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REVISTA

ANÁLISE
ESTRATÉGICA
Transformações Emergentes nos Conflitos Contemporâneos: Implicações Éticas e
Desafios para a Capacitação dos Militares
Maj Daniela Schmitz Wortmeyer

A liderança estratégica como fenômeno transformacional


Cel R1 Luiz Carlos Tomaz Silva

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às demandas da Defesa Nacional


Cel Wellington Costa Prates et al.

Disputa hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do tabuleiro internacional:


entre a ideologia e o pragmatismo
Cel R1 Guilherme Otávio Godinho de Carvalho

Vol 23 n. 1 Dez/Fev 2022


REVISTA

ANÁLISE
ESTRATÉGICA

Vol 23 n. 1 Dez/Fev 2022


Análise Estratégica. Ano 6. N º 1. Dez/Fev 2022. Brasília. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército.
Centro de Estudos Estratégicos do Exército. 115 p. ISSN: 2525-457X (Referente à publicação digital)

CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DO EXÉRCITO ANÁLISE ESTRATÉGICA


O Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) é Análise Estratégica é uma publicação trimestral do

subordinado ao Estado-Maior do Exército e foi criado Centro de Estudos Estratégicos do Exército dedicada

pela Portaria n º 051-EME, de 14 Jul 03, para estudar e aos temas que impactam a preparação da Força

propor políticas e estratégias organizacionais. Terrestre e a Defesa Nacional. Contém artigos

preparados pelos pesquisadores do CEEEx.

EQUIPE
CONSELHO EDITORIAL
CHEFE
Cel Inf Andrelúcio Ricardo Couto
Cel Inf Andrelúcio Ricardo Couto
Cel Inf Marcelo Ambrósio

Cel R1 Ênio Moreira Azzi


ANALISTAS
Cel R1 Sylvio Pessoa da Silva
Cel Inf Marcelo Ambrósio
Cel R1 Guilherme Otávio Godinho de Carvalho
Cel Inf Carlos Gabriel Brusch Nascimento
Cel R1 Paulo Roberto da Silva Gomes Filho
Cel R1 Guilherme Otávio Godinho de Carvalho
Cel QCO Oscar Medeiros Filho

Ten Cel QCO Selma Lucia de Moura Gonzales


COORDENAÇÃO DE PESQUISA
Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão

Cel QCO Oscar Medeiros Filho

Ten Cel QCO Selma Lucia de Moura Gonzales REVISÃO


Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão

ADJUNTA DE EDITORAÇÃO E PUBLICIDADE


PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão
Cel QCO Oscar Medeiros Filho

Cap QCO Célia Regina Rodrigues Gusmão


ADJUNTA DE INFORMÁTICA
2 º Ten OTT Regina Oliveira Rossi DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Quartel General do Exército – Bloco A – 1 º andar
ADMINISTRATIVO 70630-091 – Setor militar Urbano – Brasília/DF

2 º Ten QAO Anderson Pereira da Cruz Telefone: (61) 3415-4597

ceeex@eme.eb.mil.br

FOTO DA CAPA: Quartel General do Exército, por Disponível em PDF na página eletrônica:

Raphaella Godoy (Foursquare). www.ceeex.eb.mil.br

FIGURAS E TABELAS ELABORADAS: Cap Célia via


Canva.com
Análise Estratégica. Ano 7. N º 1. Dez/ Fevereiro 2022.
Brasília. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército.

Centro de Estudos Estratégicos do Exército. 115 p.

ISSN: 2525-457X (Referente à publicação digital)


SUMÁRIO

5 EDITORIAL

Transformações Emergentes nos


O CENTRO DE ESTUDOS

7

Conflitos Contemporâneos: ESTRATÉGICOS DO EXÉRCITO

Implicações Éticas e Desafios para a

Capacitação dos Militares (CEEEX) FOI CRIADO EM 2003,

Major Daniela Schmitz Wortmeyer ORIGINALMENTE JUNTO À

VICE-CHEFIA DO EME.

A Liderança estratégica como EM 2009, O CEEEX PASSOU A



fenômeno transformacional
27
INTEGRAR A 7ª SUBCHEFIA DO

Coronel R1 Luiz Carlos Tomaz Silva EME, ENCARREGADA DOS


ASSUNTOS DE POLÍTICA E

ESTRATÉGIA DO EXÉRCITO.


ENTRETANTO, COM A
Estratégias da Presença e da

EXTINÇÃO DAQUELA

43

Dissuasão face às demandas da SUBCHEFIA, O CENTRO

Defesa Nacional PASSOU A INTEGRAR A 3ª SCH

Coronel Wellington Costa Prates et

al. DO EME.

COM O PROJETO DE
REATIVAÇÃO DA 7ª SCH,

Disputa hegemônica, fatores


93 PUBLICADO NA PORTARIA Nº
ideacionais e reconfiguração do
tabuleiro internacional: entre a 653, DE 17 DE FEVEREIRO DE
ideologia e o pragmatismo 2022 (BOLETIM DE EXÉRCITO
Coronel R1 Guilherme Otávio N° 7-A, DE 18 FEV 2022), O
Godinho de Carvalho CEEEX VOLTOU FAZER PARTE
DA 7ª SUBCHEFIA DO EME.

Fotografado por
Felix Martins
WWW.CEEEX.EB.MIL.BR
Os textos publicados pelo Centro de Estudos Estratégicos do
Exército (CEEEx) são de caráter acadêmico e abordam
questões relevantes da conjuntura nacional e internacional de
interesse do Exército.
Os trabalhos são produzidos por analistas civis e militares e
estudiosos de diversas áreas.
As opiniões emitidas são de exclusiva responsabilidade dos
autores e não representam a posição oficial do Exército. O
objetivo é contribuir para o debate de grandes temas
nacionais e internacionais, com ênfase àqueles que impactam
a Defesa.
É permitida a reprodução dos textos e dos dados nele contidos,
desde que citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas.
EDITORIAL
Prezados leitores,

A Revista Análise Estratégica publica textos elaborados pelos

pesquisadores do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEP), relativos às

agendas de pesquisa desenvolvidas em cada ciclo. Neste volume,

excepcionalmente, apresentamos artigos elaborados por pesquisadores

militares convidados.

O primeiro texto, escrito pela Major QCO Daniela Schmitz Wortmeyer, do

Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, intitula-se

"Transformações Emergentes nos Conflitos Contemporâneos: Implicações

Éticas e Desafios para a Capacitação dos Militares". A autora aborda

alguns dos desafios decorrentes das transformações emergentes nos

conflitos contemporâneos, considerando a evolução do emprego militar

da tecnologia, as mudanças estratégicas, organizacionais e do perfil dos

participantes dos conflitos, ao lado das implicações éticas e humanas

dessas transformações, com ênfase nos desdobramentos referentes às

necessidades de capacitação dos militares.

O segundo texto, escrito pelo Coronel R1 da Arma de Engenharia Luiz

Carlos Tomaz Silva, intitula-se "A Liderança Estratégica como fenômeno

transformacional". O objetivo desse artigo é identificar a liderança

estratégica como um fator determinante para as transformações das

instituições e das sociedades e, de modo particular, das instituições

militares.

O terceiro texto, "Estratégias da Presença e da Dissuasão face às

demandas da Defesa Nacional", é fruto do Projeto Interdisciplinar do

Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx)

de 2021. Foi elaborado de forma conjunta e teve como redator o Coronel

Wellington da Costa Prates. Além da análise da Concepção das

Estratégias da Presença e da Dissuasão, também aborda desafios futuros

e consequentes impactos nessas estratégias prioritárias do Exército

Brasileiro (EB). Ademais, apresenta como as estratégias mencionadas

têm sido desenvolvidas no Brasil e em outros países, dentre outros

aspectos, para finalizar o texto com indicações e recomendações ao EB,

referentes ao tema abordado.

O quarto texto, escrito pelo Coronel R1 da Arma de Artilharia Guilherme

Otávio Godinho de Carvalho, analista do CEEEx, intitula-se "Disputa

hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do tabuleiro

internacional: entre a ideologia e o pragmatismo". O artigo tem por

objetivo analisar a tendência de modelagem minilateral das relações de

segurança na Ásia Indo-Pacífico, sob enfoque da competição sino-

estadunidense.

Para o aprimoramento do conteúdo de nossa publicação, propostas de

colaboração e sugestões de temas de pesquisa podem ser enviadas ao

e-mail: ceeex2015@gmail.com.

Boa leitura!
Conselho Editorial
O CEEEx produz estudos de
temas de interesse e faz
análise de cenários que
servem como suporte ao
planejamento da Força.
Assim, procura responder
com eficácia e efetividade
aos desafios ditados pela
evolução da conjuntura e pela
mutação dos ambientes.
Igualmente, objetiva orientar
as decisões presentes, com
vistas à construção de
trajetórias para o Exército na
direção do futuro desejado.
A presença de pesquisadores
civis no CEEEx possibilita uma
visão mais abrangente das
questões de Defesa,
proporcionando outros
pontos de vista e enfoques da
sociedade.

1. Introdução ao emprego das forças armadas e ao perfil


profissional dos militares.
Em 1990, durante a guerra do Kuwait,
meus legionários e eu usamos o
Nesse cenário, ressaltam-se a
Modafinil, uma droga experimental para emergência, a convergência e a disseminação
melhorar a percepção, mas alguns anos
depois tivemos um debate sobre a de novas tecnologias, em campos como
síndrome do Golfo. Além disso, no
Afeganistão e no Mali, vi as robótica, inteligência artificial, manufatura
consequências dos óculos de visão nos
atiradores e nos artilheiros de mísseis aditiva e nanoenergética (HAMMES, 2016),
mais vulneráveis ao transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT). Até
que têm alterado vertiginosamente as
mesmo o piloto do drone que mora nos características dos meios utilizados em
EUA é sensível ao TEPT. Parece que os
óculos de visão abrem uma janela de conflitos armados, implicando a necessidade
fraqueza no espírito, através da qual o
espectro da morte pode acessar do desenvolvimento de novas capacidades
diretamente a alma humana. Mais
frequentemente, os soldados nunca se militares. Verifica-se, ainda, a expansão do
recuperam totalmente desse dano
invisível1.
uso da tecnologia em intervenções diretas
(General Christian Thiébault2) sobre o organismo humano, por meio de
substâncias farmacológicas, implantes e
As transformações políticas, sociais, cirurgias (antropotecnologia) e da criação de
tecnológicas e culturais vivenciadas pelos sistemas homem-máquina (hibridização), com
grupos humanos se refletem, também, na o intuito de amplificar a efetividade dos
forma e nos meios utilizados para administrar combatentes para além dos limites biológicos
conflitos, exercer poder e, no limite, conduzir da espécie humana (BOISBOISSEL, 2019a).
guerras. No contexto contemporâneo, Ao lado da acelerada evolução das
vislumbra-se crescente sofisticação e táticas e meios utilizados em combate,
complexidade nessas relações, com o verificam-se significativas mudanças na
transbordamento das questões atinentes à forma de gerir conflitualidades e no perfil dos
segurança para múltiplas dimensões, atores que participam desse processo. Os
desafiando concepções tradicionais referentes conflitos atuais têm se caracterizado pela
atenuação das fronteiras entre guerra e paz,
1 No original: “In 1990, during the war of Kuwait, my
legionnaires and I used Modafinil, an experimental drug to envolvendo a utilização combinada de redes
increase awareness, but some years after we had a debate
about the Gulf syndrome. Furthermore, in Afghanistan and in políticas, econômicas, sociais e militares,
Mali, I have seen the consequences of vision goggle on the
snipers and the missile gunners more vulnerable to the Post assim como de campanhas de comunicação
Traumatic Stress Disorder PTSD. Even the drone’s pilot
living in the US are sensible to the PTSD. It seems that vision estratégicas, que visam a atuar
goggles open a weakness window in the spirit through which
the spectre of death could access directly the human soul. prioritariamente na dimensão psicológica dos
More often, soldiers never fully recover from this invisible
damage”. (THIÉBAULT, 2019, p. 6). oponentes. Dessa forma, atores estatais
2 Ex-chefe de gabinete da missão da ONU em Mali
(MINUSMA), Instituto de Gestão para Segurança interagem com atores não estatais, os quais
Internacional (THEMIIS).

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revelam características e motivações variadas, o transtorno de estresse pós-traumático,


por vezes, priorizando a lealdade a causas em mencionado na epígrafe deste texto, constitui
detrimento da lealdade a identidades uma dramática faceta que requer atenção e
nacionais (HAMMES, 2007; MONTEIRO, proatividade das lideranças nos diversos
2017; VISACRO, 2020). níveis organizacionais.
Tais transformações, ao passo que Neste artigo, discutirei alguns desses
desafiam concepções político-estratégicas e desafios, buscando estabelecer relações entre
formas de emprego militar tradicionais, as transformações emergentes nos conflitos
acarretam profundos impactos sobre a atuais, considerando: o impacto da tecnologia
subjetividade humana. Seres humanos não são no emprego militar; as mudanças estratégicas
máquinas, que se ajustam acrítica e e organizacionais, assim como o perfil dos
insensivelmente a novas programações, mas participantes dos conflitos; e as implicações
criaturas dotadas de discernimento, princípios éticas e humanas decorrentes dessas
e valores, alicerçados em um conjunto de transformações, com ênfase nas necessidades
significados e disposições afetivas de capacitação dos militares. Por fim,
relacionados à sua atuação no mundo. A assinalarei alguns desafios para atuação das
alteração de meios, concepções e contextos de lideranças, no tocante à promoção de
atividade exige o desenvolvimento de novos transformações na cultura organizacional, de
recursos psicológicos, a fim de possibilitar a modo a assegurar a efetividade militar no
interpretação e a adaptação diante de novas presente e no futuro. Longe de pretender
realidades. esgotar essa ampla temática, o presente
Ademais, imbricada a toda ação trabalho tem como principal objetivo oferecer
humana reside a dimensão ético-moral, a qual ao leitor um panorama de estudos e
persiste ainda que a automatização dos discussões atuais nesse campo, instigando a
conflitos atinja seu auge. Diferentemente do reflexão, a pesquisa e o debate colaborativo.
que se poderia imaginar, o ultrassofisticado
uso da tecnologia não diminui o envolvimento 2. O avanço da tecnologia em
humano. Ao contrário, implica a necessidade operações militares e suas
implicações éticas
de ampliado desenvolvimento de capacidades
cognitivas, emocionais e morais para fazer O acelerado avanço da tecnologia em
frente aos novos meios e à complexidade dos campos como robótica, inteligência artificial
cenários em que ocorrem as ações. A (IA), manufatura aditiva – também conhecida
aumentada incidência de quadros de como impressão 3D – e nanoenergética tem
sofrimento psicológico, como a lesão moral e possibilitado sua convergência no sentido do

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desenvolvimento de meios militares com importante considerar que determinadas


dimensões reduzidas, maior poder destrutivo informações cruciais podem ser acessíveis
e maior efetividade, a custos cada vez somente por meio da sensibilidade humana,
menores (HAMMES, 2016). ligada à percepção de aspectos qualitativos
Da ampla gama de meios presentes na situação concreta em foco. A
tecnológicos com aplicação militar, destaco pesquisadora alerta sobre a tomada de decisão
dois desdobramentos que atualmente vêm baseada exclusivamente no processamento de
suscitando discussões quanto às suas dados quantitativos por um sistema, pois pode
implicações éticas: a utilização de sistemas acarretar grandes riscos, especialmente em se
autônomos e a de intervenções diretas sobre o tratando de decisões sobre vida e morte.
organismo humano. Nessa esteira, de acordo com Bock
(2014), atualmente em torno de sessenta
Em relação aos sistemas autônomos,
países estão trabalhando em sistemas
estes envolvem o uso de IA, por meio de
autônomos letais. Nesse contexto, robôs
complexos sistemas informatizados que
combatentes, mediante softwares de
procuram reproduzir capacidades inerentes à
reconhecimento ótico, podem ser empregados
inteligência humana, como o registro e a
desde o rastreamento até o engajamento
análise de dados oriundos do ambiente, o
automático de alvos (HAMMES, 2016).
processamento de informações para tomada
Como analisa Kempf (2021), a questão
de decisão e a aprendizagem a partir de
principal reside em se haverá um ser humano
interações prévias. A associação da IA à
inserido na cadeia decisória, para “apertar o
robótica vem possibilitando o
botão” e emitir um disparo fatal. Por mais que
desenvolvimento de máquinas “inteligentes”,
se aperfeiçoem tais sistemas, o estudioso
as quais, no campo militar, têm sido
ressalta a problemática da atribuição de
empregadas em atividades como
“autonomia” da decisão final, especialmente,
reconhecimento, vigilância, comunicações e
diante de resultados imprevistos ou
identificação de alvos (HAMMES, 2016).
indesejáveis. Assim, no caso de o emprego de
A principal discussão nessa área se
um sistema autônomo letal conduzir a um
refere ao grau de aplicação e de autonomia
resultado desastroso, quem responderá, legal e
que pode ser conferido a tais sistemas. French
moralmente, pelas consequências? Serão os
(2021) observa que, embora a IA tenha
responsáveis por sua programação? Serão os
capacidade de processar numerosos dados
que legitimaram doutrinas e regulamentos
rapidamente, está sujeita a vieses na
ligados ao uso de tais meios? Os envolvidos
interpretação das informações. Quando
no planejamento da operação? Ou aqueles que
utilizada em sistemas de apoio à decisão, é

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decidiram pelo emprego dos sistemas em uma A vertente conhecida como


situação específica? A discussão é complexa e antropotecnologia engloba a utilização de
parece ainda estar longe de um técnicas invasivas e não-invasivas, como o
encaminhamento satisfatório, como uso de substâncias farmacológicas, implantes
exemplifica a manifestação contrária à e cirurgias. Para citar alguns exemplos
utilização de robôs combatentes, ocorrida em ilustrativos de cada uma dessas aplicações,
2019, em Berlim, conforme figura 1. dentre os diversos relatados por Boisboissel
Em relação ao uso da tecnologia em (2019b), cabe mencionar uma nova substância
intervenções diretas sobre o organismo psicoestimulante que permite aos combatentes
humano, estas podem ter como objetivo a atuação por 72 horas, com incremento da
fortalecer ou otimizar as capacidades atividade intelectual, possibilitando melhor
cognitivas dos combatentes, auxiliando na análise cognitiva da situação e aumento da
percepção e na tomada de decisão, assim vigilância. Porém, após esses três dias, há
como em suas capacidades físicas, grande risco de o indivíduo deixar
auxiliando-os a “durar na ação”, ou, ainda, imediatamente de estar operacional, seguindo-
permitir a aquisição de novas capacidades, se um período de incapacitação por vários
como a visão noturna, seja em caráter dias, além de uma série de efeitos adversos.
temporário ou permanente (BOISBOISSEL, Portanto, a utilização dessa substância
2019a). necessita ser efetuada de forma muito

Figura 1: Protesto de ativistas da Campaign to Stop KillerRobots

Fonte: https://www.theguardian.com/science/2021/jan/26/us-has-moral-imperative-to-develop-ai-weapons-says-
panel

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criteriosa, sendo recomendada apenas em automática de seus sinais cerebrais seja


missões com características específicas. transmitida ao equipamento utilizado,
Em relação aos implantes, existem traduzindo-se em comandos diretos ao
alternativas menos invasivas, como a sistema e em aceleração das respostas diante
utilização de chips subcutâneos, que de situações complexas e imprevisíveis no
permitem a geolocalização dos combatentes campo de batalha (BOISBOISSEL, 2019a).
durante uma missão. Há, ainda, a Trata-se dos “soldados-ciborgues”
possibilidade de serem implantadas antecipados pela ficção científica, que
microcápsulas com proteção cibernética, que atualmente constituem uma realidade factível,
liberam automaticamente uma fórmula como evidenciado no relatório Cyborg Soldier
personalizada de cortisol para reduzir o 2050: Human/Machine Fusion and the
estresse, assim que a frequência cardíaca Implications for the Future of the DoD
máxima de cada indivíduo é atingida. (Soldado Ciborgue 2050: Fusão Homem-
Alternativas mais invasivas são Máquina e suas Implicações para o Futuro do
exemplificadas pelos implantes de cóclea e de Departamento de Defesa), publicado nos
retina, que visam aumentar, respectivamente, Estados Unidos em outubro de 2019 (U.S.
a capacidade auditiva e visual dos ARMY COMBAT CAPABILITIES
combatentes. Em relação às cirurgias, tem DEVELOPMENT COMMAND, 2019).
sido realizada, por exemplo, uma operação Com base nos exemplos aqui
irreversível de córnea, no intuito de sumariamente apresentados, pode-se observar
“aprimorar” o organismo de observadores, que alguns tipos de intervenção sobre o
atiradores e paraquedistas para a realização de organismo humano implicam alterar os
suas atividades, resultando no aumento de sua limites biológicos da própria espécie,
capacidade visual em torno de vinte por cento resultando em modificações substanciais na
(BOISBOISSEL, 2019b). compreensão que o ser humano possui de si
Outra vertente, conhecida como mesmo (FISCHER, 2019). Tais mudanças
hibridização, refere-se à criação de sistemas possuem implicações éticas e legais no
homem-máquina, em que uma interface tocante aos direitos individuais, à
artificial direta entre o combatente e os meios configuração da estrutura organizacional das
de emprego militar é produzida, por meio de forças militares, às relações entre os diversos
implantes passivos ou ativos. Ou seja, os atores no campo de batalha e, mais além, às
militares são diretamente conectados aos seus consequências da reintegração de tais
sistemas de armas via interface neural, de indivíduos artificialmente “aperfeiçoados” no
modo que uma análise e transcrição contexto civil.

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Cabe mencionar, ainda, a armadas de modo abrangente e a sociedade


necessidade de considerar os efeitos da como um todo. Ele defende que as
utilização de tecnologias no tocante ao considerações éticas devem ser integradas
aumento da incidência de variados quadros de desde o início do processo de formulação de
sofrimento psicológico, como o transtorno de políticas nas instituições:
3
estresse pós-traumático e a lesão moral .
Além disso, na medida em que determinadas A ética deve ser integrada desde o início,
não adicionada como um parágrafo
intervenções sobre o organismo provocam simbólico no final. O momento de maior
influência potencial é quando as políticas
uma “anestesia” da capacidade de empatia ainda estão sendo debatidas e decididas.
dos indivíduos – como, por exemplo, o uso de Uma vez que elas se tornem gravadas na
pedra, pode ser difícil ou impossível
certas substâncias farmacológicas – verifica- mudá-las. (THOMAS, 2019, p. 164,
tradução nossa)
se como consequência o recrudescimento da
violência e da agressividade, direcionadas, Mais além, Hammes (2007, 2016)
inclusive, aos próprios companheiros de farda observa que, atualmente, a utilização
e a civis, assim como o aumento de incidência convergente de novas tecnologias vem se
de condutas antiéticas (RUFFO DE tornando acessível às entidades políticas cada
CALABRE, 2019). vez menores, que adquirem capacidades
Portanto, as possibilidades anteriormente restritas às grandes potências.
contemporâneas de emprego militar da Grupos de dimensões reduzidas ou mesmo
tecnologia apresentam implicações que indivíduos podem gerar impactos de
ultrapassam considerações pragmáticas e proporções mundiais, configurando um
imediatas sobre a efetividade militar. Como cenário extremamente desafiador para a
4
destacou John Thomas , Presidente da segurança das nações. Assim, é importante
Sociedade Internacional de Ética Militar na observar que, além de mudanças nos meios e
Europa (EuroISME), ao discutir o tema táticas, há transformações mais amplas em
evidencia-se que não se trata apenas de curso, ligadas às dimensões estratégicas e
ciência, lei ou biomecânica, mas de questões organizacionais, assim como às próprias
éticas cujo desdobramento se estende muito características dos participantes dos conflitos,
além do indivíduo, alcançando as forças como será abordado a seguir.

3 A lesão moral, mais conhecida pela expressão em inglês


Moral Injury, constitui um quadro de sofrimento psicológico
intenso relacionado a sentimentos profundos de culpa,
vergonha e/ou raiva causados por uma violação de crenças e
expectativas morais profundas, das quais o sofredor pode ter
sido a vítima, testemunha ou perpetrador (MOLENDIJK,
2022).
4 Air Commodore (Res.) da Royal Air Force.

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3. A complexidade dos conflitos e cinzenta abaixo do limite da força


armada, enquanto ao mesmo tempo
seus impactos sobre a capacitação fornece assistência aos insurgentes. Ela
dos militares descreve o entrelaçamento de meios
militares e civis, a confusão entre guerra
e não guerra. (BOCK, 2015, p. 2,
O transbordamento das questões de tradução nossa)

segurança nacional para múltiplos campos do


poder vem sendo extensamente discutido em Tem sido frequente, ainda, a

nossos tempos, fundamentando a defesa de referência ao conceito de Guerra de Quarta

uma concepção sistêmica e multidimensional Geração:


Guerras da Quarta Geração utilizam
de segurança (VISACRO, 2020). todas as redes disponíveis ― políticas,
Trata-se de uma mudança econômicas, sociais e militares ― para
convencer os líderes inimigos
estratégica, ligada a cenários em que atores responsáveis pelas decisões políticas de
que seus objetivos estratégicos são
estatais e não estatais utilizam os recursos de inalcançáveis ou demasiadamente
custosos quando comparados aos
que dispõem para exercer impacto nos benefícios percebidos. Trata-se de um
modo avançado de insurgência.
campos político, econômico, social e militar, (HAMMES, 2007, p. 17, tradução nossa)
visando a influenciar a opinião pública e as
Em tais cenários, mais do que em
lideranças responsáveis pela tomada de
tempos precedentes, o espírito humano se
decisão de modo favorável aos seus objetivos.
torna a principal arena em que são travados os
Tais contextos têm implicado o
combates: alcançar corações e mentes,
entrelaçamento das funções militares a um
promover a internalização de valores
espectro mais amplo de atuação e o
convergentes com os objetivos de grupos e
esbatimento das fronteiras entre cenários de
instituições específicos, canalizar vontades e
guerra e paz (BOCK, 2015; HAMMES, 2007;
interesses, enfim, engendrar uma
MONTEIRO, 2017).
transformação cultural torna-se o principal
Cabe revisitar alguns conceitos
objetivo a ser atingido, uma vez que traz
que vêm sendo empregados na análise das
como corolário todos os demais objetivos.
concepções estratégicas emergentes na
Para tanto, mais do que operações de
contemporaneidade, como, por exemplo, o de
informação, são utilizadas campanhas de
Guerra Híbrida:
comunicação habilmente confeccionadas,

Guerra híbrida ― esta é uma moldadas de acordo com os novos meios de


combinação de operações encobertas e comunicação - como celular e Internet - e os
abertas, de medidas políticas e
econômicas, de operações de informação novos padrões sociais. Como aponta Hammes
e propaganda, de subversão e ataques
cibernéticos, e mesmo de assistência (2007): “Insurgentes eficazes desenvolvem
militar e desdobramento encoberto de
forças especiais. A guerra híbrida seus planos ao redor de uma campanha de
frequentemente opera em uma área

Transformações emergentes nos conflitos contemporâneos Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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comunicações estratégicas elaborada com o não raro, entram em conflito mútuo, uma vez
objetivo de alterar a visão que seus inimigos que tenham alcançado seu objetivo em
têm do mundo” (p. 17, tradução nossa). comum. Torna-se frequente a associação de
Portanto, a meta é alterar a grupos insurgentes de motivações ideológicas
percepção, canalizando processos afetivos e com grupos criminosos, inclusive como
cognitivos e, em última análise, modificando fontes de financiamento de suas atividades. A
a visão de mundo do outro, de maneira a lealdade a causas, cuja divulgação se
reduzir ou eliminar a resistência a potencializa por meio da Internet, tem tomado
determinadas linhas de ação. Tal foco o lugar da lealdade a nações, por vezes
psicológico dos conflitos, por vezes contribuindo para a configuração de grupos
denominado guerra de informação, guerra de dispostos a ações extremas em prol de seus
narrativas ou guerra cultural, tem recebido objetivos (HAMMES, 2007; MONTEIRO,
maior atenção recentemente. Entretanto, 2017).
conforme analisa Ugleva (2021), sua Em relação aos atores não estatais
priorização como objeto de estudo e presentes na dinâmica dos conflitos
intervenção sistemática por determinados contemporâneos, é importante mencionar,
atores tem ocorrido, pelo menos, desde a além dos grupos insurgentes, a proliferação de
Primeira Guerra Mundial. companhias militares privadas por todo o
Ao lado dessa mudança estratégica, mundo, cujo emprego não se enquadra nas
verifica-se uma mudança organizacional disposições normativas que regulam a atuação
contínua e global, com a substituição das de forças armadas convencionais (HAMMES,
organizações hierárquicas por organizações 2007).
em rede. Na esteira da transformação das Além disso, a tendência de concentração dos
estruturas sociais como um todo, grupos combates atuais em ambientes urbanos
insurgentes por todo o mundo organizam-se acrescenta complicadores adicionais ao
em redes transnacionais e mesmo emprego militar, considerando a presença de
transdimensionais, combinando ligações infraestruturas críticas e, principalmente, os
físicas e virtuais entre seus integrantes riscos que representam às populações civis, as
(HAMMES, 2007). quais podem ser envolvidas de diferentes
As características de tais grupos formas nas conflitualidades (KASHNIKOV;
também vêm se alterando de modo cada vez ZEITH; KILPATRICK, 2021), como
mais complexo, envolvendo motivações evidencia a dramática situação humanitária
diversificadas e eventual formação de em torno dos continuados conflitos na Síria,
coalizões de interesses, que se dissolvem e, conforme figura 2.

