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ISSN 2317-6350

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 1


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COMANDANTE DE OPERAÇÕES TERRESTRES sumário
General de Exército Paulo Humberto Cesar de Oliveira

CHEFE DO CENTRO DE DOUTRINA DO EXÉRCITO A INSERÇÃO DAS EMPRESAS MILITARES E DE


General de Brigada Hertz Pires do Nascimento SEGURANÇA PRIVADA NA INDÚSTRIA DE
CONSELHO EDITORIAL DEFESA DO BRASIL
Gen Escoto
6
General de Brigada Hertz Pires do Nascimento
General de Brigada Haroldo Assad Carneiro
Coronel Luiz Henrique Pedroza Mendes
Coronel Silvio Renan Pimentel Betat

EDITOR-CHEFE
General de Brigada Haroldo Assad Carneiro UMA VISÃO DO FUTURO DA SIMULAÇÃO
SUPERVISOR DE PRODUÇÃO NO TREINAMENTO MILITAR BRASILEIRO:
Coronel Isaías de Oliveira Filho “SIMULAÇÃO COMO SERVIÇO”
REDAÇÃO E REVISÃO
Tenente-Coronel Regivaldo Batista Monteiro
Capitão Risalva Bernardino Neves
2º Tenente Alzira Sampaio Porto
Cel Sérgio Peres
14
1º Sargento Erisvaldo Gonçalves de Oliveira Rocha

PROJETO GRÁFICO O PENSAMENTO MILITAR BRASILEIRO

20
1º Tenente Katucha Teixeira de Sousa
2º Sargento Luis Carlos dos Reis Gen Ex Castro
Soldado Douglas Henrique de Jesus Macedo

DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL


Soldado Douglas Henrique de Jesus Macedo

IMPRESSÃO GRÁFICA POR QUE O IRAQUE? POR QUE AGORA?


EGGCF – Gráfica do Exército
Al. Mal. Rondon s/nº - Setor de Garagens BREVE ANÁLISE DE UMA DECISÃO
Quartel-General do Exército ESTRATÉGICA EQUIVOCADA

26
Setor Militar Urbano
CEP 70630-901
Gen Div Goulart
Brasília – DF
Fone: (61) 3415 4248/5815
RITEX: 860 4248/5815
www.eggcf.eb.mil.br
divcom@eggcf.eb.mil.br
ARMAS DE ENERGIA DIRIGIDA (EAD):
TIRAGEM UMA QUEBRA DE PARADIGMAS
2.000 exemplares (circulação no país e no exterior)
NA DEFESA ANTIAÉREA DO FUTURO

36
DISTRIBUIÇÃO Maj Koppe
Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx)

VERSÃO ELETRÔNICA
Portal de Doutrina do Exército: www.cdoutex.eb.mil.br
portal.cdoutex@coter.eb.mil.br
Biblioteca Digital do Exército: www.bdex.eb.mil.br

CENTRO DE DOUTRINA DO EXÉRCITO


Quartel-General do Exército – Bloco A – 1º Andar
Setor Militar Urbano
CEP 70630-901
Brasília – DF
Fone: (61) 3415 6723/4849/6977 Foto de Capa: arquivo da DMT em
RITEX: 860 6723/4849/6977
Revista
www.cdoutex.eb.mil.br
Descrição: mosaico com foto de cada
Envie a sua proposta de artigo para: artigo, confeccionado pelo Sd Douglas.
carneiroha@hotmail.com

Ano 005, Edição 011, 2o Quadrimestre de 2017


2 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
EMPREGO ESTRATÉGICO DE LANÇAMENTO OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS:
INTELIGENTE DE CARGAS A NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO
TC Betat
44 COM AS DEMAIS CAPACIDADES
RELACIONADAS À INFORMAÇÃO.
Cel Ivar
64
DOUTRINA DO PARAMÉDICO PATRULHAS: EXPERIÊNCIAS OBTIDAS
MILITAR NO SÉCULO XXI NA MINUSTAH
Prof. Dr. Biasoli
58 Cap Brivaldo
74

As ideias e conceitos contidos nos artigos publicados nesta revista


refletem as opiniões de seus autores e não a concordância ou a
posição oficial do Exército Brasileiro. Essa liberdade concedida aos
autores permite que sejam apresentadas perspectivas novas e, por
vezes, controversas, com o objetivo de estimular o debate de ideias.
MENSAGEM do comandante
de operações terrestres
Caro Leitor! O períodico Doutrina Militar Terrestre em
O Comando de Operações Terrestres (COTER) Revista foi criado no EME juntamente com o C
é o órgão de direção operacional cuja missão é Dout Ex, do qual se separou quando da vinda
orientar e coordenar o preparo e o emprego da Força do C Dout Ex para o COTER. Após um período
Terrestre (F Ter), em conformidade com as diretrizes experimental, constatou-se que a DMT em Revista
emanadas pelo Comandante e pelo Estado-Maior do fica mais bem aproveitada pertencendo ao C Dout
Exército (EME). Ex, especialmente pelas atividades de formulação e
Dentre outras atribuições, cabe ao COTER, por acompanhamento doutrinários, lições aprendidas,
intermédio do Centro de Doutrina do Exército (C Dout divulgação e interação com o público alvo pelo Portal
Ex), cuja subordinação foi recentemente transferida de Doutrina e pela Biblioteca Digital.
do EME, a gestão e execução do Sistema de Doutrina A DMT em Revista foi desenvolvida e
Militar Terrestre (SIDOMT), mediante a interação implementada para divulgar informações de cunho
do conjunto de organizações, pessoal, publicações e profissional-militar, cujo conhecimento e abordagem
atividades necessárias à evolução doutrinária. são essenciais para os profissionais das armas. Seus
A Doutrina Militar Terrestre (DMT) é o conjunto artigos são destinados a todos os que se relacionam
de valores, fundamentos, conceitos, concepções, com a atividade-fim – preparo e emprego da F Ter.
táticas, técnicas, normas e procedimentos da F Ter, Em sua décima primeira edição, essa publicação
estabelecido com a finalidade de orientá-la no preparo doutrinária tornou-se uma referência por tratar de
de seus meios, considerando o modo de emprego temas abrangentes e disponibilizar conhecimentos
mais provável em operações terrestres e conjuntas. com abordagens que transcendem as fronteiras
A DMT estabelece um enquadramento comum para físicas, seja no que diz respeito aos novos materiais
ser empregado por seus quadros como referência na e técnicas, seja nos aspectos ligados aos novos
solução de problemas militares, sendo, portando, um procedimentos.
dos principais vetores do processo de transformação É com grande a satisfação militar que prefacio
ao servir de base para os procedimentos que orientam este número, enfatizando que devemos buscar o
o emprego da F Ter. profissionalismo e a ação de comando, essenciais
O COTER é, portanto, elo atuante no sistema de para alcançarmos nossos objetivos. Nos dias atuais,
doutrina da Força, responsável por colher, catalogar, é fundamental que canalizemos os esforços para a
documentar e implementar modificações pertinentes operacionalidade, desenvolvendo os atributos de
às lições aprendidas, quer sejam as tomadas em liderança para conduzirmos nossos comandados à
experiências locais ou de conhecimentos originados vitória.
no exterior, por observação ou prática. Estimulo o caro leitor a refletir sobre os temas
apresentados, apresentando sugestões quanto à
linha editorial adotada e a colaborar na elaboração
de artigos para as próximas edições.

Uma boa leitura!

Gen Ex Paulo Humberto Cesar de Oliveira


Comandante de Operações Terrestres

4 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista


EDITORIAL
A equipe da Doutrina Militar Terrestre por sistemas autônomos, que navegam
em Revista, produzida pelo Comando de após o lançamento da aeronave, conforme
Operações Terrestres, por intermédio do programação prévia, fazendo surgir uma
Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex), nova demanda de formulação doutrinária
sente-se honrada em levar aos seus leitores nesse novo cenário multidimensional.
a décima primeira edição deste periódico de Ao comentar a doutrina do paramédico
assuntos de natureza militar. militar no século XXI, o Prof. Biasoli destaca
Abrindo a edição, o General de Brigada que o Tactical Combat Casualty Care (TCCC-
Escoto aborda a inserção na indústria TC3) mudou completamente o modus
de defesa das empresas militares e de operandi do paramédico militar, ao prestar
segurança privada, que surgem como atores os primeiros socorros ao ferido dentro da
relevantes, não para substituir a autoridade “hora de ouro”, promoveu a redução do
dos Estados nacionais e a atuação das forças número de mortos em combate e aumentou
armadas regulares, mas para complementar o poder de fogo do grupo de combate.
e aumentar a eficácia da ação de ambos. Em seu artigo o Coronel Ivar enfatiza
Em seguida, o Coronel Sérgio Peres a necessidade de integração das operações
visualiza o futuro da simulação no psicológicas às operações de informação e
treinamento militar brasileiro, indagando às demais capacidades da Força Terrestre,
se uma força armada ao terceirizar o seu inseridas no contexto das operações
treinamento não corre o risco de perder a conjuntas e interagências em face dos
autonomia nessa atividade, ficando à mercê cenários apresentados, afirmando que
das decisões de uma empresa. somente essa integração com todos esses
Prosseguindo, o General de Exército meios trará resultados decisivos no combate
Castro menciona a expansão crescente e moderno.
de tendência agregadora das fronteiras do Encerrando a edição, o Capitão Brivaldo
pensamento militar brasileiro. As ilhas de relata as experiências colhidas referentes às
excelência estão cada vez mais próximas patrulhas realizadas no Haiti, destacando
e seus habitantes têm aprendido a se a importância do patrulhamento a pé
comunicar no mesmo idioma, irmanados e a relevância das missões conjuntas,
que são por ideais e valores comuns, rumo integradas por elementos dos componentes
às operações conjuntas. militar e policial – representada pela Polícia
Ao analisar a motivação e a oportunidade das Nações Unidas e pela Polícia Nacional
da invasão do Iraque, o General de Divisão do Haiti, no contexto das operações de paz,
Goulart conclui tratar-se de uma decisão podendo, ainda, contar com a participação
estratégica equivocada do primeiro ministro de agências civis.
britânico ao valorizar em demasia a aliança Esperamos que os temas suscitem o
estratégica com os EUA, mantendo-a então, debate por parte dos nossos leitores, razão
de uma forma “automática”, a balizar sua de ser de nosso trabalho, e sugestões sejam
atitude e suas posições. encaminhadas ao Portal da Doutrina ou
Em prosseguimento, o Major Koppe diretamente aos autores, cujo e-mail está
apresenta as armas de energia dirigida, disponibilizado no início de cada artigo.
propondo uma quebra de paradigmas que Sentimo-nos orgulhosos do elevado
poderá motivar a evolução das doutrinas na padrão dos artigos produzidos e
defesa antiaérea, devido ao aprimoramento agradecemos a valorosa colaboração
tecnológico dos seus sistemas de armas, de todos os articulistas, esperando que
aviônicos e de autoproteção. essa participação seja ainda maior nas
Em seguida, o Tenente-Coronel Betat edições vindouras, pois o sucesso do
discorre sobre o emprego estratégico do desenvolvimento doutrinário é fruto da
lançamento inteligente de cargas guiadas conjugação de esforços de todos.

“150 ANOS DA RETIRADA DA LAGUNA E DA RETOMADA DE


CORUMBÁ: PERSEVERANÇA NA DEFESA DO TERRITÓRIO E
NA INTEGRAÇÃO DO OESTE”
A INSERÇÃO DAS EMPRESAS MILITARES
E DE SEGURANÇA PRIVADA NA
INDÚSTRIA DE DEFESA DO BRASIL
General de Brigada Roberto Escoto

O General de Brigada Combatente Escoto, fundador e Chief rodas e lagartas, aviões militares, armas
Executive Officer (CEO) da Empresa Militar e de Segurança Privada
Aquila International, é operador de forças especiais e mestre em
leves, munições e sistemas de lançadores
relações internacionais. Foi comandante do múltiplos de foguetes de artilharia, dentre
6o Batalhão de Infantaria Leve (Aeromóvel) outros.
e da Brigada de Infantaria Paraquedista; Dados obtidos das empresas associadas
e Subchefe de Logística do Estado-Maior
do Exército. No exterior, foi assessor de
à ABIMDE, no ano de 2013, mostram que a
paraquedismo e de operações especiais Base Industrial de Defesa (BID) possuía 187
no Paraguai, observador militar no empresas do setor de serviços, 110 da indús-
Equador e no Peru, oficial de operações tria e 55 do comércio [2]. O setor de serviços
da Brigada de Força de Paz no Haiti, Chefe
da Comissão do Exército Brasileiro em
está constituído basicamente por empre-
Washington (CEBW) e oficial do Departamento sas de instalação, manutenção e reparação
de Operações de Paz das Nações Unidas em Nova Iorque. Foi de máquinas e equipamentos, de tecnolo-
transferido para a reserva remunerada em 12 de abril de 2016 gia da informação (TI) e de outros serviços
(escoto@uol.com.br e escoto@aquila01.com).
técnicos.
O Professor Ismael Hossein-zadeh, da
A indústria de defesa do Brasil está numa Drake University nos EUA, escreveu que “in
fase bastante promissora. Só em 2014, por 1984, almost two-thirds of the Pentagon’s
exemplo, o faturamento do setor foi de apro- contracting budget went for products rather
ximadamente R$ 200 bilhões, represen- than services…By fiscal year 2003, 56 per-
tando 3,7% do PIB. Segundo informações cent of Defense Department contracts paid
da Associação Brasileira da Indústria de for services rather than goods” [3]. Isto de-
Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), monstra, claramente, que em duas décadas
o setor emprega 150 mil trabalhadores e, houve um crescimento significativo do setor
para cada R$ 1 investido no segmento, o go- de serviços de defesa naquele país, repre-
verno arrecada R$ 0,55 em impostos, índice sentado por inúmeras empresas militares e
acima da média nacional [1]. de segurança privada (EMSP) que prestam
O Instituto de Pesquisa sobre a Paz serviços dos mais variados tipos, desde o
Internacional de Estocolmo (SIPRI, em in- fornecimento de transporte, alimentação,
glês), na Suécia, aponta que o Brasil, entre água tratada, alojamentos, lavanderia etc.
2001 e 2015, colocou-se como o 25o maior até a manutenção e a operação propriamente
exportador de produtos de defesa. Mesmo dita de sistemas de C4ISR (comando, contro-
com esses bons resultados, a meta é, no en- le, comunicações, computação, inteligência,
tanto, tornar o país um dos cinco maiores vigilância e reconhecimento), que incluem
players de defesa do mundo. equipamentos sofisticados, tais como siste-
É importante lembrar que o Brasil já mas de aeronaves remotamente pilotadas
teve, na década de 80, uma importante in- (SARP), satélites, mísseis, radares etc.
dústria de defesa, cujos produtos, de elevada No Brasil, que na última década passou
capacidade tecnológica, eram reconhecidos a investir recursos vultosos em projetos es-
mundialmente, como carros blindados sobre tratégicos das forças armadas, o setor de

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serviços de defesa tem potencial para expe- brasileiras ou de países amigos, em opera-
rimentar uma expansão de mercado. ções no território nacional ou no exterior,
e aos contingentes internacionais de tropas
AS EMPRESAS MILITARES E DE SEGU- da Organização das Nações Unidas (ONU)
RANÇA PRIVADA (EMSP) desdobrados em operações de paz em várias
O final da Guerra Fria gerou um ambien- regiões do mundo. O faturamento anual do
te propício para a ascensão das empresas mercado militar privado é estimado em mais
militares e de segurança privada (EMSP), de 100 bilhões de dólares [4].
private military and security companies Os conflitos militares mudaram mui-
(PMSC) em inglês. O vácuo de poder deixa- to neste século, exigindo cada vez mais o
do pelas potências dominantes na periferia emprego intensivo de sensores remotos e
do mundo, fez com que antigas tensões la- sistemas de armas de alta tecnologia, cuja
tentes favorecessem o surgimento de vários operação por soldados brasileiros que não
conflitos intraestatais nessas regiões. Além sejam profissionais apresenta uma série de
disso, a grande quantidade de ex-militares desvantagens, tais como a baixa escolarida-
dispensados do serviço de dos recrutas, o tem-
ativo devido à redução po limitado no serviço
de efetivos dos exérci-
As EMSP podem ativo e a dificuldade
tos das grandes potên- dispor de profissionais de retenção da mão de
cias e o incremento da com maior grau obra devido aos salá-
política de privatização de escolaridade, rios pouco atrativos.
também contribuíram experiência As EMSP podem
para o surgimento e a militar pregressa, dispor de profissionais
expansão das EMSP. com maior grau de es-
Desde então, muitos
especializados no colaridade, experiência
governos, empresas, manejo de tais militar pregressa, espe-
organizações interna- sistemas, que não cializados no manejo de
cionais e organizações estarão sujeitos à tais sistemas, que não
não governamentais alta rotatividade de estarão sujeitos à alta
passaram a contratar funções e às frequentes rotatividade de funções
essas companhias para
prestar serviços mili-
transferências de e às frequentes transfe-
rências de cidades im-
tares e de segurança
cidades impostas aos postas aos militares de
privada. militares de carreira. carreira. Por isso, eles
Há um espaço gran- podem se especializar
de na indústria de defe- no domínio de deter-
sa brasileira a ser preenchido por EMSP que minada tecnologia ou técnica operacional e
atuem nas áreas de consultoria militar, ofe- permanecer prestando serviços por longos
recendo assessoramento e treinamento para períodos de tempo, sem vínculos emprega-
forças armadas e polícias de nações amigas; tícios diretos com as forças armadas, redu-
na prestação de serviços de segurança para zindo o impacto na folha de pagamento de
órgãos governamentais, organizações inter- pessoal e nos sistemas de proteção social e
nacionais, organizações humanitárias e em- de saúde militar.
presas multinacionais que atuem em áreas As despesas na contratação de empresas
de instabilidade, crise, terrorismo ou con- privadas são compensadas pela maior efici-
flito armado; e no apoio logístico, técnico e ência e eficácia na execução das diversas ta-
de serviços de segurança às forças armadas refas de apoio logístico, técnico e de serviços

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 7


de segurança, liberando maiores efetivos de lavanderia foi terceirizado, à exceção
para os cargos diretamente relacionados às da Brigada de Infantaria Paraquedista (Bda
funções de combate, além de reduzir os cus- Inf Pqdt), porque o 20o Batalhão Logístico
tos com o treinamento periódico de milita- Paraquedista (B Log Pqdt) possui uma la-
res que exerceriam essas funções de apoio. vanderia industrial instalada em contêi-
Verifica-se que a inserção das EMSP ner. Em tempo de paz, numa cidade grande
pode contribuir significativamente com o como o Rio de Janeiro, é muito fácil obter
desenvolvimento da doutrina militar terres- esses serviços, diferentemente de ambien-
tre, tanto para o preparo como para o em- tes operacionais caracterizados por baixa ou
prego das tropas. inexistente oferta de recursos locais, como
o interior da Amazônia ou as áreas confla-
A TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES gradas na África e no Oriente Médio, onde a
MILITARES contratação de empresas especializadas em
Destacam-se algumas atividades nas prestar apoio logístico para forças militares
quais a terceirização poderia ser viável pode ser uma opção mais eficiente e eficaz.
e vantajosa, sem gerar uma dependência
exagerada da iniciativa privada que possa Suprimento
comprometer as capacidades militares. Na função logística de suprimento, des-
Ainda que determinadas tarefas possam ser taca-se a possibilidade de terceirizar a pre-
executadas por EMSP, as forças armadas
paração e a distribuição de alimentação, em
precisam manter militares profissionais
tempo de paz ou de guerra, por restaurantes
que dominem as tecnologias e as técnicas
operados por empresas privadas instalados
envolvidas e acompanhem e fiscalizem o
dentro das bases militares, sobretudo em
trabalho dessas empresas.
quartéis generais e unidades não operacio-
A função logística, conforme o manual
nais, que não necessitam possuir equipes de
da doutrina de logística militar do Ministério
cozinheiros militares que atuem em zonas
da Defesa (MD42-M-02), é a reunião de um
de conflito.
conjunto de atividades logísticas afins,
correlatas ou de mesma natureza. São sete
essas funções logísticas: recursos humanos, Manutenção
saúde, suprimento, manutenção, transporte, É aquela na qual tem havido uma cres-
engenharia e salvamento. cente terceirização, particularmente pela
Além da logística, outras atividades dificuldade que existe em formar e reter
militares também podem ser terceirizadas, mecânicos especialistas em veículos, aero-
tais como os serviços de segurança e os naves e sistemas de armas de grande com-
serviços técnicos de observação e vigilância plexidade e elevada tecnologia. A Krauss-
aéreas. Maffei Wegmann (KMW) instalou, em Santa
Maria-RS, a primeira subsidiária da gigante
Recursos Humanos alemã na América do Sul, onde o Exército
É possível terceirizar as atividades de Brasileiro (EB) realiza a manutenção de 220
bem-estar e manutenção do moral militar, blindados da família Leopard e 34 da famí-
com destaque para o suprimento reembol- lia Gepard.
sável em cantinas, minimercados e lojas do A Força Aérea Brasileira (FAB) está fa-
tipo post exchange (PX) e os serviços de ba- zendo uma parceria público-privada para a
nho, de barbearia, de lavanderia e de sepul- manutenção de sua frota de aeronaves e a ex-
tamento. Um bom exemplo disso é que du- pectativa é que o primeiro contrato seja ce-
rante a operação de pacificação no complexo lebrado em 2017 [5]. Desde 2013, a Embraer
de favelas da Maré, em 2014 e 2015, o serviço já faz a manutenção de 92 aeronaves Super

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Tucano. O contrato, avaliado em R$ 252 mi- portanto não haveria necessidade dos moto-
lhões, inclui suporte técnico, fornecimento ristas privados conduzirem qualquer tipo de
de peças, reparo e revisão de componentes armamento. Selecionados pelas empresas na
e suporte aos conjuntos de trem de pouso iniciativa privada, esses profissionais pode-
e hélice. A Embraer é responsável, ainda, riam ser bem mais maduros e experientes,
pelo suporte logístico e serviços da frota de contribuindo para o aumento da segurança
24 aeronaves da família ERJ-145 da FAB, e a redução de acidentes.
utilizados em missões de transporte, reco- No transporte aéreo e aquaviário, so-
nhecimento e vigilância aérea na região da bretudo na Amazônia, onde esse apoio é
Amazônia. essencial para as unidades de fronteira, a
O mecanismo de parceria público- contratação de empresas privadas comple-
privada (PPP) na área de manutenção vai menta o imprescindível apoio da Força Aérea
permitir que a FAB reduza seus investimentos e da Marinha. Nos últimos anos, o Comando
na formação de recursos humanos, além de Militar da Amazônia tem adotado essa prá-
desonerar a folha de pagamento e o sistema tica com sucesso, evacuando feridos e do-
de proteção social da entes e transportando
Aeronáutica. A FAB pessoal e material para
investe hoje mais de
As EMSP surgiram os pelotões especiais de
R$ 750 milhões por no final do século XX fronteira (PEF).
ano em manutenção da como atores relevantes,
frota. Além de diminuir não para substituir a Engenharia
os custos, serão autoridade dos Estados O nosso país possui
abertas oportunidades nacionais e a atuação grandes empreiteiras
de negócios para as com presença global,
empresas brasileiras.
das forças armadas capazes de serem con-
regulares, legítimos tratadas para realizar
Transporte detentores do emprego obras e serviços de en-
As EMSP podem da força estatal, mas genharia para obter e
executar serviços de para complementar e adequar a infraestru-
transporte terrestre aumentar a eficácia da tura física e as instala-
com seus próprios ve- ções existentes às ne-
ículos ou somente for-
ação de ambos. cessidades das forças
necer motoristas para armadas brasileiras em
as viaturas militares administrativas e ope- qualquer teatro de operações.
racionais. Essa tem sido uma prática comum
das forças armadas das nações participan- Serviços de Segurança
tes da Organização do Tratado do Atlântico As bases militares de alguns países da
Norte (OTAN) desde a Guerra do Golfo, no OTAN contratam empresas privadas para a
início da década de 90, nas atividades de segurança externa dos aquartelamentos. No
transporte nas áreas de retaguarda. Há uma Brasil, até mesmo as unidades de elite das
dificuldade muito grande das forças arma- forças armadas têm muitos encargos com
das brasileiras no preenchimento dos cargos serviços de escala, o que prejudica o treina-
de motoristas de viaturas para o transpor- mento e o emprego operacional da tropa.
te de cargas, sobretudo da Classe E, que são Um batalhão paraquedista, por exem-
habilitados a dirigir carretas. As normas vi- plo, tem diariamente cerca de 100 militares,
gentes já exigem que em toda viatura militar quase o efetivo de uma companhia de fuzi-
haja a presença de um segurança armado, leiros, escalados para os serviços de guarda,

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Fonte: Arquivos do autor
Treinamento para serviços de segurança de autoridades.
computando-se as guarnições que entram tropas com seus efetivos completos.
e saem dos postos, o que reduz a quantida-
de de militares em adestramento ou pron- Observação e Vigilância Aéreas
tos para serem empregados em curto prazo. O Sistema Integrado de Monitoramento
Os demais integrantes dessa companhia são de Fronteiras (SISFRON) é um dos projetos
utilizados em serviços de faxina e de manu- estratégicos de mais alta prioridade do
tenção das instalações. Na prática, isto sig- EB e, certamente, o mais ambicioso, pois
nifica que as unidades têm sempre uma de se destina a monitorar 17.735 km de
suas quatro companhias fora da instrução e fronteira terrestre. Isso inclui a instalação,
do adestramento e impedida de se deslocar manutenção e operação de equipamentos de
em missões operacionais. alta tecnologia para o sensoriamento, apoio
Para as organizações militares da Força à decisão e apoio à atuação integrada das
de Ação Rápida Estratégica (FAR-E), que de- forças armadas, forças policiais federais
vem manter um elevado grau de prontidão e estaduais e diversos outros órgãos
e de operacionalidade, a utilização de segu- governamentais.
rança privada permitiria o desdobramento Os sistemas de aeronaves remotamente
de todo efetivo da unidade para o cumpri- pilotadas (SARP) são fundamentais para a
mento de suas missões, além de melhorar a vigilância das fronteiras. No entanto, em
segurança orgânica pelo emprego de guardas fevereiro deste ano, a imprensa noticiou que
profissionais, selecionados exclusivamente as duas aeronaves remotamente pilotadas
entre ex-militares e substituídos periodi- da Polícia Federal estão paradas na base de
camente para evitar o vazamento de infor- São Miguel do Iguaçu–PR e não voam desde
mações e a conivência com invasões crimi- janeiro de 2016. O artigo relata que, entre
nosas. Não haveria recursos orçamentários 2011 e 2016, a PF fez apenas mil horas de
disponíveis para adotar essa solução para voo, enquanto o projeto inicial indica que
todas as unidades das forças armadas, mas a deveria ter voado mais de 40 mil horas.
terceirização da segurança dos quartéis das Em 2016, teriam sido feitas apenas 35
forças de pronto emprego já seria uma linha horas de voo. Essas aeronaves voam até 37
de ação viável que aumentaria significativa- horas ininterruptas e possuem um alcance
mente a rapidez de desdobramento dessas operacional de 2.000 km, podendo voar em

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todo o espaço aéreo brasileiro. Elas foram lugares na classificação geral.
compradas por US$ 27,9 milhões, em 2009, A despeito das antigas e constantes
de uma empresa israelense. O governo já dificuldades orçamentárias das forças
teria gasto mais de R$ 150 milhões no projeto armadas, que prejudicam a manutenção
e não haveria, no momento, nenhum piloto de adequados níveis de prontidão e
em condições de operar a aeronave [6]. operacionalidade, existem algumas unidades
Em 2013, a ONU passou a empregar de elite, cuja natureza e peculiaridade do
SARP na Missão das Nações Unidas para seu emprego, têm recebido prioridade na
Estabilização da República Democrática alocação de recursos humanos e financeiros,
do Congo (MONUSCO), obtendo bastante permitindo que as mesmas disponham de
êxito na vigilância de áreas anteriormente profissionais de alto nível e materiais e
cobertas somente por voos de helicópteros, equipamentos de última geração.
muito mais caros, ou patrulhas a pé, muito A sucessão de grandes eventos
menos eficazes. Para isso, a ONU realizou internacionais que ocorreram no Brasil,
uma licitação internacional e contratou uma desde os Jogos Pan-Americanos de 2007 até
empresa italiana, que disponibiliza e opera os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016,
os sistemas de aeronaves. e o crescimento da insegurança global em
Diante disso, a exemplo da ONU, seria face da ameaça da violência extremista,
mais viável contratar empresas privadas contribuíram para que essas tropas,
que fornecessem e operassem os SARP para constituídas por operadores muito bem
o SISFRON. Numa fronteira com dimensões selecionados e treinados, fossem dotadas de
continentais como a nossa, será necessário material moderno para prover a segurança
empregar várias aeronaves, mas elas não desses eventos, cujo planejamento e
ficariam ociosas, pois também poderiam execução primorosos serviram de exemplo à
atuar em proveito de outros clientes comunidade internacional.
públicos e privados em atividades civis Ex-integrantes de unidades de elite do
como agricultura, mineração, construção Comando de Operações Especiais (COpEsp),
civil, inspeção de linhas de transmissão da Brigada de Infantaria Paraquedista (Bda
elétrica, avaliação de impactos ambientais, Inf Pqdt), da 12a Brigada de Infantaria
segurança de rodovias etc. Leve Aeromóvel (12a Bda Inf L Amv), do
Grupamento de Mergulhadores de Combate
AS VANTAGENS COMPETITIVAS DAS (GRUMEC), do Batalhão de Operações
EMSP BRASILEIRAS Especiais de Fuzileiros Navais (Batalhão
O Brasil possui reservistas e militares Tonelero) e do Esquadrão Aeroterrestre
de carreira da reserva altamente de Salvamento (PARA-SAR) estão entre
capacitados para exercer tarefas de os melhores e mais treinados soldados
apoio logístico, técnico e de serviços de da América Latina, tendo competência e
segurança em EMSP. As diversas escolas preparo profissional para prestar serviços
militares de formação, aperfeiçoamento de segurança privada em áreas hostis para
e especialização têm elevados padrões de embaixadas, bases militares, comboios
ensino e pesquisa, servindo de referência humanitários, navios mercantes, instalações
para outras instituições do país, sobretudo petrolíferas, mineradoras, gasodutos etc.
em termos de organização, planejamento e Ex-instrutores e ex-monitores de
métodos didáticos. Não é incomum nossos centros de instrução de alto nível, tais como
alunos enviados para cursos militares no o Centro Conjunto de Operações de Paz do
exterior, mesmo nos países mais ricos e Brasil (CCOPAB) e o Centro de Avaliação e
desenvolvidos, figurarem entre os primeiros Adestramento do Exército (CAAdEx) têm

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 11


conhecimentos e experiência suficientes 2004. Uma boa parcela desses militares é
para trabalhar em empresas que assessorem contratada para trabalhar em empresas que
e treinem forças armadas e polícias de outros fazem segurança patrimonial e pessoal, es-
países, a exemplo do que fazem empresas colta armada e transporte de valores, devi-
militares norte-americanas no programa do à experiência operacional, à disciplina e
Africa Contingency Operations Training aos conhecimentos adquiridos nos quartéis.
and Assistance (ACOTA), preparando As EMSP são capazes de absorver e apro-
tropas para operações de paz e de ajuda veitar muito melhor essa mão de obra bem
humanitária. qualificada para prestar serviços em áreas
O excelente desempenho em exercícios de risco no Brasil e no exterior.
internacionais é uma das provas irrefutáveis
da competência dos militares brasileiros. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em outubro de 2015, o 1° Batalhão de O fim dos arranjos de segurança que
Ações de Comandos, do COpEsp, enviou um conformaram o sistema internacional da
destacamento para o Reino Unido, a fim de Guerra Fria, a crescente instabilidade no
participar do exercício militar internacional mundo subdesenvolvido, a expansão de em-
Cambrian Patrol (Patrulha Cambriana), presas transnacionais num mundo cada vez
que contou com a participação de diversos mais globalizado e sem fronteiras, a emer-
países-membros da OTAN, dentre os gência de novos conflitos e a ameaça global
quais Inglaterra, França, EUA, Austrália da violência extremista têm criado forte de-
e Canadá. Os militares foram avaliados manda por serviços militares e de seguran-
no cumprimento de diversas missões, ça privada.
conduzindo mais de 35 kg de equipamento As EMSP surgiram no final do século
num percurso de 65 km pelas montanhas XX como atores relevantes atuando nas re-
Brecon Beacons (País de Gales), local onde o lações internacionais, não para substituir a
Special Air Service (SAS) realiza sua seleção autoridade dos Estados nacionais e a atua-
de pessoal. ção das forças armadas regulares, legítimos
Ao término da Patrulha Cambriana, detentores do emprego da força estatal, mas
das dezoito equipes participantes, duas para complementar e aumentar a eficácia
obtiveram a medalha de ouro, cinco a da ação de ambos na consecução das políti-
medalha de prata, duas a de bronze, uma cas externa e de defesa das nações.
recebeu o diploma de participação e oito Oitavo maior exportador mundial
equipes desistiram. A equipe brasileira de produtos de defesa nos anos 1980, o
obteve medalha de prata, projetando, Brasil tem boas possibilidades de voltar a
de forma muito positiva, o Brasil na ocupar lugar de destaque nesse mercado
comunidade internacional de operações internacional que movimenta, por ano, cerca
especiais, em especial no seleto universo da de US$ 1,5 trilhão [7]. Além de atender ao
OTAN. mercado nacional, essa indústria favorece a
Como no Brasil existe um grande contin- pauta de exportações de produtos e serviços
gente de militares temporários, uma quan- de defesa, com reflexos positivos na balança
tidade significativa de tenentes, sargentos, comercial do país. As empresas de defesa
cabos e soldados é licenciada anualmente brasileiras que prestam serviços militares e
ao completar o tempo máximo permitido de de segurança privada, no Brasil e no exterior,
oito anos no serviço ativo. Muitos possuem têm grande potencial para contribuir com
experiência no exterior, uma vez que o Brasil esse esforço do país, merecendo grande
participou da Missão de Estabilização das atenção no desenvolvimento doutrinário da
Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH) desde Força Terrestre.

