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Forças Armadas, defesa e segurança

Article · January 2007

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1 author:

Shiguenoli Miyamoto
University of Campinas
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Strategic Evaluation
International Journal of Defence & Conflict Analysis
N.º 1 ● 2007
ISSN 1887-9284 | D.L. C-2122/07

EXECUTIVE EDITOR ASSISTANT EDITOR


(Diretor Executivo) (Diretora Assistente)
Joám Evans Pim Bárbara Kristensen
EDITORIAL COORDINATOR
(Coordenador Editorial)
Óscar Crespo Argibay

SCIENTIFIC COUNCIL | CONSELHO CIENTÍFICO

Alcides Costa Vaz, Universidade de Brasília, Brazil; Alexandre Fuccille, Universidade Estadual de
Campinas, Brazil; Amado Luiz Cervo, Universidade de Brasília, Brazil; Eduardo Viola, Universidade
de Brasilia, Brazil; André Moreira Cunha, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil; Andrea
Goldstein, Organisation for Economic Co-operation and Development, France; Antonio Jorge Rama-
lho da Rocha, Universidade de Brasília, Brazil; Carlos H. Acuña, Universidad de San Andrés, Argenti-
na; Claudete de Castro Silva Vitte, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Clóvis Brigagão, Uni-
versidade Candido Mendes, Brazil; Cristina Soreanu Pecequilo, Universidade Estadual Paulista, Bra-
zil; Domício Proença Júnior, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil; Eric Herring, University
of Bristol, United Kingdom; Eurico de Lima Figueiredo, Universidade Federal Fluminense, Brazil; Ex-
pedito Carlos Stephani Bastos, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brazil; Fabio Stefano Erber, Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil; Frank D. McCann, University of New Hampshire, USA;
Héctor Luis Saint-Pierre, Universidade Estadual Paulista, Brazil; João Carlos Kfouri Quartim de Mo-
raes, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; João Roberto Martins Filho, Universidade Federal
de São Carlos, Brazil; Jorge Zaverucha, Universidade Federal de Pernambuco, Brazil; Julie Schmied,
Universidade de Brasília, Brazil; Jurgen Brauer, Hull College of Business, USA; Ligia Osorio Silva,
Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Lorenzo Fernández Franco, Universidad Complutense de
Madrid, Spain; Lytton L. Guimarães, Universidade de Brasília, Brazil; Marco Cepik, Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul, Brazil; Oliveiros S. Ferreira, Pontifícia Universidade Católica de São Pau-
lo, Brazil; Oswaldo Dehon R. Reis, University of Oxford, United Kingdom; Pablo Dreyfus, Viva Rio,
Brazil; Paulo C. Souza Manduca, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Paulo Roberto de Al-
meida, Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Brazil; Pedro Paulo Abreu Fu-
nari, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Raul de Gouvea Neto, University of New Mexico,
USA; Reginaldo C. Moraes, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Reginaldo Mattar Nasser,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil; Renato P. Dagnino, Universidade Estadual de
Campinas, Brazil; Ricardo Vélez Rodríguez, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brazil; Rober
Looney, Naval Postgraduate School, USA; Roberto Di Sena Júnior, Universidade do Vale do Itajaí,
Brazil; Salvador Raza, National Defense University, USA; Samuel Alves Soares, Universidade Esta-
dual Paulista, Brazil; Severino Cabral, Universidade Cândido Mendes, Brazil; Shiguenoli Miyamoto,
Universidade de São Paulo, Brazil; Simon Schwartzman, Instituto de Estudos do Trabalho e Socie-
dade, Brazil; Suzeley Kalil Mathias, Universidade Estadual Paulista, Brazil.

CONTACT | CONTATO

Rua Rinlo 64a - 4ºA


info@igesip.org (+34) 655012362
Rianxo 15920
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Corunha - Galiza

PUBLISHED BY | UMA PUBLICAÇÃO DO

Instituto Galego de Estudos de


Segurança Internacional e da Paz

Impressão e acabamento: Tórculo Artes Gráficas S.A. INDÚSTRIA GALEGA


Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

|
INDEX ÍNDICE

005 EDITORIAL

Articles ● Artigos
007 FABIO STEFANO ERBER
Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa
Scientific and technological development and foreign policy
23 JORGE ZAVERUCHA
Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
Brazilian Ministry of Defence. A virtual power
47 CRISTINA SOREANU PECEQUILO
Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional
Brazil, International Security and National Interest
53 PEDRO PAULO A. FUNARI; PAULO CÉSAR MANDUCA
Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil
Two aspects of strategic development in Brazil
71 SHIGUENOLI MIYAMOTO
Forças armadas, defesa e segurança
Armed forces, defence and security
97 GRUPO BAGATELLE
Indústria Nacional de Defesa
National Defence Industry
123 ALUISIO SÉRGIO TORRES FILHO
Globalização e a indústria de defesa nacional
Globalization and national defence industry
177 KLEBER SILVA DOS SANTOS
A nacionalização na Marinha do Brasil
Nationalization in Brazil’s Navy
211 ELÓI MARTINS SENHORAS; CLAUDETE DE CASTRO SILVA VITTE
A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…
Brazilian geostrategy in Latin America’s defence and security policies…
231 RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ
Integração sul-americana. Projetos e perspectivas estratégicas
South-American Integration. Strategic projects and perspectives
241 VALÉRIO LUIZ LANGE
A indústria de defesa no Brasil
Defence industry in Brazil
265 SUZELEY KALIL MATHIAS; EDUARDO L. DE VASCONCELOS CRUZ
Segurança e Desenvolvimento. O caso da indústria bélica
Security and Development. The case of defence industry
285 SAMUEL ALVES SOARES; LEONARDO SOARES DE OLIVEIRA
Meios nucleares para a defesa
Nuclear defence means
305 EXPEDITO CARLOS STEPHANI BASTOS
Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria…
An overlook at some still feasible projects for Brazil’s defence industry
321 JOÁM EVANS PIM
Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil
Evolution of Brazil’s denfence industry complex
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

EDITORIAL

S. strategic Evaluation is the


second initiative of the
Galizan Institute on Inter-
national Security & Peace Studies in
Therefore, when the idea of de-
voting to this question the first vo-
lume of Strategic Evaluation, the pre-
sence of contributors from all par-
the field of periodical publications, ties involved, and not only reflec-
opening a new space that comple- tions coming from the field of uni-
ments last year’s project Asteriskos. versity academic research, was es-
Journal of International & Peace Studies. tablished as an essential require-
Even though, in some ways, pa- ment. Three texts by members of
rallelisms and common ground bet- the armed forces (two from the
ween both projects exist, Strategic Navy and one from the Army), a
Evaluation seeks to shape itself as an collective essay produced by ten
innovative proposal to tackle both defence materials industry emplo-
defence and security issues and ar- yees and other eleven articles from
med conflict analysis, where the com- universities from Brazil and abroad
parison and contrast of differing vi- where included.
sions is paramount, giving voice to In the same way, and following
all of the involved agents. this publication’s main guidelines,
Regarding this first issue, the Ins- a multidisciplinary approach was
titute intended to go a step further considered as an essential compo-
on the establishment of a Portu nent to reach original and enlighte-
guese-speaking frame of thought in ning results, specially when tack-
the area of defence and security stu- ling issues in which the analysis of
dies. Therefore, we would like to un- a wide range of historical, sociolo-
derstand it as a tribute of one of the gical, political, economic and tech-
smallest Lusophone territories, Gali- nological, among other factors and
za, to the irrefutable giant, Brazil. explanations is a crucial step.
Considering all that has been This careful selection of articles
written on the relation between seeks to collect that spirit. It is the
‘security and development’ policies intention of the editorial team that
and the height of Brazil’s defence this should be this publication’s
industry, specially during the last guideline in forthcoming issues,
years of the eighties and the first of creating an open forum for dis-
the nineties (coinciding with its peak cussion, thought and analysis able
and fall), it can be difficult not to to generate original proposals and
fall once again in the usual topics. solutions.
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

EDITORIAL

S. strategic Evaluation é a se-


gunda aposta do Instituto
Galego de Estudos de Se-
gurança Internacional e da Paz no
resultar dificil não cair mais uma
vez nos tópicos de sempre.
Assim, quando surgiu a idéia
de dedicar o primeiro volume a es-
campo das publicações periódicas, ta questão, colocou-se como requi-
abrindo um novo espaço que vem sito indispensável a presença de
a complementar o projeto lançado atores de todos os setores implica-
no passado ano com Asteriskos. Re- dos e não apenas de reflexões do
vista de Estudos Internacionais e da Paz. âmbito acadêmico universitário. In-
Embora, de certa forma, haja pa- cluíram-se três textos redigidos por
ralelismos e pontos de encontro en- membros das forças armadas (dois
tre ambos os projetos, Strategic Eva- da Marinha e um do Exército), um
luation pretende conformar-se como texto coletivo elaborado por dez fun-
proposta inovadora na abordagem cionários de diversas empresas de
das questões de segurança e defesa materiais de defesa e mais onze
e análise de conflitos armados, pri- textos procedentes de universida-
mando a contraposição e o contras- des de dentro e de fora do Brasil.
te entre visões divergentes e dando Da mesma forma, e seguindo
a palavra aos atores implicados. as linhas mestras desta publicação,
Em relação a este primeiro vo- considerou-se que a multidiscipli-
lume, desde o Instituto pretendeu- nariedade devia ser um componen-
se dar mais um passo para o estabe- te essecial para chegar a resultados
lecimento de um marco de reflexão originais e esclarecedores, nomea-
lusófono na área da segurança e da damente quanto se aborda uma
defesa. Assim, sirva como tributo questão na que a análise de um am-
de um dos mais pequenos territó- plo leque de explicações e fatores
rios da Lusofonia, a Galiza, ao seu históricos, sociológicos, políticos,
gigante incontestável, o Brasil. econômicos e tecnológicos, entre ou-
Considerando todo que se tem tros, são um passo obrigatório.
escrito sobre a relação entre as po- A seleção pretende recolher es-
líticas de ‘segurança e desenvolvi- te espírito, sendo a intenção da equi-
mento’ e o auge da indústria de de- pe editorial que seja esta a linha dos
fesa no Brasil, especialmente no próximos números desta publica-
fim dos oitententa e nos primeiros ção, criando um foro para a discus-
anos dos noventa (coincidindo com são, reflexão e análise, gerador de
o seu apogeu e decadência) pode propostas e soluções originais.
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

FABIO STEFANO ERBER

Desenvolvimento científico e
tecnológico e política externa
Scientific and technological development and foreign policy

Resumo: O artigo analisa, para o caso brasileiro, as relações entre o desenvolvi-


mento científico e tecnológico e dois aspectos fundamentais da política externa: a
competitividade internacional e o poder militar. Esta análise é precedida de uma
breve descrição da produção científica e tecnológica brasileira numa perspectiva
internacional. Argumenta-se que o desenvolvimento científico e tecnológico cons-
titui parte essencial da política externa e discutem-se as recentes modificações ins-
titucionais que permitem uma maior integração entre a política externa e a política
industrial, tecnológica e de comércio exterior, ressaltando-se a necessidade de
aprofundar esta integração.

Palavras-chave: desenvolvimento científico e tecnológico, política externa, compe-


titividade internacional, poder militar.

Abstract: The article discusses the relationship between scientific and technological deve-
lopment and foreign policies in the Brazilian case. It starts by placing Brazilian scientific
and technological activities in a international perspective. It then proceeds to analyze the
relationship between such activities and two important sides of foreign policy: international
competitiveness and military power. Recent institutional measures taken to integrate
foreign policy and the industrial-technology-foreign trade policy are examined and it is ar-
gued that a closer integration between the policies is necessary.
Keywords: scientific and technological development, foreign policy, international competi-
tiveness, military power.

INTRODUÇÃO

Este ensaio explora as conexões entre o desenvolvimento científico e


tecnológico nacional e a política externa nas condições específicas de um
país como o Brasil. No entanto, não ambiciona uma discussão detalhada
das políticas brasileiras postas em prática recentemente, tarefa que de-
mandaria mais tempo e espaço do que as que estão disponíveis.
8 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

O artigo está dividido em três seções. A primeira, sumariamente situa


a capacidade científica e tecnológica brasileira no cenário mundial. As
duas seções seguintes tratam, respectivamente, dos âmbitos econômico e
militar da política externa e seus vínculos com a capacidade científica e
tecnológica. Uma breve seção de conclusões encerra o trabalho.

