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REVISTA

ANÁLISE

ESTRATÉGICA

Dissuasão Convencional, Antiacesso e Negação de Área: subsídios para uma estratégia brasileira
Augusto W. M. Teixeira Júnior

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida para a Segurança Nacional


Fernando da Silva Rodrigues

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa na Era do Conhecimento: o upgrade no


vanguardismo científico e tecnológico nas empresas brasileiras Fernanda das Graças Corrêa

A Guerra do Futuro: uma comparação das estratégias adotadas pelos Exércitos de Estados Unidos,
Espanha e Israel Natália Diniz Schwether

Vol 21 n. 3 Jun/Ago 2021


REVISTA

ANÁLISE
ESTRATÉGICA

Vol 21 n. 3 Jun/Ago 2021


Análise Estratégica. Ano 6. N º 3. Jun/Ago 2021. Brasília. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Centro de
Estudos Estratégicos do Exército. 149 p.

ISSN: 2525-457X (Referente à publicação digital)

CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DO EXÉRCITO ANÁLISE ESTRATÉGICA


O Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) é Análise Estratégica é uma publicação trimestral do Centro de

subordinado ao Estado-Maior do Exército e foi criado Estudos Estratégicos do Exército dedicada aos temas que

pela Portaria n º 051-EME, de 14 Jul 03, para estudar e impactam a preparação da Força Terrestre e a Defesa

propor políticas e estratégias organizacionais. Nacional. Contém artigos preparados pelos pesquisadores do

CEEEx.

EQUIPE
CHEFE CONSELHO EDITORIAL
Cel Inf Andrelúcio Ricardo Couto Cel Inf Andrelúcio Ricardo Couto

Cel Inf Marcelo Ambrósio

ANALISTA Cel R1 Guilherme Otávio Godinho de Carvalho

Cel Inf Marcelo Ambrósio Cel QCO Oscar Medeiros Filho

Cel R1 Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Ten Cel QCO Selma Lucia de Moura Gonzales

Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão

COORDENAÇÃO DE PESQUISA
Cel QCO Oscar Medeiros Filho REVISÃO
Ten Cel QCO Selma Lucia de Moura Gonzales Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão

ADJUNTA DE EDITORAÇÃO E PUBLICIDADE PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão Cel QCO Oscar Medeiros Filho

Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão

ADJUNTA DE INFORMÁTICA
2 º Ten OTT Regina Oliveira Rossi DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Quartel General do Exército – Bloco A – 1 º andar
ADMINISTRATIVO 70630-091 – Setor militar Urbano – Brasília/DF

ST Com Vanderson Martins Barbosa Telefone: (61) 3415-4597

ceeex@eme.eb.mil.br

FOTO DA CAPA: fotógrafo Jackson Mendes Disponível em PDF na página eletrônica: www.ceeex.eb.mil.br

(Instagram: @imagens.jacksonmendes)

Análise Estratégica. Ano 6. N º 3. Jun/Ago 2021. Brasília.


FIGURAS E TABELAS ELABORADAS: Cap Célia via
Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Centro de
Canva.com
Estudos Estratégicos do Exército. 149 p.

ISSN: 2525-457X (Referente à publicação digital)


SUMÁRIO

05
05
EDITORIAL

DISSUASÃO CONVENCIONAL,
ANTIACESSO E NEGAÇÃO DE ÁREA:

07 SUBSÍDIOS PARA UMA ESTRATÉGIA


BRASILEIRA
Augusto W. M. Teixeira Júnior

AVALIAÇÃO DAS IMPLICAÇÕES DO

33
CONCEITO DE GUERRA HÍBRIDA PARA A
SEGURANÇA NACIONAL

07 Fernando da Silva Rodrigues

ESTADO EMPREENDEDOR E ESTRATÉGIA


NACIONAL DE DEFESA NA ERA DO

67
CONHECIMENTO: O UPGRADE NO
VANGUARDISMO CIENTÍFICO E
TECNOLÓGICO NAS EMPRESAS
BRASILEIRAS
Fernanda das Graças Corrêa

A GUERRA DO FUTURO: UMA

117
COMPARAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS
ADOTADAS PELOS EXÉRCITOS DE
ESTADOS UNIDOS, ESPANHA E ISRAEL
Natália Diniz Schwether
Os textos publicados pelo Centro de Estudos Estratégicos do
Exército (CEEEx) são de caráter acadêmico e abordam
questões relevantes da conjuntura nacional e internacional.
Os trabalhos são produzidos por analistas e estudiosos de
diversas áreas, não só militares, da ativa e da reserva, como
também por civis.
As opiniões, neles externadas, são de exclusiva
responsabilidade de seus autores, não representam a posição
oficial do Exército e têm por objetivo contribuir para o debate
dos grandes temas nacionais, com ênfase àqueles que
impactam a Defesa.
É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele
contidos, desde que citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas.
EDITORIAL
Prezados leitores,

A Revista Análise Estratégica publica textos elaborados pelos

pesquisadores do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEP), relativos às

agendas de pesquisa desenvolvidas em cada ciclo. Neste volume,

apresentamos os artigos estratégicos do ciclo 2020-2021. Esta

coletânea é a última publicação ostensiva do ciclo de 2020-2021.

O C e n t r o d e
O primeiro artigo desta coletânea faz parte da linha de pesquisa
E s t u d o s
“Geopolítica e Estratégias Militares”, conduzida pelo Prof. Dr. Augusto
E s t r a t é g i c o s d o
Teixeira Jr. Intitulado “A dissuasão convencional, Antiacesso e Negação
E x é r c i t o ( C E E E x )
de área: subsídios para uma estratégia brasileira”, o artigo objetiva
f o i c r i a d o e m
trazer informações para uma estratégia dissuasória brasileira, de

2 0 0 3 , caráter multidomínio e sensível às peculiaridades regionais,

o r i g i n a l m e n t e principalmente, no que se refere à Amazônia e ao Atlântico Sul.

j u n t o à V i c e -
O segundo artigo faz parte da linha de pesquisa “Conflitos Armados e
C h e f i a d o E M E .
Emprego Militar”, conduzida pelo Prof. Dr. Fernando da Silva Rodrigues.

Intitulado “Avaliação das implicações do conceito de Guerra Híbrida


E m 2 0 0 9 , o
para a Segurança Nacional”, o texto discorre sobre esses dois conceitos
C E E E x p a s s o u a
mencionados; aborda a Guerra de Informação como dimensão do
i n t e g r a r a 7 ª
espaço de batalha; analisa as ameaças híbridas no contexto da Guerra
S u b c h e f i a d o
Cibernética; e apresenta implicações para o Exército Brasileiro (EB).
E M E ,

e n c a r r e g a d a d o s O terceiro artigo faz parte da recente linha de pesquisa: “Prospectiva

a s s u n t o s d e Tecnológica e Emprego Militar”, conduzida pela Prof. ª Dra. Fernanda

P o l í t i c a e Corrêa. Intitulado “Estado Empreendedor e Estratégia Nacional de

Defesa na Era do conhecimento”, apresenta propostas para impulsionar


E s t r a t é g i a d o
a inovação no EB, no âmbito de modelos descentralizados de Tríplice
E x é r c i t o .
Hélice, aproveitando as vocações da Base Industrial de Defesa.
E n t r e t a n t o , c o m

a e x t i n ç ã o
O quarto artigo dá continuidade aos estudos da linha “Planejamento
d a q u e l a S C h , o
Estratégico e Gestão de Defesa”, conduzida pela Prof. ª Dra. Natália

C e n t r o p a s s o u a Diniz Schwether. Intitulado “A Guerra do futuro: comparação das

i n t e g r a r a 3 ª estratégias adotadas pelos Exércitos de Estados Unidos, Espanha e

S u b c h e f i a d o Israel”, apresenta a comparação entre os designs e estratégias dos

E M E . países estudados para analisar semelhanças e diferenças e, assim,


delinear como os respectivos exércitos têm se preparado para a guerra

A R e v i s t a do futuro.

A n á l i s e
Para o aprimoramento do conteúdo de nossa publicação, propostas de
E s t r a t é g i c a é
colaboração, sugestões e comentários podem ser enviados ao e-mail:
p u b l i c a d a d e s d e
ceeex2015@gmail.com.
2 0 1 6

t r i m e s t r a l m e n t e .
Boa leitura! Conselho Editorial

C o n s u l t e

t a m b é m a v e r s ã o

d i g i t a l n a

p l a t a f o r m a E B

R e v i s t a s .

O Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) foi criado em 2003,

originalmente junto à Vice-Chefia do EME. Em 2009, o CEEEx passou a integrar

a recém-criada 7 ª Subchefia do EME, encarregada dos assuntos de Política e

Estratégia do Exército. Entretanto, com a extinção daquela SCh, o Centro

passou a integrar a 3 ª Subchefia do EME.


Dentre as missões do CEEEx, destacam-se:

a. condução de análise estratégica, baseada em diagnósticos e elaboração (ou

interpretação) de cenários prospectivos, visando apoiar a formulação de

objetivos e de estratégias para o Sistema de Planejamento Estratégico do

Exército (SIPLEx);

b. monitoramento de cenários e de conjuntura (nacional e internacional);

c. desenvolvimento de estudos e pesquisas em temas de Segurança Nacional e

Defesa;

d. ligação com Núcleos de Estudos Estratégicos, no âmbito do Exército

Brasileiro;

e. coordenação das atividades do Grupo de Estudos e Planejamento

Estratégico do Exército (GEPEEx);

f. ligação com entidades similares;

g. realização de reuniões, seminários, painéis e eventos similares;

h. coordenação de uma rede de estudos estratégicos constituída por

representantes de órgãos públicos, instituições de ensino e pesquisa,

associações, pesquisadores e “think tanks” nacionais e estrangeiros;

i. orientação dos trabalhos interdisciplinares realizados pelo Curso de Política,

Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx), em coordenação com a

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).


ISSN: 2525-457X
ANÁLISE ESTRATÉGICA
VOL 21 (3) JUN/AGOSTO 2021

A DISSUASÃO CONVENCIONAL, ANTIACESSO E NEGAÇÃO DE


ÁREA: SUBSÍDIOS PARA UMA ESTRATÉGIA BRASILEIRA
CONVENTIONAL DETERRENCE, ANTI-ACCESS AND AREA DENIAL:
SUBSIDIES FOR A BRAZILIAN STRATEGY

*Augusto W. M. Teixeira Jr.

RESUMO
O presente artigo propõe subsídios para uma estratégia de dissuasão brasileira. Para esse

objetivo, o trabalho se baseia em três pilares: a combinação de posturas estratégicas

defensivas e dissuasórias; a compreensão das geoestratégias da Amazônia e do Atlântico à luz

do espaço de batalha multidomínio hodierno e, por fim, o conceito de A2/AD como

operacionalização da dissuasão. Em suas considerações finais, o trabalho apresenta o

argumento conclusivo do texto com as principais implicações para o Exército Brasileiro no

tocante à aplicação da dissuasão convencional e do A2/AD no ambiente regional.

ABSTRACT
This paper proposes inputs for a Brazilian deterrence strategy. To this end, the paper is based

on three pillars: the combination of defensive and dissuasive strategic postures, the

understanding of the Amazon and South Atlantic geostrategies in the light of today's

multidomain battle space, and finally, the concept of A2/AD as anway to achieve deterrence.

In its conclusions, the paper presents the text's conclusive argument and the main implications

for the Brazilian Army regarding the application of conventional deterrence and A2/AD in the

regional environment.

PALAVRAS-CHAVE: KEYWORDS:
Dissuasão Convencional. Ambiente Conventional Deterrence. Multidomain
Multidomínio. Antiacesso e Negação de Área. Environment. Antiaccess and Area Denial.
Estratégia. Brasil. Strategy. Brazil.

*Doutor em Ciência Política (UFPE). Realizou Estágio Pós-Doutoral


em Ciências Militares (ECEME). Professor do Departamento de
Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política e Relações Internacionais (UFPB). Pesquisador
Sênior do Núcleo de Estudos Prospectivos do Centro de Estudos
Estratégicos do Exército (NEP - CEEEx) e do INCT-INEU.
8

SUMÁRIO EXECUTIVO

Vinculado ao tema “estratégia de dissuasão no século XXI: uma proposta para o caso brasileiro”, o

presente artigo é o penúltimo trabalho da linha Geopolítica e Estratégias Militares, referente à agenda de

pesquisa do ciclo 2020-2021, do Núcleo de Estudo Prospectivos (NEP), do Centro de Estudos Estratégicos

do Exército (CEEEx). Precedido por três ensaios que abordaram: (1) a articulação entre Dissuasão,

Ambiente Multidomínio e A2/AD; (2) estratégias de Dissuasão Comparadas; e (3) estratégias de A2/AD

comparadas; este artigo objetiva aportar subsídios para uma estratégia dissuasória brasileira, de caráter

multidomínio e sensível às peculiaridades do ambiente regional.

Em sua primeira parte, o texto explora como a postura estratégica apresentada em documentos de

Defesa permite a combinação de distintas modalidades estratégicas, como a defesa e a dissuasão. Nesse

sentido, exporemos como uma estratégia de dissuasão convencional é aderente a uma cultura estratégica

defensiva. Para esse fim, analisaremos a plausibilidade de uma estratégia dissuasória convencional, sob a

perspectiva de parâmetros como: modalidade, método, abrangência conceitual, delimitação temporal e

espacial.

O segundo momento do artigo se dirige ao ambiente regional com o intuito de esclarecer os desafios

das duas áreas geoestratégicas de interesse do Brasil: Amazônia e Atlântico Sul. À luz dos desafios e das

possibilidades de projeção continental e marítima nacional, a seção tem como proposta avaliar a

possibilidade de aplicar o A2/AD como operacionalização da dissuasão, diante dos ambientes

geoestratégicos investigados. Para aproximar a análise teórica da realidade geoestratégica, faz-se uso

da proposição de três cenários de conflito que podem ensejar a dissuasão e o A2/AD como respostas.

O estudo dos níveis político-estratégico e geopolítico dá sequência ao aprofundamento da análise de

meios, realizada no sentido de avaliar a potencialidade das Forças Armadas brasileiras para prover

capacidades de Antiacesso e de Negação de Área. Como o conceito operacional em questão é

multidomínio por excelência, faz-se relevante empreender a análise das três Forças numa perspectiva que

priorize a interoperabilidade. Apesar desse enfoque, dar-se-á ênfase às implicações para o Exército

Brasileiro.

Por fim, os aspectos conclusivos possibilitaram a escrita do último trabalho do presente ciclo de

estudos. Estruturado sob a lógica de um Policy Paper, deter-se-á nas implicações estratégicas e

recomendações ao Exército Brasileiro.


9

1. Defesa e Dissuasão c om o (TEIXEIRA JÚNIOR, 2021a). Em adição, a


Posturas Estratégicas análise comparada mostrou que a dissuasão
convencional poderia ser operacionalizada a
Este artigo constitui o ponto
partir de uma concepção de A2/AD
culminante sobre a plausibilidade de uma
(TEIXEIRA JÚNIOR, 2021b). Com base
estratégia de dissuasão convencional
nesse contexto, o presente artigo se detém na
brasileira, ancorada no conceito operacional
experiência do Brasil e nas suas
de Antiacesso (anti-access ou A2) e Negação
potencialidades, frente a uma estratégia de
de Área (area-denial ou AD). Assim, cada
dissuasão convencional calcada em uma
texto do ciclo de pesquisa foi estruturado em
lógica de A2/AD.
torno da comparação de três casos
Sob a perspectiva geopolítica,
paradigmáticos1 (EVERA, 1997;
compreende-se que a América Latina e o
LANDMAN, 2008): Rússia, China e Irã. Com
Caribe são impactados pelo transbordamento
base nesse acumulado teórico e empírico, o
dos efeitos da competição entre grandes
presente texto tem por finalidade aportar
potências (MARES, 2012; GURGANUS,
subsídios para uma estratégia militar
2018; ELLIS, 2018, 2019; TEIXEIRA
brasileira, articulando a dissuasão
JÚNIOR, 2018). Seja sob a perspectiva de
convencional e o conceito operacional de
uma “Nova Guerra Fria” (BANDEIRA, 2013;
Antiacesso e Negação de Área (A2/AD).
TEIXEIRA JÚNIOR, 2019) ou do “Retorno
Um dos resultados de maior relevância
da Geografia” (KAPLAN, 2013), o Entorno
dos estudos anteriores é a consolidação da
Estratégico Brasileiro converte-se,
conexão entre ambiente multidomínio,
paulatinamente, em um tabuleiro estratégico,
dissuasão e conceito operacional de
cujo conhecimento é fulcral para testar os
Antiacesso e Negação de Área – A2/AD
limites de uma possível estratégia dissuasória
(TEIXEIRA JÚNIOR, 2020). A partir do
e propor conceitos operativos.
mencionado estudo comparado, chegou-se ao
Se a Geopolítica é um fator
entendimento de que a realidade geopolítica
fundamental para moldar o ambiente regional
multidomínio proporciona novos horizontes
em que o Brasil está inserido, a Geoestratégia
acerca de como distintas posturas e estratégias
também se faz presente (MATTOS, 1986).
de dissuasão podem ganhar concretude
Conforme expresso na ideia de “ambiente
multidomínio”, o espaço de batalha do século
1
Longe de existir um modelo único, além dos casos
supracitados, distintos países se inspiram na lógica de XXI torna-se progressivamente mais
Antiacesso e Negação de Área, dentre os quais a Coreia
do Norte (TANGREDI, 2013), a Índia complexo (BROWN & PERKINS, 2017;
(RAGHUVANSHI, 2020) e a Venezuela (TEIXEIRA
FREEDMAN, 2017; PERKINS& HOLMES,
JÚNIOR et. al., 2020).

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


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2018). Como exemplo, a clássica acepção da dissuasão deve ser a primeira postura
“guerra tridimensional” (CASTRO, 1999) é estratégica a ser considerada para a defesa dos
ressignificada na atualidade, ao se contrastar interesses nacionais” (END, 2020, p. 33). Se a
com o advento do domínio cibernético e com dissuasão é uma modalidade estratégica
o novo esforço para uma inclusão do Espaço prevista em documentos orientadores da
Exterior como domínio de operações Defesa Nacional, como ela é definida no
(SLOAN, 2012). Brasil?
A conexão supramencionada entre A END define as Capacidades
Geopolítica e Geoestratégia traz um desafio Nacionais de Defesa, a saber: “Proteção,
ímpar para pensar Defesa e Estratégia no Pronta-resposta, Dissuasão, Coordenação e
Brasil. Cenários devem incorporar cada vez Controle, Gestão da Informação, Logística,
mais a possibilidade do uso da força militar Mobilidade Estratégica, Mobilização e
em contextos de crescente assimetria, cujos Desenvolvimento Tecnológico de Defesa”
potenciais agressores são dotados da (BRASIL, 2020, p. 35). Somado ao
capacidade de projetar poder em longas entendimento da dissuasão como capacidade,
distâncias. Essa projeção de poder com a qual segundo a END também se trata de “atitude
se quer contrapor não é unidimensional, no estratégica”. De acordo com o documento
entanto, pode ocorrer em diferentes domínios supracitado, dissuasão é
ao mesmo tempo, tornando cada vez mais atitude estratégica que, por intermédio de
complexo o ofício da defesa. Por essa razão, o meios de qualquer natureza, inclusive
militares, tem por finalidade desaconselhar
Ministério da Defesa e o Exército Brasileiro ou desviar adversários, reais ou potenciais,
de possíveis ou presumíveis propósitos
devem dar importância ao desenvolvimento bélicos. O mesmo que DETERRÊNCIA.
(BRASIL, 2020, p. 77).2
de uma estratégia e de conceitos operacionais
que habilitem o país a responder às Destacamos dois aspectos dessa

complexidades do ambiente multidomínio em revisão conceitual. Primeiro, o efeito

que se processa a competição geopolítica em dissuasório aqui definido coincide com a

curso. compreensão acadêmica (SCHELLING,

As inferências feitas pela presente 1966; MEARSHEIMER, 1983; FREEDMAN,

agenda de pesquisa levam à seguinte 2003), quando se afirma que esta tem por fim

indagação: por qual razão deve o Brasil “desaconselhar ou desviar adversários, reais

priorizar uma estratégia dissuasória? Na ou potenciais ou presumíveis propósitos

Estratégia Nacional de Defesa, doravante bélicos”. Essa definição incorpora dois

denominada END, ao se discutir sobre o


2
Idêntica definição encontrada no Glossário das Forças
Atlântico Sul e a Amazônia, afirma-se que “a Armadas (BRASIL, 2015).

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


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sentidos. Enquanto “desaconselhar” enseja parecer um preciosismo acadêmico, a


dissuasão, “desviar” (entendido aqui como ausência de uma formulação da dissuasão
Deter) diz respeito à “deterrência”. Conforme como estratégia4, não apenas como
asseveram autores como Mearsheimer (1983) capacidade ou efeito, inibe uma correta
e Beaufre (1998), a dissuasão objetiva compreensão sobre quais critérios e
desencorajar um potencial agressor, fazendo mecanismos a movem. Para funcionar, por
com que ele desista de atacar. Na acepção exemplo, a dissuasão possui como pré-
anglófona do termo, deterrence consiste na requisitos, a credibilidade do dissuasor, suas
habilidade de deter uma agressão potencial, capacidades, somadas a uma mensagem clara
com estímulos negativos à ação (custos). para o interlocutor estratégico. Capacidade
Aquilo que convencionamos chamar de que este a perceba e a entenda corretamente
dissuasão (dissuasion) consiste em uma (BEAUFRE, 1998; FREEDMAN
perspectiva mais ampla de deterrence, pois &RAGHAVAN, 2013).
também inclui, em seu escopo, incentivos Figura 1: Polissemia do termo
positivos para que o potencial agressor altere dissuasão
o seu curso de ação planejado. Em outras
palavras, dissuasão abarca tanto a capacidade
de deter uma agressão, levando o atacante a
desistir da ofensiva, quanto a capacidade de
apresentar ao interlocutor estratégico
possíveis ganhos mútuos da opção pela não
agressão (MAZARR, 2018).
Em segundo lugar, o significado de
dissuasão é polissêmico, podendo ser uma .
capacidade, uma atitude estratégica ou um Fonte: o autor, 2021

efeito, conforme figura 1. Embora classificada Assim, qual a importância da


como capacidade ou atitude estratégica, a dissuasão como modalidade estratégica para o
dissuasão não aparece na END como produto Brasil? Que tipo de dissuasão priorizar? Qual
de uma estratégia própria, no caso, uma método ou abordagem empregar? Que
estratégia dissuasória3. Ainda que possa capacidades construir? Para responder a essas

suficientemente poderosas e prontas para emprego


3
Ressaltamos que na Doutrina Militar de Defesa imediato, capazes de desencorajar qualquer agressão
(BRASIL, 2007), a Dissuasão é apresentada como uma militar.” (BRASIL, 2007, p. 36).
4
das principais estratégias de emprego das Forças Inclusive, no Glossário das Forças Armadas do
Armadas. No referido documento, dissuasão Ministério da Defesa (BRASIL, 2015, p. 90), afirma-se
“Caracteriza-se pela manutenção de forças militares que “DETERRÊNCIA - O mesmo que DISSUASÃO.”.

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


12

indagações, fazemos uso das inferências acordo com o ilustrado pelo quadro 1.
produzidas nos estudos comparativos, de

Quadro 1: Estratégias de Dissuasão Comparadas (Rússia, China e Irã)

Fonte: Teixeira Júnior (2021a).

A dissuasão pode ser analisada em (militar) ou abrangente (nacional). Conforme


distintos níveis. Como uma estratégia militar, destacamos em estudo anterior (TEIXEIRA
ancora-se, preponderantemente, em meios de JÚNIOR, 2021a), observamos que, embora
força para passar a sua mensagem. Entretanto, países como Rússia, China e Irã possuam
diversas potências tendem a elevar a meios materiais que robustecem as
dissuasão ao nível de uma estratégia nacional. capacidades e a credibilidade de suas
Esse nível nos revela qual conceito de estratégias dissuasórias, esses países adotam
dissuasão é adotado por diversos países. Por um conceito amplo de dissuasão, articulando
“conceito de dissuasão” (MAZARR, 2018) a sua expressão militar a uma estratégica
entende- se o grau de abrangência conceitual nacional apoiada também em efeitos não-
que as nações atribuem à dissuasão, restrita cinéticos.

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


10

Uma segunda característica de uma Teerã combina, em graus e formas distintas,


estratégia dissuasória refere-se ao tipo de meios convencionais e irregulares, buscando
dissuasão, se nuclear ou convencional. efeitos cinéticos e não cinéticos para alcançar
Objetivamente, a dissuasão nuclear não faz o estágio final desejado. Essa inferência é
parte do repertório de opções possíveis para o importante para a experiência brasileira, pois
Brasil atualmente, restando como opção a permite compreender como é possível, a partir
dissuasão convencional, que pode ser de meios não-nucleares, elevar os custos de
preponderantemente militar, ou a busca por agressão a potenciais inimigos, de forma a
uma articulação sinérgica com outros que eles sejam desencorajados de agir. Por
instrumentos de poder, como a Diplomacia e esse ângulo, a END parece estar congruente
as ferramentas econômicas. Mesmo a com um conceito amplo de dissuasão quando
dissuasão nuclear, fortemente dependente do afirma que, a
poder militar5, é amplamente articulada a
outras ferramentas da ação do Estado, como a concepção estratégica de defesa do País, em
tempo de paz ou de crise, está pautada na
Diplomacia e a Inteligência. Dada a reduzida capacidade de dissuasão para inibir
eventuais ameaças, observando o
capacidade destrutiva prevista pela dissuasão estabelecido na Constituição, nos preceitos
do direito internacional e nos compromissos
convencional, quando comparada à do tipo firmados pelo País. Nesse sentido, dissuadir
nuclear, faz-se ainda mais premente que a não implica que, em caso de crise ou
conflito, o País tenha que se limitar
estratégia dissuasória estabeleça claramente estritamente à realização de ações de caráter
militar. No contexto de um plano mais
uma ponte estratégica entre os objetivos amplo de defesa, e a fim de repelir uma
eventual agressão, será empregado o Poder
político-militares desejados, os meios e as Nacional necessário, com vistas à decisão do
conflito no prazo mais curto possível e com
formas de condução das operações. Para um um mínimo de danos à integridade e aos
país que tem como opção a dissuasão interesses nacionais, impondo condições
favoráveis ao restabelecimento da paz.
convencional, pensá-la como conceito restrito (BRASIL, 2020, p. 33)

à expressão militar é uma forma de mitigar a


Uma terceira característica da
chance de êxito da própria dissuasão. Essa
estratégia dissuasória aqui elencada é o seu
preocupação foi claramente detectada quando
método. Classicamente, o método ou
estudamos as experiências de Rússia, China e
abordagem dissuasória se divide entre a
Irã (TEIXEIRA JÚNIOR, 2021a).
preferência pela negação ou pela punição.
Duas características se destacam do
Destacando-se, na dissuasão convencional, a
estudo previamente realizado: a dissuasão
estratégia de dissuasão pela negação funciona
convencional buscada por Moscou, Pequim e
por meio da imposição de custos à ação
5
Para uma definição de Poder Militar, ver Biddle adversária, fazendo com que estes superem os
(2004).

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


11

benefícios do ato de força. Como contraste, um repertório mais amplo de medidas


tradicionalmente associada à dissuasão coercitivas em apoio à dissuasão geral. Para o
nuclear, a dissuasão pela punição consiste em Brasil, essa perspectiva é interessante, pois
deter um agressor a partir da ameaça de permite articular ambos os métodos,
retaliação (MAZARR, 2018). ampliando assim o repertório de modalidades
A dissuasão pela punição tendeu a ser estratégicas à disposição do estrategista. De
a abordagem preponderante durante a Guerra- forma a incrementar os custos a potenciais
Fria, em virtude da prevalência das armas desafios, a combinação dos métodos de
nucleares como pilar da dissuasão estratégica negação e punição torna possível atingir
(strategic deterrence). Pensada inicialmente distintos centros de gravidade, elevando
como complementar à dissuasão nuclear sobremaneira os custos (políticos, militares e
(BEAUFRE, 1998), como assevera econômicos) da ação ofensiva adversária. Na
Mearsheimer (1983), a dissuasão impossibilidade de projetar poder
convencional começou a ganhar espaço entre convencional contra centros de gravidade de
acadêmicos e estrategistas nos anos 1980. um inimigo – a exemplo do emprego de
Com ela, a dissuasão pela negação tendeu a forças expedicionárias – Forças Especiais ou
ganhar papel de destaque como mecanismo Comandos podem ser importantes recursos
causal da dissuasão convencional. Por essa para produzir efeito punitivo. Somados a
razão, observa-se a preferência pelo método esses, meios não-cinéticos, como Guerra
da negação como pilar essencial da lógica Eletrônica e Cibernética, podem contribuir
estratégica por trás da dissuasão para a redução da capacidade operacional
convencional. adversária, tal como afetar alvos contra-valor
A identificação entre tipo e método de em seu território.
dissuasão (nuclear - punição e convencional - Uma quarta característica da estratégia
negação) não é um dogma ou uma dissuasória diz respeito à temporalidade.
determinação rígida em uma estratégia Sobre essa variável, autores como Mazarr
dissuasória. Da mesma forma que Rússia e (2018) propõem dois tipos: geral e imediata.
China – potências nuclearmente armadas – O primeiro refere-se a uma postura estratégica
lançam mão da dissuasão convencional, o Irã permanente; o segundo diz respeito a uma
– ainda não nuclearmente armado – se utiliza postura estratégica ativada, já em contexto de
do método de punição, combinando-o com o crise, e sua possível evolução para guerra.
de negação. Em síntese, observou-se que Grandes potências como Rússia e China
alguma capacidade de punição (convencional assumem a dissuasão geral como parâmetro.
– regular ou não) é percebida como parte de Possuem nos Estados Unidos o seu

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interlocutor estratégico perene, sendo este um (CORRÊA, 2020; FERREIRA & TEIXEIRA
dos principais receptores de suas mensagens JÚNIOR, 2021).
de caráter dissuasório. Mesmo configurando Uma quinta característica de uma
como uma potência regional não estratégia dissuasória diz respeito ao escopo
nuclearmente armada, o Irã também aposta geográfico da dissuasão, sendo ela direta ou
em uma postura de dissuasão geral. estendida. Por dissuasão direta, entende-se a
Semelhante aos países supracitados, tem nos dissuasão referente ao seu próprio território,
EUA seu adversário geoestratégico, somado a área contestada ou objetivos internacionais.
outros atores no Oriente Médio. Nesses casos, Dissuasão estendida diz respeito a
ao optar por uma postura de dissuasão geral, a proporcionar dissuasão a terceiros, como
mensagem dissuasória é reforçada com parceiros estratégicos ou aliados militares
credibilidade e capacidades ao longo do (MAZARR, 2018). Rússia, China e Irã
tempo e não apenas durante crises. priorizam a dissuasão de seu próprio
Para o caso brasileiro, entendemos que território, em uma concepção de dissuasão
a dissuasão geral faz ainda mais sentido. Não direta, não obstante busquem também moldar
possuindo uma ameaça existencial o ambiente operacional futuro, negando-o a
reconhecida, o país pode produzir uma seus oponentes.
mensagem dissuasória contra atores difusos Por sua vez, no caso brasileiro, a
no sistema internacional. Embora seja difícil ênfase central da política e da Estratégia
postular a uma dissuasão sob medida (tailored Nacional de Defesa (BRASIL, 2020) é com o
deterrence), a qual comunica melhor uma território nacional. Decorre desse escopo
mensagem ao ter interlocutores claros, o territorial, a inferência de que a dissuasão
Brasil pode pautar a sua dissuasão geral em convencional brasileira seria do tipo direta.
termos de compromissos com a manutenção Diante do exposto, pode-se indagar: dissuasão
do status quo territorial e/ou político em seu contra quem? Na ED-2 “Fortalecimento da
país ou em outras áreas de interesse, como no capacidade de dissuasão”, argumenta-se que
seu Entorno Estratégico. Por essa razão, essa “Estratégia significa desenvolver,
metodologias de planejamento estratégico aprimorar e consolidar os fatores que
como o PBC (Planejamento Baseado em conferem ao País condições para desestimular
Capacidades) podem ser úteis, dado que qualquer ação hostil contra sua soberania,
orientam o desenvolvimento de capacidades seus interesses, anseios e aspirações”
militares em resposta a possíveis desafios e (BRASIL, 2020, p. 63). Salientamos que os
não necessariamente uma ameaça específica “compromissos” da dissuasão brasileira são:

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sua soberania, seus interesses, anseios e quadro 2 expõe uma apreciação acerca das
aspirações. características de uma possível estratégia de
Com base nas inferências apresentadas dissuasão brasileira.
sobre o caso brasileiro, como síntese, o

Quadro 2: Características de uma Estratégia Dissuasória Brasileira

Fonte: o autor. Observação: (+) e (-) referem-se a ênfase.

Embora as preferências de defesa do análise sob a perspectiva das áreas de


Brasil sejam generalistas, estando no nível de interesse geoestratégico do Brasil, sendo este
princípios, os compromissos da dissuasão o objeto da próxima seção.
brasileira se projetam para as áreas de
interesse geoestratégico, em que os desafios a
esses valores possam vir a se manifestar. Por
isso a centralidade de colocar a presente

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2. A Geografia da Dissuasão e seus A seguir, destacamos, no Mapa


desafios estratégicos Político, as duas áreas brasileiras
Conforme destacam autores clássicos geoestratégicas principais, o Atlântico Sul (ou
da geopolítica brasileira (CASTRO, 1999; Amazônia Azul) e a Amazônia, subdividida
MATTOS, 2002), o Brasil possui uma em suas porções: oriental e ocidental.
expressão marítima e continental de vasta Como consta na Estratégia Nacional
extensão. Semelhante à China, o Brasil possui de Defesa, o
uma expressiva Costa. Assim, caso haja Atlântico Sul é uma área de interesse
geoestratégico para o Brasil. A proteção
confronto com uma potência ou coalizão mais dos recursos naturais existentes nas águas,
forte, exercer o controle dessa área é um no leito e no subsolo marinho sob
jurisdição brasileira é uma prioridade do
desafio, sendo passível de domínio por País. A dissuasão deve ser a primeira
postura estratégica a ser considerada
potências extrarregionais a parte exterior às para a defesa dos interesses nacionais. A
exploração e explotação da Amazônia
águas jurisdicionais brasileiras. Em sua Azul® e a utilização das linhas de
comunicação marítimas do Atlântico Sul
expressão continental, o Brasil faz fronteira continuarão a ser vitais para o
com 10 países. Na região Amazônica, é desenvolvimento do Brasil, exigindo a
intensificação das capacidades de prover
vizinho de uma grande potência nuclear – a Segurança Marítima. Para o incremento
dessa segurança, é importante a ampliação
França (Guiana Francesa), soma-se a isso a de um ambiente de cooperação com países
lindeiros do Atlântico Sul, principalmente
presença de potências extrarregionais em por meio de suas Marinhas (END, 2020, p.
33) [grifo nosso].
países lindeiros como Colômbia e Venezuela.
Figura 2: Amazônia e Atlântico Sul como Áreas de Interesse Geoestratégico

Fonte: o autor com base em Brasil (2020, p. 27).

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Apesar da relevância dessa área Devido à extensão do território


geoestratégica, diferente da Rússia, da China brasileiro, aos desafios logísticos e de
ou do Irã, a geografia marítima da Costa segurança e, sobretudo, devido à
Brasileira e do Atlântico Sul não proporciona permeabilidade das vastas áreas de fronteira
vantagens naturais, como estreitos ou cadeias terrestre, hipoteticamente, alguns países
de ilhas que facilitem tarefas de Antiacesso e lindeiros podem servir de base de operações
de Negação do uso do mar. Não obstante, avançadas para potências extrarregionais.
com o aproveitamento do ponto de Nesse cenário, inspirada na experiência russa,
estrangulamento do Atlântico Sul (Saliente a concepção de “bolhas de A2/AD”
Nordestino, linha Natal-Dakar) e de algumas (SUKHANKIN, 2017; WILLIAMS, 2017)
ilhas e arquipélagos (São Pedro e São Paulo, nos é útil. Embora uma doutrina de emprego
Atol das Rocas, Fernando de Noronha e Ilha estruturada à luz do Antiacesso e Negação de
de Trindade e Martin Vaz, entre outras), o Área não possa definir uma frente específica,
Brasil poderia basear a implantação de meios por causa da geografia e dos recursos
fixos de Antiacesso, como plataformas nacionais, não é factível uma cobertura de
terrestres distantes do continente. A2/AD que salvaguarde todo território e suas
Quando analisada a projeção fronteiras. Assim sendo, a instalação de
geopolítica continental do Brasil, assim como bolsões de Antiacesso e Negação de Área em
a Rússia, o país possui grande fronteira e faz zonas cruciais poderá ser importante para
conexão terrestre com diversos países, reduzir as vulnerabilidades e o acesso a
circunstância em que a Amazônia emerge centros de gravidade nacionais. Por essa
como outra área geoestratégica central para a razão, um posicionamento de meios e
defesa e dissuasão. Segundo a Estratégia capacidades no Sul e no Sudeste é
Nacional de Defesa, a insuficiente, pensando em um cenário geral
em que potenciais agressores valer-se-ão do
Amazônia, assim como o Atlântico Sul,
também é uma área de interesse domínio marítimo para projetar poder contra
geoestratégico para o Brasil. A proteção da
biodiversidade, dos recursos minerais,
o Brasil. Desse modo, a Amazônia, em
hídricos, além do potencial energético, no especial a Foz do Amazonas, poderá somar-se
território brasileiro é prioridade para o
País. A dissuasão deve ser a primeira como uma área vital para uma futura zona de
postura estratégica a ser considerada para
a defesa dos interesses nacionais naquela A2/AD brasileira.
região (END, 2020, p. 33) [grifo nosso].

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[...] a Amazônia, em especial a Foz do


Amazonas, poderá somar-se como uma área
vital para uma futura zona de A2/AD
brasileira.
Embora a definição das áreas Primeiramente, partimos do pressuposto de
geoestratégicas nos permita aproximar a que a estratégia dissuasória objetiva prevenir
análise da realidade da prática da dissuasão, o um ato de agressão. Para esse efeito, parte-se
caráter abstrato dos fatores listados do cálculo da relação custo/benefício,
anteriormente dificulta a compreensão sobre levando-se em consideração a magnitude dos
como poderão se materializar os desafios objetivos políticos em antagonismo. Existem
nessas áreas. Tradicionalmente, os distintos tipos de custos e eles ensejam
documentos de defesa ou discursos de altas distintas possibilidades a povoar os cenários.
autoridades da República não identificam ou Custos de resistência (negativo) implicam
nomeiam ameaças ao país, tornando mais desafiar as demandas do coator, enquanto os
relevante como insumo para imaginação custos de conformar-se dizem respeito aos
estratégica a ideia de desafios ao invés de custos de se subordinar a seguir as diretrizes
ameaças. Entretanto, a ausência de ameaças emanadas pelo coator (compellence).
concretas não exclui uma postura estratégica Enquanto nos custos de resistência,
dissuasória. Conforme argumentamos, a principalmente atrelados à dissuasão, o custo
dissuasão geral pode funcionar mesmo em é pensado em termos de resultados no campo
contextos em que ela não é feita sob medida de batalha convencional, como baixas
para um determinado interlocutor estratégico. militares, perda ou inutilização de
Logo, a pergunta correta não seria equipamentos, entre outros fatores; os custos
“dissuasão contra quem”, mas sim de conformar-se tendem a ser mais amplos,
“dissuasão contra o quê”? Em especial, afetando a liberdade de ação do país-alvo e
contra que tipo de desafio a dissuasão deverá sua condição de soberania real e autonomia
produzir efeito de forma a entregar o estado no sistema internacional. Isso posto, os três
final desejado? cenários são sintetizados no quadro 3.
Assim sendo, vislumbramos três
desafios que poderão subsidiar cenários para
o desenvolvimento de uma estratégia
dissuasória, suas capacidades e efeitos. Esses
desafios baseiam-se nas seguintes premissas.

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Quadro 3: Desafios para a Dissuasão Extrarregional Brasileira

Fonte: o autor.