12 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


NOTAS/REFERÊNCIAS
[1] Indústria Brasileira de Defesa discute maior presença no mercado internacional. LAAD Defence & Security
2017. http://www.laadexpo.com.br/br/imprensa/noticias/noticias-do-evento/276-
[2] Brick, Eduardo Siqueira. O perfil das empresas da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de
Defesa e Segurança – ABIMDE. Relatórios de pesquisa em engenharia de produção, v.14, n. D5, p. 45-90.
Universidade Federal Fluminense (UFF). 2013.
[3] Hossein-zadeh, Ismael. Why the US is not leaving Iraq: the booming business of
war profiteers. Global Research, January 12, 2007. http://www.globalresearch.ca/
why-the-us-is-not-leaving-iraq-the-booming-business-of-war-profiteers/4423
[4] Singer, Peter W. Corporate Warriors: the rise of the privatized military industry. London: Cornell University
Press. 2008. p. 78.
[5] FAB recorre à PPP para manutenção da sua frota. Valor Econômico. 12 Mar 2015.
[6] Projeto interrompido da Polícia Federal já gastou R$ 150 milhões com drones. Correio Braziliense. 16 Fev
2017.
[7] Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/industria-de-defesa> Acesso em: 08 junho 2017.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 13


UMA VISÃO DO FUTURO DA SIMULAÇÃO
NO TREINAMENTO MILITAR BRASILEIRO:
“SIMULAÇÃO COMO SERVIÇO”
Coronel Sérgio Simas Lopes Peres

O Coronel de Cavalaria Sérgio Peres é fundador e Chief ao treinamento, o EB empenha recursos, para
Executive Officer (CEO) da SP Training and Simulation, empresa aumentar o uso de simuladores, o que pode
de consultoria em treinamento e simulação. Foi declarado
redundar em maior eficiência nesse aspecto.
aspirante-a-oficial pela Academia Militar das
Agulhas Negras em 1991. Possui o curso de Os simuladores são excelentes ferramentas
Comando e Estado-Maior do Exército e para a instrução individual, a capacitação de
o de Estado-Maior Conjunto da Escola equipes e de comandantes. Todavia, são poucas
Superior de Guerra. Serviu, durante as unidades que os possuem, utilizando-os com
seis anos, na Divisão de Simulação do grande eficiência. A aquisição de tais ferramentas
Comando de Operações Terrestres,
exige um investimento inicial, normalmente
tendo participado de diversos exercícios
no exterior, como a Operação VIKING
elevado, tendo em vista o custo de manutenção
2014 e a PANAMAX 2014. No Reino Unido e evolução tecnológica do equipamento. A
realizou o curso de Emprego de Simuladores extensão do nosso país é um fator que complica
na Universidade de Cranfield – Defense Academy. a instalação centralizada de simuladores, porém
Proferiu palestras sobre simulação e emprego de integração de a universalização do uso é uma necessidade para
simuladores na LAAD, I/ITSEC e ITEC. Foi transferido para a que as unidades possam empregar eficientemente
reserva remunerada em março de 2017 (capsp2005@hotmail.
com).
esses sistemas de apoio durante o preparo.
O EB anualmente incorpora os soldados no
serviço militar obrigatório e se dedica a formá-
A evolução tecnológica e as mudanças na los para serem excelentes reservistas. Algumas
doutrina são constantes. A cada ano surgem novos unidades de pronto-emprego, que são formadas
equipamentos que funcionam graças aos modernos em sua maioria por militares profissionais,
sistemas que os integram. A complexidade de uso empenham-se no adestramento durante o ano
desses equipamentos exige o uso de técnicas novas de instrução. Essa estrutura de instrução e de
para a resolução de eventuais problemas. Para pessoal, respectivamente, faz com que o EB
isso, torna-se imprescindível um treinamento conviva com a “síndrome do terço” - cada unidade
especializado. possui apenas um terço do efetivo pronto para o
A crise econômica, nos últimos anos, espalhou- emprego operativo durante o ano.
se pelo mundo e atingiu o Brasil. Isso obrigou a Com o objetivo de melhor preparar os recursos
um redirecionamento dos investimentos, o que humanos da Força, os simuladores podem ser
afetou a indústria de defesa. Entretanto, essa falta empregados no adestramento, atendendo a
de recursos não pode prejudicar o adestramento e todos os níveis de capacitação. Nesse conceito de
a capacidade de resposta de uma força armada, sistemas de capacitação existem várias formas
impedindo-a de cumprir suas missões. de classificar a simulação. De maneira simples,
Para economizar recursos, preservando podemos dividi-la em: simulação viva, simulação
a capacidade de resposta, as Forças Armadas virtual e simulação construtiva.
Brasileiras buscam caminhos: a Marinha Tal assunto está descrito em diversos
e a Aeronáutica iniciaram um processo de trabalhos acadêmicos, em livros e no caderno
reorganização, reduzindo efetivos e aumentando de instrução EB70-CI-11.410, do Comando
a letalidade de seus equipamentos; o Exército de Operações Terrestres (COTER). De forma
Brasileiro (EB) busca remodelar a administração simplificada, podemos visualizar o emprego da
e reduzir o efetivo profissional. Em relação simulação no quadro a seguir:

14 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


EMPREGO DA SIMULAÇÃO meios no terreno, seria
muito caro. Já a utili-
Simulação Emprego zação de simuladores
Treinamento de procedimentos individuais permite o adestramen-
Treinamento de procedimentos em grupo to em alto nível com re-
Viva
Adestramento tático dução dos custos, ainda
(maior realismo) que precisem ser feitos
Avaliação de frações
Certificação de frações investimentos para a
Experimentação doutrinária montagem da estru-
tura necessária. Para
Treinamento de procedimentos individuais
Virtual empregar essas tecno-
Treinamento de procedimentos de grupo
(realismo logias no treinamento
Adestramento tático de frações
intermediário) precisamos solucionar
Pesquisa operacional o dilema do alto inves-
Experimentação doutrinária timento para a Força
Treinamento de equipes de comando na aquisição dessa
Construtiva Treinamento de procedimentos de comando estrutura.
(maior abstração) e controle Apesar da neces-
Pesquisa Operacional sidade de investimen-
Experimentação doutrinária tos, não há dúvidas de
que a simulação traz
Percebe-se que cada modalidade de simulação benefícios que cobrem esses custos, em função da
tem uma aplicação específica que apresenta um flexibilidade na montagem de cenários de ades-
determinado aproveitamento. A simulação viva tramento e do potencial de grande volume de uti-
permite a realização da avaliação e da certificação lização. Simuladores exigem investimentos vul-
de tropas. A simulação virtual permite o melhor tosos e devem ser utilizados de forma intensiva
treinamento de procedimentos individuais e para que os recursos não fiquem ociosos, além do
táticos. A simulação construtiva permite o melhor tempo necessário para a sua manutenção.
treinamento para comandantes e assessores. Os benefícios do uso de simuladores são:
A tecnologia de integração entre repetição de situações e cenários; economia
simuladores (interoperabilidade) permite que de recursos materiais e humanos, incluindo
sejam empregadas, no mesmo cenário, as três transporte; preservação do meio ambiente;
modalidades de simulação, incrementando o preservação de vidas; prevenção de acidentes;
realismo e a eficiência do treinamento. Assim, eficiência do adestramento; eficácia no
essa tecnologia de integração pode ser utilizada treinamento; ganho de tempo no treinamento;
para adestrar a tropa em seus diversos níveis, realismo do adestramento; e flexibilidade na
desde o soldado do grupo de combate e do carro criação das condições de combate.
de combate até o comandante de uma unidade ou Os sistemas de simulação podem ser simples,
brigada. como um equipamento para simulação de tiro
A integração entre os tipos de simulação apre- de armas leves, empregando apenas um emissor
senta vantagens tais como a incerteza e o realis- laser e um alvo sensível ao laser que informe
mo decorrentes da diversidade das configurações o acerto do tiro, com um custo individual de
e de problemas que surgem a partir da necessida- cerca de US$ 500,00 a unidade; podem ser de
de de o comando coordenar diversas frações em simulação virtual que rodam em computadores
ambientes de simulação diferentes, além de em- pessoais e custam milhares de dólares; ou podem,
pregar as unidades de apoio ao combate - logísti- ainda, ser um software instalado em um mock-
ca, engenharia e artilharia - durante o exercício. up do equipamento real, o que eleva esse custo
O ambiente do combate, com alto realismo e para dezenas ou centenas de milhares de dólares,
complexidade, é uma aplicação adequada da si- conforme o grau de fidelidade exigido. Para dispor
mulação para o adestramento. Realizar o mesmo de maior realismo e fidelidade, podemos adquirir
exercício de integração, empregando a tropa e os simuladores virtuais de alto custo, ou todo um

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 15


sistema de simulação viva para um centro de condições de cumprir uma missão já designada.
adestramento. Exemplo disso é a preparação das tropas para
O valor empregado na aquisição do sistema compor o contingente no Haiti, das tropas de paci-
e dos equipamentos trará como consequência ficação e das tropas para a segurança dos grandes
a necessidade de empregar recursos também eventos.
no custeio, no gasto de energia, na manutenção Podemos considerar que o adestramento
das instalações, no treinamento de instrutores, mais próximo da essência do emprego das Forças
e na confecção de uma metodologia de uso e de Armadas é a preparação específica e a preparação
avaliação dos resultados. Em poucas palavras, completa, porque a prontidão operativa da unidade
ao se adquirir um sistema de simulação para deve ser uma prioridade. Já a preparação orgânica
treinamento, urge pensar no conjunto de gastos pode ser considerada uma atividade-meio, pois
que são decorrentes do investimento. é apenas um estágio comum a ser cumprido na
Nesse contexto, é preciso repensar a Força Terrestre, não implicando a continuidade
problemática do orçamento. As Forças Armadas na preparação completa ou específica.
possuem uma missão, que é vista como o “core Os recursos orçamentários para a atividade
do negócio”, a atividade-fim, a qual se traduz na de adestramento, em qualquer nível, são, em sua
permanente prontidão maior parte, para custear
para o emprego. Questiona- Os simuladores a vida vegetativa das uni-
dades militares. Poucos
se, por conseguinte, se
o treinamento é parte
são excelentes são destinados para inves-
do “core do negócio” ferramentas para a timento. Essa distribuição
ou é uma atividade- instrução individual, a da natureza dos recursos
meio que prepara para a capacitação de equipes dificulta a ampliação do
atividade-fim. uso da simulação no EB.
Atualmente o EB con-
e de comandantes. Os recursos para investi-
sidera o preparo como Todavia, são poucas mento em infraestrutu-
atividade-fim. Vamos con- as unidades que os ra são escassos, uma vez
siderar que existem diver- possuem, utilizando-os que existem necessidades
sos tipos de treinamento, de investimentos mais
como instrução individu-
com grande eficiência. cruciais do que a compra
al e adestramento. Logo, A aquisição de tais de simuladores, como a
a instrução individual é ferramentas exige um aquisição de viaturas, de
uma atividade-meio, pois
busca formar o militar
investimento inicial, armas, de equipamentos
de engenharia, de equipa-
para desempenhar uma normalmente elevado. mentos de saúde em cam-
função dentro de sua uni- panha, de meios logísticos
dade. Entretanto, ainda não é o suficiente para ele e de aviação, entre outros.
estar em condições de combater. Tais necessidades estão ligadas diretamente à ca-
O adestramento, treinamento de grupos de pacidade do EB de cumprir a sua missão, princi-
soldados para atuar em equipe para o cumpri- palmente de combate.
mento de uma missão, permite que o EB esteja em Nesse contexto, é imprescindível que os
condições de ser empregado. O adestramento pode recursos de investimento do EB sejam empregados
ser dividido em orgânico, completo e específico. de forma judiciosa e, preferencialmente, para
O adestramento orgânico é o básico, voltado atender o “core do negócio”, e não as atividades-
para a preparação em seu menor nível, para uma meio. Por outro lado, pergunta-se: se não há
unidade cumprir parte das missões de sua base recursos para investir, como ampliar o uso de
doutrinária. A preparação completa é realizada simuladores no adestramento, os quais podem
pelas unidades de pronto emprego do EB e des- trazer tantos benefícios, incluindo a economia
tina-se a capacitá-las a cumprir todas as missões de meios? O ideal seria empregar os recursos
de sua base doutrinária. A preparação específica de investimento em atividades que causam um
é o treinamento para que uma unidade fique em menor impacto no custeio e gastar os recursos de

16 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


Em 2014, durante o exercício com integração de simuladores, o O Simulador de Helicópteros Esquilo e Fennec (SHEFE) atende à
Exército pôde observar que atribuir a parte técnica para uma formação continuada dos pilotos militares. Pode ser alugado para
empresa civil permite melhores condições de treinamento e o treinamento de pilotos civis reduzindo os custos do investimento
confiabilidade no equipamento. realizado.

custeio para contratar os serviços dos simuladores em diversos países, a contratação de empresas
que demandariam alto investimento. para prestar serviços de treinamento para as forças
Para reduzir os custos de implantação, os armadas, seja operando centros de adestramento
simuladores devem ser instalados em guarnições seja prestando treinamento especial.
que reúnem mais unidades militares. Ao dotar Na Inglaterra, a empresa Babcook
as guarnições com mais de três unidades, International possui um contrato do tipo parce-
pode-se cobrir a maior parte das necessidades ria público-privada com o Ministério da Defesa,
de adestramento. Dessa forma, com pequeno o qual a incumbe de todo o treinamento para as
deslocamento, todas as unidades desses centros três Forças. Esse contrato já está em vigor há mais
seriam atendidas. de vinte anos e atende às demandas das Forças
Os sistemas de grande emprego, como Armadas Inglesas. A experiência britânica com
simuladores de tiro, simuladores de condução a terceirização é um assunto que merece maior
de viaturas, simuladores de treinamento de aprofundamento que pode resultar em mais um
saúde e sistemas de treinamento virtual para artigo. Entretanto, pode-se afirmar que funciona,
adestramento tático, formam o grupo de uma vez que as Forças Armadas Inglesas são uma
simuladores que poderiam compor esses locais de das mais adestradas do mundo.
adestramento distribuídos pelo país, de forma a Na Alemanha, os centros de simulação viva
atender a maior parte da demanda. possuem contrato com a empresa Rheinmetall
O investimento para construir ou adaptar para prestar os serviços de simulação, sendo o
instalações e adquirir os equipamentos é alto e adestramento coordenado por militares. Na Suíça,
atualmente inacessível para o EB. Dessa forma, o mesmo ocorre com a Rüstungs Unternehmen
a contratação da prestação dos serviços de Aktiengesellschaft (RUAG) e, na Suécia, com a
treinamento, a terceirização dos serviços que não Svenska Aeroplan Aktiebolag (SAAB). É válido
fazem parte do “core do negócio”, torna-se um ressaltar que todas essas empresas são oriundas
dos caminhos para a diminuição dos custos das de cada um desses países. Em relação ao Brasil,
empresas, o que pode também ser utilizado pelo julga-se que a contratação de uma empresa es-
EB. O cumprimento da legislação das licitações, e trangeira não seria o mais adequado para o EB.
realizando contratos de médio prazo (cinco anos Atualmente, a indústria brasileira de defesa e de
com prorrogação de mais cinco), permite que as simulação precisa ainda desenvolver a capacida-
empresas diluam o custo de investimento durante de de fornecer esse serviço de forma completa.
o período, tornando essa alternativa viável. O EB utiliza esse processo de aluguel de
É necessário, porém, indagar-se sobre a simuladores e de treinamento para os pilotos dos
necessidade de uma força armada terceirizar o helicópteros Black Hawk e Pantera. Enquanto
seu treinamento, se não corre o risco de perder a o Brasil não adquirir esses simuladores, torna-
autonomia nessa atividade e se a Força não ficará à se necessária a ida de pilotos para o exterior a
mercê das decisões de uma empresa. Tais questões fim de realizar seu adestramento. Nessa trilha,
emergem juntamente com a preocupação com a cabe a pergunta se é correto que os requisitos
segurança do país. Por outro lado, observando de adestramento da aviação sejam diferentes do
exemplos ao redor mundo, é possível identificar, restante da Força.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 17


Durante a realização de exercícios de jogos de guerra, a presença A presença de um técnico especialista da empresa durante os
dos técnicos da empresa fornecedora proporciona segurança para exercícios garante o funcionamento dos sistemas de simulação
a realização do adestramento. Sendo a simulação um serviço para o adestramento. Na foto, o engenheiro da empresa realiza a
contratado pelo Exército, a segurança sobre os meios tecnológicos configuração do software de integração da simulação viva com a
empregados seria cláusula contratual. construtiva durante um exercício em 2014.

Atualmente, o EB está reestudando a também, definir o efetivo de usuários, as condi-


organização dos seus sistemas de simulação. ções de disponibilidade do equipamento para o
Fazer grandes aquisições para os centros de treinamento e o perfil dos instrutores (se da em-
adestramento e para dotar as unidades e brigadas presa ou militares treinados, dentre outros aspec-
de meios de adestramento com simulação tos). Esses dados são importantes para compor a
constitui-se um propósito relevante, apesar de solicitação de proposta comercial para as empre-
financeiramente inacessível. sas. Como já citado, julga-se pertinente um con-
Nesse sentido, busca-se um “meio-termo” trato de cinco ou dez anos de forma a permitir que
como solução. Para sistemas de treinamento o custo de investimento da empresa seja diluído
de baixo custo e de fácil manutenção, as Forças ao longo do tempo, proporcionando um valor de
Armadas Brasileiras fariam a aquisição e seriam custeio acessível ao EB.
as proprietárias. Para sistemas mais complexos Essa contratação permitiria a melhora das
e de alto custo de aquisição e de manutenção, o condições de adestramento, por universalizar o
processo de aluguel se mostra mais econômico uso da simulação, mantendo de forma perene os
e eficiente. A contratação de uma empresa equipamentos disponíveis para uso. Para o Brasil,
brasileira, em parceria com empresas fornecedoras seria um incremento da indústria de simulação,
dos sistemas de simulação, é, por conseguinte, o inicialmente como parceira dos estrangeiros e
caminho a ser percorrido. fornecendo os serviços, depois fornecendo os
Para esse processo ser viável, é necessário sistemas ou componentes e, posteriormente,
reorganizar o adestramento do EB, de forma a substituindo, em longo prazo, os sistemas por
intensificar o uso dos simuladores contratados. produtos brasileiros.
Há a necessidade de se manter o adestramento, O uso de instrutores do EB poderia ser
individual e coletivo, durante todo o ano de uma proposta viável. Entretanto, a rotatividade
instrução. do pessoal, a saída para realizar cursos, a
Urge, portanto, viabilizar o processo de uso da transferência, a promoção e a consequente
“simulação como um serviço” contratado. Assim, designação para funções administrativas
o EB possui os programas-padrão para orientar a constituem-se um empecilho, já que sempre
instrução militar e os planos de disciplina para o prejudicaram as escolas e unidades militares.
ensino militar nas escolas. Inicialmente, deve-se Por outro lado, o uso dos instrutores das em-
verificar quais instruções podem ser realizadas presas, possivelmente militares da reserva, per-
com o uso de simuladores para melhorar o apren- mite que a mesma qualidade de instrução seja
dizado e o adestramento. mantida por longo tempo, seguindo as diretrizes
Sugere-se que os simuladores, definidos como do EB. Essa contratação favorece a manuten-
importantes para o adestramento e aprendizado, ção do conhecimento e a experiência desses ins-
tenham mensuradas a carga horária de uso e a trutores sempre disponível para os instruendos.
quantidade de exercícios por ano. É relevante, Prova disso é que, em vários países, a instrução é

18 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


ministrada ou orientada por militares da reserva Os simuladores de viaturas leves e caminhões,
e apresenta um alto rendimento. assim como de blindados, podem ser contratados
Sendo assim, a compra de sistemas de si- para sua instalação em unidades logísticas
mulação torna-se viável quando o investimento e fornecer o serviço para todas as unidades
é relativamente baixo e o uso pela Força for fre- próximas e empresas privadas de transporte.
quente, a exemplo de simuladores simples de tiro Já os centros de adestramento não
para a instrução básica dos atiradores, tipo o sis- adquiririam os equipamentos, evitando-se o alto
tema Laser Ammo e outros existentes no merca- investimento e o alto custo de manutenção para o
do. Outra opção é o sistema de simulação virtual treinamento do pessoal que utilizará o material.
tática (simulador em primeira pessoa com uso de Os equipamentos e a manutenção seriam
computadores tipo desktop). Se for previsto um contratados, por exemplo, para a realização de
uso intensivo do equipamento, pode ser mais eco- dez exercícios por ano em OM valor unidade.
nômico comprá-lo do que pagar pelos serviços, Entre os exercícios pode-se prever uma semana de
como atualmente são o sistema Steel Beast e o intervalo, no mínimo, entre outras especificações
Virtual Battlespace (VBS), instalados no Centro de a ser inseridas no contrato. É imprescindível
Instrução de Blindados (CI Bld). que os instrutores, observadores, avaliadores
Em se tratando de investimento em equipa- e controladores sejam militares e a direção do
mento de aquisição e custos de manutenção altos exercício seja apoiada por técnicos da empresa
que exijam adaptação de salas, e ainda uma atua- contratada.
lização de tecnologia em curto espaço de tempo, a O custo anual nesse modelo seria menor
contratação de serviço é mais econômica e possui que o investimento inicial para a aquisição dos
menor risco. Além disso, os recursos seriam do or- simuladores, permitindo assim que o centro
çamento de custeio. de adestramento entre em operação em prazo
A quebra do paradigma é, portanto, mais curto. A estrutura criada poderia ser
necessária. É preciso que a unidade compreenda disponibilizada para as polícias militares e
a importância de realizar o adestramento, mesmo para o adestramento de outros exércitos
mesmo que em instalações de uma empresa, com do continente, conforme diretriz e coordenação
equipamentos de simulação e instrutores desta. do Estado-Maior do Exército.
Assim, os dados da instrução seriam repassados É imprescindível estudar e avaliar bem os
ao comandante para que este faça avaliação e termos da contratação e seguir o planejamento
correção do adestramento da tropa, se necessário. contratado. Ressalte-se que as mudanças que
A unidade não seria a proprietária dos sistemas de trazem custos adicionais para as empresas terão
treinamento, apenas usuária. esse valor repassado para o EB, prejudicando o
É possível instalar simuladores de tiro com planejamento orçamentário da Força.
cenários virtuais em diversas sedes e indenizar a Por fim, aquilo que custar caro para compra,
empresa apenas pelo uso para o treinamento. O tiver alto custo de manutenção e uso episódico
investimento seria diluído em longo prazo. Para deve ser contratado no modelo de simulação
tentar baixar os custos para as Forças Armadas, como serviço. Certamente, esse sistema vai
recomenda-se realizar parcerias com as polícias permitir ampliar o uso da simulação sem onerar
militares e empresas de segurança privada da os investimentos do EB. Assim, durante a
região, uma vez que estas seriam potênciais vigência dos contratos, o EB terá a melhor opção
usuários do simulador em tecnologia de treinamento à sua disposição.

NOTA

O autor registra a importante colaboração do Sr. João Antonio Tronkos na elaboração deste artigo. O Sr. Tronkos
é formado e pós-graduado em Ciências da Computação pela UNICAMP. Atuou nos últimos cinco anos na área de
simulação para uso militar e policial pela RustCon, após mais de 30 anos de experiência em projetos de integração de
sistemas, trabalhando pela IBM Brasil, Bull Sistemas, Gartner Group e Digital Equipment. Coordenou recentemente
a adaptação e implantação do sistema Combater (simulador construtivo de combate) para o Exército Brasileiro.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 19


O PENSAMENTO MILITAR BRASILEIRO
General de Exército Paulo Cesar de Castro

O General de Exército Castro é graduado pela Academia ligeiras nuanças, fora parcialmente adotado e
Militar das Agulhas Negras, na arma de Artilharia. É pós-graduado
adaptado pela Marinha, pelo Exército e pela
pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
(ECEME), pela Escola de Guerra Naval (EGN) e Aeronáutica.
pela Escola Superior de Guerra do Exército Restou patente que o pensamento era, pois,
Argentino. Comandou, como coronel, o constituído de ilhas de excelência estratégica,
21o Grupo de Artilharia de Campanha; isoladas, distantes, desconfiadas umas das
como Gen Bda, a ECEME; como Gen
Div, a 4a Região Militar e a 4a Divisão
outras e que temiam se identificar como um
de Exército. Como Gen Ex foi Chefe do arquipélago. Naquelas ilhas nascera, crescera
Departamento de Educação e Cultura do e sedimentava-se profícuo pensamento
Exército até 11 de maio de 2009, quando militar. Essas conclusões revigoraram-me
foi transferido para a reserva. O Gen Castro a alma de soldado e ratificaram-me plena
tem sido assíduo articulista deste periódico
doutrinário. É doutor em Ciências Militares pela ECEME e em
confiança nas instituições armadas.
Ciências Navais pela EGN (paulocesarcastro@terra.com.br). Desde então, tenho testemunhado a
expansão crescente e de tendência agregadora
“O pensamento militar brasileiro? das fronteiras do pensamento militar
Não existe!” brasileiro. As ilhas de excelência estão cada
vez mais próximas e seus habitantes têm
Estupefato, ouvi essa afirmativa de um aprendido a se comunicar no mesmo idioma,
colega de turma na Escola de Guerra Naval irmanados que são por ideais e valores
em 1993. Éramos alunos do Curso de Política comuns.
e Estratégia Marítima (C-PEM) e referia-se Assim, este artigo se propõe a identificar
ele ao tema de minha monografia. Ao saber de conquistas significativas do pensamento
sua opinião, fui tomado por dois sentimentos militar no período 1993-2017, notadamente
simultâneos: decepção e estímulo. Decepção, as que o tornam progressivamente conjunto.
pela crítica tão mordaz e desabonadora à
cultura militar. Estímulo, para pesquisar, O PENSAMENTO MILITAR E A
estudar, refletir, concluir e expressar o AMAZÔNIA
pensamento militar brasileiro e, além disso, Estudos político-estratégicos abriram os
demonstrar o erro grosseiro que aquele oficial olhos das Forças Armadas para um imenso
cometera. vazio demográfico, rico, cobiçado, invejado,
Pesquisas e estudos conduziram-me a inexplorado, abandonado pelo poder
abordar o tema segundo quatro vetores de público e pontilhado de organizações não
pensamento: o naval, o militar terrestre, governamentais estrangeiras e nacionais (sic),
o aeroespacial e o da Escola Superior de sob as vistas complacentes de autoridades
Guerra (ESG). Reflexões e conclusões civis, malgrado o persistente assessoramento
permitiram-me afirmar que, no Brasil, havia e os insistentes alertas que recebiam das três
consistente pensamento militar expresso nos Forças.
planejamentos estratégicos da cada Força e O General Beaufre [1], em “Disuasion y
em alentada produção intelectual de nossos Estrategia”, afirma que a estratégia total no
marinheiros, soldados e aviadores. modo indireto decorre de limitações como:
Entretanto, tornou-se evidente, também, liberdade de ação; nível de emprego da força;
que cada Força desenvolvera, ao longo da meios (em geral); e meios militares. Nessa
história, pensamento próprio e isolado obra, o autor estuda a manobra por lassidão
do das coirmãs. A ESG contribuíra com que, no campo militar não pretende ganhar,
sua doutrina básica, especialmente por mas durar sem perder. Consiste em prova
intermédio de consolidada proposta de de força desenvolvida por longo tempo, em
método de planejamento estratégico que, com um ponto fraco do inimigo, num teatro de

20 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


operações excêntrico para ele, constituindo ataque AT-27, Tucano. Ativou, também, o
uma zona de combate limitada [2]. 2º/3º Grupo de Aviação, Esquadrão Grifo,
A lassidão encaixou-se como uma luva, sediado na, então, Base Aérea de Porto Velho,
isto é, a resposta militar adequada para que opera os modernos AT-29, Super Tucano.
enfrentar um inimigo cujo poder de combate Além do exposto, a FAB desativou grada-
fosse, incontestavelmente, superior ao nosso. tivamente os famosos C-115 Búfalo, notabi-
O Exército Brasileiro adotou-a para combater lizados por inesquecíveis participações em
na Amazônia e, por meio de experiências operações militares e de apoio humanitário
próprias, aprimorou a ideia original e em áreas carentes só acessíveis por via aérea
desenvolveu a estratégia e o combate de como, por exemplo, o PEF de Surucucu, em
resistência. Selva! Roraima. Quantos devem suas vidas e a de
Pioneiro, vanguarda histórica da ocupa- seus familiares aos militares da FAB, heróis
ção do território brasileiro, o Exército trans- anônimos? E quantos já estão devendo aos
feriu brigadas e unidades de outras áreas que tripulam os recém incorporados C-105
para o Comando Militar da Amazônia e cons- Amazonas, aeronaves que substituíram os
truiu quartéis e residências, ações que po- saudosos C-115?
tencializaram sua contribuição Desde a
para o desenvolvimento regional década de no-
e apoio às populações locais.
Tenho testemunhado a venta, portan-
Sob a mesma ótica, a Marinha expansão crescente e de to, Marinha,
criou, em 1994, o Comando Naval tendência agregadora Exército e
da Amazônia Ocidental, embrião das fronteiras do Aeronáutica já
do 9o Distrito Naval, ativado em
2005 [3], em Manaus. Esse gran-
pensamento militar operavam
forma conjunta
de

de comando tem empregado seus brasileiro. As ilhas de na Amazônia,


meios navais, aeronavais e de fu- excelência estão cada sem necessida-
zileiros navais em prol da defesa vez mais próximas de de documen-
da Pátria e, simultaneamente, e seus habitantes tos normativos
apoiado as comunidades ribei- ou doutriná-
rinhas. Lá estão homens e mu-
têm aprendido a se rios. Esse tes-
lheres de branco da “Marinha do comunicar no mesmo temunho pode
Brasil, protegendo nossas rique- idioma, irmanados que ser recolhido
zas, cuidando de nossa gente!”. são por ideais e valores dos marinhei-
Riscando os céus da comuns. ros, soldados e
aviadores que
Amazônia, “As asas que protegem
o País” tornaram-se cada vez tiveram o pri-
mais indispensáveis – vitais mesmo – para a vilégio de servir naquela área estratégica
sobrevivência de populações desassistidas e prioritária.
indígenas, bem como dos guerreiros de selva
e a seus familiares nos pelotões especiais de O PENSAMENTO MILITAR E AS
fronteira (PEF). A exemplo dos voos pioneiros AMAZÔNIAS VERDE E AZUL
do Correio Aéreo Nacional, a chegada de uma O pensamento militar evoluiu muito da-
aeronave é, sempre, motivo de júbilo, festa e queles idos de 1993 até 2017. A floresta tro-
esperança para todos. pical e o Atlântico Sul emprestaram suas co-
A fim de incrementar o poder aeroespacial res para distinguir duas áreas estratégicas
na área, a Força Aérea Brasileira (FAB), nos de prioridade um, a “Amazônia Verde” e a
anos noventa, ativou o 1º/3º Grupo de Aviação, “Amazônia Azul”.
Esquadrão Escorpião, sediado na, então, Base Naquele período, a Amazônia (“Verde”)
Aérea de Boa Vista, operando aeronaves de manteve-se como uma das referências