O BRASIL NO CENÁRIO MUNDIAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Existem várias medidas para avaliar a capacidade científica e tecnoló-


gica de um país. A primeira, mais restritiva, toma como indicador os
gastos nacionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Segundo dados
da UNESCO (UNESCO Science Report 2005), no início desta década o
Brasil respondia por 1,6% das despesas brutas mundiais em P&D, partici-
pação bastante inferior à que tinha em termos de produto e população
mundiais – respectivamente, 2,7% e 2,8% do total mundial. A intensidade
de gastos em P&D, medida como percentagem do PIB no Brasil era de
cerca de 1%, inferior à média mundial (1,7%) e muito inferior à média dos
países desenvolvidos – 2,3%. Estudando as empresas inovadoras no Bra-
sil, Viotti, Baesa e Koeller (2005) mostram que estas empresas investiram
0,7% do seu faturamento em P&D dentro da empresa. Os mesmos dados
para empresas em países como Alemanha, Bélgica, França e Holanda in-
dicam uma proporção pelo menos três vezes superior.
Uma outra forma de mensuração, desta vez de resultados e também
restritiva, usa os dados de patentes depositadas nos Estados Unidos como
um indicador de competitividade internacional. Ao longo de uma década
(1995/2004) o Brasil depositou 2056 pedidos de patente junto ao USTPO,
algo como a metade do que a Coréia do Sul deposita em um único ano
(dados do Ministério de Ciência e Tecnologia em seu sítio).
Finalmente, usando uma definição ampla de inovação e comparando
o Brasil com vários países europeus, Viotti, Baesa e Koeller (2005) apon-
tam que, entre as firmas industriais brasileiras, o percentual que introduz
algum tipo de inovação (31%) é muito baixo. Mais de três quartos das
(poucas) empresas brasileiras que inovam em produtos introduziram
inovações que eram novidade para a empresa, mas já eram utilizadas por
outras empresas no mercado nacional. Em diversos países europeus 45%
ou mais das empresas inovadoras introduziram produtos que eram pio-
neiros para os mercados em que atuavam.
A articulação entre as empresas e os demais componentes do sistema
nacional de inovação é muito baixa (apenas 3% dos gastos das empresas

StrategicEvaluation (2007) 1
Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 9

inovadoras é feito fora da empresa), situação que contrasta com a articu-


lação e sinergia existente nos países avançados (ibid). As medidas podem
ser multiplicadas – todas convergem para a constatação de que o Brasil
investe pouco em ciência e tecnologia e seu sistema nacional de inovação
é limitado e pouco articulado internamente, o que afeta de forma negativa
sua política externa.

DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO


E COMPETIÇÃO INTERNACIONAL

Um dos (raros) consensos existentes entre economistas de todas as


persuasões teóricas – dos neo-schumpeterianos aos analistas do cresci-
mento endógeno, passando pelos que trabalham com a nova economia
institucional e especialistas em comércio internacional - é quanto a im-
portância das inovações, tecnológicas, organizacionais e institucionais,
para o desenvolvimento dos países e para a competitividade econômica
internacional. No comércio de mercadorias, os produtos de maior inten-
sidade tecnológica são os que apresentam maiores taxas de crescimento e
que vêm ganhando fatias maiores do intercâmbio mundial. Os serviços
baseados em tecnologias de informação e comunicação assumiram um
papel essencial nas relações internacionais (comerciais, financeiras e de
investimento direto) e são eles mesmos objeto crescente de transações
trans-fronteiras. Bens e serviços de maior intensidade tecnológica aufe-
rem preços mais altos no comércio internacional e são menos sujeitos a ci-
clos que os produtos padronizados, notadamente as commodities das quais
em boa parte depende o balanço comercial brasileiro. Parte significativa
do investimento internacional, inclusive através de fusões e aquisições,
destina-se a adquirir e desenvolver “ativos estratégicos”, representados
por competências científicas e tecnológicas. Em síntese, as vantagens
comparativas contemporâneas não são “dadas” – são “criadas”. Mesmo a
exploração de recursos naturais demanda consideráveis recursos científi-
cos e tecnológicos, como testemunha a expansão da soja no Centro-Oeste
brasileiro, viabilizada pelas pesquisas da EMBRAPA.
A possibilidade de contar com os resultados de investimentos em ca-
pacidade científica e tecnológica feitos em outros países através da im-
portação de tecnologia é uma das vantagens atribuídas aos late-comers na
industrialização, permitindo aumentos de produtividade a curto prazo,
sem que os riscos inerentes à inovação sejam incorridos pelo importador.
No entanto, a esta vantagem sempre foi contraposta a inadequação da

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10 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

tecnologia concebida para as condições dos paises desenvolvidos às


condições vigentes nos paises em desenvolvimento. Esta diferença, vista
sob a ótica de disponibilidade e custo dos fatores de produção,
acarretaria, na análise clássica de Celso Furtado1, uma grave disfunção na
dinâmica econômica dos paises retardatários, expressa principalmente
pela tendência à concentração de renda, de forma a adequar a estrutura
de demanda à de oferta, retardando o ritmo de crescimento. Do lado dos
mercados de produtos e serviços, é importante lembrar que o
desenvolvimento tecnológico destina-se a criar oportunidades e resolver
problemas e muitos dos problemas e oportunidades existentes em países
nas condições geográficas e sociais como as brasileiras apresentam especi-
ficidades não encontradas nos países mais desenvolvidos, a exemplo das
florestas tropicais e das doenças ao Norte “negligenciadas”.
A importação de tecnologia permite ampliar a oferta de produtos ex-
portáveis mas os seus efeitos líquidos sobre o balanço de pagamentos são
freqüentemente superestimados. Além das remessas que origina direta-
mente, à conta dos direitos de propriedade e do know-how do fornecedor de
tecnologia, a importação de tecnologia é freqüentemente feita sob clausulas
restritivas quanto aos mercados a que se destinam os produtos feitos sob
licença e pode envolver importações atadas de insumos e partes, o que
pode gerar substanciais remessas de divisas no médio prazo, especialmente
quando as transações são feitas dentro do mesmo grupo empresarial.
Além desses problemas potenciais em termos de competitividade in-
ternacional, a importação de tecnologia transfere os conhecimentos nece-
ssários à produção que remunera a licença, retendo porém o proprietário
da tecnologia licenciada os conhecimentos necessários à inovação e, fre-
qüentemente, tendo direito a se apropriar das inovações introduzidas
pelo licenciado, o que tende a perpetuar os vínculos de dependência entre
licenciador e licenciado, expondo o último aos vagares das decisões do
proprietário da tecnologia.
A tendência de reforço dos direitos dos proprietários de tecnologia a
partir do fim dos anos oitenta, expressa nos acordos e instituições inter-
nacionais que regem a propriedade intelectual, ratificada pelas legislações
nacionais (freqüentemente introduzidas sob grande pressão dos paises
capitalistas centrais, notadamente dos Estados Unidos), limita ainda mais
o alcance da importação de tecnologia.

1 Esta foi uma das preocupações constantes de Furtado, ao longo de toda sua

extensa obra. Uma das colocações iniciais encontra-se em Furtado (1961).

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Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 11

Ou seja, a crescente complexidade da tecnologia contemporânea, as


economias de escala presentes na sua elaboração e a divisão do trabalho
recomendam a importação de tecnologia, mas esta não constitui uma al-
ternativa ao desenvolvimento de capacidades nacionais. Para obter uma
capacidade científica e tecnológica que permita alcançar níveis adequados
de competitividade internacional é necessário contar com um sistema na-
cional de inovação com capacidade própria e que, assim, esteja apto a
usar e transformar a tecnologia importada. Um “caminhar sobre duas
pernas” com uma boa dose de “antropofagia”.
Os anos oitenta e noventa, período marcado pelo fundamentalismo de
mercado, em que a ação do Estado foi severamente reduzida, também
dão testemunho da importância central da inovação em termos nacionais
e internacionais e da inadequação parcial dos mecanismos de mercado
para produzi-la – mesmo nesta época fez-se exceção, inclusive nos meca-
nismos de liberalização internacional instituídos após a conclusão da Ro-
dada Uruguai, à intervenção do Estado para o fomento da inovação, ad-
mitindo-a como legítima e necessária.
Assim, os Estados nacionais (algumas vezes atuando em conjunto, es-
pecialmente no bojo da União Européia) seguiram mantendo políticas
ativas de estímulo à inovação, reduzindo o custo e o risco desta atividade,
seguindo várias linhas complementares, que, juntas produzem um efeito
de sinergia.
O processo de inovação tem um forte viés setorial. Simplificadamente,
os diversos setores desempenham papeis distintos no processo de inova-
ção – alguns, poucos, cuja base técnica usa intensamente conhecimentos
científicos, respondem pelas inovações mais radicais, que são processadas
e adaptadas nos setores que produzem os bens de produção e que os di-
fundem pelo resto do sistema. Vistas pelo ângulo setorial, as políticas dos
paises avançados promovem as atividades mais intensivas em tecnologia,
reduzindo os custos e o riscos da inovação e defendem aquelas menos
intensivas em tecnologia ou que se encontram defasadas internacional-
mente, através de barreiras comerciais e não-comerciais.
Vista pelo ângulo de sua produção e difusão, a inovação é resultado
de um sistema complexo, em que atuam instituições de vários tipos e com
lógicas distintas: universidades, serviços de tecnologia básica como me-
trologia e informações, associações de empresas e empresas isoladas. A
estas últimas cabe a liderança do processo, mas, sem as outras, não po-
dem realizar as inovações ou as realizam internalizando custos que, em
outros paises são menores ou inexistentes.

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12 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

Os paises avançados mantém políticas de apoio explícito aos seus sis-


temas de inovação, fomentando diretamente com recursos públicos a re-
produção e ampliação das partes do sistema que fornecem bens públicos
para o resto, como a educação superior, a pesquisa básica e serviços de in-
fra-estrutura. Ao mesmo tempo, complementam fortemente a ação do
mercado através da redução direta do custo da inovação por meio de cré-
dito concedido em condições favoráveis de juros e prazos e incentivos fis-
cais e reduzem os riscos inerentes a esta atividade através da garantia dos
direitos de propriedade dos inovadores, políticas de compras estatais,
proteção do seu mercado por barreiras tarifárias e, especialmente, não ta-
rifárias e pelo aporte de capital de risco para as empresas que fornecem
bens de mercado, especialmente aquelas que investem em projetos de
inovação de maior potencial transformador, ou seja aqueles projetos onde
a incerteza é maior e os prazos de maturação mais estendidos. Indireta-
mente, ao fomentar as partes do sistema de inovação que fornecem bens
públicos, os Estados dos países desenvolvidos contribuem substancial-
mente para reduzir os custos e riscos das atividades destinadas ao mer-
cado, propiciando externalidades e eficiência sistêmica.
A redução da importância da dimensão nacional em função da globali-
zação é inequívoca. No entanto, a globalização é heterogênea – incide de
forma distinta sobre os vários âmbitos das nações. No que toca ao sistema de
inovação, suas diversas partes apresentam graus muito diferenciados de in-
serção internacional – variando entre a internacionalização da atividades
científicas até a pequena dimensão internacional das atividades desenvolvi-
das por pequenas e médias empresas. No plano empresarial, as relações se
estabelecem primordialmente entre grandes empresas e entre os paises de-
senvolvidos, onde os sistemas locais apresentam condições de desenvolvi-
mento semelhantes e a lógica das economias de especialização e escopo fo-
mentam a colaboração – algumas vezes fortemente estimulada por meca-
nismos governamentais de integração, como é o caso da União Européia.
Tomando o exemplo dos Estados Unidos, em 2000, dois terços do gasto rea-
lizado pelas corporações americanas fora dos EUA (US$ 19,8 bilhões), oco-
rreu em apenas seis países, todos desenvolvidos. No mesmo ano, os inves-
timentos em P&D feitos por empresas estrangeiras nos EUA foram de US$
26 bilhões, oriundos principalmente de outros paises desenvolvidos2.
A reduzida globalização dos sistemas de inovação, justificando que
sejam ainda definidos como “nacionais”, estimula os paises avançados a
por em prática um conjunto de políticas externas, que complementam as

2 Dados da National Science Foundation citados em Vermulm e de Paula (2006).

StrategicEvaluation (2007) 1
Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 13

políticas de apoio nacional, acima mencionadas. Entre estas, destacam-se,


de um lado, as políticas que facilitam o acesso de partícipes do sistema
nacional de inovação aos recursos de outros sistemas, a exemplo dos
acordos de cooperação e integração. De outro lado, os governos dos pai-
ses avançados buscam garantir as rendas dos recursos nacionais do sis-
tema de inovação no exterior. Isto é feito atuando no acesso aos mercados
externos, lutando pela liberalização do comércio internacional e do inves-
timento externo naqueles bens e serviços de maior intensidade tecnológi-
ca, onde estes países contam com vantagens competitivas fruto do desen-
volvimento de seus sistemas de inovação. Ao mesmo tempo, defendem as
rendas a serem obtidas pelos seus sistemas de inovação garantindo os di-
reitos à propriedade sobre os resultados desses sistemas, seja através da
legislação sobre investimento direto, seja através das normas que regem a
propriedade intelectual. Esta atuação se dá tanto em nível bilateral como
em escala global através da regulação internacional expressa através de
tratados como TRIPS e TRIM3 e de organizações internacionais como a
OMPI (Organização Mundial para a Propriedade Intelectual).
Ou seja, nos países avançados existe uma política que engloba as polí-
ticas industrial, tecnológica, científica e de relações internacionais. Política
interna e externa são duas faces da mesma moeda destinada ao desenvol-
vimento interno e à competitividade internacional e atuam de forma
complementar e sinérgica.
Subjacente a este conjunto de políticas que têm como objetivo explícito
o desenvolvimento interno e a inserção competitiva, existe um conjunto
de políticas macroeconômicas (cambial, fiscal e monetária) que dá ampa-
ro às políticas explícitas acima mencionadas mantendo uma combinação
de câmbio/juros/déficits fiscais que tornam atrativos os investimentos
em inovação. Estas políticas macroeconômicas, freqüentemente desenha-
das com outros fins, constituem um poderoso determinante do desenvol-
vimento do sistema nacional de inovação. Por essa razão merecem a de-
nominação de “políticas implícitas” de inovação. Sua convergência com
as políticas antes discutidas (as políticas “explícitas”) confere ao sistema
uma forte sinergia.
Os sistemas de inovação dos paises em desenvolvimento têm, em
comparação com os sistemas dos paises avançados, menores recursos
(humanos, físicos e institucionais), muitas vezes abaixo do mínimo nece-

3 O TRIM (Trade Related Investment Measures) é um acordo concernente o

investimento estrangeiro. TRIPS (Trade Related Intellectual Property Agreement) diz


respeito à propriedade intelectual.