O cenário 1 prevê maior intensidade gravidade do país-alvo, articulando distintas

violenta e menor probabilidade de ocorrência, expressões do poder: pressões econômicas;

configurando uma situação classificada como isolamento diplomático; destruição da

“guerra ilimitada” (CLAUSEWITZ, 1984). reputação internacional do país; e emprego

Na situação hipotética, uma potência direto e indireto de meios de força militar.

extrarregional ou uma coalizão tem como Caso as ações indiretas não logrem o objetivo

objetivo político a Mudança de Regime ou de político desejado, o emprego do poder militar

Governo no Brasil. Obtendo êxito, o regime se faz primordial. Assim sendo, a projeção de

poderá ser alterado, mediante vitória político- poder insere-se, no cenário, por meio de uma

militar estrangeira, e uma nova ordem força expedicionária apta a subordinar a

político-social imposta. Em um menor grau, a vontade do opositor.

mudança de regime poderá não ocorrer, O cenário 2 estima média intensidade

apenas a de governo, havendo, nesse caso, violenta e média probabilidade de

expressiva mudança no campo de orientação ocorrência, ilustrando uma situação de

política. A potência agressora ou a coalizão “guerra limitada” (CLAUSEWITZ, 1984).

tenderá a utilizar diversos recursos, militares e Nessa hipótese, uma potência extrarregional

não militares, de forma a atingir os centros de ou uma coalizão tem como objetivo político
a Revisão do Status Quo Territorial, que

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pode ocorrer em benefício de um grupo se objetiva compelir o oponente a um curso


de ação que desejamos a coerção se
separatista, por razões de conflito étnico ou expressa. Segundo, como dissuasão, quando
se recorre à ameaça para dissuadir/deter o
humanitário. Nesse caso, não se prevê a comportamento que não desejamos por parte
de um adversário (TEIXEIRA JÚNIOR,
mudança do regime político ou 2020).
necessariamente a deposição do governo,
mas sim a perda de parcela do território, Para produzir esse efeito, concebe-se
sendo esse o custo maior da falha da que uma potência ou uma coalizão irá
dissuasão e da derrota militar. Como mobilizar, preponderantemente, meios não-
empreendimento de guerra limitada, militares (econômicos, diplomáticos e
concebe-se que os meios não-militares de informacionais) de forma a impactar
pressão buscarão mitigar enormemente a decisivamente o processo decisório do país-
liberdade de ação da potência-alvo, alvo. Nesse caso, o uso da força militar é
fragilizando a sua capacidade de defesa. passível de ser utilizado, mas em uma
Optando-se pelo uso direto da força, uma intensidade moderada, dado que a coerção se
força expedicionária – estruturada em força- baseia na “habilidade de causar dor”
tarefa – poderia ser despachada para o (SCHELLING, 1966). A coerção não opera
Teatro de Operações (TO) de forma a pela submissão do inimigo por “força bruta”,
consolidar uma situação de fait accompli mas sim por fazê-lo temer a “violência
(fato consumado). Obtendo êxito, a força potencial”.
agressora retiraria do campo de batalha o Para a coerção funcionar, não é
ambiente de decisão da campanha e o necessário o uso da força direta. Na prática,
elevaria às esferas política e diplomática, apenas potências com elevada liberdade de
nas quais a barganha estratégica impera. ação podem julgar fazê-lo, sem ser
O cenário 3 pressupõe menor admoestadas pela comunidade internacional e
intensidade violenta e maior probabilidade de por seus mecanismos de regulação da
ocorrência, consistindo em uma situação de segurança internacional, como o Conselho de
menor violência real e potencial. Trata-se de Segurança da ONU. Assim sendo, a coerção
uma situação hipotética de Coerção, pode ser aplicada para levar um país-alvo a
objetivando alterar o comportamento político seguir um determinado curso de ação
do país-alvo. Essa finalidade pode ter dois desejado pelo coator, sendo isso a
objetivos, a compelência ou a dissuasão, cuja compelência. Inversamente, a coerção pode
definição é a que segue. ser usada para desencorajar um país a agir de
A dissuasão é uma estratégia coercitiva que forma a que o coator não deseja, é o que se
se apresenta de duas formas. Como
compellence ou coercive diplomacy quando denomina de dissuasão. Em sintonia com esse

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cenário, o “flexionar de músculos” militares conceitos operacionais – os três países


ou a sinalização de intenção violenta, investigados, Rússia, China e Irã, apontaram
acompanhada por outros elementos de uma importantes subsídios para pensar o Brasil,
mensagem coercitiva no âmbito político, em particular, quando as características da
diplomático e econômico (ALSINA JÚNIOR, geografia do ambiente regional do nosso país
2009) caracterizam o desafio ao qual a são observadas.
dissuasão brasileira deverá estar atenta no O surgimento da estratégia
futuro. operacional de A2/AD cria óbices para a
Após identificarmos o que pode prevalência da ofensiva sobre a defensiva nas
significar dissuasão à luz de uma proposta de operações militares contemporâneas (POSEN,
concepção estratégica brasileira, suas áreas de 2003; TANGREDI, 2013). Por conseguinte, a
interesse geoestratégico e os cenários que condição de assimetria de poder e força pode
ilustram potenciais desafios à dissuasão e à se converter em ativo, dado que o A2/AD
defesa, é necessário descer a análise do nível preconiza o emprego de respostas
estratégico para o operacional. Para esse fim, assimétricas, combinando meios
a seção que segue debruçar-se-á sobre a convencionais e irregulares, buscando efeitos
lógica, as capacidades, os recursos e os efeitos cinéticos e não cinéticos.
de Antiacesso e Negação de Área. No tocante à lógica estratégica, o
A2/AD favorece, sobremaneira, uma
2. Efeito Dissuasório a partir do estratégia de ação direta (BEAUFRE, 1998),
Conceito Operacional de Antiacesso e ao elevar a perspectiva de atrição entre as
Negação de Área e seus meios forças antagonistas e ao empreender a erosão

A Estratégia Nacional de Defesa da capacidade e ímpeto combatente do

(BRASIL, 2020) prevê que a capacidade de inimigo a partir de ações no tempo (conflito

dissuasão “sustenta-se nas condições que prolongado) e no espaço (negação de área e

possui a Nação de congregar e aplicar sua acesso). Assim, o A2/AD objetiva degradar as

Capacidade de Proteção e de Pronta-resposta, condições da operacionalização da estratégia

no caso de eventuais ações hostis contra a inimiga em uma perspectiva multidomínio.

soberania e os legítimos interesses do Brasil” No nível estratégico, a vitória no A2/AD é a

(END, 2020, p. 36). Observando como a ideia negação da realização do objetivo inimigo,

de A2/AD sintetiza várias nuances da principalmente o acesso e a conquista de uma

mudança no uso da força militar nas últimas área ou região de interesse do defensor. Neste

décadas – com impactos na geografia dos artigo, o A2/AD é entendido como o

domínios da guerra, sistemas de arma e mecanismo de operacionalização da estratégia

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


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de dissuasão convencional. Pensado em Quando subordinado a posturas


estratégicas defensivas e/ou dissuasórias,
termos de um conceito operacional, o o A2/AD como estratégia ou conceito
operacional exibe uma robusta
Antiacesso e a Negação de Área visam confluência entre objetivos (defender,
conectar efeitos do nível operacional em dissuadir), como fazer (doutrina) e meios
(sistemas de armas que contribuam para
benefício de uma estratégia, a qual conecta a produção de efeitos de negação de
acesso e área) (TEIXEIRA JÚNIOR,
objetivos, formas e meios (ends, ways and 2021) [no prelo].

means), normalmente atrelados a uma postura


defensiva e/ou dissuasória.

Quadro 4: Operacionalização de uma Estratégia Dissuasória Brasileira

Fonte:o autor.

O quadro 4 ilustra como esses fatores respectivos equipamentos militares,

estão conectados à luz das variáveis “postura Krepinevich, Watts e Work (2003)

estratégica”, “modalidades”, “métodos” e identificaram a ênfase dada por esses países

“sistemas/capacidades”. para a incorporação de meios militares com

Como apoiam Tangredi (2013) e perfil de longo alcance, como mísseis,

Biddle & Oelrich (2016), o debate moderno sistemas antiaéreos, aeronaves e submarinos.

sobre Antiacesso e Negação de Área constitui Contudo, distinto de ser algo inédito

tema fundamental nas discussões no debate estratégico, a ideia força de

contemporâneas sobre estratégia e tática, em Antiacesso e de Negação de Área é velha

especial devido ao desenvolvimento de conhecida na história militar (TANGREDI,

sistemas de armas de longo alcance, 2013). Entretanto, segundo Biddle & Oelrich

fortemente apoiados na missilística. (2016, p.1), “o que torna o A2/AD diferente

Oficialmente, uma das primeiras aparições do passado é o rápido aprimoramento das

oficiais dos termos Antiacesso e Negação de tecnologias de sensores, orientação e

Área (A2/AD) ocorreu em 2003. Ao analisar comunicação nas últimas décadas e as

os desenvolvimentos chineses e russos os novas maneiras de implementar essas

desenvolvimentos chineses e russos em seus estratégias que essa tecnologia cria”. Por
definição, um sistema A2/AD compreende

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capacidades militares no contexto de uma Figura 3: Cenário hipotético de A2/AD


estratégia preponderantemente defensiva em
um contexto de relativa assimetria.
Em linhas gerais, os recursos de
Antiacesso e de Negação de Área constituem
um amplo sistema integrado que atua em
proveito de uma estratégia defensiva, com
capacidade de localizar e neutralizar alvos
aéreos, navais e terrestres a grandes distâncias
(A2). Essa clarificação é relevante, dado que
o A2/AD não é propriamente uma estratégia
militar, mas sim um conceito operacional
aplicável a uma estratégia de nível
operacional no âmbito do TO.
Fonte: Teixeira Júnior (2020, p. 14).
Conceitualmente, podemos nos basear
na definição do Joint Operational Access Geograficamente, a figura 2 ilustra

Concept (JOAC) acerca do A2/AD. De que Antiacesso corresponde a ações e

acordo com o documento, Antiacesso são capacidades de impedir com que um país (B)

ações e capacidades, geralmente, de longa obtenha êxito em projetar poder militar contra

distância, desenvolvidas para impedir o o território de outro país (A) (área de

acesso de uma força adversária adentrar interesse), em qualquer domínio de operações

determinada área de operações. Em adição, o (mar, terra, ar, espaço ou ciberespaço).

respectivo documento define Negação de Salientamos que a fronteira é um importante

Área como ações e capacidades de distância referente espacial na caracterização do TO em

mais curta, com objetivos de limitar a que os países A e B desdobram seus meios.

liberdade de ação de forças adversárias dentro Ações de Antiacesso operam fora do território

de determinada área de operações (WEMYSS, do país A, exercendo efeitos nas capacidades,

2016). A figura 3 ilustra a dimensão meios e vontade dentro do território do país

geográfica desses conceitos operacionais. B. De forma complementar, no caso de que o


país B ainda consiga projetar força para sua
área de interesse, o interior do território do
país A, a Negação de Área consiste em ações
e capacidades que terão como finalidade
degradar ou impedir a mobilidade do inimigo

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


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no terreno, levando-o à exaustão e acirrando Em síntese, o termo A2/AD é usado


seus custos. Como é possível inferir, os para definir um sistema que congrega
conceitos operacionais de Antiacesso e doutrinas de emprego, sistemas de armas e de
Negação de Área são aderentes tanto à táticas no contexto de uma estratégia
dissuasão quanto à defesa. defensiva. Complementando, Kazianis (2013)
Em uma perspectiva acadêmica, pode- define o conceito como um termo sofisticado
se afirmar que Antiacesso é a capacidade de para defesa em camadas em vários domínios.
impedir ou impor severas restrições à entrada Esse sistema subordina-se ao objetivo de
de tropas inimigas em um TO. De forma impedir que forças inimigas acessem
complementar, a Negação de Área é a determinada área, seja pela destruição de suas
capacidade de retirar a liberdade de ação e/ou capacidades (tropas, meios de transporte,
movimentação dentro da área geográfica do plataformas de ataque), seja pela própria
TO ao inimigo (KREPINEVICH, WATTS & possibilidade de destruição da força opositora,
WORK, 2003). Sintetizamos essas definições aumentando imensamente, para os
no quadro 5, a seguir. planejadores rivais, o custo humano e material

Quadro 5: Capacidades de Antiacesso e Negação de Área

Fonte: Teixeira Júnior (2021b).

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


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das operações ofensivas com a finalidade de modernização em curso6, a supracitada


acessar uma determinada área publicação afirma: “O Brasil procura
(KREPINEVICH, 2003; TANGREDI, 2013; aumentar as suas capacidades de projeção de
TEIXEIRA JÚNIOR, 2020). poder, reforçar a vigilância da região
Esses conceitos operacionais se amazônica e das águas costeiras e desenvolver
materializam em duas realidades geográficas. ainda mais a sua indústria de defesa” (IISS,
Conforme desenvolvido no presente artigo, o 2021, p. 397. Tradução nossa). Como se
Atlântico Sul e a Amazônia são duas áreas constata pela publicação de sucessivas
geoestratégicas de interesse que se destacam estratégias de defesa, publicadas desde 2008
no Brasil, sendo, consequentemente, zonas de (IISS, 2021, p. 384-386), as Forças Armadas
referência para uma reflexão acerca da brasileiras buscam um esforço de
geografia do A2/AD ou de Teatros de modernização que conta com o
Operação. O Brasil possui uma orientação desenvolvimento de capacidades, dentre as
estratégica que objetiva pela defesa e pelo quais a de dissuasão. Segundo a Estratégia
efeito dissuasório, logo, a lógica da estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2020), dos
de Antiacesso e de Negação de Área pode ser sistemas indutores da transformação,
positiva para inspirar respostas assimétricas
alguns colaboram diretamente para a
contra riscos de projeção de força militar capacidade de dissuasão, em conjunto com
as demais Forças Singulares. O Sistema
estrangeira em seu território. Integrado de Monitoramento de Fronteira –
SISFRON, o Sistema de Mísseis e Foguetes,
Conforme demonstram as experiências o Sistema de Defesa Antiaérea, o Sistema de
de Rússia, China e Irã, a evolução do poder Defesa Cibernética e a Mecanização do
Exército atuam por meio do incremento da
militar nacional para uma força conjunta é mobilidade, da atividade de monitoramento
e controle das fronteiras e da capacidade de
observada como importante para: melhor atuar na negação de acesso indesejado a
áreas ou a sistemas estratégicos de interesse
aproveitar as vantagens defensivas e da Defesa Nacional. (BRASIL, 2020, p. 54).
dissuasórias da realidade do ambiente
multidomínio e estruturar sistemas de A2/AD. Enquanto o Sistema Integrado de

Assim sendo, a presente seção visa discutir Monitoramento de Fronteiras (SISFRON)

meios e capacidades de A2/AD do Brasil a contribui para a consciência situacional do

partir dos domínios terrestre, marítimo, aéreo, espaço de batalha e como ferramenta de apoio

espacial e ciberespaço. à decisão, os Sistemas de Mísseis e Foguetes

De acordo com o The Military e de Defesa Aérea, somados à Cibernética,

Balance (IISS, 2021), as Forças Armadas postulam possíveis capacidades de interesse

brasileiras estão entre as mais capazes da 6


Para uma excelente revisão sobre
transformação/modernização/reforma militar, ver Sloan
região. Destacando o processo de (2008) e Futter e Collins (2015).

Augusto W. M. Teixeira Jr. Vol 21 (3) Jun/Ago 2021


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para o Antiacesso (A2). De acordo com nossa entre capacidades militares e base industrial, a
análise, esforços como a Mecanização do Força Terrestre é positivamente impactada
Exército contribuem sobremaneira para a pela habilidade de produzir, localmente,
Negação de Área (AD). Conforme sistemas de armas como o sistema lançador de
demonstrado pela comparação entre os três mísseis e foguetes ASTROS II MK6 e a
países objeto de estudo (TEIXEIRA JÚNIOR, viatura blindada VBTP-MSR Guarani (IISS,
2020, 2021b), a capacidade de lançamento de 2021, p. 385).
mísseis balísticos e de cruzeiro por Embora autores como Tangredi (2013)
plataformas terrestres (móveis ou fixas) é um e Biddle & Oelrich (2016) enfatizem a
ativo importante tanto na composição de prevalência do domínio marítimo em casos
capacidades de Antiacesso, como na de históricos e presentes de A2/AD, a Força
Negação de Área. A ampla predileção pelo Terrestre possui relevante papel a
desenvolvimento de sistemas de mísseis desempenhar em um sistema de defesa
(balísticos e de cruzeiro) é uma implicação multicamada com elevado valor dissuasório.
que deve chamar atenção ao Exército Em termos de efeito de A2/AD, o ASTROS
Brasileiro, em virtude da relevância de possuiu relevante potencial para construir
possuir capacidade missilística para fins capacidades de Antiacesso, em especial, o seu
defensivos e ofensivos. Nessa direção, o Míssil Tático de Cruzeiro. Por sua vez, a
desenvolvimento do Míssil Tático de Cruzeiro mecanização da Infantaria com viaturas da
(AV-MTC) (BARREIRA & HUGHES, família Guarani poderá agregar nas
2019), associado à família de mísseis de capacidades de Negação de Área. Em adição
longo alcance ar-superfície (MICLA-BR) aos meios produzidos no país, equipamentos
(CAIAFA, 2019) e mísseis antinavio importados como Igla-S, RBS 70/NG e
(lançados por plataformas terrestres ou de sistemas de defesa antiaérea Gepard 1A2
superfície) (BRASIL, 2019) seriam (IISS, 2021, p. 385) contribuem para que a
importantes contributos para dotar as Forças Força Terrestre produza efeitos cinéticos em
Armadas brasileiras de capacidades mais de um domínio de operações.
Antiacesso. No entanto, ao analisarmos a
Um dos fatores que elevam as articulação da Força Terrestre, inferimos que
capacidades nacionais é a existência de uma o seu potencial de contribuição para
base industrial de defesa bem desenvolvida, a capacidades de Antiacesso está posicionado
qual possui capacidade de manufatura de de forma a produzir mais efeitos no
meios aptos a operar em todos os domínios continente sul-americano, em particular, nas
(IISS, 2021, p. 397). No tocante à conexão

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25

fronteiras nacionais, conforme se pode devido a severas limitações logísticas – como


observar na figura 4. a inexistência de transporte estratégico
A manutenção da concentração maciça (strategic air lift) – o pré-posicionamento e a
de suas forças blindadas no Sul, o dispersão de meios não seriam mais
posicionamento de sua força estratégica de apropriados para contribuir com a
Mísseis e Foguetes no Centro e a baixa estruturação de um futuro sistema de A2/AD.
presença de meios de elevado poder de Embora o Brasil possua capacidade de
combate, aliados à baixa mobilidade, denotam mobilidade de homens e de meios (IISS,
uma baixa predisposição em apoiar 2021, p. 397), o seu transporte é
capacidades de A2 projetadas para o Atlântico fundamentalmente tático (tactical air lift),
Sul. Diante dessa avaliação, questionamos se, sendo fundamental modernizar a sua logística

Figura 4: Articulação da Força Terrestre

Fonte: BRASIL (2020, p. 79).

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de transporte em todos os domínios (IISS, missilística em aeronaves, fragatas


2021). “Tamandaré” e corvetas “Barroso”. De acordo
Na perspectiva do domínio marítimo, com o The Military Balance, “O Brasil
o desenvolvimento de meios poderá aportar selecionou o MEKO A-100MB como o
subsídios para a construção de capacidades de desenho de base para as plataformas e estas
Antiacesso. Dentre elas, o Programa de serão equipadas com armas, incluindo mísseis
Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) anti-navio MANSUP desenvolvidos
poderá acrescer às capacidades de A2 na localmente e mísseis terra-ar MBDA´s Sea
vertente oceânica (IISS, 2021, p. 385). Ceptor” (IISS, 2021, p. 385. Tradução
Enquanto os submarinos diesel elétricos S- Nossa).
BR, baseados no design do francês Scorpène, Meios navais podem ser úteis não
poderão contribuir para estruturar zonas de apenas para a operacionalização de ações de
defesa nas áreas jurisdicionais do Brasil, o Antiacesso e de Negação de Área, mas
SN-BR poderá ser um instrumento importante também para agregar capacidade de punição
de Antiacesso, com potencial efeito ao repertório dissuasório brasileiro. Somados
dissuasório. Por meio da tarefa de negação do às opções de emprego de meios
uso do mar, o SN-BR “Álvaro Alberto” convencionais em contexto de assimetria, o
poderá exercer efeito de Antiacesso, emprego de torpedos submarinos contra alvos
enquanto, no interior das águas brasileiras distantes da área do conflito, como, por
(em caso de identificação delas como área exemplo, na retaguarda inimiga, pode se
contestada), os S-BR poderão agir como somar ao emprego de Forças Especiais e
vetores de Negação de Área. Comandos como instrumentos de punição e
Somados a plataformas submersas, meios de projeção de poder contra centros de gravidade
asa rotativa e de asa fixa “S-70 B Sea Hawk em território brasileiro.
helicopters; C295, Turbo Traderand P-3AM No tocante ao domínio aéreo e
Orion aircraft, and Scan Eagleand Hermes espacial, a Força Aérea Brasileira cumpre
450/900” (IISS, 2021, p. 385) poderão importante papel para capacidades no campo
contribuir para sinergia entre ações e efeitos aeroespacial. Entre os meios de que dispõe
nos domínios naval e aéreo. O (ou previstos), os caça multi-função Gripen
desenvolvimento e a aquisição de plataformas NG-BR (IISS, 2021, p. 385) poderão
de superfície, como o Navio-Aeródromo acrescentar importantes capacidades de
Multipropósito “Atlântico”, poderão acrescer Antiacesso. Segundo o The Military Balance,
o potencial de capacidades Antiacesso, em além do projeto FX-2 de aquisição de aviões
especial, se conjugado com a capacidade de combate Saab Gripen, também está em

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curso o plano de introdução dos aviões de de Guerra Eletrônica são vitais para afetar
transporte Embraer KC-390 (IISS, 2021, p. sistemas cognitivos, tal como o C4ISR
397), projetos que aumentarão nossas adversário. Operações de informação e
capacidades aeroespaciais. psicológicas podem ser utilizadas para reduzir
Quando os F5-M estiverem obsoletos a liberdade de ação de um potencial agressor.
como principal vetor de superioridade aérea, A partir do estudo dessas experiências,
os Gripen tenderão a ser o principal vetor de a Defesa Nacional poderá criar alternativas
projeção de poder aéreo em longas distâncias. próprias para, combinando meios regulares
Somada à capacidade missilística embarcada, (mísseis e foguetes) e irregulares (operações
como o possível MICLA-BR (Míssil de psicológicas, terrorismo, guerra irregular,
Cruzeiro de Longo Alcance), a Força Aérea e guerra por procuração, etc), ampliar o
a Marinha constituirão pilares sólidos para potencial dissuasório convencional no seu
uma estratégia operacional de Antiacesso para entorno estratégico.
o Brasil. O controle do satélite
geoestacionário SGDC 1, por parte da FAB, Considerações Finais
coloca o Brasil presente no domínio espacial Esse artigo teve como objetivo central
(IISS, 2021, p. 397), embora essa seja, ainda, aportar subsídios para uma estratégia de
uma relevante fragilidade para um robusto dissuasão brasileira. Para tal, buscou
Sistema de A2/AD brasileiro. desenvolver a proposta de que a dissuasão
Por fim, em relação ao domínio convencional pode ser operacionalizada pelo
cibernético, pode-se afirmar que é de interesse conceito de Antiacesso e de Negação de Área
do perfil de poder do Brasil a compreensão (A2/AD). Com esse objetivo, o artigo evocou
holística desse domínio. Ao invés de uma o acumulado teórico e empírico, reunido em
perspectiva centrada apenas na Guerra artigos preparatórios anteriores, de forma a
Cibernética (SLOAN, 2012), a sua inclusão lançar mão de suas inferências para o presente
no contexto de uma estratégia operacional de estudo.
A2/AD tem como vantagem buscar A primeira seção buscou esclarecer a
aproveitamento da condição de assimetria de importância da combinação de posturas
poder no emprego preponderantemente não- estratégico-defensivas e dissuasórias para o
cinético. Entende-se, no bojo dessa Brasil. Sob a perspectiva comparada de
perspectiva estratégica, que a sinergia trabalhos anteriores, o texto buscou classificar
multidomínio permite incorporar na estratégia as características da dissuasão convencional
de A2/AD a relevância das ações no campo brasileira, a partir de uma tipologia proposta.
informacional, da mesma forma que medidas Obviamente, esse trabalho analítico e de

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classificação ocorreu em contato com o A terceira seção realizou um


estudo da perspectiva brasileira acerca do aprofundamento acerca das definições, lógica
conceito teórico em questão. operacional e meios afeitos à
A segunda seção do artigo baseou-se operacionalização do Antiacesso e Negação
no nível político-estratégico (teoria da de Área. A revisão realizada juntou as
dissuasão) para a geoestratégia. Naquele engrenagens lógicas que ligam os níveis da
momento, o texto buscou analisar as áreas de dissuasão (estratégia) e do A2/AD (conceito
interesse geoestratégico do Brasil: Amazônia operacional), sendo fundamental para guiar
e Atlântico Sul. A partir do escrutínio da uma breve análise de meios, com ênfase para
Estratégia Nacional de Defesa de 2020, a Força Terrestre. Além de destacar o
realizou-se a reflexão sobre qual a possível potencial de meios de emprego militar para
geografia de um sistema de A2/AD brasileiro. capacidades de Antiacesso, constatou-se a
De forma a aproximar o estudo da dissuasão importância de se processarem mudanças no
de sua operacionalização com o A2/AD, tocante à distribuição espacial da Força
buscou-se estabelecer cenários potenciais, Terrestre, de forma a apoiar as capacidades
cujos desafios se manifestam nas áreas Antiacesso projetadas no Atlântico Sul e na
geoestratégicas de interesse do Brasil. Por Amazônia.
meio de tipologias extraídas dos Estudos Por fim, o artigo concluiu que, embora
Estratégicos, de autores como Clausewitz e o debate acerca da teoria da dissuasão possa
Schelling, estabelecemos uma gradação de ser plenamente incorporado aos esforços de
cenários e a sua plausibilidade. Embora a evolução do pensamento estratégico militar
finalidade desses cenários seja ilustrar o tipo brasileiro – em particular, à dissuasão
de desafio ao qual o A2/AD deve estar apto a convencional – o debate sobre Antiacesso e
responder, esse exercício se mostrou Negação de Área demanda uma apreciação
fundamental para asseverar que a pergunta da cuidadosa. O ambiente geopolítico e as
dissuasão convencional brasileira não é condicionantes geoestratégicas brasileiras
“dissuasão contra quem?” (ameaças), mas apresentam especificidades em relação aos
“dissuasão contra o quê?” (desafios). Nesse casos comparados nos estudos preparatórios a
sentido, a postura estratégica dissuasória no esse artigo. Em suma: o conceito operacional
Brasil é aderente não apenas com a cultura de A2/AD pode ser um poderoso insumo para
estratégica defensiva do país, mas também a imaginação estratégica, mas não um modelo
com a mudança na sistemática de para pura emulação de uma estratégia de nível
planejamento da Defesa, com o advento do operacional.
Planejamento Baseado em Capacidades.

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ANÁLISE ESTRATÉGICA
VOL 21 (3) JUN/AGOSTO 2021

AVALIAÇÃO DAS IMPLICAÇÕES DO CONCEITO DE GUERRA


HÍBRIDA PARA A SEGURANÇA NACIONAL
EVALUATION OF THE IMPLICATIONS OF THE CONCEPT OF HYBRID
WAR FOR NATIONAL SECURITY

*Fernando da Silva Rodrigues

RESUMO
Este artigo investigou as implicações do conceito de Guerra Híbrida, a partir da evolução das

formas de fazer a guerra na atualidade. As seções foram desenvolvidas em quatro partes. Na

primeira, foi feita a introdução ao estudo, na qual desenvolvemos o conceito de Segurança

Nacional ao longo da história do Estado Moderno, com a assinatura do Tratado de Westfália,

em 1648, articulado à definição do conceito de Guerra Híbrida. Na segunda, abordamos o

conceito de Guerra da Informação como dimensão do espaço da batalha ao longo do século

XXI, assim como seu impacto na formação de novos conceitos. Na terceira parte, discutimos as

novas ameaças do século XXI, entendidas como ameaças híbridas no contexto da segurança

contra a guerra cibernética. Por fim, foram apresentadas reflexões finais e implicações para o

Exército Brasileiro.

ABSTRACT
The objective of the investigation is to evaluate the implications of the concept of hybrid war,

based on the evolution of the ways of making war theoretically recognized today, for National

Security in Brazil. The article sections were developed in four parts. The first refers to the

introduction to the study, where we developed the concept of national security throughout the

history of the Modern State, with the signing of the Treaty of Westphalia, in 1648, articulating the

definition of the concept of Hybrid War. The second part involves the construction of the

concept of information warfare as a battle space dimension throughout the 21st century, and

how it impacted the formation of new concepts. The third part proposed to discuss the new

threats of the 21st century, understood as hybrid threats in the context of security against cyber

warfare. Finally, final reflections and implications for the Brazilian Army were presented.

PALAVRAS-CHAVE: KEYWORDS:
Segurança Nacional. Guerra Híbrida. Guerra da National security. Hybrid War. Information War.
Informação. Guerra Cibernética. Cyber War.

*Doutor em História Política, professor titular e coordenador do PPGH


da Universidade Salgado de Oliveira, coordenador do Grupo de
Pesquisa História Militar, Política e Fronteiras do CNPq, coordenador
do GT de História Militar da ANPUH-RJ e da ANPUH-Nacional,
pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército, diretor da
Rede Hermes - Pesquisadores Internacionais de Fronteiras, Integração
e Conflitos, e Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ (2017-2021).
34

SUMÁRIO EXECUTIVO
Este artigo tem por objetivo avaliar as implicações do conceito de guerra híbrida, desenvolvido ao

longo de três ensaios (RODRIGUES, 2020, 2021a, 2021b), para a Segurança Nacional, no Brasil. O estudo

faz parte de uma proposta mais ampla de pesquisa sobre Conflitos Armados e Emprego Militar, que

integrou a agenda de investigação do Núcleo de Estudos Prospectivos do Centro de Estudos Estratégicos

do Exército para o ano de 2020/2021, relacionada à análise da operacionalidade do conceito de Guerra

Híbrida nos conflitos contemporâneos e seu suposto impacto para a Segurança Nacional.

Desde a assinatura do Tratado de Westfália, a Segurança Nacional é uma prerrogativa do Estado

moderno. O objetivo é assegurar, em todos os lugares, a todo o momento, e em todas as circunstâncias, a

integridade do território, a proteção da população e a soberania contra todo tipo de ameaça e agressão

externa ou interna. Com o novo cenário após a Guerra Fria e o avanço da dimensão tecno-informacional

no campo de batalha, a preocupação com as ameaças híbridas passou a ser considerada como parte

importante na política de segurança dos Estados, balizada pelo caso da anexação da Crimeia em 2014,

quando foram empregados ataques contra as infraestruturas críticas, as conexões de internet e os meios

de comunicação local.

Como parte da evolução dos conflitos, nos anos 1990, ocorreram intensos debates sobre as operações

de informações e a guerra de informações, que consolidaram essa forma de fazer a guerra. O termo

guerra de informação passou a ser utilizado para tipificar novos modos de combate em que a destruição

física não ocupava mais o lugar principal da tática operacional. As operações de informação podem ser

utilizadas para modificar o ambiente operacional, por meio de um conjunto de atividades,

predominantemente não militares, que são orientadas para a identificação de potenciais riscos e de

fontes perenes de instabilidade, além da redução de antagonismos e erradicação de ameaças em sua

origem. A sua principal característica é a prioridade para as dimensões informacional e humana do

ambiente operacional. No século XI, as operações de informação visam moldar a percepção do inimigo

sobre as suas intenções e chances de vitória. É a ideia de que a cognição, o aparato mental do

adversário, como por exemplo a opinião pública, é um centro de gravidade a ser atingido mediante

operações de informação.

Nesse sentido, a complexidade do ambiente de operações no século XXI sugere a evolução no

pensamento militar doutrinário em relação às novas formas de guerrear. Assim sendo, com a atualização

da Estratégia Nacional de Defesa (END), observa-se que o investimento na Defesa passou a se

desenvolver baseado na capacidade de monitorar/controlar o território nacional e o seu entorno

estratégico, com intensificação do importante papel destinado às capacidades de informação em setores

estratégicos, como o cibernético. Com a END 2020, adota-se um conceito de segurança ampliado, que

passa a abranger os campos políticos, militar, econômico, psicossocial, científico-tecnológico e ambiental.

Por fim, ao longo do estudo, ficou claro, que a Guerra Híbrida é caracterizada pela intensificação do

uso de meios irregulares no nível político-estratégico, por ser um tipo de guerra com modelagem militar

estatal e tropa privada usada em atividades clandestinas. Nesse contexto, as implicações operacionais

podem ser significativas e terão que ser cuidadosamente pensadas, pois o planejamento militar deverá

buscar abordagens novas e criativas, com base no pensamento inovador para a solução dos problemas

militares contemporâneos, como o uso combinado do emprego de forças especiais com guerra

cibernética, ou operações de informações e operações de dissimulação.


35

1. Introdução 2010). Essa ideia remete ao Estado

A Segurança Nacional é considerada hobbesiano cuja noção de fronteira serve

historicamente, como uma atribuição legitimamente como parte da proteção do

fundamental do Estado moderno, desde a território. Para o autor do Leviatã, esse Estado

assinatura do Tratado de Westfália em 1648. deveria ser forte, com a capacidade de superar

O objetivo é assegurar, em todos os lugares, a o terror que caracteriza o estado por natureza,

todo o momento e em todas as circunstâncias, com os indivíduos movidos pelos sentidos e

a integridade do território, a proteção da pelas paixões, inerentes à essência do homem

população e a soberania contra todo tipo de natural. A figura 1 sintetiza a visão de

ameaça e agressão externa ou interna. Com Hobbes a respeito da função do Estado e do

esse paradigma, a origem de qualquer Estado seu soberano como promotor da segurança e

pressupõe a criação e delimitação de suas da defesa tanto de problemas internos, quanto

fronteiras, sendo elas necessárias para de ameaças externas.

assegurar a soberania e a defesa do país. Na E dado que a condição do homem


atualidade, a Segurança Nacional continua [...] é uma condição de guerra de
todos contra todos, sendo, neste
com a ideia original de que o Estado está no caso, cada um governado por sua
própria razão [...], segue-se daqui
centro do debate, com a capacidade militar que numa tal condição todo homem
estatal como fiadora desse modelo (HERZ, tem direito a todas as coisas [...]”
(HOBBES, 1979, p. 78).
Figura 1: Leviatã

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Leviatã_(livro)

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Nesse sentido, a fronteira foi utilizada, Foucher (1986) afirma que as fronteiras se
frequentemente, como elemento de proteção. inserem na formação territorial do Estado
Assim, desde os primeiros delineamentos, a moderno e que seu surgimento se deu a partir
linha de fronteira caracterizou-se como um de estruturas espaciais, de modo linear, sendo
elemento de vulnerabilidade natural, apesar constituídas de duas partes, uma interna e
do significado inicial de demarcação outra externa, que visam a manter a soberania
geográfica como fruto da preocupação nacional.
política em isolar as populações em seus Do ponto de vista do Realismo nas
respectivos territórios. Relações Internacionais, as fronteiras são
Na atualidade, corroborando com a imaginadas a partir da perspectiva
definição histórica de Segurança Nacional, o estadocêntrica, ou seja, somente seriam
manual sobre Fundamentos do Poder relevantes porque representam uma região
Nacional, da Escola Superior de Guerra delicada para o Estado, reduzindo-se a
(2019, p. 153), define basicamente o conceito questões de defesa e soberania. Quando
como: “Segurança Nacional é a condição que analisamos a teoria do Liberalismo,
permite a preservação da soberania e da entretanto, a definição de fronteira se torna
integridade territorial, a realização dos mais flexível, mesmo que a noção de região
interesses nacionais, livre de pressões e de fronteira seja igualmente considerada
ameaças de qualquer natureza, e a garantia secundária. Sob tal perspectiva, a
aos cidadãos do exercício dos direitos e globalização cria redes que não respeitariam
deveres constitucionais”. Nesse processo em as fronteiras nacionais delimitadas. Essas
andamento, mais do que uma simples redes são tanto de atividades lícitas
continuidade de atribuição, o conceito de (comércio, finanças), quanto ilícitas (tráfico
segurança nacional foi sendo alterado, ao de drogas, armas, pessoas, imigração ilegal),
longo de mais de trezentos anos, no contexto sendo que as últimas comprometem a
da evolução histórica das civilizações Segurança do Estado, podendo criar fissuras
mundiais e na evolução do debate sobre o na sociedade. Nesse caso, caberia aos Estados
conceito de fronteiras. intervir nas fronteiras de modo a controlar os
O debate em torno do conceito de fluxos, facilitando a entrada dos fluxos de
fronteira envolve uma discussão entre interesse e restringindo as redes de ilícitos
distintas áreas do conhecimento. A Geografia, (SHERMA, 2012, p. 11-12).
por exemplo, destaca-se por ser a área que No contexto dessas evoluções, a
mais tem se dedicado a essa investigação, Segurança Nacional pode ser entendida, com
especialmente no campo da Geopolítica. ênfase em três dimensões: a política, a

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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jurídica e a militar. A dimensão política é a na prevenção à espionagem, atentados


principal delas e articula os interesses do terroristas ou contra-ataques cibernéticos.
Estado com todas as forças existentes e seus O conceito de Guerra Híbrida apareceu
agentes estatais. A dimensão jurídica é a que no início do século XXI, quando as forças
proporciona a legalidade do ambiente. A armadas ocidentais se viram no meio de
dimensão militar dá corpo e garante a operações militares complexas, como foi a
aplicação às dimensões política e jurídica guerra no Afeganistão, em 2001, e no Iraque,
(COSTA; 2018, p. 125). Para fins de uma em 2003. A partir desse momento, os
definição mais atual, segurança nacional não analistas tentaram entender o que seria esse
deve ser confundida com segurança pública, novo e complexo tipo de guerra que estava
nem com a “Doutrina de Segurança sendo realizado. No entanto, o tema ganhou
Nacional1”. grande projeção nos debates envolvendo a
Como observamos no início do nosso Guerra Russo-Ucraniana em 2014, com a
estudo, desde o século XVII, o Estado possui anexação da Crimeia e a intervenção russa em
atribuições exclusivas como o monopólio do Donbass no leste da Ucrânia, levando à
uso da força e o estabelecimento e Organização do Tratado do Atlântico Norte
manutenção da ordem e paz social. Para o (OTAN) a enfatizar os seus estudos e
desenvolvimento dessas ações, o Estado pode planejamentos com relação ao emprego da
usar o poder militar, político, econômico ou guerra híbrida, entendida como parte integral
diplomático, sendo o último empregado para da doutrina militar russa.
estabelecer alianças, tratados e acordos O conceito de Guerra Híbrida, nesse
internacionais. Um dos meios utilizados para estudo, foi elaborado ao longo de intensas
garantir a segurança nacional no mundo investigações (RODRIGUES, 2020, 2021a,
contemporâneo tem sido o uso, com mais 2021b), evidenciando que a sua definição não
intensidade, de atividades de Inteligência, de é tão recente assim e não surgiu com a
Contrainteligência, Guerra Eletrônica, uso de interpretação do conflito da Rússia com a
Forças Especiais e de Segurança Cibernética, Ucrânia em 2014, tendo sua origem na
evolução complexa das teorias da guerra de
quarta geração (LIND, 2004), guerras
1
Como parte dos desdobramentos da Guerra Fria e do compostas (HUBER, 2002), guerras irrestritas
processo de descolonização da África e da Ásia, os
EUA elaboraram essa doutrina militar baseada no (LIANG e XIANGSUI, 1999) e guerras
conceito de segurança e desenvolvimento, que tinha
como um dos seus objetivos combater a guerra não irregulares (HEYDTE, 1990). Nesse caso, a
convencional ou revolucionária, considerada a
principal ameaça estratégica vinda do comunismo guerra híbrida é entendida, como forma de
internacional e que visava conquistar os países do
operacionalizar a guerra, quando falamos de
chamado “Terceiro Mundo” (COMBLIM, 1978, P. 44).

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uma atividade em si, em referência aos tipos disputado em diferentes níveis, por forças
de armas, métodos, teorias, natureza da estatais e não estatais, indica que,
guerra, dentre outros detalhes associados ao provavelmente, a guerra no futuro tende a ser
combate. cada vez mais incerta, com dificuldades para
Sobre a terminologia, a tradução de identificação do inimigo dominante e para
War2 (guerra, fenômeno) é mais abrangente, definição de suas categorias operativas. No
mais totalizante, pois representa a luta entre entanto, fica claro, que “a atuação do
dois ou mais Estados, ou seja, o conflito entre instrumento militar tenderá a se dar cada vez
grandes potências, no contexto pela disputa mais nas Operações Militares em Ambiente
geopolítica e pela definição de uma ordem Urbano (MOUT)”, em detrimento de espaços
internacional (TEIXEIRA JÚNIOR, 2019, p. como selva, deserto, montanha, etc (com
18). Já o termo warfare3 representa a baixa densidade populacional) (TEIXEIRA
manifestação do fenômeno em formas de lutar JÚNIOR, 2019, p. 21).
(ofensiva, defensiva, guerra irregular), sendo O conceito de Guerra Híbrida expande
usado para analisar subsistemas e subdivisões as possibilidades de atuação dos atores
de um todo que é a guerra. Nesse sentido, estatais e não estatais, sendo que ambos
acreditamos que a definição do conceito de podem usar da organização, técnicas, táticas e
Guerra Híbrida, do ponto de vista teórico, procedimentos operacionais (TTP) tanto da
assume uma grande importância estratégica guerra regular, quanto da guerra irregular.
para o emprego militar do Exército Brasileiro, Aqueles atores que recorrem ao uso da
no contexto de mudanças paradigmáticas dos Guerra Híbrida têm como objetivo dominar o
conflitos contemporâneos, como foi o caráter controle operacional sem restrições, podendo
híbrido da conduta da guerra russa na ultrapassar as fronteiras, as leis impostas e as
Ucrânia, em 2014. leis morais da guerra. Nesse contexto,
Nesse sentido, a possibilidade de conforme figura 2, a Guerra Híbrida é
conflito com operações de combate com definida como a combinação dos múltiplos
pouca definição no tempo e no espaço, meios da guerra convencional e não
convencional, que podem usar:
2
“It is armed fighting between two or more countries or
groups, or a particular example of this: First World
 forças militares regulares;
War.” Cambridge Dictionary. Disponível em:  forças irregulares;
https://dictionary.cambridge.org/es/diccionario/ingles/
war. Acesso em: 19 jul. 2021.
3
 forças especiais;
“It is the activity of fighting a war, often including the
weapons and methods that are used: guerrilla, naval,  guerra econômica;
nuclear, trench warfare.” Cambridge Dictionary.
Disponível em:  ataque cibernético;
https://dictionary.cambridge.org/es/diccionario/ingles/
warfare. Acesso em: 19 jul. 2021.  diplomacia;

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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 propaganda com guerra de Portanto, é importante frisar que a


informação; operacionalização da guerra híbrida demanda
 apoio à manifestação local; coordenação da estratégia militar com a
 operações psicológicas; estratégia nacional, em uma grande estratégia.

 Guerra Eletrônica;
 e outras.

Figura 2: Alguns meios possíveis de combinação da Guerra Híbrida

Fonte: o autor.