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Todos esses aspectos, aqui apenas Além de adquirir competências ligadas à


esboçados de forma sumária, configuram um utilização de diferentes meios tecnológicos na
panorama de emprego militar caracterizado atividade militar, trata-se de construir
pela complexidade, dinamismo e conhecimentos mais abrangentes relacionados
imprevisibilidade, no qual se verifica a ao emprego das novas tecnologias. Isso
coexistência de formas convencionais e não implica desenvolver novas capacidades de
convencionais de guerra, envolvendo a pensamento crítico no tocante às
interação de múltiplos atores com motivações possibilidades e limites, considerando
diversas. Evidentemente, as novas aspectos técnicos, humanos e éticos.
configurações de emprego militar acarretam Em segundo lugar, destaca-se a
necessidades diferenciadas de capacitação dos crescente demanda por maior flexibilidade
militares, especialmente das lideranças em cognitiva e afetiva dos profissionais. Além
potencial, visando a fazer frente às múltiplas de desenvolver competências, valores e visões
dimensões dos desafios emergentes. de mundo associados à profissão militar, faz-
Em primeiro lugar, ressalta-se a se necessário adquirir capacidade de tomada
incontornável necessidade de associação da de perspectiva, de modo a compreender
tecnologia à capacitação dos militares. diferentes pontos de vista, atividades, valores

Figura 2: Homens sírios carregam bebês em meio a conflito em Allepo (2016)

Fonte: https://www.cartacapital.com.br/mundo/guerra-na-siria-completa-10-anos-e-acumula-mais-de-
388-mil-mortos/.
Transformações emergentes nos conflitos contemporâneos Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
17

e visões de mundo. Dessa forma, Em quarto lugar, destaca-se o


potencializa-se a capacidade de interação com desenvolvimento da capacidade de tomada
atores com múltiplas bagagens culturais, de decisão em contextos complexos,
necessária não somente à análise das dinâmicos e diversificados. Para tanto, faz-
características e motivações de eventuais se necessário desenvolver uma visão holística
oponentes, mas à atuação em redes compostas e complexa dos fenômenos, atentando às
por integrantes diversificados. A possibilidade inter-relações sistêmicas e às motivações,
de atuação efetiva em operações combinadas interesses e movimentos explícitos e
e interagências, em contextos nacionais e implícitos de diferentes atores. Cada vez
internacionais, assim como o estabelecimento mais, o conhecimento acerca dos fenômenos
de relações de cooperação com diferentes humanos em sua diversidade e complexidade
atores, depende da capacidade de empatia, torna-se fundamental, assim como do
valorização das diferenças, trabalho em entrelaçamento dos variados campos do poder
equipe, negociação e construção de consensos na dinâmica dos conflitos. Além disso, o
em torno de objetivos em comum. desenvolvimento de autoconhecimento,
Em terceiro lugar, salienta-se a autoconfiança, iniciativa e capacidade de
necessidade de predisposição para a liderança constituem aspectos a serem
aprendizagem continuada. Como observa o priorizados na capacitação dos militares,
psicólogo Edgard Schein, “não sabemos como principalmente por meio de atividades
realmente será o mundo de amanhã, exceto práticas e vivenciais.
que será diferente, mais complexo, de De modo transversal a todos os
mudança mais rápida e culturalmente mais aspectos acima mencionados, no tocante às
diverso (…). Isso significa que as necessidades emergentes para a capacitação
organizações e seus líderes terão que se tornar dos militares, encontra-se a dimensão ético-
aprendizes perpétuos” (2009, p. 367). Além moral, pano de fundo de toda experiência
da tão decantada capacidade de “aprender a humana e esteio da construção da identidade
aprender”, trata-se de desenvolver uma profissional.
postura de humildade, abertura ao novo, A seguir, serão analisados alguns dos
capacidade de lidar com a incerteza e os desafios para a promoção da autonomia moral
limites do próprio conhecimento, no contexto militar.
predispondo-se a aprender com todas as
pessoas, independentemente de status,
posição social ou origem cultural.

Daniela Schmitz Wortmeyer Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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[...] a crescente complexidade dos cenários de
emprego militar tem apresentado novos desafios à
formação ética e ao desenvolvimento moral dos
militares, exigindo a tomada de decisão em
contextos ambíguos nos quais frequentemente há
valores em conflito, assim como a necessidade de
interpretação e aplicação de princípios em
situações dinâmicas e multifacetadas.
A resposta simples é que não importa se
4. Desafios à formação ética dos nossos oponentes ignoram ou desrespeitam
as regras. Essas regras e os valores que
militares elas representam fazem parte de nossa
identidade – e essa identidade é uma força,
Tradicionalmente, a educação militar não uma fraqueza. Só nos prejudicamos se
tem atuado na promoção do desenvolvimento tentarmos deixá-los para trás ou contorná-
los de alguma forma. Além de ser a coisa
de valores historicamente construídos para certa a fazer, há razões estratégicas sólidas
para manter as tradições éticas que regem
fazer frente aos desafios inerentes às situações a profissão militar, inclusive para manter a
identidade profissional e um senso de
em combate, relacionados a: integridade, propósito comum. (WHETHAM, 2015, p.
35-36, tradução nossa)
justiça, coragem, lealdade, camaradagem,
disciplina, honestidade, entre diversos outros.
Assim, a atuação pautada em valores
A construção da identidade militar é associada
éticos e morais constitui um alicerce para a
a um código de honra, a partir do qual os
construção de sentido para a profissão militar:
integrantes desse grupo profissional tornam-
do ponto de vista coletivo, ao lhe conferir
se dignos de respeito do ponto de vista
legitimidade perante o próprio grupo e a
coletivo e individual (APPIAH, 2012;
sociedade em geral, e do ponto de vista
HUNTINGTON, 1985; JANOWITZ, 1967;
subjetivo, ao fornecer a cada indivíduo
WORTMEYER, 2007, 2016, 2017).
referências para a tomada de decisão e a
A despeito das transformações
manutenção de um senso de coerência e
contemporâneas nos cenários de emprego
integridade pessoal.
militar, o investimento no desenvolvimento
Entretanto, a crescente complexidade
dos valores que caracterizam a ética militar
dos cenários de emprego militar tem
continua sendo essencial para as forças
apresentado novos desafios à formação ética e
armadas – ainda que os combatentes regulares
ao desenvolvimento moral dos militares,
se encontrem, cada vez mais frequentemente,
exigindo a tomada de decisão em contextos
diante de oponentes que violam
ambíguos nos quais frequentemente há
deliberadamente as “regras da guerra”. Na
valores em conflito, assim como a
visão do professor David Whetham:
necessidade de interpretação e aplicação de
princípios em situações dinâmicas e

Transformações emergentes nos conflitos contemporâneos Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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multifacetadas. Embora o conhecimento dos OF THE AUSTRALIAN DEFENCE FORCE,


códigos legais e das regras de engajamento 2020), retratadas na figura 3. O documento
seja fundamental, a realidade concreta dos reflete o extenso trabalho de uma equipe
conflitos exige grande flexibilidade, multidisciplinar realizado ao longo de dois
capacidade de pensamento crítico e tomada de anos, sob a condução do Major General Paul
5
perspectiva, assim como autonomia moral Brereton, e ficou popularmente conhecido
dos militares, especialmente das lideranças como Brereton Report. Ainda que a
dos vários escalões. investigação tenha subsidiado o indiciamento
Portanto, um grande desafio para a de vários militares como consequência das
formação ética dos militares se constitui no evidências levantadas, sua contribuição para
desenvolvimento de valores relacionados à os estudos sobre ética militar vai muito além
coletividade, como disciplina, lealdade, disso. O relatório conclui que o fato de ações
espírito-de-corpo, camaradagem, entre outros, criminais terem sido cometidas por militares
ao lado de valores relacionados à de elite de modo repetido e continuado ao
individualidade, como responsabilidade longo dos anos, sem a devida denúncia e
pessoal, pensamento crítico, julgamento apuração, deveu-se não apenas a falhas
independente, iniciativa e autonomia. Tais individuais, mas a graves problemas
dimensões, aparentemente opostas e sistêmicos de ordem operacional,
mutuamente excludentes, possuem, em organizacional e cultural. Embora um
realidade, uma complexa relação de aprofundamento sobre o interessante
complementaridade, necessária à plena diagnóstico apresentado no Relatório fuja ao
efetividade militar. objetivo deste artigo, destaco algumas
Em novembro de 2020, foi divulgado recomendações constantes do documento no
o relatório de uma ampla investigação tocante ao aprimoramento da educação
conduzida acerca de ações criminais militar.
cometidas por militares das forças de defesa O Anexo A do Relatório, intitulado
australianas, em operações no Afeganistão Special Operations Command: Leadership
entre 2007 e 2014 (INSPECTOR-GENERAL and Ethics Review (Comando de Operações
Especiais: Revisão de Liderança e Ética),
5 Em linhas gerais, a autonomia moral pode ser definida
como a capacidade de avaliar situações e tomar decisões com apresenta a análise e as recomendações de
base em valores e princípios gerais internalizados, com
flexibilidade para considerar diferentes perspectivas e David Whetham, professor do King’s College
consequências de suas ações de modo abrangente. Por outro
lado, um indivíduo que não alcançou esse nível de London e vice-presidente da EuroISME,
desenvolvimento pode agir baseado em uma visão mais
restrita e imediata das situações, por exemplo, movido pela acerca da problemática diagnosticada nas
conformidade ao grupo, pela busca de aceitação por figuras
de autoridade, pela troca por vantagens pessoais ou, ainda, investigações.
pelo mero desejo de evitar punições.

Daniela Schmitz Wortmeyer Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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Figura 3: Tropas australianas perto de TarinKowt, no Afeganistão

Fonte: https://asiatimes.com/2020/12/australias-elite-troops-face-war-crimes-trials/

Dentre as considerações referentes à Whetham sugere que sejam realizadas


educação e à capacitação dos militares, regularmente, em todos os postos e
Whetham observa que as forças de defesa graduações e em todos os estágios da carreira
australianas tradicionalmente têm se orientado militar, as chamadas “discussões éticas
por uma ética das virtudes, enfatizando o salutares”, em que são debatidos, de forma
cultivo do caráter e a habituação à adoção dos honesta e construtiva, os desafios encontrados
tipos esperados de comportamento pelos para a prática de princípios e valores no dia a
militares, à luz de determinados valores. dia profissional.
Entretanto, ele observa que essa abordagem Na última conferência da Sociedade
desconsidera o impacto dos fatores ambientais Internacional de Ética Militar na Europa
sobre a conduta dos militares, particularmente (EuroISME), que teve como tema central The
em contextos ambíguos, complexos e sob a Ethics of Urban Warfare (A Ética da Guerra
influência de estresse continuado. Assim, o Urbana), foram discutidos desafios
professor recomenda que a abordagem contemporâneos em diversas dimensões dos
tradicional relacionada à educação em valores conflitos – alguns já citados ao longo do
seja complementada pela inclusão de presente artigo. Particularmente, em relação
reflexões críticas rotineiras sobre os valores e às dificuldades existentes para a proteção de
padrões militares, que envolvam análise de civis diante das hostilidades em conflitos
como estes devem ser interpretados em urbanos, foi sublinhada a importância do
diferentes situações e contextos. Além disso, investimento no treinamento e educação do

Transformações emergentes nos conflitos contemporâneos Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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pessoal militar. Em um instigante painel6, emprego seja abordada com a devida


com base em larga experiência importância nos cursos e estágios, não
acompanhando operações militares, a Major somente por meio de aulas expositivas e
Abby Zeith e o Coronel Stephen Kilpatrick relatos de experiências, mas, principalmente,
ressaltaram que a capacitação dos militares por métodos ativos de ensino, em que os
deve ser iniciada pelos escalões superiores, próprios discentes sejam levados a explorar
envolvendo comandantes em nível brigada e diferentes perspectivas sobre os problemas e
batalhão, de modo que estejam aptos a cursos alternativos de ação.
antever os danos que podem ser causados Nesse sentido, existem diferentes
pelos soldados no contexto das operações e a métodos pedagógicos voltados à discussão de
agir preventivamente. Além disso, foi dilemas morais, os quais exigem capacitação
destacada a necessidade de treinamento especializada dos docentes ou facilitadores
prático das lideranças dos diversos escalões, a para sua condução de modo eficaz. Em tais
fim de desenvolver agilidade de tomada de métodos, são apresentados dilemas
decisão em cenários complexos, assim como relacionados à vida pessoal ou profissional
capacidade de pensamento criativo e aos discentes, nos quais os protagonistas
independente, visando a prevenir danos a devem tomar decisões em situações que
civis (KASHNIKOV; ZEITH; KILPATRICK, envolvem conflito de valores. Embora haja
2021). alguma variação na configuração das técnicas,
Assim, os contextos contemporâneos de modo geral, os discentes são estimulados a
de emprego militar têm exigido crescente discutir em pequenos grupos seu
autonomia dos militares para avaliar os posicionamento sobre como deveria ocorrer a
diversos aspectos envolvidos nas situações decisão diante do dilema em questão,
emergentes e tomar decisões de maneira apresentando argumentos que justifiquem seu
oportuna e flexível, com base em valores e posicionamento. O diálogo entre os
princípios. Na capacitação dos militares ao participantes permite que cada um tenha
longo da carreira, é importante que a acesso a diferentes perspectivas sobre o
dimensão ética e moral das situações de problema, ampliando sua capacidade de
análise e julgamento diante de situações
6 O painel especial Contemporary IHL Challenges:
Protecting Civilians Against The Effects Of Hostilities complexas (cf. KOHLBERG, 1984; LIND,
During Urban Warfare, moderado pelo Coronel (Res.) Prof.
Dr. Boris N. Kashnikov (Rússia), contou com as seguintes 2008; STOUFFER; SEILER, 2010).
apresentações: Major (Res.) Abby Zeith, Legal Advisor,
ICRC (Austrália): Contemporary IHL challenges: Protecting
civilians against the effects of hostilities during urban
warfare; e Coronel (Res.) Stephen Kilpatrick, Unit for
Relations with Arms Carriers, ICRC (Suíça): Reducing
Civilian Harm in Urban Warfare – Guidance for Military
Commanders.

Daniela Schmitz Wortmeyer Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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Outra possibilidade consiste em diferentes fatores atuantes nesse processo,


exercícios que promovam o relacionamento incluindo os princípios e valores subjacentes e
entre teoria e prática, por meio de simulações explorando cursos alternativos de ação, a fim
ligadas a situações de emprego profissional, de ampliar o repertório técnico e humano dos
que exijam interpretação e tomada de decisão participantes, seu nível de consciência acerca
diante de diversos aspectos. Tais exercícios de si mesmos e das situações de emprego em
podem ser, naturalmente, realizados por meio sua complexidade.
de atividades em grupo, que possuem a
vantagem de permitir o intercâmbio entre os 5. Considerações finais
discentes e a promoção do trabalho em
equipe. “A resiliência da cultura de uma unidade
pode ser testada pela qualidade das
Mais além, é fundamental que os decisões tomadas em situações ambíguas
ou extremas”.
exercícios práticos promovam a tomada de (INSPECTOR-GENERAL OF THE
AUSTRALIAN DEFENCE FORCE,
decisão individual, possibilitando que o 2020, p. 329, tradução nossa)
discente experimente a si próprio diante de
A natureza cambiante dos conflitos
contextos ambíguos, dinâmicos e sob pressão,
contemporâneos e sua vinculação a variados
desenvolvendo o conhecimento de suas
campos do poder, envolvendo atuação de
próprias reações, sentimentos e pensamentos
civis e militares com características
diante de tais desafios. Para tanto, é
diversificadas, têm imprimido contínuas
fundamental que a autocrítica e a crítica por
pressões para a transformação das forças
pares e docentes, após esses exercícios, sejam
armadas em sua concepção tradicional. O
conduzidas em um ambiente seguro e
desenvolvimento de um pensamento
construtivo, preferencialmente, com o apoio
estratégico multidimensional, sistêmico e
de profissionais especializados na condução
complexo, para fazer frente aos novos
de feedbacks e orientação ao desenvolvimento
cenários ligados à segurança e à defesa,
psicológico. Nesse sentido, o “erro” necessita
requer a combinação de esforços
ser ressignificado, passando a ser abordado
multidisciplinares, exigindo congregação e
não como uma falha individual a ser
valorização da diversidade nas equipes, em
eliminada, mas como oportunidade de
termos de especialidades, trajetórias
autoconhecimento e aprendizagem.
acadêmicas e profissionais. Atuar em redes
Independentemente de “acertos” e “erros”, a
integradas por múltiplos atores, dialogar com
promoção do desenvolvimento é
contextos socioculturais diversificados,
proporcionada pela análise do processo de
desenvolver humildade para lidar com a
tomada de decisão, trazendo à tona os

Transformações emergentes nos conflitos contemporâneos Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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incerteza e os limites do próprio Evidentemente, as propostas


conhecimento e, acima de tudo, estar esboçadas no presente artigo implicam a
constantemente aberto para rever conceitos promoção de uma mudança cultural em forças
estabelecidos e aprender continuamente são armadas do mundo inteiro, o que
alguns dos desafios que se descortinam para naturalmente suscita resistências e ansiedades
os profissionais militares na atualidade. diante do novo. Para que tal processo seja
A educação para o combate do conduzido de maneira efetiva, torna-se
futuro, como ressaltou Ruffo de Calabre fundamental o papel das lideranças, atuando
(2019), implica desenvolver a capacidade de como precursoras nos novos caminhos e
empregar novas tecnologias com uma “mente fornecendo o necessário suporte aos demais
crítica”, alicerçada em uma sólida base ética. membros da organização. Como observou o
A promoção do desenvolvimento ético e psicólogo norte-americano Edgard Schein
moral, entretanto, não é alcançada com (1992, 2009), estudioso da cultura
“soluções rápidas”, exigindo um contínuo organizacional e consultor de grandes
investimento na capacitação e na organizações: a principal capacidade e desafio
sensibilização dos profissionais militares e da liderança é perceber as limitações da
civis em relação aos valores fundamentais que própria cultura e desenvolvê-la
devem nortear suas ações. A complexidade adaptativamente, para sobreviver em um
dos atuais cenários de emprego requer, cada ambiente mutante.
vez mais, o desenvolvimento da autonomia
moral, da capacidade de pensamento crítico e
Referências
do senso de responsabilidade pessoal. Tomar
APPIAH, K. A. O código de honra: como ocorrem as
decisões diante de situações dilemáticas e revoluções morais. São Paulo: Companhia das Letras,
2012.
ambíguas envolve um processo interpretativo,
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que implica sensibilidade para perceber as
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atividades curriculares, contextualizando-a medizinethik/Hybrid_Warfare-
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26

Transformações emergentes nos conflitos contemporâneos Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


28

1. Introdução de mudanças nas organizações é preciso,

O tema liderança tem sido alvo de também, uma mudança no modelo mental de

várias pesquisas na atualidade. Isso decorre seus dirigentes e gestores, tornando-os vetores

das profundas mudanças organizacionais por de elevada capacidade transformacional.

que vem passando o mercado empresarial e o O Exército, como qualquer outra

próprio Estado. Empresas consideradas organização, tem passado pelo processo em

exemplares pela sua solidez e modelos questão. Como exemplo, podem ser citadas: a

inquestionáveis de excelência atravessam implantação do Programa “5 S”, no final dos

graves dificuldades, mudanças de direção, anos de 1980 e início dos anos de 1990, e o

fusões e desmembramentos. No setor público, Programa de Excelência Gerencial (atual

não tem sido diferente e instituições Sistema de Excelência do Exército

consideradas modelares têm tido a sua própria Brasileiro), nos anos 2000. Como em outras

existência questionada, forçando governos de organizações, dificuldades têm surgido na

todo o mundo a revirarem, reinventarem, consolidação desses programas, em grande

enxugarem e privatizarem suas operações e medida, pelos mesmos motivos: dificuldades

serviços. Conforme assinala Christensen dos líderes adotarem os novos paradigmas

(2018, p. 7), são tempos assustadores para os organizacionais em difusão. Assim, o estudo

líderes de grandes empresas e instituições. do assunto liderança merece atenção e

A fim de garantir a sua sobrevivência interesse, seja por gestores públicos ou

e legitimar a sua existência, a maioria dessas privados, destacando o seu aspecto estratégico

organizações tem adotado programas de e transformacional.

mudanças, tais como qualidade total,


2. Conceitos de Liderança
excelência gerencial, reengenharia, além de
buscar reduzir os seus níveis hierárquicos,
Não há uma definição única para
deixando suas estruturas mais enxutas. liderança. Na literatura acadêmica mais
Embora esses conceitos e ferramentas tenham
recente, esse tema tem sido abordado de
trazido benefícios, em boa parte dos casos, o forma bastante diversa.
retorno não tem correspondido aos
Segundo MIRADOR
investimentos realizados. Os parcos INTERNACIONAL (1987 apud SANTIAGO
resultados obtidos com essas mudanças talvez
2007, p. 31), “A palavra liderar vem do verbo
se devam às dificuldades dos líderes adotarem inglês to lead, que significa, entre outras
os novos paradigmas organizacionais em
coisas, conduzir, dirigir, guiar, comandar,
difusão. Assim, para adequar-se ao processo

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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persuadir, encaminhar, encabeçar, capitanear, pensamento, Tead (apud AVELAR


atravessar”. Acrescenta Santiago (2007, p. 31) COUTINHO, 1997, p. 115) assinala que
que o primeiro registro dessa palavra está “Liderança é o processo de influenciar
datado em 825 d.C. e que os diversos pessoas para motivá-las e obter o seu
conceitos a ela ligados relacionam-se com os envolvimento pessoal na realização de um
do latim, ducere, que significa conduzir, cujo empreendimento e consecução de seus
conjunto semântico influenciou as derivações objetivos”.
de to lead. Em 1300, documentou-se leader, Para Freitas e Rodrigues:
“condutor, guiador, capitaneador”, aquele que Liderar consiste em conseguir com que
os demais façam o que devem fazer com
exerce a função de conduzir, guiar. Também profunda convicção e, sobretudo, que o
façam tomando a si a responsabilidade
nessa época surge leading, substantivo de to para que isso aconteça. Líderes
excepcionais têm visão, conduzindo
lead, traduzido por “ação de conduzir”. pessoas e organizações em direções que
Leadership, em 1834, emerge como sozinhas não seguiriam. Podem lançar
empreendimentos, formar culturas
“dignidade, função ou posição de guia, de organizacionais, ganhar guerras ou
mudar o curso dos eventos, são
condutor, de chefe”. Segundo Vieira: estrategistas que agarram oportunidades
que outros deixam de perceber.
No seu sentido mais simples, a liderança (FREITAS; RODRIGUES, 2011, p. 4)
pode ser definida como um processo de
influência do comportamento humano,
isto é, motivar indivíduos a adotar um Assinala Fachada (1998 apud FAEP
comportamento que de outro modo eles
não adotariam. Num contexto 2011, p.5) que “a liderança é um fenômeno de
organizacional (institucional), a liderança
pode ser definida como o processo de influência interpessoal exercida em
influenciar, para além do que seria
possível através do uso exclusivo da determinada situação através do processo de
autoridade investida, o comportamento
humano com vista ao cumprimento das
comunicação humana, com vista à
finalidades, metas e objetivos concebidos comunicação de determinados objetivos”.
e prescritos pelo líder organizacional
designado. (VIEIRA, 1998, p. 10-11) Para Parreira (2000 apud FAEP 2011), “é um
processo de influência e de desempenho de
De acordo com Mc David e Herrara
uma função grupal, orientada para a
(apud FAEP 2011, p. 5), “liderança é o papel
consecução de resultados, aceitos pelos
que se define pela frequência com que uma
membros dos grupos. Liderar é pilotar a
pessoa influencia ou dirige o comportamento
equipe, o grupo, a reunião; é prever, decidir,
de outros membros do grupo”. Por outro lado,
organizar”.
Gomes e colaboradores (2000 apud FAEP
Já para Tannebaum (1970 apud
2011, p. 5)·consideram que “liderança é a
JORGE e SILVA 2011, p. 48) “a liderança é a
capacidade para promover a ação coordenada,
influência interpessoal exercida em uma
com vista ao alcance dos objetivos
situação e dirigida por meio do processo de
organizacionais”. Coerente com esse

Luiz Carlos Tomaz Silva Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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comunicação humana à consecução de um ou as colocações de que alguém é "um líder


diversos objetivos específicos”. natural", de que "nasceu líder", constituindo-
De acordo com Chiavenato (1999 se como reminiscências de antigos conceitos
apud FREITAS; RODRIGUES, 2011, p. 3), de liderança.
“a liderança é uma forma de influência, sendo Ainda outros estudam a liderança
esta uma transação interpessoal em que uma como uma arte, argumentando que a redução
pessoa age para modificar ou provocar o da liderança a um quadro de valores
comportamento de outra pessoa, de maneira adequados à investigação científica destrói a
intencional”. sua própria essência. Max De Pree (1989
Em uma abordagem psicanalítica, apud VIEIRA 1998, p. 10-11), presidente do
Freud (1975 apud ALVES 2011, p. 61) conselho de administração e diretor executivo
considerava que o líder seria uma referência da Herman Miller Inc., escreveu: “A liderança
daquilo que os seus seguidores desejam se é uma arte. É mais tribal que científica, mais
tornar. Nessa relação, o líder é “aquele que uma teia de relações do que uma acumulação
opera em virtude de sua semelhança com o de informação […]”.
pai e por cujo amor a realização é levada a É certo que a observação e o estudo
cabo”. Isso faz com que os seus seguidores dos líderes de sucesso podem contribuir para
desenvolvam uma forte atração por ele e ajam a orientação de potenciais líderes. Mais certa,
segundo o seu desígnio, ou de acordo com a ainda, é a vantagem do estudo científico das
missão que encarna, ou pela causa que relações de liderança, à medida que os
personifica. métodos de investigação vão sendo
A despeito das várias interpretações progressivamente aperfeiçoados e os
apresentadas e da vasta e diversificada instrumentos de medida vão surgindo. Assim
bibliografia hoje disponível sobre liderança, o sendo, o estudo sobre as teorias da liderança
teor científico do tema tem predominado. revela-se indiscutível.
Bateman (1998 apud FREITAS;
RODRIGUES, 2011, p. 2) considera que a 3. Teorias sobre Liderança
liderança parece ser a convocação de
Segundo Ralph Stogdill (apud
habilidades possuídas por uma maioria, mas
VIEIRA, 1998, p. 10), entre o grande número
utilizada por uma minoria, sendo, porém, algo
de definições que compilou, distingue as
que pode ser aprendido por qualquer pessoa,
seguintes categorias em que a liderança é
ensinado a todos, não devendo ser negado a
explicada: (1) como função das características
ninguém.
pessoais ou dos quadros de comportamento;
No entanto, ainda hoje, são frequentes

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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(2) pela referência à interação entre o líder e o que esses homens possuíam qualidades
subordinado (ou seguidores); (3) pela dinâmicas e carismáticas capazes de modelar
incidência no cumprimento dos objetivos dos os acontecimentos da História. Por essa
grupos; (4) pela diferenciação entre algo teoria, considera Tolfo (2000 apud
designado como funções e, enfim; (5) pela SANTIAGO 2007, p. 33) que o líder é
ênfase do exercício do poder e influência. possuidor de certas características que o
Para compreender cada uma dessas categorias tornariam mais apto a conduzir os demais à
de definições, torna-se indispensável conhecer execução de tarefas, ao passo que aos demais
o contexto em que elas se inserem. caberia o papel de seguidores.
De acordo com Jorge e Silva (2011, p. Outra teoria é a do Poder e da
47), antes da 2ª Grande Guerra, a liderança Influência. Fundamenta-se na premissa de que
era definida em termos das características de todos os caminhos levam ao líder, negando o
personalidades do Líder - Teoria dos Magos. papel dos seguidores e a força da cultura
Considerava-se que a solução para resolver o organizacional.
problema da eficácia era a seleção natural dos A Teoria Behaviorista ressalta o que
líderes. Mais tarde, a abordagem fazem os líderes e não as suas características.
comportamental definiu a liderança em Autores que defendem essa linha são: Blake e
termos dos comportamentos capazes de Mouton, criadores da Grade Gerencial e
distinguir os líderes dos não líderes. Assim, o Rensis Likert. De acordo com essa visão, de
problema da eficácia da liderança podia ser acordo com Tolfo (2000 apud SANTIAGO
resolvido por meio da formação dos líderes. 2007, p. 35), “em vez de traços, a liderança
Várias são as categorizações teóricas passou a ser investigada para a identificação
sobre a liderança. Serão apresentadas, a dos padrões de comportamento adotados
seguir, as principais delas segundo a visão de pelos líderes e suas funções”.
Crainer (2000 apud STROUGO 2007, p. 5). Segundo Marquis e Houston (1999,
A primeira delas é a Teoria do Grande apud SANTIAGO 2007, p. 35), na medida em
Homem. Predominante, no final do século que se desenvolveu, a pesquisa sobre
XIX até o início do século XX, fundamentou- liderança afastou-se do estudo das
se na premissa de que o líder nasce com características do líder para dar ênfase às
habilidades de liderança inatas, inexplicáveis coisas que ele fazia – o estilo de liderança do
e incompreensíveis para a maioria dos seres líder. A habilidade de liderança é configurada
humanos, sendo, portanto exaltado como com base em conjuntos de comportamentos
heróis. Thomas Carlyle (1841 apud VIEIRA que possibilitam aumentar a eficácia na
1998, p. 11-14) defendia essa tese, afirmando condução dos liderados.

