos estepes eurasianas e foram escravizados
cruzados. por maometanos e convertidos à sua reli-
– Domínio dos cruzados (Reino Latino gião. A Palestina progrediu sob o domínio
de Israel), de 1099 a 1187. dos mamelucos, os quais fizeram grande
Nos séculos XII e XIII, os reinos cris- programa de edificações, inclusive com o
tãos da Europa Ocidental realizaram sete restauro da cúpulas da Rocha e Al-Aqsa.
expedições militares contra o então Império – Domínio dos otomanos, de 1516 a
Árabe, visando a retomada da Palestina. 1917.
Essas expedições, batizadas de Cruzadas, No século XVI, em 1516, o Império
redundaram na criação de vários reinos Otomano derrotou os mamelucos e ocupou
cristãos no Oriente Médio, sendo que, na a totalidade da Palestina. Tal domínio foi
Palestina, foi criado o Reino de Jerusalém, mantido até a Primeira Guerra Mundial
conquistado em 1099, com o massacre de (durou quase 400 anos). Em 1536, o sultão
muçulmanos e alguns judeus. Porém tais Soliman decidiu reerguer as muralhas de
reinos, cristãos, foram logo retomados Jerusalém (ficaram prontas em 1541), num
pelos árabes, pois, em 1187, a Palestina foi total de três quilômetros de extensão, 12
reconquistada dos cruzados por Saladino, metros de altura, 34 torres e sete portas.
árabe. Durante os anos de domínio otomano, o
– Domínio dos muçulmanos, de 1187 nome Palestina praticamente desapareceu.
a 1244. De 1789 a 1806, Napoleão, com 13 mil
Em 2 de outubro de 1187, Saladino, cujo soldados, invadiu a Palestina, derrotou os
nome era Yusuf Ibn Ayyub, mas conhecido otomanos em Gaza, invadiu, por pouco
no Ocidente como Saladino, por seu título mais de um mês, as cidades de Jaffa, Haifa
Salãn ad-Din, conquistou Jerusalém sem e Caesarea, mas foi derrotado em Acre. A
matar os cristãos, tendo permitindo tam- razão da campanha foi que os franceses
bém a volta dos muçulmanos e dos judeus, queriam fincar um pé na Palestina para
depois de terem sido banidos no passado. desafiar os ingleses, que se apoderaram
Por isso, o Ocidente teve a incômoda prova da Índia.

RMB1oT/2015 67
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Entre 1832 e 1840, a região esteve sob a cidade, completando, pois, a obra dos
administração do Egito, de Muhammad Ali, cruzados. Naquela guerra, sobretudo a par-
voltando à dependência direta do Império tir do Egito, os britânicos lançaram várias
Otomano no fim desse período. Em 1860, ofensivas contra os turcos, especialmente
foi construído o primeiro bairro fora dos por meio de Lawrence da Arábia, que,
muros da Cidade Velha. à frente das forças árabes, conquistou a
De 1882 a 1903, ocorreu a primeira Aliá região, chegando até Damasco, em 1o de
(imigração em grande escala), de judeus outubro de 1918. Com a derrota do Império
sionistas vindos da Europa e da Rússia, Otomano e seu consequente desmantela-
sendo que em 1897 foi realizada a primeira mento, a Palestina, no seu sentido lato, foi
convenção do sionismo, em Basileia, na dividida entre a França – que ocupou o Lí-
Suíça, cujo porta-voz foi Theodor Herzl bano e a Síria – e a Grã-Bretanha, que ficou
(1860-1904), advogado e crítico literário com a Palestina (incluídos os territórios da
húngaro, judeu de Viena e autor do livro atual Jordânia e de Israel), a Mesopotâmia
Der Judenstaat (O Estado Judaico), no qual (o Iraque de hoje) e a Península Arábica.
pregava que o problema do antissemitismo No caso da Grã-Bretanha, em 1922, a Liga
só seria resolvido quando os judeus, disper- das Nações, na Conferência de Lausanne,
sos pelo mundo, pudessem se estabelecer confiou ao Reino Unido a administração da
em um estado nacional independente. A Palestina por meio do Mandato Britânico na
convenção iniciou, oficialmente, a luta para Palestina, criada em Versalhes, em 1919,
a criação de um estado próprio, colocando mas substituída, em 1945, pela Organiza-
a cunha política numa questão até então ção das Nações Unidas (ONU).
religiosa. Com isso, entre 1890 e 1922, a O colonialismo da França e da Grã-Bre-
população judaica na Palestina dobrou, de tanha, porém, provocou fortes reações entre
40 mil para cerca de 85 mil. os árabes, e foi nesse contexto que surgiu,
Em 1909, foi fundada Tel Aviv. no Egito, a Irmandade Muçulmana, berço
Em 1917, no final do domínio otomano, do fundamentalismo islâmico. A Síria só
a Palestina já abrigava, dentro de uma área ganhou seu reconhecimento, de fato, em
de 26 mil km², uma população de 1 milhão 17 de abril de 1946, e o Líbano em 22 de
de palestinos e 100 mil judeus. Naquele novembro de 1943.
mesmo ano, 1917, a 2 de novembro, o Durante o Mandato Britânico, houve
então ministro britânico dos Assuntos Es- o aumento da imigração de judeus para a
trangeiros, Arthur James Balfour, enviou a Palestina, motivado pela criação do mo-
Lord Rothschild, banqueiro judeu, a carta, vimento sionista no final do século XIX,
conhecida como Declaração de Balfour, na o que começou a gerar atritos entre a co-
qual comprometia a Inglaterra na criação munidade árabe, que já residia na região,
de um estado judaico na região. e os judeus recém-chegados, sendo que
– Domínio britânico, de 1917 a 14 de o período de 1929 a 1936 foi o de maior
maio de 1948. violência, causado especialmente pela mais
Durante a Primeira Guerra Mundial, o intensa imigração judia, devido à persegui-
Império Otomano era um dos membros da ção nazista, a partir de 1933.
Tríplice Aliança, com a Alemanha e o Im- Em 1921, os britânicos fizeram a par-
pério Austro-Húngaro, e inimigo da Ingla- tilha do território do Mandato, separando
terra e da França. Em 1917, após a Batalha cerca de 80% para a criação de uma enti-
de Jerusalém, o exército britânico capturou dade árabe, chamada Transjordânia (futura

68 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Jordânia), e os 20% restantes para a criação regime nazista alemão durante a Segunda
de um Estado nacional para o povo judeu, Guerra Mundial, o Ocidente se viu diante do
conforme previsto na Declaração Balfour dever moral de atender à antiga reivindica-
de 1917. ção sionista de criação de um Estado judeu.
Mas o fim da Segunda Guerra Mundial, Assim, entre as questões prioritárias
em 1945, marcou o término dos grandes a serem tratadas pela nova organização,
impérios coloniais, que se enfraqueceram a ONU, estava a da criação de um “lar
econômica e militarmente com o conflito. nacional judeu”. Por isso, a Grã-Bretanha
Os Estados Unidos emergiram como potên- decidiu, em fevereiro de 1947, levar a ques-
cia econômica e militar, ao lado da União tão ao órgão, tendo sido, então, apresentado
Soviética, que havia adquirido prestígio e pelos EUA e pela União das Repúblicas
poder em função do seu papel decisivo na Socialistas Soviéticas (URSS) o Plano de
vitória sobre a Alemanha. Inaugurou-se, Partição da Palestina, que consistia basica-
pois, um período caracterizado por um mente na divisão da Palestina em um Esta-
novo tipo de disputas, entre essas duas do judeu, cuja área corresponderia a 55%
nações emergentes, do total (5.500 acres)
chamado de Guerra e um Estado palesti-
Fria, em que os ame- A presença das civilizações no, com 45% (4.500
ricanos apoiavam os acres), e na manutenção
israelenses, e os sovi- judaica e árabe na região é da cidade de Jerusa-
éticos, os árabes. milenar, e é, pois, natural lém, administrada pela
Naquela ocasião, ONU. A proposta foi,
1945 – quando foi
o sonho de milhares de porém, rejeitada pelos
criada a ONU e tam- anos de se criar o Estado árabes, que declararam
bém a Liga Árabe, e de Israel e o Estado da que oporiam resistên-
a Palestina ainda era cia armada à sua im-
administrada pela Grã- Palestina na região plementação. Naquele
-Bretanha –, devido ao ano, a Palestina já tinha
crescimento da imigra- uma população de 1,3
ção judaica para a Palestina (de 1922 a 1948, milhão de palestinos e 600 mil judeus. Na
a população da cidade passou de 52 mil ocasião, algumas declarações árabes foram
para 165 mil), organizada pelo movimento fortes. Jamil Mardin, primeiro-ministro
sionista, que encontrava forte objeção por sírio, disse: “Deixem-se de palavras, irmãos
parte da população árabe local, a situação muçulmanos; ergam-se e eliminem o flage-
entre árabes e judeus não era calma, com lo sionista”. Ibn Saud, rei da Arábia Sau-
a ocorrência de muitos atos terroristas de dita, declarou: “Há 50 milhões de árabes.
parte a parte (como o ataque do Irkun, grupo Que importa se perdermos 10 milhões se
terrorista judeu de Menachem Begin, em matarmos todos os judeus? Vale a pena!”.
1946, ao Hotel King David, principal centro Já o xeque Assam Al Banah, da Irmandade
da administração do Mandato Britânico, em Muçulmana, defendeu: “Os árabes devem
que uma ala inteira foi destruída por explo- todos levantar-se e aniquilar os judeus. En-
sivos, matando 91 pessoas e ferindo outras cheremos o mar com seus corpos!”.
45, entre árabes, israelenses e britânicos). Em 29 de novembro de 1947, o represen-
Tendo em vista esses conflitos e as atro- tante brasileiro, Oswaldo Aranha, presidindo
cidades cometidas contra os judeus pelo a primeira Sessão Especial da Assembleia

RMB1oT/2015 69
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Geral da ONU, e, depois de atuar fortemente bordejando a Península do Sinai; ao Centro,


em favor do Plano, viu-o aprovado por 33 uma área contendo as cidades de Nablus,
votos a favor, 13 contra e dez abstenções, Ramallah, Hebron (onde estão enterrados
no que se transformou na Resolução 181 Abraão, Isaac e Jacó) e Beersheba, corres-
da ONU. A comunidade judaica aceitou o pondente à atual Cisjordânia (ou à Samária
Plano de Partição da Palestina, enquanto que e à Judeia israelense); e, ao Norte, uma
a árabe-palestina, apoiada pela Liga Árabe, área em torno das cidades de Acre, Safed
rejeitou-o e iniciou de imediato a Guerra e Nazaré. Aos israelenses caberiam: ao Sul,
Civil na Palestina Mandatária (por causa uma área que iria do Deserto de Neguev
do mandato britânico), na verdade menos às margens do Mar Morto; uma área no
uma guerra e mais uma série de atentados litoral, incluindo as cidades de Jaffa, Tel
de parte a parte, que duraram de novembro Aviv e Haifa; e, ao Norte, uma área entre
de 1947 a maio de 1948 e que custaram a o Mar da Galileia e as fronteiras do Líbano
vida de 230 árabes e 70 judeus. e da Síria. E Jerusalém permaneceria sob
A proposta britânica dividia entre árabes administração internacional.
e israelense, para cada um, três áreas não – Domínio israelense
contíguas, o que já demonstrava a sua irre- A partir de 14 de maio de 1948, um dia
alidade. Aos árabes caberiam: ao Sul, uma antes da anunciada retirada dos britânicos,
área em torno das cidades de Gaza e Rafah, foi criado o Estado de Israel e sobreveio
a Guerra da Independência entre os ára-
bes e os israelenses nada mais do que a
continuação da Guerra Civil na Palestina
Mandatária.
Como se verifica, a presença das civili-
zações judaica e árabe na região é milenar, e
é, pois, natural o sonho de milhares de anos
de se criar o Estado de Israel e o Estado da
Palestina na região.

AS GUERRAS ÁRABE-
ISRAELENSES

A Guerra da Independência de Israel



Em 14 de maio de 1948, um dia antes do
anunciado término oficial do Mandato Bri-
tânico da Palestina e já numa fase adiantada
da Guerra Civil na Palestina Mandatária,
David Ben Gurion, primeiro-ministro de
Israel, declarou, no Museu de Tel Aviv, a
independência do Estado de Israel, reconhe-
cida imediatamente pelos Estados Unidos
e pela URSS, sem que o Estado Palestino,
também prenunciado pela ONU na mesma
partilha, fosse estabelecido. Com isso, os

70 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Estados árabes vizinhos, que contestaram sem terra, não sendo, pois, permitida a
a criação de Israel, sob a égide da Liga criação do Estado da Palestina.
Árabe, criada em 1945, intervieram, com Ao final da guerra, iniciou-se a diáspora
os exércitos do Egito, Iraque, Líbano, Síria, palestina, pois 700 mil começaram o cami-
e Transjordânia, aos quais se incorporam as nho do êxodo, se refugiando na Cisjordânia
forças árabes palestinas remanescentes, e e na Faixa de Gaza ou migrando para países
com apoio político de outros países árabes vizinhos, nos quais foram mal recebidos,
(Kuwait, Arábia Saudita, Líbia, Argélia e inclusive em países árabes, sendo que
Sudão), entrando na Palestina e começan- somente a Jordânia permitiu a integração
do a Primeira Guerra Árabe-Israelense, dos palestinos em sua sociedade, mas sen-
ou Guerra da Independência de Israel, a do permanentemente vigiados. Nos outros
primeira de uma série de guerras, conflitos países eles passaram a viver em acampa-
e enfrentamentos que iriam ocorrer no longo mentos para refugiados, com a ajuda da
contensioso árabe-israelense. ONU. Desde então, os palestinos expulsos
A guerra durou de e seus descendentes se
maio de 1948 a janeiro referem a esses even-
de 1949. Os árabes, Os sucessivos conflitos tos como Al-Nakba (A
mal equipados e trei- entre os dois povos semitas Catástrofe) e perma-
nados, foram fragoro- necem dispersos pelo
samente derrotados, e remanescentes – os árabes Oriente Médio e pelo
o armistício de Rodes, e os hebreus – e a luta dos mundo, na condição
em janeiro de 1949, de refugiados, embora
definiu os limites da
palestinos para ter o seu amparados pela ONU.
partilha da antiga Pa- Estado passaram a ser Assim, o Oriente Médio
lestina e confirmou o referidos como a Questão tornou-se uma das regi-
estabelecimento do ões mais conflituosas
Estado de Israel – com Palestina, que permanece do planeta, cenário de
um território maior do sem solução até os dias consecutivas guerras
que o da Resolução e conflitos extremistas
181 (que era de cerca
atuais entre israelenses e ára-
de 15 mil km2 – 56%), bes, antes com a Síria,
passando para uma área de quase 21 mil Líbano e a Jordânia, e agora com os pales-
km² e ficando com 78%, ou seja, mais 22% tinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
da superfície da Palestina, sendo o território Em 1949, Jerusalém Ocidental foi decla-
restante ocupado pela Transjordânia, que rada a capital de Israel – não contando com
anexou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental o reconhecimento da lei internacional, que
(o Rei Abdulah, da então Transjordânia, afirmava que a cidade devia ser um corpus
ocupou a Cisjordânia, território que deveria separatum – e a Jordânia anexou formal-
pertencer aos palestinos, e nunca mais o de- mente a Jerusalém Oriental, sujeitando-a à
volveu, até o Rei Hussein – que o substituiu lei jordaniana, em uma atitude que só foi
após seu assassinato por um palestino em reconhecida pelo Paquistão. A Jordânia,
Jerusalém – perdê-lo na Guerra dos Seis então, assumiu o controle dos lugares sagra-
Dias), e pelo Egito, que ocupou a Faixa de dos na Cidade Velha, e, contrariamente aos
Gaza. Com isso, os árabes, que, pela ONU, termos do acordo, foi negado o acesso dos
deveriam ter 11 mil km2 (43%), ficaram israelenses aos locais sagrados judaicos,

RMB1oT/2015 71
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

muitos dos quais foram profanados, e ape- tada na Argélia, mas Israel conseguiu que
nas foi permitido o acesso, muito limitado, a ONU acabasse com o bloqueio aos seus
aos locais sagrados cristãos. Durante aquele navios e os ataques de grupos palestinos,
período, o Domo da Rocha e a Mesquita partindo de Gaza e do Sinai, a seu territó-
de Al-Aqsa tiveram grandes renovações. rio, pois pôde argumentar que atacou para
Essa diáspora palestina, os sucessivos se defender. Ou seja, apesar de batido na
conflitos entre os dois povos semitas re- guerra, o grande vitorioso político acabou
manescentes – os árabes e os hebreus – e sendo Nasser.
a luta dos palestinos para ter o seu Estado Em 1958, foi criada a República Árabe
passaram a ser referidos como a Questão Unida (RAU), fusão entre a Síria e o Egito,
Palestina, que permanece sem solução até que só durou até 1961.
os dias atuais.
A Guerra dos Seis Dias
A Guerra de Suez
Em 1964, 422 autoridades de Estados
A Guerra de Suez, ou Segunda Guerra árabes fundaram a Organização para a Li-
Árabe-Israelense, de 1956, foi uma opera- bertação da Palestina (OLP), em Jerusalém,
ção conjunta de Israel, do Reino Unido e visando à criação de um Estado árabe na
da França contra o Egito. As razões foram: Palestina. Dentro da OLP, a maior facção
Israel estava sofrendo ataques de fedayins era a da Al Fatah (“Vitória ou Conquis-
(guerrilheiros/terroristas árabes) partindo ta”), grupamento político de orientação
do Egito, de Gaza e do Sinai, e o Egito socialista, fundado por Yasser Arafat, no
bloqueara a passagem de seus navios por Kuwait, em 1959. Arafat nasceu em Jeru-
Suez, no Mar Mediterrâneo, e pelo Golfo salém, refugiou-se na Faixa de Gaza em
de Aqba, no Mar Vermelho, inutilizando 1948, estudou no Cairo, onde se formou
o porto israelense de Eilat; os britânicos, em engenharia civil, e serviu, como perito
porque o Egito, sua antiga colônia, nacio- em demolições, no Exército egípcio, tendo
nalizara o canal de Suez, tirando dividendos participado na luta contra os britânicos e
financeiros deles, pois 2/3 do petróleo que franceses em Port Said e Abu Kabir, em
abastecia a Europa passava pelo canal; os 1956. Foi para o Kuwait em 1957, onde per-
franceses, porque queriam desmoralizar maneceu até 1965, sempre ligado à OLP.
Nasser, uma liderança árabe, para facilitar Em fevereiro de 1969, no Cairo, durante o
seu problema colonial com a Argélia, pois V Congresso Nacional Palestino, Arafat foi
acabara, em 1954, de amargar uma derrota eleito presidente da OLP, cujo objetivo era
colonial na Indochina (Vietnã). a “implantação, na Palestina, de um Estado
Na operação, Israel invadiu a Península democrático e laico para judeus, cristãos e
do Sinai, e as forças francesas e britânicas muçulmanos”.
ocuparam o porto de Suez. Mas, sob pres- Em 1967, eclodiu a Guerra dos Seis
são internacional, especialmente dos EUA e Dias, ou Terceira Guerra Árabe-Israelense,
da URSS, as forças invasoras concordaram outra derrota para os Estados árabes, espe-
em se retirar, e a ONU enviou uma Força cificamente o Egito, a Síria e a Jordânia.
de Paz para região (durou de 1956 a 1967, No Sinai, o Egito teve 10 mil mortos, 20
inclusive com a participação de tropas mil feridos, 300 capturados, 254 aviões
brasileiras). Ao final, a Grã-Bretanha não destruídos – a maioria no chão – e 500
recuperou Suez, e a França acabou derro- tanques inutilizados. Na Cisjordânia, a

72 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Jordânia teve 6 mil mortos e desaparecidos, do o número de refugiados em outros países


sendo 550 mortos e 2.500 feridos da Legião fronteiriços, especialmente na Jordânia
Árabe, e a Força Aérea dizimada. Nas coli- (hoje, a maior parte da população da Jordâ-
nas do Golan, a Síria teve 2.500 mortos, 5 nia é de palestinos) e no Líbano, apesar da
mil feridos e 100 tanques destruídos, com rejeição de alguns estados árabes vizinhos.
Israel não chegando a Damasco apenas Em novembro de 1967, as Nações
pelas ameaças da intervenção soviética Unidas aprovaram a Resolução 242, que
em defesa dos sírios. No total, os árabes determinou a retirada de Israel dos territó-
sofreram cerca de 20 mil baixas, enquanto rios ocupados e a solução do problema dos
as israelenses não chegaram a mil. refugiados. Israel não cumpriu a resolução,
Naquela guerra, por absoluta incompe- alegando que só negociava a desocupação
tência, os árabes não atacaram simultane- dos territórios se os Estados árabes reco-
amente nas três frentes – o Egito, no Sul; nhecessem o Estado de Israel, o que não
a Jordânia, no Leste; e a Síria, no Norte ocorreu.
– o que permitiu a Israel destruir as forças A Jordânia, que acolheu os palestinos,
egípcias em dois dias, jordanianas nos dois inclusive terroristas, conhecidos como fe-
dias seguintes, e sírias nos outros dois dias dayans, sofreu com isso, pois eles acabaram
seguintes. Ou seja, Israel combateu as for- interferindo na vida e na administração do
ças inimigas uma de cada vez. país, como que criando um Estado dentro
Israel, como consequência da guerra, de outro Estado, obtendo recursos e armas
aumentou suas fronteiras, conquistando as tanto de Estados árabes como da Europa,
Colinas de Golan, a Cisjordânia, Jerusalém desafiando abertamente as leis jordanianas.
Oriental, a Península do Sinai e a Faixa O Rei Hussein, então, determinou o uso de
de Gaza. seu Exército e derrotou os fedayans, matan-
O controle de Jerusalém foi de grande do 3 mil palestinos, com o restante sendo
importância para o povo judeu, por causa expulso e se dirigindo com Arafat e a sua
do valor histórico e religioso, pois consi- OLP para o Líbano (Beirute), no episódio
deram que a cidade foi judaica há cerca que ficou conhecido como Setembro Negro,
de 2.080 anos – em 63 a.C., Jerusalém foi pois ocorreu durante dez dias de setembro
capturada pelo general romano Pompeu –, de 1970.
quando se iniciou o domínio romano, que O resultado da guerra, apesar da vitória
expulsou os judeus. Depois, com o passar e do domínio de Israel na região, trouxe,
dos séculos, Jerusalém esteve quase sempre porém, consequências amargas, pois cres-
sob o controle de grandes impérios, como o ceram o ódio palestino e as atitudes hostis
bizantino, o otomano e o britânico, sendo contra os judeus, especialmente da geração
que, somente após a Guerra dos Seis Dias, nascida depois de 1967, e aumentaram os
voltaria totalmente ao controle de Israel. atos terroristas partindo da Cisjordânia,
Calcula-se que, nos dez anos seguintes à da Faixa de Gaza e do sul do Líbano, com
anexação de Jerusalém, o governo israe- apoio bélico de alguns países muçulma-
lense confiscou cerca de 15 mil hectares nos, como o Iraque e o Irã, entre outros. E
dos árabes, e que hoje apenas 13,5% de também cresceram os ataques terroristas
Jerusalém Oriental permanecem em poder a países que deram apoio a Israel, como
dos árabes. EUA, Espanha e Inglaterra. Com efeito, em
Por causa da guerra, ocorreu nova fuga 1972, o grupo terrorista palestino Setembro
dos palestinos, cerca de 380 mil, aumentan- Negro, uma das facções da Al Fatah, in-

RMB1oT/2015 73
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

vadiu o alojamento dos atletas israelenses terferência das Nações Unidas, em 25 de


nas Olimpíadas de Munique e sequestrou outubro de 1973.
e matou 11 deles. Ou seja, os israelenses Ao término das hostilidades, as forças
trouxeram o problema palestino para dentro israelenses, já recuperadas das baixas ini-
de casa, o que redundou na frase “ganhou ciais e com superior poderio militar, haviam
a guerra, mas perdeu a paz”. adentrado profundamente no território dos
árabes e encontravam-se a 40 km de Damas-
A Guerra do Yom Kippur co, capital da Síria, a qual foi intensamente
bombardeada, e a 101 km do Cairo, capital
A Guerra do Yom Kippur, também egípcia.
conhecida como a Quarta Guerra Árabe- Em termos de baixas, porém, a guerra,
-Israelense, ou Guerra de Outubro, ou que foi o último conflito armado entre
Guerra do Ramadã, foi um conflito militar árabes e israelenses, foi a mais penosa
ocorrido de 6 a 26 de outubro de 1973, de todas para Israel, e inclusive a sua su-
entre uma coalizão de Estados árabes, premacia foi contestada, pois Israel nunca
liderados pelo Egito e pela Síria, contra Is- teve tantas perdas humanas e materiais.
rael. Em 1970, no Egito, o General Gamal Com isso, Sadat desistiu de varrer Israel da
Abdsel Nasser morreu de ataque cardíaco, região, mas fortaleceu a posição do Egito
sendo substituído por outro militar, Anwar para negociar uma paz duradoura com os
El-Sadat, que iniciou a guerra com um ata- israelenses, assinada em 17 de setembro
que inesperado do Egito ao mesmo tempo de 1978 nos EUA, em Camp David, na
que a Síria, no dia do feriado judaico do presença do presidente americano, Jimmy
Yom Kippur (Dia do Perdão), cruzando, Carter, e de Sadat e Begin.
respectivamente, as linhas de cessar-fogo
no Sinai e na Colinas do Golan, que ha-
viam sido capturados por Israel em 1967,
na Guerra dos Seis Dias.
Diferentemente da Guerra dos Seis
Dias, os egípcios e sírios surpreenderam os
israelenses nos primeiros dias, avançando e
recuperando partes de seus territórios perdi-
dos na guerra de 1967. O cenário começou
a se inverter na segunda semana de lutas,
quando os israelenses, graças ao reforço de
aviões, tanques, mísseis e equipamentos
dos EUA, especialmente de contramedidas
eletrônicas, fizeram os sírios retroceder
nas Colinas de Golan e conseguiram cruzar
para o lado oeste do canal de Suez, amea-
çando a cidade egípcia de Ismaília.
A guerra levou as duas superpotências
da época, os EUA (defendendo os inte-
resses de Israel) e a URSS (os dos países
árabes), a uma tensão diplomática, até a
entrada em vigor de cessar-fogo, por in- Situação após as guerras, em 1973

74 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Sadat, entretanto, foi morto em 1981, du- France, com 248 passageiros, por membros
rante uma parada comemorativa das vitórias da Frente Popular para a Libertação da
alcançadas pelo Egito em 1973. Os assassinos, Palestina (FPLP) e das Células Revolu-
militares, pertenciam ao grupo Jihad Islâmica. cionárias da Alemanha. O governo local
apoiou os sequestradores, que receberam
Outros conflitos, operações e fatos as boas-vindas do ditador Idi Amin. Os
importantes posteriores, em ordem sequestradores separaram os israelenses
cronológica e judeus dos outros passageiros e da tri-
pulação, que permaneceram como reféns
Além das guerras, outros conflitos, e sendo ameaçados de morte. A ação que
operações e fatos importantes ocorreram, liberou os sequestrados foi considerada
inclusive fora da região, e continuam ocor- por muitos especialistas como a missão de
rendo nessa complexa Questão Palestina. resgate mais complexa e perfeita de todos
Podem ser citados, entre outros e menos os tempos, tendo sido a primeira vez que
importantes, os seguintes: Israel mostrou-se ao mundo no que toca a
– O reconhecimento da OLP, pela Liga uma intervenção antiterrorista fora do país.
Árabe em 1974, em Rabat, no Marrocos, como – A destruição da usina nuclear de Ta-
legítima representante do povo palestino. miz no Iraque, localizada a 25 km ao sul de
– Em 13 de novembro de 1974, a OLP Bagdá, em junho de 1981, numa operação
colheu importante vitória no seu caminho chamada de Babilônia, de precisão cirúrgi-
diplomático, quando Arafat foi ovacionado ca, com uma esquadrilha de oito caças F-16
pelo plenário da ONU e falou, com honras e meia dúzia de F-15 de escolta, que voou
de chefe de Estado, na Assembleia Geral das mil quilômetros sobre território árabe. Tal
Nações Unidas. Em seu discurso, convidou atitude sofreu duras críticas da comunidade
“Israel a sair do seu isolamento moral” e internacional e teve pesado preço político,
propôs “o estabelecimento na Palestina de um por Israel ter se colocado acima do jul-
Estado democrático , no qual cristãos, judeus gamento da comunidade internacional, o
e muçulmanos vivam em justiça, igualdade e que lançou o país na categoria das nações
fraternidade”. A OLP passou a ser admitida não confiáveis, pois a ação foi considerada
como observador permanente das Nações como ato terrorista. Até então, apenas o
Unidas e a usufruir de crescente simpatia, Irã, do Aiatolá Khomeini, havia desafiado
especialmente do bloco do então Terceiro soberanamente a comunidade mundial, ao
Mundo – África, Ásia e América Latina. sequestrar cidadãos americanos e mantê-los
– Em 1975, as Nações Unidas, com como reféns durante 444 dias.
voto do Brasil, decidiram por uma moção – A Invasão do Libano, em junho 1982,
de repúdio ao sionismo, qualificando-o de na operação chamada de “Paz para a Gali-
racista e segregacionista, por propugnar leia”, pois a OLP havia se instalado, muito
um Estado de Israel exclusivamente judeu, bem armada, no sul do Líbano e dali desferia
discriminando outras raças e religiões. ataques às populações da Galileia, no norte
– A Operação Entebbe, uma missão de de Israel. A FDI destruiu as forças sírias
resgate contraterrorista levada a cabo pela que estavam no Vale de Bekaa e chegou a
Força de Defesa Interna (FDI), de Israel, Beirute, numa operação que matou muitos
no Aeroporto Internacional de Entebbe, libaneses e palestinos. Na ocasião, ocorreu
em Uganda, em 4 de julho de 1976, devi- o massacre de Sabra e Shatila, campos de
do ao sequestro de uma aeronave da Air refugiados palestinos onde cerca de mil

RMB1oT/2015 75
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

foram massacrados pelas falanges cristãs pela Síria, pelo Iêmen e pelo Iraque. Na
libanesas – que apoiavam o presidente eleito ocasião, foram cunhados os termos “pales-
Bashir Gemayel, aliado dos israelenses, que tinos de dentro”, moradores dos territórios
queria se ver livre dos palestinos e da OLP ocupados pelos israelenses em Gaza, Je-
– com a cumplicidade das tropas israelen- rusalém e na Cisjordânia, e os “palestinos
ses que ocupavam as cidades, permitiram de fora”, os palestinos da Diáspora. Hoje,
a entrada dos falangistas nos campos e os em Israel, há os termos “judeus orientais”,
iluminaram, pois também queriam acabar habitantes da parte oriental de Jerusalém,
com os resquícios da OLP no Líbano. A grita que são discriminados pelos “judeus oci-
internacional, especialmente dos americanos dentais”, da parte ocidental.
e soviéticos – e mesmo de israelenses –, O Líbano se tornou independente da
contra o massacre e contra a destruição de França durante a Segunda Guerra Mundial,
Beirute, cidade moderna, alegando que o em 1943. Tinha duas comunidades religio-
Líbano, como Estado, nunca tinha ameaçado sas dominantes: os muçulmanos sunitas
Israel, obrigou os israelenses a terminarem e os cristãos maronistas (pertencentes à
a operação e a se retirarem do Líbano, em Igreja Cristã Oriental, fundada na Síria, no
setembro de 1983, pois começaram a ser século V, por um monge chamado Maron,
fustigados por atos terroristas dos xiitas no que reconhecia a supremacia do Papa e da
sul do país e porque lá havia chegado uma Igreja Católica de Roma, mas tinha a sua
Força de Fuzileiros americanos para manter própria liturgia). Além deles, havia, em
a paz, desde agosto de 1982 (os americanos menor número, os muçulmanos xiitas e os
se retiraram em fevereiro de 1984). Pelo drusos (ramificação de uma seita islâmica
massacre nos campos palestinos, foi criada cujas crenças religiosas eram segredo co-
em Israel uma comissão de investigação, munal). Mas hoje, com o crescimento dos
e Ariel Sharon deixou o cargo de ministro muçulmanos, estes passaram a ser 2/3 da
da Defesa. Na ocasião, Begin declarou, no população, e os cristãos apenas 1/3.
Parlamento de Israel: “Em Sabra e Chatila, No passado, ocorreu a Guerra Civil no
não judeus massacraram não judeus, e o que Líbano, de abril de 1975 ao final de 1978
é que isso nos interessa?”. (entre os falangistas maronistas cristãos
Na verdade, o plano de Israel, da dupla contra os palestinos, com envolvimento
radical e belicosa Menachem Begin (pri- dos muçulmanos e drusos), e o Líbano
meiro-ministro) e Ariel Sharon (ministro também foi invadido pela Síria, em 1976,
da Defesa), que sempre objetivaram criar para apoiar os cristãos maronistas, pois não
a Grande Israel, dominando toda a região, desejavam que o Líbano caísse nas mãos
era outro: o de invadir o Líbano e destruir da OLP, já que havia basicamente a divisão
a OLP; uma vez expulsos do Líbano, os de Beirute em dois setores, o cristão e mu-
palestinos migrariam para a Jordânia, que çulmano. Mas existia também, como pano
seria compelida a aceitá-los, e, caso neces- de fundo, o sempre ambicionado projeto
sário, Israel derrubaria o Rei Hussein, trans- de formar uma Grande Síria. Na ocasião,
formando a Jordânia no Estado palestino. as tropas sírias cruzaram as fronteiras e se
Como isso não ocorreu, a vitória israe- instalaram no norte e no oeste do Líbano.
lense se resumiu à saida da OLP do Líbano Um acordo arbitrado pelos EUA garantiu
por mar, sob proteção francesa, com Arafat que Israel não se oporia à presença da Síria
se transferindo, com 4 mil seguidores, para no Líbano, desde que ela não usasse aviões
a Tunísia, sendo outros 3 mil distribuídos e mísseis e ficasse a pelo menos 24 km da

76 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

fronteira de Israel, na que foi denominada em todo o território palestino, aí já pela


Linha Vermelha. desocupação da Cisjordânia e da Faixa de
– O Plano Reagan, lançado em 1o de se- Gaza. Ficou conhecida como Guerra das
tembro de 1982, que, para resolver a Ques- Pedras, embora não só pedras tivessem
tão Palestina, propunha criar uma entidade sido arremessadas, mas também coquetéis
palestina confederada com a Jordânia, na molotov, e incêndios propositais também
Cisjordânia, o que seria um primeiro passo tenham ocorrido. As pedras simbolizaram a
para surgir, no futuro, o Estado palestino. desobediência civil, a “libertação de algo”,
O plano foi bombardeado por Arafat, que da opressão da ocupação israelense, mas fo-
se recusava a reconhecer o Estado de Israel ram incapazes de encurralar os israelenses.
e a Resolução 242 da ONU. O Hamas (acrônimo de Movimento de
– O bombardeio contra a sede do quar- Resistência Islâmica) nasceu com essa Inti-
tel-general da OLP na Tunísia, em 1985, fada, em 1998, na Faixa de Gaza, pregando
do qual Yasser Arafat escapou por pouco. a criação do Estado Palestino e a extinção
– A Primeira Intifada de Israel. A Intifada terminou com os Acor-
Intifada, do árabe dos de Oslo, em 1993.
“agitação, livrar-se de, – Os ataques com
libertar-se de algo”, Intifada, do árabe mísseis Scud, de Sa-
é o nome popular da “agitação, livrar-se de, dam Hussein, do Ira-
revolta dos palestinos que, contra Haifa e Tel
na Cisjordânia e na libertar-se de algo”, Aviv, esta uma cidade
Faixa de Gaza contra é o nome popular da que nunca havia sido
Israel. Alguns acham atingida nas guerras
que teve como objeti-
revolta dos palestinos na anteriores. Essa ação
vo combater a ocupa- Cisjordânia e na Faixa de fez parte da Guerra do
ção nos territórios por Gaza contra Israel Golfo, de 1991, com a
Israel, e outros que o invasão do Kuwait pelo
objetivo, no fundo, Iraque. Ficou claro que
continuava sendo levar à destruição de Is- Sadam queria transformar a agressão ao
rael. Não, a Primeira Intifada (1987-1993) Kuwait num conflito entre árabes e israe-
– que surgiu após o levante espontâneo lenses, pois disse posteriormente que sairia
de 9 de dezembro de 1987 no campo de do Kuwait se os israelenses devolvessem
refugiados Jabaliya (um lugar miserável, os territórios ocupados na Palestina. Não
com esgoto a céu aberto, casas de zinco e foi preciso Israel retaliar, pois resoluções
ruas poeirentas), na Faixa de Gaza, quando do Conselho de Segurança da ONU au-
palestinos atacaram com paus e pedras torizaram que uma força multinacional
militares israelenses do grupo de ocupa- expulsasse os iraquianos do Kuwait.
ção que faziam a sua patrulha matinal em – Os Acordos de Oslo, assinados, em 13
caminhão aberto – foi uma autopurificação de setembro de 1993, entre Israel e a OLP,
contra os longos 20 anos, desde 1967, de na Casa Branca, com o Presidente Clinton
submissão aos costumes e controles israe- como o mestre de cerimônia, entre Arafat
lenses. A ação foi espontânea, do povo, não e Sabin, surgiram a partir da eleição, e es-
de terroristas, da OLP ou de outros grupos tímulo à paz, de Bush nos EUA, em 1991,
palestinos, e se repetiu inúmeras vezes, ten- e foram antecedidos pela Conferência de
do se degenerado em revoltas semelhantes Paz de Madri, de 30 de outubro a 1o de

RMB1oT/2015 77
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

novembro de 1991. Os Acordos previam a cursar numa manifestação de paz em Tel


retirada de Israel de Gaza e da Cisjordânia, Aviv, foi assassinado por um extremista de
que passariam a ser administrados pela direita israelense, que disse que assim agira
Autoridade Nacional Palestina (ANP), a ser por orientação de Deus e que era permitido
criada até maio de 1999, a qual continuaria matar qualquer um que quisesse entregar a
as negociações para a criação do Estado da terra sagrada de Israel ao inimigo. Rabin
Palestina. Arafat, que voltara da Tunísia foi substituído por Shimon Peres, em cujo
em 1994, assumiu a ANP. Até o fim desse governo (1995-1996) os Acordos de Oslo
período, esperava-se ter resolvido o estatuto começaram a ruir.
final dos territórios da Faixa de Gaza e da – O assassinato pelo Serviço Secreto
Cisjordânia – ocupados por Israel desde de Israel, em 1996, de Yahya Ayyash, um
a vitória na Guerra dos Seis Dias –, que militante do Hamas, mentor de diversos
deveriam ser administrados pela ANP, ataques suicidas pelos palestinos – que já
assegurando, por meio de forças policiais haviam matado 50 e ferido 340 israelenses
próprias, a segurança desses territórios. –, desencadeou uma onda de violência pa-
Em maio de 1994, Israel retirou-se de lestina e fez o governo de Israel suspender
partes da Faixa de Gaza e da cidade de todas as conversações com a ANP, fechar
Jericó, na Cisjordânia, e em pouco tempo as fronteiras com a Faixa de Gaza e Cisjor-
a ANP entrou e assumiu o controle da edu- dânia e declarar guerra ao Hamas e à Jihad
cação, da saúde, do turismo e das finanças. Islâmica.
Ao mesmo tempo, Yasser Arafat, Shimon – A Operação Vinhas da Ira, realizada
Peres e Yitzhak Rabin receberam, em 1994, por Israel no sul do Líbano, em abril de
o Prêmio Nobel da Paz. 1996, devido aos ataques do Hezbollah –
Apesar da oposição a esse processo, “Partido de Deus”, grupo terrorista pales-
oriunda quer do lado palestino quer do lado tino do Líbano –, com foguetes, às tropas
israelense, em 28 de setembro de 1995, Ara- israelenses dispostas no sul do Líbano. No
fat e o primeiro-ministro israelense, Yitzhak dia 18 de abril, por engano, a artilharia
Rabin, assinaram em Washington o Acordo israelense atingiu um campo de refugia-
Oslo II, que tratou da situação da Cisjordânia dos da ONU, matando 102 pessoas. Com
e a dividia em três áreas: A, sob controle da a grita internacional, a operação acabou e
ANP; B, sob jurisdição civil da ANP, mas se tornou um grande contratempo militar e
com forças israelenses responsáveis pela moral para Israel.
segurança; e C, sob controle de Israel, o que – A OLP e os dois estados
significava que Israel cedia à ANP jurisdição Em 1988, a Organização para a Liberta-
civil em 1/3 da Cisjordânia e controle total ção da Palestina passou a aceitar a existên-
sobre 4% da região, incluindo as cidades cia de dois estados no território palestino.
de Jenin, Nablus, Kalkylia, Tulkaren, Ra- A organização declarou, oficialmente, a
mallah, Belém, Qalqilyan e Hebron. Na fundação do Estado Árabe da Palestina,
Faixa de Gaza, Israel teria jurisdição sobre que seria situado na Margem Ocidental
35% do território, correspondentes à área (Cisjordânia), vizinho ao Estado de Israel,
dos assentamentos judaicos e a suas vias de com Jerusalém como sua capital e a adoção
acesso. Em outubro de 1995, Israel entregou da bandeira usada na revolta árabe contra
pequenas aldeias da Cisjordânia à ANP. o Império Otomano, durante a Primeira
Mas, em 4 de novembro de 1995, o Guerra Mundial, como a bandeira oficial
Primeiro-Ministro Rabin, depois de dis- do novo Estado.

78 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

– A última tentativa de acordo a entrada nele (por tratado internacional),


Em julho de 2000, no último ano de seu pois lá estão duas mesquitas, o Domo da
mandato, o presidente dos EUA, Bill Clin- Rocha e a Al-Aqsa. Em represália, violenta,
ton, reuniu o primeiro-ministro de Israel, Israel invadiu as áreas palestinas, destruiu
Ehud Barak, e o presidente da ANP, Yas- prédios administrativos ligados a Arafat,
ser Arafat, em Camp David (EUA), para em Ramallah, e ordenou o fechamento do
uma cúpula destinada a pôr fim à questão, Aeroporto Internacional de Gaza, passando
que fracassou, apesar de Israel julgar ter a bombardeá-lo repetidas vezes.
apresentado sua melhor proposta. Barak A Segunda Intifada durou de 2000 a
oferecia aos palestinos 95% de Gaza e da 2005, marcada por vários atentados sui-
Cisjordânia (equivalente a menos de 22% cidas em Israel, e seu resultado político
da Palestina histórica), mas não admitia foi a condenação de Israel pelo Conselho
ceder aos palestinos Jerusalém Oriental de Segurança da ONU, inclusive com o
como sua capital, como eles queriam. voto de seu aliado, os EUA. E deixou um
Também não houve acordo sobre o retorno saldo de 5 mil palestinos e mil israelenses
dos refugiados. mortos. Durante essa Intifada, houve, entre
– A Segunda Intifada palestina, também 1o e 11 de abril de 2002, o chamado mas-
conhecida como a Intifada de Al-Aqsa, sacre israelense no campo de refugiados
teve início em 29 de setembro de 2000, no palestinos da ONU em Jenin, estabelecido
dia seguinte à caminhada de Ariel Sharon em 1953 em terras alugadas à Jordânia.
(na época apenas um parlamentar, líder do Israel justificou o ataque, com helicópteros
partido político direitista Likud), mas com e tanques, pela FDI, devido aos cerca de 28
grande contingente de guardas armados, ataques de homens-bomba que partiram de
pela Esplanada das Mesquitas (para os lá. Os palestinos disseram que morreram
muçulmanos) ou Monte do Templo (para 500 pessoas, inclusive mulheres e crianças,
os judeus), na Cidade Velha de Jerusalém, e Israel disse – e investigações posteriores
local considerado sagrado e eterno territó- comprovaram – não ter havido massacre,
rio pelos judeus, mas também, e especial- apenas destruição, com 54 mortos palesti-
mente, pelos muçulmanos, que controlam nos e 23 israelenses, todos militares, mas
não explicou por que
não permitiu a entrada
da imprensa.
A Primeira Intifada
levou aos Acordos de
Oslo, mas a Segunda
interrompeu-os.
– O Muro da Cisjor-
dânia
Em 2002, o governo
israelense, já com Ariel
Sharon como primeiro-
-ministro, começou a
construir um muro de-
marcando a fronteira
Ehud Barak, Bill Clinton e Yasser Arafat, em Camp David entre a Cisjordânia e

RMB1oT/2015 79
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

Israel, com a finalidade de evitar o ataque aéreos israelenses. Apesar das preocupa-
de terroristas palestinos, o que realmente ções com a possibilidade de Síria ou Irã se
ocorreu. envolverem, ocorreu um cessar-fogo, que
– A morte de Arafat entrou em vigor em 14 de agosto de 2006. A
Em 2004, morreu, aos 75 anos, Yasser guerra durou 34 dias, com a morte de 1.200
Arafat, o histórico líder da Organização libaneses, a maioria civis, e 157 israelenses,
pela Libertação da Palestina. Em finais de a maior parte militares, e quase um milhão
outubro de 2004, sofreu um colapso que de desabrigados.
o pôs entre a vida e a morte, e as autori- – As eleições na Palestina
dades israelitas levantaram o cerco a Ra- Nas eleições parlamentares de 2006, o
mallah, permitindo a sua hospitalização Hamas conquistou a maioria das cadeiras
em Paris. Acabou por falecer na madru- no Conselho Legislativo da Palestina, o que
gada de 11 de novembro. Foi substituído desencadeou protestos de várias nações
por Mahmoud Abbas na presidência da contrárias à violência do Hamas e fez com
Autoridade Palestina, nas eleições de 9 que o Fatah destituísse os membros do Ha-
de janeiro de 2005. mas dos cargos executivos na Cisjordânia.
O Aeroporto Internacional de Gaza, O Hamas manteve, no entanto, o controle
embora em ruínas e inoperante devido aos sobre a Faixa de Gaza. A vitória do Hamas
seguidos ataques israelenses, mudou seu ainda provocou o estabelecimento de um
nome para Aeroporto Internacional Yasser bloqueio egípcio-israelense na Faixa de
Arafat. Naquele mesmo ano, Israel retirou Gaza. Os dois países passaram a controlar
soldados e 8 mil colonos de Gaza, mas man- a entrada e a saída de pessoas na região,
teve controle sobre as fronteiras marítimas visando evitar a entrada de armas que pu-
e terrestres do território. Na Cisjordânia dessem ser utilizadas em ações terroristas
e em Jerusalém Oriental foram mantidos contra Israel.
mais de 400 mil colonos. – A Batalha de Gaza refere-se aos con-
– A Guerra do Líbano de 2006, também frontos ocorridos de 12 a 14 de junho de
conhecida em Israel como a Segunda Guera 2007 entre as forças do Fatah e do Hamas,
do Líbano, foi iniciada em 12 de julho após as eleições de 2006, que levaram à ex-
de 2006, com um ataque pelo Hezbollah pulsão do Fatah, com o Hamas assumindo o
contra as Forças de Defesa de Israel no controle da Faixa de Gaza. Segundo estima-
sul do Líbano. Militantes do Hezbollah tivas da Cruz Vermelha Internacional, pelo
atacaram dois jipes israelenses, mataram menos 116 pessoas morreram e mais de 550
três soldados, feriram dois e capturaram foram feridas durante os confrontos. Israel,
outros dois, feitos prisioneiros no Líbano. após a vitória do Hamas, declarou Gaza
Isso iniciou uma nova onda de confrontos como “território hostil” e iniciou um cerco
entre Israel e o Hezbollah, com o ataque militar e econômico a Gaza, impedindo a
de Israel a redutos do Hezbollah, pontes, circulação de bens e pessoas, especialmente
estradas, ao único aeroporto internacional de armas, de lá e para lá, por terra e por mar.
libanês e a grande parte do sul do Líbano, O Hamas, então, começou a usar túneis na
enquanto milícias libanesas, provavelmente fronteira com o Egito para contrabandear
do Hezbollah, bombardeavam o norte de alimentos, combustível e armas, o que não
Israel, atingindo até a cidade israelense de impediu uma grave crise humanitária, ame-
Haifa. Centenas de civis foram mortos, a nizada por ter o Egito aberto a sua fronteira
maioria de libaneses, devido aos ataques para os palestinos.

80 RMB1oT/2015
A QUESTÃO PALESTINA – PARTE I

– A Operação Chumbo Fundido, em Em 2014, três jovens judeus foram assas-


2008, por ocasião do 60o aniversário de sinados por uma dissidência do Hamas, o que
Israel, contra Gaza, em resposta ao bom- foi revidado por Israel com nove mortes e 500
bardeio, pela Jihad Islâmica, de mais de 10 prisões. Depois, um estudante foi queimado
mil mísseis e morteiros sobre Israel a partir vivo por israelenses, o que fez com que o Ha-
de Gaza. A Operação causou mais de mil mas lançasse milhares de mísseis sobre Israel,
mortes de palestinos, inclusive crianças. que revidou com aviões, tanques e foguetes,
– Os ataques de Israel aos palestinos da o que provocou a morte de 2.200 palestinos
Faixa de Gaza e muita destruição em Gaza.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Palestina; Israel; Guerra árabe-israelense; Guerra do Oriente;

RMB1oT/2015 81
Por que foi criada a Amazul?

NEY ZANELLA DOS SANTOS*


Vice-Almirante (RM1)

SUMÁRIO

Recursos humanos estratégicos


Foco em alta tecnologia
Estratégia e inovação
Projetos da empresa

A Amazônia Azul Tecnologias de Defe-


sa S.A. – Amazul, empresa vinculada
ao Ministério da Defesa (MD), por meio do
projetos e processos necessários ao desen-
volvimento do submarino de propulsão
nuclear (SN-BR), contribuindo para a
Comando da Marinha do Brasil, foi consti- independência tecnológica do País. Nesse
tuída em 16 de agosto de 2013 com o obje- sentido, sua criação foi motivada para o
tivo de promover, desenvolver, transferir e alcance de alguns dos objetivos traçados
manter tecnologias sensíveis às atividades na Estratégia Nacional de Defesa, que se
do Programa Nuclear da Marinha (PNM), insere no âmbito da Estratégia Nacional de
do Programa de Desenvolvimento de Sub- Desenvolvimento.
marinos (Prosub) e do Programa Nuclear O SN-BR fará parte do Sistema Inte-
Brasileiro (PNB). grado de Gestão da Amazônia Azul – Sis-
A missão primordial da empresa é de- GAAz, projeto da Marinha para o controle
senvolver e aplicar tecnologias e gerenciar da área do Atlântico Sul conhecida como

* N.R.: Diretor-Presidente da Amazul.


Por que foi criada a Amazul?

Amazônia Azul, uma referência à Ama- metas para o programa e supervisionar sua
zônia Verde por sua vasta extensão, suas execução. Em 2009, o PNM foi oficialmen-
riquezas incalculáveis e sua importância es- te incorporado ao PNB.
tratégica. Nessas águas jurisdicionais, que O Programa Nuclear da Marinha remon-
equivalem a um território de 4,5 milhões ta à década de 1970 e tem somado esfor-
de km2, o Brasil prospecta mais de 80% ços com indústrias, institutos, centros de
do petróleo que produz e estão guardadas pesquisas e universidades para viabilizar a
as grandes reservas de construção do primeiro
gás natural, o combus- submarino com propul-
tível do século XXI. O submarino de propulsão são nuclear. O PNM, a
O desenvolvimento cargo do Centro Tec-
científico e tecnológi-
nuclear ampliará a nológico da Marinha e
co está tornando pos- presença do Estado na São Paulo (CTMSP), é
sível a descoberta da Amazônia Azul dividido em duas eta-
diversidade biológica, pas: o desenvolvimento
o potencial biotecno- do ciclo do combustível
lógico e energético e os recursos minerais nuclear e o desenvolvimento e construção
que estão submersos. de um reator nuclear – chamado Laborató-
O grande desafio é vigiar e proteger rio de Geração Núcleo-Elétrica (Labgene)
esse imenso território. Como não é possível – para propulsão naval.
cercá-lo, o submarino de propulsão nuclear O ciclo do combustível nuclear, em fase
é ferramenta indispensável para que o País final, representa importante salto tecnoló-
exerça a supremacia sobre as águas juris- gico, econômico e político, pois a tecno-
dicionais brasileiras, logia é dominada por
impedindo ameaças e um número restrito de
atos contra sua sobe- O ciclo do combustível potências. O Labgene,
rania. Em resumo, o que está sendo cons-
submarino de propul- nuclear representa truído em Aramar, no
são nuclear ampliará importante salto município Iperó (SP),
a presença do Estado
brasileiro na área da
tecnológico, econômico e éconstruído um protótipo de reator
em terra,
Amazônia Azul, termo político, pois é tecnologia cujo propósito é de-
que também inspirou o dominada por número senvolver a capacidade
nome da nova empresa tecnológica nacional
pública. restrito de potências para o projeto, com
construção, operação e
Recursos manutenção do reator
humanos estratégicos nuclear do tipo PWR (Pressurized Water
Reactor).
A constituição da Amazul é resultado Ambas as etapas conferem ao Brasil
das discussões geradas a partir da criação, a capacidade de projetar e fabricar com-
pela Presidência da República, do Comitê bustível próprio e conhecimentos estra-
de Desenvolvimento do Programa Nuclear tégicos para construir plantas nucleares
Brasileiro (CDPNB), em meados de 2008, de potência. O Labgene será o primeiro
cujo principal objetivo era fixar diretrizes e reator nuclear de potência a ser projetado

RMB1oT/2015 83
Por que foi criada a Amazul?

e construído inteiramente por brasileiros ao desenvolvimento de projetos de subma-


e atuará como um protótipo em terra da rinos, a empresa vai promover, absorver,
propulsão do futuro submarino nuclear transferir e manter tecnologias necessárias
brasileiro. Essa instalação também permi- às atividades nucleares do PNM e do PNB.
tirá o treinamento das futuras tripulações Para cumprir estes objetivos, a Ama-
do submarino nuclear. zul pode atuar no desenvolvimento de
Uma das razões da criação da Amazul novas tecnologias, em gestão de pessoas
foi conter a evasão de talentos por questões e de conhecimento, comercialização de
salariais, que tanto prejudicou o PNM e o produtos, prestação de serviços técnicos,
PNB. Nesse sentido, o primeiro passo da gerenciamento de projetos, implantação e
empresa, ao herdar os mais de mil emprega- gestão de empreendimentos e operação de
dos da Empresa Gerencial de Projetos Na- instalações.
vais (Emgepron), foi a implantação de um Na área do PNB, a Amazul cooperará
Plano de Cargos, Remuneração e Carreira com o desenvolvimento de projetos da
(PCRC). O PCRC equiparou a remuneração Comissão Nacional de Energia Nuclear
dos empregados aos valores praticados (Cnen), da Eletronuclear, das Indústrias
no mercado e, mais do que isso, criou um Nucleares Brasileiras (INB) e da Nuclebrás
plano que permite o desenvolvimento da Equipamentos Pesados (Nuclep). Entre os
carreira do empregado. A remuneração projetos que poderão contar com a partici-
dos profissionais estará atrelada ao seu pação da Amazul estão o Depósito Comple-
desempenho, de acordo com suas atribui- mentar de Armazenamento de Combustível
ções, suas responsabilidades, os níveis de Usado da Central Nuclear Álvaro Alberto,
complexidade das funções e, sobretudo, o o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB),
mérito de cada um. o Repositório para Armazenamento de Re-
O plano também é importante para a jeitos de Baixo e Médio Níveis de Radiação
Amazul como instrumento de gestão de (RBMN), o Laboratório de Fusão Nuclear
pessoas. Com o PCRC, a empresa terá mais (LFN), o Estaleiro e Base Naval (EBN)
condições de atrair, reter e capacitar seus e o Veículo de Imersão Profunda (VIP)
recursos humanos, possibilitando maior tripulado, entre outros.
flexibilidade organizacional e aumento de
sua capacidade de inovação e de seu patri- Estratégia e Inovação
mônio de conhecimento, para o alcance de
seus objetivos estratégicos. Nos últimos anos, o governo federal
Outra iniciativa relevante foi a realiza- e órgãos competentes têm fomentado a
ção de concursos públicos para preenchi- criação de políticas públicas referentes à
mento de 300 vagas administrativas e de Defesa Nacional que busquem estruturar
pessoal técnico de nível médio. Em janeiro uma Base Industrial de Defesa (BID). Por
de 2015, a empresa realizou concurso para meio da Lei no 12.598, de 21 de março de
contratação de pessoal de nível superior. 2012, foram definidas normas especiais
para compras, contratações e desenvolvi-
Foco em alta tecnologia mento de produtos e de sistemas de defesa.
Neste conjunto de normas, as empresas
Os horizontes da Amazul são amplos, cadastradas pelo Ministério da Defesa
como sugere a lei que a criou. Além de pro- como Estratégicas de Defesa (EED) rece-
mover a capacitação do pessoal necessário bem incentivos para o desenvolvimento

84 RMB1oT/2015
Por que foi criada a Amazul?

de tecnologias e equipamentos militares, ção para o Desenvolvimento Tecnológico


como isenção de impostos sobre peças, da Engenharia (FDTE) para a realização de
equipamentos, sistemas, matérias-primas e pesquisa, desenvolvimento e implantação
serviços utilizados em materiais de defesa, do Projeto Conceitual do Complexo Radio-
bem como vantagens competitivas para lógico do Estaleiro e Base Naval (EBN) da
comercializar produtos, sistemas e serviços Marinha do Brasil, que está sendo projetado
de defesa para as Forças Armadas. pelo CTMSP.
Em 11 de junho de 2014, a Amazul teve Neste complexo que a Marinha cons-
seu credenciamento como EED aprovado trói em parceria com a Odebrecht em
pelo MD e passou a integrar oficialmente Itaguaí (Rio de Janeiro), serão realizadas
a BID, podendo contribuir para a implan- as etapas de construção, montagem, inte-
tação de novas empresas no setor nuclear. gração, lançamento, operação e manuten-
Essa iniciativa proporcionará um enorme ção dos novos submarinos. O complexo
arrasto tecnológico, estimulando a ino- integra o Programa de Desenvolvimento de
vação de processos e Submarinos (ProSub),
produtos de aplicação que está sendo condu-
de uso civil e militar, No médio prazo, a zindo pela Coordenado-
com claros benefícios ria-Geral do Programa
para a sociedade. empresa atuará na área de Desenvolvimento de
de comercialização de Submarino com Propul-
Projetos da são Nuclear (Cogesn),
empresa
produtos e serviços com apoio do CTMSP
técnicos, fornecendo e da Amazul.
No momento, a pastilhas de urânia- O Complexo Radio-
Amazul participa ati- lógico são áreas em que
vamente dos projetos gadolínia, centrífugas e serão aplicadas normas
da Usexa e do Lab- cascatas de enriquecimento nacionais e internacio-
gene no Centro Tec- nais de segurança nu-
nológico da Marinha, clear, daí a necessidade
na sede em São Paulo e no Centro Expe- de um rigoroso projeto conceitual, anterior
rimental de Aramar, de Iperó, no interior às fases seguintes do projeto e de constru-
do estado. ção do complexo. Essas áreas compreen-
No médio prazo, a empresa atuará na dem a manutenção de reatores nucleares,
área de comercialização de produtos e instalações marítimas, suporte e instalações
serviços técnicos, fornecendo pastilhas de do SN-BR, instalação de proteção física e
urânia-gadolínia, centrífugas e cascatas de gestão de emergência, entre outras.
enriquecimento produzidas pelo CTMSP Em dezembro, assinou contrato com
para Indústrias Nucleares Brasileiras a Mectron para o projeto do Sistema In-
(INB). Também poderá disponibilizar tegrado de Gerenciamento da Plataforma
serviços de fabricação eletromecânica e (Integrated Platform Management System
ensaios, testes e análises laboratoriais. – IPMS) do submarino com propulsão
Para realizar seus objetivos, a Amazul nuclear que está sendo desenvolvido pela
faz parcerias com instituições públicas e Marinha do Brasil, com assistência técnica
privadas, institutos de pesquisa e empresas. do grupo francês DCNS. O IPMS é o siste-
Em setembro, assinou acordo com a Funda- ma computacional com função de controlar

RMB1oT/2015 85
Por que foi criada a Amazul?

e monitorar diversos equipamentos de lhos foram iniciados em fevereiro de 2015


submarinos. e realizados por uma equipe de engenheiros
O contrato contempla o apoio técnico da Mectron, juntamente com especialistas
nos serviços de engenharia para participa- da Marinha. Os serviços serão realizados no
ção no desenvolvimento do IPMS. Com escritório técnico de projetos e submarino
prazo de conclusão de dois anos, os traba- localizado no CTMSP.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ADMINISTRAÇÃO>; Criação; Energia nuclear;

86 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM

Parte I

A história da vida é não predizível nem necessa-


riamente progressiva; os seres vivos, inclusive o ho-
mem, surgiram de uma série de eventos contingentes
e fortuitos.
Stephen Jay Gould
(1942-2002)

MUCIO PIRAGIBE RIBEIRO DE BAKKER*


Contra-Almirante (Refo)

SUMÁRIO

Apresentação
Introdução
O início – a vida
A evolução
A conquista dos continentes
A vida vegetal e animal
Os anfíbios
A regulação térmica: a homotermia
Os répteis
Os mamíferos e as aves
Os primatas
Características gerais
Categorias dos primatas
Principais especificações dos primatas
Os antropoides
Apêndice I – A origem da vida – A biogênese
Glossário

APRESENTAÇÃO origens e sobre os caminhos que percorre-


mos no passado, certamente descobriremos

N ão é apenas o futuro o único objeto


de nossas indagações e incertezas.
Ao buscarmos respostas sobre as nossas
muito sobre nós mesmos e sobre o que nos
levou à inteligência, ao desenvolvimento
cultural e à sociabilidade.

* Conferencista, escritor e colaborador frequente da RMB. Foi diretor da Escola de Guerra Naval, secretário da
Comissão Interministerial para os Recursos do Mar e diretor de Hidrografia e Navegação da Marinha.
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

Este trabalho representa um esforço de resposta evolutiva noutra dimensão, que ainda
compilação no sentido de reunir observações não compreendemos, mas que possa resultar
e ensinamentos colhidos em diversas obras em nossa autodestruição? Afinal, em uma
e publicações especializadas, acrescidos de guerra já ganha, duas bombas atômicas foram
comentários e interpretações próprios, com lançadas, destruindo duas cidades e matando
o objetivo de proporcionar ao leitor uma um número incalculável de pessoas, apenas
síntese da evolução da vida, desde o seu para permitir que “os rapazes voltassem mais
aparecimento até o homem. Assim, busca cedo para casa”. (O autor)
fornecer as respostas àquelas indagações e
Com todas as suas qualidades nobres... o
incertezas e também apontar os caminhos
homem ainda traz, em sua forma corporal,
principais que levaram o homem a se tornar
a marca indelével de sua origem inferior.
um animal dependente da cultura.
Charles Darwin
É certo que, com a nossa inteligência,
(1809-1882)
aprendemos a afastar as
pressões do meio am-
biente e as ameaças da
Decifrar o enigma de nossas INTRODUÇÃO
Decifrar o enigma de
seleção natural. Mas o mais remotas origens e, assim,
nossas mais remotas ori-
modelo de civilização restaurar a ancestral história
gens e, assim, restaurar
que adotamos vem siste-
maticamente agredindo do homem é um problema a ancestral história do
homem é um problema
o meio ambiente e pro- que ainda não foi resolvido que ainda não foi resol-
curando o aquecimento
excessivo da superfície
pelo progresso da ciência vido pelo progresso da
ciência, mas que consti-
da Terra, com a expecta-
tui um tema apaixonan-
tiva de mudanças climáticas, cujas consequên-
te, no qual vários cientistas e pesquisadores
cias podem ser catastróficas. Também a popu-
se debruçam, procurando encontrar, nas
lação humana (cerca de 7 bilhões) concentrada
profundezas do tempo, a trajetória de nosso
em megalópoles de difícil administração, o
caminho sobre a Terra, agora com o auxílio
consumismo, as desigualdades sociais, as
de novos e importantes trabalhos científicos
drogas, a desagregação familiar, os desvios se-
que, por meio do estudo das moléculas dos
xuais, a erotização da sociedade, o terrorismo,
organismos vivos, pretendem explicar os
as tensões internacionais, os arsenais atômicos,
processos de nossa evolução.
principalmente, estão fazendo emergir em
níveis surpreendentes a agressividade humana,
O INÍCIO – A VIDA
os comportamentos antissociais e patológicos,
os índices de criminalidade e até os riscos de Mas como surgiu a vida e como ela
uma hecatombe. Será que essas perspectivas começou a evoluir? Tudo teve início após
sombrias para a nossa espécie constituem uma a formação do sistema solar. A Terra1 foi

1 Há 4,6 bilhões de anos, a Terra foi criada a partir de uma imensa nuvem de partículas de poeira e gás, que gi-
rava em torno de uma estrela recém-formada – o Sol – e que se aglutinou e, depois, se condensou. Indícios
sugerem que pelo menos dois planetas surgiram a cerca de 150 milhões de km do Sol: a Terra e um pequeno
planeta chamado Theia. Os dois mundos colidiram e pedaços de ambos formaram a Lua, há 4,5 Bilhões de
anos. A Terra sofreu inúmeras colisões com objetos menores, ganhando mais massa aos poucos. No início,
o planeta era completamente liquefeito, mas, à medida que crescia, foi esfriando e adquirindo uma crosta
sólida. Gravidade suficiente foi gerada para reter uma atmosfera gasosa que incluía vapor d’água.

88 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

lentamente se resfriando, o que teria pro- oceânico, o único lugar onde as formas
vocado, há cerca de 4,6 bilhões de anos, primitivas de vida estariam protegidas dos
três acontecimentos de capital importân- raios ultravioleta do Sol. Assim, no Pré-
cia: a condensação da água e a formação -Cambriano, há 3,8 bilhões de anos, surgia
dos oceanos primitivos; a criação de uma a primeira forma de vida, consistindo de
atmosfera composta de gás carbônico, de organismos unicelulares primitivos. Essas
óxido de carbono, de metano e de nitrogê- formas primitivas, aliás, ainda não consti-
nio, à exceção do oxigênio; e o apareci- tuíam a vida, mas o que se convencio-
mento dos primeiros elementos da crosta nou chamar de “pré-vida”. Os agregados
terrestre. Estava, por conseguinte, formado moleculares, cada vez mais complexos, ao
o cenário que os cientistas denominavam associarem proteínas e ácidos nucleicos,
de o “caldo primitivo” ou a “sopa primor- dotavam-se, por acaso, de uma membrana.
dial”, em que as trocas entre os elementos Nascera a célula, uma proto-bactéria (ver
eram numerosas e ativas: a zona superficial Apêndice 1).
dos oceanos mostrava-se particularmente De repente, portanto, realizava-se o
favorável, pois recebia a energia solar e impossível, e para isso fora necessário
as descargas elétricas, constituindo-se em mais de 1 bilhão de anos de intensa ativi-
um lugar privilegiado de “trocas” com a dade – ou mesmo de evolução – química.
atmosfera. As mais antigas formas
Atualmente, não
há dúvida de que tais
As mais antigas formas de bactérias, as algas
unicelulares verde-azu-
condições favorece- de bactérias atestam a ladas, encontradas fos-
ram o aparecimento antiguidade da vida: pelo silizadas nas rochas da
de moléculas, de iní- Groenlândia, da África
cio bastante simples e menos 3,5 bilhões de anos do Sul e da Austrália,
depois cada vez mais atestam a antiguidade
complexas. da vida: pelo menos 3,5 bilhões de anos.
Na década de 1950, os químicos Essas bactérias e cianobactérias parecem
norte-americanos Stanley L. Miller e idênticas a algumas de suas descendentes
Harold Urey realizaram uma série de ex- atuais, fenômeno este pouco surpreendente,
perimentos pioneiros que mostraram, de uma vez que todas as bactérias se reprodu-
modo decisivo, como as primeiras formas zem por cissiparidade (esquizogênese), o
de vida foram criadas. Miller e Urey con- que, salvo as mutações, tendem a reprodu-
seguiram reproduzir a atmosfera primitiva zir, indefinidamente, as células de origem.
em condições de laboratório. Em seguida,
sujeitaram a mistura de gases a descargas A EVOLUÇÃO
elétricas que simulavam os raios que teriam
atingido a Terra a cerca de 4 a 5 bilhões de A partir desse organismo muito simples
anos. Após poucos dias, verificou-se que a – mas dotado de uma longa cadeia de ADN,
“sopa primitiva” nos tubos de ensaio con- portadora da mensagem genética – a vida
tinha o aminoácido glicina, um dos blocos poderia acompanhar as intuições de Darwin
formadores de proteína. e evoluir, preservando a mensagem do ADN,
Os primeiros passos dados em direção já presente na mais antiga célula conhecida
ao surgimento da vida foram, provavel- e que garantia a unidade dos seres vivos. Na
mente, verificados na lama do assoalho ausência de oxigênio livre, todo esse peque-

RMB1oT/2015 89
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

no mundo vivia em meio anaeróbio (sem ar), e chega até o aparecimento das primitivas
como ocorre ainda hoje com inúmeras bacté- células2. Estas devem ter sido muito simples,
rias. Entretanto, algumas bactérias sob a luz muito mais simples que as atuais bactérias.
solar aprenderam a extrair o hidrogênio que Depois, o tronco produz dois grandes ramos:
lhes era necessário decompondo a molécula por um lado, prosseguem as células que
de água e liberando, ao mesmo tempo, como conquistaram o processo da fotossíntese e
subproduto, o átomo de oxigênio. A decom- se tornaram autótrofas; por outro, seguem as
posição da molécula de água, sob a ação da que não fazem a fotossíntese e se alimentam
energia solar, a fotossíntese, acarretaria duas das que fazem – são nossos antepassados
consequências fundamentais: a liberação de heterótrofos. Estes ramos são os antecesso-
oxigênio na atmosfera terrestre, o que viria res dos vegetais unicelulares – as algas – e
produzir organismos aeróbios (que vivem dos animais unicelulares – os protozoários
no ar), os únicos capazes de evoluir para (protozoário, em grego, significa “animal
níveis superiores; e a que precede”), os quais
decomposição de par- apareceram, pela primei-
te desse oxigênio em Ao desenvolver-se, a vida ra vez, no registro fóssil
ozônio, que forneceria
ao planeta o escudo
se torna mais complexa: há cerca de 800 milhões
de anos.
protetor dos excessos a célula inicial aprende as De início, tanto as
mortais da radiação ul- virtudes da associação colônias de algas como
travioleta. A vida, que as de protozoários de-
até então se limitava à vem ter sido constitu-
água – meio que exerce, poderosamente, a ídas por células iguais entre si. Depois,
filtragem dos raios ultravioleta –, agora, sob numa nova bifurcação, terão aparecido
a proteção da camada de ozônio, poderia ter colônias nas quais as várias funções – ali-
acesso às terras emersas. mentação, movimento etc. – se dividiram
Ao desenvolver-se, a vida se torna mais entre grupos de células especializadas. É o
complexa: a célula inicial aprende as virtudes limiar do aparecimento dos tecidos.
da associação. Células dotadas de funções O tronco primitivo, que foi das molécu-
quase idênticas se agrupam, de início em las orgânicas até as primeiras células, está
colônias; depois, seus papéis se diversificam. completamente extinto. Os vírus atuais
Imaginada como uma árvore, a evolução não são seres continuadores, porque são
mostraria, de início, um tronco comum que incapazes de manter-se autonomamente.
começa com as moléculas orgânicas esparsas Sua simplicidade estrutural deriva da adap-
2 As formas de vida mais primitivas eram células isoladas, sem núcleo, conhecidas como procariotas. Com a
evolução da vida, diferentes partes da célula adotaram funções específicas, e o material genético passou a
estar concentrado em uma área denominada núcleo, limitado por uma membrana. Células com núcleo são
chamadas eucariotas e surgiram há 2,1 bilhões de anos. São mais organizadas e puderam evoluir para formas
de vida mais complexas. Todo ser multicelular é eucariota, ao passo que todas as bactérias são procariotas. A
vida não é algo fácil de se definir. Uma de suas características gerais reside na composição química de todos
os seres vivos: macromoléculas de compostos de carbono e moléculas como proteínas, ácidos nucleicos,
carboidratos ou lipídeos, que consistem em inúmeros átomos em diversas combinações. Como regra geral,
essas moléculas orgânicas podem ser divididas em moléculas funcionais, que executam funções vitais, e
moléculas de informação (ADN), que carregam o código genético. É muito provável que o passo decisivo
em direção ao desenvolvimento da vida resulte na interação bem-sucedida desses dois tipos de moléculas. A
cooperação de blocos de vida em unidades cada vez maiores e mais complexas, como a organização celular
dos seres vivos, representa, talvez, a característica mais significativa da vida.

90 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

tação à vida parasitária. Quanto aos ramos nentes e a atmosfera. A primeira invasão das
que vieram do tronco inicial – unicelulares “plantas”, sobre a qual não há muita certeza
vegetais e animais, colônias simples de quanto a datas, teria ocorrido, para alguns, no
algas e protozoários e colônias com células Cambriano, com os liquens e musgos; para
especializadas – todos sobreviveram até outros, teria sido no Siluviano, com as algas
hoje, mostrando que eram formas viáveis de pluricelulares e, depois, com as pteridófitas
adaptação. Mas o aparecimento de animais (ancestrais das samambaias). As algas plu-
formados de tecidos verdadeiros, criando ricelulares desenvolveram-se na água, e as
órgãos e unindo-se em organismos, ocor- mais próximas da superfície eram, como o são
rem por intermédio de formas de transição, atualmente, as mais beneficiadas pela energia
como os metazoários (“animais posterio- solar. Algumas, nas lagunas e nos estuários,
res”), que evoluíram a partir de 720 milhões estenderam ramificações para fora d’água e
de anos, quase no final do Pré-Cambriano. sobre a terra. Logo o mundo vegetal passou a
A evolução complica-se desde o apareci- desenvolver-se por toda a parte, ocupando to-
mento da sexualidade dos os nichos ecológicos
e divide-se em vários e preparando o advento
filos; cada filo, como os Os primeiros animais do mundo animal, a que
filos vegetais3, tem uma de que há notícias no ar asseguraria a alimentação
história própria, e cada básica.
uma delas deve ser con-
seco são os artrópodes, No Devoniano, a
siderada separadamente. ancestrais da classe das paisagem das terras
A “invenção” da aranhas e escorpiões emersas, antes árida e
sexualidade aceleraria desolada, modifica-se
a diversidade genética, rapidamente: algo que
combinando os genes de dois indivíduos dife- se pode chamar de início de florestas está
rentes, o que seria muito favorável à evolução surgindo pela primeira vez.
das espécies, ao permitir-lhes, por meio de Enquanto isso, a vida animal formava-se
variações incessantes, a adaptação a novos no fundo do oceano, onde já fervilhava. Os
meios e a ocupação de todos os nichos eco- primeiros vestígios fósseis de animais identi-
lógicos compatíveis com a sua sobrevivência. ficáveis, à exceção das bactérias, remontam a
680 milhões de anos. São organismos muito
A CONQUISTA DOS CONTINENTES simples, que evocam medusas, vermes, lar-
vas dos primeiros artrópodes, antepassados
A vida vegetal e animal dos crustáceos e insetos. Mais tarde, durante
a Era Paleozoica (de 600 a 250 milhões de
A vida, através do reino vegetal, lança- anos, aproximadamente), surgem o esque-
-se à conquista de um novo mundo: os conti- leto externo dos artrópodes e o interno dos

3 Na história dos seres vivos, especialmente dos vegetais, dois pontos apresentam uma certa obscuridade: a ori-
gem dos vírus e a dos fungos. Não é difícil imaginar os vírus como descendentes superespecializados das
bactérias que se adaptaram ao parasitismo. Quanto aos fungos, é mais complicado: eles são vegetais que
perderam a capacidade da fotossíntese e se adaptaram, com extraordinário sucesso, a várias modalidades de
parasitismo e heterotrofismo, aproveitando tanto seres vivos como cadáveres, restos etc. São, com certeza,
derivados das algas; mas de quais algas e quando se derivaram é impossível dizer. Não há testemunho fóssil,
e os resultados da morfologia comparada são incertos. Os liquens são um caso muito especial: a associação
permanente entre seres de dois filos diversos – algas e fungos. Os descendentes que deram o primeiro salto
para o ar seco foram os musgos, ainda hoje muito comuns.

RMB1oT/2015 91
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

vertebrados, que representarão papel de primitivos: é destes que virá a invasão dos
destacada importância ao permitirem a esses vertebrados no Devoniano, há cerca de 400
dois filos um desenvolvimento excepcional. a 350 milhões de anos, aproximadamente.
A segunda invasão do novo mundo
(continentes e atmosfera) foi a dos in- Os anfíbios
vertebrados (provavelmente encabeçada
pelos artrópodes) no Um dos primeiros
Ordoviciano e no Si- vertebrados que inva-
luviano; a terceira, a Foi dentro d’água que os diram os continentes de-
dos vertebrados, no vertebrados se calcificaram vonianos foi um dos an-
Devoniano. fíbios (vida dupla) mais
Os primeiros ani-
e criaram um esqueleto primitivos (Icthiostega
mais de que há no- ósseo, sem o qual seria eigeli), seguido logo
tícias no ar seco são impossível sustentarem-se por outro (crossopte-
os artrópodes (eurip- rígio) – figura 1. Suas
terídeos), ancestrais fora d’água quatro nadadeiras são
da classe das aranhas nitidamente patas em
e escorpiões. É uma invasão tímida. São evolução; e de grupos destes tipos devem ter
animais que mal conquistaram o ambiente evoluído os anfíbios, que foram os primeiros
semisseco da faixa das marés e, como os animais grandes a viverem no vasto ambiente
caranguejos atuais, não podem passar senão dos continentes. Até então, só houvera animais
algumas horas fora d’água. Mas logo ou- de grande porte dentro d’água, onde todas
tros seguirão seu exemplo, especialmente as condições prévias se estabeleceram para
os que já adquiriram a forma de peixes permitir a colonização dos continentes pelos
anfíbios no Devoniano,
especialmente devido à
extensa rede de charcos
que se formou nesse pe-
ríodo. Assim, foi dentro
d’água que a notocorda
(A)
se cercou de vértebras,
(B) criando um esqueleto
leve e flexível, capaz de
sustentar animais gran-
des e rápidos ao mesmo
tempo. Foi dentro d’água
Figura 1 – Na figura, vê-se (A) um dos anfíbios mais primitivos,
o Icthiostega eigeli, um dos primeiros vertebrados que invadiram
que esses vertebrados se
os continentes devonianos. A seu lado (B), um crossopterígeo, calcificaram e criaram
peixe que deu origem a algumas espécies ainda hoje vivas um esqueleto ósseo4,
4 Os peixes ósseos apareceram nas águas doces, no Devoniano, e imediatamente se tornaram predominantes. Logo
no início, dividiam-se em dois grupos: os sarcopterígios e os actinopterígios. Dos primeiros evoluíram os
anfíbios, e dos segundos os grandes predadores que reconquistaram os mares. Já os peixes cartilaginosos,
como os tubarões e raias, mantiveram-se inalterados e primitivos desde que surgiram. Um tubarão devoniano
e um atual são tão semelhantes que um leigo não os distinguiria. São, à sua maneira, animais bem-sucedidos,
como mostra a sua existência através de um longo tempo geológico.Os peixes ósseos, por outro lado, viriam
a ter uma prodigiosa carreira, produzindo os anfíbios e quase todos os peixes modernos.

92 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

sem o qual seria impossível sustentarem-se ção da temperatura externa. Os primeiros


fora d’água. Foram, ainda, dentro d’água que animais que conseguiram libertar-se dessas
apareceram a mandíbula (no Siluviano), as limitações térmicas (os últimos dinossau-
nadadeiras-patas e os olhos aperfeiçoados. ros, sem dúvida) só auferiram benefícios de
A mandíbula permitiu explorar um modo de tal fato: permaneciam ativos por períodos
vida predatório que o esqueleto leve e flexível mais longos e podiam reproduzir-se em
tornara possível. Por fim, no Carbonífero (360 zonas temperadas ou frias. Os principais
a 286 milhões de anos, aproximadamente), beneficiários do novo sistema foram as
grande número de espécies anfíbias se arras- aves, sobrinhas afastadas dos dinossauros, e
tava pelos charcos, nadava atrás de peixes, os mamíferos, que surgiram, mais ou menos
pastava nas margens dos lagos. Eram animais à mesma época, de um grupo de répteis
que iam desde o tamanho de um sapo até o de (pelicossauros e terapsídeos).
um crocodilo. Dentro d’água, predominavam Isso marca o aparecimento do “sangue
os grandes predadores (actinopterígio), que quente”, a homotermia ou termorregulação,
colonizavam os oceanos, rios e lagos. essa capacidade que aves e mamíferos pos-
Iniciada a conquista dos continentes, a suem de regular sua própria temperatura pela
evolução trataria de munir o invasor dos queima de glicose. Essa conquista evolutiva
requisitos necessários: por um lado, um constituirá um importante fator quando aves
esqueleto sólido, capaz de suportar o peso e mamíferos forem disputar os ambientes. A
de um corpo que o impulso de Arquimedes homotermia oferecia ainda uma vantagem
não mais ajudava; por outro, mecanismos suplementar e decisiva: favorecia o desen-
reguladores (rins) aptos a preservar o volvimento do encéfalo. A partir de então o
meio interior, rico em sal, dos animais cérebro réptil envolver-se-ia, pouco a pouco,
originários do mar5. Outras grandes etapas nas evoluções de uma massa cinzenta cada
foram: a evolução dos pneumobrânquios vez mais rica.
em pulmões, da primeira fenda branquial,
ou espiráculo6, em ouvido externo, e o Os répteis
aparecimento da regulação térmica.
O réptil primitivo pode ser considerado
A regulação térmica: a homotermia um anfíbio cuja pele e ovo se tornaram
impermeáveis, uma conquista que deve ter
Nos oceanos, meio em que são pequenas ocorrido no Carbonífero. O ovo dos répteis
as variações de temperatura, devido à boa é uma espécie de “cápsula” que torna o em-
condutibilidade do calor, apresentado pela brião autônomo até o momento em que pode
água, que o distribui equitativamente, o surgir como um ser completo, eliminando a
problema inexistia. O mesmo não ocorre fase aquática pela qual passam os anfíbios.
com relação à terra. Os primeiros invasores, Com a obtenção do ovo impermeável e
anfíbios e répteis, eram animais de sangue autônomo, poucos detalhes faltavam para
frio, cuja temperatura interna varia em fun- o surgimento de répteis integralmente

5 L’eau de mer, milieu organique (René Quinton, 1906): “A vida animal, que apareceu como célula no mar,
tende a manter, para seu auto funcionamento celular, através a série zoológica, as células constituintes, no
meio marinho das origens.”
6 Os peixes possuem apenas uma câmara interna do ouvido, profundamente enterrada nos ossos do crânio, sem
tímpano nem comunicação com o exterior; dentro dela estão os canais semicirculares que servem de equilíbrio.
Nos anfíbios, o espiráculo tornou-se o ouvido externo, dotado de tímpano.

RMB1oT/2015 93
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

terrestres. O principal deles foi a imperme- uma nova adaptação também muito im-
abilização da pele: as glândulas de muco e portante – a homotermia –, que só foi
a pele úmida dos anfíbios desapareceram, conseguida por descendentes seus: as
dando lugar a uma pele queratinizada, da aves e os mamíferos.
qual são herdeiros os mamíferos e as aves; Na realidade, a diferença entre aves e
ela recobriu-se de escamas que, mais tarde, mamíferos de um lado e peixes e répteis
se transformaram em penas e pelos. do outro é que os primeiros são capazes
Nas florestas mais secas que circun- de manter suas temperaturas médias cons-
davam os charcos continentais do Carbo- tantes, apesar da temperatura do ambiente,
nífero, havia um “vácuo ecológico” que, e os segundos não. Os animais de “sangue
certamente, os anfíbios, já transformados frio”, ou melhor, os paquilotermos, são
em répteis primitivos, ocupavam. Com a seres cujas temperaturas dependem muito
progressiva conquista das terras secas, a mais daquela do ambiente.
impermeabilização da pele foi se tornando Répteis são, pois, animais adapta-
mais efetiva e surgiu dos apenas às regiões
o ovo dos répteis cho- quentes da atmosfera.
cado pelo calor solar.7
O réptil típico é,
O réptil típico é um animal Não há lagartos ou co-
bras nas regiões pola-
portanto, um animal que, ao contrário dos anfíbios, res. Mesmo nas zonas
que, ao contrário dos possui pele impermeável e temperadas, não são
anfíbios, possui pele comuns. Onde há alter-
impermeável e ovo ovo que se desenvolve no ar nância pronunciada de
que se desenvolve no seco. Não precisa de água, se estações, vários deles
ar seco. Não precisa atravessam os meses
de água, se não para
não para beber frios usando o mesmo
beber. O seu esquele- artifício dos anfíbios
to é completamente ossificado: isso está destas regiões: hibernam. Metem-se em
associado a membros que podem erguer buracos ou entre frestas de rochas, longe
o animal do chão de forma mais eficiente do contato com o ar resfriado, em estado de
que a dos anfíbios. Os répteis movem- metabolismo muitíssimo retardado. Só com
-se melhor no ambiente aéreo, enquanto a volta do calor é que emergem desta se-
os anfíbios se mostram mais à vontade mivida e voltam à atividade. As tartarugas
na água. Outras características menos sofrem as mesmas restrições geográficas e
visíveis, como a estrutura do coração e os coerodilianos dificilmente se aventuram
a circulação pulmonar, revelam melhor para fora dos trópicos.
adaptação à vida terrestre. Entretanto, A história inicial dos répteis registra
apesar dessas importantes adaptações, os o aparecimento de dois grupos de grande
répteis constituem apenas o primeiro de- importância: os tecodontes e os pelicos-
grau em direção aos animais tipicamente sauros. Dos tecodontes emergiram quase
terrestres, pois ainda não conseguiram todas as grandes dinastias reptilianas, sob
realizar a conquista definitiva do novo o nome genérico de arcossauros (que sig-
ambiente aéreo, a atmosfera: faltou-lhes nifica “répteis dominantes”): dinossauros,

7 O primeiro ovo reptiliano deve ter sido “mais ou menos” impermeável, como o dos gimnofionos (animais cordados,
anfíbios, de corpo vermiforme) e o das tartarugas, que enterravam seus ovos em areia úmida.