StrategicEvaluation (2007) 1
14 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

ssário para serem eficientes e eficazes. Além disso, esses sistemas são fre-
qüentemente incompletos e as partes existentes apresentam baixa cone-
xão, o que prejudica a produtividade do sistema como um todo.
Enquanto os sistemas de inovação dos paises avançados tem uma
longa história de vida, gozando pois dos efeitos benéficos da cumulativi-
dade e aprendizado, a constituição dos sistemas dos paises em desenvol-
vimento é mais recente. Na América Latina em geral, e no Brasil em parti-
cular, o processo de estabelecimento desses sistemas, que vinha se desen-
rolando ao longo dos anos setenta, foi duramente afetado pela crise da
dívida e a conseqüente explosão inflacionária nos anos oitenta. Na década
seguinte, a combinação das reformas institucionais preconizadas pelo
Consenso de Washington com políticas macroeconômicas dirigidas pre-
dominantemente para o controle da inflação com um cenário de cresci-
mento baixo e incerto reduziram substancialmente os investimentos pú-
blicos e privados em inovação e concentraram os investimentos feitos em
projetos que reduzissem custos em períodos curtos e de resultados segu-
ros. Em conseqüência, partes importantes do sistema de inovação sofre-
ram baixo crescimento e até atrofia e a direção do sistema foi orientada
para atividades de natureza defensiva face à exposição internacional.
Aos efeitos das reformas institucionais e da política macroeconômica
somou-se a aversão às políticas explícitas de apoio ao sistema, notada-
mente na sua especificidade setorial. As políticas industriais de corte seto-
rial que existiram foram de caráter ad-hoc, defensivas (disputando o in-
vestimento direto estrangeiro com outros países ou protegendo setores
contra práticas obviamente desleais de comércio exterior) e desprovidas
de visão estrutural e de longo prazo. A principal exceção a este quadro foi
a criação, no fim do período, de Fundos setoriais para estimular a coope-
ração entre empresas e instituições de pesquisa no âmbito do Ministério
da Ciência e Tecnologia.
Do ponto de vista da política externa, é notável o descaso com o de-
senvolvimento da capacidade científica e tecnológica para competir no
mercado internacional, pois há muito se notara que a estrutura de expor-
tações brasileira estava enviesada para produtos de baixa e média inten-
sidade tecnológica, cujo dinamismo no mercado internacional é relativa-
mente baixo e sujeito a ciclos, ao passo que a estrutura de importações
estava concentrada em bens de média e alta intensidade tecnológica, cuja
demanda tinha a propensão a crescer mais do que a renda. Ou seja, o co-
mércio internacional brasileiro tinha um viés estrutural para fortes défi-
cits, que tenderia a aumentar quando o crescimento acelerasse.

StrategicEvaluation (2007) 1
Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 15

Na visão hegemônica à época esperava-se que o investimento direto


estrangeiro, atraído pelas reformas institucionais e pela estabilidade de
preços, tivesse, no médio e longo prazos, um viés exportador que com-
pensasse, no futuro, o aumento das importações, estabelecendo um certo
equilíbrio nas transações comerciais a um nível mais alto de corrente co-
mercial. Entrementes, o capital financeiro externo cobriria as lacunas.
A existência de método na loucura não a transforma em sanidade. O
investimento direto que veio, foi direcionado principalmente para o mer-
cado interno, ampliado para o Mercosul, e parte ponderável foi destinada a
aquisições de ativos já existentes, dos quais uma boa parcela produzia
serviços non tradable como energia e comunicações. Por outro lado, a aposta
na estabilidade e confiabilidade no capital financeiro internacional provou-se
fatal na medida em que as sucessivas crises internacionais abateram vários
mercados “emergentes” e acabaram por engolfar o Brasil no fim de 1998,
atando a política macro pelo segundo mandato do Presidente Cardoso.
No atual governo avançou-se com a concepção de uma política explí-
cita que busca articular o desenvolvimento industrial, tecnológico e de
comércio exterior4, centrada na inovação. Esta política tem como priorida-
des setores intensivos em tecnologia, cujos produtos e serviços são de uso
generalizado, impactando o resto do sistema econômico, e têm fortes efeitos
na balança comercial – componentes eletrônicos, software, bens de capital e
fármacos. De alcance transversal, biotecnologia e nanotecnologia, biomassa
e as atividades relativas ao Protocolo de Quioto, vistas como as “portadoras
de progresso técnico” no futuro, foram também priorizadas.
Ao mesmo tempo, baseada no diagnóstico que a globalização tem
efeitos diferenciados e o mercado não conduz ao crescimento econômico
com uma distribuição justa de resultados (Amorim, 2003), a política di-
plomática brasileira, no plano econômico, atuava no sentido de nivelar as
condições de concorrência internacional, atuando em fora internacionais
como a Organização Mundial de Comércio, diversificar destinos e am-
pliar o acesso a mercados, fomentar a cooperação Sul-Sul, ampliando o
tradicional foco no MERCOSUL para incluir outros países da América do
Sul e de outros continentes, notadamente os países de dimensão seme-
lhante como a Índia, África do Sul e China e desmobilizar a iniciativa de
integração continental, que se afigurava problemática para o sistema na-
cional de inovação e para a evolução da pauta exportadora brasileira em
direção a produtos de maior valor agregado e maior dinamismo.

4 PITCE: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

StrategicEvaluation (2007) 1
16 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

No plano institucional, criou-se o Conselho Nacional de Desenvolvi-


mento Industrial, sob a coordenação do Ministério de Desenvolvimento
Industrial e com a participação do Ministério de Relações Exteriores5 e a
Agência de Promoção de Exportações e Investimento (APEX-Brasil), onde
o MRE participa do Conselho Deliberativo, foi re-estruturada, ganhando
maior força. Avançou-se assim na direção da integração da política
externa com as demais políticas de desenvolvimento científico e
tecnológico6. Há, naturalmente, um grande espaço para aumentar tal
integração – por exemplo, dando mais ênfase na política externa aos
aspectos de cooperação para inovação, em complemento aos objetivos
comerciais já perseguidos.
Não logrou-se, no entanto, a integração das políticas acima citadas
com a política macroeconômica. Esta, mantendo a orientação seguida nos
governos anteriores, privilegiou a estabilidade de preços mediante a
combinação de altos juros, câmbio valorizado e fortes superávits fiscais,
mesmo ao preço de taxas de crescimento reduzidas e instáveis, reduzindo
a eficácia das políticas de desenvolvimento tecnológico, industrial e de
comércio exterior.

DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E
TECNOLÓGICO E O PODER MILITAR

Durante a maior parte da história dos Estados-Nações o poder militar


constituiu a essência da política externa, codificado pela “escola realista”
de relações internacionais. Com o fim da Guerra Fria e a cheia da maré li-
beral, apoiada nos governos Thatcher, Reagan e Kohl, ascendeu uma
visão que postulava que a dimensão militar destas relações tendia a per-
der sua importância passada e que a competição entre as nações passaria
a se dar primordialmente no campo econômico (vid. Bergsten, 1991).

5 O MRE tem assento no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e na Câmara

de Comercio Exterior (CAMEX), órgãos que já existiam. No entanto, não participa


do Conselho da Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), criada
em 2004 para coordenar os atores responsáveis pela execução da PITCE.
6 Foge ao propósito deste ensaio fazer o repertório das medidas tomadas nos âmbi-

tos das políticas referidas e, ainda menos, avaliar sua eficácia, que, pela própria
natureza das políticas tem um prazo dilatado de maturação. Leitores interessados
na descrição mais detalhada da PITCE e das medidas poderão consultar com pro-
veito o sítio da ABDI (ver Nota anterior) (www.abdi.com.br).

StrategicEvaluation (2007) 1
Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 17

Um dos principais ideólogos da cânone neo-liberal, Francis Fukuyama,


refinaria esta posição (vid. Fukuyama, 1989 e 1991): os países que teriam or-
ganizado sua política na forma democrática e sua economia segundo o mer-
cado, atingindo uma forma ideal de sociedade e completado sua história, no
sentido a ela conferido por Hegel, seriam, pois, “países pós-históricos”, dis-
tintos de outros países, cujo regime político ainda seria autoritário e com
forte intervenção do Estado na economia, que ainda estariam por completar
a sua História e seriam, assim, “países históricos”. Nesta influente visão, o
primeiro grupo de países, crescentemente homogeneizados pela globaliza-
ção, competiria entre si economicamente, tenderia a estabelecer mecanismos
de cooperação e integração e resolveria seus conflitos por meios pacíficos.
Por oposição, os países ainda “históricos” seriam pouco cooperativos com os
demais países e estariam sempre tentados a resolver os conflitos manu milita-
ri. Guerras eventuais poderiam, pois, surgir entre paises “históricos” e entre
estes e os países “pós-históricos”. Portanto, a estes últimos caberia a missão
de desarmar os países “históricos”, ao mesmo tempo em que os propeliam
rumo ao fim da História, pressionando-os e incentivando-os a adotarem re-
gimes democráticos e economias de mercado.
Em outras palavras, no plano internacional, o neo-liberalismo conti-
nha uma doutrina militar consistente e convergente com suas doutrinas
econômica e política. Estas doutrinas foram aplicadas com denodo pelos
países avançados, notadamente os Estados Unidos, levando vários países,
como o Brasil, a, no plano militar, reduzir os orçamentos destinados às
Forças Armadas nacionais, desmantelar sua indústria de armas
convencionais e a subscrever acordos relativos à fronteira militar, como as
armas nucleares (Tratado de Não-Proliferação Nuclear) e químicas
(Organização para a Proibição de Armas Químicas).
No entanto, não se observou no âmbito dos países desenvolvidos
igual esforço em reduzir sua capacidade bélica, especialmente no caso
dos Estados Unidos7, política justificada pela identificação de “novas
ameaças”, como o terrorismo, o fundamentalismo islâmico, os Estados
“renegados” e o narcotráfico (Guimarães, 2006), legitimada, a seguir, pe-
los atentados iniciados em 11 de setembro de 2001.
Segundo estimativas do Bonn International Centre for Conversion
(BICC), cerca de 80% dos gastos militares mundiais são realizados pelos
paises membros da OECD, correspondendo a cerca de 2,4% do PIB da

7 Os dados de Heo e Eger (2005), computados pelo autor, mostram que, em dólares

constantes de 1996, a média de despesas militares dos Estados Unidos durante a


década de oitenta, auge da Guerra Fria, foi mantida durante os anos noventa.

StrategicEvaluation (2007) 1
18 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

área. Os Estados Unidos respondem por cerca de 50% dos gastos mun-
diais e vem aumentando a sua participação: entre 2001 e 2004 seus gastos
militares cresceram 40%, atingindo 4% do PIB (US$ 455 bilhões8, dos
quais 45% correspondem aos gastos no Iraq e Afeganistão). Na União Eu-
ropéia, no mesmo período, o crescimento foi muito menor9 (2,9%) acen-
tuando a polarização militar entre os países capitalistas avançados. A
China aumentou os seus gastos militares em proporção ainda maior –
35,6% entre 2001 e 2004. Mesmo assim, seu dispêndio em 2004 (US$ 35,4
bilhões) correspondia a menos de 8% do gasto americano. A Rússia tam-
bém vem aumentando seus gastos, que correspondiam 10% do seu PIB
em 2004. Em contraste, sempre no mesmo período, a América Latina re-
duziu seus gastos militares de US$ 25,2 para US$ 23,7 bilhões, o que co-
rresponde a 1,2% do PIB regional, a mais baixa participação entre as re-
giões mundiais. Conforme nota a mesma instituição, em 2004 os gastos da
OECD com a cooperação para o desenvolvimento eram equivalentes a
menos de 10% dos gastos militares (BICC, 2006).
As relações entre desenvolvimento militar e desenvolvimento científi-
co e tecnológico são muito antigas – em 212 A.C. Arquimedes desenhou
máquinas de guerra para a defesa de Siracusa contra os romanos. Na era
moderna, a Primeira Guerra Mundial foi chamada a “guerra dos quími-
cos” e a Segunda a “guerra dos físicos” (Rose e Rose, 1971). Esta última,
principalmente através do programa nuclear, definiria o formato de
grandes projetos científicos, tecnológicos e industriais – a “Big Science”. A
Guerra Fria consolidaria a articulação entre os sistemas militar, científico
e tecnológico e industrial10.
Observando os gastos governamentais em pesquisa e desenvolvi-
mento (P&D) nos paises capitalistas avançados verifica-se uma evolução
mais acentuada da polarização: enquanto as antigas potências imperia-
listas como Inglaterra, França e Alemanha reduzem o percentual de seus
gastos governamentais destinados à defesa ao longo do tempo11, os
Estados Unidos não o fazem e, no passado recente, aumentam esses

8 Todos os dados são em dólares de 2003.


9 Alguns países, como a Alemanha reduziram seus gastos entre 2001 e 2004.
10 Dizia-se que a ciência e tecnologia americanas tinham profundas dívidas com

três estrangeiros: Hitler, Stalin e Kruschev (Rose e Rose, 1971).