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A característica omnidimensional da compreensão da dinâmica dos conflitos. As


guerra, fase anterior ao emprego de combates tensões sociais e políticas tiveram um amplo
tradicionais, levanta a necessidade de que impacto no desenvolvimento do modelo de
todos os poderes nacionais estejam em guerra atual e no uso da força por diversos
condições de atuar nos novos espaços criados atores. Nesse caso, podemos afirmar, que é
por recentes dimensões do campo de batalha, cada vez mais difícil definir e separar os
o qual não é mais tradicional, conforme as atores, o modo de combater, os espaços do
Forças Armadas estavam habituadas a lutar. confronto e os instrumentos da guerra. No
Além disso, o fenômeno demonstra entanto, alguns princípios básicos podem ser
necessidade de uma gestão unificada e usados para caracterizar a Guerra Híbrida: a
integrada das inovações tecnológicas e não sinergia de atores, a assimetria do conflito, a
tecnológicas no setor de Defesa. Nesse caso, o guerra omnidimensional anterior ao emprego
Brasil precisará estar preparado para se de combates tradicionais, a segurança
defender em um ambiente de amplo espectro, multidimensional, a criatividade, e os
pois os conflitos no futuro deverão acontecer interesses políticos.
em todas as dimensões do campo de batalha Como ilustra a figura 3, a Guerra
(Guerra Omnidimensional4). O avanço do Híbrida envolve operações que mesclam
conflito omnidimensional pode ser atribuído conflito convencional com conflito não
ao desgaste das instituições democráticas, convencional, guerra regular com guerra
pelas campanhas de desinformação, pela irregular, guerra eletrônica com guerra
corrupção generalizada em todos os níveis de cibernética, dentre outras combinações
governo, e pela crescente perda de confiança possíveis. Assim, será cada vez mais
na política. necessário aprimorar o uso de operações de
Assim sendo, podemos aferir para a informações articuladas ao emprego de tropas
Guerra Híbrida uma forma real de de forças especiais contra ameaças difusas,
associado ao emprego conjunto das Forças
4
A análise da Guerra Omnidimensional é diacrônica, ou Armadas, o ambiente interagências e, se for o
seja, deve ser realizada levando-se em consideração a
evolução temporal do conflito: ataques financeiros; caso, às operações multinacionais.
cibernéticos; batalhas baseadas em rede, com alvos
estratégicos; suspensão temporária ou total da rede de
internet ou de suas funcionalidades; ataques terroristas
discretos ou de grande impacto. Todas essas ações
fazem parte de uma escalada do conflito, que pode
culminar num combate militar tradicional de segunda e
terceira dimensão. (MOTA e AZEVEDO, 2012)

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Figura 3: Princípios Básicos da Guerra Híbrida

Figura 3: Princípios básicos da Guerra Híbrida

Fonte: o autor.

Para Hoffman (2007), a guerra se em células descentralizadas e com o


caracteriza por diferentes tipos de conflitos, aparecimento de forças irregulares decisivas
com diversidade de combatentes e de para o combate ou em condições de igualdade
emprego de tecnologias, além de um amplo com as forças regulares
uso de forças, feito por adversários flexíveis e Pelo postulado de Frank Hoffman
sofisticados. Sugere que os conflitos deverão (2007), podemos aferir para a Guerra Híbrida
incluir organizações híbridas - como a Força uma forma real de compreensão da dinâmica
Paramilitar do Hezbollah contra Israel - dos conflitos. As tensões sociais e políticas
empregando um amplo conjunto de tiveram um amplo impacto no
habilidades. Para o autor, é possível que, desenvolvimento da guerra atual e no uso da
exista a possibilidade dos Estados força pelos diversos atores, tornando-se cada
modificarem suas unidades convencionais em vez mais difícil definir e separar os atores, o
forças irregulares, com ênfase nas tropas modo de combater, os espaços do confronto e
especiais, contemplando o uso de diversas os instrumentos da guerra, os quais caminham
formas de guerra, inclusive de guerra híbrida para o campo da incerteza.
estatal, com estruturas políticas funcionando

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O futuro aponta, ainda, para a das ameaças híbridas, sempre haverá o risco
ampliação de conflitos de menor intensidade de envolvimento em guerras regulares estatais
conduzidos por guerrilhas, milícias urbanas, definidas por combates em larga escala, para
facções criminosas, grupos terroristas, os quais o preparo da força não pode ser
organizações político-partidárias extremistas e negligenciado.
crime organizado. Cabe ressaltar que, além

Figura 4: Conflitos de menor intensidade no cenário futuro

Fonte: o autor.

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Historicamente, após o fim da Guerra contra a Ucrânia, entre 2014 e 2015, o


Fria e com a desintegração da antiga União questionamento de Marco Aurélio Guedes e
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Fernando Casalunga nos ajuda a entender
em 1991, o mundo saiu da divisão doutrinária como a tecnologia da informação ampliou a
e ideológica caracterizada pela bipolaridade assimetria de poder entre os Estados
(capitalistas x comunistas), para entrar na era contemporâneos. Os autores afirmam que,
“unimultipolar”. De acordo com por Samuel com o avanço das tecnologias de informação,
Huntington, tratava-se da época em que o ciberespaço se tornou fulcral para projeção
ocorria a centralização de poder militar pelos do poder russo no seu entorno regional:
Estados Unidos, porém, no campo
econômico, havia várias outras potências. ao utilizar o ciberespaço para auxiliar
as operações militares, a simbiose
Atualmente, percebe-se uma tendência inovadora entre setores especiais das
Forças Armadas russas e hackers civis
geopolítica caracterizada pela produziu efeito sinérgico que resultou
em vantagem considerável à Rússia
multipolaridade. Nesse novo cenário durante o conflito com a anexação do
complexo, consolidado no século XXI, a território da península da Crimeia e
apoio aos movimentos separatistas que
preocupação contra as ameaças híbridas ocuparam a região leste da Ucrânia
(OLIVEIRA e CASALUNGA, 2020, p.
passou a ser um item importante na política 13).

de segurança dos Estados Nacionais.


Segundo Teixeira Júnior (2001, p. 20),
Observa-se, na atualidade, a
as tendências da conduta da guerra no século
proliferação de ataques cibernéticos, como
XXI, que inclui a incorporação do espaço
ferramenta da guerra de informação,
cibernético aos domínios terrestre, marítimo,
articulada a outros meios, como: sistema de
aéreo e espacial, poderão evidenciar
inteligência, de contrainteligência, de
mudanças estruturais na condução das
desativação do sistema de comunicações, de
operações. Para o autor, será algo semelhante
degradação do auxílio de navegação e de
ao impacto que as “armas combinadas”
destruição da capacidade operacional dos
tiveram na inovação militar no século XX.
computadores do inimigo. Exemplo disso foi
Nesse novo cenário, a capacidade das forças
a atuação de hackers russos na Guerra da
em operar em multidomínios reforçará a
Geórgia, em 2008, e na Guerra da Ucrânia,
importância dos Estados-Maiores Conjuntos
em 2014, ao atacarem diferentes alvos, desde
ou dos Comandos Unificados, a exemplo dos
partidos políticos a infraestruturas críticas,
Estados Unidos.
estabelecendo novos padrões para a guerra
Dialogando frente a esse complexo
cibernética. Nesse contexto, em estudo sobre
ambiente operacional, o Manual de
a guerra híbrida desencadeada pela Rússia

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Operações de Informação do Exército (EB20- momento em que o Estado estabeleceu o


MC- 10.213) mostra como a dimensão monopólio da violência pela guerra e
informacional tornou-se essencial e como as legitimou os direitos das nações em manterem
capacidades relacionadas à Informação podem e usarem força militar regular estatal. Apesar
ser efetivamente integradas e exploradas nas das limitações que restringem a construção
operações militares. teórica do autor à Era Moderna e da omissão
dos componentes naval e aéreo, o trabalho de
Diante do ambiente operacional em
Lind pode ser uma escolha importante para os
contínua transformação, onde a
tecnologia infunde, na área da nossos estudos, por pensar na evolução da
informação, junto à sociedade,
mudanças cada vez mais rápidas, as teoria geracional dos conflitos armados,
Operações de Informação (Op Info)
passam a ser uma aptidão essencial acompanhada da transformação tecnológica
como instrumento integrador de
capacidades relacionadas à informação, militar, com seus efeitos táticos e estratégicos
reunindo diversos vetores destinados a
na diversidade de cenários dos conflitos
informar audiências amigas e
influenciar públicos-alvo adversários e (RODRIGUES, 2020, p. 24-25).
neutros, nas Operações no Amplo
Espectro. Tais capacidades também se Para Lind (2004), a guerra de quarta
destinam a desgastar a tomada de
decisão de potenciais oponentes, geração surgiu após a 2ª Guerra Mundial,
degradando a sua liberdade de ação, ao
mesmo tempo protegendo o nosso quando atores estatais e não estatais passaram
processo decisório, visando, ainda, a
a usar outros tipos de táticas, para compensar
evitar, impedir ou neutralizar os efeitos
das ações adversárias na Dimensão os diferentes níveis de capacidades
Informacional (BRASIL; 2014, p. 2-7).
tecnológicas. Pode ser observado no
2. A Guerra de Informação no desenvolvimento dos conceitos da guerra de
contexto da teoria da quarta guerrilha, de insurgência e da guerra popular
geração por descrever um tipo de conflito em que uma
força com capacidades militares
Entender o conceito de Guerra de
convencionais inferiores emprega meios de
Informação é condição indispensável para
combate não convencionais ou irregulares,
compreender o conceito de Guerra Híbrida
como forma de compensar as forças
no mundo Ocidental. Nesse contexto, um
assimétricas no conflito.
ponto importante é a análise evolutiva da
Nesse sentido, a história indicava,
teoria das gerações de conflito, proposta por
ainda, que o Ocidente não teria mais o
William S. Lind, oficial do Exército norte-
domínio cultural global, fato percebido
americano. Esse especialista assume como
quando aumentou consideravelmente a
ponto de partida para seus debates o
influência islâmica e asiática no mundo.
estabelecimento da Paz de Westfália,
Nesse novo momento, principalmente com o

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fim da Guerra Fria, no contexto da Era da imprevisibilidade e a necessidade do preparo


Informação, os conflitos migrariam para as das forças armadas na composição por
cidades e a população sofreria diretamente as capacidades gerais, o que leva ao Ministério
consequências dos embates; haveria o da Defesa a opção pelo planejamento baseado
aumento de choques culturais e a geração de em capacidades da atualidade, focados na
ações terroristas. A teoria indica o aumento da flexibilidade e mobilidade estratégica
importância das tecnologias de alta precisão (VISACRO, 2018, p. 118).
na obtenção de alvos, aprimoramento no Com a Era da Informação, têm-se a
armamento e proteção do combatente multiplicação dos meios militares e não
individual, meios de comunicação de difícil militares empregados na condução de uma
detecção, guerra cibernética, guerras guerra, com prioridade de ações nos campos
psicológicas e guerras informacionais. político, econômico e psicossocial, em
Nesse novo modelo de guerra, a detrimento dos esforços no campo militar.
população e sua cultura tornam-se alvos do Atividades operacionais antes centralizadas
ataque adversário. A guerra no Iraque e no no emprego militar passam a envolver a
Afeganistão, nos anos 1990, foi a base para o participação de outras agências estatais, ter
aperfeiçoamento da teoria da guerra de influência de organizações internacionais,
quarta geração. No entendimento de Lind podendo ter a colaboração de organizações
(2004), o Estado perdeu o monopólio da não-governamentais e a pressão da presença
violência e o mundo avançou no combate da mídia. Em um cenário como esse, é
entre forças estatais e não estatais, como a Al- possível identificar uma grande quantidade de
Qaeda, o Hamas, o Hezbollah e as Forças conflitos irregulares, assimétricos e
Armadas Revolucionárias da Colômbia. intraestatais com potencialidade de
O Coronel Visacro recupera o internacionalização (VISACRO, 2019, p.
argumento de Lind (2004), reiterando que, na 118).
Era da Informação, diferentemente da Era A expressão Guerra de Informação5 6

Industrial, o monopólio da violência pelo apareceu na literatura militar dos Estados


Estado foi rompido, levando à fragmentação Unidos da América, nos anos 1990, em
das ameaças e ao aparecimento de atores consequência das duas grandes operações na
armados não estatais, tais como o Hezbollah e 5
6Segundo o glossário de termos e expressões para o uso
o Hamas, que empregam capacidades no Exército brasileiro, guerra de informação é o
conjunto de ações destinadas a obter a superioridade
combinadas da guerra regular e da guerra das informações, afetando as redes de comunicação de
um oponente e as informações que servem de base aos
irregular. Nesse cenário de incertezas e processos decisórios do adversário, ao mesmo tempo
em que garante as informações e os processos amigos
configuração difusa, temos o aumento da
(BRASIL; 2018, p. 182).

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Guerra do Golfo: Desert Shield (1990) e e à transformação das Forças Armadas norte-
Desert Storm (1991). A Primeira Guerra do americanas, que ocorreu também pela
Golfo foi uma ação rápida, baseada no valorização do homem na dimensão da
emprego da Doutrina Powell, cuja estratégia guerra, dividindo o protagonismo com a
era dirigida às incertezas regionais, em tecnologia. A centralidade pela tecnologia
substituição à guerra global contra a antiga teria sido reflexo da própria imagem norte-
URSS. Em apoio às operações de combate americana espelhada em um desejo de ditar a
subsequentes, os EUA usaram o conceito conduta da guerra em seus próprios termos.
DIME (Diplomatic, Information, Military and Nos EUA, o movimento de
Economic), no denominado soft power, que transformação levou ao estabelecimento da
gerou mudanças na doutrina de defesa do doutrina de Operações de Informações (Op
país. Alguns meses antes do início do Info) do Exército e à produção do Manual de
conflito, foi realizada uma ampla campanha Campanha 100-6, Operações de Informações
midiática contra a imagem de Saddam (FM 100-6, Information Operations), de
Hussein, o que contribuiu para a aplicação de 1996, que dividiu as Op Info em cinco
sanções econômicas e militares, aprovadas capacidades para apoio à destruição do
por unanimidade pelo Conselho de Segurança oponente: (1) Operações Psicológicas (Op
da ONU e pela Liga dos Países Árabes. Psc); (2) Guerra Eletrônica (GE); (3)
Nesse contexto, a partir da Primeira Operações de Redes Computacionais (Op R
Guerra do Golfo, a expressão Guerra de Compt); (4) Dissimulação Militar (Dsml Mil);
Informação passou a ser utilizada para e (5) Segurança das Operações (Seg Op)
classificar um novo modo de combate, em (RICHTER; 2009, p. 73).
que a destruição física do oponente não Após os atentados de 11 de setembro de
ocupava mais o lugar principal da tática 2001 contra o World Trade Center e o
operacional. Segundo esse novo modelo, o Pentágono, as relações públicas e os assuntos
uso de tecnologias serviria para coleta, civis (RP e As Civ) foram acrescidos como
processamento e difusão de informação no uma sexta capacidade. Primeiramente, em
processo decisório do combate. A guerra de 2003, na revisão do Information Operations e,
informação sairia dos bastidores e, articulada em 2006, na Publicação Conjunta 3-13,
com a Revolução de Assuntos Militares Operações de Informações (JP 3-13,
(RMA), passaria a ser o principal elemento Information Operations), do Departamento de
influenciador nas transformações da defesa Defesa (RICHTER; 2009, p. 72).
baseada em tecnologia. O processo levou à Para Correa (2012; p. 10), em 30 de
exacerbação do fascínio pela RMA nos EUA outubro de 2003, o Secretário de Defesa dos

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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EUA, Donald H. Rumsfeld, aprovou o circunstâncias que afetam o espaço de batalha


Information Operations Roadmap (IOR), um onde as forças militares atuam e que
roteiro para as Op Info, que tornou esse interferem na forma como são empregadas,
modelo de operação uma competência militar compreendendo três dimensões: física,
primordial, estabelecendo diretrizes e metas humana e informacional, conforme figura 5.
para todos os sujeitos envolvidos com a A dimensão física corresponde ao terreno do
Defesa, desde o nível político-estratégico até combate; a dimensão humana compreende os
o nível tático operacional. Pelo IOR, o elementos relacionados às estruturas sociais,
emprego das Op Info deve começar na paz, os comportamentos e interesses, normalmente
estender-se durante o conflito e só terminar geradores do conflito; e a dimensão
após a restauração da paz e a conquista da informacional abrange os sistemas utilizados
instabilidade local. para obter, produzir, difundir e atuar sobre a
Com relação ao Brasil, a doutrina informação (BRASIL; 2019, p. 2-1 e 2-2).
militar do Exército define ambiente
operacional como o conjunto de condições e

Figura 5: Ambiente Operacional

Fonte: o autor, com base em Manual de Doutrina Militar Terrestre, 2019.

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Segundo o Manual de Operações de planejamento; coordenação com todas as


Informação do Exército, o conceito dessa atividades e tarefas; flexibilidade na dosagem
operação consiste na atuação do esforço; importância da atividade de
metodologicamente integrada de capacidade inteligência; ampla abrangência das operações
relacionada à informação, em conjunto com de informação (pessoal e material); e
outros vetores, para informar e influenciar adicionar poder de combate (BRASIL; 2014,
grupos ou indivíduos, bem como mudar a p. 3-3). Com base nessa discussão, entraremos
decisão do inimigo, ao mesmo tempo em que no próximo tópico que liga o espaço
protege o seu processo decisório. As suas cibernético à arena informacional.
ações têm por objetivo evitar, impedir ou
neutralizar os efeitos das atividades oponentes 3. As novas ameaças do século XXI
na dimensão informacional. As Op Info no contexto da guerra cibernética
servem para obtenção de superioridade de
O espaço cibernético é um domínio
informações e são integradas pelas
global dentro da dimensão informacional do
capacidades relacionadas à informação,
ambiente operacional que consiste em uma
destacando-se a comunicação social, as
rede independente de infraestruturas de
operações de apoio à Informação, à Guerra
Tecnologia da Informação e Comunicação e
Eletrônica, à Guerra Cibernética e à
de dados residentes, incluindo a internet, rede
Inteligência (BRASIL; 2014, p. 3-1).
de telecomunicações, controladores, sistemas
As Op Info podem ser utilizadas para
de computador e processadores embarcados.
modificar o ambiente operacional, por meio
As ações cibernéticas (exploração, ataque e
de um conjunto de atividades,
proteção) materializam o emprego de recursos
predominantemente não militares, que são
do espaço cibernético e têm por objetivo:
orientadas para a identificação de potenciais
proteger os próprios ativos de informações;
riscos e de fontes perenes de instabilidade;
explorar e atacar redes do inimigo, mantendo
para a redução de antagonismos e erradicação
a capacidade de interferir no desenrolar das
de ameaças em sua origem; e para a
operações militares no espaço de batalha; bem
interrupção da cadeia de eventos que possam
como afetar as condições de normalidade em
levar ao agravamento de uma crise ou à
uma determinada área ou região, atingindo
deflagração de um conflito. As suas principais
gravemente o funcionamento de estruturas
características são: prioridade para as
estratégicas e serviços essenciais destinados à
dimensões informacional e humana do
população (BRASIL; 2014, p. 4-8).
ambiente operacional; condicionada por
diplomas legais; coesão em todos os níveis de

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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Nos EUA, a preocupação com o governamental com relação ao setor


ciberespaço iniciou-se em 1988 e cibernético ocorreu com a Diretriz Ministerial
materializou-se com o lançamento da primeira nº 014, do Ministério da Defesa, que atribuiu
National Strategy to Secure Cyberspace, em à Força Terrestre a responsabilidade pela
2003 (SOESANTOS; 2019, p. 3). No mês de coordenação e pela integração da atividade.
setembro de 2018 foi apresentada a No caso brasileiro, somente em 2020 foi
atualização da National Cyber Strategy of the aprovada a primeira Estratégia Nacional de
United States of America6 , como parte 7 Segurança Cibernética, sob a responsabilidade
evolutiva da segurança cibernética norte- do Gabinete de Segurança Institucional. No
americana. documento, constam os seguintes objetivos
O ciberespaço ou espaço cibernético é estratégicos: (a) tornar o Brasil mais próspero
reconhecido como a descrição do espaço não e confiável no ambiente digital; (b) aumentar
físico formado pela rede mundial de a resiliência brasileira às ameaças
computadores, notadamente a internet, onde cibernéticas; e (c) fortalecer a atuação
as pessoas podem interagir de diferentes brasileira em segurança cibernética no cenário
maneiras, por meio de mensagens eletrônicas, internacional. Em 17 de novembro de 2020, o
salas de bate-papo, grupos de discussão e Ministério da Defesa criou o Sistema Militar
outros (CANONGIA e MANDARINO de Defesa Cibernética (SMDC), por meio da
JUNIOR; 2009, p. 25). Na atualidade, Portaria nº 3.781/GM-MD, em cumprimento à
achamos prudente acrescentar as redes sociais Política Cibernética de Defesa, aprovada pela
como forma de comunicação. Portaria Normativa nº 3.389/MD, de 21 de
Em 2009, tanto o conceito de Segurança dezembro de 2012, com o objetivo de ser
Cibernética quanto o de Defesa Cibernética aplicada nos grandes eventos que o Brasil
ainda estavam em construção no Brasil. sediaria: Copa das Confederações de 2013,
Naquele momento, de uma maneira bastante Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos
simplificada, entendia-se que a atuação da de 2016. O SMDC é um conjunto de
segurança cibernética compreendia aspectos e instalações, equipamentos, doutrina,
atitudes de prevenção e repressão procedimentos, tecnologias, serviços e
(CANONGIA e MANDARINO JUNIOR; pessoal essenciais para realizar ações voltadas
2009, p. 25-26). O ano de 2009 é para assegurar o uso efetivo do espaço
paradigmático, pois a primeira iniciativa cibernético pela Defesa Nacional. O órgão
central é o Comando de Defesa Cibernética,
6
7Disponível em: https://www.whitehouse.gov/wp- comando operacional conjunto
content/uploads/2018/09/National-Cyber-Strategy.pdf.
permanentemente ativado.
Acesso em: 15 jan. 2021.

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Em 2018, observando o Glossário de maneira que também possa atuar em grandes


Termos e Expressões para uso no Exército, eventos. Já o conceito de Segurança
podemos perceber que, nove anos depois dos Cibernética é definido como o conjunto de
primeiros conceitos produzidos no Brasil, ações no nível político, coordenadas pelo
houve uma grande evolução no pensamento Gabinete de Segurança Institucional da
militar em relação ao espaço cibernético, pois Presidência da República (GSI/PR), a fim de
o dicionário define o termo cibernético em viabilizar a proteção, no espaço cibernético,
referência a acesso, segurança, controle e dos ativos e das infraestruturas críticas7 . 8

fluxo de dados por redes de computadores Nessas ações, incluem-se: a elaboração de


(internet ou intranet). A Defesa Nacional marcos jurídicos, a criação de estruturas
inclui, no conceito, os recursos de tecnologia governamentais e a expedição de Políticas e
da informação e comunicações de cunho Estratégias Nacionais relacionadas ao setor
estratégico, tais como aqueles que compõem o cibernético. Em síntese, a Segurança
Sistema Militar de Comando e Controle, os Cibernética é a arte de assegurar a existência e
sistemas de armas e vigilâncias e os sistemas a continuidade da sociedade da informação de
administrativos que possam afetar as uma nação, garantindo e protegendo, no
atividades operacionais (BRASIL; 2018, p. espaço cibernético, seus ativos de informação
78). e suas infraestruturas críticas (BRASIL; 2018,
No glossário do Exército, o conceito de p. 109 e 344).
Defesa Cibernética refere-se ao conjunto de Nesse contexto, o Comando de Defesa
ações relacionadas ao espaço cibernético, no Cibernética coordena e integra
contexto de um planejamento nacional de operacionalmente, em ambiente interagências,
nível estratégico, coordenadas e integradas as ações de Segurança e Defesa Cibernética
pelo Ministério da Defesa, com a finalidade contra ameaças hostis em todo território
de proteger os sistemas ativos de informação brasileiro. No caso o GSI, atua no campo da
de interesse do MD, obter dados para a política nacional coordenando o planejamento
produção de conhecimento de inteligência e da segurança da informação e a elaboração da
buscar superioridade sobre os sistemas de Estratégia Nacional de Segurança Cibernética
informação do oponente. A Defesa (BRASIL, 2020).
Cibernética engloba a execução de ações
defensivas, exploratórias e ofensivas no
7
8De acordo com a Política Nacional de Segurança de
espaço cibernético e as iniciativas para Infraestruturas Críticas são instalações, serviços, bens e
sistemas cuja interrupção ou destruição, total ou
geração dessas capacidades no Comando do parcial, provoque sério impacto social, ambiental,
econômico, político, internacional ou à segurança do
Exército e no Ministério da Defesa, de
Estado e da sociedade. (BRASIL, 2018)

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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Essa evolução doutrinária com relação dentro ou por meio do espaço cibernético, em
aos conceitos pode ser percebida na Estratégia sintonia com outras capacidades relacionadas
Nacional de Defesa (END) de 2012, que à informação e em coordenação com várias
incorpora a ideia de Defesa com base na Linhas de Operação (direção do emprego) e
capacidade de monitorar/controlar o território Linhas de Esforço (tarefas definidas das
nacional e o seu entorno estratégico, com operações) da Força Terrestre (BRASIL;
intensificação do importante papel destinado 2014, p. 4-9).
às capacidades de informação em setores Com uma nova abordagem
estratégicos, como o cibernético. No paradigmática sobre o uso da segurança
documento, o conceito de segurança foi cibernética, o Tenente-coronel do Exército
ampliado, passando a abranger os campos dos EUA, David Beskon, e a professora de
políticos, militar, econômico, psicossocial, computação social na School of Computer
científico-tecnológico e ambiental. Science da Carnegie Mellon University,
Segundo o Manual de Operações de Kathleen Carley, identificaram a segurança
Informação do Exército, as capacidades cibernética como um subdomínio emergente
relacionadas à informação são aptidões da Segurança Nacional, que afetará todos os
requeridas para afetar a capacidade inimiga ou níveis da guerra do futuro, seja ela
potenciais adversários de orientar, obter, convencional ou não convencional. Para os
produzir ou difundir informações, em autores, a segurança cibernética social é
qualquer uma das três perspectivas da identificada como uma área científica
dimensão informacional: a física, formada por emergente, que emprega a ciência para
homens e instalações; a cognitiva, formada caracterizar, entender e prever transformações
pelo nível mental e a lógica, formada pelos causadas pelas ações cibernéticas no
sistemas. Como parte dessas capacidades, o comportamento humano e seus resultados
manual trabalha com a definição e o uso da sociais, culturais e políticos. Ela também é
Guerra Cibernética, como parte da revolução destinada à construção da infraestrutura
tecnológica que a elevou à condição de cibernética para a segurança da sociedade no
interesse dos assuntos relacionados à Defesa e ambiente informacional, constantemente sob
à Segurança. as ameaças cibernéticas sociais reais ou
As capacidades relacionadas à área iminentes. E mais ainda, na atualidade, a
Cibernética, quando são empregadas em tecnologia capacita atores estatais e não
apoio às Operações de Informação, estatais a manipularem o mundo de crenças e
normalmente são focadas na integração de ideias, à velocidade de algoritmos (BESKOW
ações ofensivas e defensivas executadas e CARLEY; 2019, p. 26).

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O enfraquecimento da confiança nas


instituições nacionais pode levar a um
ator oponente, estatal ou não estatal, a
vencer uma guerra, antes do seu início.

Segundo os autores do artigo Segurança reconhecimento, na defesa contra atores


Cibernética Social, a guerra da informação, estatais e não estatais.
analisada pela ótica da guerra híbrida, está se Na reflexão realizada, afirmam que a
tornando um fim em si mesmo. Na análise, tecnologia permite que esses atores
registram que as guerras de informação são o mencionados ampliem exacerbadamente seu
principal tipo de guerra do mundo poder no domínio informacional. E mais
contemporâneo. A informação é empregada ainda, que, se não houver uma maior atenção
para fortalecer a narrativa do manipulador, para o fato, ocorrerá uma “blitzkrieg
enquanto faz seu ataque, interrompe, distorce informacional”, com os mesmos efeitos
e divide a sociedade, a cultura e os valores estratégicos do emprego da blitzkrieg alemã
dos Estados e organizações oponentes. O na Segunda Guerra Mundial (BESKOW e
enfraquecimento da confiança nas instituições CARLEY; 2019, p. 26). Essa afirmação foi
nacionais pode levar a um ator oponente, construída com base nas análises sobre a
estatal ou não estatal, a vencer uma guerra, máquina de propaganda persuasiva russa que,
antes do seu início (BESKOW e CARLEY; durante muito tempo, foi empregada contra
2019, p. 26). seu público interno e nas cidades satélites da
Tendo como plataforma de estudos o antiga URSS, mudando para atacar alvos no
ambiente operacional em que as forças exterior, cuja missão seria a disseminação de
armadas dos EUA são empregadas, Beskon e narrativas distorcidas para promover agitação
Carley registram que o papel da informação e discordância entre os povos. Para além,
dentro dos elementos da expressão do poder legitima o debate, com a fala do General
nacional está se tornando cada vez mais Valey Gerasimov, no artigo O Valor da
importante. Esse fato é perceptível, quando a Ciência Está na Previsão, de 2013, que
National Defense Strategy (USA; 2018) definiu a guerra de informação como um
define prioridades de investimento do ano instrumento importante da estratégia russa a
fiscal de 2019-2023, para o espaço e partir daquele momento, pois ela abria
ciberespaço como domínios de guerra; e para enormes possibilidades assimétricas para
comando, controle, comunicações, diminuir o potencial de combate do oponente.
computadores e inteligência, vigilância e

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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O mais importante é que essas medidas massa de suas ideias; as operações


estavam em consonância com as tradicionais psicológicas de persuasão; a fragilidade da
operações da KGB (Comitê de Segurança do sociedade por causa de intensa corrupção nos
Estado) de medidas ativas para enfraquecer o meios políticos caracterizados pelas relações
Ocidente (BESKOW e CARLEY; 2019, p. criminosas entre instituições privadas e
28). A KGB era uma organização de serviços agentes do Estado; e as ciências sociais8 no 9

secretos da antiga URSS, que, após sua emprego de operações de informação


dissolução, foi desmembrada em Serviço coordenadas com o objetivo de conseguir
Federal de Segurança da Federação Russa efeitos estratégicos (BESKOW e CARLEY;
(FSB) para segurança doméstica e Serviço de 2019, p. 26).
Inteligência Estrangeiro (SVR) para Segundo os autores, o domínio
atividades no estrangeiro. sociocibernético oferece diferentes formas de
Pela teoria da “blitzkrieg informacional” manobra da Segurança Cibernética Social.
russa, analisada por Beskon e Carley (2019, p. No domínio, o adversário tem a capacidade
28), a sua função seria abrir caminho entre tanto de manipular a informação das redes de
todas as possíveis fissuras existentes em um conhecimento, quanto de manipular as redes
Estado, fraturando a nação ou a coalizão, sociais9 . Essas redes podem ser redes sociais
10

incluindo aí, medidas de exploração de (Facebook e Instagram), redes de conversa


dissidências entre partidos políticos, religiões, (Whatsapp), ou redes informacionais
sociedades, forças armadas e alianças (#COVID19), que têm o objetivo de aumentar
internacionais, para enfraquecer suas defesas a agitação e reduzir a confiança interna,
contra um ataque externo. independente da narrativa, sendo destinada a
Para Beskow e Carley, a segurança criar fissuras na sociedade atacada (BESKOW
cibernética social é diferente da segurança e CARLEY; 2019, p. 32).
cibernética tradicional, pois essa última está O ataque cibernético contra a Estônia,
associada às pessoas que usam a tecnologia em 2007, com a interrupção de alguns
para hackear tecnologia, cujos alvos são os
8
Para Beskow e Carley (2019, p. 26-27), a segurança
sistemas de informações. Já a segurança
9

cibernética social é uma ciência social computacional


cibernética social envolve seres humanos que multidisciplinar, cujas novas teorias se fundem a
teorias da ciência política, sociologia, comunicação,
empregam a tecnologia para hackear outros ciência organizacional, marketing, linguística,
antropologia, investigação forense, ciência da decisão,
seres humanos, ou seja, os alvos dos ataques e psicologia social.
9
10Para maior detalhamento do assunto, sugere-se
são as pessoas e a sociedade. Como parte de observar a tabela: o Modelo BEND de manobras
informacionais, publicada em BESKON e CARLEY;
uma guerra de informação, esse tipo de ataque 2028, p. 31. As formas de manobra BEND descrevem
como um ator pode manipular o mercado de crenças,
usa: o meio cibernético para difusão em
ideias e informações.

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serviços e a remoção de outros, não deixa que servem para degradar um sistema. Eles
dúvidas a respeito da necessidade de se podem ser usados para lançar mensagens
entender que: (a) as notícias falsas são eletrônicas de campanhas publicitárias
importantes; (b) as pessoas podem ser (spam), mas também podem ser empregados
manipuladas; (c) os nossos sistemas precisam para ataques de negação de serviço em larga
de melhor proteção; e (d) o papel que as escala.
pessoas desempenham na dimensão humana Para Beskon e Carley, o bot pode ser
da guerra da informação precisa ser melhor definido como uma conta de mídia social que
compreendido. utiliza um computador para automatizar as
No contexto das operações de tarefas do aplicativo, com efeito
informação, os bots são cada vez mais informacional. Como exemplo, uma conta bot
utilizados como multiplicadores do poder de no Twitter, pode automaticamente disparar
combate. Cerca de duas semanas antes dos mensagens, repassar tuites, acompanhar,
bombardeios aéreos e da circulação de tropas adicionar amigos, replicar, citar e dar um
russas em território georgiano, na guerra de “like”. Esses bots são distribuídos em redes de
2008, a infraestrutura do país foi alvo de bots, conhecidos com exércitos de bots ou
ofensiva cibernética, por meio de barragens bots coordenadores, que adicionam amigos,
coordenadas de milhões de pedidos – seguem uns aos outros e se promovem
conhecidos como ataques de negação de mutuamente para dar impressão de
serviço distribuídos (Denial of Service – popularidade (2019, p. 33).
DDoS) – que terminaram por sobrecarregar Em 2014, segundo o Relatório Anual
vários servidores oficiais da Geórgia. Dois sobre Ameaças à Segurança na Internet (Internet
dias mais tarde, as investidas de DDoS Security Threat Report, ou ISTR na sigla em
tornariam inoperante a maioria das páginas inglês), o Brasil ocupava o 8º lugar no ranking
oficiais do país. Durante essa fase, os ataques de países que são origens de ataques
foram particularmente levados a cabo por cibernéticos por hackers. Ainda segundo o
botnets (ARRAES, e NOGUEIRA; 2020, p. ISTR, os Estados Unidos da América
9). lideravam a posição, seguidos da China, da
Conforme se pode visualizar na figura Índia e da Holanda10 . No entanto, desde 2014,
11

6, os botnets são uma rede de computadores os ataques promovidos por Estados mais que
conectada com a Internet e infectada por um dobraram e os cometidos por hackers
aplicativo malicioso (malware) que permite
10
Disponível em:
ao servidor o comando e o controle, isto é,
11

http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/04/brasil-
e-8-pais-em-ranking-de-origem-de-ataques-
permite o envio de comandos a esses bots,
ciberneticos.html. Acesso em: 11 MAI 2021.

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


55

independentes cresceram 83%. Os ataques Sul (17%). O setor mais visado pelos hackers
planejados por grupos terroristas aumentaram motivados por questões ideológicas foi o de
24% até o ano de 2017. Telecomunicações, que concentrou 24% dos
O estudo da PwC11 mostra que as regiões
12 ataques, seguido pela indústria automotiva
mais afetadas por ataques cometidos por (23%) e financeira (21%). Já os atores estatais
hackers, motivados por questões políticas e tiveram como alvo prioritário indústrias do
ideológicas, foram a Europa (21% dos setor de mídia & entretenimento (17%) e 15%
incidentes), Ásia e Pacífico (21%); em dos ataques de terroristas se concentraram no
seguida, aparecem Oriente Médio e África setor aeroespacial e defesa.
(18%), América do Norte (17%) e América do

Figura 6: Diagrama de Botnet mostrando um ataque DDoS

Fonte: o autor, com base em https://pt.wikipedia.org/wiki/Botnet

11
Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-
12

imprensa/noticias/ataques-ciberneticos-promovidos-
governos-dobraram-ultimos-tres-anos-mostra-pesquisa-
pwc.html. Acesso em: 11 maio 2021.

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56

Em 2019, a Cybersecurity Insiders conduzidas como parte de campanhas


divulgou matéria com a lista dos países híbridas 13.
15

vulneráveis e os principais produtores de


cyber ataques12. O Brasil (34,68%) figura na
14

4. Reflexões finais e Implicações


lista dos países com maiores taxas de infecção para o Exército
por malware em computadores junto com a
Conforme mencionado no início desse
China (49%) e a Rússia (38,95%), mas
estudo, o conceito de Guerra Híbrida foi
também faz parte da lista dos principais países
construído ao longo de diversas investigações
com melhor preparo contra ataques
(RODRIGUES, 2020, 2021a, 2021b) e
cibernéticos, junto com o Canadá e os Estados
demonstrou que a sua definição não é tão
Unidos da América. A lista dos países dos
recente, ou seja, não foi fruto da interpretação
quais mais ataques de negação de serviço
do conflito da Rússia com a Ucrânia em 2014,
(DDoS) se originaram é liderada pela China
mas teve sua origem na evolução complexa
(29,56%), EUA (21,59%) e Reino Unido
das teorias da guerra. Nesse caso, a Guerra
(16,17%).
Híbrida é entendida como forma de
Em um contexto maior da Guerra
operacionalizar a guerra, quando falamos de
Híbrida, a OTAN sinalizou, na reunião do
uma atividade em si, referindo-nos aos tipos
Conselho em Bruxelas, ocorrida em 14 de
de armas, métodos, teorias, natureza da guerra
junho de 2021, que passará a tratar os ataques
e outros detalhes associados ao combate. A
cibernéticos contra infraestruturas críticas e
guerra híbrida representa a manifestação do
instituições democráticas da mesma forma
fenômeno em formas de lutar, usado para
que uma agressão armada contra qualquer um
analisar subsistemas, subdivisões de um todo
de seus aliados. Reiterou também que irá
que é a guerra. Assim sendo, acreditamos que
considerar uma resposta militar contra
a definição do conceito de Guerra Híbrida,
Estados que patrocinem grupos hackers para
do ponto de vista teórico, assume uma grande
perpetrarem esses ataques. A OTAN
importância estratégica para o emprego
considerou o ciberespaço como um domínio
militar do Exército Brasileiro, no contexto de
militar legítimo, determinando o emprego de
mudanças paradigmáticas nos conflitos na
toda capacidade para dissuadir, defender e
atualidade, como foi o caráter híbrido da
combater ativamente todo espectro de
conduta da guerra russa na Ucrânia, em 2014.
ameaças cibernéticas, incluindo aquelas

12 13
14 Disponível em: 15Disponível em:
https://minutodaseguranca.blog.br/lista-de-paises-mais- https://www.defesaemfoco.com.br/otan-adverte-que-
vulneraveis-%E2%80%8B%E2%80%8Ba-ataques- considerara-resposta-militar-a-ciberataques/. Acesso
ciberneticos/. Acesso em: 16 maio 2021. em: 17 de junho de 2021.

