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ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELO BRANCO

Maj Inf MARCO ANTONIO GUIMARÃES INNECCO

A importância do combate em ambiente urbano nos


conflitos modernos e seu emprego no Exército Brasileiro

Rio de Janeiro

2008
Maj Inf MARCO ANTONIO GUIMARÃES INNECCO

A Importância do Combate em Ambiente Urbano nos


Conflitos Modernos e seu Emprego no Exército Brasileiro

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, como requisito
para a obtenção do certificado de
Especialista em Ciências Militares.

Orientador: Cel Inf Ricardo Célio Chagas Bezerra

Rio de Janeiro

2008
I 58 Innecco, Marco Antonio Guimarães.
A Importância do Combate em Ambiente Urbano nos
Conflitos Modernos e seu Emprego no Exército Brasileiro. /
Marco Antonio Guimarães Innecco. 2008.
64f.: 30 cm..

Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de


Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro,
2008.
Bibliografia: f. 61 – 63.

1. Combate Urbano. 2. Doutrina. 3. Casos Históricos.

CDD 355
Maj Inf MARCO ANTONIO GUIMARÃES INNECCO

A Importância do Combate em Ambiente Urbano nos


Conflitos Modernos e seu Emprego no Exército Brasileiro

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, como requisito
para a obtenção do certificado de
Especialista em Ciências Militares.

Aprovado em

COMISSÃO AVALIADORA

______________________________________________
Ricardo Célio Chagas Bezerra – Cel Inf – Dr Presidente
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

______________________________________________
João Alcides Loureiro Lima – Cel Inf – Dr Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

_____________________________________________
Helder de Freitas Braga – Maj Inf – Dr Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
À minha esposa Jacira e aos meus
filhos Guilherme e Gustavo, o meu sincero
reconhecimento pela paciência e dedicação que
me dispensaram durante a execução deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela saúde e paz de espírito que desfrutei nesse período, o que me deu a

tranqüilidade necessária para a conclusão deste trabalho.

À ECEME e seus instrutores, pelos ensinamentos transmitidos e pela oportunidade

de vivenciar experiências importantes na análise dos diversos temas referentes ao

tema estudado.

Aos meus pais, Antonio Innecco Filho e Inácia Guimarães Innecco, pela educação,

apoio e exemplo que me proporcionaram durante toda a minha vida e, em especial

nesta nova fase.

Ao Coronel Ricardo Célio Chagas Bezerra, meu ilustre orientador, não só pelas

orientações firmes e seguras, como também pelas demonstrações de apoio e

camaradagem, sempre que necessário o que permitiu a conclusão segura deste

trabalho acadêmico.

Por fim, à minha esposa, Jacira Torres de Almeida Innecco, e aos meus dois filhos,

não apenas pela dedicação e apoio que me dedicaram neste período, mas

principalmente pela paciência e compreensão de minha ausência em muitos

momentos, o que me deu a harmonia para a conclusão deste trabalho. Agradecer

aos meus entes queridos, mais do que uma formalidade, é uma obrigação e uma

oportunidade de expressar, ainda que de forma tímida, meu reconhecimento e meu

respeito. De forma particular neste momento, devo destacar a participação de minha

esposa dedicada e mãe de grande responsabilidade, atuando sempre que preciso,

de que forma que minha tarefa nesta empreitada fosse a mais suave possível.
RESUMO

Com a crescente urbanização que vem ocorrendo no mundo globalizado, os conflitos

bélicos mais recentes têm se desenvolvido em grande parte nos centros urbanos e

nas suas vizinhanças. Coerente com este cenário surgiram novos fatores a se

considerar, tais como a maior necessidade de controle da população civil, a atuação

das organizações não-governamentais e a presença da imprensa, transmitindo em

tempo real. Neste trabalho acadêmico ateve-se apenas ao combate urbano no

contexto das operações ofensivas, partindo da observação de três casos históricos

distintos: a batalha de Grozny, na Rússia; a conquista de Bagdá, no Iraque; e a

retomada da cidade de Fallujah, também no Iraque, para colher os ensinamentos

advindos de outros países. Com o objetivo de se padronizar o terreno em que as

operações iriam ser observadas, caracterizou-se de maneira particular o ambiente

operacional urbano, por meio de suas peculiaridades mais importantes, merecendo

uma atenção especial o controle da população. Posteriormente, foi feita uma

avaliação da doutrina militar brasileira de combate em localidade, a fim de se

determinar as lacunas e deficiências existentes, traçando um paralelo com os casos

históricos estudados, tudo com a finalidade de se chegar a um parecer detalhado do

assunto. Essa análise da documentação nacional propiciou um “retrato” dos manuais

militares a respeito do assunto, pois este postulante pôde comprovar a insuficiência

e desatualização dos volumes examinados, determinando, assim, a necessidade de

se aprimorar o estudo da doutrina militar brasileira de combate em áreas edificadas,

a fim de que o Exército Brasileiro esteja preparado para ser empregado em um

conflito desta natureza.

Palavras-chave: combate urbano, doutrina, casos históricos.


RESEÑA

Con el aumento de la urbanización que se ha producido en el mundo globalizado, los

más reciente conflicto se han desarrollado en gran medida en los centros urbanos y

en sus vecindarios. En consonancia con este escenario surgieron nuevos factores a

considerar, tales como la necesidad de un mayor control de la población civil, las

actividades de las organizaciones no gubernamentales y la presencia de la prensa,

se transmite en tiempo real. En este trabajo académico ateve es sólo el combate

urbano en el contexto de las operaciones ofensivas, basadas en la observación de

tres casos históricos: la batalla de Grozny, Rusia, la conquista de Bagdad, Iraq, y la

reanudación de la ciudad de Fallujah, también en Iraq, para cosechar la experiencia

adquirida de otros países. Con el fin de estandarizar la forma en que las operaciones

se observó, que se caracteriza a sí mismos en un entorno operativo, en zonas

urbanas a través de sus peculiaridades más importantes, que merecen una atención

especial al control de la población. Posteriormente se hizo una evaluación de la

doctrina militar de los combates en la ciudad brasileña, con el fin de determinar las

lagunas y debilidades, un trazado paralelo a la histórica casos estudiados, todo ello

con el objetivo de llegar a un dictamen razonado de la materia. Este análisis de la

documentación nacional permitió una "fotografía" de los manuales militares sobre el

tema porque este postulante podría ser el fracaso de los volúmenes y

desatualização examinados, determinar, así, la necesidad de mejorar el estudio de la

doctrina militar brasileña de los combates en zonas construido de manera que el

Ejército brasileño está siempre listo para ser usado en un conflicto de esta

naturaleza.

Palabras llave: combate urbano, doctrina, casos históricos.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Batalha de Stalingrado...........................................................23

FIGURA 2 - Modelo de áreas urbanas extensas........................................26

FIGURA 3 - Modelo de áreas urbanas menores.........................................26

FIGURA 4 - Morro do Alemão.....................................................................27

FIGURA 5 - Cidade de Grozny....................................................................33

FIGURA 6 - Cidade de Bagdá.....................................................................38

FIGURA 7 - Cidade de Fallujah...................................................................42

FIGURA 8 - Tropa de GLO..........................................................................53

FIGURA 9 - Tropa brasileira no Haiti...........................................................56

FIGURA 10 - Tropa brasileira no Haiti.........................................................56


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação quantitativa para a execução de diferentes operações.....17


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BIB Batalhão de Infantaria Blindado

Bda C Bld Brigada de Cavalaria Blindada

Bda C Mec Brigada de Cavalaria Mecanizada

Bda Inf L Brigada de Infantaria Leve

CC Carro de Combate

CIOPaz Centro de Instrução de Operações de Paz

C2 Comando e Controle

DAMEPLAN Dados Médios de Planejamento

EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais

ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

EME Estado-Maior do Exército

EUA Estados Unidos da América

EB Exército Brasileiro

F Adv Força Adversa

FT Força-Tarefa

F Ter Força Terrestre

Fuz Fuzileiro

GLO Garantia da Lei e da Ordem

IP Instrução Provisória

MEM Material de Emprego Militar

MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti

ONG Organização Não-governamental

ONU Organização das Nações Unidas


PSI Plano de Segurança Integrado

RCB Regimento de Cavalaria Blindado

VBTP Viatura Blindada de Transporte de Pessoal

VBC Viatura Blindada de Combate

SIPLEX Sistema de Planejamento do Exército


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................12
2 CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE URBANO....................................22
3 CASOS HISTÓRICOS.............................................................................29
3.1 COMBATE EM GROZNY........................................................................29
3.1.1 Antecedentes.........................................................................................29
3.1.2 Operações..............................................................................................30
3.1.3 Ensinamentos........................................................................................34
3.2 COMBATE EM BAGDÁ...........................................................................35
3.2.1 Antecedentes.........................................................................................35
3.2.2 Operações..............................................................................................36
3.2.3 Ensinamentos........................................................................................38
3.3 COMBATE EM FALLUJAH.....................................................................39
3.3.1 Antecedentes.........................................................................................39
3.3.2 Operações..............................................................................................40
3.3.3 Ensinamentos........................................................................................41
4 A DOUTRINA NACIONAL DE GUERRA URBANA...............................43
4.1 DOCUMENTAÇÃO EXISTENTE.............................................................44
4.2 I SIMPÓSIO DE COMBATE EM ÁREA EDIFICADA...............................49
4.3 OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM.............................51
4.4 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ............................................54
4.5 AS ESCOLAS MILITARES......................................................................57
5 CONCLUSÃO..........................................................................................58
REFERÊNCIAS.......................................................................................61
13

1 INTRODUÇÃO

A evolução da humanidade ao longo dos anos fez crescer a importância do


combate no interior e na periferia de cidades e localidades edificadas. Nas guerras
mais recentes a conquista de áreas urbanizadas tem sido fator de grande relevância
na decisão dos conflitos. No cenário mundial o exemplo de maior impacto nos meios
de comunicação é o que ainda continua latente no Iraque. Nesse contexto de mundo
globalizado, o Brasil também enfrenta essa realidade na missão da Organização das
Nações Unidas (ONU) para a pacificação do Haiti.
O desenvolvimento de novas técnicas de combate, de novos Materiais de
Emprego Militar (MEM) e armamentos com maiores recursos, aliados ao novo palco
para a realização das batalhas, deixam explicita a necessidade de que seja revista,
analisada e aperfeiçoada a doutrina militar nacional de combate em ambiente
operacional urbano.
A importância deste trabalho reside no fato de que a atual doutrina de
combate em ambiente urbano na Força Terrestre encontra-se desajustada em
relação aos conflitos mais recentes, assim como os manuais dedicam pequena
parcela de conteúdo ao assunto referenciado.
As operações de combate em localidades devem observar as considerações
civis, que de um modo geral, envolvem a situação da população da cidade. Há que
se verificar seu efetivo e que parcela foi evacuada antes do início do combate, bem
como as influências decorrentes de sua presença na área de operações. Outro fator
de extrema relevância a ser considerado é a forma de atuação da mídia, pois na era
do mundo globalizado a imprensa tem papel decisivo no êxito ou fracasso de uma
guerra.
O ambiente operacional urbano pode se apresentar de formas variadas,
desde áreas densamente edificadas, quanto em comunidades carentes, sem
grandes construções. Nesse contexto, o planejador militar deve prever a sua
composição de meios, de acordo com o cenário que se apresenta, sem
desconsiderar também, o inimigo em presença. Com base nesse estudo, irá avaliar
a necessidade de emprego de blindados e aviação do exército. As características e
peculiaridades do ambiente operacional urbano serão abordadas de forma detalhada
no decorrer deste trabalho acadêmico.
14

O Exército Brasileiro tem participado, nos últimos anos, de diversas


operações em ambiente urbano, porém dentro do enfoque de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO). São exemplos recentes a segurança da Conferência Mundial para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento (conhecida como ECO 92), realizada no Rio de
Janeiro, em 1992; a Operação Rio, nos anos de 1994 e 1995, com a finalidade de
reduzir a criminalidade na cidade do Rio de Janeiro; e a Operação Mandacaru, cujo
objetivo era combater o plantio e a venda de maconha no interior do estado de
Pernambuco. Cabe ressaltar que essas operações, como já citado, não se
enquadram como guerra urbana, entretanto, ainda assim conferem uma pequena
experiência que pode ser adaptada e aproveitada, mesmo que de forma limitada,
nas operações de combate em áreas edificadas.
Consoante com o anteriormente exposto, esta pesquisa terá como meta
contribuir com a adequação e modernização da doutrina militar brasileira de combate
em ambiente urbano, permitindo, dessa forma, que a tropa terrestre possa se
adestrar de forma mais eficaz neste tipo de operação, aumentando assim, o poder
militar nacional no cenário internacional.
Assim, o tema escolhido para esta pesquisa é: “A importância do combate em
ambiente urbano nos conflitos modernos e seu emprego no Exército Brasileiro”. Com
base na matéria proposta, a pesquisa acadêmica será desenvolvida a partir de uma
comparação entre a doutrina adotada pela Força Terrestre e a de outras nações com
experiências mais recentes no combate urbano. Dessa forma, a análise histórica dos
combates travados a partir da segunda metade do século passado, permitirá
identificar os aspectos doutrinários evidenciados e aqueles que porventura foram
negligenciados, extraindo-se as lições aprendidas.
Nas últimas décadas, as guerras têm evidenciado novas características, pois
tem ocorrido uma migração dos conflitos do campo aberto e dos ambientes de selva
para as áreas edificadas.
O Exército dos Estados Unidos da América (EUA) preocupado com o
aumento dos combates em localidades prevê em seu manual de operações urbanas
FM 3-06 que essas operações podem conter todas as variedades de operações
militares (ofensiva, defensiva, estabilidade e apoio), as quais podem ser executadas
seqüencialmente ou simultaneamente.
15