11 No início dos anos sessenta (1963/64) Alemanha, França e Reino Unido devota-

vam, respectivamente, 21%, 39% e 60% dos gastos governamentais em P&D à defe-
sa. Em 2004 esses percentuais haviam caído para, respectivamente, 6%, 23% e 32%.
Para o primeiro período ver Erber (1980) e para o segundo dados da OECD no sítio
do Ministério de Ciência e Tecnologia.

StrategicEvaluation (2007) 1
Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 19

gastos como percentual do total e em valor absoluto – o orçamento fede-


ral para o ano fiscal de 2006 prevê gastos em P&D para objetivos de defe-
sa de US$ 73,5 bilhões (correspondentes a quase 60% dos gastos totais do
governo federal para P&D), um aumento de quase 80% sobre os valores
de 200012. Note-se que estas cifras não incluem os gastos federais em P&D
do programa espacial, que, em 2006, somam pouco mais de US$ 7 bilhões,
cerca de 6,3% do total de gastos governamentais.
A Guerra Fria e os gastos militares conexos tiveram outra implicação:
o desenvolvimento do conceito de “tecnologias duais” – tecnologias que
podem ser de uso militar e civil. Até os anos setenta, a preocupação era
com o “transbordamento” (spillover) das tecnologias militares para o uso
civil. A importância dos gastos militares para o desenvolvimento de ino-
vações radicais como o avião a jato, os componentes microeletrônicos se-
micondutores, equipamentos de processamento de dados e transmissão
de informações, a automação da produção em pequena escala através do
controle numérico e equipamentos para energia nuclear são bem docu-
mentadas (vid. Erber, 1980). Ou seja, a liderança tecnológica dos Estados
Unidos dependeu de forma significativa das inovações geradas no
complexo militar e, depois, adaptadas e transferidas para o mercado.
Embora o spillover tenha se mantido, inclusive através da terceirização
de atividades militares, delegando a empresas privadas funções de apoio,
a partir dos anos oitenta e, mais marcadamente na década seguinte, a
preocupação militar passou a ser o spill in, o uso militar de tecnologias ci-
vis. Esta preocupação aumentou muito no passado recente, tendo em
vista a própria terceirização de atividades de apoio, o desenvolvimento
das tecnologias de informação e comunicação e a possibilidade do uso da
biotecnologia como arma, bem ilustrado pelos ataques com antrax nos
Estados Unidos em 2001. Em conseqüência, o Departamento de Defesa
dos Estados Unidos aumentou substancialmente a pesquisa feita em
cooperação com empresas privadas, mobilizando, direta ou indiretamente
os demais segmentos do sistema nacional de inovação (Reppy, 2006).
No plano internacional, durante a Guerra Fria o conceito de tecnolo-
gias duais deu origem a restrições a exportações dos EUA e seus aliados
de produtos e tecnologias que pudessem ser usadas para fins militares no
bloco soviético, administradas pelo CoCom (Coordinating Committee for
Multilateral Exports Control), desmantelado após a derrocada da União
Soviética e substituído pelo Acordo de Wassenaar, que se destina a con-

12 Dados do Science and Engineering Indicators 2006, publicado pelos National


Science Board e National Science Foundation dos Estados Unidos.

StrategicEvaluation (2007) 1
20 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

trolar exportações de armas e tecnologias duais (Reppy, 2006). Assinado


por 40 países, inclui tanto os países capitalistas desenvolvidos como
membros do antigo bloco soviético e alguns países em desenvolvimento,
como a Argentina e a África do Sul (o Brasil não é signatário). Embora o
Acordo seja mais flexível que o CoCom, a introdução de controles sobre
tecnologias duais de amplo alcance, como a biotecnologia e as tecnologias
de comunicação e informação está sendo discutida – o que pode vir a
prejudicar os retardatários nestas áreas como o Brasil.
Em 2004, Brasil destinou 1,2% dos gastos governamentais em P&D aos
objetivos de defesa, uma das mais baixas participações mundiais13. É
compreensível que num país como o Brasil, que tem um passado recente
de ditadura militar e que enfrenta restrições fiscais para lidar com graves
problemas sociais, haja relutância em aumentar os gastos militares. Com
efeito, as condições operacionais das Forças Armadas sofreram, ao longo
das duas últimas décadas uma deterioração tal que é duvidoso que este-
jam aptas a exercer adequadamente o seu papel constitucional de defesa
do território e da soberania nacional.
Num regime democrático, a política militar está subordinada ao poder
civil e às políticas por este determinadas. Mesmo ressalvando a falta de con-
flitos regionais mais sérios que demandem o envolvimento militar do Bra-
sil, as condições específicas do país, notadamente sua área geográfica, a ex-
tensão de fronteiras e, especificamente, a ocupação da Amazônia, são sufi-
cientemente problemáticas para justificar o investimento em equipamentos
e tecnologias para as Forças Armadas. A dependência de importações nesse
campo, arriscada pelas restrições que outros Estados podem impor, deveria
ser mitigada pelo estabelecimento, seguindo o exemplo dos paises avança-
dos, notadamente dos Estados Unidos, de parcerias entre as Forças e o sis-
tema nacional de inovação. É de se supor que boa parte das tecnologias de-
senvolvidas no decorrer desta parceria terão uso dual – ou seja, trarão bene-
fícios também em termos de maior capacitação científica e tecnológica que
poderá ser utilizada para fins de maior competitividade internacional.

CONCLUSÕES

Argumentou-se aqui que alguns dos principais objetivos da política


externa brasileira para viabilizar taxas de crescimento altas e sustentáveis
no Brasil – aumentar sua competitividade internacional e, assim, reduzir

13 O programa espacial, de cunho civil, mas que tem características duais, recebeu,

em 2004, 1,7% dos gastos governamentais em P&D. Dados do sítio do MCT.

StrategicEvaluation (2007) 1
Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 21

sua vulnerabilidade econômica e aumentar sua capacidade de manter a


soberania nacional – estão intimamente ligados ao desenvolvimento do
sistema nacional de inovações. Este sistema não apenas é condição nece-
ssária para alcançar os dois objetivos como estabelece vínculos entre os
dois, gerando um efeito de sinergia triangular entre os dois objetivos e o
sistema de inovações.
O sistema brasileiro de inovações, que não prescinde da importação
de tecnologia e da cooperação com outros países, padece de problemas
estruturais– poucos recursos acumulados e baixa articulação existente
entre suas partes – que foram agravados no passado recente pelos redu-
zidos investimentos feitos para sua expansão.
Se estes problemas do sistema nacional de inovação não tiverem um
tratamento prioritário, a política externa brasileira terá seu alcance e efi-
cácia muito limitados, conferindo mais uma forte razão, além dos efeitos
internos positivos que um sistema de inovação completo e vigoroso traz,
para o enfrentamento desses obstáculos.
A PITCE, política industrial, tecnológica e de comércio exterior explí-
cita recentemente adotada e a ação diplomática e comercial do Itamaraty
constituem passos iniciais na direção do enfrentamento, que precisam de
continuidade e aprofundamento. O lado militar da PITCE e da política
externa, com suas tecnologias duais correlatas, permanece no limbo e de-
veria convergir com os demais componentes do sistema de inovação. No
entanto, esse movimento corre o risco de ser frustrado se as políticas im-
plícitas no regime macroeconômico não convergirem com as políticas ex-
plícitas, dando ensejo a uma sinergia virtuosa e cumulativa. Obter esta
convergência provavelmente demandará um esforço político e institu-
cional não trivial, mas nunca foi dito que o desenvolvimento em condi-
ções periféricas é uma tarefa fácil.

REFERÊNCIAS

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Lula - novas prioridades e desenvolvimento sustentado. Rio de Janeiro: J. Olympio Editora.
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StrategicEvaluation (2007) 1
22 | Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa

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Furtado, C. (1961). Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura.
Guimarães, S. P. (2006). Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto.
Heo, U.; Eger III, R. (2005). Paying for security: the security-prosperity dilemma in
the United States. Journal of Conflict Resolution, vol. 49 n.5.
Reppy, J. (2006). Managing dual-use technology in an age of uncertainty. The
Forum, vol. 4 issue 1.
Rose, H.; Rose, S. (1971). Science and Society. Harmondsworth: Penguin Books.
Vermulm, R.; Paula, T. B. de (2006). A política tecnológica do Brasil e a experiência
internacional. São Paulo: IEDI [mimeo].
Viotti, E.; Baessa, R.; Koeller, P. (2005). Perfil da inovação na indústria brasileira:
uma comparação internacional. In Negri, J. A. de; Salerno, M. S., Orgs. Inovações,
Padrões Tecnológicos e Desempenho das Firmas Industriais Brasileiras. Brasília: Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada.

*
Fabio Stefano Erber é Professor do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Este artigo reproduz e amplia a intervenção
feita durante a mesa sobre Ciência e Tecnologia no decorrer da Iª Con-
ferência Nacional de Política Externa e Política Internacional realizada
pelo Instituto de Pesquisas Internacionais (IPRI) e pela Fundação
Alexandre de Gusmão (FUNAG) no Rio de Janeiro em 5/07/2006.
Agradeço os comentários dos Ministros Carlos Henrique Cardim e
Hadil Fontes da Rocha Vianna e da audiência, assim como de Luiz
Carlos Prado a uma versão preliminar do texto, eximindo-os, porém
de qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

JORGE ZAVERUCHA

Ministério da Defesa Brasileiro


Um poder virtual

Brazilian Ministry of Defence


A virtual power

Resumo: Falácia da autonomia é a crença na possibilidade de analisar o Ministério


da Defesa brasileiro separado do contexto político que o criou e o governa. É im-
possível esperar que tal ministério atue de acordo com os princípios democráticos
se o sistema político não trabalha pela efetiva eliminação do legado autoritário
herdado do regime militar O modo como o Ministério de Defesa funciona no Bra-
sil, já que é influenciado por este legado, constitui um dos indicadores da fragili-
dade de nossa democracia. Recentemente, irritados com a tolerância do ministro da
Defesa e do Presidente Lula à greve de sargentos controladores de tráfego aéreo, os
comandos militares obrigaram Lula a mudar de posição radicalmente. Com medo
de perder a Presidência, a autoridade do atual ministro da Defesa nunca esteve tão
esvaziada desde a criação deste ministério.
Palavras-chave: Ministério da Defesa; forças armadas; democracia; legado autori-
tário; autonomia decisória.

Abstract: The belief on the possibility of analysing the Brazilian Ministry of Defence sepa-
rately from the political context in which it was created and exists is a fallacy. It is impossi-
ble to expect that it will act according to democratic principles if the system does not work
for the genuine suppression of the authoritarian legacy inherited from the military regime.
The way in whixh the Ministru of Defence works in Brazil, influences by this legacy, is one
of the indicators of our fragile democracy. Recently, irritated by the tolerance of the minis-
ter of Defence and President Lula with a airs trafic control sargents strike, military com-
manders forced Lula to swich his possition in a radical way. Afraid of loosing the Presiden-
cy, the authority of today’s minister of Defence has never been so empty since the creation
of the Ministry.

Keywords: Ministry of Defence; armed forces; democracy; authoritarian legacy; decision-


making authonomy.
24 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

INTRODUÇÃO
Falácia da autonomia é a crença na possibilidade de analisar o Minis-
tério da Defesa brasileiro separado do contexto político que o criou. É im-
possível esperar que tal ministério atue de acordo com os princípios de-
mocráticos se o sistema político não trabalha pela efetiva eliminação do
legado autoritário herdado do regime militar1. O modo como o Ministério
de Defesa funciona no Brasil, já que é influenciado por este legado, constitui
um dos indicadores da fragilidade de nossa democracia (Zaverucha, 2000).
Escrevi funciona, pois a criação do Ministério da Defesa per se não é
suficiente para garantir que as Forças Armadas estão submetidas ao con-
trole civil (vid. Carvalho [1999:345] e Oliveira [2005:115]). As Forças Ar-
madas continuaram a atuar autonomamente e passaram, freqüentemente,
por cima da autoridade do ministro da Defesa arranhando a autoridade
do Presidente da República. Em clara insubordinação à cadeia de coman-
do político e militar. Afinal, o Presidente da República é o comandante-
em-chefe das Forças Armadas. É o que veremos, a seguir.