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 21


do pensamento militar de longo prazo. A (Manaus) e 6 (Porto Velho), organizações
Marinha do Brasil, por exemplo, propõe-se a operacionais de nível tático subordinadas ao
fortalecer sua presença na região próxima à Comando de Preparo.
foz do Amazonas, razão porque prosseguem A Marinha tem buscado alertar a
os estudos com vistas à criação de uma 2ª sociedade para os incalculáveis bens
Esquadra e de uma 2ª Força de Fuzileiros da naturais, biodiversidade e vulnerabilidade
Esquadra [4]. de extensa área oceânica, adjacente ao
O Exército criou, em 2013, o Comando continente, a “Amazônia Azul”, cuja área é
Militar do Norte (CMN), com sede em Belém. pouco menor, porém em tudo comparável à
Sua área de jurisdição abrange os estados “Amazônia Verde” [6]. A “Amazônia Azul”, por
do Pará, Amapá, Maranhão e, em parte, receber prioridade um, implica planejamento
Tocantins, ou seja, a Amazônia Oriental. e preparo conjunto das forças componentes,
Em decorrência, há unidades subordinadas naval, terrestre e aérea. Um desafio e tanto!
prontas para o combate e outras em fase de
implantação. O PENSAMENTO MILITAR E AS
Merece ser citado que Belém sedia, hoje, OPERAÇÕES DE PAZ
grandes comandos apenas de duas forças: o O pensamento militar brasileiro tem
4º Distrito Naval e o CMN. A Força Aérea, em evidenciado evoluir em direção a um
curso de ousada reestruturação [5], ativou em pensamento conjunto. Eis o que se pretende
fevereiro de 2017, a Ala 9, em Belém. Foram demonstrar por intermédio de breve
ativadas, também, as Alas 7 (Boa Vista), 8 apreciação sobre a Missão das Nações Unidas
para a Estabilização
do Haiti (MINUSTAH)
e sobre o Centro
Conjunto de Operações
de Paz do Brasil
(CCOPAB).
A MINUSTAH foi
criada por Resolução
do Conselho de
Segurança das Nações
Unidas, em fevereiro
de 2004. Sob o coman-
do de um general bra-
sileiro encontravam-
-se capacetes azuis da
Marinha, do Exército
e da Força Aérea, além
de tropas de outros
quinze países [7].
A par da mis-
são atribuída pela
ONU, a MINUSTAH
aproximou as Forças
Armadas e lhes per-
mitiu adquirir expe-
riência em operações
conjuntas. Uma das
peças de manobra do

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Batalhão de Infantaria de Força de Paz Brasileiro conjunto conceitua GLO como uma operação
(BRABAT) foi o Grupamento Operativo de militar determinada pelo Presidente da
Fuzileiros Navais [8], e um pelotão de Infantaria República e conduzida pelas Forças Armadas
da Aeronáutica integrou o próprio BRABAT. Eis de forma episódica, em área previamente
uma primeira conquista do pensamento militar estabelecida e por tempo limitado, que tem por
conjunto. objetivo a preservação da ordem pública e da
O CCOPAB é uma organização militar incolumidade das pessoas e do patrimônio em
vinculada diretamente ao Ministério da Defesa situações de esgotamento dos instrumentos
(MD), porém subordinado ao Exército Brasileiro, para isso previstos no art. 144 da Constituição
por intermédio da 1ª Divisão de Exército. É ou em outras em que se presuma ser possível
vinculado, também, ao Comando de Operações a perturbação da ordem (Artigos 3º, 4º e 5º do
Terrestres e ao Departamento de Educação e Decreto Nº 3.897, de 24 de agosto de 2001) [11].
Cultura do Exército [9]. Também em janeiro de 2014, o Exército ado-
A história do CCOPAB passa pela criação, tou o Manual de Fundamentos EB20-MF10.103
em 2005, do Centro de Instrução de Operações Operações[12], necessária fonte de atualização
de Paz (CI Op Paz). Em 2010, essa organização doutrinária para planejar e executar as opera-
militar foi designada pelo MD para a preparação ções no amplo espectro. Dentre as chamadas
de militares e civis brasileiros e de nações operações básicas encontram-se as de apoio a
amigas a serem enviados em missões de paz e, órgãos governamentais que, como as demais,
simultaneamente, denominou-a CCOPAB. tem formas de apoio e, estas, tarefas. Garantir
Esse Centro herdou a denominação histórica a Lei e a Ordem é uma das cinco tarefas da for-
do antigo CI Op Paz, “Centro Sérgio Vieira de ma de apoio proteção integrada [13]. Eis brevís-
Mello”, atribuída em 2008 pelo Comandante do sima síntese da doutrina em vigor no Exército
Exército. Atualmente, o CCOPAB assim expressa sobre GLO [14].
sua missão: “apoiar a preparação de militares, A doutrina, consolidada em ambas as fontes
policiais e civis brasileiros e de nações amigas e transmitida pelos citados manuais, decorre
para missões de paz e desminagem humanitária de larga experiência acumulada por nossas
[10]”. Como organização conjunta, seus quadros forças em operações cada vez mais frequentes.
contemplam militares da Marinha, do Exército Expressa pensamento militar genuinamente
e da Aeronáutica, segunda conquista do nacional.
pensamento militar conjunto. Foram conduzidas, somente em 2017, as
A próxima conquista são as operações seguintes Op conjuntas de GLO: “Operação
conjuntas de garantia da lei e da ordem (Op Capixaba”, no Espírito Santo; “Operação
GLO). Carioca”, no Rio de Janeiro; e “Operação
Potiguar II”, no Rio Grande do Norte. Chama
O PENSAMENTO MILITAR E AS Op GLO a atenção a presença de tropas da Marinha, do
O MD adotou, em janeiro de 2014, o Exército e da Força Aérea atuando sob o mesmo
manual MD33-M-10, “Operações de Garantia comando e doutrina, terceira e relevante
da Lei e da Ordem” (GLO). Esse documento conquista do pensamento militar brasileiro.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 23


Algo impensável naqueles tempos em que tive C-105, Amazonas. Continuou, destarte, a
a honra de cursar o C-PEM. proteger o espaço aéreo, além de amparar a
vida de inúmeras populações isoladas, dos
CONCLUSÕES militares do Exército e familiares que servem
O pensamento militar brasileiro em 1993, e vivem nos PEF.
quando este autor teve a felicidade de cursar o Operar de forma conjunta é o dia a dia das
C-PEM, era consistente e fruto de atualizados Forças Armadas na Amazônia. Lá a doutrina
estudos político-estratégicos expressos nos aprende com os profissionais de branco,
mais elevados documentos orientadores da verde e azul. Por vezes é difícil distingui-
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, for- los, posto que todos envergam uniformes
ças que observavam, segundo ótica própria, camuflados.
a doutrina básica da ESG. Constituíam-se em A Amazônia influenciou de tal modo
ilhas de excelência isoladas, desconfiadas, ir- a evolução do pensamento militar que a
manadas por ideais e valores, mas que temiam Marinha, em decisão magistral, denominou
reunir-se em um arquipélago. Assemelhavam-
de “Amazônia Azul” a extensa região oceâ-
se, também, a quatro vetores que não forma-
nica adjacente ao litoral brasileiro que, de
vam um sistema de forças.
tão rica e cobiçada quanto sua irmã “Verde”,
A evolução do pensamento militar levou o
Exército a voltar-se para como esta recebeu prioridade estratégica
máxima. A preparação
a imensidão amazôni- O pensamento militar das forças componentes
ca. Estudos acurados
da conjuntura mundial, tem dado significativos para eventual teatro na
do subcontinente sul- passos rumo às “Amazônia Azul” é um
-americano, do abando- operações conjuntas. desafio que
a mais para os
pensam as soluções
no a que estava relegada
aquela área estratégica e
É gratificante para o problema mili-
de seu vazio demográfi- testemunhar tropas da tar brasileiro atual e
co assustador, entre ou- Marinha, do Exército futuro.
tros fatores, obrigaram o e da Aeronáutica O pensamento mi-
Exército a concluir sem litar tem dado signi-
pestanejar: Amazônia,
operando sob comando ficativos passos rumo
prioridade número um! único e doutrina às operações conjun-
Resultado atual: em similar em operações tas. É gratificante tes-
Manaus, o Comando
Militar da Amazônia e,
de paz sob a égide da temunhar tropas da
em Belém, o Comando ONU e em operações de da Aeronáutica operan-
Marinha, do Exército e

Militar do Norte, tendo GLO. do sob comando único


ambos recebido unida- e doutrina similar em
des transferidas de áre- operações de paz sob a égide da ONU e em
as distantes e outras unidades especialmente operações de garantia da lei e da ordem.
criadas para operar na região. Selva!
A criteriosa seleção das áreas estratégicas
A Marinha, sem tirar os olhos das águas
prioritárias e o emprego conjunto das Forças
azuis, decidiu incrementar seu poder de
Armadas comprovam que o pensamento
combate e, em consequência, sua presença na
região amazônica. Assim, surgiram o Comando militar brasileiro evoluiu – e muito! – de
Naval da Amazônia Ocidental e seu sucessor o 1993 a 2017. A par da comunhão de valores
9º Distrito Naval, com sede em Manaus. e ideais, o pensamento contribui para
A Força Aérea, com aeronaves AT-27, que desfrutemos de elevados índices de
Tucano, e AT-29, Super Tucano, ativou unidades credibilidade junto à população brasileira.
de ataque na Amazônia Ocidental, a par de Rumo ao futuro, “Sustentar o fogo que
substituir os C-115, Búfalo, pelos modernos a vitória é nossa!”

24 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


NOTAS/REFERÊNCIAS
[1] General de Exército, francês, nascido em 25 de janeiro de 1902. Retirou-se do serviço ativo em 1962.
[2] General Beaufre, ESTRATEGIA DE LA ACCIÓN. Página 138 e seguintes. BUENOS AIRES: Editorial Pleamar,
1994.
[3] BRASIL, Comando da Marinha. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/com9dn/sobrenos. Acesso em 9 de
março de 2017.
[4] MUTTI, Gersio. MARINHA DO BRASIL, “IMPLANTAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DA SEGUNDA ESQUADRA”, in,
Nota do Plano Brasil. Disponível em: http://www.planobrazil.com/marinha-do-brasil-implantacao-e-localizacao-
da-segunda-esquadra/. Acesso em: 12 de março de 2017.
[5] Todos os Comandos Aéreos Regionais (COMAR) foram desativados, no contexto do processo de reestruturação
da FAB.
[6] BRASIL, Marinha do Brasil. AMAZÔNIA AZUL. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/content/
amazonia-azul-0 Acesso em: 12 de março de 2017.
[7] BRASIL, Ministério da Defesa. O BRASIL NA MINUSTAH (HAITI). Disponível em: http://www.defesa.gov.br/
relacoes-internacionais/missoes-de-paz/o-brasil-na-minustah-haiti. Acesso em 12 de março de 2017.
[8] Defesanet. Disponível em: http://www.defesanet.com.br/ph/noticia/24470/GptOpFuzNav-tem-a-primeira-
mulher-combatente-a-integrar-uma-tropa-da-ONU/ . Acesso em 12 de março de 2017.
[9] BRASIL, Centro Conjunto de Operações de Paz. SUBORDINAÇÃO. Disponível em: http://www.ccopab.eb.mil.
br/pt/sobre-o-ccopab. Acesso em: 12 de março de 2017
[10] BRASIL, Centro Conjunto de Operações de Paz. SOBRE O CCOPAB. Disponível em: http://www.ccopab.eb.mil.
br/pt/sobre-o-ccopab. Acesso em: 12 de março de 2017.
[11] BRASIL, Ministério da Defesa. OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM, pag. 14-64. BRASÍLIA,
Diário Oficial da União, 3 de fevereiro de 2014.Disponível em: http://defesa.gov.br/arquivos/2014/mes02/
md33_m_10_glo_2ed_2014.pdf. Acesso em 13 de março de 2017.
[12] BRASIL, Estado-Maior do Exército. OPERAÇÕES. BRASÍLIA: Estado-Maior do Exército, 1994.
[13] Idem, página 4.21.
[14] Ibidem, página 4.22.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 25


POR QUE O IRAQUE? POR QUE AGORA?
Breve análise de uma decisão
estratégica equivocada
General de Divisão Fernando Rodrigues Goulart

O General de Divisão Goulart é o Vice-Chefe de Assuntos preparada e iniciou-se dois dias depois. Uma
Estratégicos do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Foi coalizão de forças majoritariamente norte-
declarado aspirante-a-oficial de Infantaria pela Academia Militar americanas, integrada por 45 mil militares
das Agulhas Negras em 1980. Doutor em
britânicos e efetivos menores de outros países
ciências militares pela Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército, com invadiu o Iraque. Bagdá foi rapidamente
especialização na Academia de Comando alcançada e o regime de Saddam Hussein foi
das Forças Armadas da Alemanha, derrubado em apenas vinte dias. Entretanto,
comandou o 62º Batalhão de Infantaria a ocupação do país durou oito anos, tentando
(Joinville, SC). Esteve a serviço da ONU
lidar, sem sucesso, com uma séria crise de
em Moçambique, no Nepal e em Nova
Iorque. Como oficial general, comandou estabilidade e segurança que perdura até
a 8ª Brigada de Infantaria Motorizada, a os dias de hoje. As armas de destruição em
Força de Paz das Nações Unidas na MINUSTAH massa que haviam motivado a ação militar
(Haiti) e a 6ª Divisão de Exército. Foi Subchefe do COTER e Chefe jamais foram encontradas.
do Centro de Coordenação de Operações do CMS (frgoulart@
hotmail.com).
ANTECEDENTES E CONDICIONANTES
“O hábito de apostar, ao contrário dos DA DECISÃO BRITÂNICA
cálculos razoáveis, é um vício militar O Iraque vinha se recusando a uma ple-
que, como revelam as páginas da história, na colaboração com o programa de inspeções
arruinou mais exércitos do que qualquer da ONU desde 1999 e falhava seguidamente
outra causa.” (B. H. Liddel Hart). no cumprimento das resoluções do Conselho
de Segurança sobre transparência e desar-
No dia 18 de março de 2003, em discurso mamento. Por isso, pesava sobre o país sé-
ao Parlamento britânico, o Primeiro Ministro ria suspeita de possuir um plano secreto de
Tony Blair afirmou que a posse de armas de desenvolver armas de destruição em massa.
destruição em massa pelo Iraque e a contínua Entretanto, o Iraque não era o único regime
recusa de Saddam Hussein em observar as acusado de tentar produzir esse tipo de arma
resoluções do Conselho de Segurança da nem sequer era a ameaça mais premente, já
Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o que Coreia do Norte e Irã despertavam mais
assunto constituíam uma séria ameaça à paz preocupações.
e à segurança internacionais. Blair salientou, No início de 2002, depois da invasão do
também, o risco de que tais armas viessem Afeganistão, o Presidente dos Estados Unidos
a cair em mãos de terroristas e a ameaça da América (EUA) voltou sua atenção para o
que isso representava para a segurança do Iraque. Pretendendo continuar liderando em
Reino Unido e de seus cidadãos. Por fim, o sua proclamada “guerra ao terror”, George
Primeiro-Ministro exortou enfaticamente W. Bush transformou esse país árabe em
os parlamentares a apoiarem o uso da força um “caso urgente” a ser resolvido e passou
contra o Iraque. Ao cair da noite desse dia, a propugnar ações militares para desarmar
após uma acalorada sessão, o Parlamento Saddam Hussein. Como as gestões do governo
aprovou, por 412 votos a favor e 129 contra, norte-americano no Conselho de Segurança
uma moção de apoio ao governo autorizando da ONU fracassassem diante da oposição da
o uso de todos os meios necessários para Rússia e de outros membros do órgão, Bush
assegurar o desarmamento do Iraque. optou por invadir o país à revelia das Nações
A operação Iraq Freedom já estava Unidas, remover Saddam do poder e eliminar

26 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


as armas de destruição em massa iraquianas. problema que o primeiro-ministro Tony Blair
Para tanto, a fim de conformar uma coalizão provavelmente formulou para si mesmo foi o
de países para a operação e, assim, aumentar seguinte:
sua liberdade de ação no campo internacio- Manter o Reino Unido alinhado com o sis-
tema internacional representado pela ONU e
nal, o presidente norte-americano envolveu o
buscar uma solução para a ameaça que o regi-
líder britânico em suas tratativas para a ação me de Saddam Hussein representava por meio
militar. das deliberações do Conselho de Segurança ou
A essa altura, o Iraque havia se tornado apoiar, à revelia da ONU, ações militares dos
um importante tema de segurança interna- EUA para invadir o Iraque, remover Saddam
Hussein do poder e destruir suas armas de
cional e figurava com prioridade na agenda destruição em massa, juntando-se aos norte-
político-diplomática do governo britânico. -americanos na empreitada?
Porém, a atitude do Presidente Bush fez com
que Tony Blair tivesse que ir além da mera A questão da liberdade de ação [1] no cam-
orientação ao embaixador de seu país nas dis- po político era bastante séria. Se por um lado o
cussões do Conselho de Segurança da ONU, Reino Unido podia ainda tentar obter na ONU
passando a encarar duas opções bem distin- autorização para a condução de operações mi-
tas para lidar assertiva- litares para desarmar o
mente com o problema:
aguardar o trabalho dos
No nível estratégico, Iraque; por outro, apoiar
a política norte-ameri-
inspetores de armas e tomar os problemas cana de troca de regime
continuar tratando do apenas por seu valor político naquele país ca-
assunto no âmbito da de face e encaminhá- recia de base legal e não
ONU ou aliar-se aos EUA los tentativamente ou angariaria, de forma al-
para invadir o Iraque, guma, adequado apoio
ação que Bush já tinha
por meio de soluções internacional. Além dis-
decidido empreender. mal refletidas ou so, a existência das ar-
Blair acreditava meramente intuitivas mas de destruição em
que o Iraque possuía conduz, não raro, a massa não estava com-
armas de destruição fracassos contundentes, provada: não existiam
em massa, mas sabia fotos, imagens nem pro-
também que sua per-
perdas expressivas vas concretas de sua pre-
cepção desse país como e irreparável sença. As conclusões dos
uma séria ameaça in- desprestígio. órgãos de inteligência
ternacional não era am- dos governos norte-ame-
plamente compartilhada. Por outro lado, o ricano e britânico eram baseadas tão somente
primeiro-ministro britânico tinha em alta em inteligência humana. A consequência disso
conta a aliança do Reino Unido com os EUA tudo é que o Reino Unido carecia ainda, tanto
e, particularmente, sua amizade com o líder interna quanto externamente, de legitimidade
norte-americano. Sabia, por fim, que a real para a ação armada e, consequentemente, ti-
intenção do Presidente Bush de mudar o re- nha muito pouca liberdade para agir em força.
gime do Iraque não seria aceita no Conselho Enfim, os riscos eram grandes, pois atacar
de Segurança da ONU, onde, além de Rússia o Iraque à revelia da ONU significava perda de
e China, importantes aliados, como França e prestígio pelo Reino Unido perante a organiza-
Alemanha, eram abertamente contra a inva- ção mundial, seus aliados tradicionais e a co-
são do país árabe. Pela forma como o assunto munidade internacional como um todo. Além
vinha sendo discutido no governo britânico, o disso, havia a possibilidade de divisão da opi-
real problema a ser resolvido era eliminar ou nião pública interna no país e arriscar-se-ia o
reduzir a ameaça representada pelo Iraque, próprio futuro do governo trabalhista que Blair
mas com o desdobramento da situação, o representava.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 27


Apesar disso tudo, o primeiro-ministro bri- PROBLEMAS COMPLEXOS E DECISÕES
tânico decidiu aliar-se aos EUA contra o Iraque ESTRATÉGICAS
de Saddam Hussein, mesmo sem lograr uma Problemas complexos são aqueles que
resolução do Conselho de Segurança que legi- possuem grande número de variáveis, en-
timasse a manobra. Blair levou a questão ao volvem interesses de diversos atores e são
Parlamento de forma bastante contundente e compostos por uma quantidade considerável
decisiva, obtendo assim seu aval para a adesão de questões intrínsecas, normalmente inter-
à ação militar norte-americana. ligadas de modo a influenciarem-se umas às
A invasão do Iraque jamais foi aceita pela outras. A tentativa de adotar soluções sim-
comunidade internacional. O estado-final de- plistas para esse tipo problema é geralmen-
sejado de um país pacífico, estável e democrá- te insatisfatória, pois tendem a não os resol-
ver por inteiro e, pior, a agravar os aspectos
tico nunca foi alcançado. Depois da invasão e
não endereçados pela resposta. Via de regra,
sob o fraco governo apoiado pelos EUA, o país
os problemas complexos inserem-se em con-
mergulhou em sérias disputas político-religio-
textos de elevado nível de incerteza e, conse-
sas, tornou-se palco de intensa violência sectá- quentemente, de significativo grau de risco.
ria, com atentados ocorrendo regularmente e o Órgãos governamentais, grandes corpo-
número de vítimas crescendo em espiral e, pior rações e comandos mi-
que tudo isso, passou a litares de nível elevado
ser campo para a atua- No caso da participação atuam no “ambiente”
ção de terroristas , como britânica na invasão estratégico, que é es-
o Estado Islâmico. do Iraque, os riscos sencialmente incerto,
A decisão do gover- foram, no mínimo, mal volátil e dinâmico. Em
no britânico foi come-
morada quando a opera-
avaliados. O risco que consequência, lidam re-
gularmente com proble-
ção militar foi concluída um ataque ao Iraque à mas de grande comple-
com poucas baixas e lo- revelia da ONU traria xidade. Nesse contexto,
grou a remoção do poder para a credibilidade do os líderes têm que pen-
de um notório ditador. sistema internacional sar estrategicamente,
comunicar muito bem
Mas começou a mostrar era grave e certo suas intenções e con-
suas incoerências com a
comprovação de que o
de ocorrer, e foi vencer acerca das de-
motivo principal da ação, menosprezado. cisões que tomam. No
as armas de destruição nível estratégico, tomar
em massa iraquianas, os problemas apenas por
não existiam. Depois disso, a constatação que seu valor de face e encaminhá-los tentativa-
a segurança do povo iraquiano e a paz regional mente ou por meio de soluções mal refletidas
ou meramente intuitivas conduz, não raro, a
deterioravam dia a dia mostrou que a adminis-
fracassos contundentes, perdas expressivas e
tração Blair cometera um erro estratégico ao
irreparável desprestígio.
envolver o Reino Unido na empreitada.
A abordagem de problemas complexos
A decisão do governo britânico de aliar-se nos campos político-diplomático e militar exi-
aos EUA para invadir o Iraque oferece campo ge que o decisor e seus assessores considerem
fértil para o estudo da liderança estratégica e com atenção os seguintes aspectos, típicos da
dos aspectos essenciais do processo decisório tomada de decisão no nível estratégico:
nesse nível. Todavia, para realizar esse exercí- - partes interessadas (stakeholders),
cio, proponho tecer antes algumas considera- - legitimidade,
ções teóricas sobre a natureza dos problemas - liberdade de ação,
complexos, dos quais é exemplo aquele enfren- - senso de oportunidade (timing),
tado pelo líder britânico nos idos de 2002 / 2003. - consideração dos riscos envolvidos, e

28 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


- estado-final a ser alcançado (end state). a implementação de uma fase de “reconci-
A seguir, passarei a considerar esses as- liação”, a ser iniciada logo após a tomada da
pectos e, para fins de um maior esclarecimen- decisão e destinada a obter a aceitação, pe-
to, a relacioná-los com a forma como a admi- los stakeholders, da solução aventada para o
nistração Blair lidou com cada um deles ao problema. É mais produtivo, entretanto, en-
decidir se aliar aos EUA para invadir o Iraque. gajar os principais interessados antes mesmo
de a decisão ser tomada. Se possível, deve-se
Partes interessadas ou stakeholders até mesmo envolvê-los nas discussões duran-
Stakeholders são organizações ou indi- te o processo decisório. Restrições colocadas
víduos envolvidos no problema, seja porque por stakeholders essenciais para viabilizar as
têm interesse na questão ou porque serão, de linhas de ação ou que tenham poder para pre-
uma forma ou de outra, afetados pela decisão judicá-las devem ser contornadas ou, então,
a ser tomada. Eles têm grande importância tomadas como desvantagens de tais linhas de
para o sucesso da decisão, pois tendem a agir ação.
em seu favor, apoiando-a, ou podem prejudi-
cá-la, por ações ou
omissões. Por isso, o
número de interes-
sados no problema,
ou mais exatamen-
te, na forma como
sua solução vai ser
encaminhada, é
um fator que agre-
ga complexidade à
questão.
É fundamental
que, ao longo do
processo decisório,
os stakeholders se-
jam identificados e
catalogados segun-
do seus interesses
e objetivos em rela-
ção ao problema que
se busca resolver.
Deve-se verificar as
formas de conciliar
os interesses dos
stakeholders rele-
vantes com a solu-
ção que se pretende
adotar, idealmente
permitindo que eles
sejam atingidos ou,
ainda, dando lugar
a oportunidades de
benefícios mútuos. É importante buscar a aquiescência, se
O Naval War College, nos EUA, preconiza não o compromisso efetivo, dos principais

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 29


stakeholders. Tal necessidade torna-se um Legitimidade
sério fator complicador se houver, entre eles, Os impactos das decisões de nível estra-
conflitos quanto à visão do problema. Por tégico geralmente extrapolam o âmbito das
isso, a solução dos problemas estratégicos é organizações em que são tomadas. Portanto,
um processo que geralmente demanda muito é fundamental que tais decisões sejam adota-
tempo. das de forma legítima. É preciso, por exem-
Um aspecto interessante a notar é que, plo, que sejam tomadas por pessoas que te-
se por definição stakeholders podem se opor nham autoridade para decidir a respeito do
à decisão que se pretende implementar, en- assunto e que assumam a responsabilidade,
tão adversários, ou seja, aqueles que estão legal e moral, pela decisão. É preciso, tam-
no campo oposto, devem ser considerados bém, que se coadunem com as leis e as nor-
stakeholders. Por ocasião da Crise dos Mísseis mas em vigor.
de 1962, por exemplo, o Presidente John F. Questões de legitimidade são especial-
Kennedy e seus assessores de segurança na- mente importantes quando se trata do em-
cional se empenharam em entender as re- prego do poder militar estatal. Nesse aspecto,
ais intenções do Premier soviético, Nikita ao referir-se à legitimidade de guerras e in-
Khrushchev, ao instalar mísseis balísticos tervenções armadas, a bibliografia refere-se
em Cuba, apesar do risco de estar dando um aos termos “legalidade” e “validade”. Para ser
passo na direção de um conflito nuclear de aceita pela sociedade, uma ação militar deve
destruição mútua. Na visão de Kennedy, para ser legal, isto é, estar de acordo com o orde-
saber como solucionar a questão dos mísseis namento jurídico do Estado e com os trata-
soviéticos na ilha caribenha, era fundamental dos e convenções internacionais de que ele
saber a real intenção de seu adversário, por participa. Além disso, ela deve ser válida sob
ser esse um elemento chave no encaminha- o ponto de vista moral, ou seja, ser desenca-
mento do problema [2]. deada de maneira que os costumes sejam ob-
Em 2003, os EUA foram um stakeholder servados, que não implique mortes indiscri-
que induziu o governo Blair a tomar a deci- minadas de civis ou desrespeito aos direitos
são errada em relação ao problema do Iraque. humanos, que não gere depredações graves
Ciente de que a presença do Reino Unido, um do meio ambiente e assim por diante.
tradicional aliado e membro permanente do No caso da guerra, a conformação da le-
Conselho de Segurança, era muito impor- gitimidade está associada a dois enfoques,
tante para conferir peso político à coalizão como expõe Walzer (2003): o jus ad bellum,
que formava para atacar Saddam Hussein, o que se refere à legitimidade da guerra pro-
Presidente Bush atuou politicamente para as- priamente dita, e o jus in bello, que diz res-
segurar a participação dos britânicos. Outro peito à legitimidade das ações bélicas, ou seja,
stakeholder relevante para levar Tony Blair a à forma como se luta. O conceito do jus ad
decidir-se pela invasão foi o próprio ditador bellum se relaciona a aspectos como a justiça
iraquiano, com sua postura dúbia e enganosa da causa e a adequabilidade dos objetivos de
a respeito de sua capacidade militar de des- guerra ou da intervenção militar. Nesse sen-
truição em massa. tido, é essencial, por exemplo, que ação mili-
Por outro lado, Rússia, China e particu- tar seja desencadeada de acordo com a Carta
larmente França, membros permanentes do das Nações Unidas. Essa estabelece que toda
Conselho de Segurança da ONU, assim como guerra é ilegal, salvo quando expressamen-
Alemanha, país influente que na ocasião era te autorizada pelo Conselho de Segurança da
membro não permanente do conselho, fo- ONU. A exceção a esse princípio é a autodefe-
ram stakeholders precariamente administra- sa, pois a reação contra a agressão externa é
dos por Blair, tanto que não foi possível ob- sempre uma guerra justa. O jus in bello, por
ter a autorização das Nações Unidas para a sua vez, diz respeito à necessidade de prote-
invasão. ger os não combatentes (civis) e de usar meios

30 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


de destruição compatíveis ou proporcionais Liberdade de ação
às ações pretendidas. Em princípio, uma O entendimento de “liberdade de ação”
guerra justa deve não apenas ter uma causa que pretendo utilizar nesse artigo é o da pos-
justa, mas também ser travada de forma jus- sibilidade de agir sem restrições ou com um
ta. Se não for assim, aquele que transgride a mínimo de restrições de natureza político-di-
forma correta de lutar pode ganhar a guerra, plomática. Nesse conceito incluem-se as res-
mas estará perdendo a chance de obter a paz. trições por conta da população ou das comu-
Na realidade, cada nação formula e con- nidades envolvidas no problema, pois essas
solida noções acerca da legitimidade das ações são, de certa forma, óbices políticos a serem
militares de uma forma própria. Isso ocorre à enfrentados pelo decisor. Agir sem liberda-
luz da avaliação, por parte da sociedade, dos de de ação implica admitir riscos elevados e
interesses nacionais em jogo, das questões pode comprometer seriamente o êxito da de-
éticas e morais associadas a sua consecução cisão tomada.
ou defesa, dos ditames do ordenamento jurí- Ao lidar com problemas complexos, pou-
dico do Estado e do direito internacional, en- cas vezes o decisor vai dispor de plena liber-
tre outros elementos. Os posicionamentos da dade de ação. Durante o processo decisório,
mídia e da comunidade internacional, nesse cabe a ele avaliar se possui liberdade de ação
caso, são relevantes. Ao cobrir as circunstân- suficiente, ou seja, pesar os riscos político-
cias do conflito e a forma como as operações -diplomáticos existentes e inferir sobre sua
são conduzidas, por exemplo, as imprensas capacidade de absorvê-los. Quando a liberda-
nacional e internacional induzem ao apro- de para agir for muito limitada, será preciso
fundamento dos debates sobre o tema e à to- adotar medidas para ampliá-la ou condicio-
mada de posições. nar o desencadeamento da ação à configura-
No caso da invasão do Iraque, ficou pa- ção do momento adequado.
tente a falta de legitimidade, pois a ação, sem A legitimidade da ação militar é um dos
ter sido autorizada pela ONU, foi ilegal à luz critérios mais importantes para assegurar li-
da lei internacional. O argumento de norte- berdade de ação. Por vezes, é preciso que a
-americanos e britânicos de que a Resolução legitimidade seja “conformada” junto à opi-
1441/2002 do Conselho de Segurança, por for- nião pública, o que pode ser feito reunindo
ça de seu parágrafo 13 [3], autorizava o uso e comunicando adequadamente os argumen-
da força não foi convincente, pois havia am- tos que dêem suporte à ação militar ou, ain-
plo entendimento entre os demais membros da, moldando essa ação para que se encaixe
do órgão de que era necessária uma resolução na margem de legitimidade existente. Pode-
específica para autorizar ações armadas. se, por exemplo, fasear a operação, deixando
No campo interno, o governo Bush logrou as fases críticas para um momento posterior;
“conformar” uma certa legitimidade, já que, ou recorrer à força segundo regras de enga-
depois dos atentados terroristas de setembro jamento restritivas; ou ainda estabelecer li-
de 2001 nos EUA, havia forte apoio popular mites espaciais e temporais para a ação em
a ações para afastar eventuais ameaças fu- força.
turas. Entretanto, no Reino Unido Tony Blair No momento em que este artigo é escrito,
não contava com esse fator emocional a lhe os EUA enfrentam a séria ameaça represen-
assegurar “carta branca”. A imprensa britâ- tada pelo aumento da capacidade missilística
nica nunca esteve plenamente convencida da Coreia do Norte e pelos esforços do ditador
da necessidade da invasão e a aprovação do Kim Jong-Un de desenvolver ogivas nuclea-
Parlamento foi obtida artificialmente e às res. Embora o governo norte-americano te-
pressas, uma vez que o presidente dos EUA nha capacidade de remover essa ameaça por
já tinha marcado a data para atacar Saddam ações militares, enfrentaria sérias restrições
Hussein. políticas para fazê-lo, pois a solução militar é