94 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

crocodilos, jacarés, répteis voadores e aves. glicogênio – em quantidade certa e na


Ao lado dos arcossauros, desenvolveram-se hora certa –, respondendo às mudanças de
ordens menos importantes: as tartarugas, os temperatura externa. Além disso, outros
escamados e os que regressaram à água8. aperfeiçoamentos foram reduzidos para
Mas o grupo dominante de répteis entre o melhorar essa estabilização. Os pelos têm,
fim do Germiano (245 milhões de anos) para os mamíferos, a mesma função que as
e começo do Terciário (65 milhões de penas para as aves: servem de reguladores
anos) foi aquele que levaria à formação térmicos. Quando a temperatura do corpo é
dos mamíferos, que não vieram de répteis muito baixa, eles se assentam uns sobre os
evoluídos, mas de um grupo muito primi- outros, produzindo uma “capa” contínua de
tivo, os pelicossauros, surgidos logo no queratina, que é um bom isolante térmico.
começo da diversificação dos répteis. Esses Quando a temperatura se eleva em excesso,
pelicossauros prosperaram e, entre eles, se os pelos (e as penas) se erguem, permi-
formaram os terapsí- tindo que o ar circule
deos9. Quando as gran- entre eles, refrescando,
des ordem reptilianas Como as aves, os mamíferos assim, a pele. Junta-
foram exterminadas são animais de sangue mente com os pelos,
é que dos terapsídeos
sobreviventes emer-
quente, isto é, conseguem desenvolvem-se nos
mamíferos as glândulas
giram os mamíferos. regular a temperatura de sudoríparas, que, eva-
seus próprios corpos porando suor, permitem
OS MAMÍFEROS abaixar a temperatura
E AS AVES da pele. Também o sis-
tema circulatório se aperfeiçoou e, com ele,
Os mamíferos são animais que alimen- o aparelho respiratório.
tam seus filhotes de uma maneira única Todas essas características estão rela-
no reino animal: com leite. Além dessa cionadas com o complexo sistema que se
particularidade, várias outras características chama homotermia e que, provavelmente,
são peculiares ao grupo. foi decisivo na supremacia que aves e
Como as aves, os mamíferos são animais mamíferos conseguiram em relação aos
de sangue quente, isto é, conseguem regu- répteis. Graças à capacidade de manter
lar a temperatura de seus próprios corpos. uniforme sua temperatura, aves e ma-
Recorrem, para isso, a vários artifícios. míferos conseguiram ocupar ambientes
O primeiro, e também o fundamental, frios, proibidos aos répteis. Foi ainda essa
relaciona-se com a capacidade de queimar capacidade que lhes permitiu disputar, com

8 Dos répteis que regressaram à água, a tartaruga foi o único que sobreviveu e manteve uma forma terrestre, que
é o cágado; os ictiossauros e os plesiossauros surgiram e se extinguiram no Mesozóico (245 a 65 milhões de
anos, aproximadamente). Os escamados, répteis abundantes atualmente, são os lagartos e as cobras. As cobras
originaram-se dos lagartos, no Cretáceo (144 a 65 milhões de anos), quando as gramíneas se espalharam,
criando as estepes e pradarias. Nesse mar de grama, para animais pequenos as pernas seriam desnecessárias.
Por essa época, existiram alguns tipos alongados de lagartos, como os mosassauros (aquáticos), dos quais
as cobras poderiam ter evoluído.
9 Alguns zoólogos consideram os terapsídeos como o elo de transição entre os répteis e os mamíferos, a ponto
de chamá-los de “répteis-mamíferos”. Neles, várias características dos pelicossauros foram aperfeiçoadas.
Caminhavam já eretos sobre as patas – o que lhes deve ter sido muito útil, pois eram os mais ferozes preda-
dores do seu tempo. Sua dentição já era semelhante à dos mamíferos.

RMB1oT/2015 95
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

vantagem, os ambientes antes dominados planando de galho em galho, iniciou-se uma


por répteis. Estes só puderam ocupar grande segunda etapa de seleção, que prosseguiu
parte dos ambientes terrestres pelo simples até o desenvolvimento completo das penas
motivo de que nenhum animal de grande e o processo de voo se estabelecer, em sua
porte a ocupava antes deles. Mas, com o forma mais eficiente (figura 3), evoluindo
surgir das aves e dos mamíferos, eles o para produzir os diferentes tipos de voo,
perderam: estes últimos estavam mais bem adaptados a ambientes diversos: o voo
equipados para o meio continental. Em planado das aves de montanha e do mar, o
contato com o ar, ao contrário do que ocorre mergulho fulminante das aves de rapina e
na água, as variações de temperatura são assim por diante. Depois que uma eficiência
muito grandes. Os répteis estavam ainda geral foi obtida no voo, a seleção passou a
imperfeitamente adaptados a esse ambien- dar-se sobre eficiências especiais para este
te. É muito provável que as variações de ou aquele ambiente. Não há um voo “ideal”.
temperatura do fim do Cretáceo (144 a 65 Existem apenas voos melhores para certo
milhões de anos, aproximadamente) este- tipo de vida e piores para outros.
jam entre os fatores que definitivamente os Algumas aves perderam o uso das asas
exterminaram. e do voo. Na espetacular ocupação que
As aves originaram-se dos pequenos elas fizeram no planeta, introduziram-se
tecodontes bípedes, os quais desapareceram em ambientes, como o mar e a planície,
nos fins do Triássico (200 milhões de anos) onde o voo pode ser eliminado. Os pinguins
ou começo do Jurássico (170 milhões de adaptaram-se a um tipo de vida em que
anos, aproximadamente). Em todo caso, perderam as asas. Também as aves corre-
antes de sumirem, um pequeno grupo des- doras, depois de terem explorado o voo,
ses bípedes adquiriu hábitos arborícolas. regressaram à vida terrestre: avestruzes,
Entre esses tecodontes arborícolas, um emas, emus e casuárias. Outras aves, como
novo grupo apareceu, e suas escamas, por os galináceos, perderam a capacidade do
mutação, começaram a se transformar em voo completo, mas tornaram-se excelentes
penas, ainda “protopenas”, as quais inicial- bípedes corredores ou trepadores, auxilia-
mente seriam do tamanho das escamas ou
pouco maiores. As proavis, nome com que
foram batizados esses mutantes, não tinham
bicos, mas dentes. Suas patas dianteiras não
deviam ser ainda verdadeiras asas. Serviam
tanto para agarrar quanto para palmar (figu-
ra 2). Porém, entre o grupo de proavis, isto
é, entre aqueles que começavam a saltar,

Figura 2 – Proavis Figura 3

96 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

dos pelas asas que lhes permitem o impulso e, depois, dos filhotes recém-nascidos. Os
para um voo curto ou saltado. atuais jacarés cuidam dos ovos chocados
Um caso interessante de especialização pelo Sol, apenas para impedir que os pre-
do voo é o colibri, que, com uma batida de dadores os devorem. Não há, praticamente,
asas tão rápida, fica até difícil de imaginar relação entre os filhotes recém-nascidos e a
como a contração muscular possa ser con- mãe. O cuidado tem por finalidade permitir
trolada por impulsos nervosos sucessivos. que um maior número da espécie atinja a
Como os homens, mas em contraste com fase da eclosão do ovo.
a imensa maioria dos mamíferos, as aves O ninho das aves é coisa bem diversa. Os
dependem muito mais da vista do que do embriões da ave, como os mamíferos, não
olfato. Quem voa pesquisa o terreno de se desenvolvem senão a uma temperatura
forma muito mais eficiente com os olhos média alta e constante, que seria, talvez, o
do que com o nariz. É uma ilusão muito preço pago pela homotermia. Comparado
comum acreditar que o urubu se orienta com a viviparidade, esse processo parece
pelo cheiro da carniça: ele procura seu ali- ineficiente. Mas não é: as aves têm se
mento sobre o chão com os olhos – à altura arranjado muito bem com ele. Apenas o
em que se encontra, o cheiro dificilmente mar fica vedado às aves, como ambiente
pode atingi-lo. permanente, porque não há jeito de se
Alguns mamíferos arborícolas e seus fazer um ninho dentro d’água, a não ser à
descendentes têm bons olhos. Nenhum, temperatura desta.
entretanto, atinge a perfeição dos olhos Além do período do choco (isto é, da
das aves. Estes possuem mecanismos para necessidade do calor constante), é depois
compensar as rápidas compressões e des- do nascimento do filhote que aparece a
compressões trazidas pelo voo. As aves de
rapina aperfeiçoaram seus olhos a ponto de
torná-los instrumentos de grande precisão.
O falcão-peregrino, por exemplo, localiza
presas em pleno ar e abate-se sobre elas,
à espantosa velocidade de 300 km por hora.
Localizar no chão um objeto pequeno, do
tamanho de um pardal, requer bons olhos.
Situá-lo corretamente quando se move no
ar, isto é, sem nada à sua volta que possa
servir como referência, exige olhos dotados
de precisão, idêntica à de dois bons teles-
cópicos acoplados. Atingi-lo sem errar um
centímetro à velocidade do falcão-peregrino
(figura 4) é quase um milagre.
É interessante observar que, na evolução
dos répteis para as aves, estas mantiveram
o ovo como método de reprodução, o
que veio a representar a única alternativa
bem-sucedida para a viviparidade dos ma-
míferos. Elas mantiveram o ovo, é verdade,
mas, ao contrário dos répteis, cuidam dele Figura 4 – Falcão-peregrino

RMB1oT/2015 97
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

outra grande diferença entre répteis e aves. pequeno ser cego, completamente incapaz
O filhote da ave é cuidado, alimentado e de sobreviver, dotado de pouquíssimos
“ensinado”. Sabe-se hoje que o aprendizado reflexos, devido à imaturidade do sistema
desempenha um papel muito importante nervoso. Ele é colocado pela mãe numa
nas primeiras fases do desenvolvimento do bolsa ventral, onde faz a única coisa que
filhote da ave, embora tenha características sabe: agarrado ao pelo materno, move-se
algo diversas daquele dos mamíferos e seja em direção às mamas e, chupando estas, se
mais limitado. As aves são menos inteli- fixa numa delas, lá ficando até completar
gentes, aprendem menos, mas aprendem seu desenvolvimento.
algumas coisas de forma especial. Em todos os outros mamíferos, a
As aves podem ter representado uma viviparidade foi levada até suas últimas
tentativa divergente para se obter os mes- consequências. O ovo, já desaparecido nos
mos resultados conseguidos com os mamí- marsupiais, é substituído por um completo
feros, sem sacrificar o ovo. Tanto que, entre desenvolvimento interno. A viviparidade é,
os mamíferos inferiores, existe, ainda, um certamente, um sistema muito mais aper-
terceiro grupo: os monotremos – equídnas feiçoado que o choco das aves. Da mesma
e ornitorrincos –, que se comportam como forma o é a segunda fase do cuidado da
aves: põem ovos e cuidam do ninho. prole: a amamentação. Mas a terceira fase,
O que foi dito sobre as aves explica, em a educação, é decisiva na superioridade dos
parte, por que a viviparidade se estabeleceu mamíferos. Na história da classe, as três
em uma classe inteira. Como o choco nas fases devem ter se desenvolvido de maneira
aves, ela é uma necessidade advinda da complementar e integrada. Assim, a perda
homotermia. Mas, da mesma forma, não é dos ovos representa apenas um detalhe na
senão uma parte do programa de cuidado aquisição de nova maneira de educar a prole
da prole desenvolvido pelos mamíferos: e utilizar o cérebro.
seus filhotes não são apenas “incubados” Os primeiros mamíferos surgiram no
no ventre da mãe, mas também cuidados fim do Triássico (208 milhões de anos,
pelos pais. aproximadamente) e eram criaturas in-
De acordo com seu tipo, os mamíferos significantes, do tamanho de ratos. No
dividem-se em prototéria, metatéria e Jurássico (160 milhões de anos), ocorreram
eutéria, nomes impróprios, mas tradicio- novos processos evolutivos, sobretudo na
nais. Impróprios porque theria, em grego, adaptação craniana dos mamíferos, os quais
significa placenta; os prototéria (equídnas atingiram sua expansão máxima durante
e ornitorrincos), que seriam os “placenta o Cretáceo (100 a 75 milhões de anos),
inicial”, não têm placenta alguma; e os quando devem ter evoluído dos primeiros
metatéria – meta significa “além, posterior” marsupiais e placentários (insetívoros).
– são os marsupiais. Só o nome eutéria, Aliás, todos os grupos iniciais de mamí-
ou “placenta verdadeira”, designando as feros tinham algo em comum: deviam ser
demais ordens, é correto. caçadores de insetos e outros pequenos
Os marsupiais são vivíparos incomple- animais. Essa predação modesta, que se
tos, algo entre os placentários verdadeiros e desenvolvia entre pedras e ervas, pode pa-
os ovíparos. A fecundação, como em todos recer insignificante, porém dependia mais
os mamíferos, é interna, mas o desenvolvi- da astúcia que da força, e seus competidores
mento do embrião não se dá dentro da mãe. não eram os répteis gigantescos, mas os
No parto, o organismo materno expulsa um pequenos lagartos e tecodontes. Foi essa

98 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

pequena competição, então insignificante, cuo ecológico” deixado pelos sauros tenha
que os mamíferos inicialmente venceram. sido o de carnívoros. Mas, do ponto de
E, quando os grande répteis declinaram, vista ecológico, os carnívoros precisam de
a nova grande arma – o cérebro – forjada espécies herbívoras. E, de fato, à medida que
nessa luta obscura já estava pronta. o número de carnívoros placentários primi-
Supõe-se que os primeiros placentários tivos crescia, aumentava também o número
foram, provavelmente, do tipo insetívoro, dos que tinham evoluído para herbívoros
e um animal que muito se aproxima desses primitivos. Estes ficaram conhecidos pela
antigos placentários é o musaranho (figura designação de “ungulados primitivos”.
5). Desde que a idade dos répteis se encer- O grupo dos ungulados – animais que
rou, deixando vago grande número de nichos caminham sobre as unhas – é bastante ar-
ecológicos, os pequenos placentários, do tificial, englobando bois, tapires, elefantes,
tipo musaranho, venceram a concorrência porcos, camelos, cavalos etc.
com outros grupos e os ocuparam. Durante A maioria dos grandes herbívoros mo-
o Paleoceno (60 milhões de anos atrás), dernos deve ter se diferenciado a partir dos
rapidamente, desses primeiros insetívoros “ungulados primitivos”, animais que corre-
evoluíram as várias ordens bem-sucedidas ram pelas pradarias do fim do Cretáceo (80
de mamíferos, inclusive o ancestral primata. milhões de anos). Porém, à medida que dos
No Eoceno (45 milhões de anos, aproxima- insetívoros se diferenciavam espécies de
damente), as linhas principais da evolução herbívoros volumosos, surgiram os carní-
dos mamíferos já estavam estabelecidas. voros primitivos, os creodontes. Foi a partir
Poucos dos insetívoros originais sobrevi- dos creodontes que emergiram os felinos, as
veram, mas todas as grandes dinastias de hienas, os canídeos, os ursos e mais algumas
mamíferos, da baleia ao rato, descendem famílias de caçadores. Desenvolveram-se
destes modestos ancestrais. também os carnívoros marinhos: focas e
Os primeiros placentários – os insetí- leões marinhos que, em vez de caçar outros
voros – eram, à sua maneira, carnívoros: mamíferos ou aves, caçam peixes.
comiam insetos, pequenos bichos e ovos. É preciso considerar, no entanto, que
Nada mais normal, portanto, que, iniciado outros carnívoros placentários não estão
o declínio dos répteis, o primeiro grupo a incluídos na ordem dos carnívoros. São
evoluir dos insetívoros para ocupar o “vá- agrupados, junto com as baleias e os delfins,
na ordem dos cetáceos, como é o caso da
orca, um temível caçador marinho. São
também excluídos da ordem dos carnívoros
os morcegos, os desdentados e macacos que
comem carne.
A primeira invasão dos mares pelos
vertebrados foi a dos teleósteos surgidos
nos rios, no Devoniano, os actinopterígeos.
Durante o Mesozóico, grupos de répteis
também invadiram os mares, adquirindo
Figura 5 – Um musaranho do sudeste da Ásia. formas hidrodinâmicas: os plesiossauros e
O ancestral primata era provavelmente um os ictiossauros. No Cenozóico, foi a vez dos
animal pequeno, noturno, que vivia em árvores
alimentando-se de insetos, assim como fazem hoje
mamíferos. Desaparecidos os répteis, sur-
os musaranhos giram os cetáceos, sirenídeos e pinipédios.

RMB1oT/2015 99
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

Estes invasores tiveram origens diversas. No Eoceno (57 a 34 milhões de anos,


Os pinipédios – focas e leões marinhos aproximadamente), surgiram os ances-
(otárias) – derivaram de carnívoros; e os trais de todas as famílias conhecidas de
sirenídeos – peixe-boi –, talvez, de um mamíferos beneficiadas pelo clima quente
grupo aparentado com o elefante. A única e úmido e pela vegetação, as gramíneas e
ordem de mamíferos integralmente marinha as florestas.
e muito bem-sucedida é a dos cetáceos. É
provável que se tenham originado entre os OS PRIMATAS
carnívoros colodontes do Paleoceno: um
grupo que trocou as pradarias e florestas Características gerais
pelas praias e, depois, pelas ondas de mar
aberto (atualmente, um grupo de zoólogos Os primatas pertencem à grande ordem
e pesquisadores acredita que as baleias de mamíferos que inclui os lêmures, os
descendem dos mesmos ancestrais de hi- gálagos, os lóris, os társios, os macacos,
popótamos e camelos – os artiodáctilos). os símios e os homens. São um grupo
Como nos sireníde- extremamente variado:
os, as pernas dianteiras 260 espécies conheci-
transformaram-se em Nenhum outro animal, das; mas nem todos os
nadadeiras e as trasei- exceto o primata, tem olhos primatas estão incluí-
ras sumiram. O pelo, dos na linha evolutiva
mecanismo homotér- voltados para a frente, humana.
mico dos mamíferos duas mamas peitorais e um Existem primatas
terrestres, foi aban- de todos os tamanhos
donado, pois dentro
polegar opositor e formatos. O menor
d’água não teria uti- de todos é o lêmure-ca-
lidade. Foi substituído por outro método mundongo (figura 6), com 6,2 centímetros
de conservar calor: capas de gordura, que e pouco mais de 30 gramas, e o maior é o
também podem servir como reservatório gorila macho alfa, que pode pesar mais de
de alimentos e fator auxiliar de flutuação. 150 quilos e é cerca de duas vezes maior
A cabeça dos cetáceos é enorme se com- do que um homem.
parada ao corpo. Alguns, como as baleias, Apesar de não existirem características
perderam os dentes, enquanto outros, como que definam um primata de forma inequí-
as orcas, tiveram sua dentição aumentada. voca, um conjunto de características pode
O olfato é pobre e os olhos pequenos, mas
o ouvido transformou-se num maravilhoso
instrumento de precisão. Nenhum cérebro
explorou tão bem as possibilidades do ou-
vido como o dos mamíferos. Aproveitando
a excelente transmissão do som na água, os
cetáceos produziram “sonares” tão eficien-
tes quanto o dos morcegos. E, ao que tudo
indica, os delfins imitam os sons de uma
“linguagem”; são animais bastante inte-
ligentes, donos de um cérebro volumoso,
com o córtex muito desenvolvido. Figura 6 – Pequeno lêmure-camundongo

100 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

fazê-lo. Nenhum outro animal, exceto o pri-


mata, tem olhos voltados para a frente, duas
mamas peitorais e um polegar opositor. É
a combinação das três características que
faz isso, colocando, assim, um minúsculo
lêmure-camundongo na mesma categoria
do gorila e dos humanos. Além disso, os
primatas têm, ainda, como características
gerais, a vida arborícola (se bem que haja
exceções), uma visão estereoscópica e óti-
mo desempenho com as mãos. A maioria Figura 7 – Lêmure
deles também é bem mais inteligente suem as características gerais dos primatas.
que a média dos outros mamíferos, O outro grupo é o dos társios (figura 8), com
excetuando-se animais como os cetáceos. cinco espécies conhecidas, todas vivendo
Todos os primatas têm clavículas, assim em países do sudeste asiático. O último
como possuem um anel ósseo retro-orbital grupo é o dos antropoides, que são dividi-
localizado atrás da cavidade óssea da face dos em dois: os macacos que geralmente
onde se encontra o olho (os antropoides possuem caudas e os verdadeiros símios,
foram além nesse aspecto: ao invés de um chamados antropoides, que incluem nós
mero anel ósseo, eles têm uma cavidade mesmos e não possuem caudas.
orbital completa). E também um pênis É possível que os primatas tenham como
pendular que não está preso ao abdome. ancestral comum um primata arcaico ou
protoprimata. Dentre os primatas arcaicos,
Categorias dos primatas o mais difundido é o Plesiasdapis (figura
9), cujos restos mortais foram encontrados
Entre os primatas, os biólogos comu- na formação do Paleoceno da Europa – 60
mente reconhecem três categorias distintas milhões de anos atrás.
e três grupos monofiléticos – que com- Uma hipótese que foi considerada dizia
partilham ancestrais comuns – distintos. que os primeiros primatas pareciam-se com
Sabe-se muito pouco a respeito da categoria os modernos tupaias. Trata-se de um animal
primitiva mais ancestral dos primatas, em- que vive nas florestas tropicais e tem certa
bora possamos considerar que o primeiro semelhança com os musaranhos. Entretanto,
primata da história viveu no tempo dos por um tempo, o tupaia, de fato, foi classifi-
dinossauros e lembrava o atual musaranho. cado como primata. Hoje ele tem sua própria
As duas outras categorias de primatas ainda ordem – os scadentia –, mas supões-se que
existem: os mais primitivos são chamados
de prossímios, e os outros são os símios,
também conhecidos como antropoides. Os
prossímios e os antropoides são divididos
em três grupos monofiléticos. Dois grupos
são da categoria de prossímios e o outro
reúne os antropoides.
O primeiro grupo monifilético de pros-
símios engloba lêmures (figura 7), potos,
lóris e gálagos, os quais, todos eles, pos- Figura 8 – Társio

RMB1oT/2015 101
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

adapídeos têm características próximas dos


antropoides, e é possível que Ida seja o elo
que separa os antropoides dos prossímios.
Ida é, portanto, o ancestral mais remoto que
evoluiu para os símios, para os australopi-
tecíneos e para o homem10.

Principais especificações dos primatas

Figura 9 – Uma reconstrução do Plesiadapis, um É interessante notar que, enquanto os


prossímio fóssil, cujos restos foram encontrados na
grupos de mamíferos se especializaram no
formação do Paleoceno da Europa
Paleoceno (60 milhões de anos atrás), os
prossímios e antropoides mantiveram-se na
teve um ancestral comum com os primatas, sua generalidade primitiva, que se estende-
em algum momento do Cretáceo. ria até meados do Oligoceno (30 milhões
No Eoceno (57 a 34 milhões de anos de anos). Só então, dentre eles, surgiria
atrás), havia uma floresta tropical no sítio o grupo de macacos caudados, os quais
de Messel, Alemanha, em cujo centro se continuaram sendo animais arborícolas (se
formara um lago de origem vulcânica. No bem que haja exceções, como o babuíno).
xisto resultante da lama do fundo do lago, A locomoção pelas árvores, de galho
foram encontrados inúmeros fósseis de em galho, conferiu excepcional flexibili-
animais que morreram dade aos membros dos
envenenados por ema- antropoides e prossí-
nações de gases oriun- Ida é o ancestral mais remoto mios, que não encontra
dos da crosta terrestre, paralelo entre outros
que emergiam do lago que evoluiu para os símios, placentários. Os antro-
sob a forma de enor- para os australopitecíneos e poides, da mesma for-
mes bolhas. Um desses para o homem ma que os prossímios,
fósseis, completo e em mantiveram especia-
perfeito estado, pare- lizados os dedos das
cia ser de um primata e foi adquirido pelo mãos, que, além de lhes permitirem subir
professor Jorn Hurun, do Museu de História em árvores, prestaram-se a toda sorte de
de Oslo, em uma Feira de Exposição em manipulações. As unhas, ao invés de se
Hamburgo, no ano de 2006. O professor o fortalecerem e crescerem, foram reduzi-
batizou de Ida (até que possa ser classificado das, servindo apenas como proteção para
e designado em latim). as pontas dos dedos, cuja área inferior
Ida tem 47 milhões de anos, era uma destes se inervara a ponto de tornar-se
fêmea e parece situar-se no grupo dos ada- extremamente sensível – é uma das áreas
pídeos, evoluído talvez do Hesiadapis. Os mais sensíveis de todo o corpo de primatas.

10 Recentemente, uma equipe internacional de paleontólogos anunciou a descoberta de um fóssil de um pequeno


primata, que viveu há 55 milhões de anos no que hoje é a região central da China. Segundo os pesquisa-
dores, o primata pesava menos que 30 gramas, tinha pernas esguias e cauda longa, além de uma anatomia
compatível com a vida arborícola, e alimentava-se principalmente de insetos. Com essa descoberta, a Ásia
passou a ser considerada como o continente possível de ter originado os primatas. O fóssil foi batizado de
Archicebus Achilles.

102 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

Outra especificação primitiva também nos lêmures, os olhos, que nos outros ma-
desenvolvida foi a localização do polegar míferos se situam dos dois lados da cabeça,
na mão. Ao que parece, esta é também tendem a se situar frontalmente. No társio,
uma velha herança dos antigos insetívo- os olhos, além de enormes, são completa-
ros, em que o polegar devia ser um tanto mente frontais, assim como no lóris.
divergente dos outros dedos. Alguns tipos A posição frontal dos olhos marca uma
de macacos perderam esse traço ao longo situação muito importante: a visão estere-
do tempo, mas a maioria das espécies oscópica. Na visão estereoscópica, a área
conservou um polegar funcional e bem percebida por um olho recobre parcialmen-
desenvolvido. A única perda apreciável, a te a área de visão do outro, sobrepondo
partir dos macacos superiores, foi a cauda, as imagens, o que não acontece com os
que, em algumas espécies, como nos maca- animais cujos olhos estão situados um de
cos sul-americanos, constituiu, na verdade, cada lado da cabeça. Na natureza, porém,
uma “quinta mão”, responsável por uma o processo não é exclusivo dos primatas.
boa parte de suas excelentes performances As aves de rapina também o usam, pois
arborícolas (figura 10). dependem de uma visão estereoscópica,
Os primeiros insetí- em três dimensões, para
voros não deviam co- calcular com precisão
mer só insetos. Prova- a distância da presa em
velmente, procuravam suas caçadas aéreas.
também ovos, raízes, Entretanto, nenhu-
tubérculos e sementes. ma dessas caracterís-
Os primatas, para os ticas, por si só, pode
quais as folhas das explicar o extraordi-
árvores representavam nário sucesso final dos
uma parcela significa- primatas. A explicação
tiva da alimentação, Figura 10 – Macaco-aranha das Américas deve ser procurada no
mantiveram-se, de conjunto delas e na
fato, onívoros, o que deve ter tido alguma ação que esse conjunto de possibilidades
influência sobre sua evolução em direção teve sobre a evolução do sistema nervoso.
aos hominídeos, mas, certamente, não Mãos, olhos, flexibilidade dos membros e
tanto quanto o desenvolvimento dos olhos, capacidade de adaptação a qualquer dieta
possibilitando o surgimento de uma visão só tiveram valor porque serviram de opor-
em três dimensões e em cores, um efeito tunidade para o alto desenvolvimento de
direto da vida arborícola e entre folhagens. um cérebro, incentivado, inclusive, pela
A maioria dos mamíferos tem, como vida social dos primatas. Portanto, a área
órgão principal dos sentidos, o olfato. A do cérebro inervada pelos olhos é enorme.
maioria das espécies arborícolas, entretanto Da mesma forma, os espaços reservados à
(e não só as de mamíferos), enxerga bem, mão e à língua são muito maiores do que as
o que não é de se estranhar. Para saltar de áreas reservadas ao resto da pele.
galho em galho e avaliar a distância em Do que foi dito, se poderá deduzir, com
que se encontra uma presa ou um adversá- grandes possibilidades de acerto, que o
rio, em um ambiente predominantemente cérebro dos primatas tenha evoluído sob a
verde, é preciso ter olhos de características influência desses órgãos. O fato dos ante-
especiais, e ali o olfato de nada serve. Já passados dos homens poderem agarrar os

RMB1oT/2015 103
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

objetos com uma mão sensível e levá-los para o estudo das origens humanas; dos
para perto dos olhos para uma observação driopitecos (dryopithecus) – macacos da
cuidadosa deve ter feito com que a natu- floresta –, que surgiram 8 milhões de anos
reza viesse selecionar aqueles que podiam mais tarde do que o Aegyptopithecus,
fazê-lo melhor que os outros, isto é, aqueles originaram-se o grupo dos pongídeos, os
cujas áreas cerebrais ligadas a esses órgãos chipanzés e gorilas e, provavelmente, o
estivessem mais desenvolvidas. grupo dos afropitecos.
Um outro grupo, os ramapitecos, que ha-
Os antropoides via sido considerado como o dos primeiros
hominídeos, verificou-se mais tarde que, na
Os antropoides se dividem em dois realidade, era integrado pelos ancestrais ou
grupos monofiléticos: os macacos do Novo parentes próximos dos orangotangos, os
Mundo, conhecidos como platirrinos, da quais estão relacionados mais longinqua-
América tropical (desde o México até o sul mente com os humanos do que os chipanzés
do Chile e da Argentina); e os primatas do e os gorilas.
Velho Mundo, também conhecidos como O primeiro fóssil denominado “Rama-
catarrinos, da Ásia e da África (e ainda com pithecus” foi encontrado por G.E. Lewis
uma presença na Europa). ao norte da Índia, em 1934. Desde então,
Os macacos de cauda sul-americanos, outros espécimes foram desenterrados em
os platirrinos, têm o “nariz chato”: suas outros lugares. Mas todos esses fósseis
narinas são bem separadas e se abrem estavam muito incompletos. Apesar disso,
mais para o lado do que para baixo ou os ramapitecos foram geralmente aceitos
para a frente. Já os macacos da Ásia e da como os primeiros representantes da fa-
África são os “narigudos”, ou catarrinos, mília humana, que devia ter vivido entre
por contraposição aos platirrinos. Entre os 15 a 20 milhões de anos atrás. As coisas
catarrinos se situam os grandes macacos, poderiam ter continuado assim se não
“quase humanos”, os verdadeiros símios, fosse a descoberta de um novo fóssil, em
que não possuem caudas. 1980, nas montanhas do Paquistão, pelo
Em busca das origens humanas, o fóssil paleontólogo David Pilbeam, da Univer-
encontrado na depressão de Fayum, ponta sidade de Harvard. Ele desenterrou uma
leste do Saara Egípcio, denominado Ae- criatura semelhante ao Ramapitecos, que
gyptopithecus, com idade de cerca de 28 foi chamada de “Sivapithecus Indicus” e
milhões de anos, aparece, talvez, como que estava mais completa do que qualquer
primeiro dos primatas hominoides, o an- outra e mostrava, com bastante clareza, ser
cestral comum que partilhamos com os inteiramente semelhante ao orangotango.
antropoides vivos. Provavelmente, seria Por outro lado, conforme comprovou
também o ancestral comum dos três gran- pesquisa realizada por cerca de 30 insti-
des grupos de macacos primitivos, que se tuições de todo o mundo e publicada pela
destacavam logo no início do Mioceno (20 revista Nature, o orangotango veio juntar-se
milhões de anos): os pliopitecos, os oreo- ao grupo de animais com sequenciamento
pitecos e os driopitecos (proconsules). Dos de genoma completo, o qual é 96% idêntico
pliopitecos deve ter desviado o grupo dos ao do homem. De acordo com o divulgado,
hilobatídeos, onde se encontram o gibão os orangotangos conservaram seu material
e similares; os oreopitecos não deixaram genético praticamente estável nos últimos 15
descendência viva e não são importantes milhões de anos. A semelhança entre esses

104 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

primatas e o homem também foi destaque longo do processo evolutivo. No que se


de um levantamento publicado pela revista refere aos gorilas, eles compartilham
Genoma Research. De acordo com pes- 97% de seu ADN com os humanos e
quisadores da Universidade de Aarhus, da devem ter se separado há cerca de 8 ou
Dinamarca, em 0,5% de nossa constituição 9 milhões de anos.
genética nenhum animal é mais próximo do A linhagem dos orangotangos produ-
homem do que os orangotangos. A descober- ziu o maior primata que jamais existiu:
ta desses trechos não era esperada. Afinal, o Gigantopithecus. Era uma espécie de
nossos parentes mais próximos são os chi- orangotango enorme, que viveu na China,
panzés, que têm 99% na Índia e no Vietnã, há
do material genético cerca de 300 mil anos.
idêntico ao do Homo Nossos parentes mais Seus ossos apareceram
Sapiens.
Homens e oran-
próximos são os chipanzés, pela primeira vez em
1935. Tinha quase três
gotango tiveram um que têm 99% do material metros de altura e de-
ancestral comum até genético idêntico ao do via pesar meia tonelada
no máximo 9 milhões – ou seja, era duas ou
de anos atrás. Com os Homo Sapiens. Atualmente, três vezes mais pesa-
chipanzés comparti- são considerados seis do do que um gorila
lhamos por mais tem-
po: só nos separamos
gêneros de símios. Todos, moderno e tinha cinco
vezes o tamanho de
deles por volta de 4,5 exceto os humanos, estão um orangotango atual.
a 5 milhões de anos confinados nas florestas Muita gente acha que a
atrás. Portanto, era de lenda do Iéti não passa
se esperar que todo o tropicais e ameaçados de de uma memória popu-
nosso genoma fosse extinção lar do Gigantopithecus.
mais relacionado aos Atualmente, são
chipanzés do que aos considerados seis gêne-
outros primatas. ros de símios: dois de pequenos símios – os
Atualmente, a presença dos oran- gibões e os siamanys – e quatro de grandes
gotangos está restrita a duas ilhas da símios – os chipanzés (duas espécies), os
Indonésia: Bornéu e Sumatra. Por outro gorilas (duas espécies), os orangotangos
lado, comparando o genoma humano (duas espécies) e o Homo (uma espécie).
com o de chipanzés, os pesquisadores Todos, exceto os humanos, estão confina-
identificaram 510 trechos presentes nos dos nas florestas tropicais e ameaçados de
primatas que sumiram nos homens, ao extinção.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PSICOSSOCIAL>; Antropologia; História Geral;

RMB1oT/2015 105
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

APÊNDICE I

A ORIGEM DA VIDA – A BIOGÊNESE


“Uma célula orgânica aparece no infinito de tempo.
E vibra e cresce. E se desdobra, e estala num segundo.
Homem: eis o que somos no mundo.”
Guilherme de Almeida
(1890-1969)

Nas condições primitivas do planeta, sem o oxigênio atmosférico produzido pelas plantas,
mas com a presença de metano e amoníaco, as substâncias químicas elementares que formariam as
moléculas da vida, isto é, as moléculas de proteínas, apareceram espontaneamente. Essas condições
foram repetidas em laboratório, obtendo-se a formação de moléculas de açúcares sob a ação dos raios
ultravioleta provenientes do Sol; de aminoácidos (que são macromoléculas que constroem as prote-
ínas) com descargas elétricas, como os raios que atingem a Terra; e de ácidos graxos (que formam
gorduras) com o calor, possivelmente das fontes termais dos fundos oceânicos. Pode-se então imaginar
os oceanos primitivos tornando-se uma “sopa” dessas moléculas: como não havia seres vivos para
comê-las, nem oxigênio para decompô-las (pela oxidação – reação química frequentemente provocada
pelo oxigênio), sua concentração só poderia crescer.
Porém uma maior concentração dessas moléculas naturalmente aumentaria as probabilidades
de encontro entre elas e de combinação em cadeia. A energia necessária a essas sínteses poderia ser
atribuída às altas pressões existentes nos fundos marinhos. Assim, o problema da síntese das grandes
moléculas apresenta dois aspectos interdependentes e mais complexos: o primeiro é o aparecimento,
entre um infinito número de probabilidades, somente das moléculas que se conheciam e que poderiam
interagir; o segundo é o modo pelo qual essas moléculas deixaram de ser uma “sopa” e adquiriram
individualidade celular – o que ocorreu quando, em sua integração, conseguiram se organizar em
unidades metabólicas e autorreprodutoras. E, em processo de metabolismo primário, passaram a usar
as outras como alimento, numa espécie de canibalismo11.
Os primeiros seres vivos, monocelulares e muito simples, mal apareceram e já começaram a
obter sua energia da ruptura das moléculas da “sopa” à sua volta, o que deve ter ocorrido no momento
em que foram capazes de absorver e expulsar substâncias, como em um protometabolismo; esgotadas
estas, passaram a usar as dos outros seres vivos. E se nesta fase já não tivessem aparecido seres capazes
de explorar a forma comum de energia da superfície do planeta, que é a luz solar, o período inicial do
“canibalismo” poderia ter acabado com a vida, apenas iniciada. Assim, o primeiro problema – porque
vingaram apenas certos tipos de macromoléculas, que são as moléculas que formam as proteínas –
resolve-se no seguinte: porque apareceram os indivíduos que eliminaram aqueles incapazes de formar
sistemas autorreprodutores12. Mas, como apareceram as primeiras protocélulas, isto é, aquelas com as
primeiras substâncias de macromoléculas não dissolvidas no ambiente, mas agrupadas numa unidade
constante e autorreprodutora?
As moléculas orgânicas que se formaram, sob a influência da energia térmica, química ou
mesmo solar, são insolúveis em água e, nela colocadas, ou decantam (não se misturam) ou formam
coloides (microscópicas agregações de moléculas em gotículas suspensas, no meio líquido). Mas há

11 Isto nos leva à primeira constatação: os heterótrofos – isto é, os seres vivos que comem outros seres vivos
(como os animais e os fungos) – apareceram antes dos autótrofos – aqueles que sintetizam seu próprio ali-
mento (como os vegetais que utilizam a luz e as bactérias que usam energia química do enxofre e do ferro,
elementos existentes no núcleo terrestre).
12 É oportuno observar que, desde o seu começo molecular, a história da vida é a história da seleção natural, até
que o homem pôde aboli-la dentro de sua própria espécie, com o uso de sua inteligência.

106 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

um tipo especial de coloides orgânicos, isto é, de partículas compostas de moléculas orgânicas que se
reúnem – as micelas – rigidamente orientadas e isoladas do meio ambiente por uma película superficial
de moléculas d’água, difícil de romper devido à afinidade elétrica com o meio. Esta é a aquisição de
uma verdadeira “individualidade”: são os chamados coacervatos. Portanto, muitos desses tipos espe-
ciais de coloides orgânicos – os coacervatos – podem ter aparecido na “sopa” oceânica, em que, em
um processo de seleção natural, só as gotas que fossem capazes de absorver outras ou “devorá-las”
devem ter sobrevivido. Pode-se até imaginar uma dessas gotas de coacervato absorvendo substâncias
da “sopa” exterior ou mesmo outras gotas por coalescência – reunião de partículas de uma suspensão
coloidal – englobando substância, ao mesmo tempo que, dentro dela, outras substâncias se decom-
põem e são expelidas, como se fosse um modelo de fisiologia primária. Mas, além disso, para que a
vida fosse considerada, seria necessário que, entre essas partículas que se alimentavam e cresciam,
aparecessem aquelas capazes de se autorreproduzir, isto é, de partir-se em duas ou muitas partículas
iguais, com todos os seus componentes. Essas ganharam a partida evolutiva, enquanto as outras iam
se reproduzindo caoticamente e se extinguiam. E, nessa época, devia ter aparecido a fotossíntese,
que possibilitou a oxigenação da atmosfera e dos oceanos e a criação, na estratosfera, da camada de
ozônio.
A individualidade constituiu-se, portanto, formando-se películas organizadas em torno
de grandes gotas de coloides orgânicos – os coacervatos. Entretanto, para que a individualidade se
mantivesse e a estrutura não fosse decomposta, foi necessário, de um lado, romper moléculas e, de
outro, fabricar novas moléculas iguais. Para isso, apareceu a “memória química”, o livro que, dentro
das células, tem escrito o que deve ser feito para a reprodução de seres iguais. Este órgão químico é
representado pelas moléculas do ADN (ácido desoxirribonucleico) que deve ter se formado bem cedo
na função de “memória da espécie”13.
A vida14 não é algo fácil de se definir. Uma de suas características gerais reside na compo-
sição química de todos os seres vivos: macromoléculas de compostos de carbono e moléculas como
proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos e lipídios, que consistem em inúmeros átomos em diversas
combinações. Como regra geral, essas moléculas orgânicas podem ser divididas em moléculas fun-
cionais, que executam funções vitais, e moléculas de informação (ADN), que carregam o código
genético. É muito provável que o passo decisivo em direção ao desenvolvimento da vida resulte na
interação bem-sucedida desses dois tipos de moléculas. A cooperação dos blocos de vida em unidades
cada vez maiores e mais complexas, como a organização celular dos seres vivos, representa, talvez,
a característica mais significativa da vida.
E tudo isso começou há cerca de 3,8 bilhões de anos, na “sopa” dos oceanos primitivos...

13 O ADN – ácido desoxirribonucleico – (DNA, na sigla em ingês) teve um precursor mais simples, o ARN – ácido
ribonucleico – (RNA, na sigla em inglês), que é uma molécula que se autorrefaz e que pode ter se formado
espontaneamente a partir de seus próprios componentes, incluindo o ácido fosfórico e a ribose (um açúcar).
O modo exato como o ARN e outras substâncias se reuniram, para criar os precursores das células vivas,
continua a ser um mistério (certamente, é a partícula de Deus da Biologia).
14 Qualquer ser vivo deve poder: metabolizar (realizar processos químicos que envolvam produção de energia e
eliminação de resíduos); crescer e se desenvolver; responder a estímulos, como a luz e o calor; reproduzir-se;
possuir membranas celulares (para isolá-las do ambiente e permitir o fluxo seletivo de substâncias para dentro
e para fora da célula); ter a habilidade de aproveitar ou produzir energia; e possuir material genético para
permitir sua reprodução.

RMB1oT/2015 107
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

GLOSSÁRIO

Actinopterígio – Peixe ósseo; grande predador dos mares devonianos.


ADN – Abreviação de Ácido Desoxirribo Nucleico (DNA, na sigla em inglês). Substância contida no
núcleo das células com as informações genéticas que definem as características de cada pessoa
e a maneira como as células funcionam em cada indivíduo.
Artrópodes – Animais invertebrados, com membros articulados e um rígido esqueleto externo protetor
e sustentáculo. Formam um filo que compreende mais da metade do reino animal: crustáceos
(marinhos), miriápodes, insetos e aracnídeos são exemplos.
Bactéria – Nome dado aos seres unicelulares pertencentes à classe dos esquizomicetos, de estrutura
muito simples e núcleo difuso, que se reproduzem por cissiparidade. As bactérias têm im-
portante papel na natureza, não só pela variedade de espécies como também pela reprodução
rápida e diversidade de fenômenos em que tomam parte. Devido à sua rápida multiplicação e
ação bioquímica, as bactérias constituem um grupo de importância capital para o equilíbrio na
natureza. São células procariotas (anucleadas) que se distinguem dos vírus por conterem, como
as células eucariotas (nucleadas), os ácidos dexorribo nucleico e ribonucleico, assim como pelo
fato de poderem reproduzir-se independentemente do organismo que parasitam. As bactérias
formam um ramo do reino vegetal, segundo alguns autores, e do reino animal, segundo outros.
Catarrinos – Superfamília de macacos da África e da Ásia que possuem narinas muito próximas.
A subordem compreende os antropomorfos (chipanzés, gorilas, orangotangos, gibões) e os
cinomorfos (colobos, babuínos, mandril, rhesus).
Célula – Unidade morfológica e fisiológica dos seres vivos. Todos os seres vivos, com exceção dos
vírus, são constituídos por uma ou várias células. Os organismos constituídos por uma única célula
são denominados organismos unicelulares. Os constituídos por mais de uma célula são denomi-
nados organismos pluricelulares, formados por numerosos tipos de células diferentes. Variáveis
na dimensão e na forma, as células têm todas a mesma estrutura. Limitadas por uma membrana,
apresentam duas partes: o citoplasma e o núcleo. É no núcleo que se encontra o ADN, responsável
pela transmissão dos caracteres hereditários (as hemácias são células que não possuem núcleo).
Cetáceos – Grandes mamíferos marinhos, de corpo fusiforme. Possuem os membros anteriores confor-
mados em nadadeiras, além de uma possante nadadeira caudal de desenvolvimento horizontal.
Alguns, como os delfins e cachalotes, possuem dentes; outros, como a baleia, possuem a boca
dotada de uma fileira de lâminas córneas filtrantes (barbatanas). Os cetáceos podem, apesar
da respiração aérea, permanecer até uma hora sob a água. Eles se orientam por meio de um
sistema de localização por ecos, comparáveis ao sonar dos submarinos. São animais sociais
migradores, extremamente inteligentes.
Cinomorfos – Grupo de macacos catarrinos – colobos, babuínos, mandril, rhesus – providos de cauda
(sincercopitecoides).
Cissiparidade – Modalidade de reprodução vegetativa dos seres unicelulares em que ocorre a divisão
direta das células; esquizogênese; fissiparidade.
Crossopterígio – Ordem de peixes marinhos cujos representantes foram prováveis antepassados
dos anfíbios. Existe ainda um representante vivo, que ocorre nas Ilhas Comores e ao longo do
sudeste da África (Latimeria chalumnae).
Driopiteco (Dryopithecus) – Gênero de primatas catarrinos fósseis, da família dos pongídeos, que
viveu nos períodos Mioceno e Plioceno inferior da Europa, sul da Ásia e África.
Esquizogênese – Cissiparidade, fissiparidade.
Eucariotas – Células animais ou vegetais cujo núcleo é separado do citoplasma por membrana nuclear.
Euripterídeos – Subclasse de animais de grande porte, fósseis da Era Primária, parecidos com os
trilobitas e escorpiões.
Filo – Na classificação dos vegetais e dos animais, divisão principal situada logo abaixo do reino e
subdividida em classes.

108 RMB1oT/2015
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

Fotossíntese – Nas plantas verdes, em presença da luz, reação bioquímica que, a partir das moléculas
minerais simples (CO2, H2O etc.), produz moléculas orgânicas glucídicas de pouca massa molar.
Algumas dessas moléculas são polimerizadas em glucídios de massa molar elevada (amido);
outras se transformam em lipídios e outras, enfim, unem-se a moléculas azotadas. O fenômeno
é caracterizado pela absorção de carbono e liberação de oxigênio.
Gene – Segmento do ADN responsável pela síntese de uma proteína, enzimática ou não, e, por
consequência, de um caráter hereditário. Unidade genética que condiciona a transmissão e a
manifestação de caracteres hereditários.
Heterótrofos – Diz-se dos seres vivos que se alimentam de substâncias orgânicas, como a maioria dos
animais: carnívoros, herbívoros, onívoros ou comensalismo, saprofitismo, parasitismo ou simbiose.
Hominídeos – Família de mamíferos primatas antropomorfos, da superfamília dos hominóides, for-
mada pelo homem atual e pelas espécies fósseis mais próximas, consideradas como ancestrais
da espécie humana.
Hominoides – Superfamília de primatas superiores desprovidos de caudas e de bolsas faciais.
Icthiostega eigeli – Anfíbio fóssil, cujo gênero típico lembra os peixes crossopterígeos, pelo formato
do crânio e pela presença de nadadeira caudal. Os membros, com cinco dedos, derivados das
nadadeiras, e as costelas fortes indicam a conquista do meio terrestre.
Ictiossauro – Ordem dos répteis fósseis, carnívoros, de grande porte (1 a 10 metros de comprimen-
to), da Era Secundária; assemelhavam-se aos tubarões, golfinhos, espadartes; eram adaptados
à vida pelágica: crânio alongado, focinho em forma de bico com até 200 dentes (acredita-se
que eram vivíparos).
Medusa (água-viva) – Denominação dada aos celenterados marinhos da classe dos cifozoários, de
corpo mole, semelhante à gelatina, transparente. Muitos desses animais apresentam células
urticantes que causam queimaduras dolorosas.
Molécula – Partícula formada de átomos que representa, para um corpo ou substância pura constituída
por ela, a menor porção de matéria que pode existir no estado livre.
Monofilético – Diz-se dos grupos zoológicos ou botânicos derivados de uma única espécie ancestral.
Mosassauro – Lagartos de grande porte, serpentiformes, marinhos, do Período Getáceo da Europa
e da América.
Mutação – Modificação brusca e definitiva de um ou mais genes, que acarreta o suprimento, em
linhagem animal ou vegetal, de indivíduos com novas características que irão ser transmitidas
a seus descendentes.
Notocorda – Suporte axial, celular, elástico, formado ventralmente e paralelo ao tubo nervoso no
embrião inicial de todos os cordados; com o desenvolvimento, é substituído por vértebras.
Oreopiteco – Primata de grande porte, fóssil, da Era Terciária, do qual um esqueleto completo foi
descoberto em Baccinello, na Toscana, Itália. Esse hominoide foi classificado primeiro entre as
formas ancestrais da linhagem humana. Certas características, tais como adaptação dos membros
superiores para a braquiação, o afastam, contudo, de nossos ancestrais.
Pelicossauro – Répteis fósseis bastante comuns nas camadas do Carbonífero e do Permiano Superior;
constituem o primeiro degrau que se conhece no caminho que leva aos mamíferos. Os pelicossauros,
cujo crânio apresentava características que permitiam relacioná-los com os futuros mamíferos,
eram os principais e mais agressivos carnívoros do Carbonífero. Suas patas ainda emergiam
lateralmente do corpo, impedindo a posição ereta. Ainda assim, é entre os pelicossauros que se
devem procurar os primeiros antepassados dos mamíferos e dos primatas que levam ao homem.
Plesiossauro – Gênero de grandes répteis marinhos fósseis da Era Secundária, adaptados à vida
aquática. Mediam de 3 a 5 metros.
Pinipédios – Ordem de mamíferos marinhos carnívoros, como as otárias, morsas e focas.
Platirrinos – Macacos da América, com narinas muito separadas e cauda preênsil (bugio,
macaco-aranha, macaco-prego) ou de cauda não preênsil (saqui, tamarin). Caracterizam-se
também por possuírem 36 dentes. Ocorrem nas Américas.

RMB1oT/2015 109
DA ORIGEM DA VIDA AO HOMEM – Parte I

Pliopiteco – Grupo de macacos primitivos que se destacava no início do Mioceno, do qual deve ter
derivado o grupo dos Hilobactídeos.
Pongídeos – Família de mamíferos primatas, sem cauda. São macacos antropoides, como o gibão
(Hylobates), o siamang (Symphalangus), o gorila (Gorita) e o chipanzé (Pan). Apesar de apa-
rentados com a espécie humana, os pongídeos dela se distinguem por numerosas características:
capacidade craniana relativamente pequena; focinho prognata; dentes poderosos; ausência de
queixo; occipital importante; braços muito longos; mãos com quatro dedos longos e polegar
curto, pouco oponível, o que favorece a braquiação; pé preênsil, graças a um grande artelho
oponível, propício para trepar. A pelagem é bem desenvolvida, e o crescimento rápido. O
orangotango (Pongo Pygmaeus) também pertence à família dos Pangídeos.
Procariotas – Diz-se do organismo cujo núcleo celular não possui membrana nuclear e está mesclado
ao citoplasma.
Pteridófitas – Grupo de plantas criptógamas vasculares que se reproduzem sem flores nem sementes,
como as avencas, os fetos, as samambaias etc.
Ramapiteco – Fóssil de primata superior que viveu no fim do Período Mioceno, considerado por
muito tempo um ancestral do homem, mas que se verificou ser um ancestral ou parente próximo
do orangotango.
Sarcopterígio – Peixe ósseo que, no Devoniano, deu origem aos anfíbios.
Sirenídeos – Ordem de mamíferos herbívoros de hábitos aquáticos, marinhos ou fluviais. São o
manati, o dugongo e o peixe-boi.
Tecodontes – Ordem de répteis fósseis, do período Permiano ao Triássico, semelhantes aos crocodilos,
considerados como prováveis ancestrais dos dinossauros e aves.
Terapsídeos – Ordem de répteis fósseis do período Permiano ao Triássico, cuja evolução anuncia os
primeiros mamíferos.
Vírus – Microorganismo visível ao microscópio comum e agente de várias infecções nos homens,
animais e vegetais. Os vírus se desenvolvem unicamente no interior das células vivas. A prova
de sua existência foi observada em 1898, com os trabalhos de Löfler e Paul Frosch (1860-1928)
sobre a febre aftosa. Considerados os mais simples dos seres vivos, os vírus são compostos por
uma só cadeia de ácido nucleico, que tanto pode ser ADN (DNA) como ARN, envolvida por
uma espécie de casca (cápsula) proteica, proveniente das células parasitadas pelos vírus. Assim,
o vírus só pode viver parasitando uma célula, que se torna a sua hospedeira.

110 RMB1oT/2015
CANAL DO PANAMÁ*

Guilherme Mattos de Abreu**


Contra-Almirante (RM1)

E m 15 de agosto de 2014, comemorou-se


o centenário da inauguração do Canal
do Panamá. Na época,
com especial relevo para as pesquisas
médico-sanitárias.
Militares estiveram
aquela inauguração não à frente dos vários es-
teve grande repercus- A guerra é um evento tudos e pesquisas de
são, visto que a Grande cruel, mas, ironicamente, campo na América
Guerra fora desenca- também promotora de Central, de modo a
deada duas semanas definir o local da obra.
antes e que as notícias desenvolvimento, pois o Também o poder mili-
provenientes da Europa homem, em proveito da tar, associado ao eco-
estavam em evidência. nômico, foi vital para
Entretanto, constituiu- sobrevivência, empenha- viabilizá-la politica-
-se em uma das obras se em suplantar o seu mente, na pouco nobre
de engenharia de maior adversário ação que redundou na
impacto geopolítico e criação do Panamá
econômico na História, como país independen-
viabilizada em larga escala pela ação e te, visto que o istmo era parte do território
expertise militar em diversos campos, da Colômbia.

* Título original do artigo: “O canal do Panamá: uma das obras de maior impacto geopolítico da história foi
viabilizada pela pesquisa militar”.
** Comandou o Navio-Patrulha Pirajá, a Corveta Bahiana, o Colégio Naval, o Primeiro Esquadrão de Corvetas
e como almirante, a 2a Divisão da Esquadra. Foi subchefe de Operações do Comando de Operações Navais,
Assistente do Comando da Escola Superior de Guerra (ESG) e diretor do Curso de Altos Estudos de Política
e Estratégia da ESG.
CANAL DO PANAMÁ

Neste artigo focaremos, especificamen- na paz. É muito comum que as baixas entre
te, uma revolução científica propiciada pelo os combatentes sejam majoritariamente
que hoje denominaríamos PD&I – Pes- decorrentes de eventos fora do combate,
quisa, Desenvolvimento e Inovação – no como doenças e acidentes. Para ficarmos
âmbito militar, a qual se mostrou vital para em alguns poucos exemplos, na Primeira
a prontificação do Canal. Guerra Mundial, a divisão naval brasileira
Para o leigo, pode ser difícil identificar enviada para o norte da África viu-se in-
a amplitude do spin-off (arraste) propiciado capacitada pela gripe espanhola, em 1918.
pela PD&I do segmento Defesa (incluindo Noventa por cento dos cerca de 1.500 ofi-
o setor aeroespacial, em função do forte ciais e marinheiros foram acometidos pela
vínculo existente), que atua em múltiplas doença, que matou 125 tripulantes. Foram
frentes: do processo de desenvolvimento registrados 131 casos de malária entre os
do radar nasceu o forno de micro-ondas; a fuzileiros navais norte-americanos que par-
tecnologia de conservação de alimentos, em ticiparam de uma operação de assistência
boa parte, é decorrente das necessidades humanitária na Somália, entre dezembro
logísticas da guerra e da pesquisa espacial; de 1992 e abril de 1993. É intuitivo que os
da propulsão nuclear de navios surgiu a procedimentos, equipamentos e produtos
geração de energia desenvolvidos para a
elétrica pelas usinas “medicina de guerra”
nucleares; mecanis- O Canal provocou migrem rapidamente
mos de gestão e de para a “medicina de
planejamento como o reordenamento do tráfego emergência”. Assim,
Program Evaluation marítimo e o incremento no não é surpresa que mi-
and Review Techni- fluxo de cargas, ao mesmo litares promovam pes-
que (Pert) nasceram quisas neste campo.
de projetos comple- tempo em que reduziu os Mas voltemos ao
xos nesse meio; dali custos e o tempo de viagem Canal do Panamá 1 ,
surgiu a internet e o obra que promoveu
GPS; as exigências de um dos maiores im-
projeto provocaram miniaturização de com- pactos na história da humanidade em
ponentes; ....; até mesmo itens de vestuário, diversos aspectos: político, social,
como o velcro e o fecho éclair, devem o seu econômico e militar. Segundo os norte-
aperfeiçoamento às necessidades do setor. -americanos, a sua inauguração, em 1914,
Mas colocar o segmento na vanguarda marcou o início do American Century. O
médico-sanitária pode parecer demasiado. Canal provocou reordenamento do tráfe-
Ocorre que a guerra é um evento cruel, go marítimo e o incremento no fluxo de
mas, ironicamente, também promotora cargas, ao mesmo tempo em que reduziu
de desenvolvimento, na medida em que os custos e o tempo de viagem, visto que
o homem, em proveito da sobrevivência, os navios que trafegavam entre o Oceano
empenha-se em suplantar o seu adversá- Pacífico e o Atlântico não mais precisa-
rio. As conquistas científico-tecnológicas vam contornar a América do Sul, como
obtidas terminam por serem aproveitadas então ocorria.

1 A referência básica para este histórico é Parker, Matthew. Panama Fever: the epic story of the building of the
Panama Canal. New York: First Anchor Books Edition, 2009.

112 RMB1oT/2015
CANAL DO PANAMÁ

A abertura de um canal na América Cen- já executados amiúde. Para piorar a si-


tral ligando os dois oceanos era uma antiga tuação, a floresta panamenha, infestada
aspiração do colonizador espanhol, que, em de mosquitos, ceifaria a vida de milhares
função das condicionantes geográficas e de homens, mulheres e crianças – enge-
dos interesses nacionais, foi abraçada pelos nheiros, operários e seus familiares – em
EUA em meados do século XIX. Várias razão da febre amarela e da malária. Por
opções foram estudadas, destacando-se fim, em 1904, os norte-americanos reto-
a de abertura de um canal na Nicarágua, maram o empreendimento.
aproveitando a existência de rios e do Naquela ocasião, todo o trabalho re-
Lago Nicarágua, ou através do Istmo do alizado pelos franceses esteve a ponto
Panamá, então território colombiano, que de ser abandonado, visto que, nos EUA,
era mais curta, mas também de relevo mais havia uma corrente muito forte favorável à
acidentado. realização da obra na Nicarágua. Mas um
Mas um teimoso e obstinado diplo- lobby inteligente faria com que decidissem
mata francês, Ferdinand de Lesseps por retomar os trabalhos interrompidos
(1805-1894), de grande prestígio, visto pelos franceses, reformulando o projeto,
ter liderado a abertura do Canal de Suez, que passaria a incluir eclusas; adotaria
adiantou-se, formando uma companhia nova organização, novos equipamentos
para a abertura do canal no Istmo do Pa- e técnicas; e, até mesmo, “criaria” um
namá, em 1881. O empreendimento foi novo país.4
um fracasso e um escândalo financeiro2, Enquanto Lesseps estava às voltas com
devido a uma combinação de vários os preparativos e a execução de sua obra
fatores, destacando-se a insalubridade na América Central, um médico do Exér-
geral da região e a teimosia de Lesseps cito francês, Charles Louis Alphonse La-
em perseguir um projeto de concepção veran (1845-1922), lotado em um hospital
inadequada para as condições físicas militar na Argélia, descobriu que a causa
locais. Ele insistiu em um canal no nível da malária era um protozoário (1880).
do mar, como o adotado em Suez, que Alguns anos depois, Ronald Ross (1857-
permitiria trânsito fácil e rápido, mas que 1932), médico do Exército britânico, que
demandava escavação exorbitante, além servia em um hospital na Índia, passou a
de difícil, em função do perfil geológico dissecar e pesquisar mosquitos Anopheles,
muito complexo e irregular3 (a opção, se que sabidamente haviam picado doentes
concretizada, seria um desastre, uma vez (1897/98). Os estômagos e as glândulas
que existe pequena diferença de nível salivares dos insetos apresentavam os
entre os dois oceanos). Além disso, as mesmos parasitas identificados por Lave-
chuvas torrenciais destruíam trabalhos ran, o que permitiu inferir que o processo

2 Lesseps vendera um sonho, que drenou os recursos dos ricos e as economias dos pobres, mediante a venda de
ações, fomentada pela promessa de ganho fácil.
3 A complexidade e a irregularidade do perfil geológico são decorrentes das alterações propiciadas pela atividade
sísmica. Frequentemente as escavações deparavam-se com intrusões de rocha não detectadas nas sondagens
prévias.
4 O advogado norte-americano William Nelson Cromwell e o engenheiro francês Phiplippe Bunau-Varilla foram
hábeis lobistas. A retomada da construção no Panamá, em vez de recomeçá-lo na Nicarágua, é resultado de
seus esforços. No caso, não no Istmo do Panamá, Colômbia, mas em um novo país – o Panamá –, controla-
do pelos EUA. A independência do Panamá foi uma pouco ética manobra, que envolveu pressão militar e
suborno e tem esses dois personagens como atores relevantes.

RMB1oT/2015 113
CANAL DO PANAMÁ

A localização do Canal foi influenciada pela gravura de um selo


Philippe Bunau-Varilla, o último engenheiro-chefe do empreendimento francês e
proprietário de significativo número de ações da companhia, estava determinado a retomar
a obra no Panamá. Assim motivado, exerceu um forte
lobby em Washington nesse sentido.
Um dos argumentos desfavoráveis à opção Nica-
rágua que introduziu na discussão foi a existência de
vulcões nas proximidades do traçado pretendido, o que
causou grande impacto, particularmente depois que um
dos existentes no país entrou em erupção. Ainda assim,
a opção Panamá corria risco de não ser aprovada no
Senado dos EUA.
Bunau-Varilla teve uma ideia salvadora! O Governo
nicaraguense lançara, em 1900, uma série de selos em
que havia um desenho (uma alegoria) onde era mostrado
um marco geográfico do país – o vulcão Momontombo
– fumegando. Pouco antes da votação (junho de 1902),
cada senador recebeu um desses selos, “evidência” dos
perigos da rota pela Nicarágua. Afinal, construir um
canal junto a um vulcão ativo seria uma temeridade!
A opção Panamá venceu por pequena margem. A Câmara de Deputados acompanhou
o Senado.

de contaminação se dava pela saliva, por para a erradicação do mosquito obtiveram


ocasião da picada.5 notável sucesso em Havana. Em 1900,
No outro lado do Atlântico, nesse meio foram registrados 1.400 casos na cidade;
tempo, os EUA conquistaram Cuba (1898), em 1901, apenas 37.
passando a manter um efetivo de cerca de À frente do trabalho de saneamento
50 mil homens do Exército na ilha. A febre de Havana estava outro médico militar:
amarela que acometia os soldados mostra- William Crawford Gorgas (1854-1920).
va-se como um óbice para a permanência Quando os norte-americanos reiniciaram
da tropa no país. Para enfrentar o proble- efetivamente a obra do Canal do Panamá
ma, o governo norte-americano criou uma (1904), Gorgas foi colocado na chefia dos
Comissão da Febre Amarela, composta por serviços de saúde e sanitários. Com muito
médicos militares, tendo à frente Walter trabalho, lutando contra o descrédito das
Reed (1851-1902). A Comissão, tomando novas descobertas científicas (o argumento
como base as conclusões empíricas do de pequenos mosquitos serem responsá-
médico franco-escocês Carlos Finlay (que veis pelas doenças não era aceito pelo
havia atuado muitos anos em Cuba) de público e era ridicularizado pela mídia),
que o mosquito, particularmente o Aëdes desenvolveu um intenso trabalho de erra-
Aegypti, era o vetor da febre, decidiu buscar dicação de mosquitos, o que possibilitou
a comprovação científica, obtendo sucesso uma redução substancial de perdas de
após alguns contratempos, inclusive o óbito mão de obra pelas doenças, viabilizando,
de um dos pesquisadores. As medidas sani- desse modo, que o Canal fosse inaugurado
tárias decorrentes impostas pela Comissão em 1914.

5 Laveran também descobriu o protozoário causador da tripanossomíase africana, ou doença do sono. Laveran
e Ross foram laureados com o Prêmio Nobel de Medicina em 1907 e 1902, respectivamente, por suas des-
cobertas científicas.

114 RMB1oT/2015
CANAL DO PANAMÁ

Para o esforço norte-americano no Pa- e em sua elite formadora de opinião,


namá, nada foi mais importante do que a visto que, no passado, não aproveitamos
descoberta dos mecanismos de transmissão tais saltos em sua plenitude e demons-
da malária e da febre amarela. Esta revolu- tramos visão estratégica limitada, a
ção científica somente foi possível devido despeito de possuirmos elevado poten-
às pesquisas de saúde desenvolvidas em cial. Note-se que, por vezes, até mesmo
função das necessidades militares, cujos abdicamos das vantagens conquistadas
resultados extrapola- e não aproveitamos
ram para o ambiente as coisas que fizemos
civil. Trata-se de uma Temos que pensar grande, bem feitas.
significativa e prosaica Desenvolver a po-
amostra do arraste e em nível coerente com as tencialidade na área da
dos benefícios propi- dimensões do Brasil, e agir Defesa insere-se neste
ciados pela pesquisa contexto. Mas que isto
no segmento militar.
para que as iniciativas seja executado de for-
Isto não deveria sur- em andamento no ma regular, visto que,
preender. Paul Kenne- segmento Defesa se tornem ao longo da História,
dy, em The Rise and passamos por altos e
Fall of the Great Po- perenes, em proveito do baixos no setor. Em
wers 6, por exemplo, desenvolvimento função da descontinui-
destacou este arraste, dade, cada recomeço é
ao assinalar que os re- muito difícil devido à
gistros históricos indicam que existe uma perda de conhecimento.
conexão clara entre o crescimento e o declí- Temos que pensar grande, em nível
nio econômico de uma grande potência e o coerente com as dimensões do Brasil, e
crescimento e o declínio de sua importância agir para que as iniciativas em andamento
como poder militar, em função dos saltos tec- no segmento Defesa se tornem perenes,
nológicos e organizacionais que são obtidos em proveito do desenvolvimento de nosso
por algumas sociedades, mas não por outras. país.
Seria altamente positivo que tal con- Nosso Brasil merece que reflitamos e
ceito prosperasse na sociedade brasileira atuemos à luz de tal demanda.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ÁREAS>; Canal do Panamá; Desenvolvimento; Via de transporte; Política internacional;

6 KENNEDY, Paul. The rise and the fall of the great powers. New York: Randon House, Inc., 1987.

RMB1oT/2015 115
O CONFLITO É INEVITÁVEL?*

EDUARDO ITALO PESCE**


Professor

SUMÁRIO

Introdução
Conflito e relação social
Duas concepções sobre a sociedade
Sociedade e conflito
Sociologia do século XIX
Enfoque contemporâneo
Sociologia do conflito
Intencionalidade do conflito
Crítica e análise dos conceitos
Conclusão

INTRODUÇÃO liderado pelos Estados Unidos contra alvos


jihadistas pode trazer consequências desastro-

A Presidente da República, Dilma Rous-


seff, afirmou em Nova York, em 23 de
setembro do ano passado, que o bombardeio
sas de médio e longo prazos. Ao condenar os
ataques aéreos na Síria, iniciados na noite de
22 de setembro do mesmo ano para desman-

* Trabalho apresentado na disciplina “O Conflito e seus Reflexos na Sociedade dos Homens” do Programa de
Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN) – Rio de Janeiro, 25 de
setembro de 2014.
** Especialista em Relações Internacionais, professor aposentado do Centro de Produção da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Cepuerj), colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da
Escola de Guerra Naval (Cepe/EGN) e colaborador assíduo da RMB.
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

telar a organização terrorista Estado Islâmico em presença de outros da mesma espécie.


(EI) e combater células da rede Al-Qaeda, Embora seja um caso limite das relações
afirmou que “o Brasil repudia agressões com o outro, é uma ocorrência frequente em
militares, porque elas podem colher resul- qualquer relação social4. Max Weber define
tados imediatos, mas trazem consequências relação social como o “comportamento recí-
deletérias para países e regiões no médio e proco de vários indivíduos, que se orientam
longo prazos”. Citou, ainda, Iraque, Líbia e em suas escolhas e atividades, uns em rela-
Faixa de Gaza como exemplos recentes da ção aos outros, e que dão assim sentido aos
ineficácia deste tipo de política1. seus atos”.5 O conflito como relação social
Dilma Rousseff manifestou sua intenção tem particularidades específicas:
de deixar clara a posição do Brasil em 24 de a) O conflito nasce da escolha diferente
setembro, no discurso de abertura da 69a As- que fazem os participantes em uma relação
sembleia Geral das Nações Unidas. Repudiou social recíproca, que, por seu enfoque sub-
“o morticínio e a agressão dos dois lados”, que jetivo, implica desacordo.
considerou ineficaz, e afirmou que “o Brasil é b) Tudo pode tornar-se objeto de confli-
contra todas as agressões”.2 Mas será que todo to, e este pode eclodir em qualquer relação
e qualquer emprego da força – seja a que título social.
for – é agressão e merece repúdio? O conflito c) Pela diversidade dos objetos, dos
– em particular o conflito armado – pode ou motivos e das causas de conflito, este não
deve ser extirpado totalmente? A boa vontade pode ser reduzido a um tipo único.
e as intenções pacíficas são suficientes para d) Como o conflito é inerente às socieda-
acabar com os conflitos no mundo? Ou será des, pode eclodir em qualquer relação social,
que o conflito é mesmo inevitável? dependendo das circunstâncias, e provavel-
Este ensaio é uma tentativa de responder mente não pode ser suprimido definitiva-
à última das indagações formuladas acima, mente; cabe perguntar quais os melhores
com base em alguns pensadores clássicos e meios para preveni-lo e para solucioná-lo6.
modernos, referenciados por Julien Freund
em sua obra Sociologia do Conflito.3 Ini- DUAS CONCEPÇÕES SOBRE A
cialmente, examinaremos alguns conceitos SOCIEDADE
gerais abordados por este autor. A seguir,
faremos um comentário crítico de tais Segundo Julien Freund, não se pode
conceitos, a título de análise. elaborar uma teoria das sociedades que
seja pertinente se não tiver em mente que
CONFLITO E RELAÇÃO SOCIAL o conflito é imanente a toda sociedade.
No âmbito da história das ideias, há duas
Na visão de Julien Freund, o conflito é concepções sobre a natureza geral da socie-
uma relação social, pois só pode ocorrer dade: uma diz que o homem é um ser social

1 BARBOSA, Flávia; DE LUCA, Isabel. Dilma diz que Brasil repudia ataques aéreos na Síria. O Globo, Rio de
Janeiro, 23 set. 2014 (edição eletrônica). Disponível em <http://oglobo.globo.com/mundo/dilma-diz-que-
-brasil-repudia-ataques-aereos-na-siria-14021457>. Acesso em 24 set. 2014.
2 Ibidem.
3 FREUND, Julien. Sociología Del Conflicto. Madrid: Ediciones Ejército, 1995, p. 19-53 et seq.
4 Ibidem, p. 20-21.
5 Apud. Ibidem, p. 22.
6 Ibidem, p. 22-24.

RMB1oT/2015 117
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

por natureza, e a outra que a sociedade é A sociedade civil nasce para pôr fim aos
uma obra artificial do homem7. conflitos em seu interior. A argumentação
A primeira concepção é mais antiga, das teorias do contrato social é procurar
e sua primeira elaboração sistemática é suprimir tal possibilidade de conflito. Para
atribuída a Aristóteles. O homem que vive Hobbes, o cidadão é livre se o Estado é
fora da sociedade será um ser monstruoso livre, governado por um soberano que
ou um deus. A sociedade e a natureza não represente a razão. Rousseau argumenta
são a mesma coisa, embora o homem viva em favor da unanimidade e da submissão
naturalmente em sociedade. A segunda é à “vontade geral”. A validade do pacto so-
mais recente e foi elaborada sistematica- cial limita-se ao âmbito de uma sociedade
mente por Hobbes no século XVII. Este determinada11.
autor define a sociedade como o Leviatã, Julien Freund questiona se seria possí-
um ser artificial que vel proscrever o con-
também representa o flito, uma vez que a
Estado. A concepção Para as teorias da busca da unanimidade
de Hobbes deu origem naturalidade da vida conduz em geral a um
às teorias do contrato despotismo totalitário.
social8.
social, os conflitos não É preciso considerar
As teorias basea- são necessariamente ainda o conflito revolu-
das no contrato social calamidades, mas são cionário. Sob o pretexto
vislumbravam um de eliminar conflitos,
“estado de natureza” inerentes à sociedade... as teorias contratuais
anterior à formação Seria inútil querer extirpá- suscitam outros. Tais
das sociedades. Para teorias cobrem apenas
Hobbes, este corres-
los da coletividade os conflitos internos à
pondia ao conflito sociedade civil, e seu
permanente, ou à “guerra de todos contra desenvolvimento foi contemporâneo da
todos”. Para Rousseau, seria um estado consolidação dos Estados modernos, entre
primordial de felicidade e liberdade, que os séculos XVII e XVIII12.
teria degenerado num estado de guerra . 9

A noção de contrato social aplica-se ao SOCIEDADE E CONFLITO


interior de uma sociedade, mas não às
relações entre Estados. Para Hobbes, os Para as teorias da naturalidade da vida
Estados dispõem de liberdade e se encon- social, cujas origens remontam a Heráclito
tram em “estado de natureza”. Assim, as e Aristóteles, os conflitos não são necessa-
relações entre eles baseiam-se no poder, riamente calamidades, mas são inerentes à
e não no temor ao soberano. Já Rousseau sociedade. Os esforços devem ser dirigidos
afirma que não há guerra entre homens, aos melhores métodos de preveni-los e,
mas entre Estados10. quando isso não for possível, resolvê-los.

7 Ibidem, p. 25.
8 Ibidem, p. 25-26.
9 Ibidem, p. 27.
10 Ibidem, p. 29.
11 Ibidem, p. 29.
12 Ibidem, p. 30-32.

118 RMB1oT/2015
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

Portanto, seria inútil querer extirpá-los da sociedade, mas pensava-se que o progresso
coletividade. Heráclito considerava que o poderia eliminar os conflitos. A ideia de
conflito desempenhava um papel regulador. que a escassez do passado seria superada
Para Aristóteles, a sociedade existe por na- pela sociedade industrial, rumo a uma era
tureza, excluindo a ideia de contrato social. de paz, estava no centro do pensamento
Para ele, a unidade não poderia resultar de liberal clássico, que também influenciou
uma “aliança” dos cidadãos, e uma unidade o pensamento socialista de esquerda. A
levada ao extremo seria perniciosa para busca de unanimidade levou às ideologias
a cidade. Rechaça, portanto, a lógica da totalitárias do século XX. As tendências
unanimidade13. reformistas ou revolucionárias nutriam-se
Aristóteles diverge profundamente do mesmo ideal liberal, de que o progresso
dos teóricos do contrato, que pretendem permitirá livrar a sociedade dos conflitos e
eliminar os conflitos pela submissão aos devolvê-la a uma inocência natural. A pri-
pactos. Aos olhos de Aristóteles, o conflito meira corrente, que inclui Herbert Spencer,
nasce da necessidade Auguste Comte e Saint
dos pactos e perdurará Simon, acreditava que
enquanto perdurarem A maior parte dos autores o mundo estava a ponto
estes14. O pluralismo do século XIX acreditava de passar da idade mi-
da vida social dá mar- litarista à idade indus-
gem a uma pluralidade que a humanidade evoluiria trial e comercial, ou da
de tipos de conflitos: para um regime de paz, idade dos conflitos à da
a) A violência é paz. A segunda, da qual
imanente às socieda-
sob a influência benéfica do Karl Marx é a figura
des e não pode ser comércio e o progresso da proeminente, defendia
suprimida totalmente. indústria que a humanidade en-
b) Pode surgir dis- frentaria o conflito de-
córdia entre os cida- cisivo e a luta final para
dãos sobre o regime que consideram o mais eliminar as contradições e antagonismos,
apropriado. numa sociedade renovada pela economia16.
c) O conflito pode surgir dentro de um Saint Simon acreditava que era possível
mesmo regime, a respeito de sua aplicação. regenerar a humanidade e livrá-la do con-
d) Existem motivos psicológicos para a flito, fazendo-a progredir rumo à filantropia
discórdia, tais como inveja e ciúme. universal. Já Marx postulava que o conflito
e) Existem os conflitos sociais, que resultava de uma má organização da socie-
opõem os ricos e os pobres15. dade, estando imbuído da ideia de buscar
a unanimidade no comunismo17. A maior
SOCIOLOGIA DO SÉCULO XIX parte dos autores do século XIX acreditava
que a humanidade evoluiria para um regime
No final do século XIX, segundo de paz, sob a influência benéfica do comér-
Freund, admitia-se ser natural viver em cio e o progresso da indústria. Na futura

13 Ibidem, p. 32-33.
14 Ibidem, p. 34.
15 Ibidem, p. 34-37.
16 Ibidem, p. 37-38.
17 Ibidem, p. 39-43.

RMB1oT/2015 119
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

sociedade da abundância que se anunciava, das filosofias sociais, que pensam utopica-
o conflito perderia a razão de ser18. mente numa sociedade futura e pretendem
aplicar processos supostamente científicos
ENFOQUE CONTEMPORÂNEO das sociedades reais numa sociedade ideal
que jamais existiu. Construir uma socieda-
No início do século XX, autores como de perfeita não é missão da sociologia, a
Max Weber, Simmel, Pareto e Durkheim menos que esta se transforme em doutrina
começaram a abandonar o “sonho esca- política. Os conflitos não nascem apenas
tológico” da paz como fim último para das condições materiais da vida social,
ocupar-se das relações sociais. O conflito mas também das esperanças e dos enfoques
aparece então como elemento inerente às ideais que se deseja realizar21.
sociedades, o qual pode ser um fator des-
trutivo, mas que também pode levá-las à SOCIOLOGIA DO CONFLITO
expansão, desde que este seja integrado e
controlado. O conflito pode contribuir para A análise do conflito tornou-se objeto
a unidade do grupo, desempenhando um de pesquisa da sociologia contemporânea.
papel de regulador das ações recíprocas. O termo “polemologia” foi cunhado por
Freund pondera que não podemos excluir Gaston Bouthoul em 1945 para designar
totalmente os conflitos, uma vez que os os estudos científicos sobre os fenôme-
membros de uma coletividade jamais estão nos da guerra e da paz, independente de
totalmente de acordo sobre suas respectivas qualquer ideologia ou opinião política
aspirações e sobre os fins a realizar19. (pacifista ou de outro tipo) e sem limitar-
Os autores contemporâneos acima não -se apenas às relações internacionais ou ao
só mudaram nossa concepção de conflito, aspecto jurídico. Nos países anglo-saxões,
retomando implicitamente a filosofia de desenvolveu-se a disciplina denominada
Heráclito e Aristóteles, mas também mu- Peace Research, cujo enfoque diverge
daram nossa concepção da sociologia. É metodologicamente e dá prioridade ao es-
determinante para a compreensão socio- tudo da paz. Os especialistas desta última
lógica das sociedades saber se é preciso consideram a guerra como uma desgraça e
considerar o conflito como inerente às costumam resvalar para a utopia22.
relações sociais e ver nele um elemento Adotando uma metodologia mais de
regulador e um fator de desenvolvimento, acordo com o espírito científico, Bouthoul
ou considerá-lo um elemento nocivo que repetia sem cessar: “Se queres a paz,
é preciso eliminar20. prepara-te para a guerra”.23 Considerava
A sociologia considera as sociedades fácil condenar a guerra, sem submeter os
conhecidas empiricamente, que existem fenômenos da paz e da guerra a uma análise
ou que já existiram historicamente. Todas crítica. Concentrou as pesquisas sobre o
estas sociedades têm ou tiveram conflitos. conhecimento mais preciso da guerra. A
Tal reconhecimento é distinto da proposta paz não é concebida como situação isolada,

18 Ibidem, p. 43-44.
19 Ibidem, p. 44-45.
20 Ibidem, p. 48.
21 Ibidem, p. 49.
22 Ibidem, p. 49-50.
23 Apud. Ibidem, p. 51.

120 RMB1oT/2015
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

mas como uma relação social, no contexto conflito não é absolutamente unívoca. Por
de outras relações humanas. O pluralismo tal razão, Julien Freund propõe a seguinte
causal levou à multiplicação das vias de definição para este termo:
estudo, incluindo a análise conceitual e O conflito consiste num enfrentamento
morfológica, a pesquisa histórica, o méto- por choque intencional entre dois seres
do estatístico e a comparação. Este estudo ou grupos da mesma espécie, que ma-
incorporou contribuições de disciplinas nifestam uns em relação aos outros uma
como psicologia, sociologia, tecnologia, intenção hostil, em geral a propósito de
biologia, economia e demografia. Elabo- um direito, e que, para manter, afirmar
rou novos métodos, como os “barômetros ou reestabelecer o direito, procuram
polemológicos” e a cronística. Finalmente, quebrar a resistência do outro, even-
reconsiderou noções fundamentais, como a tualmente pelo recurso à violência,
mentalidade de agressividade coletiva, os que pode, conforme o caso, tender ao
festivais e o pacifismo24. aniquilamento físico do outro27.
Bouthoul constatou que os fins da guerra
são os mesmos da paz, e que o pacifismo Para que esta definição se torne explíci-
pode ser um fator polemológico. Como o ta, é necessário clarificar suas implicações
holandês Rölling, observa que as reivindica- e levar em conta que: 1) o enfrentamento
ções de justiça são uma das principais fontes e o choque são voluntários; 2) os anta-
da guerra. Concebeu a polemologia como a gonistas devem ser da mesma espécie ou
ciência do conflito em geral, não apenas a congêneres; 3) a intencionalidade implica
ciência da guerra e da paz, mas de qualquer uma vontade hostil e uma intenção de
conflito, seja este político, econômico, reli- prejudicar o “inimigo”; 4) o objeto de um
gioso, social ou de outro tipo. A polemologia conflito é geralmente o direito, inclusive
é a sociologia do conflito e não deve ser à reivindicação de justiça; 5) o conflito
confundida com a sociologia política25. procura quebrar a resistência do outro; e
6) o risco de enfrentamento está associado
INTENCIONALIDADE DO à relação de forças28.
CONFLITO Há necessidade de distinguir entre o
combate, que é próprio dos conflitos arma-
Mas, afinal, o que é conflito? Este pode dos, e outros tipos de luta, tais como a “luta
incluir tanto a guerra como a revolução, de classes” enfatizada pelos marxistas. A
passando pela luta, pelo combate e a luta é uma forma indeterminada de conflito,
batalha ou simplesmente pela querela, a por vezes feroz e sem limites29. O combate
disputa, o desacordo ou a rivalidade. Além é um tipo de conflito submetido a regras, a
disso, inclui também a crise, a tensão e o fim de evitar que degenere numa luta sem
antagonismo, no nível internacional assim qualquer limite. O Estado moderno é carac-
como nos níveis internos da sociedade civil terizado pelo monopólio do uso legítimo
e das relações interpessoais26. A noção de da violência pelos poderes públicos, mas

24 Ibidem, p. 51.
25 Ibidem, p. 51-53.
26 Ibidem, p. 57.
27 Ibidem, p. 60.
28 Ibidem, p. 61-62.
29 Ibidem, p. 62-66.

RMB1oT/2015 121
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

no âmbito das relações internacionais não com a definição de Freund35. Embora nem
existe tal monopólio30. No âmbito interno este autor nem os pensadores adeptos da
do Estado, instituições como a polícia e os teoria da naturalidade da vida social por
tribunais, assim como os sindicatos e os ele citados usem especificamente o termo
partidos políticos, desempenham papéis de “inevitável” em relação ao conflito, este é
integração e regulação social do conflito31. considerado como uma característica da
sociedade (ou, pelo menos, de todas as
CRÍTICA E ANÁLISE DOS sociedades conhecidas até hoje). Como
CONCEITOS não existe sociedade perfeita, e o conflito
não pode ser eliminado ou extirpado das
Max Weber, Julien Freund e outros so- sociedades reais, podemos afirmar que este
ciólogos contemporâneos recuperam ideias é inevitável?
filosóficas formuladas na Antiguidade por Nas ciências sociais, deve-se tomar
Aristóteles sobre a naturalidade da vida extremo cuidado com afirmativas (ou
social, quando afirmam que o conflito é negativas) não qualificadas, assim como
inerente às sociedades humanas, podendo com expressões como “sempre”, “nunca”,
eclodir em qualquer relação social. “Ine- “todos” ou “nenhum”. A afirmação de
rente” (que existe como característica de que “o conflito é inevitável” não é uma
alguém ou algo) não é sinônimo de “inevi- constatação científica. Ainda que não se
tável” (que não se pode evitar ou impedir).32 tenha notícia sobre a existência de nenhuma
Freund também afirma que o conflito é sociedade onde não haja nenhum tipo de
“imanente” a toda sociedade. Este termo conflito, talvez no futuro sejam descobertos
tem duas acepções registradas: 1) “que vestígios arqueológicos de tal sociedade.
está inseparavelmente contido na natureza Quem sabe uma sociedade alienígena em
de um ser, de uma experiência ou de um outro planeta, por mais absurdo que isso
conceito; inerente”; e 2) “permanente, possa parecer hoje?
constante”.33 Portanto, os termos “inerente” Apesar disso, podemos admitir que seria
e “imanente” são sinônimos, mas nenhum extremamente difícil suprimir definitiva-
dos dois é sinônimo de “inevitável”. mente o conflito de qualquer sociedade.
Quanto ao termo “conflito”, o dicionário Tal impraticabilidade nos leva à conclusão
admite três acepções: 1) “ato, estado ou de que os esforços devem se concentrar nas
efeito de divergirem muito ou se oporem melhores maneiras de prevenir o conflito ou,
duas ou mais coisas ou pessoas”; 2) “p. ext. não sendo isso possível, resolvê-lo da me-
choque, enfrentamento”; e 3) “discussão lhor forma disponível36. A violência é parte
acalorada; desavença”.34 Nenhuma destas da vida humana desde a pré-história37, e de-
acepções (literalmente) entra em conflito vemos aprender a administrá-la e limitá-la.