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A Teoria da Situação destaca a


liderança como específica em cada situação, O líder transformacional consegue com
que os subordinados transcendam os seus
ao invés de um tipo especial de personalidade. próprios interesses em atenção ao líder, à
equipe e à unidade ou organização. O
Fundamenta-se no princípio de que cada líder transformacional obtém dos seus
subordinados mais do que mudanças
situação diferente exige formas diferentes de superficiais nas suas atitudes ou
liderança. Seus criadores foram Kenneth acréscimos mínimos nos seus níveis
temporários de motivação. (VIEIRA,
Blanchard e Paul Hersey. Segundo Vieira 1998, p. 14)

(1998, p. 11-14), por essa teoria, virtualmente,


De acordo com Bergamini (1994 apud
“qualquer pessoa pode ser um líder num
SANTIAGO 2007, p. 41), “a teoria da
apropriado quadro de circunstâncias”.
liderança transformacional pressupõe uma
Outra Teoria é a da Contingência. É
relação que é de influência mútua, em
uma evolução da teoria situacional e busca
contraposição à ideia de um liderado passivo,
selecionar as variáveis associadas à
à espera dos ditames do líder”. O líder deve
circunstância, as quais melhor identifiquem o
conhecer as necessidades e motivações dos
estilo de liderança mais adequado a cada
seguidores para tratá-los como pessoas
situação.
integrais, porque as relações interpessoais são
A Teoria Transacional ressalta o
a base de seu papel. Nesse diapasão, a
relacionamento entre líderes e seguidores,
liderança transformacional merece ser
assim como analisa os ganhos mútuos da
particularizada.
troca. O líder oferece recursos ou
A figura 1, a seguir, sintetiza os
recompensas, em troca do compromisso dos
objetivos principais de cada uma das teorias
seguidores ou da aceitação da sua autoridade,
anteriormente mencionadas.
por exemplo.
A Teoria da Atribuição adiciona uma
maior importância dos seguidores,
concentrando-se nos fatores subjacentes à
atribuição de liderança a um determinado
fator.
A Teoria da Transformação baseia-se
na motivação intrínseca no relacionamento de
trocas, enfatizando o comprometimento e não
a conformidade dos seguidores. Portanto, o
líder é um visionário e inovador. Segundo
Vieira:

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


33

Figura 1: Principais teorias sobre liderança

Fonte: o autor.

4. Aspectos da Liderança líder transformacional sentem confiança,


Transformacional admiração e lealdade e respeitam seu líder e
A liderança transformacional é suas qualidades, o que os torna dispostos a
descrita como capaz de elevar o nível de trabalhar mais do que o esperado (Bass, 1985;
consciência dos seguidores sobre a Burns, 1978 citados por Silva et al. 2015 apud
importância dos resultados e do caminho para MANTOVANI 2019, p. 71-72).
alcançá-los. Um líder transformacional Garcia (2015, p. 350) afirma que o
influencia as pessoas a transcenderem seus líder transformacional procura dar assistência
próprios interesses em favor de objetivos ou e orientação à sua equipe, preocupando-se
organizações, aumentando a conscientização com o seu desenvolvimento, autoestima e
para a missão e os valores significativos, bem-estar. Busca a excelência da organização,
proporcionando um senso de propósito e adotando novos modelos de gestão e
aumentando a responsabilidade. Líderes filosofias de trabalho que potencializem a
transformacionais inspiram e encorajam motivação dos seus seguidores e, por
outros a direcionar suas energias para alcançar conseguinte, o desempenho individual e
uma visão, estimulando a participação, a organizacional.
criatividade e a iniciativa. Os seguidores do

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34

O líder transformacional deve ser individual. Devido à eficácia desse estilo de


capaz de identificar e expressar uma clara liderança, a existência de líderes
visão de futuro para os colaboradores; transformacionais deve ser encarada como um
estabelecer exemplos apropriados; defender benefício econômico para as organizações
os objetivos da organização; e ter a (ARAÚJO, 2011, p. 28). Nessa senda, vale
capacidade para persuadir os colaboradores a ressaltar as particularidades da liderança no
renunciarem a objetivos pessoais, de forma a âmbito militar.
alcançarem um objetivo de ordem superior
comum. Esse tipo de líder mostra respeito 5. A Liderança Militar
pelos colaboradores e se preocupa com a
De acordo com o Estado-Maior do
individualidade de cada um (Schwepker &
Exército (EME):
Good, 2010 apud ARAÚJO, 2011, p.28).
A liderança militar consiste em um
De acordo com Jorge e Silva (2011, p. processo de influência interpessoal do
líder militar sobre seus liderados, na
60) “o líder transformacional deve buscar medida em que implica o
estabelecimento de vínculos afetivos
influenciar mudanças nas atitudes e entre os indivíduos, de modo a favorecer
comportamentos dos membros da organização o logro dos objetivos da organização
militar em uma dada situação. (EME,
e a criação de comprometimento com a 2011, p. 3-1).

missão e os objetivos da organização”. Do


Essa definição vai ao encontro do que
mesmo modo, esse líder deverá definir
propõe o Exército norte-americano no seu
claramente aquilo que pretende fazer; analisar
manual de campanha FM 22 – 100 – Military
as capacidades para a sua concretização;
Leadership (apud AVELAR COUTINHO,
antecipar‐se às dificuldades e criar projetos
1997, p. 127): “O processo em que o oficial
realistas que possam ser concretizados,
aplica os seus valores, ética, caráter,
definindo, para isso, uma linha orientadora
conhecimentos e aptidões (e crenças) para
que clarifique o rumo a seguir (FAEP, 2011,
influenciar outros ao cumprimento da
p. 24).
missão”.
O líder transformacional reconhece e
Considera Vieira (1998, p. 5-6) que
satisfaz as necessidades dos seus
somente por meio de um desenvolvimento
subordinados, proporcionando-lhes um
profissional contínuo, os líderes militares do
ambiente favorável ao seu desenvolvimento,
futuro desenvolverão a sua autoconfiança,
com o intuito de maximizar e ampliar as
iniciativa, franqueza, competência,
potencialidades de cada um, criando
capacidade de previsão e dedicação, tornando-
oportunidades e desenvolvendo culturas
se líderes inspiradores e fazendo-se
organizacionais de apoio a esse crescimento

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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Figura 2: Habilidades essenciais ao líder militar

Fonte: o autor.

merecedores do respeito e da confiança dos


Acrescenta o EME (2011, p. 1-3) que
seus subordinados. Adverte, ainda, que a
nas situações de normalidade, quando o grupo
esses líderes será exigida uma grande
militar e as pessoas que o integram não estão
agilidade mental para decidir corretamente,
sob pressão, geralmente as ordens dos
sob condições de incerteza e de caos, bem
comandantes são cumpridas, sem vacilações.
como elevada criatividade e força de vontade
Entretanto, nas crises e, principalmente, no
para executar os seus planos, conforme
combate, quando está presente o risco de vida
sintetiza a figura 2.
e os soldados sofrem penúrias de todo tipo, os
A História Militar tem mostrado que a
indivíduos só obedecerão voluntariamente às
liderança, através dos tempos, sempre foi o
ordens se confiarem e se acreditarem em seus
alicerce das tropas coesas, motivadas e
comandantes. Assim argumenta Vieira sobre
aguerridas. Contudo, tem mostrado também
esse aspecto:
as dificuldades encontradas pelos
comandantes na condução de seus soldados
em combate.

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As guerras, independentemente dos Nesse contexto, muitos exércitos


meios nelas empenhados, constituem um
processo extremo de força, moral e física passaram a desenvolver projetos voltados para
e de resistência. Os líderes devem
compreender os efeitos do perigo, medo, a formação de líderes e inseriram essa
esgotamento, privação e violência nos
seus soldados. Deles se espera que preocupação no preparo dos seus
consigam equilibrar, constantemente, o contingentes. Assim, não se considera ser
imperativo do cumprimento da missão
com a necessidade de cuidar e motivar os possível ter um exército pronto para cumprir
seus subordinados, colocando tanto a
missão como os seus soldados antes do as respectivas missões constitucionais sem
seu próprio bem-estar. Os líderes devem
manifestar nas suas ações um genuíno comandantes, em todos os níveis, que
respeito pelos outros, manter um clima
ético e, aceitando o julgamento das suas
possuam desenvolvida capacidade de
próprias ações, terão necessidade de liderança.
encorajar a franqueza e a liberdade de
pensamento e de ação nos seus Em um mundo em profunda e
subordinados. (VIEIRA, 1998, p. 5-6).
acelerada mudança, o sucesso dos líderes
Portanto, quando a hierarquia e a militares exigirá atributos afetivos como
disciplina estão inseridas em um quadro no caráter, lealdade, autodisciplina, vontade,
qual os comandantes estabeleceram sólidos inteligência, iniciativa, capacidade de
laços de liderança com os subordinados, julgamento, decisão, dentre outros. Ao
mesmo havendo pressões, riscos e extremas mesmo tempo, conforme descreve o EME
dificuldades, raramente ocorrerão casos de (2011, p. 1-1), a acentuada evolução do
desobediência. conhecimento científico-tecnológico,
Outrora, imaginava-se ser suficiente possibilitando a produção de armas e
formar pessoal de alta capacitação, pois deles equipamentos sofisticados, dispendiosos e de
surgiriam os líderes. Hoje, busca-se difícil manuseio, torna cada vez mais
desenvolver um elenco de valores, atributos e complexas as atividades militares. Portanto,
conhecimentos que facilite o desempenho da verifica-se que a arte militar é essencialmente
liderança a oficiais e sargentos, nos grupos dependente dos valores humanos e o
que lhes forem dados para comandar. Essa entendimento sobre a sua natureza é
necessidade é coerente com o que assinala fundamental aos chefes da atualidade.
Foch:
Quando chega a hora de tomar decisões,
6. A Liderança Estratégica em um
de assumir as responsabilidades, de mundo em transformação
suportar os sacrifícios, onde encontrar os
obreiros dessas arriscadas empresas,
senão em naturezas superiores O líder é o principal agente da
impregnadas da vontade de vencer, que mudança e, nesse sentido, a essência do líder
veem nitidamente os únicos meios que
conduzem à vitória e que têm coragem na mudança é a sua capacidade para gerar
de arriscar tudo (FOCH apud
COURTOIS, 1984, p. 17). energia e paixão nos outros por meio de um

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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ambiente de ação. Os líderes quando Robert Katz apresentou o modelo de


transformacionais estimulam a mudança, ao estrutura das empresas em compartimentos
invés de suprimi-la quando surge a horizontais de três níveis: estratégico, tático e
oportunidade (Avolio, 1999 apud GARCIA operacional. De acordo com essa
2015 p. 344). categorização, há uma cúpula, responsável
Riketta e Van Dick (2013 apud pelas definições estratégicas; quadros
MANTOVANI 2019, p. 80) sugerem que a intermediários, no nível tático, que verificam
liderança transformacional pode ser um meio se as equipes de operações trabalham de
promissor para aumentar o comprometimento acordo com as decisões da cúpula; e o nível
organizacional afetivo. Assim, pode-se operacional, que é responsável pela execução
depreender que a liderança como fenômeno do negócio.
transformacional possui elevada capacidade Katz definiu, ainda, três tipos de
para a promoção de mudança organizacional, habilidades que são exigidas dos integrantes
e deve ser entendida por como: dos diferentes níveis funcionais: conceituais,
Qualquer alteração, planejada ou não, em técnicas e interpessoais. Segundo ele, no nível
componentes que caracterizam a
organização como um todo – finalidade estratégico, o líder é muito exigido nas
básica, pessoas, trabalho, estrutura
forma, cultura, relação da organização habilidades conceituais (aquelas que tratam da
com o ambiente – decorrente de fatores capacidade de perceber a totalidade do
internos e/ou externos à organização, que
traz alguma consequência, positiva ou sistema organizacional e suas relações de
negativa, para os resultados
organizacionais ou para sua interdependência) e, em menor intensidade,
sobrevivência. (Neiva & Paz , 2007 apud
GARCIA 2015 p. 347) nas habilidades técnicas. No nível
operacional, predomina a aplicação das
Tanto em situações de normalidade
habilidades técnicas. No nível tático,
como nas crises, o líder atuará,
estabelece-se a ligação entre cúpula e os
preponderantemente, por intermédio do bom
executantes, destacando-se as habilidades
exemplo pessoal e da capacidade de
interpessoais. Assim, verifica-se que o caráter
persuasão, convencendo os subordinados a
transformacional da liderança está mais
agirem de uma forma útil à instituição à qual
presente no nível estratégico.
pertencem. No entanto, a liderança militar não
No caso do Exército, no nível
é exercida da mesma maneira em todos os
estratégico, a liderança é exercida de forma
escalões, variando de acordo com os níveis de
mais característica, embora não exclusiva,
comando correspondentes.
pelos oficiais-generais que ocupam os mais
Segundo Pereira (2001, p. 1), a relação
altos escalões, a começar pelo Comandante da
da liderança com a função exercida tornou-se
Força, bem como os órgãos de
objeto de estudo em Administração, em 1955,

Luiz Carlos Tomaz Silva Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


38

assessoramento e de direção geral e setorial. Acrescenta Pereira (2001, p.3) que


Para o exercício pleno de sua liderança, esses estabelecer consenso é encontrar uma
líderes militares estratégicos relacionam-se proposta aceitável por todos os membros da
com autoridades externas ao EB de toda equipe, sem que haja oposição a ela, não
ordem, nas mais diversas esferas do poder e sendo, no entanto, a obtenção de
da sociedade brasileira e internacional. unanimidade. O processo de negociação para
De acordo com Pereira (2001, p.3), a isso tem como essência a capacidade de
visão do futuro, capacidade de formular metas expressar uma posição clara sobre uma
estratégicas e conceitos chaves para sua questão, transmitindo, ao mesmo tempo, o
instituição, é a habilidade mais significativa compromisso com a busca da solução.
do líder. Essa é uma das habilidades que A habilidade mais importante do líder,
evidencia a característica transformacional do na negociação, é manter-se firme nos pontos
líder estratégico. não negociáveis, sem perder,
Para o estabelecimento dessas metas, o simultaneamente, o respeito pelo
líder estratégico deve ter completo posicionamento dos outros participantes do
entendimento dos objetivos que se deseja processo. Para influenciar as pessoas, o líder
atingir e dos meios disponíveis, bem como tem no diálogo uma eficiente ferramenta, por
deve ser capaz de trabalhar ativamente para meio da qual pode mudar pontos de vista,
moldar o ambiente de forma favorável à posicionamentos, reunir informações,
consecução desses objetivos. Para isso, o líder esclarecer dúvidas e conseguir o apoio de
tem de ser capaz de construir o consenso, pares e subordinados (PEREIRA, 2001, p.4).
negociar e influenciar o ambiente para
beneficiar sua organização.

O trabalho dos líderes estratégicos


transformacionais é elaborar políticas e
estratégias; estabelecer prioridades que
mantenham a organização em
movimento por um período de 10 a 20
anos; estabelecer os grandes objetivos
da Instituição; e promover as mudanças
que se fizerem necessárias [...].

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


39

Outra característica importante na necessárias na Instituição.


busca do consenso é a capacidade de Segundo Pereira (2001, p.4), o
entusiasmar do líder, gerando ânimo e ambiente em que atua o líder estratégico não é
incentivando pessoas. Essa característica do estruturado, sendo ambíguo. As soluções para
líder deve ter como alvo a interação de suas os problemas deixam de ser claras e passam a
motivações com os valores, desejos e ideias ser voltadas para o futuro. Assim, de
das pessoas, ampliando a relação de confiança executante da política passa a ser o seu
mútua e a sensação de bem-estar nesse idealizador, necessitando ter uma visão global
intercâmbio. Aqui, fica evidente o caráter orientada para o ambiente onde a instituição
transformacional do líder estratégico, haja se insere.
vista serem as relações interpessoais a base de O líder militar estratégico atuará
seu papel. preponderantemente nos maiores escalões de
Portanto, além de estabelecer uma decisão da Instituição e, desse modo, as
visão de futuro e dar prioridade a pontos funções de fiscalização atribuídas a ele, na
importantes, o líder estratégico maioria das vezes, deverão ser delegadas aos
transformacional deve tirar o máximo líderes militares organizacionais vinculados.
proveito do comando, das habilidades de seus Sob essa perspectiva, cresce de importância, a
pares e inspirar os liderados a pensar e a agir. expedição de ordens, diretrizes, normas,
O trabalho dos líderes estratégicos portarias e demais tipos de documentos que
transformacionais é elaborar políticas e sejam claros, precisos, concisos e curtos. Isto
estratégias; estabelecer prioridades que porque, como a presença desses líderes nas
mantenham a organização em movimento por lides diretas da Instituição é mais difícil, em
um período de 10 a 20 anos; estabelecer os muito facilitará o estabelecimento de
grandes objetivos da Instituição; e promover indicadores de desempenho correlatos para a
as mudanças que se fizerem necessárias, medição da eficácia dessas ordens. Assim
comprometendo-se com a busca dos recursos sendo, o líder militar estratégico deve:
para esse fim. Esses líderes concebem a
Possuir uma aptidão multidisciplinar
estrutura desejada, planejam a alocação de para o aprendizado, devendo estar
motivado, para acumular conhecimentos
recursos e comunicam a visão estratégica da nas áreas de liderança, da estratégia, da
Instituição, preparando-a para os desafios do geopolítica, da história militar, da
administração, da gestão empresarial, da
futuro. Simultaneamente, eles encorajam os gestão de recursos humanos, das relações
internacionais, entre outros. Esses
aspectos culturais, visualizam o futuro, conhecimentos servirão de suporte e, ao
mesmo tempo, de ferramentas para o
difundem essa visão para uma audiência aprimoramento de outras competências
importantes, como as capacidades de
maior e, pessoalmente, lideram as mudanças argumentação, de persuasão, de

Luiz Carlos Tomaz Silva Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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comunicação e, em última instância, de O trabalho dos líderes estratégicos


competência profissional. Somente assim
estará dotada de condições para o transformacionais é elaborar políticas,
exercício eficaz da liderança nos mais
altos níveis da Instituição. (EME, 2011, estratégias e estabelecer prioridades que
p. 6-8)
mantenham a organização em movimento por
um período de 10 a 20 anos; estabelecer os
7. Conclusão grandes objetivos da Instituição; e promover
as mudanças que se fizerem necessárias,
A liderança é um fator determinante
comprometendo-se com a busca dos recursos
para as transformações das instituições e das
para esse fim. Esses líderes concebem a
sociedades e, de modo particular, das
estrutura desejada, planejam a alocação de
instituições militares.
recursos e comunicam a visão estratégica da
Na atualidade, a definição de liderança
Instituição, preparando-a para os desafios do
ainda não é unânime, predominando, no
futuro. Simultaneamente, eles encorajam os
entanto, o teor científico da sua análise.
aspectos culturais, visualizam o futuro,
Várias são as categorizações teóricas sobre o
difundem essa visão para uma audiência
tema, destacando-se a Teoria
maior e, pessoalmente, lideram as mudanças
Transformacional, a qual se baseia na
necessárias na Instituição.
motivação intrínseca do relacionamento de
Por fim, cabe destacar que, em um
trocas entre líderes e liderados, colocando o
mundo onde as mudanças organizacionais
líder transformacional como um visionário e
ocorrem de maneira cada vez mais rápida,
inovador.
será necessário ao Exército Brasileiro
A liderança militar não é exercida da
capacitar e dispor de líderes estratégicos que
mesma maneira em todos os escalões,
possuam atributos transformacionais, capazes
variando de acordo com os níveis de comando
de conduzir a Instituição no enfrentamento
correspondentes. No nível estratégico, o líder
das demandas da Guerra do Futuro.
é muito exigido nas habilidades conceituais e,
em menor intensidade, nas habilidades
técnicas. No nível operacional, predomina a
aplicação das habilidades técnicas. No nível
tático, estabelece-se a ligação entre cúpula e
os executantes, destacando-se as habilidades
interpessoais. Assim, verifica-se que o caráter
transformacional da liderança está mais
presente no nível estratégico.

A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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Referências
JORGE, Fátima Jorge; SILVA, Paulo. Instrumento
ALVES, Sérgio. Liderança organizacional: Discussão
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Luiz Carlos Tomaz Silva Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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A Liderança Estratégica como Fenômeno Transformacional Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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1. Introdução atribuições subsidiárias. É efetivada


não só pela criteriosa articulação das
organizações militares no território,
O Exército Brasileiro (EB) adota como também preponderantemente pela
capacidade de rápido deslocamento para
diversas estratégias militares, preconizadas qualquer região do País, quando
necessário.
pela atual Doutrina Militar de Defesa, como Dissuasão: caracteriza-se pela
meio para cumprir sua destinação manutenção de forças militares
suficientemente poderosas e prontas
constitucional, bem como suas atribuições para emprego imediato, capazes de
desencorajar qualquer agressão militar.
subsidiárias: Dissuasão, Ofensiva, Presença,
Projeção de Poder e Resistência. Entre essas, A Estratégia da Presença será analisada
segundo suas expressões militar, psicossocial e
o EB prioriza as Estratégias Militares da
política, conforme descreve Brasil (2019),
Presença e da Dissuasão, conforme sua
enquanto a Estratégia da Dissuasão considerará o
Concepção Estratégica - 2019 (BRASIL,
Entorno Estratégico brasileiro e o contexto
2019).
global.
Nesse sentido, “Estratégia Militar é a
Nessa perspectiva, a Estratégia da Presença
arte e ciência de prever o emprego, preparar, caracteriza-se sob dois aspectos fundamentais:
orientar e aplicar o Poder Militar durante os primeiro, direcionado à expressão
militar, no qual a presença militar, no
conflitos, considerados os óbices existentes território nacional, tem por finalidade
ou potenciais, visando à consecução ou à cumprir a destinação constitucional,
sendo efetivada pela criteriosa
manutenção dos objetivos fixados pelo nível articulação das organizações militares
no território e pela capacidade de rápido
político” (BRASIL, 2020). deslocamento de tropas para qualquer
região do País, caracterizando a
Assim sendo, o presente artigo visa à mobilidade estratégica;
no segundo aspecto, direcionado às
análise das duas estratégias militares expressões psicossocial e política,
supracitadas, buscando identificar ações que baseia-se no desenvolvimento da
mentalidade de defesa e pela integração
direcionem sua aplicação na área da Defesa e da expressão militar à sociedade. As
Estratégias da Dissuasão e da Presença
do Exército. estão mutuamente ligadas, ou seja, o
sucesso de uma contribui para o êxito da
Cabe salientar que, embora existam outra. (BRASIL, 2019, p. 8)
diferentes conceituações, tanto para Presença
Em relação à Estratégia da Dissuasão:
como para Dissuasão, este artigo considera
No contexto global, o Brasil não é o
os conceitos das referidas estratégias Estado mais forte, tampouco o mais
fraco. Assim, deve-se mostrar aos
conforme o descrito no atual Manual de possíveis agressores, que a resposta será
Estratégia do Exército Brasileiro (BRASIL, de tal forma violenta e efetiva, que sua
vitória será muito improvável e, mesmo
2020, p. 45): nesse caso, suas perdas cobrariam um
preço impagável. (BRASIL, 2019, p.
Presença: caracteriza-se pela presença 8)
militar, no território nacional e suas
extensões, com a finalidade de cumprir
a destinação constitucional e as

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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Realizando-se uma análise histórica aos mesclando a arma de defesa e a enxada da
aspectos que caracterizam as estratégias da fixação econômica do homem à terra”
Presença e da Dissuasão no Brasil, verificam- (MATTOS, 2011, p.112-113), criando as
se alguns períodos cuja importância é colônias militares.
imperativa, os quais passam a ser tratados a A colônia militar, sob o regime e a
seguir. disciplina castrense (administração militar),
A organização militar dos primeiros foi um empreendimento agrícola-militar.
habitantes do Brasil era pouco desenvolvida, Cabia aos militares a consecução de
principalmente se comparada com os outros obrigações militares e de tarefas
habitantes da América Central e do Sul. Com relacionadas: à manutenção das edificações,
a chegada dos portugueses, em 22 de abril de das picadas e das estradas; ao cultivo da
1500, o Brasil passou a adotar a estratégia terra; e à criação de animais. Assim, durante
militar da Metrópole. Assim, pode-se dizer o Governo Imperial do Brasil,
que os princípios das estratégias da presença nomeadamente no Segundo Reinado (1840 –
e da dissuasão (sem essa denominação à 1889), apesar de todos os desafios e
época) já caminhavam juntos desde então. restrições enfrentados, os reduzidos
Em grande parte, as estratégias da contingentes militares e seus familiares
Presença e da Dissuasão foram marcadas (soldados-colonos) desempenharam papel
pela construção de fortificações durante todo relevante na vanguarda da colonização das
o período do Brasil Colônia. fronteiras internas, impulsionando o
A invasão holandesa em Pernambuco povoamento e o desenvolvimento econômico
teve a necessidade da reação militar por parte no longínquo sertão ocidental brasileiro, bem
de Portugal como consequência. A Batalha como no avanço da vivificação das fronteiras
de Guararapes ocorreu na região dos Montes nacionais, cooperando para assegurar a
Guararapes, localizado próximo a Recife, defesa, a soberania e a consolidação das
tendo a primeira batalha ocorrido em 19 de fronteiras estratégicas nacionais com países
abril de 1648. Essa data representa, até os vizinhos, como a Guiana Francesa, a
dias atuais, a gênese do Exército Brasileiro, Argentina e o Paraguai (BARROS, 1980;
tendo lutado de forma conjunta, naquela FERRARI, 2020; GARNER, 1998;
batalha, brancos, índios e negros. VENSON; MYSKIW, 2018).
O General Carlos de Meira Mattos O Exército, em 1889, era uma força
assinalou que o Governo, durante o período pouco numerosa, composta de
do Brasil Império (1822 – 1889), procurou aproximadamente 13.500 homens, divididos
“ocupar a sua fronteira mais longínqua, pelo território brasileiro em 50 quartéis. O

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Exército também administrava colônias preocupação e busca pela modernização e


militares no Rio Grande do Sul, Santa nacionalização dos equipamentos militares.
Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, O processo de reorganização do Exército e a
Pará e Amazonas, o que fornecia a percepção aquisição de materiais nacionais
institucional das condições nas regiões de proporcionaram o desenvolvimento da
fronteira (MCCANN, 2009). indústria bélica nacional (RODRIGUES,
Apesar do reduzido efetivo e do atraso 2020) e, consequentemente, maior poder
operacional, o Exército aplicou com êxito sua dissuasório do Brasil.
estratégia da Presença até o final do século Para promover a efetiva integração da
XIX, mantendo a integridade territorial. Região Norte com o restante do País, o
Na década de 1920, o Exército governo brasileiro elaborou o Programa
reorganizara-se, estabelecendo um padrão Calha Norte, no ano de 1985, com a
elevado de treinamento com base na finalidade de realizar o desenvolvimento
assessoria da missão francesa e melhorara socioeconômico da área ao norte da calha dos
suas instalações e armamento. Assim, a rios Solimões e Amazonas.
Força Terrestre (F Ter) estava em melhores O Programa Calha Norte é um
condições de se fazer presente em todo programa civil e militar, cujas ações
território nacional, garantindo a soberania e a pioneiras foram: incrementar as relações
integração nacional. bilaterais com os países fronteiriços;
Mais uma vez, a evolução do Exército aumentar a presença militar na área;
contribuiu para a melhoria na execução da intensificar as campanhas de recuperação dos
Estratégia da Presença, por meio da marcos limítrofes; e definir uma política
distribuição e articulação da F Ter ao longo indigenista apropriada na região,
do País, reforçada pela mobilidade contribuindo diretamente para a consecução
estratégica que passou a permitir o dos objetivos previstos nas estratégias da
deslocamento de forças de forma rápida e presença e da dissuasão.
oportunamente para qualquer parte do Para o Exército Brasileiro, a década de
território, e da Dissuasão, pois passou a 1990 foi marcada por uma nova
possuir forças suficientemente poderosas e reestruturação da Força Terrestre, tendo sido
aptas ao emprego imediato, capazes de definidos três lapsos temporais: um de curto
desencorajar qualquer agressão militar pela prazo (5 anos), outro de médio prazo (15
capacidade de revide que representavam. anos) e um terceiro de longo prazo (30 anos).
Além dos aspectos doutrinários e de Esse projeto de transformação foi
articulação da Força Terrestre, houve grande nomeado de FT 90 (Força Terrestre 90),

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referente ao plano de curto prazo, que recursos humanos, educação e cultura, ciência
compreendia os anos de 1986 a 1990; FT e tecnologia, doutrina, engenharia, gestão,
2000, médio prazo, de 1986 a 2000; e FT 21, logística, preparo e emprego, e orçamento e
longo prazo, de 1986 a 2025. Cada fase desse finanças (RODRIGUES, 2020). Desta
planejamento possuía objetos e metas maneira, foram definidas diversas
distintas, os quais visavam à adaptação da F capacidades que devem ser adquiridas durante
Ter aos novos desafios de Defesa Nacional. a execução do projeto. Dentre elas, a projeção
A FT 90 objetivava diminuir a de poder, a atuação no espaço cibernético e a
defasagem de tecnologia do Exército por meio interoperabilidade e a complementariedade,
da aquisição de novos meios e equipamentos diretamente ligadas à Estratégia da Dissuasão
militares. A FT 2000 tinha como objetivo extrarregional. Ainda, outra capacidade
principal dar continuidade às mudanças almejada no PROFORÇA é a de concluir a
propostas pela FT 90. A FT 21 foi revogada integração e ocupação da Região Amazônica,
pelo atual processo de transformação do capacidade que vai ao encontro da Estratégia
Exército. Igualmente, as duas primeiras fases da Presença.
representaram importante avanço para a F Considerando o exposto, a história da
Ter. Presença militar do Exército Brasileiro legou
A partir do ano de 2010, iniciou-se o ao País uma excelente capilaridade em todo o
novo processo de transformação do Exército território nacional, porém, considerando-se os
Brasileiro. Esse processo teve como condutor números continentais do Brasil, como área
o Projeto de Força (PROFORÇA), um geográfica, fronteiras etc., conforme figura 1,
projeto de longo prazo (ano de 2031), ficam as indagações de como proteger e
composto de oito vetores de transformação: controlar esse imenso território.