METODOLOGIA
Metodologicamente, farei uso de instrumentos baseados tanto na Escolha
Racional como na pesquisa etnográfica (Rothstein, 2005). Ambas as contribui-
ções estarão presentes na narrativa institucional histórica utilizada para mos-
trar e avaliar a escolha dos atores políticos pela militarização da Abin. Subja-
cente está a premissa de que micro detalhes influenciam a evolução/ involu-
ção institucional. Construída deste modo, tal narrativa permite identificar
problemas de ação coletiva, pontos de veto e credibilidade de compromissos
(Levi, 2004:216). Assim como aspectos culturais dos indivíduos e/ou da so-
ciedade influenciam a formação das prioridades políticas de ambos.
Diversamente do mero relato histórico, a narrativa histórica-institu-
cionalista argumenta que as instituições têm a capacidade de mudar as
preferências dos atores políticos. Por serem capazes de distribuir poder
diferentemente. Por isso mesmo, esta narrativa procura entender o con-
texto cultural onde ocorrem os eventos. E como isto pode afetar tanto as
escolhas estratégicas dos atores quanto seus sistemas de crenças e idéias.

1 “Authoritarian legacies are those rules, procedures, norms, patterns, practices, disposi-

tions, relationships, and memories originating in well-defined authoritarian experiences of


the past that, as a result of specific historical configurations and/or political struggles, sur-
vive democratic transition and intervene in the quality and practice of postauthoritarian
democracies” (Hite & Cesarini, 2004:4).

StrategicEvaluation (2007) 1
Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 25
Explicações culturais e institucionais não são excludentes. Pelo contrário.
Componentes culturais podem influenciar o tipo de desenho institucional
formal ou informal e vice-versa (Helmke e Levitsky, 2006).
A análise é, portanto, tanto teórica quanto empírica. Enfatizo que
como fatos não falam por si, o entendimento dos mesmos ocorre dentro
tanto de um contexto histórico como de um arcabouço teórico. Esclareço,
a seguir, o que entendo por dois conceitos fundamentais para analisar a
criação e atuação da Abin: o de militarização e o de democracia. Feito isto,
apresento a parte empírica procurando demonstrar a plausibilidade das
conjecturas teóricas feitas anteriormente. Ao final, trato de explicar o mo-
tivo do processo de militarização iniciado no governo Fernando Henrique
Cardoso (FHC) ter continuado durante o primeiro mandato do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva2.

A CRIAÇÃO DO MINSITÉRIO DA DEFESA3


A criação de um Ministério da Defesa foi promessa de campanha de Fer-
nando Henrique Cardoso. Desde logo, incumbiu o ministro-chefe do Estado
Maior das Forças Armadas (Emfa), general Benedito Onofre Leonel, desta
missão. Esta escolha foi crucial. Ela indicava que a concepção do Ministério
da Defesa (MD) teria uma percepção militar, embora fosse criado como
instância de poder civil. Além do mais, o fato do Emfa ser um órgão burocrá-
tico e com poderes inferior aos ministérios da Marinha, Exército e Aeronáuti-
ca, sinalizava para os futuros limites do novo ministério (Zaverucha, 2005).
O projeto pouco avançou durante os quatro primeiros anos do man-
dato de FHC. A ponto do Presidente ter mudado as regras de tempo de
permanência no comando do Emfa para permitir que o general Leonel
continuasse a frente do mesmo. Até então somente oficial-general da ativa
poderia ocupar tal cargo. Com tempo de ir para a reserva, FHC garantiu a
permanência do general Leonel à frente do Emfa para que ele terminasse
o esboço do novo Ministério da Defesa. Feito isto, como prêmio, o general
Leonel ganhou o posto de observador militar brasileiro nas Nações Uni-
dades em Nova York, com salário mensal em torno de US$ 15 mil.4

2 Para uma visão distinta ver Santos (2004:117). Segundo a autora “demilitarization

is in progress, although through a long, slow and peaceful process”.


3 Em 1967, o General Presidente Castelo Branco promulgou o Decreto-Lei no. 200,

cujo texto preconizava estudos com vistas a criação do Ministério das Forças Ar-
madas. A idéia foi torpedeava pela rivalidade entre as três Forças, e afundou.
4 Existe similar posto de observador militar em Genebra. Estes cargos foram cria-

dos pelo Presidente José Sarney para agradar militares que cooperaram com a sua

StrategicEvaluation (2007) 1
26 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

A tarefa do general Leonel foi suavizada devido ao um componente


externo. Bastou os EUA anunciarem que a Argentina seria seu sócio militar
extra OTAN/NATO. Imediatamente surgiu a declaração, no dia 17 de
agosto de 1997, do presidente Carlos Menem de que o lugar dos países
latino-americanos no Conselho de Segurança da ONU deveria ser rotativo.
E não fixo para o Brasil, como desejava a diplomacia verde-amarela, para
que o tema do Ministério da Defesa voltasse às páginas dos jornais.
A ocasião escolhida por FHC foi a reunião do Grupo do Rio5 em
Assunção. No dia 24 de agosto de 1997, o presidente brasileiro anunciou a
criação do MD. Foi uma clara manobra política para favorecer a candi-
datura do Brasil a um assento no Conselho de Segurança da ONU, já que
seria difícil explicar ao mundo como um país com vaga neste Conselho
aspira decidir sobre questões de segurança internacional tendo quatro
ministros militares respondendo pela pasta da Defesa. Pela gênese de sua
criação, percebia-se que o MD não foi primordialmente criado para ajudar
a submeter os militares ao controle democrático civil. Mas, para fins ins-
trumentais. Os fatos posteriores viriam a confirmar a suspeita.
O Projeto de Emenda Constitucional no. 498/97 propôs a criação do Mi-
nistério da Defesa. Esta PEC, todavia, também, procurou agradar os milita-
res. O relator da mesma, o deputado Benito Gama, da aliança governista6,
afirmou que o novo ministro da Defesa civil seria uma espécie de “rainha da
Inglaterra”, ou seja, reina, mas não governa (Zaverucha, 2000:52). Noutras
palavras, o ministro da Defesa seria peça decorativa, pois o poder, de fato,
continuaria nas mãos dos militares (Lacerda e Carvalho, 1998). Caberia ao
ministro da Defesa as limitadas atribuições como a de centralizar o orça-
mento das Forças Armadas, comprar armas e redigir a política de defesa.
A fragilidade institucional do novo ministro da defesa é evidente. No
modelo norte-americano, a posição institucional do Ministro da Defesa é
fortalecida. Este modelo foi logo descartado pelos militares brasileiros sob
a alegação de termos peculiaridades distintas. O fato é que o Ministério

subida ao poder. Embora FHC tenha patrocinado uma Reforma Administrativa do


Estado, tais cargos foram mantidos. Lula, até o momento, segue a mesma trilha de
Sarney, Collor, Itamar e FHC.
5 O Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política –Grupo do Rio

(GRIO)—foi criado, em 1986, no Rio de Janeiro. Dele fazem parte Argentina, Bolí-
via, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Venezuela, Uruguai
e um representante da Comunidade do Caribe. O Grupo do Rio tem agido na con-
tenção de processos que colocam em risco a ordem democrática.
6 Na época, Gama pertencia ao Partido da Frente Liberal (PFL) do estado da Bahia.

Posteriormente, se transferiu para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 27
da Defesa do Brasil não possui um Estado-Maior Geral forte que comande
Marinha, Exército e Aeronáutica. O ministro da Defesa, lembra Lopes
(2001), “lida diretamente com os comandantes de cada Força. Ao Estado-
Maior Geral denominado no Brasil de Estado-Maior da Defesa, cabe
função de assessoria de cunho específico militar. Também é preciso re-
ssaltar: apesar dessa linha direta com os comandantes militares [ que o
ministro da Defesa] não ordena operações. No modelo americano, o Se-
cretário da Defesa controla pessoalmente os chamados Comandos de
Área, completamente operacionais. Cada Força tem subsecretário basica-
mente para tratar de assuntos administrativos”.
Outra prova da fragilidade institucional do ministro da Defesa é que
os comandantes militares do Exército, Marinha e da Aeronáutica deixa-
ram de ser politicamente ministros de Estado, mas mantiveram o status
jurídico de ministro. Ou seja, cabe ao Supremo Tribunal Federal processar
e julgar as infrações penais comuns e crimes de responsabilidade tanto
dos ministros de Estado como dos comandantes militares.
Os comandantes militares são, também, membros natos do Conselho de
Defesa Nacional e da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do
Conselho de Governo. Destarte, o ministro da Defesa é o único ministro de
Estado a carregar a tiracolo seus subordinados para as reuniões do referido
Conselho e da mencionada Câmara. Tais comandantes também possuem a
prerrogativa de, juntamente com o ministro da Defesa, indicar, ao presi-
dente da República, os nomes para a promoção de oficiais-generais. A lista,
portanto, será feita por três militares e um civil. Fica o registro, pois na prá-
tica isto pouco importa. Desde 1985 os Presidentes da República acataram
integralmente os nomes propostos pela cúpula militar para promoção.
FHC quis indicar o diplomata Ronaldo Sardenberg para ser o novo
ministro da Defesa. Diante da histórica rivalidade entre o Itamaraty e as
Forças Armadas, o Presidente cedeu às pressões castrenses e foi em busca
de outra alternativa. A escolha não poderia ter sido pior. Nomeou o ex-lí-
der do governo no Senado, senador Élcio Álvares, que acabara de ser de-
rrotado nas eleições em seu estado, Espírito Santo, e pessoa sem qualquer
experiência profissional na área.7 Na interpretação dos militares, FHC
usou a pasta para empregar um político derrotado e dar um prêmio de
consolação ao seu ex-líder, em vez de fortalecer o novo ministério.
Além disso, Álvares assumiu na qualidade de ministro extraordinário
da Defesa. Seis meses depois, 10 de junho de 1999, foi empossado como

7 Álvares teve que se desfiliar de seu partido, o PFL, para assumir o ministério.

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28 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

Ministro de Estado da Defesa. Neste momento, o Estado-Maior das Forças


Armadas foi extinto e os Ministérios da Marinha, do Exército e da Aero-
náutica transformados em Comandos. Portanto, o ministro nasceu antes
do ministério.8 Em um intervalo de aproximadamente seis meses, nesta
área o Brasil conviveu com cinco ministérios: o da Defesa, Marinha, Exer-
cito, Aeronáutica e Emfa. Enquanto esta situação perdurou, Álvares ficou
na incômoda situação de ao assinar documento oficial ter de pedir a assi-
natura de seus subordinados, os comandantes militares.9 Álvares era o
homem, na hora e lugar errado.
Álvares procurou conquistar a simpatia dos militares. Chegou a ponto
de interceder politicamente no Senado, para que a indicação do general
José Luís Lopes da Silva ao cargo de Ministro do Superior Tribunal Mili-
tar (STM) fosse aprovada. É que o mencionado general comandou as tro-
pas que invadiram a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1988, resul-
tando na morte de três grevistas. Álvares alegou aos senadores, que uma
derrota na nomeação de Lopes, deixaria o Exército em uma situação deli-
cada (Lima, 1999). Quem deveria ser réu, tornou-se juiz.
Na cerimônia de posse do novo ministro, todavia, já se podia pressentir o
que ocorreria no futuro. "Vamos embora que a festa é do senador (Alvares)",
disse o brigadeiro Walter Brauer, comandante da Aeronáutica, quando as au-
toridades faziam fila para os cumprimentos. Aliás, nenhum comandante das
três Forças cumprimentou o novo Ministro da Defesa.10 Um deles, o Almirante
Mauro Pereira, não compareceu alegando problemas pessoais (França, 1999).

A SAÍDA DE ÁLVARES
A crise que se delineava tomou novo fôlego com a decisão de Álvares
de dar a sua assessora e amiga, Solange Antunes Resende, o poder de
comandar reuniões com generais, almirantes e brigadeiros. A irritação
dos quatro estrelas aumentou quando a revista Istoé noticiou que Resende
e seu irmão, Dório Antunes, sócio de Álvares num escritório de advocacia
teriam defendido clientes envolvidos com o narcotráfico (Meireles, 1999).
A seguir nova denúncia neste mesmo sentido é feita pela Comissão
Parlamentar de Inquérito do Narcotráfico (CPI). A CPI decidiu quebrar os

8 Álvares despachava numa salinha no quarto andar do prédio do Emfa e foi, de-

pois, transferido para uma outra pequena sala. Álvares só ocupou o gabinete do
ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas quando o Diário Oficial pu-
blicou sua nomeação como ministro efetivo da Defesa e não mais extraordinário.
9 “Holofotes”, Veja, 28 de abril de 1999.
10 “Élcio Álvares x Forças Armadas”, Folha de S. Paulo, 18 de dezembro de 1999.