30 Ibidem, p. 66-69.
31 Ibidem, p. 108-109.
32 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Míni HOUAISS – Dicionário da Língua Portuguesa, 2a Ed.
revista e aumentada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 414.
33 Ibidem, p. 399.
34 Ibidem, p. 179.
35 FREUND. Op. cit., p. 60.
36 Ibidem, p. 24.
37 KAPA, Raphael. Violência é parte da vida humana há pelo menos 13 mil anos. O Globo, Rio de Janeiro, 15
jul. 2014 (Ciência).

122 RMB1oT/2015
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

No âmbito interno das sociedades e dos cionismo e colapso financeiro, que prepara-
Estados, existem instâncias reguladoras ram a cena para a ascensão de Hitler (1933),
encarregadas de moderar os vários tipos de a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e a
conflito e canalizá-los para modalidades não Guerra Fria (depois de 1945)39. A busca por
destrutivas de enfrentamento. Isso inclui tanto mecanismos institucionais ideais, que tornem
a polícia e os tribunais como os sindicatos e a guerra impossível e extirpem o conflito do
partidos políticos, e até mesmo as agremia- âmbito das relações interestatais, não parece
ções esportivas dedicadas a atividades com- uma proposta prática. O esforço de prevenção
petitivas. Já no campo das relações internacio- ou resolução dos conflitos armados, portanto,
nais (assim como nas apresenta-se como uma
rebeliões e guerras ci- questão a ser examinada
vis), ocorre geralmente O conflito deve ser visto e abordada caso a caso.
o conflito armado, que
corresponde à guerra38.
como uma relação social. CONCLUSÃO
O sistema interna- Nasce das diferentes
cional de Estados so- escolhas que fazem os O conflito deve ser
beranos assemelha-se visto como uma relação
ao “estado de natureza” participantes. Não pode ser social, que ocorre em
descrito por Hobbes, por reduzido a um tipo único, é presença de outros da
inexistir uma instância
superior que detenha
inerente às sociedades e não mesma espécie. Nasce
das diferentes escolhas
o monopólio do uso pode ser definitivamente que fazem os participan-
legítimo da força. Nas suprimido, cabendo tes, podendo eclodir em
relações entre Estados, qualquer relação social.
a crença na inevitabili- descobrir os melhores Não pode ser reduzi-
dade do conflito pode meios para preveni-lo ou do a um tipo único, é
transformar-se numa inerente às sociedades
“profecia autorrealiza-
solucioná-lo e não pode ser defini-
da”. Da Guerra do Pelo- tivamente suprimido,
poneso (século V a.C.) à Primeira Guerra Mun- cabendo descobrir os melhores meios para
dial (1914-18), a história é rica em exemplos. preveni-lo ou solucioná-lo. Há duas concep-
Em 1914, os beligerantes acreditavam que ções sobre a natureza da sociedade: uma diz
os meios militares poderiam resolver os pro- que o homem é um ser social por natureza
blemas sociais e políticos da Europa Central. (Aristóteles) e a outra que a sociedade é uma
Com isso, não se esforçaram para prevenir obra artificial do homem (Hobbes). As teo-
o conflito nem procuraram resolvê-lo. A rias baseadas no contrato social vislumbram
Primeira Guerra Mundial terminou com a um “estado da natureza” anterior à formação
queda de quatro impérios: o Alemão, o Russo, das sociedades, mas diferem quanto às suas
o Turco e o Austro-Húngaro. Além de causar características. Para Hobbes, correspondia
milhões de mortes, a guerra deixou um legado ao conflito permanente; para Rousseau, a
de revolução, bancarrota de Estados, prote- um estado de felicidade e liberdade.

38 Ibidem, p. 66-69 e 108-109.


39 SACHS, Jeffrey D. The Waste of War. Project Syndicate – The World’s Opinion Page, New York, 21 Jul.
2014. Disponível em <http://www.project-syndicate.org/print/jeffrey-d-sachs-on-why-global-instability-
-today-does-not-have-to-end-as-badly-as-it-did-in-1914>. Acesso em 24 set. 2014.

RMB1oT/2015 123
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

A noção de contrato não se aplica às re- A análise dos conflitos em geral tornou-se o
lações entre Estados, os quais encontram-se objeto de pesquisa da sociologia do conflito,
em “estado de natureza”. A sociedade civil ou polemologia (termo cunhado por Gaston
nasce para pôr fim aos conflitos em seu inte- Bouthoul em 1945). A disciplina denominada
rior. As teorias contratuais procuram supri- Peace Research, desenvolvida nos países
mir tal possibilidade de conflitos. Contudo, anglo-saxões, dá prioridade ao estudo da paz e
a busca da unanimidade conduz em geral a diverge metodologicamente da polemologia.
um despotismo totalitário. Sob o pretexto de A definição de conflito apresentada por
eliminar conflitos, tais teorias suscitam ou- Julien Freund explicita suas características:
tros. Para as teorias da naturalidade da vida o enfrentamento intencional e voluntário, a
social (Heráclito e Aristóteles), os conflitos natureza intraespecífica, a vontade hostil, o
são inerentes à sociedade. Deve-se procurar direito como sendo o objeto mais frequente,
preveni-los ou resolvê-los, mas seria inútil a busca em quebrar a resistência do adver-
procurar extirpá-los. Para Heráclito, o con- sário e o risco de enfrentamento associado
flito desempenhava um papel regulador. Aos à relação de forças40. A abrangência desta
olhos de Aristóteles, o conflito perdurará definição aplica-se a todas as modalidades
enquanto durarem os de conflito interno ou
pactos, e o pluralismo externo. O combate é
social dá margem a O próprio poder pode, por um conflito submetido
uma pluralidade de si só, ser uma potencial a regras, a fim de evitar
tipos de conflitos. fonte de conflito. A busca que este degenere numa
No final do século luta sem tréguas e sem
XIX, acreditava-se que pelo poder no âmbito limites. No âmbito das
o progresso poderia eli- de uma sociedade pode relações internacionais,
minar os conflitos. Tal não existe o monopólio
ideia estava no cerne gerar revolta dos menos do uso legítimo da força
do pensamento liberal aquinhoados contra os por um Estado.
clássico e influenciou poderosos As definições para
também o pensamento “inerente”, “imanente” e
de esquerda. A busca “inevitável” no dicioná-
da unanimidade resultou nas ideologias tota- rio mostram que os dois primeiros são sinô-
litárias do século XX. No início deste século, nimos, mas que nenhum deles é sinônimo de
porém, Max Weber e outros autores come- “inevitável”. A definição para “conflito”, por
çaram a abandonar o sonho da paz como fim sua vez, é compatível com a apresentada por
último, para ocupar-se das relações sociais. Freund. Ainda que não exista sociedade per-
O conflito aparece então como elemento feita e que o conflito não possa ser eliminado
inerente às sociedades, podendo contribuir das sociedades reais, considerá-lo inevitável
para a unidade do grupo pelo desempenho não seria uma afirmação científica. Mesmo
de um papel regulador. assim, seria extremamente difícil suprimir
A sociologia ocupa-se das sociedades co- totalmente o conflito de qualquer sociedade.
nhecidas, que existem ou já existiram. Todas Tal constatação só aumenta a importância
estas têm ou tiveram conflitos. Construir uma da prevenção ou da resolução dos conflitos,
sociedade perfeita não é missão da sociologia. empregando os meios disponíveis para isso.

40 FREUND. Op cit., p. 60-62.

124 RMB1oT/2015
O CONFLITO É INEVITÁVEL?

No âmbito das relações internacionais, O próprio poder pode, por si só, ser
em que inexiste o monopólio do uso legítimo uma potencial fonte de conflito. A busca
da força, a crença na inevitabilidade do con- pelo poder no âmbito de uma sociedade
flito pode produzir uma “profecia autorrea- pode gerar revolta dos menos aquinhoados
lizada”. Ao longo da História, isso ocorreu, contra os poderosos. No âmbito das rela-
por exemplo, com a Guerra do Peloponeso ções internacionais, a busca de um Estado
e a Primeira Guerra Mundial. A busca por por aumentar seu próprio poder pode dar
mecanismos que tornem a guerra impossível margem a um “dilema de segurança” nos
não é uma proposta prática. A prevenção demais Estados – os quais, por se sentirem
ou resolução dos conflitos armados é uma ameaçados, também procurarão aumentar
questão a ser examinada caso a caso. o seu.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS>; Conflito; Sociedade; Sociologia; Relações internacionais;

BIBLIOGRAFIA

A – Citada:

BARBOSA, Flávia; DE LUCA, Isabel. “Dilma diz que Brasil repudia ataques aéreos na Síria”. O
Globo, Rio de Janeiro, 23 set. 2014 (edição eletrônica). Disponível em <http://oglobo.globo.
com/mundo/dilma-diz-que-brasil-repudia-ataques-aereos-na-siria-14021457>. Acesso em 24
set. 2014.
FREUND, Julien. Sociología Del Conflicto. Madrid: Ediciones Ejército, 1995.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Mini HOUAISS – Dicionário da Língua Portuguesa,
2a Ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 414.
KAPA, Raphael. “Violência é parte da vida humana há pelo menos 13 mil anos”. O Globo, Rio de
Janeiro, 15 jul. 2014 (Ciência).
SACHS, Jeffrey D. The Waste of War. Project Syndicate – The World’s Opinion Page, New York,
21 Jul. 2014. Disponível em <http://www.project-syndicate.org/print/jeffrey-d-sachs-on-
-why-global-instability-today-does-not-have-to-end-as-badly-as-it-did-in-1914>. Acesso em
24 set. 2014.

B – Complementar:

BONANATE, Luigi. A Guerra. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.


BOUTHOUL, Gaston. Tratado de Polemologia. Madrid: Ediciones Ejército, 1984.
HUNTINGTON, Samuel P. The Soldier and the State: The Theory and Politics of Civil-Military
Relations. Cambridge/London: Belknap Press of Harvard University Press, 1985.
NYE, Jr, Joseph S. Compreender os conflitos internacionais – Uma Introdução à Teoria e à História.
Lisboa: Gradiva, 2002.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução, prefácio e notas de Lívio Xavier [Ed. Especial]. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 (Saraiva de Bolso).
WALTZER, Michael. Guerras Justas e Injustas – Uma argumentação moral com exemplos históricos.
São Paulo: Martins Editora, 2003.

RMB1oT/2015 125
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA
DO BRASIL

RENÉ VOGT*
Engenheiro

SUMÁRIO

Introdução
Breve histórico do projeto e da construção naval militar no Brasil
Necessidade de projetar e construir
Navios-Escolta para a MB
Composição da força de escoltas
A classe principal de escoltas: fragata ou destróier
Missões, requisitos de operação e capacidades desejadas
Conceito de manutenção, disponibilidade e confiabilidade
Custos
Navios de referência
Dimensionamento do navio
Tripulação, arranjos gerais, armamento, eletrônica e sensores
Estimativa de potência, propulsão, geração de energia elétrica e autonomia
Distribuição de pesos, centros e estabilidade
Conclusão
Índice de siglas, símbolos e abreviações
Apêndice: Riscos e margens de projeto

* Segundo-Tenente (RM2), engenheiro civil, empresário e membro da Sociedade Amigos da Marinha de São Paulo
(Soamar-SP). Colaborador assíduo da RMB.
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

INTRODUçÃO Para obter resultados consistentes,


fez-se necessário escolher equipamentos

N o trabalho publicado na Revista Marí-


tima Brasileira do 2o trimestre/2011, o
autor se preocupou apenas em realizar uma
existentes no mercado, cujos dados se en-
contram disponíveis na literatura ostensiva
ou que foram conseguidos pelo autor por
pesquisa que desse origem a um texto sem outros meios. Portanto, todos os nomes,
maior profundidade técnica. O objetivo era marcas e modelos aqui mencionados são
o de apresentar uma sugestão para um novo de responsabilidade exclusiva do autor e
escolta da Marinha do Brasil denominado de seu livre arbítrio. Tudo o que é tratado
F-6000M, de fácil leitura, embora os dados e mencionado neste trabalho não emana
sugeridos sejam oriundos de uma pesquisa nem representa a opinião oficial da Mari-
bastante detalhada, iniciada em 2007. nha do Brasil.
Decorridos três anos de amadurecimen-
to daquela proposta e muitas sugestões BREVE HISTÓRICO DO PROJETO
recebidas neste período, o autor resolveu E DA CONSTRUÇÃO NAVAL
dedicar-se a um novo trabalho. O propó- MILITAR NO BRASIL
sito, agora, é o de realizar um estudo de
exequibilidade que sirva como ponto de Fazendo um breve resumo da história
partida para um projeto nacional próprio do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
de escolta que a Marinha do Brasil possa somente no período republicano, consta-
vir a desenvolver e que, em relação aos tamos que a atividade de construção naval
escoltas mais modernos atuais, tenha a foi muito irregular, e a atividade de projetos
vantagem de combinar qualidades com- nativos, muito modesta. Neste parágrafo
provadas com tecnologias novas, minimi- nos deteremos apenas em projetos e cons-
zando o risco de projeto. trução nacionais, não entrando em detalhes
O navio objeto do presente estudo será sobre as reformas e os serviços de manu-
designado por F-6000M2, tendo como tenção dos meios da Esquadra, mesmo
ponto de partida os dados do F-6000M, que os de maior vulto, como as reformas dos
já havia evoluído para a versão F-6000M1. Navios-Aeródromos (NAes) Minas Gerais
Desta vez, o enfoque é mais técnico, se- e São Paulo.
guindo os passos clássicos da espiral de Novo impulso veio no período entre
projeto de engenharia naval. O autor não 1936-1946 e, principalmente, com o ad-
dispõe de recursos de informática neces- vento da Segunda Guerra Mundial, com a
sários para cálculos mais precisos, mas, construção de uma série de navios de pro-
como neste caso trata-se de um estudo de jetos estrangeiros: três contratorpedeiros
exequibilidade, consultas feitas à literatura classe M e seis classe A, seis corvetas classe
especializada e constantes das referências C e o Monitor Fluvial Parnaíba, este ainda
permitiram obter resultados baseados em em serviço na flotilha do Mato Grosso. Os
cálculos paramétricos que, comparados a classe C e o monitor foram, provavelmente,
dados de navios similares reais e informa- projetados no Arsenal de Marinha do Rio
ções de profissionais da engenharia naval, de Janeiro (AMRJ). Os classes M eram de
mostraram um resultado muito positivo. projeto norte-americano e os classe A de
Aos leitores(as) interessados(as) o autor projeto inglês.
poderá disponibilizar a memória de cálculo: Entre 1946 e 1976, o AMRJ projetou e
rene@rmvogt.com.br construiu três navios hidrográficos classe

RMB1oT/2015 127
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Argus, dois navios-patrulha fluviais classe no Brasil em toda a nossa história republi-
Raposo Tavares e três classe Amapá. Tam- cana. Foram quatro protótipos iguais. Ini-
bém construiu seis navios de patrulha da cialmente esperava-se obter doze corvetas,
classe Piratini, com projeto e equipamentos mas restrições orçamentárias reduziram-nas
americanos. Mencionamos aqui apenas a a somente quatro navios.
construção naval militar, sem mencionar Dada a urgência por novos meios ope-
navios civis ou reparos e conversões reali- rativos, não foi possível construir inicial-
zadas no período. mente apenas a primeira corveta da classe,
A partir do início da década de obviamente um protótipo, e durante pelo
1970, houve um novo impulso com a menos dois anos proceder intensamente à
obtenção das fragatas classe Niterói da sua avaliação de engenharia e operacional,
Vosper-Thornycroft, que construiu quatro identificando deficiências a sanar e aperfei-
navios da classe na Inglaterra e forneceu o çoamentos a serem introduzidos nas que
projeto de construção e os sistemas, equipa- a seguir se construíssem. A experiência
mentos e materiais para construir as outras obtida só pôde ser aplicada numa classe
duas, Independência seguinte, a Barroso.
e União, no AMRJ, A Corveta Barroso
cobrindo o período de As corvetas Inhaúma é o único navio de sua
1972 a 1980. Contu-
do, o projeto e autoria
foram os primeiros navios classe. Seu projeto e
sua construção divi-
intelectual continuava de combate projetados diram-se entre a DEN
sendo de propriedade e construídos no Brasil e o AMRJ, tal como
inglesa. na classe Inhaúma,
Utilizando as linhas em toda a nossa história estendendo-se entre
do casco das fragatas republicana 1994 e 2009, devido
inglesas, foi projeta- aos notórios percalços
do pela Diretoria de econômicos do País.
Engenharia Naval (DEN) o Navio-Escola Citemos, ainda, o projeto e a construção
Brasil. Coube ao AMRJ o projeto de do Navio-Tanque Gastão Motta entre 1989
detalhamento e a construção. Projeto e e 1991 pela Ishibrás. Foram construídos tam-
construção ocorreram entre 1974 e 1983. bém navios-hospital fluviais e avisos de ins-
Com os requisitos operacionais das trução. Mais recentemente, concluíram-se o
corvetas classe Inhaúma promulgados projeto e a construção de avisos hidrográficos
em 1978, a DEN realizou a concepção, o fluviais, e está em andamento a construção
projeto preliminar e o projeto de contrato dos seis primeiros navios de patrulha classe
dessa classe de navios. O AMRJ executou Macaé, com previsão para 27 unidades, mas
o projeto de detalhamento e construiu duas de projeto francês.
das corvetas. A duas outras foram cons- O programa de obtenção dos submarinos
truídas pelo estaleiro Verolme, mas com o IKL-1400 começou em 1982 com a assina-
AMRJ atuando como estaleiro líder, isto é, tura dos contratos com o estaleiro alemão.
fornecendo todos os planos e especificações O primeiro da classe Tupi foi construído em
de construção. A última corveta Inhaúma Kiel, na HDW e os demais três no AMRJ,
foi concluída em 1994. no período de 1986 até 1999. Na sequên-
As corvetas Inhaúma foram os primeiros cia foi construído um exemplar da classe
navios de combate projetados e construídos Tikuna, evoluído da classe IKL-1400. Aqui

128 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

é preciso ressaltar que sempre todos os sis- E, ainda assim, com alguns longos
temas, equipamentos e materiais, inclusive intervalos de inanição, que tiveram como
o aço, vieram da Alemanha. Aliás, o mesmo consequência a inconstância de preservação
sucedeu com os navios da classe Niterói das equipes de projeto, sem a evolução gra-
construídos no AMRJ. dual de tecnologia nacional. A duras penas,
Paralelamente, a DEN trabalhou no o pessoal do AMRJ envolvido nos trabalhos
projeto do submarino SNAC-1 (Sub- de manutenção de navios foi mantido, e
marino Nacional Convencional) do ainda assim não da maneira ideal.
início de 1986 até o final de 1988. Podemos dizer que o período em que
Infelizmente, a penúria financeira e a os engenheiros brasileiros realmente foram
falta de vontade política acabaram por treinados e trabalharam para criar, modifi-
dissolver as equipes car, adaptar e absorver
técnico-operativas- tecnologia moderna foi
-gerenciais altamente O período em que os aproximadamente entre
especializadas, sem engenheiros foram 1974 e 1990 – apenas
que se conseguisse 16 anos em 114 anos,
iniciar a construção de treinados e trabalharam período que estamos
um único submarino para criar, modificar, considerando. E todo
genuinamente nacio- este trabalho foi literal-
nal. Não fosse esta
adaptar e absorver mente perdido com a
triste realidade, hoje tecnologia moderna foi descontinuação dos pro-
seguramente teríamos aproximadamente entre jetos e dissolução das
a experiência necessá- equipes de engenheiros.
ria para projetar navios 1974 e 1990 – apenas 16 Como consequência
de superfície e subma- em 114 anos; trabalho direta, agora que foi
rinos no Brasil.
No Centro de Pro-
literalmente perdido com a decidida a construção
de cinco novas corve-
jeto de Navios (CPN), descontinuação dos projetos tas evoluídas da classe
o autor teve a opor- e dissolução das equipes Barroso, os estudos de
tunidade de constatar exequibilidade foram
que há um bom núme- feitos pelo CPN, mas
ro de projetos nacionais muito interessantes todas as demais fases do projeto tiveram
e que não tiveram a oportunidade de se que ser contratadas com um escritório de
tornar realidade. projetos estrangeiro, a Vard, em Niterói,
Por que este breve arrazoado? Em 114 parte do grupo Fincantieri.
anos, desde o ano de 1900, contabilizamos,
grosso modo, a construção, no Brasil, de cerca NECESSIDADE DE PROJETAR E
de 45 navios militares. Destes, aproximada- CONSTRUIR
mente 27 foram projetados no AMRJ e na
DEN, sendo os demais construídos com base Sabemos que os países adiantados ven-
em projetos estrangeiros ou derivados destes. dem “pacotes” de projetos para montagem
Esta conta resulta numa média de construção em estaleiros de clientes mundo afora.
de 0,38 navios/ano no total, e se considerar- Abrem mão da construção, mas detêm
mos apenas os navios projetados no Brasil, a tecnologia de projeto, sua propriedade
a média construída cai para 0,24 navios/ano. intelectual, o fornecimento de sistemas,

RMB1oT/2015 129
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

equipamentos e materiais e garantem o fi- em torno de 30 navios, incluindo os meios


nanciamento. Isto é, na verdadeira acepção fluviais – navios de combate de fato,
da palavra, um garrote. Importante mesmo duas fragatas e quatro submarinos com
é o trabalho intelectual de desenvolvimento tecnologia estrangeira, cinco corvetas
de ciência e tecnologia. com projeto nacional, um navio-tanque,
O resto, o que foi construído não importa seis navios de patrulha de 200 tons e
onde, é material “perecível” que provavel- seis de 100 tons e dois classe Macaé,
mente será descartado antes do final de sua estes também com projeto estrangeiro.
vida útil, devido à obsolescência, ficando o Disso resulta uma média de 0,68 navios/
cliente com um “brinquedo” velho e caro ano construídos e apenas 33% deles com
na mão e precisando encomendar um novo, projeto nacional, mas com consultoria
que, por sua vez, já será velho quando for estrangeira. Esses fatos demonstram a
obtido, enquanto o fornecedor já estará nossa vulnerabilidade.
novamente muitos passos à frente. A obtenção de qualquer nova classe de
Para piorar, quando há uma demanda navios de guerra não é um fato isolado.
operacional inadiável, tornam-se inevitá- Cada novo meio a ser projetado, construído
veis as denominadas e incorporado deve ser
compras de oportuni- uma peça na construção
dade de navios estran- Ciclos de atraso crônico são gradual e lógica do po-
geiros, geralmente no a consequência de um mal der naval indispensável
fim de vida útil. Estes ao País. O conheci-
ciclos de atraso crôni- endêmico no Brasil, função mento e a experiên-
co são a consequência da miopia política ou falta cia obtidos no projeto,
de um mal endêmico construção, manuten-
no Brasil, função da de cultura e educação das ção e operação de cada
miopia política ou falta autoridades responsáveis classe de navios são a
de cultura e educação pela administração pública base indispensável para
das autoridades res- a escalada contínua na
ponsáveis pela admi- construção e no desen-
nistração pública. volvimento do poder naval.
Para fazer uma rápida comparação ou Em particular, o conhecimento resul-
ilustração do que estamos comentando, to- tante de uma intensa avaliação de enge-
memos dois exemplos: a Royal Navy (RN) nharia e operacional do primeiro navio de
e a Marinha da Alemanha. Desde 1970, a uma nova classe, durante mais de um ano
RN incorporou, com tecnologia própria em antes de sua incorporação, é indispensá-
projeto e construção, cerca de 117 meios vel para identificar deficiências e projetar
navais, ou uma média de 2,66 navios/ano. A aperfeiçoamentos a introduzir nos demais
Alemanha, com uma Marinha muito menor navios da mesma classe a serem construí-
do que a RN, incorporou, em linhas gerais, dos. Além disso, se a classe for numerosa,
cerca de 63 navios no mesmo período, re- ela deve ser produzida em grupos (flights
sultando numa média de 1,43 navios/ano, or batches) de poucos navios, cada grupo
também com tecnologia própria. beneficiando-se de aperfeiçoamentos
No mesmo período fizemos o projeto resultantes da avaliação dos grupos ante-
das corvetas, dos navios-patrulha fluviais riores e das novas tecnologias que se vão
e de outros navios menores e construímos tornando disponíveis.

130 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Nas Marinhas poderosas, em que as Mas não deveria ser o único tipo de
classes de navios são mais numerosas, não escolta da Esquadra. A distribuição das
raro ocorrem interrupções a certa altura missões deve contar com a possibilidade de
para a reavaliação do projeto, ou mesmo a dispor-se de pelo menos dois tamanhos de
interrupção da classe, com a criação de uma navios de linha: uma fragata maior e uma
outra diretamente derivada da primeira. corveta menor, além dos OPVs (Off-shore
Essa constante aplicação de conhecimen- Patrol Vessel). Esta composição precisa
tos adquiridos em anos seguidos de projeto, considerar os custos de obtenção e de ci-
construção, avaliação, operação, manuten- clos de vida de cada classe, a otimização
ção, reavaliação e modernização também econômica e operacional de cada tipo de
demanda e desenvolve constantemente os missão e a disponibilidade.
produtos e os serviços na base industrial de Na composição da Esquadra, um meio
defesa. Sem demanda não pode haver base menor seria adequado, e o autor sugere a
industrial de defesa. E sem base industrial de leitura do trabalho publicado na RMB 2o
defesa não pode haver um poder naval forte trimestre/2013. Uma corveta denominada de
e com a necessária credibilidade. CV-3000, com 3.000 tons de deslocamento
O Brasil não pre- poderia ser adequada.
cisa ter a ambição de Na realidade, este meio
querer se ombrear com já seria o limite entre
as Marinhas gigantes-
É necessário ter uma corveta e uma fra-
cas, como a Marinha uma Marinha de gata leve e tem o porte
dos EUA (USN). Mas tamanho adequado e da antiga classe F-21
é necessário ter uma Amazon da RN, que
Marinha de tamanho tecnologicamente avançada demonstrou seu valor
adequado e tecnologi- para angariar o respeito na Guerra das Malvinas,
camente avançada para
angariar o respeito dos
dos aliados mais poderosos combatendo nos mares
antárticos durante o in-
aliados mais poderosos. verno austral.
Provavelmente não
NAVIOS-ESCOLTA PARA A MB conseguiremos construir 30 escoltas do
porte da F-6000M2. Achamos que seria
Composição da força de escoltas razoável considerar, por exemplo, uma pro-
porção de 40% ou 12 escoltas F-6000M2 e
O Plano de Articulação e Equipamento da 18 corvetas do tipo CV-3000 para a com-
Marinha do Brasil (Paemb) preconiza gene- posição dos 30 escoltas para a Esquadra,
ricamente 30 escoltas com deslocamento de como preconizado no Paemb.
cerca de 6.000 toneladas. Entretanto, temos
que avaliar os conceitos de manutebilidade A classe principal de escoltas: fragata
e, consequentemente, a disponibilidade dos ou destróier?
meios para verificar qual será o maior número
possível de navios disponíveis a qualquer Em cada Marinha notamos tendências
instante. O escolta aqui proposto deveria ser variadas na classificação dos seus meios
considerado o cavalo de batalha da esquadra, navais em corvetas, fragatas ou destróieres.
assim como é o DDG-51 na USN, considera- Geralmente esta classificação vem associa-
do como o “workhorse of the fleet”. da ao deslocamento dos navios. Embora a

RMB1oT/2015 131
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

F-6000M2 aqui proposta tenha um porte vios, em ação conjunta com seus próprios
maior e mais próximo de um destróier, helicópteros embarcados, e também com
vamos preferir, por ora, manter a nossa tra- aqueles embarcados em outros navios,
dição desde a década de 1970 e chamá-la de além dos MPA (Maritime Patrol Aircraft)
fragata. Mas esta classificação, no momento, baseados em terra e de longo alcance, farão
é irrelevante. a varredura de grandes áreas marítimas para
detectar e engajar submarinos inimigos.
Missões, requisitos de operação e Os de versão ASuW, embora otimizados
capacidades desejadas para ações de superfície, também não poderão
prescindir de bons radares e pelo menos um
Uma nova classe de escoltas preconi- sonar de casco para sua proteção e consecu-
zada pelo Paemb precisa satisfazer a uma ção de objetivos. A classe ASuW poderá,
multiplicidade de missões que é impossível ainda, embarcar comandos ou mergulhadores
de ser racionalmente realizada por um de combate para missões de infiltração. São
único tipo de navio. Equipar um navio navios de emprego geral, mas com forte perfil
com todos os elementos necessários para de apoio a operações anfíbias.
a consecução de todas as tarefas ficaria Fica evidente que cada tipo deve ser pre-
caríssimo e resultaria num grande desper- ferencialmente empregado para sua missão
dício de capacidade operativa. Resultaria principal, mas, durante operações em seus
também num menor número de navios que vários níveis de intensidade, dificilmente
poderiam ser obtidos, operados e mantidos um navio não será confrontado com tarefas
com recursos realisticamente disponíveis, que não sejam as suas específicas. Todos
historicamente escassos. precisam se proteger contra torpedos, mís-
seis antinavio, bombas, ameaças assimétri-
Missões cas etc. Portanto, uma das tarefas iniciais da
engenharia é avaliar o tipo de configuração
Atualmente, as Marinhas classificam básica ou denominador comum a todos
seus navios, segundo suas principais os meios navais de uma mesma classe, e
missões, em AAeW (Anti-Air Warfare), depois definir os esquipamentos e sistemas
ASW (Anti-Submarine Warfare) e ASuW dedicados às várias missões distintas de
(Anti-Surface Warfare). Todos os navios alguns navios em função das missões a
de uma mesma classe precisam e devem ter eles atribuíveis.
sistemas de combate, armas e propulsão co- Lembremos que a Marinha do Brasil
muns para uniformizar o projeto, a compra, está organizando um sistema de defesa
a construção, a manutenção, a operação e o abrangente denominado SisGAAz. Não faz
treinamento em todos os aspectos. parte do escopo do presente trabalho entrar
Mas dependendo da principal missão em seus detalhes, mas há um requisito
a ser atribuída a cada navio, haverá obri- denominado de OODA (Observar, Orien-
gatoriamente um diferencial de sensores e tar, Decidir, Agir). O sistema providencia
armamentos específicos, como, por exem- uma noção de tudo o que ocorre em nossa
plo, radares e mísseis dedicados às missões área de influência (awareness), controle e
AAeW para defesa de área de forças-tarefa. responsabilidade, mas, se constatada uma
Ou deverão ter sonares de casco maiores irregularidade que demande uma ação
ou rebocados, no caso de missões ASW, corretiva, será preciso dispor dos vetores
itens muito caros e sofisticados. Estes na- necessários à consecussão desta ação.

132 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Na opinião do autor, seriam basicamente que elas cheguem perto demais e onde
três os níveis de ação: em profundidade ou inimigo menos espera. Assim, os meios
mar aberto, que necessita de um escolta pode-
a serem obtidos pela Marinha do Brasil
roso de grande autonomia; um escolta menor precisam ter um porte adequado para
(corveta) para ações militares mais próximaspoder permanecer períodos mais pro-
da costa e escolta de comboios em situações longados no mar e carregar mais arma-
de crise de alta intensidade; e um terceiro mentos, esta aliás uma deficiência das
nível, composto de OPVs para proteção de Marinhas da Otan criticada por Norman
plataformas petrolíferas, navegação em geralFriedman – Ref. 19, professor do Naval
e operações SAR (Search And Rescue). War College.
Os principais requisitos para o novo
As missões principais da F-6000M2 escolta da MB poderiam ser resumidos em
seriam as seguintes: três tópicos: capacidade militar, autonomia
a) na versão AAeW, prover melhor e sustentabilidade. O primeiro é determi-
proteção de área a uma força-tarefa ou nado pelo perfil de missões do navio. O
força-anfíbia próxima a um litoral; segundo, a capacidade de cobrir grandes
b) na versão ASW, prover a máxima pro- distâncias e poder permanecer no mar o
teção a uma força-tarefa maior número de dias
ou da costa brasileira na possível, sem reabaste-
guerra antissubmarino; A defesa eficaz se dá cimento. Finalmente, a
c) na versão ASuW, sustentabilidade seria
prover a proteção da longe da costa, muitos o tempo que o navio é
costa brasileira, segu- equivocadamente capaz de permanecer
rança da navegação,
proteção dos interes-
confundem a Marinha com em ação de combate
num teatro de opera-
ses nacionais, apoio a uma guarda-costeira ções sem ressuprimento
operações anfíbias e e sem redução sensível
emprego geral, como, de capacidade dos seus
por exemplo, consecução de missões es- sistemas principais – Ref. 18.
pecíficas no âmbito de ação do SisGAAz.
Principais requisitos operacionais:
Requisitos de operação – capacidade de percorrer a costa bra-
sileira, ida e volta, à velocidade de 15 nós
Quanto aos requisitos de operação, o sem qualquer ressuprimento;
autor se baseou em algumas suposições – capacidade de ir à costa africana e
que parecem óbvias face às características voltar à velocidade de 15 nós sem qualquer
de nossa longa costa e da área marítima sob ressuprimento;
nossa responsabilidade e daquela que deve – autonomia mínima de combustível e
ser submetida à nossa influência. A defesa mantimentos de 30 dias;
da nossa área marítima de influência não – disponibilidade mínima de 130 dias
deve ser limitada à costa, o que faz com de mar/ano e outros 130 dias/ano em con-
que muitos equivocadamente confundam dições de suspender;
a Marinha com uma guarda-costeira. – calado máximo para docagem: 6,00 m
A defesa eficaz se dá longe da cos- na quilha + 0,96 m (20% de 4,80 m) ou +
ta, deve-se engajar as ameaças antes 1,50 m do domo do sonar.

RMB1oT/2015 133
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Capacidades desejadas trato estava subavaliado em 500 milhões


de libras. Em 2003 iniciou-se a construção
Raio de ação não menor que 5.000 n.m. do primeiro da classe, o Daring. Em 2004
(nautical miles) à velocidade de 15 nós o governo reviu para baixo seus objetivos,
(capacidade mínima para percorrer a costa reduzindo o número total da classe para
do Chuí ao Oiapoque sem reabastecimento). oito navios. E em 2006, uma nova revisão
Além desta premissa, uma outra relativa à reduziu o total da classe para seis navios.
capacidade de operar em áreas do Atlântico O programa de obtenção da classe T 45
Sul, com limites na costa ocidental da África, foi algo extremamente malsucedido num
sem reabastecimento ou ressuprimento du- país com grande tradição na construção de
rante pelo menos 30 dias. Assim, devemos navios de guerra sofisticados. Os contratos
vislumbrar algumas distâncias para exempli- de construção foram assinados antes de
ficar este requisito: Rio de Janeiro a Lagos haver um projeto definitivo, os requisitos
– 3.300 n.m., a Capetown – 3.300 n.m. e a do Ministry of Defence (MoD) foram
Luanda – 3.350 n.m. Natal a Dakar – 1.600 continuamente modificados durante a fase
n.m. e Rio Grande a Capetown – 4.000 n.m. de construção, e o MoD, como autoridade
Velocidade de cruzeiro definida em 18 de projeto, “não tinha nenhum controle
nós e máxima de 28 nós. Este critério se sobre o cronograma nem sobre o fluxo de
baseia na Royal Navy, que justifica esta caixa”. As informações lhe eram passadas
velocidade máxima como adequada para a por aquele que deveria ser fiscalizado: o
mobilidade operacional e estratégica. Em consórcio BAe Systems & Vosper Thor-
combate, a velocidade menor do que 30 nycroft (BVT).
nós é compensada largamente pelos vetores Um órgão que tinha uma eficiência
como mísseis e helicópteros. Capacidade de comprovada era o DPA (Defence Procu-
embarcar e operar dois helicópteros Super rement Agency), que foi fundido com o
Lynx AH-11A ou MH-16 ( Sikorsky S-70 ). DLO (Defence Logistic Organization),
resultando em novo órgão, o DE&S (Defen-
Lições a serem aprendidas ce Equipment & Support), que se revelou
ineficiente. Uma ação governamental bem
Na Ref. 11 faz-se uma análise deta- intencionada, que visava à racionalização
lhada dos problemas em que incorreu o dos trabalhos na área de defesa, teve efeitos
Ministério da Defesa inglês durante a fase negativos.
de obtenção da classe Daring. Nos nove Otimismo excessivo e altos riscos mal
parágrafos seguintes, relatam-se alguns avaliados de novas tecnologias ainda não
tópicos constantes deste trabalho. Em consolidadas colaboraram com os atrasos.
1998, baseado no SDR (Strategic Defence Os navios estavam subarmados, faltavam
Review), o governo do Primeiro-Ministro equipamentos essenciais e tudo, esperava-se,
Tony Blair lançou a construção de 12 mo- seria resolvido na base do “fitted for but not
dernos destróieres T 45. O contrato inicial with”. Mas isso só é aplicável se as futuras
foi assinado em dezembro de 2000 com a tecnologias a serem incorporadas já forem
BAe Systems por 1 bilhão de libras para conhecidas e aprovadas. O próprio Perma-
a construção dos três primeiros navios de nent Under-Secretary MoD, Sir Bill Jeffrey,
um total de 12. reconheceu em 2009, perante um parliamen-
Como ficou demonstrado mais tarde, os tary comitee, que os riscos assumidos foram
analistas à época já comentavam que o con- subestimados.

134 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

A complexidade de um navio de guerra Todos estes fatores somados levaram a


moderno requer que os sistemas de propul- uma escalada descontrolada de preços que
são, geração de energia, auxiliares, controle obrigou o MoD a renegociar o contrato
de avarias e o sistema de combate (coman- em 2007. Como o preço foi fixado pelo
do, controle, comunicações, computadores, MoD na assinatura do contrato, enquanto o
inteligência, vigilância e armas) sejam to- projeto do navio ainda não estava maduro,
dos integrados. Este fato demanda que haja isso resultou numa grande área de atrito
um claro entendimento de todos os tipos de do governo com a indústria e numa espiral
tecnologia a serem incorporados ao navio. ascendente de custos. O programa, que
Um requisito do Ministry of Defence começou prevendo 12 navios, terminou
MoD preconiza que dos seis navios cinco 14 anos mais tarde com a metade.
estarão disponíveis a qualquer tempo para A vulnerabilidade do programa foi
a Esquadra, embora em vários níveis de função de requisitos que se modificavam
prontidão. Dizem que as tecnologias dis- rapidamente, mesmo com o navio já em
poníveis tornam os navios tão confiáveis construção, uma fé desproporcional em
que poderão permanecer 35% de seu ciclo tecnologias que os projetistas consideravam
de vida no mar, e outros 35% disponíveis multiplicadoras de poder militar e, princi-
para suspender. palmente, de falhas na direção e na gerência
Com o objetivo de reduzir custos, do projeto. Na Ref. 11 sugere-se que, em
o consórcio BVT resolveu construir qualquer parte do mundo onde se queira
módulos ou seções do navio em vários renovar a Esquadra, os responsáveis pelos
estaleiros que nunca haviam trabalhado projetos deveriam estudar detidamente o
juntos. Foi outra decisão fatal, embora caso Daring.
esta metodologia funcione muito bem na
Alemanha, por exemplo, onde há décadas Conceito de manutenção,
todos os meios navais da Marinha do disponibilidade e confiabilidade
país são construídos em parceria pelos
estaleiros Blohm & Voss (Hamburgo), Um requisito que deve ser desenvol-
Lürssen (Bremen), Nordseewerke (Em- vido nos primeiros estágios do projeto de
den) e Peene-Werft (Wolgast), onde a um novo navio diz respeito ao conceito
autoridade de projeto é o Ministério da de manutenção. Trata-se de um top level
Defesa, por meio do órgão BAAINBw. requirement. O conceito de manutenção
O estaleiro HDW não participa desses é uma descrição resumida sobre as consi-
consórcios de construção de meios de su- derações de manutenção, suas limitações
perfície, pois dedica-se, no ramo militar, e o planejamento do apoio operacional ao
exclusivamente a submarinos. navio objeto do projeto.
Durante o projeto do navio, não foi Deriva do “Conceito de Operações”,
contemplado um orçamento específico para sendo um importante fator de projeto e
futuros equipamentos a serem instalados apoio do novo navio. Os requisitos do
no navio na base do “fitted for but not conceito de manutenção são transformados
with”. Além disso, muitos itens a serem em requisitos de projeto e apoio. À medida
incorporados aos navios da classe a poste- que o projeto do navio evolui, o conceito
riori ainda não estavam maduros durante de manutenção continua influenciando as
a fase de construção, levando a atrasos decisões de projeto, detalhes de manuten-
incontornáveis. ção e requisitos de apoio.

RMB1oT/2015 135
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Assim sendo, vamos estimar aqui o top risco de nunca serem necessárias. Citando
level requirement relativo ao “Conceito de um exemplo, o Arsenal de Wilhelmshafen
Operações”, baseados em exemplos reais mantém um estoque de 72 mil itens, com
como, por exemplo, o da classe F-124 cerca de 132 mil movimentações por ano,
Sachsen, que contratualmente preconiza totalizando 3 mil toneladas e, em 2013,
130 dias de mar por ano. Mas quanto aos foram despachadas 7.500 encomendas para
demais dias do ano, podemos estimar ou- todos os lugares do globo (Fonte: Marine
tros 130 dias de disponibilidade e o saldo Forum 1-2/2015 p. 31).
de 165 dias, destinados à manutenção e a O projeto das instalações internas do
treinamentos. navio é fundamental para obter-se uma
A eficácia dos procedimentos preco- grande funcionalidade ou praticidade na
nizados e implantados resultará na dispo- manutenção. Detalhes simples, como prover
nibilidade e na confiabilidade dos meios espaço para que o giro de uma chave de boca
navais, com reflexos diretos nos custos de possa desapertar uma porca sem restrições,
ciclo de vida dos navios. Quanto maior o ou complicados, como as vias de acesso
número médio de navios operacionais ou para retirar e baixar componentes maiores da
disponíveis, melhor terá sido o resultado propulsão (por exemplo, módulos da turbina
da manutenção. a gás) e uma infinidade de outros detalhes a
Os serviços precisam também ser clas- serem contemplados ainda na “prancheta”.
sificados antecipadamente pelo nível de Existem itens de manutenção que
importância, identificando-se onde serão permitem ao navio suspender sem proble-
executados: a bordo, no estaleiro e docado, mas; outros idem, mas com restrições; e,
atracado no cais do estaleiro, arsenal ou finalmente, itens que indisponibilizam o
base e, finalmente, serviços necessariamen- navio de suspender. As causas podem ser
te executados pelos fornecedores nas diver- de natureza programada ou emergencial.
sas situações aqui enumeradas. Importante, Haverá sempre uma disputa de tempo entre
também, serão a organização e a delegação o pessoal operativo e o da manutenção. Os
das responsabilidades pela manutenção em primeiros terão os dias de mar programados
geral, bem como o estabelecimento de uma e os imprevistos. A manutenção terá seus
política geral de reparos com definição de períodos de atividades programados e os
critérios do tipo “reparar ou trocar”. serviços serão emergenciais.
Disponibilidade tempestiva de sobres- Mas todo este planejamento da manu-
salentes, fornecimento e transporte rápido tenção preventiva e programada para o
de sobressalentes e insumos, disponibili- ciclo de vida do navio deve contemplar o
dade presencial e proativa dos fabricantes número contratual mínimo de dias de mar/
fornecedores e sua integração com os ano, dias na base mas pronto para suspender
quadros de manutenção da Marinha são e os períodos anuais e plurianuais de ma-
condições indispensáveis para se obter um nutenção. Quanto melhor for a manutenção
bom resultado. preventiva, menores serão as incidências
Estoques de peças de todos os tipos de imprevistos, mas não são inevitáveis.
devem ser feitos de forma racional para
atender minimamente às manutenções Grosso modo, os serviços de manuten-
programadas. Mas existem emergências, ção podem ser classificados em três níveis:
e algumas peças precisarão ser estocadas a) Manutenção a bordo: Pode ser feita
por períodos maiores, mesmo correndo o em viagem ou com o navio atracado na

136 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

base. São serviços menores, corretivos ou abrangente de meia-vida. Os custos dos


preventivos, cujos sobressalentes podem ser modernos sistemas de combate e de
estocados a bordo, com disponibilidade de armas têm crescido exponencialmente,
ferramentas e instrumentos de teste e pessoal podendo igualar ou exceder os custos da
especializado integrante da tripulação. plataforma.
b) Manutenção de base: Serviços de É provável que, com a evolução cada
maior envergadura, a serem executados por vez mais rápida de sistemas eletrônicos, os
pessoal de terra e, normalmente, substitui- navios ora em fase de projeto venham a ter
ção de componentes, em vez de reparos. mais de uma modernização de meia-vida do
Possível participação de fornecedores. sistema de armas.
Os serviços podem ser tanto de natureza
programada como emergencial. Podemos classificar os diferentes fatores
c) Manutenção de arsenal/estaleiro: Ge- de custo da seguinte maneira:
ralmente, trabalhos de maior vulto e progra-
mados e com possíveis docagens. Execução – Custo de ciclo de vida – Este é o custo
por pessoal especializado em terra e com que cobre o ciclo de vida do meio, desde o
a necessária participação de fornecedores. início do projeto até sua desincorporação
Como exemplo, podemos citar os períodos e seu sucateamento.
de grandes reparos e overhauls. – Custo de projeto – Engloba os estudos
e os projetos do novo meio, avaliação da
Custos base industrial e tecnológica (universidades
e empresas civis) a serem envolvidas na
Os custos são, principalmente, fun- construção e apoio ao ciclo de vida, geran-
ção do tamanho do navio, sistemas de do os planejamentos logísticos de apoio,
combate e armas a serem integrados para manutenção e operacionais.
a consecussão de suas missões, e dos – Custo de construção – Refere-se à
custos operacionais, de treinamento e de construção do meio propriamente dito,
manutenção. Outro fator de custo muito com todos os custos que cobrem o que é
importante é o tipo de propulsão esco- necessário para construir o navio, incluin-
lhida e seus custos correlatos. Portanto, do sistemas, equipamentos, materiais,
desde o início, ainda durante o estudo de processos, gerenciamento, mão de obra,
exequibilidade, as escolhas feitas para testes e provas. Demanda uma estrutura
atender aos requisitos atribuídos ao navio técnico-gerencial para a consecução do
influenciarão no custo do ciclo de vida do projeto, a logística industrial de compras,
novo meio naval. testes de cais e de mar até a aprovação e o
Modernamente, o custo de obtenção recebimento pelo cliente e a incorporação
de um meio naval reflete o custo total do novo escolta à Esquadra.
do ciclo de vida do navio. Cobre desde – Custo operacional – Diz respeito ao
projeto e construção, operação, logística apoio logístico integrado, elaborado na fase
industrial e operacional, manutenção de de projeto do navio, cobrindo itens como:
rotina e modernizações de meia-vida até a) pessoal & logístida de apoio – soldos,
a desmobilização e sucateamento. Para alimentação, saúde, treinamento, fardamen-
navios da classe de fragatas ou destróieres, to e equipamento de uso pessoal.
considera-se um ciclo de vida de 30 a 35 b) logística de suprimento – combustí-
anos e, pelo menos, uma modernização veis, lubrificantes, mantimentos, munição e

RMB1oT/2015 137
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

mísseis, material seco em geral; centros de o custo de operação anual de cada navio da
abastecimento e navios de apoio logístico. classe DDG-51 girando em torno de US$
c) manutenção & logística industrial 42,4 milhões, resultando em US$ 1.486
– peças, manutenção em geral, moderni- milhões para 35 anos de vida, ou 48% do
zações, reformas de meia-vida, arsenais, custo de ciclo de vida. Somados os custos de
estaleiros e indústria, contratos de manu- construção e operação, temos um total de US$
tenção de fornecedores. 3.042 milhões, que representa 97% do total.
Os restantes 3%, iguais a US$ 94 milhões,
CUSTO DE CICLO correspondem ao custo de projeto.
DE VIDA
Os dados apresentados mostram clara-
CUSTO DE CUSTO
mente que o custo para manter e constante-
CUSTO DE PROJETO
CONSTRUÇÃO 47% OPERACIONAL 50% 3% mente aperfeiçoar uma equipe de projetos
é muito baixo: apenas 3% do custo de ciclo
PESSOAL & LOG. MANUTENÇÃO & LOGÍSTICA
SUPRIMENTO 15%
de vida de cada navio. Esse custo é indis-
APOIO 35% LOG. IND. 50%
pensável para ascendermos teconlogica-
PLATAFORMA & SISTEMAS & mente. Sem ele, será impossível construir
PROPULSÃO 65% ARMAS 35% e manter um poder naval forte, enraizado
Acima ilustramos a distribuição dos cus- em nosso país. Portanto, é imperativo que
tos de ciclo de vida de um escolta segundo a Marinha do Brasil mantenha uma equipe
um estudo elaborado pela Thyssen-Krupp de projeto em constante evolução.
Marine Systems: Uma equipe de projetos permanente e
O custo de projeto evolutiva é o núcleo da
inteligência tecnológi-
preconizado no orga- Uma equipe de projetos ca de uma Marinha de
nograma da Thyssen
& Krupp acima é igual permanente e evolutiva é Guerra. Ela é que per-
àquele do Congressio- o núcleo da inteligência mite indutor
à Marinha ser um
inteligente da
nal Budget Office para
a classe DDG-51. De-
tecnológica que permite base industrial de defesa
monstra, pois, ser um à Marinha ser um nacional e um cliente
esclarecido de provedo-
percentual bem coeren- indutor inteligente da res internacionais. Essa
te. No caso da classe
DDG-51, 3% do custo base industrial de defesa função é intransferível à
iniciativa privada, que só
de uma unidade repre- nacional e um cliente poderá desenvolver-se
sentam cerca de US$
94 milhões como custo
esclarecido de provedores com um fluxo suficiente
de projeto. Mas a classe internacionais e constante de encomen-
já está em produção há das, tendo que eliminar
30 anos e 60 navios já quaisquer custos não
foram construídos, ou dois por ano – Ref. 24. relacionados com lucros a curto prazo.
Segundo dados do Congressional Budget Obviamente que os custos comparados
Office (USA) do FY-2010, naquele exercício entre a USN e a MB são diferentes, mas o
fiscal, o custo de construção de cada navio da que importa aqui é a proporção preconizada
classe DDG-51 série Flight II-A, deveria ser pelo Congressional Budget Office (CBO).
de cerca de US$ 1,484 bilhões, ou 49% do Admitamos que os nossos custos de pessoal
seu respectivo custo de ciclo de vida, com sejam inferiores aos da USN e que o regime

138 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

de operação também é menos intenso, digamos de armas em curso de obtenção. O custo de


70% do custo operacional da DDG-51, com obtenção de uma fragata da classe F-125 foi
reflexos no consumo de combustíveis. Assim, aprovado em 12/2004 por 656 milhões de
podemos inferir que o custo operacional anual euros e, com base no orçamento de 12/2013,
da F-6000M2 na MB seria algo em torno de este custo já subiu para 760 milhões de euros
US$ 42,4 milhões (DDG-51) x 0,7 = US$ 29,7 (US$ 866,4 milhões) ou +15,9%. Segundo
milhões/ano (F-6000M2). pesquisa feita pelo autor, este valor tem
Se mantida a proporção média do custo a mesma ordem de grandeza do custo de
operacional igual a 48% do custo de ciclo obtenção de uma fragata da Marinha dina-
de vida, então, por regra de três, o custo marquesa da classe Iver Huitfeldt.
de ciclo de vida da F-6000M2 seria de Sendo os dois navios (DDG-51 vs. F-125)
aproximadamente US$ 2.173 milhões. En- de tamanhos semelhantes e ambos com alto
tão, o custo da construção da nossa futura grau de sofisticação, qual seria a razão desta
fragata deveria ser algo em torno de US$ diferença no custo de obtenção de uma uni-
2.173 milhões x 0,49 = US$ 1.065 milhões, dade? Assim, somos induzidos a crer que os
considerando o ciclo de vida de 35 anos. custos de construção europeus são mais baixos
Avaliar quanto custaria de fato a cons- ou mais racionais, qualquer que seja o motivo.
trução da F-6000M2 Este fato certamente está
no Brasil é bastante ligado a uma tradição
difícil. Embora se diga No Brasil, temos óbices cultural dos americanos
que nossos custos são como falta de tradição na versus europeus.
menores, hoje o custo No Brasil, temos
da nossa mão de obra
construção naval militar óbices como a falta de
especializada rivaliza e necessidade de importar tradição na construção
com o da estrangeira, propulsão, sistemas de naval militar e a neces-
mormente devido à sua sidade de importar a
escassez e aos encargos combate e armamento e propulsão, os sistemas
trabalhistas pesados. grande número de outros de combate e arma-
Além disso, sabemos mento e um grande
que a produtividade
itens número de outros itens.
dos americanos ou eu- A reconhecida baixa
ropeus é superior à nossa, além da disponi- produtividade nacional, aliada aos elevados
bidade de tecnologia avançada e automação. encargos trabalhistas e fiscais e à falta de
Dito isso, não nos resta outra alterna- mão de obra qualificada e treinada, resul-
tiva do que o método da comparação. Na tará num custo bem mais elevado do que o
edição de janeiro/2015 do USNI, pg. 31, o europeu, mas, provavelmente, não tão alto
Commander USN (Rtd) Jim Griffin diz que quanto o americano, visto que nos EUA
a obtenção de um navio da classe DDG-51 eles ainda incorporam a cultura da fartura
Flight IIA já está custando cerca de US$ 1,8 e do dinheiro fácil. Estimamos acima US$
bilhão ou +21,3% em relação ao preconi- 1.065 milhões pelo padrão americano, ou
zado pelo CBO no FY-2010. US$ 866,4 milhões x 1,30 = US$ 1.126 mi-
Outra comparação interessante foi obtida lhões pelo padrão alemão, mas certamente
no Wikipedia, sobre uma comissão do par- algo em torno de US$ 1.200 milhões por
lamento alemão, o Bundestag, que examina navio construído no Brasil, considerando
a explosão de custos dos grandes sistemas as incertezas.

RMB1oT/2015 139
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

TAB. No 1: TABELA COMPARATIVA DOS PARÂMETROS DE FRAGATAS E DESTRÓIERES MODERNOS

DADOS FREMM HORIZON T-45(UK) DDG-51


F-124 (D) LCF (NL) F-100 (E) F-125 (D)
TÍPICOS (F) + (I) (F) + (I) DARING (USNavy)
L 143,0 m 144,2 m 146,7 m 137,0 m 153,0 m 152,4 m 153,8 m 149,5 m
LWL 132,2 m – 133,2 m – 141,7 m 143,5 m 142,0 m –
BWL 16,7 m 18,9 m 18,6 m 19,0 m 20,0 m 18,0 m 18,0 m 18,8 m
T 5,0 m 5,2 m 4,9 m 5,0 m 5,1 m 5,7 m 6,3 m 5,0 m
DISPL. FL 5.600 tons 6.050 tons 5.800 tons 5.500 tons 6.700 tons 7.350 tons 8.300 tons 7.200 tons
V Max. 29 kts 30 kts 29 kts 27 kts 29 kts 29 kts 32 kts 26 kts
Raio Ação 4.000 / 18 5.000 / 18 4.500 / 18 6.000 / 15 7.000 / 18 7.000 / 18 8.150 / 20 4.000 / ?
Propulsão CODAG CODOG CODAG CODLAG CODOG IEP COGAG CODLAG
38,3 MW 16,8/37,0 47,6 MW 44 MW 52,0 MW 44,4 MW 78,8 MW 29,4 MW
Tripulação 230 + 13 200 + 30 202 + 48 145 182 + 48 190 + 45 380 110 + 80
Artilharia 1x76 mm 1x127 mm 1x127/54 1x76 mm 1x76 mm 1x114mm 1x127mm 1 x 127
Principal SupRapid OTO54LW Mk 45-2 SupRapid SupRapid Mk 8-1 Mk 45-1 OTO62LW
Artilharia 2 x 27 2 x CIWS 2 x CIWS 2 x KBA 2 x KBA 2 x CIWS 2 x CIWS 2 x 27 mm
Secundária mm 30mm 20 mm 25mm 25 mm 20 mm 20 mm 7 x 12,7mm
AAeW ESSM ESSM ESSM ASTER-15 ASTER- ASTER- ESSM 2 x RAM
SM-2 MR SM-2 MR SM-2 MR / 30 15 / 30 15 / 30 SM-2
ASuW EXOCET HARPOON HARPOON MM-40 MM-40 III HARPOON HARPOON HARPOON
ASW MU-90 Mk-46 Mk 46 MU-90 MU-90 STGRAY ASROC SUB ROV
He 2 x LYNX 1 x LYNX 1 x SH60B 1 x NH-90 1 x NH-90 LYNX 300 1 x SH60B 2 x NH-90

Países: D, Alemanha; E, Espanha; F, França; I, Itália; NL, Holanda; UK, Inglaterra; USA, Estados Unidos da América.

Navios de referência te novo e tiveram muito mais problemas do


que os holandeses.
O autor teve grande dificuldade na coleta A classe T-45 utiliza o radar de vigilân-
de informações mais detalhadas sobre os cia S-1850M da Thales, como os alemães e
meios a serem comparados, o que, de certa holandeses, mas um radar multifunção da
forma, é compreensível, sendo que na mídia Sampson da BAe Systems. A classe F-125
especializada aparecem somente aqueles utiliza uma suíte nova de radares fixos 3D
dados que são os mais óbvios e menos da EADS. E as classes DDG-51 e F-100
comprometedores. Na tabela comparativa utilizam o mesmo radar 3D Aegis SPY-1.
apresentada acima, relacionamos uma As Horizon utilizam uma combinação
gama de meios atuais de várias Marinhas, de radares de vigilância S-1850M baseados
cujas dimensões estudaremos para compa- no Smart-L da Thales e um de combate
rar com aquelas que melhor nos convêm. multifunção Empar Banda G da Selex
As classes F-124 e LCF têm a mesma Sistemi. As Fremm francesas utilizam o
suíte de radares, embora tenham sistemas radar multifunção Herakles da Thales e as
de combate de diferentes fabricantes. Para italianas o Empar, da Selex.
a vigilância, utilizam o Smart-L; para o
combate, o radar multifunção Apar. Os DIMENSIONAMENTO DO NAVIO
holandeses optaram por prosseguir com a
versão XI do sistema de combate Sewaco, e Na tabela no 2 estão relacionados as dimen-
os alemães por criar um sistema inteiramen- sões e os coeficientes do novo escolta, que

140 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

foram definidos e calculados pelo autor, tam- calcular suas características principais para
bém por comparação com meios similares. Os satisfazer aos nossos requisitos hipotéticos.
demais valores foram calculados com base em Relacionamos, à guisa de comparação
fórmulas que constam da literatura relacionada com nossos cálculos da F-6000M2, os
no final deste trabalho. Os cálculos tiveram valores obtidos de um navio real como a
por obejtivo chegar a um navio similar aos das classe DDG-51, e da literatura extraímos
classes DDG-51, Daring, Horizon e F-125 e valores clássicos preconizados por autores
TABELA No 2: DIMENSÕES E COEFICIENTES CALCULADOS PARA O ESCOLTA F-6000M2
Valores Consagrados na
F-6000 M2 DDG-51 (Flight I & II)
Literatura Ostensiva
LOA (m) 155,00 154,0
LWL (m) 144,00 142,0
BWL (m) 18,00 18,0
T (m) 6,00 6,30
D (m) 11,90 12,7
Froude Number (v max) (28 nós) 0,383 (30 nós) 0,413
Vol. Froude Number 1,06 1,14 1,2 “Ref. 28”
SLR (28 nós) 1,200 1,295
Cb 0,49 0,505 < 0,50 p/ Fn = 0,383
Desloc (m3) 7.620 8.132
Desloc (tons) c/reservas 7.810 8.335
LWL / BWL 8,0 7,9 8,00 - 9,50 “Ref. 28”
BWL / D 1,513 1,417 1,50 - 1,55 “Ref. 28”
BWL / T 3,00 2,86 2,8 – 3,2 “Ref. 28”
T/D 0,504 0,496 0,46 “Ref. 28”
LWL / D 12,10 11,18 13,3 “Ref. 28”
Am (m2) 86,40 107,2
Cm 0,80 0,8275 0,75 < Cm < 0,80 Ref. 28
Cp 0,6125 0,6122 0,55 < Cp < 0,60
Awp (m2) 1.952 2.020
Cwp 0,7626 0,7910 0,76 “Ref. 12”
As (m2) 2.766 3.032 2.800 “Ref. 12”
KB (m) 3,48 3,42
BMT (m) 5,53 5,45
KM (m) 9,01 8,87
KG (m) 7,02 7,21
GM (m) 1,99 1,66 Classe F-124 = 1,36 (*)
T (roll) segundos 10,3 11,13 Classe F-124 = 11,4 (*)
LCB (em % Lwl) - 2,26 + 1,83 - 1,80 “Ref. 12”
- 2,30 “Ref. 28”
(*): Dados reais obtidos pelo autor.

RMB1oT/2015 141
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

consagrados – Ref. 28, demonstrando 4) Com base no número de Froude = 0,383


que, para um estudo de exequibilidade, os para a velocidade máxima = 28 nós, arbitra-
valores obtidos são bastante satisfatórios. mos um coeficiente de bloco = 0,49, dentro
Contudo, alguns parâmetros do DDG-51 da faixa preconizada na literatura Ref. 28.
são classificados e tivemos que estimá-los. Por comparação, optamos por um calado na
Esclarecimentos sobre a última tabela: quilha de 6,0 m, para obter o máximo desloca-
1) Todos os dados da segunda coluna re- mento para o coeficiente de bloco escolhido.
lativos à classe DDG-51 são valores reais e O aumento do calado é o menor dos males
foram obtidos das Ref. 5, 8 e 24. Na terceira quando se contempla as influências negativas
coluna, temos valores clássicos preconi- das outras dimensões na demanda de potência
zados na literatura ostensiva por autores de propulsão. Disso resultou o deslocamento
renomados, que precisam ser mencionados máximo igual a 7.620 m3.
à guisa de comparação. Na primeira coluna, 5) No passo seguinte, examinamos as
o autor relaciona as dimensões, as relações relações entre as diversas dimensões que
e os coeficientes estimados e/ou calculados são indicadoras do pontal e da estabilidade
pelo autor para o escolta F-6000M2, objeto (BWL/D) e (BWL/T), esbeltez (LWL/BWL),
deste estudo de exequibilidade. bordo livre (T/D) e rigidez da viga-navio
2) O autor conseguiu de fonte segura que (LWL/D). Todos os valores calculados para
os REM da MB estipulavam, à época da a F-6000M2 foram comparados com a litera-
consulta, um comprimento máximo para o tura e com aqueles da classe DDG-51.
novo escolta igual LOA = 155,0 m. Então, 6) Com base em fórmulas e gráficos
optamos por adotar este comprimento má- das Ref. 12, 22 e 28, determinamos os
ximo, pois beneficia as qualidades náuticas coeficientes da seção mestra, prismático
do novo meio a ser obtido. Observando a e do plano de flutuação, calculando com
lista de navios da tabela no 1, constatamos a eles as áreas da seção mestra e do plano de
razão média LWL/LOA = 92,46%, donde, a flutuação. Com auxílio destas referências,
nosso critério, adotamos uma LWL = 144,0 calculamos igualmente a área molhada.
m, que resulta em LWL/LOA = 92,9%, 7) Finalmente, foram calculados os cen-
procurando o maior comprimento possível tros e o período de jogo, também com base
para a linha-d’água. O valor de “SLR < nas Ref. 5, 12, 22 e 28. Sem fugir à regra,
1,34” vem a ser o limite da razão entre a ve- os resultados sempre sendo comparados com
locidade máxima do navio e o comprimento a literatura e com valores reais obtidos pelo
da sua linha-d’água. Satisfeita esta condi- autor. Naturalmente, existem diferenças,
ção, podemos dizer que o comprimento da mas estas só poderão ser refinadas num está-
linha-d’água é adequado para a velocidade gio mais avançado do projeto. Por exemplo,
máxima definida do navio. o LCB foi obtido de um plano de linhas sis-
3) Comparando com a boca dos navios temáticas de uma corveta projetada por um
da tabela no 1, resolvemos arbitrar uma boca estaleiro alemão, cujo ajuste para o escolta
BWL = 18,0 m, que, verificada a relação ou levou em consideração um procedimento
esbeltez LWL/BWL = 8, revela-se melhor que não altera os centros, segundo as Ref.
do que aquelas dos navios da tabela e fica na 10 e 28. Entretanto, vemos uma pequena
faixa preconizada pela literatura. É preciso diferença em relação à classe DDG-51.
atentar para o fato que o aumento da boca
tem um impacto negativo na demanda de Resumindo, tratando-se aqui de um
potência de propulsão. estudo de exequibilidade, estes dados

142 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

embrionários são bem semelhantes ao que Lean Manning, em que muitos comandantes
preconiza a literatura e a um exemplo real. não se sentem tranquilos com tripulações
Isto nos faz acreditar que as premissas assu- consideradas subdimensionadas. No outro
midas no dimensionamento da F-6000M2 extremo, uma tripulação mais numerosa
estão corretas. diminui o conforto e a autonomia do navio
no quesito mantimentos.
TRIPULAÇÃO, ARRANJOS Não sabemos explicar a razão desta
GERAIS, ARMAMENTO, diferença do número de tripulantes entre
ELETRÔNICA E SENSORES os navios europeus e os americanos. Con-
sideramos para a F-6000M2 uma tripulação
Tripulação de 230 homens, por semelhança com os
europeus. Mas se aumentássemos para 300
Na tabela n o 1, observamos que a homens, ainda haveria espaço suficiente
média de tripulantes se situa em torno de para prover o conforto necessário, mas a
235 militares, constituindo uma exceção autonomia de mantimentos seria reduzida
as classes Fremm e F-125 com números de 40 para 30 dias, salvo se alterarmos a
menores e as classes DDG-51 e DDG-79 distribuição do peso útil. Mas este detalhe
em diante, com tripulações bem mais precisaria ser elaborado pelo pessoal do
robustas. No caso da DDG-51, temos setor operativo.
22 oficiais e 315 subalternos e, na classe
DDG-79 Oscar Austin, 32 oficiais e 348 Arranjos gerais
subalternos, total 380 homens e mulheres,
sendo destes 18 militares do Grupo Aéreo O escolta F-6000M2 tem a forma clássica
Embarcado (GAE). moderna de outros navios da mesma classe.
O número de tripulantes vai depender das Os costados são inclinados para prover ca-
missões do navio e da tecnologia embarcada, racterísticas stealth. A ré temos um amplo
ou seja, do nível de automação adotado. Mas convoo de 600 m2 e, dois níveis acima, um
existem fainas de operação, manutenção e convés corrido até a superestrutura do pas-
CAV (Controle de Avarias) que demandam sadiço. A vante do mesmo, temos os silos de
braços humanos. Na US Navy, tem havido lançamento verticais e o weather deck onde
muitas críticas em relação à política do fica instalado o canhão principal.

Vista lateral da F 6000M2

RMB1oT/2015 143
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Arbitramos como o nível 0,00 a quilha 1.890 toneladas, e utilizando procedimentos


do navio. Na cota +2,90, temos o primeiro preconizados nas Ref. 28 e Ref. 10, fizemos
convés, e este espaço é essencialmente a transformação das dimensões da corveta
reservado para tanques. Subindo, temos os para a F-6000M2, obtendo as linhas do casco
conveses nas cotas +5,90, +8,90 e o convoo ilustradas nas imagens anexas ao texto.
na cota +11,90. Na sequência, outro convés
na cota +14,90 e o teto do hangar e convés Armamento
aberto na cota +17,90. Neste convés aberto,
encontram-se os canhões de 57 mm a ré, A artilharia é composta por um canhão
o radar de busca e vigilância principal, principal de 127 mm a vante, dois canhões
as chaminés, antenas e os lançadores de de 57 mm a ré no teto do hangar, um em
mísseis antinavio. cada bordo, e dois canhões de 30 mm a
A superestrutura de vante abriga o Cen- meia-nau, também um em cada bordo. A
tro de Operações de Combate (COC) na artilharia de 127 mm teria como requisito o
cota +17,90 e o passadiço na cota +20,90, engajamento de alvos de superfície e apoio
onde também se localiza o mastro integrado a operações anfíbias. Os canhões de 57 mm
de radares e comunicações, dois canhões de devem engajar principalmente alvos aéreos,
30 mm a boreste (BE) e bombordo (BB) e como mísseis, aeronaves e helicópteros, mas
os lançadores de decoys. O weather deck também alvos de superfície. Os canhões de
de vante, onde se localiza o canhão de 127 30 mm seriam para alvos assimétricos, como
mm, fica na cota +14,90. mergulhadores, minas flutuantes, enxames
Para a divisão interna com anteparas, de botes de alta velocidade ou piratas e
levamos em conta o critério three com- helicópteros Ref. 14 e 15.
partment ship, ou seja, o navio deve per- Um sistema de lançadores verticais
manecer flutuando quando tiver quaisquer pode abrigar uma série de mísseis variados.
três compartimentos adjacentes alagados. Escolhemos o sistema MK-41 americano,
Por compartimento estanque entende-se que pode utilizar mísseis antiaéreos SM-2,
que a antepara é estanque da quilha até o ESSM e RAM Block-2, mísseis antissubma-
bulkhead deck, que, nos caso da F-6000M2, rino Asroc, alguns tipos mais sofisticados e
é o convés damage control deck no nível maiores de decoys e mísseis especiais, como
do convoo ou cota +11,90. PAM (Precision Attack Missile). Os mísseis
Partindo das linhas e dos coeficientes antinavio são abrigados em lançadores de-
de um casco de corveta com Lpp = 86,4 m, dicados, como no caso dos Exocet a bordo
Bwl = 12,5 m, T = 3,6 m e deslocamento de da classe Niterói. Todas estas informações

Vista de topo da F 6000M2

144 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

estão disponíveis nos sites da Raytheon e da Hoje as medidas de guerra eletrônica


Lockheed & Martin. Para missões ASW, o e comunicação exigem que a eletrôncia
navio dispõe de dois compartimentos dedi- de tecnologia da informação seja sempre
cados com dois tubos lançadores de torpedos a mais atualizada possível. Informação
LWT (Light Weight Torpedoes) cada, em- antecipada pode significar a vitória ou a
butidos no casco a BE e BB. Arredondando derrota, a diferença entre a vida e a morte.
a suíte de armas, o navio foi projetado para A guerra eletrônica, a comunicação e a tec-
abrigar e operar dois helicópteros MH-16 nologia da informação são um dos pilares
(Sikorsky S-70B) que podem ser equipados da capacidade de sobrevivência.
com torpedos ou mísseis e drones, depen-
dendo da configuração da missão. ESTIMATIVA DE POTÊNCIA,
PROPULSÃO, GERAçÃO
Sensores ELÉTRICA E AUTONOMIA

As operações em águas azuis têm carac- Estimativa de potência


terísticas diferentes daquelas nos litorais,
e as características dos diversos tipos de Baseados nas Ref. 12, 22 e 28, calcu-
sensores têm relação direta com os ambien- lamos primeiramente a área molhada e
tes nos quais deverão ser empregados. Por coeficientes, como os números de Froude
exemplo, sonares para emprego em águas e Reynolds. Na sequência, foram calcula-
profundas ou em águas rasas têm caracte- das as diversas resistências, a saber: atrito
rísticas diferentes. Ou radares de busca e do casco com a água e com incrustações
vigilância que operam nas amplas vastidões (fouling), resistência residual, resistência
oceânicas trabalham de forma diferente da- do vento e a resistência de head seas. To-
queles que operam em ambientes saturados das as resistências somadas, calculamos
de ruído dos litorais. a potência efetiva de propulsão para cada
Os sensores serão, portanto, seleciona- velocidade. Foram estimadas as dimensões
dos em função das missões principais de e os coeficientes dos hélices e, consequen-
cada navio, embora todos os navios pre- temente, o empuxo e a potência dos eixos
cisem ter certas aptidões básicas comuns, para as várias velocidades, que resultou
que demandarão certos tipos de sensores numa eficiência de propulsão total média
comuns a todos os navios da classe. de nT = 0,683. Para a velocidade máxima
Certamente, o conjunto de sensores mais de 28 nós, obtivemos como resultado um
sofisticado e capaz, mas também o mais brake power de 37,3 MW no total.
caro, será aquele para os navios destinados
principalmente à defesa de aérea ampla. Propulsão
Navios que sejam destinados à guerra
antissubmarino precisam ter o melhor Para as classes de corvetas, fragatas
dos equipamentos para a consecussão de e destróieres, os sistemas mais comuns
suas missões, como sonares rebocados e são os seguintes: Codad, Codog, Codag e
helicópteros especializados, necessitando Codelag. O sistema Codad (Combination
apenas de radares para a defesa do navio. Já Diesel And Diesel) é mais comum em
aqueles especiliazados em guerra de super- corvetas e geralmente limitado a uma
fície teriam outras características diferentes potência de 16 MW por eixo. O sistema
dos dois primeiros tipos de escoltas. Codog (Combination Diesel Or Gas) foi o

RMB1oT/2015 145
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

primeiro a surgir, sendo um bom exemplo mo dos 20 nós. Mas, no caso dos motores
a classe Niterói com dois trens indepen- diesel modernos, montados em sistemas
dentes. Mas ainda hoje é empregado com duplos de amortecimento de vibração e
dois trens de propulsão independentes, enclausurados para diminuir o ruído irra-
com as classes LCF da Holanda e F100 diado, os níveis de ruído e vibração são
da Espanha como exemplos. Um exemplo também baixos.
com cross connect gear seriam as nossas Avaliando todos os prós e os contras,
corvetas classe Inhaúma. a opção do autor recaiu sobre o sistema
O sistema mais moderno é o Codag Codag – Ref. 13 e 17.
(Combination Diesel And Gas), que Em função da potência necessária para
aciona os dois eixos simultanemanete e atingir 28 nós – Ref. 14, foi possível adotar
permite uma distribuição mais racional exatamente o mesmo conjunto utilizado na
da energia de acionamento entre as diver- F-124: dois motores MTU20V1163 e uma
sas máquinas propulsoras, normalmente turbina G&E LM2500. As vantagens de
dois motores diesel e uma turbina a gás. adotar-se uma solução existente, testada
Os exemplos atuais são as classes F124 e aprovada dispensam comentários: bai-
Sachsen da Alemanha e Fridtjof Nansen xíssimo risco e usufruto das experiências
da Noruega e o Large Cutter Bertholf da acumuladas com as mesmas máquinas
USCG. nestes dez anos de operação dos três navios
Existe ainda o sistema Codelag (Com- da classe, tanto pela Marinha alemã como
bination Diesel Electric And Gas), cujos pelos fabricantes do redutor, a Renk, e dos
exemplos são as fragatas da classe F-23 motores diesel, a MTU.
Duke da Royal Navy e, mais recentemente, Entretanto, a diferença no caso da
as classes Fremm franco-italianas e F-125 F-6000M2 ficaria por conta da troca da
Baden-Württemberg da Alemanha. turbina: a G&E LM2500 de 23MW da
Num estudo feito pelo autor, concluiu-se classe F-124 seria substituída por uma
que, em termos de confiabilidade, os sistemas turbina R&R WR-21 de 25 MW, com
Codog e Codag praticamente se equivalem. tecnologia de intercooler e regenerador,
Entretanto, o sistema Codag é mais leve e que resulta numa economia de 27% de
menos volumoso do que o Codog e permite combustível em relação à turbina pura.
uma distribuição mais equilibrada das potên- No caso da geração elétrica, comparan-
cias das máquinas propulsoras. do com os dois modelos de referência para
Comparando o sistema Codag com o este estudo, a classe F-124 Sachsen e a clas-
sistema Codelag para um escolta desta se DDG-51 Arleigh Burke, fazendo-se uma
classe, o Codelag é 200 toneladas mais média ponderada, concluímos ser razoável
pesado do que o Codag, peso este que iria admitir para este escolta uma planta gera-
em detrimento da carga útil. Além disso, dora com potência total equivalente a 6,56
o Codelag é bem mais caro. E, ainda, um MW com quatro grupos diesel-geradores
argumento em favor do Codag: a eficiência MTU12V4000 G81 de 1,64 MW cada.
na transmissão mecânica da energia dos Sugerimos a leitura da Ref. 21, cuja
motores aos hélices é maior. tecnologia aplicada à F-6000M2 poderá
Um argumento de indiscutível vantagem aumentar sua autonomia em cerca de 13%.
do Codelag é a baixíssima vibração e o Na tabela no 3 listamos os principais
nível de ruído durante a propulsão elétrica, tópicos relacionados a propulsão, geração
que, no caso da classe F-125, chega próxi- e autonomia:

146 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

TABELA No 3: AUTONOMIA

F-6000 M2 DDG-51
Velocidade máxima (nós) 28 30+
Potência instalada (MW) 39,8 78,8
Raio de ação (15 nós) 11.640 n.m. n.d.
Raio de ação (18 nós) 9.035 n.m. / 502 horas n.d.
Raio de ação (20 nós) n.d. 8.150 n.m. / 408 horas
Tripulação 230 380
Autonomia mantimentos 40 dias n.d.

Embora tenhamos optado pela solução incluindo no final as margens de projeto e


Codag, calculamos também a autonomia da as service life allowances, a saber:
opção Codelag, para ilustrar alguma van- SWBS100 – peso próprio do casco
tagem do primeiro. Para cada velocidade, totalmente vazio: 2.800 tons
calculamos a autonomia para três regimes SWBS200 – peso do grupo de propulsão
distintos de geração elétrica a bordo, a sa- completo com acessórios: 650 tons
ber: 1,6 MW, 3,2 MW ou 4,8 MW. SWBS300 – peso do grupo de geração
e distribuição de energia elétrica: 340 tons
DISTRIBUIçÃO DE PESOS, SWBS400 – peso do grupo de sistemas
CENTROS E ESTABILIDADE C4&ISR (command, control, communica-
tions, computer & intelligence, surveillan-
Baseado na Ref. 12 e em exaustiva ce, reconnaissance): 160 tons
pesquisa em várias fontes, o autor elabo- SWBS500 – peso do grupo de instala-
rou a composição do peso leve no navio, ções: 660 tons

TABELA No 4: RAIO DE AÇÃO

RAIO DE AÇÃO
VELOC POTÊNCIA MODO
Milhas Náuticas/dias de mar
Kts / m/seg kW CODAG CODELAG CODAG CODELAG
15 / 7,72 4.493,1 1 x diesel 1 x e-motor 12.608 / 35 9.780 / 27
9.832 / 27 7.750 / 22
8.057 / 22 6.410 / 18
18 / 9,26 7.845,8 1 x diesel 2 x e-motores 9.853 / 23 7.570 / 17
8.323 / 19 6.480 / 15
7.204 / 17 5.650 / 13
22/11,32 14.871,2 2 x diesel 1 x GT 6.959 / 13 5.310 / 10
6.290 / 12 4.840 / 9
5.739 / 11 4.440 / 8
24/12,35 19.736,8 1 x GT 1 x GT 4.553 / 8 3.800 / 6
4.281 / 7 3.570 / 6
4.039 / 7 3.370 / 5
28/14,40 37.337,6 1 x GT 1 x GT 3.424 / 5 2.860 / 4
2 x diesel 2 x e-motores 3.289 / 5 2.740 / 3
3.164 / 4 2.640 / 3

RMB1oT/2015 147
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

SWBS600 – peso do grupo de máquinas Sistema de Tratamento de Efluentes e


auxiliares e instalações do casco: 460 tons Água de Reúso para 60 dias e 230 tripulan-
SWBS700 – peso do grupo de armamen- tes – Ref. 18 – 120 tons (120 m3).
tos (sem mísseis ou munições): 200 tons
Na tabela no 2 estão relacionados os
A soma destes sete itens SWBS totaliza principais centros para o cálculo das prin-
um deslocamento leve do navio igual a cipais características do navio, como o
5.270 tons. Adicionando-se as reservas centro de gravidade, centro de empuxo, etc.
de projeto e construção igual a 7% (Ref. Estes centros foram calculados com dados
12), teremos o deslocamento leve igual a fornecidos pela literatura relacionada no
5.640 tons. O deslocamento máximo igual a final deste trabalho – Ref. 8, 12, 22 e 28.
7.810 tons menos as service life allowances Estes cálculos foram comparados com na-
resulta no deslocamento máximo do navio vios reais e, no caso, dada a semelhança da
novo igual a 7.295 tons, ou seja, a margem F-6000M2 com a classe DDG-51, optamos
em peso para futuras modificações é de 515 por adotar suas informações técnicas.
toneladas. Subtraindo-se de 7.295 tons o No estudo das curvas de estabilidade,
valor de 5.640 tons, chegamos a uma carga adotamos uma hipótese simplificadora na
útil = 1.655 tons, subdividida da seguinte qual o navio aderna sem “trim”, ou seja,
maneira e a nosso critério, a saber: mantivemos constante a área submersa da
Mísseis – 80 tons; seção mestra para o cálculos dos centros
Torpedos e Munições – 100 tons; e braços endireitadores. Contudo, o certo
Grupamento Aéreo Embarcado – 20 seria levar em conta o “trim” e, para cada
tons; nova área do plano de flutuação a cada
Pessoal e Pertences – 35 tons; inclinação, calcular o respectivo momento
Mantimentos e Medicamentos para 40 de inércia e o raio metacêntrico.
dias – 65 tons; Embora seja a forma mais correta e pre-
Diesel Naval – 1.100 tons; cisa, ela é trabalhosa e só pode ser realizada
JP-5 Aviação – 85 tons; com a ajuda de programas gráficos específi-
Lubrificantes – 10 tons; cos. Mas, nesta fase do estudo, a diferença
Água potável – 40 tons p/pronto uso, entre os dois métodos pode ser negligenciada,
porém com geração contínua; e pois a diferença final não é muito grande.