Apesar disso, o Exército Brasileiro ainda carece de uma doutrina mais


atualizada que oriente a preparação e o emprego da Força Terrestre neste tipo de
ambiente operacional.
Assim sendo, a situação-problema levantada nesta pesquisa é a seguinte: a
atual doutrina de combate urbano do Exército Brasileiro está adequada à nova
realidade mundial?
O campo a ser estudado será o do ambiente operacional urbano moderno, e
nesse contexto, serão objetos deste trabalho apenas as operações ofensivas, tanto
as convencionais, quanto as operações de manutenção da paz. Não será assunto
direto deste trabalho a realização de operações tipo polícia, realizadas em um
quadro de garantia da lei e da ordem.
Na pesquisa, as operações de combate urbano ocorridas no mundo, nas
últimas décadas, serão analisadas como fontes de subsídios para o
aperfeiçoamento da doutrina militar brasileira.
O trabalho pretende analisar as diversas operações militares em ambiente
urbano, conduzidas por diferentes forças de diversos países, com a finalidade de
comparar com a realidade nacional e propor sugestões para uma maior aproximação
do preparo da tropa para essas missões de grande importância no mundo moderno.
A população mundial tem crescido de forma progressiva nos últimos anos,
exceção feita a poucos Estados que utilizam programas de controle da natalidade.
Esse crescimento, associado às facilidades proporcionadas pela tecnologia, fez com
que as cidades ganhassem cada vez mais importância em relação às áreas rurais.
Coerente com essa realidade, os conflitos bélicos modernos têm cada vez
mais como cenário, as áreas edificadas, o que obriga aos exércitos a se adequar e
buscar uma nova forma de adestramento, preparo e emprego para fazer face a esse
novo desafio. Conflitos recentes indicam essa necessidade, pois a conquista de
áreas urbanas tem, invariavelmente, definido essas guerras.
A História Militar moderna é repleta de exemplos que corroboram a
importância do assunto. Desde os combates no Líbano aos mais recentes no Iraque,
passando por Grozny, na Chechênia, entre outros, todos deixaram importantes
ensinamentos a serem devidamente avaliados para operações futuras.
No Brasil, apesar de sua dimensão e importância no subcontinente sul-
americano, não há grandes exemplos de operações dessa natureza. Até por esse
motivo, as publicações militares a respeito são insuficientes, apesar de a Força
16

Terrestre já ter dado maior ênfase a esse tema, principalmente no momento em que
ocorre a participação brasileira na missão de paz da Organização das Nações
Unidas (ONU) para estabilização no Haiti (MINUSTAH).
Dessa forma, essa pesquisa é valorizada por colocar em evidência um
assunto sensível e atual que, ao ser pesquisado pode contribuir para o
aperfeiçoamento da doutrina de emprego do Exército Brasileiro em operações
ofensivas de combate urbano.
Pretende-se que esta pesquisa possa contribuir para o aperfeiçoamento e
atualização da doutrina militar brasileira, no que diz respeito às operações em
ambiente urbano.
Assim sendo, ao final do estudo, o trabalho deve fornecer uma análise das
operações mais recentes ocorridas no mundo, estabelecer uma relação com a
doutrina militar nacional e, assim, propiciar subsídios para um aperfeiçoamento ou
reorientação da Força Terrestre para a atuação em operações de combate urbano.
O aperfeiçoamento da doutrina, com base na observação de erros e acertos
de outros exércitos, irá contribuir para aprimorar o planejamento dos chefes
militares, bem como pode colaborar com o ensino militar nas diversas escolas de
formação, aperfeiçoamento e especialização do Exército Brasileiro.
O referencial teórico que embasará a questão a ser estudada, bem como
contribuirá para a solução do problema está composto por obras nacionais e
estrangeiras a respeito do assunto. Serão abordados conceitos doutrinários iniciais
que versem sobre o estudo do poder de combate, as características que envolvem
as operações urbanas e dados coletados de operações recentes.
O conceito de poder de combate e suas particularidades deve ser a base para
o estudo do tema proposto. O manual de campanha C 100-5 Operações (BRASIL,
1997) assim o define:
O poder de combate é a capacidade de combate existente em determinada
força, resultante da combinação dos meios físicos à disposição e do valor
moral da tropa que a compõe, aliados à liderança do comandante da tropa.
O poder de combate depende, em larga escala, das qualidades de chefia e
da competência profissional do comandante, traduzidas na organização,
adestramento, disciplina, espírito de corpo, estado do equipamento e
emprego engenhoso das forças. Depende, também, das características e
possibilidades dos meios que compõem essas forças.

Ao se analisar esta definição, verifica-se que o poder de combate é resumido


sinteticamente em três aspectos: meios físicos disponíveis, valor moral da tropa e
liderança do comandante. Dentre esses, o valor moral da tropa e a liderança do
17

comandante são de difícil mensuração e são desenvolvidos de forma constante,


desde o adestramento da tropa até sua participação em combate. Em contrapartida,
os meios disponíveis são mais facilmente mensuráveis, variando a cada operação,
conforme decisão do escalão superior. Baseado nessa análise, quando se planeja
uma operação, em geral, determina-se o “poder de combate” somente como a
quantidade de meios colocados à disposição de determinado comando.
No entanto, o estudo do poder de combate por si só não é completo, pois de
nada vale se não houver um termo de comparação para saber se realmente ele será
eficaz para o cumprimento da missão recebida ou não. O melhor meio de chegar-se
a tal conclusão é a confrontação do poder de combate dos dois opositores em cada
operação. Surge daí o conceito de poder relativo de combate.
Valor comparativo da capacidade combativa de duas forças oponentes
levando em conta não só a comparação quantitativa e qualitativa dos seus
meios físicos (elementos de manobra, de apoio, de comando), como
também das condições situacionais (atitude, dispositivo, terreno,
disponibilidade de informações) e dos fatores morais (valor profissional dos
comandantes e valor moral das tropas envolvidas). (ECEME, 2002)

O estudo do poder relativo de combate deve ser utilizado para determinar a


superioridade, a inferioridade ou a igualdade das forças que se enfrentam e a sua
finalidade deve ser fixar uma relação de poder de combate, indicativa para o
desenvolvimento das diferentes operações e estimar a degradação do poder relativo
de combate. (ECEME, 2004)
O exército dos Estados Unidos corrobora tais princípios ao estabelecer em
seu manual de operações FM 3-0, que poder de combate é o total de forças
destrutivas que uma unidade militar ou formação pode aplicar contra um adversário
em determinado momento. Devem-se combinar os elementos do poder de combate
– manobra, poder de fogo, liderança, proteção e informação – para adaptar-se
constantemente e derrotar o inimigo. Derrotar o inimigo requer aumentar as
diferenças entre as forças amigas e inimigas reduzindo o poder de combate inimigo.
Isso pode ser feito sincronizando os elementos do poder de combate das forças
amigas para criar efeitos esmagadores no momento e local decisivo. Concentração
do poder de combate assegura o sucesso e nega ao inimigo qualquer chance de
manter resistência adequada. O efeito da massa criado pela sincronização dos
elementos do poder de combate é a forma segura de limitar as baixas amigas e
acelerar o fim da campanha ou operação. (ESTADOS UNIDOS, 2001)
18

A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) adota como


instrumento de análise, durante o estudo de situação, os dados médios de
planejamento (DAMEPLAN) constantes de sua publicação escolar ME-101-0-3
(ECEME, 2004). Nesse documento constam várias tabelas e fórmulas que permitem
chegar a um valor numérico representativo do poder de combate de cada um dos
oponentes e, em conseqüência, ao poder relativo de combate.
O cálculo apresentado pela ECEME relaciona como itens básicos do poder de
combate os elementos de manobra e de apoio de fogo. Estabelece, ainda, como
fatores multiplicadores: terreno, vegetação, visibilidade, moral, efetivo profissional,
experiência de combate, enquadramento, capacidade logística, capacidade de
comunicações, engenharia, guerra eletrônica e artilharia antiaérea.
A ECEME apresenta na mesma publicação escolar uma tabela onde
especifica a relação que se deve buscar entre o número de peças de manobra para
a execução de diferentes tipos de operações.
Missão Proporção (mínima)
Principal 3/1
Ataque Secundário 2/1
Fixação 1/1
Defesa 1/3
Tabela 1 – Relação quantitativa para a execução de diferentes operações
Fonte: ECEME (2004, p. 3-11)

Observa-se, pois, que o estudo é apresentado de forma genérica, não


apresentando qualquer afirmação que particularize a análise para operações em
áreas edificadas. A única referência ao ambiente operacional é feita quando se
aborda o fator terreno/vegetação, contudo, diz respeito apenas às seguintes
classificações: planície, movimentado/acidentado, montanhoso, selva e deserto.
(ECEME, 2004, p 3-10)
O combate em cidades sempre esteve presente na história das guerras e,
com a crescente urbanização, sua realização será cada vez mais certa, embora seja
um preceito doutrinário de muitos exércitos, inclusive o brasileiro (BRASIL, 1997),
que as cidades constituem obstáculos ao avanço das tropas, devendo, sempre que
possível, ser desbordadas. As áreas edificadas abrigarão combates por controle de
determinadas regiões, pela importância da localidade na manobra estratégica ou
como enfrentamento, visando à destruição do oponente. Como exemplo recente, na
última guerra do Iraque, as forças norte-americanas decidiram por conquistar as
19

cidades de Karbala e An Najaf, devido à profundidade da área de operações, que


viria por se estender por cerca de 600 quilômetros em território iraquiano. Havia,
sobretudo, imposições de caráter logístico para que a cidade fosse conquistada e
utilizada como suporte ao avanço da força terrestre. (FAGAN, 2006)
As áreas urbanas revestem-se de características peculiares, que fazem delas
um ambiente operacional totalmente diferenciado. As construções, contendo
estruturas resistentes de alvenaria, de concreto armado e aço, modificadas para fins
defensivos, assemelham-se a posições defensivas fortificadas, sendo que, se
reduzidas a escombros mantêm seu valor defensivo e, ainda, dificultam o emprego
de tropas motorizadas, mecanizadas ou blindadas (BRASIL, 1997). Ressalta-se
também o caráter tridimensional do terreno, com o uso de passagens subterrâneas
(metrô, esgoto, água) e os diversos andares das construções.
O manual de campanha C 7-1 (BRASIL, 1984), que versa sobre o emprego
da infantaria, sintetiza os aspectos que caracterizam o combate em áreas edificadas:
- observação e campos de tiro reduzidos, pela limitação imposta pelas
construções, seu porte e disposição em quarteirões, ruas e avenidas;
- dificuldade de coordenação e controle, pela compartimentação do
terreno, fazendo com que predominem o emprego de pequenas frações, sendo
fundamental a iniciativa e o perfeito entendimento da missão e intenção do
comandante;
- dificuldade de localizar-se o inimigo, pelas características do terreno,
fazendo com que haja um predomínio do combate aproximado e, aliando-se essa
característica à dificuldade de observação e reduzidos campos de tiro, uma
dificuldade de apoio de fogo terrestre e aéreo;
- maior necessidade de segurança em todas as direções, também
devido à extrema compartimentação do terreno;
- largo emprego de obstáculos artificiais, com o uso de destruições
para gerar escombros que aumentem o valor defensivo de determinadas regiões;
- reduzido ritmo das operações;
- necessidade de controle de incêndios e outras calamidades; e
- necessidade de controle da população civil.
As características descritas acima influenciam sobremaneira o planejamento
militar tanto do defensor como do atacante. Baseando-se nessa premissa, o
presente estudo pretende identificar possíveis diferenças de abordagem a serem
20

discutidas quando da determinação do poder de combate necessário à realização de


um ataque a áreas edificadas.
Como fator de análise e suporte para as conclusões que se espera com o
presente estudo serão analisadas batalhas que envolveram operações de ataque a
áreas edificadas a partir da segunda metade do século XX. Com isso, procura-se
suprir a deficiência da pesquisa por não haver possibilidade de realizar um trabalho
experimental, substituindo-o por estudos de casos históricos. A delimitação no tempo
deve-se às particularidades que envolvem os combates a partir do término da
segunda guerra mundial, procurando adequar os resultados do estudo às
características dos conflitos contemporâneos.
Foram selecionados três casos históricos como suporte do trabalho. Em dois
deles será visto o emprego do exército dos Estados Unidos no Oriente Médio e no
outro, o do exército russo em operações recentes de combate em áreas edificadas.
Encerrando a análise teórica da pesquisa, pretende-se um estudo nos
documentos operacionais do Exército Brasileiro que tratam do assunto, quais sejam:
manual de campanha C 100-5 OPERAÇÕES; manual de campanha C 7-1
EMPREGO DA INFANTARIA; manual de campanha C 2-1 EMPREGO DA
CAVALARIA; manual de campanha C 7-20 BATALHÕES DE INFANTARIA; manual
de campanha C 31-50 COMBATE EM ZONAS FORTIFICADAS E LOCALIDADES.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar a importância do combate em
ambiente urbano nos conflitos modernos e seu emprego no Exército Brasileiro.
Apresenta, ainda, como objetivos específicos, os seguintes:
- caracterizar o ambiente operacional urbano;
- identificar as características e peculiaridades do combate em ambiente
urbano;
- identificar o tipo de adestramento necessário para o combatente em
operações urbanas;
- identificar as principais lições aprendidas dos combates urbanos nas últimas
décadas;
- comparar a doutrina do Exército Brasileiro com a de outros exércitos no
tocante a operações ofensivas em áreas edificadas; e
- identificar aperfeiçoamentos a serem propostos na doutrina de emprego do
Exército Brasileiro em operações em ambiente urbano.
21