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Nesse contexto, a guerra de informações e a “blitzkrieg informacional” é abrir caminho


guerra cibernética tornaram-se ferramentas da para criar desconfiança entre as forças
Guerra Híbrida. armadas e a sociedade e, em alguns casos,
Com o passar do tempo, a sociedade aprofundar mais ainda o alto patamar de
tem se tornado cada vez mais conectada à desconfiança da sociedade em relação aos
rede mundial de computadores (internet) e às políticos em geral, explorando muitas vezes a
diversas redes de computadores internas corrupção, agravada pelo cenário
(intranet). Nesse contexto, a informatização epidemiológico de COVID-19. Nesse caso,
tem aumentado exponencialmente em todos pode ocorrer uma zona de convergência entre
os setores do Estado, tais como: segurança, a guerra cibernética e a guerra de informação,
defesa, infraestruturas críticas, educação, tendo a opinião pública como centro de
saúde, comunicação, mas também entre as gravidade.
instituições privadas e a sociedade civil. Como sinaliza Visacro, diante das
Nos anos 1990, por exemplo, o uso da mudanças de realidade do combate, a forma
internet foi crucial para que o Exército tradicional de pensar e planejar a guerra
Zapatista de Libertação Nacional, no México, tornou-se antiquada. Com os novos ambientes
atingisse um público mais amplo, com voláteis, incertos e ambíguos que
narrativas favoráveis e apoio a sua causa, caracterizam a guerra na Era da Informação
naquilo que foi chamado por Tássio Franchi e do século XXI, não há mais condições de
Leonardo Vichi de militância cibernética ou abordagens simplistas. Na atualidade, um
guerra de internet. Nada diferente da forma de grande número de fatores não militares tem
atuação, nos dias de hoje, de grupos como o interferido e, até mesmo, inviabilizado o
Hezbollah e o Estado Islâmico (ISIS). O processo tradicional de decisão, calculado no
desafio do século XXI será prover uma estudo do terreno, do inimigo e das condições
segurança de qualidade que permita proteger meteorológicas. Nesse sentido, cada vez mais,
as informações, os recursos, a privacidade, os ferramentas de pensamento complexo devem
organismos estatais e a sociedade (FRANCHI ser incorporadas à metodologia de
e VICHI, 2019, p. 131 e 133). planejamento tático, operacional e estratégico,
A Força Terrestre deve entender melhor para proporcionar coerência sistemática ao
o conceito de segurança cibernética social, uso do instrumento militar (2018, p. 120-121).
para evitar que as vulnerabilidades internas do Segundo Visacro (2018, p. 159), com
país sejam manipuladas por forças externas relação às novas capacidades requeridas pelas
estatais ou não estatais. Na atualidade, uma forças armadas para atuar nos conflitos
das possíveis linhas de ação de uma armados do século XXI, que envolvem as

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chamadas “Guerras Híbridas”, as comunicação social, e guerra cibernética.


organizações militares devem estar aptas a: Essas capacidades devem ser cada vez mais
desenvolvidas, em um contexto amplo, de
- formular estratégicas que contemplem
maneira que haja o desenvolvimento mais
igualmente o uso de meios não militares;
eficaz das operações de informação, no nível
- desenvolver ações integradas e sinérgicas
operacional.
nas dimensões física, humana, e
No nosso entendimento, o que ficou
informacional;
evidente é que a grande variedade de tipos de
- combinar o emprego de meios letais e não
conflitos modernos, somada à nova forma de
letais para alcançar o objetivo desejado;
fazer a guerra, tem uma relação direta tanto
- dar respostas ágeis e flexíveis em ambientes
com os novos e avançados meios
em constante mudança;
tecnológicos, como com as novas estratégias e
- agregar valor psicológico às ações de
ações militares remodeladas ao longo do
combate;
tempo. A Guerra Híbrida busca destruir ou
- fazer uso das análises de antropólogos e
limitar as ações do inimigo com ações de
profissionais das ciências humanas, com
combate e meios não letais que têm o objetivo
capacidade analítica etnográfica para atuar em
de controlar a população local na área das
ambientes multiculturais;
operações, obter seu apoio e buscar a adesão
- interagir com a mídia, organismos de defesa
da opinião pública e da comunidade
dos direitos humanos, organizações não
internacional. Dessa forma, para conseguir
governamentais e outras agências estatais,
alcançar os objetivos estratégicos em uma
presentes no interior da área de operações; e
Guerra Híbrida é necessário obter sucesso
- fazer uso habilidoso dos instrumentos
nos campos de batalha convencional e
jurídicos que lhe estão disponíveis, para
assimétrico. Por isso, o planejamento das
assegurar a legitimidade do uso da força.
atividades operacionais e estratégicas não
Cada vez mais, o Exército deve dar
pode ser realizado como se estivéssemos
importância às Operações de Informação no
travando duas guerras separadas, uma no
mundo contemporâneo, marcado pelo
campo de batalha convencional e outra com
desenvolvimento das Guerras Híbridas,
relação à segurança e estabilização da
incentivando a consolidação de uma cultura
população.
militar integradora no nível tático das
Ao longo do estudo, ficou claro, ainda,
capacidades, conforme explicitado no Manual
que, na Guerra Híbrida, existe a necessidade
de Operações de Informação: inteligência,
de potencializar o uso de meios irregulares no
guerra eletrônica, operações psicológicas,
nível político-estratégico, por ser um tipo de

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


59

guerra com modelagem militar estatal e tropa terrorismo e criminalidade, com o objetivo de
privada, usada em atividades clandestinas. desestabilizar a ordem política estabelecida.
Nesse sentido, as implicações operacionais Ou seja, a Guerra Híbrida foi planejada para
podem ser significativas e terão que ser corroer o poder estatal do inimigo por dentro.
cuidadosamente pensadas, pois o No contexto de intensas mudanças no
planejamento militar deverá buscar ambiente operacional, a possibilidade da
abordagens atuais e criativas, com base no utilização de diversos tipos de operações de
pensamento inovador para solução dos informações não pode ser negada. É possível
problemas militares contemporâneos, como o perceber que as Operações de Informação, no
uso combinado do emprego de forças Exército Brasileiro, estão em intenso
especiais com guerra cibernética, ou desenvolvimento, mas esbarram em
operações de informações e operações de problemas internos, de uso combinado das
dissimulação. No entanto, a utilização das capacidades relacionadas à informação e
forças especiais, nesse contexto, vai além do externos, de adequação do seu planejamento
emprego tradicional e possui alcance político. estratégico com os interesses de outras forças
Atingir objetivos, em cenários sem combates, na realização de operações conjuntas. Esses
é um exemplo de emprego desse tipo de tropa fatores dificultam a necessidade real de
num ambiente híbrido. Foi nesse tipo de integração e sincronização das capacidades
missão que as forças especiais russas se relacionadas à informação e aos recursos
converteram na principal ferramenta da relacionados às operações de informação. No
Guerra Híbrida, articulada ao uso da guerra entanto, com relação à Defesa Cibernética e à
cibernética. Guerra Cibernética, essa capacidade parece
Nesse sentido, é importante dizer que a apresentar o maior grau de integração no
definição da Guerra Híbrida não pode ser Ministério da Defesa, por conta da criação do
considerada apenas uma resposta assimétrica, Comando de Defesa Cibernética, tornando-se
empregada por um poder militar mais fraco, um importante agente integrador entre as
estatal ou não estatal. Uma nova forma de Forças, apesar da dificuldade de realizar
guerrear aparece nos conflitos da atualidade, operações conjuntas.
com a capacidade de engajar de modo efetivo Assim como a Estônia, que, após os
as diversas formas simultâneas de fazer a ataques de 2007, mudou radicalmente sua
guerra. Seguindo uma proposta com melhor defesa cibernética, adotando uma estratégia
definição, esse novo tipo de guerra envolve o nacional de segurança cibernética, o Brasil
emprego de armas convencionais avançadas, deve ficar atento a algumas medidas que
táticas irregulares, tecnologias agressivas, podem ser consideradas importantes para

Fernando da Silva Rodrigues Vol 21 (3) Jun/Ago2021


60

adoção. Além disso, é necessário analisar a foram ocasionados por pessoas com acesso às
utilização de ferramentas híbridas no combate informações privilegiadas nas empresas, após
e/ou realizar operações de natureza híbrida. clicaram em um link de phishing.
Fica evidente a necessidade de manter nossa O governo estoniano tem realizado, nos
estratégia nacional de segurança cibernética últimos anos, vultosos investimentos em
sempre atualizada na mesma proporção que programas de educação e treinamento. A
ocorre a modernização dos sistemas de política do Estado está garantindo que todos
tecnologia da informação. Outra ação os cidadãos tenham acesso ao treinamento de
importante consiste na associação a empresas que precisam para manter os sistemas de
privadas para construir sistemas mais seguros. tecnologia da informação do país mais
Uma medida adotada pelo país báltico, que seguros, tais como campanhas de
pode servir de modelo para o Brasil, é a conscientização, oficinas especializadas para
montagem de um Data Center de segurança idosos e aulas de codificação para estudantes
máxima (“embaixada de dados” em do jardim de infância (pré-escolar). Além de
Luxemburgo) que contenha backups de ensinar defesa, o governo está ensinando aos
segurança para o caso de um ataque. Aquele seus adolescentes a hackear em ambiente
país também se tornou um dos primeiros a seguro e ético. Alguns ataques desses
usar a tecnologia blockchain (espécie de adolescentes ajudam as empresas a
banco de dados à prova de violação) e encontrarem vulnerabilidades em seus
estabeleceu uma nova unidade cibernética sistemas.
dentro de sua Liga de Defesa, uma Cada vez mais, o Exército deve ficar
organização formada por voluntários, além de atento à prospecção de novas tecnologias e ao
pressionar a OTAN e outras organizações por funcionamento dos modernos sistemas com
mais cooperação internacional. Contudo, o capacidade de proteção e vigilância do
ponto mais importante foi o investimento território nacional. Importante também não só
maciço em pessoal especializado, pois a dar continuidade, mas também intensificar
tecnologia dá as ferramentas para proteger o projetos, como o Sistema Integrado de
sistema, mas o nível da segurança depende Monitoramento de Fronteiras (SISFRON),
fundamentalmente dos usuários. É importante que, além de monitorar as áreas de fronteiras,
lembrar que alguns dos ataques cibernéticos deve assegurar o fluxo contínuo e seguro de
mais danosos da atualidade não foram
causados por um hacker sofisticado usando https://www.cnnbrasil.com.br/amp/business/2021/06/1
9/como-as-ameacas-russas-fizeram-da-estonia-um-
uma tecnologia avançada14 . Pelo contrário,
16

pais-em-especialista-
ciberseguranca?__twitter_impression=true.
14
16 Para mais informações ver: Acesso em: 19 jun. 2021.

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


61

dados entre diversos escalões da Força em operações de reconhecimento e de


Terrestre. vigilância de fronteiras e da faixa oceânica
Dessa forma, a prospecção de novas pelas Forças Armadas. Também pode ser
tecnologias civis brasileiras, mais simples e empregado em missões de busca e salvamento
mais baratas, pode ajudar na proteção e na e no monitoramento de grandes eventos por
vigilância, como é o caso do Atobá15 , um 18 forças policiais. O drone de 500 kg, 8 metros
veículo aéreo não tripulado (VANT) de de comprimento e 11 metros de envergadura
grande porte, produzido pela Stella tem capacidade para levar 70 kg de
Tecnologias, empresa fluminense, com a equipamento, como radares, câmeras de
participação de estudantes de engenharia da vigilância e sensores multiespectrais. O
UFRJ, que cedeu também, laboratórios para aparelho desloca-se a 150 km/h e pode
realização de testes. O VANT foi projetado alcançar 5 mil metros de altitude, o que o
para aplicações militares e para a área de torna imperceptível pelo simples olhar do
segurança pública. O seu primeiro voo de homem. O Atobá pode ser adaptado, ainda,
sucesso foi realizado em julho de 2020. para carregar mísseis e bombas, desde que
O Atobá foi idealizado para ser usado sejam respeitados seus limites de peso.

Figura 7: VANT Atobá

Fonte: https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2021/01/079-081_drone-atoba_299-1-1140.jpg

15
18Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/o-
atoba-alca-voo/. Acesso em: 16 fev. 2021.

Fernando da Silva Rodrigues Vol 21 (3) Jun/Ago2021


62

Para a proposta da nova Estratégia oponentes ou de criminosos virtuais.


Nacional de Defesa (BRASIL; 2020a), a Devemos aumentar a preocupação com a
capacidade de proteção do território e da defesa cibernética brasileira e com a
população brasileira exprime o mais relevante segurança nacional, contra potenciais ataques
objetivo nacional: o de garantir a soberania, cibernéticos aos setores estratégicos e as
do patrimônio nacional e da integridade infraestruturas críticas do país, como foi o
nacional. Segundo o documento, o que caso do ataque hacker ao sistema de
importa é dotar a Nação da capacidade de tecnologia da informação da EMBRAER16 , o 19

resposta em situações excepcionais, ataque cibernético à Eletronuclear subsidiária


preservando-se o funcionamento normal das da Eletrobrás17 , a tentativa de ataque ao
20

funções vitais do Estado. sistema do Tribunal Superior Eleitoral, todos


No entanto, o Exército deve, cada vez em 2020, e o vazamento18 21 de dados
mais, se preocupar com o desenvolvimento de telefônicos de mais de 100 milhões de
dispositivos de proteção adequados para os brasileiros em 03 de fevereiro de 2021.
seus sistemas de informação. É importante a Apesar da Política Nacional de Defesa e
adoção de mecanismos de defesa capazes de da Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL;
reduzir os riscos contra os nossos sistemas de 2020a), elaboradas no ano de 2020 e
informação e infraestrutura crítica, tornando- entregues ao Congresso Nacional no mês de
os menos vulneráveis contra ataques julho, tratarem o Setor Cibernético como uma
cibernéticos. das três prioridades dos setores estratégicos
Os anos de 2020 e 2021, marcados pela da Defesa Nacional, o Brasil ainda possui
Pandemia do COVID-19, tornam-se o muitas fragilidades e vulnerabilidades na
momento exato para pensar em avaliações na internet, articuladas aos poucos recursos
segurança das condições de trabalho em home orçamentários para o setor e à pouca
office e da segurança cibernética, pois, neste disponibilidade de mão de obra de qualidade
momento, a guerra cibernética e os crimes
digitais tornaram-se as principais ameaças. A
16
Disponível em: https://g1.globo.com/sp/vale-do-
pandemia obrigou vários setores do governo,
19

paraiba-regiao/noticia/2020/12/09/embraer-investiga-
incluindo a defesa, a trabalhar em casa. Nesse volume-de-dados-vazados-apos-ter-sofrido-ataque-
hacker.ghtml. Acesso em: 15 jan. 2021.
17
sentido, as análises de risco têm mostrado que 20Disponível em:
https://oglobo.globo.com/economia/eletrobras-diz-que-
o elo mais fraco da segurança cibernética é o eletronuclear-sofreu-ataque-cibernetico-mas-sem-risco-
seguranca-das-operacoes-1-24868756. Acesso em: 16
homem. Assim sendo, as defesas cibernéticas fev. 2021.
18
Disponível em:
deverão cada vez mais ficar atentas aos
21

https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/02/10/nov
o-vazamento-expoe-dados-telefonicos-de-mais-de-100-
possíveis ataques por parte de Estados
milhoes-de-brasileiros. Acesso em: 16 fev. 2021.

Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


63

para ser empregada na área de defesa defasados em relação ao resto do mundo,


cibernética. onde estão sendo criadas equipes táticas de
Não obstante, estudos recentes guerra cibernética para operar junto às
analisando as Estratégias Nacionais de Defesa unidades operacionais. Além disso, seria
publicadas no período de 2008 a 2018, fundamental, neste novo ambiente de conflito,
demonstram que o setor cibernético no Brasil, possuirmos tecnologias nacionais, visando
pode trazer a oportunidade de fornecimento suavizar as nossas vulnerabilidades que
de um bem público para a Defesa com poderão ser exploradas por um potencial
transbordamento econômico-tecnológico para oponente.
outros setores, com o fomento da pesquisa e
da inovação, com a integração dos setores
públicos e privados e a integração entre a
Academia e a Indústria, dentro do binômio
“Defesa e Desenvolvimento”, no contexto da
Segurança Nacional. Esse debate é bastante
legítimo, pois o núcleo da defesa cibernética é
baseado em ferramentas de tecnologia da
informação e comunicação, o que permitiria a
formação de um ciclo virtuoso entre coerção e
riqueza e a possibilidade na composição de
um complexo militar-universitário-industrial
no formato do sistema tríplice hélice19 .22

O mundo está se tornando cada vez


mais refém da tecnologia e o espaço
cibernético, no contexto da Guerra Híbrida,
tem atingido todas as áreas do nosso
cotidiano, impactando na segurança das
informações digitais, comunicações, sistemas
de dados táticos e sistemas de armas. Nesse
complexo ambiente informacional, é cada vez
mais necessário fortalecer o setor de defesa
cibernética. Em relação ao ambiente
cibernético, parece que estamos bastante
19
22 FERREIRA NETO, 2020, p. 122-124.

Fernando da Silva Rodrigues Vol 21 (3) Jun/Ago2021


64

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Avaliação das implicações do conceito de guerra híbrida Vol 21 (3) Jun/Ago2021


ISSN: 2525-457X
ANÁLISE ESTRATÉGICA
VOL 21 (3) JUN/AGOSTO 2021

ESTADO EMPREENDEDOR E ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA


NA ERA DO CONHECIMENTO: O UPGRADE NO VANGUARDISMO
CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO NAS EMPRESAS BRASILEIRAS
ENTREPRENEURIAL STATE AND NATIONAL DEFENSE STRATEGY IN THE
AGE OF KNOWLEDGE: THE UPGRADE IN SCIENTIFIC AND
TECHNOLOGICAL VANGUARDISM IN BRAZILIAN COMPANIES

*Fernanda das Graças Corrêa

RESUMO
O principal objetivo deste texto é apresentar propostas para impulsionar a inovação no Exército

Brasileiro, no âmbito de modelos descentralizados de Tríplice Hélice, aproveitando, da melhor

forma, as vocações vanguardistas científicas e tecnológicas existentes na Base Industrial de

Defesa (BID). Trata-se de uma abordagem que visa a tornar o Brasil mais competitivo no

mercado global e com maior acesso a conhecimentos restritos, consolidando o seu status de

Estado empreendedor.

ABSTRACT
The main objective of this text is to present proposals to boost innovation in the Brazilian Army,

within the scope of decentralized Triple Helix models, making the best possible use of the avant-

garde scientific and technological vocations existing in the Defense Industrial Base (DIB) in order

to make Brazil more competitive in the global market and with greater access to restricted

knowledge, consolidating its status as an entrepreneurial State.

PALAVRAS-CHAVE: KEYWORDS:
Era do Conhecimento; Estado empreendedor, Age of Knowledge; Entrepreneurial State,
Vanguarda Científica & Tecnológica; Exército Scientific & Technological Vanguard; Brazilian
Brasileiro; Base Industrial de Defesa. Army; Defense Industrial Base.

*Coordenadora no Departamento de Ciência, Tecnologia & Inovação da


Secretaria de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, pós-
doutoranda em Modelagem de Sistemas Complexos pela USP, pós-
doutora em Ciências Militares pela ECEME, doutora em Ciência Política
na área de concentração em Estudos Estratégicos pela UFF e
pesquisadora na linha Prospectiva Tecnológica & Emprego Militar no
biênio 2020/2021 do Centro de Estudos Estratégicos do Exército
(CEEEx).
68

SUMÁRIO EXECUTIVO
De forma complexa e dinâmica, a Era do Conhecimento oferece inúmeras oportunidades para as

economias de países desenvolvidos e emergentes associarem cada vez mais o processo de inovação

tecnológica ao aprendizado permanente e interativo. A hipótese da pesquisa é a de que o Exército

Brasileiro (EB) pode aproveitar as vocações científicas e tecnológicas existentes na Base Industrial de

Defesa (BID) e na indústria nacional para dar o salto quantitativo e qualitativo na geração de inovações,

contribuindo com a maior competitividade do Brasil no mercado global e na sua consolidação como

Estado empreendedor na Era do Conhecimento.

Na primeira parte deste artigo final da linha de Prospectiva Tecnológica & Emprego Militar do

NEP/CEEEx, no biênio 2020-2021, abordou-se o conceito de Era do Conhecimento e como são

produzidas inovações baseadas em conhecimento. Também foi apresentado o conceito de Estado

empreendedor e como esse conceito se tornou o pilar de inovação e entrega tecnológica para instituições

renomadas como a DARPA, inspirando a criação de diversas agências em inovação em Defesa no mundo.

Na segunda parte, aprofundamos a análise sobre modelos descentralizados de Tríplice Hélice

existentes no Brasil, como habitats de inovação, núcleos de inovação, incubadoras universitárias e

empresariais, parques e polos tecnológicos. Destacou-se que o Brasil tem características de um Estado

empreendedor, podendo contribuir para a maior projeção do país nos rankings globais de inovação.

Na terceira parte, foram analisadas diversas estratégias no âmbito de modelos descentralizados de

Tríplice Hélice, para viabilizar produtos de defesa sem onerar excessivamente o orçamento da Força

Terrestre, aproveitando, assim, melhor as vocações científicas e tecnológicas existentes na BID e na

indústria nacional. O Plano Estratégico do Exército (PEEx) 2020-2023 apresenta 56 projetos considerados

estratégicos, dos quais 27 estão em fase de desenvolvimento. De fato, os projetos estratégicos recebem

boa parte do orçamento cada vez mais reduzido do EB, que tem realizado mais investimentos em

Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I), baseados em conhecimento, mas aproveita pouco o

potencial científico e tecnológico existente em habitats de inovação. Destacou-se também o recente

acordo de cooperação assinado entre o MD e a Embrapii, o qual poderá, no futuro breve, aportar recursos

não reembolsáveis em Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) militares que desenvolvem projetos em

PD&I em parcerias com empresas da BID.

Também foram apontadas propostas para implementar programas e projetos, para atrair mão de obra

qualificada de universidades, centros e instituições de pesquisas; para criar ou atrair incubadoras de base

tecnológica, empresas, startups e aceleradoras para o Polo Científico e Tecnológico do Exército em

Guaratiba (PCTEG); e para criar uma mentalidade de Inteligência e Prospecção Tecnológica nas

incubadoras, para que as empresas, startups, spin-offs gerados e ICTs aumentem suas sobrevidas dentro e

fora dos habitats. Além disso, foi sugerida a adoção de programas e projetos de aceleração, inspirados

em modelos internacionais de sucesso e, por último, no âmbito do Sistema de Ciência, Tecnologia e

Inovação do Exército, foi proposta a redefinição na estrutura estatutária da IMBEL, para que ela se torne

mais competitiva no mercado interno e externo e gere mais inovações baseadas em conhecimento,

incluindo, spin-offs a partir de seus próprios produtos.

Indubitavelmente, é preciso que o Exército Brasileiro, com apoio do Estado empreendedor, explore as

vocações científicas e tecnológicas existentes na BID e na indústria nacional, para estar pronto aos

desafios e às oportunidades da Era do Conhecimento.


69

1. Era do Conhecimento e Inovação produtos; na implantação de novos métodos e


Tecnológica: o caso das baterias processos de produção; no apontamento de
substituíveis na guerra do futuro tecnologias emergentes e disruptivas e de
Os processos acelerados de gaps existentes em programas e projetos; na
transformação global têm impactado implementação de novas culturas
profundamente nos arranjos produtivos, nos organizacionais; na obtenção de novos
mercados, nas tecnologias e nas formas materiais e/ou de recursos estratégicos,
organizacionais de diversas instituições. como pessoas, materiais e tecnologias; na
Baseadas na Era do Conhecimento, essas exploração de novos mercados; na criação de
instituições apoiam-se na realização e na novas estruturas de mercado em uma
implementação de processos e práticas indústria; no auxílio na priorização de
internas que incluem a agregação de novas investimentos em Pesquisa &
capacitações, novos conhecimentos, novas Desenvolvimento (P&D); e no aumento de
competências, novas abordagens em novas lucros empresariais (CORRÊA, 2020, p. 39).
tecnologias e em novas formas de inovar. Como resultado da realização e
Todos esses processos e práticas internas têm implementação de processos e práticas
contribuído para tornar as instituições mais internas é possível realizar distintos
competitivas e detentoras de conhecimentos diagnósticos, baseados em conhecimento,
cada vez mais restritos. Dentre esses com o emprego de diversas ferramentas e
processos e práticas internas realizados e métodos qualitativos, quantitativos e quali-
implementados, sobretudo, em empresas, quantitativos de PT. As características desses
destaca-se a Prospecção Tecnológica (PT). novos processos de mudança na Era do
Um dos principais objetivos da PT é Conhecimento tendem a minimizar o
incorporar a informação ao processo de gestão consumo de insumos, materiais e energias não
tecnológica com foco na tomada de decisão; renováveis; descartar a produção e o consumo
na definição de prioridades; na capacidade de e minimizar efeitos negativos sobre meio
reação e antecipação; na influência na tomada ambiente; e a diminuir absoluta e
de decisão; na formulação de novas políticas relativamente a importância da parte material
públicas; e na elaboração de planos usada na produção de bens e serviços
estratégicos de inovação. Além do processo (LASTRES; CASSIOLATO, 2003, pp. 7-8).
de gestão, a PT orienta os planejamentos na Sob o contexto de tratativas e de
identificação de ameaças e oportunidades de compromissos internacionais firmados, em
investimentos; no desenvolvimento de novos especial ao Acordo do Clima de Paris e à

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
70

transição global para a mobilidade por meio mercado de 75,44 bilhões de dólares no
de fontes elétricas, a China e os países mercado acionário em novembro de 2020 e
europeus como Alemanha, França, Holanda, passou a ocupar a primeira posição entre as
Noruega e Reino Unido têm liderado o montadoras chinesas a e a quarta posição no
crescimento na comercialização de carros mundo nesse segmento, ficando somente atrás
elétricos, ainda que essa demanda não da startup Tesla e das empresas Toyota e
substitua o total de carros de combustíveis Volkswagen2 (INSIDEVS, 2020). Nessa
fósseis. Só na China, por exemplo, o conjuntura internacional, diversas empresas
crescimento em vendas de veículos elétricos têm buscado se inserir na Era do
com baterias substituíveis ou Conhecimento, inclusive, agrupando-se em
intercambiáveis1, como híbridos plug-in e associações e/ou em consórcios, a fim de
movidos a células de combustível, teve desenvolver baterias substituíveis para
recordes exponenciais em 2020. As principais veículos elétricos e definir especificações
vantagens no emprego desse tipo de bateria técnicas padronizadas internacionalmente.
são a gestão mais sustentável do ciclo de vida Outro significativo salto qualitativo,
das baterias usadas e as reduções dos custos em processos internos de empresas do
de fabricação e aquisição do veículo. Na segmento de veículos elétricos, é a busca por
China, além de ter havido maior formulação materiais inovadores que tornem os esforços
de políticas públicas a financiamentos em técnicos para desenvolver e industrializar
P&D, em investimento em infraestrutura e baterias substituíveis mais baratas, com maior
subsídios à compra desses veículos, houve um densidade energética e mais tolerantes em
salto qualitativo significativo em processos ambientes operacionais inflamáveis. Diversas
internos nas empresas chinesas, como a tecnologias promissoras de materiais têm
agregação de novas capacitações, despontado no setor elétrico, tais como
conhecimentos, competências, abordagens, baterias de fluxo3, baterias de lítio-ar4, células
tecnologias e/ ou formas de inovar, que as
2
Com esse indicador, em novembro de 2020, a NIO se
tornaram tão ou mais competitivas que tornou mais valorizada que gigantes nesse segmento
empresas tradicionais ocidentais nesse automotivo global que empresas como a GM, BMW,
Ford e Honda.
3
segmento automotivo. Nesse mercado de Devido à eficiência de conversão e densidade
energética inferiores em comparação aos íons de lítio,
veículos elétricos com baterias substituíveis, experts acreditam que, dificilmente, baterias de fluxos
ou redox-flow-batteries serão empregadas em veículos
por meio da venda de sua versão elétrica EC6, elétricos. No entanto, acreditam ser possível o emprego
desse tipo de bateria em ilhas e/ ou áreas remotas, em
a startup chinesa NIO alcançou valor de que, em conjunto com geradores fotovoltaicos ou
eólicos, substituirão geradores movidos a combustíveis
fósseis.
1 4
Aqui utilizaremos o termo substituível para referência Embora esse tipo de bateria tenha densidade
a esse tipo de bateria, ou seja, aquelas que podem ser energética equivalente à densidade energética de
trocadas e compartilhadas entre diferentes modelos de combustíveis fósseis, devido a problemas relacionados
veículos à baixa vazão do oxigênio, à corrosão metálica e

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


71

de combustível, íons de lítios, entre outras. Sumitomo Corporation, por exemplo,


Indubitavelmente, a revolução técnico- anunciaram a abertura da primeira fábrica
tecnológica e os avanços da internet estariam especializada na reciclagem e na refabricação
comprometidos sem o emprego de baterias de de baterias de íons de lítio de veículos
íons de lítio em computadores, celulares, elétricos.5
tablets e smartphones. Atualmente, os íons de As células de combustível são outro
lítio estão presentes também nas baterias tipo de material utilizado por empresas em
substituíveis de alto rendimento dos veículos baterias de alto rendimento de veículos
elétricos. Experts têm defendido que, no curto elétricos e promete, no curto e médio prazo,
e médio prazo, com melhorias nas ligas e em substituir o emprego de íons de lítio nesse
seus processos de fabricação, cada vez mais o segmento automotivo6. Nesse sentido, cada
emprego dessas baterias contribuirá para: vez mais, empresas baseadas na Era do
diminuir os custos de armazenamento em Conhecimento têm investido em P&D, em
grande escala; baratear o custo de fabricação e infraestrutura e em abordagens que, no
de aquisição dos veículos; aumentar a segmento de veículos elétricos para
densidade energética e a autonomia, sendo mobilidade urbana, realizem 100% de cargas,
capazes de realizar cargas e descargas de o mais rápido possível, com grande
forma mais rápida (NEW CHARGE, 2020). autonomia, em grandes distâncias e em
Consequentemente, o aumento na demanda condições ambientais extremas.
global por veículos elétricos tem implicado Se adaptarmos as tecnologias em
diretamente na maior disponibilidade de contínuos processos de aperfeiçoamento,
materiais no mercado. Diante do surgimento como as baterias substituíveis de íons de lítio
de diversas novas tecnologias e gerações de e/ou células de combustível em veículos
baterias de alto rendimento para veículos elétricos militares na guerra do futuro,
elétricos, agregado à possibilidade de escassez poderemos ter um impacto significativo na
de material devido ao aumento da demanda formulação de novas estratégias, táticas,
do setor elétrico, as empresas do setor estão fluxos logísticos e planejamento das
desencadeando novos processos internos, operações nos teatros de operações militares.
como a reciclagem e a refabricação de
5
Desde 2010, esta joint venture se especializou em um
baterias. Em 2018, a joint venture 4R Energy
sistema que mede de forma rápida o desempenho de
Corporation, fundada em 2010 e constituída baterias usadas e, desde 2018, tem prometido aplicar
este sistema inovador em baterias coletadas em todo o
pelas empresas japonesas Nissan e a território japonês e reutilizar estas baterias em sistemas
de armazenamento em larga escala e em empilhadeiras
elétricas.
6
potência limitada, experts acreditam que, no curto Células de combustível produzem energia a partir da
prazo, essa tecnologia não tem previsão de estar reação do hidrogênio com o ar oxigênio. Dessa reação
disponível comercialmente no mercado. surgem eletricidade, água e calor.

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
72

Atualmente, o Departamento de Defesa evitar surpresas tecnológicas. É


(DoD) é o maior consumidor de petróleo nos imprescindível desenvolver novas tecnologias
Estados Unidos, com uso diário médio de e novos sistemas de baterias substituíveis de
mais de 300 mil barris (ZWEIG & JIANHAI, alto rendimento para veículos leves e pesados
2005 apud BARREIROS, 2019, p. 9). A que possam utilizar eletricidade na guerra do
dependência do DoD e das Forças Armadas futuro com maior autonomia em longas
de fontes de combustíveis fósseis é uma distâncias, sobretudo, em áreas hostis e/ou
preocupação antiga de autoridades políticas e remotas. Daniel Barreiros também destaca o
militares estadunidenses. O surgimento desenvolvimento de “microgeradores
constante de inúmeras surpresas tecnológicas portáteis e pessoais, capazes de garantir
baseadas em conhecimentos por parte de autonomia operacional a um soldado com
potenciais inimigos torna essa vulnerabilidade seus equipamentos” (2019, p. 9). No amplo
ainda mais preocupante. espectro de baterias de células de

Essa vulnerabilidade envolve ainda a combustível, por exemplo, a bateria de


dispendiosa logística para a operação de Células a Combustível de Metanol Direto
plataformas de armas fóssil-dependentes
(transporte, defesa, perdas), que (DMFC, sigla em inglês), com capacidade de
significa, por exemplo, um custo de 5 a
50 vezes maior que os custos de mercado armazenar alta densidade energética em
para cada galão de combustível
distribuído a belonaves em alto mar, por espaços pequenos, atenderia a esse propósito
exemplo. A aposta na eletricidade gerada
por processos renováveis e de alta
nos teatros de operações militares a médio
mobilidade (ou seja, energia que possa prazo.
ser produzida no próprio campo de
batalha) vai se tornando cada vez mais Nesse sentido, de forma complexa e
alta, considerando-se as exigências
crescentes representadas pelos sistemas dinâmica, as economias de países
eletrônicos nas operações militares – tais
como designadores laser, sensores desenvolvidos e emergentes têm buscado se
químico-biológicos e exoesqueletos.
(BURMAOGLU & SANTAS, 2017, inserir cada vez mais na Era do
p.159; LELE, 2019, p.p.117-119 apud Conhecimento, associando o processo de
BARREIROS, 2019, p.9)
inovação tecnológica ao aprendizado
Em meio ao processo aparentemente
permanente e interativo. Assim, eles têm
irrevogável de transição energética global
realizado investimentos massivos em
com ênfase na sustentabilidade e na maior
instituições e em indivíduos, para que estejam
acessibilidade econômica, é imprescindível
aptos a enfrentar os novos desafios e
que as Forças Armadas, de maneira geral e
aproveitem oportunidades para se tornarem
em âmbito global, reduzam cada vez mais a
mais competitivos e terem mais acesso a
dependência energética de combustíveis
conhecimentos restritos.
fósseis e implementem processos e práticas
internas com o apoio de ferramentas e A ênfase no conhecimento deve-se,
também, ao fato de que as tecnologias
métodos de PT para garantir a prontidão e

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


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líderes desta fase são resultado de de economias com industrialização tardia,


enormes esforços de pesquisa e
desenvolvimento. As altas taxas de aponta que a transformação dos países de
inovações e mudanças recentes
implicam, assim, em uma forte demanda ascensão tardia (China, Coreia do Sul, Índia,
por capacitação para responder às
necessidades e oportunidades que se Indonésia, Malásia, Tailândia, Taiwan,
abrem. Exigem, por sua vez, novos e Argentina, Brasil, México e Chile), ocorrida
cada vez mais investimentos em
pesquisa, desenvolvimento, educação e na segunda metade do século XX, em
treinamento. Argumenta-se, dessa forma,
que os instrumentos disponibilizados economias emergentes foi o significativo
pelo desenvolvimento das tecnologias de
informação e comunicação – aumento do Estado com gastos em P&D
equipamentos, programas e redes
eletrônicas de comunicação mundiais –
(AMSDEN, 2009, p.424). No entanto, em
podem ser inúteis se não existir uma base virtude da grave crise econômico-financeira
capacitada para utilizá-los, acessar as
informações disponíveis e transformá-las mundial, provocada pelas duas crises do
em conhecimento e inovação. (LEMOS,
2000, p.164) petróleo entre as décadas de 1970 e 1980 e
decisões políticas hostis ao Estado
2. Era do Conhecimento, Estado
desenvolvimentista - pautadas em ideologias
Empreendedor e o vanguardismo
científico e tecnológico neoliberais, em especial, do Consenso de
Washington - provocaram uma bifurcação
A gestão do conhecimento tácito
nesse grupo de países de economias
gerado nesse processo complexo e dinâmico
emergentes, em que passou a coexistir um
de países desenvolvidos e emergentes, com
subgrupo integracionista, em relação às novas
ênfase em inovações tecnológicas e
regras da governança global, e outro com
aprendizado coletivo, implica na difusão de
postura mais independente (MACHADO,
redes de ensino, de pesquisa, de
2018, p. 44).
desenvolvimento, de produção, de
Assim, China, Coreia do Sul, Índia,
comercialização e de proteção dessas
Indonésia, Malásia, Tailândia e Taiwan
capacitações. Daí a necessidade de os países
permaneceram respaldando suas decisões
criarem mecanismos institucionais em órgãos
políticas em pautas mais desenvolvimentistas,
e fóruns mundiais para restringirem não
com ênfase na formação de ativos baseados
apenas o conhecimento tangível, mas também
no conhecimento e em investimentos
o conhecimento tácito desencadeado desde o
significativos em ciência e tecnologia. Já
ensino e a pesquisa básica até a
Argentina, Brasil, México e Chile optaram
comercialização do produto inovador.7
por respaldar suas decisões políticas em
Alice Amsden, em seu livro A
pautas mais neoliberais, com ênfase na
Ascensão do Resto: os desafios ao Ocidente
produção e exportação de commodities.
7
Mais à frente será possível compreender melhor essa
composição na área de Defesa, quando será
apresentada e debatida a pirâmide da Defesa.

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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Mesmo a Índia, cujo sistema nacionalista ubíquos. Para que uma economia alcance alto
de inovação ficava atrás do da China, da
Coréia e de Taiwan em termos de grau de complexidade, a produção de bens
orientação industrial, se distanciou de
Argentina, Brasil, Chile e México nesse deve ter alta sofisticação com base em
sentido. “Centros de Excelência” na
Índia ajudaram a sustentar líderes conhecimentos de difícil acesso
nacionais em setores estratégicos, como (HAUSMANN, HIDALGO et al, 2014 apud
o laboratório de P&D da Telco na
indústria automobilística. As leis do MACHADO, 2018, p. 46).
governo, na década de 1990, procuraram
melhorar os incentivos privados à P&D, Nesse contexto de economia de baixo
a comercialização pública dos resultados
da P&D e as parcerias entre institutos nível de complexidade, Amsden cita a
públicos e privados. O transbordamento
industrial de laboratórios governamentais
participação brasileira na era de
de P&D ligados à defesa e a saúde era computadores:
alto, proporcionando a base para a
perícia, no nível das firmas, na
manufatura de equipamentos elétricos na indústria de computadores do Brasil,
pesados e fármacos. (AMSDEN, 2009, p. cuja substituição de importações se
479) baseava no princípio controverso da
integração retroativa, tal política
requeria, entre outras coisas um
A bifurcação entre economias investimento correspondente em
emergentes também pode ser explicada pela pesquisa e desenvolvimento, que no caso
brasileiro não existia. A fraqueza dos
teoria da complexidade econômica. esforços de pesquisa é uma razão para
que a política brasileira para a indústria
de computação tenha sofrido duras
A ideia de complexidade econômica está críticas (AMSDEN, 2009, p. 424).
relacionada à pauta produtiva de um país
e ao tipo de conhecimento que ele
domina. Uma vez que um alto nível de Segundo essa linha de pensamento,
complexidade está associado à uma
estrutura produtiva sofisticada, torna-se
atualmente, há um consenso entre países que
necessário dispor de conhecimentos tentam recuperar o atraso econômico de que o
específicos que viabilizem a produção
desses bens. (MACHADO, 2018, p.46) Estado tem um papel significativo na criação

Em economias cuja estrutura de conhecimentos e na mobilização de

produtiva não está baseada no conhecimento, recursos que permitam a difusão do

o país apresenta pouco nível de complexidade conhecimento e da inovação em todas as

econômica, impactando diretamente no seu esferas da economia. Mariana Mazzucato, em

grau de desenvolvimento econômico. Quanto seu livro “O Estado empreendedor:

maior a produção baseada em conhecimento Desmascarando o mito do setor público vs.

existente, maior a diversidade de bens setor privado”, afirma que “o Estado precisa

produzidos no país. No entanto, diversidade também comandar o processo de

em produção não é equivalente a alto índice desenvolvimento industrial, criando

de complexidade, pois nem todo tipo de bens estratégias para o avanço tecnológico em

apresenta alta sofisticação. Países que têm áreas prioritárias” (2014, p. 71). Mazzucato

economia altamente diversificada e pouco


sofisticada geram produtos denominados

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


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tece críticas aos neoschumpterianos8 ao conduzido pelo Estado” (ARBIX e VARON,


afirmar que inovação não é sinônimo de 2010 Apud ANJOS, 2017, p. 19). Além dos
P&D, à medida que, se a empresa não altos investimentos públicos em educação,
dispuser dos ativos complementares desde a básica até a universitária, e no setor
necessários, P&D pode se tornar apenas um de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), a
custo. Assim, a autora ressalta que “é Finlândia tem ganhado destaque no mercado
fundamental identificar as condições global na exportação de eletrônicos e
específicas que precisam estar presentes na eletroeletrônicos.
empresa para permitir que os gastos em P&D Por meio de políticas públicas de
afetem positivamente seu crescimento” P&D, a Suécia criou o seu Sistema Nacional
(MAZZUCATO, 2014, p. 76). de Inovação sob as orientações do modelo de
Estados Unidos, Japão e Alemanha Tríplice Hélice9, o qual disponibilizou
são citados como exemplos de Estados diversas fontes de financiamento, incluindo
empreendedores por terem desenvolvido suas recursos não reembolsáveis e assumindo
economias pela inovação tecnológica de seus riscos de investimentos em projetos. O Estado
produtos. A presença do Estado foi sueco também fomentou diversas Parcerias
fundamental para a criação do ciclo de Público-Privadas (PPP) com a finalidade de
desenvolvimento e coordenação, obtendo criar uma estrutura de produção baseada no
papel proeminente nos investimentos em uso intensivo do conhecimento. Com o
pesquisa. A Finlândia é considerada o caso objetivo de absorver novos conhecimentos, a
mais recente de Estado empreendedor, cuja Suécia buscou, também, ampliar a
economia – que, até então, estava internacionalização dos atores da economia,
predominantemente baseada na exportação de adotando padrões internacionais de seleção de
recursos naturais, como papel, celulose, projetos a serem financiados, sobretudo, pelo
madeira, têxtil e calçados – passou a ser “uma seu potencial de competitividade, importação
nova economia sustentada pela inovação, de cérebros e abertura de centros de pesquisa
mediante processo de transformação no exterior (DOS ANJOS, 2017, p. 20).
Sob o ponto de vista de Amsden e
8
De acordo com Ricardo Dathein, na concepção Mazzucato, países que estejam buscando
neoschumpteriana, “o conhecimento é o principal
recuperar o atraso de suas economias devem
insumo produtivo, responsável pelas constantes
inovações e pelo seu uso eficiente, sendo a empresa definir áreas prioritárias para que o Estado
(onde se cria e se acumula conhecimento) o agente
central da inovação. O aprendizado tecnológico e atue como empreendedor. Mazzucato cita o
organizacional (e sua produção e transmissão) é
determinado nas relações internas da empresa, entre
indivíduos e desses com a empresa, e nas relações
9
externas da empresa, entre essas e outras instituições” Debateremos esse modelo mais à frente.
(DATHEIN, 2003, p.199).

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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exemplo da Agência de Projetos de Pesquisa Hélice foi criada por Henry Etzkovitz, em
Avançada de Defesa (DARPA, sigla em meados da década de 1990, para descrever o
inglês) dos EUA. Criada no final da década de processo de inovação resultante dos esforços
1950, para contrabalançar o desenvolvimento produzidos pela relação governo-
tecnológico da URSS, a DARPA universidade-indústria. Destacam-se aqui
intermediava as negociações entre o setor diversos modelos de inovação, baseados na
público e o privado e facilitava a Hélice Tripla, tais como, habitats de
comercialização, além de financiar a ciência inovação, parques e polos tecnológicos,
pura e direcionar recursos para áreas núcleos de inovação, associações, escritórios
específicas. de transferência de tecnologia e incubadoras.