Vista lateral e de popa da F 6000M2

148 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

Resumindo, nos cálculos que fizemos poluição ou proteção da navegação livre,


para as curvas “GZ” para vento e curvas tudo no âmbito da IMO.
com grande inclinação (high-speed turn), Mesmo que o Centro de Projetos de
com os recursos disponíveis até este nível Navios conduza os estudos de exequibi-
deste trabalho, foram lidade do novo escol-
obtidos resultados que ta, na atual situação
satisfazem com larga Urge a demanda por um seria inevitável ter-
margem os requisi- mos que contratar um
tos mínimos tanto da
novo escolta principal, estaleiro estrangeiro
IMO Resolução A749 pois a operacionalidade financeiramente sólido
(1993), da US Navy, das Niterói vem sendo e experiente para divi-
e também da Royal dir conosco as etapas
Navy (Ref. 2). mantida graças à seguintes, ou seja, os
competência do nosso estudos de concepção,
CONCLUSÃO
pessoal de manutenção, preliminares e detalha-
mento, além da constru-
A demanda por um mas, certamente, já a custos ção propriamente dita.
tipo novo de escolta absurdos Mas isto seria impor-
principal para a Ma- tante para que possa-
rinha do Brasil urge, mos desenvolver, ainda
pois a operacionalidade da atual classe que minimamente, a engenharia nacional,
Niterói vem sendo mantida graças à com- como preconizado na Estratégia Nacional
petência do nosso pessoal de manutenção, de Defesa.
mas, certamente, já a custos absurdos. E, Já estamos muito atrasados e, se não
ainda pior, a baixa das corvetas já teve o começarmos a agir imediatamente, o atraso
primeiro evento com comprometerá todos
a mostra de desar- os planos de defesa e
mamento da Corveta Estamos muito atrasados aniquilará a engenharia
Frontin. nacional ou deixará a
Com a criação do e, se não começarmos a Esquadra em situação
SisGAAz, a obtenção agir imediatamente, o crítica, completamente
de novos meios navais atraso comprometerá imobilizada. Este estu-
para engendrar a ação do tem como propósito
“decidir” e “agir” do todos os planos de defesa oferecer uma modes-
ciclo OODA (Obser- e aniquilará a engenharia tíssima contribuição
var, Orientar, Decidir, para os nossos oficiais
Agir) é absolutamente nacional ou deixará a do setor operativo e
inadiável. Não adian- Esquadra em situação engenheiros. Apenas
tará fiscalizar e obter crítica uma tênue luz que ajude
informações (aware- a achar o rumo certo ou
ness) com sistemas os inspire para criar um
sofisticados sem ter os vetores necessários navio adequado.
para a consecussão das ações necessárias, O Brasil é um país de índole pacífica e
além do cumprimento dos acordos interna- não faz parte de sua doutrina a conquista
cionais de segurança no mar, controle da de outras terras nem a invasão de algum

RMB1oT/2015 149
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

país. Mas sendo muito rico, além da situ- O Brasil precisa implantar com maior rapi-
ação geográfica privilegiada, precisa dar dez o seu tão necessário poder marítimo, cujos
mais atenção à sua defesa. O mar para componentes são: portos, Marinha Mercante,
o Brasil é vital, e há inúmeros trabalhos estaleiros, base industrial fornecedora, bases
versando sobre o assunto. Precisamos navais e Esquadra, que precisam ser desen-
acordar e nos precaver contra interesses volvidos no País com engenharia nacional,
alheios, que nunca respeitam os nossos. com ou sem ajuda estrangeira. Mas a nossa
Com já dizia o chanceler da Prússia Esquadra precisa ter os meios minimamente
Otto von Bismarck, no século XIX, necessários para exercer suas atribuições cons-
“não há amizade entre nações, apenas titucionais. E os escoltas novos estão fazendo
interesses”. (ou farão em breve) muita falta. Muita mesmo.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<APOIO>; Construção naval; Defesa; Marinha do Brasil;

ÍNDICE DE SIGLAS, SÍMBOLOS E ABREVIAÇÕES

AAeW: Anti-Air Warfare


AMRJ: Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
APAR: Active Phased Array Radar
ASW: Anti-Submarine Warfare
ASuW: Anti-Surface Warfare
BAAINBw: BundesAmt für Ausrüstung, Informationstechnik, Nuztung der Bundeswehr (antigo BWB)
CIWS: Close-In Weapon System
CODAD: Combination Diesel And Diesel
CODAG: Combination Diesel And Gas
CODOG: Combination Diesel Or Gas
CPN: Centro de Projeto de Navios
DEN: Diretoria de Engenharia Naval
ESSM: Evolved Sea Sparrow Missile
EADS: European Aeronautic Defence and Space Company
IMO: International Maritime Organization
MNVDET: Modern Naval Vessel Design and Evaluation Tool
NAVSEA: Naval Sea Systems Command
OMPS: Organização Militar Prestadora de Serviços
OPV: Off-Shore Patrol Vessel
PAEMB: Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil
RCS: Radar Cross-Section
RN: Royal Navy
SAR: Salvage And Rescue
SLR: Speed to Length Ratio
SWBS: Ship Weight Break-down System
TKMS: Thyssen Krupp Marine Systems
USN: United States Navy

150 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

DADOS DO NAVIO

LOA: Length Over All, Comprimento Total


LWL: Length Water Line, Comprimento Linha d’Água
BWL: Breadth Water Line, Boca Linha d’Água
MNVDET: Modern Naval Vessel Design and Evaluation Tool
T: Draft, Calado
D: Hull Depth, Pontal
SLR: Speed to Length Ratio, Razão Velocidade/Comprimento Linha d’Água
Cb: Coeficiente de Bloco
Cm: Coeficiente Seção Mestra
Am: Área Seção Mestra
Cwp: Coeficiente Área de Flutuação
Awp: Área deFlutuação
As: Área Molhada
Cp: Coeficiente Prismático
KB: Altura do Centro de Carena acima da Quilha
KM: Altura do Metacentro acima da Quilha
KG: Altura do CG acima da Quilha
GM: Altura Metacêntrica

APÊNDICE: RISCOS E MARGENS DE 5. Projetos seriados com mínimas modificações e


PROJETO quase nenhuma incerteza.

Tipicamente em projeto de navios, um certo número No presente estudo da F-6000M2, consideramos


de margens é incluído na estimativa do peso leve de um ser razoável classificá-lo na “categoria 4”, ou seja,
navio. Estas margens devem levar em conta as incertezas “projeto similar a projetos existentes com mínimas
nos cálculos de estimativa do peso leve, potenciais mu- modificações e somente um pequeno nível de incer-
danças do projeto ainda durante a construção, aumento teza”, ou seja, estamos investigando um projeto com
de peso durante o detalhamento do projeto e construção, poucas modificações em relação a navios existentes,
devido a informações mais precisas. Deve-se levar em utilizando materiais tradicionais, armamentos, sen-
conta, ainda, revisões do contrato durante as fases de pro- sores e propulsão etc. existentes, um projeto que não
jeto e construção e, finalmente, possíveis equipamentos é diretamente derivado de algum outro navio, mas,
adicionais que o governo pode querer adicionar ao navio mesmo assim, inteiramente convencional.
durante sua vida útil. Adotamos uma margem mínima de deslocamento
No trabalho MNVDET, no capítulo “Margins leve de aproximadamente 7% para a fase de projeto
& Allowances Estimation”, baseado no documento e construção. A USN preconiza uma margem de
chamado NAVSEAINST 9096.6B – Policy for Weight crescimento durante a vida útil (SLA – Service Life
and Vertical Center of Gravity Above Bottom of Keel Allowance) que propõe 0,5% por ano para um perí-
(KG), Margin for Surface Ships, a USN classifica os odo previsto de 20 anos de serviço, ou seja, 10% de
projetos de navios em cinco categorias, em função do margem referida ao deslocamento leve projetado.
risco inerente do projeto: Durante as fases de projeto (estudo de exequibili-
1. Projetos inovadores com alto nível de incerteza. dade, concepção, preliminar, contrato e construção),
2. Projetos com novos conceitos e um nível sig- devemos ter em mente as imprecisões e incertezas que
nificativo de incerteza. ocorrem em cada uma delas, considerando-as para que
3. Projetos evoluídos de navios existentes, mas o peso e a posição do CG (centro de gravidade) do
com grandes modificações associadas a algum nível navio fiquem dentro dos limites desejados. No início
de incerteza. do projeto, é indispensável incluir também a margem
4. Projetos evoluídos de navios existentes com de crescimento durante a vida útil no navio, ou seja,
mínimas modificações associadas a um baixo nível as service life allowances. Para verificar as margens,
de incerteza. adotaremos os seguintes cálculos para a F-6000M2:

RMB1oT/2015 151
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

∇ = 144 x 18,0 x 6,0 x 0,49 = 7.620m3 x 1,025t/m3 = ∆max ⇒ 7.810 tons


Peso leve 5.270 tons
Peso leve com reservas 5.270 x 1,07 = 5.640 tons
Carga Morta 1.655 tons
Deslocamento máximo sem SLA 7.295 tons
Deslocamento máx. c/service life allowances 7.295 x 1,0706 = 7.810 tons (padrão alemão)
SLA (padrão USN) 7.810 - 5.270 = 515 tons (margem) / 5.270 tons (peso leve) = 9,8% (preconizados 10%)

REFERÊNCIAS

1) BROWN, Alan, Captain & BARENTINE, John, Commander. “The Impact of Producibility on
Cost and Performance in Naval Combatant Design”, US Naval Construction and Engineering
Program, Massachussets Institute of Technology.
2) BROWN, A.J. Capt USN Ret. & DEYBACH, Frédéric Lt. DCN. “Towards a Rational Intact Sta-
bility Criteria for Naval Ships”.
3) COMSTOCK, John P. “Principles of Naval Architecture” The SNAME.
4) CONVÊNIO MB-USP. Livro Comemorativo do Evento do 50o Aniversário deste Convênio.
5) DEYBACH, Frédéric. “Intact Stability Criteria for Navla Ships”, FEV/1977, tese de mestrado do
MIT.
6) FREITAS, Elcio de Sá, VA-EN RM-1. A Busca de Grandeza: Marinha, Tecnologia, Desenvolvi-
mento e Defesa. Editora Serviço de Documentação da Marinha – Rio de Janeiro – 2014.
7) GRIGOROPOULOS, Gregory J., School of Naval Architecture and Marine Engineering, National
Technical University of Athens. “On The Seakeeping Operability of Naval Ships”.
8) HLAVIN, Justin. “Hydrostatic and Hydrondynamic Analisys of a Modified DDG-51 Destroyer”,
The Naval Postgraduate School, Monterey, California.
9) LAVERGHETTA, Thomas & BROWN, Alan. “Ship Dynamics of Naval Ship Design”, Naval
Engineers Journal, Vol. 111 no 2, pg. 307-324, Maio/1999.
10) LACKENBY, H. On the systematic geometrical variation of ship forms, R.I.N.A., British Ship-
building Research Association, pages 289 to 316.
11) LOMBARDI, Ben & RUDD, David. “The Type 45 DARING-Class Destroyer”, DRDC (Defence
Research and Development Canada) – CORA (Centre for Operational Research and Analysis),
Ottawa, Canada.
12) MNVDET : www.mnvdet.com. Coletânea de Manuais de Projeto de Meios Navais.
13) NAFO IV/2004 pg. 68 – Merck, Karl-Heinz. “Naval Marine Gear Systems”.
14) NAFO III/2005 pg. 51 – Bricknell, David J. “The Combining Force”.
15) NAFO V/2005 pg. 73 – Annati, Massimo, Adm Ret. “Medium and Large Caliber Guns Compared”.
16) NAFO VI/2006 pg. 66 – Annati, Massimo, Adm. Ret. “Air Defence Guns”.
17) NAFO V/2007 pg. 90 – Philips, Malcolm. “An Agony of Choice, Propulsion Systems for Modern
Warships”.
18) NAFO II/2008 pg. 66 – Eule, Klaus. “Water Treatment and Waste Management for Enduring
Operations”.
19) NAFO IV/2009 pg. 18 – Vego, Dr. Milan. “Defining Priorities at Sea : Mobility, Versatility,and
Survivability”.
20) NAFO I/2012 pg. 8 – Friedman, Norman. “Running out of Ammunition?”.
21) NAFO iv/2014 pg. 36 . Maxeiner, Dr. Eric. “Advanced CO2 Exhaust Heat Recovery for Energy
Efficient Ships”.
22) NAVSEA. “Manual for the Salvage Engineer”, U.S. Navy Ship Salvage Manual S0300-A8-
HBK-010, Code 55W.
23) PAGE, Jonathan, Lt. Engineer USN. “Flexibility in Early Stage Design of UD Navy Ships: An
Analysis of Options”, B.S.Systems Engineering, US Naval Academy 2002.

152 RMB1oT/2015
NOVO ESTUDO DE UM ESCOLTA PARA A MARINHA DO BRASIL

24) TERZIBASCHITSCH, Stefan. “Die AEGIS- Zerstörer Klassen DDG-51” (Os destróiers AEGIS
classe DDG-51).
25) TUPPER, Eric. Introduction to Naval Architecture, Fourth Edition.
26) VOGT, René. “Estudo e Proposta de um Navio de Escolta para a Marinha do Brasil”, RMB
2oT/2011 pag. 69.
27) VOGT, René. “Corvetas Sucessoras da Barroso”, RMB 2oT/2013 pag. 108.
28) WATSON, D.G.M. “Practical Ship Design”.

RMB1oT/2015 153
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA
ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS
EM ALEXANDRIA*

Rodney Alfredo Pinto Lisboa**


Professor

SUMÁRIO

O envolvimento da Itália na Segunda Guerra Mundial


Pioneirismo italiano em ações submarinas conduzidas por mergulhadores de combate
Operação de sabotagem no Porto de Alexandria
Considerações finais

O ENVOLVIMENTO DA ITÁLIA NA imersa em uma grave crise social e econômi-


SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ca após ter aumentado a emissão de moeda
e contraído uma série de empréstimos para

N o período imediatamente subsequente


ao final da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), a Itália, que se havia aliado
financiar o esforço de guerra. O resultado
dessas medidas levou à desvalorização da
lira e ao aumento da inflação, contribuindo
à França e ao Reino Unido por ocasião do significativamente para a falência de empre-
Tratado de Londres1 (1915), encontrava-se sas e a elevação do nível de desemprego. Em
* Artigo elaborado como trabalho avaliativo da disciplina Pensamento Político e Estratégia Naval do Programa de
Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM) ministrado pela Escola de Guerra Naval (EGN).
Sobre o assunto ver RMB do 1o trim./2007, pp. 81-87 “Almirante de la Penne, herói italiano de Alexandria”,
do Vice-Almirante (Refo) Luiz Edmundo Brígido Bittencourt com tradução de Dorita Dias Couto Ribeiro.
** Docente da Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá (Fepi), discente do PPGEM da Escola de Guerra Naval
(EGN) e sócio correspondente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).
1. Acordo secreto assinado em 26 de abril de 1915, por meio do qual a Itália se propôs a abandonar o apoio às
Potências Centrais, aliando-se à Tríplice Entente.
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

1920, as greves promovidas em diferentes Como premiê da Itália, Mussolini – o


cidades, somadas aos movimentos de Duce (chefe), como ficaria popularmente
trabalhadores rurais que pleiteavam terras conhecido – tomou uma série de medidas
para cultivar, agravaram um cenário que administrativas para promover a recupera-
já se mostrava desfavorável para o então ção do país. Reprimindo qualquer tipo de
Primeiro-Ministro Giovanni Giolitti. Nesse oposição com violência e respaldado pelo
período, inspirada pela Revolução Russa2, a apoio da maioria dos representantes do
oposição socialista representada pelo Partido Parlamento, em janeiro de 1925 Musso-
Popular Italiano passou a ter hegemonia na lini anunciou a instauração de um Estado
Confederação Nacional dos Trabalhadores. totalitário.5 Com base na política externa
Assustada pela situação em curso no país, fascista de restaurar o antigo Império Ro-
a burguesia italiana temia pela ascensão mano mediante a conquista dos Bàlcãs e da
socialista e pela perda de sua privilegiada região Norte da África, o Duce incentivou
condição social.3 a indústria, a militarização e o armamento.6
O cenário caótico pelo qual passava a A velocidade de desenvolvimento do
Itália no início da década de 1920 eviden- poder militar da Itália não acompanhou as
ciou a figura de Benitto Mussolini, líder pretensões de Mussolini, limitando os pla-
do Partido Nacional Fascista, que acusava nos expansionistas do premiê e forçando-
o governo de ser incapaz de promover as -o a assediar nações de menor expressão,
mudanças de que o país necessitava. Defen- como a Etiópia (1936) e a Albânia (1939).
dendo os ideais do nacionalismo e lutando Após invadir a Etiópia em 1935, Mussolini
contra a esquerda socialista nas ruas, os sofreu sanções da Liga das Nações, fato
partidários de Mussolini conquistaram que promoveu sua aproximação com o
simpatizantes de maneira gradativa. Com o regime nazista liderado por Adolf Hitler.
crescente apoio de membros da sociedade, Com a vitória na Etiópia consolidada,
inclusive do Parlamento, os integrantes do a Itália e a Alemanha firmaram o Eixo
Partido Nacional Fascista promoveram Roma-Berlim em 1936 com o objetivo de
uma ação originalmente engendrada para estreitar relações econômicas e lutar contra
ser um golpe de Estado. Levada a cabo em o comunismo.7
30 de outubro de 1922, a Marcha sobre Com a eclosão da Segunda Guerra
Roma não encontrou grande resistência ao Mundial (1939-1945), as tropas nazistas
mobilizar-se para entrar na capital, onde lideradas por Adolf Hitler empreendiam
Mussolini foi nomeado primeiro-ministro uma impiedosa campanha de conquistas
pelo Rei Vittorio Emmanuel III.4 sucessivas em solo europeu. A Blietzkrieg8

2. Iniciada em 1917, constitui o período de conflitos promovidos pela classe operária, que se sentia explorada pelo
governo autocrático e opressor do Czar Nicolau II.
3. ZAHAR, Cristina; FONSECA, Ana (Ed.) “A Bota Fascista”. Segunda Guerra Mundial: 60 anos. A ofensiva
do nazismo. v. 1, São Paulo: Abril, 2005, pp. 40-42.
4. SOUTO MAIOR, Armando. História Geral. São Paulo: Editora Nacional, 1976, pp. 400-402.
5. ZAHAR; FONSECA, op. cit., pp. 42-43.
6. JORDAN, David; WIEST, Andrew. “Alemanha versus Inglaterra”. Atlas da Segunda Guerra Mundial. v. 1,
São Paulo: Escala, 2008, p. 63.
7. ZAHAR; FONSECA, op. cit., p. 45.
8. Termo alemão usado em referência à “guerra relâmpago”, tática operacional que empregava forças móveis em
ações ofensivas utilizando o efeito surpresa e a velocidade a fim de impedir que o inimigo tivesse condições
de organizar-se defensivamente.

RMB1oT/2015 155
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

alemã invadiu a França, fazendo parecer, (Regia Marina) estudavam uma possibi-
aos olhos de Mussolini, que iria dominar a lidade de atacar a frota austro-húngara
Europa rapidamente. Pressentindo que as localizada no porto de Pula (Croácia), uma
possessões coloniais da França e do Reino vez que os navios lá atracados estavam
Unido na África estariam fragilizadas, e que
muito bem protegidos por um intrincado
caso não tomasse uma decisão rápida e defi-conjunto de redes de contenção submarina
nitiva a Alemanha acabaria por herdar essese minas subaquáticas. Em 1915, a primeira
espólios, o Duce entrou em guerra contra experiência de assédio ao porto utilizando
os Aliados no dia 10 de junho de 1940.9 uma embarcação a motor adaptada com
lagartas foi frustrada.12
PIONEIRISMO ITALIANO Um lapso de três anos ocorreria até que
EM AÇÕES SUBMARINAS uma nova tentativa seria levada a cabo,
CONDUZIDAS POR empregando o mecanismo idealizado pelo
MERGULHADORES DE COMBATE Tenente Raffaele Rossetti. Esse dispositivo,
denominado Mignatta (Sanguessuga), foi
A Itália tem uma longa tradição de em- adaptado a partir da estrutura de um torpe-
pregar mergulhadores do de ar comprimido,
em suas campanhas dando-lhe a capacidade
militares navais. Du- A Itália tem uma longa de transportar dois mer-
rante o Império Ro- tradição de empregar gulhadores montados
mano, os Urinatores10 sobre seu corpo alon-
realizavam ataques de mergulhadores em suas gado. Na noite de 1o de
surpresa, destruíam campanhas militares navais novembro de 1918, na
obstáculos defensivos iminência da declara-
submersos, secciona- ção de um armistício,
vam cabos de âncoras, danificavam cascos o Mignatta e sua tripulação, composta
de embarcações, transmitiam ordens dos por Raffaele Rossetti e Raffaele Paolucci,
comandantes e transportavam víveres para penetraram as defesas do porto de Pula
cidades costeiras sitiadas, entre outras em imersão parcial13. Fixas em sua ex-
ações subaquáticas. 11
tremidade anterior, o torpedo modificado
Na primeira metade do século XX, após transportava duas minas explosivas, cada
um intervalo de vários séculos, as inova- uma delas carregada com 170 kg de TNT.
ções tecnológicas introduzidas por ocasião Após terem se aproximado lentamente das
da Revolução Industrial permitiriam que embarcações, os mergulhadores submergi-
os militares italianos considerassem o ram a uma profundidade de quatro metros,
emprego de mergulhadores em operações utilizando um potente imã magnético para
de combate. Durante a Primeira Guerra acoplar um dos artefatos no casco de um
Mundial, oficiais da Marinha Real Italiana encouraçado, o SMS Viribus Unitis (classe

9. JORDAN; WIEST, op. cit., pp. 63-64.


10. O termo latino Urinator usado em referência ao indivíduo que mergulha.
11. RIBERA, Antonio. Los hombres-peces. 3. ed. Barcelona: juventud, 1976, p. 24.
12. JORGENSEN, Sven Erik. The First Frogmen. X-Ray Magazine. Copenhagen, no 7, 2005a. Disponível em:
<http://www.xray-mag.com/content/first-frogmen>. Acesso em: 10 ago. 2013, p. 67.
13. A imersão seria parcial, pois os mergulhadores deveriam realizá-la em apneia, uma vez que não podiam contar
com dispositivos de respiração subaquática, que seriam desenvolvidos apenas na década de 1940.

156 RMB1oT/2015
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

Tegetthoff). Enquanto navegavam para o ser um alvo tentador para a execução de


segundo navio, Rossetti e Paolucci foram ataques furtivos.17 Diante disso, reunidos
detectados, mas antes que pudessem ser na Base Naval de La Spezia, um grupo de
tomados como prisioneiros conseguiram pessoas lideradas pelos Tenentes Teseo
se evadir após armarem o segundo artefato Tesei e Elios Toschi responsabilizava-se
ainda fixo à extremidade do Mignatta, que pela tarefa de encontrar uma solução para
foi abandonado. Cerca de 15 minutos trans- invadir os portos sob domínio britânico
correram até que a primeira mina explodiu, no Mar Mediterrâneo.18 O resultado desse
fazendo com que a embarcação de guerra de esforço conjunto foi o desenvolvimento
21.000 toneladas afundasse. Imediatamente do Torpedo de Baixa Velocidade19 (Siluro
após a primeira detonação, uma segunda a Lenta Corsa [SLC]), dotado de duas
explosão foi ouvida, mandando a Fragata hélices propulsoras dispostas na popa e de
SMS Wien para o fundo.14 uma ogiva explosiva destacável situada
O sucesso da ação de Rossetti e Pa- na proa e com capacidade para transportar
olucci refletiu nas pesquisas que seriam dois homens – denominados Aurigas (Co-
desenvolvidas posteriormente pelo Corpo cheiros) – montados em “selas” construídas
de Engenheiros Navais (Genio Navale15) da sobre sua estrutura.20
Regia Marina. Ignorados após a conclusão O SLC, apelidado Maiale (Porco) em
da Primeira Guerra Mundial, os estudos virtude do desconforto e da falta de segu-
relacionados aos torpedos tripulados fo- rança que lhe eram peculiares, era transpor-
ram retomados em 1935, por ocasião do tado até a área de operações no interior de
assédio italiano à Etiópia.16 Deflagrada a um compartimento estanque posicionado
Segunda Guerra, a extensa costa europeia, no convés de uma embarcação submarina.21
repleta de instalações portuárias, passou a Nesse ponto é pertinente salientar que o

Figura 1: Esquema do SLC. (Fonte: Disponível em <http://www.comandosupremo. com/slc.html>.


Acesso em: 22 mar. 2014).

14. JORGENSEN, op. cit., pp. 68-69.


15. SCHOFIELD, William; CARISELLA, P. J. Frogmen First Battles. Wellesley MA: Branden Books, 2005, p. 19.
16. Corpo técnico, formado exclusivamente por oficiais, que tinha a responsabilidade de realizar o desenvolvimento
e prover a manutenção de todo o material naval empregado pela Regia Marina.
17. WALDRON, Tom; GLEESON, James. Mini-submarinos. História Ilustrada da 2a Guerra, Armas 18, Rio de
Janeiro: Renes, 1977, p. 8.
18. SCHOFIELD, William; CARISELLA, P. J. Frogmen First Battles. Wellesley MA: Branden Books, 2005, p. 19.
19. A velocidade reduzida deve-se, principalmente, a dois motivos: garantir a furtividade e evitar que os mergu-
lhadores fossem lançados para fora de suas selas.
20. WALDRON; GLEESON, op. cit., p. 11.
21. WALDRON; GLEESON, op. cit., pp. 11-12.

RMB1oT/2015 157
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

SLC (Maiale)
Comprimento 7,30 m (com ogiva)
Diâmetro 53 cm
Peso 1.200 kg (com ogiva)
Velocidade 4,5 nós
Motor Elétrico de 2.7 HP
Autonomia 16 km
Capacidade de Submersão 30 m
Armamento Ogiva explosiva (TNT) de 300 kg
Tripulação 2
Tabela 1: Especificações Técnicas do SLC (Fonte: JORGENSEN, 2005b, adaptado pelo autor)

desenvolvimento desta nova tecnologia lecer bases navais nos portos de Gibraltar
estimulou a criação da Primeira Flotilha de e Alexandria, passando a controlar as rotas
Meios de Assalto (Prima Flottiglia Mezzi de comunicação entre esses dois pontos,
d’Assalto [1a Flottiglia MAS]) em 1939, uma vez que ocupava as extremidades
com o intuito de promover operações de ocidental e oriental do Mar Mediterrâneo.23
sabotagem e assalto Diante desse cenário
anfíbio empregando adverso, era imperioso
Mergulhadores de Mussolini tinha plena para a Itália restabele-
Combate (MECs). cer a liberdade de sua
Abrimos um pa- consciência do despreparo navegação comercial
rêntese para destacar humano e material de no Mediterrâneo. As-
uma importante faceta suas Forças Armadas sim, inferiorizada mi-
da estratégia de en- litarmente em relação à
frentamento adotada inferiorizadas em relação Real Marinha Britânica
pela Regia Marina nas à Real Marinha Britânica. (Royal Navy), coube à
operações realizadas Regia Marina a tarefa
no Mar Mediterrâneo. Coube à Regia Marina a de planejar operações
Quando decretou guer- tarefa de planejar operações navais de natureza as-
ra à Inglaterra e à Fran- navais de natureza simétrica contra ambos
ça, uma vez que os os portos sob autorida-
Estados Unidos (EUA) assimétrica contra portos de britânica.
ingressariam oficial- sob autoridade britânica No contexto dos
mente no conflito ape- conflitos envolvendo
nas em dezembro de adversários estatais,
1941, Mussolini tinha plena consciência como nos embates travados ao longo da
do despreparo humano e material de suas Segunda Guerra Mundial, a modalidade de
Forças Armadas.22 Em 1940, a esquadra bri- guerra assimétrica pode ser definida como
tânica havia suplantado a italiana ao estabe- qualquer ação realizada de forma criativa e

22. JORDAN; WIEST, op. cit., p. 63.


23. BRODIE, Bernard. Guia de Estratégia Naval. Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval, 1961, p. 109.

158 RMB1oT/2015
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

inesperada por um ator dotado de poder de 1940, exercer efetivamente esse domínio
combate inferior em relação ao seu adversá- era algo que os britânicos não conse-
rio.24 Partindo desta premissa, os estrategis- guiriam até 1942, quando os Aliados
tas italianos colocaram os SLCs à prova dois intensificaram a luta terrestre contra
meses após a entrada da Itália na Segunda as tropas do Afrika Korps no Norte da
Guerra, com um ataque engendrado contra África e sua força naval cortou as linhas
a esquadra britânica posicionada no porto de comunicação que abasteciam os efeti-
de Alexandria (Egito). Idealizada para ser vos alemães entre a Itália e o continente
levada a cabo entre os dias 25 e 26 de agosto africano. 28 Para uma exata compreensão
de 1940, essa missão foi frustrada em virtude dos momentos distintos experimentados
da prévia detecção e do posterior afunda- pela Royal Navy entre 1940 (quando
mento do Submarino Iride, embarcação que a esquadra britânica do Mediterrâneo
transportava os três Maiale destacados para passa a controlar os portos de Gibraltar
a operação em questão. No mês seguinte, e Alexandria) e 1942 (quando os britâni-
dois ataques, realizados simultaneamente cos impedem as rotas de abastecimento
contra os portos de Gibraltar e Alexandria, ítalo-germânicas na porção central desse
redundaram em novo fracasso.25 mar), é necessário estabelecer a diferen-
Em março de 1941, como forma de en- ça entre os conceitos de “obter o domínio
godo para levar os britânicos a pensar que do mar” e “exercer o domínio do mar”.
existiam diversas tropas com propósito si- O domínio do mar é obtido quando um
milar, a unidade de MECs da Regia Marina dos atores é capaz de enfrentar o maior
foi reorganizada e rebatizada com o nome poder de combate do inimigo em uma
Décima Flotilha de Meios de Assalto (10a determinada área, fazendo prevalecer
Flottiglia MAS).26 Operando com sua nova sua superioridade naval. Por sua vez, um
denominação, os Aurigas, tripulando SLCs, desses atores exerce o domínio do mar
experimentariam seu primeiro êxito na valendo-se dessa superioridade para ga-
manhã de 19 de setembro de 1941, quando, rantir a mobilidade de suas embarcações
após penetrarem o intrincado sistema de- e restringir a liberdade de movimento
fensivo que guarnecia o porto de Gibraltar, dos navios adversários.29
afundaram três navios de bandeira britânica Em dezembro de 1941, a Royal Navy
(os petroleiros Denbydale e Fiona Shell, encontrava-se em sérias dificuldades no
além do cargueiro Durham).27 Mediterrâneo, uma vez que suas em-
barcações de guerra estavam expostas à
OPERAÇÃO DE SABOTAGEM NO ameaça submarina dos U-boats alemães,
PORTO DE ALEXANDRIA desdobrados do Atlântico para prover a
segurança dos comboios que abasteciam
Embora a Royal Navy detivesse o as tropas germânicas no Norte da Áfri-
domínio do Mar Mediterrâneo desde ca. Contudo, a presença dos poderosos
24. BREEN, Michael; GELTZER, Joshua A. “Estratégias Assimétricas como a opção dos mais fortes”. Military
Review. Fort Leavenworth, KS, Jan/Fev 2012, pp. 51-52.
25. WALDRON; GLEESON, op. cit., pp. 10-11.
26. JORGENSEN, Sven Erik. The First Frogmen 2. X-Ray Magazine. Copenhagen, no 9, 2005b. Disponível em:
<http://www.xray-mag.com/content/first-frogmen-part-2>. Acesso em: 10 ago. 2013, p. 89.
27. SCHOFIELD; CARISELLA, op. cit., pp. 109-116.
28. BRODIE, op. cit., p. 112.
29. Idem, p. 90.

RMB1oT/2015 159
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

encouraçados HMS Queen Elizabeth e o porto de Alexandria uma tarefa ainda


HMS Valiant, ambos atracados no pro- mais arriscada.31
tegido porto de Alexandria, representava O pequeno grupo de MECs destacados
perigo para os comboios de abastecimento para a operação, planejada e conduzida
ítalo-germânicos no Mediterrâneo. Assim, em sigilo absoluto pelo Departamento de
minar a capacidade de combate desses Assalto da 10a Flotilha MAS sob codinome
encouraçados era condição fundamental GA332, realizou toda sua preparação na
para a liberdade de navegação comercial Base Naval de La Spezia, região noroeste
das forças do Eixo.30 da Itália, onde cada um dos integrantes se
Quando os estrategistas italianos se familiarizou com os pormenores da missão
debruçaram sobre os dados de inteli- e aprimorou sua capacidade de empregar
gência coletados, avaliando qual seria a o equipamento completo de mergulho33 e
melhor opção para uma operação militar operar os Maiale.34
contra o porto de Alexandria, ficou evi- Finalmente, no dia 3 de dezembro de
dente que o modelo de ação que oferecia 1941, sob comando do Capitão de Corveta
menores riscos era aquele que conside- Junio Valerio Borghese, o Submarino
rava o assalto mergulhado empregando Scirè partiu de La Spezia transportando
SLCs. É importante destacar que os três compartimentos estanques vazios sob
torpedos tripulados italianos que viti- pretexto de realizar testes em mar aberto.
maram três navios no porto de Gibraltar Durante a noite, transportados por barcaça
despertaram a atenção das autoridades ao encontro do Scirè, os Maiale foram de-
britânicas no Mediterrâneo, levando-as vidamente instalados em seus respectivos
a intensificar os sistemas defensivos compartimentos. Navegando rumo ao Mar
portuários contra ameaças desse tipo, fato Egeu, o submarino atracou na ilha grega
que tornou a operação de ataque contra de Leros seis dias depois para embarcar a

SLC Tripulação Objetivo


Tenente Luigi Durand de la Penne HMS Valiant
SLC no 221 (encouraçado)
Cabo Emílio Bianchi
Capitão (AN35) Vincenzo Martellotta HMS Eagle
SLC no 222 (navio-aeródromo)
Cabo Mario Marino
Capitão (GN36) Antonio Marceglia HMS Queen Elizabeth
SLC no 223 (encouraçado)
Marinheiro Spartaco Schergat
Tabela 2: Grupo de MECs italianos destacados para a operação de assalto ao porto de Alexandria
(Fonte: SCHOFIELD; CARISELLA, 2005, adaptado pelo autor)

30. HERNÁNDEZ, Jesús. Operações Secretas da Segunda Guerra Mundial: conspirações, agentes secretos,
contra-espionagem, golpes e sabotagem. São Paulo: Madras, 2012, pp. 262-263.
31. WALDRON; GLEESON, op. cit., pp. 15-17.
32. Este nome-código foi escolhido por ser esta a terceira tentativa de invasão do porto de Alexandria engendrada
pela 10a Flottiglia MAS.
33. Este equipamento era constituído pelo traje impermeável Belloni (criação do Capitão de Corveta Agnelo Belloni).
34. BARBIERI, Carlo. Alessandria 1941. Lega Navale. Roma, ano CXV, no 5-6, mai/jun 2012, p. 28.
35. Acrônimo italiano usado em referência ao corpo técnico de Armas Navais (Armi Navale) da Regia Marina.
36. Sigla italiana empregada em referência ao corpo de Engenheiros Navais (Genio Navale) da Regia Marina.

160 RMB1oT/2015
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

Fotografia 1: Submarino Scirè, em primeiro plano, com os compartimentos cilíndricos estanques para o transporte
de SLCs dispostos no convés (Fonte: SCHOFIELD; CARISELLA, 2005, p. 32)

tripulação dos SLCs, que lá havia chegado ciais que restringiam o acesso a um estreito
por via aérea.37 corredor que conduzia ao porto egípcio.
O submarino deixou a Grécia no dia 14 Evitando serem detectados, os Aurigas se
de dezembro, alcançando a área de opera- aproximaram da rede metálica que matinha
ção no anoitecer do dia 18 (18h40), quando a passagem para o porto fechada. Impos-
avistou o Farol de Ras-el-Tin, localizado na sibilitados de empregar o potente alicate
entrada do porto de Alexandria. Duas horas que transportavam para lidar com situa-
depois, oculto pela escuridão da noite, o ções dessa ordem, uma vez que o barulho
Scirè emergiu o suficiente para fazer flutuar provocado por tal ação poderia chamar a
os SLCs, retirados de seus compartimentos atenção das sentinelas que tripulavam as
pelos MECs, que instantes depois iniciaram lanchas-patrulha, os MECs tiveram que
o lento e cauteloso trajeto em direção ao seu aguardar a aproximação de um conjunto
objetivo, navegando próximo da costa.38 de navios, que, ao ingressarem no porto
Seguindo seu curso cautelosamente em pela abertura temporária da rede metálica,
meia imersão para facilitar a identificação permitiram que os SLCs também a pene-
de pontos de referência, os Maiale e suas trassem furtivamente.39
respectivas tripulações tentavam evitar o Navegando cautelosamente junto ao
intrincado sistema defensivo da instalação cais, cada uma das tripulações, após iden-
portuária, formado por uma providencial tificar o alvo que lhe era atinente, passou
combinação de barreiras naturais e artifi- a operar por conta própria, realizando

37. HERNÁNDEZ, op. cit., pp. 270-271.


38. SCHOFIELD; CARISELLA, op. cit., pp. 125-126.
39. HERNÁNDEZ, op. cit., pp. 271-272.

RMB1oT/2015 161
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

eles avistada. Entretanto, após submergi-


rem em direção ao alvo, a dupla de Aurigas
seguiu uma rota equivocada, posicionando
o SLC embaixo de um cruzador. Perceben-
do o engano, eles corrigiram sua direção e
navegaram até a embarcação que lhes era
designada.41
Conforme procedimento operacional
sistematicamente estudado em La Spezia,
os torpedos tripulados nos 222 e 223 posi-
cionaram-se sob os navios-alvo e instalaram
os artefatos explosivos junto às quilhas de
ambos. O processo de instalação das cargas
explosivas requeria que o SLC se aproxi-
masse em imersão por baixo da embarcação
selecionada, cabendo ao MEC sentado na
segunda sela dos Maiale a tarefa de acoplar
Fotografia 2: Operador da 10a MAS equipado com uma presilha na quilha de balanço nos dois
o dispositivo de respiração subaquática ARO (Auto
bordos do navio. Devidamente fixadas, essas
Respiratore ad Ossigeno) e o traje de mergulho
Vestito Belloni (Fonte: BARBIERI, 2012, p. 28) presilhas eram ligadas por um cabo que,
atravessando o anel de sustentação da ogiva,
aproximação para iniciar os procedimentos fazia pender o artefato imediatamente abaixo
de instalação das ogivas. Como o HMS Ea- do casco da embarcação-alvo. O temporiza-
gle não se encontrava dor da carga explosiva
atracado no porto de deveria ser acionado
Alexandria, pois ha- Conforme procedimento momentos antes de o
via partido no início torpedo tripulado se
daquela mesma noite operacional estudado em evadir do local.42
rumo ao Canal de Suez La Spezia, os torpedos Por sua vez, após
e ao Oceano Índico, tripulados n 222 e 223
os transporem a rede de
coube à tripulação do proteção que envolvia
SLC n o 222 a tare- posicionaram-se sob os o HMS Valiant, De La
fa de escolher alvos navios-alvo e instalaram os Penne e Bianchi tive-
de oportunidade que ram grandes dificuldades
estivessem ao longo artefatos explosivos junto ao tentar fixar a ogiva
de sua rota. 40 Após às quilhas do SLC no 221 junto à
uma breve avaliação quilha da embarcação.
de um grupo de navios Enquanto manobravam
atracados no porto, Martellotta e Marino para posicionar o Maiale sob o casco do
optaram por instalar sua ogiva no casco do encouraçado, experimentando os efeitos da
Petroleiro Sagona, a maior embarcação por exaustão e do frio devido ao longo tempo –

40. SCHOFIELD; CARISELLA, op. cit., p. 132.


41. McRAVEN, William Harry. SPEC OPS: case studies in special operations warfare theory and practice. New
York: Presidio Press, 1995, p. 111.
42. HERNÁNDEZ, op. cit., p. 268.

162 RMB1oT/2015
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

Figura 2: Concepção artística do procedimento de instalação da ogiva do Maiale sob o casco de uma
embarcação inimiga (Fonte: Disponível em: <http://www.militaryart. com/mall/more.php?ProdID=24514>.
Acesso em: 14 mai. 2014)

cerca de oito horas – de atividade na água, De extremo esforço, ele acionou o detonador da
La Penne perdeu a governabilidade do torpe- carga explosiva e nadou para a boia de amar-
do, que acabou chocando-se com o casco do ração do navio, onde, para sua surpresa, se
HMS Valiant e desceu deparou com Bianchi.44
para o fundo lamacento, A exemplo de seus
onde um dos cabos da A exemplo de seus companheiros dos
rede protetora se enros- companheiros dos SLCs SLCs nos 222 e 223,
cou no hélice do SLC,
provocando uma pane
nos 222 e 223, capturados capturados na costa
egípcia em seu proce-
que o fez parar repenti- em seu procedimento de dimento de evasão, De
namente. Abandonando evasão, De La Penne e La Penne e Bianchi
sua sela, Bianchi nadou foram detidos e in-
até a popa do SLC para Bianchi foram detidos terrogados pelo Capi-
desobstruir o hélice e, e interrogados pelo tão Charles Morgan,
após fazê-lo, viu-se for- comandante do HMS
çado a nadar para uma
comandante do Valiant. Sem respon-
das boias de amarração HMS Valiant. der a nenhum dos ques-
do encouraçado devi- De La Penne resolveu tionamentos do oficial
do a uma falha em seu britânico, ambos foram
sistema de respiração.43 alertar sobre a iminência da feitos prisioneiros nos
Incapaz de reativar o explosão, que ocorreria nos conveses inferiores do
Maiale e sem outra al- navio. Eles permanece-
ternativa viável, De La
minutos seguintes ram ali por duas horas
Penne levou cerca de 40 e meia, até que De La
minutos para arrastar o torpedo e colocá-lo na Penne resolveu quebrar o silêncio, envian-
posição mais próxima entre o solo marinho e do uma mensagem para o Capitão Morgan
o casco do Valiant. Em seguida, exaurido pelo alertando-o sobre a iminência da explosão,

43. BARBIERI, op. cit., p. 30.


44. McRAVEN, op. cit., p. 94.

RMB1oT/2015 163
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

Figura 3: Rota de aproximação dos torpedos tripulados italianos no porto de Alexandria


(Fonte: BARBIERI, 2012, p. 32)
que, conforme suas estimativas, ocorreria provocados pela onda de choque produzida
nos minutos seguintes. Por volta das 6 pela carga explosiva.46
horas da manhã do dia 19 de dezembro, O resultado da ação dos MECs italianos
enquanto os tripulantes se deslocavam para no porto de Alexandria causou um imenso
o convés superior, atendendo a ordem de infortúnio para a Royal Navy, uma vez
evacuação emitida pelo oficial comandante, que comprometeu seriamente as duas em-
o encouraçado estremeceu com a detonação barcações mais importantes da esquadra
da carga explosiva, que provocou uma série britânica na tarefa de romper as linhas
de avarias que comprometeram significati- de abastecimento das forças do Eixo no
vamente o fundo do casco.45 Mediterrâneo. Devido às avarias provoca-
Em um intervalo não superior a 15 das pelas ogivas dos torpedos tripulados
minutos da primeira explosão, seguiram- italianos, tanto o HMS Queen Elizabeth
-se a segunda e a terceira detonação, que quanto o HMS Valiant encontravam-se em
acabaram por abalar as estruturas do HMS condições tão precárias que as embarcações
Queen Elizabeth e do Petroleiro Sagona, somente voltariam a deixar o porto depois
respectivamente. Por encontrar-se muito de um longo período de reparos. Entretanto,
próximo ao petroleiro, o Contratorpedeiro os italianos não conseguiram se valer dessa
HMS Jervis também sofreu sérios danos experiência em eventos futuros, pois os bri-
45. WALDRON; GLEESON, op. cit., pp. 18-20.
46. SCHOFIELD; CARISELLA, op. cit., p. 133.

164 RMB1oT/2015
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

tânicos trataram de ludibriar a inteligência de Alexandria é citado como o exemplo


italiana mantendo ambos encouraçados em mais eficiente desse gênero de missão,
atividade aparente, atitude que levou os pois redundou em um golpe decisivo que
espiões, apesar das evidências coletadas, minou a capacidade britânica de opor-se ao
a questionar o poder destrutivo da ação abastecimento das tropas do Eixo no norte
subaquática de seus compatriotas. Diante da África, muito embora essa vantagem
desse quadro, receoso de que as belonaves tenha se perdido por ocasião de uma decisão
britânicas estivessem em perfeitas condi- equivocada do Dulce.
ções operacionais, Mussolini ordenou que É pertinente destacar, como indicador do
sua frota mercante permanecesse atracada peso que a ação dos Aurigas em Alexandria
nos portos italianos.47 teve sobre os Aliados, que o premiê britânico
Winston Churchill, em seu característico
CONSIDERAÇÕES FINAIS tom veemente, questionou seus chefes de
Estado-Maior acerca das medidas adotadas
O levantamento histórico das guerras contra aquele tipo de ofensiva, bem como
coloca os MECs italianos na condição de sobre as restrições que dificultavam um
pioneiros em ações empreendimento Aliado
de ataque mergulhado valendo-se dos mesmos
utilizando submarinos O modus operandi das meios que os MECs
como plataforma de italianos. 48 Posterior-
infiltração para ope- tropas de Operações mente, aproveitando
rações de assalto. In- Especiais deixado pelos os conhecimentos ad-
troduzido durante a
Primeira Guerra Mun-
MECs italianos permanece quiridos por ocasião de
SLCs apreendidos em
dial, o emprego de pe- como uma referência operações anteriores, os
quenos dispositivos histórica irrefutável britânicos desenvolve-
autopropulsados para riam o torpedo de dois
o transporte de mergu- tripulantes denominado
lhadores, como o Mignatta, evoluiu no perí- Chariot, cuja dinâmica operacional era mui-
odo entre guerras com a introdução do SLC, to semelhante à dos Maiale.49
que foi colocado à prova no Mediterrâneo Apesar da frustração experimentada em
em diversas ocasiões ao longo da Segunda alguns engajamentos executados sem suces-
Guerra. Nos dois conflitos mundiais ocor- so, no decorrer da Segunda Guerra Mundial
ridos na primeira metade do século XX, os os MECs italianos conduziram 12 missões
Aurigas precisaram não apenas proceder de nas quais afundaram ou avariaram um total
forma inovadora, mas, sobretudo, imbuírem- de 25 embarcações – cinco navios de guerra
-se de ousadia e coragem para desempenhar e 12 navios mercantes –, totalizando 130.000
um tipo de missão particularmente difícil e t de material perdido pelos Aliados devido à
extremamente arriscada. O ataque ao porto atuação da 10a Flotilha MAS.50

47. HERNÁNDEZ, op. cit., p. 276.


48. WALDRON; GLEESON, op. cit., p. 36.
49. Idem, p. 39.
50. CHANT, Chris. Special Forces: history, roles and missions, training, weapons and equipment, combat scenarios.
Bath: Parragon Books, 2012, p. 23.

RMB1oT/2015 165
ATAQUE DOS MERGULHADORES DA MARINHA ITALIANA CONTRA NAVIOS BRITÂNICOS EM ALEXANDRIA

Estudados no período pós-guerra, os ao inimigo valendo-se dos seis princípios


procedimentos operacionais adotados no das Operações Especiais (OpEsp), a saber:
decorrer do conflito pelos MECs da Regia simplicidade, segurança, repetição, surpre-
Marina contribuíram significativamente sa, rapidez e propósito.51
para que as forças navais ao redor do Atualmente, mesmo diante da neces-
mundo desenvolvessem unidades análogas sidade de diversificar o modus operandi
aptas a promover ações similares àquelas das tropas de Operações Especiais diante
realizadas pelos Aurigas na década de 1940. da nova ordem mundial, o legado deixado
A ação desempenhada pelos torpedos tripu- pelos MECs italianos na Segunda Guerra
lados em Alexandria notabilizou-se como Mundial permanece como uma referência
modelo de operação não convencional, histórica irrefutável que baliza a gênese
que, ao minimizar as Fricções de Guerra, do Mergulho do Combate como atividade
alcançou superioridade relativa em relação militar sistemática.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Marinha da Itália; Marinha da Inglaterra; Mergulho; Submarino;
Alexandria;

BIBLIOGRAFIA

BARBIERI, Carlo. Alessandria 1941. Lega Navale. Roma, ano CXV, no 5-6, mai/jun 2012, pp. 28-32.
BREEN, Michael; GELTZER, Joshua A. “Estratégias Assimétricas como a opção dos mais fortes”.
Military Review. Fort Leavenworth, KS, jan/fev 2012, pp. 51-62.
BRODIE, Bernard. Guia de Estratégia Naval. Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval, 1961.
CHANT, Chris. Special Forces: history, roles and missions, training, weapons and equipment, combat
scenarios. Bath: Parragon, 2012.
HERNÁNDEZ, Jesús. Operações Secretas da Segunda Guerra Mundial: conspirações, agentes se-
cretos, contra-espionagem, golpes e sabotagem. São Paulo: Madras, 2012.
JORDAN, David; WIEST, Andrew. Alemanha versus Inglaterra. Atlas da Segunda Guerra Mundial.
v. 1, São Paulo: Escala, 2008, pp. 63-95.
JORGENSEN, Sven Erik. The First Frogmen. X-Ray Magazine. Copenhagen, no 7, 2005a, pp. 67-72.
Disponível em: <http://www.xray-mag.com/content/first-frogmen>. Acesso em: 10 ago. 2013.
________. The First Frogmen 2. X-Ray Magazine. Copenhagen, no 9, 2005b, pp. 85-93. Disponível
em: <http://www.xray-mag.com/content/first-frogmen-part-2>. Acesso em: 10 ago. 2013.
McRAVEN, William Harry. SPEC OPS: case studies in special operations warfare theory and practice.
New York: Presidio Press, 1995.
RIBERA, Antonio. Los hombres-peces. 3. ed. Barcelona: juventud, 1976.
SCHOFIELD, William; CARISELLA, P. J. Frogmen First Battles. Wellesley MA: Branden Books,
2005.
SOUTO MAIOR, Armando. História Geral. São Paulo: Editora Nacional, 1976.
WALDRON, Tom; GLEESON, James. Minissubmarinos. História Ilustrada da 2a Guerra, Armas 18,
Rio de Janeiro: Renes, 1977.
ZAHAR, Cristina; FONSECA, Ana (Ed.) “A Bota Fascista”. Segunda Guerra Mundial: 60 anos. A
ofensiva do nazismo. v. 1, São Paulo: Abril, 2005, pp. 40-45.

51. McRAVEN, op. cit., pp. 102-112.

166 RMB1oT/2015
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

Leonam dos Santos Guimarães*


Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN)

SUMÁRIO

Introdução
MIRVs asiáticos
Armas nucleares táticas do Paquistão
Evolução na precisão e velocidade dos mísseis
Modernização militar da China
Abolição das Armas Nucleares
Conclusões

Introdução decisão sobre seu emprego. Com efeito,


as armas nucleares foram o fundamento da

D esde os bombardeios atômicos de Hi-


roshima e Nagasaki, as armas nucleares
têm ocupado um lugar de destaque na segu-
estratégia americana para defender a Europa
diante de um poder militar convencional
soviético numericamente superior durante
rança mundial. Toda uma nova disciplina a Guerra Fria2.
acadêmica de estudos estratégicos1 surgiu Nessa época, a maior parte do debate esteve
para fornecer os fundamentos teóricos aos focado no equilíbrio nuclear Estados Unidos
líderes políticos envolvidos na tomada de da América – União das Repúblicas Socialis-
* Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobras Termonuclear SA – Eletronuclear. Colaborador
habitual da Revista Marítima Brasileira.
1 Nuclear strategy. http://en.wikipedia.org/wiki/Nuclear_strategy
2 Guerra Fria. http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

tas Soviéticas (EUA-URSS), sem dúvida a Por outro lado, a comunidade não gover-
ameaça mais provável e mais perigosa. Esse namental dos estudos estratégicos nucleares
equilíbrio foi mantido com base na doutrina foi sendo eclipsada pela comunidade da não
da Mutual Assured Destruction3 (MAD), ou proliferação e controle de armas7, que se es-
seja, na manutenção de um status quo no qual força para tentar abolir as bombas nucleares,
nenhuma das duas superpotências poderia mas que muito pouco foca na busca pela mi-
vencer uma guerra nuclear, pois se a guerra nimização do perigo representado por aquelas
fosse iniciada por uma delas ambas acabariam bombas existentes nos arsenais nucleares dos
destruídas. O desenvolvimento de sistemas EUA, Rússia, França, Grã-Bretanha, China,
antimísseis balísticos (ABM4) e a Iniciativa Índia, Paquistão e Israel representam.
de Defesa Estratégica (SDI5) foram grandes Sem nenhuma dúvida, essas atividades
ameaças a esse equilíbrio. Os ABM foram são importantes e necessárias. No entanto,
objeto de tratado específico limitando seu uso,6 eles criaram um vácuo, na medida em que
e a SDI é muitas vezes apontada como uma muito pouco se discutem (e muito menos se
das principais causas da minimizam) as ameaças
queda da URSS. nucleares reais que o
Desde o colapso Desde o colapso da URSS, mundo de hoje enfren-
da URSS, entretanto, ta. Infelizmente, essas
as armas nucleares
as armas nucleares ameaças, tão discutidas
continuam sendo uma continuam sendo uma das durante a Guerra Fria,
das principais preo- principais preocupações não desapareceram com
cupações geopolíticas a queda do Muro de Ber-
mundiais. No entanto, geopolíticas mundiais lim. Com a esperança de
o debate internacional provocar esse necessário
decorrente não é focado nos países que debate, vamos tentar identificar as ameaças
possuem arsenais nucleares operacionais nucleares reais que se acredita serem as mais
(EUA, Rússia, China, França, Grã-Bre- perigosas e sobre as quais pouco se discute.
tanha, Índia, Paquistão, Israel). A grande
visibilidade da política externa dos “cinco MIRVs asiáticos
grandes”, membros do Conselho de Segu-
rança da Organização das Nações Unidas Como já discutido em artigo anterior8,
(ONU), está nas hipotéticas armas nuclea- a ameaça nuclear mais perigosa que o
res operacionais que estados classificados mundo enfrenta atualmente é a perspec-
como “rogue” (Coreia do Norte, Irã, Iraque, tiva de China e Índia obterem Multiple
Síria, Líbia, entre outros), bem como gru- independently targetable reentry vehicles
pos terroristas, não têm (com sucesso até (MIRV). Os MIRVs9 permitem aos mísseis
agora, exceto no caso da Coreia do Norte). balísticos transportarem múltiplas ogivas

3 Mutual assured destruction. http://en.wikipedia.org/wiki/Mutual_assured_destruction


4 Anti-ballistic missile. http://en.wikipedia.org/wiki/Anti-ballistic_missile
5 Strategic Defense Initiative. http://en.wikipedia.org/wiki/Strategic_Defense_Initiative
6 Anti-Ballistic Missile Treaty. http://en.wikipedia.org/wiki/Anti-Ballistic_Missile_Treaty
7 Por exemplo, Center for Arms Control and Non-Proliferation. http://armscontrolcenter.org/
8 Ninguém está falando da mais perigosa ameaça nuclear de hoje. http://www.jornal.ceiri.com.br/ninguem-
-esta-falando-da-mais-perigosa-ameaca-nuclear-de-hoje-desenvolvimento-de-misseis-mirv-pela-china-e-india/
9 Multiple independently targetable reentry vehicle. http://en.wikipedia.org/wiki/Multiple_independently_targe-
table_reentry_vehicle

168 RMB1oT/2015
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

nucleares, cada uma sendo destinada a um Assim, é absolutamente crucial que a Rús-
alvo diferente. sia mantenha uma grande vantagem sobre
Durante a Guerra Fria, a introdução a China no domínio nuclear. Um arsenal
de mísseis MIRV desestabilizou muito o nuclear chinês em rápida expansão com-
equilíbrio nuclear EUA-URSS, tornando prometeria muito isso. No futuro poderá
os arsenais nucleares mais suscetíveis de ocorrer que os mísseis MIRV da China
serem destruídos por um primeiro ataque invalidem todos os esforços de controle
de surpresa inimigo, ou seja, criou a pos- de armas dos EUA e da Rússia ao longo
sibilidade de um dos lados ganhar a guerra de décadas.
nuclear. Para compensar este risco, EUA e
URSS construíram mais armas nucleares Armas Nucleares Táticas do
e as dispersaram por um maior número Paquistão
de locais.
Isto seria especialmente problemático Ao contrário do que aparenta numa pri-
caso o mesmo se repetisse agora para Índia meira vista, o Paquistão não adquiriu armas
e China, que têm mantido arsenais nuclea- nucleares para combater o arsenal da Índia,
res extremamente pequenos em relação aos mas para “compensar” sua inferioridade
mantidos pelos EUA e URSS/Rússia. O em termos de poder militar convencional.
impacto mais imediato Aliás, essa foi a mesma
da China e da Índia motivação de Israel.
obterem MIRVs será As armas nucleares táticas Na verdade, a de-
a expansão de seus seriam mais suscetíveis cisão paquistanesa de
respectivos arsenais buscar armas nucleares
nucleares. O impacto, a roubos por qualquer foi feita em uma reu-
entretanto, não será um dos inúmeros grupos nião, em janeiro 1972,
limitado somente aos em Multan, no sul de
dois países. Por um
terroristas Punjab, Paquistão. No
lado, um arsenal nu- mês anterior, o poder
clear indiano, em rápida expansão, deixará militar do Paquistão tinha sido gravemente
o Paquistão temeroso de que seu arsenal humilhado em sua guerra com a Índia10, o
possa ser destruído em um primeiro ataque. que resultou no então Paquistão Oriental
É provável que, em resposta, o Paquistão tornar-se o atual Estado independente de
expanda seu próprio arsenal tão rapida- Bangladesh. Esta perda de quase metade
mente quanto possível e busque também do seu território fez o Paquistão aumentar
obter seus próprios MIRVs (talvez com a ainda mais sua inferioridade em termos de
ajuda da China). população (de 5:1 para 10:1 em favor da
Da mesma forma, a Rússia depende cada Índia) e potencial econômico. Essa guerra
vez mais de seu massivo arsenal nuclear de 1971 também destruiu a crença predo-
para “compensar” uma relativa perda de minante no Paquistão de que seu poder
poder militar convencional. Como a moder- militar seria qualitativamente superior às
nização militar da China continua, Moscou forças armadas indianas e reforçou a ideia
vai se tornar ainda mais dependente de suas de que a Índia buscava desmantelar e ab-
armas nucleares para dissuadir os chineses. sorver o país.

10 Indo-Pakistani War of 1971. http://en.wikipedia.org/wiki/Indo-Pakistani_War_of_1971

RMB1oT/2015 169
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

Como resultado, não é surpreendente indevido. Finalmente, as armas nucleares


que o Paquistão esteja buscando armas táticas seriam mais suscetíveis a roubos por
nucleares táticas11 para usar no campo de qualquer um dos inúmeros grupos terroris-
batalha contra a Índia, especialmente à luz tas que atuam na região.
da doutrina militar indiana de Cold Start12.
Afinal, a Organização do Tratado do Atlân- Evolução na Precisão e
tico Norte (OTAN) até hoje possui armas Velocidade dos Mísseis
nucleares táticas na Europa e na Turquia13
que foram originalmente instaladas para Um grande esforço tecnológico vem
compensar a superioridade convencional sendo aplicado ao aperfeiçoamento da
da URSS, o que indica que a motivação precisão das armas convencionais. Uma
permanece com a Rússia, não tendo sido munição guiada de precisão, ou “bomba
afetada pela queda do Muro de Berlim e inteligente” (Precison Guided Munition14,
pelo fim da URSS. Smart Bomb15), é uma arma com guiagem
No entanto, as ar- ativa com a intenção
mas nucleares táti- de acertar com preci-
cas devem ser vistas A aquisição de mísseis são um alvo específico,
com muita cautela, de alta precisão pelas minimizando danos co-
especialmente quan- laterais. Todos já vimos
do operadas por um potências nucleares vídeos dessas armas em
país como o Paquistão. pode significar o fim da ação realizando os cha-
Por um lado, as armas
nucleares táticas res-
estratégia da Destruição mados “bombardeios
cirúrgicos”.
saltam a disposição do Mútua Assegurada e da Entretanto, pouco,
Paquistão em empre- consequente doutrina ou mesmo nada, se dis-
gar armas nucleares, cute sobre como essa
mesmo que seja para relacionada ao não evolução na precisão
responder a ameaças primeiro uso de armas dos mísseis afeta as
convencionais. Além armas nucleares. Essa
disso, de forma a se-
nucleares evolução, entretanto,
rem eficazes, as armas tem o potencial de mi-
nucleares táticas do Paquistão teriam que nar o equilíbrio estratégico nuclear. A
ser mantidas em estado de prontidão para aquisição de mísseis de alta precisão pelas
serem empregadas em curto prazo. Mais potências nucleares pode significar o fim
ainda, uma vez instaladas na linha de frente, da estratégia da Destruição Mútua Asse-
os comandantes no campo de batalha pro- gurada16 (MAD) e da consequente doutrina
vavelmente teriam que ter autoridade para relacionada ao não primeiro uso de armas
empregá-las, aumentando o perigo de uso nucleares17. Isso porque seu emprego pode

11 Tactical nuclear weapon. http://en.wikipedia.org/wiki/Tactical_nuclear_weapon


12 Cold Start (military doctrine). http://en.wikipedia.org/wiki/Cold_Start_%28military_doctrine%29
13 U.S. Nuclear Weapons in Europe: Critical for Transatlantic Security. http://www.heritage.org/research/re-
ports/2014/02/us-nuclear-weapons-in-europe-critical-for-transatlantic-security
14 Precision-guided munition. http://en.wikipedia.org/wiki/Precision-guided_munition
15 Guided bomb. http://en.wikipedia.org/wiki/Guided_bomb
16 The End of MAD?. http://www.mitpressjournals.org/doi/pdf/10.1162/isec.2006.30.4.7
17 No first use. http://en.wikipedia.org/wiki/No_first_use

170 RMB1oT/2015
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

permitir o sucesso de um primeiro ataque na destruição total do arsenal nuclear de


de surpresa18 e, com isso, uma potência po- um oponente, mesmo que ele seja de porte
deria vencer uma guerra nuclear, causando massivo, como o da Rússia. Na verdade,
danos limitados ao oponente. esses autores alegam que os formuladores
A estratégia MAD se fundamenta em de políticas dos EUA construíram efeti-
dois pressupostos básicos. Em primeiro vamente suas forças estratégicas com o
lugar, que as superpotências nucleares objetivo de ter a capacidade de empregar
sempre teriam capacidade de um segundo armas nucleares para destruir as forças es-
ataque de retaliação que tornaria impossível tratégicas de qualquer outro país, ou seja,
para uma delas destruir o arsenal nuclear da de obter a primazia estratégica.
outra com um ataque surpresa. Em segundo Com efeito, o esforço para neutralizar as
lugar, que o poder destrutivo das armas forças estratégicas do adversário e alcançar
termonucleares e a natureza indiscriminada a primazia se estende por quase todos os do-
da destruição por elas provocada tornam mínios da guerra moderna, não se limitando
seu uso abominável. à capacidade de ataque
Relacionado à MAD nuclear. Por exemplo,
está o preceito de que É a precisão que determina inclui os sistemas de
nenhuma superpotên- a letalidade de arma defesa contra mísseis
cia poderia vencer a
outra num conflito ter-
nuclear. Fazer uma arma balísticos (ABM), a
guerra antissubmarino,
monuclear. duas vezes mais precisa a inteligência eletrôni-
A evolução na pre- tem o mesmo efeito sobre ca, sistemas de vigilân-
cisão dos mísseis pode cia e reconhecimento,
anular esses pressu- a letalidade como fazer a guerra cibernética
postos. Para começar, uma ogiva oito vezes mais ofensiva e ataque con-
a incrível precisão dos vencional de precisão
sistemas de mísseis
potente de curto, médio e longo
modernos torna a des- alcance.
truição total do arsenal nuclear do opo- Além de comprometer a MAD, a crescen-
nente em um primeiro ataque de surpresa te precisão dos mísseis modernos também
bem-sucedido muito mais plausível. Isso potencialmente enfraquece a doutrina de
é particularmente verdadeiro contra po- não primeiro uso de armas nucleares. Esta
tências nucleares que têm, pelo menos por doutrina foi construída, em grande parte,
enquanto, arsenais nucleares relativamente sobre o conceito de que as armas nucleares
pequenos em comparação com Rússia e eram moralmente repugnantes porque seu
os EUA. poder de destruição maciça e as severas
No entanto, após a modelagem de um consequências radiológicas colaterais cor-
potencial primeiro ataque contra as forças respondentes iriam dizimar populações in-
estratégicas da Rússia, Lieber e Press19 discriminadamente. No entanto, é a precisão
concluíram que os EUA poderiam, com que determina a letalidade de arma nuclear.
um alto grau de probabilidade, ter sucesso Fazer uma arma duas vezes mais precisa

18 Pre-emptive nuclear strike. http://en.wikipedia.org/wiki/Pre-emptive_nuclear_strike


19 The Rise of U.S. Nuclear Primacy. http://www.foreignaffairs.com/articles/61508/keir-a-lieber-and-daryl-g-press/
the-rise-of-us-nuclear-primacy

RMB1oT/2015 171
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

tem o mesmo efeito sobre a letalidade como de poder explosivo reduzido, este número
fazer uma ogiva oito vezes mais potente20. cairia para menos de 700 vítimas.
Dito de outra forma, fazer um míssil duas Simultaneamente ao aumento da precisão,
vezes mais preciso exigiria apenas um oi- um grande desenvolvimento tecnológico vem
tavo do poder explosivo de sua cabeça de ocorrendo também na velocidade. Os mísseis
combate para manter a mesma letalidade. de cruzeiro modernos24 podem atingir veloci-
Além disso, as consequências radiológicas dades não só supersônicas como hipersônicas
são proporcionais ao poder explosivo da (mais de cinco vezes a velocidade do som).
arma e decaem de acordo com o quadrado Por exemplo, o míssil BrahMos-II25, em de-
da distância do ponto da explosão , o que
21
senvolvimento pela Índia e pela Rússia, pode
minimiza os impactos colaterais. atingir a velocidade de Mach 7 (8.575 km/h).
Conclui-se, portanto, que, com a evolução A China26 e os EUA27 também desenvolvem
da precisão, as bombas nucleares podem mísseis hipersônicos.
se tornar uma arma de guerra passível de Sistemas como o Prompt Global Strike, em
emprego numa situa- desenvolvimento pelos
ção de conflito grave EUA, que poderia lançar
ou guerra. Essa evolu- A modernização militar um ataque com mísseis
ção permitiria destruir da China é uma ameaça de precisão que atingi-
instalações nucleares riam seus alvos em até
protegidas de um ini- nuclear e vai forçar a uma hora, podem inviabi-
migo com armas de Rússia a se tornar cada lizar a ação dos sistemas
baixo poder explosivo, vez mais dependente de de alerta antecipado das
reduzindo assim em demais potências nucle-
muito as consequências suas armas nucleares – ares, impedindo-as de
radiológicas e os da- provavelmente a Índia responder a um ataque,
nos colaterais. De fato, devido aos curtíssimos
usando um modelo de também tempos envolvidos.
computador do Pen- O desenvolvimento
tágono22, especialistas de mísseis hipersônicos
estimam que um ataque nuclear americano de grande precisão aumenta em muito a
contra silos de mísseis balísticos (ICBM23) da probabilidade de sucesso de uma potência
China usando armas de alto poder explosivo nuclear destruir totalmente o arsenal de outra
detonadas no solo poderia matar entre 3 e 4 sem que essa tenha como responder a tal ata-
milhões de pessoas. Usando armas precisas que de surpresa. Isso comprometeria de forma

20 First Strike!: The Pentagon’s Strategy for Nuclear War. https://books.google.com.br/books?id=x__CgnLTLq


kC&printsec=frontcover&dq=first+strike&hl=pt-BR&sa=X&ei=y7HrVLztIda4ogTSiYCwDw&ved=0CC
cQ6AEwAA#v=onepage&q=first%20strike&f=false
21 Inverse-square law. http://en.wikipedia.org/wiki/Inverse-square_law
22 The Nukes We Need. http://www.foreignaffairs.com/articles/65481/keir-a-lieber-and-daryl-g-press/
the-nukes-we-need
23 Intercontinental ballistic missile. http://en.wikipedia.org/wiki/Intercontinental_ballistic_missile
24 Cruise missile. http://en.wikipedia.org/wiki/Cruise_missile
25 BrahMos-II. http://en.wikipedia.org/wiki/BrahMos-II
26 China’s New Hypersonic Missile Can Scream Past US Air Defenses. http://gizmodo.com/
chinas-new-hypersonic-missile-can-scream-past-us-air-d-1501458331
27 Prompt Global Strike. http://en.wikipedia.org/wiki/Prompt_Global_Strike

172 RMB1oT/2015
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

irreversível a estratégia MAD e a doutrina de doras tem sido a força motriz por trás da
não primeiro uso, amplificando enormemente decisão de muitos Estados obterem armas
a ameaça de uma guerra nuclear. Passaria a nucleares. Por exemplo, a França tomou
vigorar a síndrome use them or lose them. a decisão de construir armas nucleares
poucos dias depois que a OTAN decidiu
Modernização militar da rearmar a Alemanha Ocidental. Tendo
China em conta que os seus inimigos árabes
eram muito maiores e mais povoados do
A modernização militar da China28 é uma que Israel, e inclinados à destruição deste
ameaça nuclear mais do que hipotética. No último, David Ben-Gurion considerou as
mínimo ela vai forçar a Rússia a se tornar armas nucleares essenciais no início da
cada vez mais depen- existência do Estado ju-
dente de suas armas deu. Como mencionado
nucleares. É provável Enquanto as armas acima, essa lógica foi
que isto seja verdadeiro aplicada pelos líderes
para a Índia também.
nucleares parecem paquistaneses também.
Mesmo os EUA po- ainda ter muito futuro, Não é impensável,
dem se encontrar num particularmente na Ásia, então, que países como
futuro não tão distante Japão, Vietnã, Taiwan e
também numa situação a comunidade da não Coreia do Sul ainda irão
em que deva mais uma proliferação e controle sentir a necessidade de
vez recorrer às armas adquirir armas nucleares
nucleares para deter
de armas trabalha para compensar a supe-
um inimigo conven- incansavelmente para rioridade convencional
cional superior em um impedi-lo da China, especialmente
teatro de operações quando se consideram as
distante29, como foi no disputas territoriais que
caso do pós-Segunda Guerra Mundial. Beijing mantém com a maioria deles. Além
Como sua superioridade convencional disso, a Coreia do Sul, Taiwan e, especial-
crescendo e seus interesses se expandindo, mente, o Japão têm programas nucleares
a modernização militar da China vai servir avançados que fariam com que fosse rela-
como um poderoso motivador para os seus tivamente fácil e barato construir a bomba.
vizinhos construírem suas próprias forças
nucleares. Se os EUA não forem capazes de Abolição das Armas
exercer uma efetiva estratégia de contenção Nucleares
da China, como fez com a URSS, o Japão
seria dos primeiros a questionar sua política Enquanto as armas nucleares parecem
de não possuir armas nucleares30. ainda ter muito futuro, particularmente na
Na verdade, a necessidade de dissuadir Ásia, a comunidade da não proliferação e
ameaças militares convencionais esmaga- controle de armas trabalha incansavelmente

28 The global implications of China’s military modernization. https://www.ihs.com/articles/features/


chinas-military-modernization.html
29 Welcome to China and America’s Nuclear Nightmare. http://nationalinterest.org/feature/
welcome-china-americas-nuclear-nightmare-11891
30 Japan’s non-nuclear weapons policy. http://en.wikipedia.org/wiki/Japan%27s_non-nuclear_weapons_policy

RMB1oT/2015 173
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

para impedi-lo. De fato, desde o 11 de Se- cleares anteriores fariam uma rápida corrida
tembro, a causa Global Zero31 tem expan- armamentista para reconstruir suas forças
dido muito suas fileiras e ganhou apoio de nucleares no mais curto espaço de tempo.
líderes políticos importantes, como o Presi- O resultado não seria apenas uma
dente Obama (Declaração de Praga, 200932). volta ao mundo com armas nucleares que
Infelizmente, essa causa, por mais nobre que habitamos. Em vez disso, alguns países
seja, é perigosa. Graças à sua capacidade de reconstruiriam suas armas nucleares mais
impedir conflitos entre as grandes potências, rapidamente do que outros e nenhum deles
a única coisa pior do que as armas nucleares poderia ter certeza do progresso que seus
seria, paradoxalmente, um mundo sem elas. rivais teriam feito. Os “vencedores” nesta
Considere-se uma estimativa conserva- renovada corrida armamentista nuclear
dora de vítimas mortais da Segunda Guerra teriam, então, todo o incentivo para o em-
Mundial de 60 milhões de pessoas, ou cerca prego imediato de suas novas capacidades
de 3% da população mundial na época. nucleares contra os seus adversários, num
Numa terceira guerra mundial não nuclear esforço para acabar rapidamente com o
igualmente letal, portanto, seria esperada a conflito, eliminando as capacidades nu-
morte de pelo menos 210 milhões de pesso- cleares dos oponentes, ou simplesmente
as. Entretanto, a sofisticação das armas con- por medo de que outros o façam antes,
vencionais modernas lançando um ataque
e a urbanização muito debilitante sobre seu ar-
maior fariam com que A era atômica tornou senal nuclear pequeno e
essa hipotética terceira suicida uma guerra entre as vulnerável. Não haveria
guerra mundial não destruição mutuamente
nuclear fosse muito
potências nucleares assegurada em tal am-
mais letal do que a Se- biente, prevalecendo a
gunda Guerra Mundial, apesar dos avanços síndrome “use them or lose them”.
na medicina reduzirem parcialmente essa
letalidade. Conclusões
Isso por si só seria uma tragédia sem
precedentes na história da humanidade. O A era atômica tornou suicida uma guerra
maior perigo, no entanto, é que tal conflito entre as potências nucleares. Ela criou o ris-
não permaneceria convencional por muito co de que um confronto convencional entre
tempo33. As propostas de desarmamento potências nucleares poderia levar a uma es-
nuclear global existentes não oferecem ne- calada catastrófica e, assim, permitiu evitar
nhum mecanismo concebível para garantir uma terceira guerra mundial. No entanto,
que tal guerra permanecesse não nuclear. Na a era atômica não eliminou – longe disso
verdade, o senso comum sugere que ime- – a tendência inerente da humanidade em
diatamente após o início das hostilidades, competir pela supremacia. Os Estados não
se não mesmo no período de preparação podem confiar em intenções e, portanto,
para a guerra em si, todas as potências nu- avaliam as capacidades dos seus adversá-

31 Global Zero. http://www.globalzero.org/


32 Prague Agenda: What it means ro Brazil. https://www.academia.edu/4551215/Prague_Agenda_What_it_me-
ans_ro_Brazil
33 A Global Zero World Would be MAD. http://thediplomat.com/2014/03/a-global-zero-world-would-be-mad/

174 RMB1oT/2015
As Reais Ameaças Nucleares na Atualidade

rios. Nenhum Estado pode ter exata certeza das armas nucleares, passados 70 anos dos
sobre as capacidades de seus concorrentes bombardeios de Hiroshima e Nagasaki.
e, logo, devem se preparar para os piores Entretanto, a questão estratégica que se
cenários e “pensar o impensável”. coloca é a mesma colocada magistralmente
Toda a humanidade espera que as amea- por Sun-Tzu em A Arte da Guerra: “Você
ças nucleares na atualidade nunca se confi- pode imaginar o que eu faria se eu pudesse
gurem na volta do efetivo emprego militar fazer tudo o que eu posso?”

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS>; Guerra nuclear; Política nuclear;

RMB1oT/2015 175
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL*

“Educação não é mera transferência de conhecimentos,


mas sim conscientização e testemunho de vida.”
(Mészáros, 2008, p. 13)

HÉrcules Guimarães Honorato1


Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Thaís de Araujo da Costa2
Primeiro-Tenente (RM2-T)

SUMÁRIO

Introdução
Imigração e identidade: alguns conceitos
Os acordos bilaterais de cooperação educacional e cultural
O programa de estudantes-convênio de graduação
Apoio técnico no âmbito da defesa
Percursos e trajetórias: o olhar na formação do aluno estrangeiro em IES militar
Estágio de nivelamento ou qualificação
Os sujeitos do estudo
Resultados e análise dos instrumentos de coleta de dados
Análise dos instrumentos de coleta de dados dos professores
Análise do relatório da disciplina de Língua Portuguesa
Análise da entrevista com um dos professores de Língua Portuguesa
Análise dos questionários dos alunos estrangeiros – estagiários
Considerações finais

* Publicado na Revista de Villegagnon, 2013, com o título “Alunos estrangeiros em IES militar: espaços escolares
formais e não formais no aprendizado de Língua Portuguesa”.
1 Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá (Unesa). Instrutor de Metodologia da Pesquisa da Escola
Naval.
2 Doutoranda em Estudos da Linguagem na Universidade Federal Fluminense (UFF). Instrutora de português da
Escola Naval.
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

Alunos estrangeiros junto ao campo de esportes da Escola Naval

INTRODUÇÃO Procurou-se focar esta pesquisa em jo-


vens imigrantes provisórios e estudantes que
Na relação entre mundo globalizado deixaram seus países de origem e realizam
e juventude, nos deparamos com o que sua formação superior em uma IES militar –
Gusmão (2007 apud FARIA, 2009, p. 61) no nosso caso de estudo, jovens africanos e
chama de “trajetória nômade estudantil”, asiáticos que, atualmente, estudam na Escola
isto é, com o rompimento das barreiras Naval (EN) –, visando compreender como
físicas, geográficas e culturais pelos alu- eles experimentam, na (con)vivência diária,
nos, os quais procuram em universidades suas dificuldades de adaptação à cultura lo-
estrangeiras o espaço que acreditam ser cal, à barreira linguística e à vida acadêmica
ímpar para seu futuro. e militar, de modo que se tornasse possível
Assim, jovens brasileiros migram para identificar aspectos tanto positivos quanto
universidades americanas e europeias, na negativos nos seus percursos e trajetórias.
maioria das vezes, e nós recebemos, em O eixo condutor explorado foi o prope-
nossas Instituições de Ensino Superior dêutico e as relações construídas do ensino e
(IES) nacionais, jovens estrangeiros que aprendizagem da nossa língua dentro e fora
entendem que aqui encontrarão uma pos- da sala de aula, em ambientes e espaços tanto
sibilidade de melhoria da sua condição escolares quanto não escolares, além das di-
social e de vida familiar, além do reco- ficuldades e potencialidades que porventura
nhecimento do seu país no fortalecimento existam, como a adaptação à vida acadêmica
das estruturas de elites existentes, tanto e militar em IES militar em país estrangeiro.
no que tange ao aspecto intelectual como O convênio em questão foi o existente entre o
profissional, a serem construídas ou até Ministério da Educação (MEC) e o Ministério
mesmo reconstruídas. da Defesa (MD).

RMB1oT/2015 177
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

Este estudo é de cunho qualitativo, com estudo, é encarado como uma contribuição
pesquisa documental exploratória inicial, para o desenvolvimento dos seus países,
e contou com os dados obtidos sobre os e o diploma superior, principalmente se
aspirantes da Escola Naval que cursam o obtido no exterior, “é para muitos jovens
Estágio de Qualificação para Adaptação africanos símbolo de distinção e de pos-
Acadêmica de Alunos Estrangeiros. É sibilidade de ascensão social” (MUNGOI,
também apresentada uma breve análise dos 2006, p. 13).
dados coletados: uma entrevista com a pro- No que tange à especificidade do caso
fessora de Língua Portuguesa e a avaliação aqui sob investigação, pode-se asseverar
didática da disciplina utilizada em espaços que a imigração ocorre de forma provocada
não escolares de conhecimento relacionada e temporária, envolvendo quase sempre
a atividades fora do chão da escola. acordos de cooperação entre Estados so-
O artigo está dividido em quatro seções beranos de origem e de destino, ou mesmo
principais. A primeira trata dos principais entre instituições de ensino superior, não
conceitos relacionados à imigração e à iden- podendo, portanto, ser enquadrada basica-
tidade. A seção seguinte aborda os acordos mente como uma mera relação econômica
bilaterais de cooperação entre Estados no ou política.
campo educacional e da educação superior. Se falamos em imigrante, torna-se
A terceira parte trata especificamente dos necessário também pensarmos teorica-
percursos e trajetórias dos estrangeiros na mente o termo “estrangeiro”, que indica,
EN. Por último, é apresentada a análise dos em conformidade com Subuhana (2005,
instrumentos de coleta: o relatório do pro- p. 11), “uma pessoa adulta, pertencente a
fessor, a entrevista e parte do questionário nossa época e civilização, que trata de ser
submetido aos alunos integrantes da turma definitivamente acostumada, ou ao menos
de 2013 do Estágio de Nivelamento. tolerada, pelo grupo ao qual se aproxima”.
Já Silva e Morais (2012), citando Simmel
IMIGRAÇÃO E IDENTIDADE: (1983), caracterizam o estrangeiro pelo tipo
ALGUNS CONCEITOS de sociabilidade desenvolvida com o grupo
com o qual ele interage e afirmam ser essa
Como exposto por Subuhana (2005, relação marcada pelo reconhecimento da
p. 13), retomando Sayad (1998), a imigra- distância observada entre agentes sociais
ção consiste no deslocamento de popula- fisicamente próximos.
ções por todas as formas de espaços social- Subuhana (2005) nos lembra que ne-
mente constituídos e qualificados, sendo nhuma identidade é tão rígida, sólida e
um “fato social completo”. O imigrante cristalizada que não possa ser questiona-
seria, então, de acordo com esse autor, um da. A cultura do país escolhido irá causar
cidadão estrangeiro que tem residência fixa impactos importantes na identidade de um
em outro país que não o seu de origem. imigrante. Seus valores, suas caracterís-
Durham (1978 apud MUNGOI, 2006, ticas, suas crenças (sua identidade) serão
p. 13) argumenta que nenhuma imigração constantemente chocadas pelo capital cul-
“deve ser compreendida como um deslo- tural estrangeiro. A partir desse confronto,
camento meramente geográfico, visto que ele poderá “escolher” adotar ou repudiar
as migrações representam uma movimen- um hábito cultural ao qual foi exposto,
tação no universo social”. O caráter do e essa “escolha” inferirá marcas em sua
deslocamento transnacional, no caso em identidade.

178 RMB1oT/2015
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

OS ACORDOS BILATERAIS DE graduação, obtendo o diploma, o estudante


COOPERAÇÃO EDUCACIONAL E deve retornar obrigatoriamente para o seu
CULTURAL país de origem.
De acordo com os dados disponíveis
A educação tornou-se um dos temas que no sítio do programa na internet3 sobre
conseguiram diversificar as relações de co- as matrículas efetivadas de 2001 a 2010,
operação internacional nas últimas décadas. foram selecionados mais de 6.100 jovens
Para Lanni (1996 apud DESIDÉRIO, 2005, para o PEC-G. Os dados apontam para uma
p. 3), trata-se de um tema “inerente à (sic) maior disponibilização de cursos de gradu-
mundialização da questão social”. Neste es- ação para a “África Negra”, provavelmente
tudo não entraremos em todos os convênios em função da criação da Comunidade dos
no campo educacional existentes. Ater-nos- Países de Língua Portuguesa (CPLP).
emos ao Programa de Estudantes-Convênio Conforme pode ser verificado, do total de
de Graduação (PEC-G) e aos relacionados estrangeiros, os africanos estão com mais
ao Comando da Marinha, em especial ao de de 80% das matrículas nas IES nacionais.
formação de estrangeiros como oficiais da São disponibilizados cursos nas mais
Marinha na Escola Naval. diversas áreas, sendo os de Administração,
Ciências Biológicas, Comunicação Social,
O PROGRAMA DE ESTUDANTES- Letras e Pedagogia os mais requisitados.
CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO Tivemos em 2011 apenas um estudante do
continente asiático (Timor Leste) matricula-
Desenvolvido pelo Ministério das do; em 2013 esse número cresceu substan-
Relações Exteriores (MRE) e pelo MEC, cialmente: observamos um total de 34 timo-
em parceria com universidades públicas renses, dois paquistaneses e um tailandês.
– federais e estaduais – e particulares, o Há alguns requisitos previstos no de-
PEC-G seleciona estrangeiros na faixa creto supracitado: o candidato tem que
etária entre 18 e 25 anos, com ensino ser aprovado no teste de proficiência em
médio completo, para realizar estudos de Língua Portuguesa para estrangeiros4; ter
graduação no País. concluído o ensino médio em seu país; ter
O Decreto no 7.948, de 12 de março o visto temporário de estudante habilitado
de 2013, que dispõe sobre o PEC-G, logo – condição imigratória regular de respon-
em seu art. 1o, evidencia a sua destinação sabilidade do estudante; e ter condições
à formação e à qualificação de estudantes financeiras de subsistência no país. Os
estrangeiros por meio de oferta de vagas alunos estrangeiros que porventura sejam
gratuitas em cursos de graduação em IES reprovados no teste de proficiência de por-
brasileiras, independentemente se públicas tuguês – Celpe-Bras –, realizado também
ou privadas. O parágrafo único deste artigo no Brasil quando na impossibilidade de
expõe que a cooperação internacional no fazê-lo em seu país de origem, são desli-
campo educacional destina-se a países em gados do Programa e deverão obrigatoria-
desenvolvimento e que, ao final do curso de mente retornar aos seus países.

3 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=530id=12276option=com_contentvimost>. Acesso


em: 15 abr. 2013.
4 Certificação de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) – exame desenvolvido e
outorgado pelo MEC, aplicado no Brasil e em outros países com o apoio do MRE. Disponível em: <http://
www.celpebras.inep.gov.br>. Acesso em: 15 abr. 2013.