Figura 1: Brasil e suas dimensões

Fonte: adaptado pelos autores de palestra do EB.


Estratégias da Presença e da Dissuasão face às
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Portanto, as análises realizadas nos Centro de Estudos Estratégicos do Exército;


capítulos seguintes trarão algumas respostas a Visão 2035: Brasil, País Desenvolvido, do
essas indagações, contribuindo para o BNDES; Preparing the Future, publicado no
aperfeiçoamento das Estratégias da Presença e RUSI Journal do Royal United Services
da Dissuasão no âmbito do Exército Institute em 2016; Global Trends 2030, The
Brasileiro. World in 2030, Trends, Points Inflections,
Challenges and Opportunities; e Strategic
2. Os desafios futuros e seus Trends Programme – Future Operating
impactos nas estratégias da
Environment 2035, do Ministério da Defesa
Presença e da Dissuasão
do Reino Unido.
2.1. Documentos estudados Além desses, foram consultados
também o Plano Nacional de Logística 2035
Com o propósito de melhor entender os
(Versão Preliminar) da Empresa de
desafios que o futuro pode apresentar, foram
Planejamento de Logística (Diretoria de
estudados os seguintes documentos,
Planejamento), publicado em março de 2021;
ilustrados pela figura 2: Cenário de Defesa
e o Multi-domain Battle: Evolution of
2040, do Ministério da Defesa do Brasil;
Combined Arms for the 21th Century – 2025-
Brasil 2035: Cenários para o
2040, do Exército Norte-americano.
Desenvolvimento, do IPEA; Cenários
Prospectivos Força Terrestre – 2035, do

Figura 2: Documentos e cenários prospectivos

Fonte: Google Imagens.

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2.2. Desafios identificados com de ações no ambiente informacional e no
impacto para o setor de Defesa espaço cibernético, a incidência cada vez
Dentre os muitos desafios que se maior de ações de guerra híbrida, todos no
apresentam como possibilidade no futuro de contexto de um ambiente caracterizado como
médio prazo, considerando os vários cenários multidomínio, são uma realidade com
analisados para esta pesquisa, foram tendência de propagação pelas próximas
identificados alguns desafios em comum com décadas. Além desses, apresentam-se à
maior probabilidade de impacto para o setor realidade nacional a restrição de recursos de
de defesa, conforme figura 3. defesa, a diminuição do efetivo das Forças
O incremento da robotização do campo Armadas e o recrudescimento do tema
de batalha, o aumento da ocorrência dos ambiental.
conflitos em ambientes urbanos, o aumento

Figura 3: Desafios às Estratégias da Presença e da Dissuasão

Fonte: os autores.

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2.3. Impactos dos desafios nas Projeto Básico do PI do CPEAEx (Presença e


Estratégias de Presença e da Dissuasão) foi abordar o impacto do conceito
Dissuasão estratégico Antiacesso e Negação de Área,
Há desafios que impactam de modo conhecido também pela sigla em inglês
negativo nas estratégias estudadas. Os A2/AD (Antiacess/ Area Denial).
avanços cada vez mais surpreendentes no Recentemente, a doutrina do Exército iniciou
campo da Ciência, Tecnologia e Inovação o acolhimento desse conceito com a edição do
aumentam a defasagem tecnológica entre o novo manual do Grupo de Artilharia
Brasil e o mundo desenvolvido, fato esse Antiaérea (EB70-MC-10.365).
agravado pelas dificuldades da Base Industrial Por sua definição, as operações de
de Defesa Nacional para entregar as antiacesso visam a impedir ou restringir a
capacidades necessárias com agilidade e com projeção de força de um país em território de
uma dissuasão mais efetiva. outro. Caso isso não surta os efeitos
A diminuição de efetivos e a restrição desejados, são desencadeadas as operações de
orçamentária impostas por instrumentos negação de área, que têm a finalidade de
legais agravam as dificuldades para o restringir a liberdade de ação de forças
cumprimento das missões constitucionais e inimigas dentro do território ocupado. Tudo
limitam a capacidade de investimento das isso dentro de um ambiente multidomínio e de
Forças Armadas. Ainda, dificuldades ligadas degradação contínua do inimigo por camadas,
à mobilidade estratégica prejudicam a conforme demonstrado na figura 4.
presença e a dissuasão. Para o estudo da aplicação do
Por outro lado, esses desafios Conceito Estratégico A2/AD, selecionou-se a
impulsionam a Força na direção da Rússia, o que permitiu perceber a existência
prospecção tecnológica, com o fim de de uma série de clusters1 de A2/AD naquele
2

aumentar a capacidade operacional, o estado país, desdobrados desde o tempo de paz, face
de prontidão das tropas de pronto emprego e a ao seu principal competidor no Ocidente, a
projeção de força, bem como estimulam a Organização do Tratado do Atlântico Norte
realização de ações no campo informacional, (OTAN), como ferramenta de dissuasão
utilizando a comunicação estratégica para convencional, conforme pode ser visualizado
incrementar aspectos intangíveis da presença na figura 5.
e da dissuasão.

2.4. O Antiacesso e Negação de


Área (A2/AD) 1
2clusters termo em inglês que significa
“aglomerar” ou “aglomerado” e é
Um dos objetivos transversais do costumeiramente aplicado em muitos contextos.

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Figura 4: Antiacesso e Negação de Área

Fonte: os autores com base Júnior, 2020.

Figura 5: Visualização dos alcances dos Sistemas de Armas Cinéticas do


Cluster A2/AD Russo na Crimeia

Fonte: CSIS Missile, https://bit.ly/2iaux3;Union,


https://bit.ly/2OAJ4SP; Defense Express.

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Por outro lado, o Exército Norte- 3. As estratégias da Presença e da


americano está desenvolvendo a criação de Dissuasão no Brasil e em outros
uma Força-Tarefa Multidomínio que possa ser países
projetada junto com as forças militares em 3.1. No Brasil
operações, ao redor do mundo, em um viés de 3.1.1. Exército Brasileiro
emprego ofensivo, conforme pode ser visto na
A contextualização das estratégias da
figura 6, um referencial para estudos no EB.
Presença e da Dissuasão no nível político tem
Caso o Exército Brasileiro faça a opção
uma abordagem ampla, que as identifica de
por adotar a estratégia de A2/AD, terá que
forma não dissociativa, isto é, são
investir na obtenção de um conjunto de novas
interdependentes.
capacidades, tais como mobilidade
Para que se identifique como a política
estratégica e interoperabilidade, dentre
interpreta e define as estratégias da Presença
outras.
e da Dissuasão, é necessário buscar o
arcabouço teórico que embasa os demais
desdobramentos no setor de Defesa. O Livro
Branco de Defesa Nacional (LBDN), em

Figura 6: Força-Tarefa Multidomínio

Fonte: U.S. Army Operating Concept (TRADOC Pamphlet 525-3-1)

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conjunto com a Estratégia Nacional de regulação dos limites no mar, quais
sejam: um mar territorial (MT), onde o
Defesa (END) e a Política Nacional de Estado exerce soberania plena; uma
zona contígua (ZC), dentro da qual o
Defesa (PND) dão base à visão política e Estado costeiro pode tomar medidas de
fiscalização aduaneira, fiscais, de
direcionam assuntos que visem à soberania imigração, sanitária e reprimir infrações
do País. às leis e aos regulamentos cometidas no
território ou no mar territorial; e uma
Ao estabelecer diretrizes, os zona econômica exclusiva (ZEE), na
qual o Estado costeiro tem direitos de
documentos supramencionados permitem o soberania para fins de exploração e
aproveitamento, conservação e gestão
desenvolvimento de demais processos no dos recursos naturais à luz da CNU
(BRASIL, 2020, p. 20).
estabelecimento dos objetivos setoriais para a
área de Defesa. Segundo o Livro Branco de Assim como foi estabelecido no Livro
Defesa (2020, p. 14): Branco de Defesa, o papel dissuasório do
Estado mostra-se como ferramenta da
A Defesa Nacional, além de ser
importante vetor para a preservação da manutenção da paz e da segurança nacional.
Soberania Nacional, também possibilita
a manutenção da integridade territorial, Estando presentes nos diversos pontos do
a consecução dos objetivos nacionais, a País, as FA, de forma permanente,
proteção ao povo e a garantia de não
ingerência externa no território nacional temporária ou remota, denotam a efetivação
e em suas águas jurisdicionais, inclusive
no espaço aéreo sobrejacente, no leito da estratégia da Dissuasão para assegurar a
dos rios e no subsolo marinho.
sua soberania.
Diante dessa assertiva, é possível Já no nível do Exército Brasileiro, de
observar a vertente direcionada às duas acordo com a sua Concepção Estratégica
estratégias em questão. É fato que a garantia (BRASIL, 2019), o EB prioriza as estratégias
da não ingerência externa necessita impor da Dissuasão e da Presença. Desta forma, a
uma capacidade dissuasória plena, o que seguir, serão abordadas as formas como essas
contribuirá para a soberania nacional. estratégias se materializam na Instituição.
As áreas de interesse abrangem, Como já citado anteriormente, a
inclusive, o espaço marítimo do país, que estratégia da Presença, no EB, caracteriza-
pelo seu valor global, é alvo de cobiça e fator se, basicamente, pelos aspectos militar,
de preocupação por parte do Governo. Não psicossocial e político (BRASIL, 2019).
se define sua extensão pelo simples desejo da Segundo o LBDN (Brasil, 2020), a
Nação, sendo necessárias diplomacias Estratégia da Presença caracteriza-se pela
específicas, considerando que interfere em presença militar, no território nacional e suas
vários cenários mundiais. extensões, com a finalidade de cumprir a
A Convenção das Nações Unidas sobre destinação constitucional e as atribuições
o Direito do Mar (CNUDM), cujas
resoluções foram ratificadas pelo Brasil, subsidiárias. É efetivada não só pela
estabeleceu importantes conceitos para a

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demandas da Defesa Nacional
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criteriosa articulação das organizações embasando-a na valorização da ação


militares no território, mas também pela diplomática como instrumento primeiro de
capacidade de rápido deslocamento para solução de conflitos e em posicionamento
qualquer região do País, quando necessário. estratégico abalizado na existência de
Como já mencionado neste trabalho, a capacidade militar com capacidade e
atual Concepção Estratégica do Exército credibilidade.
Brasileiro também menciona a Dissuasão. O Objetivo Estratégico (OEE) Nr 1 do
O Manual de Campanha de Estratégia Plano Estratégico do Exército 2020-2023 é
(BRASIL, 2020) preconiza que a Estratégia “contribuir com a dissuasão extrarregional”.
da Dissuasão se caracteriza pela manutenção Para isso, utilizar-se-á de duas estratégias: (1)
de forças militares suficientemente poderosas ampliação da capacidade operacional e (2)
e prontas para emprego imediato, capazes de ampliação da mobilidade e da elasticidade da
desencorajar qualquer agressão militar força.
(BRASIL, 2020). A Dissuasão é a primeira Segundo Rocha Paiva (2010), a
ação, a fim de evitar crises e permitir que a dissuasão tem caráter preventivo e deve ser
sociedade brasileira resista a pressões vista como um meio e não um fim. Para esse
oriundas de qualquer ator. autor, é importante entender que, além do
O Brasil adota uma postura estratégica propósito de garantir a consecução de
baseada na existência de uma estrutura interesses, a dissuasão, também, visa a evitar
militar com credibilidade, capaz de gerar a escalada de uma crise a ponto de levar ao
efeito dissuasório. No contexto de um plano emprego do poder militar de forma ampla e
mais amplo de defesa e a fim de reprimir prolongada, configurando um conflito
uma possível agressão armada, o País armado.
empregará todo o poder militar necessário e De acordo com Gomes (2006),
suas reservas mobilizáveis, com vistas à verificam-se algumas características
decisão do conflito no prazo mais curto necessárias para um poder militar brasileiro
possível e com o mínimo de danos à dissuasório: excelente preparo profissional;
integridade territorial e aos interesses articulação moderna voltada para a defesa
nacionais, buscando condições favoráveis externa; estrutura organizacional otimizada
para o restabelecimento da paz (BRASIL, com dotação completa; autonomia
2020). tecnológica com capacidade de neutralização
A dissuasão pode ser adotada segundo da superioridade tecnológica de Forças
duas posturas: defensiva e ofensiva. No caso Armadas (FA) oponentes; e integração e
do Brasil, a PND define a atitude defensiva, interoperabilidade com as demais FA do

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País. objetivos nacionais, sendo constituído pelos
É possível identificar diferentes seguintes componentes das expressões do
aspectos que apontam para a Poder Nacional, relacionados com a
complementaridade entre as estratégias da capacidade de utilização do mar e das águas
Presença e da Dissuasão, a maioria deles interiores: a Marinha Mercante; a
ligada à articulação do poder de combate infraestrutura marítima e hidroviária; as
distribuído pelo território nacional. Essa indústrias navais e bélicas de interesse naval;
distribuição de meios, intimamente ligada à a indústria de pesca; organizações de
estratégia da Presença, gera capacidades desenvolvimento tecnológico de interesse
empregadas no exercício diuturno da para o uso do mar; organizações e meios de
Dissuasão. exploração e aproveitamento dos recursos do
Isso ocorre, por exemplo: com a mar; pessoal que desempenha atividades
presença das tropas na fronteira, que produz relacionadas com o mar e águas interiores; e o
conhecimento, integração e dissuasão, Poder Naval.
sobretudo, perante ameaças não estatais; com O Decreto nº 2.153, de 20 FEV 1997,
a distribuição de forças em atendimento ao estabelece e organiza as Forças Navais,
equilíbrio estratégico, perante países Aeronavais e de Fuzileiros Navais da
vizinhos; ou, ainda, com o desenvolvimento Marinha, dispondo sobre as áreas de
da mentalidade de defesa na sociedade. jurisdição dos Comandos de Distritos Navais,
Parcialmente, do estudo dos diversos definindo nove áreas, conforme a figura 7.
documentos citados, verificou-se uma Há quatro características que devem
preponderância dos aspectos associados à ser exploradas pelo Poder Naval: a
Dissuasão em relação à Presença, tendo em mobilidade, a permanência, a versatilidade e
vista a estratégia da Dissuasão ser a flexibilidade. A mobilidade relaciona-se
considerada, nesses documentos, como a com a capacidade de deslocar-se a grandes
primeira a ser empregada, procurando-se distâncias, em condições de emprego
evitar, assim, o conflito armado. imediato. A permanência representa a
capacidade de operar, contínua e
3.1.2. Marinha do Brasil (MB) independentemente por longos períodos, em
áreas distantes e de grandes dimensões. A
O Poder Marítimo é a projeção do
versatilidade indica a possibilidade de
Poder Nacional, resultante da integração dos
alteração da postura militar, exercendo uma
recursos de que dispõe a Nação para a
ampla gama de tarefas, considerando
utilização do mar e das águas interiores,
diferentes níveis de prontidão aplicáveis a
visando à conquista e à manutenção dos

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
demandas da Defesa Nacional
56

Figura 7: Área de Jurisdição dos Distritos Navais

Fonte: MARINHA DO BRASIL, 2021.

distintos cenários, operando ofensiva ou Dentro das áreas de jurisdição de cada


defensivamente, contra alvos submarinos, de Distrito Naval (DN), a MB exerce suas
superfície, aéreos, terrestres ou cibernéticos, atividades que demonstram constante
em operações singulares, conjuntas ou presença, por meio da execução de operações
combinadas. A flexibilidade liga-se à navais, aeronavais, e de fuzileiros navais,
capacidade de organizar-se em grupamentos controla atividades relativas à Segurança da
operativos em função da missão, tendo Navegação, Patrulha e Inspeção Naval além
diferentes valores e possibilitando um de Socorro e Salvamento, realizando,
emprego gradativo. também, trabalhos de Assistência Cívico-
Social às populações ribeirinhas. Ressaltam-

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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se, ainda, as atividades de relacionamento A Projeção de Poder sobre terra significa
com a sociedade, dentre as quais se destacam transpor a influência do Poder Naval sobre
as Sociedades de Amigos da Marinha uma área terrestre de interesse, por meio da
(SOAMAR), organizadas visando à atuação execução de operações anfíbias, de ataque,
no desenvolvimento e na integração da MB especiais, de defesa de porto ou operações
com a sociedade local, promovendo uma terrestres de caráter naval. Para isso, depende
vertente intangível de presença. da disposição de uma força com capacidade
Nesse contexto, destaca-se a expedicionária, em permanente condição de
Amazônia Azul, área de 3,5 milhões de pronto-emprego que assegure a capacidade
quilômetros quadrados de espaço marítimo, necessária de projetar poder sobre terra: um
sob jurisdição brasileira, onde somente o Conjugado Anfíbio, Força Naval com um
Brasil pode explorar economicamente, de Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais.
importância similar à floresta amazônica, A Contribuição para a Dissuasão
apresentada na figura 8. apresenta-se na conjunção das tarefas
anteriores, que indica a existência de uma
Figura 8: Amazônia Azul
força balanceada entre componentes de
superfície, anfíbio, aéreo e submarino, com
alto grau de mobilidade, que possibilite
dissuadir a presença de concentração de forças
hostis nas águas de interesse nacional, como a
Amazônia Azul. Para isso, é necessário que se
tenha o potencial para dissuadir, que se
concretiza pela existência de um Poder Naval
que inspire credibilidade.
Nesse contexto, destaca-se o projeto e a
construção do submarino com propulsão
nuclear brasileiro SN-BR, que visa a atender
às diretrizes estabelecidas na Estratégia
Nacional de Defesa, acrescentando uma nova
dimensão ao Poder Naval de nosso País. A
posse deste meio naval contribuirá,
significativamente, para assegurar a soberania
nas águas jurisdicionais brasileiras, garantindo
Fonte: MARINHA DO BRASIL, 2021.
ao Brasil inegáveis capacidades de dissuasão e

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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negação do uso do mar. portanto, deve-se enfatizar que sua


permanência é temporária, seja pelas
3.1.3. Força Aérea Brasileira limitações de autonomia, seja pela fadiga das
(FAB)
tripulações.
De acordo com a Doutrina Básica da
Devido à característica de fragilidade
FAB - DCA 1-1/2020, as características do
dos meios aéreos, não se concebe o
poder aeroespacial, após inúmeras
estabelecimento dos mesmos próximos o
observações do emprego de aeronaves em
suficiente do território inimigo de forma a
conflitos armados e em situações de não
colocá-los em situação de vulnerabilidade,
guerra, podem ser fatores de potencialização
não deixando de compreender que as
de uma força armada ou podem ser
características são válidas, igualmente, para o
limitadoras de seu emprego por parte de uma
inimigo. Assim, os meios de Força Aérea,
força oponente. Essas características são as
nos aspectos de capacidade de defesa e
seguintes: alcance; flexibilidade ou
potencial ofensivo, devem ser posicionados
versatilidade; mobilidade; penetração;
suficientemente distantes da linha de
perspectiva; precisão; pronta resposta;
combate, de forma a garantir sua integridade,
tecnologia; velocidade; custos; dependência
mas, por outro lado, a uma distância que
de tecnologia; dependência de infraestrutura;
permita seu alcance e penetração, para ações
fragilidade; necessidade de comando e
ofensivas.
controle; necessidade de inteligência e de
Isso posto, fica claro que o conceito de
contrainteligência; permanência; restrição de
presença para o Poder Aeroespacial possui
carga útil; e sensibilidade às condições
peculiaridades e não acompanha os conceitos
meteorológicas.
tradicionais das outras Forças. A presença
A Estratégia de Presença, na Força
como estratégia, em termos práticos, é
Aérea Brasileira, deve ser entendida,
implícita na missão da FAB, expressa da
inicialmente, segundo as características do
seguinte forma: “Manter a Soberania do
Poder Aeroespacial. Entendendo as
Espaço Aéreo e integrar o Território
características do Poder Aeroespacial, é
Nacional, com vistas à Defesa da Pátria”
possível compreender como se aplica essa
(BRASIL, 2018, p.11).
Estratégia na FAB. Ela deve ser entendida
Como parte importante do Sistema de
como temporária, seja na manutenção de
Controle do Espaço Aéreo Brasileiro
aeronaves no ar, ou na capacidade de
(SisCEAB), os Destacamentos de Controle
satélites permanecerem no ponto de
do Espaço Aéreo (DTCEA) são elementos
interesse. Tratando-se de vetores aéreos,
importantes para a garantia dessa Estratégia.

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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É uma “organização da estrutura do busca e salvamento em atendimento aos
Departamento de Controle do Espaço Aéreo acordos internacionais ou pelo
que presta os serviços de tráfego aéreo, monitoramento da Amazônia por satélites, a
telecomunicações, informação aeronáutica e expressão de presença da Aeronáutica
meteorológica nas diversas localidades de brasileira é abrangente e não se resume à
interesse da aviação” (BRASIL, 2021). Com presença física.
isso, tornam-se a extensão do Comando da
Aeronáutica, estando presentes em todo o 3.2. Em outros países
território nacional, ressaltando as fronteiras 3.2.1. Na África do Sul
Norte e Oeste, conforme figura 9, que A África do Sul possui uma área
demonstra os Destacamentos na Região continental de 1.219.090 km², contando
Amazônica e a área de responsabilidade do também com áreas insulares (Marion Island -
Comando da Aeronáutica naquela região. 298 km² e Prince Edward Island - 47 km²).

Figura 9: Distribuição das unidades do A área total de controle marítimo do país


Departamento de Controle do Espaço chega a 4.340.000km2. Sua maior extensão
Aéreo na Região Amazônica (SW-NE) é de aproximadamente 1.800 km e
sua menor (S-N) é de aproximadamente 800
km.
A extensa fronteira terrestre é, quase na
totalidade, caracterizada como fronteira
“seca”, semelhante a trechos das fronteiras
brasileiras, dificultando o controle do acesso.
Apesar da extensa faixa litorânea, esta não
oferece bons portos naturais, o que dificulta a
acessibilidade ao país por esse meio. A
posição dominante sobre a rota do Cabo das
Fonte: COMAER (2018). Agulhas propicia grande importância
estratégica.
A Dimensão 22 corresponde a uma
Os atuais documentos que tratam da
área de 22 milhões de km2, um cenário
segurança e da defesa da África do Sul são o
tridimensional que a Força Aérea Brasileira
Livro Branco de Defesa (1996), a Defense
protege por meio das ações de Controlar,
Review 2015 e o Strategic Plan 2020-2025.
Defender e Integrar. Seja pelo Controle do
Cada um deles estabelece os principais
Espaço Aéreo, pelas ações ligadas ao
aspectos relativos às forças de defesa do país,
patrulhamento da costa, pelo serviço de

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
demandas da Defesa Nacional
60

sua concepção estratégica, os objetivos e das forças terrestres pelo país.


metas de curto, médio e longo prazo. Além Com relação à distribuição dos meios
disso, os documentos do nível estratégico militares pela área geográfica da África do
servem como instrumentos para nortear a Sul, particularmente do seu Exército,
destinação de recursos financeiros para o observa-se o posicionamento de maior
desenvolvimento e obtenção de capacidades número de tropas em regiões estratégicas do
militares. país. Esse posicionamento traduz-se em uma
Com relação à África do Sul, não estratégia de presença seletiva, priorizando
foram encontrados dados, nas fontes grandes centros e estruturas críticas vitais do
consultadas, que abordassem, de forma clara, país. Tal estratégia poderia ser avaliada pelo
algum tipo de estratégia, tanto da presença EB, tendo em vista a dimensão do território,
quanto da dissuasão. No entanto, foi possível a extensa faixa de fronteira e o grande
observar que o país adota uma postura número de regiões e estruturas críticas
defensiva, organizando seus meios militares existentes no Brasil
para dissuadir possíveis ameaças, dentro das Ainda com relação à estratégia da
hipóteses de emprego e segundo os cenários presença, a distribuição dos meios, observada
possíveis. na África do Sul, tem como focos a
Referente à presença, foi possível operacionalidade e a defesa. As regiões onde
observar que a África do Sul prioriza dispor se concentram a maior parte das forças de
seus meios militares nos principais centros defesa não são vazios demográficos ou áreas
do país, próximo, ainda, das estruturas carentes da presença ou da ação do Estado.
críticas, em detrimento da faixa de fronteira. Assim, com base no modelo sul-africano para
Uma grande faixa da fronteira com a a distribuição dos meios terrestres, o EB
Namíbia e com o Botswana, com 2.413 km poderia avaliar o posicionamento de suas
de extensão, permanece quase totalmente OM, priorizando o cumprimento de suas
desguarnecida, contando com apenas um missões constitucionais, em detrimento do
batalhão mecanizado e dois batalhões aspecto psicossocial da presença.
motorizados, estes últimos estão localizados
mais próximos aos grandes centros do país. 3.2.2. No Chile
No entanto, a nova estrutura prevista para o O Chile não possui um manual que
Exército sul-africano contará com novas 9 contemple a definição e os tipos de estratégias
(nove) brigadas, com uma sede de Quartel adotadas. Entretanto, baseia-se no estudo de
General em cada uma das 9 (nove) pensadores sobre o assunto, plasmando, em
províncias, o que aponta para maior presença seus documentos de defesa, a dissuasão e a

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presença, deixando claro o uso da força em qualidade em vez da quantidade,
legítima defesa. reestruturando a força por meio da
A recente adoção de uma Política de racionalização e reorganização da estrutura
Defesa Nacional, publicada em 2021, no orgânica. Assim, reduziu-se o número de
momento em que o país formula uma nova Unidades, aumentou-se o poder de combate,
constituição, dá ao Chile, segundo Navarro bem como a capacidade operacional das
(2021), oportunidade de fixar parâmetros nos unidades foi mantida. Diminuíram-se as
quais serão debatidos os temas de Defesa e Unidades distribuídas no território nacional
das Forças Armadas no atual processo. O e, de forma mais racional, adotaram-se
autor ressalta que esta mesma política é a Unidades mais completas e melhor
primeira definida fora do Livro da Defesa equipadas.
Nacional do Chile, servindo, ainda, como As Forças Armadas do Chile estão
base ao mecanismo plurianual de articuladas em todo o território nacional de
financiamento das capacidades estratégicas forma interoperável desde o tempo de paz.
das Forças Armadas. Cabe destacar que a presença é marcada pelo
Assim, houve uma ampliação, pela emprego de dois Comandos Conjuntos: o
nova Política Defensa Nacional de Chile Comando Conjunto Norte, com sede em
2020 (2021c), para 5 (cinco) modalidades de Iquique, e o Comando Conjunto Austral, com
emprego da defesa, descritas nas seguintes sede em Punta Arenas, ambos sob o comando
concepções estratégicas: soberania e do Estado-Maior Conjunto. O primeiro
integridade territorial; cooperação abrange as regiões de Arica, Parinacota,
internacional e política exterior; segurança e Tarapacá e Antofagasta (Gobierno Regional
interesses territoriais; emergência nacional e de Tarapacá, 2018), e o segundo, as regiões
proteção civil; e contribuição ao de Magalhães e da Antártica Chilena (Chile,
desenvolvimento nacional e à ação do 2018a).
Estado. A Política de Defensa Nacional de
Nesse contexto, buscou-se caracterizar Chile (2021c) prevê que a articulação das
Presença e Dissuasão, a fim de subsidiar uma Unidades deve proporcionar: o
comparação com as estratégias adotadas pelo funcionamento de maneira autônoma e
Brasil. desvinculada do centro do país, em
Segundo Rodrigues (2019), a partir de momentos de dificuldade de mobilização e
2001, o Exército do Chile teve sua sustentação interoperável; e a conexão com
modernização concentrada na adoção de um áreas isoladas, facilitando a integração e o
novo desenho de forças, privilegiando a desenvolvimento, principalmente, nos locais

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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onde o Estado se faz menos presente. Tudo fronteiriça pelo Peru, na Corte Internacional
isso sem desconsiderar a capacidade de de Justiça, haja vista que a dissuasão não foi
mobilidade estratégica, reforçando as zonas suficiente para evitá-la, ficando ainda a
extremas a partir do centro do país. sensação de que dissuasão e cooperação
Em situações de catástrofes e desastres internacional não andavam juntas. Para tanto,
naturais como terremotos, tsunamis, secas, na Política de Defesa, a verdadeira dimensão
inundações e incêndios florestais, as Forças da dissuasão deveria ficar bem clara,
Armadas também estão presentes. No Plano evitando má interpretação por parte dos
de Desenvolvimento Estratégico do Exército países vizinhos, assim como a relevância
do Chile, AZIMUT 2026, ressalta-se a para salvaguardar e promover os interesses
preocupação em reorganizar a Força do Chile.
Terrestre e incorporar maior tecnologia para Assim como apresentado na estratégia
incrementar o poder de combate, aumentar as da Presença, os Comandos Conjuntos Norte e
competências e potencialidades, a fim de Austral contribuem para uma dissuasão
atender emergências e catástrofes, prevendo- efetiva dentro do que preceitua a Política de
se, inclusive, o desenvolvimento de uma Defesa. A reação imediata e a sustentação
força de reação rápida para tal (CHILE, interoperável e independente das forças,
2017a). presentes no Teatro de Operações Norte e
Segundo a Política de Defensa Austral, demonstram o valor dissuasivo,
Nacional de Chile (2021c), a dissuasão salientando-se a presença de tropas blindadas
considera a presença e a articulação como parte integrante de sua organização.
territorial da força efetiva nos locais de A Armada do Chile vê-se como uma
relevância estratégica para proteger áreas força polivalente, capaz de navegar sob
terrestres, zonas marítimas e espaços aéreos, qualquer condição climática, defender suas
para uma capacidade de resposta rápida e águas contra ameaças, projetar poder sobre
efetiva frente a uma agressão externa, o que é terra e realizar transporte marítimo
complementado por meio de uma resposta estratégico (Correa et al., 2019).
rápida na recuperação de danos às A relação estreita com os países da
infraestruturas críticas, diante de ataques OTAN, por exemplo, gera altos níveis de
cibernéticos ou físicos, bem como na interoperabilidade, usando padrões OTAN,
atribuição da origem de tais agressões. com doutrina e procedimentos operacionais
Para Castro B. (2014), o conceito de comuns, o que permite ao Chile integrar, de
dissuasão foi questionado pela sociedade, forma eficaz, seus meios às forças
principalmente na submissão de questão multinacionais para cooperar com a

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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segurança e a estabilidade em áreas de capaz de atuar, oportunamente, por exemplo,
interesse, prover ajuda humanitária e na Operação Verde Brasil.
mitigação de efeitos causados por desastres Além das possibilidades de aplicação
naturais em diferentes partes do mundo dos resultados do estudo do Chile, pode-se,
(CHILE, 2021c). também, verificar limitações para adoção de
Os dados levantados no estudo do algumas aplicações. A primeira delas é a
emprego das Forças Armadas do Chile, no dificuldade de o Estado brasileiro trocar a
que tange à Presença e à Dissuasão, presença nos Pelotões Especiais de Fronteira
possibilitaram a visualização de 4 (quatro) por um apoio simplesmente técnico e
possíveis aplicabilidades para o Exército logístico aos órgãos do Estado, haja vista as
Brasileiro. A primeira delas diz respeito à dimensões das nossas fronteiras e à ausência,
racionalização, adotando-se Unidades mais por vezes total, do Estado nessas regiões.
completas e melhor equipadas nas áreas Também haveria dificuldade para o Brasil
estratégicas de maior prioridade, a partir da empregar a Doutrina OTAN, haja vista o
proposta de redução de efetivo advinda do desenvolvimento de um sistema doutrinário
Sistema de Proteção dos Militares. Em já consolidado.
segundo lugar, em complemento à
aplicabilidade anterior, o aumento da 3.2.3. China
interoperabilidade por meio da criação de A República Popular da China (RPC)
comandos conjuntos ativados em tempo de tem se destacado, nos últimos vinte anos,
paz nas áreas estratégicas de maior como um ator cada vez mais relevante no
prioridade, aumentando a prontidão cenário internacional. Com várias
operacional. Como terceira possibilidade, a características singulares, o país tem se
diminuição da mobilidade estratégica e da mostrado como um sério concorrente à
sustentação do combate nas áreas prioritárias hegemonia dos Estados Unidos da América,
a partir do centro do país, criando as no aspecto econômico e, até mesmo, no
condições necessárias à interoperabilidade âmbito militar.
nas próprias áreas estratégicas prioritárias. A China é o maior país da Ásia
Por fim, a quarta possibilidade diz respeito à Oriental e o terceiro maior do mundo em
criação de uma força de ação rápida para extensão territorial, com aproximadamente
atendimento de emergências e catástrofes, 9,6 milhões de km2. É o país mais populoso
incluindo uma reserva mobilizável para tal. do mundo, com cerca de 1,38 bilhões de
Tal força dotada de equipamentos e balizada habitantes, o que representa um quinto da
por normas e procedimentos, poderia ser população do Planeta.