Indo muito além do simples A Hélice Tripla é um modelo universal


financiamento das pesquisas, a DARPA de inovação. É o segredo por trás do
financiou a formação de departamentos desenvolvimento do Vale do Silício por
de ciência da computação, deu apoio a meio da inovação sustentável e do
startups com pesquisas iniciais, empreendedorismo. A Tríplice Hélice é
contribuiu para a pesquisa de um processo em desenvolvimento
semicondutores, apoiou a pesquisa de contínuo; sua meta é criar um
interface homem-computador e ecossistema para inovação e
supervisionou os estágios iniciais da empreendedorismo. Uma Tríplice Hélice
internet. (MAZZUCATO, 2014, pp. 112- é a verdadeira dinâmica e processo que
113) resultarão em um ecossistema de
inovação. (ETZKOWITZ & ZHOU,
Originalmente, a Agência de Projetos 2017)

de Pesquisa Avançada (ARPA, sigla em Ecossistema é um termo grego


inglês) foi criada em 1958, durante a aplicado nas Ciências Biológicas para se
administração do presidente Dwight D. referir ao conjunto de organismos vivos que
Eisenhower (1953-1961), no contexto da vivem em um determinado local e interagem
Guerra Fria (1945-1989), com o objetivo de entre si e com o meio ambiente, constituindo
evitar surpresas tecnológicas, como o um sistema equilibrado e autossuficiente. Em
lançamento do primeiro satélite artificial um ambiente corporativo, analogamente, um
soviético, o Sputnik 1, por parte dos inimigos. ecossistema de inovação é um modelo de
Somente em 1972, a ARPA passou a ser Tríplice Hélice que ocorre quando diversos
10
denominada DARPA . organismos, pertencentes ao governo, às
A DARPA é um ecossistema de universidades e às indústrias, compartilham
inovação, um dos vários modelos de um ambiente colaborativo, criativo e
desenvolvimento contínuo denominado inovador. Eles interagem entre si para
Tríplice Hélice ou Hélice Tripla. A Tríplice promover descobertas, solucionar gaps,
compartilhar resultados em comum, criar
10
Em 1993, a Agência voltou a ter a designação de novos produtos, serviços e projetos que
ARPA. Somente a partir de 1996, definitivamente,
predominou o termo DARPA. atendam às necessidades do mercado.

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


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A DARPA, enquanto um ecossistema cerca de 3,556 bilhões11 e, em 2021, houve


de inovação, atua desde a pesquisa básica até um singelo aumento para 3,57 bilhões de
a entrega de bens e serviços com alto valor dólares (COMPUTING RESEARCH
tecnológico agregado ao mercado, com foco ASSOCIATION, 2020). “Com a tarefa de
principal na Segurança Nacional dos EUA. intermediação, os funcionários da DARPA
Essa Agência transforma conceitos não apenas desenvolveram laços entre aqueles
revolucionários em capacidades militares envolvidos no sistema de rede, como
práticas, criando oportunidades e novas contribuíram para expandir o pool de
opções táticas, aumentando a vantagem cientistas e engenheiros trabalhando em áreas
tecnológica em relação aos inimigos dos específicas” (MAZZUCATO, 2014, p.p. 112-
EUA. Por meio da gestão do conhecimento, a 113).
DARPA identifica, recruta e apoia gerentes de O modelo de Tríplice Hélice da
programas de excelência, ou seja, indivíduos DARPA inspirou a criação de diversas outras
extraordinários que estão no topo de suas agências de inovação em defesa pelo mundo.
áreas e ansiosos pela oportunidade de As agências recentemente criadas, inspiradas
desenvolver continuadamente suas pesquisas. na DARPA, são a Agence de l'Innovation de
Esses indivíduos vêm da academia, da Défense (AID) da França e a Advanced
indústria e de agências governamentais por Research and Invention Agency (ARIA, sigla
períodos limitados, geralmente, entre três e em inglês) da Inglaterra. O modelo da
cinco anos. É o tempo que a Agência julga DARPA tem servido de exemplo, inclusive,
necessário para a pesquisa alcançar sucesso e para a criação de novas agências de inovação
possível inserção mercadológica. Os tecnológica dentro dos EUA.
programas e projetos DARPA estão O SIGMA é um programa já
distribuídos em seis escritórios: Escritório de arquivado da DARPA, gerenciado por Mark
Tecnologias Biológicas; Escritório de Wrobel12, que teve por propósito, durante
Ciências da Defesa; Escritório de Tecnologia
da Informação; Escritório de Tecnologia de 11
Para consultar as Estimativas de Orçamento do Ano
Microssistemas; Escritório de Tecnologia Fiscal 2020, acesse: https://www.darpa.mil/mwg-
internal/de5fs23hu73ds/progress?id=XLsfft6uMu1Fni
Estratégica; e Escritório de Tecnologia Tática. Qe6HCCIknq1ypz87vdASY6z0T6snM
12
Oficial aposentado da Força Aérea dos Estados
Em 2018, o orçamento anual, aprovado pelo
Unidos, doutor em Ciências da Saúde Ambiental pela
Congresso Nacional dos EUA, para a Agência Universidade de Michigan e gerente de programa no
Escritório de Ciências da Defesa desde 2019. Antes de
foi cerca de 3,008 bilhões de dólares. Em ingressar na DARPA, ele foi gerente de programa
principal do Escritório de Combate a Armas de
2019, foi cerca de 3,427 bilhões. Em 2020, foi Destruição em Massa do Departamento de Segurança
Interna e do antigo Escritório de Detecção Nuclear
Doméstica. Em ambos os escritórios, ele foi
responsável por um portfólio de pesquisa estratégica

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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cinco anos, revolucionar as capacidades de Por meio do programa Panacéia, a


detecção e dissuasão para desenvolver novos DARPA desenvolveu vários métodos de
dispositivos detectores de radiação triagem para identificar rapidamente os
compactados de baixo custo e alta eficiência melhores medicamentos previamente
com gama espectroscópica e capacidade de aprovados pela FDA para tratamento médico
detecção de nêutrons para combater ameaças de pacientes com COVID 19. Um desses
terroristas nucleares em Operações de métodos, empregados em todo o mundo, é o
Detecção Múltipla (CONOPs, sigla em mapa interativo da proteína SARS-CoV-2
inglês). Durante a pandemia da COVID 19, humano, publicado pela revista Nature, em
essa mesma gerência realinhou o programa abril de 2020, na forma de artigo científico,
SIGMA para o SIGMA+ e realizou testes de intitulado “A SARS-CoV-2 protein interaction
sensores com objetivo de expandir a map reveals targets for drug repurposing.”
capacidade avançada do programa, a fim de Outro projeto liderado pela DARPA em
detectar materiais radioativos e nucleares parceria com pesquisadores do Comando de
ilícitos por meio do desenvolvimento de Desenvolvimento de Capacidades de
novos sensores e redes, que alertarão Combate do Exército dos EUA (DEVCOM),
autoridades sobre ameaças químicas, do Laboratório de Pesquisa do Exército, do
biológicas e de explosivos. Outra tecnologia Instituto de Pesquisa Tecnológica da Geórgia,
desenvolvida sob a gerência de Wrobel, no do Cardea Bio e da Universidade da Geórgia,
Escritório de Ciências da Defesa, é o foi o biossensor persistente que, por meio de
SenSARS, cujo objetivo é identificar um monitor de bioaerossol autônomo, detecta
assinaturas do vírus SARS-CoV-2, adequadas SARS-CoV-2 em ambientes operacionais
para o monitoramento rápido do ar, e usar (ARMY USA, 2021).
essas assinaturas para desenvolver e A DARPA foi tão bem-sucedida em
demonstrar sensores protótipos que possam proporcionar soluções técnicas e científicas
detectar o vírus com sensibilidade, para combater a pandemia da doença COVID-
especificidade e velocidade. A intenção é 19 que inspirou o novo presidente dos EUA,
monitorar, de forma mais prática e rápida, Joseph Robinette Biden Jr. a apoiar a
diferentes ambientes, alertando sobre as retomada da proposta de criação da ARPA-
possíveis condições em que a exposição e a Health, com sede no National Institutes of
infecção podem ocorrer com maior Health (NIH), com previsão de orçamento
probabilidade. anual de 6,5 bilhões de dólares e com o
objetivo de financiar projetos inovadores e de
alto risco em tratamentos médico-
com foco em tecnologias avançadas de detecção farmacêuticos. Relevante destacar que, no
nuclear e radiológica.

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Brasil, há também iniciativas governamentais alegando que é um modelo esgotado. Esses


para a criação de uma agência de inovação em especialistas sugerem que a maior promoção
defesa com foco na entrega de encomendas da produtividade e o maior estímulo ao
com alto valor tecnológico agregado. A maior empreendorismo em P&D estão relacionados
parte das agências de Ciência, Tecnologia & ao maior acesso a linhas de crédito, a
Inovação (CT&I) tem optado por um modelo tecnologias de ponta, a práticas avançadas em
mais descentralizado e mais independente grandes setores da economia, a reinvenção de
institucionalmente do Governo. Voltando ao novas instituições e a acesso aos mercados
caso dos EUA, a título de exemplificação, mundiais. Mangabeira Unger, ex-ministro da
cientistas e gestores da Saúde têm defendido Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), é
que a ARPA-Health opere diretamente um dos principais defensores dessa proposta
subordinada ao Departamento de Saúde e de rompimento. Além de defender a
Serviços Humanos e de forma mais reformulação da atual legislação ambiental e
independente do NIH, da mesma forma que a tributária, defende que a estratégia nacional
DARPA opera no Departamento de Defesa de desenvolvimento só será efetiva se houver
(DoD). políticas públicas que aproveitem as vocações
existentes em cada região, o que ele chama de
Eles argumentam que muitas pesquisas
financiadas pelo NIH não saem do empreendorismo de vanguarda.
laboratório por causa da falta de
financiamento para o trabalho de alto Especificamente no caso da Defesa, em
risco necessário para desenvolver um
tratamento a ponto de interessar às entrevista ao jornal Diário do Grande ABC,
empresas. No modelo DARPA, os
em setembro de 2015, Unger esclareceu que,
projetos não seriam examinados por
revisores pares, mas, em vez disso, as para o avanço da região do Grande ABC em
decisões de financiamento seriam feitas
pelos gerentes do programa. E, em vez desenvolver a indústria de defesa, três
de doações plurianuais, a agência
distribuiria prêmios como pagamentos iniciativas devem ser implementadas:
direcionados a marcos; gerentes de
programa também podem cancelar Em primeiro lugar, facilitar a localização
projetos que eles decidam não estar física das cadeias produtivas da indústria
dando certo. (SCIENCE MAG, 2021) de Defesa, a começar pela aeroespacial.
Em segundo, avançar no novo modelo de
educação técnica, que não deve ser
aquele tradicional, alemão, que copiamos
2.2 Para além do modelo de no Brasil, de ensinar ofícios rígidos e
desenvolvimento centrado no Estado profissões convencionais pelo uso das
máquinas tradicionais, como os tornos.
Experts em desenvolvimento Deve ser educação técnica avançada que
ensine as capacitações flexíveis e
econômico, em especial, os genéricas, chamadas de
metacapacitações, exigidas por
neoschumpterianos, têm exigido o tecnologias contemporâneas, como são
as impressoras 3D. Em terceiro, o poder
rompimento com o modelo de público, os prefeitos associados,
desenvolvimento centralizado no Estado, precisam organizar centros ou

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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laboratórios, chamados em muitos países das regras do regime geral de compras


de fablabs, laboratórios de fabricação em
manufatura aditiva, que disponibilizem públicas, o Estado passaria a ter o poder
tecnologias contemporâneas, como as
impressoras 3D, a baixo custo, para estratégico nas empresas privadas do setor,
empresas pequenas e médias de
vanguarda. É um grande caminho para a seja por meio do Direito Público, como um
região, e o melhor instrumento para essa marco regulatório, seja por meio do Direito
trajetória é a cooperação federativa
horizontal.13 Privado, como a golden share15. Desde 2003,

Unger critica o modelo fordista tem havido avanços significativos no maior

industrial, baseado na produção em grande acesso e na diversificação de linhas de

escala de bens e serviços padronizados por crédito. Iniciativas como investimento fixo,

maquinários e processos produtivos, mão de leasing e financiamento de franquias, em

obra semiespecializada e relações de trabalho bancos e associações industriais; criação de

muito hierárquicas e específicas. Unger programas de financiamento não

acrescenta que, “um dos terrenos reembolsáveis por agências de fomento à

privilegiados para o vanguardismo produtivo pesquisa; aumento da promoção da

é a indústria de Defesa, que em todo o mundo competitividade, sobretudo, por meio de

é um contexto para o avanço tecnológico e concursos, licitações, premiações e editais; e

produtivo”. 14
Embora Unger tenha criação de normas especiais para compras,

participado ativamente da elaboração de sua contratações e desenvolvimento de produtos e

primeira versão, ele fez duas principais de sistemas de defesa, como o Termo de

críticas à Estratégia Nacional de Defesa Licitação Especial (TLE) e o Regime Especial

(END): (1) a desconexão entre a pesquisa e a de Tributação para a Indústria de Defesa

produção no complexo industrial de defesa e (RETID).

(2) a falta de um regime jurídico especial para De acordo com Decreto Nº 7.970, de

as indústrias privadas do setor de defesa. 28 de março de 2013, cabe à Comissão Mista

Nessa ótica, a atual END está orientando o da Indústria de Defesa (CMID):

Estado a produzir apenas na ponta,


I - propor e coordenar estudos relativos à
conduzindo pesquisas avançadas sem vazão política nacional da indústria de defesa;
II - promover a integração entre o
produtiva. Ao isentar as empresas privadas Ministério da Defesa e órgãos e
entidades públicas e privadas
13
Para acessar a entrevista de Mangabeira Unger ao relacionadas à base industrial de defesa;
Diário do Grande ABC Defesa em 8 de setembro de III - emitir parecer e propor ao Ministro
2015, acesse: de Estado da Defesa a classificação:
http://www.robertounger.com/portuguese/pdfs/politica a) de bens, de serviços, de obras ou de
_exterior/entrevistas/Entrevista%20Diario%20do%20G informações como Produto de Defesa -
rande%20ABC%20Defesa.pdf PRODE, nos termos do inciso I do caput
14
Para acessar a entrevista de Mangabeira Unger ao do art. 2º da Lei nº 12.598, de 2012
Diário do Grande ABC Defesa em 8 de setembro de
2015,
acesse:http://www.robertounger.com/portuguese/pdfs/p
15
olitica_exterior/entrevistas/Entrevista%20Diario%20do Poder de controle ou veto do Estado nas empresas
%20Grande%20ABC%20Defesa.pdf privadas.

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(Incluído pelo Decreto nº 9.857, de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE)


2019);
b) de PRODE como Produto Estratégico elaborou um gráfico denominado Pirâmide de
de Defesa - PED, nos termos do inciso II
do caput do art. 2º da Lei nº 12.598, de Defesa, conforme figura 1, que representa o
2012 ; e (Incluído pelo Decreto nº 9.857,
de 2019); modelo ideal interdependente e permite a
c) de conjunto inter-relacionado ou compreensão do complexo relacionamento
interativo de PRODE como Sistema de
Defesa – SD. (BRASIL, 2013, pp.2-3) entre as principais instituições partícipes.
A Base Industrial de Defesa (BID) Nesse modelo, a base nacional suporta toda a
credenciada pela CMID, atualmente, é estrutura de defesa capaz de fornecer recursos
composta por 142 empresas, das quais 113 básicos, tanto humanos quanto tecnológicos e
são cadastradas como Empresas Estratégicas industriais (siderurgia, metalurgia, bens de
de Defesa (EED) e 29 são cadastradas como capital, mecânica, eletrônica, material de
Empresas de Defesa (ED). Cinquenta e cinco transporte, química, telecomunicações etc). A
(55) das empresas credenciadas pela CMID base industrial, logística, científica e
estão habilitadas ao RETID. De acordo com tecnológica, de defesa, também denominada
dados apresentados por representantes dos Base Industrial de Defesa (BID), é a
Estados-Maiores das Forças Armadas, durante provedora das Forças Armadas em
a 33ª reunião da CMID ao Ministério da conhecimentos, sistemas, equipamentos,
Defesa, em 25 de maio de 2021, as empresas materiais, tecnologia e serviços. O bloco das
credenciadas como EED pela CMID Forças Armadas constitui o braço armado da
conseguiram redução de, aproximadamente, defesa e garante que o Estado tenha a
70 milhões de reais nos contratos executados capacidade de combater agressões externas. É
entre os anos 2014 e 2021. “Apenas nos nesse bloco que se concentram as políticas,
últimos dois anos, foram aproximadamente estratégias militares, capacidades militares,
38 milhões de reais.” (CCOMSOD, 2021) hipóteses de emprego e assuntos relacionados
Embora uma ponta do vanguardismo às operações militares. No topo da pirâmide,
já esteja contemplada na END, o ponto de encontram-se os setores responsáveis pela
partida é entender que, além do acesso a elaboração da política e estratégia nacionais
crédito, é preciso combinar com acesso a de defesa, dos tratados e acordos
tecnologias, a práticas avançadas e aos internacionais e das avaliações e declarações
mercados mundiais. O compromisso do de ameaças, crises, conflitos e guerras.16
Estado com os setores estratégicos, no
complexo industrial de defesa, é um
instrumento de soerguimento do País. A 16
Para conhecer os conceitos básicos da pirâmide de
defesa da ABIMDE, acesse aqui:
Associação Brasileira das Indústrias de https://abimde.org.br/media/download/96affa55188000
b7779e5a753e3523a4.pdf

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Figura 1: Pirâmide de Defesa

Fonte: ABIMDE

Segundo Unger, o Brasil é um caso de práticas e não de modelos teóricos, a sua


único na história mundial em que se emerge posição estratégica no mundo.
como potência sem pretensões imperiais. No
A aspiração à potência regional, segundo
entanto, para que se desenvolva e se defenda, o raciocínio exposto na Estratégia
Nacional de Defesa, passa igualmente
o Brasil precisa ter tecnologia de vanguarda, a pela aquisição de produtos de defesa
fim de não depender das grandes potências modernos e pela capacidade de produzi-
los. Como país em desenvolvimento, há,
mundiais. O ponto de chegada, de acordo com entretanto, lacunas tecnológicas que
precisam ser vencidas. Por sua vez, é
o modelo proposto, é um novo marco geralmente aceito que uma das formas de
redução dessas lacunas tecnológicas é a
institucional e a concorrência cooperativa. O transferência de tecnologia, a qual, toda
via, deve ser feita segundo alguns
ponto de largada é a implantação de uma nova cuidados. (ROSSI, 2015, p.13)
cultura industrial, caracterizada por inovações
Dentro de uma perspectiva
radicais, conectando a pesquisa avançada à
neoschumpeteriana, a transferência de
produção, por domínio de capacitações
tecnologia é entendida como parte do
genéricas. Embora Unger entenda a
processo de inovação na empresa. Cabe ao
necessidade de maior proximidade entre
receptor da tecnologia dominar os
Brasil e EUA, defende que, somente por meio
conhecimentos necessários que lhe permitam
da independência tecnológica, o país terá
adaptar a tecnologia transferida, no âmbito da
condições de discutir com os EUA, por meio
P&D, e aperfeiçoá-la, de forma que uma nova

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tecnologia surja. Além da transferência de as primeiras iniciativas que culminaram na


tecnologia, existem outros meios de aquisição criação de empresas de alta tecnologia com
tecnológica de defesa, como compras de base em pesquisas acadêmicas. De acordo
oportunidades, cooperação tecnológica, com o autor estadunidense, as iniciativas
importação de cérebros, consórcios e joint promissoras de um grupo de pesquisadores do
ventures, golden share, spin-off, startups Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-
entre outras. Graduação e Pesquisa de Engenharia
(COPPE), da Universidade Federal do Rio de
3. Modelos descentralizados de Janeiro (UFRJ), resultaram na criação do
Tríplice Hélice: o caso brasileiro novo campus da Universidade Estadual do
Sobre a adoção de modelos de Tríplice Rio de Janeiro (UERJ), na região serrana de
Hélice, Henry Etzkovitz considera que não Nova Friburgo. A ação incentivou
existe um modelo específico. Para ele, importantes colaborações universidade-

em qualquer parte do mundo, existirá um empresas-governo na cidade, por meio de


modelo diferente. Todos podem aprender uma incubadora tecnológica de cooperativas
uns com os outros, mas sempre existirá
uma maneira mais apropriada para a populares (VALENTE, 2010, p. 3).
realidade de cada local. A proposta não é
encontrar uma "melhor prática" e Segundo Censo da Educação Superior
implementar esse modelo. A proposta é
analisar os pontos fortes e fortalecer os 2019, promovido pelo Instituto Nacional de
fracos, com ideias novas ou de outros
locais. (VALENTE, 2010, p.4)
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) e divulgado em outubro de
Etzkovitz criou o modelo de Tríplice
2020, na página oficial do Ministério da
Hélice, analisando a relação do Instituto de
Educação na Internet, o Brasil dispõe de
Tecnologia de Massachussets (MIT, sigla em
2.608 instituições de ensino superior, das
inglês) com o governo e a criação de
quais 2.306 são privadas e 302 são
empresas de alta tecnologia entre os anos de
instituições públicas.17 Anualmente, o Brasil
19

1930 e 1940. Ele constatou que, devido aos


se mantém nos rankings globais dos países
diferentes papéis de cada ator no processo de
que mais publicam artigos científicos em
inovação, é necessária a liderança de um
revistas conceituadas. No entanto, o Brasil
indivíduo ou de uma organização que tenha a
continua em desvantagem nos rankings
credibilidade de todos os atores envolvidos
internacionais de inovação. Imperativo
para convergir em consenso os interesses de
todos para criar ou melhorar o sistema de 17
19Para conhecer mais informações sobre o Censo da
inovação. Em seus estudos, Etzkovitz Educação Superior 2019, acesse a página do Ministério
da Educação: https://www.gov.br/pt-
identificou a liderança de Karl Compton, br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/10/censo-da-
educacao-superior-mostra-aumento-de-matriculas-no-
então presidente do MIT em 1930, ao propor ensino-a-distancia

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destacar que a formação de mestres e Alterando dispositivos na Lei nº


doutores, bem como a produção de artigos 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei Nº
científicos ou depósito de patentes não se 13.243, de 11 de janeiro de 2016, aponta que
configuram isoladamente como processos de os estímulos ao desenvolvimento científico, à
inovação. “Por muito tempo, as universidades pesquisa, à capacitação científica e
em todo o mundo, não estiveram conectadas tecnológica e à inovação no Brasil devem
com a comunidade em seu entorno – seguir os seguintes princípios:
caracterizando a noção da universidade vista
I - promoção das atividades científicas e
como uma “torre de marfim”, onde alunos e tecnológicas como estratégicas para o
desenvolvimento econômico e social;
professores operam em uma bolha protetora” II - promoção e continuidade dos
(VEFAGO, 2020, p.30). Contudo, o conceito processos de desenvolvimento científico,
tecnológico e de inovação, assegurados
de empreendedorismo tem modificado a os recursos humanos, econômicos e
financeiros para tal finalidade;
percepção política, econômica e social das III - redução das desigualdades regionais;
IV - descentralização das atividades de
universidades à medida que, cada vez mais, as ciência, tecnologia e inovação em cada
esfera de governo, com desconcentração
universidades têm assumido o seu em cada ente federado;
vanguardismo científico e tecnológico no V - promoção da cooperação e interação
entre os entes públicos, entre os setores
desenvolvimento econômico - regional e público e privado e entre empresas;
VI - estímulo à atividade de inovação nas
nacional- na conexão com as indústrias no Instituições Científica, Tecnológica e de
Inovação (ICTs) e nas empresas,
processo de inovação. Para Etzkovitz (2000), inclusive para a atração, a constituição e
a instalação de centros de pesquisa,
alguns experts acreditam que o fato de desenvolvimento e inovação e de parques
universidades e pesquisadores/professores e polos tecnológicos no País;
VII - promoção da competitividade
poderem obter ganhos financeiros por meio empresarial nos mercados nacional e
internacional;
de universidades empreendedoras pode VIII - incentivo à constituição de
ambientes favoráveis à inovação e às
comprometer a integridade da universidade, à atividades de transferência de tecnologia;
IX - promoção e continuidade dos
medida que o intenso interesse pecuniário processos de formação e capacitação
pode desvirtuá-la de seu propósito científica e tecnológica;
X - fortalecimento das capacidades
(VEFAGO, 2020, p. 30). Para além da operacional, científica, tecnológica e
administrativa das ICTs;
produção de conhecimento e da promoção de XI - atratividade dos instrumentos de
fomento e de crédito, bem como sua
transferências de tecnologias, segundo David permanente atualização e
aperfeiçoamento;
Audretsch (2014), o conceito de universidade XII - simplificação de procedimentos
empreendedora abrange uma atuação mais para gestão de projetos de ciência,
tecnologia e inovação e adoção de
ampla, “como contribuir e fornecer liderança controle por resultados em sua avaliação;
XIII - utilização do poder de compra do
para a criação de pensamento empreendedor, Estado para fomento à inovação;
XIV - apoio, incentivo e integração dos
ações, instituições e empreendedorismo inventores independentes às atividades
das ICTs e ao sistema produtivo.
capital” (PUGH et al, 2018). (BRASIL, 2016a)

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A nova Lei Nº 13.243/2016 confere ao do conhecimento e apoio para o


aprendizado, criando sinergia na região e
Brasil características de um Estado alimentando os mecanismos de
empreendedorismo e para a inovação.
empreendedor que vem experimentando (LUZ, KOVALESKI, et al, 2014)
modelos de Tríplice Hélice mais
Os habitats resultam tanto na criação
descentralizados. Além disso, permite que o
de infraestrutura quanto na criação de
Estado e suas agências de fomento estimulem
programas que promovam desde a concepção
e apoiem a constituição de alianças
até a operação em espaços compartilhados e
estratégicas e o desenvolvimento de projetos
planejados de incubadoras universitárias e
de cooperação envolvendo empresas, ICTs e
empresariais de base tecnológica, spin off,
entidades privadas sem fins lucrativos
startups e aceleradoras, hotéis tecnológicos18 , 20

voltados para atividades de P&D. Permite,


núcleos e centros de inovação, parques e
ainda, que essas mesmas instituições apoiem a
pólos tecnológicos, centros comerciais,
criação, a implantação e a consolidação de
centros tecnológicos e empresariais etc.
ambientes que promovam inovação, incluindo
Diferentes métricas podem ser implementadas
incubadoras de empresas, parques e pólos
para medir o sucesso de habitats de inovação,
tecnológicos. Dessa forma, incentiva a nova
tais como:
Lei de desenvolvimento tecnológico, o
aumento da competitividade e a interação  atendimento dos objetivos da
legislação: uma forma de medir o
entre as empresas e as ICTs. Assim, as sucesso dos habitats é avaliar seu
desempenho com base nos objetivos
incubadoras de empresas, os parques e polos previstos, como escrito na legislação ou
encontrado nos documentos e entrevistas.
tecnológicos e os demais habitats de inovação
 retorno dos investimentos públicos:
podem estabelecer suas próprias regras para gastos diretos do governo na aquisição
de terra e desenvolvimento de
fomentar, conceber e desenvolver projetos em infraestrutura, incentivo financeiro e
custo de oportunidade nas áreas
parceria, além de selecionarem empresas construídas dos habitats versus outros
tipos de usos podem ser comparados a
interessadas em fazer parte desses habitats. mudanças nos impostos e outras formas
de crescimento econômico.
Habitats de inovação são modelos
 desempenho superior das empresas:
descentralizados de Tríplice Hélice que se isso pode ser medido em termos de
mudança na receita e taxas corporativas
referem a espaços compartilhados e coletadas pelos governos locais, estadual

planejados em que a ciência e a tecnologia


18
O hotel tecnológico trata-se de um espaço para pré-
transformam conhecimento em inovação. 20

incubação e incubação de projetos de empresas. O


objetivo é a transformação de ideias em negócios de
São fundamentalmente ambientes base tecnológica, geradores de empregos e novos
disseminadores e amplificadores de produtos e/ou serviços. Tem como visão estratégica ser
informações entre os agentes de um centro de referência regional em modelo de pré-
inovação, como: universidades, incubação de empresas cooperando para disseminar a
instituições de pesquisa, empresas e cultura empreendedora e ampliar a criação de micro e
governo. Essas interações constituem o pequenas empresas sólidas (PIETROVSKI et al., 2010
suporte necessário ao desenvolvimento apud LUZ, KOVALESKI, et al, 2014).

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ou federal, como resultado do atividades voltadas à inovação” (BRASIL,


crescimento de negócios de sucesso
dentro e fora do habitat, assim como em 2016a).
termos de ganhos com rede de trabalho.
 desempenho superior das instituições Etzkovitz cita as incubadoras
de ensino: criação de conhecimentos
codificados que podem ser medidos em
brasileiras como avanços perceptíveis em
termos de patentes e publicações. modelos de Tríplice Hélice no País. Ao
Empresas residentes formam com
frequência pesquisas conjuntas com importar e adaptar o modelo de incubadoras
outras empresas no habitat, e isso pode
promover benefícios para a universidade dos EUA, o qual visava às indústrias de alta-
anfitriã ao patrocinar laboratórios e
professores, contratando estudantes ou se tecnologia, o Brasil teve um salto qualitativo
associando com atividades e patentes.
em seu sistema de inovação. Ao importar e
 valor do parque para residentes: outra
forma de medição é o valor do habitat adaptar esse modelo, visando às empresas de
para empresas residentes que beneficia a
riqueza do fluxo de conhecimento entre média-tecnologia, baixa-tecnologia e até não-
elas e a universidade. Por exemplo,
firmas podem procurar o prestigio de tecnológicas,
trabalhar em um parquet de sucesso, o
que pode beneficiar a universidade
anfitriã, empresas residentes, e a (...) o Brasil percebeu que o propósito de
comunidade local. (LUGER & uma incubadora é treinar um grupo de
GOLDSTEIN, 2006 apud MORÉ, indivíduos para trabalhar como uma
PIZZINATTO et al, 2016, p.2) organização. E a universidade pode fazer
esse papel. Isso é mais amplo do que
inventar novas tecnologias, é também
Um dos modelos de Tríplice Hélice criar estruturas organizacionais. Essa é
uma inovação importante que aconteceu
mais bem desenvolvidos nas universidades é no Brasil. É claro que há muito o que se
o de incubadoras de inovação. Incubadoras fazer para aumentar o nível de pesquisa
nas universidades - e isso acontece em
são ambientes disponibilizados pelas todo mundo. A Lei de Inovação no Brasil
incentiva as empresas a contribuírem
universidades em suas instalações, que para a inovação, sustentando pesquisas
em universidades. Esse foi um excelente
prestam apoio administrativo, marketing, passo adiante. Esse modelo precisa
maturar-se, expandir-se, bem como
orientações financeiras, dentre outras, às novas maneiras de colaboração precisam
iniciativas empreendedoras de pequenas e ser criadas. Não só no Brasil, mas
também internacionalmente.
microempresas de base tecnológica, nas fases (VALENTE, 2010, p.5)

iniciais do desenvolvimento de um produto e


Cabe registrar que estatísticas
serviços com algum grau de inovação. A Lei
estadunidenses e europeias afirmam que a
Nº 13.243/2016 define incubadora de
taxa de mortalidade de empresas passadas por
empresas como uma “organização ou
incubadoras é de apenas 20% e de empresas
estrutura que objetiva estimular ou prestar
não passadas por incubadoras é de cerca de
apoio logístico, gerencial e tecnológico ao
70% (AZEVEDO et al, 2016, p. 4). As
empreendedorismo inovador e intensivo em
principais vantagens das incubadoras de
conhecimento, com o objetivo de facilitar a
inovação são: o desenvolvimento de políticas
criação e o desenvolvimento de empresas que
de apoio às empresas incubadas na gestão
tenham como diferencial a realização de
tecnológica; a viabilização da interação com

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centros de ensino e pesquisa universitária; a Científicas, Tecnológicas e de Inovação], com


promoção do desenvolvimento de novos ou sem personalidade jurídica própria, que
empreendimentos que sejam economicamente tenha por finalidade a gestão de política
viáveis e capazes de se adaptarem ao institucional de inovação e por competências
mercado, após o período de permanência na mínimas as atribuições previstas nesta Lei”
incubadora; o apoio à transformação de (BRASIL, 2016a). De acordo com Ingrid
pequenas e microempresas de base Zanuto de Freitas e Sandra Mara Stocker
tecnológica em empresas crescentes e Lago (2019), os NITs exercem funções
lucrativas; o apoio à redução dos riscos e semelhantes aos escritórios de transferência
incertezas dos empreendimentos; e a de tecnologia retratados na literatura
revitalização das regiões onde as incubadoras internacional. Muitas vezes, são também
atuam, sobretudo, ampliando a oferta de associados com Instituição Científica,
empregos (RIBEIRO et al, 2005, p.9). Em Tecnológica e de Inovação (ICT). Ao
2019, o Brasil despontava com cerca de 370 analisarem o funcionamento, de maneira
incubadoras de inovação. É possível que geral, essas autoras apontam que os NITs
produtos de valor tecnológico agregado com precisam avançar muito em diversas
aplicações duais, oriundos direta ou competências ainda pouco exploradas,
indiretamente de empresas que passaram por sobretudo, em relação às estratégias de
incubadoras em universidades, estejam sendo comercialização/transferências de tecnologia
comercializados com as Forças Armadas das universidades e instituições para o setor
brasileiras. No entanto, não foram produtivo. Neste sentido, é imprescindível
encontrados, nos registros da CMID, que os NITs gerenciem de forma adequada a
empresas classificadas como de defesa ou propriedade intelectual das ICTs em que estão
estratégicas de defesa que tenham tido apoio inseridos (ANDRADE et al, 2016 apud
administrativo, logístico, gerencial e/ou FREITAS & LAGO, 2019).
tecnológico de incubadoras de universidades O conceito de ICT definido pela Lei
nas fases iniciais de seus empreendimentos. Nº 13.243 refere-se ao(à):
Núcleos de inovação tecnológica (...) órgão ou entidade da administração
pública direta ou indireta ou pessoa
também constituem um dos modelos de jurídica de direito privado sem fins
lucrativos legalmente constituída sob as
Tríplice Hélice que vêm sendo explorados no leis brasileiras, com sede e foro no País,
que inclua em sua missão institucional
Brasil. De acordo com a Lei Nº 13.243/2016, ou em seu objetivo social ou estatutário a
um núcleo de inovação tecnológica, mais pesquisa básica ou aplicada de caráter
científico ou tecnológico ou o
conhecido pela sigla NIT, é a “estrutura desenvolvimento de novos produtos,
serviços ou processos. (BRASIL, 2016a)
instituída por uma ou mais ICTs [Instituições

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Dentre alguns dos pré-requisitos, para conjuntamente é o uso de valores transferidos


uma instituição ser reconhecida como ICT, às ICTs como benefícios fiscais.
encontram-se o desenvolvimento de pesquisa Não é só o poder público que
básica ou aplicada de caráter científico ou contempla ICTs públicas e privadas com
tecnológico e o desenvolvimento de novos investimentos em projetos em PD&I. A
produtos, serviços ou processos. Igualmente iniciativa privada nacional e internacional
às universidades, aos institutos de pesquisas e também investe em projetos em PD&I de
às empresas, as Forças Armadas brasileiras ICTs públicas e privadas brasileiras. Exemplo
têm instituições reconhecidas como ICT. As disso é Huawei ICT Academy19 , programa21

ICTs visam desenvolver soluções internacional de cooperação universidade-


tecnológicas que respondam às demandas da empresa, criado em 2013, voltado para
sociedade de forma inovadora. Cabe ressaltar desenvolver um ecossistema de talentos em
que a nova Lei Nº 13.243/2016 também tecnologias da informação e comunicação,
beneficia instituições privadas, identificadas sobretudo, redes de computadores,
como pessoa jurídica de direito privado sem computação em nuvem, inteligência artificial,
fins lucrativos, legalmente constituídas sob as Internet das Coisas (IoT) etc. O programa foi
leis brasileiras, com sede e foro no País, cujo desenvolvido em universidades, englobando o
objeto social ou estatutário contenha a processo de aprendizagem, certificação e
pesquisa básica ou aplicada de caráter emprego com base em requisitos empresariais
científico ou tecnológico no desenvolvimento que atendessem ao setor automotivo. Devido
de novos produtos, serviços ou processos. à sua infraestrutura, qualificação do corpo
Elas configuram-se como ICTs privadas. A lei docente e intensa e profícua capilaridade para
dispõe que as ICTs privadas remuneradas o interior do estado do Amazonas, a
pelo poder público, por meio da transferência Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
de tecnologia, do licenciamento para uso ou foi credenciada como Huawei ICT Academy.
exploração de criação e da pesquisa, Outro modelo de Tríplice Hélice
desenvolvimento e inovação, não representam implementado no Brasil é o de parques
impeditivo para sua classificação como tecnológicos. Conforme consta na Lei Nº
pessoa jurídica de direito privado sem fins 13.243, parque tecnológico é o
lucrativos (BRASIL, 2016a). Um interessante
(...) complexo planejado de
estímulo para que Empresas de Defesa se desenvolvimento empresarial e
tecnológico, promotor da cultura de
associem a ICTs públicas ou privadas para a inovação, da competitividade industrial, da
capacitação empresarial e da promoção de
realização de projetos em Pesquisa,
19
Desenvolvimento & Inovação (PD&I) 21Para conhecer melhor o Huawei ICT Academy,
acesse: https://e.huawei.com/br/case-studies/leading-
new-ict/2020/ict-talent-ecosystem-huawei-ict-
academy-ict-competition

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sinergias em atividades de pesquisa de empresas de base científica e tecnológica,


científica, de desenvolvimento tecnológico
e de inovação, entre empresas e uma ou cujo foco inicial era setores intensivos em
mais ICTs, com ou sem vínculo entre si.
(BRASIL, 2016a) conhecimentos científico-tecnológicos nas
áreas de informática, biotecnologia e
A partir da década de 1970, houve no
automação industrial.
Brasil mudanças significativas tanto na visão
Conforme a figura 2 (próxima página)
do governo quanto do empresariado nacional
demonstra, as partes interessadas em parques
em relação a uma maior mudança de
tecnológicos são:
mentalidade, sobretudo, em virtude do maior
o setor público, com a devida importância;
acesso às novas tecnologias, à formação de os órgãos governamentais; as universidades
que possuem interesse no campo da ciência
grandes conglomerados, à substituição das e tecnologia; de forma objetiva, os institutos
de pesquisas, desenvolvimento e inovação;
importações e ao maior acesso a créditos no com grande potencial a oferecer, as
incubadoras de empresas e projetos; as
exterior. “De um lado, alguns empresários,
organizações de base tecnológica; os
tanto do setor público como privado, stakeholders; as sociedades empresariais,
associações comerciais e empresariais; o
tomaram a iniciativa de desenvolver uma Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – SEBRAE; a federação
potencialidade interna em P&D e, de outro das indústrias; as parcerias, as instituições
bancárias e (ou) os investidores de risco.
lado, o governo procurou fornecer o apoio (AGUIAR, 2018, p.24)
necessário para que tal iniciativa se
A implantação de um projeto de
concretizasse” (TORKOMIAN & LIMA,
parque tecnológico pode ser dividida em três
1989, p.78). Na década de 1980, o governo
fases: na primeira fase, encontram-se a
brasileiro apoiou e lançou campanhas de
concepção e a implantação do projeto, nas
maior incentivo à promoção de P&D nas
quais são decididas a área de ocupação, a
empresas brasileiras. Segundo Alex
natureza jurídica e a viabilidade econômica do
Marighetti, foi nessa conjuntura que se
empreendimento. Nessa fase, também é
ampliou o número de empresas, geralmente,
elaborado o plano de captação de recursos
de pequeno porte que investiram em P&D por
para investimentos em infraestrutura física e
meio de tecnologias empregadas no produto
tecnológica. A segunda fase da implantação
final ou na linha de montagem (2013, p. 105).
corresponde ao período de estruturação, na
Essas campanhas governamentais também
qual a infraestrutura básica é concebida e as
resultaram na criação de diversos programas,
primeiras empresas começam a se instalar. A
como o Programa de Parques Tecnológicos, o
terceira e última fase é a da consolidação, na
qual foi criado pelo Conselho Nacional de
qual o polo industrial é plenamente ocupado e
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
as ações relacionadas ao parque são
(CNPq) em dezembro de 1984. A partir desse
intensamente divulgadas (AGUIAR, 2018).
Programa, surgiram as primeiras incubadoras

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
90

Figura 2: Formação de um Parque Tecnológico

Fonte: a autora, com base em CHIOCHETTA, 2010 (apud AGUIAR, p. 24)

Dados estatísticos da Associação incubadoras; identificar as tendências do


Nacional de Entidades Promotoras de cenário atual das incubadoras de empresas no
Empreendimentos Inovadores (ANPROTEC) Brasil; propor uma taxonomia para
apontam que, em 2011, o Brasil registrava organização/estruturação das incubadoras de
384 incubadoras e 2.640 empresas de base empresas brasileiras; propor um modelo de
tecnológicas incubadas. Em 2012, a atuação das incubadoras de empresas, para
ANPROTEC e o Ministério da Ciência, sua consolidação como plataformas
Tecnologia e Inovação (MCTI), no âmbito do estratégicas, institucionais e operacionais
convênio de Cooperação Técnica no 59/2009, voltadas à promoção do desenvolvimento
produziram um relatório técnico intitulado nacional; apresentar proposições de
“Estudo, Análise e Proposições sobre as aprimoramento/ampliação das políticas
Incubadoras de Empresas no Brasil” com os públicas de apoio ao desenvolvimento e
seguintes objetivos: atualizar a base de consolidação das incubadoras de empresas no
conhecimento sobre as incubadoras de Brasil; e difundir os resultados do estudo
empresas; realizar benchmarking de entre os agentes de inovação e demais
experiências internacionais para atualização e parceiros (ANPROTEC, 2012, p. 7). Fazendo
consolidação do movimento brasileiro de uso da ferramenta de PT denominada

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


91

benchmarking, o estudo da Exceto a Alemanha e o Reino Unido,


ANPROTEC/MCTI diagnosticou que, cujas incubadoras de base tecnológicas têm
receitas próprias como principal fonte de
(...) a aceleração da implantação de
incubadoras de empresas foi o resultado recursos, respectivamente, mais de 66% e
de políticas públicas de fomento,
registradas em países como Coreia do quase 45%, em todos os demais países
Sul, França, Alemanha, Estados Unidos,
Canadá e Brasil. Nestes e em vários citados, as fontes de recursos investidos em
outros países, o financiamento público,
direto ou por meio de editais das
P&D são estatais.
agências de fomento, ainda é a principal Os esforços sinérgicos das
fonte de receitas das incubadoras de
empresas. (ANPROTEC, 2012, p. 8). incubadoras empresariais de base tecnológica
proporcionaram o surgimento dos primeiros
parques tecnológicos brasileiros, os quais
tiveram crescimento exponencial
demonstrado em estudos realizados e
publicados pela Associação Brasileira de

Figura 3: Número de iniciativas de parques

Fonte: (BRASIL, 2019, p.37)

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
92

Desenvolvimento Indústria (ABDI), pela Política de Desenvolvimento Produtivo, o


ANPROTEC, pelo MCTI e pelo Centro de Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e
Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico Inovação (2007–2010), o Programa Nacional
(CDT) da Universidade de Brasília (UnB). de Apoio às Incubadoras de Empresas e
Na figura 3, é possível visualizar que, Parques Tecnológicos, o Código de Ciência,
no ano de 2000, o Brasil tinha apenas 10 Tecnologia e Inovação, entre outras. Uma das
iniciativas de parques tecnológicos. Em 2013, legislações mais importantes recentemente
o Brasil saltou para 94 parques tecnológicos criadas, beneficiando a área de CT&I no País,
em diferentes fases de maturidade e, foi a Política Nacional de Inovação (PNI). A
conforme o governo federal, foi criando mais PNI tem por finalidade:
políticas públicas e aumentando o fomento às
I - orientar, coordenar e articular as
atividades em CT&I. Em 2017, o Brasil estratégias, os programas e as ações de
fomento à inovação no setor produtivo,
passou a ter 103 parques tecnológicos. para estimular o aumento da
Além das agências de fomento à produtividade e da competitividade das
empresas e demais instituições que
pesquisa científica e tecnológica - como o gerem inovação no País, nos termos do
disposto na Lei nº 10.973, de 2 de
CNPq, a Coordenação de Aperfeiçoamento de dezembro de 2004; e
II - estabelecer mecanismos de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), a cooperação entre os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios para promover o
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), alinhamento das iniciativas e das
a Associação Brasileira de Pesquisa e políticas federais de fomento à inovação
com as iniciativas e as políticas
Inovação Industrial (Embrapii) e as fundações formuladas e implementadas pelos outros
entes federativos. (BRASIL, 2020)
estaduais de amparo à pesquisa - as
Em relatório técnico intitulado
incubadoras universitárias e empresariais de
“Estudo de Projetos de Alta Complexidade:
base científica e tecnológica, os NITs, as
Indicadores de Parques Tecnológicos” de
ICTs, os parques e polos tecnológicos podem
2019, produzido pelo CDT/UnB em parceria
contar com linhas de crédito subsidiadas e
com o MCTI, analisou-se o processo inovador
recursos reembolsáveis subsidiados do Banco
em parques tecnológicos por meio de métricas
Nacional de Desenvolvimento Econômico e
que incluíram o número de empresas
Social (BNDES). Isso permite agilizar a
instaladas e o número de colaboradores
oferta de crédito com juros baixos e prazos
atuantes nesses habitats de inovação.
longos; de aportes de recursos não
reembolsáveis; de facilidades criadas em
diversas legislações que beneficiam ciência,
tecnologia e inovação, como o RETID20 , a 22

20
Instituído pela Lei nº 12.598, de 21 de março de
22

2012.