Com base nesses objetivos procurar-se-á nas pesquisas confirmar as


seguintes hipóteses:
- a doutrina militar brasileira sobre combate em áreas edificadas não é
suficientemente adequada para os dias atuais; e
- é viável a adaptação da doutrina de outros exércitos à realidade brasileira.
As variáveis a serem exploradas permitirão obter mensurações necessárias
para fundamentar os estudos, permitindo dessa forma, a possível comprovação das
hipóteses levantadas.
No trabalho em questão, a fim de permitir alcançar os objetivos
supramencionados, foram selecionadas as seguintes variáveis:
- Variável I: a análise das características e peculiaridades do combate urbano,
nos conflitos recentes.
- Variável II: a doutrina de emprego do Exército Brasileiro em operações de
combate urbano
Para levar a cabo este trabalho, o referencial metodológico será desenvolvido
com base em pesquisa bibliográfica e documental, compreendendo as seguintes
técnicas:
- será realizado um estudo exploratório sobre a doutrina de emprego
de outros exércitos, com base na observação e avaliação das operações ocorridas
no mundo, nas últimas décadas;
- será realizado um estudo preliminar, baseado no que prescreve a
doutrina do Exército Brasileiro e no que já se tem realizado durante as missões e
exercícios de combate em áreas edificadas no Exército Brasileiro;
- o método será o comparativo, levando-se em conta a doutrina
nacional atual e a de exércitos de outros países; e
- o tipo de pesquisa que servirá de base será a pesquisa qualitativa.
Para isso, a pesquisa seguirá os seguintes passos:
- levantamento da bibliografia, relatórios e documentos pertinentes;
- seleção da bibliografia e documentos;
- leitura da bibliografia e da documentação selecionada;
- pesquisa de levantamento de dados, por intermédio de questionários
e entrevistas direcionadas a profissionais que possuam notório conhecimento do
assunto tema desta pesquisa, assim como militares brasileiros e de nações amigas
que possuam experiência neste tipo de operação;
22

- montagem de arquivos: ocasião na qual serão elaboradas as fichas


bibliográficas de citações, resumos e análises; e
- análise crítica das informações obtidas e consolidação ou retificação
das hipóteses levantadas.
A coleta de material será realizada por meio de consultas à bibliografia
disponível nas bibliotecas da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) , assim como serão consultadas
publicações em jornais e revistas especializados, além de páginas eletrônicas da
rede mundial de computadores.
A consulta a manuais do Exército Brasileiro e de outras nações servirá para
consolidar a base bibliográfica na qual a pesquisa se assentará. O suporte
documental será complementado pela análise de relatórios e entrevistas, além das
pesquisas realizadas durante o processo.
O trabalho terá prosseguimento com a elaboração do texto onde constarão as
questões, objeto de estudo, enfatizando as conclusões válidas a respeito do
emprego de outros exércitos em operações em ambiente urbano, que podem se
adaptadas a nossa doutrina, com a finalidade de contribuir para o aperfeiçoamento
da mesma para a realidade do mundo moderno.
23

2 CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE URBANO

“O general Paulus falou pessoalmente, por rádio, com Hitler em 25 de outubro e garantiu ao
Führer que Stalingrado estaria tomada até 10 de novembro. Já na cidade, lutando casa a casa, os
alemães não se deram conta de que estavam entrando numa imensa armadilha”
Pedro Tota

Com a finalidade de permitir uma perfeita compreensão do assunto objeto do


presente estudo, há a necessidade de se definir e caracterizar de forma clara o
ambiente operacional urbano, ou seja, o terreno no qual as operações serão
analisadas.
O ambiente urbano, também designado neste trabalho como localidade, deve
ser considerado conforme os vários fatores que o integram e que influem na sua
rotina. Segundo o manual de operações urbanas FM 3-06, do Exército dos EUA,
“embora as áreas urbanas possuam aspectos gerais semelhantes, cada ambiente
urbano é distinto do outro e reagirá à presença e às operações das forças de um
exército de forma diferente”.
Dessa forma, pode-se definir localidade como uma área edificada, dotada de
uma infra-estrutura mínima, com a finalidade de atender às necessidades básicas da
população que a habita. A partir desta definição, pode-se evoluir para um conceito
mais completo, como o que está descrito no Manual de Campanha de Operações do
Exército Brasileiro:
As áreas edificadas (localidades), contendo estruturas resistentes de
alvenaria ou de concreto armado e aço, modificadas para fins de defesa,
assemelham-se às áreas fortificadas. Consistem, principalmente, de
localidades contendo construções reunidas em quarteirões ou de áreas
constituídas de grandes complexos industriais. (BRASIL, 1997)

Desde o início da civilização as cidades foram planejadas para proteger sua


população de invasores estrangeiros. Isto vem ocorrendo na história da humanidade
quase que como uma necessidade básica, pois sem a sensação de segurança nada
pode se desenvolver de forma racional e harmônica. E, assim, tanto nas pequenas
vilas e povoados, como nas cidades de maior porte a segurança sempre foi uma das
primeiras medidas estabelecidas.
Com a evolução da humanidade houve um grande crescimento da
urbanização, o que acabou por transformar de forma definitiva os conglomerados
24

urbanos em objetivos militares a serem conquistados, sem os quais não se pode


definir os destinos do conflito.
Com a chegada do século XX e em decorrência do supramencionado
aumento da urbanização, agravado pelos avanços trazidos pela Revolução
Industrial, as operações militares em áreas urbanas ganharam um ímpeto
considerável.
Apesar de este trabalho ter seu limite temporal a partir do término da 2ª
grande guerra mundial, deve-se citar a Batalha de Stallingrado como marco
referencial em termos de guerra urbana. “Talvez a Batalha de Stallingrado (1942-
1943) seja um ponto de referência, no século passado. Não que tenha sido a
primeira – longe disso – mas por ter sido aquela que mostrou ao mundo as reais
conseqüências de se operar nesse tipo de ambiente. O combate, de cerca de trinta
dias, terminou com um saldo de mais de 1.630.000 vítimas.” (BASTO, 2003, p. 23)

Figura 1 – Batalha de Stalingrado


Fonte: www.vitruvius.com.br (2008)

A partir daí se intensificou o número de cidades e localidades que serviram de


cenários de conflitos militares, como: Beirute, Santo Domingo, Cidade do Panamá,
Mogadíscio, Grozny, Belgrado, Bagdá e Haiti.
O manual norte-americano FM 3-06 (ESTADOS UNIDOS, 2001), descreve
que “as áreas urbanas variam de acordo com sua história, cultura de seus
habitantes, desenvolvimento econômico, clima local, material de suas construções e
25

muitos outros fatores.” Essa complexidade do ambiente urbano obriga ao planejador


militar ter pleno conhecimento das peculiaridades da localidade em que irá operar.
Assim, pode-se citar, além dos fatores da decisão, como principais
características de uma localidade ou área urbana, que possam vir a influir numa
operação militar, as seguintes:
- a arquitetura da localidade;
- sua população;
- os principais pontos críticos existentes;
- a estrutura de transporte;
- as principais vias de acesso internas e externas;
- os meios de comunicação, inclusive a mídia;
- os órgãos de segurança;
- as instalações hospitalares;
- as igrejas;
- as estações de abastecimento de água e fornecimento de energia; e
- a atuação de grupos hostis.
Além das características anteriormente citadas, dois aspectos fundamentais
de uma localidade devem ser estudos minuciosamente: o controle da população e a
existência de edifícios fortificados.
O controle adequado da população é uma tarefa extremamente delicada e
está diretamente ligada ao êxito da operação, principalmente nos dias atuais, devido
à superexposição da tropa em relação à mídia, que transmite de dentro do Teatro de
Operações, por vezes em tempo real. Assim sendo, deve-se estabelecer de forma
bastante clara e, em todos os níveis, regras de engajamento a serem rigorosamente
seguidas dentro do ambiente operacional urbano. O controle da população pode ser
feito por vários processos: restringindo o acesso a áreas críticas; canalizando o
movimento; por meio de cadastramento; utilizando operações de inteligência;
controlando o acesso a certos produtos; estabelecendo-se toque de recolher, além
de outras medidas de cunho restritivo.
Já a existência de edifícios fortificados, ou seja, dotados de uma arquitetura
de controle, pode representar um grave obstáculo à tropa atacante. Como exemplo
pode-se mencionar os centros comerciais, conhecidos como shopping centers, os
estabelecimentos carcerários, aeroportos e centros industriais. “As operações
urbanas são difíceis e uma ação armada contra edifícios na cidade é um grande
26

desafio até mesmo para unidades bem equipadas e treinadas.” (GRAU, MILITARY
REVIEW, 3º Trim 2004)
Nos dias atuais há uma grande diversidade de tipos de localidades e o
planejador militar necessita conhecer detalhadamente o terreno no qual irá operar,
pois só desta forma poderá, após seu minucioso estudo de situação, decidir pela
melhor forma de manobra a ser adotada, bem como os meios adequados para o
cumprimento de sua missão.
Dessa forma, torna-se imperativo estabelecer um padrão para as localidades,
que se fundamente principalmente em sua área e no efetivo de sua população. O
manual norte-americano FM 3-06 (ESTADOS UNIDOS, 2001) adota uma
classificação quanto ao tamanho geral da população:
- vilas – até 3000 habitantes;
- pequenas cidades – entre 3000 e 100.000 habitantes;
- cidades – entre 100.000 e 1.000.000 de habitantes;
- metrópole – entre um e dez milhões de habitantes; e
- megalópole – acima de um milhão de habitantes.
Segundo BASTO (2003), para fins militares ficaria mais adequada a
classificação que se segue:
- vilas – população menor que 3000 habitantes;
- cidades pequenas – população abaixo de 100.000 habitantes;
- cidades médias – população entre 100.000 e 800.000 habitantes;
- cidades grandes (ou metrópoles) – população acima de 800.000 habitantes;
- megacidades – população acima de 10.000.000 de habitantes; e
- cidades globais – aquelas que, independente de população, tem grande
valor estratégico no contexto mundial, fruto do fenômeno da globalização. Sendo
assim, corre o risco político (não o militar) de uma operação, já que provavelmente a
mesma terá grande repercussão na mídia.
O mesmo manual norte-americano FM 3-06 estabelece dois tipos de modelos
para as áreas urbanas, só que desta vez utiliza as dimensões da localidade como
parâmetro, bem como o formato da disposição das ruas, prédios e demais acidentes
naturais e artificiais presentes na localidade. Assim, o supracitado manual define
quatro modelos de áreas urbanas extensas: satélite, rede, linear e segmentado
(Figura 2); e três modelos urbanos menores: radial, grade e irregular (Figura 3).
27

Figura 2 – Modelos de áreas urbanas extensas


Fonte: FM 3 – 06 (EUA)

Figura 3 – Modelos de áreas urbanas menores


Fonte: FM 3 – 06 (EUA)

Além disso, nos dias atuais há que se considerar também dois tipos
específicos de localidade, as cidades históricas, ou seja, aquelas tombadas por
serem patrimônios históricos da humanidade, ou ainda, as cidades ditas sagradas
para determinado povo, como Jerusalém, em Israel, e, além dessas, as
comunidades carentes, também designadas como favelas, aqui no Brasil. As
28

primeiras podem causar grande comoção na comunidade internacional em caso de


um conflito bélico e da sua conseqüente destruição, trazendo assim reflexos
negativos para a tropa atacante perante à opinião pública em geral, inclusive de seu
país de origem. Já nas favelas, como no Complexo do Morro do Alemão (Figura 3),
os conflitos militares podem acabar por se transformarem em grandes tragédias
devido à desorganização e a pouca proteção à população local, podendo resultar em
grande número de baixas de civis.