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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A estratégia militar chinesa é baseada servem como referências.


no conceito de defesa ativa, que adota os Como primeira proposta baseada na
princípios da defesa estratégica em evolução da estrutura militar chinesa, tem-se
combinação com a ação ofensiva nos níveis o estabelecimento de uma mentalidade
operacional e tático. Não se trata de uma eminentemente conjunta. Não se concebe, no
estratégia puramente defensiva, nem limitada atual arcabouço chinês, a definição de
à defesa territorial. Tal estratégia abrange estratégias inerentes às forças em particular.
aspectos ofensivos e preventivos e baseia-se Ao contrário, todas as diretrizes,
no princípio de evitar o início de um conflito planejamentos e estratégias partem do nível
armado, respondendo com força em caso de político e conjunto, cabendo às forças
agressão ao país. singulares a busca pelos objetivos
Ainda com relação à estratégia militar estratégicos definidos pelo Comitê Militar
chinesa, destaca-se a dissuasão nuclear. As Central (CMC).
ambições estratégicas da RPC, a visão em Sobre as limitações citadas, a primeira
evolução do cenário de segurança e as se apresenta no emprego conjunto que
preocupações com a capacidade de caracteriza toda a estratégia chinesa. A
sobrevivência estão levando a mudanças segunda limitação se refere à diferença
significativas no tamanho, capacidade e econômica entre o Brasil e a China, o que
prontidão de suas forças nucleares. A política dificulta, sobremaneira, a comparação das
de armas nucleares da China prioriza a estruturas militares respectivas.
manutenção de uma força nuclear capaz de A implementação de comandos
sobreviver a um primeiro ataque e responder conjuntos territoriais permanentes na
com força suficiente para infligir danos estrutura de defesa nacional é incipiente no
inaceitáveis a um inimigo. Os níveis de Brasil. Há, ainda, um longo caminho de
prontidão de suas forças nucleares, em mudança cultural e a necessidade de aumento
tempos de paz, estão aumentando para de interação entre as três Forças singulares
garantir sua capacidade de resposta. para que tal transformação seja levada a
Como relevante ator na atualidade, a cabo. Na maioria dos países em que isso
RPC estará em condições de, em médio aconteceu, houve imposição do nível
prazo, rivalizar militarmente com os Estados político.
Unidos da América, sendo um referencial de Sobre a estratégia da dissuasão, com
difícil comparação com o Brasil. Mesmo um foco em A2/AD, além de ser necessária
assim, é possível propor algumas iniciativas, uma coordenação no nível conjunto, também
que, se não plenamente aplicáveis ao EB, será necessário um grande aporte de recursos,

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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haja vista a grande necessidade de aquisição equivalente a uma (normalmente um livro
tecnológica para levar a efeito tal capacidade. branco sobre a defesa em um sistema
No entanto, há o facilitador de já existirem parlamentar). A Doutrina das Forças
projetos estratégicos nas três Forças que Armadas Conjuntas da Índia - 2017 é o
podem contribuir com a obtenção de tal primeiro documento de política indiana a
conjunto de capacidades. abordar seus objetivos de segurança nacional,
Finalmente, com relação à estratégia da política de segurança nacional e, até mesmo,
Fusão Civil-Militar, com foco no uma estratégia de segurança nacional.
alavancamento da indústria nacional de Todavia, na Índia, observa-se o entendimento
defesa brasileira, esbarra-se na falta de de que: “Embora não tenhamos uma Política
previsão orçamentária e, até mesmo, na baixa e Estratégia de Segurança Nacional
prioridade política para gastos com defesa. formalmente articulada, isso não significa
As atuais empresas nacionais de defesa que elas não existam ou não sejam
somente conseguem sobreviver por meio de suficientemente compreendidas”
vendas de exportação, fruto da boa qualidade (BRATTON, 2017, tradução nossa).
de seus produtos e projetos e da falta de Os Objetivos de Segurança Nacional
recursos nacionais. foram estabelecidos para salvaguardar os
interesses nacionais indianos e influenciam
3.2.4. Na República da Índia as dimensões políticas, militares e

A República da Índia, com capital na econômicas. Fornecem uma estrutura para a

cidade de Nova Deli, é constituída por 28 formulação da Política de Segurança

Estados e oito Territórios da União. Nacional e estratégias subsequentes.

Organiza-se como uma República A Política de Segurança Nacional

Democrática Socialista Secular, cujo sistema baseia-se no direito inerente de autodefesa,

político, previsto na Constituição, adotada obtenção de capacidades de dissuasão,

em 26 de janeiro de 1950, é o federalismo autonomia estratégica, autossuficiência,

parlamentarista, tendo o Presidente da cooperação, segurança e relações amistosas

República como Chefe de Estado e o com a comunidade internacional.

Primeiro-Ministro como Chefe de Governo. Além da implementação de sua

Em contraste com os Estados Unidos, a doutrina nuclear, sobre a qual sua estratégia

Índia não articulou formalmente (até muito de dissuasão é fortemente calcada, em

recentemente) sua orientação estratégica e de virtude de suas principais ameaças, a Índia

segurança. Não publica uma estratégia de não deixou de adotar medidas efetivas

segurança nacional e nunca publicou o voltadas a estabelecer meios e mecanismos

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
demandas da Defesa Nacional
66

que lhe proporcionam, atualmente, uma militar disponível já se apresenta como


capacidade de dissuasão convencional crível elemento dissuasório considerável da
e eficaz diante de seus variados e difusos estratégia indiana.
desafios. Outra questão que confere à Índia uma
Dentre essas medidas, destacam-se duas, razoável condição de dissuadir ações
no que se refere à Estratégia da Presença. A contrárias à sua soberania e seus interesses
primeira delas diz respeito à magnitude das está ligada aos esforços dedicados para melhor
Forças Armadas Indianas em função dos seus equipar e modernizar suas FA. De acordo com
meios, considerando pessoal e material. No a publicação Military Balance - 2020 (2021)3,
que tange apenas ao pessoal, como a Índia posiciona-se em 5º lugar, no ranking de
mencionado, a Índia possui a segunda maior gastos com o setor de Defesa entre as nações
força militar do Planeta, com quase 1.500.000 pesquisadas, bem à frente do Brasil, por
integrantes, computando-se apenas elementos exemplo, que se encontra na 11ª posição no
no serviço ativo. Nesse contexto, cumpre mesmo ranking. A destinação de vultosos
ressaltar que o recrutamento para as Forças recursos ao setor de Defesa, ao longo dos anos,
Armadas é voluntário e aberto a todos os possibilita à Índia realizar a aquisição de
cidadãos indianos, desde que satisfeitos os modernos armamentos, equipamentos e
critérios estabelecidos, independente de casta, sistemas, bem como levar adiante projetos que
classe ou religião. O Exército Indiano é um dinamizam e ampliam a capacidade de sua
dos maiores recrutadores do país, base industrial de defesa, o que contribui para
incorporando quase 60.000 jovens anualmente. o desenvolvimento de tecnologias próprias e
Soma-se a esse expressivo número um gradual independência de produtos
efetivo ainda maior de forças paramilitares, estrangeiros.
como a “Border Security Force” (257.350) e a A combinação desses dois fatores,
“Central Reserve Police Force” (313.650), aquisições externas e investimentos internos,
resultando em mais de 940.000 integrantes. faz com que, atualmente, a Índia disponha de
Considerando-se, ainda, efetivos relativos ao capacidades militares pouco disponíveis na
número de reservistas, correspondente a cerca maioria dos exércitos, tais como submarinos
de 1.155.000 pessoas, mais 12.600 integrantes com propulsão nuclear, porta-aviões, defesa
de sua Guarda Costeira, verifica-se que os antiaérea de média capacidade, mísseis
recursos do país pode alcançar, em caso de um balísticos de diferentes alcances, armas
conflito de grandes proporções, antissatélite (ASAT), entre outras, conferindo
aproximadamente, a marca de 3.500.000 de 3
Publicação do Instituto Internacional de Estudos
pessoas. Desse modo, o gigantismo da força Estratégicos (International Institute for Strategic
Studies - IISS).

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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ao poder militar indiano um grau de Assim, o estudo da experiência indiana
dissuasão convencional bastante permite concluir a respeito de 5 (cinco)
considerável. possibilidades de aplicação no exército
Os grandes efetivos das FA Indianas, brasileiro: (1) priorizar a alocação de forças
aliados à existência de robustos sistemas de militares e meios dissuasórios em regiões
armas com efeitos dissuasórios, consideradas estratégicas em território
estrategicamente dispostos ao longo de seu nacional, que façam frente às principais
território, são elementos que possuem um ameaças levantadas à segurança e à
estreito relacionamento com a Estratégia da integridade territorial (em certa medida, isso
Presença desenvolvida pelo país. Não já vem sendo realizado no âmbito da Força
obstante essa estratégia não estar Terrestre); (2) manter a atual Estratégia da
formalmente explicitada, em seus Presença, priorizando regiões estratégicas
documentos de defesa, da análise da mais importantes; (3) ampliar, conforme
articulação de suas forças, pode-se observar, possível, os investimentos realizados junto à
claramente, que a Índia emprega a Estratégia Base Industrial de Defesa (BID) nacional, a
da Presença. Contudo, essa presença é fim de viabilizar ganhos tecnológicos e
seletiva, devido à forte existência de tropas independência na aquisição de produtos, bem
em áreas de grande importância estratégica, como ampliar e facilitar sua oferta, medida
em detrimento de outras áreas do país menos essa que vem sendo realizada pelas Forças
relevantes sob esse ponto de vista. Alia-se a Armadas, de forma limitada, por meio dos
essa seletividade a mobilidade estratégica, respectivos programas estratégicos; (4)
ainda que limitada, para o emprego de forças ampliar a mobilidade estratégica para ter a
militares, em curto período de tempo, dentro capacidade de fazer-se presente com força
e fora de seu território. ponderável, onde não haja tropa com poder
A conclusão da análise acerca das FA de combate adequado, no escopo da
Indianas inviabiliza levantar algumas Estratégia da Presença; e (5) intensificar
comparações com o Exército Brasileiro, no esforços, junto ao Ministério da Defesa, para
que diz respeito às estratégias da Presença e favorecer a adoção de medidas que
da Dissuasão, haja vista a inexistência da conduzam a uma efetiva interoperabilidade.
aplicação da dissuasão nuclear pelo Estado Observam-se, ainda, alguns óbices para
brasileiro. Ainda, é grande a dificuldade de a execução dessas opções, tais como: (1)
comparação em termos de efetivo, devido à insuficiência de recursos orçamentários,
atual política de redução dos quadros de necessários às Forças Armadas para a
pessoal, em curso nas FA brasileiras. realização de importantes aquisições de

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
demandas da Defesa Nacional
68

meios que garantam adequada mobilidade Algumas características da Rússia


estratégica e, sobretudo, para a realização de guardam semelhanças com o Brasil, como por
investimentos na BID; e (2) diferenças na exemplo, a grande extensão territorial, a
cultura organizacional entre as três Forças grande população, o grande número de países
Singulares, que dificultam um com fronteiras terrestres comuns, o PIB de
aprofundamento da interoperabilidade em um dimensão semelhante, a existência de áreas
ambiente conjunto permanente. anecúmenas no seu interior e a existência de
um oceano que banha seu litoral, repleto de
3.2.5. Na Federação Russa riquezas a serem exploradas.
De acordo com a publicação The
País com maior extensão territorial do Military Balance (2020), em breve, serão
mundo, mais de 17 de milhões de anunciadas modificações na Estratégia de
quilômetros quadrados, equivalente a dois Segurança Nacional da Rússia. Esse
territórios brasileiros, a Federação Russa documento possui uma versão em português,
ocupa expressiva porção do Leste da Europa cuja tradução foi realizada na ECEME.
e toda a parte Norte da Ásia. Possuindo Somado à Doutrina Militar, à Doutrina
fronteiras terrestres que se estendem por Marítima e à Doutrina Ártica, balizam as
20.240 km com 14 (quatorze) países (sendo ações estratégicas da Rússia.
sete na Europa e sete na Ásia), a Rússia A Doutrina Militar da Federação Russa
possui desafios de segurança e de defesa, estabelece as principais tarefas das forças
continentais e intercontinentais. armadas, de outras forças e das autoridades do
Durante os quase 45 anos de Guerra país.
Fria, a Rússia foi, na condição de principal Conforme afirma André Beaufre, em sua
república da antiga União Soviética, a única obra “Introdução à Estratégia”, a Estratégia
potência com real capacidade de confrontar os Nuclear ou da “dissuasão nuclear” (Nuclear
EUA. Após a queda do muro de Berlim e o Deterrence) comporta dois tipos de tática
desmoronamento da URSS, a Rússia passou nuclear, a saber: a tática “contra forças” e uma
por quase uma década de estagnação e tática “contra cidades”. A Rússia, assim como
sucateamento de capacidades. Porém, na os EUA, utiliza a denominada “tática contra
virada do século XXI, o país passou por um forças”, no âmbito da sua Estratégia Atômica.
processo de modernização de suas instituições Beaufre destaca, ainda, que “a manutenção do
e de abertura comercial, o que permitiu chegar equilíbrio nos diversos domínios (nuclear,
aos dias atuais, com bom desempenho como clássico e indireto) é necessária para
nação. possibilitar a utilização da ‘resposta flexível’ e

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


69
a manutenção de ferramentas estratégicas nos denominação aparentemente restritiva, esse
campos do domínio nuclear, clássico e conceito operativo não se limita somente à
indireto, de forma a impedir que um Estado defesa antiaérea, expandindo-se aos outros
Nacional seja colocado na situação de ter que domínios do campo de batalha, consistindo
escolher entre a reação total e a capitulação” na criação de clusters de sistemas de armas
(BEAUFRE, 1963). de grande capacidade, alcance e precisão em
A nova Estratégia de Segurança todos os domínios, inclusive no campo
Nacional da Rússia, aprovada em 2009, cibernético.
estabelece a manutenção de uma paridade em Se as estratégias antiacesso (A2) visam
relação ao número de armas estratégicas com a impedir a entrada das forças inimigas no
os EUA (Oliveira, 2011, p 66, grifo nosso). teatro de operações, as operações de negação
Não obstante o fim da Guerra Fria, a de área (AD) objetivam impedir a liberdade
Rússia procura garantir seu poder de de ação adversária. Portanto, as operações de
dissuasão nuclear, empregando a “tática AD incluem ações que limitam atuação do
contra forças”, que prevê a manutenção de oponente no ar, na terra e no mar,
uma quantidade de meios nucleares para contestando e impedindo as operações
destruir todas as forças nucleares inimigas e conjuntas no espaço de batalha defendido
reservar uma quantidade de armas nucleares (KREPINEVICH, 2003).
para continuar prevalecendo como potência Assim, o emprego do conceito A2/AD,
no pós-conflito. no caso russo, consiste na articulação de
A partir da observação das sucessivas sistemas de armas de grande desempenho de
doutrinas norte-americanas conhecidas e modo associado, instalados em clusters, no
respectivas vulnerabilidades, a Rússia entorno ocidental da Rússia. Tal dispositivo,
desenvolveu o conceito doutrinário que apresenta o conjunto de capacidades de
denominado “Консепция защиты multidomínio, constitui a base material
территории ПРО России”, cuja tradução sistêmica da dissuasão convencional daquele
livre seria “Defesa de Território por proteção país. Esses clusters estão desdobrados em
antiaérea”, em uma evolução do mero Pskov/Smolensk, em Kaliningrado, na
conceito de defesa antiaérea de área sensível Bielorrússia, em Belgorod, na Crimeia, na
para o de defesa antiaérea de território, o que, Geórgia e na Síria, haja vista que as tropas
no Ocidente, é conhecido como A2/AD e que responsáveis por seu desdobramento estão
é a parte central da dissuasão estratégica articuladas, territorialmente, próximas de
convencional russa. seus locais de provável emprego, desde o
Como já visto anteriormente, apesar da tempo de paz.

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
demandas da Defesa Nacional
70

Da análise do conceito de A2/AD 3.3. Considerações sobre a


aplicado pela Federação Russa, é possível comparação com os países
perceber a existência de alguns programas
Conforme figura 10, a seguir,
estratégicos do Exército Brasileiro com
comparando os aspectos da Estratégia da
potencial para capacitar a Força Terrestre, a
Presença dos países mencionados, observa-se
fim de adotar o referido conceito. Além
que o Chile e a Rússia utilizam forças não
disso, o País apresenta algumas áreas
militares para as ações junto à Faixa de
estratégicas, tais como a Foz do Rio
Fronteira, diferentemente do Brasil. Assim
Amazonas, que dá acesso ao coração da
sendo, é natural inferir que a Rússia e a
Amazônia, e o litoral compreendido entre
China possuem sua mobilidade estratégica
Santos e Vitória, que dá acesso ao núcleo
compatível com a dimensão territorial e a
central econômico brasileiro, onde a
articulação das Forças, o que fortalece suas
aplicação do conceito A2/AD poderia
ações de presença em seus vastos territórios,
ocorrer.
servindo de bons exemplos a serem seguidos
pelo Brasil nesse quesito.

Figura 10: Comparações com outros países

Fonte: os autores.

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


71
Assim como o Brasil, a Rússia possui assertivas sobre o ambiente informacional
uma grande capilaridade de suas forças podem ser identificadas nas Capacidades
armadas em todo seu território, permitindo Nacionais de Defesa (CND), necessárias para
estar presente e capaz de atuar em qualquer habilitar o País ao exercício das ações de
ação, inclusive, em ações de natureza Defesa e Segurança, destacando-se a
intangível, ou seja, na dimensão humana da Capacidade de Gestão da Informação, que
população. Já os demais países estudados “visa a garantir a obtenção, a produção e a
realizam uma Presença de forma seletiva, difusão dos conhecimentos necessários ao
conforme a realidade de cada um. processo decisório [...] aos tomadores de
Com relação aos aspectos da decisão, em todos os níveis” (END, 2020 p.
Estratégia da Dissuasão, tanto Rússia como 37).
China possuem estratégias claras de Por sua vez, o Plano Estratégico do
Antiacesso e Negação de Área (A2/AD) Exército (PEEx)4 estabelece, no “Objetivo
como dissuasão convencional, além da Estratégico do Exército Nr 7- Aprimorar a
Projeção de Poder. Gestão Estratégica da Informação, como
A capacidade Antissatélite (ASAT) parte da estratégia de Reorganização do
alcançada por Rússia, China e Índia confere a Sistema de Informação do Exército
esses países maior poder dissuasório em (SINFOEx)”, o desenvolvimento da
nível global. Capacidade Militar Terrestre Superioridade
Por fim, outro aspecto da dissuasão, de Informações, justificando as ações que
observado nos países comparados, foi o fato permeiam a operatividade da Força na
de todos possuírem comandos conjuntos Dimensão Informacional.
combatentes ativados, o que sugere a busca Segundo a Doutrina Militar Terrestre
constante pela interoperabilidade de suas (2019), “A dimensão informacional abrange
forças armadas. os sistemas utilizados para obter, produzir,
difundir e atuar sobre a informação”. Nesse

4. Os Impactos da Dimensão sentido, os impactos dessa dimensão no


Informacional, da mobilidade desenvovimento das Estratégias da Presença
estratégica e da Ciência, Tecnologia e da Dissuasão referem-se à maneira de
e Informação (CT&I) no comunicar, para obter a dissuasão e
Desenvolvimento das Estratégias da
rearfirmar a presença do Exército Brasileiro
Presença e da Dissuasão

4.1. A Dimensão Informacional 4


O documento “direciona o esforço dos investimentos
da Força para o quadriênio 2020-2023, dando
No nível estratégico, verifica-se que as prosseguimento ao processo de transformação do
Exército rumo à Era do Conhecimento” (PEEx, 2019).

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
72

em todas as regiões do País. Assim, a capacidade de moldar o


Nesse ambiente complexo, destaca-se a entendimento, o comportamento e a opinião
reduzida Mentalidade de Defesa no País. do público ou de determinado segmento, na
Apesar da implementação de diversas Dimensão Informacional, favorece a
medidas que permitiram, nos últimos anos, capacidade da Força Terrestre de estar
aproximar a Academia e a Indústria do setor presente de maneira tangível ou intangível,
de Defesa, ainda há muito investimento a ser obtendo informações de interesse.
feito, visando à integração da Tríplice Hélice A partir da correta e oportuna
à população em geral, contribuindo para o comunicação, a Dimensão Informacional
desenvolvimento da Mentalidade de Defesa e contribui para a Legitimidade das Ações.
para a integração da expressão militar à O desenvolvimento da Estratégia da Presença
sociedade. sofre impacto desse Princípio de Guerra,
sendo fundamental para a percepção das
4.1.1 Impactos no populações quanto à participação da Força
desenvolvimento da Estratégia da
em determinado conflito.
P re se nç a
Nesse contexto, a Dimensão
O fortalecimento da Coesão Nacional
Informacional favorece o importante
é um importante impacto da Dimensão
aspecto da Liberdade de Ação. Ao se
Informacional na Estratégia da Presença.
considerar o grau de liberdade na execução
Conforme MOREIRA (2016), a “Presença
da ação militar, a Estratégia da Presença
Intangível” possui um peso muito grande na
pode ser orientada, direcionando a
adoção da Estratégia, pela impossibilidade da
articulação da Força e seus aspectos
articulação da Força Terrestre em todo o
psicossocial e político.
território nacional, avultando de importância
A garantia da Consciência Situacional,
as ações relacionadas à natureza intangível
por meio da capacidade de processar
da Presença, a fim de conquistar o apoio da
informações em escalas cada vez maiores,
população, normalmente caracterizado como
com a maior rapidez possível e valendo-se do
Centro de Gravidade nos conflitos modernos.
poder informacional, impacta o
Essas ações contribuem para a sensação de
desenvolvimento da Estratégia da Presença.
segurança e favorecem a percepção da
Nesse caso, a construção de uma percepção
Presença, com economia de recursos e sem
atualizada que reflita a realidade sobre o
grandes efetivos físicos.
ambiente contribui para a decisão adequada e
Moldar o Ambiente Operacional é
oportuna, em qualquer situação de emprego.
outro impacto na Estratégia da Presença.

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


73
4.1.2 Impactos no “uma vantagem operativa derivada da
desenvolvimento da Estratégia da habilidade de coletar, processar, disseminar,
Dissuasão explorar e proteger um fluxo ininterrupto de
A Comunicação Estratégica é um informações em todos os níveis, ao mesmo
importante impacto da Dimensão tempo em que se busca tirar proveito das
Informacional na Dissuasão. Tendo em vista informações do oponente e/ou negar-lhe
a imperiosa necessidade de comunicar a essas habilidades”.
capacidade militar do País e a sua disposição A Estratégia da Dissuasão é impactada
de usá-la em caso de necessidade, a pela Interoperabilidade na Dimensão
Comunicação Estratégica afeta diretamente a Informacional. Com a necessidade de
credibilidade da Estratégia da Dissuasão. compatibilizar sistemas e integrar as ações
Nesse sentido, identifica-se outro informacionais, o desenvolvimento de
impacto no aumento do Poder de Combate, a estruturas estratégicas conjuntas que já
partir das capacidades que habilitem a Força contemplem a interoperabilidade favorece à
a operar na Dimensão Informacional. Do Dissuasão, a exemplo da ativação do
ponto de vista do combate moderno, com o Comando Conjunto de Defesa Cibernética
uso da computação cada vez mais intenso, o (ComDCiber),
emprego do poder informacional representa A figura 11, a seguir, sintetiza cada um
extraordinária capacidade de redução de desses impactos da Dimensão Informacional
assimetrias entre os beligerantes. Em nas Estratégias da Presença e da Dissuasão.
comparação com os custos dos meios físicos
de combate, apresenta-se como instrumento
mais acessível e mais viável. Dessa forma, o
adequado emprego da Dimensão
Informacional agrega Poder de Combate à
Força, contribuindo para a Estratégia da
Dissuasão.
A Superioridade da Informação
impacta a Dimensão Informacional na
Estratégia da Dissuasão positivamente,
garantindo ao detentor da capacidade maior
efeito dissuasório.
Conforme a Doutrina Militar Terrestre
(2019), a Superioridade da Informação é

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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Figura 11: Impactos da Dimensão Informacional nas Estratégias da


Presença e da Dissuasão

MENTALIDADE DE
DEFESA

Fonte: os autores.