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 31


refutada por China e Rússia e provavelmen- dependentes da intenção do oponente car-
te levaria à retaliação norte-coreana contra a regam sempre elevado grau de incerteza.
Coreia do Sul e talvez o Japão, conflagrando Segundo Hammond (2007), em situações de
toda a região. hostilidade ou conflito armado, o decisor pre-
No caso da invasão do Iraque, o primei- cisa se precaver tanto contra os “falsos po-
ro-ministro Tony Blair tentou ampliar sua sitivos”, casos em que as informações levam
liberdade de ação procurando convencer o a crer que o oponente vai tomar uma deter-
Presidente Bush a dar tempo suficiente para minada ação (atacar, por exemplo), quando
os inspetores de armas da ONU fazerem seu na realidade não é essa sua intenção; como
trabalho. Ele estava certo de que Saddam contra os “falsos negativos”, casos em que as
Hussein obstaculizaria as inspeções e daí, indicações apontam que o oponente não vai
mesmo sem provas patentes da posse ou fa- agir (não atacar, por exemplo), quando essa é,
bricação de armas de destruição em massa, a na realidade, sua intenção. No entendimento
ação militar seria mais aceitável. Todavia, o desse autor, em tais situações é preciso pesar
líder britânico não logrou esse intento e man- cuidadosamente as consequências da eventu-
teve, mesmo assim, a aliança com Bush para al tomada da decisão equivocada (se eu agir e
levar seu país à guerra. se tratar de um “falso positivo”, as consequ-
ências serão...; se não agir e se tratar de um
Senso de oportunidade (timing) “falso negativo”, as consequências serão...).
Senso de oportunidade, ou timing, como Os cuidados recomendados por Hammond
se diz em inglês, é a noção acerca do “quando” faltaram a Tony Blair quando decidiu aliar-se
da ação, isto é, do momento certo para que aos norte-americanos na invasão “preventi-
uma ação seja levada a efeito. Esse senso é va” do Iraque. O primeiro-ministro britânico
uma qualidade essencial do líder estratégico, empenhou-se em convencer a opinião pública
pois a implementação prematura de ações, e o Parlamento britânicos sobre o risco de não
assim como seu desencadeamento tardio, po- agir militarmente, mas não considerou que as
dem transformar decisões bem tomadas em consequências de um “falso positivo”, isto é,
grandes fracassos. de ir à guerra desnecessariamente, eram mui-
A questão do timing da implementação da to mais graves do que a do “falso negativo”,
decisão suscita outro ponto: agir para tentar ou seja, de Saddam possuir de fato um esto-
resolver o problema ou simplesmente não fa- que de armas químicas.
zer nada? Não decidir acerca de um problema Ao resolver não aguardar até que esti-
real e concreto é, sem dúvida, um erro. Mas vesse comprovada a existência de armas de
decidir “não agir” não é necessariamente uma destruição em massa no Iraque, Tony Blair
má decisão. Há casos em que os riscos são negligenciou a prudência necessária ao
tantos que aceitar os impactos do problema estrategista.
é a opção mais razoável. Da mesma forma,
em situações de grande incerteza, quando in- Riscos envolvidos
formações adicionais forem essenciais para Como já foi exposto, os problemas
conferir um mínimo de segurança ao decisor, complexos no nível estratégico sempre
a melhor postura poderá ser a de postergar carregam um elevado nível de incerteza,
a ação. Em outros casos, a ação pela qual se que tende a continuar existindo mesmo com
decidiu poderá ser adiada por conveniência. os esforços para obter mais informações.
Isso ocorre, por exemplo, quando ainda se Em consequência, tais problemas sempre
busca adquirir liberdade de ação adequada; apresentam riscos, os quais cabe ao decisor
ou quando outras organizações, também afe- identificar e reduzir na medida do possível.
tadas pelo problema e capazes de eliminá-lo É interessante, nesse ponto, recordar a
ou mitigá-lo, mostram-se dispostas a agir. diferença entre ameaça e risco. Ameaças são
Decisões militares que são muito perigos objetivos e concretos, mas riscos são

32 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


eventos apenas imaginados. Enquanto a ame- cabe ao decisor indicar a seu estado-maior ou
aça é relacionada com agentes — pessoas, grupo de assessores como devem considerar
organizações, governos — que têm a capaci- cada um dos riscos identificados.
dade e a intenção de causar dano, perdas ou No caso da participação britânica na in-
prejuízos; o risco é apenas potencial, ou seja, vasão do Iraque, os riscos foram, no míni-
uma função de um possível dano e da pro- mo, mal avaliados. O risco que um ataque ao
babilidade de sua ocorrência. Em suma, um Iraque à revelia da ONU traria para a credi-
“evento de risco” existe apenas na mente das bilidade do sistema internacional era grave e
certo de ocorrer, e foi menosprezado. Por ou-
tro lado, o risco de dano à reputação do Reino
Unido caso não fossem encontradas armas
de destruição em massa, motivo amplamente
alardeado para a invasão, era tão sério que a
pessoas. No momento em que é considerado, obtenção de uma prova concreta da existên-
não há nada de concreto quanto a esse even- cia de tais armas deveria ter sido estabelecida
to. Em contrapartida, no exato momento em como um requisito para o desencadeamento
que ele se concretiza, o evento deixa de ser da operação militar. Curiosamente, diante do
um “risco” por ter adquirido caráter factual. tipo de decisão que tinha a tomar, era o fato
Ameaças relacionadas a uma decisão que de o Iraque não possuir armas de destruição
se pretende tomar acarretam riscos. Assim em massa, e não o contrário, que representa-
sendo, ao longo do processo decisório, as va um risco para Tony Blair [5].
ameaças e os respectivos riscos que trazem Por fim, justificar a invasão apresentan-
a cada linha de ação devem ser identificados do o Iraque como uma grave ameaça foi um
e analisados. O dimensionamento do risco é equívoco. Saddam Hussein não representava,
feito contrapondo-se, à ameaça que o gera, a naquele momento, perigo para o Reino Unido
capacidade de que se dispõe para fazer face e não havia indício consistente de que o dita-
a essa ameaça. Portanto, o aumento da capa- dor estava em negociações com grupos ter-
cidade de enfrentar as ameaças é a forma de roristas. Em relação ao Golfo Pérsico, é de se
mitigar ou eliminar os riscos. considerar que um Iraque estável contraba-
É preciso destacar também que, ao con- lanceava as pretensões hegemônicas de Teerã
trário das ameaças, os riscos são subjetivos. e contribuía para o equilíbrio regional.
Cada indivíduo os interpreta como mais ou
menos importantes, mais ou menos graves Estado-Final (End State)
segundo suas próprias convicções e critérios. A necessidade da definição de um estado
Por outro lado, uma vez que aceitar riscos final a atingir é típico de problemas comple-
pode trazer consideráveis ganhos, mas tam- xos no nível estratégico. Nesse patamar, nem
bém gerar grandes perdas, o líder estratégico sempre é possível estabelecer um objetivo
precisa refletir cuidadosamente sobre a rela- claro e bem delineado que, uma vez atingido,
ção “aceitação do risco - obtenção de benefí- signifique a resolução do problema. Em seu
cio” [4]. Nessa questão influi, naturalmente, lugar, vai-se muitas vezes visar um “estado
a probabilidade de ocorrência dos riscos: se de coisas”, isto é, uma situação ou cenário
é fato que um risco elevado pode ser tolera- que representa a eliminação do problema ou
do caso a probabilidade de que venha a ocor- da crise com a qual se lida.
rer seja baixa, ele tenderá a não ser aceito se Cabe ao decisor, com apoio de seu estado-
a probabilidade de ocorrência for alta. É de -maior ou grupo de assessores, visualizar o
suma importância que, durante o processo estado-final a ser alcançado para a solução
decisório, discuta-se amplamente a real im- do problema [6]. Entretanto, é preciso que
portância de cada risco, assim como sua pro- isso seja feito de forma absolutamente rea-
babilidade de ocorrência. Em última análise, lista. Em seu livro Risk Taking and Decision

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 33


Making, Yaacov Vertzberger estuda casos de Todavia, isso não se concretizou, absolutamente.
intervenções militares sob a ótica da admis- O Iraque mergulhou no caos e na violência sec-
são e do gerenciamento dos riscos envolvidos. tária, a equação de poder regional desequilibrou-
Entre seus exemplos, são emblemáticos a in- -se inconvenientemente em favor do Irã e a ati-
tervenção norte-americana no Vietnã (Guerra do vidade terrorista aumentou na região, ao invés de
Vietnã) e a intervenção israelense no Líbano, em diminuir.
1982. Tony Blair não foi capaz de perceber que o es-
No caso da Guerra do Vietnã, faltou ao tado-final que ele e Bush visualizavam era impos-
Presidente Kennedy, que decidiu intervir em sível de ser alcançado por meio da invasão e mes-
apoio ao governo de Saigon, assim como ao mo da ocupação temporária do Iraque. Embora a
Presidente Lyndon Johnson, que decidiu manter responsabilidade pelas consequências da operação
a decisão de seu antecessor e incrementar a pre- Iraq Freedom seja majoritariamente dos EUA, o
sença militar norte-americana, uma visão clara governo do Reino Unido teve parcela de culpa no
do estado-final a ser alcançado. O excesso de con- estado de caos e violência que resultaram da ação
fiança na superioridade militar dos EUA impediu militar.
os presidentes e seus assessores de perceberem
que seria praticamente impossível alcançar a vi- CONCLUSÃO
tória militar, levando-os a desdenhar as opções Na resolução de problemas complexos, o su-
de não intervir ou de intervir com objetivos limi- cesso da decisão dependerá da consideração dos
tados para alcançar uma paz negociada que fosse aspectos expostos neste artigo. Todavia, nessas li-
politicamente aceitável para seu país. nhas finais é conveniente destacar que um proces-
No tocante à intervenção no Líbano, o autor so decisório bem embasado começa, na realidade,
menciona a falha do primeiro-ministro israelen- com o acurado enquadramento e a perfeita com-
preensão do problema com o qual se lida.
se, Menachem Begin, quando, ao decidir sobre a
Nesse sentido, Nöllke (2010) propõe o empre-
ação, visualizou um estado-final exageradamente
go de algumas técnicas para promover um “distan-
otimista, impossível de alcançar com os recursos
ciamento” do problema e evitar que a gravidade
militares e a margem de ação político-diplomática
da situação ou as emoções do momento prejudi-
disponíveis. Ao pretender que, ao final da opera-
quem sua análise inicial e o amplo entendimento
ção, a Organização para a Libertação da Palestina
da questão. Uma dessas técnicas é a de “visuali-
estaria eliminada como entidade política, um re- zar o problema em um outro horizonte temporal”,
gime pró-Israel estaria instalado em Beirute e as isto é, imaginá-lo um ano à frente, por exemplo:
influências síria e russa na região estariam neu- “O que ocorrerá então? O problema ainda existirá?
tralizadas, Begin e seu Ministro da Defesa, Ariel De que forma?” Em seguida, faz-se novo exercício
Sharon, criaram uma servidão para a operação para um horizonte mais afastado, digamos, de cin-
militar que fatalmente a levaria ao fracasso. co anos; e depois para um horizonte ainda mais
Um importante aspecto ligado à visualiza- remoto. Com isso, pode-se ponderar sobre a real
ção do estado-final é o lapso de tempo necessário gravidade do problema e visualizar a melhor opor-
para que ele seja alcançado. Vertzberger conclui, tunidade para solucioná-lo.
em seu livro, que avaliações equivocadas dos go- No caso em estudo, a decisão tomada pelo
vernos dos EUA e de Israel acerca do tempo ne- primeiro-ministro britânico de associar seu país
cessário para encerrar as operações militares no à iniciativa norte-americana de invadir o Iraque
Vietnã e no Líbano, respectivamente, foram fa- permanece como algo emblemático, pois nenhum
tais para a preservação do apoio político e das so- dos requisitos para a resolução de questões estra-
ciedades nacionais a tais ações. tégicas complexas serve para embasá-la. Afinal,
No caso da decisão tomada pelo primeiro- por que o Reino Unido agiu militarmente contra o
ministro britânico, objeto deste artigo, o estado Iraque? E por que naquele exato momento? Essas
final visualizado foi o de um Iraque pacífico e importantes questões constam do relatório de
democrático, comprometido com o sistema inter- uma investigação, recentemente finalizada, sobre
nacional e inserido em uma região mais estável. a participação do país na invasão. Nesse inquérito,

34 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


o governo Blair foi responsabilizado pela deficien- vulnerabilidade de tal decisão. Ao que tudo in-
te decisão [7]. dica, o primeiro-ministro britânico valorizou em
Tony Blair optou por aliar-se ao Presidente demasia a aliança estratégica com os EUA, man-
Bush na invasão do Iraque a despeito de im- tendo-a então, de uma forma “automática”, a ba-
portantes indicações, naquele contexto, da lizar sua atitude e suas posições.

REFERÊNCIAS

ALLISON, Graham T.; ZELIKOW, Philip D. The Essence of Decision: explaining the Cuban missile crisis. 2. ed.
Nova Iorque: Longman, 1999.
BRASIL. Exército. Estado-Maior. C 124-1. Estratégia. 3. ed. Brasília, DF, 2001.
CHILCOT, John et al. The Report of the Iraq Inquiry, Executive Summary. Londres: Williams Leas Group, 2016.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. U. S. Naval War College. Executive Decision Making. Murray, Charles (ed.). 6.
ed. :Newport, R.I., 2002.
HAMMOND, Kenneth R. Beyond Rationality: the search for wisdom in a troubled time. Nova Iorque: Oxford
Univesity Press, 2007.
HART, Liddell. Thoughts on War. Londres: Faber & Faber, 1944.
KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect Theory: an analysis of decision under risk. In: Econometrica,
v. 47, nº 2. Nova Iorque: The Econometric Society, 1979. p. 263-291.
NÖLLKE, Matthias. Entscheidungen treffen: schnell, sicher, richtig. 5. ed. Munique: Haufe, 2010.
SLOVIC, Paul. The Perception of Risk. Londres: Earthscan, 2000.
VERTZBERGER, Yaacov. Risk Taking and Decision Making: foreign military intervention decisions. Stanford,
CA: Stanford University Press, 1998.
WALZER, Michael. Guerras Justas e Injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos. Trad.
Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

NOTAS
[1] De uma forma bastante interessante, Vertzberger (1998) utiliza o termo “liberdade de decisão”. Aqui preferi,
entretanto, manter o termo militar consagrado — liberdade de ação —, cuja avaliação antecipada, durante o pro-
cesso decisório, vai naturalmente condicionar a tomada da decisão respectiva.
[2] Segundo Allison e Zelikow (1999), Kennedy considerava que a explicação da instalação pelos soviéticos de
mísseis de alcance intermediário para defender o aliado cubano não se sustentava, pois isso poderia ser feito com
meios convencionais e não justificava o risco que a URSS assumia com a instalação de capacidades nucleares de
alcance intermediário em Cuba.
[3] O Parágrafo 13 da Resolução 1441/2002 afirma: “o Conselho avisou repetidamente ao Iraque que ele sofrerá
sérias consequências como resultado de sua continuada violação de suas obrigações” (de aceitar inspeções da ONU
e de se desarmar).
[4] Slovic (2000, p. xii) refere-se a risk-benefit trade-off.
[5] Pelos exemplos apresentados, verifica-se que não apenas ameaças trazem riscos para o decisor que se debruça
sobre problemas complexos.
[6] Algumas fontes de consulta referem-se a “estado-final desejado”. Prefiro, entretanto, denominá-lo “estado-final
a ser alcançado”, pois muitas vezes estará aquém do que é desejável, por limitações de recursos, meios ou tempo
para que se logre a situação ideal.
[7] A investigação foi aberta em 2009 pelo então primeiro-ministro Gordon Brown, destinada a levantar as falhas
ocorridas no processo decisório britânico. O Relatório do Iraq Inquiry, mais conhecido como Relatório Chilcot, em
alusão ao presidente da comissão de inquérito, foi publicado no dia 5 de julho de 2016.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 35


ARMAS DE ENERGIA DIRIGIDA (aed):
UMA QUEBRA DE PARADIGMAS
NA DEFESA ANTIAÉREA DO FUTURO
Major George Koppe Eiriz

Este artigo tem por finalidade apresentar


O Major de Artilharia Koppe é aluno do Curso de Comando
e Estado-Maior do Exército. Foi declarado aspirante-a-oficial um panorama geral e atualizado das AED no
em 2002 pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Em campo de batalha do século XXI, com foco
2006, especializou-se na Escola de Artilharia de nas possibilidades que esses armamentos
Costa e Antiérea, estabelecimento de ensino
poderão proporcionar e nas influências que
no qual foi instrutor da Seção de Sistemas
de Simulação e Alvos Aéreos. Concluiu poderão exercer nos diferentes tipos de meios
o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais de DA Ae no combate moderno.
em 2010. Possui o Curso Expedito de
Apoio de Fogo Naval no Centro de
Adestramento Almirante Marques de
A CONCEPÇÃO DE EMPREGO DAS AED
Leão, da Marinha do Brasil. Serviu no As AED são consideradas pelos atuais
21º Grupo de Artilharia de Campanha e no especialistas militares como um promissor
20º Grupo de Artilharia de Campanha Leve. armamento, responsável pela mudança das
É pós-graduado em História Militar Brasileira e em
Relações Internacionais. Cumpriu missão no exterior, a serviço capacidades de combate no campo de batalha
da Organização das Nações Unidas, no Saara Ocidental e no Haiti do século XXI.
(georgekoppe@gmail.com). Inúmeros projetos de AED, cujos
resultados se revelaram motivadores,
A história militar possui muitos utilizam a combinação das tecnologias militar
exemplos de novas tecnologias ignoradas e comercial existentes em relação às armas a
ou mal compreendidas no início do seu laser e de micro-ondas. Isso possibilitará, em
desenvolvimento que conseguiram eliminar um futuro próximo, que esses armamentos
“velhos” métodos de combate. Dentro desse sejam largamente empregados nas forças
contexto, considera-se possível que as armas armadas mais desenvolvidas do mundo.
de energia dirigida (AED), tradução do inglês Nos últimos cinquenta anos, o
Directed Energy Weapons (DEW), representem desenvolvimento das AED recebeu o
a grande inovação da chamada “guerra do estereótipo de consumidor de grandes
futuro”. Tais armas, quando se tornarem quantias de recursos humanos e financeiros.
efetivamente operacionais e acessíveis a todos Cientistas e projetistas foram criticados por
os países, poderão resultar em uma quebra de construírem sistemas de proporções enormes,
paradigma no “jogo da guerra” entre engenhos complexos e dissipadores de incríveis
aéreos e sistemas de defesa antiaérea (DA Ae) quantidades de energia.
baseados em solo ou plataformas navais. Nesse contexto, torna-se pertinente
Atualmente, já existem AED com maior relembrar o ambicioso e futurístico projeto
potencial de emprego no campo bélico, mais iniciativa de defesa estratégica, tradução
especificamente como integrantes principais do inglês Strategic Defence Initiative (SDI),
da próxima geração de sistemas antimísseis conhecido como “Guerra nas Estrelas”,
e contra sistemas aéreos remotamente iniciado em março de 1983, no auge da Guerra
tripulados (SARP). Os armamentos desse tipo Fria. O escopo do Star Wars era desenvolver
têm recebido atenção especial da comunidade sofisticados sistemas antimísseis balísticos
científico-tecnológica militar e sua evolução com o objetivo de anular quaisquer ataques
vem ocorrendo de modo crescente e promissor. de mísseis oriundos dos países do Pacto de

36 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


Varsóvia, mais especificamente a União dividem-se em duas categorias principais:
Soviética. micro-ondas de alta potência, em inglês High
O próprio nome Guerra nas Estrelas foi Power Microwave (HPM), e de ondas milimé-
atribuído ao programa por causa de algumas tricas, em inglês Millimeter Wave (MMW).
ideias consideradas abstratas e irreais à épo- Um exemplo da aplicação dessa tecnologia
ca, como, por exemplo, a utilização de lasers é o programa Active Denial System, Sistema
de raios X nucleares baseados em solo, feixes de Negação Ativa (Figura 1), desenvolvido pelo
de partículas subatômicas e projetis dispara- Laboratório de Pesquisas da Força Aérea dos
dos por canhões eletromagnéticos e guiados EUA e pela Raytheon, cujo objetivo é atuar
por computador – tudo isso sob o controle contra lideranças em protestos ou tentativas
central de um sistema de supercomputadores. de aproximação inimiga em instalações
Ao final do SDI, trinta bilhões de dólares sensíveis, checkpoints, postos de fronteira,
haviam sido investidos no programa e ne- entre outros.
nhum laser ou siste-
ma de espelhos para
o seu emprego fora
efetivamente utiliza-
do no ambiente ope-
racional terrestre ou
mesmo espacial. A
iniciativa se revelara,
segundo as palavras
de diversos críticos na
mídia norte-america-
na, “um grande ele-
fante branco”.
No entanto, a mu-
dança desse cenário
foi comprovada com o
rápido avanço tecno-
lógico das AED, desde
as últimas décadas do
século passado até os
Figura 1.Plataforma e Sistema de Lançamento do “Active Denial System”.
dias de hoje, decor-
rente da miniaturização dos equipamentos Cabe destacar que a tecnologia HPM
emissores, do aumento da energia transmiti- pode ser empregada por meio da integração
da e do controle dos feixes de laser e de ondas em plataformas tripuladas e não tripuladas,
eletromagnéticas. mísseis de cruzeiro e veículos terrestres para
Atualmente, as AED se dividem em três atordoar, danificar, ou até mesmo destruir
tipos: de micro-ondas, a laser ou de ener- componentes eletrônicos mediante a queima
gia sob a forma de plasma (gás aquecido e de sistemas de computadores não protegidos,
ionizado). o que certamente restringiria a liberdade de
As armas de micro-ondas podem ser em- ação no movimento do inimigo, de forma a
pregadas para incapacitar o ser humano atra- agir em missões de isolamento e de negação
vés da produção de dor intensa, sem, no en- de área, em inglês Anti-Access/Area Denial
tanto, causar morte da vítima. Essas armas (A2/AD).

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 37


Mark Gunziger, antigo Assistente- próximo subitem deste artigo.
Secretário de Defesa para a Transformação da Já as armas de energia sob a forma de
Força e Recursos dos EUA, chegou a salientar: plasma têm por objetivo atordoar o alvo,
“Esse tipo de arma seria muito eficaz contra causando-lhe paralisia temporária e dor.
sistemas antiaéreos, radares de vigilância e Ainda estão na fase de desenvolvimento e
de busca e os tipos de redes que suportam a destinam-se ao emprego como armamento
estratégia de isolamento que a China e o Irã não letal para o controle de multidões.
estão desenvolvendo”. Ante o exposto, pode-se afirmar que
Outra aplicação dessa categoria de AED existem várias possibilidades de emprego
seria no contexto da DA Ae contra antimísseis das AED nas operações de DA Ae ou até
em um dispositivo a defender, por exemplo, mesmo como meio oponente a tal dispositivo
aeronaves nas proximidades de aeródromos de defesa, sendo recomendável o contínuo
contra mísseis ar-superfície (em inglês estudo e acompanhamento da evolução
air-to-surface missile - ASM) por meio da desses atuadores não cinéticos, em particular
desorientação do sistema de guiamento das armas de micro-ondas e a laser.
desses vetores aéreos. Essa tecnologia já foi
testada no Sistema de Proteção de Aeroportos O EMPREGO DAS ARMAS A LASER NAS
Vigilant Eagle (Figura 2), desenvolvido pelo OPERAÇÕES DE DEFESA ANTIAÉREA
Departamento de Defesa dos EUA e pela A utilização do laser está presente em
Raytheon. diversas áreas da vida moderna, como na
medicina, na indústria e no entretenimento,
entre outras, constituindo uma das
principais novas tecnologias para emprego
bélico. Nesse contexto, tem se observado o
desenvolvimento de armas a laser por alguns
países como alternativa para dispositivos de
defesa antiaéreos contra as mais variadas
ameaças aéreas.
O atual panorama das pesquisas sobre o
emprego de armas a laser com a finalidade
de integrar meios de defesa antiaéreos
tem demonstrado várias questões sobre
sua viabilidade em termos econômicos e
operacionais. O moderno combate antiaéreo
tem se caracterizado por um descompasso
crescente entre os custos financeiros do
sistema de armas antiaéreo e as respectivas
ameaças a serem enfrentadas.
Figura 2. Ilustração do funcionamento do Vigilant Eagle.
Todavia, o advento dos lasers de alta
potência poderá inverter tal realidade em
Com relação às armas a laser, constata- favor do sistema. De modo a exemplificar
se uma gama de possibilidades e aplicações tal assertiva, cita-se o sistema Iron Dome
em um dispositivo de DA Ae, com uma israelense, que custa cerca de 45 milhões de
significativa quantidade de projetos dólares por um grupo de lançadores e mais
existentes no cenário mundial, que serão 40 mil por foguete disparado. Os projetis
abordados de forma mais abrangente no a serem destruídos por esse sistema (que,

38 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


muitas vezes, se resumem a morteiros e projetis de artilharia, morteiros, artefatos
foguetes de curto ou médio alcance) custam, balísticos e SARP.
em média, 750 dólares para serem fabricados. No caso da defesa contra os mísseis, as
Embora o desenvolvimento de arma- armas a laser, ao concentrar sua energia de
mentos a laser despenda grandes verbas ini- forma eficaz sobre esses artefatos, poderão
ciais até a maturação da tecnologia a eles causar uma falha estrutural catastrófica
agregada, um canhão que as possibilitem
de laser aprovado e Outra aplicação dessa acionar a carga ex-
testado operacional- categoria de AED seria plosiva existente na
mente contra meios
aéreos pode ser em-
no contexto da DA Ae sua estrutura, causar
uma desorientação da
pregado inúmeras ve-
contra antimísseis em um cabeça de guiamento
zes a um custo muito dispositivo a defender, por excesso de energia
mais baixo do que a por exemplo, aeronaves nela concentrada ou,
munição convencio- nas proximidades de até mesmo, “queimar”
nal antiaérea. aeródromos contra os sistemas de pro-
Outro aspecto que mísseis ar-superfície, pulsão de mísseis ba-
poderá ser analisa-
do é a capacidade de
em inglês air-to-surface lísticos durante a fase
de ascensão (booster).
atuação nas diversas
missile (ASM) por meio da Sendo assim,
faixas de emprego do desorientação do sistema comprova-se que, no
armamento antiaé- de guiamento desses futuro, as armas a
reo no espaço aéreo. vetores aéreos. laser poderão ser op-
Dependendo da po- ções viáveis para in-
tência de emissão dos armamentos a laser, tegrar dispositivos de DA Ae. A seguir, serão
poderá ser proporcionado ao dispositivo de citados alguns programas militares que em-
DA Ae a desejável capacidade de engajar pregam esse tipo de armamento em desen-
ameaças que voem desde poucas dezenas de volvimento pelo mundo.
metros do solo até a altura orbital. O programa Airborne Laser (ABL) foi ini-
Entretanto, o desenvolvimento de ciado pela Força Aérea dos Estados Unidos
novos AED a laser com alcances cada vez (em inglês, USAF) em 1996. Concebido para
maiores irá requerer um planejamento destruir sistemas de propulsão de mísseis
ainda mais apurado da coordenação e do balísticos durante a fase de ascensão, pos-
controle do espaço aéreo, pois os sistemas suía um emissor de laser COIL no nariz
de armas antiaéreos a laser com disparos da plataforma-teste, um Boeing 747-400
de radiofrequência à velocidade da luz (Figura 3).
atuarão com os outros meios existentes no
dispositivo de defesa aeroespacial composto,
por exemplo, de aeronaves da força aérea
aliada.
Além das possibilidades já apresentadas
neste artigo quanto à aplicação das armas
de micro-ondas, as armas de energia a laser
também poderão, muito em breve, causar
danos estruturais através do calor e, assim,
destruir mísseis antiaéreos e de cruzeiro, Figura 3. Plataforma de testes do Programa ABL.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 39


O Ministério da Defesa dos EUA consu- norte-americana Raytheon a partir de
miu cerca de cinco bilhões de dólares des- 2006 com o propósito de produzir rapida-
de a sua implementação. O sistema chegou mente um protótipo a ser empregado nos
a derrubar um míssil balístico que serviu conflitos do Iraque e do Afeganistão em
de alvo e um míssil de combustível líquido, missões contra foguetes, projetis de arti-
mas o projeto foi encerrado por não refletir lharia e morteiros, em inglês counter ro-
algo operacionalmente viável. Atualmente, cket artillery and mortar (C-RAM).
fontes da Agência de Defesa de Mísseis dos O LADS (Figura 5) consistiu na pri-
EUA investigam a possibilidade de opera- meira tentativa de desenvolver emissores
ções de laser em grandes altitudes a partir de laser com potência de 100 kW, limiar
de SARP. atualmente considerado como necessário
O projeto Tactical High Energy Laser para atingir a finalidade de danificar as
(THEL) começou a ser desenvolvido em 1996 cargas das ameaças de C-RAM descritas
por empresas dos EUA e de Israel, conjun- anteriormente, desviar as suas trajetó-
tamente. O primeiro disparo foi realizado rias ou explodi-las. Em 2006, testes con-
dois anos depois e o sistema teve previsão duzidos a partir da aplicação de lasers
comerciais de 20 kW utilizados pela in-
de entrada em serviço em 1999. Porém, o
dústria automotiva literalmente “frita-
redirecionamento do projeto, voltado para
o emprego de um laser móvel, denominado
Mobile THEL, provocou consideráveis atra-
sos devido à necessidade de redimensionar
os seus componentes para permitir um des-
locamento por terra.
Entre 2000 e 2001, o protótipo do
THEL destruiu 28 foguetes terra-ar do tipo
Katyusha e cinco granadas de artilharia.
Apesar de outros êxitos alcançados em
testes nos anos subsequentes, inclusive
com um protótipo do MTHEL, em 2005 foi
decidido interromper o desenvolvimento

Figura 5. Protótipo do LADS.

ram” duas granadas de morteiro 60 mm


a pouco mais de 500 metros de distância.
Figura 4. Meio de emissão de laser do Projeto THEL. O desafio que se apresenta em proje-
tos dessa natureza é conseguir o rastre-
do projeto devido ao alto custo, tamanho e amento, em inglês tracking, preciso do
desempenho abaixo do esperado (Figura 4). alvo em movimento e aplicar sobre um
O projeto Laser Area Defense System ponto específico a potência desejada para
(LADS) foi desenvolvido pela empresa destruí-lo.