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


93

Figura 4: Número de empresas incubadas em parques tecnológicos

Fonte: (BRASIL, 2019, p.52)

Na figura 4, comparativamente, As fontes de financiamento dos


demonstra-se o número de empresas parques tecnológicos são o Governo Federal,
incubadas em parques tecnológicos, nos anos os Governos locais (Estadual e Municipal) e a
de 2013 e 2017, respectivamente. “Os iniciativa privada. Conforme a figura 5
resultados indicam um aumento de 939 para demonstra, do ano de 2013 ao ano de 2016,
1.337 empresas instaladas, representando um apenas 20,7% advêm do Governo Federal.
crescimento de 9,2% ao ano” (BRASIL, 2019,
Embora o programa nacional de parques
p.51). O aumento do número de empresas que tecnológicos ter sido fomentado pelo
governo federal, que tem realizado
se instalaram nos parques tecnológicos investimentos relevantes ao longo do
tempo, os valores alocados pelos outros
impacta direta e indiretamente no aumento do governos e pela iniciativa privada
ilustram a confiança de outros setores da
número de empregos gerados no município
sociedade na viabilidade desses
local. O estudo aponta que, de 2013 a 2017, ambientes de inovação. (BRASIL, 2019,
p.59)
houve um aumento de 6,4% ao ano na
geração de emprego dentro dos parques
tecnológicos, totalizando 38.365 profissionais
(BRASIL, 2019, p.52).

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
94

Figura 5: Fontes de financiamento dos parques tecnológicos

Fonte: (BRASIL, 2019, p.57)


Os dados englobam parques com foco em circuitos integrados de silício,
tecnológicos em fase de projeto, de em sinergia com as universidades e os centros
21
implantação e de operação. 23 “Parques de pesquisa. “Este fato se afirmou como
tecnológicos em operação são os que sendo um embrião para as demais
apresentaram os maiores investimentos” experiências adotadas posteriormente em
(BRASIL, 2019, p. 60). Outro modelo de universidades norte-americanas, como a
Tríplice Hélice que o Brasil também importou Massachusetts Institute of Technology,
dos EUA é o de pólos tecnológicos. O Vale Princeton e Harvard, dentre outras”
do Silício, localizado na região da baía de São (MARIGHETTI, 2013, p.71).
Francisco, no estado da Califórnia, é Assim como a criação do Programa
Nacional de Parques Tecnológicos, a
considerado um dos mais emblemáticos criação dos pólos tecnológicos em todo o
País também é fruto das campanhas do
estudos de caso de pólos tecnológicos bem- governo federal, na década de 1980, para
sucedidos da História. O vale abrange várias implantar, na mentalidade do
empresariado brasileiro, a cultura do
cidades do estado da Califórnia, como Palo empreendorismo e da inovação.
Importante não confundir o conceito de
Alto, São Francisco, Santa Clara e São José e, parques com o de pólos tecnológicos.
Conforme a Lei Nº 13.243, de 11 de
desde a década de 1950, concentra uma janeiro de 2016, polo tecnológico é um
(...) ambiente industrial e tecnológico
enorme variedade de empresas de alta caracterizado pela presença dominante
tecnologia, sobretudo, de eletrônicos. O de micro, pequenas e médias empresas
com áreas correlatas de atuação em
próprio nome “Vale do Silício” foi atribuído a determinado espaço geográfico, com
vínculos operacionais com ICT, recursos
esse polo por ter sido lá o berço de grandes humanos, laboratórios e equipamentos
organizados e com predisposição ao
empresas e startups de base tecnológica intercâmbio entre os entes envolvidos
para consolidação, marketing e
comercialização de novas tecnologias.
21 (BRASIL, 2016a)
As mesmas fases (1, 2 e 3) que Ricardo dos Santos
23

Aguiar cita mais acima.

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95

Figura 6: Localização geográfica dos principais polos tecnológicos no


m u n do

Fonte: (MARIGHETTI, 2013, p.76)

Ana Lucia Vitale Torkomian enfatiza (inclusive de capital de risco) e


governamentais, enfatizando a
que “tais iniciativas costumam contar com participação dos governos federal,
uma empresa ou fundação privada sem fins estadual e municipal.
(TORKOMIAN,1994, p.272)
lucrativos, cujo objetivo é criar condições
para o surgimento e consolidação de empresas Em levantamento realizado com dados

de alta tecnologia” (1994, p.272). Segundo do extinto Ministério do Trabalho, em 2010, o

ela, Brasil possuía um total superior a cinquenta

Os objetivos dos pólos tecnológicos mil indústrias consideradas de alta tecnologia


podem ser listados da seguinte maneira:
a) promover a criação e consolidação de
e uma distribuição significativamente
empresas de base tecnológica; b) desigual entre as regiões. A região Sudeste,
fornecer suporte gerencial mediante
consultoria e cursos nas áreas de gestão conforme demonstrado na figura 6,
tecnológica e gestão empresarial às
empresas e ao setor acadêmico; c) apresentava o maior número de empresas e a
facilitar a interação sistemática entre as
empresas e instituições de ensino e região Norte a menor. A região Sudeste
pesquisa, possibilitando o uso de
recursos humanos, equipamentos e
concentrava 57% das indústrias da alta
laboratórios, inclusive de forma tecnologia. Em comparação ao número de
compartilhada; e d) viabilizar o
envolvimento de instituições financeiras indústrias de alta tecnologia, 18.830 estavam

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
96

localizadas em São Paulo, 4.517 em Minas importados e produtos conhecidos com


Gerais, 2.533 no Rio de Janeiro e 716 no tecnologias já conhecidas. Esses últimos eram
Espírito Santo (MARIGHETTI, 2013, pp.89- justificados pela necessidade de sobrevivência
91). da empresa enquanto empreendimento
O Parque Tecnológico de São Carlos é capitalista e para subsidiar as atividades de
o mais antigo dos parques tecnológicos e é o P&D. Torkomian e Marcelo Alceu Amoroso
único credenciado definitivamente no Sistema Lima acrescentam ainda que, tanto os
Paulista de Parques Tecnológicos (SPTec), departamentos de Engenharia Mecânica e
associação oficial de parques tecnológicos do Eletrônica e de Ciência da Computação da
estado de São Paulo. O Parque Tecnológico Universidade de São Paulo e da Universidade
de São Carlos, gestor do polo tecnológico da Federal de São Carlos, quanto o Parque
cidade, em 2006, consolidou suas atividades. Industrial tradicional da cidade de São Carlos,
Dentre elas, destacam-se processos de influenciaram ativamente o processo de
proteção de tecnologias desenvolvidas pelos criação e consolidação de tais empresas
docentes, discentes e funcionários; (1989, p.78).
licenciamento e exploração comercial dos Oficialmente, existem 4 (quatro)
resultados de pesquisa; e contribuição para incubadoras de empresas com base
que as inovações proporcionem a melhoria de tecnológica no Polo de São Carlos: o Centro
qualidade de vida da população, almejando o Incubador de Empresas Tecnológicas
desenvolvimento sócio econômico do (CINET), o Centro Incubador de Empresas de
município de São Carlos e de todo o País.22 24 Software (SOFTNET), a Incubadora de
No final da década de 1980, a idade média das Empresas de Leme (IEL) e a Design Inn. O
empresas era de 3 a 4 anos e as áreas onde CINET iniciou suas operações no polo
atuavam as chamadas empresas de alta tecnológico em 1985, ao abrigar a Opto
tecnologia de São Carlos eram: “materiais, Eletrônica S.A, empresa que se tornou a
equipamentos industriais, automação, primeira incubada na América Latina. A
informática, ótica, mecânica de precisão e SOFTNET, inaugurada em 1994, apoiou a
química fina” (TORKOMIAN & LIMA, criação e a consolidação de empresas da área
1989, p.78). Os produtos do polo tecnológico de tecnologia e comunicação. Esta iniciativa
de São Carlos, naquela época, eram foi demanda gerada pelos empreendedores da
classificados em produtos novos com área de tecnologia e comunicação nas
tecnologias novas, produtos conhecidos com universidades e centro locais de pesquisa. A
tecnologias novas, cópias de similares sede do Núcleo Regional da Softex

22
(GENETEC) fica dentro da SOFTNET. Por
24Para conhecer melhor as atividades deste polo
tecnológico, acesse: meio de parceria do Sebrae-SP com a
http://www.inovacao.usp.br/saocarlos/

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


97

Prefeitura Municipal de São Carlos, foi criada reforça que a pesquisa na área de Defesa foi o
em 2003 a IEL. O objetivo dessa incubadora é motor do crescimento tecnológico durante os
prestar apoio físico, assistência técnica, anos da Guerra Fria, com uma série de
administrativa e gerencial para a criação e benefícios direcionados ao setor civil
consolidação de empresas tradicionais e (LESKE, 2018). A universidade
inovadoras. Por último, a Design Inn, empreendedora explorou muito bem esse
inaugurada em 2005, é fruto do edital conceito e, desde então, criou diversos
promovido pelo Sebrae Nacional para programas de spin-off e de aceleração de
implantar uma rede de incubadoras de design empresas e startups no âmbito de incubadoras
no País. em polos e parques tecnológicos. O programa
De acordo com o senso comum, spin- RedEmprendia é um exemplo disso. Por meio
off é uma nova empresa, surgida a partir de desse Programa internacional com parcerias
um grupo de pesquisa de empresas, estratégicas, a rede universitária promove a
universidades ou centros de pesquisa com o inovação e o empreendedorismo em diversos
objetivo de desenvolver um novo produto. A países, como Espanha, Portugal e outros na
origem dessa expressão está associada aos América Latina. Por meio de chamadas
projetos desenvolvidos com fins militares, no públicas, premiações e apoio de instituições
período entre as duas grandes guerras e, mais financeiras, o RedEmprendia lidera o projeto
fortemente, a partir da Segunda Guerra Spin-off Lean Acceleration (SOLA, sigla em
Mundial (1939-1945), desencadeando novos inglês),24 27 cofinanciado pelo programa
paradigmas tecnológicos na indústria civil. Erasmus+ da União Europeia, para fortalecer
as capacidades das universidades em acelerar
Os principais impactos desse período
foram observados na indústria spin-offs e startups baseadas no
aeronáutica e espacial, na indústria de
semicondutores, e por meio do conhecimento. Esse projeto visa desenhar e
desenvolvimento da internet, dos implementar um roteiro de formação dirigido
computadores e da energia nuclear. O
impacto sobre os setores mencionados ao corpo técnico de incubadoras e centros
gerou uma grande expectativa em torno
do sistema de inovação em defesa, do
qual se esperavam constantes
transbordamentos tecnológicos, o Guerra Mundial, reuniram diversos talentos em
chamado efeito spin-off. (LESKE, 2018) recursos humanos, eram amparados por um complexo
militar-industrial-acadêmico, receberam vultosos
aportes financeiros dos Estados e impactaram
Ruttan (2006) considera esse processo profundamente no desenvolvimento e progresso
próximo ao da Big Science23 e Malliki (2008)
25
científico e tecnológico das sociedades cujos objetivos
ainda hoje são garantir a eficiência e a prontidão das
Forças Armadas nos teatros de operações de guerra e a
liderança política e econômica dos Estados no sistema
23
Big Science é um termo empregado por cientistas e
25 de forças internacional.
24
historiadores da ciência, cunhado no início da década 27Para conhecer mais sobre o Spin-off Lean
de 1960, para se referir aos grandes programas e Acceleration, acesse:
projetos estratégicos que, durante e após a Segunda http://www.spinoffleanacceleration.org/

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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universitários de apoio ao empreendedorismo, inovações no setor privado. Atualmente, São


abordando, em seus módulos de ensino, Carlos é uma das cidades líderes em inovação
questões estratégicas para o desenvolvimento no Brasil, segundo levantamentos do MCTI
de spin-offs e startups, como propriedade (G1, 2014), e o Polo Tecnológico de São
intelectual, internacionalização, finanças para Carlos, com empresas que acabaram de nascer
empreendedores, certificações de qualidades, e empresas que já estão consolidadas, está
redefinição estratégica trabalhada pela firme no mercado, concentrando suas
metodologia lean startup25 etc. A Agência
28 atividades em processo de proteção de
USP de Inovação (AUSPIN) é uma das tecnologias desenvolvidas .
instituições parceiras do RedEmprendia e
adota o SOLA tanto nas incubadoras da USP, 4. Upgrade no vanguardismo
quanto nas incubadoras associadas de polos
científico e tecnológico em Defesa:
propostas para o Exército Brasileiro
tecnológicos, como o de São Carlos. O
ONOVOLAB, por exemplo, é uma iniciativa A pirâmide de Defesa representa o

privada, localizada no município de São modelo ideal interdependente e complexo. Ela

Carlos, especializada em ecossistema é constituída por diversas instituições e

empreendedor, que trabalha junto com empresas com diferentes especializações e de

universidades, autoridades políticas locais, difícil relacionamento.

incubadoras e startups locais para impulsionar

Figura 7: Iceberg da Defesa & Segurança

25 Fonte: ABIMDE
Lean startup ou startup enxuta são um conjunto de
28

práticas para criação de novos negócios de forma mais


ágil, baixo custo e voltada para o desenvolvimento de
produtos ou prestação de serviços com foco no cliente.

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


99

O Iceberg da Indústria de Defesa e identificou a necessidade de uma estrutura na


Segurança, na taxonomia da ABIMDE, Força que avaliasse, elaborasse, coordenasse e
ilustrado na figura 7, representa os níveis de integrasse ações e esforços com objetivo de
complexidade da BID, no qual a parte que se viabilizar a consecução dos projetos de grande
encontra acima da linha d’água, ou seja, os porte. Em sete de abril de 2010, foi criada a
produtos, como bens, serviços e sistemas, Assessoria Especial de Gestão e Projetos
correspondem ao que, normalmente, são (AEGP) com o objetivo de atuar em quatro
visualizados da BID pela sociedade em geral. projetos específicos: o Guarani, o SISFRON,
No entanto, a parte que está abaixo da linha o de Defesa Antiaérea e o de Obtenção da
d’água é toda a complexidade da BID não Capacidade Operacional Plena (OCOP). Em
visualizada que envolve desde o ensino e a setembro de 2012, o EME transformou a
pesquisa básica até as empresas de apoio AEGP no Escritório de Projetos do Exército
logístico. (EPEx), assumindo a coordenação dos
Para muitos desses produtos, a BID projetos estratégicos da Força. Dentre as
possui empresas e instituições de alta
tecnologia, verdadeiras ilhas de missões do EPEx se encontram:
conhecimento que compõe um
arquipélago de excelência e competência.
- supervisionar, coordenar e controlar a
O potencial de desenvolvimento é
gestão dos Projetos Estratégicos do
enorme, especialmente com a retomada
Exército (PEE), incluindo as derivadas
de grandes projetos de Defesa, o
de aquisição, modernização e
desenvolvimento de novos projetos e
desenvolvimento de produtos de defesa
soluções tecnológicas e a abertura de
(PRODE) definidos pelo EME;
portas para que os produtos bem-
- planejar e coordenar as ações de
sucedidos atinjam o mercado externo.2629
relações institucionais de interesse dos
PEE;
A Estratégia Nacional de Defesa - supervisionar e coordenar as atividades
de contratação de Produtos de Defesa
(END), de dezembro de 2008, determinava (PRODE), referentes aos PEE sob gestão
que o Exército Brasileiro (EB), por meio de do EPEx, que, por sua complexidade,
requeiram uma contratação integrada; e
seu Estado-Maior, elaborasse um - gerenciar os processos afetos aos
Projetos Estratégicos do Exército.2730
planejamento para atender às demandas
De acordo com as Diretrizes 2021-
específicas do documento, contendo,
2022 do Secretário de Economia e Finanças, o
inclusive, os projetos de interesse da Força
EB está inserido na Administração Pública
sobre articulação e equipamento. Esse
Federal Direta como órgão do Ministério da
planejamento foi denominado pelo Exército
Defesa, empregando os recursos colocados à
como “Estratégia Braço Forte”. Em dezembro
sua disposição no cumprimento de seus
de 2009, o Estado-Maior do Exército (EME)
objetivos constitucionais e na condução das
26
Para conhecer os conceitos básicos da pirâmide de
29
políticas econômico-financeiras definidas
defesa da ABIMDE, acesse:
27
https://abimde.org.br/media/download/96affa55188000 30 Para conhecer mais o EPEx, acesse:
b7779e5a753e3523a4.pdf http://www.epex.eb.mil.br/index.php/missao

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
100

pelo Conselho Superior de Economia e concentrados no Estado, sujeitos às variações


Finanças (CONSEF) e no Plano Estratégico de ordem política, econômica e social.
do Exército (PEEx), em conformidade com os
Os projetos estratégicos das Forças
planos governamentais (BRASIL, 2021, p.1). Armadas também passam por um ciclo
de desenvolvimento longo,
Todos esses projetos e programas estratégicos compreendendo a formação de pessoal
do EB estão envolvidos em algum meio de especializado, passando pela realização
de pesquisas pioneiras até o domínio
aquisição tecnológica, como compra de pleno das capacidades de P&D e de
produção dos Sistemas e Produtos de
oportunidade ou cooperação tecnológica, com Defesa, particularmente das tecnologias
críticas neles embarcadas. Assim são os
empresas parceiras no exterior ou em algum desenvolvimentos de alto valor
tecnológico agregado, como o Programa
programa de desenvolvimento autônomo. de Radares e de Rádios Definidos por
Embora haja um cenário econômico de baixo Software, sob a responsabilidade do
Centro Tecnológico do Exército, e os
crescimento e restrições orçamentárias, Projetos Estratégicos do Exército,
gerenciados pelo Escritório de Projetos
sobretudo, em virtude dos elevados gastos do Exército, cujo portfólio é composto de
vários sistemas complexos, como os
para combater a pandemia da COVID-19 e do projetos Sisfron (Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras), Guarani
teto de gastos estabelecido pela Emenda (Família de Blindados sobre Rodas) e
Constitucional nº 95 de 2016, os recursos Astros 2020. (SCHONS, PRADO
FILHO & GALDINO, 2020, p. 29)

previstos para as demais despesas


discriminatórias atendem, com restrições,
Diante da complexidade do exposto,
à necessidades da Força. Os recursos justifica-se a necessidade de maior exploração
para os Programas Estratégicos (Astros,
SISFRON e Guarani) foram de modelos mais descentralizados de Tríplice
incrementados para este exercício
[2021]. Já os recursos para despesas Hélice que oriente melhor o processo de
obrigatórias estão compatíveis com as
necessidades do EB, à exceção dos inovação no EB. De acordo com o Plano de
recursos destinados à movimentação de
militares e fardamento. (BRASIL, 2021,
Obtenção de Capacidades Materiais previstas
p.3) no PEEx 2020-2023, o EB dispõe de 56

O documento afirma que, para 2022, projetos, dos quais 27 se encontram em fase

os valores para as demais despesas de desenvolvimento .28 31 Com base nas

discriminatórias e obrigatórias deverão


28
permanecer no mesmo patamar de 2021 e que Dentre esses projetos, destacamos: (a) as Subfamílias
31

Média e Leve da Nova Família de Blindados de Rodas


os recursos para os programas estratégicos (prioritariamente as diferentes configurações das Vtr
6x6); (b) a Versão 8X8 da Subfamília Média da Nova
deverão sofrer aumento gradual, a fim de Família de Blindados de Rodas e Sistema de
Integração, Monitoramento e Apoio à Decisão
alcançar o equilíbrio na distribuição desses (SIMAD INTEGRADOR), sob responsabilidade
recursos entre as três Forças Armadas conjunta do Comando de Operações Terrestres
(COTER), EME e DCT, são Produtos de Defesa
(BRASIL, 2021, p. 3). Isso evidencia que os (PRODE) a serem desenvolvidos prioritariamente com
base em sistemas/plataformas já existentes no mercado.
recursos destinados aos programas e projetos O projeto da Viatura Blindada de Combate - Carro de
Combate (VBC CC) e a Viatura Blindada de Combate
do EB continuarão, no curto e médio prazo, Fuzileiros (VBC Fuz), ainda se configura como
Proposta do Coordenador do Grupo de Trabalho

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


101

[...] tanto nas universidades empreendedoras


quanto nos parques e polos tecnológicos, existem "a

recursos humanos altamente qualificados,


materiais, tecnologias baseadas em conhecimento
e um conjunto de ferramentas e plataformas
institucionais que podem contribuir com os
esforços do Exército Brasileiro em viabilizar os
PRODE sem continuar prejudicando anualmente
o orçamento da Força.

informações tratadas neste artigo, pode-se baseadas em conhecimento e um conjunto de


afirmar que esses projetos em andamento ferramentas e plataformas institucionais que
poderiam ser total ou parcialmente podem contribuir com os esforços do Exército
desenvolvidos em habitats de inovação de Brasileiro em viabilizar os PRODE sem
modelos descentralizados de Tríplice Hélice. continuar prejudicando, anualmente, o
Como elencado, tanto nas universidades orçamento da Força.
empreendedoras quanto nos parques e polos Em setembro de 2012, o DCT aprovou
tecnológicos, existem recursos humanos o documento denominado “Diretriz de
altamente qualificados, materiais, tecnologias Iniciação do Projeto de Transformação do
Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército
(SCTEx)” com o objetivo de transformar o
responsável pela Formulação Conceitual dos meios
blindados do EB. Tanto o projeto das Subfamílias Sistema no Sistema de Ciência, Tecnologia e
Média e Leve da Nova Família de Blindados de Rodas,
quanto o projeto da Versão 8X8 da Subfamília Média Inovação do Exército (SCTIEx). O DCT
da Nova Família de Blindados de Rodas estão
condicionados a Estudo de Viabilidade sob gestão do entendeu que o Sistema, até então adotado,
COLOG e do EME. A Arma Leve Anticarro (ALAC), havia esgotado a sua capacidade de inovação,
é um projeto que retornou à situação de P&D, visando
a aprimorar a segurança da espoleta no projeto na quantidade e qualidades demandadas pelo
consolidado. O Sistema de Informações Geográficas,
além de ser um projeto para desenvolvimento do Banco EB em seu processo de transformação. Havia
de Dados Geográficos do Exército (BDGEx), está em
fase de desenvolvimento dos plugins DSGTools. O a necessidade premente de que o Sistema
SIMAD INTEGRADOR, além de ser um PRODE a ser
desenvolvido prioritariamente com base em atingisse um alto nível de geração de
sistemas/plataformas já existentes no mercado, está em
inovações tecnológicas. Portanto, a ideia-
fase de desenvolvimento com a empresa DIGITRO. A
AVIBRAS participa do projeto Míssil de Cruzeiro força que deveria nortear todo o projeto era a
(MTC 300) e Foguete Guiado (Fgt SS 40G) do Sistema
ASTROS. Em parceria com universidade, de acordo inovação. Nessa concepção, “a inovação que
com o PEEx 2020-2023, o Centro de Coordenação de
Operações Móvel (CCOp Mv), sob a responsabilidade se espera obter pelo novo SCTIEx é aquela
do EME, COTER e DCT, é um projeto de engenharia
em desenvolvimento com a Universidade de Brasília que dará vantagem operacional, tática e
(UnB).

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
102

estratégica à Força Terrestre e que, em Tecnologia da Informação. Outras OM


poderão ser criadas ou transformadas, de
consequência, agregará valor ao Poder de acordo com os estudos a serem
desenvolvidos. (BRASIL, 2012, p.7)
Combate do Exército” (BRASIL, 2012, p.2).
O prazo para conclusão do processo de Em setembro de 2013, o DCT aprovou

transformação desse Sistema é 31 de a diretriz de implantação do projeto da

dezembro de 2022. A premissa é que o Agência de Gestão e Inovação (AGI) e, em

processo de transformação agregue 2015, a AGI foi transformada na Agência de

características de uma organização de fato Gestão e Inovação Tecnológica (AGITEC).

inovadora, integrada com os ambientes Em julho de 2017, o quadro de pessoal do

interno e externo ao EB, voltada para o núcleo da AGITEC foi aprovado. Em janeiro

futuro, com ênfase em resultados e alinhada de 2018, essa agência havia sido ativada. “A

de forma plena com as demandas da Força Agência é dividida em quatro áreas de

Terrestre. A ênfase em resultados está conhecimento: 1) Gestão do Conhecimento

associada à entrega de PRODE e o foco no Científico e Tecnológico, 2) Gestão da

futuro está associado a uma dinâmica de visão Propriedade Intelectual, 3) Inteligência

prospectiva. “O Sistema deve estabelecer Tecnológica e Prospecção Tecnológica e 4)

processos capazes de visualizar cenários Promoção da Cultura da Inovação”

tecnológicos e doutrinários futuros que (CORRÊA, 2020, pp.48-49). A principal

oriente seus trabalhos de PD&I, antecipando- finalidade do setor responsável pela

se às demandas da Força Terrestre” (BRASIL, Inteligência e Prospecção Tecnológica da

2012, p.3). Além da criação do Pólo AGITEC é produzir informação tecnológica

Científico e Tecnológico do Exército, em para a Força Terrestre.29 Essas informações


32

Guaratiba (PCTEG), e da transferência do são essenciais para garantir a sobrevida tanto

IME do bairro da Urca para o bairro de de tecnologias, quanto da própria empresa ou

Guaratiba, no complexo militar onde o CTEX ICT, que estão desenvolvendo inovações na

está localizado, também contava no processo ponta do conhecimento. A AGITEC adaptou

de transformação do SCTIEx: diversas ferramentas já existentes como a


Nível de Prontidão Tecnológica (TRL, sigla
a transformação do Departamento de
Ciência e Tecnologia (DCT) em em inglês)30 33 e desenvolveu ferramentas
Departamento de Ciência, Tecnologia &
próprias para realizar estudos de prospecção
Inovação (DCTI); a transformação da
Diretoria de Fabricação (DF) em Centro
29
de Desenvolvimento Industrial (CDI); a 32 Para assistir à apresentação do Tenente-coronel
criação de novas Organizações Militares, Leonardo sobre a AGITEC, acesse:
tais como: o Instituto de Pesquisa https://fiesc.com.br/sites/default/files/inline-
Avançada, a Agência de Gestão da files/Apresenta%C3%A7%C3%A3o%20-
Inovação e a Incubadora de Empresas de %20AGITEC.pdf
30
Produtos de Defesa; a definição do papel 33 Método desenvolvido pela NASA, na década de
da IMBEL no novo SCTIEx; e a 1970, para estimar o grau de maturidade das
transformação do segmento de tecnologias desenvolvidas no âmbito da Avaliação de
Prontidão de Tecnologia (TRA, sigla em inglês).

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


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no EB. O DCT pode se aproveitar do Terrestre ou contribuirá com os arranjos


conhecimento gerado pela AGITEC e demais produtivos locais.
Órgãos Militares (OM) que realizam Cada uma das Forças Armadas tem
prospecção, para criar uma mentalidade em seu próprio NIT como parte de seus processos
Inteligência Tecnológica e Prospecção de transformação militar baseado em
Tecnológica nas incubadoras, empresas, conhecimento.31 O NIT do EB é a AGITEC.
34

startups, aceleradoras, spin-offs e nas ICTs Das três Forças Armadas, a MB é a única que
civis e militares que desenvolvem ou explora o universo de oportunidades com
desenvolverão projetos em PD&I de interesse escritórios dentro dos núcleos de inovação das
da Força Terrestre. universidades.32 No entanto, nenhum dos NITs
35

Em seu processo de transformação, o


DCT vem implementando diferentes habitats 31
34O Núcleo de Inovação Tecnológica da Marinha do
Brasil (NIT-MB) é o órgão executivo gerencial da
com o objetivo de ampliar a geração de Política de Propriedade Intelectual do Ministério da
Defesa no âmbito da MB e foi criado pela Portaria Nº
inovações tecnológicas na Força Terrestre. 179 do Estado-Maior da Armada (EMA), de 31 de
Em junho de 2019, por meio de uma Portaria, julho de 2009. O NIT da Força Aérea Brasileira (FAB)
é denominado Núcleo de Gestão de Inovação (NGI), o
o Gabinete do Comando do Exército recriou o qual se configura como o órgão assessor das atividades
correlatas à gestão da Inovação Tecnológica do
SisDIA de Inovação. Esse Sistema baseia-se Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
(DCTA).
na Tríplice Hélice e está organizado em três 32
35 Desde a década de 1950, a MB mantém o
intercambio científico-tecnológico por meio de
níveis, o nacional (estratégico), o regional parcerias estratégicas com instituições de CT&I de
(estratégico operacional) e o local (operativo), diversas universidades brasileiras, como a Escola
Politécnica e o Laboratório de Sistemas Integráveis da
tendo por objetivo “potencializar os esforços (LSI) da Universidade de São Paulo, a COPPE-UFRJ.
Em março de 2011, a MB assinou um Acordo de
das áreas governamental, produtiva e Cooperação Acadêmica, Técnica e Científica com a
Universidade Federal Fluminense (UFF) e inaugurou o
acadêmica com vistas a, por meio da inovação Núcleo do Escritório de Ciência, Tecnologia e
Inovação para a Marinha do Brasil junto à UFF, sob a
tecnológica, contribuir com o coordenação do Centro de Análises de Sistemas Navais
desenvolvimento nacional, visando à busca (CASNAV). Dentre os objetivos da assinatura desse
acordo e da inauguração desse núcleo de inovação na
das capacitações produtivas brasileiras de universidade, destacam-se: a definição de meios de
incentivar e facilitar a integração entre a antiga
Produtos e de Sistemas de Defesa” (BRASIL, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da
Marinha e a UFF; a prestação de apoio mútuo às
2019, p. 2). No nível nacional (estratégico), o atividades de pesquisa e prospecção tecnológica; a
criação de programas conjuntos com atividades anuais,
SisDIA concentrará seus esforços nos setores que envolvem a concessão de bolsas de estudos para o
corpo discente da UFF; e a elaboração de pesquisas
da hélice governamental. No nível regional
técnicas em projetos de interesses comuns às duas
(estratégico operacional), incentivará as instituições. Em novembro de 2016, a MB também
inaugurou seu Núcleo de Ciência, Tecnologia e
potencialidades regionais das hélices Inovação na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul com o objetivo de promover projetos de pesquisa
industrial e acadêmica. No nível local em cooperação com a universidade. Cabe sinalizar
outras parcerias estratégicas da MB, na área de
(operativo), executará os projetos da Força inovação tecnológica, com instituições de ciência e
tecnologia que não pertencem às universidades, como o

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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da MB em universidades tem empresas sentido. O que a gente quer é gerar


públicas ou privadas atuando. O EB não criou conhecimento, trazer para o Exército
um NIT em universidades para capacitação nessa área”. Como mencionado, o
desenvolvimento de pesquisas ou projetos, Centro de Coordenação de Operações Móvel
mas decidiu, em agosto de 2018, apoiar a (CCOp Mv) é um projeto em andamento,
criação de curso na Pós-Graduação em Gestão parte do Plano de Obtenção de Capacidades
de Projetos, subordinado ao Departamento de Materiais para integrar o Sistema de
Administração da Universidade de Brasília Coordenação de Operações Terrestres
(UnB), com conteúdo e formato customizados (SISCOT) do EB, sendo desenvolvido em
por meio da assinatura de Termo de Execução parceria com a UnB. Esse projeto é composto
Descentralizada (TED) para atender as por tecnologia embarcada de Long Term
necessidades do Exército, sobretudo, dos seus Evolucion (LTE), rádios em UHF, VHF e HF,
programas e projetos estratégicos. De acordo Sistema Rádio Digital Troncalizado (SRDT),
com o então chefe do Estado-Maior do equipamentos de tecnologia da informação,
Exército, General de Exército Fernando equipamentos com acesso ao Sistema Militar
Azevedo e Silva, “a parceria entre o Exército de Comunicações por Satélite (SISCOMIS) e
Brasileiro e a UnB é muito bem-vinda, ainda Sistemas de Comando e Controle de
mais nessa área de gerenciamento de projetos Consciência Situacional e Apoio à Decisão.
e programas. Nós não temos expertise nessa Por meio do Edital Nº 047/2020, a UNB e o
área, e tanto Exército como a UnB são EB selecionaram, conjuntamente, graduandos
instituições de alta credibilidade. É o início de em Engenharia Automotiva, Engenharia
uma parceria que, não tenho dúvidas, de que Aeroespacial ou Engenharia Eletrônica da
(sic) vai ser muito exitosa”33 . O então chefe
36 UnB para concessão de bolsa de pesquisa no
do EPEx, General de Brigada Ivan Ferreira projeto “Estudos Empíricos em Engenharia
Neiva Filho, acrescentou: “é um primeiro de Sistemas voltados para um Centro de
passo para a gente aprofundar outras Coordenação de Operações Móvel (CCOp
iniciativas que acontecerão à frente, com a Mv) para o Exército Brasileiro”. No Iceberg
própria UnB ou outros órgãos nesse mesmo de Defesa e Segurança, o projeto do CCOp
Mv ainda se encontra no nível de
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em complexidade em P&D. Importante que nesse
Telecomunicações (CPqD) da TELEBRAS, o Centro
de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI- nível de complexidade, o EB fomente o
Renato Archer) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI), ambos do Ministério da Ciência, Tecnologia e empreendorismo e a inovação nas empresas
Inovação (MCTI). incubadas dentro da UnB e prospecte
33
36Para acessar este noticiário na página oficial do
Exército na Internet, acesse: empresas, spin-offs e/ou startups de habitats
http://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-do-
exercito/- de inovação como polos e parques
/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/id/9096028

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tecnológicos da região centro-oeste, para possui 12 ICTs. Sob a coordenação do DCTA


desenvolver em parceria e descentralizar (Departamento de Ciência e Tecnologia
esforços técnicos e custos de demais sistemas, Aeroespacial), o Sistema de Inovação da
materiais e/ou tecnologias do projeto, na área Aeronáutica (SINAER) conta com 14 ICTs.35 38

de Defesa. As ICTs do EB são as seguintes: Instituto


No âmbito do marco legal de CT&I, o Militar de Engenharia (IME), Diretoria de
reconhecimento de instituições civis34 como 37 Fabricação (DF), Centro de Avaliação do
ICT não é o mesmo que o de ICTs militares. Exército (CAEx), Centro Tecnológico do
As próprias Forças Armadas, por meio de Exército (CTEx), Agência de Gestão e
seus sistemas nacionais de CT&I, reconhecem Inovação Tecnológica (AGITEC), Comando
as instituições militares que realizam pesquisa de Comunicações e Guerra Eletrônica do
básica ou aplicada de caráter científico ou Exército (CCOMGEx), Diretoria de Sistemas
tecnológicoou realizam o desenvolvimento de e Material de Emprego Militar (DSMEM),
novos produtos, serviços ou processos em Centro de Desenvolvimento de Sistemas
defesa como ICTs militares. Sob a (CDS), Diretoria de Serviço Geográfico
coordenação da Diretoria-Geral de (DSG) e Centro Integrado de Telemática do
Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Exército (CITEx).
Marinha (DGDNTM), a Marinha do Brasil

Figura 8: Níveis de Prontidão de Tecnologia e ciclo de vida do projeto

35
Em dezembro de 2019, o Instituto de Medicina
38

Fonte: ABGI Brasil Aeroespacial Brigadeiro Médico Roberto Teixeira


(IMAE) foi a instituição militar mais recente
reconhecida como ICT pelo Comando da Aeronáutica
34
37 As ICTs civis podem ser públicas ou privadas. (COMAER).

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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A Embrapii, criada em 2013 e


As Unidades EMBRAPII são
aportada financeiramente pelo MCTI, pelo constituídas a partir de competências
específicas das instituições de pesquisa
Ministério da Educação e pelo Ministério da científica e tecnológica, públicas ou
Saúde36 , tem por missão apoiar instituições de privadas sem fins lucrativos, com
experiência comprovada no
39

pesquisa tecnológica, em áreas de desenvolvimento de projetos de inovação


em parceria com empresas do setor
competência selecionadas, para que executem industrial. O credenciamento é exclusivo
para o segmento da instituição
projetos em PD&I, em cooperação com responsável pela área de competência
definida no Plano de Ação aprovado e
empresas do setor produtivo. Por meio da contratado com a EMBRAPII.
celebração de acordos de cooperação com (EMBRAPII, 2020, p.5)

instituições de pesquisa científica e Em termos legais e de natureza


tecnológica, públicas ou privadas, a Embrapii jurídica, as ICTs militares não têm a mesma
atende demandas empresariais, compartilha o autonomia que as ICTs públicas e privadas,
risco na fase pré-competitiva da inovação e por exemplo, para selecionarem empresas
promove iniciativas de colaboração científica parceiras em seus projetos de PD&I. Foi para
e de desenvolvimento em projetos de pesquisa atender demandas como essa que, em maio de
em PD&I executados em suas Unidades. Boa 2021, o Ministério da Defesa (MD) celebrou
parte das instituições utiliza ferramentas de acordo de cooperação com a Embrapii. O
prospecção tecnológica, como o TRL e o ciclo objetivo do Acordo é definir prioridades e
de vida para analisar o grau de maturidade e ações estratégicas para fortalecimento da BID,
identificar as fases do desenvolvimento de identificando desafios tecnológicos e
uma tecnologia. A fase pré-competitiva que a delimitando áreas temáticas relacionadas à
Embrapii se utiliza para realizar a análise PD&I no setor de Defesa. A partir da
prospectiva de seus projetos é a escala TRL assinatura desse acordo de cooperação, será
entre 3 e 6. realizado um diagnóstico sobre as ICT
A Embrapii tem como missão o militares e será criado um modelo específico
fomento parcial, com recursos não para que elas possam se tornar Unidades
reembolsáveis, a projetos de PD&I Embrapii (BRASIL, 2021, p.15). O modelo
desenvolvidos por meio de parcerias entre Embrapii oferece oportunidades ímpares para
ICTs credenciadas, como Unidades Embrapii o custeio parcial de recursos não
e empresas. Por meio de chamadas públicas reembolsáveis de projetos em PD&I,
periódicas, em áreas temáticas selecionadas, desenvolvidos em parceria entre ICTs e ED.
as ICTs concorrem entre si para se tornarem De acordo com o PEEx 2020-2023, o SIMAD
Unidades Embrapii. INTEGRADOR e o Míssil Tático de Cruzeiro
36 (MTC 300) e Foguete Guiado (Fgt SS 40G)
A partir de 2018, por meio de termo aditivo, o
39

Ministério da Saúde passou a integrar o Contrato de do Sistema ASTROS são projetos em fase de
Gestão da Embrapii.