4.2. A Mobilidade Estratégica


tais limitações, apoiando a dissuasão de
Segundo a Estratégia Nacional de
tentativa hostil estrangeira, sob a égide do
Defesa (END, 2020), a Capacidade de
trinômio monitoramento/controle, mobilidade
Mobilidade Estratégica “refere-se à condição
e presença.
de que dispõe a infraestrutura logística de
No entanto, tal condição requer, entre
transporte do País, de capacidade multimodal
outros aspectos, que o Brasil disponha de
e de meios de transporte, que permitam às
estrutura de transportes adequada e que
Forças Armadas deslocar-se, rapidamente,
privilegie a interação e a integração dos
para a área de emprego, no território nacional
diversos modais, de maneira que possa atuar
ou no exterior, quando assim impuser a defesa
de forma multimodal.
dos interesses nacionais”.
Dessa forma, tendo em vista a atual
Dessa forma, o imperativo de mobilidade
insuficiência da infraestrutura nacional de
ganha importância decisiva para Dissuasão e
transportes, verifica-se a possibilidade de
Presença, dadas a vastidão do espaço a
incluir demandas da Mobilidade Estratégica no
defender e a escassez de meios para defendê-
Plano Nacional de Logística (PNL) 2035, do
lo. O esforço da Presença, sobretudo ao longo
Ministério da Infraestrutura, na revisão
das fronteiras terrestres e nas partes mais
prevista para 2024, a fim de planejar a
estratégicas do território nacional, possui
construção ou adequação de pistas de pouso e
limitações intrínsecas. Assim, a mobilidade
aeródromos, de portos, de estações de trem de
permitirá superar o efeito prejudicial de

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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carga e da malha viária como parte de um Obtenção da Capacidade Operacional Plena
planejamento estratégico interministerial, (OCOP) e Defesa Antiaérea), a elevação da
sobretudo, na Região Amazônica, o que irá Capacidade Operacional (CO) de Prontidão,
incrementar a Mobilidade Estratégica da Força obtida pela aquisição de meios modernos e
Terrestre e das demais Forças. confiáveis, deve ser apoiada pela Mobilidade
Para isso, o Exército Brasileiro também Estratégica, contribuindo para a prontidão da
poderá contribuir, dentre outras formas, por Força Terrestre.
meio da atuação do Departamento de 4.2.2. Impactos no
Engenharia de Construção (DEC), desenvolvimento da Estratégia da
colaborando com iniciativas de Dissuasão
desenvolvimento nacional previstas no PNL Em relação aos impactos da Mobilidade
2035, participando da melhoria dessa Estratégica sobre a Estratégia da Dissuasão, à
infraestrutura, sobretudo, para atender às medida que a infraestrutura nacional for
demandas da Defesa. incrementada, aumentará a capacidade de
Projeção de Força. Nesse contexto, infere-se
4.2.1. Impactos no que a Estratégia da Dissuasão é impactada por
desenvolvimento da Estratégia da outros conceitos inerentes à Mobilidade
P re se nç a Estratégica: raio de ação, velocidade,
Em relação aos impactos da Mobilidade flexibilidade de modal, fortalecimento dos
Estratégica observados na Estratégia da aspectos da capacidade de transporte,
Presença, a capilaridade da Força Terrestre e credibilidade e comunicação.
sua articulação, no território nacional, A figura 12, a seguir, mostra os
permitem limitada capacidade de “estar impactos da Mobilidade Estratégica nas
presente” e “ser presente”. Dessa forma, estratégias em estudo.
com o incremento da infraestrutura de 4.3. Ciência, Tecnologia e
transportes, a Estratégia da Presença será Inovação (CT&I)
favorecida. Desde a publicação das primeiras
Outro impacto está identificado no versões da Política Nacional de Defesa
aumento da capacidade de Pronta Resposta (anteriormente, Política de Defesa Nacional)
Estratégica por meio da Mobilidade e da Estratégia Nacional de Defesa, o tema
Estratégica. Conforme o PEEx (a exemplo do “Ciência e Tecnologia” tem sido amplamente
Sistema Integrado de Monitoramento de destacado como relevante para que os
Fronteira (SISFRON), dos Programas objetivos nacionais de defesa sejam
Estratégicos Forças Blindadas, ASTROS 2020, alcançados.

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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Figura 12: Impactos da Mobilidade Estratégica nas Estratégias da Presença


e da Dissuasão

INFRAESTRUTURA
NACIONAL DE
TRANSPORTES

Fonte: os autores.

As últimas edições desses documentos, possível, a fim de viabilizar a redução da

ocorridas no ano de 2020, estimulam o defasagem tecnológica das Forças Armadas,

desenvolvimento de projetos científico- permitindo o fortalecimento da BID e a

tecnológicos aplicados à Defesa, visando ao autonomia tecnológica do País. Nesse

crescimento do parque industrial nacional. contexto, estimula-se a busca pela

Cabe mencionar que os referidos documentos regularidade na obtenção de materiais de

sinalizam para a importância de investimento emprego militar junto à BID, a fim de

em CT&I, pois os países que investem nessa fomentar o desenvolvimento de tecnologias

área evoluem no domínio de tecnologias sensíveis e a geração de oportunidades de

críticas e disruptivas, incrementando o nível exportação, bem como incentivar a atração, a

de desenvolvimento, assim como o bem-estar retenção e a motivação de pesquisadores em

da população. Cabe mencionar, ainda, que a CT&I.

END apresenta uma Estratégia de Defesa


4.3.1. Impactos no
específica para o tema, ED-9 - desenvolvimento da Estratégia da
Fortalecimento da Área de Ciência e P re se nç a
Tecnologia de Defesa.
Inicialmente, a CT&I tende a impactar
Adicionalmente, esses documentos
o desenvolvimento da Estratégia da Presença,
estimulam o investimento em CT&I para a
ao fornecer ferramentas para a Mobilidade
obtenção de produtos de defesa, utilizando
Estratégica. Nesse caso, o emprego de
tecnologias de emprego dual sempre que
tecnologias que contribuem com o rápido

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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deslocamento das Forças Armadas, para Sistema CT&I e da BID, vem possibilitando
qualquer área de emprego, ou para melhor o domínio nacional dessas tecnologias,
articulação no território nacional, favorece a impactando a Estratégia da Presença.
Presença e permite a economia de recursos.
4.3.2. Impactos no
Outrossim, na Estratégia da Presença, desenvolvimento da Estratégia da
verifica-se maior capacidade de Dissuasão
monitoramento e vigilância, ilustrada pelo Um importante impacto da Ciência,
Sistema Integrado de Monitoramento de Tecnologia e Inovação, na Estratégia da
Fronteira (SISFRON). Esse Programa Dissuasão, está relacionado com a
Estratégico proporciona maior contribuição à Capacidade Operacional e de Pronta-
ideia de “ser presente” em vez de “estar Resposta da Força Terrestre. Assim, todo o
presente”, por meio do incremento de desenvolvimento de sistemas, armas, sensores,
capacidades tecnológicas, permitindo a Comando e Controle, entre outros, obtidos
redução de efetivo nessas atividades. pelos investimentos em CT&I, garantem
Atualmente, estima-se que 70 % dos independência tecnológica e
Sistemas de Materiais de Emprego Militar, interoperabilidade, impactando a Dissuasão
obtidos no SISFRON, sejam nacionais. A partir do incremento da Força Terrestre de
intenção é elevar esse valor até que a BID meios e materiais nacionais de qualidade e da
tenha capacidade de fornecer 100% das efetividade da resposta a qualquer ameaça
demandas em sistemas militares, detectada no território nacional ou no exterior.
demonstrando a elevada importância A figura 13 mostra os referidos
atribuída à Ciência, Tecnologia e Inovação. impactos nas Estratégias da Presença e da
Nesse contexto, o emprego do conceito Dissuasão.
de Tríplice Hélice, com a participação do

Figura 13: Impactos da CT&I nas Estratégias da Presença e da Dissuasão

DESENVOLVIMENTO
TECNOLÓGICO

Fonte: os autores.

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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5. O emprego e a articulação da das Organizações Militares (OM) do


Força Terrestre em face às Comando do Exército no território nacional.
estratégias da Presença e da Dessa forma, é possível identificar diferentes
Dissuasão
aspectos que apontam para a
5.1. Emprego da Força Terrestre complementaridade entre as estratégias da

Em relação ao emprego, o Exército Presença e da Dissuasão. A maioria desses

Brasileiro deve estar preparado para atuar em aspectos está ligada à articulação do poder de

operações de amplo espectro (situação de combate pelo território nacional. A

guerra e de não guerra), que têm como distribuição de meios, intimamente ligada à

premissa maior a combinação, simultânea ou estratégia da Presença, gera capacidades

sucessiva, de atitudes ofensivas, defensivas e empregadas no exercício da Dissuasão. Isso

de cooperação e coordenação com agências. ocorre, por exemplo: com a presença das

Para isso, a Força Terrestre, sustentada por tropas na fronteira, que produzem

uma doutrina em constante evolução, baseia conhecimento, integração e dissuasão,

sua organização em estruturas com as sobretudo, perante ameaças não estatais; com

características de flexibilidade, adaptabilidade, a distribuição de forças em atendimento ao

modularidade, elasticidade e sustentabilidade equilíbrio estratégico, perante países

(FAMES), permitindo alcançar resultados vizinhos; ou, ainda, com o desenvolvimento

decisivos em Operações no Amplo Espectro, da mentalidade de defesa na sociedade.

com prontidão operativa e capacidade de No entanto, esse posicionamento não

emprego do poder militar de forma gradual e impede que as Unidades possam ser

proporcional à ameaça, baseadas nos conceitos empregadas em outras áreas estratégicas.

de resposta imediata, atuação ampliada e Nesse sentido, a Estratégia da Presença prevê

esforço total. a capacidade de rápido deslocamento para

A fim de minimizar as adaptações da qualquer região do País, quando necessário,

transição da estrutura militar em tempo de paz necessitando do efetivo desenvolvimento da

para tempos de crise/conflito armado, a Força Capacidade de Mobilidade Estratégica

Terrestre estabeleceu as Forças de Emprego para assegurar uma estrutura militar com

Estratégico, de Emprego Geral e de Módulos credibilidade, capaz de gerar o esperado

Especializados. efeito dissuasório.


A figura 14 mostra alguns dados
5.2. Articulação da F or ç a relativos à articulação e ao emprego da Força
Terrestre Terrestre brasileira.

A articulação diz respeito à localização

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79

Figura 14: Informações sobre a articulação e emprego da Força Terrestre

Fonte: os autores.

5.3. Os Programas Estratégicos da capacidade DAAe de grande altura/


do Exército e o Sistema de grande alcance, visando a consolidar a
Prontidão Operacional obtenção dessas capacidades estratégicas.
O emprego e a articulação da Força Da mesma forma, o estabelecimento do
Terrestre possuem importante ligação com os Sistema de Prontidão Operacional
Programas Estratégicos do Exército, cujo (SISPRON), composto pelas Forças de
objetivo é gerar capacidades necessárias para Prontidão Operacional (FORPRON), Força
que o EB cumpra suas missões. Expedicionária (F Expd) e Forças do Sistema
Nesse sentido, verifica-se a de Prontidão de Capacidades de Manutenção
importância de prosseguir com os da Paz das Nações Unidas (UNPCRS, sigla
Programas ASTROS 2020, Sistema em inglês), contribui para uma resposta mais
Integrado de Monitoramento de Fronteira rápida em caso de evolução da situação de
(SISFRON), Forças Blindadas, Obtenção da paz para a de crise ou de conflito armado.
Capacidade Operacional Plena (OCOP) e Assim, deve-se prosseguir na implantação
Defesa Antiaérea (DAAe) de média das FORPRON, priorizando o emprego
altura/alcance, além de inserir a obtenção nas áreas estratégicas.

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
80

5.4. O Sistema Nacional de pandemia e de catástrofe natural de grandes


Mobilização proporções.
Por fim, relacionado ao emprego e à Assim, pode-se indicar ao Ministério
articulação da Força, percebe-se uma da Defesa a realização de gestões no nível
dificuldade de realização de adestramentos político, a fim de inserir instrumentos que
completos de mobilização dentro do contexto permitam a Mobilização Nacional para a
da mobilização nacional. A dificuldade realização de exercícios, ações
ocorre por força da Lei nº 1.631, de 27 DEZ complementares e operações militares em
07, que dispõe sobre a mobilização nacional tempo de paz. Consequentemente, em caso
e cria o Sistema Nacional de Mobilização de agressão externa, principalmente, oriunda
(SINAMOB). de potências extrarregionais, as Forças
Essa legislação prevê, no Artigo 2º, Armadas estariam em melhores condições de
inciso I, que “a Mobilização Nacional é o ofertar a continuidade logística e a
conjunto de atividades planejadas, orientadas sustentação ao combate para as forças
e empreendidas pelo Estado, empregadas.
complementando a Logística Nacional,
6. Indicações e Recomendações para
destinadas a capacitar o País a realizar ações o aperfeiçoamento das Estratégias
estratégicas, no campo da Defesa Nacional, da Presença e da Dissuasão
diante de agressão estrangeira” (BRASIL, Diante dos desafios dos cenários
2007, p.1). Tal circunstância merece atenção prospectivos futuros para o setor de defesa e
especial, principalmente, para um país que da análise do contexto nacional e do entorno
possui dimensões continentais e sem estratégico, esse estudo identificou
infraestrutura de transporte desenvolvida na oportunidades de melhoria, agrupadas em
sua plenitude. indicações e recomendações em dois níveis,
Uma tentativa de aperfeiçoamento da o setorial (Ministério da Defesa) e o
referida legislação está sendo proposta por subsetorial (Exército Brasileiro).
meio do Projeto de Lei nº 1.074, de 2021,
que altera a Lei nª 11.631, de 27 DEZ 007, 6.1. Para o nível setorial
para permitir a decretação da Mobilização (Ministério da Defesa)
Nacional a que se referem os incisos XXVIII
6.1.1. Antiacesso e Negação
do caput do art. 22 e XIX do caput do art. 84 de Área A2/AD
da Constituição Federal, nos casos de
Como indicação direcionada ao
situação de emergência de saúde pública de
Ministério da Defesa, sugere-se a inclusão do
importância internacional decorrente de

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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conceito de Antiacesso e Negação de Área mobilidade estratégica para a Defesa. Isso
A2/AD nas concepções estratégicas de todas ocorre em função da insuficiência da
as Forças Armadas. Tal demanda surge estrutura nacional de transportes, sobretudo
devido ao fato de que algumas ações das na Região Amazônica, para permitir que a
operações de antiacesso necessitam de Força Terrestre se faça presente naquele local
capacidades típicas da Marinha do Brasil, com tropas de natureza adequada, de modo
como a Negação do Uso do Mar, e da Força ágil, prejudicando a dissuasão. Essa carência
Aérea, como o reconhecimento aéreo- pode ser reduzida com a inclusão de
marítimo e a interceptação de longo alcance. demandas de defesa no “Plano Nacional de
Logística 2035”, cuja revisão está prevista
6.1.2. Sistema Nacional de para 2024. Assim, sugere-se que o Ministério
Mobilização (SINAMOB)
da Defesa apresente projetos que melhorem a
A segunda indicação refere-se à infraestrutura de transportes em direção à
introdução de instrumentos na Lei de Região Amazônica.
Mobilização que permitam utilizar o
SINAMOB em situações de crise. Desse 6.1.5. Dimensões Humana e
modo, será possível validar os instrumentos Informacional
legais e os meios materiais sem o risco de A quinta recomendação refere-se ao
constatar que não funcionam somente quando incremento de ações de natureza intangível,
a guerra for iminente. em todo território nacional e no exterior, com
a finalidade de potencializar a coesão nacional
6.1.3. Interoperabilidade e a comunicação das capacidades de defesa do
A terceira indicação relaciona-se à País.
interoperabilidade. Entende-se como
necessário o direcionamento dos oficiais 6.2. Para o nível subsetorial
concluintes dos cursos de operações (Exército Brasileiro)
conjuntas aos comandos conjuntos ativados 6.2.1. Programas Estratégicos
desde o tempo de paz. Além disso, aumentar
A primeira indicação ao Exército
a difusão da mentalidade de operações
Brasileiro é o prosseguimento das obtenções
conjuntas nas escolas de formação de oficiais
de capacidades: do Programa Estratégico
e de sargentos é de extrema importância.
ASTROS 2020; do Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteira (SISFRON); do
6.1.4. Mobilidade Estratégica
FORÇAS BLINDADAS; da Obtenção da
A quarta indicação diz respeito à
Capacidade Operacional Plena; e do projeto
necessidade de aperfeiçoamento da

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
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de obtenção de Defesa Antiaérea de Média reestudo da articulação da Força, a fim de


Altura. Além disso, no Catálogo de readequar o valor de tropas com pouco poder
Capacidades do Exército, é importante inserir de combate e pouca entrega de dissuasão,
a obtenção da capacidade Defesa Antiaérea procurando “fazer mais com menos” e
(DAAe) de grande altura/ grande alcance. diminuindo o custo da presença para
completar as capacidades operativas.
6.2.2. Antiacesso e Negação de
Área (A2/AD) 6.2.5. Ciência, Tecnologia e
Inovação
A segunda indicação para a Força é a
inclusão do Conceito Estratégico de Visando à diminuição da defasagem
Antiacesso e de Negação de Área na tecnológica existente entre os países mais
Concepção Estratégica de Emprego do desenvolvidos e o Brasil, a quinta
Exército [como Capacidade Militar Terrestre recomendação é atrair, reter e motivar a
(CMT)] e no Catálogo de Capacidades do pesquisa em CT&I, otimizando a aplicação
Exército. Importante ressaltar a constituição dos recursos orçamentários, de forma a
de centros de excelência em todas as aumentar o poder de combate da Força
capacidades e a implantação de uma Força Terrestre e buscar a independência
Multidomínio (A2/AD) na FORPROM, como tecnológica. Além disso, prosseguir
ferramenta de dissuasão convencional. investindo em CT&I, em especial, nos
sistemas de armas, nos sensores, nos meios
6.2.3. Sistema de Prontidão de comando e controle e na
(SISPRON) interoperabilidade.
A terceira indicação ao Exército
Brasileiro é a continuidade da implantação 6.2.6. Dimensões Humana e
das Forças de Prontidão (FORPRON), uma Informacional
vez que o conceito de dissuasão envolve a
Do mesmo modo que foi indicado ao
existência de forças em condições de emprego
nível setorial, esse estudo concluiu que é
imediato, priorizando o emprego das
necessário ao Exército Brasileiro o
FORPRON nas Áreas Estratégicas.
incremento das ações de natureza intangível
em todo território nacional e no exterior, com
6.2.4. Racionalização
o objetivo de potencializar a coesão nacional
Em função da restrição orçamentária,
e a comunicação de nossas capacidades de
da redução de efetivo e do aumento da
defesa, a fim de dissuadir pretensões
tecnologia, a quarta indicação refere-se ao
adversas contra o País.

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Conforme pode ser observado na figura
6.3. Interação entre as 17, nessas interrelações, percebe-se que a
Indicações e as Estratégias
Estratégia da Presença interage com a
estudadas
Comunicação Estratégica, para potencializar
Diante de todo o exposto, conclui-se a coesão nacional e entregá-la à dissuasão.
que as duas estratégias focalizadas, a Por outro lado, influencia a capacidade de
Presença e a Dissuasão, são enfrentamento, valendo-se da mobilidade
interdependentes, mesmo que a estratégia da estratégica para permitir que as forças se
Dissuasão seja a mais relevante à missão façam presentes de modo ágil na área onde o
principal das Forças Armadas do País. poder de coerção do Estado-Nacional seja
Além das estratégias em si, foram necessário.
identificados outros aspectos relevantes que A Comunicação Estratégica, além de
se interrelacionam, para potencializar o efeito comunicar as capacidades de defesa do País,
dissuasório extrarregional pretendido pelos interage com o setor de CT&I para criar o
documentos de Defesa. Dentre eles, amálgama da Tríplice Hélice (Academia,
destacam-se a Comunicação Estratégica; a Indústria e Força Armada), que é um polo de
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I); e a sinergia essencial à construção da dissuasão.
Capacidade de Enfrentamento.

Figura 15: Aspectos contribuintes da Dissuasão e Interação das indicações com as


Estratégias Estudadas

Fonte: os autores.

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demandas da Defesa Nacional
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A Ciência, Tecnologia e Inovação pesquisa bibliográfica, buscando-se analisar


contribuem para a independência aspectos relacionados: (1) à evolução
Tecnológica e entregam sistemas de armas à histórica; (2) aos principais desafios a serem
capacidade de enfrentamento, aspectos enfrentados pelo MD e pelo EB; e (3) à atual
fundamentais da dissuasão. concepção de emprego e articulação da FT.
Ainda, na figura 17, todas as Pôde-se verificar que o principal
indicações e recomendações deste estudo legado deixado pela evolução histórica da
interagem com aspectos contribuintes da estratégia da Presença foi a capilaridade
dissuasão, incluindo a estratégia da Presença alcançada pela F Ter, fruto da articulação de
que necessita ser readequada para a suas OM em todo o território nacional, a qual,
racionalização dos meios. As ações apesar de prejudicada pela mobilidade
intangíveis do campo humano e estratégica deficiente, caracteriza-se como
informacional podem contribuir com o alvo de constante busca pelo seu
aumento da coesão nacional. Uma melhor aperfeiçoamento.
política de oferta de bolsas de pesquisa pode Nesse sentido, assim como a Presença,
contribuir para atrair cérebros que gerem os a Dissuasão apresenta-se, nos atuais
saltos tecnológicos necessários ao planejamentos de alto nível do EB, como
desenvolvimento e à obtenção de sistemas de estratégia prioritária, de forma que o País
armas, de capacidades operativas e de enfrente os cenários e desafios atuais e
A2/AD, fundamentais ao incremento da futuros, desaconselhando qualquer ameaça ou
capacidade de enfrentamento e à dissuasão agressão à soberania nacional.
convencional. Considerando-se os vários cenários
analisados na pesquisa, identificamos alguns
7. Conclusão desafios futuros em comum, todos no
Esse artigo teve como objetivo geral contexto de um ambiente caracterizado como
verificar se as concepções das Estratégias da multidomínio: o incremento da robotização
Presença e da Dissuasão atendem, nas do campo de batalha; o aumento dos
melhores condições, às demandas da Defesa conflitos em ambientes urbanos; o aumento
Nacional, além de responder alguns de ações no ambiente informacional e no
problemas específicos diretamente espaço cibernético; e maior número de
relacionados às referidas estratégias. ações de guerra híbrida.
Nesse sentido, sob o ponto de vista Além desses, apresentam-se à
político e estratégico da Presença e da realidade nacional desafios como o tema
Dissuasão, foi realizada ampla e aprofundada ambiental e a restrição de recursos

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orçamentários para a Defesa. em águas interiores, como na Amazônia Azul;
Assim, os desafios supracitados ações de presença com o monitoramento e
impactarão tanto a estratégia da Presença vigilância a ser proporcionado pelo SisGAA;
como a da Dissuasão, seja, negativamente, e intenção da instalação de um futuro
pela(s): defasagem tecnológica; diminuição de complexo multipropósito na foz do Rio
efetivo em 10%; Base Industrial de Defesa Amazonas. Com relação à Dissuasão, o
ainda não consolidada; mobilidade estratégica principal aspecto verificado é o
restrita, em função da deficiente infraestrutura prosseguimento do Programa de
nacional e restrições no orçamento da Defesa. Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB),
Seja, positivamente, pela busca: do o qual proporcionará enorme poder
incremento de ações de natureza intangível; dissuasório extrarregional ao Brasil.
da capacidade operacional e de prontidão; da A Força Aérea Brasileira (FAB), em
comunicação estratégica; da prospecção sua “Concepção Estratégica 2041”, apresenta
tecnológica; e da capacidade de projeção de as suas ações de monitoramento e vigilância
força. em toda a sua “Dimensão 22” como principais
No que concerne à concepção do aspectos da Presença, por meio do Sistema de
emprego, o principal aspecto observado foi a Controle do Espaço Aéreo Brasileiro
importância de prosseguir com a implantação (SisCEAB), além da capacidade de
do Sistema de Prontidão (SISPRON), focando desdobramento de seus meios logísticos e
na busca pela capacitação das Forças de operacionais por todo o território nacional. No
Prontidão (FORFRON) e no emprego nas que tange à Dissuasão, a FAB considera,
áreas estratégicas do País, assim como no como principais aspectos dissuasórios,
prosseguimento do Plano de Articulação da F alcançar as capacidades operacionais de
Ter, já em curso. Proteção e Pronta-Resposta, Projeção
Com relação ao estudo das estratégias, Estratégica de Poder sobre Centros de
nos documentos do EB e do MD, verificou-se Gravidades e a Superioridade Aeroespacial.
que há uma prevalência da quantidade de É importante ressaltar, tanto nos
objetivos, estratégias e ações voltadas para a documentos estratégicos da MB, quanto nos
Dissuasão, em comparação àqueles voltados da FAB, a importância do fator humano e do
para a Presença. informacional, ou seja, a contribuição dessas
A Marinha do Brasil, em seu “Plano ações de natureza intangível para a
Estratégico 2040 (PEM)”, descreve como mentalidade de defesa e a integração com a
principais aspectos da Presença: ações nas sociedade, muito importantes para a
Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), tanto Estratégia da Presença.

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O estudo concluiu que as duas estratégica; do poder de combate; da


estratégias estão mutuamente ligadas, uma superioridade da informação; e da sua
contribuindo para o êxito da outra, devendo- interoperabilidade.
se mantê-las igualmente prioritárias, Em relação aos impactos da
principalmente nas áreas estratégicas do País, Mobilidade Estratégica na estratégia da
conforme já definido nos documentos de Presença, a F Ter possui uma relativa
defesa nacional. Apesar disso, alguns capacidade de “estar presente”, fruto da
incrementos devem ser realizados para o infraestrutura nacional insuficiente. Porém,
aperfeiçoamento de ambas as estratégias, os deve-se buscado o incremento dessa
quais estão contidos nas recomendações e capacidade, o que impactará na capacidade de
indicações a seguir. pronta-resposta da F Ter. Para a Projeção de
Os incrementos a serem propostos Força, há necessidade de se possuir
para a estratégia da Presença estão voltados Mobilidade Estratégica e Força capaz (Força
para a melhoria da mobilidade estratégica e Expedicionária ou Força de Prontidão -
para o incremento de ações nas dimensões FORPRON).
humana e informacional. Já para a estratégia Os impactos negativos são gerados
da Dissuasão, os incrementos baseiam-se não pela deficiência: na infraestrutura nacional de
só na melhoria da mobilidade estratégica, transportes, que ensejam uma restrição da
mas, também, no aperfeiçoamento da CT&I e pronta-resposta; na capacidade, na
da capacidade operacional da F Ter. credibilidade e na comunicação (componentes
Essa pesquisa focou, também, nos da Dissuasão); e no raio de ação, velocidade e
impactos da Dimensão Informacional, da flexibilidade de modais (componentes da
Mobilidade Estratégica e da CT&I, nas Mobilidade Estratégica).
supracitadas estratégias, comparando-as com A Ciência, Tecnologia e Inovação
as desenvolvidas em outros países - África do (CT&I) impactam de forma positiva sobre a
Sul, Chile, China, Índia e Rússia. estratégia da Presença, na medida em que
Os principais impactos da Dimensão permitem aperfeiçoar a infraestrutura de
Informacional sobre a estratégia da Presença mobilidade estratégica nacional, assim como
são o incremento: da coesão interna; da incrementam a capacidade de monitoramento
capacidade de moldar o ambiente operacional; e vigilância da Força Terrestre, importante
da legitimidade das ações; da liberdade de meio de presença intangível.
ação; e da consciência situacional da F Ter. Já Da mesma forma, a CT&I impacta
para a estratégia da Dissuasão, os principais positivamente sobre a Dissuasão, à medida
impactos são o incremento: da comunicação que incrementa: a capacidade de pronta-

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resposta; a capacidade operacional; a Antiacesso e Negação de Área (A2/AD), além
independência tecnológica; e a da capacidade de Projeção de Poder. A
interoperabilidade da Força Terrestre capacidade Antissatélite (ASAT) alcançada
brasileira. Porém, a defasagem tecnológica por Rússia, China e Índia confere a esses
atual sugere investir em CT&I e em países enorme poder dissuasório em nível
prospecção tecnológica, a fim de vencer esse global. Outro aspecto da dissuasão observado
óbice, permitindo que os impactos positivos nos países comparados é o fato de todos
se apresentem o mais breve possível. possuírem comandos conjuntos combatentes
Fruto da comparação com os países já ativados, o que sugere ao Brasil a busca
nominados (África do Sul, Chile, China, Índia constante pela interoperabilidade de suas
e Rússia), o principal aspecto da Presença forças armadas.
observado foi a utilização de forças não Em termos gerais, esse estudo indica
militares pelo Chile e pela Rússia para as que a Presença é uma importante Estratégia a
ações junto à Faixa de Fronteira, diferente do ser mantida, porém, priorizá-la importará em
Brasil, que utiliza suas Forças Armadas elevados custos (investimento e custeio) para
nessas ações. Tanto a Rússia como a China a Força Terrestre. Nesse sentido, sugere-se
possui mobilidade estratégica muito um reestudo aprofundado da articulação da F
desenvolvida, o que fortalece suas ações de Ter, considerando os impactos, riscos,
presença em seus vastos territórios, servindo restrição no orçamento e outros fatores
de bons exemplos a serem perseguidos pelo julgados cabíveis.
Brasil. Esse estudo considerou, por fim, que
Assim como o Brasil, a Rússia possui deve ser dada uma maior ênfase ao
uma grande capilaridade das forças armadas incremento da Estratégia da Dissuasão,
em todo seu território, permitindo ser presente principalmente, nos aspectos da Ciência,
e ser capaz de atuar em quaisquer ações, bem Tecnologia e Inovação e na Pesquisa e
ser de grande importância para as ações de Desenvolvimento, na medida em que essas
natureza intangível, ou seja, na dimensão áreas permitem aumentar a capacidade:
humana da população. Já os demais países operacional; de interoperabilidade; de
comparados realizam uma presença de forma vigilância e monitoramento da F Ter; dentre
seletiva, conforme a realidade que cada um outros. Ainda, permitem contribuir,
apresenta. decisivamente, com a melhoria da
Com relação aos aspectos da infraestrutura para a mobilidade estratégica.
Dissuasão convencional, tanto Rússia como
China possuem estratégias claras de

Estratégias da Presença e da Dissuasão face às


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demandas da Defesa Nacional
92

Wellington Costa Prates et al. Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


94

1. Introdução por um perfil mais baixo de atuação no campo

A ordem internacional liberal do pós- externo e, por consequência, atenuar a

Segunda Guerra Mundial (II GM), baseada efetividade operativa da sua política exterior,

em regras, capitaneada e orquestrada pelos a superpotência abre espaço para

Estados Unidos da América (EUA) vem questionamentos acerca de uma eventual

enfrentando, de forma progressiva, tentativas degradação da sua capacidade de liderança

de reestruturação. A pertinência do status quo global. Nesse cenário, a ideia de uma

caracterizado pela liderança hegemônica descentralização dos mecanismos de

norte-americana tem sido colocada à prova, governança global vem à tona, correndo em

ao reboque de episódios que sugerem o paralelo com a emergência de uma

incremento do transcurso de um processo de multipolaridade sistêmica mais plausível.