Figura 4 – Complexo do Alemão/RJ


Fonte: Jornal Extra (www.extra.globo.com/fotos) (2007)

Sendo o terreno um dos fatores da decisão a ser analisado por qualquer


comandante militar, é mister que todos os aspectos envolvidos sejam analisados. O
Manual de Campanha de Operações do Exército Brasileiro (C 100-5) esclarece bem
essa necessidade operacional:
O combate em áreas edificadas caracteriza-se pelas ações aproximadas,
pelos limitados campos de tiro, pela limitada observação, pela canalização
do movimento de veículos e pela dificuldade de controle das tropas.
(BRASIL, 1997)

Isto se torna imperativo devido à natureza muito restrita do terreno urbano, o


que favorece ao defensor. É por este motivo que o mesmo manual anteriormente
citado, determina que “quando possível, as áreas edificadas devem ser desbordadas
29

e isoladas. Caso contrário, são utilizados métodos aplicáveis para a redução ou


neutralização das resistências, como nas áreas fortificadas.” (BRASIL, 1997)
Por fim, neste trabalho acadêmico o terreno urbano estará sempre presente
nas análises dos casos históricos a serem abordados no próximo capítulo, bem
como será parte integrante do estudo da doutrina nacional vigente sobre operações
urbanas. No mundo atual não é mais possível fazer um estudo de situação de um
conflito bélico sem levar em consideração as localidades, sejam como teatro de
operações propriamente dito, ou como área de apoio logístico ou administrativo, sem
as quais as operações podem não ter pleno êxito.
30

3 CASOS HISTÓRICOS

“Os tolos dizem que aprendem com seus próprios erros; eu prefiro aprender com o erro dos
outros.”
Otto Von Bismarck

Neste capítulo serão abordados três casos históricos de operações de


combate urbano, ocorridas a partir da segunda metade do século XX, como termo de
comparação com a atual doutrina militar terrestre sobre o assunto, com a finalidade
de possibilitar a atualização desta, uma vez que a mesma encontra-se defasada em
relação às nações mais modernas e com experiências mais recentes em combate no
ambiente operacional urbano.
O estudo desses casos históricos permitirá que se estabeleça um paralelo
com a doutrina em uso no Exército Brasileiro, guardadas as devidas particularidades
de cada força observada, pois há que se respeitar a diferença de potencial das
tropas em questão, em relação à tropa terrestre brasileira.
Para isso, inicialmente será abordada a ação do Exército da Rússia na cidade
de Grozny, na Chechênia, nos anos de 1994 e 1995; posteriormente será analisada
a participação do Exército dos EUA na cidade de Bagdá, capital do Iraque, no ano
de 2003, na Operação Iraque Freedon (Liberdade do Iraque); e finalmente analisar-
se-á novamente a ação do Exército norte-americano, desta vez na operação de
reocupação da cidade de Fallujah, também no Iraque, no ano de 2004.
No Brasil, a Força Terrestre não possui em seu passado recente nenhuma
experiência típica de uma guerra urbana, no entanto vem sendo empregada, a partir
de meados da década de 1990, em Operações de Garantia da Lei e da Ordem, em
comunidades carentes, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, como por
exemplo, na Operação Rio, em 1994. Outro tipo de missão que se aproxima das
operações urbanas é a missão de paz realizada no Haiti, sob a égide da ONU. A
tropa brasileira tem se adestrado de maneira eficaz, por meio de ações reais em
território haitiano.

3.1 COMBATE EM GROZNY

3.1.1 Antecedentes
31

A República da Chechênia, localizada na parte européia da Rússia, entre a


Geórgia e o Mar Cáspio, teve sua independência declarada em 1991, depois do fim
da União Soviética. No entanto, esta declaração foi a principal causa dos conflitos
bélicos entre russos e chechenos, entre os anos de 1994 e 2003.
Dentro desse contexto, tropas russas com um efetivo de cerca de quarenta
mil homens, invadiram a Chechênia em dezembro de 1994. A Rússia tinha dois
objetivos bem específicos ao tentar impedir a separação da Chechênia, o primeiro
era evitar a perda de uma região de grande importância econômica, por ser
produtora de petróleo; o segundo objetivo era coibir a iniciativa de novos
movimentos separatistas em outras regiões da Rússia.
Há quatro batalhas pela cidade de Grozny, sendo a primeira com a invasão
russa, em 1994 e 1995, a segunda ocorreu em março de 1996, com a tentativa
chechena de retomar a cidade, a terceira em agosto do mesmo ano, que culminou
com a retomada efetiva da cidade pelos chechenos, e a última em 1999, que teve
como conseqüência a destruição quase que total da capital da Chechênia.
Entretanto, para fins deste trabalho acadêmico será abordada apenas a primeira
batalha entre russos e chechenos na cidade de Grozny.
Grozny, capital da República da Chechênia, foi fundada em 1818, tornando-se
um importante centro industrial russo após o fim da 2ª Guerra Mundial, no período
conhecido como Guerra Fria, principalmente em virtude da existência de importantes
campos petrolíferos. Por ocasião da invasão russa, em 1994, a população da cidade
era de cerca de meio milhão de habitantes.

3.1.2 Operações
O comando das forças armadas russas esperava um combate rápido e fácil
na Chechênia, entretanto o que ocorreu foi exatamente o inverso, até porque o
próprio exército russo encontrava-se de certa forma desorganizado, também como
conseqüência do momento político vivido pelo país. Isso fica claro na assertiva de
GEIBEL:
A invasão da Chechênia pelo Exército russo em dezembro de 1994 foi
caracterizada por uma confusão generalizada desde o princípio. Aquele não
foi o Exército devotado do período da Guerra Fria, e tampouco compunha-
se de unidades calejadas dos campos de batalha do Afeganistão. Dezenas
de milhares de combatentes veteranos foram dispensados do Exército e
muitas unidades encontravam-se com seus efetivos criticamente
incompletos. (GEIBEL, 1997)
32

Assim, pode-se prever que os combates não seriam tão fáceis quanto
esperavam os comandantes e políticos russos. A tropa atacante russa, para esta
invasão era composta por jovens recrutas convocados. Além disso, a estrutura de
comando estava sobrecarregada por excesso de níveis, o sistema de suprimento era
ineficaz e a inteligência de combate russa encontrava-se defasada. Em suma, o
quadro não era totalmente favorável à Rússia, quanto imaginavam seus líderes, o
que iria ser comprovado nos enfrentamentos que ocorreriam a partir de 31 de
dezembro de 1994.
A força de ataque russa, composta por três colunas sofreu um revés antes
mesmo de iniciar o combate, pois duas dessas colunas foram atacadas assim que
abandonaram suas zonas de reunião, causando grande desorganização e algumas
baixas não previstas nesta fase inicial da operação.
No entanto, esses problemas foram apenas o início de uma série, pois mais
ao norte os chechenos lançaram diversos contra-ataques, valor companhia e
batalhão, ocasionando baixas consideráveis nos efetivos russos. Além disso, o frio
rigoroso era outro óbice a ser enfrentado pelos russos, agravado principalmente
devido à supracitada deficiência logística.
Já os rebeldes estavam combatendo em seu território, operando em um
ambiente amistoso da população, e bem supridos de alimentos, armamento e
munição, além de serem ex-integrantes do exército russo, ou seja, com pleno
conhecimento da doutrina, da tática e das técnicas individuais de combate do
inimigo, só que desta vez estariam utilizando as táticas de guerrilha, dentro do
ambiente operacional urbano. Todo esse cenário conferia um quadro de moral
elevada nos guerrilheiros chechenos, ao mesmo tempo em que abalava a moral da
tropa do lado russo.
Ainda assim, o poder relativo de combate era bastante favorável ao exército
invasor, pois os rebeldes não dispunham de apoio aéreo, e a proporção entre os
combatentes era de 4 para 1 em favor dos russos, o que fica exemplificado pela
citação do site www.midiasemmascara.com.br, em um de seus editoriais:
Os rebeldes chechenos, com um número menor de homens, equipados com
lança-foguetes antitanque portáteis, coquetéis molotov, metralhadoras e
fuzis, transformaram as ruas da cidade numa imensa armadilha para as
forças russas, que além de tudo, eram compostas em sua maior parte de
recrutas desmotivados e pessimamente lideradas. (ZAMBONI, 2004)
33

Antes de entrar na operação propriamente dita, cabe ressaltar que a doutrina


soviética da época da Guerra Fria previa que as áreas edificadas deviam ser
desbordadas, se possível, a fim de se manter a impulsão do avanço das tropas
atacantes, só devendo ser capturada se fosse imprescindível para as operações. Até
porque os “soviéticos reconheciam que não existia nada mais estressante, com
exceção das armas de destruição em massa (WMD), do que um combate urbano.”
(GEIBEL, 2004)
O ataque de 31 de dezembro de 1994 foi precedido por fogos de preparação
da Artilharia e da Força Aérea Russa, durante toda a semana, sendo intensificados
durante o dia 31. O primeiro avanço no interior de Grozny foi feito por tropas
mecanizadas russas, com um efetivo de cerca de 2000 homens, coberto por densa
cortina de fumaça. Entretanto, os guerrilheiros já prevendo o ataque, aumentaram
seu efetivo no interior da capital.
Nesta fase da operação, as tropas blindadas russas estavam se
movimentando pelas avenidas da cidade, sob fogo cerrado dos rebeldes, o que
gerou um avanço lento e extremamente desgastante, fazendo com que as tropas
russas, a despeito de terem participado no passado de operações de combate
urbano, ficassem desorientadas, pois esta tropa em particular não possuía
adestramento em guerra urbana, ocasionando por diversas vezes casos de
fratricídio.
A manobra russa que previa uma junção das tropas mecanizadas com tropas
pára-quedistas lançadas no centro da cidade, não obteve êxito por falhas nas
comunicações. Assim, a 131ª Brigada Malikop, que realizava um ataque central,
acabou ficando isolada e sendo emboscada pelos rebeldes. Merecem destaque
particular os meios de orientação da tropa russa, que possuía apenas mapas e
cartas desatualizadas e em quantidade insuficiente para a necessária
descentralização para as pequenas frações em um combate urbano.
Segundo GEIBEL (2004), a certa altura do combate o comando pára-quedista
percebeu que não estava coordenado no ataque. Isto é mais uma evidência da
desorganização pela qual passou o Exército russo na invasão da Chechênia, e no
ambiente urbano essa falta de coordenação pode ser decisiva.
Estima-se que só no primeiro dia de combate dentro de Grozny, as perdas da
131ª Brigada tenha sido de 20 dos 26 carros de combate (CC), 100 das 120 viaturas
blindadas de transporte de pessoal, e cerca de 50% de seu efetivo, entre mortos,
34

feridos e desaparecidos em combate. Já ao final do mês de fevereiro de 1995, esses


números aumentaram para mais de 1000 mortos e 5000 feridos, além de mais de
800 CC. Dessa forma, pode-se concluir parcialmente que a operação, que se
esperava ser rápida e simples, estava se transformando num grande desastre para a
Rússia.
Após esses insucessos iniciais, os russos passaram a castigar a cidade por
meio de intenso bombardeio de Artilharia e Força Aérea. Essa tática de “terra
arrasada” acabou por transformar a cidade em ruínas (Figura 4), aumentando em
muito também as baixas entre os civis, assim como o número de refugiados. Isso fez
com que os próprios guerrilheiros chechenos abandonassem a cidade. Esses
bombardeios aliados às ações de combate da tropa russa fizeram com que as tropas
federais conquistassem o palácio presidencial, no dia 26 de janeiro e, finalmente no
início de junho daquele ano as forças russas praticamente assumiram o controle da
cidade.

Figura 5 – Cidade de Grozny destruída


Fonte: www.midiasemmascara.com.br (2004)
Entretanto, em 1996, como resultado dos combates travados a partir de
março daquele ano, os rebeldes chechenos reconquistaram sua capital e
expulsaram os invasores russos, naquela que ficou conhecida como a segunda
batalha de Grozny.
35

3.1.3 Ensinamentos
Com o fim dos conflitos entre russos e chechenos faz-se necessário uma
observação detalhada dos erros e acertos de ambos os lados da batalha, entretanto,
dentro do enfoque das operações ofensivas, objeto do presente trabalho acadêmico,
serão abordadas apenas as lições tiradas da ofensiva russa.
As principais deficiências russas observadas no ataque à cidade de Grozny,
fruto da doutrina e adestramento defasados da extinta União Soviética, da década
de 1980, foram as seguintes:
- pontaria individual deficiente, tanto embarcada, quanto desembarcada;
- falta de iniciativa nas pequenas frações, o que é crítico numa operação de
guerra urbana;
- lenta reação individual à surpresa;
- falha no adestramento das tropas de Infantaria, em seus níveis mais
básicos;
- desconhecimento ou pouca informação sobre o inimigo, principalmente sua
perícia e sua vontade de lutar; e
- falta de coordenação nas manobras, principalmente entre as tropas
mecanizadas e pára-quedistas.
As principais decisões acertadas advindas do comando das tropas federais
foram as seguintes:
- emprego de tropas aeromóveis e aeroterrestres em pontos decisivos e
afastados da localidade; e
- emprego de tropas de operações especiais (Spetsnaz) em missões
específicas.
Dessa forma, com base nesses erros e acertos, alguns ensinamentos podem
ser extraídos para emprego em futuras operações urbanas. As tropas federais
deveriam ter procedido com mais paciência, ao contrário do “assalto relâmpago”
pretendido, assim como as barragens de Artilharia e os ataques aéreos, que muito
importantes neste tipo de operação, deveriam ter sido postergados para serem
desencadeados somente quando os grupos de assalto de Infantaria estivessem em
condições de realizar o avanço no interior da localidade, pois assim, segundo
GEIBEL, a “concentração de fogo teria sido curta e violenta, confundindo os
defensores e reduzindo sua capacidade de obter vantagem dos escombros
decorrentes.”
36

Como os rebeldes chechenos eram oriundos do antigo exército soviético, os


russos deveriam ter presumido o tipo de defesa a ser adotado pelos guerrilheiros e a
partir daí orientar suas ações, o que efetivamente não ocorreu. Outra lição a ser
aprendida foi o uso inadequado dos blindados, pois os russos poderiam ter
empregado de forma mais eficaz a grande vantagem blindada que possuíam. Deve
por fim ser ressaltado, ainda como um ensinamento muito importante a negligência
russa em relação ao emprego de tropas de Engenharia, principalmente no apoio à
mobilidade.
Como conclusão parcial desta subdivisão pode-se afirmar que os russos
tomaram algumas decisões equivocadas, entretanto, o que fica bem esclarecido é
que a doutrina de emprego utilizada na Guerra da Chechênia, originária da extinta
União Soviética, deveria ter sido revisada antes dos conflitos urbanos em Grozny.
Ainda que isso não tivesse sido possível, faltou um estudo mais detalhado da área
urbana, bem como do inimigo, principalmente se for considerado que a doutrina
rebelde era a mesma das tropas federais russas.