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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 29
sigilos bancário, fiscal e telefônico de Resende e seu irmão. Foi o mote
para a indisciplina militar. O Brigadeiro Brauer declarou que não daria
conselhos ao seu superior por nunca ter passado por tal situação e lem-
brou que “a vida pública tem que ser bastante ilibada, transparente, que
não deixe dúvidas” (Martins, 1999). Ou seja, Álvares e Resende deveriam
deixar seus cargos, na visão do brigadeiro. Claro ato de indisciplina militar.
FHC resolveu intervir. Demitiu o Brigadeiro Brauer e pediu o cargo
de Resende. Álvares, por sua vez, ganhou uma sobrevida. A demissão de
Brauer aumentou a insatisfação na Aeronáutica. Tanto é que FHC esco-
lheu como novo substituto o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista que
atuava como juiz no Superior Tribunal Militar. Ou seja, o Presidente não
encontrou um oficial de confiança entre os que estavam em plena atividade.
Durante a cerimônia de posse de Baptista o clima foi de constrangimento.
Brauer foi muito aplaudido após finalizar seu discurso de despedida eivada
de críticas ao governo.11 Afora esta manifestação, o comando da Aeronáutica
providenciou um desfile de tropas, além de manobra aérea do qual participa-
ram o “Sucatão”12 (cercado por quatro jatos F-5 simulando reabastecimento);
quatro Mirages; oito AM-X, um Boeing 737; um Learjet; e dois HS (Azeredo,
1999). O alinhamento das aeronaves simulava a falta de um companheiro de
vôo, numa referência à ausência do brigadeiro Brauer (Leali, 1999).
Paralelamente, o Comando da Aeronáutica emitiu uma nota de apoio
a Brauer constando a assinatura de oito Tenentes-brigadeiro. A nota,
dentre outras palavras, diz que Brauer “deixa o comando da Aeronáutica
gozando do mais elevado respeito, admiração e confiança junto a seus pa-
res do Alto Comando... [e que] o Alto Comando da Aeronáutica reafirma
que os valores morais e éticos que sempre nortearam nossa instituição serão
preservados a qualquer custo, sob a égide da hierarquia e da disciplina”.13

11 Uma delas foi contra o uso pouco parcimonioso de jatos da FAB, para fins

particulares, por parte de alguns ministros de Estado. Vários destes ministros usa-
ram aviões da FAB para conhecerem à paradisíaca ilha de Fernando de Noronha,
no estado de Pernambuco. Brauer revelou a imprensa, no início de 1999, a lista com
os nomes dos ministros, deixando o Planalto irritado com ele.
12 Apelido do avião presidencial (Boeing 707) já bastante antigo e que FHC julgava

inseguro. Brauer não concordava ao alegar ser o avião antigo na idade, mas não na
quantidade de horas voadas. O vôo do “Sucatão” foi uma forma do Comando da
Aeronáutica mostrar que as queixas de FHC eram exageradas.
13 Segundo um ex-ministro da Defesa, a Aeronáutica teria sondado o Exército e a

Marinha no sentido de promover um golpe de estado. A proposta não contou com


o apoio das duas outras forças.

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30 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

Em seguida foi a vez do Clube da Aeronáutica organizar almoço de


desagravo a Brauer. Na ocasião, com a presença majoritária de oficiais da
reserva, as críticas contra o Presidente da República subiram de intensidade.
Em países detentores de uma sólida cultura cívica, militares, uma vez fora
das fileiras, se comportam como civis, em especial, na vida política do país.
No Brasil, a patente ainda procura se impor à vida civil. O militar da reserva
se vê como porta-voz do estamento militar. E o que porta-voz faz é falar.
O presidente do Clube, brigadeiro Ercio Braga, num tom sedicioso
afirmou que “não se pode falar na legalidade de um Governo que, por sua
ação, se torna ilegítimo, dado que o compromisso do militar é com a nação, não
com o Governo” (Moreira Alves, 1999, itálico meu). O brigadeiro Ivan Frota,
por sua vez, defendeu o impeachment de FHC. Já o deputado federal e
capitão do Exército, Jair Bolsonaro, propôs que o Brasil seguisse o modelo
Hugo Chavez, ou seja, um militar na presidência.14 Em relação a FHC,
Bolsonaro teve a ousadia de dizer: "Ele, para mim, tinha de ser fuzilado".15
A ira da Aeronáutica para com sua pessoa era, segundo Álvares, de-
vido a outras razões. Ele havia descoberto que a Aeronáutica requisitara
27 mil passagens às companhias aéreas para trabalho de fiscalização da
aviação civil. Considerou isto um exagero. Afora isto, Álvares trabalhava
pela criação de uma agencia nacional de aviação civil o que retiraria po-
der da Aeronáutica. “Muitos brigadeiros aposentados que aplaudiram o
discurso do Bräuer no Clube da Aeronáutica ocupam cargos na Infraero,
no DAC ou em companhias aéreas. Serão atingidos pelas mudanças que
estou fazendo”, finalizou Álvares.16 O fato é que o DAC continuou até o
final do governo FHC sob controle da Aeronáutica., e Agencia Nacional
de Aviação Civil não decolou. Por sua vez, após 17 de comando militar, a
Infraero passou a ser dirigida por um civil (França, 2000).
Receoso que a rebeldia dos militares da reserva contaminasse os da
ativa, Álvares procurou rapidamente fazer um afago na Aeronáutica.
Conseguiu com o ministro interino da Fazenda, Amaury Bier, a liberação
dos recursos restantes retidos do Ministério da Defesa. A verba de R$ 51
milhões foi destinada ao custeio do SIVAM.17

14 “Militares dão sinal amarelo ao governo Fernando Henrique”, Tribuna da Impren-

sa, 29 de dezembro de 1999.


15 “Discursos pedem impeachment e a volta ao poder”, O Estado de S. Paulo, 29 de

dezembro de 1999.
16 Entrevista concedida à Revista Época, 16 janeiro de 2000.
17 “Planalto adota estratégia do silêncio e prefere ignorar ato”, O Estado de S. Paulo,

29 de dezembro de 1999.

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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 31
A autoridade de Álvares seria, mais uma vez, tisnada no último dia do
ano. Durante o reveillon realizado no Forte de Copacabana com a presença
do Presidente da República, houve um desagradável incidente. Pouco antes
do início da queima de fogos na praia de Copacabana, vento e chuva fortes
danificaram a estrutura do galpão da festa organizada para FHC. Os fotógra-
fos Fernando Bizerra e Sheila Chaves, que estavam credenciados, registraram
o ocorrido. Irritados, soldados do Exército agrediram os profissionais.
O incidente ocorreu numa sexta-feira. Somente na segunda-feira à tarde é
que foi publicada uma nota oficial do Exército corroborada pelo Ministério da
Defesa anunciando a abertura de um Inquérito Policial Militar. E isto devido
à intervenção pessoal de FHC, pois a intenção original do Exército era abrir
apenas uma sindicância. Em vez de Álvares sair em defesa do Presidente
ocorreu o contrário. A impressão que ficou foi a de que Álvares sentiu-se
intimidado em tomar uma decisão enérgica que desagradasse os militares.
Isto sem falar na ausência de Álvares no reveillon embora assinasse o
convite oficial para a festa. Álvares saiu do episódio mais fraco do que
quando entrou (Kramer, 2000). A situação era delicada, pois segundo o
próprio Álvares, “o Ministério da Defesa é o fiador da democracia no Bra-
sil”.18 Álvares cairia alguns dias depois.

UM NOVO MINISTRO
Com a queda de Álvares, o novo ministro nomeado foi Geraldo
Quintão que até então era o Advogado Geral da União. Uma de suas
funções era a de proteger o patrimônio do Estado. No entanto pesava so-
bre ele uma investigação sobre vôos particulares financiado pelo mesmo
Estado ao qual devia proteção. Um levantamento feito pela Aeronáutica
revelou que entre janeiro de 1995 a dezembro de 1998, Quintão teria
usado aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar nos fins de se-
mana para São Paulo, onde mora sua esposa. Teriam sido 32 viagens fi-
nanciadas pelos impostos dos contribuintes (Leali, 2000).
O inquérito foi aberto pelo Procurador da República, Guilherme Schelb,
em 11 de maio de 1999, estando nele incluídos, afora Quintão, outros minis-
tros de Estado. Ao se tornar pública a investigação, Quintão irritado acusou o
Ministério Público de exibicionismo.19 Segundo ele, tinha o direito de uso de
transporte aéreo para se deslocar a sua residência.20 Também alegou que viaja

18 Entrevista concedida a Época, 16 de junho de 2000.


19 “Quintão: Ministério Público é exibicionista”, O Globo, 21 de janeiro de 2000.
20 Entrevista com o autor. Santiago do Chile, 29 de outubro de 2003.

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32 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

em aviões da FAB desde 1993, quando servia ao governo Itamar Franco e


nunca o Ministério Público havia lhe repreendido. Schelb, por sua vez, reba-
teu as críticas de Quintão com um argumento sociológico: “é um ranço do
nosso passado colonial ter carroça para carregar alguém especial”.21 As via-
gens não foram consideradas ilegais. Quintão assumiu logo anunciando ações
que agradaram em cheio os militares: estudo para aumento de soldos; incre-
mento de verbas para a modernização das Forças Armadas, e defesa de um
sistema previdenciário diferenciado do civil (Azeredo, 2000).
A verba prometida não foi entregue e isto gerou insatisfação nas hos-
tes castrenses com o Presidente da República, e por tabela, com o Ministro
da Defesa. Em outubro de 2000, FHC resolveu demitir o comandante do
Exército, general Gleuber Vieira, por sua declaração criticando a falta de
verbas. Enfrentou, então, a mais séria crise militar de sua gestão. A deci-
são presidencial chegou aos quartéis. Imediatamente, 155 generais de
todo o país, se reuniram em Brasília, sem a presença do ministro da Defe-
sa, Geraldo Quintão, em ato de desagravo. 22 FHC entendeu a mensagem
e logo escalou o general Alberto Cardoso, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional, para anunciar que o general Gleuber não seria mais demiti-
do. Em troca os militares não fariam nenhuma manifestação pública. Es-
tes, por sua vez, exigiram a edição de uma Medida Provisória concedendo
reajuste salarial. No que foram atendidos.
Mesmo assim, os militares mandaram um novo recado a FHC. Du-
rante o almoço de 12 de dezembro de 2000, os fardados não aplaudiram o
Presidente ao término do discurso em que anunciava o aumento salarial.
Em compensação, o discurso do anfitrião, general Gleuber Vieira, foi en-
tusiasticamente aplaudido por quase um minuto (França & Nahass, 2000).
O ministro da Defesa também experimentou uma pitada da insatisfação
de seus, teoricamente, subordinados. A assessoria de Quintão solicitou ao
Exército uma sala para entrevista com a imprensa e três máquinas de fo-
tocópias para distribuição das novas tabelas de aumento. Embora o Clube
do Exército possua vários auditórios e escritórios, a sala solicitada não foi
cedida sob a alegação de não haver espaço disponível no Clube. O mesmo
aconteceu com as fotocopiadoras sob a excusa de estarem quebradas. Re-
sultado: Quintão imprensando num tablado no meio do salão de baile
teve de atender aos jornalistas em pé (França & Nahass, 2000).

21“Promotor rebate crítica de Quintão sobre viagens”, O Estado de S. Paulo, 23/01/2000.


22Quintão negou tanto o desejo de FHC em demitir o general Gleuber bem como a
mencionada reação do generalato. Entrevista com o autor. Santiago do Chile, 29 de
outubro de 2003.

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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 33
O ministro Quintão entendeu o recado, e mostrou-se tão preocupado
em agradar os militares que foi capaz de esquecer, momentaneamente, sua
formação jurídica. Em março de 2001, em visita ao estado amazônico de Ro-
raima, Quintão entusiasmou-se. Ante uma platéia de militares incorporou o
discurso dos mesmos dos anos 70 contrário à demarcação de terras indíge-
nas contínuas. Aproveitou para desancar o ex-presidente Fernando Collor,
responsável pela demarcação da área ianomâmi. Segundo Quintão, "uma
demarcação contínua onde não pode ser contínua, que foi feita por incom-
petência ou por necessidade de um presidente da República de aparecer
bem lá fora porque estava caindo aqui, e serviu de péssimo exemplo" (Ro-
drigues, 2001). Foi aplaudido ao estimular a violação de artigo constitucio-
nal. Afinal, o que Collor fez foi nada mais do que cumprir o estipulado pela
Constituição Federal de 1988, goste ou não o ministro Quintão.
A questão orçamentária voltaria a incomodar Quintão. Em crise econômi-
ca, e em nome da governabilidade, o governo federal bloqueou recursos des-
tinados ao Exército. Isto fez com que, dentre outras medidas, fossem adiadas
a incorporação de novos recrutas e a liberação mais cedo dos já incorporados,
suspensão de auxílio-transporte, e auxílio pré-escolar para militares etc.23
Em nota oficial criticando o governo e à revelia do ministro Quintão, o
General Gleuber Vieira diz entre outras coisas “a alta administração do Exér-
cito avaliou que tal quadro atingiu o limite das medidas paliativas, não res-
tando outra alternativa senão a adoção de soluções drásticas que comprome-
tem a disponibilidade futura e a operacionalidade da Força Terrestre”.24
Quintão, todavia, soube ser generoso com um outro Presidente da Re-
pública. FHC criou, em julho de 2002, a condecoração de Grão-Mestre da
Ordem do Mérito da Defesa. Dois meses depois, Quintão decidiu conde-
corar apenas FHC com a Ordem que ele próprio criara. A honraria, se-
gundo Quintão, deveu-se aos “relevantes serviços prestados às Forças
Armadas” (Krieger, 2002). O Presidente retribuiu a homenagem com uma
singela declaração sobre a democracia brasileira, o Ministério da Defesa e
as Forças Armadas: “Quero agradecer o espírito de compreensão, de co-
laboração do Ministério da Defesa e das várias forças singulares, que
nunca faltaram ao país, ao governo e nunca faltaram a mim, pessoalmen-
te. Se há um corpo do Estado brasileiro que, dentro das regras da demo-
cracia, tem funcionado de uma maneira absolutamente impecável, é o
Ministério da Defesa” (Jungblut, 2002).