40 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


O Exército dos EUA está desen- sistemas de canhões Phalanx em mis-
volvendo um programa, inicialmen- sões de C-RAM, pois despendem grandes
te conhecido como High Energy Laser
Technology Demonstration (HELTD),
aos moldes do projeto LADS, com o ob-
jetivo de construir uma plataforma mó-
vel de emissão de laser para a destrui-
ção de foguetes, projetis de artilharia,
morteiros, mísseis de cruzeiro, mísseis
balísticos de curto alcance e SARP nos
campos de batalha na Ásia e no Oriente
Médio.
Um produto já desenvolvido que
serviu de base para o aprofundamento
das pesquisas das Forças Armadas dos
EUA foi o Sistema de Neutralização
de Munições a Laser, Humvee Laser
Ordnance Neutralization System Figura 7. Plataforma do HEL MD.

quantidades de munição e, muitas ve-


zes, não obtêm o efeito desejado sobre
as ameaças.
Essa corrente de pensamento foi rati-
ficada pelo Vice-Presidente de Sistemas de
Defesa Antimíssil e de Energia Dirigida da
Boeing: “Esse sistema irá, imediatamente,
localizar, apreender e, em segundos, des-
truir a granada de morteiro no ar e ir para
a próxima”.
O mais ambicioso e desenvolvido pro-
grama em curso no mundo, denominado
High Energy Liquid Laser Area Defense
System (HELLADS), está a cargo da Agência
Figura 6. Plataforma do HLONS.
de Projetos de Pesquisas Avançadas de
(HLONS) Zeus, o qual foi montado so- Defesa dos Estados Unidos (DARPA). Dois
dos principais requisitos balizadores do
bre a plataforma da viatura terrestre
programa são o seu tamanho (dois metros
Humvee (Figura 6).
cúbicos) e o seu peso (no máximo 750 kg).
A evolução do HEL TD resultou na
Isso permitirá que o HELLADS possa ser
colocação da estrutura de um emissor
instalado em diferentes plataformas mó-
de laser elétrico de baixa potência em
veis no ar, no mar e em terra.
uma viatura 8x8, o que originou o mais O HELLADS consiste em um laser em
moderno projeto do Exército dos EUA estado sólido, refrigerado por líquido, fa-
na atualidade: o High Energy Laser bricado pela General Atomics com a par-
Mobile Demonstrator (HEL MD), que ticipação da Lockheed Martin no projeto
se vê na Figura 7. como integradora do sistema de armas.
O programa busca a substituição dos Em 2007, testes realizados em laboratório

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 41


demonstraram que um módulo permite e as plataformas aéreas de combate no
gerar um feixe laser de 15 kW de potên- presente século.
cia; testes subsequentes, acoplando dois Entre as AED, as armas a laser se
módulos, demonstraram que a potência apresentam como uma opção viável para
alcançada foi de 34 kW. compor os meios de DA Ae contra as mo-
Outros testes que estão sendo reali- dernas ameaças aéreas, em particular
zados têm por fina- contra SARP, mísseis
lidade demonstrar a
viabilidade do pro- Essa evolução poderá e foguetes, além de
também terem con-
jeto alcançando a motivar a atualização dições de se opor a
meta estipulada da das doutrinas de DA Ae, artefatos cinéticos,
relação peso-potên- bem como a adaptação como, por exemplo,
cia do sistema. Caso
se torne operacio-
das técnicas e táticas as granadas de mor-
nal, o HELLADS tra- de ataque dos vetores teiro e de artilharia.
rá mais um aspecto aéreos atacantes, os Essa evolução
poderá motivar, em
inovador para o já quais combinarão um futuro próximo,
complexo ambiente as já tradicionais a atualização das
do combate antiaé-
reo do futuro, mais
formas de combater doutrinas de DA Ae
particularmente na com o aprimoramento das forças armadas
área dos sistemas tecnológico dos em âmbito mundial,
bem como a adap-
de autoproteção das seus sistemas de tação das técnicas e
aeronaves, pois ser-
virá de base para o
armas, aviônicos e de táticas de ataque dos
desenvolvimento do
autoproteção. vetores aéreos ata-
A e r o -A d a p t a t i v e / cantes, os quais com-
Aero-Optic Beam Control, um projeto binarão as já tradicionais formas de com-
da Lockheed Martin para a obtenção de bater com o aprimoramento tecnológico
uma AED instalada numa torreta a bor- dos seus sistemas de armas, aviônicos e de
do de caças, provendo defesa antimíssil autoproteção.
AAe nos quadrantes traseiro e laterais dos Por fim, cabe ressaltar que seria dese-
mesmos. jável a existência de linhas de pesquisa de
AED nos institutos de ciência e tecnologia
CONCLUSÃO das Forças Armadas do País, com apoio da
O desenvolvimento das AED e a evo- indústria de defesa, a fim de buscar o co-
lução dos programas militares voltados nhecimento desses meios e de seu possível
para a operacionalização desses atuado- emprego em prol da defesa nacional, ou,
res não cinéticos deverão trazer novas particularmente, em prol de um sistema
tendências para os dispositivos de DA Ae de DA Ae mais eficiente.

REFERÊNCIAS
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Nicholle Murmel). 19 ago. 2014. Disponível em: <http:// http://www.defesanet.com.br/nuclear/noticia/16449/
Armas-Laser-e-o-futuro-dos-sistemas-de-interceptacao/>. Acesso em: 01 out. 2014.
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field. Jane’s International Defence Review, Londres, set. 2008. p. 77-80.
BROWN, N.; JEAN, G. US reveals extent of directed energy focus. Jane’s International Defence Review,
Londres, maio 2013. p. 8.

42 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


CROWLEY, K. The Strategic Defence Initiative (SDI): Star Wars. The Cold War Museum. Disponível em:
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Revista Força Aérea, ano 17, n° 89, Rio de Janeiro, ago. 2014. p. 34-41.
DUFF, E.; HOLMBERG, C.; LAMBERSON, D.; WASHBURN, D. Para onde vão os lasers de alta potência? Air &
Space Power Journal, 1° trim. 2006, Montgomery. p. 18-26.
HUGHES, R. Aculight ramps up the power for laser weapons. Jane’s International Defence Review, Londres,
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JEAN, G. USN to deploy solid-state laser weapon on USS Ponce. Jane’s Defence Weekly, Londres, 17 abr.
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MALENIC, M. Pentagon calls time on airborne laser experiment. Jane’s Defence Weekly, Londres, 11 jan.
2012. p. 10.
TORRUELLA, A. DEW technology reaches maturity but is military ready to embrace it? Jane’s
International Defence Review, Londres, set. 2012. p. 35-36.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 43


EMPREGO ESTRATÉGICO DE
LANÇAMENTO INTELIGENTE DE CARGAS
Tenente-Coronel Erick Cozzo Betat de Souza

O Tenente-Coronel de Intendência Betat serve na sua aplicação nos novos conflitos e cenários
Secretaria de Economia e Finanças do Comando do Exército. que o século XXI descortinou. Essa nova
Foi declarado aspirante-a-oficial em 1997 pela Academia era em contínua mudança revela e coaduna
Militar das Agulhas Negras (AMAN). Possui o a teoria proposta por Lellouche (1992), a
Curso de Operações Psicológicas e integrou o
Destacamento de Operações Psicológicas Teoria das Incertezas.
do BRABAT/18 – Haiti. É especiali- Sendo assim, o objetivo do presente artigo
zado em Dobragem, Manutenção de consiste em analisar as possíveis formas de
Paraquedas e Suprimento pelo Ar emprego do equipamento de lançamento
(DoMPSA). Desempenhou, sucessiva- inteligente de carga do tipo SHERPA Ranger
mente, os cargos de oficial de logísti-
ca e de subcomandante do Batalhão de adquirido pelo Exército Brasileiro (EB), bem
Apoio às Operações Especiais, e de ad- como suas possibilidades de atuação com
junto e oficial de logística de operações do os vetores da Força Aérea Brasileira (FAB).
Comando de Operações Especiais. Conta com Para isso, o estudo se desenvolveu por meio
mais de 5 anos de experiência em atividades paraquedistas, de uma pesquisa documental, que utilizou
dentre as quais se destacam as ligadas ao suprimento pelo ar
(erickbetat@hotmail.com). o método histórico descritivo após uma
análise de conteúdo, obtido de fontes abertas
disponíveis nas bases gratuitas Scielo, Google
A partir do final da Guerra Fria, segundo Acadêmico, da literatura disponível na
Buzan (1991), uma era de desmobilização de internet aberta, e da observação participante
efetivos e materiais militares, os conhecidos do autor durante a instrução, a preparação
produtos de defesa (PRODE) foram objeto e o briefing dos primeiros lançamentos do
de racionalização pelas potências mundiais, equipamento no Brasil (ALVES-MAZZOTTI;
pois já não se justificava a manutenção de GEWANDSZNAJDER, 2004; BIKLEN;
Forças Armadas (FFAA) que onerassem ou BODGAN, 1982; DENZIN; LINCOLN, 2005).
absorvessem boa parcela do orçamento dos Para atender o objeto, o problema
estados a fim de dissuadir o bloco oponente. abrangeu as possíveis contribuições de
Soluções inovadoras que permitissem emprego desse equipamento nas FFAA
poupar recursos e investimentos em brasileiras, com base na Doutrina Militar
fabricação de novos materiais em larga escala de Defesa (BRASIL, 2007) e na Doutrina de
e que economizassem recursos humanos Operações Conjuntas (BRASIL, 2011), bem
para atingirem os mesmos resultados, como analisou se sua inclusão como PRODE
emergiram de um novo perfil balizado pela pode aumentar a projeção do poder militar
era da informação. nacional.
Tudo isso acontecia ao mesmo tempo
em que outros mecanismos passaram a HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS JOINT
constituir a balança de poder no campo da PRECISION AIRDROP SYSTEM (JPADS)
geopolítica, alicerçada na Teoria dos Jogos − SISTEMAS DE LANÇAMENTO
e na atuação de diversos atores no tabuleiro INTELIGENTE DE CARGA
mundial (NYE, 2012). Os sistemas de lançamento inteligente de
É a partir desse contexto que o estudo carga surgiram inicialmente como consequ-
remonta à origem histórica da prospecção ência de demandas apresentadas pela Força
e ao desenvolvimento dos sistemas de Aérea e pelo Exército estadunidenses em re-
lançamento inteligente de cargas, elucidando lação a aspectos de segurança de pessoal e

44 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


material aeronáutico. Em paralelo, também apresentados pela aproximação dos eixos e
foram estimulados pela demanda de provi- rotas de suprimento em relação aos pontos de
são de suprimentos para apoiar tropas des- apoio e frente de combate, e como resultado
dobradas no terreno (BENNEY et al., 2005). da evolução tecnológica proporcionada pelo
Tal necessidade foi identificada, em um desenvolvimento de mísseis com alto grau de
primeiro momento, durante os conflitos na precisão, surge a possibilidade de aplicação
região da Bósnia-Herzegovina (1993-1995) desses sistemas de mísseis guiados, acoplados
e, nesse contexto, particularmente durante a velames para navegação inteligente,
a execução de ações humanitárias. Naquela transformando-os em cargas guiadas por
ocasião, as aeronaves da Organização do sistemas autônomos. Tal fato tornou a
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de alto teoria da execução do suprimento aéreo
valor estratégico e de difícil reposição distante do alcance de armas terrestres, uma
passaram a ser usualmente alvejadas durante possibilidade viável e exequível para esse
essas operações, com pilotos capturados novo tipo de combate (WRIGHT et al., 2005).
ou mortos, o que constituiu considerável
prejuízo de recursos humanos e material Segundo Benney et al. (2005), a fim
(WRIGHT et al., 2005). de desenvolver o projeto, o Department
Como consequência dos problemas of Defense [1] (DoD) determinou que o

Fonte: Arquivos do autor

Planejamento do Lançamento no Software de Missão.


Elipse vermelha opaca: área da trajetória balística em caso de pane no paraquedas.
Elipse vermelha degradê: área de navegação do equipamento após lançamento.
Linha verde: rota e trecho de lançamento para atingir o ponto programado.
Círculo amarelo: área de sobrevoo a partir de onde é viável o lançamento e navegação para o
ponto de impacto.
Cruz e círculo: ponto planejado para o pouso.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 45


Fonte: Cap Int Schons, especialista de DoMPSA Fonte: Cap Int Schons, especialista de DoMPSA

Fonte: Cap Int Schons, especialista de DoMPSA


Na final para o lançamento. Saída da carga.

Fonte: Ten QAO Acir, especialista de DoMPSA


Navegação da c arga. Pouso da carga.

United States Joint Forces Command capacidade de carga custavam à época


(USJFCOM – Comando Conjunto das Forças 11.000 dólares.
Armadas) passasse a coordenar as ações As características inovadoras na
entre os centros de pesquisa da United prospecção de equipamentos e de grandes
States Air Force (USAF − Força Aérea investimentos de capital, tanto financeiro
Americana) e United States Army (U.S. quanto social, emergem nos novos tipos de
Army − Exército Americano). Esses centros confrontos no século XXI, nos quais associa-
ficaram responsáveis, respectivamente, se de modo imprescindível a tecnologia,
pelo desenvolvimento do computador com sendo todos requisitos mobilizáveis em prol
o sistema de planejamento de missões e do de efeitos que produzam maior eficácia
equipamento de navegação, somados os durante as operações militares (BOUSQUET,
esforços com a Indústria Nacional de Defesa 2007; BULEY, 2008).
(IND) estadunidense. Ainda segundo o Defense Industry Daily
Segundo o sítio eletrônico do Defense (JPADS..., 2015), no início dos combates no
Industry Daily (JPADS..., 2015), no ano de Afeganistão em outubro de 2001, Operation
2001 o United States Marine Corps (USMC) Enduring Freedom (OEF), na qual os
[2] adquiriu do Canadá o Sistema SHERPA Estados Unidos ignoraram as deliberações
1200s, da empresa Mist Mobility Integrated da Organização das Nações Unidas (ONU) e
Systems Technology Inc. (MMIST − Sistema utilizaram sua aliança na OTAN para atacar,
Integrado de Tecnologia de Mobilidade o SHERPA teve seu batismo em operações.
Névoa), e todo o seu pacote tecnológico de Na sequência histórica, àquela ocasião os
planejamento e navegação para iniciar testes norte-americanos convenceram o Conselho
com esse tipo de material em operações de Segurança (CS/ONU) a empregar a força
militares. Esse investimento custou 68.000 da International Security Assistance Force
dólares por unidade de equipamento, ao (ISAF), Força Internacional de Assistência
passo que os sistemas tradicionais de para Segurança, na região, situação na qual
lançamento (sem guiamento) de mesma os países aliados da OTAN demonstraram

46 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


interesse em adquirir o novo equipamento No mês de novembro de 2009, JPADS
ou mesmo desenvolver um com tecnologia Ultra Light Weight (JPADS ULW − JPADS
autóctone. ultraleves) com capacidade entre 250-
No ano de 2004, na Operation Iraqi 700 libras foram desenvolvidos para que
Freedom (OIF), já em outra parte do globo, se aproveitasse o velame do MC-5 [6]
os U.S. Marine Corps empregaram sistema- (Intruder), o velame do paraquedas de
ticamente o SHERPA 1200s no suporte às tropa empregado pelo U.S. Army, com pré-
operações em terra, principalmente para requisitos para lançamento em altitudes
o provimento às bases avançadas (em pri- mínima e máxima entre 4.500-25.000 pés
meiro escalão). Consistia em um processo (ESTADOS UNIDOS, 2007).
alternativo de suprir as tropas, em virtude Esse fato permitiu o início do emprego
da vulnerabilidade dos comboios e dos heli- tático do equipamento para pequenas fra-
cópteros na área de operações. ções, pois assim poderia ser executada uma
J á no ano de 2006, um total de 3,5 operação de infiltração aeroterrestre, acom-
milhões de libras [3] de suprimento foram panhada de uma carga lançada de modo si-
lançadas no Afeganistão, por meio dos pro- milar a um paraquedista militar em queda
cessos tradicionais de livre. Isso foi possí-
lançamento de carga
somados aos JPADS
Como resultado da vel pela versatilida-
de do equipamento
(BENNEY et al., evolução tecnológica que, após a saída da
2005). proporcionada pelo aeronave, pôde tor-
No ano de 2007, desenvolvimento de nar-se um navegador
o sistema JPADS es- mísseis com alto grau líder ou seguir auto-
tadunidense, da em- nomamente ao local
presa Stronger, com
de precisão, surge planejado, em virtu-
capacidade para a possibilidade de de de suas razões de
até 2000 libras, en- aplicação desses sistemas queda e planeio, as-
trou em operação de mísseis guiados, sociadas ao peso que
no Afeganistão. acoplados a velames para proporcionalmente
Concomitantemente,
o DoD promovia a
navegação inteligente, seria idêntico ao de
um combatente, e por
atualização doutri- transformando-os em agregar um sistema
nária das suas for- cargas guiadas por de guiamento eficaz,
ças para o emprego sistemas autônomos. capaz de conduzir a
dos JPADS (ESTADOS infiltração da fração
UNIDOS, 2007). Em novembro de 2008, em ao local planejado na ZP.
um processo faseado em três níveis sobre Pode-se considerar ainda que,
plataformas estabelecidas em desenvolvi- provavelmente, o desenvolvimento
mento com bases de menores capacidades desse requisito operacional considerava
de carga, a empresa americana Airborne de 17 a 25 knots [7] a velocidade de
Systems realizou um teste, com sucesso, do deslocamento do velame acoplado a
equipamento GigaFly. Esse sistema permi- carga, fato que viabilizaria a infiltração
tia o lançamento de uma carga de até 40.000 de pessoal, juntamente com suprimento
libras a uma distância de até 22 milhas [4] de acompanhamento, característica de
da zona de pouso (ZP) e a uma altitude de emprego de frações de operações especiais.
25.000 pés [5]. A envergadura ou compri- No início de 2010, segundo o próprio site
mento da asa do velame marcava 195 pés, da Airborne Systems®, uma de suas divisões
próximo à medida de uma aeronave Boeing técnicas foi comprada pela HDT Aerospace,
(ESTADOS UNIDOS, 2007). uma holding componente de um complexo

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 47


Fonte: Arquivos do autor

: Equipe de mestres de lançamento (ML) e auxiliares antecedendo ao embarque da carga.

industrial militar voltado para pesquisas na (GILLES et al., 2005).


área aeroespacial. A HDT Aerospace®, desde Segundo o Defense Industry Daily (JPADS...,
então, assumiu os contratos vigentes com o go- 2015), em maio de 2010, o U.S. Marine Corps
verno estadunidense e com outros países. celebrou um contrato de cinco anos, cujo
No mês de abril do mesmo ano, foi divulgado montante atingiu 45 milhões de dólares para
um edital para pesquisa e desenvolvimento aquisição e suporte de JPADS ULW. No mês
de um velame descartável em virtude da de junho, relatórios de pilotos em missões de
localização das zonas de lançamento (ZL) e ZP suporte às operações de combate no Afeganistão
[8], que nas áreas beligerantes encontravam- atestavam:
se fora das estradas ou em áreas íngremes, [...] tínhamos dificuldade para execução
dificultando o recolhimento do tecido e sua do suprimento aéreo, na qual as aeronaves
reutilização (JPADS..., 2015). necessitavam realizar a navegação a baixa
altitude (NBA) para aproximação das ZL, ficando
Destacou-se o fato de que a central de expostas a ações de vetores antiaéreos e do
navegação e processamento do sistema passou terreno altamente escarpado, voando no interior
a ser mais compacta e fácil de recuperar. Isso de vales flanqueados por altas encostas e ainda
consiste em um fato importante pois parte com o mínimo de combustível em virtude do
do capital tecnológico agregado encontra-se máximo aproveitamento da capacidade de carga
nas aeronaves. Tais fatos caracterizavam essa
nela depositada e o acesso às áreas (ZL e ZP) missão como uma missão suicida. (JPADS...,
necessitava, antes dessa compactação, ser 2015, p.1).
realizada por meio de helicópteros ou viaturas
para evacuar esse material eventualmente. Em julho, as pesquisas apresentadas
O velame descartável diminuiu o peso e o por Benney et al. (2009) visavam a tornar os
volume do material, possibilitando o transporte equipamentos de capacidade até 2.000 libras
da central de navegação pela tropa a pé. Essas (2k) mais compactos e tiveram sucesso na
pesquisas que visavam a aperfeiçoamentos do Airborne, cujo peso do Fire Fly (2k/1,000 sq.ft)
equipamento e redução de custos dos conjuntos [9] foi reduzido ao do tradicional paraquedas
já vinham ocorrendo, com produção científica de carga médio G-12 [10] de 32 libras, fato
difundida, conforme se observou no 18º que criou possibilidades de uso em aeronaves
Simpósio da Indústria Aeroespacial Americana remotamente pilotadas (ARP).

48 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


Enquanto as pesquisas prosperavam, no A PESQUISA E O DESENVOLVIMENTO
ano de 2011 (até a metade do ano), 39,5 mi- DOS JOINT PRECISION AIRDROP
lhões de libras de suprimento foram lança- SYSTEM (JPADS), SISTEMAS DE
das no Afeganistão, conjugando meios tradi- LANÇAMENTO INTELIGENTE DE
cionais e JPADS. Até o mês de novembro de CARGA, NO BRASIL
2012, a Airborne Systems já havia vendido Iniciativas na prospecção desse material
mais de 2.500 JPADS do tipo 2k (FireFly) e e dessa tecnologia foram realizadas com base
mais de 250 JPADS 10k (DragonFly) para o em um projeto piloto no Instituto Militar
governo americano e para países aliados. Em de Engenharia (IME), resultado de uma
fevereiro de 2013, a Airborne Systems fechou pesquisa de mestrado no ano de 2012, sem
um contrato com os United Arab Emirantes parceria inicial com a indústria nacional e
(UAE − Emirados Árabes Unidos), que pas- no desenvolvimento de um sistema capaz de
sou a ser o maior cliente desse material no transportar até 50 quilogramas.
Oriente Médio. No mês de dezembro de 2013, Outro registro de tentativa de desenvol-
a Airborne Systems firmou um contrato de vimento de sistema de lançamento similar
250 milhões de dólares para o fornecimento foi feito pelo Centro de Desenvolvimento de
de JPADS ao DoD até 2019. Sistemas do Exército na ZL de Itaguaí, esta-
Em dezembro de do do Rio de Janeiro,
2014, a MMIST® ca-
nadense já fornecia
Esse fato permitiu no ano de 2011.

o sistema SHERPA o início do emprego Entretanto, naquela


oportunidade, a na-
para 25 países, con- tático do equipamento vegação do sistema
tendo, segundo o site para pequenas foi realizada por um
da empresa (www. frações, pois assim controle remoto de
mmist.ca), três con-
figurações (capaci-
poderia ser executada radiofrequência, ope-
dades de carga em uma operação rado por um militar
posicionado próxi-
libras), o Ranger (50- de infiltração mo à ZP. Essa opção
700), o Navigator aeroterrestre, do controle remoto
(100-2.200) e o acompanhada de já existe como opção
Provider (2.200-
10000) (JPADS, 2015).
uma carga lançada em todos os tipos de
JPADS e seu empre-
Impulsionada pe- de modo similar a um go está condicionado
los novos contratos, paraquedista militar à situação tática a
a MMIST® não ficou em queda livre. adotar.
estagnada no proces- O protótipo em
so inovativo e lançou o Snow Goose, uma questão não dispunha de sistema de nave-
plataforma aérea de múltiplos propósitos, gação por satélite ou mesmo de correção de
que entrega autonomamente até 575 libras navegação, em razão das ações dos ventos de
de carga para até seis locais pré-planejados, camada, e ainda necessitava ser lançado ao
podendo ser suprimentos das classes VIII alcance do controle e da visão do operador em
(saúde), I (rações) e água, ou executar disse- solo, fato que não contribuiu para que hou-
minação de panfletos para ações de opera- vesse propostas a favor de sua aquisição ou
ções psicológicas. Este ARP pode ser lançado desenvolvimento no país.
por terra a partir de uma viatura ou reboque, A fábrica de paraquedas Vertical do
ou pelo ar, por uma aeronave C-130 ou C-17, Ponto®, da Associação Brasileira das
e provavelmente pelo KC-390 [11] (CANADA, Indústrias de Material de Defesa (ABIMDE),
2017). manifestou interesse pelo projeto, entretanto

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 49


os custos, possível viabilidade comercial e Inovativa (PPI) da National Aeronautics and
aquisição pelas FFAA brasileiras em um cená- Space Administration (NASA − Administração
rio desfavorável no que tange ao crescimen- Nacional de Aeronáutica e Espaço) [13],
to da economia e sob o qual incentivos a IND elencada por Vasconcellos (2008).
sofreram os impactos do contingenciamento Esses grupos de pesquisa interdisciplina-
de recursos para a defesa, não estimulavam res podem apresentar resultados e soluções
ou justificavam investimentos naquela opor- quando envolvem centros de pesquisas civis,
tunidade. Tais fatos eram e ainda são empe- militares, universidades e a BID nacionais e
cilhos na concepção de projetos desse nível, centros de excelência estrangeiros.
tornando-os economicamente inviáveis pela Em virtude de contingenciamentos orça-
Base Industrial de Defesa (BID). mentários e carência de políticas de Estado
Tal panorama mostra-se desfavorável na para a prospecção e aquisições de PRODE su-
medida em que um possível desenvolvimento jeitos a aprovação de planos plurianuais que
nacional de um equipamento militar como oscilam sazonalmente, esse desenvolvimento
esse ocorreria em um mercado consolidado de materiais de emprego militar fica compro-
por empresas que investem maciçamente em metido e restrito ao esforço de uma parcela
pesquisa e desenvolvimento de tecnologia e da sociedade, carecendo de uma visão estra-
inovação favorecidas tégica de longo prazo
pelas possibilidades O equipamento navega de outros setores po-
de testes em campos independentemente das líticos e também de
de prova reais em maior participação da
vários ambientes
condições climáticas sociedade sobre a ma-
operacionais AMBO após o lançamento da téria defesa.
[12] inter e extra- aeronave, em função de Como solução
continentais, fato sua programação prévia, temporária e a fim
que no cenário fato que incrementa as de não permitir o
empresarial nacional
consumiria muito
possibilidades de atuação aumento da lacuna
tecnológica em relação
tempo e recursos para sob condições adversas, a outros países, a
tornar o novo PRODE em que a chegada de aquisição de produtos
competitivo. Mesmo equipes de militares ao acabados (conhecidos
com o advento da ponto crítico demoraria. como produtos de
ABIMDE, que possui prateleira) mostra-
política fiscal distinta se como uma opção,
no âmago das indústrias nacionais, os atuais apesar de todos os problemas que carreiam
projetos estratégicos das FFAA brasileiras e das suas consequências que impactam
não abarcam investimentos nessa área ou sobremaneira o desenvolvimento de produtos
nesse nicho tecnológico. genuinamente nacionais.
Uma solução seria o desenvolvimento A seu tempo, uma atuação mais efetiva
em parceria público-privada ou entre do Ministério da Defesa no que tange à
instituições governamentais, tais como aquisição e ao desenvolvimento de PRODE,
já ocorrem entre o Instituto Militar de particularmente da Chefia de Logística
Engenharia (IME) e o Instituto Brasileiro (CHELOG/MD), poderá suprimir essa carência,
de Geografia e Estatística (IBGE) (ANCIÃES, viabilizando, por meio de projetos de lei ou de
2013), o IME e a Petrobrás (CALDEIRA et planejamentos político estratégicos, a adoção
al., 2010), na indústria aeronáutica nacional de medidas que garantam a inovação nesse
com a iniciativa privada (BASTOS, 2006) setor, bem como a pesquisa e prospecção
ou nas agências espaciais, como o modelo de PRODE e a sobrevivência e projeção
estadunidense de Programa de Parceria internacional da BID.

50 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


SOLUÇÕES A CURTO PRAZO PARA AS iniciativa não foi acompanhada pelas demais
FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS Forças Singulares.
A fim de incrementar a capacidade
operativa das FFAA brasileiras, a solução Análise da provável interoperabilidade
provisória encontrada foi adquirir o produto Foi realizada a aquisição, em dezembro
acabado ou, como é conhecido, um produto de 2010, do equipamento canadense SHERPA
de prateleira (SCHMIDT, 2009). Uma grande Ranger, juntamente com um pacote de
desvantagem de aquisição desse tipo de treinamento para 14 militares, a um custo total
produto de outro país reside nos fatos de de 390.000,00 reais, vislumbrando-se galgar
que a cauda logística de sobressalentes, novos níveis de operatividade. Nesse ínterim,
manutenção, atualização de software e foram mapeadas as seguintes considerações
upgrade das partes torna-se um grande desde seu processo de aquisição baseado nos
óbice, haja vista que tal tipo de equipamento estudos de Bradford (2015), Barcelos (2014), e
apresenta dispositivos de proteção que nos conceitos de interoperabilidade previstos
resguardam a tecnologia agregada e as na Estratégia Nacional de Defesa (Brasil,
patentes investidas em seu desenvolvimento 2012), até sua efetiva colocação em operação
(BOUSQUET, 2006; EGNELL, 2008; HARTLEY, [15]:
2008; HARTLEY, 2012). a) as despesas envolvendo horas de
Cabe ressaltar ainda o aspecto contratual voo para os treinamentos, disponibilidade
de inviolabilidade dos equipamentos, sob de aeronave e trabalho de Estado-Maior
pena de perder-se todo o suporte técnico Conjunto com a Força Aérea Brasileira (FAB)
referente a eles, fato que causa uma e Marinha do Brasil, a fim de estabelecer
dependência tecnológica e de alocação Requisitos Conjuntos (RC), Requisitos
financeira, impositivas, quando se trata da Operacionais Básicos (ROB) e Requisitos
questão da manutenção da operatividade Técnicos Operacionais (RTO), não foram
dos equipamentos e, por conseguinte, da concebidas previamente;
manutenção da capacidade operativa das b) a esses fatos são atribuídos o lapso
tropas que os empregam (GLAS; HOFMANN; temporal e o desconhecimento desse tipo de
EBIG, 2013; RANDALL; POHLEN; HANNA, equipamento por parte das FFAA brasileiras,
2010). sendo o período entre a aquisição e o primeiro
Contratos de aquisição associados a lançamento para a homologação de emprego
manutenção por performance podem ser uma no país ter sido de aproximadamente seis
solução para a manutenção da disponibilidade anos; e
de meios, similar ao contrato celebrado pelo c) o equipamento chegou ao Brasil, em
USMC citado no site do Defense Industry novembro de 2011, incompleto e com o
Daily (JPADS..., 2015) e segundo Berkowitz et software desatualizado, óbices que reforçam
al. (2004). aspectos negativos em relação à aquisição de
A par de todas essas condicionantes, produtos de prateleira do mercado mundial de
incluindo-se a necessidade de formação de PRODE. A atualização do software foi realizada
pessoal especializado para garantir a dispo- em 2014 após inúmeras intervenções junto ao
nibilidade do material (KRESS, 2002), em de- representante da empresa no Brasil.
zembro de 2008 o EB solicitou um pedido de Sendo assim, pode-se inferir, com base
cotação internacional aos fabricantes (PCI), nessas três considerações, que o critério
levantando os custos de aquisição dos equi- interoperabilidade, imposto pela Estratégia
pamentos. Em dezembro 2010, o EB comprou Nacional de Defesa, não foi atendido e que tal
um equipamento canadense SHERPA Ranger, equipamento, inicialmente, não era conhecido
após um processo de licitação internacio- ou requisitado, nem pela Marinha nem pela
nal conduzido pela Comissão do Exército Força Aérea, fato que dificultou colocá-lo em
Brasileiro em Washington (CEBW) [14]. Tal operação.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 51


A par desse óbice inicial, a partir do O alto grau de adestramento dos
momento em que sua aplicabilidade e especialistas e pilotos que planejam a
características técnicas foram conhecidas, missão e executam o lançamento, justifica-
suas possibilidades de emprego passaram a se na medida em que os JPADS possuem a
permear as três forças. capacidade de serem lançados em até 30
quilômetros da ZP, situação que favorece seu
Possibilidades de emprego e aspectos emprego em apoio a tropas dessa natureza.
doutrinários No suporte a tropas regulares, o
As possibilidades de emprego dos sistema também favorece a proteção em
JPADS oferecem o incremento das capacidades voo dos tripulantes e da aeronave, pois, à
operativas em qualquer AMBO (JOINT..., baixa altitude, ficaria vulnerável à ação
2015), mas também têm aplicabilidade em da artilharia antiaérea do inimigo ou às
situações de lançamento de suprimentos ações de insurgentes, e ainda possibilitando
para apoio a ações humanitárias, ou mesmo a o lançamento múltiplo de contêineres
situações de contingência de grande comoção ou plataformas com múltiplos destinos
pública. Entre elas, podem ser citadas as com apenas uma unidade de controle e de
ações sobre os sistemas logísticos inoperantes planejamento de missão (BENNEY et al.,
em situações de desastres naturais, em que 2005).
a amplitude e flexibilidade de alcance do O emprego do equipamento em regiões
suprimento aéreo podem ser o diferencial polares também é viável e possibilita a
para salvar vidas ou proporcionar condições chegada de materiais em segurança em
mínimas de sobrevivência (MORELAND; regiões nas quais o acesso terrestre ou mesmo
JASPER, 2014). uma situação de pouso fica inviável em
Segundo Benney et al. (2009), já se determinados períodos do ano. Como relatado
encontra em desenvolvimento nos Estados no sítio eletrônico do Defense Industry Daily
Unidos um conjunto que se baseia em lançar (JPADS..., 2015), uma solução customizada
JPADS do tipo ULW por uma plataforma por uma subsidiária da Airborne Systems foi
denominada PROVIDER, acoplada a ARP, desenvolvida para lançamento de contêineres
que conduz material de saúde para prestar no Ártico. Em vista disso, tal solução poderia
socorro em áreas remotas ou isoladas ser viável na aplicação no suporte logístico ao
temporariamente. Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR)
No campo militar, o emprego inicial das [16].
cargas inteligentes destacou-se em Operações Pela característica do equipamento,
Especiais com a possibilidade de realizar o alguns tipos de carga podem ser lançados
suprimento de acompanhamento em técnicas em locais ermos da Amazônia, pois a sua
de High Altitude High Opening/High Altitude aproximação na ZP em espiral permite o
Low Opening (HAHO/HALO − infiltração pouso em clareiras isoladas, onde dificilmente
aeroterrestres a grandes e baixas altitudes), qualquer meio de transporte terrestre, fluvial
sendo que a abertura do equipamento a baixa ou aéreo chegaria.
altitude desenvolvia-se, gradativamente, com O lançamento no mar ou nos rios deve
base em novos experimentos (MACGRATH, ser considerado, independentemente de qual
2005). Força Singular planejará ou executará a
Esse desenvolvimento foi requerendo operação, agregando-se ou não equipamentos
novas capacidades tanto dos tripulantes e ou plataformas flutuantes ou hidropallets, em
especialistas em operar os equipamentos virtude da interoperabilidade e dos cenários
quanto dos elementos das Forças Especiais, complexos em que as FFAA brasileiras
um elevado grau de adestramento e de poderão atuar (EGNELL, 2006; MORELAND,
adaptação fisiológica aos deslocamentos sob 2014). A Marinha do Brasil ainda não cogitou
ar rarefeito (BENNEY et al., 2005). o emprego de tais equipamentos, mas neste