3.2 COMBATE EM BAGDÁ

3.2.1 Antecedentes
No início do ano de 2003, os Estados Unidos, apoiados por sua aliada mais
tradicional, a Inglaterra, invadiu militarmente o Iraque sob a alegação de que o
regime do ditador Saddam Hussein estava produzindo e armazenando Armas de
Destruição em Massa, que segundo o presidente norte-americano George W Bush,
ameaçavam diretamente o seu país. Outro motivo para a deflagração do conflito,
mesmo sem a autorização da ONU, era uma possível ligação do presidente Saddam
com a organização terrorista Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, principal responsável
pelo atentado terrorista ao complexo de edifícios do World Trade Center, de 11 de
setembro de 2001 nos EUA.
Cabe ressaltar, no entanto, que nenhuma das duas alegações foi comprovada
nem no decurso dos combates e nem após o fim do conflito, em particular sobre as
Armas de Destruição em Massa, pois não foi encontrada nenhuma prova concreta
que justificasse a invasão do Iraque. Apesar disto, o objetivo político de guerra da
campanha foi alcançado, que se constituía em efetuar a deposição do regime
ditatorial de Saddam Hussein e sua captura.
37

A cidade de Bagdá, capital do Iraque, está localizada na parte central do país,


às margens do histórico rio Tigre e possuía na época da invasão norte-americana
uma população de mais de cinco milhões de habitantes. Bagdá é uma cidade de
grande importância na história da humanidade, sendo considerada como uma das
cidades que serviram de berço para a civilização moderna.
Segundo Ferreira, a Operation Iraqi Freedon tinha objetivos bem definidos:
“Em termos genéricos, ela previa o emprego combinado de forças com o intuito de
depor o Governo existente, preservando toda a infra-estrutura nacional,
principalmente os poços de petróleo.” (BRASIL, 2003)
A Terceira Guerra do Golfo, também designada Operação Liberdade do
Iraque, que na realidade ainda permanece latente, teve algumas batalhas e
enfrentamentos específicos em diversas localidades, entretanto nesta subdivisão do
presente capítulo, o autor só irá abordar a tomada da cidade de Bagdá entre os
meses de março e abril de 2003, prendendo-se apenas aos aspectos do combate
em localidades, objeto deste trabalho.

3.2.2 Operações
Sendo Bagdá o centro do poder iraquiano, americanos, britânicos e demais
nações integrantes da coalizão previram um combate duro e prolongado pelo
controle da cidade, enfrentando as tropas bem adestradas da Guarda Republicana
de Saddam Hussein, além de grupos paramilitares, entretanto esta previsão acabou
não se confirmando e a cidade foi conquistada com certa rapidez.
A captura anterior de alguns planos e documentos iraquianos fizeram com
que as forças de coalizão presumissem que iriam encontrar um esquema de defesa
da cidade semelhante ao adotado pelos rebeldes chechenos na cidade de Grozny,
na Chechênia, abordado anteriormente neste trabalho. Dois objetivos em particular
eram fundamentais para o êxito da ocupação de Bagdá, o palácio presidencial e o
Aeroporto Internacional de Bagdá, porque permitiriam o estabelecimento de uma
base de operações praticamente dentro de Bagdá, facilitando o apoio logístico às
operações, assim como serviria também, como fator psicológico positivo aos
atacantes.
O isolamento de Bagdá teve início logo após as ações de reconhecimento,
com o Comando Combinado empregando o V Corpo de Exército, a cavaleiro da
Rodovia 8, com a 3ª Divisão de Infantaria Mecanizada na vanguarda pelo sul e pelo
38

oeste, desbordando e ultrapassando alguns focos de resistência inimigo, tendo a


101ª Divisão de Assalto Aéreo como força de acompanhamento e apoio. O
isolamento da capital iraquiana foi completado com a 1ª Divisão de Marines pelo
leste e, ainda, pelo emprego de forças especiais ao norte.
Cabe ressaltar que as ações sobre Bagdá foram beneficiadas pela conquista
de uma ponte sobre o rio Eufrates, na região de Karbala, pela 3ª Divisão de
Infantaria Mecanizada, pois essa região de passagem obrigatória serviu como via de
acesso das tropas da coalizão para a cidade. Isso se configurou em um grande erro
tático por parte dos iraquianos, pois a ponte não foi destruída anteriormente, assim
como não estava convenientemente defendida.
Após o isolamento, as incursões aliadas sobre Bagdá foram rápidas e
caracterizadas pela conquista de objetivos táticos no interior da cidade, apoiados por
eficazes operações de inteligência. Os principais alvos em Bagdá foram: a
residência oficial de Saddam Hussein, o Quartel General do Serviço de Inteligência,
o Ministério da Defesa, o Centro de Defesa Aérea, o Centro de Comunicações e
diversos palácios presidenciais.
Dessa forma, fica confirmado que o combate em Bagdá foi menos intenso que
o previsto, fazendo com que não fosse utilizada, de um modo geral, a doutrina
tradicional de guerra em localidade, do tipo combate casa a casa. Em vez disso
foram priorizadas as ações de inteligência, o emprego combinado carro-infantaria,
além de um sistema eficiente de comando e controle e a chamada guerra da
informação. Isso tudo foi facilitado pela configuração da cidade, com construções
relativamente baixas, avenidas largas, proporcionando bons campos de tiro.
Assim, a invasão de Bagdá iniciada a 05 de abril de 2003 terminaria cinco
dias depois com a capitulação do regime de Saddam Hussein, caracterizado pela
conquista de Bagdá e a rendição dos soldados da Guarda Republicana e da Guarda
Especial Republicana. A partir daí tinha início o difícil e conturbado período de
transição, o qual ainda não atingiu seu principal objetivo, mesmo após a captura de
Saddam, que é a pacificação do Iraque.
39

Figura 6 – Bagdá bombardeada


Fonte: www.internationalist.org (2003)

3.2.3 Ensinamentos
O Iraque continua nos dias atuais como um problema ainda não resolvido,
tanto para os EUA, como para toda a comunidade internacional, entretanto, o
combate em localidade empregado em Bagdá foi repleto de êxito, permitindo que
alguns ensinamentos bastante relevantes ao sucesso da operação possam ser
considerados para o enriquecimento da Doutrina Militar Brasileira.
Diversas lições foram extraídas desse combate para o Exército Brasileiro,
como a conquista de objetivos emblemáticos para o inimigo como o Aeroporto
Internacional de Bagdá, pois além de ser um importante ponto de apoio às
operações, na orla da localidade, representou também um forte choque psicológico
contra os iraquianos.
Como ensinamento tem-se ainda o emprego da manobra de isolamento da
localidade, associado à execução de rápidas penetrações com forças blindadas
apoiadas por helicópteros. Uma nova tática para emprego urbano que rompeu com o
tradicional faseamento desse tipo de operação, na qual se previa, para depois do
isolamento, uma fase de avanço coordenado de unidades e outra de limpeza. Esse
novo modelo tático buscou alcançar um rápido domínio da cidade, fazendo com que
a Força Terrestre ganhasse mobilidade e agressividade compatível à “nova
blitzkrieg”.
40

Outro ponto fundamental a ser considerado foi o emprego da Inteligência de


combate, presente desde os reconhecimentos iniciais até o investimento
propriamente dito na capital iraquiana. A utilização eficiente do sistema operacional
Comando e Controle, seja por meio da destruição dos meios físicos, seja por ação
da guerra eletrônica e da guerra psicológica, assim como um controle parcial da
mídia, também contribuíram para o sucesso da campanha da coligação na conquista
de Bagdá.
No nível tático, pode-se afirmar que uma grande contribuição foi a viabilidade
de emprego de forças relativamente pequenas (em especial de Operações
Especiais), mas de alto impacto, aliado ao poderio aéreo, o que permitiu a
modelagem e a exploração das oportunidades das batalhas.
Por fim, o combate no interior da cidade obedecendo a critérios bem
definidos, evitou assim grandes engajamentos com tropas a pé, de forma que não foi
necessário o emprego tradicional do combate urbano casa a casa, o que diminuiu
consideravelmente o número de baixas de ambos os lados.
Como conclusão parcial desta subdivisão pode-se afirmar que a batalha pela
conquista de Bagdá, que durou cerca de cinco dias, foi mais curta que o esperado,
prevalecendo de forma marcante a competência e a tecnologia das forças de
coalizão, com o emprego eficiente de todos os sistemas operacionais em contraste
com as forças iraquianas da Guarda Republicana que demonstrou pequeno poder
de reação.

3.3 COMBATE EM FALLUJAH

3.3.1 Antecedentes

A conquista da cidade de Fallujah, conhecida como a “Cidade das Mesquitas”,


em função das mais de duzentas mesquitas existentes naquela cidade e em sua
periferia, ocorrida em novembro de 2004 está inserida no contexto da Operação
Liberdade do Iraque, iniciada no ano anterior. Por seu caráter religioso, essa
localidade assumia uma importância estratégica muito grande, pois sua destruição
poderia atrair a revolta de outros povos do Oriente Médio, reduzindo a liberdade de
ação das forças da coalizão.
Fallujah, um importante foco de resistência sunita, se localiza na província de
Al-Anbar, a cerca de setenta quilômetros da capital iraquiana, às margens do rio
41

Eufrates. Essa cidade emblemática possuía cerca de 350 mil habitantes na época
imediatamente anterior à ofensiva norte-americana.
É importante salientar que a retirada dos marines de Fallujah em abril daquele
ano, deixando a cidade sob o controle dos habitantes locais, permitiu que os
rebeldes insurgentes assumissem o poder na localidade e passassem a se organizar
contra a administração do Iraque.
Dessa forma, antes do ataque propriamente dito, Fallujah sofreu durante
várias semanas com os bombardeios aéreos e terrestres que tinham a finalidade de
inibir e eliminar as ações dos guerrilheiros, assim como preparar uma ofensiva que
propiciasse a retomada do controle sobre essa importante cidade iraquiana. A
campanha de reocupação das cidades em poder dos insurgentes começou ao
primeiro dia de outubro com o assalto a Samarra.

3.3.2 Operações
A localidade de Fallujah tinha prédios com altura máxima de três andares,
porém pelo tempo de preparação que dispuseram, os rebeldes estabeleceram suas
posições defensivas com barricadas e túneis, estando assim muito bem preparados
e organizados para o combate. O inimigo se apresentava sob a forma de
guerrilheiros com um efetivo aproximado de 3000 homens, sob a liderança do
jordaniano Abu Musab al Zarqawi.
O isolamento da cidade de Fallujah foi feito da forma clássica, com a
conquista de objetivos na orla anterior da localidade, precedidos por um intenso
bombardeio. O eficiente cerco americano, que tinha como meta principal impedir a
saída de guerrilheiros dispersos no meio da população local, deixou a cidade sem
abastecimento regular de água e eletricidade.
Ao longo do mês de outubro os combates foram intensos em torno de Ar-
Ramadi, a capital da província de Al-Anbar, situada a oeste de Fallujah. Para o
investimento na localidade a coligação contava com uma força de cerca de 12000
homens, sendo 10000 americanos e 2000 integrantes das forças de segurança do
Iraque.
A campanha militar terrestre teve início no dia 08 de novembro, com os
marines e tropas do Exército dos EUA entrando na cidade pela sua região nordeste.
Como os rebeldes esperavam o ataque pelo sul, a exemplo do que ocorrera na
primeira campanha, os americanos fizeram uma dissimulação tática para iludir o
42

inimigo quanto à real direção de ataque e fizeram o investimento de norte para o sul.
Essa manobra diversionária permitiu a obtenção do Princípio de Guerra da Surpresa,
apesar de o ataque já ser previsto pelos rebeldes.
O combate no interior da cidade foi muito intenso, principalmente nos
primeiros dias, chegando a ocorrer quarteirão por quarteirão, casa a casa. A
utilização de veículos blindados foi de grande importância, em particular nesta fase
da luta. Os rebeldes, com a intenção de aliviar a pressão sobre Fallujah, tentaram
outros focos de batalha com os marines na província de Al-Anbar, abrindo assim
uma segunda frente de combate, no entanto, ainda assim os americanos obtiveram
novamente o controle da situação, conquistando a cidade sunita no dia 16 de
novembro de 2004.