RMB1oT/2015 179
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

APOIO TÉCNICO NO ÂMBITO DA governamental responsável pela forma-


DEFESA ção de pessoal da Marinha Mercante nos
países-membros da Organização Maríti-
No âmbito do MD, mais especifica- ma Internacional, com os quais o Brasil
mente no que diz respeito ao Comando mantém acordos culturais. A relação dos
da Marinha, os cursos para estrangeiros, cursos é divulgada anualmente por meio de
nesse primeiro momento, são ligados documentos acessíveis no sítio da Marinha
ao Ensino Profissional Marítimo, dispo- do Brasil na internet.
níveis para consulta no sítio do MRE. Os cursos de longa duração, incluindo-
Segundo informações subsidiadas pelo se o de formação de oficiais na EN, são
oficial responsável no Estado-Maior acordados entre o governo brasileiro e os
da Armada (EMA), pelo pessoal extra- adidos de Defesa estrangeiros dos países
Marinha e por potenciais cursantes – em que têm representações no Brasil e com os
especial estrangeiros em todos os níveis quais nosso país possui estreita relação de
–, os diversos cursos estão incluídos no cooperação. As vagas de interesse de suas
Catálogo de Cursos e Estágios do Ensino respectivas Marinhas, cuja análise deve ser
Naval destinados a pessoal extra-Marinha submetida à Marinha do Brasil, deverão
(BRASIL, 2011). ser solicitadas até 15 de julho do ano que
Os cursos são de curta e longa duração. antecede ao da realização dos cursos em
Os de curta duração estão previstos no Pro- questão. As solicitações dos Estados que
grama Anual de Cursos de Curta Duração não possuem estes representantes no Brasil
para Aquaviários Estrangeiros (PACCD) são realizadas pelos nossos adidos brasilei-
e são realizados em centros de instrução ros no exterior em virtude das necessidades
no Rio de Janeiro e em Belém. Tais cursos apresentadas pelas correspondentes Mari-
são destinados ao órgão da administração nhas amigas.

180 RMB1oT/2015
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

Os seguintes óbices foram observados Portaria interna no 10, de 24 de fevereiro


no trato do contingente de imigrantes pro- de 2010, em virtude das repetências cons-
visórios: a dificuldade de alguns alunos em tatadas e do cancelamento das matrículas.
acompanhar o ritmo dos estudos, seja por É preciso destacar que a maior parte desses
falta de base de conhecimentos gerais, ou alunos não tinha domínio prévio da língua
mesmo pela não observância por parte de portuguesa. Outro problema verificado foi
seus respectivos governos no que tange à que os jovens, apesar de estarem dentro da
indicação de militares com proficiência em faixa etária solicitada para matrícula na EN,
Língua Portuguesa. Nesse último ponto, o cerca de 20 anos, não vieram do seu país
referido gestor argumentou a importância de origem com uma base propedêutica do
do estágio de adaptação para a vida acadê- Ensino Médio.
mica na EN, o qual se destina ao nivela- No decorrer da sua formação como
mento dos estrangeiros nesta instituição. oficial de Marinha, pode-se verificar, a
partir dos dados fornecidos pela Secretaria
PERCURSOS E TRAJETÓRIAS: Escolar da EN, que, dos 87 alunos estran-
O OLHAR NA FORMAÇÃO DO geiros matriculados – de 1956, quando se
ALUNO ESTRANGEIRO EM IES deu o início do intercâmbio, até 2012 –, 26
MILITAR não alcançaram o objetivo colimado tanto
por seus países quanto por eles mesmos de
Para fins metodológicos, considerare- concluírem o curso de graduação, ou seja,
mos, neste estudo, os dados obtidos sobre 30% do número total.
os alunos da EN que cursam em 2013 o O Estágio referido, segundo a Porta-
Estágio de Nivelamento ou Qualificação ria que o implementa (BRASIL, 2010),
para os alunos estrangeiros. Será apresen- destina-se à capacitação de alunos estran-
tada uma breve análise dos dados coleta- geiros selecionados pelas nações amigas e
dos: entrevista com um dos professores de visa desenvolver neles os conhecimentos
Português sobre a disciplina. básicos necessários para acesso ao curso de
graduação da EN. Ele consiste basicamente
ESTÁGIO DE NIVELAMENTO OU no incremento de um conjunto de aulas
QUALIFICAÇÃO de nivelamento destinadas ao trabalho de
conteúdos, habilidades e competências
O lócus da nossa pesquisa foi a Escola considerados pré-requisitos para o acom-
Naval, que está situada na ilha histórica de panhamento das disciplinas do currículo,
Villegagnon, na cidade do Rio de Janeiro. de modo que se viabilizem a compreensão,
Esta IES militar tem como missão formar a fala e a escrita da Língua Portuguesa,
os oficiais da Marinha do Brasil para os bem como se supram possíveis lacunas de
postos iniciais da carreira, nos corpos da formação acadêmica desses candidatos a
Armada, Fuzileiros Navais e Intendentes aspirantes em Matemática e Física.
da Marinha. Para o cumprimento desse As atividades escolares são desenvolvi-
propósito, a EN ministra curso de gradua- das ao longo de um ano letivo, que é com-
ção em quatro anos, com titulação final de posto por 30 semanas de aulas, divididas
bacharel em Ciências Navais. em dois semestres letivos. Os alunos em
O Estágio de Nivelamento ou Qua- questão, para fins de administração acadê-
lificação para Adaptação Acadêmica de mica e militar, são denominados “estagi-
Alunos Estrangeiros foi instituído pela ários”. Será considerado aprovado aquele

RMB1oT/2015 181
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

estagiário que obtiver parecer “satisfatório” pelos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996,
em todas as disciplinas do currículo, poden- não paginado). No caso da Marinha, tais
do ser matriculado no ano seguinte no curso normas podem ser encontradas na Lei no
de graduação regular da EN, conforme 12.704, de 8 de agosto de 2012.
previsto nas normas internas que trata dos Atualmente, a Escola Naval conta com um
Cursos de Graduação desta IES. quantitativo aproximado de 800 aspirantes.
Existe um currículo preestabelecido a Deste total, vinte e três jovens são estrangei-
ser desenvolvido pelos professores para ros, com idade média de 20 anos, naturais
cada uma das disciplinas e que tem, em de Angola, Bolívia, Líbano, Moçambique,
sua maioria, a prova escrita como metodo- Namíbia, Nigéria, Senegal e Venezuela.
logia avaliativa. Caso o estagiário obtenha Este trabalho está pautado a partir dos
parecer “não satisfatório”, será convidado, dados obtidos sobre os jovens estrangeiros
após parecer favorável emitido pelo go- integrantes do Estágio de Nivelamento no
verno de seu país, a renovar sua matrícula ano de 2013. Neste ano, temos oito novos
no ano posterior. Existe a possibilidade de Estagiários, distribuídos pelos seguintes
a duração do estágio Estados nacionais: Lí-
ser abreviada quando bano – quatro alunos;
for identificado que A Escola Naval conta com Namíbia – dois alunos;
o aluno apresenta o cerca de 800 aspirantes. Nigéria – um aluno; e
domínio dos conhe- Senegal – um aluno. Es-
cimentos necessários 23 desses jovens são ses jovens tiveram uma
para o acompanha- naturais de Angola, Bolívia, imigração diferenciada,
mento do ciclo escolar. visto que estão repre-
Atualmente, o cur-
Líbano, Moçambique, sentando, antes de mais
rículo em vigor para a Namíbia, Nigéria, Senegal e nada, os seus países em
disciplina de Língua Venezuela uma formação superior
Portuguesa é acres- especial, a militar, e, por
centado de atividades características próprias,
outras que demandam o aprendizado fora inerentes à caserna, como aquartelamento ou
da sala de aula, como visitas a pontos turís- internato. Eles necessitam de uma atenção a
ticos e a instituições de reconhecido valor, mais por parte de todos da instituição, desde
como a Academia Brasileira de Letras, a os professores, do Serviço de Orientação
Biblioteca Nacional, museus e salas de Educacional e Pedagógica (Soep) até a ad-
concerto; ida a restaurantes; observação de ministração de sua alimentação, pois alguns
produtos comercializados em feiras livres, são muçulmanos e, por exemplo, não podem
mercados populares e centros comerciais. fazer o consumo de carne de porco (comum
na alimentação do brasileiro).
OS SUJEITOS DO ESTUDO
RESULTADOS E ANÁLISE DOS
A nossa lei maior da educação, a Lei de INSTRUMENTOS DE COLETA DE
Diretrizes e Bases da Educação Nacional DADOS
(LDB), no 9.394/96, apregoa, em seu art.
no 83, que “o ensino militar é regulado em Na busca pelo alcance do maior número
lei específica, admitida a equivalência de de informações sobre a turma integrante
estudos, de acordo com as normas fixadas deste ano, foi realizada uma entrevista in-

182 RMB1oT/2015
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

formal e aberta com um dos professores de para comunicar-se com eles (conforme as
português, além da leitura do seu relatório modernas técnicas de ensino de línguas
de acompanhamento. A partir dos dados ob- estrangeiras).
tidos tanto na entrevista quanto no relatório, – Utilização de Material Complementar:
foi possível abrilhantar algumas conclusões a partir da terceira semana, introduz, em
de ações que poderão ser desenvolvidas nos caráter incipiente, a leitura de jornais de
próximos estágios. Outra fonte de coleta de grande circulação no país (O Estado de São
dados foi o questionário de Perfil Social, Paulo, Folha de São Paulo e O Globo) e
Psicológico e Acadêmico, elaborado pelo de revistas (Superinteressante, Scientific
Soep da instituição, que foi aplicado aos America-Brasil). Segundo a docente, sua
sujeitos da pesquisa. intenção é despertar o interesse dos jovens
a partir de informações veiculadas por meio
ANÁLISE DOS INSTRUMENTOS de anúncios, de artigos sobre esportes e
DE COLETA DE DADOS DOS notícias sobre acontecimentos atuais, em
PROFESSORES âmbito nacional e internacional, novidades
no campo das ciências etc.
Em primeiro lugar, será analisado o – Utilização de livro didático: é utili-
relatório elaborado pelos professores de zado o livro Bem-Vindo! (Maria H. O. de
português para estrangeiros e, em seguida, Ponce, et. al).
a entrevista com um dos docentes da disci- Nesses mesmos meios instrucionais e a
plina (são dois no total). O tratamento dos partir das próprias informações solicitadas
dados informados nesses instrumentos de aos alunos, colhe-se material linguístico
coleta será focado no ambiente formal do compatível com o grau de desenvolvimento
ensino, a sala de aula, e principalmente em do grupo para estudo de vocabulário e de
outras práticas do ensino-aprendizagem em estruturas linguísticas, conforme plano de
ambientes não formais. curso previamente estipulado.
A docente foi estimulada, pela Coordena-
Análise do relatório ção de Português da instituição, a tecer uma
da disciplina de língua avaliação subjetiva sobre o grupo de alunos
portuguesa estrangeiros recebidos em 2013. Em seu re-
latório, ela ressalta as seguintes observações:
Um dos docentes de português acom- – Características pessoais e comporta-
panha os alunos estrangeiros desde 2009. mentais dos alunos: os alunos, de modo
Periodicamente, esta professora produz um geral, demonstram boa educação, disci-
relatório sobre as suas atividades junto aos plina, responsabilidade e disposição para
aspirantes estrangeiros e tece comentários o aprendizado. Embora abertos a todos
sobre o desenvolvimento dos mesmos no os ensinamentos, na maioria dos casos
que tange ao aprendizado de Língua Por- são pessoas reservadas e observadoras. O
tuguesa. Em seus relatórios, ela refere-se trabalho de orientação empreendido pelos
a alguns dos métodos adotados no ensino dois professores de Língua Portuguesa vem
para estrangeiros: resultando em visível entrosamento entre o
– Utilização de aulas dinâmicas: desde grupo, com a manifestação clara de mútuo
o primeiro momento de contato com os respeito e colaboração durante as aulas e até
alunos, a docente busca estimular a expres- em outros espaços da escola, onde fazem
são oral. Portanto, faz uso do português atividade física, por exemplo.

RMB1oT/2015 183
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

segunda língua de seu


país, a língua inglesa,
cujo vocabulário e
estruturas nem todos
dominam.
A professora reite-
ra que, em decorrên-
cia de sua avaliação
diária das competên-
cias linguísticas até
então adquiridas pelos
alunos 5 , estes ainda
não podem ser con-
siderados aptos para
uma desejável com-
preensão do português
e uma boa expressão
oral e escrita no âm-
bito acadêmico. Além
do reduzido vocabu-
lário ativo, mesmo
o trivial, falta-lhes
conhecimento estru-
tural do idioma que
lhes permita galgar
postos mais avança-
dos na aquisição desta
língua.
Ela acrescenta ain-
– Desenvolvimento de habilidades da que, em decorrên-
linguísticas: a docente pôde constatar cia da mencionada falta de conhecimento
que dois alunos apresentaram inicial- das estruturas linguísticas por todos os
mente grande dificuldade de apreensão oito alunos (com algumas claras e inevi-
dos mecanismos da língua, mas destacou táveis diferenças individuais), bem como
que o processo de superação é geral- da cumplicidade que se está construindo
mente evidenciado no curso do segundo entre eles, considera importante que as
para o terceiro mês, quando os alunos aulas de português sejam ministradas
já entendem a maior parte do que lhes para os oito, conjuntamente, mesmo
é dito na modalidade formal do idioma que, em alguns momentos, dadas as
e conseguem expressar-se, ainda que referidas diferenças, as atividades pro-
de forma claudicante. Esta dificuldade, postas sejam mais desenvolvidas com
segundo a docente, pode ser explicada alguns deles, respeitando-se os níveis
pelo fato de estes jovens terem, como observados.

5 O relatório que ora analisamos foi redigido pela professora de Língua Portuguesa no início do ano letivo de 2013.

184 RMB1oT/2015
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

ANÁLISE DA ENTREVISTA COM sendo a cada ano reduzida mais cedo e


UM DOS PROFESSORES DE mais drasticamente, “o que não nos per-
LÍNGUA PORTUGUESA mite neste ano, dentre outras atividades
indispensáveis, programar qualquer saída
A educação não formal é conceituada durante a semana”.
como aquela “que se aprende ‘no mundo da Segundo esta professora, os alunos co-
vida’, via os processos de compartilhamen- nhecem a fama do Rio de Janeiro, a Cidade
to de experiências, em especial em espaços Maravilhosa, “mas esses jovens pouquíssi-
e ações coletivos cotidianos” (GOHN, mo conhecem do Brasil e geralmente nada
2010, p. 16). Ela seria nativa e construída sabem de seus habitantes e costumes, de
por escolhas coletivamente, os processos como é viver numa metrópole. Desconhe-
que a produz têm intencionalidade e pro- cem a cultura local”. Continuando com a
postas. O ensino seria desenvolvido fora do fala da entrevistada:
ambiente formal das escolas, capacitando As primeiras saídas turísticas se fazem
os indivíduos a se tornarem cidadãos do a pé, pelo Centro, o que lhes permite
mundo no mundo. É por intermédio deste observar de perto locais e prédios
modelo de ensino-aprendizagem fora dos históricos. A depender das condições
muros da EN que a disciplina de Língua climáticas e de nossa disponibilidade
Portuguesa procura ampliar e consubstan- pessoal, levamos os alunos a conhecer
ciar o que é transmitido aos seus alunos outros lugares famosos, como a Praia
estrangeiros. de Copacabana, a Lagoa Rodrigo de
A partir deste ponto, começamos a ana- Freitas, a Barra da Tijuca, percursos
lisar a entrevista com um dos professores esses que fazemos de ônibus ou de
desta disciplina. Foram feitas apenas cinco metrô, conforme o destino (geralmente
perguntas básicas em relação ao desenvol- excedendo o horário destinado a essas
vimento e do trato da disciplina fora do aulas). Com isso, os alunos são orien-
ambiente acadêmico e que serão transcritas tados sobre como pedir informações,
de maneira discursiva. que tipo de transporte utilizar, a res-
As atividades mais frequentes em pectiva identificação desses coletivos,
ambiente externo são visitas a pontos linhas etc., bem como se comportar
turísticos e a instituições de reconhecido defensivamente nos locais de grande
valor, como a Academia Brasileira de Le- movimentação de pessoas, como centros
tras, a Biblioteca Nacional, museus, salas comerciais abertos ou fechados, onde os
de concerto; alimentação em restaurantes incentivamos inclusive a compararem
com preços acessíveis; observação de preços de mercadorias de interesse
produtos comercializados em feiras livres, para eles.
mercados populares e centros comerciais.
Porém existem dificuldades para a imple- Com o desenvolvimento dos alunos
mentação dessas atividades externas, que no nosso idioma, é chegada a hora de
residem na ausência de recursos financei- apresentá-los a alguns museus e centros
ros para locomoção e alimentação, bem culturais mais próximos da Escola, como o
como, e especialmente, na falta atual de do Banco do Brasil e o dos Correios, onde
tempo para o próprio curso, uma vez que têm oportunidade de conhecer um pouco da
a carga horária de licença dos alunos, visto história e da cultura brasileira, inclusive de
que a rotina da EN é de internato, vem outros povos, conforme as exposições do

RMB1oT/2015 185
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

momento. Também se considera impor- ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS


tante que conheçam o Teatro Municipal DOS ALUNOS ESTRANGEIROS –
e outras salas de espetáculo onde possam ESTAGIÁRIOS
entrar em contato com a música erudita,
brasileira e estrangeira de diversas épocas O questionário é uma elaboração do
e estilos. Soep da Escola Naval. Ele é aplicado com
Como assevera o professor respondente, o intuito de traçar um breve e objetivo
com isso pretende-se oferecer aos alunos perfil social, psicológico e acadêmico dos
tudo o que normalmente se espera que alunos estrangeiros. Tal perfil permite
“constitua parte da educação de um jovem elaborar estratégias de ação para facilitar a
[...], para que eles percebam o prazer de adaptação destes alunos à rotina da Escola,
descobrir o mundo de possibilidades e plu- assim como compreender melhor as dife-
rissignificações que se lhes abre a partir da renças culturais dos alunos estrangeiros.
aquisição desta língua, falada por milhões O questionário foi aplicado pela primeira
de pessoas [...]”. vez em 2009 e, desde então, vem sendo
Em relação à avaliação desse aprendi- reformulado e aprimorado. Sua versão atual
zado, foi questionado como ela é desen- conta com 36 perguntas objetivas.
volvida. A avaliação é também não formal No período em que preencheram o ins-
e realizada por meio da observação do trumento de coleta, mais especificamente
progressivo domínio da língua pelos alunos no mês de março, os alunos estavam no
e da diversidade de informações que eles Brasil havia aproximadamente dois me-
próprios vão buscar e assimilar ao longo do ses. Todos os pesquisados precisaram de
ano. A compreensão dos textos oferecidos auxílio para responder ao questionário,
para leitura e a crescente integração com pois ainda possuíam pouco domínio da
os demais aspirantes, bem como o inte- Língua Portuguesa. Apenas três já haviam
resse que demonstram os estrangeiros em tido contato com a nossa língua em seus
conhecer o Brasil, durante os anos de sua países de origem, mas não foi verificada
permanência, revelam as afinidades com a frequência de tempo nem o domínio
nosso povo e nossa cultura, que passo a do conteúdo. Assim, o primeiro ponto de
passo vão descobrindo. realce foi o pouco tempo de contato com a
Em suas palavras finais, a docente se nossa língua e também o pouco que sabiam
questiona por que estão empenhados em sobre o Brasil e a nossa cultura.
gastar seu tempo (já que atualmente só é Todos os alunos estrangeiros estudavam
possível saírem com os alunos nos fins de antes de ingressar na EN e passaram por
semana) com atividades que abrangem des- algum tipo de processo seletivo em seus
de a visita a mercados e feiras a concertos países. A maioria cursou o Ensino Funda-
de música erudita. Ela lembra que se trata mental em escola particular. Já no Ensino
de futuros oficiais de Marinha, homens Médio, metade estudou em escolas públicas
que passarão a vida a se comunicar com e metade em escolas privadas. De acordo
outras autoridades em nível global – isso com os participantes, não há histórico
para não mencionarmos a possibilidade escolar de reprovação ou dependência, e
de muitos deles virem a ocupar postos de a maioria foi alfabetizada com seis anos
maior relevância militar e política em seus ou menos.
países e, por consequência, nos respectivos Ponto interessante foi que a maioria con-
continentes. cluiu há dois ou três anos em seus países,

186 RMB1oT/2015
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

o que equivaleria ao nosso Ensino Médio, seu desempenho como aluno, inclusive
fato que poderá acarretar uma necessidade acarretando desmotivação e cancelamen-
maior de relembrar conteúdos, em especial to dos seus estudos. O ensino de Língua
aqueles que estão previstos no programa do Portuguesa é fundamental ao ano de
nosso Ensino Médio, em virtude não só do nivelamento, em especial quando ele é
tempo de término dos seus estudos e das tecnicamente direcionado para facilitar
diferenças de conteúdos programáticos, a apresentação de hábitos culturais, nos
mas, principalmente, da preparação para quais estes jovens ficarão inseridos por
o Ensino Superior no Brasil, mais especi- mais de cinco anos.
ficamente na EN, instituição que tem, em Fundamentamos que a capacidade de
seu “DNA acadêmico”, um caminhar pelas expressão e compreensão da nossa língua é
ciências exatas, com forte conteúdo das instrumento de integração. A matemática é,
disciplinas de Cálculo e Física. provavelmente, a linguagem comum entre
Foi perguntado aos estagiários em quais os alunos estrangeiros, que diferem quanto
disciplinas acadêmicas esperavam ter maior a etnias e a conhecimentos linguísticos.
e menor dificuldade. Para esta pergunta, Faz-se, porém, necessário compreender,
não foram apresentadas opções de respos- por meio de nivelamento, as diferenças
ta. Podemos verificar que a disciplina de curriculares entre os países de origem de
português causa uma maior apreensão nos nossos alunos estrangeiros e o que é exigido
alunos estrangeiros; não poderia ser dife- como pré-requisito para cursar a EN.
rente, pois todos os integrantes da Turma Foi verificado que eles sentem e re-
de Nivelamento de 2013 não têm como conhecem a dificuldade da barreira do
idioma oficial de seus países o português. idioma, principalmente quando deverão
Os libaneses e o senegalês falam o francês, ser expostos no curso acadêmico superior
já os namibianos e o nigeriano têm o inglês regular. Como são jovens em formação,
como língua oficial. não deverá haver uma separação da sua
A maior preocupação sentida pelos alu- cultura natal, mas com certeza a identidade
nos estrangeiros foi com o início do curso social que está sendo criada, no primeiro
e o fato de serem obrigados a aprenderem momento entre estrangeiros estudantes
a Língua Portuguesa, um prerrequisito e posteriormente entre estes e a maioria
para serem matriculados na turma de 1o de aspirantes brasileiros, acarretará uma
ano da EN. Há comentários interessantes reconstrução, a princípio, positiva das re-
da percepção de dois estagiários a respeito lações sociais estabelecidas entre o grupo
dos aspirantes, os quais, sob sua ótica, maior de alunos.
“são muito dedicados e têm muito medo de Saber uma língua é adquirir competên-
repetir” e são respeitados, o que, em suas cias linguísticas para se expressar adequa-
palavras, é “muito importante”. damente em qualquer situação. Saber uma
língua implica conhecer a cultura que por
CONSIDERAÇÕES FINAIS meio dela se revela, entender o “espírito”
do povo ou dos povos que a aprenderam
O Estágio de Nivelamento se torna im- como língua materna. Saber uma língua
portante quando os imigrantes temporários é conseguir argumentar, responder criati-
chegam para um curso acadêmico sem a vamente a uma pergunta, apresentar um
base do idioma numa qualidade desejada, projeto, uma resenha ou o resultado de
o que poderá prejudicar sobremaneira o uma pesquisa.

RMB1oT/2015 187
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

Para concluir, abaixo é transcrito o pen- mos contribuir para que eles, já agora,
samento que a referida professora entrevis- incluam entre suas aspirações a de
tada, também sujeito deste estudo, julga de promover a educação integral de seus
importância para continuar desenvolvendo cidadãos e assim alavancar a econo-
a disciplina de Língua Portuguesa para es- mia dos respectivos países, parece-nos
ses jovens estrangeiros que procuram sua importante criarmos as condições para
formação plena em IES militar no Brasil: que em cada um expanda uma consci-
Se queremos formar homens capazes de ência disposta a perceber, apreciar e
conviver com outros povos, se deseja- respeitar outras culturas.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<EDUCAÇÃO>; Escola Naval; Intercâmbio; Relações Internacionais;

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação na-
cional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, no 248, 23 dez. 1996.
Disponível em: <portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>. Acesso em:
6 abr. 2010.
______. Lei no 12.704, de 8 de agosto de 2012. Altera a Lei no 11.279, de 9 de fevereiro de 2006, que
dispõe sobre o ensino na Marinha, no que se refere aos requisitos para ingresso nas carreiras
da Marinha. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 ago. 2012.
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-1014/2012/Lei/L12704.htm>.
Acesso em: 12 mar. 2013.
______. Ministério da Defesa. Comando da Marinha. Catálogo de cursos e estágios do ensino naval
destinados a pessoal extra-Marinha. Brasília, DF: 2011.
______. ______. Escola Naval. Portaria no 10/EN, de 24 de fevereiro de 2010, que cria o Estágio de
Qualificação para Adaptação Acadêmica de Alunos Estrangeiros. Rio de Janeiro, RJ, 2010.
______. Decreto no 7.948, de 12 de março de 2013. Dispõe sobre o Programa de Estudantes – Convênio
de Graduação – PEC-G. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13
mar. 2013. Disponível em: <www.planalto.gov.br/cccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/
D7948.htm>. Acesso em: 12 abr. 2013.
DESIDÉRIO, E. Migração e políticas de cooperação: fluxos entre Brasil e África. In: IV ENCONTRO
NACIONAL SOBRE MIGRAÇÃO. Anais... Rio de Janeiro, p. 16-18, nov. 2005.
FARIA, M. L. de. Cooperação no âmbito do ensino superior: ser estudante angolano em universidades
portuguesas. Revista Pro-Posições, Campinas, SP, v. 20, no 58, p. 45-63, jan./abr. 2009.
GOHN, M. da G. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos
sociais. São Paulo: Cortez, 2010. (Coleção Questões de nossa época; v. 1).
MÉSZÁROS, I. A Educação para além do capital. 2. ed. Tradução Isa Tavares. São Paulo: Boitempo,
2008. (Mundo do Trabalho).

188 RMB1oT/2015
ALUNOS ESTRANGEIROS nA ESCOLA NAVAL

MOURÃO, Daniele E. África “na pasagen” identidades e nacionalidades guinenses e cabo-verdianas:


abordagem antropológica e de uma proposta etnográfica. 2006. 163f. Dissertação (Mestrado
em Sociologia) – Universidade Federal do Ceará. 2006.
MUNGOI, Dulce Maria D. C. J. O Mito Atlântico: relatando experiências singulares de mobilidade dos
estudantes africanos em Porto Alegre no jogo de construção e reconstrução de suas identidades
étnicas. 2006. 207 f. Dissertação (mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. 2006.
SILVA, Kelly; MORAIS, Sara S. Tendências e tensões de sociabilidade de estudantes dos Palop
em duas universidades brasileiras. Revista Pro-Posições, Campinas, SP, no 67, p. 163-182,
jan./abr. 2012.
SUBUHANA, Carlos. Estudar no Brasil: imigração temporária de estudantes moçambicanos no Rio
de Janeiro. 2005. 211f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2005.

RMB1oT/2015 189
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS
DA MARINHA DO BRASIL – Estudo de caso do Aviso de
Instrução Aspirante Nascimento

Elson Ferreira Machado*


Engenheiro de Tecnologia Militar

SUMÁRIO

Introdução
Metodologia
Conceitos fundamentais
Legislações a serem atendidas
Arcabouço básico – Meios flutuantes existentes
na Marinha do Brasil
Necessidade da busca por navios não poluentes
Classificação das emissões poluentes
Rede de Precedência
Estudo de caso relativo aos aspectos ambientais do Aviso de Instrução
Aspirante Nascimento e seus desdobramentos
Padrão adotado para produção de Águas Servidas
Distribuição da tripulação
Alternativas para instalação do sistema de tratamento
Seleção da unidade eletrocatalítica
Impactos da instalação
Análise comparativa
Descrição do sistema de separação de água e óleo
Dimensionamento do separador de água e óleo
Pré-seleção do separador
Separador de óleo para cozinha
Compactador de lixo
Soluções propostas e recomendações decorrentes do estudo
Solução adotada pela Marinha do Brasil
Quanto ao tratamento de esgoto sanitário
Quanto à separação de água e óleo
Conclusão

* N.R.: Encarregado da Divisão de Sistemas Mecânicos do Centro de Projetos de Navios.


MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Introdução de incineração ou unidade de tratamento de


esgoto em terra.

A pesar de os navios não serem os maio-


res poluidores dos rios e mares, não
existe razão para que sejam omissos a esse
Como convive a Marinha com esta reali-
dade? Estão sendo tomadas as medidas ade-
quadas para evitar que os navios degradem
problema. Por outro lado, as embarcações o meio ambiente? Quais são os processos
não podem ser transformadas em estações tecnológicos associados a esse controle de
flutuantes para tratamento de água. poluição? Há a geração ou mesmo absorção
Na atividade específica da Marinha do de tecnologia nessa área? Pode-se operar
Brasil (MB), o objetivo fundamental do somente com navios não poluentes?
meio naval é estar preparado para utilizar seu Este trabalho objetiva analisar e propor
sistema de armas. O sistema de controle de alternativas a esses questionamentos, dan-
poluição é considerado secundário quando do uma visão simplificada de problemas
comparado com os complexos sistemas de técnicos e desdobramentos.
um navio de guerra. Por esse motivo, até
pouco tempo atrás, não só na MB como Metodologia
em forças estrangeiras, as instalações de
A apresentação deste trabalho consiste
equipamentos de controle de poluição não
basicamente de uma explanação das diversas
eram avaliadas com a importância atual.
formas de poluição causadas por navios da
Tal mudança deve-se ao
MB, dando ênfase à po-
agravamento da polui-
ção hídrica e à conscien- A velha máxima do luição por esgoto e óleo,
suas normas e legislações
tização de seus efeitos a Almirante Tamandaré de
vigentes. Estabelece uma
médio e longo prazos.
Relatórios elabora- “manter o navio limpo”, rede de precedência das
atividades associadas ao
dos pela Marinha dos agora é manter o navio sem
estudo de exequibilidade
Estados Unidos (EUA) impactar o meio ambiente
e adequabilidade de do-
indicam que os cus-
tar navios já existentes
tos para alijamento no
de sistema de controle
porto do esgoto sanitário e da água oleosa
de poluição e descreve um estudo de caso
são da ordem de US$ 20/m3 e US$ 50/m3,
do navio Aviso de Instrução U10 Aspirante
respectivamente.
Nascimento, operado pela MB, no que tange
A velha máxima do Almirante Tamandaré
ao sistema de controle de poluição (tratamento
de “manter o navio limpo” sofreu alterações
de águas servidas; separação de água e óleo e
nas três últimas décadas. A ordem agora é
lixo). Finalmente, apresenta as considerações
manter o navio sem impactar o meio ambiente.
finais, bem como as conclusões e recomenda-
As legislações ambientais e os órgãos fiscali-
ções deste trabalho, objetivando a adequação
zadores, cada vez mais rígidos, fazem com
às legislações ambientais.
que a tripulação tenha que se acostumar a não
mais limpar seu navio, à custa da impactação
Conceitos Fundamentais
do meio exterior. Agora, em vez de descartar
resíduos diretamente ao mar ou rio, faz-se Abaixo são apresentados alguns concei-
necessário tratá-los, antes de alijá-los em terra tos básicos que possibilitam melhor com-
e realizar acompanhamento da sua disposição preensão das informações que compõem o
final para aterro sanitário controlado, usina trabalho em questão.

RMB1oT/2015 191
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Legislações a serem atendidas produzida de águas negras e cinzas, o volu-


me das águas negras representa apenas 25%
Para navios marítimos e navios de águas do volume total produzido em um navio.
interiores, há que se utilizar legislações Em navios já construídos, é rara a pos-
específicas, pois estes meios situam-se em sibilidade de efetuar a separação das redes
corpos receptores completamente distintos. de coleta das águas negras e cinzas, devido
Atualmente, existe um grande número de à concepção dos projetos antigos, associada
instrumentos globais, nacionais e locais, pelos ao custo elevado das obras necessárias.
quais se buscam a proteção e a preservação b) Legislação para navios de águas in-
do ambiente marítimo e de águas interiores. teriores: Os regulamentos da Organização
a) Legislação para navios marítimos: Marítima Internacional (IMO) não são apli-
Nas décadas de 50 e 60, a comunidade cáveis por não terem seu foco em transporte
internacional começou a desenvolver legis- fluvial ou lacustre. Deste modo, a legislação
lação apropriada para controlar os despejos pertinente é a definida pela Resolução no 20,
em águas costeiras e offshore. de 18 de junho de 1986, do Conselho Nacio-
A International Maritime Organization nal do Meio Ambiente (Conama).
(IMO), órgão da Organização das Nações A regulamentação apresentada pelo Cona-
Unidas que trata da navegação marítima inter- ma é mais restritiva do que a Marpol quanto
nacional, com o apoio dos países-membros, ao que é permitido lançar. Óleos e graxas de-
produziu a Convenção Internacional para a vem ser ausentes, e a demanda bioquímica de
Prevenção da Poluição Causada por Navios oxigênio (DBO5) em cinco dias permitida é de
(Marpol 73/78), que é uma série de regula- no máximo 10 mg/l, valor cinco vezes menor
mentos sobre tipos de produtos alijados pelas que o mencionado na Marpol. Esta restrição
embarcações. A Marpol foi internalizada mais severa tem como causa a possibilidade
após a aprovação, pelo Congresso Nacional, de uso dos corpos receptores de água doce
do Decreto no 2.508, de 4/3/98, referente ao para o consumo humano.
Anexo IV da Marpol (poluição por esgoto Com o objetivo de criar opções de aqui-
sanitário) e da Lei 9.966, de 28/4/00, referente sição de Separador de Água e Óleo (SAO)
ao Anexo I da Marpol (poluição por óleo), e Unidades de Tratamento de Águas Servi-
obrigando seu atendimento por todos os na- das (Utas) que possam atender ao contido
vios em águas marítimas nacionais. Apesar no Conama, a seguir são apresentados no
de os navios de guerra não pertencerem ao Quadro 1 – Parâmetros permissíveis para
fórum de discussão da Marpol, a Marinha efluentes – os valores para os efluentes à luz
vem adequando seus meios navais no sentido da legislação aplicável para navios de águas
de preservar as condições ambientais e os interiores (Resolução no 20/86 do Conama)
ecossistemas onde interage. e marítimos (Marpol 73/78 – Anexo IV).
A Marpol considera que esgoto sanitá-
rio é aquele oriundo de vasos sanitários, Arcabouço básico – Meios flutuantes
mictórios, ralos de banheiro, enfermarias e existentes na Marinha do Brasil
compartimentos com animais vivos, ou que
tenha sido misturado com essas águas, cons- As informações apresentadas no quadro 2
tituindo o que é chamado de “águas negras”. indicam os atuais meios flutuantes operados
Em adição, consideram-se “águas cinzas” pela MB (cerca de 110 navios), incluindo
aquelas das demais origens: cozinha, pias, todas as classes e suas respectivas condições
lavanderia etc. Comparando-se a quantidade em atendimento à legislação atual.

192 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Quadro 1 – Parâmetros permissíveis para efluentes

Conama
Parâmetro (Regul. 20/86: águas Marpol (Anexo IV)
classe 3)
Coliformes fecais /100 ml 4.000/100ml 250/100ml1
Sólidos em suspensão não especificado 100mg/l2
DBO5 10 mg/l 50 mg/l
PH entre 6,0 e 9,0 não especificado
Turbidez 100 UNT não especificado
Materiais sedimentáveis 1ml/l não especificado
Deve ser ausente de água, de acordo com o Conama reg, 20/86, para águas classe 3:
– materiais flutuantes, inclusive espumas não naturais
– óleos e graxas
– substâncias que formem depósitos objetáveis; e
– substâncias que comuniquem gosto e odor.

(1) MPN: Most Probable Number


(2) Quantidade máxima de sólidos em suspensão, acima da quantidade medida do corpo receptor

Quadro 2 – Meios flutuantes da Marinha do Brasil e suas condições

Trata- Trata-
Tripulação mento Tripulação mento
Método Método
Navios da MB Qtde estimada / UTAS(1) Navios da MB Qtde estimada / UTAS(1)
utilizado utilizado
navio SAO(2) navio SAO(2)
CHT(3) CHT(3)
A12 São Paulo G30 Ceará

1 3.000 Não –
2 350 Não CHT(3)
Navio Navio de
Aeródromo Desembarque-
Doca
S30 Tupi
U27 Brasil
5 32 Sim(2) CHT(3) Eletrolítico(1)/
1 450 Sim(1) (2) Placas
Submarinos Oleofílicas(2)
Navio-Escola
F40 Niterói
F46
Sim(1)
6 220 Eletrolítico(1) Greenhalgh
Não(2)
Fragata (classe
Niterói) Biológico(1)/
3 280 Sim(1) (2)
Centrífugo(2)
G28 Mattoso
Fragata
Maia
(classe
Greenhalgh)
250/ 150 e Não(1)/
3 CHT(3) U20 Cisne
150 Sim(2)
Navio de Branco Físico-
Desembarque 1 120 Sim(1) (2) químico(1)/
Carro de Centrífugo(2)
Combate Navio-Veleiro

RMB1oT/2015 193
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Trata- Trata-
Tripulação mento Tripulação mento
Método Método
Navios da MB Qtde estimada / UTAS(1) Navios da MB Qtde estimada / UTAS(1)
utilizado utilizado
navio SAO(2) navio SAO(2)
CHT(3) CHT(3)
K11 Felinto P40 Grajaú
Perry
Eletrolítico(1)/
Físico-
12 40 Sim(1) (2) Placas
1 100 Sim(1) (2) químico(1)/
oleofílicas(2)
Centrífugo(2)
Navio de Navio-Patrulha
Socorro (classe Grajaú)
Submarino
R21 Tritão
V30 Inhauma
Eletrolítico /
(1)

5 160 Sim(1) (2) Placas Placas


3 45 Sim(2)
oleofílicas(2) oleofílicas(2)
Corveta Rebocador de
Alto-Mar (clas-
G23 Almirante
se Triunfo)
Gastão Motta Físico-
químico(1)/ R24 Alte.
2 120 Sim (1) (2)
Placas Guilhem
Oleofílicas(2)
Navio-Tanque
G21 Ary Sim(1)
2 40 Biológico(2)
Parreiras Não(2)
Rebocador de
1 65 Não –
Alto-Mar
(classe
Navio Trans-
Guilhem)
porte
U17 Parnaíba
P10 Pedro
Teixeira
1 90 Não –

Monitor
2 60 Não –
Navio-Patrulha P10 Piratini
Fluvial (classe
Pedro
Teixeira)
6 15 Não –
P30 Roraima
Navio-Patrulha
(Classe
Piratini)
3 40 Não –
Navio-Patrulha U19 Carlos
Fluvial (classe Chagas
Roraima)
G17 Potengi
5 50 Não –

Navio de
Navio de 1 20 Não –
Assistência
Apoio
Hospitalar
Logístico
Fluvial G15
Paraguassu
M15 Aratu

1 43 Não –
6 40 Não –
Navio-
Navio-
Varredor
Transporte
(classe Aratu)
Fluvial

194 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Trata- Trata-
Tripulação mento Tripulação mento
Método Método
Navios da MB Qtde estimada / UTAS(1) Navios da MB Qtde estimada / UTAS(1)
utilizado utilizado
navio SAO(2) navio SAO(2)
CHT(3) CHT(3)
P60 Bracuí H21 Sirius

1 150 Não –
4 30 Não –
Navio
Navio-Patrulha Hidrográfico
(classe Bracuí)
H35 Amorim
U29 Piraim do Valle

3 30 Não –
1 17 Não –
Navio
Aviso- Hidroceano-
Transporte gráfico
Fluvial
H18
V15 Imperial Comandante
Marinheiro Varela

5 25 Não –
2 60 Não –

Corveta (classe Navio


Imperial Balizador
Marinheiro)
U10 Aspirante
H44 Ary Nascimento
Rongel

1 65 Não –
Avisos de
Instrução 3 12 Não –
Navio de (Aspirante
Apoio Nascimento,
Oceanográfico Guarda-
Marinha
H40 Antares
Jansen e
Guarda-
Marinha Brito)
1 50 Não –

Navio Be4 Bauru


Oceanográfico 1 5 Não –
H34 Almirante
Graça Aranha

1 95 Não – S22 Riachuelo


1 5 Não –
Navio
Faroleiro

Quadro 2 – Meios flutuantes da Marinha do Brasil e suas condições

(1) UTAS – Unidade de Tratamento de Águas Servidas


(2) SAO – Separador de Água e Óleo
(3) CHT – Coleta, Armazenamento e Transferência
Obs: Os dados relativos às atuais condições de operação dos sistemas instalados a bordo não foram levantados.

RMB1oT/2015 195
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Necessidade da busca por navios não como as mais adequadas para crises
poluentes políticas e conflitos, onde haja necessi-
dade de projeção de influência a longas
Poluição é o efeito causado por distâncias. Entretanto, esses atributos
emissões de substâncias que possam não são, por si só, ilimitados. Os navios
alterar permanentemente ou tempora- da força naval ainda permanecem pre-
riamente as características específicas cisando, para exercer suas tarefas, de:
do meio ambiente onde são lançadas. cruzar águas territoriais de outros países
No processo poluente, distinguem-se para se deslocar rapidamente aos locais
três elementos básicos: a fonte (ou onde devem operar; visitar portos para
contaminante), a ação de contaminação abastecerem-se de gêneros combustí-
e a poluição propriamente dita (que é o veis e lubrificantes e, possivelmente,
efeito causado pela contaminação). As de armamento e munições; e estacionar
fontes podem variar de resíduos de ma- em águas internacionais, sem sofrer
terial orgânico, sujeito a degradação por constrangimentos legais.
digestão aeróbia e anaeróbia, a metais Um dos óbices que se deslocam no
pesados e resíduos radioativos, capa- momento para as tarefas citadas são as
zes de permanecer no meio ambiente legislações ambientais, tanto de caráter
por períodos bastante longos. Podem local quanto de caráter internacional. Nas
incluir também emissões não mássicas, últimas três décadas, essas legislações
ou seja, em forma de energia, tais como tornaram-se continuamente mais rígidas.
a térmica e a acústica. Os processos de Em alguns casos, como no estado da
contaminação podem ser naturais, in- Califórnia, nos EUA, beiraram, de for-
tencionais ou inadvertidos (acidentais) ma inflexível, o limite tecnológico. Em
e, do ponto de vista temporal, eventuais, nível internacional, as legislações foram
repetitivos ou contínuos. A poluição, ficando gradativamente mais rígidas,
ou seja, os efeitos da contaminação têm diminuindo o trauma causado. No plano
consequências bastante diversas, mas em militar, as legislações internacionais
sua maioria comprometem a perenidade tendem a estabelecer exceções para os na-
dos ecossistemas existentes no meio vios de guerra, que não são acompanha-
ambiente. Em particular, a poluição dos, em muitos casos, pelas legislações
marítima é definida por R. B. CLARK locais. Desta forma, para garantir-se uma
(2001) como sendo “a introdução pelo ampla liberdade de locomoção e estacio-
homem no meio ambiente marinho, de namento, as Marinhas de guerra devem
forma direta ou indireta, de substâncias perseguir a adequação de seus navios a
ou energia que resultem em: perigos à essas legislações.
saúde do ser humano; esgotamento das
atividades ligadas ao meio ambiente Classificação das emissões poluentes
marinho, incluindo a pesca; prejuízo à
qualidade no uso da água do mar; e redu- Muitas classificações são possíveis
ção das atividades que possam conduzir para emissões de poluentes, mas duas
conforto e conveniência”. guardam maior valor prático: a referente
Diante dos intrínsecos atributos de ao tipo de composição da emissão e a
mobilidade e permanência, as forças relativa ao serviço que originou essa
navais são tradicionalmente julgadas emissão.

196 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Figura 1 – Principais aspectos ambientais gerados por navios

Rede de Precedência drenos e embornais, descargas de cozinha


e trituradores), do estado dos equipamentos
Com base em estudos de pesquisas biblio- existentes a bordo (caso haja), disponíveis
gráficas de artigos disponíveis e legislações em cada navio ou classe de navio, caso não
vigentes sobre os diversos tipos de poluição tenham sofrido modificações; de normas
causados por navios de guerra no meio de controle e prevenção da poluição no
ambiente marinho, estabeleceu-se uma rede mar, além de visitas técnicas e inspeções
de precedência das atividades associadas ao a bordo dos navios; verificação de espaços
estudo de exequibilidade e adequabilidade disponíveis para instalação de tanques de
de dotar navios já existentes de sistema de coleta, equipamentos etc.; da seleção e
controle de poluição, mostrada no quadro 3. escolha do melhor processo a ser utilizado
O objetivo básico desta rede de pre- para cada navio ou classe de navio e de
cedência é o levantamento de toda docu- equipamentos adequados; e estimativa de
mentação (arranjo de redes, diagramas de pesos, centros e custos.

Quadro 3 – Rede de Precedência

RMB1oT/2015 197
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

A) Pesquisa na documentação técnica D) Estudos de adequabilidade e exe-


disponível quibilidade
1) Desenhos de arranjo de redes de des- 17) Elaboração de um arranjo tentativo
carga de drenos, embornais, drenos sanitá- para o sistema de drenos, embornais e dre-
rios, descargas de cozinha e trituradores. nos sanitários (Águas Servidas).
2) Diagramas das redes de esgoto de 18) Estudar a implicação do arranjo acima
porão e suas respectivas descargas pelo no arranjo geral do navio (Águas Servidas).
costado. 19) Estimativa de produção diária de
3) Plano de capacidade (arranjo geral águas servidas.
de tanques). 20) Posicionamento e/ou seleção de tan-
4) Levantamento de dados dos equi- ques compatíveis com o arranjo efetuado
pamentos existentes a bordo relacionados no item 17.
com o sistema acima. 21) Seleção do processo de tratamento
5) Arranjo integrado de áreas. a ser utilizado.
6) Identificação das configurações 22) Elaboração de diagramas para o
possíveis. sistema de águas servidas.
23) Elaborar um arranjo tentativo para
B) Pesquisa nas normas de controle e redes de esgoto de praça de máquinas com
preservação de poluição aplicável descarga para tanque ou separador.
7) Marpol 73/78, com suas emendas e 24) Posicionamento e/ou seleção de
atualizações. tanque de coleta de esgoto oleoso.
8) U.S. Coast guard. 25) Elaboração de diagramas para siste-
9) Sociedades classificadoras. ma de separação de água e óleo.
10) Determinação dos requisitos apli- 26) Seleção de equipamentos.
cáveis – Qualidade do efluente (Águas 27) Estimativa de peso.
Servidas e Separação de Água e Óleo). 28) Verificação dos impactos na estabi-
11) 1a validação das configurações ten- lidade e no arranjo.
tativas possíveis. 29) Implicação da planta elétrica.
30) Implicações no sistema de ar com-
C) Visitas técnicas a bordo primido (caso aplicável).
12) Levantamento das redes dos siste- 31) Decisão: CHT (Coleta, Armazena-
mas, buscando soluções para a coleta dos mento e Transferência) ou instalação de
efluentes. equipamentos para tratamento.
13) Levantamento dos locais para insta- 32) Parecer de adequabilidade e exe-
lação de tanques de coleta de águas servidas quibilidade.
e esgoto oleoso.
14) Verificação da possibilidade de Estudo de caso relativo
utilização de tanques já existentes a bordo aos aspectos ambientais
para este fim. do aviSo de Instrução
15) Levantamento de espaços dispo- Aspirante Nascimento e seus
níveis para instalação de novos equipa- desdobramentos
mentos e redes que venham atender ao
sistema. O U10 Aspirante Nascimento é um navio
16) 2a validação das configurações ten- utilizado na preparação e no adestramento e
tativas possíveis. instrução de futuros oficiais, e sua função é

198 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Figura 2 – Extrato da Planta do Arranjo Geral do U10 Aspirante Nascimento

prepará-los para operarem com os diversos As águas servidas podem ser descarre-
sistemas existentes a bordo, como: Navega- gadas diretamente ao mar, em emergência
ção, Incêndio, Controle de Avarias, Controle ou por meio de tomadas de transferência,
de Poluição, Sistemas Elétricos etc. para facilidades no porto.
O navio dispõe, atualmente, de um Não foi possível obter planos do siste-
sistema CHT (Coleta, Armazenagem e ma de bordo devido a problemas de ordem
Transferência), constituído por um tanque militar. Segundo dados da tripulação do
com volume de aproximadamente 0,82m3, Aspirante Nascimento, o único plano
localizado no compartimento dos tanques acessível do sistema existente é o diagra-
no fundo do navio (sewage tank), conforme ma fixado no quadro de CAV (Controle
apresentados nas figuras 2 e 3. de Avarias).

Figura 3 – Diagrama Esquemático do Tanque de águas servidas no U10 Aspirante Nascimento

RMB1oT/2015 199
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Padrão adotado para produção de Águas Servidas

Com base na simulação feita em um navio da MB, adotou-se o perfil de produção de


águas servidas representado nas curvas abaixo:

Figura 4 – Perfil de produção de águas servidas

200 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Figura 5 – Total de produção de águas servidas geradas por dia

No entanto, os valores deste perfil de produ- águas negras, cinzentas e de cozinha). Esse
ção devem ser majorados em 15%, para atingir valor é definido no Regulamento 7 do Anexo
o valor total de 230 l/homem.dia (incluindo IV da Convenção IMO/Helsinki (quadro 4):

UNIDADE: LITROS/HOMEM.DIA
SISTEMA CONVENCIONAL SISTEMA A VÁCUO
ÁGUAS NEGRAS 70 25
ÁGUAS NEGRAS E CINZENTAS 230 185
Quadro 4 – Extrato da Convenção IMO/HELSINKI de Consumo de Água a Bordo

RMB1oT/2015 201
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Distribuição da tripulação

Foi utilizada, para cálculo


da produção, a tripulação de 12
homens mais a tripulação de
embarque de instrução (cerca
de dez homens), que, segundo
informação do pessoal de bordo,
é o máximo que se poderia atin-
gir no navio. A distribuição da
tripulação que utiliza o sistema
a vante e a ré será calculada pro-
porcionalmente à capacidade do
tanque de águas servidas exis-
tente no navio. Assim teremos:
Capacidade do tanque de
águas servidas: 812,5 litros
(0,82 m3)
Distribuição da tripulação
= 12 homens
Distribuição da tripulação de
guardas-marinha = dez homens
Total de produção de águas
servidas = 22 x 230 = 5060 l/
dia ~ 5 m3/dia

Alternativas para instalação


do sistema de tratamento

Foram considerados dois


tipos de Unidades de Tratamen-
to de Águas Servidas (UTAS)
passíveis de serem instalados a
bordo do Aspirante Nascimen-
to, apenas as unidades que uti-
lizam os processos eletrolítico Quadro 5 – Modelos de UTAS Eletrocatalítica (Fonte: Omnipure)
ou biológico.
Foi selecionada a seguinte unidade:
Seleção da unidade eletrocatalítica Modelo: 8 MC (possui tanques da pró-
pria unidade)
Baseado no volume diário de produção Quantidade: 1 (uma)
de águas servidas, conforme cálculo na Capacidade de tratamento: 7,0 m3/dia
distribuição da tripulação e nos modelos Dimensões: Comprimento = 2.210 mm;
de unidades descritos no quadro 5, dados Altura = 1.727 mm; Largura = 610 mm
obtidos de catálogo. Peso: 711 kg.

202 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Figura 6 – Unidade de tratamento de águas servidas eletrolítica (Fonte: Omnipure)

Impactos da instalação Vantagens:


1 – atende integralmente à IMO;
Necessidade de instalação de tanques sépticos 2 – é o mais indicado para navegação
marítima (menor tamanho, não gera lama
Em função do perfil de produção de residual etc.).
águas servidas, pode-se observar que há
dois períodos críticos de produção de águas Impactos da instalação
servidas: de 7 às 8 hs e de 16 às 18 hs.
A Unidade de Tratamento selecionada Seleção da unidade biológica
possui tanques próprios, com o desempe-
nho constante durante todo o dia. Dessa Consiste basicamente de um tanque de
forma, os dois tanques funcionam como aeração que recebe o afluente (esgoto bru-
tanques de recebimento do esgoto bruto e to), onde é misturado com lodos ativados
de decantação, para depósito dos resíduos e aerado continuamente com ar difuso,
provenientes do processo. proveniente de um soprador instalado na
Desvantagens: parte superior da Unidade de Tratamento
1 – processo de eletrólise necessita de sal de Águas Servidas. Com essa operação,
para condutividade (aproximadamentede o oxigênio existente no ar está sendo
1% de salinidade); injetado na mistura, garantindo, assim,
2 – não é recomendado para operação a circulação necessária para que se evite
em águas doces pelo próprio fabricante; a sedimentação do material sólido em
3 – necessidade de declorador prove- suspensão.
niente do processo de eletrólise, que gera A aeração tem como finalidade principal
hipoclorito de sódio; a oxidação da matéria orgânica existente no
4 – manutenção e reparo dos componen- esgoto, reduzindo-se a carga de DBO (De-
tes da UTAS etc. manda Bioquímica de Oxigênio) e formando

RMB1oT/2015 203
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

o lodo ativado, que é mantido em suspensão O modelo selecionado inicialmente é:


durante toda a operação da UTAS. – Fabricante: Hamworthy
Para a redução do lodo formado em – Modelo: ST4A
suspensão no líquido, a mistura, conti- Dimensões:
nuamente aerada, é conduzida ao tanque – Comprimento: 2.350 mm
de decantação (clarificador), de forma – Largura: 1.560 mm
retangular, com o fundo afunilado, onde – Altura: 1.750 mm
um sistema de air lift remove e recircula o – Capacidade de Tratamento: 6,0 m3/dia
lodo sedimentado para o tanque de aeração, – Peso: 4.860 kg.
aproveitando-se a atividade biológica ainda Desvantagens:
presente, objetivando melhorar o rendimen- 1 – variação do ambiente no qual o navio
to do processo e aumentando a oxidação da estiver operando (rio ou mar) implica direta-
matéria orgânica presente na mistura. mente o processo de formação das colônias de
O efluente clarificado no decantador bactérias, afetando o processo de tratamento,
passa para a câmara de desinfecção por que necessita de tempo para sua formação;
transbordamento, onde é tratado por radia- 2 – grandes dimensões;
ção ultravioleta ou outro método. 3 – peso elevado;
Após a desinfecção, o líquido é bombe- 4 – manutenção e reparo dos componen-
ado para o corpo receptor. tes constantes.

Figura 7 – Unidade de tratamento de águas servidas biológica

204 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Vantagens: Descrição do sistema de


1 – processo totalmente sem adição de separação de água e óleo
produtos químicos (pode ser usado UV ou
ozônio para desinfecção); A mistura de água e óleo é aspirada
2 – atende integralmente à IMO; e dos pocetos de diversos pontos do navio
3 – possui integração com sistema a vácuo. pela bomba do sistema de separação de
água e óleo e descarregada através do
Impactos da instalação separador, processo descrito na figura 8.
O óleo separado é descarregado para um
Necessidade de instalação de tanques sépticos tanque de óleo usado, e a água descarre-
gada ao mar, através de um sensor que
Conforme informações fornecidas pelo analisa a quantidade de óleo existente na
fabricante, a unidade já possui tanques com mesma. Se a quantidade de óleo existente
capacidade de armazenamento suficientes for superior a 15 ppm, o sensor comanda
para o recebimento do esgoto bruto e um para que a água oleosa retorne para o
tanque de decantação para depósito dos re- separador ao invés de ser descarregada
síduos, com desempenho constante durante pelo costado.
todo o dia para a produção esperada.
Dimensionamento do separador de água
Análise comparativa e óleo

O quadro 6 apresenta uma análise com- A vazão do separador de água e óleo é


parativa entre os sistemas apresentados dimensionada em função de navios simila-
(eletrocatalítico e biológico) e os impactos res e sua tonelagem, logo adota uma vazão
da instalação a bordo. 0,25 m3/h.

Sistema Eletrolítico Sistema Biológico


Parâmetros
(Omnipure – 8MC) (Hamworthy – ST4A)
No de UTAS necessárias 1 (uma) 1 (uma)
Capacidade de tratamento (m3 / Dia) 7,0 6,0
Dimensões (mm) C = 2210; C = 2350;
L = 610; L = 1560;
H = 1727. H = 1750.
Necessidade de tanques sépticos A própria unidade já possui tanques A própria unidade já possui tanques
Alterações no arranjo Modificação do arranjo na praça de Modificação do arranjo na praça de
máquinas ou compartimentos ad- máquinas ou compartimentos ad-
jacentes, para instalação da UTAS jacentes, para instalação da UTAS
(ver observação) (ver observação)
Experiências em navios da MB Instalada nas corvetas classe Inhaú- Apenas nos rebocadores Almirante
ma, no Navio-Tanque Gastão Guillhem e Guilhobell. No entanto,
Motta, nos navios-patrulha e no desde a incorporação desses navios
NE Brasil não foram postas em operação
Peso (kg.) 1.633 4.860
Quadro 6 – Análise comparativa entre os sistemas apresentados e seus impactos
Obs: Estes dados não devem ser considerados para qualquer eventual dimensionamento de sistemas

RMB1oT/2015 205
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Figura 8 – Diagrama básico de um sistema de separação de água e óleo

Pré-seleção do separador Separador de óleo para cozinha

Em consonância com os equipamentos Para possibilitar a descarga direta das


já em uso na MB, tem-se o seguinte modelo águas servidas provenientes da cozinha
pré-selecionado: produzidas no preparo dos alimentos
Fabricante: B+V Industrietechnik para o tratamento (UTAS), faz-se ne-
GmbH cessária a instalação de um sistema
– Modelo: TMPB 0,25 m3/h automático para a remoção de gorduras
– Quantidade: 1 das águas servidas provenientes das pias
– Dimensões: de cozinha.
Comprimento: 870 mm; Largura: 1.463 Fabricante: Thermaco
mm; Altura: 400 mm – Modelo: W-300-AST-30 GPM (1,89l./s)
– Capacidade de Tratamento: 0,25 m3/h – Quantidade: 1
– Peso: 345 kg – Potência: 1.500W/115V/60Hz/13 Amp

Figura 9 – Separador de água e óleo Figura 10 – Separador de óleo de cozinha

206 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Compactador de lixo integradas aos processos de gerenciamento


de resíduos em terra, gerando um custo
O compactador modelo 8251 pode relativamente baixo.
compactar caixas, latas, caixas de papelão Ao longo deste estudo, pode-se verificar
etc., com cerca de 700 l de volume residual que houve evolução no combate à poluição
e comprimidas até um volume de cerca de causada por navios, mitigando transtornos
0,04m3. A compactação de alimentos e a diversos, tanto à vida marinha como às
disposição de resíduos e vidros não são populações que utilizam a região da costa
recomendadas para este modelo. para sobrevivência e lazer. Mas ainda há
A potência demandada do motor usado muito por fazer.
para a compactação sem carga é de cerca Não há interrupção da poluição se a
de 250W, e a potência máxima durante a educação e a conscientização não come-
compressão é próxima a 700W. çarem pelo topo da cadeia, isto é, pelos
As características de segurança incluem as armadores ou operadores dos navios que os
chaves removíveis com interruptor partida/ programam e determinam suas operações.
fechado e a chave de segurança para abertura Nos tempos de hoje, com a preocupação
da gaveta, de modo a prevenir o uso sem au- crescente com a preservação do meio ambien-
torização e a compactação com a porta aberta. te e o desenvolvimento sustentável, espera-se
As características principais deste equi- que as autoridades governamentais, as ONGs
pamento são listadas a seguir: e a sociedade deixem de atuar isoladamente e
– Comprimento: 510 mm + 550 mm passem a trabalhar em conjunto na busca da
(área de operação) minimização dessa poluição.
– Altura: 840 mm O perigo de poluição por diversos elemen-
– Largura: 310 mm tos é tão evidente que a necessidade de con-
– Peso: 61 kg trole e prevenção sobre a situação é absoluta.
Na segurança, se todos os elementos dis-
poníveis apontam no sentido de demonstrar
que é ao homem que cabe a maior responsa-
bilidade pelos acidentes ocorridos no mar,
então se invista prioritariamente no homem,
pois só desse modo é possível reduzir esses
acidentes e tragédias marítimas.
A Marinha brasileira vem adequando
seus navios à legislação ambiental vigente,
embora parte da frota ainda encontre-se
em fase de estudos e adaptações conforme
apresentado no Quadro 1, tendo em vista que
foram construídas ou adquiridas com normas
Figura 11 – Compactador de lixo e legislações de épocas e ocasiões em que
não havia a preocupação na área ambiental.
Soluções propostas e recomendações A questão de custos para novas adapta-
decorrentes do estudo ções muitas vezes inviabiliza soluções em
curto prazo, apesar de existirem tecnologias
As instalações para recepção de resíduos perfeitamente aplicáveis para soluções
produzidos a bordo dos navios podem ser possíveis de proteção ao meio ambiente.

RMB1oT/2015 207
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Com isso, a rede de precedência apresen- Todos os sistemas listados acima aten-
tada no quadro 3 torna-se imprescindível dem ao contido na Marpol. Por outro lado,
para a tomada de decisões. No caso espe- o Conama, por ser mais restritivo e não
cífico estudado, para avisos de instrução permitir o lançamento de esgoto não tra-
classe Aspirante Nascimento é exequível; tado, impossibilita o uso de CHT a bordo.
entretanto, existem problemas a serem Os outros sistemas podem ser utilizados,
transpostos com relação ao arranjo dos desde que seja garantido o efluente dentro
equipamentos no navio. dos parâmetros definidos no regulamento.
Cabe ressaltar que a manutenção do sis-
tema CHT a bordo dos avisos de instrução Quanto à separação de água e óleo
classe Aspirante Nascimento só deve ser
efetiva como controle de poluição se forem O derramamento de óleo é um sério
previstos sistemas de tratamento nos portos problema que a Marinha tem resolvido
e nas bases ou meios de transferência dos com a instalação de SAO coalescedores nos
dejetos armazenados para estações públicas navios. O resultado tem sido satisfatório,
de tratamento de esgoto. com a integração do porto para recepção
Recomenda-se monitoramento frequen- do óleo segregado. Para navios de pequeno
te quanto ao desempenho de unidades de porte, conforme previsto na Marpol, temos
tratamento já instaladas a bordo dos navios, adotado a construção de tanques de arma-
no que concerne à operacionalidade, custos zenamento para receberem a água oleosa
de operação e manutenção, rejeitos obtidos, do porões, que é transferida posteriormente
eficiências e eficácias, que venham a aten- para o porto, sem tratamento.
der às necessidades ambientais, dentro dos
custos e padrões aceitáveis. Conclusão

Solução adotada pela A MB vem procurando adequar seus


Marinha do Brasil navios à legislação ambiental vigente. Para
isso, as áreas enfocadas foram:
Quanto ao tratamento de esgoto – poluição ambiental por esgoto orgâ-
sanitário nico, por meio de recomendações de ins-
talação de UTAS (que podem ser de vários
Entre os sistemas apresentados, observa- tipos) ou de CHT, inclusive;
se que, em função do tipo de embarcação, – poluição por óleo, por meio de reco-
do espaço disponível, da faixa de operação mendações de instalação de SAO;
do navio e do efluente produsido, pode-se – poluição por lixo, por meio de recomen-
escolher aquele que melhor atenda aos dações de instalação de compactadores de lixo.
objetivos. Desta forma, é recomendada a Finalmente, há de se ressaltar que a ade-
instalação de UTAS em alguns navios ou quação à legislação ambiental é uma tarefa
de CHT em outros. contínua, uma vez que tais leis são evolutivas.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<MEIO AMBIENTE>; Poluição; Poluição do mar;

208 RMB1oT/2015
MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS DE NAVIOS DA MARINHA DO BRASIL
– Estudo de caso do Aviso de Instrução Aspirante Nascimento

Referências

BRASIL. Lei no 9966. Dispõe Sobre Prevenção, Controle e Fiscalização Causados por Lançamento
de Óleo e outras Substâncias Nocivas ou Perigosas em Águas sobre Jurisdição Nacional e dá
outras Providências; 2000.
Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama – Resolução no 20 de 18 de junho de 1986.
MARKLE, S. P., e Gill, S. E., TAKE: Acquiring the Environmentally Sound ship of the 21st Century,
USN; 2001.
DZ.215.R-1 – Diretriz de Controle de Carga Orgânica Biodegradável em Efluentes Líquidos de Ori-
gem não Industrial – FEEMA. Estabelece exigências de controle de poluição das águas que
resultem na redução de carga orgânica biodegradável de origem sanitária, como parte integrante
do Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras, SLAP; 2007.
General Specification for Ships of The United States Navy – Department of the Navy Naval Sea
Systems Command – Section 593 – Environmental Pollution Control Systems – Edition 1993.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS NBR ISO 14001: Sistema de Gestão
Ambiental – Especificação e Diretrizes para Uso, 14 p, 1996.
IMO/MARPOL 73/78. Convenção Internacional para Prevenção da Poluição por Navios –1973, Proto-
colo de 1978, Relativo à Marpol 73 Emendas de 1984 ao Protocolo à Marpol 1978 e seus Anexos.
Implantação do Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Disponível em http//www.dpc.mar.mil.br.
Acesso em out. 2013.
KOSS – Environmental Sound Ships for the 21st. Century in Proceding of The INEC’92 – Solution
to the Challenge of a New Defense, Imare, Plymuoth, UK, 1992.
Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21. Capítulo 17 – Proteção dos oceanos, de todos os tipos de
mares, inclusive mares fechados e semifechados e das zonas costeiras, e proteção, uso racional
e desenvolvimento de seus recursos vivos; 1992.
MARCELO F. Maciel – Trabalho final de mestrado em Engenharia Ambiental. Gestão de resíduos
sólidos gerados por navios e terminais de contêineres – O caso do porto do Rio de Janeiro, 2005.
NT.202.R-10 – Critérios e Padrões para Lançamentos de Efluentes Líquidos – Feema; 2003.
PAPER. DREW, J. Demboski , JOHN H. Benson, MICHAEL A. Mull. – Evolutions In U.S. Navy
Shipboard Sewage Snd. Greywater Programs; 2003.
__________. The Naval Architect January – Membranes Advancing into Waste Water Treatment; 2001.
__________. Helcom – Recommendation 11/Attachment – Regulation 7 – Annex IV – Helsinki
Convention; 1998.
PORTARIA No 51 DE 4 DE DEZEMBRO DE 1991 – Ministério da Saúde (SNVS) – Atividades de
Prevenção e Controle de Cólera nos Meios de Transportes nas Áreas Portuárias, Aeroportuárias
e Estações de Fronteiras no Território Nacional.
R.B.CLARK – Marine Pollution, 3rd Edition PP6, Claredon Press, Oxford, UK, 2001.
831-AVIN-01-801-01 – General Arrangement – “Trainning Ship”.
Visita Técnica ao U10 Aspirante Nascimento, em 15/1/2014.

RMB1oT/2015 209
ARP-E: Uma nova realidade na
Marinha do Brasil*

Davi Manoel Gomes Ribeiro**


Capitão de Corveta

SUMÁRIO

Vantagens do uso da ARP-E


A operação da ARP-E nos meios navais
Conclusão

N esse ano de 2014, a Marinha do Brasil


(MB) deu um salto significativo na
busca do uso do binômio Navio e Aeronave
Sendo assim, o NPaOc Apa foi utili-
zado como plataforma na Demonstração
da ARP-E Scan Eagle da Insitu-Boeing e
Remotamente Pilotada Embarcada (ARP-E) Camcopter S-100 da Shiebel-Selex em alto
em operações no mar. Após uma triagem mar, no período de 17 a 19 de fevereiro e
minuciosa, foram selecionados 2 sistemas 2 a 5 de julho, respectivamente, na costa
de ARP-E para realização de testes a partir de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos
de navios com lançamento e recolhimento. fluminense.
Após adquiridos, essas ARP-E poderão ser Essas demonstrações tiveram como
inicialmente utilizadas em operações de objetivo permitir o levantamento dos dados
esclarecimento. operacionais dessas 2 ARP-E para subsidiar

* Matéria classificada em 5o lugar no 9o Concurso de artigos do Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes


Aeronáuticos da Marinha (SIPAAerM). Publicada na Revista da Aviação Naval no 75 de dezembro de 2014.
** Serve no Navio-Patrulha Oceânico (NPaOc) Apa.
ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil

a consolidação dos requisitos para sua uma excelente opção em uso embarcado.
aquisição, tendo a Diretoria de Aeronáutica No tocante à segurança de aviação, o seu
da Marinha (DAerM) capitaneado todo o emprego em missões de esclarecimento em
processo desde o início do planejamento substituição às aeronaves convencionais
até a execução, a fim de definir o sistema teria como principal vantagem a eliminação
de ARP-E que poderá ser utilizado pelos do risco à vida dos pilotos, cuja formação
meios navais da MB no futuro. é bastante onerosa e cujas perdas trazem
Devido à sinergia proporcionada pelos impactos negativos na sociedade e no moral
aspectos de inovação tecnológica, desen- dos tripulantes a bordo.
volvimento de sistemas, novos conceitos Outra vantagem da ARP-E em relação às
operacionais e adaptação organizacional, atuais aeronaves orgânicas é a sua capaci-
a implantação desse equipamento a bordo dade de permanecer prolongados períodos
dos navios da MB poderá representar uma em voo. As características tecnológicas
quebra de paradigma, tornando-se uma desse equipamento, principalmente quanto
importante fonte de a autonomia, versati-
dados para identifica- lidade de emprego e
ção de alvos não cola- A ARP-E eleva de forma custo em relação ao bi-
borativos em missões
de patrulha. Esse novo
significativa a capacidade nômio navio-aeronave,
têm despertado a aten-
meio pode aumentar de comando e controle da ção para a possibilida-
a eficácia dessa ati- patrulha naval de desse equipamento
vidade devido a sua complementar os atuais
maior capacidade de meios aeronavais.
permanência e velocidade em missões de A utilização da ARP-E é também
esclarecimento. Dessa forma, a ARP-E vantajosa por proporcionar, em média,
eleva de forma significativa a capacidade um baixo custo de aquisição e de manu-
de comando e controle para os navios, tenção, comparando-o com os elevados
aumentando sobremaneira a consciência custos necessários dos diversos modelos
situacional marítima para a patrulha naval. de aeronaves que equipam os esquadrões
aeronavais da atualidade. Outro custo indi-
Vantagens do Uso da ARP-E reto relacionado é da formação de pilotos,
basicamente em função da necessidade de
Em comparação com as aeronaves manutenção das aeronaves e do combustí-
pilotadas, a utilização da ARP-E possui vel empregado. Futuramente, respaldada
algumas vantagens que a coloca como por legislação pertinente, a formação espe-

RMB1oT/2015 211
ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil

cífica de pilotos de ARP-E poderia ser uma


qualificação de pessoal, uma das possibili-
grande redução desses custos, pois o piloto
dades seria concentrar todas as ARP-E em
receberia treinamento quase que totalmente
um esquadrão específico para esse fim, de
em simuladores de voo e computadores. modo que todas as etapas referentes a essas
Ademais, devido a sua reduzida assi- atividades pudessem ser gerenciadas de for-
natura radar e térmica, pode-se considerar
ma única facilitando o embarque nos meios.
como uma vantagem a sua dificuldade de Com relação ao guarnecimento a bordo,
detecção e interceptação pelos meios na- por ocasião da demonstração dos 2 modelos
vais, principalmente os modelos menores de ARP-E, pode-se verificar uma menor
e de menor autonomia. necessidade de integrantes de Equipe de
Manobra e Crache para sua operação em con-
A operação dA ARP-E nos voo. Considerando-se o guarnecimento em
meios navais sistema de rodízio, isso
acarreta uma redução
Por ser um meio A operação das ARP-E nos da jornada de atividade
dotado de tecnologia aérea dos militares qua-
avançada, vislum- meios navais exigirá uma lificados para a equipe
bra-se que a opera- adaptação de doutrinas e citada, contribuindo para
ção das ARP-E nos a prevenção de ocorrên-
meios navais exigirá
procedimentos cias aeronáuticas.
uma adaptação de
doutrinas e procedimentos em curto Conclusão
espaço de tempo dos diversos setores
da MB envolvidos de forma a assegurar Com o sucesso obtido nas demonstra-
a condução satisfatória e segura desses ções realizadas, pode-se considerar que
equipamentos. Nesse ínterim, pode-se a operação das ARP-E já é uma realidade
destacar alguns aspectos como: local na MB. Contudo, mudança paradigmática
de acondicionamento e manutenção das proporcionada pelo acesso às tecnologias
ARP-E; procedimento de qualificação e do “estado da arte” embarcadas nesses
manutenção de pessoal; e guarnecimento equipamentos irá impor desafios a serem
dos meios para operação com ARP-E. vencidos para a manutenção de um am-
No que se refere a acondicionamento e biente seguro para a condução de operações
manutenção da ARP-E e procedimento de aéreas nos nossos meios navais.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Aeronáutica; Veículo aéreo não tripulado;

212 RMB1oT/2015
Transporte de carga geral por cabotagem:
Utilização dos portos do Rio de Janeiro

Igor Thiago de Andrade Cesar*


Capitão-Tenente (IM)

SUMÁRIO

Introdução
Metodologia de pesquisa
Referencial teórico
Navegação de cabotagem
Definições
Tipos de cargas
A legislação brasileira
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-Portos)
Ressurgimento da cabotagem no Brasil
Armadores nacionais
Portos no Estado do RJ
Conclusões e perspectivas
A utilização do transporte de cabotagem pela Marinha do Brasil**

Introdução com uma extensa faixa litorânea, onde se


localiza a maioria das principais cidades

E m um país de dimensões continentais,


possuidor de um dos maiores territórios
marítimos entre todos os países do planeta,
e dos centros consumidores, o modal de
transporte aquaviário – sobretudo a cabo-
tagem – deveria apresentar-se como uma

* Chefe da Divisão de Importação do Depósito Naval do Rio de Janeiro. Mestrando em Logística na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
** Ver Noticiário Marítimo, p. 307.
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

vocação natural para o tráfego de cargas. vam o tema proposto para auxiliar a pesquisa
No entanto, esse tipo de transporte é ainda nas bases de dados escolhidas. Em seguida,
pouco explorado. realizou-se uma revisão manual dos resumos
O transporte e a manutenção de estoque, selecionados e, por fim, os melhores textos
em regra, são as atividades logísticas de foram lidos em sua íntegra.
maior custo para as empresas. A experi- Poucos artigos já exploraram o tema, o
ência demonstra que cada um deles pode que dificultou a revisão sistemática sobre o
representar entre metade e dois terços dos assunto. Desta forma, o trabalho priorizou
custos logísticos totais (BALLOU, 2006, os dados disponíveis em fontes oficiais,
p. 32). Deste modo, o estudo dos possíveis sem, no entanto, abandonar a base de dados
modais a serem utilizados no transporte acadêmica, a fim de não limitar as conclu-
de cargas torna-se fundamental para uma sões à leitura de apenas alguns artigos.
empresa que objetiva a redução de seus
custos logísticos e, por conseguinte, uma Referencial teórico
maior eficiência em suas atividades.
O objetivo deste trabalho é analisar o Navegação de cabotagem
crescimento da cabotagem no País a partir
de 2007, ano em que foi criada a Secretaria Definições
Especial de Portos (Lei no 11.518, de 5 de
setembro de 2007), ligada diretamente à De acordo com o inciso IX, do artigo
Presidência da República, demonstrando 2o, da Lei no 9.432/97, “navegação de ca-
o reconhecimento do governo federal à botagem é aquela realizada entre portos ou
necessidade de tratar os assuntos portuários pontos do território brasileiro, utilizando a
no mais alto nível governamental e sua via marítima ou esta e as vias navegáveis
possível utilização para o transporte de interiores”.
carga geral tendo como origem ou destino A palavra cabotagem é originária do
os portos no Estado do Rio de Janeiro. termo caboter, que, em francês, significa
“navegação entre cabos e portos do mesmo
Metodologia de pesquisa país” (OLIVEIRA, 2000, p. 163).
No Brasil, a navegação de cabotagem
A metodologia adotada na elaboração apresenta um elevado potencial para mo-
deste artigo foi o estudo qualitativo com vimentação de contêineres, devido à sua
base em revisão bibliográfica sistemática de extensa costa litorânea e pelo fato de cerca
literatura especializada. Os artigos (papers) de 80% do Produto Interno Bruto (PIB)
e textos estudados foram encontrados em brasileiro estar concentrado a uma distância
livros-textos e periódicos científicos nacio- de até 400 km do litoral (CEL/COPPEAD,
nais e internacionais disponíveis em bases 2006 apud SOUZA, 2007).
de dados, como o Portal de Periódicos da Além disso, segundo dados da Agên-
Capes-CNPQ, Elsevier e Scielo, entre ou- cia Nacional de Transportes Aquaviários
tras bibliotecas eletrônicas de universidades (Antaq), a cabotagem brasileira possui um
brasileiras e estrangeiras de referência. enorme potencial, já que temos uma costa
Foram identificadas como palavras-chave com 7.367 km de extensão, 80% da popu-
ou expressões, para as buscas, “cabotagem”, lação brasileira vive até 200 km da costa e
“cabotagem no Brasil”, “transporte maríti- há uma grande concentração industrial ao
mo” e “portos no Brasil”, que caracteriza- longo do litoral brasileiro.

214 RMB1oT/2015
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

De acordo com dados do site da Antaq, realizada manualmente (GOEBEL, 1996


com base em levantamento realizado pela apud CRUZ, 2007).
Confederação Nacional de Transportes – Carga a granel: entende-se por gra-
(CNT, 2006), as vantagens da cabotagem néis, sólidos ou líquidos, todas as cargas
em relação aos outros meios de transporte, não embaladas e que assumem a forma
conforme percepção dos usuários deste dos recipientes onde estão inseridos. Os
serviço, são: reduzido custo do frete, segu- granéis sólidos, transportados por via
rança da carga, confiabilidade dos prazos e marítima, incluem basicamente minérios,
baixo nível de avarias. farelos e grãos, enquanto os líquidos são
Um outro dado extraído desse mesmo representados, principalmente, por petróleo
estudo foi o levantamento dos motivos e derivados (GOEBEL, 1996 apud CRUZ,
pelos quais as empresas não usam a cabo- 2007).
tagem no Brasil. O resultado, em ordem – Carga conteinerizada: carga geral
decrescente, mostra: alto custo do frete, acondicionada (unitizada) em contêineres.
baixa frequência de linhas, alto nível de O escopo principal deste trabalho
avarias, baixa confiabilidade dos prazos e abrange apenas as cargas de tipo geral e
inexistência de serviços complementares. conteinerizadas.
A partir dos levantamentos de dados
acima, percebe-se que as principais vanta- A legislação brasileira
gens elencadas na pri-
meira parte do estudo A navegação de ca-
são repetidas na sua Estudo mostra razões de a botagem no Brasil é
segunda parte, porém cabotagem não ser usada no regulada segundo as
como sendo pontos
negativos ao explica-
Brasil: alto custo do frete, normas da Antaq, da
Agência Nacional do
rem os motivos pelos baixa frequência de linhas, Petróleo (ANP) e da
quais as empresas não alto nível de avarias, baixa Diretoria de Portos e
utilizam a cabotagem Costas da Marinha do
no País. Este fato de- confiabilidade dos prazos Brasil.
nota que ainda há uma e inexistência de serviços O parágrafo único,
grande diferença de do artigo 1o, do anexo
percepções, por parte
complementares da Resolução Antaq
das empresas brasi- 2920/2013 versa que
leiras, quando o assunto é o transporte de “o transporte aquaviário de carga na nave-
cabotagem no Brasil. gação de cabotagem somente poderá ser
realizado por empresa brasileira de navega-
Tipos de cargas ção de cabotagem, utilizando embarcação
de bandeira brasileira e, exclusivamente,
– Carga geral: A carga geral, ou solta, nos casos previstos nesta norma e uma vez
conhecida no meio marítimo como break cumpridos todos os requisitos nela estabe-
bulk, inclui os volumes de carga acondi- lecidos, utilizando embarcação de bandeira
cionados sob dimensões e formas diversas. estrangeira afretada”.
Não permite obter índices mais elevados A legislação, neste caso, procurou fo-
de produtividade nas operações de carga e mentar a utilização de navios de bandeira
descarga, obrigando a que a operação seja nacional, o que estimularia diretamente a

RMB1oT/2015 215
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

construção no País. Todavia, não restringiu a retomada do planejamento e a execução


completamente a utilização de navios de de grandes obras de infraestrutura social,
bandeira estrangeira, já que se dá prioridade urbana, logística e energética do País,
à realização efetiva do transporte. Ou seja, contribuindo para o seu desenvolvimento
para os casos em que a indústria naval não acelerado e sustentável.” (MINISTÉRIO
supre a demanda, está autorizada a utiliza- DO PLANEJAMENTO, 2014)
ção de embarcação estrangeira. “Pensado como um plano estratégico
A partir da década de 1990, algumas nor- de resgate do planejamento e de retomada
mas legais e infralegais editadas pelo governo dos investimentos em setores estruturantes
federal contribuíram para o desenvolvimento do País, o PAC contribuiu de maneira
das atividades portuárias no Brasil. No ano decisiva para o aumento da oferta de em-
de 1993, entrou em vigor a Lei 8.630/93, pregos e na geração de renda e elevou o
conhecida como a Lei de Modernização dos investimento público e privado em obras
Portos, ou apenas Lei dos Portos. fundamentais.” (MINISTÉRIO DO PLA-
Esta legislação tinha por objetivo garan- NEJAMENTO, 2014)
tir melhores condições de exploração do Um dos setores em que houve gran-
setor portuário visando, sobretudo, adequar des investimentos, com a execução de
os portos brasileiros importantes obras de
ao contexto interna- infraestrutura com a
cional (FARIA, 1998 finalidade de promover
apud SOUZA, 2007). De acordo com dados do seu desenvolvimento,
Desde a década de Ministério dos Transportes, foi o portuário.
30, não havia altera- De acordo com
ção na legislação por-
estão em andamento dados do Ministério
tuária brasileira para investimentos em 71 dos Transportes, es-
adaptá-la às mudan- empreendimentos, em 23 tão em andamento
ças e contingências investimentos em 71
do setor, tornando-se portos brasileiros empreendimentos, em
ela obsoleta e preju- 23 portos brasileiros.
dicial ao desenvolvi- O objetivo é ampliar,
mento do País (OLIVEIRA, 2000). recuperar e modernizar as estruturas exis-
A Lei dos Portos (1993), que passou a tentes visando a uma redução nos custos
concessão para exploração dos terminais logísticos, à melhoria da eficiência ope-
portuários à iniciativa privada, possibi- racional, ao aumento da competitividade
litou também maiores investimentos na das exportações, à redução de custos nas
infraestrutura portuária, o que gerou maior importações e ao incentivo ao investimento
produtividade, maior eficiência e menor privado. Há obras de dragagem de apro-
tempo de operação dos navios nas instala- fundamento de infraestrutura portuária,
ções portuárias. de inteligência logística e de terminais de
passageiros (para a Copa 2014).
Programa de Aceleração do Crescimen- Especificamente para os portos no Esta-
to (PAC-Portos) do do Rio de Janeiro, os seguintes projetos
fazem parte do PAC:
“Criado em 2007, o Programa de Ace- a) Porto do Rio de Janeiro – reforço
leração do Crescimento (PAC) promoveu estrutural do cais da Gamboa;

216 RMB1oT/2015
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

b) Porto de Itaguaí – dragagem de namentais e dos investimentos públicos e


aprofundamento. privados no setor portuário, a navegação de
cabotagem voltou ao cenário de transporte
Ressurgimento da cabotagem no nacional de cargas.
Brasil Alguns aspectos estão sendo fundamen-
tais para a retomada do serviço de cabota-
Segundo dados retirados do site da gem em nosso país, tais como:
Antaq, a via marítima é o principal meio a) aumento da competitividade: o trans-
utilizado para o transporte de mercadorias porte de cargas por cabotagem está, cada
do comércio exterior brasileiro. Em 2011, vez mais, sendo considerado como alterna-
a tonelagem exportada por via marítima tiva ao transporte rodoviário em virtude do
representou 96% do total, enquanto que a encarecimento do preço dos combustíveis,
importada alcançou 89%, maior índice em da má qualidade das estradas e rodovias,
cinco anos. Ao se analisar o fluxo comercial de restrições à circulação de caminhões
por valor (US$ FOB), percebe-se que essa nas grandes cidades, do aumento de custo
participação vem se ampliando nos últimos com diárias pagas aos motoristas (princi-
anos, atingido 84% do montante exportado palmente pela sanção da Lei 12.619/12, que
e 76% do importado, ou seja, o melhor estabelece, em seu artigo 235-D, redução
patamar desde 2007. da jornada de trabalho para os condutores
A partir do gráfico 1, concluímos que o e a obrigatoriedade de intervalo para des-
transporte internacional de cargas brasileiro canso) e do menor risco de furto de cargas,
é prioritariamente realizado pelo modal ma- com base no levantamento realizado pela
rítimo. No entanto, para o tráfego nacional Confederação Nacional dos Transportes
de cargas pelo modal marítimo, o panorama (CNT) (2006), já exposto neste trabalho;
não é o mesmo. Ainda segundo dados re- b) passagem da concessão para explo-
tirados do site da Antaq, a participação do ração dos terminais portuários à iniciativa
modal aquaviário na matriz de transporte privada, que possibilitou também maiores
brasileiro, em 2008, era de apenas 7%. investimentos na infraestrutura portuária, o
Como consequência dos estímulos gover- que gerou maior produtividade, melhores

Fonte: Alice-web – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior


Elaboração: ANTAQ/SNM/GDM

Gráfico 1 – Porcentagem de exportações e importações por via marítima do Brasil

RMB1oT/2015 217
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

serviços, maior eficiência e menor tempo Armadores nacionais


de operação dos navios nas instalações
portuárias; e Atualmente, de acordo com dados
c) aumento da utilização deste modal de extraídos da Antaq, existem 40 Empresas
transporte como feeder de transporte inter- Brasileiras de Navegação (EBN) autoriza-
nacional – em função da tendência mundial das a operar na navegação de cabotagem
de concentração de cargas de longo curso no Brasil. Estas EBNs disponibilizam uma
em portos concentradores, que funcionam frota de 179 embarcações aptas a este tipo
como hubs no transporte internacional de de navegação, totalizando três milhões de
cargas, e de a legislação brasileira restringir Tonelagem de Porte Bruto (TPB), com uma
a atuação de operadores internacionais na idade média de 16,5 anos por embarcação
navegação de cabotagem brasileira (citado (ANTAQ, 2014).
no item 2.2.2), cada vez mais os navios De acordo com dados de um estudo
que operam na cabotagem estão sendo sobre a cabotagem realizado pela Antaq,
demandados para o transporte interno de entre 2010 e 2012 houve um incremento
cargas entre os diversos portos interiores e na quantidade de EBNs (de 37 para 42),
da costa brasileira. uma expansão na quantidade de embarca-
O gráfico 2 demonstra o crescimento, ções (de 152 para 155) e um aumento na
em toneladas, do transporte de cabotagem TPB total (de 2.987 mil para 3.024 mil),
a partir do ano de 2010. Podemos verificar além da queda da idade média (de 18,3
o crescimento de 7,8% no total transportado para 16,5 anos), motivada principalmente
e, sobretudo, um crescimento de 28% no pela renovação de embarcações dos tipos
transporte de carga geral conteinerizada petroleiro, graneleiro, barcaça, tanque
nesse período. químico, multipropósito e lancha, seja pela

Fonte: Antaq, 2014


Gráfico 2 – Crescimento do transporte de cabotagem

218 RMB1oT/2015
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

incorporação à frota de embarcações mais A tabela 1, elaborada pelo autor com


novas, seja pela saída de embarcações de base nos dados disponibilizados pela Antaq,
idade mais avançada. apresenta as linhas regulares das principais
Esse mesmo estudo mostra que o mer- empresas brasileiras que têm em seu itinerário
cado de cabotagem no transporte de carga algum porto no Estado do RJ e cuja frota é ca-
geral (solta e conteinerizada) é relativamen- paz de transportar carga geral conteinerizada.
te pulverizado. Mais da metade das EBNs Observamos que, para o transporte de
autorizadas operam neste segmento, utili- carga geral no Estado do Rio de Janeiro,
zando grande diversidade de navios, tais o principal porto que opera atualmente é
como porta-contêineres, cargueiros, balsas, o de Itaguaí. Semanalmente, 13 navios
rebocadores/empurradores e barcaças. operam naquele porto e são responsáveis
Além disso, novas empresas estão se pela cabotagem de nosso estado.
fortalecendo nesse mercado, tais como a A tabela 2 mostra a evolução (2010-2013)
Companhia Libra de Navegação e a Mer- da quantidade de contêineres movimentados
cosul Line, indicando uma tendência de nos principais portos ou Terminais de Uso
aumento da competitividade entre as em- Privativo (TUP) por cabotagem no Brasil,
presas prestadoras destes serviços, de modo em TEU (Twenty-foot Equivalent Unit), que
a aumentar a oferta e a redução de custos é uma medida padrão utilizada para calcular
para os usuários. (SYNDARMA, 2014) o volume de um contentor de 20 pés. O porto
de Itaguaí encontra-se em 4o lugar nacional,
Portos no Estado do RJ enquanto o porto do Rio de Janeiro está em
10o lugar. Esses dados indicam que o Rio
Os portos do Estado do Rio de Janeiro de Janeiro, apesar de ser o estado com o
são administrados diretamente pela Com- segundo maior Produto Interno Bruto (PIB)
panhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ). do País (IBGE, 2014) e ser litorâneo, pouco
Entre os principais portos, podemos desta- utiliza a navegação de cabotagem quando o
car o porto do Rio de Janeiro e o porto de comparamos com estados como São Paulo,
Itaguaí. Os demais portos (Forno, Niterói Amazonas e Pernambuco. À exceção de São
e Angra dos Reis) são de pequeno porte Paulo, esses estados possuem um PIB muito
e não operam com grandes embarcações. inferior ao do Rio de Janeiro (IBGE, 2014).