23 “Exército corta na carne”, Jornal do Brasil, 12 de julho de 2002.


24 A íntegra da nota pode ser lida da edição do Jornal do Brasil de 12/07/2002.

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34 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

Impecabilidade deve ser sinônimo de desimportância. Em maio de


2000, a justiça Argentina enviou pedido de informações, através do Su-
premo Tribunal Federal, sobre a existência da Operação Condor no Brasil.25
Quintão recebeu a solicitação e afirmou que o governo abriria os arquivos
dos órgãos de inteligência militares para responder ao pedido da justiça
Argentina.26 Contudo, os arquivos continuaram fechados. Até hoje.
Noutra ocasião, em outubro de 2001, Quintão não foi convidado para
participar da decisão que levou o Brasil a invocar o Tratado Interamericano
de Assistência Recíproca (Tiar) (Cruvinel, 2001). Tal tratado foi uma inicia-
tiva do então Ministro da Relações Exteriores, Celso Lafer, de implementar
no plano regional a mobilização internacional de apoio aos EUA, após os
ataques de 11 de setembro de 2001. Quintão também não opinou sobre a
abertura do escritório do Serviço Secreto dos EUA em São Paulo (ibid.). Ou
seja, o próprio governo contribuindo para enfraquecer o ministro Quintão.
Mesmo assim, Quintão adotou um perfil low profile. Este mineiro de
trato afável, além de não reclamar, aceitou que mais da metade dos car-
gos do Ministério da Defesa fossem indicados pelos militares e que no or-
ganograma oficial seu cargo aparecesse ao lado, em vez de acima, dos
comandantes militares.27 Quintão cumpriu a contento o papel que lhe foi
confiado por FHC: ser discreto para não criar atritos com os militares.
Deixou o cargo com ótimo relacionamento com os comandantes militares.

UM DIPLOMATA COMO MINISTRO DA DEFESA


O Presidente Lula, ao contrário de FHC, conseguiu nomear um di-
plomata para conduzir o Ministério da Defesa: José Viegas Filho. O fez
pagando um preço elevado. Subvertendo a hierarquia, conceito tão caro aos
militares, Lula indagou aos três comandantes militares do governo FHC se
aceitavam o nome de Viegas. Com o sinal positivo dos comandantes, Lula
confirmou o nome do novo ministro. Deste modo, Viegas começou a cair,
antes mesmo de assumir, ao tornar-se refém das Forças Armadas. Teria que
se contentar em ser, como seus antecessores, uma “rainha da Inglaterra”, ou

25 Operação de colaboração entre os governos militares na década de 70 e 80 de

combate aos opositores políticos. Novas informações sobre esta Operação foram
descobertas em arquivos depositados no Paraguai.
26 “Arquivos do regime militar serão abertos”, O Estado de S. Paulo, 18/05/2000.

27 Além disso na Esplanada dos Ministérios, aparecem nos prédios os dizeres:

Ministério da Defesa- Exército Brasileiro, Marinha Brasileira e Aeronáutica Brasileira.


Em vez de Comando do Exército, Comando da Marinha e Comando da Aeronáutica.

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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 35
seja, um despachante dos interesses militares. Algo improvável dada a
rivalidade corporativa entre o Itamaraty e as Forças Armadas.
Viegas não entendeu ou não levou a sério as regras do jogo. Tomou
medidas que desagradaram, particularmente, o comandante do Exército,
Francisco Roberto de Albuquerque. O ministro criticou a falta de em-
penho do Exército, ao contrário da Marinha e Aeronáutica, na busca de
corpos de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia; levou adiante um
projeto de reengenharia administrativa (aí incluída a reestruturação curri-
cular e de comando da Escola Superior de Guerra28); comportou-se como
membro do governo ante os quartéis ao aceitar a decisão da área econô-
mica em não dar aumento salarial para os militares e solicitou que os co-
mandantes militares não fizessem declarações públicas em favor de tal
aumento; bem como exigiu que o Exército se adequasse aos termos do
Estatuto do Desarmamento patrocinado pelo Governo.
O desgaste no relacionamento administrativo entre Viegas e os milita-
res, degeneraram em aberta indisciplina. Embora já exista uma Assessoria
Parlamentar do Ministério da Defesa,29 o general Albuquerque indicou um
general para substituir um coronel na Assessoria Parlamentar do Exército.
Um claro desvio de função do general, além de sinalizar sua indisposição
em extinguir tal assessoria; o comandante do Exército freqüentou solenida-
des com farda militar inadequada para a ocasião, em aberta provocação
(Kramer, 2004); não enviou uma lista tríplice com o nome de generais a se-
rem escolhidos pelo ministro para irem ao Haiti. Pelo contrário, Albuquer-
que nomeou autonomamente tanto o general que comanda a força de paz
da ONU como o que lidera os militares brasileiros nesta força.

28 Fato que irritou o General Oswaldo Muniz Oliva, pai do senador Aloizio Merca-

dante, e o ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves que fora com José Sarney artífices
do aceite do nome de Lula ante a caserna. Achavam que a ESG deveria ser dirigida
por um general quatro estrelas, em vez de três estrelas como é na atualidade. Por
sua vez, Viegas trabalhava com a possibilidade da mesma poder ser dirigida até
mesmo por um civil. O general-de-brigada José Luiz Halley encarregado pelo mi-
nistro da Defesa de levar adiante o projeto de modernização da ESG teve sua pro-
moção indeferida pelo Exército, e foi para a reserva.
29 Afora a assessoria parlamentar do Exército (4 membros) no Congresso Nacional,

funcional a Assessoria da Marinha (3 membros) e da Aeronáutica (3 membros).


Afora isto, o Exército possui assessorias parlamentares em dez estados da federa-
ção: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Amazo-
nas, Mato Grosso do Sul, Bahia, Ceará e Pernambuco. Cf. “Legislativo é acompan-
hado”, Diário de Pernambuco, 17 de novembro de 2002.

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Atos de indisciplinas deste quilate passaram em branco, numa clara de-


monstração de fraqueza de Viegas. Obviamente, mais estaria por vir. O esto-
pim foi a publicação por parte do Correio Braziliense de fotos supostamente do
jornalista Vladimir Herzog sendo submetido à tortura antes de ser morto em
prisão militar.30 Herzog foi assassinado em 1975, numa onda de prisões co-
ntra integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A versão oficial de
“suicídio” não foi aceita pelo Presidente Ernesto Geisel, que mandou demitir
o comandante do II Exército, General Ednardo D´Avilla Mello.
Em vez de tratar as fotos como um fato histórico e nada mais, inespe-
radamente, o Exército soltou uma nota que foi considerada ofensiva pelo
Presidente Lula. A nota diz que o Exército não mudou suas convicções
sobre o acontecido naquele período histórico e que “considera ação pe-
quena reavivar revanchismos ou estimular discussões estéreis sobre con-
junturas passadas, que a nada conduzem”.31
O Exército além de falar em nome das Forças Armadas, sem o con-
sentimento da Marinha e da Aeronáutica, desautorizou o Ministério da
Defesa. Enquanto Viegas afirmara que os documentos da Guerrilha do
Araguaia haviam sido incinerados, a nota disse que não apenas estes do-
cumentos foram destruídos mas, que “os registros operacionais e da ati-
vidade de inteligência da época [do regime militar]” também o foram.
Viegas exigiu por escrito que o general Albuquerque revisse a nota
por considerá-la inadmissível. O ministro não aceitou, por duas vezes, os
termos da nova nota que mudou o tom mas não a substancia da nota an-
terior. Informado por fax sobre as duas notas, o Presidente Lula, que se
encontrava fora de Brasília, marcou um encontro com Viegas e Albuquer-
que na Base Aérea de Brasília onde “precisou fazer, ele mesmo, um re-
mendo de última hora no texto, para torná-lo um pouco menos fugidio”
(Freitas, 2004). Ficou acertado, entre os três, que a nova versão seria en-
tregue, primeiramente, ao ministro da Defesa.
O Coronel Oliva, em nome do General Albuquerque, ignorou Viegas e
entregou pessoalmente a nova nota ao Presidente Lula. O Presidente,
então, lembrou que antes Viegas deveria ver a nova versão, e só então o
coronel Oliva foi encontrar-se com Viegas.
Em vez de demitir o general Albuquerque por indisciplina, Lula tratou-o
com luva de pelica e considerou o incidente como sendo fruto da inabilidade
política de Viegas. Lula mostrou-se receoso de exercer plenamente sua

30 Posteriormente ficou comprovado que as fotos não eram de Herzog.


31 Ler íntegra da nota em O Globo, 19 de outubro de 2004.

StrategicEvaluation (2007) 1
Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 37
condição de comandante-em-chefe das Forças Armadas, conforme estipula o
artigo 142 da Constituição Federal, e não demitiu o comandante do Exército.
Com medo de exercer sua autoridade, fragilizou-se (Corrêa, 2004).
Embora lamentasse a morte de Herzog, a substancia da primeira nota
não foi alterada: os arquivos continuariam fechados aos civis. O general
Albuquerque tentou justificar o teor da primeira nota, publicada pelo Centro
de Comunicação Social do Exército, como fruto da “ausência de uma
discussão interna mais profunda sobre o tema”. Até o momento, aguarda-se
uma nova nota com o resultado desta discussão interna mais profunda.
Demissionário, Viegas publicou a mais duro texto já escrito por um
ministro de estado, desde 1985, em relação aos militares32. Segundo o ex-
ministro, “(...) a nota escrita em nome do Exército Brasileiro que, usando
linguagem totalmente inadequada, buscava justificar lamentáveis episó-
dios do passado e dava a impressão de que o Exército, ou, mais apropria-
damente, os que redigiram a nota e autorizaram a sua publicação, vivem
ainda o clima dos anos setenta, que todos queremos superar. É incrível
que a nota original se refira, no século 21, a 'movimento subversivo' e a
'Movimento Comunista Internacional'. É inaceitável que a nota use inco-
rretamente o nome do Ministério da Defesa em uma tentativa de negar ou
justificar mortes como a de Vladimir Herzog. É também inaceitável, a
meu ver, que se apresente o Exército como uma instituição que não pre-
cise efetuar 'qualquer mudança de posicionamento e de convicções em
relação ao que aconteceu naquele período histórico”.
Foi uma grande mudança de opinião por parte do Ministro da Defesa.
Oito meses antes, em alusão ao golpe de 1964, o Ministro publicou artigo
argumentando que as Forças Armadas “se inserem na plenitude demo-
crática que felizmente vivemos e que é axioma definitivo para a sociedade
brasileira” (Viegas Filho, 2004).
Lula indicou o Vice-Presidente da República, José de Alencar, para mi-
nistro da Defesa. Como terá dificuldade em substituí-lo pois é o eventual
comandante-em-chefe das Forças Armadas na ausência do Presidente da
República, é de se esperar que Alencar cumpra com os termos do pacto da
transição: os militares aceitam a democracia eleitoral em troca da manuten-
ção de enclaves autoritários dentro do aparato de Estado. Um desses domí-
nios reservados é a posse da chave dos arquivos da repressão militar.

32 O texto completo da carta de demissão de Viegas pode ser encontrado em O Esta-

do de S. Paulo, 5 de novembro de 2004.