3.3.3 Ensinamentos
A retomada da cidade de Fallujah foi uma das mais sangrentas etapas da
campanha das forças de coalizão na Operação Liberdade do Iraque, iniciada em
2003. Segundo informações do próprio Exército norte-americano, nessa batalha
foram travados os combates urbanos mais duros desde a batalha da cidade de Hue,
no Vietnã. Ao final da guerra, a localidade encontrava-se em um estado de grande
devastação, com cerca de 60% dos prédios danificados, sendo que 20% deles
totalmente destruídos, incluindo sessenta mesquitas.
No investimento sobre Fallujah os americanos recorreram desde técnicas e
táticas tradicionais de uma guerra urbana, bem como às ações características de
Operações de Garantia da Lei e da Ordem e de guerra convencional.
Assim, alguns ensinamentos merecem ser destacados para fins de
contribuição com a evolução da Doutrina Militar Brasileira. O prolongado bombardeio
desencadeado sobre a cidade com bastante antecedência e intensificado às
vésperas do ataque terrestre, apesar de não ter resolvido o conflito isoladamente,
contribuiu de forma decisiva para o prosseguimento das ações. Outro ponto que
deve ser ressaltado foi o eficiente cerco imposto à cidade, impedindo ou pelo menos
restringindo a evasão dos guerrilheiros rebeldes.
Uma inovação colocada em prática, com resultados expressivos foi a
utilização de uma via férrea pelas tropas, com a finalidade de evitar os artefatos
explosivos instalados nas margens das estradas rodoviárias.
43

Provavelmente um dos maiores erros dos americanos tenha sido a destruição


das mesquitas, aumentando a revolta de um povo extremamente religioso, pois
apesar de os ataques aéreos terem sido bastante precisos, atingindo quase sempre
os alvos predeterminados, não se pode afirmar o mesmo a respeito dos fogos de
Artilharia e até mesmo dos morteiros da Infantaria.

Figura 7 – Cidade de Fallujah destruída


Fonte: www.bbc.co.uk (2004)

Como conclusão parcial dessa subdivisão pode-se afirmar que o êxito das
tropas da coalizão na retomada de Fallujah se deveu a uma conjunção de vários
fatores, em particular à obtenção da surpresa tática no início do investimento, além
do cerco eficaz e do combate aproximado, respaldado por um potente apoio de fogo.
Por outro lado, os americanos se arriscaram perder sua liberdade de ação ao
atingirem diversas mesquitas, correndo o risco de atrair a ira de outros países da
região, devido ao sentido religioso da cidade de Fallujah.
44

4 A DOUTRINA NACIONAL DE GUERRA URBANA

Nesta seção serão discriminados e analisados os principais regulamentos,


manuais de campanha, instruções provisórias e demais documentos internos da
Força Terrestre Brasileira que tratam, direta ou indiretamente, sobre as Operações
de Guerra Urbana, mesmo que não se aprofundem no assunto.
Apesar de seu grande emprego nos conflitos modernos, a guerra urbana não
encontra no Exército Brasileiro, uma bibliografia ampla e atualizada, limitando-se a
citações e pequenos itens ou parágrafos, assim mesmo em manuais dedicados a
outros assuntos ou mesmo antigos e inadequados para a realidade do mundo
moderno. Como forma de se modificar esta situação, nas escolas militares têm-se
procurado estudar essa matéria, buscando-se soluções para este problema militar.
Neste contexto muitas iniciativas vêm sendo implementadas, dentre as quais
pode-se citar as seguintes:
- desenvolvimento de temas escolares, na EsAO e na ECEME;
- trabalhos de pós-graduação na EsAO e na ECEME;
- Simpósio de Guerra Urbana, realizado na 1ª DE, na Vila Militar do Rio de
Janeiro, em 1999; e
- Exercícios no Terreno.
Partindo do princípio que o adestramento da tropa deve se basear em uma
doutrina bem definida e devidamente testada e aprovada, fica nítida a necessidade
de que o Exército Brasileiro adote no mais curto prazo possível uma doutrina militar
terrestre de operações de guerra urbana, coerente com a nova realidade do mundo
atual.
Outro ponto que deve bem explorado antes de se aprofundar na bibliografia
militar a cerca do assunto, é como a Força visualiza o emprego de tropa dentro de
um contexto de guerra urbana, a fim de se evitar a confusão recorrente com algumas
outras formas de operação, em especial às de Garantia da Lei e da Ordem. Este
último enfoque será devidamente abordado mais à frente nesta mesma Seção, em
seu subitem 4.3, entretanto a assertiva a seguir serve para elucidar as diversas
formas de atuação em áreas edificadas:
Operações urbanas terão muitas faces no futuro. Algumas se parecerão
com as tradicionais operações de manutenção da paz, algumas com as de
imposição da paz, que atualmente exigem a nossa atenção, e ainda
algumas como o épico combate urbano tal como a Batalha de Estalingrado.
(HANN II, 2001, p. 36)
45

Ainda nesse sentido, com base no inimigo e nos aspectos jurídicos de cada
situação que se apresente, podem-se citar as seguintes afirmações:
Como “base para emprego” do EB, pode-se citar que a Lei Complementar
Nr 97, de 9 de junho de 1999, estabelece em seu artigo 15, que dispõe
sobre a organização, preparo e emprego das Forças Armadas, que o
mesmo se dará [...] na defesa da Pátria e na garantia dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de
paz. (ROCHA, 2005, p. 34)
Para facilitar o entendimento de como se dará esse emprego e, também,
para uma melhor compreensão dos possíveis espectros de atuação da
Força Terrestre Brasileira, pode-se dizer que as atuações em áreas urbanas
poderão ocorrer: em um quadro de defesa externa, em um quadro de
Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou em um quadro de
operações de paz. (ROCHA, 2005, p. 35)
No primeiro caso, cabe ressaltar que bastante evidente e claro, quando se
analisam os casos históricos ou mesmos os mais atuais, que em operações
ditas “convencionais” passa a adquirir papel quase que fundamental o
controle de áreas urbanas de alguma importância política, econômica ou
mesmo cultural. Estas localidades poderão vir a representar o sucesso no
estabelecimento de um objetivo político de guerra, ou pelo menos colaborar
decisivamente para tal. (ROCHA, 2005, p. 35)

4.1 DOCUMENTAÇÃO EXISTENTE


Antes de analisar a documentação que trata especificamente das operações
de guerra urbana é preciso descrever que toda a doutrina atual sobre este tema está
amparada nos livros do SIPLEX (Sistema de Planejamento do Exército) e segue a
concepção doutrinária das Bases para a Modernização da Doutrina de Emprego da
Força Terrestre (Doutrina Delta).
A partir desta subdivisão tratar-se-á efetivamente de uma “passagem” pelos
documentos de instrução a respeito das operações urbanas. O Manual de
Campanha C 31-50, Combate em Zonas Fortificadas e Localidades, é o único
existente na Força Terrestre que aborda especificamente este importante assunto.
Isto, associado ao fato deste manual ser bastante antigo (aprovado em 16 de julho
de 1956), é mais uma prova da real necessidade de uma rápida revisão e
atualização da doutrina militar brasileira sobre combate em localidades.
Como este trabalho está delimitado nas operações ofensivas, este autor
abordará particularmente o seu capítulo 9, de sua Segunda Parte (Combates em
Localidades). Antes, porém, devem ser feitas algumas considerações importantes
para que fique caracterizada a defasagem do referido manual. No capítulo 7 do C
31-50, consta que:
No ataque a povoações e vilas, o objetivo do ataque é a própria localidade.
No ataque a grandes cidades, os objetivos serão pontos estratégicos no
interior, como estações ferroviárias, edifícios públicos, de administração civil
e instalações militares. (BRASIL, 1956)
46

Este manual estabelece uma série de condições específicas que influenciam


o combate no interior de áreas edificadas, dentre as quais algumas merecem ser
destacadas:
- a observação e os campos de tiro são limitados, exceto ao longo das ruas e
becos;
- o movimento de viaturas é bastante reduzido;
- a proximidade do inimigo limita a eficácia do apoio de fogo da artilharia e da
aviação de combate;
- o problema das comunicações requer uma descentralização do controle
para os comandantes das pequenas unidades;
- todos os movimentos a descoberto podem ser observados, a menos que
sejam camuflados pela fumaça; e
- a limitação no uso do rádio, provocada pela interferência dos edifícios. As
comunicações pelo fio e por mensageiros são mais eficientes.
Atualmente, tanto nas doutrinas militares de nações mais modernas, quanto
em recentes conflitos utiliza-se tanto o investimento tradicional, tipo casa a casa,
quanto o investimento seletivo, dependendo do estudo de situação realizado em
cima dos fatores da decisão, ou seja, não existe uma amarração doutrinária, cada
caso deve ser analisado distintamente. Outro ponto que deve ser ressaltado é a
ausência de regras de engajamento, fator de grande importância neste tipo de
operação devido, principalmente, a eficiente cobertura jornalística dos modernos
meios de comunicação dos dias atuais, o que influi decisivamente na liberdade de
ação das nações envolvidas no conflito.
Já no capítulo 9, Ataque a Localidades, no seu item 9-3, o manual de
campanha descreve o plano de manobra em três fases. A primeira tem por objetivo
isolar a localidade, por meio da conquista de objetivos, que dominam as principais
vias de acesso à cidade. A segunda fase consiste na conquista de objetivos na orla
anterior da localidade, a fim de permitir a aproximação de meios da tropa atacante.
Na terceira fase procede-se a limpeza da localidade, por intermédio do avanço
sistemático, casa a casa.
Deve ser destacado que o C 31-50, apesar de dispensar um pouco de
atenção à parte doutrinária, detalha de maneira mais acurada as técnicas e táticas
individuais de combate em áreas edificadas.
47

Por sua vez o Manual de Campanha C 100-5, Operações, já anteriormente


citado neste trabalho de pesquisa, dedica menos de duas páginas às operações em
áreas edificadas. Este fato é mais uma clara evidência da necessidade de revisão e
atualização da doutrina de guerra urbana, principalmente porque este manual
“apresenta a doutrina básica de operações do Exército Brasileiro e destina-se a
orientar o emprego da Força Terrestre (F Ter) no cumprimento de suas missões
operacionais.” (BRASIL, 1997, p. 1-1).
Esse manual aborda o assunto no capítulo 10 (Operações com
Características Especiais), tratando-o de forma genérica. Consta nele que as áreas
edificadas são acidentes capitais importantes sobre os quais, de um modo geral, são
conhecidas informações detalhadas. Prevê, ainda, que as medidas de controle da
população civil são essenciais à sua proteção.
No subitem específico acerca do ataque a uma área edificada, o referido
manual faz uma observação sobre a natureza das tropas a serem empregadas neste
tipo de operação. O C 100-5 descreve que as tropas mais aptas para essas missões
são as forças altamente móveis, incluindo elementos blindados, pára-quedistas ou
aeromóveis. Ao mesmo tempo prescreve que os objetivos no interior da área
edificada são selecionados com a finalidade de dividir a defesa inimiga.
Já o manual de Emprego da Infantaria (C 7-1) se aprofunda um pouco mais
neste tema, o que se reverte de bastante importância, tendo em vista que a tropa de
Infantaria é a possui os maiores e mais pesados encargos em uma operação desta
natureza. Considerando as três fases de um ataque a localidade, já mencionadas
nesta Seção, o manual afirma que a Infantaria, de um modo geral, pode ser
empregada em qualquer dessas fases.
Quando esmiúça a execução do ataque o faz dentro de cada uma dessas
fases. Na primeira afirma:
A Infantaria encarregada do isolamento de uma localidade desloca-se com
o máximo de rapidez a fim de apossar-se dos acidentes capitais do terreno
que dominam as vias de acesso para o interior da localidade, procurando,
com isso, evitar o reforço das forças encarregadas de sua defesa e, ao
mesmo tempo, cortar seus itinerários de fuga. A força desbordante deve ser
dotada de mobilidade e, sempre que possível, reforçada com carros de
combate. (BRASIL, 1984, p. 5-3)

Para a execução da segunda fase prevê que a mesma transcorra de forma


análoga ao ataque a uma posição organizada, ou seja, com o devido e fundamental
apoio de fogo da Artilharia e da Força Aérea. Após a conquista da área de apoio
48

prosseguirá, ainda, com as mesmas medidas de um ataque coordenado, sem deixar


de observar algumas distinções, pois a demora na área de apoio deve ser reduzida
ao estritamente necessário para a reorganização.
Com relação à progressão no interior da localidade, que caracteriza a terceira
fase, o C 7-1 prescreve o que segue:
Nesta fase as ações são descentralizadas até o nível pelotão de fuzileiros
ou mesmo grupo de combate. A infantaria evita progredir pelas ruas, porque
são batidas pelos fogos inimigos; a progressão é feita através dos quintais,
ou dos próprios prédios, por meio de brechas abertas nas paredes ou pelos
telhados. As ruas transversais ao sentido do deslocamento podem ser
utilizadas para reajustamento do dispositivo, antes de prosseguir para a
conquista do quarteirão seguinte. (BRASIL, 1984, p. 5-3)