deslocamento de poder. A emergência de uma Diante dos (não tão claros) sinais

ordem internacional multipolar, caracterizada modeladores da conjuntura, o debate em torno

pela intensificação da competição Ocidente da ocorrência de uma suposta transição

versus Oriente e pelo afloramento de outros hegemônica dos EUA para a China tem

polos, essencialmente regionais, emoldura a ganhado impulso. Ao confrontar duas visões

ideia. de mundo distintas, o processo aventado tende

A pandemia da COVID-19 suscitou a impulsionar competições pelo domínio de

questionamentos acerca de eventuais áreas de influência, sejam elas temáticas e/ou

fragilidades na efetividade das instituições geográficas, inferindo tangibilidade à

internacionais, cuja dependência das múltiplas desestabilização do sistema internacional. A

capacidades dos EUA parece ter se tornado incidência de variáveis estruturais, dentre as

mais evidente. No quadro de crise global quais alterações demográficas, competição

instalada, a liderança norte-americana tem por acesso a recursos naturais, mudanças

reagido de forma contida, por vezes não climáticas, ciclotímicas crises econômicas

apresentando o suporte esperado para a mundiais, dentre outras, concorre com

viabilização de respostas concertadas e com questões conjunturais com similar potencial

alcance espraiado. Ao parecer não demonstrar de impacto para a estabilidade global, tais

o mesmo ímpeto de outrora para comandar como desastres humanitários de grave

iniciativas globais voltadas para o repercussão, pandemias, movimentos

enfrentamento de relevantes desafios migratórios, conflitos e guerras. No

despontantes, os EUA enviam, mesmo que contemporâneo quadro de disputa por poder,

tacitamente, uma mensagem errática à quando até mesmo a linguagem oficial

comunidade internacional. Ao aparentar optar recuperou a ideia de uma corrida envolvendo

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


95

A emergência de tensões com


potencialidade de provocar
transbordamentos na esfera geopolítica
impele os Estados a movimentar seus
recursos de poder, inclusive a expressão
militar.

superpotências1, acende-se a luz amarela para estratégicas do mundo, dentre elas a porção
o futuro da segurança global. territorial que passaremos a chamar de Ásia
O mainstream dos analistas Indo-Pacífico (AIP), observa-se uma mudança
considera a China a única rival geopolítica nas estruturas de alianças. Ao pesquisar o
realmente capaz de ameaçar a posição dos perfil desse movimento, o International
EUA no topo da ordem global. Allison (2020) Institute for Security Studies (IISS) argumenta,
argumenta que a fulminante ascensão da por meio do research paper intitulado
China tem potencial de provocar uma Changing Alliance Structures 2 , que uma
mudança sísmica no equilíbrio de poder característica específica é a transfiguração do
relativo. Para além das relações bilaterais modelo multilateral tradicional. A formação
entre as duas potências, inevitáveis impactos de pequenos grupos internacionais,
nos campos econômico e científico- tencionando alcançar objetivos estratégicos
tecnológico afligem variados segmentos das limitados, embora significativos, em oposição
relações internacionais (r.i.). A emergência de a alianças ou instituições bilaterais ou
tensões com potencialidade de provocar multilaterais mais amplas, maiores ou mais
transbordamentos na esfera geopolítica formais, é apontada como uma tendência.
impele os Estados a movimentar seus recursos Dessa forma, o contemporâneo fenômeno do
de poder, inclusive a expressão militar. minilateralismo assume centralidade no
Nesse contexto, nas principais regiões dinâmico processo de remodelagem das
relações de segurança.
1
O documento National Security Strategy of United States of
America, divulgado em 2017, apresentou, de forma explícita, Na perspectiva geoestratégica do atual
China e Rússia como rivais que ameaçavam a prosperidade e
os valores norte-americanos. “A estratégia é realista porque é jogo das grandes potências, a
clara sobre a competição global: reconhece o papel central do
poder nos assuntos mundiais; afirma que os estados expansão/consolidação de áreas de influência
soberanos são a melhor esperança para um mundo pacífico e
define claramente nossos interesses nacionais”. De forma e a recomposição de parcerias e alianças
ainda mais clara, descreve que “[…] Após ter sido descartada
como um fenômeno do século passado, a competição entre estratégicas parecem imprimir padrões
grandes potências voltou” (tradução nossa). Sobre o assunto,
consultar https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-
2
content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905- Sobre o assunto, consultar
2.pdf?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt- https://www.iiss.org/blogs/research-paper/2021/12/changing-
BR&_x_tr_pto=sc. alliance-structures.
Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
tabuleiro internacional
96

reiteradamente observados no período da a depender do modelo de comportamento


Guerra Fria, suscitando um incômodo déjà vu estratégico a ser adotado – mais ou menos
de práticas políticas – nos âmbitos doméstico desafiador – as (grandes) estratégias das
e internacional – desestabilizadoras. Do potências irão buscar as melhores ferramentas
conjunto de variáveis incidentes, é para a consecução de seus objetivos políticos.
incontestável que aquelas vinculadas ao poder Nesse diapasão, a decorrente (e quase
duro e à realpolitik venham a continuar inexorável) movimentação das peças nos
ocupando lugar de destaque nos processos diversos tabuleiros tende a potencializar
decisórios estatais. Aos fundamentos alterações na arquitetura global de segurança
materiais (militares e econômicos) a ele e, por conseguinte, pressionar por mudanças
vinculados, associa-se uma crescente no perfil das r.i. contemporâneas.
assertividade diplomática, orientada para a Assim, ao considerar lícitos os
defesa de interesses nacionais e para a pressupostos de que: a Pax Americana vem
comunicação de valores imateriais. Diferentes sendo questionada quanto à sua legitimidade;
perspectivas, visões de mundo e a estabilidade do sistema internacional tem
autopercepções, variáveis perenemente sido constrangida pelo acirramento da
presentes nas práticas que marcam as relações competição EUA e China, cujo
interestatais, renovaram importância diante transbordamento tem potencial de alcance
das fluidas dinâmicas da hodierna política global; e as relações de segurança na região
internacional. da AIP estão se reconfigurando sob um
As tradicionais teorias das Relações modelo específico, este trabalho se propõe a
Internacionais (RI) identificaram, há muito, a formular a seguinte pergunta de pesquisa:
importância dos períodos de transição entre qual seria o perfil predominante –
hegemonias, salientando a relevância dos pragmático ou ideológico – das variáveis
atores e das dinâmicas revisionistas independentes que incidem sobre a
envolvidos na disputa, bem como os modelagem do processo de reconfiguração
eventuais impactos erosivos na estabilidade da arquitetura regional de segurança na
do sistema internacional. Em que pese o foco região da AIP?
das atenções tenderem para o Ao lançar luzes em questões que
acompanhamento mais cerrado das relações incidiram sobre o pressuposto processo de
sino-estadunidenses, outros atores fragmentação e declínio da Pax Americana,
internacionais buscam se reposicionar, este artigo analisa algumas das condições
sistemicamente, frente às oportunidades e aos contribuintes – materiais e imateriais – para a
desafios que ora se descortinam. Por seu turno, formatação e modelagem da concertação

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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estratégica surgida no período pós-Guerra estadunidenses, explorando algumas das


Fria, abordando características do que julga principais variáveis que contribuíram para o
ser um processo (ora em andamento) de seu tensionamento e esgarçamento. Na
reconfiguração da arquitetura de segurança segunda seção, são traçadas considerações
global. acerca do peso e do valor das ideias,
O trabalho considera o acirramento da componentes subjetivos da cultura estratégica
competição EUA x China como elemento e da matriz de variáveis que permeia o jogo
estruturante central, com potencial de acionar das grandes potências. A terceira seção realiza
gatilhos para crises regionais capazes de gerar um sobrevoo sobre as relações de segurança
ondas de desestabilização de alcance na região da AIP, caracterizando as principais
estendido. Ao abordar a região da AIP como condicionantes geopolíticas e geoestratégicas
recorte de pesquisa, o estudo buscou enfatizar que contribuem para a conformação do
a relevância geopolítica e geoestratégica processo de reconfiguração da arquitetura de
daquela parte do mundo, caracterizando-a segurança regional. Na conclusão, argumenta-
como o mais importante tabuleiro de jogo das se sobre a pertinência e a relevância do
grandes potências. modelo adotado pelas grandes potências na
O estudo aborda, empírica e operacionalização do mencionado processo.
superficialmente, alguns traços da Grande
Estratégia dos EUA e da China, buscando 2. Geopolítica, diplomacia e poder:
identificar a ocorrência de eventuais o esboço primário das relações
associações entre os tradicionais recursos de EUA x China na era da competição
poder duro com fundamentos imateriais e No capítulo 8 da célebre obra On
ideacionais conformadores das culturas China (Sobre a China), Henry Kissinger
estratégicas das duas potências. Ao concluir, (2011) descreve as circunstâncias conjunturais
pondera-se acerca do peso da influência das preambulares que levaram o então presidente
mencionadas variáveis sobre a atuação norte-americano, Richard Nixon, a buscar a
política e estratégica de ambos os países, aproximação com a China. Eram os
especificamente no que concerne à turbulentos anos 1960 (metade final) e ambas
reconfiguração da arquitetura de segurança da as nações enfrentavam desafios domésticos e
região da AIP. externos complexos. A efetivação do
O texto está dividido em três seções, movimento de convergência, cujo mote
além desta introdução e da conclusão. A fundamental era a consolidação de uma
primeira seção aborda os principais eventos aliança antissoviética, foi além do mero ajuste
da história recente das relações sino- diplomático, extrapolando para o que foi

Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


tabuleiro internacional
98

chamado de uma “reconciliação”. Kissinger resultantes dos eventos em Tiananmen (1989)


(2011), ao se referir à proposta de Nixon de contribuíam para esse sentimento – e
“promover a reentrada da China na garantisse o vigor das reformas na economia
comunidade das nações”, destaca a evocação que sustentariam seu desenvolvimento. Nesse
do presidente norte-americano aos princípios contexto, as relações sino-estadunidenses se
wilsonianos 3 . Em que pese o alto grau de desenvolviam de forma tensa, marcadas por
desconfiança mútua, o processo avançou. sanções econômicas e pressões de ativistas
Decorridos mais de 50 anos, muita coisa pró-democracia, além do próprio Congresso
mudou. Nesse interlúdio, fundamental norte-americano. Valores democráticos e
destaque deve ser dado ao conjunto de direitos humanos, cerne da crença dos EUA
reformas econômicas iniciadas após a morte em si próprio, alimentavam inevitáveis
de Mao Tse-Tung (1976), processo que impasses (Kissinger, 2011).
alicerçou a impressionante transformação da Do confronto de visões de mundo
nação asiática. distintas, haveria a necessidade de
A debacle do regime soviético, no modificações de posicionamentos visando a
início dos anos 1990, ratificou a ideia, junto uma acomodação razoável, sob pena das
às lideranças do Partido Comunista Chinês relações bilaterais entre EUA e China não
(PCCh), da necessidade de alavancagem da avançarem. E assim foi feito. Diante da
inserção internacional do país, rompendo, em irredutibilidade do PCCh, que não admitia
definitivo, seu isolamento 4 . A China não interferências na governança de questões
queria emular o destino que os soviéticos caras à sobrevivência do seu modelo político
haviam conhecido e, para tal, operacionalizou e à sua própria segurança, o então presidente
uma estratégia que, simultaneamente, Clinton, pressionado pelo setor corporativo do
dobrasse o ceticismo do “mundo ocidental” seu país5, viu-se impelido à flexibilização dos
perante um regime ditatorial e comunista – imperativos de defesa dos valores norte-
questões envolvendo Taiwan e os desgastes americanos. Ao comentar a decisão, Kissinger
3
Mead (2006) propôs a categorização da política exterior dos (2011) destaca que uma solução ótima para o
EUA em quatro “escolas”: hamiltoniana, jeffersoniana,
5
jacksoniana e wilsoniana. A expressão sintética da tradição Parte interessada no atrativo processo de
wilsoniana se traduz pela base moral de seus princípios. A internacionalização da economia chinesa, o setor corporativo
moral e o respeito aos valores adquirem centralidade norte-americano pressionou seu governo a não priorizar
filosófica na operacionalização da política exterior norte- diferenças políticas que pudessem atravancar as promissoras
americana. Ademais, a escola wilsoniana incorpora o relações econômicas bilaterais. Nesse sentido, efetivo lobby
pressuposto de que as democracias são a melhor e mais foi lançado para a renovação da cláusula de Nação Mais
confiável forma de governo. Favorecida (NMF) à China, condição viabilizante ao ingresso
4
Vincula-se o chamado “século da humilhação” à na Organização Mundial do Comércio (OMC). A ordem
prevalência de uma suposição filosófica equivocada de que a executiva, assinada por Clinton em 1993, estendeu o status
China era um grande reino médio autossuficiente, que não de NMF por mais 12 meses, condicionando a renovação a
precisava se envolver com o mundo. Ao longo do período do mudanças na postura chinesa no trato de questões afetas aos
governo Mao, ainda que tenha havido uma aproximação com direitos humanos. Em 1994, após tensos encontros
o regime soviético (depois desfeita), a postura isolacionista diplomáticos, os EUA cederam às próprias condicionantes e
prevaleceu. renovaram a cláusula de NMF para a China.

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


99

impasse seria a combinação das abordagens do campo científico-tecnológico. Desde o


6
idealista e realista, o que pode ser início do século XX, os EUA capitanearam
interpretado como uma defesa pragmática do todas as revoluções tecnológicas,
uso da política externa como elemento apresentando-se como o indutor dos processos
operativo definidor tanto dos objetivos quanto de transformação a elas vinculados. A China,
dos meios utilizados para alcançá-los. ao se posicionar como um competidor que
Da admissão no Conselho de domina parcela de relevantes segmentos na
Segurança da Organização das Nações Unidas esfera tecnológica, tem demonstrado vigor e
(CS/ONU), em 1971, passando pela entrada capacidade para travar duros embates pela
na Organização Mundial do Comércio liderança no setor. Ao aproveitar-se dessa
7
(OMC) , em 2001, até chegarmos aos dias condição para alavancar e incorporar
atuais, um conjunto de condicionantes substantivos recursos de poder, condição
estruturais e conjunturais fundamentaram o medular para a sustentação e viabilização de
acúmulo de poder relativo e a dinâmica da seus objetivos, o Estado chinês (re)adquiriu
movimentação da China na estrutura do status de potência e, por conseguinte,
sistema internacional. No contexto amplo de robusteceu a importância da sua participação
um mundo economicamente caracterizado por no complexo jogo da política internacional.
interconectividades vigorosas, coube ao país Com o fim da Guerra Fria e na esteira
posição central na complexa configuração das dos acontecimentos decorrentes do atentado
cadeias produtivas internacionais, o que lhe de 11 de setembro de 2001, o mundo
empresta invulgar importância no intrincado observou uma mudança de postura estratégica
jogo da interdependência econômica global. por parte dos EUA e dos seus principais
Do repertório de desafios à hegemonia aliados. Do “fim da história” à emergência da
norte-americana, que abarca desde uma Guerra ao Terror (e dos conflitos a ela
robusta ascensão econômica até o crescente atrelados), criaram-se condições para que uma
empoderamento no campo militar, a China China, até então “contida e aparentemente
apresenta algo novo ao seu principal rival: satisfeita”, manobrasse, estrategicamente (e
vantagem competitiva em destacados nichos ao seu modo), em prol de seus interesses. Ao
6
“[…] O melhor resultado no debate americano seria adotarem uma política de engajamento com a
combinar as duas abordagens: para os idealistas, reconhecer
que os princípios precisam ser implementados ao longo do China, os EUA intentavam conter hostilidades
tempo e desse modo devem ser, ocasionalmente, ajustados às
circunstâncias; e para os realistas, aceitar que os valores em relação ao seu crescimento, de modo a
devem ter a sua própria realidade e devem ser construídos
como políticas operacionais” (KISSINGER, 2011). evitar que este se tornasse uma ameaça à
7
Após a negociada entrada na OMC, a China conheceu o
período mais notável de crescimento econômico. Ao segurança.
ingressar com o status de país em desenvolvimento, gozava
de concessões de caráter protetivo que favoreceram a
alavancagem de seu setor produtivo.
Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
tabuleiro internacional
100

A administração George W. Bush em face de um cenário de “stability in crisis”.


(2001-2009) baseou sua política para com a Ao escancarar o acirramento da competição
China sob uma abordagem “shape and hedge” na esfera econômica, destacadamente na área
(formatar e limitar), objetivando pavimentar o comercial, observa-se a distensão das relações
caminho para que o país se posicionasse como bilaterais e inexoráveis transbordamentos para
“membro do sistema internacional”, ao o sistema internacional, com potencial
mesmo tempo em que a exortou a se (contido) de ameaçar a arquitetura econômica
comportar com “responsabilidade”. Barack e financeira global.
Obama (2009-2017), ao assumir a presidência, Em abril de 2021, ao discursar no
baseou-se na mesma abordagem do seu Congresso dos EUA8 sobre metas de governo,
antecessor, sintetizada pela ideia “strategic o presidente Joe Biden reconheceu a nova era
reassurance” (garantia estratégica). A postura de competição que caracteriza o ambiente
refletia a crença de que, se os EUA internacional contemporâneo, em razão da
garantissem a posição da China como grande qual será necessário readequar sua Grande
potência, o país desempenharia um papel Estratégia para melhor se posicionar nos
responsável na cooperação bilateral, tabuleiros em que a maior potência do Planeta
contribuindo, por conseguinte, para a joga. Ao defender a democracia, Biden
estabilidade global. Todavia, a partir de então, ressaltou que os EUA têm a obrigação e o
aspectos competitivos das relações entre os dever de se manter como a referência mundial
dois países vieram à tona. do modelo político, o que, por conseguinte, o
Ao adotar uma postura mais assertiva impele a se contrapor às autocracias (“[...]
em sua política externa, a China desencadeou temos que provar que a democracia
uma reação do governo norte-americano, que funciona”). Ainda que o discurso tenha se
inferiu a necessidade de rebalancing dado em um evento doméstico, o peso do
(reequilibrar) sua estratégia em relação à Ásia. recado e o simbolismo das palavras do líder
Donald Trump (2017-2021), ao publicar a da nação hegemônica ressoaram no mundo
Estratégia de Segurança Nacional (National inteiro. O fôlego norte-americano para
Security Strategy), rompeu com a abordagem transformar as ideias em ações é que parece
tradicional de engajamento, expressando ser uma incógnita, em especial quanto aos
cautela sobre a percepção de um esforço, por custos da manutenção de seu quadro de
parte da China, de enfraquecer a posição dos alianças e o provimento (como pay master) de
EUA no Indo-Pacífico. Pari passu, bens públicos globais, questões caras para a
Washington enfatizou a necessidade de sustentação da teoria da estabilidade
estabilizar uma eventual corrida armamentista 8
Sobre o assunto, consultar
https://www.youtube.com/watch?v=swetOVrphC4.

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


101

hegemônica9. multinacional no entorno do Indo-Pacífico – à


Para além das ousadas transformações qual se vinculam constrangimentos políticos e
estruturantes no campo interno, o Estado estratégicos às potências e aos atores locais –
chinês vem amplificando, de forma intensiva, são algumas questões que contextualizam o
a sua inserção internacional. Por meio de conceito.
estratégias seletivas e estruturadas, o país tem Não obstante os momentos
buscado mostrar ao mundo que o Império do apresentarem substanciais diferenças,
Meio deseja retomar o lugar que, por especialmente quanto à sensível
concepção própria, é legitimamente seu. interdependência econômica ora explícita,
Nesse contexto, a inevitável emersão de algumas características que marcaram a
conflitos de interesse entre o hegemón e Guerra Fria se fazem presentes nos correntes
eventuais desafiantes acaba, per si, dias. Ameaças, propaganda, sanções e troca
tensionando as r.i. e desencadeando de acusações de atos de espionagem são
reconfigurações e ajustes nas engrenagens da emolduradas por um intenso embate de
máquina que operacionaliza os nexos narrativas. A interpretação de sinais, fatos,
políticos internacionais. Na perspectiva eventos e tendências, como sempre, encontra-
10
realista clássica de equilíbrio de poder , a se à mercê dos interesses de quem a formaliza
competição é tipificada pela lógica de que as e comunica. Nesse mister, na perspectiva do
ações desencadeadas por uma das partes jogo das grandes potências, tanto China
determinam como a outra agirá. O resultado é quanto EUA disputarão espaço e influência no
um jogo de soma zero. A complexificação das campo informacional, buscando a melhor
relações comerciais entre EUA e China, versão a seu favor. Sob o manto das “verdades
especialmente observada a partir de 2017, filosóficas”, que emprestam substância
bem como a intensificação da presença militar subjetiva às culturas estratégicas dos dois

9
países, ideias, valores e percepções serão
Somente uma superpotência hegemônica, dotada de
recursos políticos e econômicos suficientes, e fortalecida por manobrados conforme conveniências
capacidades militares, seria capaz de prover (ou induzir
terceiros a prover) sua parcela de bens públicos globais. Seu conjunturais que, via de regra, induzirão a
papel principal seria estabelecer e fazer cumprir as regras do
jogo inerentes às relações políticas, econômicas e de competição a adquirir uma volatilidade moral
segurança internacional, manobrando os meios do
mecanismo que sustenta a sua própria hegemonia.
10
desafiadora ao ordenamento internacional.
Para Morgenthau, que abordou de forma sistêmica o
conceito de equilíbrio de poder, há dois tipos de modelo: (1) Informação e poder estarão imbricados em
equilíbrio de poder de oposição direta, resultante dos
interesses de cada país no cenário internacional. As principais níveis muito elevados.
funções deste tipo de balanceamento são preservar
estabilidade entre as duas nações e preservar a independência Outro expediente comum aos tempos
de cada uma. E há a (2) equilíbrio de poder competitivo, na
qual se analisa a medição do poder de cada uma das nações da Guerra Fria é a busca pelo estabelecimento
envolvidas sobre uma terceira. O acréscimo de poder da
terceira nação afetada pende a balança para um ou para outro de um quadro de alianças bem estruturado,
(MORGENTHAU, 2003).

Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


tabuleiro internacional
102

capaz de contribuir para a defesa de interesses questões internas. Tal quadro amalgamou o
comuns interestados. Na perspectiva dos desenvolvimento de uma mentalidade
“atores principais”, a reprodução de praxis autônoma de governança, incipiente sinal do
políticas/diplomáticas típicas da Guerra Fria representativo valor da liberdade para aqueles
objetivam (também) desanuviar áreas de pioneiros.
influência regionais/globais. Do emprego dos Moisi (2009) descreve que a história
recursos de poder disponíveis, emergem dos EUA (assim como a de Israel) foi
posturas estratégicas por vezes dissonantes. construída com base na “esperança
Na perspectiva dos “coadjuvantes”, à messiânica e na crença de uma América como
proporção que o espaço de manobra para uma terra da redenção, libertação e de um novo
eventual condição de neutralidade – favorável começo”. A república, fundada como idealista,
à prática da barganha – é constrangido, os vibrante e modesta, em menos de dois séculos
Estados tendem a adotar, sumariamente, dois se expandiu até a condição de império. O
posicionamentos díspares: balancing (aliar-se otimismo, o individualismo, a flexibilidade, o
em oposição à principal fonte de perigo) ou culto à excelência e a convicção de ser “único”
bandwagoning (aliar-se à principal ameaça)11. constituíram os ingredientes-chave do sucesso.
“Os EUA, desde a sua gênese como nação, se
2.1. O peso e o valor e das ideias: viram como um projeto em construção, e não
o pragmatismo e a ideologia no como uma memória ou tradição a ser
jogo das grandes potências protegida ou ultrapassada”.
A crença na vinculação da nação a um
A defesa dos valores fundamentais que
“destino manifesto”, ideia exordial para a
identificam os EUA como nação tem origem
fundamentação da tradição de política exterior
na fundação do país, quando a base estrutural
norte-americana, pode ser sintetizada nas
de suas organizações político-sociais foram
palavras do candidato derrotado (por Obama)
estabelecidas. Diferentemente de seus
Mitt Rommey, em discurso de campanha,
vizinhos, os habitantes do norte do “Novo
proferido em 2012: “Deus não criou este país
Mundo” desfrutavam de relativa liberdade e
para que fosse uma nação de seguidores. Os
autonomia política – incomuns à época –,
EUA não estão destinados a ser apenas um
cabendo-lhes decidir sobre as principais
dos vários poderes globais em equilíbrio. Os
EUA devem conduzir o mundo ou outros o
11
Conceitos componentes da teoria de equilíbrio de ameaças,
segundo a qual estas seriam mensuradas de acordo com a farão”. Kishore Mahbubani (2021) alega que
percepção dos Estados em relação a outros Estados. No
cálculo da medição, quatro elementos são considerados para o maior obstáculo à melhora das relações
a definição da percepção das ameaças: poder agregado,
proximidade geográfica, capacidades ofensivas e intenções EUA x China seria a existência de uma
agressivas (WALT, 1985).

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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poderosa construção mental, profundamente os EUA deixam de liderar, deixamos um


arraigada entre os norte-americanos: “a vácuo que ou causa o caos ou uma corrida
presunção da virtude”. Para Mahbubani, não entre outros países para preencher o vazio”.
haveria dúvidas de que essa condição Kissinger (2011), ao argumentar sobre
fundamenta “como os americanos percebem a a singularidade da China, comenta que “uma
si mesmos e seu papel no mundo”. Ao citar característica especial da civilização chinesa é
uma afirmação do professor Stephen Walt, que ela parece não ter um início”. Tal
Mahbubani ressalta que o próprio intelectual assertiva exalta o caráter milenar de sua
norte-americano afirmara: “a única coisa cultura e organização político-social, levando-
errada nesse retrato autocongratulatório do nos a crer que a origem se dá em uma
papel global dos EUA é que ele é, em sua antiguidade tão remota quanto
maior parte, um mito”. cronologicamente imprecisa (ou inauditável).
Schlesinger (1992) vincula tal Sua rica e ancestral história transpassa os
convicção a um “providencialismo” 12 , que principais e mais marcantes eventos da
teria contribuído para impelir o país (do ponto humanidade. O processo histórico que
de vista ideacional) a promover a liberdade e delineou sua extensão territorial e influência
a democracia pelo mundo, bem como político-cultural é marcado por guerras e
imprimido alguns dos principais contornos fragmentações, seguidas de movimentos de
àquilo que é conhecido como o recomposição. Em seu ponto máximo de
excepcionalismo norte-americano. Em 2016, influência, a extensão e a diversidade de seu
em um discurso de campanha, a então território levaram os chineses a crer que seu
candidata à presidência dos EUA, Hillary imperador era uma figura de ascendência
Clinton, contextualizou a ideia: “quando universal, o qual governava “tudo sob o céu”
dizemos que os EUA são excepcionais, isso (KISSINGER, 2011).
significa que reconhecemos a capacidade Após longa dominação chinesa na
única e inaudita do país ser uma força para a Ásia, a primeira metade do século XIX marca
paz e o progresso, um defensor da liberdade e o início do período conhecido como “o século
da oportunidade. Nosso poder vem com a da humilhação”. Derrotas militares,
responsabilidade de liderar […] um firme colonização econômica e ocupação por
compromisso com os nossos valores. Quando potências estrangeiras imprimiram
ressentimentos profundos na civilização
12
O providencialismo é entendido como uma condição
vinculada à forte influência da religião sobre a sociedade chinesa. Sob essa perspectiva mais recente da
norte-americana, remetente à ideia de serem os EUA uma
nação escolhida por Deus para ser a referência e o exemplo milenar história do gigante asiático, observa-
para toda a humanidade. O providencialismo embasa a crença
na “missão messiânica” e no papel de “nação escolhida por se um país disposto a retomar uma posição de
Deus”.
Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
tabuleiro internacional
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destaque no cenário internacional. A visão do engajamento econômico e financeiro de


presidente Xi Jinping para a China, traduzida nações e corporações. Blackwill e Harris
pela expressão “o sonho chinês” 13 , busca (2016), ao explorarem o conceito de
14
capturar o desejo de a nação ser rica, poderosa geoeconomia , defendem a ideia do
e respeitada. Para tanto, é lícito inferir que, protagonismo chinês nesse segmento,
como potência insatisfeita com a ordem “considerando a China como a melhor lente
internacional vigente, almeja a promoção de disponível para entender como as ferramentas
transformações sistêmicas viabilizadoras de geoeconômicas operam na prática”
seu reposicionamento global. (BLACKWILL e HARRIS, 2016).
Desde 2010, a China se tornou a Sob o conceito “new type of great power
segunda economia mundial, podendo relations”, Xi Jinping, ainda como vice-
ultrapassar a norte-americana até o final da presidente de Hu Jintao (2012), contribuiu
década de 2020. Projetos ambiciosos, como o para imprimir nova modelagem às relações
“Belt and Road Initiative”, potencializam sua bilaterais China x EUA. Ao destacar,
projeção internacional e viabilizam sua discursivamente, condições como respeito
Grande Estratégia, instrumentalizada por uma mútuo, coexistência harmoniosa e cooperação
assertiva política externa, centralizada na ganha-ganha, promovidas por Estados com
expressão do poder econômico e afiançada diferentes sistemas sociais, tradições culturais
por um pujante poder militar. Valendo-se de e níveis de desenvolvimento, a liderança
um significativo potencial econômico, a chinesa deu forma ao “novo tipo de relações
China emprega parcela da sua vultosa entre grandes potências”. Ao estabelecer o
poupança interna em diversas partes do respeito como pilar central do relacionamento
mundo. Investimentos em infraestrutura que interestatal, a China buscou, especificamente,
viabilizem acesso a recursos naturais e/ou o reconhecimento dos Estados Unidos pela
favoreça o estabelecimento de corredores legitimidade dos interesses centrais da China.
logísticos estratégicos, associados à concessão Ao assumir o cargo de presidente, Xi reforçou
de empréstimos financeiros sob condições a postura de seu antecessor, acrescentando
muito “especiais”, integram o rol de opções que as relações entre as grandes potências
do país. Desse quadro, emerge uma intrincada deveria se pautar pela ausência de confrontos
rede de nações componentes do repertório de ou conflitos. Observa-se, por conseguinte, a
política externa chinesa, parte dela focada no gênese de uma crescente sensação de
13 14
O Sonho Chinês é o título de um livro, de autoria do O uso de instrumentos econômicos para promover e
Coronel ELP Liu Mingfu (2010), em que a “grande meta” defender interesses nacionais e produzir resultados
nacional é descrita: “tornar-se o número um do mundo”, geopolíticos favoráveis, considerando os efeitos das ações
restaurando a China a uma versão moderna de sua glória econômicas de outras nações sobre os objetivos geopolíticos
histórica. Nos argumentos do autor, tal condição exigirá de um país (tradução nossa) (BLACKWILL e HARRIS,
desbancar os EUA . 2016, p.20).