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desenvolvimento com indústrias credenciadas projeto. Para diversos outros projetos38 do EB 41

pela CMID como EED, respectivamente, que, segundo o PEEx 2020-2023, encontram-
DIGITRO e AVIBRAS. O SIMAD- se em fase de desenvolvimento e,
INTEGRADOR é um sistema que une bancos aparentemente, apresentam criticidades que
de dados baseados em tecnologias da possam ser atendidas pelas ED, caso as
informação e comunicações com capacidades instituições militares que as desenvolvem se
de monitoramento, vigilância, inteligência e enquadrem nas condicionantes citadas,
análise por múltiplas perspectivas, próprio também poderão receber recursos não
para apoiar processos decisórios de comandos reembolsáveis da Embrapii, para custear
militares de área e grandes comandos parcialmente seus projetos em PD&I no
operacionais da Força Terrestre. O MTC 300 futuro próximo.
constitui uma nova munição convencional O diagnóstico produzido a partir dos
movida à turbina que, segundo a AVIBRAS, radares de comparação, gerado pela pesquisa
encontra-se em fase final de desenvolvimento direta via questionário, desenvolvida junto às
e certificação, com o objetivo de ser lançado incubadoras empresariais no relatório técnico
pelo EB a partir da plataforma do Sistema da ANPROTEC/MCTI de 2012, confirmou
ASTROS. As características técnicas do que: o papel das universidades é fundamental
controle de vôo do MTC 300 são navegação, nesse modelo de Tríplice Hélice. Tanto as
guiamento e controle via software no universidades, quanto os governos municipais
computador de bordo, a partir de dados constituem as principais instituições de
adquiridos por sensores GPS/INS e rádio vinculação das incubadoras empresariais. O
altímetro.37 Conforme figura 8, considerando
40 estudo também diagnosticou que os objetivos
diversas condicionantes, como abertura de das incubadoras empresariais impactam de
chamada pública para credenciamento de forma diferente na economia e na sociedade.
Unidades Embrapii e se os sistemas e Portanto, requerem gestão e esforços
tecnologias que integram o SIMAD igualmente diferentes por parte das
INTEGRADOR e o MTC 300 se encontrarem incubadoras. Isso se traduz na necessidade,
entre os TRL 3 e 9, no futuro próximo, sobretudo, de dinamizar a economia local,
COTER, EME ou DCT, se forem Unidades criar spin-offs, dinamizar o setor específico de
Embrapii, poderão receber recursos não atividade, possibilitar a inclusão
reembolsáveis para custear parcialmente o socioeconômica e viabilizar a geração de

38
É o caso do Simulador da VBTP - MSR GUARANI,
41

37
Para mais informações sobre o MTC 300, acesse:
40 C2 em Combate e Munições (prioritariamente a
http://www.ctex.eb.mil.br/projetos-em-andamento/78- munição 30 mm para as armas da VBTP - MR
missil-tatico-de-cruzeiro-av-tm- GUARANI e a munição 105 mm para VBCC Leopard
300#caracter%C3%ADsticas-t%C3%A9cnicas 1A5).

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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emprego e renda. Além disso, no estudo, desenvolver parcerias com empresas de


apresenta-se a entrevista feita com um grupo incubadoras empresariais, por meio de
de gestores de 23 incubadoras de empresas de recursos não reembolsáveis de agências de
base tecnológica, distribuídas em todas as fomentos à pesquisa e da Embrapii. Dessa
regiões do país, os quais apontaram que o forma, será possível promover: (1) áreas de
foco de atuação das incubadoras está, PRODE, previstas no PEEx 2020-2023, e de
preponderantemente, voltado à dinamização interesse da Defesa, por meio de editais,
da economia local e não a um setor chamadas públicas e premiações para atrair
específico. Gestores de incubadoras ICTs, empresas, startups, aceleradoras e
empresariais de base tecnológica, sobretudo, incubadoras de base tecnológica; e (2)
as vinculadas às universidades de grande parcerias com instituições nacionais e
porte e sediadas em capitais, apontaram que a internacionais, para a realização de acordos
criação de spin-offs é outro importante ponto que envolvam aquisições científicas e
de atuação. Os gestores apontaram, ainda, tecnológicas, como importações de cérebros,
que, em quantidade percentual de cooperação tecnológica e transferência de
participação, as principais parcerias tecnologia. É uma oportunidade ímpar de o
estratégicas das incubadoras ocorrem com as EB gerar seus próprios spin-offs, a partir do
universidades, associações empresariais, desenvolvimento de novos PRODE, e
SEBRAE, centros de pesquisa e governos fomentar o surgimento de empresas e startups
estadual e municipal (ANPROTEC, 2012, pp. na área de Defesa, incubadas em parques e
10-14). polos tecnológicos.
No estudo, mencionou-se que a cidade Em setembro de 2012, com o objetivo de
implantar um conglomerado de Ciência,
de São Carlos, devido ao capital intelectual e Tecnologia & Industrial estruturado com
instituições de ensino superior, centros e
produtivo gerado pelas empresas locais, é institutos de Pesquisa, Desenvolvimento
& Inovação, empresas inovadoras e
considerada pelo MCTI como a 3ª cidade outras organizações, foi criado o Polo de
mais inovadora do País. No entanto, nenhum Ciência e Tecnologia do Exército em
Guaratiba (PCTEG), na região de
PRODE foi produzido por empresas de base Guaratiba, município do Rio de Janeiro.
O PCTEG teria por objetivo gerar
tecnológica incubadas no Pólo Tecnológico Produtos de Defesa (PRODE) que
agregassem vantagens estratégica,
de São Carlos. O MD e o EB precisam operacional e tática à Força Terrestre,
preferencialmente, com tecnologia de
fomentar a participação das empresas de base uso dual. (CORRÊA, 2020, p.48)
tecnológicas incubadas em habitats de
Além de aproveitar a infraestrutura,
inovação, como polos e parques tecnológicos,
plataformas e modelos já existentes de
a se credenciarem como ED ou EED, para
fomento à PD&I, o EB decidiu também
descentralizar alguns de seus projetos
inovar, criando seu próprio polo científico e
estratégicos e/ou prioritários em PD&I e

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tecnológico em Guaratiba, no Rio de Janeiro. o PCTEG seja implementado até 2023. “Para
Trata-se de uma região litorânea afastada de integrar o Polo, já foram criados a Agência de
grandes indústrias e com acesso logístico a Gestão da Inovação Tecnológica e o Instituto
somente duas universidades públicas que de Defesa Química, Biológica, Radiológica e
podem ser consideradas empreendedoras: a Nuclear do CTEx.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, No documento “Diretriz de Iniciação
situada no bairro de Seropédica, e o Centro do Projeto de Transformação do Sistema de
Universitário Estadual da Zona Oeste Ciência e Tecnologia do Exército (SCTEx)”
(UEZO), situado no bairro de Campo Grande. de 2012, o DCT cita que pretende, também,
Há campi de grandes universidades privadas, redefinir o papel da Indústria de Material
como Fundação Getúlio Vargas (FGV), Bélico do Brasil (IMBEL) no novo SCTIEx.
Estácio de Sá, Unigranrio, Universidade Essa empresa estatal dependente, com
Castelo Branco entre outras, nas localidades personalidade jurídica de direito privado,
da Zona Oeste carioca. Para fomentar o vinculada ao MD por meio do EB, tem a
surgimento de incubadoras de bases missão de fabricar e comercializar PRODE e
tecnológicas no PCTEG, aproveitando-se da produtos de segurança para clientes
alta qualificação de recursos humanos dessas institucionais, sobretudo, Forças Armadas,
universidades públicas e privadas, sobretudo, Forças de Segurança Pública e alguns clientes
da região citada, o EB terá que demandar um privados. Dentre seus principais PRODE e
significativo esforço para promover o produtos de segurança, podemos destacar
surgimento ou atrair incubadoras, grandes fuzis; pistolas; carabinas; munições de
empresas, startups dentro do seu Polo. Além artilharia de morteiros e de carros de combate;
disso, deverá estabelecer parcerias com o pólvora; explosivos e afins; equipamentos de
Governo Municipal, associações empresariais, comunicações e eletrônica; sistemas de
agências estadual e federal de fomento à abrigos temporários de campanha,
39
pesquisa, SEBRAE, Federações das humanitários e de defesa civil. 43 No âmbito
Indústrias, SENAI, centros e outras do novo SCTIEx, atuando de forma mais
instituições de pesquisa para dinamizar descentralizada, a presidência e seus
setores específicos de atividade e economia acionistas poderiam rever a condição de
local, promovendo a maior inclusão Empresa Pública Dependente, que tanto
socioeconômica e a maior geração de restringe a atuação competitiva da empresa no
emprego e renda local. Com informações mercado nacional e internacional. Mesmo que
atualizadas do EB, atualmente, o projeto está
39
Para conhecer melhor a IMBEL, acesse:
em fase de planejamento e a previsão é de que
43

https://www.imbel.gov.br/institucional/quem-
somos/principios-fundamentais

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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a demanda do mercado por venda de produtos startups a partir de PRODE inovadores da


da IMBEL possa ser alta, os pagamentos IMBEL.
efetivados pelos seus clientes não retornam de
forma direta nem de forma indireta para a 5. Conclusão
empresa. A empresa não pode fazer uso dos De forma complexa e dinâmica, a Era
recursos gerados por ela mesma, o que torna do Conhecimento oferece inúmeras
sua competitividade no mercado e seu oportunidades para as economias de países
potencial em gerar inovações tecnológicas desenvolvidos e emergentes associarem cada
limitados. Em estudos realizados com base vez mais o processo de inovação tecnológica
em análise do cenário político-econômico do ao aprendizado permanente e interativo. Em
País, a presidência da IMBEL concluiu, em decorrência disso, investimentos massivos em
relatório administrativo de 2020, que as PD&I baseados em conhecimento serão
contratações efetivadas por meio de Termos realizados em instituições e em indivíduos,
de Execução Descentralizada (TED) e a preparando-os a enfrentarem novos desafios e
Industrialização por Encomenda não são aproveitarem novas oportunidades. Espera-se
suficientes. Nesse sentido, o Planejamento que o Brasil siga essa tendência, tornando-se
Estratégico vigente na IMBEL propõe como mais competitivo no mercado global e com
solução plausível a reversão da empresa à maior acesso aos conhecimentos restritos,
situação de Não Dependência do Orçamento consolidando o seu status de Estado
Fiscal e da Seguridade Social no menor prazo empreendedor.
possível (IMBEL, 2020, p.4). Em termos de Haja vista as restrições orçamentárias,
PD&I, a presidência da empresa e seus sobretudo, pós Pandemia de COVID 19, e a
acionistas, em ampla discussão com quantidade de projetos e programas
autoridades militares do Alto Comando do estratégicos com o apoio do Estado
Exército, respaldados em estudos empreendedor, o EB pode: explorar
prospectivos e de guerra do futuro, poderiam numerosos modelos descentralizados de
criar, no PCTEG, programas nacionais Tríplice Hélice, fomentando, em quantidade e
inspirados no RedEmprendia e na Huawei qualidade, o desenvolvimento de PRODE; e
ICT Academy, com a finalidade de fortalecer gerar inovações tecnológicas com base em
o empreendedorismo e a inovação baseada em conhecimentos que atendam às novas
conhecimento, nas universidades públicas e demandas do Exército do futuro.
privadas da região, e implementar projetos O EB dispõe de diversas normas,
como o Spin-off Lean Acceleration, com a políticas públicas, organizações militares,
finalidade de gerar e/ou acelerar spin-offs e modelos e ferramentas de prospecção em
P&D, mas ainda não aproveita da melhor

Fernanda das Graças Corrêa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021


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forma as vocações vanguardistas existentes na projetos em PD&I sem onerar excessivamente


BID e na indústria nacional, para ter acesso a o orçamento da Força Terrestre. Dentre os
tecnologias de ponta baseadas em fomentos a projetos de PD&I das ICTs
conhecimento, para desenvolver práticas militares recentemente criados, destacou-se o
avançadas em grandes setores da economia, acordo de cooperação do MD com a
para acessar os mercados mundiais com maior Embrapii, o qual, até a data de entrega desse
grau de competitividade e para gerar estudo ao CEEEx, encontrava-se em fase de
inovações tecnológicas que atendam elaboração de Plano de Trabalho no MD. Ao
satisfatoriamente às demandas da Força compartilhar riscos de projetos em PD&I das
Terrestre. ICTs com as empresas, a Embrapii estimula o
Tanto o MD quanto o EB têm setor industrial a inovar mais e com maior
realizado diversas visitas a parques e polos valor tecnológico agregado. Isso,
tecnológicos nos últimos anos, com a seguramente, potencializará a força
finalidade de fomentar a maior participação competitiva das empresas nos mercados
de empresas, startups e spin-offs de base interno e internacional, aumentará a posição
tecnológica incubadas em habitats de do Brasil nos rankings globais de inovação,
inovação, como polos e parques tecnológicos, aumentará a autonomia e a capacidade
a se credenciarem na CMID como ED ou operativa da Força Terrestre e contribuirá de
EED. É importante, também, que o MD e o forma eficiente para garantir a integridade da
EB fomentem o surgimento de incubadoras soberania nacional. Interessante destacar que
universitárias e empresariais, empresas, a Embrapii se utiliza de ferramenta de
startups, spin-offs na área de Defesa, dentro prospecção, para determinar se investirá
dos parques e polos tecnológicos. Isso pode recursos não reembolsáveis em projetos de
ocorrer por meio de editais, chamadas PD&I de ICTs em parcerias com empresas.
públicas, premiações, parcerias e/ou por Além de aproveitar a infraestrutura,
indução de projetos em PD&I. plataformas e modelos já existentes de
O PEEx 2020-2023 cita 56 projetos fomento à PD&I no meio civil, o EB decidiu
considerados estratégicos, dos quais 27 ainda criar seu próprio polo científico e tecnológico
estão em fase de desenvolvimento. no Rio de Janeiro. Polos e parques
Considerando as restrições orçamentárias tecnológicos existem no Brasil desde a década
anuais agravadas pela pandemia de COVID- de 1980 e suas histórias e legados trazem
19, esse estudo propôs diversas estratégias importantes lições a serem aprendidas pelos
para o EB viabilizar seus sistemas de gestores e executores responsáveis pela
inovação- como SCTIEx e o SisDIA- e seus

Estado empreendedor e Estratégia Nacional de Defesa Vol 21 (3) Jun/ Agosto 2021
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implementação do PCTEG. Assim, é Referências


importante que o EB: [BRASIL] Decreto Nº 7.970, de 28 de março de
(1) implemente programas e projetos 2013. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
no PCTEG, para atrair mão de obra 2014/2013/decreto/d7970.htm Acessado em 11 de
junho de 2021.
qualificada de universidades, centros e
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ISSN: 2525-457X
ANÁLISE ESTRATÉGICA
VOL 21 (3) JUN/AGOSTO 2021

A GUERRA DO FUTURO: COMPARAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS


ADOTADAS PELOS EXÉRCITOS DE
ESTADOS UNIDOS, ESPANHA E ISRAEL
FUTURE WAR: A COMPARISON OF THE ADOPTED BY UNITED STATES,
SPANISH AND ISRAELI ARMIES

*Natália Diniz Schwether

RESUMO
O foco deste artigo foi comparar os designs elaborados e as estratégias adotadas por

Estados Unidos, Espanha e Israel no preparo de sua Força Terrestre para o futuro. Com vistas a

responder os questionamentos: como os Exércitos de EUA, Espanha e Israel têm se preparado

para o futuro; quais são as semelhanças e as diferenças entre as três configurações de Força?

Para isso, realizou, ao início, uma discussão sobre o conceito de design operacional, para, a

seguir, introduzir o método comparativo e as categorias empregadas na análise. Os resultados

foram expostos em um quadro, acompanhado por uma discussão sobre as semelhanças e as

diferenças entre os casos. Por fim, o texto se encerrou com as informações coletadas em

entrevista aos responsáveis e idealizadores da Seção Exército do Futuro no Brasil.

ABSTRACT
The focus of this article is to compare the designs developed and the strategies adopted by

the United States, Spain and Israel to prepare their Land Forces for the future. In order to

answer the questions: How have the US, Spanish and Israeli Armies been preparing for the

future? What are the similarities and differences between the three Strength configurations?

For this, it carries out, at the beginning, a discussion about the concept of operational design,

to then introduce the comparative method and the categories that will be used in the analysis.

The results are displayed in a box, accompanied by a discussion of the similarities and

differences between the cases. Finally, this article ends with an interview with those responsible

for the Army of the Future Section in Brazil.

PALAVRAS-CHAVE: KEYWORDS:
Guerra do Futuro; Desenho de Força; Metodologia. Future War; Force Design; Methodology.

*Professora substituta de Relações Internacionais na Universidade


Estadual Paulista (UNESP). Pós Doutora em Ciências Militares (ECEME) e
Doutora em Ciência Política (UFPE). Pesquisadora do Núcleo de Estudos
Prospectivos do Centro de Estudos Estratégicos do Exército (NEP -
CEEEx).
118

SUMÁRIO EXECUTIVO

O presente artigo é resultado de um estudo exploratório conduzido ao longo dos últimos oito

meses na área temática Planejamento Estratégico e Gestão de Defesa, do Núcleo de Estudos

Prospectivos, do Centro de Estudos Estratégicos do Exército (NEP-CEEEx), o qual pretendeu

conhecer e apresentar as metodologias e configurações de força futura de três Exércitos: dos

Estados Unidos, da Espanha e de Israel.

Dessa primeira exploração, alguns achados merecem destaque, como por exemplo, a criação

do Comando Futuro do Exército (AFC), nos Estados Unidos, responsável por avaliar o futuro

ambiente operacional; as ameaças emergentes e as novas tecnologias; e desenvolver e entregar

conceitos, projetos de força futura e soluções de materiais que atendam aos soldados e ao

campo de batalha multidomínio.

No segundo ensaio, no qual tratamos do caso espanhol, verificamos a inclusão do âmbito

cognitivo como importante lócus para a condução das operações militares. Dentre as estratégias

de inovação adotadas, sobressai a criação da Brigada Experimental 35. Na última rodada

investigativa, o caso em tela foi Israel, país que, em 2020, implementou o Plano Momentum com o

objetivo de conduzir o reaparelhamento e reorganização da Força por cinco anos. Em específico,

no que se refere à Força Terrestre, o Plano contempla a criação de uma Divisão composta por

diversas brigadas responsáveis por atuar nos mais diferentes terrenos, com foco principal no

combate urbano e de subsolo.

Nesta oportunidade, a investigação tem como intuito primário identificar os indicadores

comuns às três metodologias de configuração de Força do Futuro, haja vista a importância de

encontrar categorias de análise que sejam semelhantes nas iniciativas dos demais países, bem

como elementos que impulsionaram seus projetos de forma a fomentar e a contribuir com o

trabalho realizado em solo nacional pela nossa nascente Seção Exército do Futuro.

Para tanto, lastreados pela concepção teórica de design operacional e cientes dos desafios e

oportunidades do ambiente operacional futuro, será apresentado um quadro comparativo,

seguido de uma descrição detalhada de cada categoria analisada, apontando semelhanças e

diferenças entre os desenhos de força dos Estados Unidos, Espanha e Israel.

O artigo não estaria completo, no entanto, sem o aprofundamento na realidade brasileira, o

qual foi realizado mediante entrevista, em julho de 2021, com os principais responsáveis pela

concepção da Seção Exército do Futuro no Brasil e pela materialização das primeiras análises e

ações. O aporte das entrevistas torna este artigo importante fonte de consulta futura para

interessados na área, bem como um instrumento de gestão da informação.


119

1. Introdução inicialmente, contribuir para a compreensão


da definição de design operacional, seus
A metodologia de desenho de Força, objetivos, processos e elementos distintivos
responsável por construir uma ponte entre o do planejamento tradicional, por entender
problema estratégico e o resultado desejado, que se trata de uma área ainda pouco
alinhando os objetivos da missão, os explorada de forma teórica e analítica,
propósitos e as tarefas, é desafiadora por sobretudo na Academia brasileira, militar e
uma variedade de razões, ao mesmo tempo civil.
que inspira os profissionais militares a, A essa primeira contribuição
constantemente, colocarem sob reflexão o agrega-se o que é aqui o foco central desta
modo de pensar e de se organizar de suas pesquisa; isto é, comparar os designs
instituições. elaborados e as estratégias adotadas por
O desenho exige dos planejadores Estados Unidos (EUA), Espanha e Israel
militares uma manipulação cuidadosa do para preparar sua Força para o futuro.
componente conceitual, de forma a Buscou-se responder aos seguintes
apreender, em sua totalidade, a questionamentos: como os Exércitos de
complexidade e as opções disponíveis, EUA, Espanha e Israel têm se preparado
principalmente em um mundo em constante para o futuro e quais são as semelhanças e
evolução, com dinâmicas e ameaças as diferenças entre as três configurações de
distintas (MURDEN, 2013). Força?
Frequentemente, esses mesmos Para isso, após a discussão sobre
planejadores, nos níveis estratégico, design operacional, o artigo apresentará e
operacional e tático, esforçam-se para definirá o ambiente operacional futuro. A
coincidir o desenho com os procedimentos seguir, introduz o método comparativo e as
já conhecidos do planejamento operacional. categorias que serão empregadas na análise,
No entanto, essa avançada maneira de se para, então, a partir de um grande quadro,
pensar a Força pretende, de forma geral, expor os resultados, ressaltando as
distinguir-se da tomada de decisão militar semelhanças e as diferenças entre os casos.
tradicional, por entender que, quanto mais Por fim, e com maior destaque, o
complexo e adaptativo é o ambiente em artigo encerrar-se-á discutindo as
questão, as abordagens do planejamento implicações dos temas para o Exército
não conseguirão explicá-lo a contento Brasileiro. Para tanto, utilizar-se-á de
(ZWEIBELSON, 2012). entrevista, realizada com os responsáveis
Diante disso, este artigo pretende, pela implantação da Seção Exército do

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


120

Futuro, de forma a relatar as iniciativas crítico e criativo é aplicado para entender,


executadass no último ano, que visualizar e descrever problemas complexos
possibilitaram
ram a criação de uma Seção e mal estruturados e para desenvolver
específica para ocupar-se
se do assunto
assunto, maneiras de resolvê-los”
resolvê (U.S. ARMY,
indicando possíveis adequações com vistas 2012, tradução nossa)2. A metodologia de
à nossa realidade. design permite ao planejador desenvolver
abordagens para resolver problemas, mas
2. Metodologia de Desenho de ela
la mesma não produz as soluções. Trata-se
Tr
F or ç a de uma ferramenta para a construção do
pensamento conceitual, essencial para um
O conceito de design surgiu no
plano efetivo (GRIGSBY, et. al, 2011).
Exército norte-americano
americano pela primeira vez,
De forma aplicada, as atividades do
em 2009, na publicação Army Field
design são: (1) compreender o contexto
Manual-Interim (FMI) 5-2 Design e
atual; (2)
2) visualizar o contexto futuro ou
impulsionou as Forças Armadas do país a
estado final desejado; e, (3) desenvolver
uma grande mudança em sua capacidade
uma abordagem operacional ou teoria de
conceitual (DICKENS, 2010; MURDEN,
ação para transformar o ambiente atual no
2013). Um ano depois, o manual de
estado final desejado (KEM, 2009). Melhor
campanha elaborado pelo Comando de
representado pela figura1,
figura a seguir.
Doutrina e Treinamento do Exército dos
Estados Unidos (TRADOC, sigla em Figura 1: Atividades do Design
inglês) encorajou que mais iniciativas e
ações na área fossem propostas. Em 2012,
já se viam diversas publicações do
TRADOC1 que incluíam
m o termo design, o
qual foi substituído,, com o passar do tempo,
por “metodologia de design”,
”, ganhando
mais robustez (GRAVES, STANLEY,
2013).
Fonte: a autora, 2021.
De acordo com o Army Doctrinal 2
Uma abordagem distinta possui a America's
Publication (ADP) FM5-0, o design é “uma International Technology Education Association, a
qual define o design como um processo de tomada
metodologia segundo a qual o pensamento de decisão responsável por produzir planos para
atender às necessidades; isto é, nessa assunção o
design estaria centrado na resolução de problemas
1
Army Doctrinal Publication (ADP) 55-0, The (BANACH, RYAN,YAN, 2009).
Operations Process, e Army Doctrinal Refer
Reference
Publications (ADRP) 5-0,
0, The Operations Process
Process.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


121

Assim, a metodologia de design (ZWEIBELSON, 2012). O que se tem, no


fornece os meios para aproximar problemas entanto,, são alguns objetivos a serem
se
complexos de ações consistentes
sistentes. Ela é alcançados ao se aplicar a metodologia, a
mais útil quando lida com problemas novos saber:
e pouco familiares, pois funde
unde em uma só (1) entender
ntender os problemas do ambiente
abordagem as vantagens de decisões operacional, sua natureza e suas
analíticas e intuitivas.. Assim, permite aos características, desde
sde problemas mais
planejadores perceberem a complexidade simples aos mais complexos, por meio de
dos problemas e ampliarem as suas um diálogo colaborativo e de análises, as
concepções, auxiliando
ndo no reconhecimento quais facilitem
m o aprendizado e permitam
permit
dos elementos decisivos,, o que em uuma aos comandantes apreciarem de forma
abordagem estruturada não seria possível integral os inúmeros fatores que
(GRIGSBY et al, 2011). influenciam e interagem nas operações
op
Dessa maneira, o focoo do design (CARDON, LEONARD, 2010);
está na compreensão de um problema
problema, (2) antecipar
ntecipar as mudanças do ambiente
pouco ou nada familiar, e na elaboração de operacional e administrá-las
administrá antes que
uma proposta para sua resolução. Para ocorram. O design auxilia de maneira
tanto, três perguntas simples devem ser inestimável a capacidade de desenvolver,
respondidas: (1) qual contexto;; (2
(2) quais inovar e adaptar as abordagens pré-
problemas devem ser solucionados
solucionados; e (3) existentes (CARDON, LEONARD, 2010);
como o problema será resolvido
resolvido. Após (3) criar
riar oportunidades. O exercício do
obter as informações sobre o ambiente, o design é contínuo e proativo.
proativo Ele cria
problema e a proposta, um conceito inic
inicial oportunidades para o sucesso estabelecendo
de design pode ser formulado (MURDEN, as condições anteriores ao início das
2013). operações
erações (CARDON, LEONARD, 2010);
Embora seja muito atrativo dispor (4) reconhecer
econhecer as transições. O design
de um passo a passo que possa ser utilizado fornece
ornece as ferramentas cognitivas para
ao se deparar com problemass complexos, reconhecer e administrar as transições;
transições
isso não existe na metodologia de design, a identificar e empregar soluções
so adaptativas
qual é repleta de técnicas e elementos e inovadoras; criar e e
explorar
(DICKENS, 2010). A criatividade
riatividade para oportunidades; e proteger vulnerabilidades
descobrir novos e emergentes conceitos e as potenciais (CARDON, LEONARD, 2010).
tentativas e erross fazem parte do processo, Portanto, o design aumenta a
bem como assumir os riscos capacidade
idade do comandante em entender,

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
122

visualizar e descrever o ambiente feitas alterações durante sua


su condução e na
operacional, o que auxilia no avaliação de seus resultados.
resultados Nesse sentido,
desenvolvimento de um quadro mais o design elaborado serve como uma base
completo da situação e na formula
formulação de para orientar a avaliação,
avaliação sendo um
soluções efetivas para os problemas. Exige- instrumento de aprendizagem (KENNY,
se dessa função um pensamento crítico e LOCATELLI, ZARZA,
ZARZA 2017).
criativo, que promova a reflexão
ão e estimule Igualmente,, com uma maior
o aprendizado contínuo,, por meio da compreensão do ambiente operacional e do
elaboração de perguntas apropriadas, da problema, a metodologia de design colabora
captação de todas as informações com o fortalecimento
imento da relação entre a
disponíveis e de uma conclusão sólida e tática e a estratégia, promovendo coerência
comunicável
ável aos demais membros da Força operacional, unidade de esforço e sucesso
(CARDON, LEONARD, 2010). estratégico. Logo, diálogo e colaboração
Na opinião de Kenny, Locatelli e são fundamentais para que o design possa
Zarza (2017, tradução nossa), o design é, promover
ver oportunidades de revisão das
propriamente, “a aplicação do pensamento abordagens,, frente às alterações no
crítico e criativo –aa nível operacional
operacional– para problema e no ambiente operacional
saber, visualizar e descrever problemas (CARDON, LEONARD, 2010). Reitera-se,
Reitera
complexos e desenvolver abordagens para assim, a não linearidade do design,
sua solução”.
”. Por conseguinte, não é compreendida na figura 2.
2
estático, nem definitivo. Em
m geral, são
Figura 2: Etapas do Design

Fonte: a autora, 2021.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


123

Inovação e adaptação são explicar as proposições na linguagem da


características que permeiam todo o ciclo e organização (ZWEIBELSON, 2012).
permitem ao comandante, rapidamente
apidamente, Depreende-se,
se, pois, que a
reorganizar e ajustar as decisões e ações metodologia de design é altamente centrada
para resultados mais favoráveis. Isso na definição e no enquadramento do
envolve,, principalmente, o acréscimo de problema, mais do que no desenvolvimento
novas informações e experiências que de uma estratégia para solucioná-lo.
solucioná Assim,
desafiam a compreensão existente na tentativa de determinar a solução, as
(CARDON, LEONARD, 2010). principais chaves estariam no pensamento
Para além da sua capacidade de crítico e na concepção de um conceito
conc
adaptar-se
se às condições dinâmicas e em operacional capaz de atingir os objetivos
constante mutação, destaca
destaca-se a estratégicos e operacionais (DICKENS,
importância do design no que se refere à 2010).
identificação e à resolução do problema
certo.
to. As organizações militares beneficiar
beneficiar- 2.1. Desenho vs. Planejamento
se-ão
ão da consideração acerca do conceito de
“problema” e das razões para tanto. A Desenho e planejamento são
abordagem é útil,, pois possibilita abstrações qualitativamente diferentes, mas inter
inter-
e apreciações holísticas,, levando em relacionados e essenciais
essencia para resolver os
consideração o sistema dinâmico e problemas complexos. Fundir o design com
complexo do ambiente operacional, ao o planejamento contrapõe homogeneidade e
contrário de uma lógica reducionista que heterogeneidade em muitos níveis.
níveis Uma
isola e categoriza a informação “lógica
lógica se diverte no caos, enquanto a outra
(ZWEIBELSON, 2012). constantemente tenta preveni-lo
preveni e controlá-
Portanto, o design, ao evitar a lo” (ZWEIBELSON,, 2012, tradução nossa).
nossa)
causalidade linear simplista, possibilita que A abordagem
bordagem de design é mais
os profissionais improvisem e se adaptem heterogênea, holística e adaptativa. Ela
para superar as desvantagens, aao invés de desacredita a técnica de repetição para a
aplicar de forma rígida um estado futuro resolução dos problemas complexos,
complexos porém
inicialmente planejado. Portanto
Portanto, estimula- enfrenta dificuldades na produção de uma
se que os planejadores explorem uma ampla solução executável. Por essa razão, o
gama de estados futuros, atingindo,
ndo, ao final
final, quanto antes,, deve ser integrada a uma
um balanço entre uma profunda abordagem
gem mais detalhada do planejamento
compreensão da realidade e a habilidade de (ZWEIBELSON,, 2012; GRIGSBY et al,
2011).

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
124

Enquanto as atividades do na aprendizagem sobre a natureza de um


planejamento repercutem diretamente na problema desconhecido. Desenho e
doutrina, os debates sobre design tendem a planejamento consistem, portanto, em dois
ser mais abstratos,
s, por tratarem de componentes separados, mas próximos:
próximos o
problemas complexos que não possuem design representa o componente
uma compreensão já definida. O design conceitual do planejamento
lanejamento.
necessita de uma base intelectual para
auxiliar na avaliação
ação contínua das
3. Ambiente Operacional Futuro
operações e do ambiente operacional.
Diferentemente dos planejamentos Nesta seção, avaliaremos alguns dos
formais e detalhados, o design não é um fatores que serão mais expressivos no
processo, mas uma abordagem para ambiente operacional futuro, nos próximos
organizar
rganizar a ordem superior e as atividades dez a quinze anos.. São mudanças que
mais conceituais. É uma atividade envolvem o tamanho, a qualidade e as
interativa, a qual ocorre por meio de características das forças militares e de seus
operações antes e durante o planejamento e adversários. Trataremos o tema de maneira
na avaliação. Não se trata de uma abrangente, ao invés de fornecer uma visão
substituição dos processos, nem de uma específica para cada país de interesse desta
dest
proposta de replicar as etapas do análise. Esse
sse último formato foi adotado
planejamento. Ao invés disso, complementa nos ensaios antecedentes
antecedente a este texto.
o procedimento tradicional, ao oferecer as Nesse sentido, com o auxílio de
ferramentas cognitivas necessárias para relatórios e de documentos especializados
desenvolver uma compreensão mais em análises prospectivas, identificamos 6
profunda do contexto e de suas causas (seis) tendências que moldarão os conflitos
subjacentes (CARDON, LEONARD, e os combates futuros.
futuros A figura 3 sumariza
2010). tais tendências:
O planejamento aplica técnicas
consolidadas para resolver problemas já
conhecidos dentro de uma estrutura aceita.
De outra forma, o design questiona a
natureza do problema, com intuito de
conceber uma estrutura nova para sua
resolução; isto é, enquanto o planejamento
lanejamento
se concentra na geração de um plano - uma
série de ações executáveis - o design foca

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


125

Figura 3: Tendências futuras 2030-2035


2035

Fonte: a autora, 2021.


Fonte da figura (robô): SPUTNIK NEWS.

Dentre os desafios propostos, as de maior complexidade


complexidade, devido ao
operações multidomínio
domínio representam a tamanho, à densidade populacional e aos
grande evolução do pensamento sobre as elementos sociais presentes no ambiente
operações, as quais deverão ocorrer de operacional, atrelado
trelado a uma fluidez e à
maneira conjunta, a partir de diversas constante alteração das condições, inerentes
camadas e escalas de interação, muito além à dinamicidade das atividades humanas
do campo de batalha tradicional, incluindo (WOLFEL, RICHMOND, RIDGEWAY,
os âmbitos culturais, políticos e 2021).
econômicos, assim como as esferas As operações em áreas urbanas, de
d
cognitivas e sociais (WOLFEL, maneira mais específica, impelem especial
RICHMOND, RIDGEWAY,
EWAY, 2021). atenção a alguns fatores:
fatores a identidade
Sua principal característica torna (etnia, língua, religião e crenças locais);
locais) a
eminente a não linearidade da guerra, a qual legitimidade do governo
overno local; os recursos,
se desenvolve de maneira imprevisível e bens e serviços (água,
água, remédios, alimentos);
está constantemente em mutação e em e a estrutura da produção. Ressalta-se,
Ressalta no
evolução. Nesse contexto, conforme entanto, que nenhum deles deve ser
apontado, apresentam-se como o ambiente analisado de maneira isolada, pois todos se
influenciam,, devendo ser incluídos na

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
126

preparação das operações (WOLFEL, Diante de um conjunto crescente de


RICHMOND,, RIDGEWAY, 2021). abordagens assimétricas,
assimétricas incluindo armas
De forma semelhante
elhante às operações de Antiacesso e Negação
egação de Área (A2/AD),
em múltiplos domínios, as operações em cibernéticas, eletrônicas, de defesas aéreas e
áreas densamente urbanizadas enfrentam mísseis de precisão, é impositivo às
dificuldade para definir seus objetivos e, potências militares
militares, presumivelmente
consequentemente, para avaliar o sucesso superiores,, atuar com maior esforço para
de suas ações.. A expansão do campo de dissuadir e derrotar a agressão de Estados
batalha desafia as escalas geográficas menores e atores não
não-estatais
tradicionais, ao mesmo tempo que a (FLOURNOY, 2021).
variedade de domínios e meios Uma rápida observação sobre as dez
(Cibernética, Guerras de Informação,
nformação, causas atuais de potenciais conflitos
Terrorismo e Ações Cinéticas) emprega
empregados futuros, segundo o International Crisis
pelos adversários impacta noo planejamento Group (2021), revela a dimensão desses
inicial da missão (WOLFEL, RICHMOND, novos atores: (1) potencialização
otencialização da guerra
RIDGEWAY, 2021). civil no Afeganistão
Afeganistão; (2) cisões e

Figura 4: Causas Potenciais para conflitos futuros

Fonte: a autora, 2021.


Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021
127

comprometimento do diálogo
go na Etiópia; serem realizados, em especial no que tange
(3) conflitos no Sahel; (4)) desastre às novas tecnologias (FLOURNOY, 2021).
humanitário no Yemen; (5) crise
rise política na É nesse aspecto que a Inteligência
Venezuela; (6) guerra
uerra na Somália, contra o Artificial (IA) torna
torna-se uma “grande
Al-Shabbab; (7) início
nício das negociações na aposta” para auxiliar
uxiliar os combatentes a
Líbia; (8) relações
elações EUA
EUA-Irã; (9) tomarem melhores e mais rápidas decisões,
discordâncias
iscordâncias entre Rússia e Turquia o que exige, em paralelo, a atualização da
envolvendo a Síria e o conflito de Nagorno
Nagorno- infraestrutura digital para armazenamento
Karabakh; e (10) mudança
udança climática dos dados e sistemas de gerenciamento
(INTERNATIONAL
INTERNATIONAL CRISISGROUP
CRISISGROUP, (FLOURNOY, 2021).
2021). A figura 4 permite visualizar melhor Os dados são hoje centrais e
essa dimensão. transformam não apenas as Forças
Em virtude dessas novas realidades, Armadas,, mas a política global,
gl ao passo
os planejadores e comandantes são que concedem grandes vantagens aos seus
compelidos a reorganizar suas mentalidades detentores. Dados são
ão essenciais para a
acostumadas com o modelo convencional inovação e para o refinamento
refin de ideias,
da guerra, para combater,, também, conforme Kai-Fu
Fu Lee,
Lee renomado cientista
assimetricamente os adversários. De forma da computação: “Um
Um cientista muito bom
a empreender recursos – financeiros e com uma tonelada de dados derrotará um
intelectuais – no desenvolvimento, no teste supercientista
percientista com uma quantidade modesta
e no refinamento de novos conceitos para as de dados” (SLAUGHTER, 2021,
2021 tradução
operações, atrelados a uma escolha mais nossa).
eficiente
ficiente e à priorização de investimentos a

Os dados são hoje centrais e


transformam não apenas as Forças
Armadas, mas a política global, ao
passo que concedem grandes
vantagens aos seus detentores.

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
128

4. Comparação sistemática e categoria algumas unidades específicas


contextualizada dos casos foram eleitas, de forma a permitir observar
os mesmos itens nos três distintos casos.
A comparação sistemática e
Categorias e unidades estão dispostas no
contextualizada de poucos casos,, a qual não
quadro 1, a seguir.
prescinde da dimensão histórica
histórica, foi a
Quadro 1:
técnica empregada nestee estudo para
Categorias de Análise
responder às perguntas: (1) ccomo os
Exércitos de EUA, Espanha e Israel têm se
preparado para o futuro; (2) quais
uais são as
semelhanças e as diferenças entre essas três
configurações de Força?
Lipjhart (1975)) define a comparação
como um método básico das Ciências
Sociais3, de grande utilidade para
estabelecer proposições gerais empíricas e
para descobrir o relacionamento empírico
entre variáveis. O autor entende que há uma
continuidade entre o método estatíst
estatístico e o
comparativo, diferenciando-se
se um do outro
pelo número de casos estudados
estudados. Dessa
Fonte: a autora, 2021.
forma, os “casos
casos são sistemas nacionais
políticos, como acontece frequentemente no
A definição cuidadosa do que será
campo da política comparativa, o número
observado em cada categoria é o que dá
de casos é necessariamente tão restrito que
sustentação e credibilidade para essa
o método comparativo tem de ser usado”
análise. Nesse sentido, na primeira
(LIPJHART, 1975, p. 7).
categoria, “Antecedentes”
ntecedentes”, reúne-se a
Neste estudo,, conforme mencionado
compreensão dass três forças sobre o
anteriormente, tratamos especificamente
specificamente de
ambiente operacional e as estratégias de
três casos: Estados Unidos,, Espanha e
emprego da força futura
futura. Conforme
Israel. Para
ara orientar a análise
análise, foram
proposto pela teoria de design, importa, a
adotadas cinco (5) categorias passíveis de
princípio, entender o problema, sua
comparação. Além disso, ppara cada
natureza e suas características.