52 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


estudo não foi identificada a razão. ajustes visando a testar a plenitude do po-
Um outro fator que favorece tais tencial do material não haviam sido desen-
assertivas é que o equipamento navega volvidos e homologados em tempo, a realiza-
independentemente das condições climáticas ção dos lançamentos ocorreu apenas em duas
após o lançamento da aeronave, em função de jornadas, no intuito de atender os requisitos
sua programação prévia, fato que incrementa de segurança impostos pela FAB, embora as
as possibilidades de atuação sob condições possibilidades de exploração de hipóteses de
adversas, em que a chegada de equipes de emprego na presença do engenheiro e técnico
militares ao ponto crítico demoraria, inclusive canadenses fossem muito maiores.
em operações de coordenação e cooperação As características daquele equipamento
com agências (ver no quadro esquemático na adquirido pelo EB são: a capacidade mínima
terceira capa). de 50 libras e máxima de 700 libras de car-
ga, o lançamento entre 4.000 e 25.000 pés de
Testes e emprego do equipamento altitude e distância de lançamento de até 20
SHERPA adquirido pelo Brasil quilômetros da ZP.
Para a realização do teste, o efetivo de mi- Conforme o citado, a plenitude de possi-
litares (instruendos) bilidades de emprego
deslocou-se para a Surge uma nova a testar foi suprimida
Base Aérea de Campo
Grande (BACG), Mato
demanda, a necessidade por motivos de segu-
rança, restringindo-se
Grosso do Sul, a fim de formulação de uma o lançamento às alti-
de ser apoiado pelo doutrina brasileira tudes de 6.000 e 7.000
1º Esquadrão do 15º para o JPADS em pés (primeiro e segun-
Grupo de Aviação, de- um novo cenário do dia), comportando
signado pela V FAE
[17].
multidimensional, com trajetórias seguras de
balística em caso de
Cinco especialis- emprego de técnicas falhas, tendo sido de-
tas e seis auxiliares de pré-posicionamento lineadas e represen-
de Dobragem, Manu- de suprimentos ou tadas graficamente
tenção de Paraquedas
e Suprimento pelo Ar
de materiais para pelo programa Google
Earth em elipses sobre
(DoMPSA) do Comando provimento ou evacuação o terreno da ZL/ZP e
de Operações Especiais terrestre ou marítima de adjacências. Nesse ín-
(COpEsp), sediado em pessoal. terim houve a supervi-
Goiânia, região cen- são da MMIST® para
tral do país, forma- os processos de plane-
dos pelo Centro de Instrução Paraquedista jamento da missão e lançamento nos sistemas
General Penha Brasil (CIPGPB), da Brigada Launch PADS® (software de planejamento),
de Infantaria Paraquedista, foram designados bem como o acompanhamento e a supervisão
para acompanhar e executar o treinamento no preparo das cargas e lançamento.
em Campo Grande-MS. O sistema cumpriu a missão proposta, in-
O treinamento teórico e de planejamento cidindo no local de impacto com 60 metros
foi conduzido em três jornadas com os espe- de erro no primeiro e 40 metros no segundo
cialistas, sendo o briefing dos lançamentos lançamento, sendo os pesos totais de carga
realizado ao final da terceira jornada sob a lançados de 550 libras e 470 libras, respec-
supervisão de dois representantes canaden- tivamente. Uma ZL para um equipamento
ses, um engenheiro e um ex-militar de opera- dessa dimensão, segundo critérios da USAF
ções especiais. (ESTADOS UNIDOS, 2007, p. 11-12), é de 200
Como a doutrina para emprego e os metros de comprimento por 300 de largura

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 53


mas, por segurança e critérios estabelecidos A necessidade de interoperabilidade
pela FAB, foi utilizada uma de dimensões cin- entre FFAA brasileiras é pré-requisito para
co vezes maior. a integração de projetos e processos com
Ainda no primeiro lançamento, cinco pa- vistas a altos níveis de adestramento e
raquedistas militares com estágio de salto li- sinergia militar. A consolidação das políticas
vre abandonaram a aeronave em voo com a de pesquisa, desenvolvimento, aquisições
intenção de comandar seus paraquedas in- e inovação para os PRODE pela Chefia de
dividuais em queda livre e seguirem a carga Logística do Ministério da Defesa pode
que guiaria o deslocamento, uma vez que o ser uma solução viável para obter-se a
emprego dessa categoria de equipamento per- homogeneidade nas futuras aquisições para
mitia tal acompanhamento, mesmo sendo o as FFAA.
velame dos paraquedistas o modelo BT-350 A evolução dos JPADS coloca em
da Parachute de France®, distinto do velame posição de destaque o emprego da aviação
original do equipamento da MMIST®. No en- de transporte, que permite projetar o poder
tanto, mesmo não havendo similitude entre os aéreo em qualquer parte do território
velames, foi comprovada a eficácia do guia- nacional ou internacional, dando o suporte
mento e navegação para o ponto planejado. necessário às operações terrestres, como se
exemplificou durante a atuação dos Estados
CONCLUSÃO Unidos na ISAF.
As iniciativas nacionais elencadas no Com o emprego desse equipamento, surge
escopo, para o desenvolvimento de um a oportunidade de aperfeiçoar-se a cultura
JPADS autóctone evidenciam a falta de uma de interoperabilidade entre FAB e EB, sendo
política específica para o setor de inovação, esse último representado por uma fração
prospecção e desenvolvimento nessa área de especialistas qualificados pelo Batalhão
de materiais de defesa, bem como uma DoMPSA, lotados na Brigada de Infantaria
lacuna de suporte estatal no que tange à Paraquedista e no Comando de Operações
obtenção de PRODE que garantam vantagem Especiais.
estratégica ou operacional para as FFAA em Surge uma nova demanda, a necessidade
suas missões, haja vista o recente emprego de formulação de uma doutrina brasileira
desses equipamentos em alguns conflitos e para o JPADS em um novo cenário
também o nível tecnológico e dissuasório das multidimensional, sob o qual operações
nações que os detêm sobre as demais. Além de cooperação e coordenação com
disso, fica evidenciado o desengajamento ou a agências, operações especiais, operações
inexpressividade da BID brasileira nessa área. de informação e emprego de técnicas de
A experiência na aquisição do SHERPA pré-posicionamento de suprimentos ou de
Ranger, um PRODE importado, demonstra materiais para provimento ou evacuação
os percalços e as vulnerabilidades no terrestre ou marítima de pessoal, no suporte
desenvolvimento e na manutenção de níveis a ações humanitárias (população ilhada por
de capacidade operativa das FFAA brasileiras, desastres naturais ou em regiões dominada
evidenciados pelo tempo de aplicação por insurgentes) ou em suporte a regiões
do equipamento em conflitos − fato já inóspitas como a Antártida, são os novos
consolidado por outros países − pela falta de desafios para o preparo e o emprego das
comunicação entre os setores de aquisição de FFAA.
PRODE das FFAA brasileiras e pela dificuldade Por fim, a necessidade de adestramento
de gerenciamento dos processos aquisitórios continuado, aliado à aquisição de novos equi-
desenvolvidos no cerne dessas instituições, pamentos com outras variáveis (peso, tama-
explicitado, nesse caso, pelo lapso temporal nho, plataformas), além do alto grau de qua-
entre a aquisição e a viabilização do seu lificação requerido aos operadores do EB e
efetivo funcionamento. da FAB, são condicionantes para que o valor

54 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


dos investimentos e a manutenção da nova discussão nas áreas de Defesa e de Ciência
capacidade operativa de lançamento inteli- e Tecnologia, em consequência do objetivo
gente de cargas obtida sejam garantidos, sem proposto neste estudo, que consiste em
os quais qualquer evolução doutrinaria futu- analisar as possibilidades de emprego desse
ra com novos sistemas ficará comprometida. sistema pelas FFAA em distintos cenários,
O resultado desses questionamentos bem como o seu potencial desenvolvimento
poderá abrir novas frentes de estudo em por uma Empresa Estratégica de Defesa
vários campos do conhecimento, carentes de (EED).

Nota Explicativa:
O presente artigo foi publicado na 1a edição V.30, Jan/Jun, 2017 da Revista da Força Aérea
e está sendo reproduzido com as modificações introduzidas pelo autor, para atualizar o texto
e adaptá-lo aos interesses da Doutrina Militar Terrestre.

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56 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


NOTAS
[1] Departamento de Defesa estadunidense, equivalente ao Ministério da Defesa brasileiro.
[2] United States Marines Corp (USMC) é a tropa de Fuzileiros Navais das Forças Armadas estadunidenses,
constituem uma Força Singular à parte da Marinha, de modo distinto ao que ocorre no Brasil.
[3] Unidade de massa equivalente a exatamente 0,45359237 quilogramas.
[4] Unidade de medida de comprimento equivalente a 1.609 metros.
[5] Unidade de medida de comprimento equivalente a 0,304 metros.
[6] Paraquedas navegável de infiltração de tropas, de nome Intruder, da Airborne Systems®, com possibilidades de
abertura a 25.000 pés em relação ao Mean Sea Level (MSL )− Nível Médio do Mar.
[7] Unidade de velocidade equivalente a 1 milha náutica (1,852 km) por hora.
[8] Utiliza-se o termo Zona de Lançamento, para material; e Zona de Pouso, para pessoal.
[9] 2k/1000 sq.ft significa que, para o peso de 2.000 libras, o velame utilizado possui uma área de 1.000 pés
quadrados.
[10] Paraquedas de lançamento de carga convencional com velame costurado no formato circular sem sistema de
navegação.
[11] Nova aeronave da EMBRAER cujos requisitos operacionais conjuntos atendem demandas de lançamento aéreo
já contempladas pelo C-130 estadunidense.
[12] No Brasil, esses ambientes são materializados pelos distintos biomas nacionais.
[13] Agência de pesquisa especial do governo estadunidense.
[14] Disponível em: <http://cebw.org/en/>. Acesso em: 20 jul. 2015.
[15] O autor acompanhou o processo durante todo o período compreendido entre 2008 e a execução dos primeiros
lançamentos em dezembro de 2014.
[16] Projeto Cientifico Brasileiro com suporte logístico operado pela Marinha do Brasil.
[17] A 5ª Força Aérea ou V FAE, com sede na cidade do Rio de Janeiro, é a Unidade Aérea responsável pelas unidades
de transporte, reabastecimento em voo (REVO), lançamento de paraquedistas e apoio a unidades do Exército. As
unidades aéreas são as organizações militares que reúnem os meios operacionais da força e cada unidade possui
uma função específica, além de aeronaves, pessoal e instalações que assegurem o seu funcionamento.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 57


DOUTRINA DO PARAMÉDICO MILITAR
NO SÉCULO XXI
Prof. Dr. Eder Ricardo Biasoli

O Prof Biasoli pertence ao quadro docente da Faculdade de esses fatores relevantes, o paramédico não
Odontologia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita portava arma e sua formação e treinamento
Filho – UNESP / Campus de Araçatuba. Foi residente de cirurgia eram idealizados e realizados por médicos e
buco-maxilo-facial do Hospital do Câncer enfermeiros com experiência no atendimento
A.C.Camargo, em São Paulo. É mestre
e doutor em cirurgia e traumatologia
a ferido em área dominada.
buco-maxilo-facial, livre-docente em Esse modelo de formação do paramédi-
estomatologia, professor adjunto, co militar se manteve praticamente inalte-
Vice-Diretor da Faculdade de rado até a Guerra do Golfo, entre agosto de
Odontologia, Diretor de Fomento 1990 e fevereiro de 1991, e a missão Unified
à Pesquisa e Diretor Presidente da
Task Force (UNITAF), criada pelo Conselho de
Fundação para o Desenvolvimento,
tudo da UNESP. É Membro da Special Segurança da Organização das Nações Unidas
Operations Medical Association - SOMA e (ONU), em abril de 1992, como missão de paz
instrutor de Law Enforcement First Response e baseada em Mogadíscio, na Somália, denomi-
Tactical Combat Casualty Care. Prestou serviço militar obrigatório nada de Operação Serpente Gótica. Em 1996 é
em 1979 como soldado de infantaria, no então II Exército, em São publicado o projeto Tactical Combat Casualty
Paulo (biazolla@gmail.com).
Care (TCCC) pelo Comando Especial de Guerra
“Nós soldados do Corpo de Saúde, Naval (Naval Special Warfare Command) e o
sem temermos o rugido da metralha. Comando de Operações Especiais dos Estados
Aos heróis que tombam na vanguarda, Unidos (U.S. Special Operations Command)
lhes levamos o socorro na batalha.” [1] com diretrizes para conduta do trauma no
campo de batalha com adição de táticas de
A participação de paramédicos junto combate para o paramédico militar. Desde
a grupos de combate (GC) foi concretizada então, essas diretrizes foram absorvidas pelo
durante a Segunda Guerra Mundial, Departamento de Defesa Norte-Americano
notadamente pelo exército norte-americano e, atualmente, o comitê que propõe atuali-
com o objetivo de atuar dentro da chamada zação no protocolo de atendimento do TCCC
“golden hour”, “golden time” ou “hora de (CoTCCC) está subordinado ao Comando de
ouro”, termo criado por Adams Cowley Operações Especiais dos Estados Unidos (U.S.
(1917-1991). Para atender o mais rápido Special Operations Command - USSOCOM).
possível os feridos em combate, naquela Paralelamente a esse movimento oficial
época, os paramédicos acompanhavam os GC de mudança da doutrina militar norte-ame-
durante patrulhas ou tomadas de assalto a ricana na área médica, se destaca a Special
posições inimigas. Na ocorrência de feridos, Operations Medical Association (SOMA).
o paramédico se deslocava até a vítima para Fundada em 1987, é uma associação especia-
prestar os primeiros socorros e garantir uma lizada formada por militares médicos, dentis-
possibilidade de sobreviver. Comumente tas, veterinários e paramédicos norte-ameri-
nos confrontos ocorriam mais de um ferido, canos, diretamente voltada para a formação e
fazendo com que o paramédico se deslocasse treinamento de Forças Especiais e Operações
entre um e outro durante o confronto. Esses Especiais Médicas e do socorrista combaten-
deslocamentos contavam apenas com a sorte, te. Sua missão é contribuir para a arte e a ci-
não sendo raro também se tornar mais uma ência na área de operações especiais médicas
baixa. Os soldados do Corpo de Saúde tinham por meio do desenvolvimento profissional
identificações exageradas, cruz vermelha e educacional. Atualmente, congrega civis,
sobre fundo branco, estampadas tanto bombeiros e policiais fornecendo espaço para
no capacete quanto na manga da gandola discussão, evolução, proposição de novos mé-
tornando-os um alvo visível. Somado a todos e meios de pesquisa, visando à redução

58 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


Fonte: http://www.traumamonkeys.com/homeblab/
O paramédico deve prestar os primeiros socorros ao ferido dentro da “hora de ouro”.

de morte em ambientes hostis. a formação do paramédico militar deixa de


Após estudos e pesquisas foram imple- seguir o protocolo do Advanced Trauma
mentadas mudanças radicais na formação Life Support (ATLS) e adota o protocolo do
atual do socorrista militar, tornando-o mais Tactical Combat Casualty Care (TCCC) pu-
eficiente. Essa mudança alterou o clássico blicado no Prehospital Trauma Life Support
modelo na formação do paramédico militar, (PHTLS). Dessa maneira, a formação do pa-
até então padronizada no meio civil, princi- ramédico militar passa a ser mais lógica e,
palmente quanto ao atendimento, desprezan- consequentemente, seu resultado supera em
do cobertura e procedimentos táticos básicos muito a metodologia anterior.
durante o confronto. Além desse fato, como Esse novo método ativou pesquisas de
descrito anteriormente, o paramédico militar novos materiais e equipamentos médicos e
era treinado nos padrões civis e o protocolo veterinários específicos para utilização no
utilizado era baseado no Advanced Trauma campo de batalha. A indústria de equipamen-
Life Support (ATLS). Atualmente, a ação do tos e materiais médicos desenvolveu apare-
socorrista militar está alicerçada no atendi- lhos portáteis e materiais como torniquetes,
mento ao ferido na área quente, no momento substâncias hemostáticas, expansor de volu-
do confronto, e acrescenta técnicas e táticas me, bandagens embaladas a vácuo, curativo
de combate na sua formação, como treina- oclusivo, talas flexíveis, agulha de descom-
mentos de assalto e defesa, atuação em regi- pressão torácica, embalagens hidrófobas e de
me de ausência de luz, lidar com ferimentos fácil e rápida aplicação, reduzindo o tempo
múltiplos, equipamentos limitados no campo no atendimento ao soldado ferido. Os apa-
de combate, risco de causar mais vítimas du- relhos portáteis visam mais aos hospitais
rante o atendimento, conhecimento de mano- de campanha e às viaturas de transporte
bras táticas, tempo maior para chegar ao hos- especializado, fornecendo ao ferido o su-
pital de campanha e grupos de combate com porte mais efetivo, como doações e transfu-
diferentes treinamento e experiência. Assim, sões sanguíneas imediatas, envio de dados

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 59


clínicos a um médico no hospital de campa- principalmente as que participaram da coa-
nha, orientação em tempo real ao enfermei- lizão no Afeganistão e no Iraque. As estatís-
ro, o procedimento e medicação necessários ticas mais conhecidas são as norte-america-
ao ferido durante o deslocamento, realiza- nas, pois nos outros países não há descrição
ção de procedimentos para manter a via aé- na literatura sobre suas experiências com
rea, entre outros. esse protocolo. As descrições na literatura
Seguindo as mudanças na formação dos norte-americana evidenciam que o protoco-
paramédicos militares, a nova atribuição lo de TC3 proporcionou aos seus soldados o
dos mesmos fez com que sua identificação menor índice de morte em combate de toda
no uniforme também sofresse adaptações sua história militar, com índices decrescen-
no sentido de camuflá-los. Antigamente tes de 19,1% na Segunda Guerra Mundial,
o paramédico militar era facilmente iden- 15,8% na Guerra do Vietnam e 9,4% no
tificado pelo emprego da clássica cruz, de Afeganistão e Iraque, Operation Enduring
cor vermelha sobre fundo branco, tanto no Freedom Afghanistan (OEFA) e Operation
capacete quanto na manga da gandola que Iraq Freedom (OIF), respectivamente.
o expunha demasiadamente em permeio à Eastridge et al, em 2012, observou que as
movimentação dos mortes de soldados
membros do GC, tor- Na ocorrência de norte-americanos em
nando-o alvo fácil e
um elemento que ge-
feridos, o paramédico se combate decorrentes
de hemorragia de ex-
ralmente denunciava deslocava até a vítima tremidade atingiram
a presença de solda- para prestar os primeiros os índices de 7,4% na
dos na área. Assim, a socorros e garantir Guerra no Vietnã e
identificação atual é uma possibilidade de de 7,8% nos primei-
bem discreta e em cor
semelhante ao uni-
sobreviver. Comumente ros anos das guerras
no Afeganistão e no
forme ou à cobertura nos confrontos ocorriam Iraque. Após a imple-
utilizada no capace- mais de um ferido, mentação pela OTAN
te. No exército dos fazendo com que o das recomendações
EUA, ao invés da cruz paramédico se deslocasse do TC3, notadamen-
nos uniformes, estão
sendo usadas as in-
entre um e outro durante te a difusão e treino
sobre o uso do torni-
sígnias PJ (parajum- o confronto. quete, esses índices
pers), Pararescueman caíram para 2,6%, no
[2], Corpsman [3], TCCC (Tactical Combat período entre 2001 e 2017.
Casualty Care), MED (Medic) ou DOC O TC3 é dividido em três objetivos e três
(Doctor) aplicadas preferencialmente no co- fases. Os objetivos correspondem a: tratar o
lete, na manga da gandola e/ou no capacete. ferido (treat the casualty), evitar mais baixa
Quando se opta pela cruz, seu tamanho é (prevent additional casualties) e comple-
discreto e possui cores semelhantes ao uni- tar a missão (complete the mission). As fa-
forme, ou seja, no caso norte-americano ge- ses correspondem a: socorro sob fogo (care
ralmente a cruz na cor marrom escuro so- under fire - CUF), cuidados táticos durante
bre fundo marrom claro. o atendimento (tactical field care - TFC) e
A consolidação do protocolo de TCCC cuidados na evacuação do ferido (tactical
ou TC3 foi proporcionada pela adoção do evacuation care - TACEVAC).
mesmo pela Organização do Tratado do Em relação aos objetivos, a prioridade
Atlântico Norte (OTAN), a partir de 2002. é tratar o soldado ferido dentro da
Nessa oportunidade, a OTAN adotou o denominada “hora de ouro”. Entretanto,
TC3 como padrão para as forças armadas, a nova formação e treinamento do

60 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


paramédico faz com que ele saiba qual é o com o primeiro atendimento, com a finalidade
melhor momento para agir sobre o ferido e de hemostasia e curativo oclusivo, se possível.
como deve fazê-lo. A exposição demasiada Às vezes, não há oportunidade do paramédico
de outrora foi substituída pela técnica chegar até o ferido, devido ao local que ainda
de combate. Essa ação, per si, já reduz a está sob fogo.
probabilidade de aumentar o número de A segunda fase, denominada cuidados
baixas no confronto e deve ser associada às táticos durante o atendimento, é determinada
técnicas de extricação [4], que estabelecem quando existe a oportunidade de atendimento
a proporção de extricação de um ferido sob cobertura ou barricado. Nesse momento,
por apenas um soldado. Este Soldado deve-se realizar rapidamente revisão de
continua em condições de empregar sua hemostasia, procura por outros ferimentos
arma mantendo o poder de fogo do GC. e prepararação do ferido para remoção.
Essas alterações somadas aumentam a Nessa preparação, caso haja necessidade e
probabilidade de um ferido em combate não oportunidade, o paramédico poderá realizar
colocar em risco o cumprimento da missão, traqueostomia alta, utilização de agulha
que é o terceiro objetivo do TC3. de descompressão torácica, flebotomia ou
Quanto às fases, a primeira, denominada ainda acessar via intraóssea, administrar
de socorro sob fogo (care under fire - CUF), coagulante ou solução expansora de volume,
corresponde ao atendimento no instante em evitar hipotermia, fazer analgesia, entre
que o soldado é ferido, devendo o paramédico outras intervenções.
militar avaliar a oportunidade de chegar ao A terceira fase, cuidados na evacuação
ferido, extricá-lo para barricar e prosseguir do ferido (Tactical Evacuation -TACEVAC)

complexo-do-alemao/baixa-em-combate-militar-atingido-durante-operacao-no-complexo-do-alemao/
Fonte:http://www.forte.jor.br/2010/11/26/baixa-em-combate-militar-atingido-durante-operacao-no-

O protocolo de TC3 também pode ser empregado em operações de cooperação e coordenação com agências.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 61


envolve a escolha do meio de remoção da área ou bombeiros militares que fazem o curso de
quente até o hospital de campanha. Fatores TC3, treinados para intervenção em locais
devem ser ponderados como local do confron- dominados. A primeira ação quando chegam
to, se urbano ou rural, quantidade de feridos, ao ferido é realizar a análise primária, mesmo
se a área está dominada ou não, entre outros. sabendo que estão em confronto e necessitam
A TACEVAC é subdividida em duas, dependen- barricar e proteger o ferido. Esse fato ocorre
do do tipo de viatura utilizada na remoção do com todos os paramédicos não militares em
ferido. Se a área ainda estiver sob hostilida- todo lugar, pois a memória muscular deles foi
de a viatura empregada na remoção deve ser moldada no atendimento em área domina-
uma de combate, neste caso sendo denomi- da. Quanto à extricação não é diferente, pois
nada de casualty evacuation (CASEVAC). Por treinam sempre a utilização de pranchas com
outro lado, se o ferido fixação para cabeça e
estiver grave ou a área Essas considerações corpo e empregam o
estiver dominada a
viatura empregada de-
sobre o Tactical Combat colar cervical. No TC3,
verá ser especializada Casualty Care TCCC- ( a prancha não é em-
e, nesse caso, a remo- TC3 ), hoje na sua 10ª pregada, pois não há
lugar para transportá-
ção será denominada edição, mudaram -la em um GC, além
medical
(MEDEVAC).
evacuation completamente o modus do que o importante é
Atualmente, não
operandi do paramédico sacar apenas um com-
só militares estão uti- militar, promoveu a batente para cada fe-
lizando o protocolo redução do número de rido para não reduzir
mais o poder de fogo
de TC3. Está cada vez mortos em combate e
maior seu emprego aumentou o poder de fogo da fração.
em forças policiais e Essas considera-
socorro civil, notada- do grupo de combate. ções sobre o TC3, hoje
mente nos EUA. Nos na sua 10a edição, mu-
cursos realizados é interessante destacar que daram completamente o modus operandi do
apesar do treinamento tático da equipe poli- paramédico militar, promoveu a redução do
cial, no momento em que se introduz um fe- número de mortos em combate e aumentou
rido no confronto, a equipe perde totalmente o poder de fogo do GC. Portanto, esse pode
a concentração ficando dispersa sem saber ser o momento ideal para completa análise
como proceder. Nesse momento, além da bai- do protocolo de TC3 nas Forças Armadas bra-
xa registrada, todos ficam expostos, pois a sileiras, pois essa mudança, já adotada pela
desorganização toma conta da equipe baixan- OTAN, deverá em futuro próximo ser implan-
do sua guarda e aumentando muito a chance tada na maioria das forças de defesa dos pa-
de novos feridos. Outro ponto se refere a civis íses aliados.

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71(5): 401-407.

NOTAS
[1] Trecho da Canção do Corpo de Saúde, letra e música de José dos Santos Rodrigues.
[2] Pararescueman: Paramédico pertencente a GC Paraquedista.
[3] Corpsman: Marinheiro ou fuzileiro naval americano com treinamento para fornecer os primeiros socorros e
tratamento médico básico em situações de combate. O Corpo de Fuzileiros Navais norte-americano é atendido
pelo serviço médico da Marinha dos EUA.
[4] Extricação é um termo muito utilizado em resgate, salvamento e medicina pré-hospitalar em geral. Extricar
significa: “retirar uma vítima de um local do qual ela não pode, ou não deve sair por seus próprios meios”. Rolar
uma vítima para a prancha longa, instalar um Kendrick Extrication Device (KED) ou um colar cervical são
manobras de extricação.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 63


OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS:
A NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO
COM AS DEMAIS CAPACIDADES
RELACIONADAS À INFORMAÇÃO
Coronel Fábio Ivar Cavalcante de Albuquerque

O Coronel de Infantaria Ivar é o Chefe da Seção de Preparo


e Avaliação da Divisão de Missão de Paz do Comando de de forma independente. O III Reich utilizou-
Operações Terrestres. Foi declarado aspirante-a-oficial em 1990 se da propaganda, desta vez de forma mais
pela Academia Militar das Agulhas Negras sistematizada, como sustentáculo para suas
(AMAN). Foi aperfeiçoado e pós-graduado conquistas.
(mestre) pela Escola de Aperfeiçoamento
de Oficiais (EsAO), estabelecimento de
A propaganda nazista serviu, então,
ensino onde foi instrutor. Serviu nos como modelo para o que, no futuro, viria a
33º, 34º e 72º Batalhões de Infantaria ser conhecido como Op Psc.
Motorizado, no 52º Batalhão de Tal tipo de atividade foi incorporada ao
Infantaria de Selva, na 1ª Companhia de Exército Brasileiro (EB) no final da década de
Infantaria e nos Comandos da 11ª Brigada
de Infantaria Leve (GLO), da 7ª Região
1960, tendo sido substituída pela comunicação
Militar/7ª Divisão do Exército e do Comando social por volta dos anos 80. A partir daí,
Militar do Planalto. Possui os cursos de Operações Aeromóveis, somente foi reincorporada às atividades
de Análise de Riscos em Grandes Eventos e o Avançado de militares no Brasil no início dos anos 2000.
Operações Psicológicas (ivarcavalcante67@gmail.com). Entretanto, todo o conhecimento de táticas,
técnicas e procedimentos, amplamente
A guerra psicológica tem sido empregada utilizados na campanha antissubversão,
desde os primórdios da humanidade. A foram esquecidos.
violência extrema foi a arma mais eficaz As Op Psc confundiam-se muito com a
utilizada pelos antigos exércitos. O medo comunicação social, acreditando em duas
foi o aliado mais poderoso dos persas, afirmações não tão verdadeiras: a primeira
romanos, cartagineses e mongóis, dentre dizia que a maioria das ações confunde-se
outros povos conquistadores. Sun Tzu, com a confecção de panfletos, filmes, cartazes
estrategista chinês, produziu o mais antigo e spots rádio; a segunda, que Op Psc é uma
documento conhecido abordando as questões arma não letal. As Op Psc, se bem empregadas,
que envolvem estratégias de campanha. podem ser uma das armas mais poderosas
Gêngis Khan foi outro chefe militar que se que qualquer exército pode possuir.
utilizou da imposição do medo para alcançar Devem, portanto, estar presentes nos
seus objetivos. No Brasil, Caxias foi o maior mais altos escalões envolvidos nos combates,
exemplo de comandante que entendeu de forma que um comandante possa utilizar-
a importância e soube bem empregar as se de qualquer meio disponível para obter
técnicas de Operações Psicológicas (Op Psc) resultados de cunho psicológico, considerando
[1]. os diversos outros aspectos diretamente
Durante a 1ª Guerra Mundial, as Op Psc relacionados com o princípio básico de
transformaram-se de simples instrumento atingir corações e mentes, no sentido de
eventual em um dos principais instrumentos mudar comportamentos. Assim, verifica-
militares. Já a 2ª Guerra Mundial foi se, na doutrina do EB, o reconhecimento
fundamental para o desenvolvimento das Op das possibilidades desse instrumento como
Psc, pois proporcionou ensinamentos como parte de um todo capaz de reduzir as perdas
o entendimento de que são integrantes de humanas e materiais, além de permitir a
uma função de comando, não podendo atuar obtenção de vantagens militares.

64 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


Emprego de alto-falante.

CONJUNTURA panorama social brasileiro vem impondo


O emprego das Op Psc vem conquistando desafios a essa incipiente estrutura. Entre
um significativo espaço de atuação na as questões mais desafiadoras estão a forma
conjuntura, em que a falta de liberdade de ideal de integração nos níveis estratégico,
ação para emprego de meios cinéticos é operacional e tático dos meios de Op Psi, além
uma realidade. As Op Psc, em um ambiente da sua interoperabilidade com as demais
informacional, empregam de forma silenciosa capacidades relacionadas à informação (CRI),
seus meios operativos na dimensão cognitiva como a inteligência, a guerra cibernética, a
(a mente humana), considerada uma das guerra eletrônica, entre outras. Algumas ações
mais importantes desse ambiente. A busca de devem ser visualizadas e adotadas para que ao
alteração de comportamentos, capacidade de longo da consolidação desse processo as Op Psc
percepção, julgamento e tomada de decisão de não se tornem o “elo mais fraco da corrente”.
públicos-alvo são as mais típicas formas de sua Verifica-se que o perfil das operações
atuação. militares em termos mundiais mudou
No EB, a atividade de Op Psi vem recebendo sensivelmente, se comparado ao de algumas
atenção especial nos últimos anos por meio décadas atrás. VISACRO apud CUNHA
do estabelecimento de base doutrinária, (2011, p.39-46) chama a guerra moderna
estruturação sistêmica, criação de funções e de guerra da era do conhecimento. Entre as
cursos, além da implantação de organizações diversas peculiaridades da guerra moderna
militares. apresentadas pelo pesquisador, devem ser
Recentemente, a dinâmica dos fatos do ressaltados:

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 65


- flexibilidade e mobilidade das pela mídia e pela opinião pública nacional
forças terrestres, que permitem o pronto e internacional, restringindo a liberdade de
desdobramento para atender contingências ação dos governos e das forças. Todo esse
específicas e situações de crise localizadas; contexto mostra que, cada vez mais, há uma
- ênfase na luta pelo apoio da população, baixa tolerância da opinião pública ao erro
ao invés de ênfase na aplicação do poder nas operações.
bélico convencional; Com isso, a atuação dos meios não cinéti-
- maior incidência de baixas entre os não cos, especialmente das capacidades que atu-
combatentes; am no ambiente informacional, das quais se
- batalhas predominantemente urbanas; destacam as Op Psi, têm recebido grande des-
- sobreposição, no tempo e espaço, dos taque em combate e até mesmo em operações
aspectos políticos, estratégicos, operacionais de não guerra,
e táticos, permeando toda a estrutura de co- Na dimensão informacional todas as in-
mando, até os menores escalões; formações são produzidas, coletadas, bus-
- destacada participação de atores não es- cadas, selecionadas, interpretadas, articula-
tatais, antes, durante e após o desdobramen- das, difundidas, utilizadas e armazenadas.
to das tropas; A dimensão informa-
- restrições legais As operações psicológicas cional é única, per-
para a aplicação do
poder de combate e
foram introduzidas, manente, dinâmica,
a pressão da opinião oficialmente, no Exército irregular, reflete con-
flitos de toda ordem,
pública induzem a Brasileiro, no ano de 2003,
afeta e é afetada di-
aplicação seletiva e com a criação da Brigada ferenciadamente por
precisa da capacidade
destrutiva com maior
de Operações Especiais. vários atores.
controle de danos e
Naquela ocasião, foi As atuações de
redução dos efeitos criado o Destacamento de
nossas forças em cada
colaterais; Operações Psicológicas, uma se
das dimensões
complementam
- indefinição dos embrião do atual 1º e convergem para a
limites temporais do
início e término do
Batalhão de Operações promoção de efeitos
conflito, e indefinição de Apoio à Informação (1º no espaço de batalha.
do campo de batalha BOAI). Esses efeitos, em con-
(ausência de limites); junto, levam ao efeito
e final desejado (EFD).
- operações no amplo espectro: operações A dimensão informacional é, em si, também
ofensivas, operações defensivas e operações um campo de batalha.
de cooperação e coordenação com agências,
além das operações complementares de inte- AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS NO
ligência, especiais, de guerra eletrônica, de EXÉRCITO BRASILEIRO
informação, de comunicação social, de assun- Durante a 2ª Guerra Mundial, as Op Psc
tos civis, de assistência humanitária etc. se firmaram como um dos instrumentos
O componente cognitivo (a mente) dos relevantes no teatro de operações. Embora se
atores envolvidos nesses cenários é um saiba de sua utilização em períodos históricos
aspecto crítico para o sucesso das operações remotos, foi nesse grande conflito que seu uso
militares. As distâncias ficaram muito foi plenamente difundido tanto pelos aliados
menores, a agilidade das forças, muito maior. como por seus inimigos, destacando-se a
Em contrapartida, a tecnologia permitiu o larga utilização de transmissões radiofônicas,
acompanhamento das ações em tempo real distribuição de panfletos e folhetos.