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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insegurança (por parte das lideranças chinesas) (2021), a “ausência” de ações militares mais
em relação à estratégia de rebalance para a incisivas ou expansionistas seria o reflexo de
Ásia-Pacífico do governo Obama, em um impulso civilizacional e uma visão
particular no tratamento de assuntos militares. profundamente pragmática do poder.
Assim, a partir desse período, garantir a Kissinger (2011) já havia abordado uma visão
prevalência de relações saudáveis15 na região interpretativa teórica, baseada em conceitos
passa a adquirir status de prioridade. filosóficos, de que a política exterior –
Mahbubani (2021) comunga a ideia gradualista e organizada – estava baseada em
que a China, assim como todas as grandes uma “ascensão pacífica” e em um “mundo
potências, à medida que for se tornando mais harmonioso”. Em que pese tal assertiva
poderosa irá impor sua influência. Todavia, o reverberar em alguns ciclos de analistas
diplomata e professor de Cingapura internacionais, deve-se ponderar que o
argumenta que a nação asiática não deverá crescimento da influência militar na política
recorrer ao emprego da expressão militar chinesa e o incremento do processo de
como primeiro recurso para a consecução de modernização do Exército de Libertação
seus interesses. Mahbubani fundamenta-se na Popular (ELP) são fruto do alargamento do
História e na Filosofia para traçar um perfil empenho internacional do país e sua ascensão
mais parcimonioso no trato das questões na hierarquia16 (tácita) dos países.
internacionais por parte da China. Em
3. Geoestratégia e relações de
contraposição ao excepcionalismo norte-
segurança na região da AIP:
americano, o intelectual não credita à China “Quando dois elefantes brigam,
uma “missão universal” destinada a promover quem sofre é a grama.”
uma civilização chinesa, nem um eventual Segundo o Stockholm International
incentivo para que toda humanidade Peace Research Institute (SIPRI)17, em 2020,
reproduza o modelo de vida chinês. “Eles (os a China se manteve na vice-liderança dos
chineses) acreditam que só os chineses podem
16
No seio dos debates teóricos que fundamentalizam a
abraçar sua cultura, valores e estética”. epistemologia e ontologia das RI, especificamente aqueles
que abarcam a corrente realista, a ideia da existência de uma
Ainda segundo Kishore Mahbubani hierarquia entre Estados nacionais está vinculada à
distribuição desigual de capacidades materiais entre os
15
Cui Tiankai, então vice-ministro das Relações Exteriores mesmos, caracterizando uma assimetria no sistema
da China (2012), publicou o artigo “China-USA in China´s internacional. Para Waltz (1979), em decorrência de tal
Overall Diplomacy in the New Era”, destacando a situação, a estrutura sistêmica é perturbada pelas mudanças
necessidade dos países superarem problemas fulcrais para as na distribuição de capacidade entre os atores. Por conseguinte,
suas relações bilaterais, com destaque para a “falta de à medida que o padrão de comportamento é condicionado por
confiança mútua em assuntos estratégicos”. Cui destacou eventuais interesses em sobrepujar uns aos outros, aos
como óbice o movimento norte-americano para fortalecer seu Estados detentores de maiores recursos de poder (mais fortes)
sistema de alianças no Indo-Pacífico, o que prejudicaria, na caberá ocupar posições “hierarquicamente” mais destacadas
visão chinesa, o estabelecimento de relações interestatais no sistema internacional, limitando e constrangendo o
saudáveis. Sobre o assunto, consultar exercício da soberania pelos Estados mais fracos.
17
https://www.mfa.gov.cn/ce/cgsongkhla//eng/xwdt/t953801.ht Sobre o assunto, consultar:
m. https://www.sipri.org/databases/milex.
Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
tabuleiro internacional
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gastos militares globais (US$ 252 bilhões), mundo 19 . Segundo o Pentágono, muito em
ficando atrás dos EUA (US$ 778 bilhões), a breve, a força naval chinesa estará em
superpotência militar da era moderna. Da condições de operar além dos limites do Indo-
análise superficial do perfil do destino dos Pacífico.
recursos desembolsados, expressiva parcela No contexto dos espaços geográficos,
foi direcionada à obtenção de equipamentos as tensões geoestratégicas mais significativas
militares com alto valor tecnológico agregado envolvendo EUA e China concentram-se na
(aeronaves, satélites, sistema de navegação região da AIP. Ao se posicionarem em lados
inercial próprio, mísseis, foguetes, opostos quanto ao entendimento legal acerca
interferidores cibernéticos, etc), alguns deles da navegação e da soberania sobre o conjunto
de origem nacional. Ademais, estima-se que o de ilhas situados no Mar do Sul da China20, as
ELP tenha à sua disposição cerca de 200 duas potências elevaram a temperatura
ogivas nucleares em condições de serem daquele pedaço do Globo. Mesmo que a
operadas, o que tem gerado especulações no questão não tenha chegado ao paroxismo,
Pentágono sobre uma eventual mudança na manobras, demonstrações de força e
estratégia nuclear chinesa, preocupação aglutinação de meios militares indicam a
externada no Annual Report to Congress – securitização do objeto de litígio, tensionando
Military and Security Developments Involving as relações e o equilíbrio regional. Outras
the People´s Republic of China18. questões integram a lista de principais pontos
Para além de seus interesses regionais de inquietação na AIP, dentre elas a
e globais, a obtenção/manutenção de ultrassensível questão envolvendo uma
capacidades vocacionadas para o combate a eventual alavancagem do movimento de
eventuais focos de insurgência, independência de Taiwan, disputas territoriais
especificamente aqueles vinculados aos com o Japão (no Mar da China Oriental) e
movimentos separatistas do Tibet e Xinjiang,
19
Numericamente, a marinha do ELP é a maior do mundo,
integram o cálculo do poder militar adequado contando com aproximadamente 355 navios e submarinos,
incluindo aproximadamente 145 grandes embarcações de
aos interesses do Estado chinês. Por óbvio, superfície. Sobre o assunto, consultar
https://media.defense.gov/2021/Nov/03/2002885874/-1/-
em razão das questões que envolvem Taiwan 1/0/2021-CMPR-FINAL.PDF.
20
Discordâncias acerca da delimitação marítima, direitos de
e da fulcral importância estratégica do Mar do navegação e soberania sobre o conjunto de arquipélagos de
Spratley e Paracel contextualizam a área de fricção, cujas
Sul da China, a projeção regional do poder disputas têm origem no século XIX. Atualmente, China,
Vietnan, Taiwan, Brunei, Malásia e Filipinas reivindicam
naval demandará consideráveis investimentos soberania sobre o conjunto de ilhas, evocando, cada qual com
uma interpretação, a Convenção das Nações Unidas sobre o
na marinha do ELP, já considerada a maior do Direito do Mar. Exceto Brunei, todos os demais envolvidos
estabeleceram presença nas ilhas disputadas. Reservas de
petróleo, descobertas nos anos 1970, impulsionaram a
18
Sobre o assunto, consultar rivalidade. Estima-se mais de 5,4 trilhões de metros cúbicos
https://media.defense.gov/2021/Nov/03/2002885874/-1/- em reservas de gás natural e 11 bilhões de barris de petróleo
1/0/2021-CMPR-FINAL.PDF na região.

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com a Índia (refregas fronteiriças no na guerra. Ferramenta de apoio à tomada de


Himalaia), sanções comerciais envolvendo a decisão no mais alto nível dos Estados,
Austrália e a nuclearização da Península da quando desenvolvida para dar suporte ao
Coreia. conjunto de meios e ações dedicadas à
A assertividade chinesa no trato das consecução dos objetivos nacionais, a
questões afetas ao seu entorno imediato, atividade é tradicionalmente
assegurada por portentosos investimentos classificada/denominada, quanto à sua
militares, parece preocupar seus vizinhos. finalidade, de Inteligência Estratégica. No
Nesse sentido, a arquitetura de segurança contexto da disputa sino-estadunidense, no
regional passa por uma revisão, tendo cenário da AIP, o alcance de atuação da
Washington encontrado ouvidos receptivos ao aliança de inteligência conhecida como Five
21
discurso de retardar a expansão da influência Eyes (FVEY) se faz importante,
chinesa na AIP. Para tal, a estrutura do quadro especialmente em razão da atuação da
de alianças capitaneadas pelos EUA infere Austrália e da Nova Zelândia22. O escopo da
reexame. Nos níveis estratégico e operacional, atuação do FVEY é ramificado, abrangendo
cabe ressaltar a predominância de um teatro desde o domínio marítimo, por meio do
de operações tipicamente naval, o que leva a monitoramento do tráfego de embarcações
inferir acerca da possibilidade de inclinação por áreas marítimas estratégicas, até o
do centro de gravidade das operações navais domínio aeroespacial, abarcando testes de
norte-americanas para o Indo-Pacífico. A mísseis balísticos, lançamentos de satélites
materialização de tal assertiva demandaria a estrangeiros e atividades militares relevantes
realocação de capacidades militares navais (e das Forças Aéreas de países de interesse. A
outras necessárias para operar em ambiente aliança, uma consistente ferramenta de
multidomínio), bem como do próprio esforço
21
Considerada por muitos como a aliança de inteligência mais
diplomático, este vocacionado para otimizar importante do mundo, a FVEY tem suas origens no
compartilhamento de informações entre EUA e a Inglaterra,
arranjos securitários. Ao movimentar meios no contexto da II GM, tendo sido formalmente fundada em 5
de março de 1946, para oficializar a cooperação em
de defesa adicionais para a AIP, os EUA inteligência de sinais conhecida como Acordo UKUSA, em 5
de março de 1946. Sua expansão objetivou acolher Canadá
estariam sinalizando uma postura determinada (1948) e Austrália e Nova Zelândia (1956), todos países de
língua inglesa, membros da Common wealth of Nations, com
para garantir a segurança a aliados e eventuais sistemas políticos semelhantes.
22
Cada membro da aliança é responsável pela coleta e análise
parceiros vacilantes. de inteligência sobre regiões específicas do mundo. A Grã-
Bretanha monitora a Europa, a Rússia Ocidental, o Oriente
No manejo de questões geopolíticas e Médio e Hong Kong. Enquanto isso, os Estados Unidos
também supervisionam o Oriente Médio, além da China,
(principalmente) geoestratégicas, poucas Rússia, África e Caribe. A Austrália é responsável pelo Sul e
Leste Asiático e a Nova Zelândia pelo Pacífico Sul e Sudeste
abordagens são mais sensíveis do que a Asiático. O Canadá monitora o interior da Rússia e da China
e partes da América Latina. Em que pese haver divisão por
Inteligência, seja na normalidade, na crise ou áreas de responsabilidade, o trabalho é conjunto, podendo o
'produto final' ser resultado de mais de um de seus membros.
Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
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confiança mútua entre os cinco membros, nucleares.


pode ser considerada como um trunfo para os O governo Biden, desde a época da
interesses norte-americanos na AIP. campanha eleitoral, havia deixado claro que
Na perspectiva geográfica, quanto à sua estratégia de contenção à expansão
distribuição de capacidades militares, os chinesa não se caracterizaria pela primazia de
chamados extremos da AIP, conformados por ações unilaterais, mas sim pelo fortalecimento
Japão e Índia, são considerados elos fortes da da musculatura dos seus aliados. Em um
aliança. No contexto continental, o Vietnan, quadro de rivalidade crescente, a
robustecido por meios de sustentação à sua possibilidade de uma nova configuração das
estratégia de Antiacesso e Negação de Área r.i. pender para um rearranjo binário (escolha
(A2/AD), e a Coreia do Sul, que abriga uma de um dos lados) – aos moldes da Guerra Fria
estratégica base militar norte-americana em – acende um sinal de alerta. O que parece, sob
23
seu território , figuram como atores um olhar simplista, apenas ser uma questão de
relevantes para a segurança regional. No que escolha de lado, configura-se em um
tange os países que conformam os complexo dilema. A maioria dos países que
arquipélagos, os EUA encontram parcerias conformam a AIP está comprometida com o
mais vulneráveis. Quanto à economia de seguinte impasse: inserir-se no contexto de
defesa, a movimentação comercial dos países alianças securitárias sintonizadas com os EUA
da AIP, envolvendo equipamentos militares, e/ou estabelecer-se dentro do contexto amplo
tem se mostrado ativa. Ao considerar, lato de parcerias comerciais robustas com a China.
sensu, a predominância da postura estratégica Assim, o seguinte questionamento perturba os
defensiva à quase totalidade dos países da Estados “habitantes locais”: quais países
região, o conceito estratégico do A2/AD aliados (segurança) dos EUA teriam liberdade
acaba vindo a orientar, grosso modo, a de ação suficiente para provocar ou se opor
aquisição de meios e o desenvolvimento aos interesses nacionais de Pequim, sem
doutrinário das forças armadas locais. Todavia, sofrer consequências que produzissem perdas
a distribuição de capacidades militares entre econômicas graves?
os diversos países da AIP é irregular, Nos primórdios da Guerra Fria,
englobando desde meios convencionais Washington logrou êxito na reunião de um
(modernos e defasados), até armamentos conjunto de países com ideias semelhantes
23 para conter a ameaça soviética. No atual
A política de estabelecimento de bases militares
norte-americanas no leste asiático (assim como na contexto de “confronto” com a China, os
Europa), iniciada no pós-II Guerra Mundial, não
apenas protegeu os países sedes, mas também lhes EUA não se depararão com o mesmo quadro,
propiciaram benefícios econômicos, desde a redução
de investimentos diretos em capacidades militares até a o que demandará estratégias mais sofisticadas
abertura de empregos.
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na conformação de parcerias. Não obstante, as livre e inclusivo” tem endereço certo).


alianças consolidadas por Washington após a A Associação de Nações do Sudeste
2ª Guerra Mundial (II GM) com Japão, Coreia Asiático (ASEAN), organização regional que
25
do Sul, Austrália, Filipinas e Tailândia reúnem abriga 10 países e vocacionada para a
potencial para impulsionar a estruturação de discussão de temas afetos à economia, é um
um novo modelo securitário para a AIP, muito fórum estratégico no contexto da competição
provavelmente baseado em acordos bilaterais sino-estadunidense. Na história recente, a
ou trilaterais. Embora envolvam grupos ASEAN foi instada a se posicionar em
menores de países, o modelo pode contribuir assuntos de segurança 26 , sofrendo influência
para o amalgamento da conectividade de posicionamentos distintos e de trocas de
diplomática e, principalmente, militar, por acusações entre as duas grandes potências.
meio da promoção de manobras militares Em outubro de 2021, ao participar
combinadas. (virtualmente) da reunião de cúpula da
No tocante à configuração das alianças organização, o presidente Biden anunciou a
minilaterais na AIP, o robustecimento do pretensão dos EUA de investir US$ 102
fórum Diálogo de Segurança Quadrilateral milhões como forma de expandir a parceria
24
(QUAD) , envolvendo EUA, Japão, Índia e estratégica do país com o bloco. Em
Austrália, e o estabelecimento do pacto de comunicado oficial, a Casa Branca afirmou
segurança tripartite AUKUS, composto por que “os EUA desejam trabalhar com nossos
EUA, Reino Unido e Austrália, demonstram o aliados e parceiros na defesa contra ameaças à
interesse norte-americano na tonificação de ordem baseadas em regras internacionais e na
sua estratégia para a região. Ainda que, de promoção de um Indo-Pacífico livre e aberto”.
forma explícita, não sejam comunicadas Conforme analisa o Changing
referências diretas a Pequim, ambos os Alliance Structures (2021), embora o governo
instrumentos concertativos têm como objeto a da China tenha, historicamente, “desdenhado
contenção da influência chinesa na região (a amplamente das alianças formais”, Pequim
mensagem “por um Indo-Pacífico aberto, tem trabalhado na edificação de um
significativo leque de parcerias estratégicas. A
24
Criado no contexto da cooperação regional surgida em
decorrência do tsunami de 2004, somente em março de 2021 pesquisa indica a possibilidade de a China
presidentes e primeiros-ministros participaram de uma
reunião de cúpula, promovida sob o convite do presidente estar avançando na conformação da sua
Biden. Efetivado no contexto maior da materialização dos
movimentos de reconexão dos EUA com seus aliados, o própria “comunidade de segurança”, não
encontro do QUAD ocorreu no giro dos secretários de estado
e de defesa pela AIP. Na ocasião de sua visita ao Japão,
25
Antony Blinken, secretário de estado, afirmou que os EUA Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia, Brunei,
lutariam contra qualquer tipo de avanço chinês baseado em Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja.
26
coerção e agressão, destacando como objetivo estratégico de O exemplo mais recente foi o pedido de condenação, por
seu país para a região o estabelecimento de um Indo-Pacífico parte da ASEAN e encaminhado pelo governo dos EUA,
“livre e aberto”. sobre o golpe militar em Mianmar.
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110

obstante o presidente Xi Jinping venha, tabuleiro, caracterizando a potencialidade de


reiteradamente, condenando os EUA em razão tal situação interferir sobre o futuro da
dos esforços despendidos para a formação de arquitetura global de segurança.
“pequenos círculos” securitários na AIP. Em 11 de fevereiro de 2022,
Sobre a postura do Estado chinês, é possível Washington publicou a Indo-Pacifc Strategy
inferir uma intenção de empreender e projetar of the United States 28 . O documento busca
movimentos que se contraponham à traduzir a visão do presidente Biden de
tradicional (entenda-se desde o final da II GM) ancorar mais firmemente a presença dos EUA
influência norte-americana no trato dos no Indo-Pacífico, privilegiando o
assuntos de segurança no Indo-Pacífico. fortalecimento da região neste processo. O
Dessa forma, Pequim busca criar melhores foco central da estratégia seria a colaboração
condições para a proteção dos seus interesses “sustentada e criativa” com aliados, parceiros
no seu “entorno imediato” – e aí se destacam e instituições, de dentro e fora da região. O
Taiwan e o Mar do Sul da China – e documento sumariza em cinco condições
pavimentar o caminho para a consecução de desejáveis o que pode ser traduzido como os
seus objetivos estratégicos mais amplos. pilares do conjunto de objetivos dos EUA (e
Ademais, cabe uma superficial talvez de seus aliados) para o Indo-Pacífico:
abordagem sobre a intensificação da livre e aberto; conectado; próspero; seguro; e
ocorrência de exercícios militares resiliente. O texto define o entendimento dos
(combinados ou singulares) na AIP. A EUA sobre cada condição, cabendo aqui
presença militar mais constante de atores sublinhar o destaque da interpretação
incomuns àquele teatro é algo que chama a estratégica acerca da conectividade,
atenção, induzindo à confirmação inconteste contextualizada pelo fortalecimento das cinco
da importância do Indo-Pacífico para o atual alianças estabelecidas em prol dos interesses
contexto geoestratégico internacional. A comuns dos EUA e aliados para a região.
participação de países-membros da
Organização do Tratado do Atlântico Norte 4. Conclusão
27
(OTAN) , assim como da Rússia, em A crise da Pax Americana, construída
manobras e demonstrações na região, sobre pilares liberais no pós-II GM, parece
destacadamente empregando suas Marinhas e agudizar. Após os desencantos gerados com o
meios aéreos, reforçam a percepção geral de “fim do fim da história”29, os EUA parecem
tensionamento das relações envolvendo EUA
e China (e seus respectivos aliados) naquele 28
Sobre o assunto, consultar https://www.whitehouse.gov/wp-
content/uploads/2022/02/U.S.-Indo-Pacific-Strategy.
27 29
Sobre o assunto, consultar https://diplomatique.org.br/a- Referência ao artigo “End of History?”, de Francis
otan-vai-a-asia/. Fukuyama (1989). Sobre o assunto, consultar

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


111

sentir o peso da hegemonia. Até muito de cada potência. A crescente influência de


recentemente, as condições de maior fatores ideacionais na construção da retórica
economia do mundo (por enquanto) e de de política externa, tanto dos EUA quanto da
superpotência militar lastrearam a navegação China, emoldura o processo de competição
do país por águas turbulentas. O domínio das pela hegemonia. Revivendo um fragmento do
técnicas, a posse das ferramentas, a tecnologia “filme” passado no período da Guerra Fria, a
disponível e recursos humanos coesos e atual disputa entre uma democracia liberal e
capazes fizeram Washington conduzir o uma autocracia socialista parece alimentar, de
transatlântico com apropriada segurança. As forma menos apaixonada, o debate sobre qual
tormentas, ao que parece, intensificaram-se, modelo de ordem internacional gostaríamos
em número e em grau. de viver. Apostando na reconhecida
O robusto processo que marca a perspicácia estratégica de Kissinger, minha
ascensão da China, fenômeno econômico, aposta é de que a “ideologia pragmática”
político e militar, desencadeia reações e gera tende a ser subjugada pelo “pragmatismo
incertezas quanto ao futuro da ordem ideológico”.
internacional capitaneada, até o presente Simbolizando o que denominei de
tempo, pelos EUA. O hegemón, cuja pragmatismo ideológico, a aliança de
preocupação maior é a manutenção do status inteligência FVEY é um bom exemplo da
quo, ajusta suas estratégias em face dos efetividade e da eficácia da conjugação de
desafios ora descortinados. À nação interesses nacionais comuns (pragmatismo)
desafiante, detentora de recursos de poder que com princípios e valores (democráticos
parecem ter fôlego e planejamento para liberais) alicerçados por interesses e culturas
continuarem a expandir, atribui-se a adoção nacionais semelhantes (ideologia). É bem
de uma postura política de potência, provável que a conformação de uma aliança
assertividade diplomática crescente e apetite em torno de um tema tão sensível e complexo
na consecução de seus objetivos. De como a Inteligência não se efetivasse caso a
Washington e de Pequim espera-se convergência entre seus membros não fosse
dinamismo e anseio na defesa de seus construída pela sobreposição dos fatores
interesses, sabendo-se que a balança de poder anteriormente descritos.
está em tênue equilíbrio. No jogo das grandes potências,
Visões de mundo distintas emprestam questões geopolíticas são tratadas em termos
complexidade aos debates em torno da defesa de correlação de forças. Em períodos de paz
dos modelos econômicos, políticos e sociais (ou não guerra), as ferramentas institucionais

https://pages.ucsd.edu/~bslantchev/courses/pdf/Fukuya colocadas à disposição da governança global


ma%20-%20End%20of%20History.pdf.
Disputa Hegemônica, fatores ideacionais e reconfiguração do Vol 23 (1) Dez/Fev 2022
tabuleiro internacional
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exerceram papel importante na história Indo-Pacífico (11 Fev 22), classificou a região
recente. A paz liberal foi suficientemente da seguinte forma: “o Indo-Pacífico é a região
crível. Todavia, o crescente desgaste do mais dinâmica do mundo e seu futuro afeta
multilateralismo como modelo de concertação pessoas em todos os lugares” (tradução
parece adquirir resiliência, inferindo a nossa).
incidência de um natural desequilíbrio na Ao destacar o esforço bipartidário
capacidade dos Estados defenderem seus como parte da estratégia, no nível doméstico,
interesses. No grande coral das nações, as o documento do governo dos EUA ressaltou
vozes mais fortes tendem sempre a dissonar. que, simultaneamente, “aliados e parceiros,
Nesse contexto, questões em todo o mundo, estão aumentando, cada
geoestratégicas, inerentes ao emprego de vez mais, o seu próprio envolvimento no
recursos do poder militar para afiançar o Indo-Pacífico” (tradução nossa). O texto
poder político (e por vezes o econômico), dão transmite a ideia de que os EUA pretendem
mostra que volveram à cena política seguir moldando o ambiente estratégico em
internacional. A competição hegemônica ora que a China opera, objetivando construir um
instalada, ao transbordar suas refregas para os equilíbrio de influência que lhe seja mais
diversos tabuleiros internacionais, tensiona as favorável, assim como aos seus aliados e
r.i. e provoca a movimentação de outros parceiros, com os quais compartilham valores
atores, que, a fim de garantir melhores e interesses comuns. Atores locais, por
condições de defender seus interesses, conseguinte, são instados a se enquadrarem e
buscam o melhor e mais vantajoso a participar (mesmo involuntariamente) do
enquadramento nas estruturas concertativas, jogo das grandes potências.
regionais e globais. A realidade enfrentada pelos atores
A arquitetura de segurança global está regionais da AIP, alguns constrangidos pelos
em movimento. Ajustes nas relações de interesses estratégicos de Pequim, aponta para
segurança, com impactos nos quadros de o compartilhamento das preocupações
parcerias e alianças militares estão em estratégicas de Washington sobre a China.
andamento. Nesse diapasão, as regiões Nesse contexto, um grupo de países tende a
estratégicas mais importantes são as que ser atraído para a esfera de influência norte-
alojam movimentações mais dinâmicas. No americana, aderindo a arranjos de coalizão
quadro de competição EUA x China, a AIP é com os EUA, muito provavelmente baseados
o espaço geográfico que concentra maior em acordos bilaterais ou trilaterais. É o
tensão. A Casa Branca, ao publicar a mais modelo minilateral sendo colocado à prova na
recente estratégia norte-americana para o AIP. Por outro lado, existe a possibilidade de

Guilherme Otávio Godinho de Carvalho Vol 23 (1) Dez/Fev 2022


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outros Estados, na busca por autonomia, Massachusetts: The Belknap Press of Harvard
University Press, 2016.
adotarem uma postura de não alinhamento,
BUZAN, B.; WÆVER, O. Regions and powers: the
formando outros pequenos grupos com structure of international security. New York:
Cambridge University Press, 2003.
objetivo de promoverem seus interesses, sem
a participação dos EUA. À China, as opções CLARK, I. Legitimacy in a global order. Review of
international studies, Vol. 29, Nr S1, 2003. Disponível
parecem se delinear de forma mais restrita. em https://www.cambridge.org/core/journals/review-
of-international-studies/article/abs/legitimacy-in-a-
Em que pese o cenário se configurar global-
order/E7B1BCCDD37347EE88A2D97825EF54F7.
da forma descrita, a complexidade estrutural Acessado em 5 fev. 2022.
das relações locais empresta dramaticidade GRAY, Colin S. Estratégia moderna. Tradução
aos movimentos de alinhamento, ou não. Geraldo Alves Portilho Júnior. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 2016.
Pragmatismo e ideologia, eventualmente, se
HOBSON, J. The eurocentric conception of world
chocam ou se unem. A dependência politics: western international theory. Cambridge:
Cambridge University Press, 2012.
econômica da China, materializada por
CHANGING ALLIANCE STRUCTURES. Research
relações comerciais consistentes, constitui-se paper, 22 Dez 2021. International Institute for Strategic
em óbice para a formação de um grande bloco Studies (IISS). Disponível em https://www.iiss.org/-
/media/files/research-papers/2021/alliances-
militar na AIP. Segurança e economia não report.pdf?la=en&hash=75DD36ECCE2C8396E0A
0B163. Acessado em 6 fev. 2022.
dividem a mesma opção de parceria
KISSINGER, H. World order: reflections on the
estratégica, cada qual apontando para uma character of nations and the course of the history.
New York: Penguin Press, 2014.
potência diferente, o que faz erigir um dilema
quase paradoxal. Dessa forma, o vigor da _____. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes
Leite. 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
conformação de alianças multilaterais mais
LAKE, D. A. Relational authority and legitimacy in
amplas, nos moldes da OTAN, parece muito international relations. American behavior scientist,
Vol. 53, Nr 3, 2009. Hierarchy in international
improvável. A abordagem país a país parece relations. Itacha, NY: Cornell University Press, 2009.
indicar o caminho para o futuro da arquitetura LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias
de segurança regional, podendo ser replicada morrem. Rio de Janeiro: Ed Zahar, 2018.
MAHBUBANI, K. A China venceu?: o desafio
para outros tabuleiros, de acordo com as chinês à supremacia americana. Tradução de Bruno
Casotti. 1ª edição. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.
conveniências instaladas.
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de Janeiro: Biblioteca do
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tabuleiro internacional
Quartel-General do Exército,
Bloco A, 70630-970, Brasília-DF
(61) 3415-4597/ ceeex@eme.eb.mil.br ISSN: 2525-457X
Facebook: www.facebook.com/ceeexeb Vol 23 (1) Dez/Fev 2022

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