Cabem ainda duas observações acerca da citação anterior. A primeira refere-


se às ações descentralizadas, o que efetivamente está correto, mas não se pode
furtar, entretanto, ao planejamento centralizado. A segunda observação diz respeito
à progressão propriamente dita no interior da localidade, que está, novamente, de
acordo com as experiências modernas, mas deve-se mencionar que todas as
maneiras que proporcionem um deslocamento seguro na localidade deverão ser
aproveitadas, como galerias de esgoto, linhas ferroviárias e quaisquer outras
possíveis.
O manual C 7-20, que descreve a doutrina de emprego do Batalhão de
Infantaria, faz uma abordagem bem consistente do ataque a localidade, da qual
merece referência as características do combate favorável ao atacante. Inicialmente
prevê como fator positivo o fato de poder manobrar para isolar a localidade, o que
confere grande iniciativa à tropa atacante. Outra vantagem, após o isolamento da
área edificada, consiste em poder selecionar o ponto de entrada na cidade, assim
como a direção e a hora do investimento. Posteriormente o documento faz uma
análise das três fases do ataque em área urbana, descrevendo de maneira sintética
o planejamento a ser executado
Já o Manual de Campanha C 2-1, que rege o Emprego da Cavalaria, também
deve ser estudado, principalmente por ser um documento mais moderno, visto que
data de 1999. Ainda assim ele traz algumas afirmações que podem e devem ser
contestadas em virtude dos combates recentes, em especial o último ocorrido no
Iraque. A respeito do emprego da cavalaria neste tipo de operação, o manual cita
que:
A restrição ao movimento de viaturas e os limitados campos de tiro e de
observação dificultam o emprego de forças blindadas e mecanizadas nas
49

operações em áreas edificadas. A canalização do movimento das viaturas


facilita sua destruição pela defesa anticarro. Como nas áreas fortificadas, o
emprego da Cavalaria no assalto às áreas edificadas não se constitui na
melhor exploração das características da Arma. As forças blindadas e
mecanizadas deverão, em princípio, ser empregadas no cerco da área.
(BRASIL, 1999, p. 6-6)

A despeito disso, com relação ao ataque a uma localidade, considera que na


Brigada de Cavalaria Blindada (Bda C Bld), o Batalhão de Infantaria Blindado (BIB)
deve ser a base da força-tarefa (FT) para investir na área edificada, enquanto que
na Brigada de Cavalaria Mecanizada (Bda C Mec), o elemento mais adequado a
constituir uma força de investimento é o Regimento de Cavalaria Blindado (RCB).
Outros manuais, como o C 2-30, Brigada de Cavalaria Mecanizada e o C 17-
20, Forças-Tarefas Blindadas, também abordam esse tema sem, no entanto,
apresentar nenhuma grande discussão doutrinária. Mesmo assim, duas observações
feitas no manual C 17-20 merecem ser destacadas, ainda que sejam mais de caráter
tático, como se vê adiante:
(4) Durante a fase inicial do investimento da localidade os fuzileiros, em
princípio, deverão realizar o ataque desembarcados. Na progressão no
interior da localidade os fuzileiros devem avançar protegidos pelas
VBTP/VBC-Fuz e pelos CC.
(5) Na progressão no interior da área edificada, os carros de combate
devem atirar no segundo andar de casas e prédios, abrindo passagem para
os fuzileiros que, subindo nas VBTP/VBC-Fuz, podem acessar as
edificações pelo segundo pavimento e realizar a limpeza das resistências
inimigas. (BRASIL, 2002, p. 9-6)

Com relação ao emprego de carros de combate no interior de localidades,


existem diversas teorias a respeito, tanto contra, como a favor. Já foi visto durante a
análise dos casos históricos, o emprego com êxito, da cavalaria neste tipo de
missão, no entanto, o autor entende que este delicado tema deva ser objeto de um
trabalho acadêmico específico, por parte de um militar devidamente habilitado, tal a
sua complexidade e importância para o processo de decisão do planejador militar.
Com o recente advento da Aviação do Exército, não se pode conceber uma
operação de guerra urbana sem o apoio deste elemento que pode ser um fator de
desequilíbrio no combate. Acerca do emprego deste novo vetor do EB, alguns
manuais específicos tratam do assunto, apesar de novamente não se aprofundarem
na doutrina do combate urbano. Podem-se citar entre eles, as seguintes instruções
provisórias: IP 90-1, Operações Aeromóveis; IP 1-1, Emprego da Aviação do
Exército; e IP 1-30, Brigada de Aviação do Exército. Neste último documento há uma
50

abordagem sucinta do emprego da Aviação nas três fases de um combate em


localidade.
Segundo BASTO (2003), a Força Terrestre deve estar adestrada, em
condições de ser empregada, em curto espaço de tempo, em grandes centros
urbanos. BASTO em seu trabalho acadêmico (O Emprego da Aviação do Exército no
Combate em Áreas Urbanas: um estudo), cita ainda que:
As dificuldades que o ambiente operacional urbano impõe, fruto existência
de construções que podem ser aproveitadas pelo inimigo (e que restringem
o vôo e o apoio de fogo) e da presença de civis que tornam mais restritivas
as regras de engajamento, exigem que uma doutrina e um adestramento
específicos sejam alvo da atenção de qualquer Força Terrestre que
pretenda empregar adequadamente seus meios aéreos. O emprego de
frações de helicópteros em área urbana, sem uma doutrina validada, estará
sendo feita de maneira inadequada e perigosa. (BASTO, 2003, p. 20)

Por fim, após a pesquisa realizada na literatura militar nacional, no que se


refere às operações de combate em área urbana, fica bastante clara a necessidade
de revisão e atualização da doutrina militar brasileira deste tão importante e
complicado assunto. Entretanto, a principal conclusão a que este autor pôde chegar
até esta altura do trabalho, reside no fato de que os manuais do Exército Brasileiro
não desenvolvem uma profunda análise da doutrina de combate urbano, o que
acaba por se refletir no adestramento da tropa, pois este tema acaba por ficar
relegado, de um modo geral, a um plano secundário em relações às operações
ofensivas convencionais.

4.2 I SIMPÓSIO DE COMBATE EM ÁREA EDIFICADA


Coerente com a realidade que vive no seu cotidiano, em um cenário de
verdadeira guerra civil não declarada, em uma cidade cosmopolita, a 1ª Divisão de
Exército promoveu no ano de 1999 o I Simpósio de Combate em Área Edificada.
Cabe destacar que apesar de a situação vivida no Rio de Janeiro não se
caracterizar, de forma definitiva, como uma Operação de Guerra Urbana, bem como
o Exército Brasileiro não ter atribuições de segurança pública, dentro de um quadro
de normalidade institucional, as peculiaridades da violência nessa cidade se
aproximam de um combate em área edificada.
Os ensinamentos auferidos naquele Simpósio, e preservados em um relatório,
constituem uma importante fonte de consulta para os militares brasileiros. Por
intermédio de palestras e instruções proferidas por Oficiais estudiosos do tema, foi
51

possível a discussão, em elevado nível, da doutrina nacional, mesmo que incipiente.


O Simpósio possibilitou, também, uma abordagem das doutrinas de combate urbano
de países com mais desenvolvimento e experiência nesse assunto, permitindo,
assim, uma comparação com o que existe atualmente no Exército Brasileiro.
Cabe um destaque também para o estudo de casos históricos, levados a
efeito no Simpósio, que, no entanto, não será aprofundado neste subitem por já ter
sido objeto de estudo pormenorizado no capítulo 2 deste trabalho acadêmico.
O primeiro grande fator a ser observado nos trabalhos relatados é o problema
do Comando e Controle (C2) em um ambiente operacional urbano, devido a suas
características peculiares, condicionadas principalmente pelas edificações. Fica
evidenciada a necessidade de descentralização das operações, assim como da
utilização de todos os meios de comunicações disponíveis, a fim de minimizar os
efeitos restritivos causados pela área edificada.
Com relação ao Sistema Operacional Apoio de Fogo, constatou-se que o
ambiente urbano limita bastante a capacidade de apoio, tanto da Artilharia, quanto
dos fogos diretos dos Carros de Combate, em virtude principalmente, da dificuldade
na designação de alvos, na observação e conseqüente condução eficaz do tiro, bem
como pelo alto risco de fratricídio. Esse problema fica maior ainda quando se
considera a supracitada dificuldade de Comando e Controle. Uma solução, mesmo
que incipiente pode ser a maior utilização dos morteiros:
As pequenas distâncias de combate restringem o uso da Artilharia
acarretando um maior uso de morteiros para suprir esta necessidade, tendo
em vista seu menor alcance e sua maior mobilidade, em virtude do seu peso
reduzido. (BRASIL, 1999, p. 11)

O relatório descreve também a função do helicóptero e o emprego de


blindados no combate urbano moderno, além de se deter no emprego de diversos
Materiais de Emprego Militar (MEM), tais como o uso de fumígenos, granadas de
efeito moral, óculos de visão noturna, telêmetros laser, dentre outros. Faz ainda uma
importante referência ao largo emprego dos atiradores de elite (“Snipers”), em
especial pelos defensores da localidade, alertando assim, para a necessidade da
prévia eliminação desses elementos.
Outro ponto analisado no relatório supracitado é a necessidade de adoção de
grande número de medidas de coordenação e controle. Para isso, podem ser
utilizadas linhas de controle e pontos de controle, além de crescerem de importância
os meios visuais, como bandeirolas, fumígenos e foguetes de sinalização. Na sua
52

seqüência o relatório faz uma rápida análise do emprego dos blindados nos
combates urbanos.
Por fim, faz um estudo dos aspectos doutrinários do combate urbano, dentro
das três fases já discriminadas neste trabalho e se encerra fazendo uma prospecção
de futuro, visualizando o combate urbano no próximo milênio:
Os comandantes do próximo milênio deverão passar a levar em conta no
planejamento de suas operações militares os reflexos causados junto à
opinião pública mundial, devido às baixas, principalmente da população
civil, pois está comprovado que os exércitos democráticos, atualmente não
podem ganhar as guerras sem o apoio popular. Além disso, os novos chefes
militares deverão se preocupar ao máximo com a formação de seus
soldados que terão que estar aptos a operar equipamentos e armamentos
mais sofisticados. (BRASIL, 1999, p. 26 e 27)

No mesmo sentido, afirma que a doutrina do novo milênio deverá considerar a


possibilidade de emprego de forças multinacionais e o envolvimento do exército com
órgãos governamentais e não-governamentais, além da utilização, em larga escala,
de MEM de alta tecnologia.
Ao terminar esta subdivisão e conseqüentemente a avaliação do Relatório do
I Simpósio de Combate em Área Edificada, o autor julga de grande validade o
trabalho realizado no Simpósio, servindo como uma contribuição para o estudo de
uma moderna doutrina militar nacional a respeito deste palpitante assunto. Convém
ainda ressaltar que esta iniciativa deveria ser retomada no futuro, em especial após
a atualização da doutrina atual, como forma de divulgação e validação do trabalho
realizado.