66 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


As Op Psc foram introduzidas, Dessa forma, o Destacamento de Operações
oficialmente, no EB, no ano de 2003, com a Psicológicas passou a receber tarefas do
criação da Brigada de Operações Especiais. Comando do Exército muito parecidas com
Naquela ocasião, foi criado o Destacamento aquelas atribuídas ao Centro de Comunicação
de Operações Psicológicas, embrião do atual 1º Social do Exército (CCOMSEX), tais como
Batalhão de Operações de Apoio à Informação confeccionar slogans, fazer cartazes e banners
(1º BOAI). Entretanto, tal atividade recebeu etc.
um caráter tático e o batalhão especializou-se Mas as Op Psc realizam atividades distin-
na confecção de produtos de propaganda, tais tas da comunicação social. Os militares que as
como spots rádio, cartazes, banners e filmetes conduzem devem ser preparados, não somente
promocionais, atividades publicitárias, com tecnicamente, mas, principalmente, psicologi-
viés muito mais próximo da comunicação camente e seu nível de comprometimento com
social do que das Op Psc. sua missão deve ser o máximo possível.
Outro fator a ser conside-
rado é que a simples confec-
ção de um produto ou disse-
minação do mesmo não deve,
necessariamente, ser realiza-
do por militares especializa-
dos, mas sim pela tropa que
opera no local ou mesmo por
meios não militares, cabendo
ao operador psicológico o pla-
nejamento e a criação desse
produto.
Atualmente, o EB tem
procurado desenvolver com
mais profundidade as bases
doutrinárias das Op Psc, vi-
sando ao aprimoramento des-
sa atividade, tanto em tem-
Cartazes esclarecendo a população local no Haiti.
po de paz como de guerra.
O assunto, antes inserido na
O Destacamento de Operações Psicológicas esfera do Sistema de Comunicação Social do
passou a operar de forma desconexa àquela Exército (SISCOMSEX), sob responsabilidade
estabelecida por sua grande unidade. Da do CCOMSEX, passou a ter no Comando de
mesma forma, o EB passou a considerar as Op Operações Terrestre (COTER) seu órgão cen-
Psc como uma espécie de comunicação social tral e a consequente criação do Sistema de
operacional. Operações Psicológicas do Exército (GILSON,
Tal fato se deveu ao conhecimento adquiri- 2006).
do por militares que realizaram cursos na área A ênfase das atividades de Op Psc tem
de Op Psc em outros exércitos. Entretanto, de- sido voltada para o desenvolvimento de
ve-se destacar que Op Psc são atividades extre- produtos destinados aos diversos públicos-
mamente sensíveis e nenhum exército passa- alvo envolvidos em um conflito, procurando
ria tal conhecimento a militares estrangeiros. definir ações sobre a população, ações sobre
Assim, os ensinamentos reservados não foram o adversário e ações sobre nossas tropas,
adquiridos por aqueles militares, que trouxe- durante o conflito, o que de certa forma
ram de suas empreitadas apenas o conheci- privilegia as Op Psc de nível tático. Entretanto,
mento ligado ao ramo da comunicação social. deve ser considerada a necessidade de estudos

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 67


prévios para identificar as vulnerabilidades AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS NO
desses públicos, que poderão ser aproveitadas EXÉRCITO DOS ESTADOS UNIDOS
para facilitar a manutenção ou a mudança de O Exército dos Estados Unidos da América
atitudes. (EUA) possui uma estrutura integrada
“A propaganda é a grande ferramenta das Op de forma a atuar em proveito não só do
Psc, mas não se deve confundi-la com a propaganda
do tipo comercial, já que enquanto esta visa Exército, mas também da política nacional.
basicamente a influir na opção de compra de um MONTENEGRO (2002) acrescenta que essa
produto, aquela procura influir em convicções maneira de atuar foi incorporada após ser
mais profundas, tal como a decisão de abandonar testada em campanha:
a luta e render-se.” (Manual de Campanha C45-4 “[...] a doutrina de emprego do exército
OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS, 1999) americano foi testada em combate com grande

Soldado americana fazendo rapport [5] com mulher afegã, durante ACISO.

68 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


eficiência e eficácia nos últimos conflitos de do Afeganistão; porém sob um novo enfoque,
baixa e média intensidade. Atualmente, as menos agressivo e de caráter não clandestino.
Op Psc são empregadas para apoiar a política
nacional e em apoio às operações militares,
O uso de filmes, panfletos e cartazes, aliados a
por meio de uma estrutura integrada em todos ações militares e diversas outras ações, dentro
os níveis”. e fora dos campos de batalha, deram às Op
Psc lugar de destaque nos conflitos do século
As Op Psc tiveram seu auge na década de XXI, fazendo desse tipo de operação uma das
1950, durante a Guerra Fria, com as chama- mais importantes a serem desenvolvidas, em
das Black Ops, operações clandestinas desen- todas as fases da guerra moderna.
volvidas pela Agência Central de Inteligência EVANS IV detalhou da seguinte forma o
dos EUA (CIA) ao redor do mundo. Equipes Sistema de Op Psc dos EUA :
de Forças Especiais eram infiltradas em paí- “O Exército dos Estados Unidos mantém
ses politicamente instáveis, de forma a criar unidades de Op Psc integradas por militares
e civis, componentes da ativa e da reserva,
condições para a obtenção de apoio popular,
em condições de planejar e conduzir as
voltado para a manutenção de regimes capi- Op Psc. Esses especialistas são adestrados
talistas ou o surgimento de guerrilhas anti- para assessorar os comandantes e altos
comunistas. Um exemplo clássico foi o apoio funcionários do governo no processo decisório,
norte americano aos talibãs, no Afeganistão, apoiar exercícios de treinamentos das
forças militares, realizar o aconselhamento
durante a ocupação soviética.
e a ajuda às forças amigas e às agências
Nessa ocasião, uma intensa campanha governamentais, bem como prestar o apoio
anticomunista foi executada em todo o mun- aos planejamentos operacionais das tropas
do. A indústria do cinema lançou diversos apoiadas, inclusive realizando o levantamento
filmes demonizando os comunistas; toda a do impacto psicológico em uma determinada
área operacional [...] O USSOCOM integra o
mídia foi mobilizada; e alguns políticos, a Comando de Op Esp do Exército, Marinha e da
exemplo de Joseph McCarthy [2], utilizaram- Força Aérea, existindo também um Comando
se desse fenômeno de forma tão intensa que Combinado, que integra as Forças Singulares”.
deram início à chamada “Caça às Bruxas” e ao (Evans IV 1998)
Macartismo [3].
Os EUA desenvolveram operações de Na estrutura das Forças de Op Psc dos
apoio aos “contras”, no Irã, com o envio de ar- EUA, dentro do Departamento de Defesa
mas e suporte financeiro e o amplo emprego dos Estados Unidos, o Exército desempenha
de forças especiais. Uma vez descoberto o es- o papel militar básico nas Op Psc, devido a
quema, houve uma crise política, que abalou sua base de treinamento, as missões que lhe
consideravelmente o governo do Presidente são atribuídas e o maior número de forças
Ronald Reagan. No episódio, a culpa foi atri- atuantes.
buída ao Ten Cel Oliver North [4], que assu-
miu a responsabilidade diante do congres- PROPOSTAS PARA UMA INTEGRAÇÃO
so americano, livrando, assim, o Presidente SISTÊMICA
Reagan.
Propõe-se, inicialmente, a criação de um
Desde então, as Op Psc têm sido realizadas
Centro de Operações de Informação, respon-
de forma menos agressiva, utilizando-se de
sável, no que se refere às Op Psc, pela padro-
técnicas de propaganda, com o objetivo não
só de obter o apoio da população residente nização de ações e procedimentos, planeja-
nas áreas de conflito, mas também de elevar o mento e emprego do 1o BOAI, elaboração de
moral das forças aliadas e reduzir a capacidade doutrina, ensino e instrução da atividade,
de combate do inimigo. Seu emprego tem coordenação com as atividades de comando
sido mais sistematizado; e o uso de ações e controle (C2) da Força Terrestre (F Ter), e
clandestinas, reduzido consideravelmente. demais atividades de integração. O atual ar-
As ações psicológicas foram amplamente ranjo organizacional das Op Psc no EB pre-
utilizadas nas guerras do Golfo, do Iraque e vê o COTER, por meio da 4ª Subchefia, como

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 69


o órgão central da atividade no âmbito da destacamentos realizam, durante opera-
Força, criada com a finalidade de implantar ções reais e adestramentos, o apoio aos C
e coordenar as atividades de Operações de Mil A de forma episódica, ao longo de cur-
Informação (Op Info) no EB. Influem direta- tos períodos. Essa prática é incompatível
mente nessa situação a necessidade de maior com a efetividade dos efeitos buscados na
escala no desenvolvimento e padronização de ações psicológicas. Como forma de mitigar
sua doutrina e a necessidade da centraliza- a situação apresentada, é interessante a
ção das atividades de ensino (curso básico possibilidade de aumentar a quantidade de
e curso avançado de Op Psc). Esses aspec- DOAI no 1º BOAI, de forma a possibilitar
tos, por si, já justificariam a criação de um um apoio mais efetivo e duradouro desses,
órgão central para a coordenação e im- ou então a criação desses destacamentos
plementação das atividades, como forma orgânicos nos C Mil A, com capacidade de
de otimizar a aplicação dos meios para as trabalhar integrado às suas Companhias de
atividades de coordenação, ensino e ope- Inteligências.
rações. Entende-se que seria ponderável a As Op Psc devem ser plenamente in-
criação de um centro tegradas às Op Info
que agregasse não
só as atividades de
A integração das e às demais capaci-
dades da F Ter, ou
Op Psc, mas também operações psicológicas às seja, não pode ja-
todas aquelas con- operações de informação mais haver Op Psc
sideradas capacida- e às demais capacidades desconectadas, nos
des relacionadas à da Força Terrestre, diversos escalões,
informação.
Propõe-se tam-
inseridas no contexto do conjunto das ope-

bém a criação de das operações conjuntas rações, e dos outros


elementos partici-
destacamentos de e interagências, em face pantes, no âmbito
operações psicoló- dos cenários apresentados do EB. Atualmente,
gicas nos comandos demonstra que somente em face dos cenários
militares de área (C
Mil A), dotados de
essa integração com apresentados no iní-
pessoal e material todos esses meios trará cio do presente ar-
adequados às ativi- resultados decisivos no tigo, não há sentido
de se falar em Op
dades nas suas res- combate moderno. Psc sem a integração
pectivas áreas de
com a inteligência e
responsabilidade. As
atividades de Op Psc, atualmente, necessi- com as demais capacidades relacionadas
tam também de melhor dimensionamento à informação, da mesma forma como não
dos meios (há uma sobrecarga das poucas existem forças singulares isoladas em ope-
equipes existentes no 1º BOAI), além da rações conjuntas no escalão operacional.
necessidade do maior refinamento de suas Somente atividades integradas e comple-
técnicas, táticas e procedimentos. Há, nos mentadas entre as capacidades podem ofe-
C Mil A, uma carência de meios em suporte recer uma efetiva resposta à complexidade,
às Op Psc e a falta de um “braço executi- ambiguidade e fluidez da guerra moderna.
vo” (elementos especializados e capacita- Há que se destacar também a importância
dos para operar com o sigilo e a técnica das tarefas de monitoramento, vigilância,
necessária). Ao longo do desenvolvimen- análise e predição em suporte às Op Psc.
to das Op Psc no EB foram empregados Esse tipo de atividade requer uma estru-
os destacamentos de Operações de Apoio tura tecnológica complexa e abrangente.
à Informação (DOAI) do 1º BOAI. Esses Esse tipo de atividade envolve o emprego

70 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


de meios de tecnologia da informação em de inteligência e ao emprego de técnicas,
estado da arte e o emprego de mão-de-obra táticas e procedimentos não convencionais,
extremamente especializada. Certamente a ausência de integração é inimaginável.
não é uma atividade que se realiza com Sobre as atividades de análise e predi-
“lápis e papel”. No conjunto de atividades ção, destacam-se a capacidade de empre-
relacionadas à informação devem ser des- go de técnicas estatísticas, entre outras,
tacadas as tarefas relacionadas ao sensoria- para a identificação e acompanhamento
mento, ao processamento e à atuação dos de padrões, inclusive com a aquisição de
meios. Nas Op Info essas atividades não são ferramentas específicas e desenvolvimen-
realizadas por atores específicos. Pode-se to de metodologia e parâmetros próprios;
verificar em uma determinada operação a e a adoção de um sistema de medição efi-
realização das atividades de vigilância e re- ciente (emprego de indicadores-chaves em
conhecimento, de processamento/análise e operações).
da atuação sobre alvos por especialistas de Em suma, somente uma integração das
Guerra Cibernética ou Guerra Eletrônica, Op Psc com todos esses meios trará resulta-
ou por membros de DOAI, como também de dos decisivos no combate moderno. Não dá
Operadores de Forças Especiais. para falar de superioridade de informações
Para as Op Psc, uma das atividades re- sem a integração desse ferramental relacio-
lacionadas à vigilância e ao reconhecimento nado às Op Psc.
são as operações com câmeras de combate
(Op Com Cam), atividade especializada que CONCLUSÃO
vem obtendo consideráveis resultados em A guerra sempre teve um componente
outros países. Nessa atividade as operações psicológico que foi explorado com muita
são acompanhadas em tempo real por equi- eficiência pelos principais líderes da
pes de especialistas dotados de câmeras e história antiga.
outros acessórios, com a finalidade da pro- Nos últimos anos, muito se tem falado
dução de imagens próximas à atuação das a respeito do emprego das Op Psc como
forças. A integração entre as Op Com Cam nova forma de apoio para a conquista
e as Op Psc é de vital importância para as de objetivos, tanto em conflito como em
operações militares, uma vez que, em de- tempo de paz. Nessas situações, é possível
terminadas circunstâncias, essas imagens, encontrar atividades oriundas, dos mais
trabalhadas com técnicas de Op Psc, pode- diversos matizes, apontadas como sendo o
rão por si mesmas colaborar com a mudan- desencadeamento de Op Psc.
ça da percepção de públicos-alvo. As Op Psc A conquista de “corações e mentes”
do EB tiveram a oportunidade de empregar passou a ser o lema das Op Psc em todo
essas técnicas de Com Cam em operações o mundo, deixando as mesmas de serem
reais no Haiti, contando com a colaboração executadas empiricamente, para se adotar
de elementos de guerra eletrônica. uma metodologia específica, que possibilitou
Não se deve esquecer também do va- a abertura de um novo horizonte a ser
lioso suporte de informações da inteligên- explorado na arte da guerra moderna.
cia. Não se pode imaginar que deve haver Por sua vez, o EB, após ter olvidado
mudanças sobre a responsabilidade de pro- o assunto por décadas, tem procurado,
dução e análise de fontes de informação, nos últimos anos, estabelecer as bases
atividade tradicional da inteligência mi- doutrinárias das Op Psc, bem como
litar. Nas Op Psc ocorre a prevalência das desenvolver esforços que facilitem o
ações não convencionais (cinzas e negras) planejamento e emprego desse instrumento
sobre as convencionais (brancas). Durante de apoio ao combate. Tais esforços incluem,
as suas missões, que normalmente envol- dentre outros, a necessidade de definição a
vem ampla necessidade de acesso a dados respeito das responsabilidades e atividades

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 71


a serem desenvolvidas pelos seus níveis A integração das Op Psc às Op Info e
de atuação, a saber: político, estratégico, às demais capacidades da F Ter, inseridas
operacional e tático. no contexto das operações conjuntas
As Op Psc devem, portanto, estar e interagências, em face dos cenários
presentes nos mais altos escalões envolvidos apresentados demonstra que somente essa
nos combates, de forma que um comandante integração com todos esses meios trará
possa utilizar-se de qualquer meio disponível resultados decisivos no combate moderno.
para obter resultados de cunho psicológico, Assim, verifica-se, na doutrina militar
considerando os diversos outros aspectos terrestre, o reconhecimento das possibili-
diretamente relacionados com seu princípio dades desse instrumento como parte de um
básico: atingir corações e mentes, no sentido todo capaz de reduzir as perdas humanas e
de mudar comportamentos. materiais, além de permitir a obtenção de
O assunto é complexo. As atividades de vantagens militares. Tal assertiva vai ao en-
Op Psc, atualmente, necessitam também de contro dos ensinamentos de Sun Tzu, que
melhor dimensionamento dos meios, além da disse: “Lutar e vencer todas as batalhas não
necessidade do maior refinamento de suas é glória suprema. A glória suprema consis-
técnicas, práticas e procedimentos. Esses te em quebrar a resistência do inimigo sem
aspectos justificam a criação de um centro lutar.”
para a coordenação e implementação das Por outro lado, deve-se reconhecer
atividades de Op Psi, inseridas no contexto que a adoção pura e simples de soluções
das Op Info. pragmáticas, embora sejam sempre
Outra proposta já mencionada é a tentadoras, podem não ser suficientes. Ao
criação de destacamentos de operações se enfatizar a complexidade como ponto
psicológicas nos C Mil A, para atender à de partida para o estudo dos aspectos
crescente demanda e trabalhando integrados motivacionais do ser humano, procura-se
aos órgãos de inteligência, por tratarem de evitar as soluções padronizadas com base no
assuntos sensíveis. cartesianismo.

REFERÊNCIAS
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______.Estado-Maior do Exército. C 45-4: Operações Psicológicas. 3. ed. Brasília, DF, 1999
BROOKS Jr, Paul R.M. Uma visão de Op Psico na era da Informação. Military Review Brazilian, Kansas, v. 81, n. 2,
p. 32-35, 2001
DAMASCENO, Filadelfo Reis. Caxias e as Op Psicológicas. Revista Defesa Nacional, Rio de Janeiro, n. 732, jul. / ago.
1987.
ESTADOS UNIDOS. PSYCHOLOGICAL Operations: FM 33-1. Washington, D.C., 1993.
EVANS IV, Thomas Hamilton. O emprego das operações psicológicas em apoio às operações especiais. 1998.
Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro,
1998.
GUERRA, José Arnon dos Santos. As Operações Psicológicas no apoio ao combate ao crime organizado na cidade
do Rio de Janeiro: Uma proposta. Trabalho de Conclusão de Curso (Altos Estudos Militares) – Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2004.
LINERBAGER, Paul M. A. A Guerra psicológica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1962.
MONTENEGRO, Pedro Celso Coelho. O emprego das Operações Psicológicas nas hipóteses de emprego
prioritárias do Exército Brasileiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Altos Estudos Militares) – Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2002.
OLIVEIRA, Clynson Silva de .Operações Psicológicas no Exército dos Estados Unidos: Uma Descrição Analítica.
In:Seminário de Operações Psicológicas do Ministério da Defesa.Abril de 2006.Goiânia.
OLIVEIRA, Gilson Passos da. A Integração das Operações Psicológicas Estratégicas com as Táticas. Trabalho
de Conclusão de Título de Mestrado em Ciências Militares – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de
Janeiro, 2006.
VISACRO, Alessandro. O desafio da transformação. Military Review. Edição Brasileira. Pag. 46-55, 1º de março
de 2011.

72 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


NOTAS
[1] O MD35-G-01 Glossário das Forças Armadas define Operações Psicológicas como operações que incluem as
ações psicológicas e a guerra psicológica e compreendem ações políticas, militares, econômicas e psicossociais
planejadas e conduzidas para criar em grupos - inimigos, hostis, neutros ou amigos - emoções, atitudes
ou comportamentos favoráveis à consecução de objetivos nacionais. São ainda procedimentos técnico-
especializados, operacionalizados de forma sistematizada para apoiar a conquista de objetivos políticos ou
militares e desenvolvidos antes, durante e após o emprego da força, visando a motivar públicos-alvos amigos,
neutros ou hostis a atingir comportamentos desejáveis.
[2] Joseph Raymond McCarthy (1908 a 1957) foi um político norte-americano, senador do Estado de Wisconsin
entre 1947 e 1957. Graduou-se em Direito em 1935 e em 1939 foi eleito o mais jovem juiz da história do estado.
Aos 33 anos, McCarthy inscreveu-se como voluntario no Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos e serviu
durante a Segunda Guerra Mundial. Em fevereiro de 1950 McCarthy subitamente se destaca no cenário nacional
ao afirmar em um discurso que tinha uma lista dos “membros do Partido Comunista e dos membros de uma rede
de espionagem” empregados dentro do Departamento de Estado Norte Americano. Devido as tensões da Guerra
Fria que alimentaram temores de subversão comunista generalizada, a declaração de McCarthy o transformou
na figura pública mais visível. Passou a ser conhecido por suas declarações de que havia um grande número de
comunistas, espiões soviéticos e simpatizantes dentro do governo federal norte-americano.
[3] Macartismo é um termo que se refere à prática de acusar alguém de subversão ou de traição sem respeito
pelas evidências. Caracteriza-se por uma acentuada repressão política aos comunistas, assim como por uma
campanha de medo à influência deles nas instituições estadunidenses e à espionagem por agentes da União
Soviética.
[4] Oliver Laurence North (1943 ...) é um ex coronel dos fuzileiros navais dos Estados Unidos. Atualmente é um
comentarista político conservador, apresentador de televisão, historiador militar e autor de livros. Foi membro
do Conselho de Segurança Nacional nos anos 80 e ficou notório por sua participação no Caso Irã-Contras. O
escândalo envolvia ajuda clandestina na forma de venda de armas à República Islâmica do Irã, para tentar
conseguir a soltura dos reféns americanos no Líbano. Oliver North também formulou segunda parte do plano,
que envolvia a venda de armas em apoio aos rebeldes Contras na Nicarágua. Mais tarde ele passou a escrever
livros e contribuir com aparições na rede de televisão conservadora Fox News, onde chegou a ter um programa
próprio.
[5] Rapport é um conceito originário da psicologia que remete à técnica de criar uma ligação de empatia com
outra pessoa. O termo vem do francês rapporter, cujo significado remete à sincronização que permite estabelecer
uma relação harmônica.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 73


PATRULHAS: EXPERIÊNCIAS OBTIDAS
NA MINUSTAH
Capitão Brivaldo Luiz Lopes Silva

O Capitão de Infantaria Brivaldo é instrutor do Centro auxílio internacional, incluindo autorização


de Preparação de Oficiais da Reserva do Recife. Foi declarado para a entrada de tropas militares no Haiti.
aspirante-a-oficial em 2005 pela Academia Militar das De acordo com o pedido, o Conselho
Agulhas Negras (AMAN). Possui os cursos
de Segurança adotou a Resolução 1529,
de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO),
Básico Paraquedista, de Mestre de Salto desdobrando no Haiti a Multinational
e de Polícia do Exército. Na Marinha Interin Force (MIF), no período de março a
do Brasil, realizou o Curso Expedito de junho de 2004, que antecedeu a MINUSTAH,
Operações no Pantanal no Grupamento
com integrantes de tropas norte-americanas,
de Fuzileiros Navais de Ladário.
Serviu no 14o Batalhão de Infantaria canadenses, chilenas e francesas.
Motorizado, no 27o Batalhão de Infantaria A MINUSTAH foi criada em 30 de abril
Paraquedista e no 4o Batalhão de Polícia de 2004, por meio da Resolução 1532, do
do Exército. Integrou o 23o Contingente do
Conselho de Segurança da Organização
Batalhão Brasileiro de Força de Paz (BRABAT) da Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) em das Nações Unidas (ONU), contando com
2016 (brivaldoluiz@hotmail.com). aprovação das autoridades haitianas, em
virtude dos acontecimentos internos do Haiti
Antes do tema em tela ser abordado, é que colocaram em risco a paz e a segurança
imprescindível uma contextualização sobre a em âmbito regional.
Missão das Nações Unidas para Estabilização A Resolução 1532, que está sob a égide do
no Haiti (MINUSTAH). Capítulo VII da Carta da ONU, autorizou o uso
Nas eleições presidenciais e parlamenta- da força letal para situações além da legítima
res de 2000, a oposição e a comunidade in- defesa própria e de terceiros, demonstrando
ternacional contestaram os resultados e acu- a necessidade de se fazer cumprir o Mandato
saram o governo haitiano de manipulação do da ONU. Chamadas de Operações de Paz
pleito, cuja vitória era reivindicada pelo então Robustas, com aspecto multidimensional, são
presidente Jean-Bertrand Aristide e seu par- constituídas de agências civis e componentes
tido, mesmo com um comparecimento exíguo policial e militar, atuando de maneira
da população nos locais de votação, girando integrada.
em torno de apenas 10%. A oposição começou O presente artigo é enriquecido por
a ser reprimida pela Polícia Nacional Haitiana informações extraídas dos relatórios finais
(PNH), bem como por grupos armados ilegais. de diversos contingentes, bem como pelas
Ao final do ano de 2003, a oposição se experiências de seus integrantes.
uniu e passou a reivindicar a renúncia do
presidente e, no início de 2004, um conflito PATRULHAS
armado foi desencadeado na cidade de As patrulhas são essenciais, desde que
Gonaíves e se espalhou por outras cidades, adequada e oportunamente planejadas e exe-
liderado por ex-membros das Forças Armadas cutadas, pelo fato de proporcionarem impor-
Haitianas. tantes vantagens ao comando. O preciso re-
A oposição armada ameaçou invadir a lato de tudo o que ocorra durante a execução
capital haitiana, provocando a saída do país de uma patrulha, bem como a presteza de re-
do Presidente Aristides, em 29 de fevereiro. messa dos relatórios ao escalão superior, pro-
Em consequência, o presidente da Suprema porcionará ao comandante tempo útil para
Corte foi nomeado presidente interino e pediu decidir com base nas informações recebidas.

74 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


a vantagem de poder
atuar em áreas ina-
cessíveis às patrulhas
motorizadas, por ra-
zões meteorológicas
ou topográficas. Por
este motivo, somente
a patrulha a pé tem
condições operacio-
nais para atender às
mais diversas situa-
ções nas operações de
paz. Em áreas edifi-
cadas, quando as con-
dições de segurança
permitirem, será van-
tajoso empregar pa-
No contexto das operações de paz, as trulha a pé. Isso per-
finalidades de uma patrulha são, entre outras: mitirá um melhor contato com a população,
confirmar ou supervisionar trégua de cessar- o que é de grande importância para todas as
fogo, obter informações, controlar áreas que operações da ONU. O contato amistoso com
não possam ser cobertas pelos postos de os moradores locais pode, também, resultar
observação, manifestar a presença da força de em informes que deverão ser analisados por
paz, proporcionar segurança à comunidade, elementos de inteligência e poderão trazer
inspecionar áreas, de forma a prevenir grandes contribuições para as operações.
infiltrações, e detectar minas, explosivos, As patrulhas motorizadas mais bem
vigiar fronteiras ou limites, proporcionar empregadas nas seguintes situações: efetivo
ligação física entre postos de observação e reduzido, área de responsabilidade (area of
posições isoladas, interpor-se entre facções responsibility - AOR) extensa e necessidade
em pequenos conflitos localizados, evitando de rapidez na obtenção de informes. Na
confrontações, e garantir a livre circulação de comparação com as patrulhas a pé, as
pessoas e de bens. patrulhas motorizadas apresentam algumas
Na MINUSTAH, foram executados vários vantagens como maior mobilidade, maior área
tipos de patrulhas, dos quais merecem de atuação, maior número de patrulhas num
destaques as patrulhas a pé, motorizadas, curto intervalo de tempo, maior alcance e
mecanizadas, aquáticas, helitransportadas, segurança nas comunicações, proporcionados
de longo alcance e conjuntas. pelas características dos equipamentos-
Com relação às patrulhas a pé, elas rádio e antenas veiculares, facilidade de
apresentam várias limitações em comparação atuação nos períodos noturnos e de baixa
com as patrulhas motorizadas, como a redução visibilidade, em razão do uso de faróis e
na flexibilidade do emprego, no alcance holofotes instalados nas viaturas da ONU.
operacional, na capacidade de transporte e As patrulhas motorizadas sofrem limitações
na capacidade de comunicações. Isso fica devido às características do terreno,
patente quando se considera que as áreas condições climáticas e meteorológicas,
atribuidas a uma unidade de força de paz são características das viaturas e a existência de
muito mais extensas do que as áreas que lhe obstáculos como valas, carcaças de veículos
são atribuidas nas operações de guerra. queimados e lixo, que demandam trabalhos
A patrulha a pé, apesar da sua limitação de engenharia no local dos mesmos. Sua maior
em relação ao alcance, tem, em contrapartida, limitação é mais psicológica do que física,

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 75


em tempo real, de poder
ser utilizado em áreas de
risco ou nas situações em
que não haja permissão
para o voo. Em relação às
patrulhas motorizadas, a
patrulha aérea apresen-
ta a vantagem de cobrir
uma área maior num me-
nor intervalo de tempo
e permitir a observação
em elevações e áreas de
difícil acesso. Contudo
apresenta as seguintes li-
mitações: suscetibilidade
a condições climáticas e
meteorológicas adversas,
restrições impostas por
algumas das partes em
conflito, especialmen-
te quando há constantes
ameaças de guerra aérea
e antiaérea, restrições de
impulsionados pela monotonia e tendência ao altitude para o voo impostas pela ONU para
sono, particularmente nos períodos noturnos não comprometer a segurança das aeronaves,
e chuvosos. Para ser produtiva na coleta restrições de voo em virtude da possibilidade
de dados, em certos pontos de observação, de interferência com o tráfego aéreo civil, di-
a patrulha deve parar a viatura, desligar ficuldades no estabelecimento e manutenção
o motor e prosseguir na missão a pé. Isto é de redes de comunicação terra-ar.
particularmente importante durante períodos As patrulhas helitransportadas se consti-
de visibilidade reduzida. Os locais escolhidos tuem num importante meio para o comando
para observação, frequentemente, devem ser intervir no combate, possibilitando o deslo-
mudados e o tempo de observação variado. camento de tropas para lugares longínquos e
Levando em consideração que as tropas de difícil acesso. No entanto, ficam restritas
em operações de paz geralmente possuem à capacidade da aeronave, aos locais de pou-
veículos blindados de transporte de tropa so adequados, além de possuírem as mesmas
(VBTP), as patrulhas mecanizadas são muito restrições das patrulhas aéreas. Após o de-
úteis em área de risco, por proporcionarem sembarque da aeronave, seguem os mesmos
maior proteção devido à proteção blindada preceitos das patrulhas a pé.
e ação de choque, produzindo um excelente Além das missões acima descritas, as
efeito dissuasório em toda a região patrulhada. aquavias são percorridas pelas patrulhas flu-
As patrulhas aéreas podem ser emprega- viais, lacustres, ribeirinhas e maritimas, que
das para confirmar informes provenientes de empregam botes de assalto para reconhecer,
fontes terrestres. Conforme a disponibilidade, conquistar ou manter o controle dessas áre-
pode-se lançar mão de meio aéreo não tripu- as. Sempre que possível, essas patrulhas de-
lado, guiado a distância por controle remoto vem ser coordenadas com o reconhecimento
que, dotado de câmera de vídeo, pode substi- aéreo. Suas principais vantagens são: maior
tuir o ser humano, reduzindo o risco de per- velocidade, raio de ação, capacidade de carga
das. Apresenta as vantagens de obter dados e poder de combate, além de proporcionarem