Empresa Frequência Atuação


Rio Grande, Itapoã, Santos, Itaguaí, Vi-
Aliança Navegação e Logís- Semanal
tória, Salvador, Suape, Pecém, Manaus e
tica Ltda. (8 navios)
Paranaguá
Buenos Aires, Rio Grande, São Francisco
Log-In Logística Intermodal
Semanal do Sul, Santos, Itaguaí, Vitória, Salvador,
S/A
Suape e Fortaleza
Log-In Logística Intermodal Itajaí, Paranaguá, Santos, Itaguaí, Suape
Semanal
S/A e Manaus
Semanal Manaus, Suape, Santos, Paranaguá, Itajaí
Mercosul Line
(3 navios) e Itaguaí
Fontes: Antaq, Log-In Logística, Aliança Logística, 2014
Tabela 1 – Linhas regulares das principais empresas brasileiras (Rio de Janeiro)

RMB1oT/2015 219
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

Instalação Portuária 2010 2011 2012 2013


1o Porto de Santos-SP 269.863 332.598 453.606 520.484
2o TUP Chibatão-AM 109.518 105.535 178.795 264.006
3o Porto de Suape-PE 189.382 232.381 235.296 224.735
4o Porto de Itaguaí 11.680 50.512 163.512 179.829
... ...
10o Porto do Rio de Janeiro-RJ 36.476 45.691 57.278 72.944
Fonte: Sistema SDP da Antaq, 2014
Tabela 2 – Evolução da quantidade de contêineres nos principais portos

Conclusões e perspectivas Pela perspectiva externa, a crescente


conteinerização das cargas e sua necessida-
A navegação de cabotagem, a partir do de de balanceamento global fazem com que
ano de 2007, apresenta relevante cresci- o transporte de carga geral unitizada tam-
mento no mercado nacional, aproveitando bém tenha alto potencial de crescimento.
as condições geográficas existentes no Como consequência disto, ocorre um
Brasil. aumento da utilização deste modal como fe-
A partir do ano de 2007, diversos eder de transporte internacional, em função
dispositivos legais e da tendência mundial
infralegais, tais como de concentração de car-
a criação da Secreta- A MB apresenta-se na gas de longo curso em
ria Especial de Por- portos concentradores
tos e o PAC para os vanguarda, com o espírito (hubs).
portos, foram criados de tornar prático o slogan Os dados observa-
visando estimular o dos indicam que o Rio
desenvolvimento das “Marinha do Brasil, de Janeiro, apesar de
atividades portuárias irrigadora de recursos ser o estado com o se-
e, consequentemente, na economia do País” e gundo maior PIB do
a infraestrutura neces- País (IBGE, 2014) e
sária para beneficiar a também da exploração possuir extensa faixa
utilização da navega- econômica, sustentável e litorânea, ainda pou-
ção de cabotagem. co utiliza a navegação
Estes fatores, alia- efetiva de nossa Amazônia de cabotagem, quando
dos aos maiores in- Azul comparamos com es-
vestimentos no setor tados como São Paulo,
advindos da passagem Amazonas e Pernambu-
da exploração dos terminais portuários co. O porto de Itaguaí é o principal porto
para a iniciativa privada, estão sendo fun- do estado, quando falamos de transporte
damentais para a retomada do serviço de de carga geral ou conteinerizada por nave-
cabotagem em nosso país, ocasionando o gação de cabotagem, sendo o responsável
aumento da competitividade com outros pelo total de 13 linhas regulares desse tipo
modais, sobretudo o rodoviário, em virtude navegação, cujos roteiros abrangem quase
do aumento de seus custos. a totalidade dos principais portos nacionais.

220 RMB1oT/2015
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

No entanto, as informações colhidas na pes- Para adoção dessa sistemática, foram


quisa indicam uma tendência de aumento da elaborados pelo Centro de Controle de
competitividade entre os armadores nacionais, Inventário da Marinha (CCIM), em con-
inclusive com a entrada de novos concorrentes, junto com o Depósito Naval no Rio de
de modo a aumentar a oferta e reduzir de custos Janeiro (DepNavRJ), estudos técnicos e
para os usuários, tornando atrativa essa opção científicos a fim de mitigar os riscos de
de meio de transporte, inclusive para os em- sua utilização e prover maior eficiência
barcadores (proprietários de cargas) residentes nos recursos materiais, financeiros e,
no Estado do Rio de Janeiro. sobretudo, humanos.
Em 7 de dezembro de 2014, foi con-
A utilização do transporte cluído o projeto piloto de transporte de
de cabotagem pela Marinha material em navio mercante nacional, em
do Brasil prol do Centro de Intendência da Marinha
em Manaus (CeIMMa).
Tendo em vista o restabelecimento, nos Assim, como consequência da retomada
últimos anos, de linhas regulares de trans- dos serviços de transporte de cabotagem
porte de cargas por meio do modal aquavi- em nosso território nacional, a Marinha
ário de cabotagem, o Sistema de Abaste- do Brasil apresenta-se na vanguarda, com
cimento da Marinha (SAbM) vislumbrou o espírito de tornar prático o slogan “Ma-
oportunidades de realizar o abastecimento rinha do Brasil, irrigadora de recursos na
de algumas regiões do País por esse modal, economia do País” e também da exploração
atuando como alternativa aos modais comu- econômica, sustentável e efetiva de nossa
mente utilizados (rodoviário e aeroviário). Amazônia Azul.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<PODER MARÍTIMO>; Marinha Mercante; Navegação de Cabotagem; Transporte de
Carga; Porto;

Referências bibliográficas

AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, ANTAQ (2014). Cenário da Cabota-


gem Brasileira. Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/Portal/pdf/BoletimPortuario/Cena-
rio_da_Cabotagem_Brasileira_2010_2012.pdf> Acesso em 27 de outubro de 2014.
_______, ANTAQ (2014). Linhas Regulares da Navegação de Cabotagem. Disponível em: <http://
www.antaq.gov.br/portal/pdf/LinhasRegulares/Formulario_Linhas_Regulares.pdf> Acesso
em 27 de outubro de 2014.
_______, ANTAQ (2014). Empresas Autorizadas para Operação da Navegação de Cabotagem.
Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/Portal/Frota/ConsultarEmpresaAutorizada.aspx>
Acesso em 2 de novembro de 2014.
______, ANTAQ (2014). Resolução 2920, de 4 de julho de 2013.
ALIANÇA NAVEGAÇÃO. A Empresa. Disponível em: <www.aliança.com.br> Acesso em 9 de
novembro de 2014.
BALLOU, R.H. (2006). Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos/Logística Empresarial. 5a ed. Porto
Alegre: Bookeman

RMB1oT/2015 221
Transporte de carga geral por cabotagem: Utilização dos portos do Rio de Janeiro

BRASIL. (1993). Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o regime jurídico da explora-
ção dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências. Brasília, DF:
Presidência da República, 1993.
_______, (2007). Lei 11.518, DE 5 DE SETEMBRO DE 2007. Dispõe sobre a criação da Secretaria
Especial de Portos. Brasília, DF: Presidência da República, 1997.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES. CNT (2006). Pesquisa Aquaviária CNT
2006: Portos Marítimos: Longo Curso e Cabotagem. Brasília, DF.
CRUZ, Thania Regina Pantoja da Vera (2007). Causas e consequências da limitação da cabotagem
no transporte de carga pela costa brasileira: Uma avaliação hierárquica no trecho Manaus –
Santos. Brasília, DF.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE (2014). PIB por estado da
federação. Disponível em <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&b
usca=1&idnoticia=2759> Acesso em 16 de novembro de 2014
LOG-IN LOGÍSTICA. A Empresa. Disponível em: <www.loginlogistica.com.br> Acesso em 9 de
novembro de 2014.
MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, MT (2014). Principais portos brasileiros. Disponível em <http://
www2.transportes.gov.br/bit/05-mar/princ-portos.html> Acesso em 2 de novembro de 2014.
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, MPOG, (2014). Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). Disponível em: <http://www.pac.gov.br/transportes/portos> Acesso em 3 de novembro
de 2014.
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, MPOG, (2014). Programa de Aceleração do Crescimento –
Portos. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=61&ler=s881>
Acesso em 3 de novembro de 2014.
NASCIMENTO, M. V. (2012) “Proteção e liberalização no transporte marítimo de cabotagem: o uso
da regulação nos mercados canadense e brasileiro”. Journal of Transport Literature, vol. 6,
no 4, p. 228-234.
OLIVEIRA, Carlos Tavares de. Modernização dos Portos. São Paulo. Aduaneiras, 2011.
SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO MARÍTIMA. SYNDARMA
(2014). Afretamento. Disponível em: <http://www.syndarma.org.br/afretamento.php> Acesso
em 16 de novembro de 2014.
SOUZA, Marianna Campos Pereira (2007) Análise da satisfação dos clientes de serviços de cabotagem
no Brasil: um estudo de caso. Rio de Janeiro, RJ.

222 RMB1oT/2015
É POSSÍVEL AVALIAR A EFETIVIDADE DO
TREINAMENTO EM Crew Resource Management?*

“Nos Estados Unidos da América, a Federal Aviation


Administration (FFA), órgão responsável pela aviação civil,
estima que o erro humano seja fator preponderante em 60 a
80% de todos os acidentes e incidentes aéreos.”

Leonardo Ferreira Cunha**


Capitão-Tenente (T)

SUMÁRIO

Introdução – CRM e habilidades sociais


Pesquisa sobre HS e CRM
Resultados
Inferências sobre os resultados e conclusão

INTRODUÇÃO – CRM E Uma das estratégias utilizadas para


HABILIDADES SOCIAIS diminuir a incidência desta estatística é o
treinamento chamado “Corporate Resour-

A realidade da Marinha do Brasil (MB)


não é diferente, uma vez que dados do
Programa de Prevenção de Acidentes Aero-
ce Management” (CRM), que tem como
objetivo reduzir o erro humano como fator
contribuinte para os acidentes aeronáuticos
náuticos de 2014 (BRASIL, 2014, Cap. 1, p. (BRASIL, 2005). Através de instruções
5), indicam que “o Fator Humano esteve pre- teóricas e práticas, o CRM procura desen-
sente em 83% dos fatores contribuintes das volver habilidades e atitudes que estejam
92 ocorrências aeronáuticas cujos Relatórios relacionadas aos incidentes/acidentes e sua
Finais foram emitidos entre 2009 e 2013”. prevenção.

* Matéria classificada em 1o lugar no 9o Concurso de artigos do Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes


Aeronáuticos da Marinha (SIPAAerM). Publicada na Revista da Aviação Naval no 75 de dezembro de 2014.
** Serve no 1o Esquadrão de Helicópteros de Instrução (EsqdHI-1).
É POSSÍVEL AVALIAR A EFETIVIDADE DO TREINAMENTO EM Crew Resource Management?

Reconhecendo a importância desse denominaram como HS profissionais, aque-


tipo de treinamento, a MB vem realizando las que visam o cumprimento de metas, a li-
esforços no sentido de instruir os militares derança eficaz, a preservação do bem-estar
lotados nos Esquadrões de Aeronaves com da equipe, os direitos de cada indivíduo e a
este tipo de conhecimento. No âmbito do motivação dos colaboradores.
Comando da Força Aeronaval, o Programa Já Segrin e Flora (2000) constataram
de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos de que enquanto indivíduos inábeis sofrem
2012 direcionou as responsabilidades pela agravamento dos problemas quando
realização do CRM, deixando a cargo do confrontados com estímulos estressores,
Centro de Instrução e Adestramento Aero- aqueles com níveis elevados de HS lidam
naval (CIAAN) a aplicação da 1a fase com mais facilmente com o estresse e são mais
o treinamento teórico e dos Esquadrões de resistentes a situações de risco, caracterís-
Aeronaves as 2a e 3a fases com o treina- tica importante nas pessoas que atuam na
mento prático “Mission Oriented Flight atividade aérea militar.
Training” ou voo MOST e a reciclagem De acordo com o exposto, os objetivos
dos conceitos iniciais (BRASIL, 2012, dos treinamentos CRM e THS possuem
Cap. 3, p. 1-2). pontos em comum. No entanto, como os
Porém, apesar dos esforços envidados facilitadores de CRM não possuem ainda
na capacitação dos pilotos e aeronavegan- um instrumento para avaliar a necessidade
tes em CRM, a avaliação da qualidade do de treinamento ou a efetividade daqueles
treinamento realizado é baseada somente já realizados, foram desenvolvidos inven-
no “feedback” subjetivo dos participantes, tários para a mensuração de HS, sendo
devido à inexistência de um instrumento um dos mais estudados o instrumento de
que avalie a efetividade do treinamento que autorrelato elaborado por Almir e Zilda
está sendo realizado. Del Prette (2001).
Neste sentido, existe um treinamento
psicológico denominado Treinamento de PESQUISA SOBRE HS E CRM
Habilidades Sociais (THS), que possui ob-
jetivos semelhantes com o treinamento em De forma a avaliar a possível correlação
CRM, podendo trazer importante contribui- entre CRM e HS, foi realizada no 1o Es-
ção à promoção da segurança aeronáutica. quadrão de Helicópteros de Instrução uma
Bolsoni-Silva (2002) conceitua habili- pesquisa visando a mensuração das HS de
dades sociais (HS) como um conjunto de um grupo de militares, utilizando para isto
capacidades comportamentais aprendidas a aplicação do inventário de Del Prette e
que envolvem interações sociais. Almir e Del Prette (IHS-DEL-PRETTE). De uso
Zilda Del Prette (2008) esclarecem que HS restrito a psicólogos, é um instrumento de
incluem a assertividade, as habilidades de autorrelato composto por 38 questões que
comunicação, de resolução de problemas fornece subsídios para avaliação quantitati-
interpessoais, de cooperação, de desem- va de HS. Além da aplicação do IHS-DEL-
penhos interpessoais no trabalho, entre -PRETTE, foi solicitado aos participantes
outras, habilidades estas desejáveis no meio que informassem sua escolaridade, região
aeronáutico e que são estimuladas através de origem, idade, se eram aeronavegantes
do treinamento em CRM. ou não e o nível de conhecimento em
Especificamente sobre o ambiente de CRM. Em relação a esta variável (CRM),
trabalho, Almir e Zilda Del Prette (2006) os respondentes foram separados em três

224 RMB1oT/2015
É POSSÍVEL AVALIAR A EFETIVIDADE DO TREINAMENTO EM Crew Resource Management?

grupos: militares que possuíam treinamento no Esquadrão percentil 95%, indicando


completo em CRM incluindo a realização possuírem repertório bastante elaborado de
de voo MOST, os que possuíam qualquer HS. Informações detalhadas dos resultados
tipo de treinamento breve em CRM, como da pesquisa podem ser obtidas em Cunha e
palestras ou aulas, e aqueles que não possu- Conceição (2013, p. 69-77).
íam nenhum tipo de treinamento em CRM.
Para a avaliação do IHS-DEL-PRETTE, INFERÊNCIAS SOBRE OS
os resultados obtidos com a aplicação RESULTADOS E CONCLUSÃO
são transformados em escores fatoriais
percentis, que podem assumir valores de Para tornar-se aeronavegante, o militar
0% a 100%. Nesta classificação, se o res- deve ser aprovado em processo seletivo
pondente obtém um escore fatorial abaixo interno da Força. A principal hipótese
de 25% inclusive, indica necessidade de inferida para a diferença encontrada entre
treinamento em HS quando os déficits se as HS dos aeronavegantes (percentil mé-
tornam fonte de problema, entre 26% e dio 70%) e não aeronavegantes (percentil
49% indica bom repertório de HS, porém médio 45%) refere-se a este processo, cuja
abaixo da mediana. Considera-se médio bateria de testes psicológicos pode estar
o escore fatorial 50%, entre 51% e 75% selecionando aqueles com repertório
bom repertório de HS, acima da mediana social mais habilidoso. Outra inferência
e escore maior de 76%, sugere repertório refere-se às práticas culturais das organiza-
bastante elaborada de HS. Resumindo, ções militares (OM) que operam aeronaves,
quanto maior o resultado, mais habilidoso que podem estar contribuindo para este
socialmente pode ser considerado o sujeito. desenvolvimento, uma vez que aqueles
comportamentos de um indivíduo que são
RESULTADOS condizentes com a segurança aérea vão
sendo reforçados pelos pares. Enquanto a
Participaram voluntariamente da pesqui- maioria dos aeronavegantes passa grande
sa 84 militares praças do sexo masculino, parte da carreira em OM que conduzem ou
que representavam na data da aplicação apoiam operações aéreas, os não aeronave-
46% dos aeronavegantes do Esquadrão (78 gantes são intercambiados com outras OM
praças) e 11% dos não aeronavegantes do da MB, onde estas habilidades podem não
Esquadrão (6 praças). ser estimuladas, pois seriam dispensáveis
Sobre a variável aeronavegante, verifi- ao cumprimento da tarefa e missão institu-
cou-se que estes profissionais apresentaram cional dessas organizações.
um repertório de HS mais elaborado, obten- Em relação ao treinamento em CRM,
do percentil médio 70%, se comparado aos foi constatado que aqueles que passaram
não aeronavegantes com média percentílica por treinamento mínimo ou completo apre-
de 45%. sentaram resultados que indicam possuírem
Em relação a variável treinamento em HS mais desenvolvidas. Apesar dos interes-
CRM, o grupo composto pelos militares santes dados encontrados, como principal
que desconheciam o CRM obtiveram crítica ao trabalho realizado, o tamanho
percentil 65% de HS, os que possuíam do espaço amostral não possibilita que os
treinamento mínimo percentil 75% e os dados obtidos sejam generalizados.
que possuíam treinamento completo rea- Baseado nos resultados aqui apresentados,
lizado no CIAAN e voo MOST realizado verificou-se uma correlação positiva entre

RMB1oT/2015 225
É POSSÍVEL AVALIAR A EFETIVIDADE DO TREINAMENTO EM Crew Resource Management?

a realização do treinamento em CRM e o a necessidade de treinamento de HS, pode


repertório de HS dos militares respondentes, atuar como indicador para a seleção de
podendo-se inferir pela validade do treina- militares para realização do treinamento
mento que está sendo conduzido na MB. em CRM, ou ainda contribuir para avaliar
Conclui-se que a aplicação do IHS- quantitativamente a efetividade do treina-
-DEL-PRETTE, além de servir para indicar mento realizado.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Adestramento; Aprestamento;

REFERÊNCIAS

BOLSONI-SILVA, A. T. Habilidades sociais: breve análise da teoria e da prática à luz da análise do


comportamento. Interação em Psicologia, 6, 233-242, 2002.
BRASIL. Comando da Aeronáutica. Departamento de Aviação Civil. Instrução de Aviação Civil (IAC
060-1002A): Treinamento em gerenciamento de recursos de equipes (Corporate Resource
Management – CRM). Rio de Janeiro: DAC, 2005.
BRASIL. Marinha do Brasil. Comando da Força Aeronaval. Programa de Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos da Força Aeronaval. São Pedro da Aldeia, 2012.
BRASIL. Marinha do Brasil. Diretoria de Aeronáutica da Marinha. Programa de Prevenção de Aci-
dentes Aeronáuticos da Marinha. Rio de Janeiro, 2014.
CUNHA, L.. Habilidades Sociais em Militares de um Esquadrão de Helicópteros da Marinha do Brasil.
Conexão SIPAER, América do Norte, 4, dez. 2013. Disponível em: http://inseer.ibict.br/sipaer/
index.php/sipaer/article/view/262/270. Acesso em: 25 mai. 2014.
DEL PRETTE, Z.; DEL PRETTE, A. Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette): Manual
de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
DEL PRETTE, A.; DEL PRETTE, Z. Relações interpessoais e habilidades sociais no âmbito do
trabalho e das organizações. Texto on-line disponibilizado em http://www.rihs.ufscar.br, em
dezembro de 2006.
DEL PRETTE, A. Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Pe-
trópolis: Editora Vozes, 2008.
UNITED STATES. Federal Aviation Administration. AC 120-51E: Crew Resource Management.
Washington, DC, jan 2004.
SEGRIN, C.; FLORA, J. Poor social skills are a vulnerability factor in the development of psychosocial
problems. Human Communication Research Journal, Malden, v. 6, no 3, p. 492-493, jul. 2000.

226 RMB1oT/2015
Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?

FABIO TRIACHINI CODAGNONE*


Capitão-Tenente (S)

SUMÁRIO

Introdução
Doenças alérgicas
O controle de ácaros e fungos nos colchões
Conclusões

Introdução por períodos incer-


tos e muitas vezes

A vida embarca-
da exige do ma-
rinheiro um intenso
A vida embarcada exige
do marinheiro um intenso
prolongados, os am-
bientes com espaços
reduzidos, as jornadas
preparo técnico, físico preparo técnico, físico e de serviço e repouso
e psicológico para con- nem sempre muito
viver em condições psicológico para conviver bem delimitadas e
extremas de habitabi- em condições extremas de as atividades de alta
lidade. É sabido que o complexidade física e
confinamento a que a
habitabilidade intelectual, exercidas
tripulação é submetida sob condições meteo-

* N.R.: Farmacêutico, bioquímico especialista em Análises Clínicas pela Escola de Saúde do Hospital Naval
Marcílio Dias. Mestre em Farmacologia/Neurociências pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Serve
no Navio-Aeródromo São Paulo.
Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?

rológicas variáveis, são fatores estressores muito bem estabelecida a associação entre
que devem ser considerados (TONIOLO, alérgenos ambientais, asma brônquica,
2014). rinite alérgica e outras doenças alérgicas
Atualmente, há uma preocupação (REIS, 1998; VISITSUNTHORN E COLS,
grande das autoridades marítimas em de- 2010; ABIDIN E MING; 2012). A pre-
terminar normas que estabeleçam padrões sença de ácaros, principalmente na poeira
mínimos para os alojamentos dos tripulan- domiciliar, está envolvida na iniciação e no
tes dos navios. desenvolvimento de doenças alérgicas. As
A manutenção desse ambiente tão principais espécies de ácaros encontradas
complexo em boas condições higiênico- na poeira domiciliar e envolvidas em do-
-sanitárias faz parte de um conjunto de enças respiratórias são Dermatophagoides
ações que visam promover a qualidade de pteronyssinus e Dermatophagoides farinae.
vida da tripulação. Os constituintes dos fungos são o segundo
A NR 30 – Segurança e Saúde no Tra- alérgeno em frequência, seguidos por an-
balho Aquaviário, no seu item 30.7.13, de- tígenos provenientes de baratas.
termina que os colchões utilizados devam Esses alérgenos são encontrados em
ter, no mínimo, densidade 26 e espessura de colchões, carpetes, tapetes, cadeiras, sofás,
10 cm, e ser mantidos colchas, travesseiros
em perfeito estado de etc. A despeito das vá-
higiene e conservação. A incidência de doenças rias localizações, a mais
Uma das medidas alérgicas tem aumentado alta concentração de
utilizadas com intuito alérgenos é encontrada
de garantir essa norma enormemente em todo o nos colchões (VISIT-
e diminuir a ocorrên- mundo SUNTHORN E COLS,
cia de processos alér- 2010). Estudos indicam
gicos nos tripulantes que a concentração ne-
é a chamada “faina de arejamento de cessária para induzir sintomas alérgicos
colchões”. Nessa tarefa, os tripulantes do fique próxima de 10 µg de poeira com
navio retiram os colchões de seus aloja- alérgenos do grupo 1 (relacionado às fezes
mentos e os levam até o convés, de forma dos ácaros).
que sofram ação da luz solar por horas. A cama tem sido o local de maior expo-
Apesar de aparentemente simples, essa é sição a esses alérgenos, já que um terço de
uma tarefa extremamente complexa para nossa vida estaremos em contato direto com
ser conduzida num navio de grande porte, ela. Os níveis de alérgenos no ar ambiente
como um navio-aeródromo, por exemplo. são consideravelmente menores dos que os
Apesar de muito tradicional no meio naval, encontrados nas camas e, por conseguinte,
será que essa atividade é realmente efetiva nos colchões. Há, ainda, uma forte corre-
no controle de ácaros e fungos? É essa lação entre a cama e os níveis de ácaros
pergunta que norteará este artigo. domésticos como marcadores de severidade
da asma, reforçando a necessidade de cui-
Doenças Alérgicas dados de higiene nesse ambiente.
Estima-se, por exemplo, que a cama
A incidência de doenças alérgicas (tam- de um casal contenha cerca de 2 milhões
bém chamadas atópicas) tem aumentado de ácaros e 60 milhões de bolotas fecais.
enormemente em todo o mundo. Já está Essas bolotas fecais ressecam, sobem no

228 RMB1oT/2015
Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?

ar e são inaladas, sendo responsáveis por lizados 60 colchões de diferentes materiais:


sensibilizações alérgicas. sumaúma, fibra sintética, fibra de coco e
É consenso na literatura que as medidas esponja de poliuretano (15 de cada grupo).
de controle ambiental devam fazer parte do Esses colchões foram utilizados por um
tratamento do paciente alérgico, reduzindo período de 12 meses sem qualquer tipo de
a intensidade e o espaço entre as crises. limpeza. Cada colchão foi coberto com uma
Esse controle ambiental requer uma verda- fronha de algodão, a qual era lavada regu-
deira mudança de paradigma, pois necessita larmente. Amostras de poeiras provenientes
de um plano educacional que contemple desses colchões foram coletadas antes do
diversas medidas, já que ações isoladas uso e depois de um, dois, três, seis, nove e
têm baixa probabilidade de serem eficazes. 12 meses de uso, utilizando um aspirador
a vácuo. As amostras coletadas foram
O controle de ácaros e analisadas em laboratório, e a concentração
fungos nos colchões de alérgenos foi determinada por meio
do método de Enzima
Estudos prévios Imuno Ensaio (Elisa).
demonstram uma É consenso na literatura Todos os colchões, in-
significativa redução
dos níveis de alérge-
que as medidas de controle dependentemente do
material, apresentaram
nos provenientes de ambiental devam fazer um aumento da concen-
poeiras com ácaros parte do tratamento do tração de poeira conten-
em colchões cobertos do alérgenos, porém o
com capas de poliu- paciente alérgico, reduzindo colchão constituído de
retano. A aspiração a a intensidade e o espaço esponja de poliuretano
vácuo dos colchões, foi o que apresentou
utilizando aspiradores
entre as crises a mais baixa razão de
com filtro Hepa (High acumulação de alérge-
Efficiency Particulate Air), parece ter uma nos, seguido do de fibra de coco. Os de
eficácia limitada, sendo efetiva somente por fibra sintética e de sumaúma apresentaram
um curto período de tempo. A combinação a mais alta razão de acumulação de poeira.
de produtos acaricidas e ácido tânico não Esse resultado, provavelmente, se deve à
foi efetiva para criar um ambiente de baixa proximidade dos poros dos colchões de
concentração de alérgenos, e sua segurança poliuretano, enquanto os colchões de fibra
a longo prazo não está estabelecida em de coco apresentavam as fibras naturais
termos de toxicidade. A utilização de capas com espaços um pouco maiores entre si.
impermeáveis a ácaros tem um moderado O aumento da concentração de poeira
efeito sobre colchões usados, que já se apre- é crescente em todo o período de tempo,
sentavam com baixos níveis de alérgenos, mas passa a ter importância significativa
sendo o seu uso altamente recomendado a partir do terceiro mês de uso. Os autores
em colchões novos. A lavagem de capas de sugerem que a escolha de colchões de fibra
colchões, travesseiros, cobertores e lençóis de poliuretano ou de coco, combinada com
pelo menos uma vez por semana, em água o uso de capas protetoras, lavagem de len-
quente (acima de 55oC), parece ser efetiva. çóis, fronhas e cobertores com água quente,
Em recente estudo conduzido no Siriraj pode ser o melhor método para prevenir a
Hospital, em Bankok, Tailândia, foram uti- exposição de indivíduos a altas concentra-

RMB1oT/2015 229
Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?

ções de alérgenos (VISITSUNTHORN E segundo. Nesse estudo, o equipamento foi


COLS, 2010). utilizado na máxima razão de emissão.
Em um elegante estudo publicado em O ionizador foi colocado dentro de um
2012 no Asian Pacific cubo de vidro e uma
Journal of Tropical
Biomedicine, foi ana-
A escolha de colchões de “solução” de ácaros
foi anexada por meio
lisado em laboratório fibra de poliuretano ou de de uma placa de Pe-
o efeito de um “ioni- coco, combinada com o tri. A mortalidade dos
zador de ar” sobre os ácaros foi acessada no
níveis de poeira con- uso de capas protetoras, tempo 6, 16 e 24 ho-
tendo Dermatopha- lavagem de lençóis, fronhas e ras de exposição. Foi
goides pteronyssinus
e Dermatophagoide
cobertores com água quente, utilizada, ainda, uma
placa de Petri conten-
farinae. pode ser o melhor método do uma dupla camada
O produto utiliza- para prevenir a exposição de espuma apresentan-
do foi o Medklinn, do uma “solução” de
o qual adota um de indivíduos a altas ácaro no seu interior,
processo chamado concentrações de alérgenos assemelhando-se a um
“plasma não termal”, colchão. Todos os la-
tecnologia que con-
(Visitsunthorn e Cols) dos desse “sanduíche”
verte as moléculas de foram selados com fita
oxigênio neutro em átomos de oxigênio adesiva. A mortalidade dos ácaros foi
carregados negativamente. Há emissão de acessada 24, 36, 48, 60 e 72 horas após
aproximadamente 3 milhões de íons por a exposição ao ionizador.

months
coconut fiber kapok sponger svnthetic fiber
Regressão linear da população de alérgenos.
Coconut: Algodão; Kapok: sumaúma; sponge: poliuretano; synthetic: sintética
Adaptado de VISI TSUNTHORN E COLS, 2010

230 RMB1oT/2015
Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?

A mortalidade decorrente da exposição Ressalta-se, ainda, que a radiação


direta ao ionizador das espécies Dermato- solar pode apresentar efeitos deletérios
phagoides pteronyssinus e Dermatophagoi- sobre alguns fungos, porém para outros,
des farinae, respectivamente, foi a seguin- como é o caso da Alternaria sp e Cla-
te: tempo 6 horas (39 ± 8,85 e 13 ± 3,09 dosporium sp, podem ter sua liberação
%); 16 horas (63 ± 11,46 e 45 ± 12,44%) e aumentada em condições de alta radia-
24 horas (82 ± 11,8 e 70 ± 8,77%). ção (OLBRICH, 2010).
A média de mortalidade utilizando o Em outro estudo, Mahakittikun e Cols
“simulado” de colchão foi a seguinte nos analisaram o efeito da luz solar e a limpe-
tempos 24, 36, 48, 60 e 72 horas, respecti- za a vácuo sobre colônias de ácaros vivos
vamente: Dermatophagoides pteronyssinus localizados numa superfície. A sobrevi-
( 6 ± 0,98 %; 16 ± 2,31%; 21 ± 7,32%; 26 vência dos ácaros foi determinada por
± 2,81% e 29 ± 7,43%) e Dermatopha- meio de sua mobilidade. O experimento
goides farinae (7 ± 1,75%; 20 ± 4,5%; 26 foi realizado em triplicata. Após seis
± 4,53; 41 ± 7,89% e horas de exposição à
65 ± 5,47%). luz solar, esse método
Os resultados de- Há um consenso na não se apresentou efi-
monstram claramen- literatura apresentada caz sobre o índice de
te maior mortalidade sobre a baixa efetividade mortalidade.
de ácaros quando a
exposição a radiação da ação da luz solar sobre Conclusões
ionizante é direta. A a redução da população
ação sobre o “simu- Há um consenso na
lado” de colchão é de ácaros e fungos em literatura apresentada
menos efetiva, uma colchões. sobre a baixa efetivi-
vez que há neces- A faina de arejamento não dade da ação da luz
sidade da radiação solar sobre a redução
penetrar na espuma, melhora as condições de da população de ácaros
corroborando outros habitabilidade do navio e fungos em colchões.
estudos. Os autores Partindo desse pres-
são claros na sua suposto, a “faina de
conclusão: os ionizadores podem ser arejamento de colchões” torna-se uma
utilizados na redução populacional de tarefa desnecessária no controle ambiental
ácaros em superfícies como pisos, rou- de alérgenos, não trazendo ganho algum
pas e cortinas, porém há uma reduzida na melhora das condições higiênico-sani-
eficácia quando utilizados com intuito tárias dos colchões e tampouco melhora
de eliminar ácaros contidos no interior nas condições de habitabilidade em geral
de colchões. do navio.
A exposição dos colchões ao sol Há de se criar uma mentalidade
parece apresentar resultados semelhan- coletiva na tripulação quanto à ne-
tes aos citados anteriormente com os cessidade de uma rotina permanente
ionizadores, uma vez que, em virtude da limpeza dos ambientes destinados
do material espesso dos colchões, esse a repouso (alojamentos coletivos;
método apresenta-se pouco efetivo cobertas, camarotes), com a adoção
(REIS, 1998). de medidas sabidamente efetivas

RMB1oT/2015 231
Arejamento de Colchões: O que a ciência nos diz?

no controle ambiental de alérgenos, 55ºC), utilização de aspiradores com


como: utilização de capas impermeáveis filtro Hepa e, se possível, a utilização de
a ácaros, lavagem semanal das roupas colchões confeccionados com material
de camas em água quente (acima de de poliuretano.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<SAÚDE>; Higiene; Orientação;

Bibliografia

ABIDIN, S. Z.; MING, H. T. “Effect of a commercial air ionizer on dust mites Dermatophagoides
pteronyssinus and Dermatophagoides farinae (Acari: Pyroglyphidae) in the laboratory”. Asian
Pacific journal of tropical biomedicine, v. 2, no 2, p. 156-8, fev. 2012.
MAHAKITTIKUN, V.; WONGKAMCHAI, S. “Killing mites with heat”. Allergy, v. 56, no 3,
p. 262, 2009.
OLBRISH, S. R. L. R. Estudo da prevalência de fungos em travesseiros de crianças com rinite e ou
asma. Botucatu, 2010. 91p. Tese de Doutorado em Biologia Geral e Aplicada, Universidade
Estadual Paulista.
REIS, A. P. “Controle ambiental nas doenças alérgicas: prós e contras”. Revista Brasileira de Aler-
gologia e Imunopatologia, v. 21, no 4, p. 112-121, 1998.
TONIOLO, J. F. M. Uma análise das normas brasileiras de habitabilidade e segurança para os alo-
jamentos das embarcações. São Paulo, 2014. 310p. Dissertação apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de mestre
em Arquitetura e Urbanismo.
VISITSUNTHORN, N. et al. “The accumulation of dust mite allergens on mattresses made of different
kinds of materials”. Asian Pac J Allergy Immunol, v. 28, p. 155-161, 2010.
WU, F.; TAKARO, T. K. “Childhood asthma and environmental interventions”. Environmental health
perspectives, v. 115, no 6, p. 971-5, jun. 2007.

232 RMB1oT/2015
ARTIGOS AVULSOS

Esta seção divulga os artigos que não puderam ser publicados


– na íntegra – na RMB e que passarão a fazer parte do acervo da
Biblioteca da Marinha.
Aqui são apresentados título, autor, posto, cargo ou função,
número de páginas do trabalho completo, classificação para índice
remissivo e resumo do artigo.

DEseJO E DESCOBERTA DO inCONsCiENTE


eM SIGMUNd fReUD
marilene barroso carneiro
Assistente Social e Psicóloga

Número de páginas: 14
Identificação: AV 060/15 – RMB 1o/2015
CIR: <pSICoSSoCIAL>; Psicologia; Psicanálise;

O artigo tem como propósito debruçar-se sobre pontos de contato entre desejo,
sonho e inconsciente na teoria psicanalítica fundada pelo médico neurologista austríaco
Sigmund Freud (1856/1939). O texto é dividido em três partes. Na primeira, expõe-se uma
breve etimologia do termo Wunsch, palavra alemã, língua nativa de Freud. Na segunda,
apresenta-se como esse importante termo opera na psicanálise. Por fim, na última parte,
cita-se o sonho emblemático de Freud denominado “Sonho de Irma”, que foi analisado pelo
próprio Freud – e também pelo seu célebre leitor Jacques Lacan – com o intuito de ratificar
a afirmação de que “o sonho é a realização de um desejo inconsciente”.
CARTAS DOS LEITORES

Esta seção destina-se a divulgar ideias e pensamentos e incentivar de-


bates, abrindo espaço ao leitor para comentários, adendos esclarecedores
e observações sobre artigos publicados. As cartas deverão ser enviadas à
Revista Marítima Brasileira, que, a seu critério, poderá publicá-las parcial
ou integralmente. Contamos com sua colaboração para realizar nosso propó-
sito, que é o de dinamizar a RMB, tornando-a um eficiente veículo em be-
nefício de uma Marinha mais forte e atuante. Sua participação é importante.

A RMB recebeu a seguinte carta do Capitão de Corveta (Refo-IM) Antônio Tângari


Filho, a respeito da tradução do artigo de Santos Dumont, feita pelo Almirante Helio Leoncio
Martins, publicado no 3o trimestre de 2014:

Caros amigos da Direção e Redação da realidade. Muito adequado como merecida


Revista Marítima Brasileira: homenagem aos aviadores navais.
Como assinante antigo dessa bela Re- Como fuzileiro naval honorário e inten-
vista e seu colaborador, não posso deixar dente de formação integrante da Turma de
de enviar os meus cumprimentos aos seus Guardas-Marinha (IM) de 1958, apoio o
redatores pela excelência de  conteúdo no espaço dado aos aspirantes na Revista, que
seu número 134 (jul/set 2014), em especial por sinal vem sendo muito bem aproveita-
a tradução do artigo de Santos Dumont, tra- do, e me encho de orgulho com o registro
balho brilhante do Almirante Helio Leoncio do lançamento do segundo livro História da
Martins, de quem sou grande admirador. Intendência da Marinha e do artigo sobre
Ali os brasileiros podem conhecer melhor a Associação de Veteranos do Corpo de
esse gênio, que não foi somente o “inventor Fuzileiros Navais, nos quais tive pequena,
do avião”, engenho que justamente pode ser mas honrosa participação.
dividido com outros desbravadores, mas o Espero ansioso pelo próximo número,
homem que pensou na Aviação na maioria ao voltar das minhas férias.
dos seus aspectos, muito antes de ela ser uma Bravo Zulu!
CARTAS DOS LEITORES

Recebemos do Capitão de Fragata (Refo) Paulo Cezar de Souza Nogueira, o texto


a seguir, do Segundo-Tenente R/2 Art do Exército Brasileiro Sérgio Pinto Monteiro, sobre
a atuação do Primeiro-Tenente Apollo Miguel Rezk, da Força Expedicionária Brasileira
(FEB), no episódio conhecido como Tomada de La Serra, na Segundo Guerra Mundial:

A TOMADA DE LA SERRA: 70 ANOS Regimento Sampaio. Estudioso, concluiu


em 1943 o bacharelado em Ciências Eco-
Há 70 anos, um pelotão do Regimento nômicas na Faculdade de Administração e
Sampaio escreveu, nos campos de batalha Finanças da Escola de Comércio do Rio de
da Itália, páginas gloriosas da história da Janeiro. Ainda nesse ano foi promovido a
Força Expedicionária Brasileira. Seu co- primeiro-tenente e convocado para a Força
mandante era o primeiro-tenente da reserva Expedicionária Brasileira, em fase de for-
convocado Apollo Miguel Rezk. mação e adestramento.
Apollo nasceu no Rio de Janeiro, em O Tenente Apollo embarcou para a Itália
9 de fevereiro de 1918. Era filho de imi- como oficial subalterno, comandante de
grantes: pai libanês e mãe síria. Fez seus pelotão da 6a Companhia do II Batalhão
estudos no Colégio Pedro do Regimento Sampaio. O 2o
II. Em 1935, tentou, sem escalão da FEB seguiu para
êxito, entrar para a Escola o Teatro de Operações no
Militar do Realengo. Seus navio-transporte de tropas
pés planos e uma reprovação americano USS General W.
em Física impediram a reali- A. Mann, que partiu do arma-
zação do sonho de ingressar zém no 11 do porto do Rio de
na carreira militar. Janeiro em 22 de setembro
A idade de prestação do de 1944, ancorando em Ná-
serviço militar obrigatório poles no dia 6 de outubro.
conduziu o jovem Apollo Na noite de 23 e madru-
ao Centro de Preparação de gada de 24 de fevereiro de
Oficiais da Reserva (CPOR) 1945, atuando em apoio à
do Rio de Janeiro. Aprovado 10 a Divisão de Montanha
nos exames médico, físico americana no ataque a La
e intelectual, após os três Serra, o pelotão comanda-
anos do curso do CPOR foi Primeiro-Tenente Apollo do pelo Tenente Apollo,
declarado aspirante a oficial após ultrapassar um ex-
da reserva e classificado em 10o lugar entre tenso campo minado, atacou as posições
os 70 concludentes da Arma de Infantaria, fortificadas alemães. Apesar do intenso
turma de 1939. fogo inimigo, o Pelotão Apollo cercou o
Em 1940, formou-se perito-contador objetivo, investiu contra a posição e pôs
na Escola Superior de Comércio do Rio em fuga os alemães, fazendo cinco pri-
de Janeiro. No ano seguinte, foi convo- sioneiros. Ferido em combate por volta
cado para realizar o estágio de Instrução das 23 horas, o Tenente Apollo, cercado e
no Regimento Sampaio, promovido a contra-atacado, manteve a posição durante
segundo-tenente e desligado do serviço toda a madrugada e manhã do dia 24. Por
ativo do Exército. Em 1942, foi convocado esta missão foi condecorado pelo governo
para o estágio de Serviço, novamente no americano, em 19 de maio de 1945, com

RMB1oT/2015 235
CARTAS DOS LEITORES

feitos que refletem as mais altas tradições


do serviço militar.” (Tradução de trechos
do documento original em inglês feita pela
Seção Especial do Comando da FEB).
O comandante da FEB, General João
Baptista Mascarenhas de Moraes, em Ci-
tação de Combate de 9 de abril de 1945,
assim se manifestou quanto às ações do
Tenente Apollo na conquista de La Serra:
“ ...a personalidade forte, o espírito de
sacrifício, a combatividade, a tenacidade,
o destemor do Tenente Apollo constituem
belos exemplos, dignos da tropa brasileira.”
Anteriormente, graças ao seu desempe-
nho no ataque a Monte Castelo, em 12 de
dezembro de 1944, o Tenente Apollo já havia
19.5.45 – Ten. Apollo, único brasileiro agraciado sido agraciado pelos Estados Unidos com a
com a Cruz de Serviços Notáveis, dos EEUU, é
condecorado pelo Gen. Truscott – Alessandria – Itália
Medalha Silver Star. Terminada a Campanha
da Itália, o Tenente Apollo recebeu quatro
a Distinguished-Service Cross, sendo o condecorações brasileiras: Cruz de Combate
único brasileiro agraciado com essa impor- de 1a Classe, Medalha de Sangue, Medalha
tante medalha de bravura: “...por heroísmo de Campanha e Medalha de Guerra.
extraordinário... a despeito de campos de Quando da promoção do Tenente Apollo
minas desconhecidos, terreno excessiva- ao posto de capitão, em 3 de setembro de
mente difícil e forte oposição, o Primeiro- 1951, assim se expressou o ministro da
Tenente Rezk conduziu galhardamente os Guerra no despacho em que deferiu a pro-
seus homens através de uma cortina de fogo posta: “Deferido. A promoção se justifica,
de metralhadoras, morteiros e artilharia, sobretudo, em virtude da conduta excepcio-
para assaltar e arrebatar o objetivo do ini- nal desse oficial no Teatro de Operações da
migo. Embora gravemente ferido quando Itália, onde, entre diversas condecorações
dirigia o ataque, o Primeiro-Tenente Rezk recebidas por bravura, lhe foi conferida a
nunca hesitou: pelo contrário, continuou Medalha Distinguished-Service Cross do
firmemente o avanço... repeliu três for-
tes contra-ataques, infligindo pesadas
perdas aos alemães pela sua habilidade
na condução do tiro. Depois, embora em
posição vulnerável ao fogo das casamatas
do inimigo circundantes e a despeito das
bombas que caiam e da gravidade dos
seus ferimentos, o Primeiro-Tenente Rezk
defendeu resolutamente La Serra contra
todas as tentativas fanáticas dos alemães
para retomar a posição. Pelo seu heroísmo, 30.3.45 – Ten. Apollo recebe a Silver Star do
seu comando inspirado e sua persistente co- comandante do V Exército americano, General
ragem, o Primeiro-Tenente Rezk praticou Lucian Truscott, Lizano de Belvedere – Itália

236 RMB1oT/2015
CARTAS DOS LEITORES

Exército americano, por heroísmo extraor- Conheci o nosso herói já no ocaso de sua
dinário em ação, distinção máxima somente vida. Era um bravo. Foram muitos sábados
concedida a este combatente brasileiro...” e domingos de intermináveis conversas.
O destino, que no passado não permitira Jamais o Major Apollo admitiu o seu hero-
ao jovem Apollo a realização do sonho de ísmo. Pessoa simples, culta e educada, era,
ingressar na carreira militar pela Escola do sobretudo, um gentleman. Absorvi, voraz
Realengo, ainda haveria de, novamente, e intensamente, cada relato de suas ações
pregar-lhe outra peça. na guerra. O Exército
A tão sonhada car- era realmente a sua
reira, que finalmente Seus pés não resistiram paixão. E a Pátria, o seu
lhe chegara não pela bem maior. Ficamos
via da Escola Militar,
ao esforço do combate amigos, o que me enche
mas pelo CPOR e pela e ao congelamento nas de orgulho e gratidão.
própria guerra, como trincheiras da Itália. A nação, na tristeza
também, e principal- daquele 21 de janeiro
mente, por sua bravura O Exército era realmente a de 1999, perdeu um
e eficácia no cumpri- sua paixão. E a Pátria, o seu filho exemplar. E o
mento do dever, seria Exército viu partir um
interrompida precoce-
bem maior de seus grandes guer-
mente. Seus pés planos reiros. A filha Nádia
não resistiram ao esforço do combate e ao comunicou-me o falecimento do pai pela
congelamento nas trincheiras da Itália. O manhã, bem cedo. Desloquei-me rapida-
Capitão Apollo, em 12 de dezembro de mente para a sede do Conselho Nacional de
1957, aos 39 anos, depois de 20 anos no Oficiais da Reserva, no quartel do CPOR/
Exército, foi julgado inapto para o serviço RJ, de onde fiz os contatos relativos ao
ativo e reformado no posto de major. passamento do Major Apollo. Enviei um
necrológio aos jornais,
avisei ao Centro de Co-
municação Social do
Exército (CeComSEx),
aos comandantes do
Regimento Sampaio e
do Batalhão de Guar-
das – onde ele servira
no após guerra –, bem
como à Embaixada
dos Estados Unidos,
já que era ele detentor
de duas condecorações
americanas. Informei
também à Comunicação
Social da Presidência
da República e aos go-
vernos estadual e muni-
cipal do Rio de Janeiro.

RMB1oT/2015 237
CARTAS DOS LEITORES

O sepultamento foi no cemitério do da Reserva (CNOR) criou a Medalha Ma-


Caju. Presentes os familiares, ex-comba- jor Apollo Miguel Rezk para homenagear
tentes da FEB e amigos do nosso herói, personalidades que se destaquem no apoio
bem como quase uma centena de oficiais aos oficiais da reserva.
R/2. Um pelotão do Regimento Sampaio Um dos desejos não realizados do herói
executou as honras fúnebres. O governo era ser promovido a tenente-coronel, a
americano enviou, de Brasília, um oficial exemplo de alguns de seus companheiros
superior, fardado, para representá-lo. Os que obtiveram a promoção por via judicial.
governos federal, es- Quem sabe o Exército
tadual e municipal não Brasileiro, ou mesmo
enviaram representan- Os feitos do Tenente Apollo o Congresso Nacional,
tes, nem formularam lhe concedam, ainda
condolências à família ultrapassaram os limites de que tardiamente, essa
enlutada. Jamais es- sua existência física. honraria, como derra-
quecerei o constran-
gimento que senti ao
São episódios gloriosos da deira homenagem pós-
tuma, já que em vida
ouvir o oficial ameri- história militar de um país não logrou recebê-la
cano dizer aos filhos que teima em não cultuar sob a forma de promo-
do Major Apollo: “Eu ção por bravura, o que
não entendo vocês, seus heróis teria sido, inquestiona-
brasileiros. Na minha velmente, um ato de
terra, alguém com as inteira justiça.
importantes condecorações de guerra do Os feitos do Tenente Apollo ultrapassa-
Major Apollo teria recebido, ao longo de ram os limites de sua existência física. Na
sua vida, as homenagens, o respeito e a verdade, já não mais lhe pertenciam quan-
gratidão do seu povo.” do, naquela madrugada de 21 de janeiro de
Na tristeza daquele momento, assumi, 1999, foi vencido pelo inexorável. São epi-
intimamente, o compromisso – como sódios gloriosos da história militar de um
missão – de divulgar a história do Major país que teima em não cultuar seus heróis.
Apollo. Nestes 16 anos desde o seu fale- A Força Expedicionária Brasileira – e
cimento, tenho viajado pelo nosso país seus bravos – não pode ser esquecida. Ela
ministrando palestras – nos meios militar simboliza a pujança e o valor de um povo.
e civil – relatando os seus atos de bravura A nação lhes deve eterno respeito e imor-
e heroísmo. O meu livro O Resgate do redoura gratidão.
Tenente Apollo, escrito em parceria com
o Tenente Orlando Frizanco, já está na 2a Sérgio Pinto Monteiro*
edição. O Conselho Nacional de Oficiais Segundo-Tenente R/2 Art

* Presidente do Sistema CNOR, historiador e membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e da
Academia Brasileira de Defesa. É diretor de Cultura e Civismo da Associação Nacional dos Veteranos da
FEB e vice-presidente do Conselho Deliberativo da entidade.

238 RMB1oT/2015
necrológio

A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos seguintes colaboradores e assinantes:
AE (FN) Coaraciara Brício Godinho  22/09/1932 † 23/12/2014
CA José Pardellas  19/03/1925 † 01/10/2014
CA Sergio Roberto Castro Oliveira Queiroz  05/12/1931 † 18/09/2014
CMG Alex Hennig Bastos  21/06/1929 † 19/01/2015
CMG Maurício Coutinho Ferreira Gomes  02/03/1936 † 10/02/2015
CMG Mário Moutinho de Carvalho  22/01/1937 † 16/01/2015
CMG Paulo Roberto Barbosa  05/03/1948 † 20/10/2014

a capitão de corveta em 2/2/1963; a capitão


de fragata em 30/7/1966; a capitão de mar
e guerra em 20/4/1972; a contra-almirante
em 25/11/1980; a vice-almirante em
25/11/1984 e a almirante de esquadra em
25/11/1986. Foi transferido para a reserva
em 18/12/1990.
Em sua carreira, exerceu sete comandos:
Batalhão de Pioneiros do Núcleo da 1a
Divisão de Fuzileiros Navais; 3o Batalhão
de Infantaria da Divisão Anfíbia; Batalhão
Paissandu; Apoio do Corpo de Fuzileiros
Navais; Divisão Anfíbia; Força de Fuzilei-
ros da Esquadra e Comandante-Geral do
Corpo de Fuzileiros Navais.
Comissões: Companhia Escola do Corpo
de Fuzileiros Navais, 2a Companhia Regio-
nal de Fuzileiros Navais em Belém, Escola
Naval, Escola de Aperfeiçoamento de Ofi-
COARACIARA BRÍCIO GODINHO ciais do Exército Brasileiro, Navio-Escola
Almirante de Esquadra (FN) Custódio de Mello, Centro de Instrução do
Corpo de Fuzileiros Navais, Escola de Guer-
Nascido em Minas Gerais, filho de ra Naval, U.S. Naval Amphibious School,
Francisco de Paula Godinho e de Maria de em San Diego, Califórnia, Escola de Guerra
Lourdes Brício Godinho. Naval, Gabinete Militar da Presidência da
Promoções: a segundo-tenente, República, Comando-Geral do Corpo de
em 26/1/1955; a primeiro-tenente em Fuzileiros Navais, Divisão Anfíbia e Escola
26/7/1956; a capitão-tenente em 17/7/1959; Superior de Guerra.
NECROLÓGIO

Em reconhecimento aos seus serviços, 3o Decênio, Medalha Mérito Tamandaré,


recebeu inúmeras referências elogiosas e as Medalha do Pacificador, Medalha Mérito
seguintes condecorações: Ordem do Mérito Santos Dumont, Medalha do Mérito Judi-
Naval – Grande-Oficial, Ordem do Mérito ciário Militar, Legião do Mérito dos EUA
Militar – Grande-Oficial, Ordem do Mérito e Gran Cruz do Mérito Naval da Espanha.
Aeronáutico – Grande-Oficial, Ordem do À família do Almirante Coaraciara Brí-
Mérito das Forças Armadas, Ordem do cio Godinho, o pesar da Revista Marítima
Rio Branco, Medalha Militar de Ouro – Brasileira.

Almirante coaraciara
Conheci o Almirante de Esquadra (FN) confirmar a impressão que tivera oito
Coaraciara Brício Godinho quando, em 1978, anos antes. Estive na função de AjOrd
ainda um jovem tenente, apresentei-me para e, posteriormente, de assistente, até o
servir no Batalhão de Infantaria de Fuzileiros início de 1990, quando embarquei para
Navais, Batalhão Paissandu, Organização a América Central com a finalidade de
Militar esta comandada pelo então Capitão de exercer a função de observador militar
Mar e Guerra (FN) Coaraciara. junto à Organização das Nações Unidas.
Em que pese o curto período de convi- Os quatro anos de convivência diária com
vência, apenas seis meses, pois o oficial o comandante-geral trouxeram-me muitos
passou o comando logo depois, percebi ensinamentos e me possibilitaram acres-
que estava diante de um militar de breves centar as qualidades que já conhecia a
palavras e risos, comedido e com inúmeras outras, como: autenticidade, senso de
outras qualidades profissionais e pessoais justiça e, principalmente, dedicação
nas quais me espelharia no decorrer de integral e amor incondicional para com
minha carreira. a Marinha do Brasil. Além disso, tive
Sem muito contato pessoal devido a o privilégio de assistir a várias realiza-
sua saída do Batalhão Paissandu, acom- ções importantes para o CFN, fruto do
panhei de longe a carreira do meu antigo seu preparo profissional, tais como: a
comandante nas funções de chefe do negociação para aquisição do Navia de
Estado-Maior do Comando da Divisão Desembarque-Doca Ceará, tarefa que o
Anfíbia (DivAnf) e, já como almirante, a de então ministro da Marinha, Almirante
comandante da DivAnf e a de comandante Saboia, incumbiu-o de realizar junto
da Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE), ao comandante do Corpo de Fuzileiros
o mais alto cargo operativo do Corpo de Navais americano a criação do Curso de
Fuzileiros Navais (CFN). Aperfeiçoamento de Oficiais; a cerimônia
Foi com entusiasmo que, em novembro militar alusiva aos 180 anos do CFN,
de 1986, recebi o convite do Almirante com a presença do então Presidente da
Coaraciara para ser seu ajudante de ordens República, a qual, por sua magnitude e
(AjOrd) quando o mesmo assumiu o mais originalidade, considero um ponto de in-
alto cargo da carreira, o de comandante- flexão nas cerimônias militares no CFN;
-geral do Corpo de Fuzileiros Navais. a aquisição e o recebimento dos primeiros
O estreito relacionamento profissional, Carros Lagarta Anfíbio (CLAnf) que,
e até mesmo pessoal, entre um almirante indubitavelmente, colocaram a Força de
e seu ajudante de ordens possibilitou-me Fuzileiros da Esquadra em novo pata-

240 RMB1oT/2015
NECROLÓGIO

mar; e muitas outras. Porém gostaria de Acredito, pensei comigo, que a cons-
destacar uma que considero especial: a ciência do dever bem cumprido e a pos-
confecção e publicação do CGCFN-01 – sibilidade de poder usufruir com mais
Fundamentos das Operações Terrestres. intensidade e despreocupação do convívio
Como seu assistente, fui testemunha do familiar e dos amigos foram os fatores
importante trabalho levado a cabo pelo principais dessa transformação.
então comandante-geral quando, de pró- Afastado do convívio da caserna e usu-
prio punho, e em meio às diversas respon- fruindo agora do relacionamento exclusi-
sabilidades inerentes ao cargo, elaborou, vamente pessoal, pude conhecer um outro
nos seus poucos momentos de descanso, lado do caro chefe. Com o passar do tempo
a versão original do citado Manual, sen- e, principalmente, com a chegada dos netos,
do este o precursor dos manuais da série o relacionamento, antes estritamente pro-
CGCFN e, por que não dizer, o embrião fissional, passou a ser familiar e ainda mais
do nosso Centro de Desenvolvimento agradável. Tive a oportunidade de, com
Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais minha família, desfrutar de excelentes mo-
(CDDCFN), Organização Militar impor- mentos com o Almirante Coaraciara e seus
tantíssima para a FFE. Tal desprendimento familiares, momentos estes que forjaram
e dedicação até hoje me motivam. uma sólida amizade que, mesmo com seu
Quando regressei da missão na América passamento, perdurará por muito tempo.
Central, encontrei o antigo chefe já na re- A exemplo disso, seu neto, o jovem Luiz
serva, uma vez que passara o Comando do Felipe, veio almoçar comigo no Comando
CFN para o Almirante de Esquadra (FN) da FFE e conversamos longo tempo sobre
Luiz Carlos da Silva Cantídio em novembro o saudoso almirante, amigo e avô.
de 1990. Percebi, já no primeiro contato,
que o almirante estava com semblante mais Washington Gomes da Luz Filho
tranquilo, sereno e bem mais falante. Vice-Almirante (FN)

Nascido no Rio de Janeiro, filho de Adol-


fo Pardellas e de Pautilla Pinto Pardellas.
Promoções: segundo-tenente, em
16/1/1947; a primeiro-tenente em 5/2/1949;
a capitão-tenente em 22/3/1952; a capitão
de corveta em 31/12/1955; a capitão de
fragata em 20/8/1962; a capitão de mar e
guerra em 23/8/1967; e a contra-almirante
em 31/3/1974. Foi transferido para a Re-
serva Remunerada em 8/12/1977.
Em sua carreira exerceu três comandos:
Corveta Angostura, Flotilha do Amazonas
e Comando Naval de Brasília.
Comissões: Navio-Escola Almirante
Saldanha, Contratorpedeiro Baependi, Con-
JOSÉ PARDELLAS tratorpedeiro Bocaina, Encouraçado Minas
Contra-Almirante Gerais, Encouraçado São Paulo, Força de

RMB1oT/2015 241
NECROLÓGIO

Contratorpedeiros, Contratorpedeiro Gree- Em reconhecimento aos seus serviços,


nhalgh, Comando do Segundo Distrito Naval, recebeu as seguintes medalhas e condecora-
Rebocador Aníbal de Mendonça, Navio- ções: Medalha Naval do Mérito de Guerra
-Escola Duque de Caxias, Comissão Fiscal da – Serviços de Guerra sem estrela; Ordem do
Construção de Navios na Holanda, Corveta Mérito Naval – comendador; Ordem do Mé-
Bahiana, Cruzador Tamandaré, Delegacia rito Militar – comendador; Ordem do Mérito
da Capitania dos Portos do Rio Grande do Aeronáutico – comendador; Medallha Militar
Sul em Pelotas, Diretoria do Pessoal Militar e Passador Ouro – 3o decênio; Medalha Mérito
da Marinha, Escola de Guerra Naval, Adido Tamandaré; Medalha Mérito Santos Dumont;
Naval Militar e Aeronáutico no Equador, Es- Equador – Ordem Nacional do Mérito; Equa-
cola de Guerra Naval, Comando do Primeiro dor – Condecoração Abdon Calderon.
Distrito Naval, Escola Naval, Escola Superior À família do Almirante José Pardellas,
de Guerra e Comando de Operações Navais. o pesar da Revista Marítima Brasileira.

em 31/8/1976 e a contra-almirante em
31/7/1983. Foi transferido para a Reserva
Remunerada em 21/3/1987.
Em sua carreira exerceu três comandos:
Contratorpedeiro Maranhão, Primeiro Es-
quadrão de Contratorpedeiros e Força de
Contratorpedeiros.
Comissões: Navio-Escola Almirante
Saldanha, Navio-Escola Duque de Caxias,
Navio-Hidrográfico Camocim, Comando da
Força de Contratorpedeiros, Navio-Tender
Belmonte, Contratorpedeiro Amazonas, Es-
cola de Aprendizes-Marinheiros de Pernam-
buco, Comando da Força da Patrulha Costeira
do Nordeste, Base Naval de Natal, Escola
Naval, Estador-Maior da Armada, Comando
da Força de Minagem e Varredura, Comissão
Naval Brasileira em Washington, Diretoria
SERGIO ROBERTO CASTRO de Portos e Costas, Comando do Quarto
OLIVEIRA QUEIROZ Distrito Naval, Comando do Primeiro Distrito
Contra-Almirante Naval, Comando do Terceiro Distrito Naval,
Adido Naval no Chile, Comando-em-Chefe
Nascido em São Paulo, filho de Luiz da Esquadra, Secretaria-Geral da Marinha,
de Oliveira e de Rosalia Beatriz Gomes de Estado-Maior da Armada, Instituto de Proces-
Castro Queiroz. samento de Dados e Informática da Marinha
Promoções: a segundo-tenente em e Comando da Força de Contratorpedeiros.
10/1/1956; a primeiro-tenente em 10/7/1957; Em reconhecimento aos seus serviços,
a capitão-tenente em 10/7/1959; a capitão de recebeu as seguintes medalhas e condeco-
corveta em 27/3/1964; a capitão de fragata rações: Ordem do Mérito da Defesa – Grau
em 16/5/1969; a capitão de mar e guerra de comendador; Ordem do Mérito Naval

242 RMB1oT/2015
NECROLÓGIO

– comendador; Ordem do Mérito Militar – âncora; Medalha Mérito Santos Dumont; e


oficial; Ordem do Mérito Judiciário Militar CL-MM-Chile – Estrela do Mérito Militar.
– alta distinção; Medalha Militar e Passador À família do Almirante Sergio Roberto
Ouro – 3o decênio; Medalha Mérito Ta- Castro Oliveira Queiroz, o pesar da Revista
mandaré; Medallha Mérito Marinheiro – 1 Marítima Brasileira.

QUEIROZ
Nos vinte anos que passei na Revista seus Pesadelo e Azul e Vermelho. Este bem
Marítima Brasileira, tive o enorme prazer que merecia ir para o cinema ou televisão.
de almoçar na praça-d’armas dos Almi- Então a saúde de Queiroz começou a não
rantes, no 22o andar do Edifício Barão de cooperar com a sua vida e, assim, ele deixou
Ladário, Rio de Janeiro. a Procuradoria e o convívio do 22o andar.
O ambiente era ótimo: alegre, respeito- Tinha por ele uma amizade que me fazia
so, amigo e sem “segredos”, pois a maioria muito bem, mas, por outro lado, fazia-me
era contemporânea de Escola Naval. sofrer ver seu estado de saúde.
A conversa era de almirantes preocupa- As raízes de Queiroz eram paulistas e,
dos com os problemas de suas áreas, mas por isso, quando teve que deixar a Procura-
também havia dias em que a conversa era doria mudou de pouso e foi morar em São
de tenentes, leve e divertida. Paulo. Por este motivo, Queiroz entrou na
E foi neste ambiente fantástico que co- minha lista de pessoas que eu quero muito
nheci verdadeiramente Queiroz, e nele con- bem e a quem admiro e que fazem parte da
vivemos longos anos. Queiroz era uma figura minha sistemática do Relatório Natalino.
marcante. Atrás de sua aparência senhorial Plageando o Colégio Interamericano de
(pelo menos para mim, que não o conhecia Defesa, nesta sistemática, por ocasião do
antes) era uma pessoa alegre, amistosa e culta. Natal, envio cartas em que conto o que se
Com o tempo, nasceu uma amizade muito passou comigo e com os meus no ano que
agradável, e eu, além disso, tinha uma admira- está findando e me delicio com as respostas
ção muito grande pela sua inteligência, capaz e comentários.
de nos presentear com dois livros editados: E, então, nossos papos evoluíram do
Pesadelo no Mar e Azul e Vermelho no céu do período anual para frequentes, com troca
Caribe. Ambos de leitura fácil e interessantís- de emails, com sua esposa, D. Maria Santa,
sima, cheios de situações de grande suspense, o que funcionou, a princípio, como instru-
prendendo a atenção do leitor. mento de ligação com Queiroz. Hoje, eu e
Gostei mais do Azul e Vermelho, que ela mantemos troca frequente de emails, o
conta as aventuras de um diplomata brasi- que me faz sentir que Queiroz ainda está
leiro, um verdadeiro “mocinho” dos filmes vivo entre nós, seus amigos.
de Holywood, um verdadeiro 007 nacional, Minhas eternas saudades.
que não perdia em nada para o 007 inglês.
Pela aparência do Queiroz, jamais pode- Luiz Edmundo Brígido Bittencourt
ria supor que ele tivesse jeito para escrever Vice-Almirante (Refo)
ALMIRANTE QUEIROZ
O Almirante Queiroz era um homem bom humor que, aliado à sua competência
muito inteligente. Tinha uma persona- e à sua liderança, esta exercida de forma
lidade marcante, pois possuía um sadio sempre educada e discreta, o fazia res-

RMB1oT/2015 243
NECROLÓGIO

peitado e, sobretudo, admirado por seus Meu pedido foi atendido, pois, alguns
subordinados. anos após, fui nomeado comandante do CT
Tive o prazer de passar a conhecê-lo Sergipe, tendo o CMG Queiroz como co-
mais de perto quando, ainda capitão de mandante do 1o EsqdCT. Em quase um ano
fragata, exercia seu comando do Contra- sob seu comando, tornei-me ainda mais seu
torpedeiro (CT) Maranhão. Nessa época, admirador e amigo. Ele era um comandante
eu era o mais antigo dos então imediatos de Esquadrão que não interferia nos assuntos
de contratorpedeiros. Fui designado pelo internos do navio, deixando seu Capitão de
comandante do 1o Esquadrão de Contra- Bandeira (que tive a honra de ser durante a
torpedeiros (1oEsqdCT) para ser o encar- maior parte de seu comando) inteiramente à
regado de um Inquérito Policial Militar vontade. Nas inúmeras comissões que fize-
(IPM) a bordo do CT Maranhão. Passei a mos juntos, sempre exerceu sua liderança de
conviver diariamente com o CF Queiroz, forma plena, transmitindo seus exemplos de
colocando-o sempre a par do desenvolvi- correção moral, competência e inteligência
mento do IPM, e pude começar a sentir o em todos os momentos, sendo sua presença
quanto ele sabia o que fazia e como lide- a bordo sempre prazerosa. Foi, assim, um
rava seus comandados. Pude, ainda, me excelente chefe, e foi um privilégio tê-lo
valer de seus conhecimentos, pois o então como comandante de meu Esquadrão.
Comandante Queiroz sempre foi um expert Sua promoção a contra-almirante não se
em Informações. constituiu em surpresa, pois seus predica-
Passado um ano, fui cursar o Curso de dos o encaminhavam direta e naturalmente
Comando e Estado-Maior (C-CEM) na ao Almirantado.
Escola de Guerra Naval (EGN), ao final Não mais servimos juntos. Todavia, a
do qual fui designado para continuar na amizade construída durante a carreira se
EGN como instrutor. Para minha felici- solidificou, e algumas vezes tivemos o
dade, fui para a Área de Jogos de Guerra, prazer de nos visitarmos mutuamente.
cujo encarregado era o Capitão de Mar e Senti profundamente seu falecimento.
Guerra (CMG) Queiroz. Pude então, sendo Todavia, tenho a certeza de que seu exem-
seu assessor imediato, conhecê-lo melhor, plo como pessoa humana e como oficial de
constatando sua inteligência, sua perspicá- Marinha frutificou, e ele deve ser lembrado
cia e, sobremaneira, sua liderança no trato com carinho e admiração por todos aqueles
sempre educado e bem-humorado com seus que tiveram o privilégio e a honra de terem
subordinados. Aprendi muito com ele e, sido seus subordinados. Que Deus o tenha
quando de seu desembarque da EGN, a fim acolhido e o envolvido em Sua intensa luz!
de exercer a Chefia do Estado-Maior do 3o
Distrito Naval, desejei ter a oportunidade Egberto Baptista Sperling
de servir novamente sob suas ordens. Capitão de Mar e Guerra (Refo)

244 RMB1oT/2015
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o


que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses.
Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas
e por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha.
São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas.
Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso
por carta, ou por e-mail (rmbmateria@dphdm.mar.mil.br).

PRA QUE MÁQUINA?*

O velho Navio-Auxiliar Silvestre de


Matos aproximava-se para atracação
no cais do Recife. Tendo como comandante
acordo com o temperamento e as atitudes
do Capitão de Mar e Guerra Cambuci,
competente filósofo do mar.
e imediato dois brilhantes oficiais hidrógra- “As máquinas não atendem, comandan-
fos, fazia-o sem prático. A manobra não te”, respondeu o imediato, após acionar
fora fácil, mas o navio já estava dentro do em vão o telégrafo de manobra. A atitude
quebra-mar, ao abrigo dos ventos e das era a mesma do comandante. O Capitão
correntezas, particularmente fortes naquele de Fragata Arnoldo também não era de se
agosto do ano de 197?. alterar. Seu temperamento assemelhava-se
Veio então a primeira ordem do coman- em muito ao de seu chefe. O Silvestre de
dante ao imediato, procurando quebrar o Matos não era um navio comum!
seguimento do navio, que se aproximava Passados alguns instantes, nada mudara no
do cais na estupefaciente velocidade de 5 cenário e o navio continuava aproado ao cais.
nós, muito próxima de sua máxima, quando “Máquinas atrás 2/3”, comandou o im-
navegando com mar e vento de popa. perturbável Cambuci.
“Máquinas atrás 1/3” foi a voz de co- “As máquinas não atendem, comandan-
mando, calma e serenamente emitida, em te”, repetiu o imediato, ainda sem se alterar.

* Extraído do livro A Marinha Pitoresca, de Helio Leoncio Martins, Decio de Oliveira Guimarães e Augusto
Cesar da Silveira Carvalhêdo.
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

O silêncio no passadiço era completo. ele vivia a tremer e balançar. Um pequeno


Só não se ouviam voar as moscas porque amassado na bochecha de boreste, e eis o na-
elas ainda não haviam embarcado. Iriam vio parado, ao largo do cais, no local devido.
fazê-lo às centenas no Recife! Todos se entreolham e fitam o comandante.
E o cais se aproximando... E o velho Cambuci, sem se alterar, vira-se
Repetiu-se o ritual: para o imediato e diz: “Imediato, navio em
“Máquinas atrás toda força!” posição! Dobrar a amarração! Baldear o navio
“As máquinas não atendem, co- e licenciar a guarnição logo em seguida”.
mandante!” O Silvestre de Matos não era, realmente,
Ninguém se perturbou. O cais cresceu e, um navio comum.
de repente, um estrondo. O navio se chocara
com as defensas e com seu local de atracação. Augusto Cesar da Silveira Carvalhêdo
Tremeu, balançou, mas isso não era novidade; (Almirante, falecido em 5/11/2004)

GINGILIM
Gergelim – bolo, farinha ou paçoca Mas e o nome?
em que entra semente de gergelim (ver: As discussões começavam e ameaçavam
gingerlim e zirzelim). Aurélio Buarque se prolongar indefinidamente quando um
de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da dos membros daquela diretoria, cearense,
Língua Portuguesa, 1975. lembrou-se de um nome de sua infância,
Perdoe-me o mestre Aurélio, mas em o nome de uma deliciosa paçoca que ele
seu completo, ou quase completo, dicioná- conhecia como gingilim.
rio falta uma variante de gergelim, muito E esse foi, afinal, o nome escolhido
usada no Ceará e com um significado muito para o mascote que até hoje, por meio de
especial para nós na Marinha desde 1951, seus sucessores, traz a sorte aos alunos do
quando chegou ao Colégio Naval sua pri- colégio quando das competições esportivas.
meira turma. Decidiu-se também que, para motivar
Instalados em Angra, começou a orga- e interessar a turma, o assunto ficaria em
nização comunitária dos alunos. Fundou-se segredo e uma campanha seria desfechada
um grêmio, escolheu-se o nome da revista, anunciando a chegada do Gingilim, sem, no
organizaram-se as equipes esportivas, foi entanto, divulgar do que se tratava.
eleita a primeira diretoria do grêmio. E os quadros-negros das salas de aula
Numa das reuniões iniciais, decidimos passaram a aparecer com os dizeres “Gin-
que a escolha de um mascote era mandató- gilim vem aí”, o que, pela repetição, acabou
ria, para que os bons fluidos se espargissem por despertar curiosidade da turma. Identi-
sobre nossas equipes quando de confrontos ficados os “gizadores”1 como membros da
externos. diretoria do grêmio, quase todos entre os
O consenso de que o mascote – a exem- mais antigos da turma, começaram eles a
plo do Brekelé, da Escola Naval – deveria ser assediados.
ser um pato branco foi logo obtido. A ele “Gingilim são os uniformes que vão
se chegou rapidamente. chegar?”2, perguntavam uns.