4.3 OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM


Nesta subdivisão cabe uma ressalva acerca das diferenças que devem ser
respeitadas entre as Operações de GLO e as de Guerra Urbana. Apesar de ser um
termo recente, o Exército Brasileiro já realiza este tipo de operação há bastante
tempo, ainda que sob outras denominações (defesa interna), fazendo com que em
algumas situações haja uma indesejável confusão entre GLO e guerra urbana.
Nas IP 85-1, Instruções Provisórias de Operações de Garantia da Lei e da
Ordem, logo após a determinação das premissas básicas para o emprego do
Exército, encontra-se, já no segundo capítulo, o conceito de GLO:
Atuação coordenada das Forças Armadas e dos órgãos de segurança
pública na execução de ações e medidas provenientes de todas as
expressões do poder nacional em caráter integrado e realçado na
53

expressão militar. Tem por finalidade a garantia dos poderes constitucionais,


da lei e da ordem. (BRASIL, 2002, p. 11)

Outro conceito importante presente neste manual é o de Segurança Integrada


que nada mais é do uma “expressão usada nos planejamentos de GLO da F Ter,
com o objetivo de estimular e caracterizar uma maior participação e integração de
todos os setores envolvidos.”
Também se faz imprescindível que se determine qual será o inimigo a ser
enfrentado, visto que em uma situação de guerra convencional não há dúvidas, pois
existem, normalmente dois Estados beligerantes em lados opostos, cada qual com
suas forças armadas regulares. Nas operações de GLO, no entanto, não há a
ocorrência desse inimigo tradicional e, a partir daí, depreende-se o importante
conceito de Forças Adversas (F Adv).
Segundo as IP 85-1, Forças Adversas são todos os segmentos da sociedade
que, utilizando procedimentos ilegais, comprometem a ordem pública ou a ordem
interna do País. Cabe ressaltar que as F Adv podem ser segmentos legais da
sociedade, que por motivação ideológica, política, econômica ou religiosa, venham a
se utilizar de métodos ilegais na tentativa de atingir seus objetivos. Isso pode ocorrer
por meio de greves de determinados grupos de trabalhadores, movimentos de cunho
social, manifestações políticas, movimentos estudantis, ou ainda, de fundo racial ou
classista.
Essas definições, aliadas ao arcabouço jurídico legal, previsto na
Constituição da República Federativa do Brasil e nas demais leis correlatas,
particularmente na Lei Complementar Nr 97, de 09 de junho de 1999, alterada pela
Lei Complementar Nr 117, de 02 de setembro de 2004, servem para diferenciar
definitivamente as operações de GLO, da guerra urbana. Entretanto a
abordagem deste tema não se deve somente a essa distinção, mas também e,
principalmente, por ser uma das atividades reais que vem sendo bastante
desempenhadas pelo EB, na atualidade, e que se aproxima um pouco de um
cenário de guerra urbana.
54

Figura 8 – Tropa de GLO


Fonte: www.defesanet.com.br (2008)
Os Fundamentos das Ações de Garantia da Lei e da Ordem serão
mencionados como forma de se consolidar essa aproximação, guardadas as devidas
proporções, entre as ações de GLO e de guerra urbana. São eles:
- máximo emprego da Inteligência, o que também é fundamental para o
sucesso das operações urbanas, como já foi visto anteriormente;
- limitação do uso da força e das restrições à população, também de grande
importância num cenário urbano convencional, abordado neste trabalho como regras
de engajamento;
- máximo emprego da dissuasão;
- máximo emprego da Comunicação Social, importante também em uma
guerra urbana, como forma de manter um elevado nível de liberdade de ação; e
- a definição da responsabilidade da negociação.
Os planejamentos para o emprego do exército em uma operação de Garantia
da Lei e da Ordem serão consolidados em um Plano de Segurança Integrada (PSI)
no qual constará de um modo geral, o cenário vivido naquele momento, as ações de
caráter preventivo, além de privilegiar as ações de Inteligência e Comunicação
Social, bem como deverá abranger a Área de Responsabilidade do escalão
considerado.
Nos últimos anos o Exército Brasileiro tem participado de muitas operações
de GLO, mas algumas merecem um destaque maior, especialmente porque algumas
55

de suas características podem ser aproveitadas em um combate em localidade.


Dessa maneira, devem ser analisadas com um pouco mais de profundidade a
Operação Rio, conduzida pelo Comando Militar do Leste, no ano de 1994, no Rio de
Janeiro, que tinha por finalidade reduzir os índices de criminalidade do estado,
agindo basicamente nas comunidades carentes e por meio de patrulhamento em
determinadas áreas críticas. Outra missão de GLO, também no Rio de Janeiro, no
ano de 2006, que trouxe ensinamentos para o exército foi a Operação ABAFA, que
visava à recuperação de armamento roubado de uma organização militar do EB.
Dessa forma, visando a atender essas expectativas de emprego, o exército
adotou duas iniciativas importantes para a capacitação profissional da força nessa
área. A primeira foi a publicação de um Programa-Padrão de GLO, com a finalidade
de regular e padronizar a instrução a ser ministrada para a tropa. A segunda
iniciativa foi a transformação de uma Grande Unidade tradicional em OM típica para
operações de GLO, a 11ª Brigada de Infantaria Leve (GLO).

4.4 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ


Neste subitem tratar-se-á especificamente da Missão das Nações Unidas
para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), conduzida sob a liderança militar
brasileira, em virtude das características peculiares que a distinguiram de outras
missões das quais o Brasil participou efetivamente com tropas.
Apesar de ser uma missão de pacificação de um país, como está explícita na
própria designação da mesma, no Haiti, em particular, a tropa encontrou uma
situação divergente daquela que seria esperada nessa transição. Isso acabou por
determinar uma atuação mais efetiva das forças da MINUSTAH.
O cenário naquele país da América Central, no início do ano de 2004, era
dominado pela violência com a eclosão de diversos conflitos armados por todo o
Haiti, fazendo surgir verdadeiros guetos sob controle de insurgentes. Foi nesse
contexto que ocorreu em 2005, a denominada Operação Punho de Aço,
configurando um conflito urbano de pequena proporção e duração, mas que merece
ser avaliado por ter sido planejado e executado por militares brasileiros, em conjunto
com militares de outras nações amigas.
Na operação, um efetivo de cerca de 1.400 militares da força de paz da ONU
do Brasil, Peru e Jordânia, apoiados por helicópteros argentinos e chilenos
56

investiram contra Cité Soleil, com o objetivo de desalojar as gangues armadas que
dominavam aquela comunidade.
Da análise desta operação, dentro de um contexto de imposição da paz, e
sob as leis e diretrizes das Nações Unidas, alguns ensinamentos podem ser
extraídos para futuras operações de combate urbano, em uma comunidade carente
e sob determinadas restrições. Dessa forma, merecem destaque as seguintes
observações:
- planejamento centralizado e execução descentralizada, com grandes
iniciativas nos menores escalões;
- emprego da inteligência de combate, baseada em informantes locais e
reconhecimentos do terreno;
- a combinação de tropas a pé – palmilhando o terreno – com o apoio de
blindados e atiradores de elite;
- vasto emprego das operações de cerco e vasculhamento; e
- a obtenção do apoio da população.
Convém destacar que essas observações, apesar de serem executadas num
quadro de operação de paz, estão de acordo com as técnicas e táticas de um
cenário de guerra urbana. Isto vem ao encontro da denominação dada pelos
integrantes do 3º Contingente do Batalhão Haiti, que classificaram a missão como de
imposição da paz.
57

Figura 9 – Tropa brasileira no Haiti


Fonte: www.exercito.gov.br (2008)

Figura 10 – Tropa brasileira no Haiti


Fonte: www.benfidalgo.com (2008)
58

4.5 AS ESCOLAS MILITARES


O que existe de mais moderno na Força Terrestre Brasileira em termos de
Operações de Guerra Urbana está sendo desenvolvido nas escolas militares, em
especial na EsAO e na ECEME. O trabalho realizado nesses estabelecimentos de
ensino tem produzido bons resultados, por intermédio de idéias inovadoras,
associadas às experiências de militares (oficiais-alunos) que participaram de
Operações de Manutenção da Paz em vários países. Some-se a isso a comparação
com a doutrina de outras nações amigas, por meio dos Oficiais de Nações Amigas, e
poderão ser tiradas algumas conclusões para a nova doutrina de combate em
localidades.
Na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, os capitães do curso de infantaria
desenvolvem uma série de atividades ligadas ao combate em localidade.
Inicialmente são transmitidos conhecimentos doutrinários, seguido de um exercício
no terreno na cidade de Japeri, no Rio de Janeiro, quando são abordadas as
técnicas e táticas utilizadas no combate urbano. Apesar de a doutrina empregada
ser a atual em prática no EB, sempre aparece novas soluções e novos
ensinamentos a serem discutidos entre alunos e instrutores.
Já na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, o aprofundamento da
doutrina do combate em áreas edificadas vem sendo cada vez mais incentivado nos
últimos anos. Isso se concretiza pelo estudo de casos ao final dos blocos de
Ofensiva do 1º ano e do Programa Interdisciplinar do 2º ano. Outro fator importante
para esse estudo mais detalhado são os trabalhos de conclusão de curso, mestrado
e doutorado, obrigatórios para o aluno e que sempre trazem novas idéias e
propostas na área do ensino militar.
Ainda nesse sentido cabe ressaltar que as divisões de doutrina dessas
escolas podem exercer uma função primordial no estabelecimento de uma nova
concepção doutrinária para o combate em áreas edificadas, por meio de propostas
de experimentação doutrinária sob a direção e coordenação do Estado-Maior do
Exército.
59

5 CONCLUSÃO
Após percorrer alguns casos recentes da história militar e realizar uma
pesquisa mais acurada na bibliografia militar brasileira sobre as operações de
combate em ambiente urbano cumpre ao autor deste trabalho algumas conclusões a
respeito dos ensinamentos extraídos do assunto, realçando a sua fundamental
importância nos dias atuais.
Nesse intuito, seguiu-se uma seqüência lógica, estabelecendo-se inicialmente
alguns conceitos e parâmetros a fim de delimitar o campo de pesquisa. Após esta
ambientação, se definiu e se caracterizou o cenário urbano moderno em suas várias
modalidades e, a partir daí, já com as condicionantes e premissas básicas bem
delineadas, passou-se ao estudo pormenorizado de três casos históricos de
combate urbano, com o intuito de se obter subsídios para a atualização da doutrina
militar terrestre brasileira.
As batalhas decisivas nos conflitos modernos têm sido travadas dentro de
cidades. Essa constatação transmite a certeza de que os centros de gravidade nas
guerras da atualidade estarão quase que invariavelmente ligadas a um centro
urbano, ainda que não seja ele propriamente dito. Isto foi devidamente comprovado
no estudo em questão por meio do exame dos casos históricos, conduzido no item
Nr 3 deste trabalho acadêmico.
Além dos casos estudados, Grozny, Bagdá e Fallujah, o fato é que fica muito
difícil a visualização de um conflito bélico internacional sem a ocorrência de
combates em ambientes operacionais urbanos, basta que se faça um
acompanhamento das principais guerras ocorridas a partir do fim da II Guerra
Mundial.
Não se pode negligenciar as lições extraídas das guerras envolvendo nações
com mais experiência neste tipo de operação, a fim de não se repetir erros como o
dos russos em Grozny, pela insuficiência de informações sobre o inimigo e de sua
vontade de lutar, erro este que, por sua vez, não foi cometido pelos norte-
americanos na conquista de Bagdá, pois a atividade de Inteligência foi fundamental
para a conquista da capital iraquiana. Além disso, também serve para se absorver
inovações, como a utilização das vias férreas pelos americanos na cidade de
Fallujah, a fim de se evitar as estradas com explosivos.
Dessa forma, o estudo desses conflitos bélicos não pode ser negligenciado,
mas ao contrário deve ser considerado para fins de correlação, por ocasião de uma
60

reformulação da literatura da Força Terrestre acerca das operações de combate


urbano.
Cabe uma análise mais apurada da doutrina militar brasileira de combate em
áreas edificadas, objeto de estudo do capítulo 4 do presente compêndio. Ficou bem
nítido para este autor o fato preocupante da inconsistência dos manuais e demais
documentos militares na abordagem deste assunto. Existem dois casos bastante
definidos, ou o documento está muito desatualizado, sem contemplar as
atualizações mais recentes, ou trata do tema de maneira extremamente superficial,
por meio de noções genéricas ou apenas fazendo referência a outros documentos,
também incompletos.
Como a Força Terrestre ainda vem realizando estudos a respeito das
operações urbanas, algumas iniciativas isoladas devem ser preservadas e,
incentivadas e renovadas, como é o caso do I Simpósio de Combate em Áreas
Edificadas, dos estudos nos estabelecimentos de ensino e dos exercícios no terreno.
Como forma de suprir essa deficiência, ainda que de caráter temporário, podem ser
aproveitadas as experiências reais que o exército possui tanto na área de GLO,
quanto nas missões internacionais de manutenção da paz. No entanto, é
necessário, mais uma vez, que se tenha a noção de que nem as missões de
paz e nem as de Garantia da Lei e da Ordem, se enquadram na operação
convencional de guerra urbana.
A partir dessas iniciativas têm-se contato com novas técnicas e táticas
individuais, assim como se percebe a necessidade da aquisição de MEM e
armamentos específicos para emprego no ambiente urbano. Isto posto, desperta
neste autor a necessidade de preparação de uma força adestrada especialmente
para este tipo de operação, bem como um estabelecimento de ensino, nos moldes
da 12ª Brigada de Infantaria Leve (GLO) ou do Centro de Instrução de Operações de
Paz (CIOPaz).
A modernização da doutrina de guerra urbana do EB deve passar
obrigatoriamente pelas principais escolas militares. Desde a qualificação dos Oficiais
na AMAN e dos Sargentos nos diversos cursos de formação, com as primeiras
noções a respeito do assunto, mas principalmente na EsAO e na ECEME, onde essa
doutrina deverá ser estudada, analisada e desenvolvida a fim de ser testada e
validada nas organizações militares do Exército Brasileiro, obedecidas as diretrizes
emanadas pelo Estado-Maior do Exército.
61

Assim como conclusão deste trabalho científico, este autor tem a obrigação
de alertar sobre a carência doutrinária que envolve este significativo tema no
âmbito do Exército Brasileiro, com a finalidade de despertar e motivar o público
interno na busca de uma doutrina nacional coerente com as mudanças
constantes pelas quais passa o mundo moderno.
Por fim, este trabalho procura contribuir com essa atualização doutrinária,
provocando a discussão do combate em áreas edificadas e reafirmando sua certeza
na real necessidade de se retomar esse tema de grande relevância para a F Ter,
principalmente ao se considerar o crescimento urbano brasileiro e de toda a América
Latina, assim como a maior participação do País em missões de paz, sob a égide da
ONU, ocasiões nas quais podemos nos deparar com situações que se aproximem
de um combate em localidade.

________________________________________________
MARCO ANTONIO GUIMARÃES INNECCO – MAJ INF
62

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