3
Do mesmo modo que o seriam o método
experimental e o estatístico.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


129

Diante dessa apreensão do grande responsável pela emissão de documentos


quadro, passa-se
se então à categoria nessa seara, a exemplo do: Pamphlet 525-3-
“Planejamento”, na qual três aspectos se 1 The U. S. Army in Multi Domain
sobressaem: os conceitos formulados
formulados, os Operations 2028; Pamphlet 525-92
525 The
prazos definidos e as tarefas Operational Environment and the changing
programadas.. Na primeira seção des
deste character of warfare;; e, Pamphlet 525-92-1
artigo, vimos que as principais chaves para The Changing Character of Warfare: the
se atingir os objetivos estratégicos e urban Operation Al Environment,
Environment para além
operacionais estariam no pensamento do importante documento Army
crítico e na concepção de um conceito. Modernization Strategy: investing in the
A seguir, na categoria future (AMS), emitido
tido pelo U.S. Army.
“Instituições”, proporemos entender de No que diz respeito à Espanha, em
forma mais minuciosa como serão 2020, o Ministério da Defesa emitiu dois
distribuídas as atividades
idades internamente e notáveis documentos: Panorama de
quais serão as estruturas criadas para tanto. tendencias geopolíticas: horizonte 2040 e
Mais duas categorias
ias encerram a Ambiente operacional 2035,
2035 os quais estão
nossa análise: “Investimento”
nvestimento” e ““Parcerias”. em sintonia com o principal documento do
Em “Investimento”, lança-se um olhar Exército que detalha o seu desenho de força
sobre os recursos humanos proposto
propostos por futura: o Fuerza 35.
cada país para atuarem no segment
segmento de Já para Israel, sobressai a análise de
futuro e, fundamentalmente, sobre quais as fontes secundárias4, como aquelas que
principais tecnologias e estruturas de força advêm do reconhecido Institute for
a utilizar. Por fim, as “Parcerias”
arcerias” são National Security Studies (INSS),
matéria de atenção, pretendendo observar o paralelamente às notícias veiculadas na
diálogo interno e externo da instituição. mídia especializada local sobre o mais
O principal insumo da pesquisa são recente plano de modernização das Forças
fontes primárias (documentos
documentos oficiais de Defesa de Israel: o Plano Momentum.
emitidos pelos governos) e secundárias Uma vez certos da técnica
(análises de think tanks,, especialistas e empregada
da para análise e de suas fontes,
mídias locais),, detalhadas em artigos apresentamos,, a seguir, um conjunto de
anteriores já publicados. informações relevantes agrupadas no
No caso norte-americano,
americano, o quadro 2. A partir dessas
dess informações,
Comando de Doutrina e Treinamento do
4
Em específico para estee artigo,
artigo pudemos contar com
Exército dos
os Estados Unidos (TRADOC)
a significativa contribuição,
contribuição in loco, do Coronel.
destacou-se
se como principal setor Vinícius, Adido de Defesa em Israel.

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
130

estabeleceremos as semelhanças e as O quadro 2 permite comparar cada


diferenças entre os três modelos de força. categoria de forma mais profícua. 5

Quadro 2: Comparação dos casos analisados

Fonte: a autora, 2021.

O entorno operativo será marcado por:


(1) incerteza; (2) indefinição do campo de
batalha; (3) presença da população nas zonas
de ação; e, (4) componente tecnológico.
_____________________
5
1Não tivemos acesso à informação relativa ao
efetivo de Israel para atuar no segmento futuro.
Sobre o ZID 750, trata-se de sistema tecnológico de controle, previsto no Plano Momentum. É uma
comando e ferramenta de conexão entre todas as tropas,
fundamental para obter respostas com rapidez e
precisão.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


131

4.1. Antecedentes Figura 5: Diferentes contextos


Estados Unidos e Espanha já para conflitos futuros
possuíam documentos anteriores que
apresentavam as concepções acerca do
futuro. A Estratégia de Defesa Nacional dos
Estados Unidos (NDS), elaborada em 2018,
elencou três regiões prioritárias para ação:
Indo-Pacífico, Europa e Oriente
iente Médio,
com especial atenção para dois países,
China e Rússia, os quais continuarão sendo
fortes competidores e estarão mais
propensos a desafiarem as normas
internacionais.
A Estratégia de Segurança Nacional
(ESN) espanhola, formulada em 2017
2017,
Fonte: a autora, com base em o Joint
afirma que o país deve se projetar para o Operating Environment (JOE) 2035

exterior com atenção preferencial para a


Integram os antecedentes para o
Europa, o Norte da África e o Oriente
desenho da Força futura norte-americana
norte
Médio, a África subsaariana, a América
três documentos – mas não se resumem a
Latina, a América do Norte e a Ásia-
esses: (1) The US Army in Multi-Domain
Pacífico. Identifica
dentifica como principais
Operations 2028(TRADOC
TRADOC 525-3-1),
525 o qual
ameaças os conflitos armados e o
emprega o conceito de operações em
terrorismo (jihadista) (PRESIDENCIA
multidomínio; (2) The Operational
DEL GOBIERNO, 2017).
Environment and the changing character of
Mais especificamente, o Joint
warfare (TRADOCP amphlet 525-92), que
Operating Environment
nment (JOE) 2035: The
descreve
escreve o ambiente operacional até 2050 e
Jointed Force in a Constested World
estabelece duas principais eras6– do
delimita seis diferentes contextos para os
Progresso Humano Acelerado (2017 -
futuros conflitos: (1) ccompetição
2035) e da Igualdade Contestada (2035-
ideológica; (2) ameaça
meaça ao território e à
2050); (3) The Changing Character of
soberania; (3) equilíbrio
quilíbrio geopolítico
Warfare. The Urban Operational
antagônico; (4) ameaça aos bens comuns
globais; (5) guerra
uerra pelo ciberespaço; (6) 6
Na segunda Era, nenhum ator terá qualquer
vantagem estratégica ou tecnológica de longo prazo.
fragmentação
ragmentação e reordenamento de regiões
regiões, Prevalecer
revalecer dependerá da capacidade de sincronizar
recursos
ecursos de vários domínios. Igualmente importante,
conforme a figura 5.
será controlar as informações e a narrativa.
narrativa

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
132

Environment (TRADOC Pamphlet 525


525-92- quando pensam os desafios tecnológicos
tecno do
1)) aprofunda a preocupação com o futuro e a ocorrência de conflitos na zona
ambiente urbano,, destacando a IA como urbana. Em
m ambos os documentos, a
fundamental na compilação e na análise de primazia da atuação conjunta
conjunt das Forças
informações. destaca-se de forma a compartilhar
No caso espanhol, o documento conhecimentos e informações.
Concepto de Empleo de lass Fuerzas O caso de Israel destoa dos demais
Armadas (CEFAS) apresenta possíveis em virtude da baixíssima disponibilização
cenários de atuação das Forças Armadas, de documentos relativos à defesa. A Israel
suas características gerais e suaa forma de Defense Forces Strategy7, publicada em
emprego. O entorno operativo será marcado 2015, é o único documento oficial
por: (1) incerteza; (2) indefinição
ndefinição do ccampo divulgado pelo país
país, em que são
de batalha; (3) presença
resença da população nas apresentadas, de maneira geral,
geral diretrizes
zonas de ação; e, (4) ccomponente operacionais à sua Força,
Força com atenção,
tecnológico (JEMAD, 2018). também, aos desafios futuros.
futuros Busca-se:
Emitido pelo Ministério da Defesa reforçar a eficácia das manobras em terra;
terra
espanhol em 2020, o documento “Ambiente diversificar as capacidades operacionais;
operacionais
Operacional 2035” apresenta os desafios e fortalecer a dimensão cibernética
cibernética; e
as oportunidades do futuro ambiente preservar a superioridade aérea e naval
operacional, bem como estabelece algumas (IDF, 2016;; LOOSE, 2019).
2019
características deste cenário. Segundo o Outrossim, Israel possui, com
texto, os âmbitos tradicionais (terrestre, finalidade semelhante, no que tange à
marítimo e aéreo) somar-se-ão
ão a outras orientação da defesa, o Relatório Meridor,
áreas de operação (ciberespacial,
ciberespacial, cognitiva publicado pela primeira vez em 2006 e
e espaço ultraterrestre), com uma tendência revisto dez anos depois. Em sua última
crescente para a fusão de todas el
elas. A área edição, sublinha-se a centralidade que as
cognitiva e a área ciberespacial se
serão os questões cibernéticass ganharam, para além
campos de batalha predominantes e o uso da importância conferida
erida ao
a poder brando
do ciberespaço aumen
aumentará (MERIDOR, ELDADI, 2019).
exponencialmente até 2035,, tendo em vista Assim,, embora, a preocupação com
o custo do ataque ser relativamente baixo e ass questões cibernéticas e com o avanço
a defesa ser uma tarefa complexa tecnológico também esteja evidente
evidente,
(MINISTERIO DE DEFENSA, 2020)
2020). principalmente, na esfera nuclear, no caso
Portanto, embora não idênticos, 7
O documento, não classificado,
classificado foi traduzido para o
possuem similaridades, em particular, idioma inglês pelo Belfer Center for Science and
International Affairs,, Harvard, em 2016.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


133

de Israel os institutos de pesquisa (a No que tange ao horizonte temporal


exemplo do The Institute
nstitute for National para tal transformação, estabeleceu-se
estabeleceu o ano
Security Studies- INSS) mapeiam
iam ameaças de 2035. Dentro desse espaço de tempo,
distintas aos dos outros dois países que foram propostos dois períodos:
períodos o primeiro,
compõem nossa análise. A característica mais rápido e o segundo,
segundo de mudanças mais
única de formação do Estado israelense faz fundamentais; além de três pontos de
com que o seu entorno regionall seja matéria passagem, que ajudarão a garantir um
constante de atenção, da mesma forma que progresso constante. De forma resumida,
o conturbado diálogo internacional. entre 2020 e 2022 serão implementados os
Comandos Futuros e os testes do conceito
4.2. Planejamento de MDO. Em 2022, serão iniciados os

A implementação da Estratégia de ajustes da força com base no DOTMLPF-


DOTMLPF

Modernização do Exército (A
(AMS), nos P8. Nos anos 2023 e 2025,
2025 formações e

Estados Unidos, pretende tornar a Força projetos organizacionais serão adaptados e

habilitada para operar em múltiplos serão realizadas mudanças, também, no

domínios e está assente em três eixos: como treinamento. No período entre 2026 e

[lutar] (conceitos, doutrina,


na, organizações e 2028, a primeira força MDO será

treinamento); com que [lutar] (aquisição de certificada. Entre 2029 e 2035


2035, a

material) e quem [ser] (desenvolvimento de certificação da próxima força será

líderes, educação, gestão de talentos). concluída e demais ajustes serão realizados

No primeiro eixo, objetiva-se (SCHWETHER, 2020).


2020)

atualizar os projetos organizacionais e o Na Espanha, à semelhança dos

treinamento, além de aprimorarr e integrar Estados Unidos, o processo de

conceito e doutrina.. As principais modernização foi organizado em três fases:

estratégias empregadas são a Conceito, Experiment


Experimentação e

experimentação, os jogos de guerra e a Implementação. Na fase conceitual, os

análise de dados. No segundo eixo, o principais objetivos são: identificar uma

Comando Futuro do Exército (AFC) nova teoria de emprego da Força e definir

recebeu a incumbência de elencar quais são quais serão as estruturas, materiais e

as atividades prioritárias, com


om especial tecnologiass necessárias. Na

enfoque para a transformação digital e para experimentação, simulações e exercícios

a modernização da infraestrutura de rede. reais são realizados para testagem dos

No último eixo, o foco é o soldado e o seu conceitos doutrinários. Na implementação,

desenvolvimento como um líder crítico e 8


Doutrina, Organização, Treinamento, material,
Liderança (educação), Pessoal, Instalações.
Instalações
criativo.

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
134

as lições
ções identificadas e as decisões alcançá-lo de maneira satisfatória, as quais
adotadas são levadas à prática serão momentos fulcrais para avaliar o
(SCHWETHER, 2021a apud EJÉRCITO progresso das ações e para manter o ritmo
DE TIERRA, 2019). das mudanças. No caso de Israel, há uma
O horizonte temporal planejado para notória diferença, pois o plano que rege a
a transformação espanhola é de quinze modernização de suas Forças tem duração
anos. Com vistas a alcançar o est
estágio final de cinco anos e, portanto,
tanto, possui horizonte
desejado em 2035, dois pontos mais curto, para 2025.
intermediários foram estabelecidos
estabelecidos, nos
anos 2024 e 2030. Em 2024, pretende
pretende-se 4.3. Instituições
gerar uma Força possível e uma série de No desenho de força norte
norte-
capacidades militares para, em 2030
2030, estar americano, a principal realização se trata da
disponível uma Força avançada
avançada, próxima criação dee um novo comando: o Comando
ao estágio final. Em 2035, estaria
ia finalizada Futuro do Exército9, com as funções de:
a transformação (EJÉRCITO
EJÉRCITO DE TIERRA
TIERRA, supervisionar os esforços de modernização;
modernização
2019). introduzir novas capacidades;
capacidades propor novas
O plano Momentum entrou em formações; e supervisionar o processo de
operação em 1º de janeiro de 2020 e guiará aquisição.. Paralelamente, está incumbido de
as Forças de Defesa Israelenses pelos avaliar o futuro ambiente operacional, as
próximos cinco anos, a partir de três ameaças emergentes e as novas tecnologias
esforços principais: atuação em múltiplos e desenvolver conceitos e soluções.
soluções
domínios, atualização do poder de fogo e A estrutura de trabalho do AFC
aumento das defesas naa frente doméstica
doméstica. compreende três principais unidades:
Um dos aspectos mais notáveis do Futuros e Conceitos (responsável por
novo Plano é a sua definição revis
revisitada descrever o futuro ambiente operacional e
sobre o conceito de vitória, o qual confere realizar o design da força futura);
maior ênfase à quantidade de capacidades Desenvolvimento de Capacidades de
inimigas destruídas e ao tempo gasto nisso, Combate (líder nos esforços de
do que aos territórios conquistado
conquistados prototipagem, identificação e
(SCHWETHER, 2021b apud LAPPIN, desenvolvimento de soluções para
2020). capacidades críticas)
críticas); e Sistemas de
Interessante notar que ambos os
planejamentos definiram como horizonte 9
O Exército norte-americano
americano passa a contar com
temporal o ano 2035,, contudo, etapas quatro grandes Comandos: Forces Command
(FORSCOM); Army Material Command (AMC);
intermediárias foram estabelecidas para Training andDoctrine Command (TRADOC) e o
Army Futures Command (AFC).

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


135

Combate (encarregado de refinar e A operação dos CFTs possibilita


desenvolver as soluções materiais). uma maior colaboração e diálogo entre as
Sem embargo, a força motriz por diferentes especialidades, além de otimizar
trás da modernização são os oito Cross- os esforços na identificação de
Functional Teams (CFTs)10, cada
ada um deles oportunidades e soluções (COSTA, 2021).
composto por experientes soldados, No desenho de força espanhol,
espanhol a
especialistas em aquisição, ciência e organização militar de referência é a
tecnologia, teste e avaliação, Brigada Experimental 35, a qual constitui a
desenvolvimento, treinamento e integração
integração. Grande Unidade (GU) principal de
Todos liderados
iderados por um oficial general ou transformação para posterior (e progressiva)
um civil sênior,, atuando em uma dinâmica extensão do projeto às demais GU. As
inclusiva, multidisciplinar e multifuncional Brigadas 35 terão diferentes estruturas
(ROPER, GRASSETI, 2018). orgânicas e incluirão sistemas de combate

Figura 6:: Organograma AFC diversos que definirão sua essência como:
leves, médias ou pesadas (EJÉRCITO DE
TIERRA, 2019).
A Brigada 35 será operativamente
integrada por três Grupos de Combate,
capazes de atuar de maneira
interdependente, e por um Núcleo de
Tropas de Brigada. Cada Grupo de
Combate
ate será uma unidade equivalente a
um Batalhão de Infantaria,
Infantaria reforçada com
os apoios que necessite para o cumprimento
da missão (EJÉRCITO DE TIERRA, 2019).
O Núcleo de Tropas de Brigada
englobará todas as unidades operativas da
Brigada para o combate: Gru
Grupo de
Artilharia, Batalhão de Engenheiros, Grupo
Logístico, Grupo de Cavalaria, Unidade de

Fonte: a autora, com base em Homeland Security


Meios
eios de Inteligência, Unidade de
Institute, 2019. Transmissões e outras (EJÉRCITO DE
10 TIERRA, 2019).
Fogos de precisão de longo alcance; nova geração
de veículos de combate; decolagem vertical; redes O Grupo de Combate estará
de C3I; posicionamento, navegação e tempo; defesa
aérea e de mísseis; letalidade do sol soldado; e, composto por três subgrupos. O subgrupo
ambiente de treinamento sintético.

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
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de combate será uma reunião de unidades Em Israel, entre as diretrizes do


com vocação de operar de forma autônoma Plano Momentum está uma grande
e isolada com os reforços necessá
necessários. reorganização estrutural da
das Forças,
A Brigada disporá de dois Postos de mediante a divisão das responsabilidades da
Comando Táticos de similar capacidade, antiga Diretoria de Planejamento em duas
reduzidos em tamanho e capazes de novas diretorias: a de Força Multipropósito,
alternarem-se quando necessário. Os postos estabelecida com base na Divisão de
de comando serão organizados em seis Planejamento, juntamente com a Divisão de
células funcionais (Manobra, Inteligência, Métodos de Guerra e Inovação; e a de
Fogos, Proteção, Apoio Logístico e Estratégia e Irã, a ser baseada na Divisão de
Atividades de Informação) e duas equipes Planejamento Estratégico e na Divisão de
transversais de integração (operações em Relações Exteriores (ORION; DEKEL,
curso e operações futuras/planejamento) 2020).
(EJÉRCITO DE TIERRA,, 2019)
2019).

Figura 7: Organograma Fuerza 35

Fonte: a autora, 2021.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


137

No entanto, o destaque é a Paralelamente, houve o


criação de uma nova divisão de combate estabelecimento de uma nova GU, a
terrestre. A Divisão 99 será uma versão Unidade Multidimensional “Refaim”,
“ cujos
melhorada da já conhecida Brigada Kfir, a lutadores praticam todos os tipos de guerra,
qual será transformada em uma Grande usando muitos tipos de armas e em todos os
Unidade
nidade de infantaria, deixando de se tipos de terreno, inclusive, o campo de
concentrar, exclusivamente, no batalha cibernético.
policiamento do território, para lutar em
todas as frentes, com foco no combate 4.4 . Investimento
urbano (GROSS, 2020a, HAREL, 2020). A Estratégia de Modernização norte-
A Divisão 99 especializar
especializar-se-á, americana lista como fundamentais ao
também, no combate em áreas fortificadas, combate futuro alguns materiais, a exemplo
fechadas e complexas e contará com dos fogos
os de precisão de longo alcance,
alcance dos
unidades cibernéticas e de inteligência veículos de combate de última geração, dos
avançadas. No início, essaa unidade estará veículos aéreos de última geração (Vertical
(
sob o comando das Forças Terrestres, mas Lift), das tecnologias de rede e da defesa
assim que estiver totalmente formada e antiaérea e antimísseis
antimísseis. Dentre os
operacional, será
rá transferida para o programas, destaca-se
se a plataforma Army
Comando Norte, Sul ou Central. Vantage, a qual é responsável por integrar
milhões de dados auxiliando na tomada de
Figura 8:: Organograma
decisão. Utiliza, para tanto, inteligência
Simplificado Força Terrestre
artificial e machine-learning
learning para auxiliar,
com agilidade, os operadores e soldados em
campo no desempenho de suas atividades.
No que diz respeito ao efetivo a ser
empregado na modernização do Exército
norte-americano, foi projetado um
contingente limite de quinhentos
funcionários para atuar no AFC.

Fonte: a autora, 2021.

Natália Diniz Schwether


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Figura 9: Army Vantage

Fonte: U. S. Army, 2020.

Na Espanha, a Força 35 foi mais resistentes e mais leves; robótica;


robótica
concebida para atuar no amplo espectro do sistemas autônomos terrestres e sistemas
conflito, abarcando desde esforços de anti-drones;
drones; sistemas de comando e
menor intensidade, como apoio às controle mais avançados; materiais de
autoridades civis, passando por intensidades Guerra Eletrônica
letrônica e capacidade de
médias, como espaços de batalha não Ciberdefesa. Não obstante, o programa de
lineares, até aqueles de maior intensidade, maior relevo e coluna vertebral do projeto é
como as áreas urbanas (EJÉRCITO
EJÉRCITO DE a plataforma de veículos de combate sobre
TIERRA, 2019). rodas 8x8 Dragón e sua sensorização
Nesse sentido, projeta
projeta-se a (EJÉRCITO
EJÉRCITO DE TIERRA,
TIERRA 2019).
necessidade de: novas
ovas gerações de veículos O veículo supõe um importante
aéreos nãoo tripulados, realidade aumentada avanço na modernização do Exército e uma
– veículos de vigilância terrestre e veículos melhora sensível em suas capacidades. Em
de exploração e reconhecimento terrestre; 2021, treze dos 348 carros previstos para a
IA;; materiais e munições de grande alcance, primeira fase do programa serão colocados
velocidade e precisão;; sistemas de em serviço. O projeto é dispor de 998
impressão 3D com a utilização de materiais

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


139

unidades ao final do processo de Mais especificamente, em cada uma


modernização. das três subunidades dos grupos de
Acrescenta-se
se a isso a projeção de combate, haverá ao redor de 100 soldados
2,8 mil soldados, atuando na Brigada 2035. (MOÇO, 2020).

Figura 10: Veículo 8x8 Dragón

Fonte: Ejército de Tierra, 2018.

Em Israel, os investimentos
direcionam-se
se para ampliar a capacidade de
atuação em rede, tornando possível que as
tropas de infantaria tenham
te acesso às
imagens de drones e sejam alertadas sobre
ameaças em potencial, ao mesmo tempo
que os jatos possam
ssam ser auxiliados por
soldados no solo.. Para isso, o novo sistema
de comando e controle - ZID 750 - é
fundamental para obter respostas com

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
140

maior rapidez e precisão. O sistema permite e componentes desenvolvidos pelas


que os comandantes vejam e compartilhem empresas parceiras11 (MOÇO, 2020).
a qualquer momento a localização das Por fim, tal como os demais países,
forças e do inimigo em uma tela interativa
interativa. Israel possui, em seu plano,
plano a preocupação
Depreende-se,
se, portanto, como já em ampliar a atuação conjunta e em rede,
indicado por esse artigo, que ass três Forças porém nas fontes pesquisadas não se
apostam na IA e em uma complexa localizou nenhuma parceria específica.
infraestrutura digital de armazenamento e
5. Exército do Futuro no Brasil
gerenciamento de dados para auxiliar os
A Estratégia Nacional de Defesa
combatentes no futuro.
(END), de 2008, estabeleceu as diretrizes
4.5. Parcerias para a preparação e capacitação das Forças

O sucesso da Estratégia norte


norte- Armadas em seu processo de

americana passa por um


m esforço de transformação. Organizada em três eixos

coordenação com o Congresso, a indústria e estruturantes: reorganização e

a Academia. Nesse sentido, ações como a reestruturação das Forças, organização da

instalação do Comando Futuro próximo a Base Industrial de Defesa (BID) e

empresas e à Academia podem ser composição dos efetivos, propôs ações de

observadas, de maneira a absorver as curto (até 2014), médio (entre 2015 e 2022)

inovações desses setores,, bem como as e longo prazo (entre 2027 e 2031)
203 para

parcerias estabelecidas para a condução de consecução dos objetivos.

experimentos nos CFTs. Além


lém disso, determinou às Forças a

Igualmente, na Espanha,, a fase de confecção de Planos de Equipamento e de

experimentação é realizada de forma Articulação e a submissão ao


a Ministério da

colaborativa. O Exército espanhol apresenta Defesa. Nessee ensejo, o Exército Brasileiro

seus novos conceitos e necessidades e a elaborou, em 2009,, a Estratégia Braço Forte

Universidade e a Indústria
ndústria analisam sua (EBF), documento que contém um

viabilidade. A viatura 8x8 Dragóón, um dos diagnóstico completo dos sistemas

grandes destaques, é desenvolvida por operacionais da Força Terrestre, o qual

empresas privadas que trabalham


m na criação permitiu orientar os planejamentos futuros

e implantação de sistemas,
s, cada uma (RAMOS,
OS, GOLDONI, 2016).

conforme
me suas capacidades. Entre os A EBF é bastante extensa e detalhada.

participantes, sobressai a Santa B


Bárbara Foi
oi estruturada em dois planos, 4 (quatro)

Sistemas, responsável por desenvolver a programas e 824 (oitocentos


oitocentos e vinte e

plataforma em si e montar todos os sistemas 11


SAPA Operations, Cockerill Maintenance
Ingénerie e INDRA.

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


141

quatro) projetos distribuídos em 129 (cento processos, tais como: racionalização de


e vinte e nove)) ações estratégicas
estratégicas. estruturas, logística conjunta e integrada,
Outrossim, estabeleceu o marco tempor
temporal desenvolvimento tecnológico e
de 2031 para atingir as capacidades em investimento em recursos humanos
atenção ao trinômio: (SILVA, 2013;; RAMOS, GOLDONI,
monitoramento/controle, mobilidade e 2016).
presença (BRASIL, EME, 2010 apud Em 2011, adicionou
adicionou-se mais um
SILVA, 2013). importante documento com pretensão de
Com a publicação da EBF, a realização impulsionar a Força Terrestre na passagem
de demais estudos no âmbito do Estado
Estado- da Era Industrial para a Era do
Maior do Exército (EME) e os trab
trabalhos Conhecimento, trata-se
se do Projeto de Força
relativos ao Sistema de Planejamento do do Exército Brasileiro (PROFORÇA).
(PROFORÇA) O
Exército (SIPLEx), ciclo 2011/2014, documento,, de classificação sigilosa, foi
verificou-se
se a necessidade de colocar em responsável por definir as diretrizes para a
marcha, de fato, um processo de Concepção Estratégica, as novas
transformação no EB, uma vez que
que, apenas capacidades do EB e os caminhos a serem
assim, seria possível alcançar os objetivos percorridos (RAMOS, GOLDONI, 2016).
estabelecidos (RAMOS,
AMOS, GOLDONI, 2016). O PROFORÇA,
RÇA, instituído pela Portaria
Em 2010, o órgão elaborou o nº 104, de 14 de fevereiro de 2011,
documento “Processo de Transformação do apresentou uma concepção para a evolução
Exército”, no qual foi estabelecido que as da Força Terrestre com um horizonte
ações para superação dos fatores críticos temporal delimitado,
delimitado inicialmente, para
seriam conduzidas a partir de 6 (seis) 2031 e metas intermediárias nos anos de
Vetores de Transformação: Doutrina
Doutrina; 2015 e 2022. Posteriormente, o marco
ma
Preparo e Emprego;; Educação e Cultura; temporal passou a ser 2035, conforme
Gestão dos Recursos Humanos
Humanos; Gestão ilustra a figura 11 (na página seguinte).
seguinte)
Corrente e Estratégica; Ciência & A elaboração do PROFORÇA contou
Tecnologia e Modernização do Material. com a consulta a especialistas civis e
A concepção dos Vetores de militares
res (nacionais e estrangeiros) e foi
Transformação foi essencial para orientar as pautada nos cenários prospectivos
ações e a evolução do processo de elaborados para o EB 2031,
203 pesquisas
transformação. Paralelamente
Paralelamente, foram científicas e documentos de exércitos
realizados estudos de caso sobre os amigos (BRASIL, 2011 apud RAMOS,
Exércitos da Espanha e do Chile
Chile, os quais GOLDONI, 2016).
permitiram identificar aspectos comuns aos

Natália Diniz Schwether


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142

Em sua segunda parte, o documento mecanizada, blindada e leve e tropas de


aborda a evolução dos conflitos armados e natureza especial; (4) desenvolvimento da
elenca algumas características fundamentais
undamentais capacidade de atuar no ciberespaço; e (5)
para atuação nesse cenário,, a exemplo dde: preparo com base em capacidades (SILVA,
(1) consciência
onsciência situacional, sensores e 2013).
redes; (2) enfoque
nfoque em conceitos; (3) À vista disso, as novas capacidades
estruturação
struturação de brigadas em configurações ensejadas pelo documento são apresentadas
na figura 12.
Figura 11
11: Etapas do processo de transformação

Figura 12: Capacidades PROFORÇA

Fonte: PROFORÇA, EB, Brasil, 2012.


Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021
143

Destarte, o Projeto orientou o processo estabelecidas na END pelo Ministério da


de transformação a partir dos Vetores de Defesa, em 2008, e entrelaçado com o
Transformação, os quais foram acrescidos SIPLEX, sendo, portanto, coerente tanto
em três: Engenharia; Logística
Logística; e com o ciclo orçamentário,
orçamentário quanto com as
Orçamento & Finanças. A partir disso, capacidades projetadas.
foram definidos os Projetos Estratégicos do Isto posto, esta
sta última seção se dedica a
Exército, indutores da transformação apresentar a entrevista12 conduzida com
(RAMOS, GOLDONI, 2016). oficiais13 responsáveis pela implementação
Em 2013, foi publicado, então, o da Seção Exército
xército do Futuro (Seç Ex Fut),
principal documento orientador do processo vinculada à 3ª Subchefia do Estado-Maior
Estado
de transformação do Exército, conhecido do Exército,, realizada com a pretensão de
como “Concepção de Transformação do registrarmos mais uma etapa do processo de
Exército 2013-2022”
2022” (BRASIL, 2013). transformação do Exército Brasileiro com
Destaca-se
se nesse documento, a importância foco no futuro.
de se transformar as Forças em razão das A Seç Ex Fut, implantada em 24 de
mudanças nas formas de conflito e de julho de 2020, possui como missão síntese
realização da guerra; entre elas citam-se a contribuir para a permanente evolução da
Guerra de Informação e os novos atores, Força e,, de maneira geral, para a construção
especialmente, os não estatais (DUARTE, do Exército Brasileiro do Futuro e para a
2018). evolução do Processo de Transformação da
O Projeto foi concebido com vistas a Força, a partir da formulação e orientação
três principais fases: preparação (até de normass e diretrizes. De forma mais
2015); coexistência (de
de 2015 a 2022) e específica suas
uas missões propostas são:
consolidação (a partir de 2022) (BRASIL, (1) aprimorar
primorar a integração com os
diversos órgãos da Instituição; (2)
2013). No decorrer dessas etapas
etapas, o estreitar
streitar a parceria estratégica com os
integrantes da tríplice hélice; (3) gerar
principal foco tem sido desenvolver as conceitos e capacidades, configurar
configura
capacidades nacionais para melhor realizar força e integrar os sistemas, assim
como acompanhar o desempenho das
as missões e, igualmente, fomentar a capacidades obtidas (FERNANDES,
SABBÁ, 2021).
sinergia entre a Força Terrestre e os dema
demais
As missões estão em linha com o
ramos das Forças Armadas (DUARTE,
aprovado no novo Regulamento do EME,
2018).
Diante dessa breve contextualização
12
histórica, verifica-se que o processo de A entrevista teve por base cinco perguntas, todas
relacionadas aos itens analisados na seção anterior
transformação do Exército,, em andamento, (antecedentes, planejamento, instituições,
investimento e parcerias).
está em sintonia com as premissas 13
Cel Inf Carlos Eduardo Lopes Fernandes e Cel
Cav Marcelo Goñes Sabbá de Alencar.

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
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publicado pelo Boletim do Exército Nº 24


24- de dois documentos orientadores - Entorno
A/2021, de 18 de junho de 2021, no qual se Operativo 2035 e Ambiente
Ambi Operacional
lê que a competência da 3ª Subchefia 2035.
relacionada à Seç Ex Fut corresponde aa:
Figura 13: Logotipo da Seç Ex Fut
realizar estudos, formular propostas,
coordenar e gerenciar, com participação
das demais Subchefias, dos ODS (órgãos
de direção setorial) e do ODOp (Órgão de
Direção
reção Operacional), as atividades sobre
os diversos domínios de interesse do EB
relacionados com o futuro da F Ter
(EME, Cap III, art. 9º, 2021)..

Assim, em continuidade ao que já foi,


até então, desenvolvido e formulado, por
meio de seus estudos, os entrevistados
percebem que, para a estruturação da
Fonte: Exército Brasileiro, 2021.
Seção:

[...] será necessário elaborar o No que tange aoo planejamento,


planejamento desde
Ambiente Futuro e a Concepção
Operativa Futura da Força Terrestre, o início dass atividades na recém-criada
bem como a atualização da
Concepção de Transformação do Seção, o foco está em cumprir tarefas
Exército, que nos indicarão as
capacidades necessárias para se como: identificar empresas e instituições,
contrapor aos desafios e as ameaças
em âmbito nacional, relacionadas ao tema;
(FERNANDES, SABBÁ, 2021).
identificar estruturas e trabalhos
Nesse sentido, pretendem, até o final desenvolvidos pelos Órgãos de Direção
do ano de 2022, elaborar e apresenta
apresentar novos Setorial e de Direção Operacional
documentos. Conforme discutido neste (ODS/ODOp) pertinente
pertinentes; analisar os
artigo, dos
os pontos de vista teórico e estudos já existentes no âmbito da Força;
empírico, entende-se tal iniciativa como avaliar as oportunidades
unidades e desafios
fundamental, uma vez que descrever e apresentados pelo Projeto Interdisciplinar
entender os problemas complexos
complexos, (PI) do Curso de Política, Estratégia e Alta
antecipar
ntecipar as mudanças do ambiente Administração do Exército (CPEAEx), de
operacional e desenvolver abordagens para 2019; pesquisar e analisar
an as estruturas
sua solução são os passos iniciais de um existentes em países referência no âmbito
adequado design. Preocupação
reocupação semelhante extrarregional e regional;
regional e, pesquisar as
foi observada nos
os Exércitos norte
norte- iniciativas das
as outras Forças.
Forças
americano e espanhol. Recorda--se que na Constata-se,
se, portanto, grande atenção
Espanha, houve, por exemplo, a elaboração e cuidado com a obtenção de conhecimento

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


145

de variadas fontes, internas e externas, de ainda sob avaliação, para a continuidade do


forma a preparar as atividades a partir de processo de transformação
transformação, apoiadas,
um arcabouço consistente. Complementam
Complementam- principalmente, nos
os antecedentes históricos
se as atividades realizadas, nesse último que dão sustentação a esse processo.
processo Assim,
ano, com: visitas ao Centro Tecnológico do prospectam-se
se três marcos principais:
principais o
Exército (CTEx) e à Agência de Gestão e primeiro deles constituir-se-á
constituir em uma
Inovação Tecnológica (AGITEC); análise diagnóstica; o segundo, no qual
apresentação
presentação do estudo e estruturação da novas capacidades serão buscadas e um
Seç Ex Fut ao Chefe do Estado
Estado-Maior e terceiro, em que se terá uma força mais
Oficiais-Generais do EME; inserção na robusta.
metodologia do Sistema de Planejamento A primeira etapa será a de
do Exército (SIPLEx); interação
nteração com o racionalização e Configuração de Força, na
Sistema de Defesa, Indústria e Academia de qual se priorizará o pensamento lógico e
Inovação (SISDIA); reuniões
euniões com os criativo e a definição de conceitos e
Generais
enerais de Exército, chefes dos diversos estratégias. Na sequência, na próxima etapa,
órgãos, com o objetivo de divulga
divulgar a Seção estarão em destaque as capacidades
e aprimorar os trabalhos; participação
articipação em necessárias para operacionalização das
seminários14, na criação do Planejamento ações e a disponibilização de algumas das
baseado em Capacidades e na atualização novas tecnologias. Já na terceira fase,
das Instruções Gerais para a Gestão do espera-se que a cultura e a educação tenham
Ciclo de Vida dos Sistemas e Materiais de caminhado paralelamente aos demais
Emprego Militar do EB. avanços, conquistando uma evolução
Ao longo desse período, foram dados doutrinária, calcada na mentalidade
os primeiros passos no ciclo de design inovadora.
(composto por quatro etapas: análise, Importante salientar que, embora haja
planejamento, atuação e avaliação), a proposta de definição de alguns marcos
principalmente, no que diz respeito às temporais,, o processo não é linear, as etapas
atividades de análise e ações pontuais, no ocorrem simultaneamente de maneira
estabelecimento de contatos e colaborações. cíclica. Neste percurso é certo que:
Ainda em relação ao planejamento,
“[...] o EB terá que investir para a
chamam a atenção propostas
ostas iniciais, e obtenção de suas capacidades e essas
estarão inseridas no Ciclo de Vida
dos sistemas. Além disso, uma
14
Seminário
eminário de Defesa Cibernética (tema: A Guerra característica
rística vislumbrada para a
do Futuro e a Seção Exército do Futuro) no Seção
eção será a elaboração de diversos
Comando de Defesa Cibernética e no II Simpósio de projetos conceituais que deverão
Defesa AntiSARP (tema: a Seção Exército ddo surgir de acordo com as necessidades
Futuro) na Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea
Antiaérea. apontadas nos documentos básicos e

Natália Diniz Schwether


Vol 21 (3) Jun/Ago2021
146

nas interações com os diversos atores


atores” assimétricas, incluindo armas A2/AD,
(FERNANDES, SABBÁ, 2021).
cibernéticas, eletrônicas e mísseis de
De antemão, podem ser citadas precisão.
algumas das tecnologias de possível No que diz respeito ao desenho
interesse, já mapeadas pela Seç Ex Fut, a institucional da Seç Ex Fut, arquiteta-se
saber: Armas/Munições Inteligentes;
nteligentes; Big uma reorganização à semelhança do
Data;; Bioengenharia e Biotecnologia; realizado por países como Estados Unidos e
C4/ISR; Computaçãoo Quântica; Defesa Israel, os quais passaram por alterações
alt em
Antiaérea e Defesa Antimíssil;
ntimíssil; Defesa seus organogramas de forma a melhor
Cibernética; Defesa QBRN; Domínio incorporar e atender às
à demandas futuras.
Informacional; Drones e A
Antidrones; Por fim, os responsáveis pela Seção
Energia Dirigida;
irigida; Guerra Eletrônica; foram questionados em relação às parcerias
Impressão 3D; Inteligência Artificial; já estabelecidas ou que se planejam
Internet das Coisas de Batalha; Letalidade e estabelecer e três pontos se destacaram: (1)
Proteção do Combatente
ombatente Individual; pontes com o Sistema de Defesa, Indústria e
Missilística (hipersônica); Nanotecnologia; Academia de Inovação (SISDIA);
(SISDIA) (2)
Robótica; Simulação e Simuladores;
imuladores; contatos com os oficiais de ligação do EB
Sistemas de Informação, de L
Localização em diversos países para organização de
(GPS) e Telecomunicações;
elecomunicações; Sistemas futuras viagens de aprofundamento; e (3)
A2/AD; Tecnologias da Informação e criação da Rede Exército do Futuro, à qual
Veículos Autônomos. serão integrados
ados diversos atores da
Algumas dessas tecnologias já estão Academia e da Indústria.
ndústria.
em desenvolvimento pelo próprio E
Exército Identifica-se,, desse modo, tal qual nos
e outras ainda carecem de maiss análise a demais países estudados, a fundamental
respeito de seu real emprego no ambiente consciência da relevância de um
futuro,, em concordância com os pensamento compartilhado por diferentes
documentos que serão elaborados, para setores da sociedade, bem como já se
priorização daquelass mais adequadas à idealizam atitudes em prol de um
Força Terrestre. pensamento conjunto e em rede.
No entanto, não se pode deixar de
notar que muitas das tecnologias levantadas
6. Conclusões
estão em sincronia com o proposto por esse
Destarte, frente a um ambiente futuro
artigo, no diagnóstico do ambiente futuro,
volátil, incerto e ambíguo e um espaço de
destacando a importância de se desenvolver
batalha amplo, com a inserção de novos
capacidades com foco em abordagens

Natália Diniz Schwether Vol 21 (3) Jun/Ago2021


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atores, estatais e não-estatais,


estatais, meios e Desta feita,, espera-se
espera que esse estudo
capacidades, no qual se destaca a não seja um passo a mais na concepção e na
linearidade do confronto, é imprescindível construção daa importante estrutura de
uma nova metodologia
todologia de concepção Força,
orça, tanto no que diz respeito aos seus
operativa do Exército,, a qual leve em conta aspectos mais técnicos quanto práticos.
práticos Da
o pensamento crítico e criativo, a mesma maneira,, objetiva-se
objetiva estimular a
colaboração e o diálogo, a avaliação do produção de outras análises que agreguem
ambiente operacional e a formulação do aos esforços aqui realizados e somem ao
problema e da abordagem operativa
operativa. nosso futuro.
A partir dessa perspectiva
perspectiva, esse
estudo apresentou e comparou três distintos
desenhos de força elaborados por Referências
importantes países do cenário internacional
internacional,
BANACH, Stefan J.; Alex Ryan. The Art of
com vistas ao seu futuro,, permitindo Design:: A Design Methodology. Military
Review. March-April
April 2009.
conhecer o que de mais importante há em
cada um dos projetos, para além de BRASIL. Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro
de
de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de
estabelecer relações entre eles, a exemplo Defesa. Brasília, 2008.
dos marcos temporais estabelecidos, dos
BRASIL. PROFORÇA: Projeto de Força do
novos organogramas e das
as principais Exército Brasileiro. Brasília, 2011. Disponível
em:
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combate futuro. ile?uuid=b8fd062b-d6c0
d6c0-431f-a931-
1d7ad6facccc&groupId=1094704.
groupId=1094704. Acesso em:
A análise e a reflexão deram
ram passagem, ago. 2021.
ao final, a uma abordagem específica do BRASIL. Concepção de Transformação do
caso brasileiro, retomando alguns Exército Manual Eletrônico, 2013.

importantes marcos do processo de CARDON, Edward; LEONARD, Steve.


Unleashing Design: Planning and the Art of
transformação do Exército, por meio de
Battle Command. Military Review,
Review 2010.
uma valiosa entrevista, realizada com os
COHEN, R.; N. Chandle; S. Efron; Ef B.
integrantes
ntes da Seção Exército do Futuro no Frederick; E. Han; K. Klein; F. Morgan; A.
Brasil, a partir da qual foi possível Rhoades; H. Shartz; Y. Shokh. The Future of
Warfare in 2030:: project overview and
identificar os principais avanços obtidos em conclusions. Rand Corporation, 2020.
seu primeiro ano de funcionamento, além OTAN (Organização do Tratado do Atlântico
de estabelecer paralelos com a teoria, com a Norte). Framewor for Futere Alliance
Operations, 2018.
conjuntura e com os casos anteriormente
apresentados em cada uma das seções que
compuseram esse artigo.

Natália Diniz Schwether


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Quartel-General do Exército,
Bloco A,70630-970, Brasília-DF
(61) 3415-4597/ ceeex@eme.eb.mil.br ISSN: 2525-457X
Facebook: www.facebook.com/ceeexeb Vol 21 (3) Jun/Ago 2021

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