1 Gizadores – versão dos anos 50 dos atuais pichadores.


2 A primeira turma do Colégio Naval recebeu seus uniformes com grande atraso.

246 RMB1oT/2015
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

“Gingilim são os pratos e xícaras de Foi um corre-corre e, felizmente, com


louça”3, afirmavam outros. a compreensão do oficial de serviço, um
“É a revista que vão fazer? O que é, aluno que sabia diferenciar sexos de patos
afinal?” foi a Angra e fez a troca.
A campanha de marketing foi um su- No dia seguinte, o Gingilim foi apre-
cesso. Vendemos a curiosidade em torno sentado à turma. Decepção de uns poucos,
do produto a toda a turma. alegria geral. O Colégio Naval ganhava
Marcou-se um dia para a apresentação seu mascote e desde logo começava a lhe
do Gingilim. Dois dos membros da Di- dedicar carinho e afeição.
retoria foram a Angra, compraram o que Portanto, mestre Aurélio, acrescente no
julgaram ser um pato, e, com a conivência seu dicionário: Gingilim – s.m. – pato cheio
dos oficiais, guardamos a peça no galinhei- de ginga, mascote do Colégio Naval, imor-
ro do colégio. tal, nascido nas memórias de infância de um
Mas os compradores, por facilidade de cearense, cultuado com carinho e amizade
licença, haviam sido escolhidos entre os por gerações de oficiais que iniciaram na
mais antigos ou mesmo “os mais” e, como carreira naval na saudosa e bucólica Enseada
alguém lembrou na véspera, eram bons de de Baptista das Neves – ave da sorte.
livro, mas pouco entendidos em outras artes
da vida. Resolveu-se conferir o pato. Augusto Cesar da Silveira Carvalhêdo
E, surpresa: não era pato. Era pata! (Almirante, falecido em 5/11/2004)

3 Também só chegaram no ano seguinte.

RMB1oT/2015 247
DOAÇÕES À DPHDM
SETEMBRO A DEZEMBRO DE 2014
DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto


Vice-Almirante Armando de Senna Bittencourt
Vice-Almirante Paulo Cesar de Almeida Rodrigues
Vice-Almirante Bernardo José Pierantoni Gambôa
Contra-Almirante Nélio de Almeida
Sr. Ruy Bhering
Sr. Francisco Fiori Neto
Sr. Tiago Gomes de Araújo
Sr. Luís Severiano Soares Rodrigues
Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão (CAAML)
Diretoria de Administração da Marinha (DAdM)
Marinha Portuguesa
Instituto de Historia y Cultura Naval Armada Española
Ministério da Cultura
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Arquivo Nacional
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro
Mueu Histórico Nacional
Associação Brasileira de Energia Nuclear
Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHA
Naval Forces International Forum for Maritime Power – no 35 (periódico – 2014)
La Armada em el Conflicto de Paquisha – livro/2014

ARGENTINA
Mercosul un Atlas Cultural, Social y Economico – livro – 1997
Crucero Escuela la Argentina – folheto

AUSTRÁLIA
Australian Submarine Corporation – folheto
Collins the Logistic Solution – livro
Naval Forces – International Forum for Maritime Power – periódico
Collins the Logistic Solution – periódico
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

BÉLGICA
Lisbolo na Bisu – livro – 2010

COREIA
International Journal of Intangible Heritage – v. 4 – periódico

ESPANHA
Revista de História Naval – v. 32, no 127
Las Operaciones Anfíbias – livro
La Actividad Naval Militar Influencia em su Entorno – livro – 1991
El Crucero em la Armada Española – livro – 1993
La Sanidad Naval Española Historia y Evolución – livro – 1995

ESTADOS UNIDOS
Scientific American – v. 281, no 3, set. (periódico/1999); v. 286, no 1, jan. (periódico/2002);
v. 286, no 3, fev. (periódico/2002); v. 14, no 3 special edition (periódico/2004);
v. 290, no 3 mar (periódico/2004); v. 291, no 4, out. (periódico/2004); v. 292,
no 2 fev. (periódico/2005); v. 292, no 6 jun. (periódico/2005); v. 293, no 2, ago.
(periódico/2005); v. 294, no 2, fev. (periódico/2006); v. 3081, no 4, out. (periódi-
co/2009); v. 10, no 2 (periódico); v. 310, no 1, jan. (periódico/2014); v. 311, no 2,
ago. (periódico/2014)
Contents – livro
Warships for the World – livro/1994
ANalytical Mechanics for Engineers – livro/1958
New Analytic Geometry – livro
Applied Hydro and Aeromechanics – livro/1934
Dictionary of Military and Naval Quotations – livro
Home of the Commandants – Marine Barracks, Washington, DC – livro
Archaeology – may/jun – periódico/1998
Discovering Archaeology – mar/abr. (periódico/2000)
Archaeology – may/jun – periódico/2002)
Problems e Answers in Navigation e Piloting – livro/1978
Yacht Design Detils – livro/1989
Chris Craft for 1950 – folheto
Materials Handling Equipment – livro

FRANÇA
Sciense Illustrée – v. 12, no 127, abr. (periódico/2000)
La Revue Maritime – no 488 – periódico/2009
Sciences et Avenir – abr. periódico/2004
Noveauu Traité Elementaire de Perspective a L’usage des Artites – livro/1823

HOLANDA
Revista Europea de Estutios Latinoaericanos y del Caribe – no 97, out./2014

RMB1oT/2015 249
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

INGLATERRA
Surikov – livro
Ministry of Defence Government Contracts – livro/1992
Modern Combat Ships 4 – Type 22 – livro/1986
The International Psycho-Analytical Library – no 6, livro/1967
The Shipmanagers Register – livro/1996
The Standard Steamship Owners Protection and Indemnity Association (bermuda)
Limited 1987-1988 – livro
PORTUGAL
Breves Memórias do Espaço e do Tempo – livro/2010
Revista de Marinha – v. 78, no 983, jan./fev. 2015
BRASIL
Oficial de Quarto – livro/2014
Anuário Estatístico da Marinha – no 38 (periódico/2010); no 39 (periódico/2011); no 40
(periódico/2012); no 41 (periódico/2013);
O Rio Pelo Alto 1930-1940 – livro/2014
CNT – Transporte Atual – v. 20, no 230, nov./2014 (periódico)
Marinha em Revista – v. 3, no 7, abr. (periódico/2012)
SIPM – v. 1, no 1, 2014 (periódico/2014)
Descobrimentos Diário de Notícias 2a Edição – periódico/1992
Revista do Exército Brasileiro – no 136, Especial (periódico/1999)
CAT Revista Militar de Ciência e Tecnologia – v. 13, 4o trimeste (periódico/1996); v.
23, 4o trimeste (periódico/1996)
Revista da Escola de Guerra Naval – no 13, jun. (periódico/2009)
História Viva Grandes Temas – Edição Especial no 14 (periódico); no 15 (periódico)
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – no 26 (periódico/1997)
PROLIM – Programa Olímpico da Marinha – no 2, nov. (periódico/2014)
Âncora Social – v. 7, no 7, dez. (periódico/2014)
Marquês de Tamandaré, Patrono da Marinha (seu perfil histórico) – livro/1982
Atlas dos Monumentos Históricos e Artísticos do Brasil – livro/1975
13o Curso de Engenharia de Segurança no Trabalho – livro
Relíquias Navais do Brasil – livro/1983
Icomam Rio 2008 – livro/2008
Microsoft Outlook 97 – Sem Mistério a maneira mais rápida e fácil de encontrar res-
postas – livro
Brasil: 60 anos de operações de paz – livro/2009
Brazil: 60 years of peacekeeping operations – livro/2011
Visão de um espectador – prefácios e apresentações – livro/2006
Biologia Celular – O fenômeno da vida a vida celular – livro/1980
Programação e controle da Produção – livro
Navios e de como eles singraram os sete mares – livro/1936
General Zenóbio da Costa e sua ação na Revolução Constitucional de São Paulo
1932 – Segunda Guerra Mundial – FEB e Polícia do Exército na Guerra e no
Pós-Guerra – livro/1999

250 RMB1oT/2015
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

José Paulo Moreira da Fonseca – o Pintor e o Poeta – livro


Museu Nacional – livro/2007
Direito Ambiental Marítimo – livro
Novos Mundos Novos – livro/2010
Transportes na América do Sul – livro/2004
O Museu Imperial – livro/1992
77 and 79 Advisory Committee Meetings International Council of Museums – livro/2013
28 General Assembly of ICOM International Council of Museums – livro/2013
Entre o Espanto e o Esquecimento Arqueologia das Sociedades Brasileiras antes do
Contacto – livro
Escola de Guerra Naval – Simpósio “O Labirinto Político-Estratégico Mundial: Os
Rumos Brasileiros” – livro/1992
História, Ciência, Saúde – Manguinhos – livro/2005
Porque me ufano do meu país – livro/1998
Política de Defesa Nacional – livro/1996
Viver nos subúrbios: a experiência dos trabalhadores de Inhaúma – Rio de Janeiro
(1890-1910)
Identificação de Munição – vol. 1, livro/1992
A Identidade Nacional Brasileira na Guerra do Paraguai 1864-1870 – livro/2013
Lampejos, Pensamentos e Reflexões – livro/2014
Considerações Históricas e Geográficas sobre o Município de Almirante Tamandaré-PR
– livro/2013
Os Animais – vol. 1/2 livro/1968; vol. 1/2 livro/1971;
A Viagem do Cisne Branco – Atravessando o Atlântico na Rota do Descobrimento –
livro/2000
Cisne Branco – uma Ode Marítima – livro
Palestra proferida pelo Ministro da Marinha ao Conselho de Almirantes – livro/1989
23 General Conference of the International Council of Museums (ICOM) – livro/2013
Impacto de um derramamento de óleo em águas turbulentas: O Braer – livro/2000
Anais do II Encontro de Bases de Dados sobre informações arquivísticas – livro/2007
Aquarela Watercolor – periódico/2012
Poetas nas bandas do mar – uma antologia – livro/2007
Ciência e Tecnologia: Aquisição – Geração – Utilização 1985 – livro/1985
Tahim, a última divisa – Geografia e história de uma região –livro/2001
O Programa Nuclear Brasileiro: Um caminho com muitas saídas – livro/2009
Brandão entre o mar e o amor – livro/2000
Marajó – desafio da Amazônia – livro/1992; livro/2005
Tarde Infinita – livro/2005
Antologia em verso e prosa – livro/2008
Técnica de planejamento e controle – livro/1967
O novo dicionário dos hackers – livro/1992 (referência)
A criação de canários e seus cuidados – livro/1974
IHGB: Oswaldo Cruz e o congresso de história da independência – livro/2013
Epifania das estrelas para Galileu Galilei – livro/2002
Entraves na navegação interior – livro/2007

RMB1oT/2015 251
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

As águas no limiar do século XXI – livro/1999


Tradições do mar – usos costumes e linguagem – livro/1999
Raízes no chão do Rio Grande do Norte – livro/2005
A Marinha cresce com o Brasil – livro/1971; folheto/1971
Marco legal do combate aos crimes transnacionais e as atribuições subsidiárias da
MB – monografia/2014
Revista Geográfica Universal – no 118, set. (periódico/1984)
Baldi Since 1946 – periódico
Aconteceu – no 127 (periódico)
Bravo Zulu revista da Escola de Aprendizes-Marinheiros de Pernambuco – periódi-
co/2008
Hospital Naval Marcílio Dias – 80 anos excelência em saúde – periódico/2014
Arquivos para quê – Textos escolhidos – livro/2010
Tempo e circunstância – a abordagem contextual dos arquivos pessoais – livro/2007
Brasil nuclear – v. 20, no 43 (periódico/2014)
Anais do Museu Histórico Nacional – História, Museologia e Patrimônio – Edição alu-
siva ao 50o aniversário da imigração Coreana no Brasil – v. 45 (periódico/2013
90 anos do Museu Histórico Nacional em debate (1922-2012) – livro/2014
Âncoras e Fuzis – Corpo de Fuzileiros Navais – v. 13, no 45, dez. (periódico/2014)
Revista Educação Física – v. 13, no 54, dez./2014
Revista da Aviação Naval – v. 45, no 75, dez./2014
Tarde Infinita – livro/2005
Breves memórias do espaço e do tempo – livro/2010
Be Your Own Boss – livro
Conselho de Almirantes – Exposição do Ministro da Marinha – dez./1989
Aquarela – periódico/2012
Marinha do Brasil – Turma Alfa 2008. Revista da Escola de Aprendizes-Marinheiros de
Pernambuco – periódico/2008
Naval Forces International Forum for Maritime Power – periódico/1995
Música no Museu – um projeto de sucesso – livro/2005
Gerenciamento de projetos com o MS Project 98 – Estratégia planejamento e controle
– livro/1998
Windows 95 Guia Prático – livro/1996
The Auditor-General – no 22, 1001/92, livro
Academia de Marinha – Memórias – 2010, vol. 40
Portos e Navegação, Brasil 1940 – livro/1940
Como construir, cuidar e reparar botes – livro/1958
Registro Naval Offshore do Brasil 1983-1984 – livro
Recine – com a palavra cinema – v. 11, no 11, nov./2014 (periódico)
Jango – nossa breve história – livro
Acervo – v. 27, no 1, jan./jun./2014 (periódico); v. 27, no 1, jul./dez./2014 (periódico)
Documentar a ditadura: Arquivos da repressão e da resistência – livro/2014
Da botica real militar ao laboratório químico farmacêutico do Exército – Fatos e per-
sonagens de sua história 1808-2008 – livro 2008
O Brasil na Primeira Guerra Mundial – O centenário da Grande Guerra – livro/2014

252 RMB1oT/2015
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

Escravizados na liberdade: abolição, classe e cidadania na Corte Imperial – livro/2014


Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – no 8, periódico/2014
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia Universidade de São Paulo – Dictionary
of Military and Naval Quotations (referência) – no 22, periódico/2012; no 23,
periódico/2013
Revista Jurídica De Jure – v. 13, no 23, jul./dez./2014 (periódico)
A Galera – Revista dos Aspirantes da Escola Naval – v. 19, no 85, dez. (periódico/1944);
(periódico/2000)
O emprego do poder naval em tempo de paz – livro/1995
Revista de Villegagnon – v. 9, no 9, (periódico/2014)
A Fragata – Revista dos alunos do Colégio Naval – v. 49, no 49, (periódico/2000)
Informativo Marítimo – Diretoria de Portos e Costas – v. 20, no 3, periódico/2012
Anais Hidrográficos – Tomo 41, suplemento, periódico/1984; Tomo 49, periódico/1984;
Tomo 59, periódico/2002; Tomo 67, periódico/2010; Tomo 70, periódico/2013
Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil – nov./2006, livro
Política Nacional de Museus – Relatório de Gestão 2003-2006 – livro
1o Fórum Nacional de Museus – Relatório – livro/2004
As origens do Museu Paraense Emílio Goeldi – Aspectos históricos e Iconográficos
1860-1921 – livro/2006
Museu – um guia de memórias e afetividades – livro/2013
MUSAS – Revista Brasileira de Museu e Museologia – v. 2, no 2, periódico/2006
Jornal Brasileiro de doenças sexualmente transmissíveis – v. 25 no 3,/2013

RMB1oT/2015 253
ACONTECEU HÁ 100 ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e


notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do
mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela
Revista Marítima Brasileira.
Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos
a grafia então utilizada.

ALMIRANTE MAURITY
(RMB, jan/1915, p. 1.165-1.179)

A seis do corrente falleceu nesta


Capital, em sua residencia á rua
Haddock Lobo, o Sr. Almirante
reformado Joaquim Antonio Cor-
dovil Maurity.
Si bem que já retirado do
serviço activo, constitue o seu
desapparecimento mais um rude
golpe soffrido pela nossa Marinha, a
que tão inolvidaveis serviços prestou
o illustre Almirante, uma de suas
personalidades mais symphaticas
e mais distinctas, e em cujo seio,
como igualmente na sociedade
civil, contava o mesmo innumeros
admiradores e amigos sinceros.
O seu nome glorioso, conhecido
e acatado em todos os recantos do
Brazil, como tambem no estrangei- Almirante Maurity
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

ro, desde o seu immorredouro feito prestar ao saudoso e preclaro


de Humaytá, representava um ver- camarada e inclyto Almirante
dadeiro patrimonio nacional; tanto Maurity, não só em nosso nome
assim, que o Governo da Republica, como outrosim, em geral, no de
não obstante a desistencia por parte toda a Marinha, cujo sentir jul-
de sua familia das honras militares gamos interpretar fielmente nes-
que lhe eram devidas, não as quiz te particular, um justo preito de
dispensar e resolveu-se a prestal-as merecida homenagem, pelos seus
com todo o cerimonial requerido, gloriosos feitos de guerra e innu-
por occasião do seu sahimento, na meros serviços prestados durante
tarde do dia 7, para o Cemiterio de a sua longa carreira militar; ser-
S. Francisco Xavier, para onde se- viços de que melhor do que pode-
guio com grande acompanhamento riamos fazel-o nos dá conta a sua
e onde foi inhumado. brilhantissima fé de officio que
Dando em nossa primeira pa- passamos a transcrever:
gina o seu retrato, procuramos (...)

OS ACONTECIMENTOS NAVAES
Trechos de Relatorio*
(De 18 de Novembro a 25 de Novembro)
(RMB, jan/1915, p. 1.187-1.203)

BAIXAS NA MARINHA Hollanda, e outros 1000 mortos


INGLEZA na defeza de Antuerpia.
O 1º Lord do Almirantado In- DESTRUIÇÃO DE UM SUB-
glez declarou ao Parlamento que MARINO ALLEMÃO
até o dia 17 de Novembro as bai- O Almirantado Inglez commu-
xas da Marinha tinham sido as nica que no dia 23, ás 12.30 pm o
seguintes: mortos – 222 officiaes submarino Allemão “U 18”, ope-
e 3455 inferiores e marinheiros; rando nas costas da Escossia, foi
feridos – 37 officiaes e 428 inferio- atacado pelo ariete de um navio
res e marinheiros. Inglez de patrulha, indo a pique.
Além deste numero, ha a acres- A SITUAÇÃO NAVAL APÓS
centar cerca de 875 officiaes, in- 114 DIAS DE CAMPANHA
feriores e marinheiros mortos a Com a medida tomada pelo
bordo do cruzador “Good Hope” Almirantado Inglez, fechando o
cerca de 2000 internados na mar do Norte á navegação neu-
* Publicados por ordem do Sr. Ministro da Marinha. V. “Revista Maritima” de dezembro ultimo,
pag. 1.125.

RMB1oT/2015 255
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

tra, os navios de guerra Inglezes O FOGO POR SALVA


patrulham toda a area deste mar Como era de esperar, á vis-
com mais liberdade. ta da pratica adoptada antes
A ausência de ataques por par- da guerra actual nos exerci-
te dos submarinos Allemães, nos tos e marinhas de primeira
ultimos 15 dias no mar do Norte, classe, o systema de fogo por
é explicada pela falta de “scouts”, salva tem sido empregado em
disfarçados em navios neutros, todos os combates, duelos e es-
capazes de indicarem aos mesmos caramuças, e diariamente nas
submarinos a derrota e movimen- duas grandes linhas de com-
tos do inimigo, de modo a tornar bate a W e a E.
possivel o ataque de “emboscada”. No mar, já vimos o battle-
Os navios neutros entrando no cruiser “Lion” destruir o
mar do Norte recebem o pratico “Kohln”, com uma unica e
em Dover e navegam ao longo da magnifica salva de 4 canhões
costa do NE da Inglaterra, em de 13.”5; o “Sydney” destruir o
uma zona designada, até que em “Emden”, com algumas salvas
um certo ponto ao N dirigem-se, de 6”; os cruzadores Allemães
então, para a Dinamarca, Suecia, “Gnesenau” e “Scharnshorst”
Noruega e Hollanda, o mesmo ca- destruirem o “Good Hope” e o
minho sendo observado quando “Monmouth” com esplendidas
elles demandam o canal Inglez. salvas de 8”1;
(...) (...)

NAVIOS DE GUERRA DESTRUIDOS DURANTE QUATRO ME-


ZES DE GUERRA
Couraçado ... 1 (pre-Dreadnought, explosão interna)
Cruzadores ... 22, sendo: – 8 destruidos por submarinos
– 11 “ “ projectis
–3 “ “ minas submarinas
Canhoneiras... 12, sendo: – 10 destruidas por projectis
– 1 destruida por submarino
–1 “ “ mina submarina
Destroyers... 14, sendo: – 11 destruidos por projectis
– 2 “ “ minas submarinas
– 1 destruido por submarino
Submarinos... 5, sendo: – 2 destruidos por tiro de canhão
–2 “ “ ariete
– 1 destruido por mina submarina
(...)

256 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

LIÇÕES DEDUZIDAS DA 9. O melhor typo de “leader”


GRANDE GUERRA de flotilha é o da classe “Aurora”,
(Correspondentes aos aconte- tendo, porém, todos os canhões de
cimentos durante os 4 primeiros 6” e com V.I. de 3000 pés.
mezes de guerra) 10. Todo cruzador ligeiro, typo es-
1. A mina submarina não im- sencial a uma campanha naval, deve
porta na destruição immediata ter canhões de 6”, alta velocidade, cin-
do navio e perda total de vida. ta couraçada e machinas protegidas.
(Em dezenas de casos, parte da 11. O canhão de 4” deve ser
guarnição foi salva). apenas montado nos destroyers,
2. O submarino é vulneravel. com 40 calibres, por ser o melhor
(U-15, U-18, E-3, D-5) calibre para esta classe de navios.
3. É possível obter em tempo de 12. O destroyer, não como torpe-
guerra o mesmo padrão de efficiencia deiro, mas como o navio de patru-
obtido no tiro ao alvo em tempo de paz. lha e avançada de divisões e esqua-
4. A madeira de bordo deve ser dras de couraçados e cruzadores, é
absolutamente eliminada. um excellente typo de navio a uma
5. É preciso existir a bordo campanha naval. O destroyer deve
collarinhos, colletes salva-vidas, montar, no minimo, 4 canhões de
ou qualquer dispositivo especial 4”. 40 cal., ter alta velocidade e ma-
de salvação, para os casos de ac- chinas com certa protecção.
cidentes provocados por minas e 13. Toda divisão de couraçados e
submarinos. Não se pode contar de cruzadores não pode prescindir
nestas occasiões com os escaleres. de uma avançada de destroyers.
6. O canhão de 6” é, de facto, o 14. O “battle-cruiser” é um typo
canhão anti-torpedico. necessario.
7. O tubo de torpedo deve ser remo- 15. O navio grande atacado
vido dos cruzadores e dos couraça- por um submarino, ou batendo
dos. Pode-se deixal-os, entretanto, nos em uma mina, não deve ser soc-
destroyers, não excedendo de dois. corrido por navios grandes (cou-
8. Toda flotilha de destroyers raçados ou cruzadores).
precisa de um “leader”. (...)

EM TORNO DA CONFLAGRAÇÃO EUROPÉA


(RMB, jan/1915, p. 1.205-1.250)
2º Tenente E. W. Muniz Barreto

O grande conflicto que se gene- que hoje envolve as mais podero-


ralizou por quasi toda a Europa, sas nações do Velho Mundo e põe

RMB1oT/2015 257
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

em confronto as mais perfeitas or- Nas linhas que se seguem pre-


ganizações militares, ainda não tendemos expender algumas consi-
deu occasião a uma acção naval derações sobre os mais importantes
de grande envergadura. encontros que até hoje se verifica-
Contam-se quasi que apenas ram, nas costas do Chile e ao largo
escaramuças de resultados pou- de Helgoland, bem como a respeito
co apreciaveis para o desfecho da acção desenvolvida pelo elemen-
da luta. Em pequeno numero, to torpedico germanico.
embora, apresentam-se ellas, As conclusões a que chegare-
entretanto, como revelações pre- mos terão como fonte principal
liminares de grande alcance, as noticias que possuimos da im-
preludios de refregas importan- prensa diaria e periodica sobre os
tes pela grande curiosidade que acontecimentos da guerra, poden-
despertam aos profissionaes os do, por conseguinte, soffrer qua-
formidaveis effeitos de armas po- esquer modificações ante alguma
derosas que o engenho humano verificação posterior, mais exacta.
tem produzido. (...)

O ESTUDO DA ARTE DA GUERRA


(RMB, jan/1915, p. 1.396-1.407)
Philip Williams – U.S.N. Commander

O objectivo e o fim da marinha é deve ser usada a arma. Todas


a guerra; é para esta que são cons- as outras energias, assim como
truidos os seus navios, preparado o todas as outras actividades, são
seu pessoal, traçados e executados simples meios de produzir, admi-
os seus systemas de organisação, nistrar e fornecer os instrumen-
administração e fornecimento. A tos. O estudo da arte da guerra
missão da marinha é a guerra e a mostra quaes são os instrumentos
efficiencia de todo o detalhe deve necessarios para o cumprimento
ser avaliada pelo modo por que do escopo da Nação.
contribue para a preparação das Este estudo não é absolutamen-
operações navaes victoriosas. te moderno; a maioria dos seus
A organisação, a administra- ramos tem a sua origem na mais
ção e o fornecimento – cada um remota antiguidade. Muitos dos
destes factores tem a sua esphera principios e algumas das prati-
na formação e confecção d’uma cas que herdámos do passado e
arma. O estudo da guerra deve da historia continuam sempre a
mostrar quando, onde e como ser o melhor professor.

258 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Os principios da guerra e os ter que distinguiam o vencedor


methodos a estudar a historia do vencido. A experiencia vas-
são habilmente illustrados pelas ta e variada da guerra era uma
obras dos grandes autores que possessão commum. A historia
viveram em principios do seculo guerreira estava em seu inicio
passado. Os methodos moder- e as illustrações dos principios
nos da guerra foram a principio faziam parte dos conhecimentos
applicados e postos á prova pelo pessoaes de muito.
genio militar d’aquella era. As Comecemos, pois, pelas obras
nações e a sorte dos povos e das de Clausewitz e Jomini, reforçan-
raças estavam em jogo, e os espi- do os nossos conhecimentos destes
ritos militares mais bem prepa- principios pela consideração ul-
rados da Europa estavam empe- terior de autores mais modernos
nhados em procurar os elementos que ampliaram, illustraram e es-
que conduziam á victoria, as tenderam os seus estudos.
qualidades de espirito e carac- (...)

COMMISSÃO À ILHA DA TRINDADE


Relatorio apresentado ao Sr. Almirante Chefe do Estado Maior da Armada
(RMB, fev/1915, p. 1.435-1.440)
1º Tenente Antonio Sabino Cantuaria Guimarães

Cumpro o dever de trazer ao O mar estava chão, mas a


vosso conhecimento o resultado barlavento da ilha (lado de NE)
da commissão que me foi ordena- havia junto á praia mareta, pelo
da na ilha da Trindade. que preferiu-se a Enseada do
Transportado pelo V. G. “Car- Principe para levar a effeito o
los Gomes” transpuz a barra da desembarque.
bahia de Guanabara ás 6 horas Fundeou-se pois nessa enseada
p.m. do dia 24 de Novembro pro- e immediatamente foram arria-
ximo passado, e ao amanhecer de das a lancha a remos e a jangada.
28 avistava a ilha a cerca de 50’ Como a jangada não supportasse
de distancia. bem o ferro em posição de poder
Ás 11 horas e poucos minutos ser arriado, foi necessario trans-
marcava-se a ilha a E na distan- portal-o pelos cabellos na popa da
cia de meia milha, e afim de veri- lancha a remos.
ficar o melhor local para effectu- Embarquei na jangada com
ar o desembarque começava-se a parte do destacamento e a rebo-
contornal-a, deixando-a por BE. que da lancha approximei-me de

RMB1oT/2015 259
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

terra afim de escolher o melhor Com facilidade encalhei, sendo


logar para encalhar. levado para terra o chicote da es-
A praia que forma o fundo da pia que deu volta em uma pedra,
Enseada do Principe tem a meio um estabelecendo-se assim um cabo
pequeno recife, sendo seus extremos de vai-vem.
limpos de pedra. No extremo junto Saltei a pé exausto, e enquanto
ao Pão de Assucar havia ligeira ar- descarregavam da lancha os ob-
rebentação pelo que preferi o outro. jectos precisos a um acampamen-
Fundeei o ferro em distancia to ligeiro, fiz rapida exploração
conveniente, fóra da arrebenta- afim de escolher o logar onde fi-
ção, 9 metros d’água, fundo de cassem nossas barracas.
areia, e largando a amarreta, e Preferi um ponto, perto da
depois a espia que havia sido a praia e na margem direita de um
ella aboçada. Governei com remos valado secco, onde encontrei ves-
em direcção á praia, sendo auxi- tigios de antigo acampamento,
liado pela lancha a remos que distante cerca de 600 metros de
com a prôa empurrava a popa da uma nascente.
jangada. (...)

A SELLECÇÃO PHISIOLOGICA NAS ESCOLAS DE


APRENDIZES MARINHEIROS
(RMB, fev/1915, p. 1.449-1.464)

No desempenho da missão de excluir não somente os defeituo-


medico da Escola de Aprendizes sos e os doentes, mas tambem os
Marinheiros desta Capital, têm- predispostos e os debeis.
nos ocupado as momentosas Assim tem de ser, por via da
questões da Hygiene Escolar, tão necessidade de fornecer mais
descuradas que até hoje têm sido tarde a maruja forte, sadia,
e bem merecedoras de melhores isenta de taras e de achaques;
cuidados. assim tem o medico de rejeitar
Dentre as muitas se destaca o pro- os candidatos, rejeital-os em
blema da admissão dos aprendizes. quantidade, rejeital-os frequen-
Ao contrario das Escolas Pu- temente, desde que um senão
blicas, onde o medico tem por se lhe mostre no exame de ad-
dever perscrutar os defeitos para missão a que procedeu, desde
corrigil-os, aqui tem o clinico de que uma simples tara heredita-
fazer a selecção rigorosa, a selec- ria lhe seja communicada pela
ção mesmo des-humana, que faz anamnese.

260 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Para estudarmos os meios de A legislação é muito falha no to-


fazer essa selecção, já no exame cante á admissão de menores para
de entrada, já depois delle, va- o serviço da Armada. Regemo-
mos traçar uma synthese do que nos hoje pelo aviso ministerial n.
hão escripto os mestres e do que a 4.737, de 1909, que foi feito para
experiencia nos tem ensinado em admissão de adultos e que, á falta
cerca de um anno de exercicio cli- de lei especial, teria de ser appli-
nico na Escola de Aprendizes da cada á admissão de aprendizes.
Capital. (...)

O TORPEDO NA GUERRA ACTUAL


(RMB, mar/1915, p. 1.503-1.520)
Capitão de Corveta Engenheiro Naval Edmundo Pereira

Nenhuma guerra passada apre- toria naval previsto qual seria


sentou e certamente nenhuma a estrategia allemã no caso de
guerra futura apresentará condi- uma guerra naval com a Ingla-
ções mais favoraveis ao emprego do terra. A presença da Russia veio
torpedo, como arma de ataque, do complicar ainda mais a situa-
que a actual lucta entre a Inglater- ção, já pouco commoda, da Alle-
ra e a Allemanha. A estrategia da manha. No mar, como em terra,
primeira, fechando o mar do Norte a Allemanha tinha que resolver
aos navios da segunda, mantendo o problema de uma guerra com
um serviço de patrulhas continuo duas frentes: mas, se em terra o
em uma area extensa e levando ao maior poder numerico do exerci-
cabo todas as operações militares to allemão levou á estrategia da
em que o apoio da esquadra é ne- “destruição rapida da eficiencia
cessario, convida o ataque diario de um dos inimigos nos primei-
dos torpedos da segunda. A proxi- ros dias da guerra e concentração
midade entre as bases de operações posterior de todos os esforços para
inimigas, as condições, muitas ve- a lucta mais difficil e mais demo-
zes, extraordinariamente favora- rada com a Russia”, no mar este
veis de tempo, as noites longas dos plano não podia ser seguido.
dois ultimos mezes, representam No mar a Allemanha não podia
condições que não se encontrarão concentrar forças no Baltico con-
reunidas em qualquer outra com- tra a esquadra russa, mais fraca,
binação de belligerantes. porque a lucta naval ali, qualquer
Muito antes da guerra já ha- que fosse o resultado, enfraquece-
viam todos os estudantes da his- ria o poder naval allemão, com a

RMB1oT/2015 261
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

perda provavel de algumas uni- desvantagens estavam com a


dades, augmentando ainda mais Inglaterra, obrigada a um pa-
a vantagem numerica ja possuida trulhamento arduo, não sómen-
pela Inglaterra; a Allemanha não te para defender o littoral e as
podia concentrar todas as for- operações militares de qualquer
ças no mar do Norte, porque isto ataque, como tambem para tor-
abandonaria o Baltico aos Russos. nar effectivo o bloqueio dos por-
O unico recurso era o da guer- tos Allemães.
ra de attrito, em que todas as (...)

OS ACONTECIMENTOS NAVAES
Trechos de Relatorio – De 1º a 6 de janeiro de 1915
(RMB, mar/1915, p. 1.577-1.590)
Capitão-Tenente Alvaro Porto

2º DREADNOUGHT VICTI- á magnifica subdivisão interna,


MA DO TORPEDO como tambem ao facto do navio
Um submarino francez conseguiu estar nas proximidades do porto,
penetrar no canal de Vasana, entre a sua docagem poude ser feita a
Ponta Peneda e o Cabo Campare, tempo de salvar o primeiro dre-
lançando um torpedo sobre o dread- adnought austriaco.
nought austriaco Viribus Unitis. Ignora-se si houve morte a bor-
O torpedo attingiu o dreadnou- do, mas sabe-se que o navio neces-
ght a meia náo, produzindo gran- sita de novas machinas motoras.
des estragos, mas não só devido (...)

PERDAS NO MAR EM 5 MEZES DE CAMPANHA

Triplice Entente Triplice Alliança


Dreadnoughts 1 –
Dreadnoughts avariados (1) (2)
Pre-Dreadnoughts 2 1
Cruzadores 12 15
Destroyers 1 10
Canhoneiras 5 7
Torpedeiros – 1
Submarinos 3 2
Total das perdas 24 36

262 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Não incluindo os tres dreadnoughts avariados Viribus, Courbet e Goeben.


Os 60 navios foram destruídos por:

Projectis Submarino Minas Accidente Ariete


Dreadnought – – 1 – –
Pre-Dreadnought – 1 1 1 –
Cruzadores 16 9 2 – –
Canhoneiras 10 1 1 – –
Destroyers 10 1 – – –
Torpedeiro – – 1 – –
Submarino 3 – 1 – 1
Total 39 13 (sic) 6 (sic) 1 1
Deslocamento
80.790 65.657 52.310 15.000 800
total em tons.

UM SUBMARINO PERSE- Um dos submarinos approxi-


GUIDO POR UM CRUZADOR mando-se mais da costa ingleza foi
O jornal Weserzeitung, de Bremen, avistado por um cruzador inglez.
publica uma carta escripta por um O submarino veio á superficie
official de um submarino, de regresso para orientar-se sobre o rumo do
de uma excursão á costa ingleza. cruzador, mas na occasião em que
Por esta carta vê-se que, na ves- a sua torre de commando era aber-
pera de Natal, uma flotilha de sub- ta, o commandante viu que o cru-
marinos deixou Heligolandia para zador dirigia-se a toda força sobre
um raid ao Dogger Bank, crente o o submarino, mal tendo tempo de
seu pessoal de que os inglezes es- mergulhar novamente e descer a
tariam entretidos com as festas a uma profundidade de 20 metros!
bordo, deixando por isso de manter Com o fim de prevenir aos ou-
uma vigilancia rigorosa. tros cruzadores nas proximida-
Os submarinos visavam um des da presença de submarinos,
ataque ás divisões de dreadnou- aquelle cruzador deu diversos
ghts, cruzando no mar do Norte. “apitos”, como o signal de alarme,
A flotilha chegou a noute ao pelo que todos passaram a empre-
Dogger Bank, navegando na su- gar toda a velocidade, descreven-
perficie, e desse ponto em deante, do circulos, e pondo desse modo
passaram a navegar mergulha- a flotilha de submarinos em de-
dos todos os submarinos. bandada.

RMB1oT/2015 263
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

NAVIO DESTRUIDO

Classe Nome Nacion. Destruido por Data


Couraçado Formidable Inglez Minas 1º Janeiro

DETALHES DO COMBATE nhorst, o Indomitable occupava-se


DAS FALKLANDS com o Gneisenau.
Os detalhes aqui chegados Apezar destes dois cruzadores
mostram que tiveram lugar cin- alemmães serem considerados
co combates separadamente, e como “crack ships”, ambos tendo
apenas o resultado é interessante obtido ultimamente os premios de
mencionar. “tiro ao alvo” nada puderam fa-
O canhão de 12” contra o de zer sobre os dous battle-cruisers,
8”.2. graças á distancia effectiva para
Emquanto o battle-cruiser os 12” e demasiadamente grande
Invincible empenhava o Schar- para os de 8”.2.

RESULTADO
Invincible – Atirando c/8 canhs. de 12” – apenas um homem morto
Indomitable – “ “ “ “ “ – nada soffreu.
Gneisenau – Atirando c/6 canhs. de 8”.2 – destruido.
Scharnhorst – “ “ “ “ “ – destruido.

O SUBMARINO NA CAMPA- durante os cinco mezes de campa-


NHA ACTUAL nha no mar do Norte.
O recente desastre do Formida-
ble deu aos submarinos mais uma OS SUCCESSOS
victima, mas, como em todos os ou- Destruição do:
tros casos anteriores, o successo foi Cruzador Panthfinder – Em-
obtido em condições favoraveis ao boscada bem armada, com o au-
ataque, permittidas, mais uma vez, xilio da bandeira neutra. O navio
por um erro pode-se dizer imperdo- navegava calma e despreoccupa-
avel, à vista da experiencia ganha damente, sem protecção de des-
durante os cinco mezes ultimos. troyers. Alvo facil.
(...) Cruzador Hela – O navio “dormia”
Vem a proposito, pois, exami- tranquilamente, navegando com pe-
nar-se, mais uma vez, os succes- quena marcha e sem protecção de
sos e insuccessos do submarino, destroyers. Alvo facil e quasi parado.

264 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Cruzadores Aboukir, Hogue e 2º – Evitar a acção de uma for-


Cressy – Navegavam vagarosa e ça ingleza composta de 12 gran-
despreoccupadamente, sem pro- des navios, nas proximidades de
tecção de destroyers. O submari- Heligolandia, destruindo 3 cru-
no armou a emboscada com o au- zadores e 4 destroyers allemães.
xilio da bandeira neutra. Ferido Este combate (28 de Agosto) du-
o Aboukir, alvo quasi parado, os rou 8 horas, e foi travado na pre-
outros dous vieram em soccorro e, sença de innumeros submarinos.
apresentando alvos parados, fo- 3º – Evitar o cruzeiro da grande
ram facilmente attingidos. esquadra ingleza, por diversas ve-
Cruzador Hermes – Navegava zes, em toda area do mar do Norte.
vagarosamente e sem protecção 4º – Interferir com a operação
de destroyers. Alvo facil. (bastante notavel para a historia) de
(...) transporte de 350.000 homens e todo
o seu enorme material de campanha,
OS INSUCCESSOS da Inglaterra para a França.
Seria bastante difficil contar- 5º – Interferir com a navegação
se o numero de ataques feitos ingleza, diaria, no canal Inglez e
pelos submarinos sem successo, em toda a costa ingleza, inclusive a
contra navios pequenos e gran- de NE, impedindo o abastecimento
des, empregando, porém, alta ve- de viveres á Inglaterra e a realisa-
locidade e trazendo o leme sempre ção da distribuição de forças brita-
em acção. nicas a cada momento, segundo a
Ainda não houve um caso de situação estrategica da occasião.
successo em um ataque feito con- 6º – Evitar o bloqueio indirecto
tra um alvo em marcha economi- mas effectivo, da Allemanha, tor-
ca ou alta velocidade, e mudando nando a situação bastante critica
de rumo a cada instante. dia a dia.
Os submarinos (inglezes e alle- 7º – Penetrar em um porto bem
mães) ainda não conseguiram: definido, para atacarem os dre-
1º – Penetrar em Dover, durante adnoughts nelle fundeados.
tres investidas effectuadas á noute. (...)

REVISTA DE REVISTAS

JANEIRO – 1915 “Fulton, Bauer, Montouriol


com o seu Inctineo, e Peral, Nor-
O SUBMARINO DE COMBA- denfelt e Goubet, ilustraram a
TE – É da “Iberica” de 7 de No- historia d’esta maravilha da arte
vembro ultimo: militar, formando o prologo dos

RMB1oT/2015 265
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

acontecimentos cujo desenvolvi- do mar. A sua estructura não


mento causa admiração da hu- permittia os movimentos rapi-
manidade, o pavor das esquadras dos impostos pela tactica das
belligerantes, e é a frecha que o armas modernas; o seu peque-
fraco ha de esgrimir com valor e no deslocamento, como todas as
ousadia para se armar contra o origens, não consentia largas
poderoso. horas de navegação submarina,
O submarino! Quanto se tem que constitue a invisibilidade
divulgado sobre esta arma! necessaria para a realisação de
Quantas discussões technicas nos ousados ataques; as suas for-
textos e revistas mas não assegu-
profissionaes! ravam em todas
Quão varias têm O submarino! Quanto se as contingencias
sido as opiniões tem divulgado sobre esta a vida da guar-
a sua utilidade! arma! Quantas discussões nição em cons-
E como se vão technicas nos textos e tante perigo por
tornando vãs as revistas profissionaes! Quão esta complexa
prophecias de condição de ins-
inefficacia!
varias têm sido as opiniões tabilidade que é
É bem certo a sua utilidade! E como a consequencia
que o submarino se vão tornando vãs as de viver em um
de Fulton e ain- prophecias de inefficacia! meio tão uni-
da de Goubet e O desenvolvimento forme como é a
Peral, ao subma-
franco até a utilisação do agua. De modo
rino submersivel que, não por in-
de grande raio submarino como arma veja, nem por
de acção que es- de combate deve-se ao espirito de an-
tão empregando engenheiro francez o Sr. tipathia, riva-
os belligerantes Laubeuf, que apresentou lidade ou zelos
nesta guerra, vae em 1895 com o “Narval” um procedia Peral,
um abysmo; é ou- como nos dias de
tro navio, outra
modelo submersivel nossos exageros
concepção, outra patrioticos disse
machina, outras armas, outro a imprensa, fracassou aquella
conjuncto em que o unico ponto meritissima experiencia, mas
semelhante é o de navegar e emer- sim porque a industria, a me-
gir commum a todos. canica e a arte manufactureira
O submarino primeiro era não se encontravam no gráo de
como os peixes de rio, debil aperfeiçoamento actual e capa-
para supportar as grandes zes de realizarem grandes e te-
pressões do Oceano e os embates merarias construcções, graças a

266 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

metallurgia, aos accumulado- tivel de valor inestimavel e para


res de grande carga, aos moto- determinados uzos superior ao
res de essencia pouco complica- carvão, mas não ha indicios por
dos com mecanismos facilmente hora que venha a substituil-o.
reversiveis e transformaveis, e No Mexico, Russia e outros pai-
ao crede um collossal progresso zes, construiram-se locomotivas
na Mecanica. para o emprego do petroleo, o mes-
O desenvolvimento franco até mo se fez neste paiz com os navios,
a utilisação do submarino como mas isto teve um paradeiro devido
arma de combate deve-se ao enge- a haver o consumo sobrepujado
nheiro francez o Sr. Laubeuf, que a producção, e tanto assim que
apresentou em 1895 com o “Nar- houve necessidade de alterar os
val” um modelo submersivel ca- fornos, para o emprego do carvão.
paz de navegar em tempos, relati- Além disso, o preço chegou a ser
vamente agitados por cima ou por prohibitivo, o que prejudica todas
baixo d’água, com as proprieda- as vantagens que proporciona.
des do navio commum na navega- Será bom referir que, apesar
ção ordinaria, e desapparecendo, disso, a producção total do petro-
até tornar-se quasi invisivel, para leo augmentou de 40 milhões de
o ataque. Sobre este modelo que toneladas cubicas em 1909 a 47
alcançou completo successo, têm milhões em 1912, a do carvão, no
trabalhado todos os inventores, mesmo periodo, subiu de 1100 mi-
muito em segredo para manter o lhões a 1230, resultando um aug-
mysterio. mento no carvão de 130 milhões,
(...)” contra 7 milhões no petroleo. Isto
prova que o commercio do carvão
O PETROLEO COMO COM- não se acha em decadencia.”
BUSTIVEL – É da “Iberica” de D’ahi se evidencia a rivalida-
Novembro ultimo: de industrial entre o petroleo e o
“Na Memoria commercial cor- carvão.
respondente ao anno de 1913 que (...)
o nosso consul em Cardiff don En-
rique Somosa publica nas ‘Memo- FEVEREIRO – 1915
rias Diplomaticas e Consulares’,
encontramos os seguintes topicos. ABASTECIMENTO DOS NA-
Tem sido costume ultimamente VIOS DE GUERRA EM ALTO
predizer-se que muito breve o car- MAR – Da “La Nature” de 19 de
vão deixaria de ser um combusti- Dezembro preterito extrahimos:
vel indispensavel, e que commer- “O abastecimento seguro e ra-
cialmente seria substituido pelo pido de combustivel (carvão ou
petroleo. Certo isto é um combus- petroleo) para os navios de guerra

RMB1oT/2015 267
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

é uma questão de mais alta rele- “A tremenda crise que atraves-


vancia, principalmente em tempo samos fez passar em silencio um
de guerra, e que preoccupa de ha facto importante que, em tempo
muito todas as marinhas milita- normal, não ficaria certamente
res. Até aqui, quando um navio de despercebido. No dia 15 de Agos-
guerra estava com as carvoeiras to preterito, o canal do Panamá
vasias, era conduzido para um lo- ao qual ‘La Nature’ consagrou um
gar abrigado, onde os carvoeiros numero especial (13 de Dezembro
chegavam-se ao longo da respec- de 1913) foi aberto á navegação,
tiva borda e executava-se o ser- devendo a inauguração official
viço de abastecimento de carvão somente ter logar a 1º de julho de
com apparelhos improvisados, 1915. Nesse dia 15 de Agosto, um
tendo-se todo o cuidado de não navio de duas helices da adminis-
prejudicar o navio ou o carvoeiro. tração do canal, o ‘Ancon’ com a to-
O navio de guerra era forçado a nelagem bruta de 9600 toneladas e
abandonar a esquadra duran- leve com 6195 toneladas, e no qual
te um intervallo mais ou menos estavam embarcados os convida-
longo, o que, em tempo de guerra, dos do Coronel A. W. Goethals, o
pode collocar essa esquadra em engenheiro chefe dos trabalhos
uma posição perigosa. Tambem percorreu o canal do Atlantico ao
todas as marinhas militares tem Pacifico em 9h e 40 minutos, sem
procurado melhorar essa situa- nenhum incidente, nem atrazo. É
ção, podendo, rapidamente e sem o tempo previsto para passar o ca-
perigo, fazer o abastecimento de nal em tempo normal. A travessia
combustivel, e em pleno mar, e das comportas de Gatum durou
isso tão rapido quanto possivel, uma hora e um quarto, a da com-
os navios de guerra. O governo porta de Pedro-Miguel 29 minutos
dos Estados-Unidos prestou mui- e, emfim, a das comportas de Mi-
ta attenção ao estudo dos carvo- raflores 1h 24m.
eiros e, desde 1908, fez construir (...)”
um certo numero d’esses navios.
Entre estes existe um, o ‘Jupiter’ MARÇO – 2015
que parece preencher as condições
desejadas e sobre o qual diremos O SUBMARINO DE COMBA-
algumas palavras. TE – É da “Iberica” de 14 de No-
(...)” vembro preterito:
“A vida no interior do submari-
A ABERTURA DO CANAL DO no é, praticamente, insupportavel.
PANAMÁ – De “La Nature” de 19 Sem contar os factores moraes que
de Dezembro preterito tirou-se a vão attenuando pela acção conti-
seguinte noticia: nuada do costume e do habito, ha

268 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

tantos inimigos da vida e tanta pirando os vapores do acido sulfu-


molestia na atmosphera viciada rico emanante dos accumuladores
de um navio peixe, que tornam-se e o irresistivel odor da benzina ou
annos de desgaste as semanas pas- dos azeites volateis que uza a ma-
sadas nelle, e mezes de consumo as china de explosão, recebe nos seus
energias gastas cada dia nesse in- ossos a fria sensação de uma nevei-
grato e estravagante trabalho. ra activissima capaz de condensar
O oxygenio necessario ao ar é ali- o vapor d’agua, e soffre a humida-
mentado continuamente por meios de da condensação continua sobre
chimicos, renovando uma bomba as paredes do casco. Admira-nos
a atmosphera viciada, cujo regu- como puderam viver nesse meio
lador, como todos polar os primeiros
os apparelhos do exploradores da
navio, é mano- Vive o marinheiro nessa navegação sub-
brado da torre de atmosphera misturada, marina. O sub-
commando, pre- untado de azeite aspirando marino moderno,
cioso escaparate os vapores do acido é relativamente
de telephones, sulfurico recebe nos seus confortavel, tem o
mostradores con- casco inteiro iso-
tadores e appare-
ossos a fria sensação de lado do contacto
lhos submettidos uma neveira activissima com o mar, e, ape-
á vontade de uma e soffre a humidade da zar dessa precau-
só intelligencia. condensação continua ção, funccionam
Ahi se fazem mil sobre as paredes do casco. e n e r g i c a m e n t e
cousas com o ar.
Admira-nos como puderam caloriferos elec-
O ar serve para tricos, em todo o
dar vida aos pul- viver nesse meio polar os comprimento do
mões exanimes, primeiros exploradores da corredor central
para expellir do navegação submarina que serve de com-
navio a agua ex- municação aos
cedente actuando compartimentos,
por pressão sobre ella, para lan- para que a vida seja possivel, e os
çar os torpedos, para fazer andar seus homens tenham braços para
e funccionar esses torpedos com a trabalhar, forças para se moverem
velocidade de 40 milhas por hora, o pouco que devem mover-se du-
para compensar pequenos pesos, rante a immersão e cerebro para
e até para salvar a guarnição no pensarem o muito que tem de pen-
caso de sinistro. sar o commandante, officiaes, os
Vive o marinheiro nessa atmos- mecanicos e torpedistas d’este sup-
phera misturada, untado de azeite plicio em movimento.
que distilla de todas as partes, as- (...)”

RMB1oT/2015 269
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

NOTICIARIO MARITIMO

FEVEREIRO – 1914 feito penosamente por meio de


embarcações.
MARINHA NACIONAL A esta inauguração assistiram
os srs. dr. Wenceslau Braz, pre-
PONTE PARA A ILHA DAS sidente da Republica, almirante
COBRAS – No dia 23, á tarde Alexandrino de Alencar, minis-
teve logar a inauguração official tro da Marinha, o chefe do esta-
da ponte pensil construida entre do Maior da Armada, inspector
o arsenal de Marinha e a ilha das do arsenal de Marinha, o chefe
Cobras. do corpo de engenheiros navaes e
Esta ponte recebeu o nome “Al- outras autoridades e officiaes da
mirante Alexandrino”, em justa Armada.
homenagem ao titular da pas- Os estabelecimentos, na Ilha
ta da Marinha, que a mandou das Cobras, têm augmentado e
construir, resolvendo o impor- continuarão a augmentar, já es-
tante problema do transporte ra- tando installadas varias offici-
pido do pessoal e material entre nas do Arsenal, que alli ficará,
aquelles dois pontos e que era em breve, inteiramente installa-

Ponte pensil Alexandrino de Alencar inaugurada em 23 de fevereiro de 1915

270 RMB1oT/2015
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Fonte: http://rio-curioso.blogspot.com.br/2007/07/ponte-da-ilha-das-cobras.html
N.R.: A ponte pênsil Almirante Alexandrino de Alencar unia, ao continente, a Ilha das Cobras, onde ficavam
o Hospital Central da Marinha, o Batalhão Naval e outros estabelecimentos navais. Foi inaugurada em 1915, e
levava o nome do ministro da Marinha que a mandara construir. Possuía um transportador volante que percorria
seus 288m de comprimento conduzindo cargas, e até 400 pessoas em pé.
Com a transferência do Arsenal de Marinha para a ilha e a construção de um novo Depósito Naval, a ponte
pênsil já não atendia às necessidades, razão por que foi necessário substituí-la, em 1930, pela ponte Arnaldo
Luz que permanece em serviço até os dias de hoje.
Na foto, pode-se ver as duas pontes, lado a lado.

do. Nessas condições, se impunha Com o fallecimento, em 1 de


uma communicação directa do Dezembro, do contra-almirante
continente com a ilha. reformado Alfred Thayer Mahan,
(...) a America perdeu o mais habil
estrategista naval e o mundo a
MARINHAS ESTRANGEIRAS maior autoridade em assumptos
do dominio do mar.
ESTADOS UNIDOS Duvidamos que alguem tenha
exercido sobre assumptos navaes
ALMIRANTE MAHAN – Sobre uma ascendencia tão grande como
o desapparecimento deste nota- a despertada pelas producções na-
vel escriptor naval, encontramos vaes que trazem o seu nome.
a seguinte noticia no Scientific Tinha proseguido seus tra-
American: balhos justamente ha quasi um

RMB1oT/2015 271
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

mez, quando, depois de repentino Um decreto governamental uti-


enfraquecimento falleceu de mo- lisando-se desses creditos reorgani-
lestia do coração, causada por ex- sou o serviço da aeronautica naval.
cesso, acredita-se pela tensão da Segundo os termos deste de-
guerra Europea. creto o serviço está dividido em
O almirante Mahan nasceu tres secções: a central em Paris;
em West Point, N.Y., a 27 de Se- segunda, um conjunto de centros
tembro de 1840. Era filho de D. U. de aerostação; terceira, esquadri-
Mahan, professor de engenharia lhas de aeroplanos.
bem conhecido nos United Sta- Estes serviços ficam subordi-
tes Military Academy. Depois de nados directamente ao ministerio
40 annos de serviço na marinha, da marinha.
Mahan foi reformado em 17 de O serviço central é dirigido por
Novembro de 1896, a seu pedido, um official superior da Armada
de modo que podia devotar-se in- com o titulo de chefe do serviço cen-
timamente a seus escriptos de as- tral de aeronautica, auxiliado por
sumpto naval. pessoal technico e administrativo.
Os apparelhos aereos serão di-
FRANÇA rigidos, cada um, por um official
de marinha, que tenha a carta de
AVIAÇÃO NA MARINHA – O aeronauta com as mesmas attri-
parlamento francez concedeu ao buições e obrigações dos comman-
ministerio da marinha os creditos dantes de navios armados.
necessarios para a creação de uma O cruzador torpedeiro Foudre
flotilha aerea, destinada a operar está aggregado ao commando ge-
com a esquadra de combate. ral da navegação aérea.

272 RMB1oT/2015
REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores


matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas
em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela
Biblioteca da Marinha.
As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao
acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 – Centro
– RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ÁREAS
AMÉRICA DO SUL
América do Sul: situação das Forças Armadas (274)
ARTES MILITARES
ESTRATÉGIA
Aumentando o domínio submarino (274)
Uma estratégia marítima para a União Europeia (275)

ATIVIDADES MARINHEIRAS
BUSCA E SALVAMENTO
Um guia de Busca e Salvamento (SAR) para oficiais sênior (278)

FORÇAS ARMADAS
MARINHA DA ITÁLIA
A Marinha italiana - hoje e amanhã (279)
MARINHA DE ANGOLA
Angola adquire navios patrulha no Brasil (280)
MARINHA DE PORTUGAL
Portugal, o Mar e a sua Marinha (281)
REVISTA DE REVISTAS

América do Sul: situação das forças navais


José Higuera*
(Tecnologia Militar, no 4/2014, p. 20-24)

Neste artigo, o autor apresenta um pano- travam em andamento ao final de 2014.


rama de algumas Marinhas da América do Higuera analisa separadamente os se-
Sul, abordando programas de modernização guintes países: Brasil, Chile, Colômbia,
e incrementos de capacidades que se encon- Peru, Venezuela, Argentina e Equador.

Aumentando o domínio submarino


Vice-Almirante (EUA) Michael J. Connor**
(Proceedings, janeiro 2015, p. 42-45)

Neste artigo, o Almirante Connor, de junho de 2013 da Proceedings, em seu


comandante da Força de Submarinos dos artigo “Sustentando o domínio submarino”.
Estados Unidos da América (EUA), dentre Para ele, os temas essenciais daquela
outros cargos, analisa a estratégia submari- estratégia permanecem intactos e têm bem
na de seu país, considerando-a uma conti- servido ao país: “Treinamos e operamos
nuação do que já havia apontado na edição a força, construímos submarinos classe

* É chileno e graduado em Jornalismo. Mestre em Política e Segurança Internacional.


** Comandante da Força de Submarinos dos EUA; comandante da Força de Submarinos do Atlântico e coman-
dante de Submarinos Aliado.

274 RMB1oT/2015
REVISTA DE REVISTAS

Virginia, o melhor submarino de ataque do letargia dos processos aquisitivos de novos


mundo, em ritmo mantido de dois por ano, meios que, segundo ele, rejeitam inovações
dentro de um programa nacional de alta qua- e introduzem lentidão na introdução de
lidade, nos prazos e dentro do orçamento. novas capacidades que poderiam mudar a
Buscamos alcançar o mesmo sucesso na me- guerra. “Para suplantar esses desafios e ven-
dida em que projetamos a nova geração de cermos, precisamos executar com maes-
submarinos de mísseis tria uma estratégia que
balísticos (SSBNs) que equilibre os investi-
substituirá os SSBNs da Treinamos e operamos mentos de longo prazo
classe Ohio, que já se a força, construímos que sustentam nossas
aproximam dos 42 anos fundações com a agili-
de serviço. Desenvolve- submarinos em ritmo de dade e velocidade para
mos novas armas que dois por ano, nos prazos e tomada de decisões de
aumentam o alcance de prazos mais curtos que
nossos submarinos e o
dentro do orçamento apóiem nossa superio-
impacto de nossos par- ridade neste período de
ceiros de guerra submarina nas comunidades rápidas mudanças.”
de superfície, aviação e guerra de minas.” Segundo Connor, essa estratégia requer:
Segundo Connor, a força de submarinos – posse das melhores plataformas;
americana prova diariamente a verdade – criar armas de alcance mais longo;
das palavras do comandante de Operações – vencer o sistema inimigo;
Navais, que afirma ser o ambiente subma- – haver o mesmo entendimento comum; e
rino “aquele no qual os Estados Unidos – ser mais rápido.
possuem clara superioridade marítima”. O artigo explica, ainda, cada um dos re-
O almirante aborda ameaças em poten- quisitos da estratégia elencada pelo coman-
cial existentes, restrições orçamentárias e a dante da Força de Submarinos dos EUA.

Uma estratégia marítima para a União Europeia


Contra-Almirante (Reserva-Itália) Michele Cosentino*
(Rivista Marittima, Itália, março 2014, p. 40-49)**

A Rivista Marítima, uma equivalente da rítima Europeia. O assunto foi trazido à tona
nossa Revista Marítima Brasileira, trouxe graças à vice-ministra do Exterior da Itália,
uma contribuição do Contra-Almirante Mi- Marta Dassù, ao apresentar esta necessidade
chele Cosentino, colaborador daquela revista na reunião do Conselho Europeu, realizada de
desde 1987 e autor de vários livros sobre 19 a 20 de dezembro de 2013 em Bruxelas.
estratégia marítima, para o debate sobre a O propósito do artigo do almirante é
formulação da Estratégia de Segurança Ma- apontar um caminho para esta formulação,

* Graduou-se pela Accademia Navale italiana em 1978. É formado em Engenharia Naval e Mecânica pela
Universitá di Napoli. Serviu embarcado em unidades de superfícies e submarinas. Colaborador da Rivista
Marittima desde 1987.
** Resenha elaborada pelo Capitão de Mar e Guerra Carlos Alexandre Rezende de Sant’Anna, encarregado do
Setor de Relações Internacionais e Direito da Escola de Guerra Naval.

RMB1oT/2015 275
REVISTA DE REVISTAS

destacando o que deveria ser a diretriz de xiliar alguns estados africanos a desenvolver
desenvolvimento desta estratégia, os obstá- suas Marinhas –, além das ações da agência
culos a serem superados e os instrumentos Frontex, criada em 2004 e responsável pelo
para a superação. gerenciamento das fronteiras terrestres e
Na primeira parte, o Almirante Cosenti- marítimas da UE. Também se relacionam
no insere a segurança marítima como uma as outras formas de cooperação marítima
dimensão específica da política de seguran- que contam com a participação italiana, tais
ça e defesa comum aos estados europeus, como a Euromarfor, força marítima europeia
por meio de um caminho em paralelo à não permanente composta por França, Itália,
tutela da Organização Portugal e Espanha; a
do Tratado do Atlân- European Amphibious
tico Norte (Otan). Initiative; e a European
Ressalta-se que uma Carrier Group Interope-
dificuldade a ser su- rability Initiative, estas
perada foi a criação duas últimas visando
de uma estrutura de aumentar a interoperabi-
comando sem que lidade entre as Marinhas
ocorresse uma du- participantes.
plicação e redundân- O Almirante Cosen-
cia com elementos já tino compreende que
existentes, bem como esta estratégia maríti-
a preservação da au- ma não deve se limitar
tonomia diante do às Marinhas europeias,
aliado estadunidense. em especial à italiana,
Outras dificuldades e, portanto, deve levar
identificadas seriam em conta outras orga-
a complexidade do nizações e agências
cenário existente e a que atuam no mar, sem
necessidade de se es- limitar a atuação destas
tabelecer um sistema Marinhas aos espaços
militar tecnologicamente avançado. marítimos europeus. Por fim, ele destaca as
Para o autor, todos esses obstáculos sur- lições aprendidas nas operações realizadas
gem quando se compara a estrutura da Otan e nos últimos dez anos pelas Marinhas e
as coalizões ad hoc promovidas pelos Estados guardas costeiras, bem como as agências
Unidos da América com a inexistência de um marítimas dos estados da UE. Operações
“exército” europeu permanente constituído. como a Active Endeavour, a Unified Pro-
Vale apontar que o autor não se posiciona tector, o patrulhamento ao largo da costa
contra ou a favor da criação desse Exército; sírio-libanesa, as operações antipirataria
só considera ser difícil sua implementação no Oceano Índico e a Mare Nostrum são
em razão da crise econômica atual. fontes desse aprendizado.
A segunda parte do artigo aborda as opera- A terceira parte do artigo se dedica à
ções de caráter naval de que a União Europeia identificação dos riscos e das ameaças à
(UE) está participando – a Operação Atalanta, Segurança Marítima para a UE. Sem contar
contra a pirataria na costa somaliana, e a Eu- com a pirataria, alvo da Operação Atlanta,
cap Nestor, sob a égide da Otan, que visa au- ele assinala três ameaças e dois desafios.

276 RMB1oT/2015
REVISTA DE REVISTAS

A primeira ameaça seriam as turbulências um determinado conjunto de motivos, se


e as crises regionais oriundas de estados especializaram em algumas dessas funções
falidos localizados em regiões limítrofes e operativas, como contraminagem ou patrulha
de interesse da UE como os acontecidos na costeira, e renunciaram as demais.
Líbia e na Síria; a segunda ameaça, o terro- O autor considera que a ampliação da Eu-
rismo marítimo, exemplificado por ações romarfor pode ser uma solução para o dilema
como o sequestro de navios ou a destruição entre a criação de uma única Marinha da União
de terminais petrolíferos ou de gás natural Europeia e a manutenção da capacidade autô-
liquefeito; e, por fim, como terceira ameaça, noma de intervenção. Por meio de uma rotação
as tentativas de impedir a liberdade dos ma- do controle operativo e com contribuições
res por alguns estados em estreitos e canais. definidas e por períodos determinados anteci-
Em relação aos desafios, seleciona o pro- padamente, ele entende que pode contar com
blema do fluxo de imigrantes clandestinos, a participação de todas as Marinhas.
com a possibilidade de ser um vetor do tráfi- Outro ponto destacado na formulação
co ilícito e de criminalidade transnacional, e desta estratégia marítima são os caminhos
a questão de segurança ambiental devido ao para efetivação na cooperação industrial.
aumento do tráfego marítimo e dos riscos de Esta cooperação esbarraria na oferta de
incidente e derramamentos de óleo. estaleiros preocupados em atender às de-
O autor entende que a estratégia a ser mandas nacionais e garantidos por mono-
adotada deve ser abrangente e capaz de pólios estatais e exclusividade no apoio às
reconhecer as interconexões existentes, sem Marinhas nacionais. Ainda assim, com toda
descartar a possibilidade da ocorrência de essa dificuldade, ele destaca os atuais pro-
eventos simultâneos. Também vê que esta es- gramas em andamento, como o Programa
tratégia pode ser um estímulo ao incremento Orizzonte, entre Itália e França; o Programa
da capacidade marítima da UE, inclusive em Tripartito, entre Holanda, Bélgica e França;
termos industriais, possibilitando igualmente e o Programa FSAF/PAAMS, entre Itália,
o desenvolvimento de capacidade de geren- Reino Unido e França.
ciamento de crises e conflitos que possa ser A conclusão é otimista, pois entende
eficaz, oportuna e de rápida reação. que os estados membros da UE estariam
A aplicação dessa estratégia de segurança maduros para abrir mão dos seus interesses
marítima europeia, para o autor, deve ser específicos e garantir o papel adequado à
centrada no conceito da cooperação. Contudo, sua própria ambição no cenário marítimo
são levantados alguns impedimentos para do século XXI. Mas pode servir de um
a sua efetivação. O primeiro é o dilema da caminho para pensarmos o aumento da
especialização e da generalização dos navios cooperação e integração tanto dos Estados
e aviões empregados em operações navais. da Unasul como da Zopacas.
Para Cosentino, esta questão se relaciona Como este texto foi produzido em março
com a soberania e a decisão dos estados e, de 2014, o autor não teve acesso à atual
consequentemente, das suas Marinhas, uma European Maritime Security Strategy, emi-
vez que existiriam dois grandes grupos de tida em junho de 2014 e disponível no site
tipos de Forças Navais: o primeiro composto http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/policy/
por aquelas que são capazes de realizar todas maritime-security/index_en.htm, com a
ou quase todas as funções operativas e pos- previsão da emissão de um plano de ação
suem as mais diferentes classes de navios e no final de 2014. Fica, assim, a sugestão de
aeronaves; o segundo por aquelas que, por sua leitura para comparação.

RMB1oT/2015 277
REVISTA DE REVISTAS

Um guia de Busca e Salvamento (SAR) para oficiais sênior


Capitão de Fragata (Guarda Costeira – EUA) Sean Carroll; Tenente (Guarda Costeira –
EUA) Preston Hieb e Suboficial (Reserva, Guarda Costeira – EUA) Jay W. Woodhead*
(Proceedings, fevereiro, 2015, p. 25-29)

“Os riscos em Busca e Salvamento - Conheça seu time: O líder deve co-
(SAR, de search and rescue, em inglês) nhecer os componentes de sua equipe e se
são grandes, e líderes designados para fazer conhecido por eles. Visitas frequentes
encabeçar essas missões devem usar sua fortalecem esse relacionamento e poderão
experiência e treinamento e adotar postura pagar dividendos em momentos de tensão
para aprendizagem.” em que “o pessoal de serviço o acorde na
Por meio dessa afirmativa, que encabe- madrugada para dirigir um caso complexo”.
ça este artigo, os autores definem o tema - A realidade: “Antes de você se sentir
abordado, buscando apresentar observações verdadeiramente pronto para liderar um
e conselhos àqueles que podem, um dia, se caso SAR, um se apresentará a você. Todo
ver envolvidos em chefiar missões SAR caso SAR exige resposta.” Os autores
nas quais material e vidas humanas estarão recomendam atitude proativa e que nunca
em perigo. se hesite em lançar os meios necessários.
Assim, analisam a complexidade da Ficar engajado no caso, buscando fazer as
atividade, a possível falta de experiência perguntas adequadas com foco no objetivo
dos líderes envolvidos, o sistema SAR e nos possíveis danos são alguns dos con-
Internacional, as possibilidades de carreira selhos úteis apresentados.
que levam o oficial a assumir o cargo de - Pensamento crítico: Deve-se buscar
coordenador SAR e apresentam dez con- postura estratégica, com algum afastamento
selhos para obtenção
de eficiência:
- Pesquise: Os
autores defendem a
necessidade de que
se pesquise e estude
casos de Busca e Sal-
vamento passados, o
que pode incluir fil-
mes, documentários,
seriados e noticiários.
Por meio deles, afir-
mam, pode-se identi-
ficar detalhes e acer-
tos e erros de casos
passados que podem Centro de Comando do 1o Distrito da Guarda-Costeira dos EUA, em Boston,
durante o esforço SAR referente ao veleiro Cheeki Rafiki, a mais de mil milhas da
até mudar doutrinas. costa do país

* O CF Carroll é chefe de reação e exerce o cargo de coordenador de missão SAR; o Tenente Hieb é o chefe do
centro de comando e o SO Woodhead é oficial de serviço e coordenador de missões SAR, todos no US Coast
Guard Sector Boston.

278 RMB1oT/2015
REVISTA DE REVISTAS

da tática minuto a minuto da ação. “De- do acidente e buscar-se evitar que outros
senvolva a capacidade de observar o caso ocorram no futuro.
a partir de múltiplas perspectivas.” Filtre e - Grupo de pares: Por meio de um grupo
desafie cada teoria prevalente usando a sua de colegas, pode-se debater lições aprendi-
experiência, confie em seus instintos para das, doutrinas em vigor e aconselhar-se um
questionar ações em andamento, enfim, ao outro durante casos importantes.
adote pensamento crítico a todo o momento - Ensine: Contribuir dedicando tempo
– é a recomendação dos autores. e ensinamentos para a formação de coor-
- Comunicações (em três partes): Os denadores SAR futuros é o conselho final.
articulistas abordam diferentemente as co- Os autores finalizam asseverando que a
municações – com as unidades SAR, com complexidade e o dinamismo das missões de
a mídia em geral (Relações Públicas) e com Busca e Salvamento permitiram apresentar
as famílias dos envolvidos no caso. Impor- apenas um panorama abrangente da ativida-
tantes e úteis observações são apresentadas. de no artigo que elaboraram e recomendam
- Segurança marítima: É o complemento que cada um adapte essa visão à sua própria
do caso SAR. Deve ser identificada a causa ao assumir a função de coordenador SAR.

A Marinha italiana – hoje e amanhã


Diversos autores
(Naval Forces, edição especial 2014, Vol. XXXV)

Nesta edição especial da Naval For-


ces, é apresentado quadro detalhado da
Marinha da Itália. São vários artigos que
esmiúçam a missão, as tarefas e os meios
daquela Marinha.
No primeiro deles, o Almirante Giuse-
ppe De Giorgi, comandante da Marinha
italiana desde janeiro de 2013, aborda o
novo rumo da força. Segundo ele, apesar
das dificuldades econômicas recentes,
o governo de seu país vem buscando
executar a renovação da força naval. “A
nova esquadra será composta por navios
multipropósitos, reduzida em quantidade
de meios, mas concebida para uso dual,
ecológica, própria para uso militar e
também para proteção civil em caso de
desastres naturais, de operações de busca
e salvamento, proteção ambiental e ativi-
dades sociais. Em resumo, navios capazes
de prover segurança marítima tanto na paz
como na guerra, 365 dias por ano”, afirma

RMB1oT/2015 279
REVISTA DE REVISTAS

De Giorgi. O almirante aborda também os Os demais artigos abordam missão, or-


programas em execução e os propósitos a ganograma, atividades, forças disponíveis,
serem alcançados, dentre eles o desenvol- participação em atividades da Organização
vimento, pela indústria nacional italiana, do Tratado do Atlântico Norte (Otan),
de novas tecnologias e o incremento da compromissos internacionais e detalhes dos
competitividade e das exportações. novos projetos de navios, entre outros temas.

Angola adquire navios-patrulha no Brasil


(Revista de Marinha, Portugal, novembro-dezembro/2014, no 982)

Segundo o artigo, os ministros da Defesa Os navios serão da classe Macaé, com 55,6
de Brasil e Angola, Celso Amorim e José m de comprimento, 9,3 de boca e calado médio
Lourenço, respectivamente, assinaram em de 2,5 m, deslocando cerca de 500 toneladas.
setembro passado, em Brasília, memorando A propulsão será feita por dois motores diesel
de entendimento que prevê a construção MTU, proporcionando velocidade máxima de
e fornecimento de sete navios-patrulha a 21 nós e raio de ação de 2.500 milhas náuticas.
Angola, no âmbito do Programa de Desen- Segundo a matéria, o armamento previsto
volvimento do Poder Naval – Pronaval – do constará de um canhão de 40 mm e de duas
país africano. peças de 20 mm e os navios serão tripulados
A coordenação do projeto será da por cinco oficiais e 30 praças.
Empresa Gerencial de Projetos Navais O artigo informa, ainda, que a Marinha
(Emgepron) e serão construídas quatro do Brasil apoiará logisticamente o projeto,
unidades no Brasil e quatro em An- formando e treinando as guarnições dos
gola, em estaleiro a ser construído em futuros navios, bem como o pessoal do
Cuanza-Sul. estaleiro que será construído.

Assinatura do memorando de entendimento pelos ministros da Defesa

280 RMB1oT/2015
REVISTA DE REVISTAS

Portugal, o Mar e a sua Marinha


Almirante (Portugal) Luís Macieira Fragoso*
(Revista de Marinha, janeiro-fevereiro 2015, p. 20-21)

Nesta edição da Revista de Marinha, de o fazemos neste momento, ou seja, um


Portugal, foi publicado artigo do Almiran- país que vai cumprindo na periferia da
te Macieira Fragoso, Europa, ou, se pelo
atual chefe do Estado- contrário, estando no
Maior da Armada do centro da área Euro-
país, cargo corres- -Atlântica, não deve-
pondente ao de co- ríamos desenvolver
mandante da Marinha todo o potencial que
no Brasil. O texto a nossa posição nos
explana a visão do confere, que as nos-
comandante daquela sas relações especiais
Armada, abordando com os países lusófo-
estado atual, limita- nos nos permitem e
ções orçamentárias, que a nossa história
influência internacio- nos ensina. Esta é
nal e projeção para o uma opção estraté-
futuro. gica que, na minha
Assim se expressa opinião, merecia ser
o almirante ao intro- seguida, voltando de-
duzir o artigo: “É da finitivamente Portu-
maior importância gal para o Mar, o que
saber e determinar não implica voltar as
como é que Portugal costas à Europa, mas
se quer afirmar no mundo. Na entrada de antes valoriza a nossa posição na União
um novo ano, coloca-se mais uma vez Europeia, constituindo-nos num vetor
a questão se queremos continuar como desta no Atlântico profundo.”

* Chefe do Estado-Maior da Armada de Portugal.

RMB1oT/2015 281
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes


da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante,
dar aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesqui-
sadores visualizarem peculiaridades da Marinha.
Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com
fotografias.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO
BATISMO
Batismo, Mostra de Armamento e Transferência do NHoFlu Rio Branco (285)
COMEMORAÇÃO
70 anos da Tomada de Monte Castello (288)
Adidância de Defesa e Naval do Brasil em Portugal comemora centenário (288)
Almirante Leoncio completa centenário (289)
MB realiza Parada Naval em comemoração aos 450 anos do Rio de Janeiro (291)
CONTROLE DE QUALIDADE
Laboratório clínico do AMRJ recebe avaliação excelente (292)
MENÇÃO HONROSA
Oficial-aluno do Curso de Aperfeiçoamento de Aviação para Oficiais recebe citação
por mérito excepcional (292)
POSSE
Assunção de cargos por almirantes (293)
Passagem de cargo de Comemch (293)
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PRÊMIO
BNVC recebe Prêmio Qualidade Brasil 2014 (297)
Navio de Socorro do Ano (297)
Prêmio Eficiência (297)
Troféus Dulcineca, Operativos e Positicon (298)
Vencedor do Prêmio Álvaro Alberto participa de Aciso no NAsH Carlos Chagas (298)
SOLENIDADE
Encerramento das atividades culturais de 2014 da DPHDM (299)
VISITAÇÃO
Navios da MB recebem visitantes em Paranaguá (306)

APOIO
ABASTECIMENTO
Transporte de cargas do SAbM por meio de cabotagem (307)
BASE NAVAL
Submarino Timbira é o primeiro a atracar na nova base naval em Itaguaí (307)
CONSTRUÇÃO NAVAL
Recebimento e transferência para o Setor de Ensino da Lancha de Emprego Geral
Média Rigel (308)

ÁREAS
ANTÁRTICA
CAMR restabelece Farolete Comandante Ferraz (308)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA (C&T)


INSTITUTO DE PESQUISAS DA MARINHA
IPqM desenvolve Mage Defensor MK3 (309)

CONGRESSOS
EXPOSIÇÃO
Exposição “O Brasil e a Minustah: 10 anos em missão de paz no Haiti” (310)
SEMINÁRIO
I Seminário Internacional de Intendência (310)

EDUCAÇÃO
ENSINO PROFISSIONAL MARÍTIMO
MB forma primeiros marinheiros fluviais indígenas na Amazonas (311)
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
Parceria acadêmica Brasil/França na área de recursos minerais marinhos (311)
ESPORTE
Recordista mundial de natação é incorporada à MB (312)
Resultados esportivos (312)

RMB1oT/2015 283
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

FORÇAS ARMADAS
AVIAÇÃO NAVAL
Airbus Helicopters realiza ensaios para futura aeronave operacional da MB (313)
CORVETA
Corvetas classe Tamandaré receberão sistema mísseis Sea Ceptor (313)
SUBMARINO NUCLEAR
Amazul contrata Mectron para projeto do Sistema de Gerenciamento da Plataforma
IPMS (314)

PODER MARÍTIMO
APRESAMENTO
Embarcação pesqueira apresada é notificada pela DelSSebastião (314)
MARINHA MERCANTE
Operação inédita no porto de Santos (315)
ORGANIZAÇÃO
DHN assume a presidência do Programa Internacional de Boias para o Atlântico Sul (315)
DPC assume a Secretaria-Geral da Rocram (316)
PESCA
Instituto de Pesca lança site (317)
SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO
CAMR ativa sinal de auxílio à navegação na Ponte Rio-Niterói (318)

PSICOSSOCIAL
LANÇAMENTO DE LIVRO
Lançada a 9a edição da Revista de Villegagnon (319)

SISTEMAS
SISTEMA DE COMUNICAÇÕES
Casnav contribui para desenvolver módulo de segurança do projeto RDS (320)

284 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

BATISMO, MOSTRA DE ARMAMENTO E


TRANSFERÊNCIA DO NHoFlu RIO BRANCO
Foi realizada em 17 de dezembro de sanitários a vácuo e de uma Unidade de
2014, no Estaleiro Inace, em Fortaleza Tratamento de Águas Servidas (Utas),
(CE), a cerimônia de Batismo, Mostra de que trazem importantes conceitos de
Armamento e Transferência para o Setor sustentabilidade, em atendimento aos
Operativo do Navio Hidroceanográfico diplomas ambientais vigentes.
Fluvial (NHoFlu) Rio Branco. A cerimônia O navio será empregado na coleta de
foi presidida pelo chefe do Estado-Maior dados hidroceanográficos e em ativida-
da Armada (Cema), Almirante de Esquadra des inerentes à segurança da navegação.
Wilson Barbosa Guerra, e contou com a Adicionalmente poderá ser utilizado na
presença do diretor-geral do Material da formação e no adestramento de pessoal,
Marinha (DGMM), Almirante de Esquadra nas ações de presença em função de
Luiz Guilherme Sá de Gusmão, além de necessidades da política externa brasi-
autoridades civis e militares e funcionários leira, na coleta de dados ambientais em
do estaleiro. Na ocasião, assumiu o coman- apoio ao planejamento e à execução de
do do navio o Capitão de Corveta Bruno operações ribeirinhas e em missões de
Leonardo Rodrigues Alves. esclarecimento. Também poderá realizar,
A solenidade teve início com o batismo de maneira limitada, socorro e obtenção
do navio pela Sra. Maria da Graça Capac- de informações operacionais, em apoio aos
cia Rocha Lima Fonseca, ex-diretora da órgãos governamentais, na Defesa Civil,
Seccional Rio de Janeiro das Voluntárias nas Ações Cívico-Sociais e na preservação
Cisne Branco. Em seguida, aconteceu a do meio ambiente, bem como prover apoio
transferência do navio para o Setor Opera- logístico restrito aos avisos hidroceano-
tivo, quando a primeira tripulação do Rio gráficos fluviais durante a realização de
Branco embarcou pela primeira vez para campanhas hidroceanográficas.
realização da Cerimônia de Assunção de Por ocasião da cerimônia, discursaram
Cargo do comandante e do primeiro Ceri- os Almirantes de Esquadra Wilson Barbosa
monial à Bandeira. Guerra e Luiz Guilherme Sá de Gusmão.
Com cerca de 70% de conteúdo na-
cional, o navio ficará subordinado ao PALAVRAS DO CEMA
Comando do 9o Distrito Naval (Manaus-
AM). O comprometimento com a sua “Em cumprimento ao disposto na Porta-
construção pelo estaleiro demandou um ria no 601, de 15 de dezembro de 2014, do
incremento em sua capacidade tecnoló- Comandante da Marinha, e ao preconizado
gica na construção de navios militares e na Ordenança Geral para o Serviço da Ar-
de pesquisa, gerando empregos e contri- mada, realiza-se, na presente data, a Mostra
buindo para o fortalecimento da indústria de Armamento do Navio Hidroceanográfi-
naval. Destacam-se os aprimoramentos co Fluvial Rio Branco, concretizando o ato
introduzidos nas linhas de casco, que de incorporação à nossa Armada.
possibilitaram a redução do custo de A construção deste navio, somado aos
operação do navio, o moderno Sistema quatro avisos hidroceanográficos fluviais já
de Controle e Monitoramento (SCM) e a em atividade – Rio Tocantins, Rio Xingu,
incorporação tecnológica do sistema de Rio Solimões e Rio Negro –, é mais um

RMB1oT/2015 285
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

significativo passo da Marinha do Brasil missão, contará com uma tripulação de


na condução do subprojeto de Cartografia seis oficiais e 30 praças.
Naútica, vinculado ao Projeto de Cartogra- Ao ter cunhado em seu espelho de popa
fia da Amazônia, que, instituído no âmbito o nome Rio Branco, pela segunda vez em
do Gabinete de Segurança Institucional da um navio da Marinha, prestamos uma me-
Presidência da República, visa ao Levan- recida homenagem ao Exmo. Sr. José Maria
tamento Estratégico Integrado para aquela da Silva Paranhos, Barão do Rio Branco,
importante área. A sua realização permitirá patrono da diplomacia brasileira e uma das
o aprofundamento do conhecimento sobre a personalidades mais importantes da história
Amazônia brasileira, bem como o suporte a do Brasil. Ao mesmo tempo, nos voltamos
empreendimentos de infraestrutura a serem e relembramos as conquistas e realizações
implantados na região. do primeiro navio de mesmo nome, de
Classificado como navio de terceira grande significado para a nossa hidrografia,
classe e com o número de costado H10, posto que foi o primeiro meio empregado
teve a sua construção iniciada em 6 de de- especificamente para este fim. Realizou
zembro de 2012, seu batimento de quilha levantamentos na região amazônica por
em 23 de abril de 2013 e o lançamento ao anos, sob o comando de ilustres hidrógra-
mar em 20 de outubro de 2014. Foi proje- fos, podendo-se citar os três últimos, os
tado e construído pelo Estaleiro Inace, fru- então capitães de corveta e posteriormente
to do contrato celebrado com a Diretoria Almirantes Maximiano Eduardo da Silva
de Engenharia Naval. Sua principal tarefa Fonseca, Júlio de Sá Bierrenbach e Paulo
será a realização contínua da cartografia Irineu Roxo Freitas. Um grande número
náutica das principais hidrovias da Região de oficiais e praças labutou durante memo-
Norte, sendo fundamental para o conhe- ráveis campanhas naquela belonave, que
cimento preciso e atualizado dos canais atuou como o “navio-escola da moderna
amazônicos. Para o cumprimento de sua hidrografia brasileira” e contribuiu para

Navio Hidroceanográfico Fluvial Rio Branco

286 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

a consolidação do prestígio internacional construção naval nacional. No estaleiro


da nossa Marinha perante a Organização Inace, houve o aumento de sua capacita-
Hidrográfica Internacional. ção tecnológica, com o aprimoramento
Por ocasião da incorporação à Armada da construção de navios militares e de
do Navio Hidroceanográfico Fluvial Rio pesquisa, com geração de empregos e
Branco, expresso ao comandante e aos contribuição para o fortalecimento da
oficias e praças votos de felicidades e de Indústria Naval Brasileira.
pleno êxito em sua relevante missão. Estou O Navio Hidroceanográfico Rio Branco
seguro de que a dedicação e o zelo com que irá participar do grande programa Carto-
conduzirão diuturnamente os seus afazeres, grafia da Amazônia. Esse programa tem
bem como o espírito de corpo próprio dos o Ministério da Defesa como responsável
marinheiros, moldarão a alma deste navio e pelos recursos financeiros e junta, em
nortearão seus rumos para uma navegação parceria, além da Marinha do Brasil, o
sempre segura. Exército Brasileiro, a Força Aérea Bra-
Por fim, os senhores componentes da sileira e o Serviço Geológico do Brasil,
primeira tripulação que ora adentram o sob a coordenação do Centro Gestor e
navio são fiadores do legado de abnegados Operacional do Sistema de Proteção da
hidrógrafos que, com coragem, criatividade Amazônia (Censipam).
e determinação, desbravaram os rios da Como diretor-geral do Material da Ma-
região amazônica, contribuindo de maneira rinha, registro os meus sinceros agradeci-
decisiva para a segurança da navegação. O mentos e o reconhecimento a todos aqueles
trabalho os aguarda, e como bem expressa o que direta e indiretamente colaboraram para
lema da Hidrografia, ‘restará sempre muito a realização de mais este feito para a nossa
o que fazer’. Marinha: Diretoria de Engenharia Naval,
Viva a Marinha!” Diretoria de Hidrografia e Navegação, Di-
retoria de Sistemas de Armas, Diretoria de
PALAVRAS DO DGMM Aeronáutica da Marinha, Coordenadoria do
Programa de Reaparelhamento da Marinha,
A Marinha do Brasil, representada pela Diretoria de Comunicações e Tecnologia da
Diretoria de Engenharia Naval, e o Estalei- Informação da Marinha, Centro de Manu-
ro Inace assinaram, em 5 de dezembro de tenção de Sistemas de Armas e Centro de
2012, o contrato para a construção do Navio Projetos de Navios.
Hidroceanográfico Fluvial Rio Branco, pri- Cumprimento o Estaleiro Inace, sua
meiro navio cujo projeto de concepção foi direção, engenheiros, técnicos, pessoal
integralmente elaborado pelo nosso Centro administrativo e demais colaboradores por
de Projetos de Navios. mais esta significativa vitória.
No dia de hoje, dois anos após o pri- Ao Rio Branco desejo bons ventos e
meiro passo para mais esse grande feito, mares tranquilos. A todos seus tripulantes
no Cais da Indústria Naval do Ceará (Ina- que os acompanhem as bênçãos de Nossa
ce), em Fortaleza, Ceará, presenciamos Senhora da Conceição, padroeira da cidade
o Batismo, a Mostra de Armamento e a de Manaus e do estado do Amazonas.
Transferência para o Setor Operativo do ‘Material da Marinha: nossa soberania
Rio Branco. em talento, aço e tecnologia’.”
Tal fato comprova, mais uma vez, (Fontes: Bonos nos 888, de 16/12/2014,
o comprometimento da Marinha com a 893 e 894, de 17/12/2014; www.mar.mil.br)

RMB1oT/2015 287
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

70 ANOS DA TOMADA DE MONTE CASTELLO


Os cinco últimos veteranos brasilei- Modesto; o comandante da Guarnição da
ros vivos que participaram da Tomada Vila Militar, General Luiz Eduardo Ramos
de Monte Castello, na Segunda Guerra Baptista Pereira; e o presidente da Associa-
Mundial, encontraram-se em 21 de fe- ção Nacional de Veteranos da FEB (Casa da
vereiro último, no Monumento Nacional FEB), General Marcio Rosendo de Melo,
aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, entre outras autoridades. 
no Parque do Flamengo, cidade do Rio de Na ocasião, os veteranos da Força Ex-
Janeiro, durante as comemorações dos 70 pedicionária Brasileira (FEB) assistiram
anos daquele episódio. perfilados ao desfile das tropas representati-
A cerimônia foi presidida pelo chefe do vas das unidades que entraram em ação em
Departamento de Educação e Cultura do Monte Castello, vencendo a encosta gelada
Exército Brasileiro, General Ueliton José da montanha sob o fogo inimigo.
Montezano Vaz, presentes o comandante (Fonte: Assessoria de Comunicação
Militar do Leste, General Francisco Carlos Social da Casa da FEB)

ADIDÂNCIA DE DEFESA E NAVAL DO BRASIL EM


PORTUGAL COMEMORA CENTENÁRIO
A Adidância de Defesa e Naval do Brasil estudos, com a presente elevação dos inter-
em Portugal comemorou, em 2014, cem câmbios, conclaves e cursos envolvendo o
anos de existência. Fruto de uma postura pessoal do setor de defesa dos países. Com
coadunada à melhoria da segurança e das a crescente integração entre os Ministérios
defesas nacionais, o da Defesa e das Rela-
órgão foi criado pelo ções Exteriores, o pa-
Decreto n o 618-A, pel do adido de Defesa
de 4 de fevereiro de e Naval é reforçado,
1914, como Adidân- ainda, pela ampliação
cia junto à Legação da integração bilateral,
Brasileira em Portu- não apenas a partir da
gal, e passou à con- diplomacia, mas tam-
dição de Adidância bém junto aos repre-
Naval em 1946. sentantes das Forças
Em Portugal, exer- Armadas portuguesas,
ceram funções, como Comemoração do centenário da Adidância em especialmente como
adido naval, 24 ofi- Portugal assessor de Defesa e
ciais, até o ano de Naval, perante um ce-
2000, e, desde março daquele ano, oito nário de alto valor das relações diplomáti-
oficiais ocuparam o cargo de adido de cas entre Brasil e Portugal. 
Defesa e Naval. No ano do primeiro Centenário da
A cooperação entre Brasil e Portugal, Adidância de Defesa e Naval do Brasil
no âmbito das Forças Armadas, dá-se tam- em Portugal, algumas passagens merecem
bém no foro técnico, acadêmico e de altos registro:

288 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– Em 19 de novembro, na Embaixada do do valor simbólico, diante do matiz cultu-


Brasil, foi lançado o Carimbo Comemorati- ral, de defesa e de divulgação do patrimônio
vo do Centenário da Adidância de Defesa e histórico, contribuindo, assim, para reforçar
Naval em Portugal, em cerimônia presidida o bilateralismo entre os países.
pelo embaixador do Brasil, Mario Vilalva, – em 14 de dezembro, no fechamento
e com a presença do presidente e do diretor da Semana da Marinha, houve evento
executivo (CEO) dos Correios de Portugal, esportivo de congraçamento envolvendo
Francisco Lacerda, entre outras autoridades adidos militares e oficiais de ligação, com
militares e personalidades. O carimbo co- a realização de um jogo de futebol, coor-
memorativo tem grande relevância quanto à denado pela Adidância de Defesa e Naval,
fixação para a posteridade de um momento no campo do Colégio Militar de Lisboa.
especial, como é o caso do centenário, além (Fonte; www.mar.mil.br)

ALMIRANTE LEONCIO COMPLETA CENTENÁRIO


O Vice-Almirante (Refo) Helio Leoncio No seu último discurso neste clube,
Martins completou, em 12 de janeiro últi- eram três filhos, quatro netos e dois
mo, cem anos de idade. Seu centenário foi bisnetos. Agora são três filhos, quatro
comemorado no dia 16 do mesmo mês com netos, seis bisnetos e muitos agregados
um coquetel no Clube Naval, sede Piraquê, queridos. Quem sabe quantos serão no
na cidade do Rio de Janeiro, com a presença próximo?
de familiares, amigos e companheiros de Crescemos ouvindo você contar his-
trabalho da Marinha do Brasil. tórias. Lembro com orgulho da história
O Almirante Leoncio é historiador na- de você ser aceito na Escola Naval sob a
val, membro do Instituto Histórico e Geo- condição de engordar 20 kg de músculo
gráfico Brasileiro (IHGB) e autor de vários (e conseguir); de ser o primeiro da turma,
livros e textos sobre História Naval, como sempre, um aluno exemplar.
A Revolta da Armada, Abrindo Estradas no Lembro com risadas as histórias que já
Mar – A Hidrografia das Costas Brasileiras me contou da sua juventude, de passeios na
no século XIX e História Naval Brasileira, Avenida Niemeyer, de levar moças bonitas
este último como um dos colaboradores da para tomar sorvete. Das teorias de por que
coleção. É colaborador frequente da Revista as mulheres da família gostam tanto de
Marítima Brasileira, tendo recebido o Prê- falar ao telefone (mas você adora também);
mio Revista Marítima Brasileira, em 1959, de como a minha avó rearrumava tudo; de
como capitão de mar e guerra. Também como a  tia Rita era quase filha também,
combateu na Segunda Guerra Mundial, à como a tia Gilda era importante.
época como tenente. Lembro de ouvir curiosa sobre a família
Transcrevemos abaixo texto de sua italiana, sobre uma prima sua bonitona,
neta, Gabriela Davies, lido por ocasião da sobre o avô músico e uma casa na Viúva
comemoração de seu aniversário: Lacerda, rua onde hoje eu moro.
“Nosso avô, nosso contador de histórias. Lembro com fascínio das histórias da
Mais uma vez, você chegou onde guerra, de caça-submarinos, de parar em
quase ninguém consegue chegar. Feliz tantos portos, de chegar com uma família
aniversário! na Holanda, e voltar com um porta-aviões. 