76 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


um menor desgaste físico aos homens. entendimento da missão a ser cumprida
Entretanto, as patrulhas ribeirinhas apre- passou necessariamente pela compreensão
sentam como desvantagens: a canalização do do conceito de Operação de Manutenção de
movimento em função dos cursos de água e Paz Robusta, reforçando a necessidade de se
lagos existentes, a maior vulnerabilidade às prover à tropa maiores esclarecimentos sobre
vistas e fogos da força adversa e a dependên- o tema, principalmente as condicionantes
cia da disponibilidade de botes, que podem para o uso da força letal, uma vez que agora
comprometer o sigilo pela utilização do mo- as ações da tropa estavam regidas pelo
tor de popa. Capítulo VII da Carta da ONU, autorizando o
As patrulhas de longo alcance conseguem uso da força letal para além da defesa própria
obter mais dados pela melhor cobertura ou de terceiros. Por exemplo, no desbloqueio
da área, além da combinação de tarefas de estradas ou defesa de instalações da ONU.
realizadas de acordo com a situação, Os primeiros contingentes sofreram
prevenindo infiltrações. os impactos desta transformação, pois o
As patrulhas conjuntas são comuns treinamento recebido no Brasil não enfatizava
no contexto das operações de paz, sendo este aspecto.
integradas por elementos dos componentes O Comandante do Pelotão de Polícia do
militar e policial, podendo, ainda, contar com Exército que integrou o 2o Contingente, no
a participação de agências civis. período de dezembro de 2004 a junho de 2005,
relatou que o ambiente era bastante inseguro.
PATRULHAS NA MINUSTAH Era normal a patrulha escutar disparos com
Para facilitar o entendimento da atuação armas de fogo e ver corpos abandonados na
das patrulhas, a participação brasileira na rua. Existiam muitas milícias, sendo difícil
MINUSTAH pode ser dividida em 4 (quatro) saber quem era da PNH e quem era milicia-
períodos distintos, a saber: no, pois ambos utilizavam uniforme da PNH.
Diferentemente do que passou a ocor-
rer em periódo posterior, os oponentes não
PERÍODO INÍCIO TÉRMINO jogavam meramente pedras contra a tropa,
junho de 1° semestre executavam disparos com armamento. Como
Primeiro
2004 de 2005 continuou ocorrendo, parte da população
2º semestre 1º semestre apoiava as ações da MINUSTAH e parte as re-
Segundo pudiava. Em sua fração, um grupo de comba-
de 2005 de 2007
te (GC) fazia segurança do Primeiro Ministro,
2º semestre 12 de janeiro
Terceiro um GC acompanhava o Force Commander
de 2007 de 2010
nas operações e o terceiro GC fazia escolta
12 de janeiro final das do Comandante da Brigada Haiti. As patru-
Quarto
de 2010 operações lhas eram motorizadas, mecanizadas, con-
juntas e a pé. Geralmente realizavam static
Primeiro Período: point após uma patrulha motorizada. Os ci-
(de junho de 2004 até o 1° semestre de dadãos eram abordados e alguns detidos com
2005) posse de droga e armamento. As forças ad-
O primeiro período pode ser caracterizado versas eram milícias que se concentravam
pelo início da participação brasileira na nos bairros, por vezes, até duas milícias no
MINUSTAH, em junho de 2004. Participação mesmo local. Era difícil identificar e conver-
essa que foi traduzida no desdobramento da sar com os líderes locais. Adentrar um bairro
Brigada Haiti. era bem complicado, pois os meliantes cava-
Evidenciaram-se, neste período, as vam fossos que impediam a progressão dos
peculiaridades doutrinárias do trabalho blindados e colocavam tonéis com pedras no
sob a égide das Nações Unidas. O correto meio da rua para dificultar a passagem das

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 77


viaturas leves. A patrulha mecanizada era regras de engajamento, previstas. Essa postu-
realizada juntamente com a infantaria. A ra contribuiu para a obtenção de um ambien-
engenharia facilitava a progressão com seus te estável e seguro.
equipamentos desobstruindo rapidamen- O grande desafio desse período foi realizar
te as vias. Os patrulhamentos compunham a desarticulação das gangues armadas que
grandes operações, sendo precedidos de re- atuavam na AOR do Batalhão Brasileiro de
conhecimentos, reuniões com o componente Força de Paz (Brazilian Battalion - BRABAT).
policial, planejamentos, emissões de ordens Essa tarefa se mostrou fundamental para
para as subunidades, emissões de ordens das que os componentes policial e civil pudessem
subunidades para suas frações. O desenca- incrementar suas ações em Porto Príncipe. A
deamento da operação previa a ocupação de PNH não era dotada de recursos humanos e
um local, usualmente terrenos ou instalações materiais para esse enfrentamento. Assim,
abandonadas, como base de apoio para saú- o componente militar da MINUSTAH foi
de, prisão, alimentação, e desencadeamento acionado.
de ações cívico-sociais (ACISO). As operações Para atingir esse objetivo, utilizou-se ple-
se desenvolviam entre as 04:00h e as 17:00h. namente o conceito do “uso da força” para
Quanto às melhores o cumprimento do
práticas, destacou-se As patrulhas, de mandato, com a força
as patrulhas conjun- maneira geral, passaram letal sendo emprega-
tas infantaria, cava- da contra as gangues.
laria e engenharia e
a utilizar cada vez A conduta da tropa
as coletas de infor- mais os armamentos esteve totalmente ali-
mações por parte do não letais, tendo em nhada com o preconi-
G2 nos ACISO, facili- vista a razoabilidade, zado pelas ROE.
tando a abertura de progressividade e Dependendo do
novas operações de local da AOR, as pa-
patrulha.
proporcionalidade no trulhas eram lança-
Dessa forma, con- emprego dos meios de das de pontos fortes
clui-se que no 1º pe- resposta às ações hostis da (PF), que é uma ins-
ríodo da MINUSTAH força adversa, conforme talação normalmente
o contingente brasi-
leiro cumpriu tarefa
preveem as regras de situada em uma re-
gião sob controle de
precursora naquela engajamento. força adversa e com
missão. Demonstrou uma limitada capaci-
a capacidade brasileira de apoiar uma nação dade de aquartelamento, que permite à tropa
amiga em momentos de dificuldades, mas demonstrar ação de presença e exercer o con-
evidenciou a necessidade de conhecimento trole sobre determinada área. A partir de um
aprofundado sobre as peculiaridades do em- PF, a tropa poderá lançar patrulhas a pé ou
prego de tropa sob a égide do Capítulo VII da motorizadas de modo a aumentar a ação de
Carta da ONU. presença na região.
Ao decorrer de uma patrulha motoriza-
Segundo Período: da ou mecanizada, era comum a realização
(do 2º semestre de 2005 até o 1º semestre de checkpoints, que se assemelham, na fina-
de 2007) lidade, aos postos de bloqueio e controle de
Abrange o período em que as tropas bra- estradas (PBCE), porém com montagem mais
sileiras executaram as atividades militares simples e meios escassos. Um checkpoint é
autorizadas pelo Mandato da MINUSTAH, um local guarnecido para permitir o contro-
em sua totalidade. E a força letal foi empre- le do movimento e a inspeção de viaturas e
gada seguindo as rules of engagement (ROE), pedestres, visando à imposição de medidas

78 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


restritivas, ordens e determinações ou mos- retorno da população às suas casas e à inten-
trar a presença da operação de paz às partes sa movimentação de comércio nas ruas, até
em conflito. altas horas da noite.
Nesse período, o BRABAT foi empregado Após a declaração da vitória do candida-
com a definição de uma área operacional to René Preval, seguiu-se um período de co-
de responsabilidade específica. A unidade memorações por toda a cidade e, posterior-
recebeu a região onde se localizava o centro mente, um período de aproximadamente dois
do poder político do Haiti, bairro de Bel Air, meses de calmaria, onde nenhum disparo de
que contava com as sedes do governo e do arma foi observado. As ações das forças ad-
parlamento daquele país, além da área de versas reduziram-se em muito, ocorrendo fa-
Cité Soleil que é considerada a porção mais tos esparsos de atos hostis contra as tropas
carente daquela capital. brasileiras.
Destaca-se, ainda, que no período A chegada do segundo turno das eleições
referenciado, foram desencadeados foi caracterizada pelos planejamentos e re-
patrulhamentos para desbloqueio e limpeza conhecimentos para apoio ao pleito eleitoral
dos eixos, com a retirada de materiais, tudo (legislativo), apoio à segurança dos eventos
com o apoio da Cia E F Paz. relativos à posse presidencial e, também,
Nas localidades de Cité Militaire, Pelé e pela adoção de medidas preparatórias para
Cité Simon, verificou-se que as forças adver- atender a intenção do Force Commander de
sas se aproveitavam do pleno conhecimento substituição das tropas jordanianas em Cité
do terreno, usando vielas e becos para realizar Soleil.
fogos sobre a tropa. Por ocasião das inúmeras Nesse período, ocorreu a alteração da
operações de cerco e vasculhamento reali- AOR do batalhão brasileiro, com a realização
zadas, foi-se, paulatinamente, conquistando de inúmeros briefings com o estado-maior
a confiança da população e diminuindo a li- do batalhão jordaniano para passagem da
berdade de ação das gangues, obtendo-se um AOR do BRABAT e para recebimento das suas
significativo resultado. Tal estágio de tran- áreas.
quilidade ficou evidenciado pelo crescente Cabe ressaltar, ainda, a intensificação de
movimentos mecanizados,
não só para minimizar a pos-
sibilidade de atuação da for-
ça adversa sobre a tropa bra-
sileira, como também para
cumprir a diretriz do Force
Commander de não mudar as
rotinas jordanianas.
Merece destaque que no
dia 17 de maio, às 06:00h, as
tropas do batalhão brasileiro
assumiram os Checkpoints 15
e 21 e o Ponto Forte 16, con-
forme previsto e sem reação
da força adversa. Todavia,
durante a primeira noite (de
17 para 18 de maio) as posi-
ções brasileiras foram alvo
de fogos intensos e ajustados,
ocasião em que a tropa rea-
giu com sucesso aos ataques,

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 79


causando baixas na força adversa e consoli- constantemente patrulhadas e identificados
dando as posições ocupadas. alguns pontos dominantes, reconhecidos e
As patrulhas a pé, mecanizadas e moto- ocupados por período de tempo indeterminado.
rizadas representaram a imensa maioria das Posteriormente, este patrulhamento
atividades de patrulhamento durante todo o passou a ser expandido para outras
BRABAT/4. ruas. Naquela época, a tropa patrulhou,
Durante o período do BRABAT/5, foi ve- praticamente, todas as ruas do bairro,
rificado que alguns PF já não se faziam ne- em viaturas blindadas e a pé. A restrição
cessários como irradiadores de poder e con- permaneceu, ainda, sobre subáreas de Boston
sumiam uma quantidade de militares para e Bois Neuf. No entanto, foram realizadas
sua manutenção. Decidiu-se por sair dos PF e diversas ações nas margens dessas subáreas,
disponibilizar mais militares para o patrulha- mantendo uma pressão constante.
mento ostensivo em Bel Air. Nesse período, pode-se observar pelas
Outro ponto positivo na conquista do estatísticas dos relatórios que a maioria
objetivo em pauta foi a integração com a das patrulhas eram mecanizadas, o que é
Formed Police Unit (FPU) e a PNH que traba- perfeitamente compreensível pelo fato de
lharam juntamente com a subunidade a par- que entradas em área não pacificadas eram
tir do Forte Nacional. forçadas para conquistar território e de que
É importante frisar que o procedimento os confrontos com gangues armadas eram
mais eficaz do patrulhamento é a conjunção constantes.
do deslocamento da fração com a parada em A pacificação de Cité Soleil, conhecida
um ponto e a realização de um checkpoint como uma das favelas mais perigosas do
inopinado, com duração aproximada de meia mundo, foi o fato de maior repercussão
hora. durante a missão do BRABAT/6. Integrantes da
Nas patrulhas conjuntas, foram MINUSTAH salientaram a rapidez das ações,
alcançados resultados significativos com a membros do Department of Peacekeeping
FPU, que normalmente acompanharam as Operations (DPKO) da ONU saudaram como
diversas patrulhas realizadas. Com relação referência à eficiência do trabalho da ONU
à PNH, os problemas estruturais e culturais e a mídia internacional evidenciou que a
dessa polícia tornaram o trabalho conjunto alegria teria vencido o medo (reportagem
muito difícil, entretanto o estabelecimento de de capa do Miami Herald). A região era tida
uma comissaria no Forte Nacional contribuiu como inexpugnável, sendo área de atuação de
para a consecução da meta. gangues que tinham o apoio da população “em
Foram realizadas patrulhas marítimas troca de segurança”. A reação desses bandos
em conjunto com a Guarda Costeira do Haiti, era comparada aos movimentos de insurreição
com pelo menos um GC fazendo a segurança do Iraque. Talvez por isso, quando em pouco
da embarcação. mais de dois meses o BRABAT/6 patrulhava
Para controlar Simon, foram executados em segurança todos os becos de Cité Soleil,
patrulhamentos intensos e instalado um os experientes funcionários da MINUSTAH,
novo PF, no Hotel Simon, localizado no com várias participações em missões de paz,
epicentro da região mais dominada pelos tenham ficado surpresos.
agentes pertubadores da ordem. A despeito A adoção de uma postura mais pró-
da ocupação conturbada nos primeiros dias, ativa, respaldada pelas ROE, a realização
em função da reação dos meliantes, isto de grandes operações e o início do trabalho
possibilitou irradiar poder de dentro da área conjunto com o componente policial foram as
problemática, além de controlar as mais características principais que marcaram este
importantes vias de acesso da região. período.
Já em Cité Soleil, os eixos principais
são as Ruas Soleil e Soleil 9, que foram Terceiro Período:

80 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


nessas áreas se
tornara seguro e
estável.
O BRABAT/7 ti-
nha como um dos
objetivos estratégi-
cos incrementar a
presença militar bra-
sileira em toda zona
de ação do BRABAT,
particularmente por
meio do patrulha-
mento a pé. Para isso,
diminuiu o número
(do 2º semestre de 2007 até 12 de janeiro de patrulhas empre-
de 2010) gando veículos blindados e incrementou as
patrulhas motorizadas e homens a pé, com a
O fato de grande destaque da MINUSTAH
tropa interagindo com a população e crian-
nesse período foi o incremento da interação
do elevada sensação de segurança, empregou
entre os componentes militar, policial e civil,
a PERCOY e a BOLCOY com objetivo de po-
coerentemente com a doutrina preconizada
tencializar a ação-presença da MINUSTAH
para esse tipo de missão, sendo intensificadas
em Cité Soleil, utilizando patrulhas e check-
as operações e patrulhas conjuntas com
points, realizou patrulhas com apenas um
a Polícia das Nações Unidas (UNPOL) e a
elemento da PNH e dividiu as patrulhas das
PNH. O componente policial passou a ser o
FPU em duas, com a finalidade de dobrar o
primeiro agente empregado para fazer frente
número de patrulhas conjuntas.
aos incidentes ocorridos na área da missão.
As operações de cerco e vasculhamento
As patrulhas, de maneira geral, passaram
passaram a ser chamadas de “intensificação
a utilizar cada vez mais os armamentos de patrulhas”. Pode-se afirmar que até o final
não letais, tendo em vista a razoabilidade, das operações do 7° Contingente, elas foram
progressividade e proporcionalidade no realizadas em Cité Soleil e Bel Air, apenas
emprego dos meios de resposta às ações hostis com cuidado de serem seletivas e contarem
da força adversa, conforme preveem as ROE, com a permissão dos moradores para entrada
uma vez que os confrontos com elementos nas casas e com a presença da PNH (muitas
armados diminuíram sensivelmente. vezes, um único policial).
A força adversa se comportou de uma As patrulhas tinham duração média
forma menos explícita que em outros períodos; de duas horas, tinham efetivo variável,
pois, além de já possuírem conhecimento das nunca menos de uma esquadra, sendo que
ROE a que as tropas da ONU estvam sujeitas, normalmente eram de valor GC, combinavam
constataram que não conseguiriam obter deslocamentos motorizados (da base até
êxito contra as forças militares. Estas forças o local da patrulha) e a pé, muitas vezes
militares desempenharam uma atividade estabelecendo checkpoints.
operacional do tipo garantia da lei e da As patrulhas conjuntas foram tratadas
ordem (GLO), mais semelhante às operações com prioridade pelo BRABAT/7. No
de polícia. estabelecimento de um ambiente seguro e
A pacificação de Cité Soleil e Cité Militaire estável no Haiti, era fundamental conduzir
havia completado oito meses. Na sequência, a PNH, acompanhada da UNPOL. Essa
o batalhão brasileiro acompanhou a situação, medida também deu legalidade às prisões
chegando à conclusão de que o ambiente realizadas pela unidade e preservou a tropa

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 81


da pesada burocracia ligada às prisões. O de Infantaria de Força de Paz, além de reforços
batalhão também atuou com as FPU da China, para a Companhia de Engenharia de Força
Paquistão, Nigéria e Jordânia. de Paz e para o Destacamento Operativo de
No BRABAT/8, percebeu-se a obsoles- Fuzileiros Navais.
cência do procedimento dos “pacotes de pa- Nesse período houve grande demanda
trulha” e a necessária implementação de um de trabalho interagências. A ONU precisou
novo método que trouxesse maior eficácia ao encontrar soluções práticas para coordenar
trabalho executado. Foi formulado um novo o trabalho dos diversos atores que chegavam
procedimento pela divisão da AOR em célu- para prestar ajuda humanitária.
las (pequenos setores) visando a identificar Um comandante de pelotão no 12o
os locais que apresentavam maior número de Contingente (de janeiro a julho de 2010), cuja
ocorrências de ilícitos e hostilidades. AOR era Cité Solei, nas subáreas de Boston,
Outra prática importante foi o acompa- Brooklin e Belecourt, relatou que no período
nhamento de patrulhas por equipes táticas pós-terremoto não foi observado estrutura-
de operações psicológicas, maximizando os ção e ações de gangues locais contra a tropa.
efeitos desejados e esperados por aquelas. O Apesar da AOR ser em Cité Soleil, a subuni-
grande diferencial das tropas brasileiras, em dade realizava distribuição de alimentos em
relação às demais organizações militares (OM) toda Porto Príncipe.
do componente militar da MINUSTAH era o A população haitiana tinha uma grande
patrulhamento a pé e a interação do soldado dependência da ajuda humanitária. Por con-
brasileiro com a população haitiana. O fato ta disso, as ações contra a MINUSTAH foram
de o soldado brasileiro olhar no olho da popu- praticamente inesistentes. O armamento
lação haitiana e o apoio do Destacamento de não letal, principalmente os gases pimenta
Operações Psicológicas, com o emprego de al- e lacrimogêneo, foi empregado para contro-
to-falante e panfletagem nas operações, con- lar agitações populares próximas aos locais
tribuíram para a criação da confiança mútua, de distribuição de alimentos. Foi apenas em
respeito e a identificação entre o militar bra- Brooklin que, no final da missão, a tropa pas-
sileiro e a população haitiana. sou a ser raramente hostilizada por pedradas.
Após o 11° Contingente, pode-se constatar A subunidade mantinha uma rotina em siste-
que o terceiro período da MINUSTAH ma de rodízio entre os pelotões, sendo um vo-
evidenciou grande evolução do trabalho cacionado para missões de serviço, escoltas e
conjunto entre os componentes policial, civil outras inopinadas, outro pelotão voltado para
e militar. patrulhamento na AOR, nível GC e Pel, e o úl-
timo ocupava um ponto forte e lançava pa-
Quarto Período: trulhas, cujas mais frequentes eram a pé, mo-
(a partir de 12 de janeiro de 2010) torizada e mista. Quando a patrulha era nível
O marco que iniciou esse período foi o GC, o grupo deslocava-se a pé, percorrendo
grande terremoto ocorrido no dia 12 de janeiro becos e vielas de toda AOR. Quando era mo-
de 2010, com consequências gravíssimas, torizada, a patrulha estacionava em pontos
provocando a morte de cerca de 300 mil pré-determinados e estabelecia checkpoints
pessoas, incluindo 18 militares brasileiros e a ou staticpoints. Quando era nível pelotão,
destruição do quartel general da MINUSTAH, eram estabelecidas, dentro da AOR, faixas de
o que gerou o desdobramento de novos progressão, pontos de coordenação, pontos
efetivos para apoiar o governo haitiano e de ligação e outras medidas de coordenação
reestabelecer a capacidade operacional da e controle para que os GC realizassem suas
operação de paz. atividades de forma descentralizada, porém,
O Brasil enviou para o Haiti um coordenadas. As forças adversas estavam de-
destacamento de bombeiros militares sestruturadas, sem capacidade e, até mesmo,
especializados em resgates, mais um Batalhão sem vontade para embates contra a tropa,

82 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


não letal (AM403-P). O
motorista do GC levava
o fuzil e sempre um AM-
600 com munições la-
crimogêneas. Os demais
militares conduziam
fuzil. Todos possuíam o
spray com gás de pimen-
ta. Nas atividades de pa-
trulha, era dada ênfase à
patrulha a pé. Durante
as patrulhas, eram es-
colhidos locais que pos-
sibilitavam o estacio-
namento da viatura em
segurança e 3 militares
permaneciam na mes-
ma, enquanto o restante
patrulhava a pé. Além
do patrulhamento diá-
rio da AOR, ocorriam pa-
trulhamentos conjuntos
devido à carência de material e necessidade com a UNPOL e a PNH.
de doações. A melhor prática adotada foi a li- Ocorreu, também, a participação na Operação
berdade de ação para os pequenos escalões e, ALWAYS READY FOR PEACE, na qual a tropa
como oportunidades de melhoria, a ausência foi empregada em static points e checkpoints
de ponto forte específico para a subunidade junto com os militares da Jordânia. Os GC
e pouco conhecimento da função de combate realizavam simultaneamente patrulhas a pé
inteligência por parte das frações. e motorizada, sempre saindo da base de via-
Outro comandante de pelotão também tura para ter um apoio, caso necessitasse de
compartilhou suas experiências quando in- um deslocamento mais rápido, apesar de inú-
tegrou o 18° Contingente (de junho a dezem- meras vezes o GC já iniciar o deslocamento na
bro de 2013), atuando na AOR de Cité Soleil. área que ele deveria patrulhar (peculiaridade
Relatou que o ambiente era um pouco compli- da base de Cité Soleil, localizada no interior da
cado. Havia vários conflitos, principalmente AOR). Mesmo sendo possível o patrulhamento
na área de Broklin e Boston, com indícios de motorizado, o GC desembarcava e patrulhava
envolvimento de políticos influentes nesses a pé, para viabilizar o levantamento dos ele-
locais. O conflito culminou na filmagem do mentos essenciais de inteligência.
confronto na Soleil 9 entre as gangues dos Após o confronto das gangues em Broklin
dois locais. Essa filmagem provocou a visita e Boston, o patrulhamento foi intensificado.
do Special Representative of the Secretary- O patrulhamento diurno prosseguiu no nível
General (SRSG) na área de Soleil e uma pre- GC, mas o noturno passou a ser feito no
ocupação em relação à AOR. Houve uma in- nível pelotão. Para realizar o patrulhamento
tensificação do patrulhamento da região. As mecanizado, a companhia de Cité Soleil recebia
patrulhas diurnas eram feitas por GC de 8 as VBTP EE-11 Urutus.
militares. Os sargentos e os cabos conduziam Aconteciam muitos incidentes provoca-
fuzil e pistola. Cada GC conduzia 2 espingar- dos por brigas entre as gangues, que resulta-
das calibre 12 com 32 cartuchos de munição vam em disparos de armas de fogo na região.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 83


Houve apenas um caso de conflito com um dos no Brasil. Um exemplo simples é adaptação
pelotões da companhia, que evitou o confronto da parte traseira da viatura Marruá com um
entre duas gangues na rua principal de Boston. estribo para embarque e desembarque e a re-
Esse conflito não gerou danos colaterais nos moção da tampa traseira. Essa foi uma dificul-
civis. As forças adversas atuavam em gangues. dade encontrada na Operação São Francisco,
Não entravam em conflito com a tropa e ob- no complexo da Maré; algo que parece trivial,
servavam a atuação, apenas monitorando sua mas ajuda bastante na segurança da tropa du-
movimentação na área. Muitos conflitos não rante o patrulhamento.
aconteciam devido à presença da tropa na rua. Desde 2015, já se visualizava uma estra-
Havia rumores de que as gangues eram finan- tégia de saída das forças da ONU do Haiti.
ciadas por políticos que disputavam o colégio Indicadores como a diminuição gradual dos
eleitoral da região de Cité Soleil. Possuíam al- efetivos militares, que estava sendo imple-
guns armamentos de diversos calibres, o que mentada, e a atuação da PNH como primeiro
ficou comprovado com o vídeo feito pela com- elemento de segurança do país, já estabelecida
panhia no confronto da Soleil 9 entre Broklin por Diretriz do Force Commander, apontavam
e Boston. Mas, conforme registrado no vídeo, neste sentido.
eles evitavam disparar, dando a entender o Contudo, constata-se que o quarto perí-
problema de ressu- odo da MINUSTAH
primento de muni- As patrulhas mais mostrou a necessida-
ção. Algumas vezes, comuns são as mistas de da cooperação civil
ouviam-se da base (a pé e motorizada), militar para atenuar os
os disparos de arma com estabelecimento efeitos de uma gran-
de fogo na redonde- checkpoints
de e de catástrofe natural.
za e constatavam-
-se algumas mortes
staticpoints . As patrulhas No caso específico do
Brasil, serviu também
de pessoas ligadas às
mecanizadas ocorrem em para evidenciar aspec-
gangues. A melhor grandes operações, com a tos logísticos necessá-
prática adotada na finalidade de multiplicar rios ao rápido desdo-
companhia foi a ado- o efeito dissuasório bramento de tropas.
ção da sistemática frente às forças adversas
de reuniões de inte- incipientes. CONSIDERAÇÕES
ligência toda sexta- FINAIS
-feira, envolvendo os Na fase final da
comandantes de pelotão e de grupo, além do MINUSTAH, as atividades de patrulha não
subcomandante e comandante da companhia. apresentavam grandes diferenças quando
Dessa forma, era possível difundir e comparti- comparadas com as executadas pelo contin-
lhar as experiências obtidas. A partir de então, gente imediatamente anterior. Em que pese
eventos que às vezes passavam despercebidos a ocorrência de um desastre natural de gran-
em relatórios ficavam mais claros juntando de magnitude, que foi a passagem do Furacão
as experiências diversas ao longo do patru- Matthew, devastando os Departamentos Sud
lhamento da semana, ouvindo diretamente e Grand-Anse, no mês de outubro de 2016,
do elemento que estava na ação. Esse método as técnicas, táticas e procedimentos foram
facilitou o fluxo de informações e manteve a mantidos.
tropa mais consciente a respeito do trabalho a Logicamente, as escoltas de ajuda
ser desenvolvido na área. Como oportunidade humanitária foram bastante intensificadas
de melhoria, alguns procedimentos que foram pelo BRABAT/24 e prosseguiram durante o
executados no Haiti poderiam ser adotados BRABAT/25, sob o escopo da Operação NAP

84 DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017


EDE AYITI. O batalhão ocupou uma antiga base houve a realização de patrulhas conjuntas
do Uruguai, na cidade de Les Cayes, de onde com a UNPOL e a PNH, no Lago Azuei, com o
partiam os comboios das diversas agências da objetivo de proteger a área de fronteira.
ONU e de ONGs de vários países. As patrulhas helitransportadas ficaram
As patrulhas mais comuns foram as mistas restritas ao emprego da reserva do Force
(a pé e motorizada), com estabelecimento Commander como força de reação rápida
de checkpoints e staticpoints. As patrulhas (quick reaction force - QRF), porém sua
mecanizadas ocorreram em grandes capacidade de atuação era restrita, devido
operações, com a finalidade de multiplicar o ao isolamento da fração, à pouca mobilidade
efeito dissuasório frente às forças adversas após o desembarque e às limitações de zona
incipientes. de pouso de helicópteros (ZPH).
No período final, destacou-se o apoio Com a MINUSTAH caminhando para
do componente militar ao pleito eleitoral
o final, estudava-se a melhor maneira de
haitiano, por meio da Operação ECCLESIA IV e
colocar em prática sua desmobilização,
V, conduzido sem maiores percalços.
considerando sempre que a transição da
Um fato que gerou alguma perturbação
da ordem pública foi a prisão do candidato a responsabilidade por manter um ambiente
senador eleito Guy Philippe, gerando alguns seguro e estável já vinha sendo aplicada com
protestos mais violentos na porção sudoeste o aumento do efetivo da PNH e sua atuação
do país, o que motivou o reforço de tropas da em primeiro escalão nas ações cotidianas,
MINUSTAH naquela região, com intensificação bem como com a redução do componente
de patrulhamentos. militar da ONU.
As patrulhas conjuntas com a UNPOL Entretanto, há que se considerar que
e a PNH foram realizadas no contexto da o Haiti é um país vulnerável a desastres
Operação FOK SÁ SISPANN, em Cité Soleil, naturais e, historicamente, não convive com
onde foram estabelecidos checkpoints, com grandes períodos de estabilidade política, o
o intuito de coibir ilícitos na região. Também que pode causar reviravoltas inesperadas.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Estado-Maior do Exército. C 95-1. Operações de Manutenção da Paz. 2ª Edição. 1998.
BRASIL. Comando de Operações Terrestres. CI 21-75. Patrulhas. 1ª Edição. 2004.
BRASIL. Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais. CGCFN-1-8. Manual de Operações de Paz dos
Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais. 1ª Revisão. 2009
BRASIL. Estado-Maior do Exército. Relatórios dos BRABAT/2 ao 20.
CAVALCANTI, Carlos Alberto de Moraes. Os 10 anos de MINUSTAH e o CCOPAB. 2014.
NUNES, José Ricardo Vendramini. Treinamento para o Batalhão Brasileiro Desdobrado na MINUSTAH: A
Consolidação de um Modelo. 2014.

DOUTRINA militar TERRESTRE em revista Maio a Agosto/2017 85


MANUAL DE CAMPANHA EM NOVA EDIÇÃO

Manual de Campanha EB-MC10.223 OPERAÇÕES, 5ª EDIÇÃO, 2017,


Aprovado pela Portaria Nº 39 COTER, de 14 de junho de 2017.

Operação Militar é o conjunto de ações realizadas com forças e meios militares, coordenadas em tempo,
espaço e finalidade, de acordo com o estabelecido em uma diretriz, plano ou ordem para o cumprimento de
uma atividade, tarefa, missão ou atribuição. É realizada no amplo espectro dos conflitos, desde a paz até o
conflito armado/guerra, passando pelas situações de crise, sob a responsabilidade direta de autoridade militar
competente. Ambiente operacional é o conjunto de condições e circunstâncias que afetam o espaço onde
atuam as forças militares e que interferem na forma como são empregadas, sendo caracterizado pelas
dimensões física, humana e informacional.

Classificação quanto às forças empregadas

Operações Operações Operações


singulares conjuntas combinadas

Caracterizadas pelo emprego de


Desenvolvidas por apenas uma meios ponderáveis de mais uma
força singular, com propósitos Empreendidas por elementos
das forças armadas. O recebi-
interdependentes ou comple- ponderáveis de forças armadas
mento de pequenas frações e/ou
mentares, sob um comando multinacionais, sob a responsa-
meios de outra força não modifi-
único, com representates das bilidade de um comando único.
ca esse conceito.
forças singulares do estado-
-maior.

Classificação quanto à finalidade

Operações Operações
básicas complementares

- Aeromóvel
Operações Operações Cooperação e coorde-
ofensivas defensivas nação com agências - Aeroterrestre
- De segurança
- Contra forças irregulares
- Marcha para o combate - Defesa em posição - De dissimulação
- Reconhecimento em força - Defesa de área - De informação
- Ataque coordenado (frontal, - Defesa móvel - Especiais
penetração, envolvimento, -Movimentos retrógrados - De busca, combate e salvamento
desbordamento, infiltração). -Ação retardadora
- Aproveitamento do êxito -Retraimento - De evacuação de não combatentes
- Perseguição -Retirada - De junção
- De interdição
- De transposição de curso de água
- Garantia dos poderes constitucionais - Anfíbia
- Garantia da lei e da ordem - Ribeirinha
- Atribuições subsidiárias - Contra desembarque anfíbio
- Prevenção e combate ao terrorismo - De abertura de brecha
- Sob a égide de organismos internacionais - Em área edificada
- Em apoio à política externa em tempo de paz ou crise
- Outras operações em situação de não guerra
PLATAFORMAS DIGITAIS DO COTER

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