RMB1oT/2015 289
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Lembro, com afeto de menina, da sua chegar. De comprar uma casa de pescador
história de como roubou o coração da nossa na época que só se chegava lá de barco.  
avó, voltando no fim da guerra um capitão- Eu ouvia essa história e te imaginava
tentente fardado, galã, finalmente conquis- navegante, meio de camisa listrada, calças
tando a loirinha da ‘beleza do diabo’ – isso rasgadas e sandália havaiana, chegando
você mesmo nos contou, aqui neste clube, de canoa, descendo na praia e avistando
anos atrás, na celebração dos 50 anos de a casinha, como naqueles filmes de ilha
casados. Lembro, sem muito gosto, do meu deserta. Sei que não deve ter sido assim,
primeiro coração partido, e você rindo e me mas esse é o impacto das suas histórias.
dizendo que a juventude era linda. Não pare- Você nos teletransporta.
cia nada linda naquele A sua segunda fa-
momento.   mília é a Marinha,
Lembro das histó- e dela quase nunca
rias que você já contou tivemos ciúmes. Só
da nossa história, de um pouco, mas sabe-
você me buscando na mos que seu coração
escola em Londres e eu é grande, e cabem
te estranhando, de você ambos. Afinal, ela
conhecendo meu pai, quase nos ganha em
e dos outros primos. quantidade de histó-
Do Erick, o bebê de rias. Ela certamente
um milhão de dólares. empata em quantida-
Do Breninho, o me- de de homenagens.  
nino que negociava Da Ângela, ouvi-
botões no colégio. Da mos intermináveis
Daniella, a moça mais elogios, do Centro
linda do pedaço. Sobre de Documentação,
mim, a inglesinha que do Clube Naval, de
cantava Xuxa. Dos outros lugares, uma li-
seus filhos, que você gação quase religiosa. 
ama tanto e que te lou- E, afinal de contas,
vam, literalmente. Dos a Marinha é um filho
seus sobrinhos, que Almirante Leoncio com sua neta Gabriela (esq.) e a presente, não podemos
você trata como filhos filha Vitória Davies reclamar. Estamos
também. E hoje você com eles aqui hoje!
conta de filhos, netos, bisnetos, sobrinhos, Adoramos ir às cerimônias, aos lançamentos
sobrinhos-netos, para quem puder ouvir. de livros, sermos reconhecidos e elogiados
Uma das histórias que você mais conta, por sermos da ‘família do Almirante’. Se
marinheiro querido, é da casa de Mam- você se orgulha em contar que, hoje em dia,
bucaba. Nossa casa de praia, sonho de almoça com colegas 40 anos mais novos,
família, que foi seu sonho e sua conquista. imagina nós. Nisso também, você chegou
Não bastava Angra dos Reis. Você queria onde quase ninguém consegue.  
mais longe. E nos conta de navegar a Costa Temos o prazer de ter um avô que saiu
Verde toda por dois anos, até encontrar a esta semana no blog da Lu Lacerda. Que
praia perfeita. Onde ninguém conseguia sabe sobre os 149 caracteres do Twitter.

290 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Que já pediu um iPad de aniversário. Que A palavra que te define é: brilhante.


dá prancha de surf de Natal aos netos, e Nunca duvidamos que você ia chegar
escolhe pessoalmente cada presente para aqui. Nunca duvidamos que você seria um
cada mulher da família. Que insiste em centenário.
almoçar cozido e rabada, e nos diz que Os seus cem anos estão aqui, à nossa
não tem apetite. Que mostra a qualquer volta, cada convidado, cada abraço, cada
convidado, em qualquer visita, a placa homenagem, cada foto. São a próxima
de mérito hidrográfico que fica na sala. coisa que você vai poder contar, a partir
Que circula num carrinho elétrico e vai de amanhã de manhã, quando o primeiro
tomar caipirinhas vendo o por do sol amigo te ligar. Certamente, você vai ter ido
no Arpoador. Que é entrevistado pela mais longe que ele.
Globonews, mas gosta mesmo é de es- E continua navegando. A maior e me-
colher restaurantes na Vejinha. Que vai lhor história do nosso contador de histórias.
de Londres a Cabo Frio para estar com a Nosso marinheiro querido.
família. Que acompanha cada formatura, Obrigada por todos que vieram hoje aqui
cada apresentação, quer ver cada foto e celebrar, com a família, esta data tão im-
cada viagem, para estar com a família. portante. Nosso avô é nosso maior tesouro.
Que gosta do seu whisky diário..., e não É um prazer compartilhar com vocês este
perde nenhuma notícia. grande marco na história dele.
Nosso patriarca querido, você já era Vamos celebrar muito, e, agora, vamos
motivo enorme de orgulho. à festa!”

MB REALIZA PARADA NAVAL EM COMEMORAÇÃO AOS


450 ANOS DO RIO DE JANEIRO
Como parte das comemorações dos ro (NV) Cisne Branco e de embarcações
450 anos da cidade do Rio de Janeiro, a a vela, que reconstituíram a expedição
Marinha do Brasil (MB) realizou, em 1o marítima da frota de Estácio de Sá.
de março último, uma Parada Naval na Ocorreu também o III Encontro Na-
orla da cidade. Partindo às 10 horas das cional de Segurança do Velejador, que foi
proximidades do Forte São João e termi- realizado na Diretoria de Portos e Costas da
nando no Leblon, a Parada contou com Marinha, com ciclo de palestras, workshop
sete navios da Marinha. e exames de habilitação abertos aos candi-
Além da Parada, a MB, em parceira com datos a arrais e mestre.
a Academia Brasileira de Vela Educativa Fizeram parte do programa de eventos
(Abravela), apoiou a competição a vela náuticos de 1o de março, ainda: salvas de
“Grand Regatta Rio 450” e o III Encontro tiros (pela Fortaleza de São João e pelo
Nacional de Segurança do Velejador. NV Cisne Branco); apresentação da Ban-
A largada da regata aconteceu às 13 ho- da Marcial do 1o Batalhão de Guardas
ras, nas proximidades da Escola Naval, e o (Exército) e da Banda Marcial do Corpo de
evento se estendeu até a Laje da Cagarra, de Fuzileiros Navais; visitação à Fortaleza de
onde retornou ao ponto inicial, percorrendo São João e show musical de encerramento.
cerca de 20 milhas náuticas. A competição (Fonte: Centro de Comunicação Social
contou com a participação do Navio-Velei- da Marinha)

RMB1oT/2015 291
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

LABORATÓRIO CLÍNICO DO AMRJ RECEBE


AVALIAÇÃO EXCELENTE
O Laboratório de Análises Clínicas do com a ISO 9001:2008, e provedora de
Departamento de Saúde do Arsenal de Ma- ensaios de proficiência cujo propósito é
rinha do Rio de Janeiro (HAMRJ) recebeu realizar a avaliação externa da qualidade
do Programa Nacional de Controle da Qua- e do desempenho de um laboratório clí-
lidade (PNCQ), pelo nono ano consecutivo, nico, comparando-o com os seus pares
o Certificado de Desempenho Excelente, e laboratórios de referência em todo o
na avaliação referente ao ano de 2014, nas Brasil. O Laboratório do Departamento
determinações das amostras-controle do de Saúde do HAMRJ está inscrito no
ensaio de proficiências. Foram as seguintes PNCQ desde agosto de 2005 e possui a
as especialidades avaliadas: Bioquímica certificação pela categoria Prata, relativa
Básica, Bioquímica Básica II, Imunologia ao desempenho excelente obtido durante
Básica, Hematologia Básica, Urinálise Bá- cinco anos consecutivos.
sica, Parasitologia Básica, Microbiologia Nos últimos nove anos, o Laboratório
II Bacterios-copia-Gram, Microbiologia II Clínico do AMRJ já executou uma média
Bacterioscopia-Baar, Parasitologia Básica de 400 mil análises clínicas, não só para
Virtual e Sangue Oculto. os usuários do Arsenal, mas também para
Patrocinado pela Sociedade Brasileira os servidores das diversas Organizações
de Análise Clínicas, o PNCQ é uma em- Militares apoiadas do Complexo Naval da
presa certificada pela Associação Brasilei- Ilha das Cobras.
ra de Normas Técnicas, em conformidade (Fonte: Bono no 17, de 9/1/2015)

OFICIAL-ALUNO DO CURSO DE APERFEIÇOAMENTO


DE AVIAÇÃO PARA OFICIAIS RECEBE CITAÇÃO POR
MÉRITO EXCEPCIONAL
O Primeiro-Tenente (FN) Rafael de dente aeronáutico ocorrido com aeronave
Aquino Hernandes recebeu Citação por T-27 da Força Aérea Brasileira (FAB)”. Em
Mérito Excepcional, concedida pelo co- 10 de novembro de 2013, o Tenente Aqui-
mandante da Marinha. A citação foi lida no, aluno do Curso de Aperfeiçoamento
em 10 de fevereiro último no Auditório de Aviação para Oficiais, participava de
do Comando da Força Aeronaval, em uma passagem baixa no evento “Portões
cerimônia presidida pelo comandante da Abertos”, realizado na Base Aérea de Sal-
Força Aeronaval, Contra-Almirante Car- vador, na aeronave pilotada pelo Capitão de
los Alberto Matias, e com a presença dos Corveta (FN) Marcos Alessandro Ferreira
comandantes das Organizações Militares Sell. Na ocasião, o Tucano colidiu com
subordinadas, além de oficiais aviadores uma ave, deixando inconsciente o piloto em
navais do Complexo Aeronaval. comando. Diante da situação inesperada,
A citação reconhece a “extraordinária o oficial, mesmo não exercendo função a
competência profissional-militar, sob con- bordo, assumiu o controle da aeronave e a
dição adversa de voo, por ocasião do aci- conduziu até o pouso seguro, preservan-

292 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

do a integridade física da
tripulação, do equipamento
e das pessoas e instalações
que se encontravam em solo.
De acordo com a citação
concedida, a “grandeza do
ato praticado enalteceu a
elevada vocação operativa
dos ‘Homens do Mar, no Ar’
junto à Marinha do Brasil, à
FAB e ao próprio Brasil”. Comandante da Força Aeronaval, Contra-Almirante Carlos Alberto Matias,
(Fonte: www.mar.mil.br) discursa em cerimônia de homenagem ao Primeiro-Tenente Aquino

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES


– Almirante de Esquadra Eduardo lógico da Marinha em São Paulo, em 16/1; e
Bacellar Leal Ferreira, comandante da – Contra-Almirante Fernando Antonio
Marinha, em 6/2; Araújo de Figueiredo, subchefe de
– Contra-Almirante (EN) André Luis Inteligência Operacional do Comando de
Ferreira Marques, diretor do Centro Tecno- Operações Navais, em 10/2.

PASSAGEM DE CARGO DE COMEMCH


Foi realizada, em 9 de dezembro de motivo de grande orgulho e plena realiza-
2014, a cerimônia de Passagem de Cargo ção profissional.
de Comandante em Chefe da Esquadra Na Esquadra, como sempre, os pontos
(Comemch). Assumiu o Vice-Almirante da navegação deste comandante em chefe
Liseo Zampronio, em substituição ao Al- foram norteados para o preparo e a aplica-
mirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior. ção do Poder Naval – com meios navais e
A cerimônia foi presidida pelo Comandante aeronavais prontos e adestrados – a fim de
de Operações Navais (CON), Almirante de contribuir para a garantia da soberania na-
Esquadra Elis Treidler Öberg. cional, principalmente na Amazônia Azul,
área de grande relevância político-estraté-
AGRADECIMENTO E DESPEDIDA gica para o presente e futuro do País, e o
DO AE ILQUES atendimento aos diversos compromissos
assumidos pela Marinha, no Brasil e no
“Após uma intensa navegação, a Esqua- exterior.
dra encontra-se em manobra de atracação, Nesse contexto, pelo apoio constante,
a fim de permitir o desembarque para a um especial agradecimento a Diretoria-Ge-
Diretoria-Geral de Pessoal da Marinha. ral do Pessoal da Marinha, Diretoria-Geral
O Livro de Quarto e os Termos de do Material da Marinha, Secretaria-Geral
Viagem referentes a essa comissão farão da Marinha, Chefia de Operações Conjun-
lembrar-me que comandar a Esquadra foi tas do Estado-Maior Conjunto das Forças

RMB1oT/2015 293
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Armadas e Secretaria de Ciência, Tecnolo- Operativos e ao Centro de Manutenção


gia e Inovação da Marinha. de Embarcações Miúdas, pelo trabalho
Durante esse período, o acompanhamen- incansável, pelo profissionalismo e pela
to das condições meteorológicas propor- cordialidade com que buscaram o aprimo-
cionou a previsão de ventos fortes e mares ramento da Esquadra, dotando-a de mate-
turbulentos, mas a dedicação, o profissio- rial e pessoal preparados para fazer frente
nalismo e o entusiasmo de cerca de 12.800 às crescentes necessidades.
homens e mulheres, militares e servidores Aos comandantes e tripulantes dos na-
civis, conscientes de suas responsabilidades vios de superfície, submarinos, esquadrões
e desempenhando eficazmente suas tarefas, de aeronaves e Organizações Militares de
contribuíram para que chegássemos ao final terra, expresso a honra e o orgulho por ha-
desta comissão e elevássemos ainda mais o vê-los comandado. Os senhores e senhoras
conceito o qual nossa Esquadra alcançou, foram incansáveis no cumprimento de suas
em decorrência de um passado pleno de tarefas.
realizações. Agradeço aos oficiais e praças deste
Também registro minha gratidão ao Comando em Chefe, que, conduzidos com
Exmo. Sr. Almirante de Esquadra Julio competência, objetividade e ponderação
Soares de Moura Neto, comandante da pelo meu chefe do Estado-Maior, Contra-
Marinha, pela oportunidade ao indicar-me Almirante Marcio Magno de Farias Franco
para tão honroso cargo. e Silva, souberam prestar uma assessoria
Transmito, ainda, meu especial agra- franca e profissional.
decimento aos Exmos. Srs. Almirantes de Desembarco com a fé renovada no futu-
Esquadra Luiz Fernando Palmer da Fonse- ro da Marinha, decorrente da plena certeza
ca, Wilson Barbosa Guerra e Elis Treidler no inquebrantável espírito marinheiro da
Öberg, comandantes de Operações Navais, Esquadra brasileira que vem sendo for-
pelo apoio e pelas orientações seguras que mado desde as Grandes Navegações e dos
balizaram as minhas ações. combates de Jeronimo de Albuquerque
Os agradecimentos aos irmãos de armas Maranhão, primeiro comandante de Força
do Exército Brasileiro e da Força Aérea Naval brasileiro.
Brasileira; ao comandante do 1o Distrito Este espírito e o comprometimento que
Naval, distrito sede da Esquadra; aos movem as tripulações permitirão que nossa
demais comandantes de Distritos Navais, Esquadra seja sempre forte, respeitada e
ao comandante da Força de Fuzileiros da digna daqueles que nos antecederam, aqui
Esquadra e ao diretor de Hidrografia e representados por alguns ex-comandantes
Navegação, juntamente com todos os seus em chefe.
subordinados, decorrem de uma convi- Ao Vice-Almirante Liseo Zampronio,
vência harmoniosa e profícua em todas as passo com muita honra o timão da nossa
ocasiões dos que não mediram esforços no Esquadra, desejando-lhe boa sorte e felici-
apoio às nossas necessidades. dades extensivas à distinta família.
O reconhecimento às Forças Aeronaval, À invicta Esquadra de Tamandaré, bons
de Superfície e de Submarinos e aos Co- ventos, mares tranquilos e que Deus e os
mandos das 1a e 2a Divisões da Esquadra, espíritos superiores continuem a guiá-la por
ao Centro de Adestramento Almirante rumos seguros.
Marques de Leão, à Base Naval do Rio de ‘Na Esquadra, a soberania de nosso
Janeiro, ao Centro de Apoio a Sistemas mar’. Viva a Marinha !”

294 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Cerimônia de Passagem de Cargo de Comandante em Chefe da Esquadra

AGRADECIMENTOS E BOAS-VINDAS ações sob sua responsabilidade.


DO CON O meticuloso gerenciamento adminis-
trativo nas atividades sob sua responsabi-
“No momento em que apresento as des- lidade possibilitou importantes resultados,
pedidas ao Almirante de Esquadra Ilques dentre os quais destaco:
Barbosa Junior, após cerca de oito meses – a realização do I Workshop de Ciên-
como comandante em chefe da Esquadra, cia, Tecnologia e Inovação de projetos de
comando de significado singular na Marinha interesse da Esquadra;
do Brasil, expresso o reconhecimento do – a realização de comissões operati-
Setor Operativo pela destacada colaboração. vas - Uanfex, Sarsub I, América 2014,
Marinheiro por excelência, com quali- Tropicalex, Copa do Mundo, Aderex I,
dades que caracterizam a sua carreira na Atlasur, Fraterno XXXII, Líbano V, Haiti
Marinha. Iniciativa, dinamismo, compro- XIX, Líbano VI, XXVIII VIGM, Ibsamar
metimento e entusiasmo, atributos que, e Haiti XX;
conjugados com sua forma de liderar e – a execução dos exercícios de guerra
personalidade, marcaram de forma indelé- cibernética;
vel a sua atuação nessa cobiçada comissão ­­– a primeira colocação do setor Dire-
que ora se encerra. toria-Geral de Navegação/Esquadra nos
A experiência adquirida nesses 41 anos I Jogos Desportivos da Marinha do Brasil;
de Marinha, somada ao comprometimento – o lançamento de torpedos MK48 pelo
e à sua capacidade profissional, fizeram-no Submarino Tapajó;
conduzir com eficácia sua missão, orien- – a operação conjunta com aeronaves
tando as Forças subordinadas de maneira P3-AM da Força Aérea Brasileira;
correta e objetiva, com bom senso e sere- – os eventos relativos à comemoração do
nidade, logrando êxito na consecução das Centenário da Força de Submarinos, quan-

RMB1oT/2015 295
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

do tivemos a inédita atracação simultânea Moura Neto, comandante da Marinha, pela


de três submarinos com propulsão nuclear confiança em mim depositada ao designar-
na Base Naval do Rio de Janeiro; me para esse importante e desafiador cargo.
– o retorno do Navio de Desembarque- Nos honram com suas presenças nesta
Doca Ceará ao Setor Operativo, após cerimônia o Exmo. Sr. Almirante de Es-
conclusão de um extenso período de ma- quadra Mauro Cesar Rodrigues Pereira,
nutenção geral; e ex-ministro da Marinha, e o Exmo. Sr.
– a edição do livro Oficial de Quarto Almirante de Esquadra Roberto de Guima-
pelo Centro de Adestramento Almirante rães Carvalho, ex-comandante da Marinha.
Marques de Leão. Quero agradecer a presença dos excelen-
Prezado Almirante Ilques, ao finalizar tíssimos senhores almirantes, membros do
seu ciclo à frente desse importante Co- Almirantado, oficiais-generais do Exército
mando, registro meus agradecimentos pela Brasileiro e da Força Aérea Brasileira, auto-
demonstração de lealdade, pelo apoio e pela ridades civis, oficiais e demais convidados.
colaboração, bem como pela assessoria efi- Aos ex-Comemch, vários aqui pre-
ciente e precisa, que facilitaram as decisões sentes, agradeço o legado que procurarei
do comandante de Operações Navais. honrar e continuar avançando para o perma-
A promoção ao posto de almirante de nente engrandecimento de nossa Esquadra.
esquadra, fruto de sua competência, cor- Agradeço a todos os amigos que hoje
robora o reconhecimento da Marinha em abrilhantam essa cerimônia com suas
indicar seu nome para galgar o mais alto presenças. Destaco os companheiros da
degrau da carreira naval. Turma Humaitá, que neste ano comemoram
Assim, com muito prazer, manifesto a os 40 anos de entrada na Escola Naval, e
minha satisfação em vê-lo como membro os amigos e amigas do Caepe 2003, turma
do Almirantado, desejando votos de conti- Consciência Nacional.
nuado sucesso na carreira, extensivos a sua Faço um especial agradecimento aos
família, com a certeza de que a Marinha amigos paulistas, que se deslocaram até
poderá contar com a mesma dedicação, o o Rio de Janeiro para hoje estarem aqui
mesmo entusiasmo e a mesma competência conosco neste momento de realização e
como diretor-geral do Pessoal da Marinha. felicidade. Aos soamarinos e soamarinas de
Bons ventos e mares tranquilos. São Paulo, Santos, Campinas e do Litoral
Bravo Zulu! Norte, meu apreço e reconhecimento pelo
Ao Vice-Almirante Liseo Zampronio, trabalho que realizam em prestigiar e divul-
desejo boa sorte à frente do Comando em gar a Marinha e tudo o que se refere ao mar.
Chefe da Esquadra, formulando votos de Ao Exmo. Sr. Almirante de Esquadra
felicidades e sucesso, na convicção de que, Elis Treidler Öberg, comandante de Ope-
mercê de sua experiência e competência, rações Navais, que preside esta cerimônia,
alcançará o merecido êxito na missão que renovo minha lealdade e total disponibili-
lhe está sendo confiada.” dade para o serviço.
PALAVRAS INICIAIS DO VA LISEO Para chegar a esse momento em minha
carreira, muito devo aos chefes navais
Ao assumir o Comando em Chefe da com quem tive a ventura de servir, alguns
Esquadra, minhas primeiras palavras são deles hoje aqui presentes, a quem agradeço
de agradecimento. Primeiramente ao Exmo. pelos exemplos e ensinamentos que sempre
Sr. Almirante de Esquadra Julio Soares de procurei seguir.”

296 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

BNVC RECEBE PRÊMIO QUALIDADE BRASIL 2014


A Base Naval de Val-de-Cães (BNVC) tando a Marinha e as Forças Armadas, foi
recebeu, em 17 de novembro do ano pas- agraciada com o Certificado e o Prêmio de
sado, o Prêmio Qualidade Brasil 2014, Qualidade Brasil 2014, pelos produtos e
na categoria Estaleiros, conferido pela serviços oferecidos aos clientes da Marinha
Associação Prêmio Qualidade Brasil. A e extra-Marinha.
Associação tem como propósito incentivar A cêrimônia solene de premiação ocor-
a qualidade em todos os níveis, premiando reu no Clube Sírio Libanês, em São Paulo,
empresas com destaque na Gestão de Qua- ocasião em que foram premiadas empresas,
lidade e no resultado final junto ao mercado instituições, cases, ações e personalidades
consumidor. de diversos segmentos da sociedade que
A BNVC foi indicada ao Prêmio em mantêm a qualidade como fator primordial
janeiro de 2014 e, em fevereiro, recebeu o para o desenvolvimento do País.
parecer favorável à premiação. Represen- (Fonte: Bono no 17, de 9/1/2015)

NAVIO DE SOCORRO DO ANO


O Rebocador de Alto-Mar (RbAM) Tri- NPa Guarujá, NPa Gravataí, NPa Macaé,
tão, da área de jurisdição Salvamar Sul, rece- NPa Guaratuba, NPa Grajaú, NPa Penedo
beu o título de Navio de Socorro do Ano em e Navio-Patrulha Fluvial Amapá.
2014, concedido pelo Comando de Operações A premiação tem como propósito con-
Navais. Na lista dos navios distinguidos com signar o mérito dos navios que mais se
o título de “Navios de Socorro Distritais do destacaram no cumprimento das tarefas de
Ano”, seguiram-se a ele os seguintes: Navio- Socorro e de Salvamento Marítimo.
Patrulha (NPa) Benevente, RbAM Tridente, (Fonte: Bono no 59, de 23/1/2015)

PRÊMIO EFICIÊNCIA
Foram entregues em 5 de março últi- Foram os seguintes os agraciados em
mo, a bordo do Navio de Desembarque de cada comando: Comando da Força de
Carros de Combate Almirante Sabóia, por Superfície e Comando do 2o Esquadrão de
ocasião da cerimônia alusiva ao aniversário Escolta – Fragata Greenhalgh; Comando
do Comando da Força de Superfície, os do 1 o Esquadrão de Escolta – Fragata
certificados concedidos aos navios vence- União; e Comando do 1o Esquadrão de
dores do Prêmio Eficiência 2014. O Prêmio, Apoio – NDCC Almirante Sabóia.
criado em 4 de janeiro de 2013 por aquele Os navios outorgados com o Prêmio Efi-
Comando, tem como propósito homena- ciência, além de receberem um certificado,
gear anualmente os navios que mais se podem ostentar o símbolo “E” pintado na cor
destacarem nos níveis de aprestamento e de branca nas asas do passadiço, até a cerimônia
comprometimento com a sua prontificação de entrega deste prêmio no ano seguinte.
para o combate. (Fonte: Bono no 147, de 4/3/2015)

RMB1oT/2015 297
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

TROFÉUS DULCINECA, OPERATIVOS E POSITICON


O Centro de Adestramento Almirante – Troféu Operativo Fixo Mage, insti-
Marques de Leão divulgou os vencedores tuído em 2005 para o navio da Esquadra
dos Troféus Dulcineca, Operativos (Alfa que mais se destacou nos adestramentos de
Mike, Fixo Mage e Uno Lima) e Positicon operações navais em simuladores de guerra
do ano de 2014: eletrônica – Navio-Escola Brasil;
– Troféu Dulcineca, instituído em – Troféu Operativo Uno Lima, instituí-
1978 para o navio da Esquadra que mais do em 2005 para o navio da Esquadra que
se destacou nos cursos e adestramentos mais se destacou nos adestramentos de
de Combate a Incêndio (CBINC) e Con- operações navais em simuladores de guerra
trole de Avarias (CAV) – Navio-Tanque antissubmarino – Fragata Defensora; e
Gastão Motta; – Troféu Positicon, instituído em 2006 para
– Troféu Operativo Alfa Mike, insti- o militar da Esquadra que mais se destacou no
tuído em 2005 para o navio da Esquadra exercício da função de controlador aéreo tático,
que mais se destacou nos adestramentos em controle real no mar e em adestramentos
de operações navais em simuladores de realizados naquele Centro – Primeiro-Sargento
guerra acima d’água – Navio-Aeródromo (OR) Jorlene Gomes Ferreira.
São Paulo; (Fonte: Bono no 116, de 23/2/2015)

VENCEDOR DO PRÊMIO ALMIRANTE ÁLVARO ALBERTO


PARTICIPA DE ACISO NO NAsH CARLOS CHAGAS
O vencedor da edição 2014
do Prêmio Almirante Álvaro
Alberto na área de conheci-
mento “Ciências da Vida”,
Professor Doutor Walter Col-
li, além de outros prêmios,
recebeu do Comandante da
Marinha convite para realizar
uma viagem no Navio de As-
sistência Hospitalar (NAsH)
Carlos Chagas, subordinado
ao Comando do 9o Distrito
Naval (Manaus-AM), no pe-
ríodo de 2 a 6 de dezembro
último. A bordo do navio, o
agraciado teve a oportunidade
de participar de uma comissão
de Ação Cívico-Social (Aci-
so), integrando as atividades
Prof. Dr. Colli com a esposa Anita; Capitão de Corveta Quinala, comandante do
realizadas, desde a triagem NAsH, à direita; e o Capitão de Fragata Roberto Ferreira, da Secretaria de Ciência,
dos pacientes, passando pelos Tecnologia e Inovação da Marinha, à esquerda

298 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

atendimentos médicos e odontológicos, até O Prêmio Almirante Álvaro Alberto


a distribuição gratuita de medicamentos. constitui-se em um importante reconhe-
A operação aconteceu nas localidades de cimento e estímulo a pesquisadores e
Nossa Senhora das Graças, Benjamim cientistas brasileiros que tenham prestado
Constant, Rancho Grande e Bom Sucesso, relevante contribuição à ciência e à tecno-
comunidades ribeirinhas do Rio Amazonas. logia do País. A premiação é uma iniciativa
Walter Colli é graduado em medicina pela conjunta do Ministério da Ciência, Tecno-
Universidade de São Paulo (USP) e doutor em logia e Inovação, da Marinha do Brasil, do
Bioquímica pela mesma instituição. Com vasta Conselho Nacional de Desenvolvimento
experiência em Bioquímica e Biologia Mole- Científico e Tecnológico (CNPq) e da
cular, atua principalmente na área de interação Fundação Conrado Wessel.
entre Trypanosoma Cruzi e a célula hospedeira. (Fonte: www.mar.mil.br)

ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES


CULTURAIS DE 2014 DA DPHDM
Foi realizada, em 16 de dezembro (Escola de Museologia) da Universidade
último, a sessão de Encerramento das Ati- Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-
vidades Culturais de 2014 da Diretoria do Rio); Carlos Henrique de Souza, agente de
Patrimônio Histórico e Documentação da Serviços de Engenharia da Empresa Ge-
Marinha (DPHDM). Na ocasião, houve a rencial de Projetos Navais (Emgepron); e
tradicional Leitura das Efemérides, acom- Sra. Magritt Kampf, Suboficial Ercipe José
panhada da entrega da Medalha Colabora- Tavares Junior, Suboficial (RM1) José Re-
dor Emérito, concedida às pessoas físicas e nato Moreira Cavalcante, Suboficial (RM1)
entidades, militares e civis, que prestaram Paulo César de Jesus e Terceiro-Sargento
serviços relevantes à Diretoria durante (RM1- FN) Marco Aurélio Pereira da Silva,
o ano. O evento contou também com a todos da DPHDM.
notícia da concessão do Prêmio Revista
Marítima Brasileira ao Capitão de Corveta EFEMÉRIDES NAVAIS DE 2014
(FN) Alexandre Arthur Cavalcanti Simioni
pelo artigo “Terrorismo Marítimo”, publi- Instituições como a Marinha do Brasil
cado na Revista Marítima Brasileira do 1o têm a sua história e suas tradições formadas
trimestre de 2012. ao longo do tempo de maneira indissociá-
Receberam a Medalha Colaborador vel à biografia dos que por ela passaram.
Emérito as seguintes pessoas: Capitão Trajetórias singulares de vida trazem à tona
de Mar e Guerra (EN) Antônio Carlos da não somente a nossa história, mas também
Costa Pereira, do Centro de Tecnologia da a do nosso tempo e do nosso País. Assim,
Informação da Marinha; Capitão de Fra- nesta sessão de Efemérides, relembramos
gata (Refo) Osires José Vieira de Menezes, almirantes do passado que prestaram im-
gerente do Arsenal de Marinha do Rio de portantes serviços à Marinha do Brasil e
Janeiro; Ivan Coelho de Sá, museólogo e completaram em 2014 seus centenários de
decano do Centro de Ciências Humanas nascimento.

RMB1oT/2015 299
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Almirante de Esquadra Octávio José recém-incorporado Submarino Riachuelo.


Sampaio Fernandes Como capitão de mar e guerra, comandou a
Flotilha de Submarinos entre 1961 e 1962.
Promovido a oficial-general, comandou a
Força de Transporte da Marinha, chefiou
o Estado-Maior do Comando em Chefe da
Esquadra e, pouco antes de sua promoção
a vice-almirante, foi nomeado Comandante
do Quarto Distrito Naval. Como vice-almi-
rante, foi comandante em chefe da Esqua-
dra e, logo após, promovido a almirante
de esquadra, diretor-geral do Material e
secretário-geral da Marinha. Em 31 de
outubro de 1974, foi nomeado ministro do
Superior Tribunal Militar, onde exerceu a
presidência entre 17 de março de 1983 e
19 de junho de 1984, quando solicitou sua
transferência para a reserva, depois de 53
anos de serviço.

Vice-Almirante (Engenheiro Naval)


Carlos Natividade
O Almirante Octávio José Sampaio
Fernandes ingressou na Escola Naval em
10 de março de 1931 e, após a Viagem
de Instrução no Navio-Escola Almirante
Saldanha, embarcou no Navio-Hidrográ-
fico Calheiros da Graça, um dos antigos
vapores Ita da Companhia Nacional de
Navegação Costeira, adquiridos pela
Marinha no início daquela década. Nesses
primeiros anos de carreira, passou por uma
experiência singular: em 11 de setembro
de 1936, foi náufrago quando aquele navio
afundou na Barra de Natal, Rio Grande do
Norte. Especializou-se em Submarinos
e Armas Submarinas, vindo a servir nos
submarinos Timbira e Tupi e imediatando
o Submarino de Esquadra Humaitá. Seu
primeiro comando foi o Rebocador Triunfo,
mas logo seria nomeado para comandar a O catarinense Carlos Natividade assen-
Base Almirante Castro e Silva, exercendo, tou praça como aspirante em 10 de março
cumulativamente, a Chefia do Estado-Maior de 1931. Formado oficial, serviu na Flotilha
da Flotilha de Submarinos. Em 12 de de Contratorpedeiros antes de ser matricu-
agosto de 1958, assumiu o comando do lado na então Escola Técnica do Exército,

300 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

atual Instituto Militar de Engenharia, para


cursar Engenharia de Armamentos e Me-
talurgia. Diplomado na turma de 1944, que
contava com os também homenageados
Carlos Arthur da Silva Moura e George
Cals de Oliveira, foi designado para o
Departamento de Artilharia do Arsenal
de Marinha do Rio de Janeiro. Em 1947,
cumulativamente às suas funções na Mari-
nha, o Capitão de Corveta Carlos Nativida-
de lecionou na Escola Técnica do Exército
e, dois anos depois, foi transferido para o
Corpo de Engenheiros Navais. Serviu nas
Fábricas de Artilharia e de Torpedos da
Marinha e, pouco antes de sua promoção
a capitão de mar e guerra, foi designado
para o Gabinete Militar da Presidência da
República. Entre maio de 1957 e maio de ceu a função de instrutor de Geometria e
1961, retornou à sua terra natal para pre- Trigonometria no Curso Provisório para
sidir a recém-constituída empresa pública Aspirantes Fuzileiros Navais. Durante a
Sociedade Termoelétrica do Capivari, usi- Segunda Guerra, foi assistente do coman-
na elétrica que incrementou a geração de dante-geral do Corpo de Fuzileiros Navais
energia para o sul do País. Em 21 de agosto e, a seguir, instrutor na Escola Naval.
de 1968, assumiu a direção da Subdiretoria Dedicado ao aperfeiçoamento individual,
de Engenharia Naval e, naquele cargo, foi em 1944 formou-se em Engenharia Civil.
promovido a contra-almirante. Também Foi comandante do Primeiro Batalhão
presidiu a Comissão de Construção Naval do Corpo de Fuzileiros Navais em 1947
da Marinha do Brasil antes de assumir a e, no ano seguinte, já capitão de fragata,
Diretoria de Armamento da Marinha, sua voltava à função de instrutor, desta vez na
última comissão nos mais de 42 anos de academia de altos estudos da Marinha, a
serviço ativo. Escola de Guerra Naval. Como capitão de
mar e guerra, comandou o então Centro de
Vice-Almirante (Fuzileiro Naval) Décio Instrução do Corpo de Fuzileiros Navais
Santos de Bustamante na Ilha do Governador, atual Centro de
Instrução Almirante Silvio de Camargo.
O Almirante Décio Santos de Bustaman- Promovido a contra-almirante em junho
te fez parte do primeiro grupo de oficiais de 1958, comandou o Núcleo da Primeira
que ingressaram especialmente para o Divisão de Fuzileiros Navais. Ao ascender
Corpo de Fuzileiros Navais. Iniciou sua a vice-almirante, naquela época o último
carreira como praça da Companhia-Escola posto para os oficiais fuzileiros navais,
da Escola Naval em 28 de abril de 1933, assumiu o Comando-Geral daquele Corpo,
depois de promovido a cabo de esquadra e cargo que exerceu até novembro de 1963.
a terceiro-sargento, obteve praça de aspi- Após representar a Marinha na Comissão
rante a oficial fuzileiro naval em dezembro de Reparações de Guerra, transferiu-se para
do mesmo ano. Entre 1935 e 1936, exer- a Reserva em 8 de junho de 1964.

RMB1oT/2015 301
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Vice-Almirante Elmar de Mattos Dias antes. Após ascender a oficial general, em


setembro de 1966, foi subsecretário-geral
da Marinha, diretor de Administração da
Marinha e chefe de Gabinete do Ministro
da Marinha, onde recebeu a promoção a
vice-almirante. Em julho de 1973, assumiu
a Direção do Pessoal Militar da Marinha e,
após ser transferido para Reserva, presidiu
o Tribunal Marítimo por quatro anos.

Vice-Almirante (Intendente da Marinha)


Ruy Fonseca

Aspirante a guarda-marinha de 1934,


Elmar de Mattos Dias foi promovido a
segundo-tenente às vésperas da Segunda
Guerra Mundial. Durante boa parte do
conflito, serviu na Corveta Henrique Dias,
efetuando diversas escoltas de comboios ao
longo do nosso litoral. No início dos anos
50, foi para os Estados Unidos compor a
comissão de recebimento dos dois cruza-
dores da classe Brooklyn, os maiores navios
da Marinha de então. Promovido a capitão
de fragata, foi nomeado primeiro diretor Nomeado aspirante do antigo Corpo de
da Escola de Marinha Mercante do Rio Intendentes Navais em 22 de fevereiro de
de Janeiro, origem do Centro de Instrução 1934, Ruy Fonseca esteve embarcado nos
Almirante Graça Aranha. Em abril de 1959, navios da Esquadra até o começo dos anos
assumiu seu primeiro comando no mar, o 40. Naquela ocasião, participou de diversos
Contratorpedeiro Mariz e Barros. Era ca- exercícios da Flotilha de Contratorpedeiros
pitão de mar e guerra quando foi nomeado na Baía da Ilha Grande. Durante toda a
capitão dos Portos da Bahia e recebeu Segunda Guerra Mundial, participou do
aquele cargo, em maio de 1961, do então esforço logístico para suprir os navios em
Capitão de Mar e Guerra Áttila Rodrigues operação no Depósito Naval do Rio de
Novaes, outro homenageado nesta sessão. Janeiro. Contudo, ainda conseguiu tempo
Sua última comissão no mar foi justamente para seu aprimoramento pessoal, pois obte-
o comando do Cruzador Barroso, o navio ve o diploma de engenheiro civil da Escola
que recebeu nos Estados Unidos 12 anos Nacional de Engenharia. Promovido a ca-

302 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

pitão de corveta, foi oficial de Fazenda do O Almirante Alexandrino de Paula Frei-


Comando em Chefe da Esquadra entre 1950 tas Serpa ingressou na Marinha no início
e 1951, instrutor da Escola Naval e, durante dos anos 30 e, no final daquela década,
quase seis anos, serviu na Diretoria de En- concluía o Curso de Aperfeiçoamento em
genharia da Marinha. Por um curto período, Hidrografia. Tendo servido nos Navios-Hi-
foi diretor do Centro de Controle de Estoque drográficos Vital de Oliveira, Rio Branco
de Material Comum e, depois, assessor de e Jaceguai, seu primeiro comando no mar
Logística do Estado-Maior da Armada, antes foi como capitão de corveta, em 1947, no
de frequentar, na Marinha dos Estados Uni- Rebocador Tridente. Após curto período
dos, o Curso de Administração de Material na Diretoria de Hidrografia e Navegação
Naval para Oficiais Estrangeiros. Na volta e de curso regulamentar na Escola de
ao Brasil, reassumiu a direção do Centro de Guerra Naval, foi nomeado comandante do
Controle de Estoque de Material Comum e, Navio-Auxiliar José Bonifácio, mercante
após sua promoção a contra-almirante, em de 1.800 toneladas de deslocamento que
1966, assumiu a direção do recém-instituído durante muito tempo prestou inestimáveis
Centro de Controle de Estoque de Material, serviços para a Hidrografia brasileira.
quando coordenou a fusão dos vários cen- Comandou também o Navio-Transporte
tros de controle existentes para cada classe de Tropas Barroso Pereira, quando teve a
de materiais utilizados pela Marinha. Em singular oportunidade de atuar na primeira
1970, ascendeu ao posto máximo do Corpo edição da Operação Dragão, grande exer-
de Intendentes da Marinha, vice-almirante, cício de desembarque anfíbio que envolvia
servindo junto à Diretoria do Pessoal Militar o Corpo de Fuzileiros Navais e diversas
da Marinha como assessor especial para o unidades da Esquadra. Promovido a con-
Plano Básico de Pessoal até sua transferência tra-almirante em dezembro de 1965, serviu
para a Reserva, em 1974. ainda na Secretaria-Geral da Marinha e na
Diretoria de Pessoal Militar. Para além das
Contra-Almirante Alexandrino de Paula suas atividades profissionais, o Almirante
Freitas Serpa Alexandrino de Paula Freitas Serpa teve
intensa produção intelectual. São de sua
autoria os livros Geodésia aplicada à
Hidrografia, Ação da Marinha em prol do
interesse fluvial brasileiro e A Ilha Fiscal,
trabalhos que lhe valeram o Prêmio Ricar-
do Franco de 1969, dado pela Sociedade
Brasileira de Cartografia.

Contra-Almirante Áttila Franco Achê

Embora Áttila Franco Achê tenha


nascido longe do mar, na histórica Minas
Gerais, veio de uma família indelevelmente
imbricada nas lides marinheiras. Seu pai, o
Almirante Áttila Monteiro Achê, teve car-
reira singular na Marinha, com passagem
marcante à frente da Força de Submarinos.

RMB1oT/2015 303
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Contra-Almirante Áttila Rodrigues


Novaes

Talvez tenha sido o contato próximo com


o pai que impulsionou o jovem Áttila
para a Marinha e para a própria Força de
Submarinos. Em março de 1931, entrava
na Escola Naval; em novembro de 1938, O carioca Áttila Rodrigues Novaes, tam-
era aprovado no Curso de Especialização bém vindo de família marinheira, ingressou
em Submarinos e Armas Submarinas. A na Escola Naval em 1933, de onde saiu
Segunda Guerra Mundial alcançou o Brasil segundo-tenente em 1937. Após servir em
quando o Tenente Áttila Franco Achê ser- diversos navios da Esquadra, optou pela
via no Submarino Tamoio. As tripulações carreira de submarinista. A Segunda Guerra
deste e dos demais quatro submarinos da encontrou o Tenente Áttila embarcado nos
Marinha prestaram inestimáveis serviços Submarinos Humaitá e Timbira. Após a
ao esforço de guerra, adestrando, no Rio e guerra, transferido para Mato Grosso, foi
em Recife, as tripulações de navios brasi- capitão dos portos, instalado na cidade
leiros e norte-americanos nas novas táticas Corumbá. Imediatou e comandou por
antisssubmarino. Entre 30 de julho de 1948 curto período a Base Almirante Castro e
e 11 de março de 1950, foi comandante Silva e também foi imediato do Cruzador
do Submarino Tupi. Cinco anos depois, Tamandaré, entre 1955 e 1956. Em 1959,
assumiria o Comando da Base Almirante comandou o Contratorpedeiro Ajuricaba.
Castro e Silva e, cumulativamente, a Chefia Foi diretor da extinta Imprensa Naval e
do Estado-Maior da Força de Submarinos. retornou à Força de Submarinos como seu
Já capitão de mar e guerra, em 1962 foi ele- comandante, entre janeiro de 1963 e abril
vado ao comando da Força de Submarinos. de 1964. Promovido a contra-almirante
Promovido a contra-almirante em agosto em agosto de 1966, serviu como assessor
de 1966, assumiu a Subchefia da Marinha no Colégio Interamericano de Defesa, em
no Estado-Maior das Forças Armadas e, Washington, nos Estados Unidos da Amé-
depois, o Comando do 5o Distrito Naval, rica. Sua última comissão, antes da transfe-
último cargo exercido nos seus 42 anos de rência para a Reserva, foi como assessor da
serviço ativo em prol do Brasil. Marinha junto à Escola Superior de Guerra.

304 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Contra-Almirante (Engenheiro Naval) Contra-Almirante (Engenheiro Naval)


Carlos Arthur da Silva Moura George Cals de Oliveira

Carlos Arthur da Silva Moura ingressou George Cals de Oliveira deixou, no iní-
na Escola Naval em 1931. Quatro anos cio dos anos 30, uma vida confortável na
depois era promovido a segundo-tenente. cidade de Fortaleza, onde seu pai, Cézar
Especializado em Armamento, embarcou Cals, era prefeito, para ingressar na Ma-
em inúmeros navios da Esquadra. Contudo, rinha. Em 1935, atingia o primeiro posto
na Segunda Guerra Mundial, cursou Enge- do oficialato, segundo-tenente, servindo
nharia de Armamentos na Escola Técnica do no Encouraçado São Paulo e no Cruzador
Exército. Findo o conflito, serviu no Arsenal Bahia. Como capitão-tenente, concluiu,
de Marinha do Rio de Janeiro, na Fábrica de em 1944, o curso de Engenharia de Ar-
Artilharia da Marinha e junto à Embaixada mamentos na Escola Técnica do Exército,
do Brasil nos Estados Unidos. Em 1961, na Praia Vermelha, atual Instituto Militar
representou a Marinha no Conselho Nacio- de Engenharia. Ingressando no Corpo de
nal de Petróleo e, como capitão de mar e Engenheiros Navais, exerceu diversas
guerra, foi o assessor da Marinha na Escola funções no Arsenal de Marinha do Rio
Superior de Guerra. Retornou ao Arsenal de de Janeiro, servindo também na Comissão
Marinha como chefe do Departamento de Naval Brasileira em Washington, nos
Planejamento, o qual ajudou a reestruturar. Estados Unidos, e na Escola Superior de
Promovido a contra-almirante em 14 de Guerra. Foi diretor da Fábrica de Artilha-
janeiro de 1964, assumiu a Subdiretoria de ria da Marinha e do Instituto de Pesquisas
Engenharia Civil, atual Diretoria de Obras da Marinha, este de 24 de junho de 1964
Civis da Marinha. Naquele cargo, que ocu- a 16 de junho de 1966, quando pediu sua
pou até sua transferência para a Reserva, transferência para a Reserva. Contudo,
em 11 de março de 1965, empenhou-se nas continuou a exercer sua atividade profis-
obras de construção da Base Aérea-Naval sional como engenheiro na empresa Light
de São Pedro da Aldeia. Serviços de Eletricidade.

RMB1oT/2015 305
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Contra-Almirante (Fuzileiro Naval) Voluntários e Reservistas. Voltaria a Natal


Haroldo do Prado Azambuja em 1952, como comandante daquela Com-
panhia Regional. Mas, antes desse comando,
participou da 10a Viagem de Instrução do
Navio-Escola Almirante Saldanha como
encarregado do Destacamento de Fuzileiros
Navais embarcado. Entre 1954 e 1956, foi
destacado para o Ministério da Viação e
Obras Públicas, onde atuou como assistente
do secretário-geral do Lloyd Brasileiro. De
volta ao Corpo de Fuzileiros Navais, foi
designado, para uma viagem de observação,
ao Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados
Unidos, tendo visitado as Bases de Little-
Creek e Camp Lejeune. Promovido a capi-
tão de mar e guerra, assumiu interinamente
o Comando do Núcleo da Primeira Divisão
de Fuzileiros Navais. Já contra-almirante, foi
durante quatro anos chefe do Estado-Maior
do Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros
Oriundo do Colégio Militar do Rio de Navais e comandou a Tropa de Reforço. Em
Janeiro, Haroldo do Prado Azambuja ingres- abril de 1974, solicitou sua transferência
sou na Escola Naval em 1938 para o Curso para a Reserva, depois de mais de 35 anos
de Formação de Oficiais do Corpo de Fuzi- de serviço.
leiros Navais. Segundo-Tenente de 1941, A história marítima e naval brasileira
serviu durante a Segunda Guerra Mundial busca relatar e redescobrir, por meio dos
na Base Naval de Natal, na 3a Companhia estudos biográficos, personagens marcantes
Regional de Fuzileiros Navais. Lá proveu a que construíram a Marinha e contribuíram
segurança da Base e de postos avançados, de forma coletiva para a sua realidade
como o Farol de Calcanhar, e foi instrutor de atual. Suas histórias são de importância
Infantaria para o Centro de Treinamento de fundamental para o presente e para o futuro.

NAVIOS DA MB RECEBEM VISITANTES EM PARANAGUÁ


Os Avisos de Instrução Aspirante Nas-
cimento, Guarda-Marinha Brito e Guar-
da-Marinha Jansen, atracados no porto de
Paranaguá (PR), receberam, em 17 e 18
de janeiro último, mais de 400 visitantes.
A ida dos navios a Paranaguá fez parte do
Estágio de Verão dos Aspirantes da Escola
Naval, quando os períodos de comissão são
mais longos e é possível visitar portos mais
afastados do porto sede, localizado no Rio Visitantes em um dos avisos de instrução da
de Janeiro (RJ). Marinha do Brasil

306 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Os avisos de instrução são navios utiliza- futuros oficiais, contribuindo para comple-
dos pela Marinha do Brasil para adestramen- mentar a formação marinheira dos aspirantes.
tos de navegação e de manobras táticas dos (Fonte: www.mar.mil.br)

TRANSPORTE DE CARGAS DO SAbM


POR MEIO DE CABOTAGEM*
Foi concluído, em 7 de dezembro último, (ApoLog), além de representar uma redução
o primeiro e inédito serviço de transporte de recursos financeiros e humanos inerentes
pelo modal aquaviário de cabotagem em à função logística transporte, atualmente
navio mercante (NM) de frota nacional, em centrada no modal rodoviário.
proveito do abastecimento do Centro de Assim sendo, a partir deste ano serão
Intendência da Marinha de Manaus (CeIM- disponibilizados novos embarques, tanto
Ma). A concretização desse esforço logístico para Manaus quanto para as demais cidades
consolida a possibilidade de transporte de que abarcam a possibilidade de utilização
material de responsabilidade do Serviço de da cabotagem: Belém, Natal, Salvador e
Abastecimento da Marinha (SAbM), como Rio Grande.
alternativa às Operações de Apoio Logístico (Fonte: Bono no 883, de 15/12/2014)

SUBMARINO TIMBIRA É O PRIMEIRO A ATRACAR NA


NOVA BASE NAVAL EM ITAGUAÍ
O Submarino Timbira tornou-se, em local que abrigará a nova Base de Subma-
25 de novembro de 2014, o primeiro rinos da Marinha do Brasil. A manobra
submarino a atracar no cais do Estaleiro foi acompanhada pelo coordenador do
e da Base Naval (EBN) em Itaguaí (RJ), Programa de Desenvolvimento de Sub-

Cais da nova Base de Submarinos

* Ver artigo sobre o mesmo tema nesta edição.

RMB1oT/2015 307
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

marinos (Prosub), Almirante de Esquadra Fruto de parceria firmada entre os governos


(RM1) Gilberto Max Roffé Hirschfeld, e da França e do Brasil, que culminou na criação
pelo gerente do Empreendimento Modular do Prosub, o estaleiro e a nova base de sub-
18, Contra-Almirante Newton de Almeida marinos estão sendo edificados no município
Costa Neto. de Itaguaí. O complexo ocupará uma área de
O propósito da comissão foi verificar a mais de 90 mil metros quadrados e deverá estar
adequabilidade da atracação dos submari- pronto em 2015. No local, serão construídos
nos classe Tupi no cais da nova base naval. quatro novos submarinos convencionais e o
A comissão também serviu como prepara- primeiro submarino com propulsão nuclear
tivo para os eventos que antecederam à ce- brasileiro, numa iniciativa que colocará o Brasil
rimônia de inauguração do prédio principal em destaque como o primeiro país da América
do Estaleiro de Construção, realizada em 12 Latina a atingir tal avanço tecnológico.
de dezembro de 2014. (Fonte: www.mar.mil.br)

RECEBIMENTO E TRANSFERÊNCIA PARA O SETOR DE


ENSINO DA LANCHA DE EMPREGO GERAL MÉDIA RIGEL
Foi realizada, em 12 de março último, a Marinha do Brasil, devem ser assegurados
cerimônia de Recebimento e Transferência os meios necessários ao cumprimento de sua
para o Setor de Ensino da Lancha de Em- missão, considerando que não existe acesso
prego Geral Média (LEG-M) Rigel. por via terrestre às suas instalações”.
Na Ordem do Dia alusiva ao evento, O Almirante Deiana disse, ainda, que “o
expedida pelo diretor de Engenharia Naval, recebimento desta embarcação encerra um
Vice-Almirante (EN) Francisco Roberto Por- exitoso ciclo iniciado em outubro de 2009,
tella Deiana, destacou-se: “A sua construção quando a Diretoria-Geral do Material da
visa restaurar a capacidade logística de trans- Marinha (DGMM) determinou à Diretoria
porte de material e suprimentos, transporte de Engenharia Naval que iniciasse a Espe-
de pessoal administrativo e, complementar- cificação de Aquisição para a sua obtenção,
mente, prestar apoio a outras embarcações do processo ora concluído, demonstrando
Centro de Instrução Almirante Wandenkolk a competência do estaleiro construtor e
(CIAW), conforme previsto no Plano Pluria- evidenciando a participação da MB no
nual de Obtenção de Embarcações de Apoio fomento ao desenvolvimento da construção
(PPOEA). Ao CIAW, importante organiza- naval no Estado da Bahia”.
ção de formação e capacitação profissional (Fonte: Bono Especial n o 170, de
de oficiais dos diversos corpos e quadros da 12/3/2015)

CAMR RESTABELECE
FAROLETE COMANDANTE FERRAZ
Com o propósito de recuperar o Faro- Moraes Rego (CAMR) embarcou, em 6 de
lete Comandante Ferraz, uma equipe do outubro último, em pleno verão antártico,
Centro de Sinalização Náutica Almirante no Navio de Apoio Oceanográfico Ary

308 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Rongel, com destino à Estação An-


tártica Comandante Ferraz (EACF).
A viagem aconteceu durante a
primeira etapa da Operantar XXXIII.
Foram necessários cinco dias de
trabalho, durante os quais foram
instalados 70 metros de cabo de
alimentação e uma lanterna VLB-44,
com alcance luminoso de 8 milhas
náuticas, além de uma fonte chavea-
da de 220V. Foram realizados, ainda,
o tratamento mecânico e a pintura da
estrutura do farolete.
Após a conclusão do trabalho de
manutenção, o Farolete Comandan- Farolete Comandante Ferraz
te Ferraz voltou às suas condições
normais de operação, contribuindo
para o incremento da segurança da na- Navio Polar Almirante Maximiano, que
vegação na região antártica, em especial apoiam a EACF.
para as manobras do Ary Rongel e do (Fonte: www.mar.mil.br)

IPqM DESENVOLVE MAGE DEFENSOR MK3


O Instituto de Pesquisas da Marinha à detecção e à análise de sinais radar no
(IPqM) está desenvolvendo um novo sis- ambiente terrestre.
tema de Medidas de Apoio a Guerra Ele- Dentre as tecnologias e funcionalidades
trônica (Mage). A solicitação para a criação que o Mage Defensor Mk3 incorporará do
desse novo sistema foi feita pela Diretoria Veicular destacam-se: aumento da faixa de
de Sistemas de Armas da Marinha (Dsam), frequência instantânea de detecção dos sinais
visando introduzir e agregar sistemas de radar, aumento da sensibilidade da antena,
armas mais modernos nas futuras corvetas capacidade de detecção de sinais com agilidade
classe Tamandaré, ainda em fase de projeto em frequência, capacidade de acompanhamen-
pelo Centro de Projetos de Navios (CPN). to do dobro de emissores em relação ao De-
O novo Mage, intitulado Mage Defensor fensor, recursos para realizar geolocalização,
Mk3, é baseado no Mage Defensor; no um front-end totalmente nacional e emprego
entanto, incorporará novas tecnologias e de arquitetura híbrida (receptor tradicional +
funcionalidades, muitas delas oriundas do receptor digital), entre outros mais.
projeto Mage Veicular. O Mage Veicular, A entrega da primeira unidade, cabeça
projeto custeado pela Financiadora de Es- de série, está prevista para o ano de 2021, e
tudos e Projetos (Finep), encontra-se em até o ano de 2023 serão entregues mais três
fase de finalização. Ele tem como propósito unidades, acompanhando o cronograma de
atender às demandas dos Fuzileiros Navais construção das corvetas classe Tamandaré.
e até do Exército Brasileiro em relação (Fonte: Pesquisa Naval, no 14)

RMB1oT/2015 309
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

EXPOSIÇÃO “O BRASIL E A MINUSTAH: 10 ANOS EM


MISSÃO DE PAZ NO HAITI”
Os dez anos de participação do Brasil na
estabilização do Haiti estão retratados na
exposição “O Brasil e a Minustah: 10 Anos
em Missão de Paz no Haiti”, que acontece
até 26 de julho no Museu Naval, na cidade
do Rio de Janeiro. Primeira missão de paz
da Organização das Nações Unidas (ONU)
sob responsabilidade do Brasil, a Minustah
– Missão das Nações Unidas para a Estabili-
zação no Haiti – visa manter a ordem e a se-
Marca de bala no capacete que salvou militar
gurança nas principais cidades haitianas que
sofrem com a atuação de gangues urbanas. andar, ao acessar a na exposição, passa-se por
O circuito expositivo começa no Pátio um check point, posto de controle de transeun-
d’Armas do Museu, com uma barraca monta- tes que funciona como blitz no Haiti. Peças
da, aguçando a curiosidade do visitante. No 2o informativas sobre a Minustah e os fuzileiros
navais e objetos doados por pessoas que vi-
venciaram o conflito complementam a mostra,
com destaque para o capacete com marca de
bala que salvou a vida de um militar. A exposi-
ção oferece ao visitante, ainda, a oportunidade
de conversar on-line com militares no Haiti às
terças, quartas e quintas-feiras, das 13h30 às
15 horas (horário de Brasília).
A visitação acontece de terça a domingo,
das 12 às 17 horas. O Museu Naval fica na
Rua Dom Manuel, 15, Centro. Agendamen-
to para grupos podem ser feitos pelo e-mail
agendamento@dphdm.mar.mil.br. Outras
informações pelos telefones (21) 2533-
9165/2532-5992 (dias úteis) ou 2104-5506
(sábados e domingos). A entrada é franca.

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE INTENDÊNCIA


Sob coordenação da Diretoria de Abas- Participaram do seminário palestrantes
tecimento da Marinha, foi realizado, de 4 a estrangeiros, oficiais generais de Marinhas
6 de março último, o I Seminário Interna- amigas como Portugal, Chile, Equador e
cional de Intendência. O evento aconteceu Argentina. Também foi realizada palestra
no auditório da Base de Abastecimento da do diretor do Centro de Controle de Inven-
Marinha no Rio de Janeiro, como parte das tário da Marinha, Contra-Almirante (IM)
comemorações alusivas ao 245o aniversário Luiz Carlos Faria Vieira.
do Corpo de Intendentes da Marinha.   (Fonte: Bono no 116, de 26/2/2015)

310 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

MB FORMA PRIMEIROS MARINHEIROS FLUVIAIS


INDÍGENAS NO AMAZONAS
A Marinha do Brasil (MB) formou, ça. “Eu andava fugindo da fiscalização e, a
em 15 de dezembro último, os primeiros partir de agora, não farei mais isso. O que
marinheiros fluviais indígenas no Amazo- eu aprendi vou colocar em prática”, disse.
nas. Dois indígenas da etnia Dessana, da O curso foi oferecido gratuitamente pelo
comunidade de São João do Tupé, e outros Centro Técnico de Formação de Fluviários
29 comunitários, do Lago do Tupé e do da Amazônia Ocidental.
Paricatuba, concluíram o Curso de Forma- (Fonte: www.mar.mil.br)
ção de Marinheiros Fluviais Auxiliares de
Máquinas e Convés.
Para o comandante do 9o Distrito Naval
(Manaus-AM), Vice-Almirante Domingos
Savio Almeida Nogueira, a participação
dos indígenas serve de exemplo para a
população. “Se os índios podem tirar a
carteira, se os ribeirinhos podem tirar a
carteira, todos podem. Essa é a mensagem
que nós queremos levar ao grande público”,
afirmou.
O indígena José Maria Diakuru destacou
que, com a carteira de habilitação, vai nave-
gar pelos rios da região com mais seguran- VA Savio entrega certificado a indígena

PARCERIA ACADÊMICA BRASIL/FRANÇA NA ÁREA DE


RECURSOS MINERAIS MARINHOS
O Programa Capes/Cofecub (Coor- (Sergipe), Centro Universitário de Brasília,
denação de Aperfeiçoamento de Ensino pelo Brasil, e Universidade Aix-Marseille
Superior/Comité Français d’Évaluation de (coordenadora), Universidade de Brest,
la Coopération Universitaire et Scientifique) Universidade de Havre e Universidade
divulgou recentemente o resultado da seleção de Rouen, pela França, foi aprovado pelo
de projetos conjuntos de pesquisa e parcerias período de quatro anos.
universitárias, com vistas a fomentar o inter- O projeto visa analisar o quadro legal
câmbio entre instituições de Ensino, Pesquisa e institucional das políticas para a gestão
e Desenvolvimento brasileiras e francesas. sustentável dos recursos minerais marinhos
O projeto de pesquisa intitulado “A e terá duas áreas temáticas: “O quadro ju-
função do direito na gestão sustentável dos rídico e institucional nacional: perspectiva
recursos minerais marinhos”, resultado de comparada entre o direito francês e o bra-
uma rede colaborativa entre a Universida- sileiro” e “O quadro jurídico e institucional
de de Brasília (coordenadora), Escola de europeu e internacional”.
Guerra Naval, Universidade Tiradentes (Fonte: Bono no 147, de 4/3/2015)

RMB1oT/2015 311
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

RECORDISTA MUNDIAL DE NATAÇÃO


É INCORPORADA À MB
A nadadora Etiene Pires de Medeiros Nunes (Cefan), Contra-Almirante (FN)
foi incorporada à Marinha do Brasil (MB) Luiz Artur Rodrigues Nunes.
em 15 de dezembro último, em cerimônia Etiene sagrou-se campeã dos 50 metros
de conclusão da primeira fase do Estágio nado costas no Mundial de Natação em pis-
de Habilitação para Praças. A solenidade cina curta, em Doha, no Catar. A nadadora,
foi presidida pelo comandante do Centro além de conquistar o título mundial inédito
de Educação Física Almirante Adalberto para o Brasil, bateu também o recorde
mundial da prova.
Em 2014, Etiene já havia batido
três recordes sul-americanos: 100
metros costas, 50 metros costas e
50 metros livres. A sargento, de
23 anos, conquistou as principais
competições disputadas em 2014,
sagrando-se campeã brasileira dos
100 metros costas, do Troféu Maria
Lenk, e a terceira colocada dos 50
metros costas, na Copa do Mundo
de Natação, em Tóquio, no Japão.
Etiene Medeiros terminou o ano
de 2014 como uma das grandes
promessas do Brasil para os Jogos
Olímpicos Rio 2016.
Incorporação à MB da Sargento Etiene (Fonte: www.mar.mil.br)

RESULTADOS ESPORTIVOS
OPEN CISM SWIMMING AND PA- e 4x200 m livre) e 3oSG André Daudt (4x100 m
RASWIMMING Medley, 4x100 m livre e 4x200 m livre);
Competição de natação realizada pelo – Medalhas de Prata: 3 oSG Juliana
Conselho Internacional do Esporte Militar Marin (100 m peito, 200 m peito e 4x100
(Cism) de 2 a 6 de fevereiro último, na m Medley), 3oSG Dandara Mendes (50 m
cidade de Fontainebleau, na França. Os livre, 100 m borboleta e 4x100 m Medley),
atletas da Marinha do Brasil obtiveram os 3oSG Roberta Albino (50 m borboleta, 50 m
seguintes resultados: costas e 4x100 m Medley), 3oSG Guilherme
– Medalhas de Ouro: 3oSG Juliana Marin Roth (100 m livre) e 3oSG André Daudt
(50 m peito, 100 m Medley e 4x100 m livre), (50 m livre);
3oSG Dandara Mendes (4x100 m Medley), – Medalhas de Bronze: 3oSG Dandara
3oSG Roberta Albino (50 m livre, 100 m li- Mendes (50 m borboleta e 100 m livre) e
vre e 4x100 m livre), 3oSG Guilherme Roth 3oSG Guilherme Roth (50 m borboleta e
(50 m costas, 4x100 m Medley, 4x100 m livre 50 m livre).

312 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

AIRBUS HELICOPTERS REALIZA ENSAIOS PARA


FUTURA AERONAVE OPERACIONAL DA MB

A aeronave experimental da Airbus em solo e das extensas simulações com-


Helicopters (AH) matrícula SOC-09 reali- putacionais associadas realizadas pela
zou com sucesso, em Marignane, França, engenharia da AH, em parceria com a
a avaliação do desempenho e da qualidade empresa MBDA Missile Systems, fabri-
de voo da futura Aeronave Operacional da cante do armamento.
Marinha (UH-15A), Diante dos ex-
sob o aspecto de com- pressivos resultados
portamentos dinâmi- obtidos, o Consórcio
cos e de envelopes de Airbus Helicopters
operação. -Helibras prosseguirá
Simultaneamen- na decisiva campanha
te configurada com de certificação desta
domo do radar de configuração, a ser
busca de superfície realizada no Brasil em
APS-143V e arma- 2015 pela empresa He-
da com lançadores e libras, utilizando como
mock ups de mísseis plataforma protótipo
Exocet AM-39, esta Aeronave SOC-09 realizando diversos perfis de voo a Aeronave BRA#05,
(Foto Airbus Helicopters)
plataforma de ensaios que dará origem à pri-
em voo, dedicada ao meira aeronave UH
desenvolvimento de todo o Projeto H-XBR, -15A a ser entregue à Marinha do Brasil.
forneceu as respostas esperadas no que Trata-se de um grande avanço tecno-
se refere às alterações na aerodinâmica e lógico e operacional que alçará a Aviação
de centro de gravidade da aeronave em Naval ao estado da arte, em conformidade
desenvolvimento. com os anseios da Administração Naval,
Os importantes resultados alcançados que planejou dotar a Marinha do Brasil de
durante os voos em diferentes perfis e ma- uma plataforma aérea deste tipo, fundamen-
nobras foram satisfatórios e corroboraram tal ao apoio à Esquadra Brasileira.
os prognósticos dos ensaios de vibração (Fonte: www.mar.mil.br)

CORVETAS CLASSE TAMANDARÉ RECEBERÃO SISTEMA


DE MÍSSEIS SEA CEPTOR
A Marinha do Brasil selecionou dois são Grã-Bretanha e Nova Zelândia.
para instalação em sua nova geração de O Sea Ceptor possui radar de busca ativa
corvetas – as da classe Tamandaré – o e é eficaz contra mísseis sea-skimming e
sistema de mísseis de defesa de área Sea aeronaves de alta velocidade.
Ceptor da MBDA. O Brasil é o terceiro (Fonte: Naval Forces, no 1/2015, vol.
país a escolher esse sistema – os outros XXXVI)

RMB1oT/2015 313
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

AMAZUL CONTRATA MECTRON PARA PROJETO DO


SISTEMA DE GERENCIAMENTO DA PLATAFORMA IPMS
A Amazônia Azul Tecnologias de Defesa leiro e uma base naval em Itaguaí (RJ).  O
S.A. (Amazul) assinou, em dezembro de acordo estabelece, ainda, que o submarino
2014, contrato com a Mectron para o projeto de propulsão nuclear seja totalmente pro-
do Sistema Integrado de Gerenciamento da jetado e construído no País.
Plataforma Integrated Platform Management A Amazul foi constituída em 2013 com o
System (IPMS) do submarino com propulsão propósito de promover, desenvolver, transferir
nuclear que está sendo desenvolvido pela Ma- e manter tecnologias sensíveis às atividades
rinha do Brasil (MB), com assistência técnica do Programa Nuclear da Marinha (PNM),
do grupo francês DCNS.  O IPMS é o sistema do Prosub e do Programa Nuclear Brasileiro
computacional com função de controlar e mo- (PNB). Sua missão primordial é apoiar o
nitorar diversos equipamentos de submarinos. desenvolvimento do submarino de propulsão
O contrato contempla o apoio técnico nuclear, tecnologia imprescindível para que o
nos serviços de engenharia para participa- País exerça soberania plena sobre suas águas
ção no desenvolvimento do IPMS. Com jurisdicionais, a chamada Amazônia Azul.
prazo de conclusão de dois anos, os tra- Para cumprir sua missão, a Amazul pode
balhos, iniciados em fevereiro último, são estabelecer escritórios no Brasil e no exterior,
realizados por uma equipe de engenheiros fazer parcerias e participar minoritariamente
da Mectron, juntamente com especialistas de empresas privadas e empreendimentos.
da MB, no escritório técnico de projetos e Já a Mectron, com sede em São José dos
submarino localizado no Centro Tecnoló- Campos (SP), no maior polo da indústria
gico da Marinha em São Paulo. aeroespacial do Hemisfério Sul, possui
O Programa de Desenvolvimento de mais de 20 anos de experiência e atua
Submarinos (Prosub) da MB, firmado no nos mercados de defesa e aeroespacial,
final de 2008 como parte do Acordo Es- desenvolvendo e fabricando produtos de
tratégico Brasil-França, prevê a construção alta tecnologia e altíssimo valor agregado,
de quatro submarinos convencionais, um tanto para aplicações militares como civis.
submarino de propulsão nuclear, um esta- (Fonte: www.mar.mil.br)

EMBARCAÇÃO PESQUEIRA APRESADA


É NOTIFICADA PELA DelSSebastião
A Delegacia da Capitania dos
Portos em São Sebastião (DelSSe-
bastião), subordinada ao Comando
do 8 o Distrito Naval (São Paulo-SP),
notificou, em 16 de dezembro último,
a embarcação Almar II por exercer
pesca sem autorização do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Iba-
ma). A embarcação notificada, com Inspetora Naval lavra a autuação

314 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

seis tripulantes a bordo, foi apresada de equipagem deficiente e nenhum tripulante


pelo Navio-Patrulha Macaé. habilitado para conduzir a embarcação.
No porto de São Sebastião, após aborda- A Marinha do Brasil tem atuado inten-
gem pela equipe de Inspeção Naval da Delega- samente na fiscalização marítima, com os
cia, verificaram-se as seguintes irregularidades seguintes propósitos: a salvaguarda da vida
na Almar II: um tripulante com habilitação humana no mar, a prevenção contra a po-
vencida, cinco tripulantes sem habilitação, luição hídrica e a segurança da navegação.
extintor de incêndio e seguro vencidos, rol (Fonte: www.mar.mil.br)

OPERAÇÃO INÉDITA NO PORTO DE SANTOS


Foi realizada no porto de Santos decidiu trocar as rotas para liberar o Labrea
(SP), em fevereiro último, operação para manutenção no estaleiro, na Ásia. Para
inédita no Brasil  envolvendo dois que a operação fosse realizada com sucesso,
navios simultaneamente – 5.371 con- a equipe especializada da companhia utili-
têineres passaram do  Maersk Labrea, zou oito portêineres, sete deles ao mesmo
da linha Asas, para o Maersk Leticia, tempo, e também os recém-adquiridos
da linha Samba,  em aproximadamente Terminal Tractors, que já estão operando
100 movimentos por hora e  50 horas de desde o início deste ano na companhia.
trabalho. A operação foi efetuada pela Foi desenvolvido um modelo de simu-
Libra Terminais Santos, unidade de ne- lação específico para este projeto, o que
gócios do Grupo Libra, um dos maiores possibilitou sincronizar as movimentações
operadores portuários e de logística do de carga entre os navios, com o  espaço
comércio exterior do Brasil. disponível no pátio hora a hora.
Esse serviço foi feito a pedido da Maer- (Fonte: Insight Engenharia de Comu-
sk, um dos maiores clientes da Libra, que nicação)

DHN ASSUME A PRESIDÊNCIA DO PROGRAMA


INTERNACIONAL DE BOIAS PARA O ATLÂNTICO SUL
A Diretoria de Hidrografia e Navegação cos e meteorológicos, por meio de boias
(DHN) assumiu a presidência do Programa de deriva e de boias meteoceanográficas
Internacional de Boias para o Atlântico Sul fundeadas, nesta região do oceano. A in-
(International South Atlantic Buoy Program dicação de um representante da Marinha
– ISABP). A eleição aconteceu no final do do Brasil como presidente do órgão é de
ano passado em Weihai, China, durante o grande importância para que o País possa
encontro do Painel de Cooperação em Boias consolidar sua liderança regional, com a
de Coleta de Dados (Data Buoy Cooperation consequente projeção internacional, com
Panel – DBCP), com a escolha do Capitão de relação à coleta de dados ambientais, em
Fragata Luis Felipe Silva Santos, da DHN, prol dos Serviços Meteorológicos Marinhos
para o cargo de presidente. e do desenvolvimento científico, com a
O ISABP tem o propósito de estabelecer responsabilidade de fomentar uma maior
e manter uma rede de dados oceanográfi- participação dos países sul-americanos

RMB1oT/2015 315
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

e também africanos, a fim de ampliar a Programa Nacional de Boias, componente


cooperação regional e aumentar a rede de do GOOS-Brasil.
coleta de dados oceânicos. A página do ISABP pode ser acessa-
Atualmente, a DHN exerce a presi- da pelo endereço www.jcommops.org/
dência do Comitê Executivo do Sistema dbcp/isabp, e a do GOOS-Brasil por
Brasileiro de Observação dos Oceanos e www.goosbrasil.org.
Clima (GOOS-Brasil) e a coordenação do (Fonte: Bono no 153, de 6/3/2015)

DPC ASSUME A SECRETARIA-GERAL DA ROCRAM


A Diretoria de
Portos e Costas
(DPC) assumiu, no
final do ano passado,
a Secretaria-Geral da
Reunião Ordinária da
Rede Operativa de
Cooperação Regional
de Autoridades Ma-
rítimas das Américas
(Rocram), durante
sua 17 a edição. To-
mou posse o diretor
de Portos e Costas,
Vice-Almirante Cláu- O diretor de Portos e Costas é o novo secretário da Rocram para o biênio 2015-2016
dio Portugal de Vivei-
ros, que exercerá o cargo durante o biênio A reunião foi presidida pelo então se-
2015-2016. cretário-geral da Rocram e diretor-geral do
A XVII Rocram aconteceu na cidade Território Marítimo e de Marinha Mercante
de Viña del Mar (Chile), entre 10 e 12 de do Chile, Vice-Almirante Humberto Ramí-
dezembro de 2014. Nos dois primeiros dias rez Navarro, e contou com a participação
do evento, foram realizadas as reuniões das delegações de Argentina, Bolívia,
deliberativas, nas quais foram discutidos Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador,
e aprovados temas importantes para os México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai
países envolvidos, como: segurança e e Venezuela, além do diretor da Divisão
proteção marítima, prevenção à poluição de Cooperação Técnica da IMO, Nicolaos
no meio ambiente marinho, formação de Charalambous.
pescadores, incrementos tecnológicos para A delegação do Brasil apresentou duas
facilitar o intercâmbio de informações entre iniciativas adotadas em nosso país, o Sis-
as Autoridades Marítimas, suporte técnico tema Porto Sem Papel e o Simpósio de Se-
entre os membros, intercâmbio educativo, gurança do Navegador Amador, que foram
integração das mulheres nas atividades bem recebidas pelas autoridades presentes,
marítimas, formação de grupos de trabalho, motivando algumas delegações a demons-
dentre outros. trarem interesse pelo aprofundamento do

316 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

assunto e por uma possível aplicação em da Rocram e da Organização Marítima


seus respectivos países. Internacional (IMO) para o desenvolvi-
No dia 12, todas as delegações embarca- mento dos trabalhos a serem realizados,
ram no AP-41 Aquiles, navio de transporte exortou a todos os países a manutenção
da Armada do Chile, que navegou pelo do árduo trabalho que desenvolvem no
litoral das cidades de Valparaiso e Viña del sentido de permitir uma navegação segura,
Mar, fundeando, em seguida, para o início protegida e livre de poluição e exaltou o
da reunião de aprovação do Memorando de compromisso do Brasil em realizar um
Entendimento e a realização da cerimônia trabalho à altura dos seus antecessores,
de transmissão do cargo de secretário-geral fortalecendo, dessa maneira, o verdadeiro
da Rocram. sentido dessa organização – a cooperação
Em suas palavras iniciais no cargo, o entre os países membros.
Vice-Almirante Viveiros enfatizou a im- (Fonte: Informativo Marítimo, vol. 22.
portância do apoio de todos os membros no 3, set./dez. 2014)

Delegações de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru,
Uruguai e Venezuela compareceram ao evento

INSTITUTO DE PESCA LANÇA SITE


O Instituto de Pesca (IP-APTA) lançou, As informações pesqueiras no Estado
no início deste ano, site com informações de São Paulo são coletadas desde 1944. O
sobre a atividade pesqueira no Estado de Instituto de Pesca, desde a sua fundação, em
São Paulo. Na página do Programa de 1969, é a instituição responsável por cole-
Monitoramento da Atividade Pesqueira ta, armazenamento, análise e divulgação
Marinha e Estuarina (PMAP), pesquisado- dessas informações. Os dados registrados
res, estudantes, autoridades, cooperativas, a partir de 1998 já se encontram inseridos
armadores e empresários podem acessar in- em um banco de dados on-line. Trata-se
formações sobre os 15 municípios pesquei- do maior acervo de informações de pescas
ros paulistas, lista de espécies encontradas artesanais e industriais do Brasil. O Insti-
no Estado, produção, captura, aparelhos de tuto de Pesca é coordenado pela Agência
pesca utilizados e número de embarcações. Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
O acesso pode ser feito no link http://www. (APTA), da Secretaria de Agricultura e
propesq.pesca.sp.gov.br/. Abastecimento do Estado de São Paulo.

RMB1oT/2015 317
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O banco de dados permite que diferentes espécies de pescado capturadas e a ativi-


tipos de usuários tenham acesso direto aos dade por município.
dados coletados pelo PMAP. Estes dados As informações disponibilizadas pelo
podem ser utilizados para diversos propó- instituto de pesquisa paulista são obtidas
sitos, como a caracterização da atividade principalmente por meio de entrevistas
pesqueira marinha no Estado e em seus voluntárias com mestres de embarcações
municípios, acompanhamento do desem- e pescadores. Também são utilizados
penho de pescarias específicas, orientação auto-registros e consultas a registros de
no consumo de pescados e avaliação de descarga e comercialização de pescado de
políticas públicas voltadas para a ativi- empresas. Ao todo são monitorados mais
dade pesqueira. Além do banco de dados, de 200 pontos de escoamento de pescado
também estão disponíveis os números já nos 15 municípios da costa paulista.
publicados de Informe Pesqueiro de São (Fonte: Assessoria de Imprensa da
Paulo e informações detalhadas sobre as APTA)

CAMR ATIVA SINAL DE AUXÍLIO À NAVEGAÇÃO NA


PONTE RIO-NITERÓI
O Centro de Sinalização Náutica Al- No local, trafegam navios e embarcações
mirante Moraes Rego (CAMR) ativou de grande porte que demandam os terminais
recentemente, em caráter experimental, petrolíferos ao largo da Ilha do Governador.
dois sinais AIS (Automatic Identification Esses sinais vêm complementar os outros sinais
System) de auxílio à navegação nos pilares luminosos e o Racon (Radio Beacon) existentes
de sustentação do vão central da Ponte Pre- no local, oferecendo novas e melhores referên-
sidente Costa e Silva (Ponte Rio-Niterói), cias para auxiliar o navegante em sua derrota.
na cidade do Rio de Janeiro. (Fonte: www.mar.mil.br)

Ilustração dos dois sinais AIS na Ponte Rio-Niterói

318 RMB1oT/2015
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

LANÇADA a 9a EDICÃO DA REVISTA DE VILLEGAGNON


Foi lançada, em 25 de fevereiro último, a pelas instituições cooperantes, por meio
9a edição da Revista de Villegagnon, publi- de indexação compartilhada.
cação anual que reúne artigos acadêmicos Os artigos da Revista de Villegagnon,
de instrutores, professores e aspirantes da desde a primeira edição, encontram-se na
Escola Naval, a mais antiga instituição de internet para as instituições de pesquisa e
ensino superior do Brasil. A cerimônia do ensino superior que fazem parte da Rede
lançamento, presidida pelo comandante da Pergamum, a qual, em outubro último, já
Escola, Contra-Almirante Marcelo Fran- reunia periódicos de 38 instituições.
cisco Campos, contou com a participação Em 2014, introduziu-se uma importante
do corpo docente, dos disciplina na formação
aspirantes, oficiais acadêmica dos futuros
e convidados civis oficiais da Marinha, a
representantes dos Metodologia de Pes-
patrocinadores da re- quisa, que contempla
ferida publicação. a elaboração de um
Com o apoio do trabalho monográfico
Clube Naval, do Cen- de autoria dos aspi-
tro de Comunicação rantes do último ano.
Social da Marinha e Os ensaios que forem
da Secretaria Esco- recomendados pelos
lar da Escola Naval, docentes-orientadores
foi possível enviar comporão um ban-
a revista em meio co de artigos, à dis-
digital à maioria das posição do Conselho
turmas formadas em Editorial da Revista
Villegagnon. Com o de Villegagnon para
apoio da Diretoria do publicação em suas
Patrimônio Histórico próximas edições.
e Documentação da Nesta última edi-
Marinha e da Biblio- ção, há a versão, pela
teca da Escola Naval, que cadastraram a primeira vez, da revista em inglês, que será
revista na Rede de Bibliotecas da Mari- divulgada pelo Navio-Escola Brasil e pelo
nha (Rede BIM), ela passou a estar dispo- Navio-Veleiro Cisne Branco, quando em
nível para consultas integrando a Rede de viagens de representação, e pelo serviço
Bibliotecas Integradas do Ministério da de Relações Públicas do Gabinete da
Defesa (Rebimd). Atualmente, a Rebimd Escola Naval, por ocasião das visitas de
reúne 87 bibliotecas, sendo 46 da Mari- Marinhas amigas.
nha, 28 do Exército, 12 da Aeronáutica e As versões de todas as edições da Revis-
uma do Ministério da Defesa. A divulga- ta de Villegagnon encontram-se disponíveis
ção é feita pela indexação compartilhada na página oficial do Comando da Marinha
de artigos periódicos, consistindo em (www.marinha.mil.br) e na página da Es-
um serviço cujo propósito é facilitar o cola Naval (www.en.mar.mil.br).
acesso aos artigos periódicos editados (Fonte: Escola Naval)

RMB1oT/2015 319
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

CASNAV CONTRIBUI PARA DESENVOLVER MÓDULO DE


SEGURANÇA DO PROJETO RDS
Será testado no final de 2015, por ções-rádio seguras das Forças Armadas
meio de parceria estratégica entre insti- brasileiras.
tuições de Ciência e Tecnologia milita- A equipe responsável pelo módulo de
res (Centro Tecnológico do Exército – segurança conduziu um trabalho de análise
CTEx e Centro de Análises de Sistemas e tratamento de riscos, que culminou com
Navais – Casnav), o primeiro protótipo a elaboração da política de segurança do
do Módulo de Segurança do Projeto RDS, abrangendo os mecanismos de pro-
Rádio Definido por Software de Defesa teção que serão incorporados em todos os
(RDS). A principal função desse mó- sistemas componentes do rádio. Em agosto
dulo é prover os serviços de segurança do ano passado, cumprindo o planejamento
da informação ao rádio, desenvolvendo elaborado, foi produzido o primeiro protó-
um hardware específico para esse fim, tipo do módulo criptográfico, já contando
denominado módulo criptográfico. com a inserção do algoritmo criptográfico
Desde janeiro de 2013, o Casnav, desenvolvido pela Marinha.
por determinação da Secretaria de Ciên- Dada a sua grande versatilidade, o RDS
cia, Tecnologia e Inovação da Marinha também poderá ser aplicado em outros
(SecCTM), coordena o desenvolvimento setores da sociedade, como nas comunica-
do módulo. ções civis e nas comunicações das forças
Esse projeto estratégico de Pesquisa auxiliares. A parte significativa da P&D
e Desenvolvimento (P&D) pertence ao do projeto RDS é realizada nas instalações
Ministério da Defesa (MD) e está sendo do próprio CTEx, no Núcleo de Inovação
conduzido pelo (CTEx). Em sua fase e Pesquisa em Comunicações Aplicadas à
de testes, terá o propósito de contribuir Defesa (Nipcad).
para a interoperabilidade das comunica- (Fonte: Pesquisa Naval, no 14)

320 RMB1oT/2015

Você também pode gostar