StrategicEvaluation (2007) 1
38 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

Merece registro a reação de alguns parlamentares do Partido dos Tra-


balhadores. O líder do governo na Câmara, Professor Luizinho disse que
a atitude de Lula “mostra o apreço do presidente pelas Forças Arma-
das”.33 Na mesma linha, o líder do governo no Senado, Aloizio
Mercadante, afirmou que “o presidente dá uma demonstração do prestí-
gio das Forças Armadas” (ibid). Mercadante juntamente com o seu pai,
general da reserva Oswaldo Muniz Oliva, e seu irmão coronel Oswaldo
Muniz Oliva, secretário executivo do Núcleo de Assuntos Estratégicos da
Secretaria de Comunicação do Governo Federal, ajudaram a manter poli-
ticamente intacto o general Albuquerque (Menezes, 2004).
O coronel Oliva, lotado no Gabinete do Comandante do Exército, já
havia sido designado para o cargo de Adjunto do Adido do Exército junto
à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, cumulativamente com o cargo
de Chefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW),
quando o ministro da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken, em se-
tembro de 2004, o requisitou para o Núcleo de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República34. Era um modo do coronel Oliva dialogar, em
nome do comandante-em-chefe das Forças Armadas, Presidente Lula,
com o general Albuquerque que vivia às turras com o ministro Viegas. A
via pessoal por cima da atitude institucional.
Tal qual uma rainha da Inglaterra, Alencar ao assumir, em 8 de novem-
bro de 2004, foi logo se submetendo à vontade dos militares ao dizer:
“Minha visão é daqui para a frente. Não tenho nada com o passado” (Car-
valho e Damé, 2004). Em seguida, anunciou a manutenção do indisciplinado
general Albuquerque à frente do comando do Exército. Ante o silêncio ab-
soluto do Congresso Nacional. Fato como este confirma ser o militarismo
um fenômeno amplo, regularizado e socialmente aceito no Brasil. Prefere-se
estabilidade política ao aprofundamento da democracia brasileira.
Alencar não criou zonas de atrito com os militares, até porque na
qualidade de Vice-Presidente não achou prudente isto. E porque pouco se
interessou pelo cargo dado sua inapetência para assuntos de defesa. Deixou
o cargo, em 31 de março de 2006, com a estima da caserna por ter sido um
interlocutor de seus interesses ante o Presidente Lula. Mas, ficou o gosto
amargo da desimportância deste Ministério ante as Forças Armadas.

33 “Presidente faz nomeação de vice que FHC planejou”, Valor Econômico, 5, 6 e 7 de

novembro de 2004.
34 Cf <http://www.exercito.gov.br/05Notici/Informex/2004/infor045.htm>.

StrategicEvaluation (2007) 1
Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 39
UM JANGUISTA NO MINISTÉRIO
Para o lugar de Alencar, Lula indicou o então ministro da Controlado-
ria Geral da União, Waldir Pires, seu amigo. Pires era o Chefe da Casa Ci-
vil do governo João Goulart quando o mesmo foi deposto pelos militares
em 1964. Lula quis com isso mostrar a maturidade da democracia brasi-
leira, pois militares bateriam continência para um civil outrora apeado do
poder pelas Forças Armadas. O tiro saiu pela culatra.
Em outubro de 2006, os controladores de vôo (militares e civis) 35 fizeram
uma operação-padrão. Ou seja, liberaram as decolagens de aviões comerciais
mais lentamente, acarretando inúmeros atrasos nas partidas dos vôos. Era um
modo de pressionarem o governo federal por melhores condições de
trabalho, maiores salários e pela desmilitarização das suas atividades.
Toda esta crise brotou após o choque entre Boeing da GOL Linhas Aé-
reas, vôo # 197, e um Legacy fabricado pela empresa brasileira Embraer, que
acabara de ser adquirido por uma firma norte-americana. No seu caminho
para Miami, os dois aviões se chocaram em pleno céu da Amazônia,
acarretando a queda do Boeing e morte de 154 pessoas. Entre passageiros e
tripulantes. Este foi o pior desastre da aviação comercial brasileira.
Durante a mencionada operação-padrão, os sargentos militares nego-
ciaram o fim da mesma com os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da
Defesa, Waldir Pires. Deste modo, o governo tratou o movimento dos
sargentos militares sob a ótica sindicalista, o que não foi bem visto pela
Aeronáutica. Aumentando o atrito entre Pires e os militares (Gieslow, 2007).
Portanto, já nesta ocasião, a autoridade do então Comandante da Ae-
ronáutica, Luiz Carlos Bueno, saiu chamuscada, pois a cadeia de co-
mando militar foi afetada. Na ocasião, foram abertos alguns inquéritos
policiais militares (IPM), mas os mesmos não prosperaram. Isto deu
ânimo aos sargentos controladores a continuarem pressionando o gover-
no federal, ignorando seus superiores hierárquicos.
A situação permaneceu tensa e durante a reforma ministerial, o Presi-
dente Lula aproveitou a ocasião para mudar a cúpula dos comandos mi-
litares, dentre ele, o brigadeiro Luiz Carlos Bueno36. Bueno era visto como
entrave a idéia de desmilitarização do controle do espaço aéreo comercial.
Proposta defendida publicamente pelo ministro Pires. O Ministro da De-
fesa justificou sua posição alegando que “somente a Eritréia, a Somália e o

35 O Brasil possui 2.300 controladores de vôo vinculados à Aeronáutica. A maioria (80%) é

composta por militares que controlam tanto o espaço aéreo comercial como a defesa aérea.
36 Ele foi substituído pelo Brigadeiro Juniti Saito.

StrategicEvaluation (2007) 1
40 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

Uruguai, que têm quatro ou cinco aviões voando, têm controle militar. A
Argentina tinha até antigamente” (Monteiro e Scinocca, 2007).
A Argentina poderia ser considerada um outro exemplo se o Presi-
dente Kirchner não tivesse anunciado, em setembro de 2006, a desmilita-
rização do controle do tráfego aéreo. O Presidente Lula almejava seguir
seu exemplo, por isso mesmo não desautorizou as manifestações do mi-
nistro Waldir Pires. E mais, Lula criou uma comissão ad hoc para estudar
o caso. Que se mostrou simpática a desmilitarização do setor.
Estava, portanto, estabelecido o choque de interesses entre o ministro da
Defesa, e o seu subordinado hierárquico, o comandante da Aeronáutica. Lula,
tal qual algodão entre vidros, procurou aparar as divergências acreditando
que o tempo as encarregaria de superá-las. Só que na medida em que não
tomava um claro posicionamento, Lula, simultaneamente, enfraquecia o
ministro da Defesa perante o Comando da Aeronáutica, e o Comando ante os
sargentos. A cadeia de comando, portanto, ia rápida e perigosamente se
esgarçando.
A disputa de poder por baixo dos bastidores continuava. O novo Co-
mandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito, procurou restabelecer a
cadeia de comando através de medidas internas. O sargento Edleuzo Ca-
valcanti, de Brasília, diretor de mobilização da Associação Brasileira de
Controladores de Tráfego Aéreo, e um dos alvos do IPM que apurou a
operação-padrão de outubro de 2006, foi transferido. De Brasília partiu
para um para um pequeno destacamento em Santa Maria (Rio Grande do
Sul). Houve o temor, por parte dos sargentos, que novas punições ocorre-
riam (Suwwan, 31 março 2007). Ao que tudo indica este foi o estopim
para a radicalização do movimento dos controladores. Que coincidiu,
simbolicamente, com seis meses da ocorrência do acidente do vôo # 197.
A crise escalou e tomou proporções inesperadas. No dia 30 de março de
2007, os controladores se amotinaram nos Cindactas (Centro Integrado de
Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo)37 e abandonaram seus postos de
trabalho. O motim foi iniciado no Cindacta-1, em Brasília, que controla a
maior parte do tráfego aéreo nacional, e se espalhou pelas outras três
unidades militares de controle de tráfego aéreo, ao longo do país. A aviação
comercial brasileira deixou, praticamente, de funcionar além de ter gerado
um caos nos aeroportos com passageiros dormindo pelas cadeiras e no chão.

37 O Cindacta é considerado uma organização militar e, desse modo, submetida às

leis militares. Defesa Aérea é responsável pela aviação militar, e Tráfego Aéreo
responde pela aviação comercial civil.

StrategicEvaluation (2007) 1
Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 41
O movimento paredista pegou de surpresa o governo federal. O Pre-
sidente Lula encontrava-se nos EUA. O Vice-Presidente, e na ocasião pre-
sidente interino, José Alencar estava em Minas Gerais. E o Ministro da
Defesa, no Rio de Janeiro. A Força Aérea Brasileira (FAB) forneceu avião e
garantiu a chegada do Presidente interino à Brasília38. O mesmo não aconte-
ceu com o ministro da Defesa. Pires, que ficou retido no Rio de Janeiro por
falta de avião militar que o levasse à Brasília (Gaspari, 2007). Um vexame.
O comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito quis dar ordem de
prisão aos amotinados. A notícia se espalhou e chegou aos ouvidos de Lula
em Washington. Os sargentos aquartelados não aceitavam negociar com
qualquer autoridade militar. Lula vetou a prisão dos amotinados e determi-
nou que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e a secretária-executi-
va da Casa Civil, Erenice Guerra, fossem à sede do Cindacta, em Brasília,
negociar com os controladores39. Chamados às pressas, para lá seguiram. E a
negociação foi concretizada. Sem a presença do ministro da Defesa, isolado
no Rio de Janeiro, mas com a de um ministro de passado sindicalista.
A negociação foi confirmada pelo recém-empossado ministro da Comu-
nicação Social, Franklin Martins, nos seguintes termos: “Ele [Lula} determi-
nou o seguinte: “Nós estamos com um gravíssimo problema que afeta a se-
gurança nacional. O essencial é voltar à normalidade”. Para tanto abrimos
uma negociação” (Swuann, 2007). Com este fato criado, Lula acreditou que
poderia, então, deslanchar o processo de desmilitarização do setor.
O fato é que após quase cinco horas de paralisação, os sargentos volta-
ram ao trabalho. Segundo o advogado dos controladores, Normando Au-
gusto Cavalcante Junior, que participou da reunião com o ministro Paulo
Bernardo, “depois de uma dia tenso, com ameaças e arbitrariedades, o
governo acabou recuando” (Mendes et alii, 2007).
Em troca do final da greve, o governo prometeu que seria criado um
plano de carreira para a categoria, pagamento de gratificação, e desmilita-
rização do setor. Tudo isto seria sacramentado em reunião com o governo
marcada para dois dias depois, no Palácio da Alvorada40.

38 Alencar quando foi ministro da Defesa se comportara como mandava o figurino,

i.e., foi um despachante dos comandantes militares ante o Presidente da República.


Contava com o apreço da caserna.
39 Os sargentos queriam a presença da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff que,

todavia, encontrava-se no Rio Grande do Sul. Rousseff pertenceu a uma organiza-


ção clandestina de esquerda durante o regime militar (Alencar, 2007).
40 O motim começou na sexta-feira à noite e a reunião para sacramentar os termos

do acordo foi marcada para terça-feira.

StrategicEvaluation (2007) 1
42 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

Vários oficiais coronéis que supervisionavam os sargentos nos Cin-


dactas, irritados com o comportamento do governo, abandonaram seus
postos de trabalho. Em Recife, o confronto entre oficiais superiores e con-
troladores exacerbou-se. O comandante do Cindacta-3, José Alvez Candez
Neto, divulgou nota a respeito da situação. Os controladores foram proi-
bidos de circularem em unidades militares, de usarem internet e intranet,
foram obrigados a entregar as chaves de seus armários, e passaram a usar
banheiro e estacionamento diferenciados (Caetano, 2007). Não somente os
controladores estavam foram de controle. Instalou-se a desordem41
Desautorizado pelo Presidente a prender os controladores, o Coman-
dante da Aeronáutica, Brigadeiro Saito, não ficou inerte. Ele juntamente
com outros oficiais, assessores jurídicos e dois representantes do Superior
Tribunal Militar (STM)42, reuniram-se no sede do Comando, em Brasília.
A saída jurídica para emparedar o presidente Lula foi encontrada. O arti-
go 7º. da lei que define o que vem a ser crime de responsabilidade esti-
pula punição para a autoridade que contribua para “incitar militares à
desobediência à lei ou infração à disciplina (Cabral e Escosteguy, 2007).
Munido deste embasamento legal, Saito convocou uma nova reunião,
para o dia seguinte com os brigadeiros que compõem o alto-comando a
Força. Os brigadeiros decidiram se opor a promessa de desmilitarização do
setor feita por Lula (ibid). Numa clara atitude de desobediência. E uma nova
medida foi tomada para fragilizar o Presidente: o Ministério Público Militar
(MPM) processaria os rebelados, mesmo que o Presidente tivesse anunciado,
através do ministro Paulo Bernardo, que eles não seriam punidos. Ao contrá-
rio do Comando da Aeronáutica, o MPM não está subordinado ao Presidente
da República, podendo, portanto tomar as decisões que achassem devidas. O
estilo sindicalista do governo federal de gerenciamento da crise estava se
transformando em uma séria crise institucional. Que poderia fugir do con-
trole do Presidente, pois estava se transformando em um jogo de soma-zero.
Paralelamente, o Presidente do Clube da Aeronáutica, Tenente-Briga-
deiro-do-Ar, Ivan Frota, enviou um mensagem aos associados intitulada
“Impunidade – “Apagão” Institucional. Na mesma, Frota ameaçou entrar,
no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionali-
dade e denúncia de crime de responsabilidade43, contra a pessoa do Presi-

41 Ressalte-se que o Ministério Público Militar decidiu não abrir IPM contra os coro-

néis indisciplinados.
42 Para a natureza mais militar do que jurídica do STM vide Zaverucha e Cavalcanti (2004).
43 Art.65, da Constituição Federal de 1988 e Art. 4º. da Lei no. 1.079, de 1950: São

crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra

StrategicEvaluation (2007) 1
Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 43
dente Luiz Ignácio Lula da Silva, caso ele em 72 horas, não adote imedia-
tas providencias corretivas. Dente elas, “a imediata reconsideração da de-
cisão de “desmilitarizar” o controle do tráfego aéreo e a restituição ao
Comando da Aeronáutica da autoridade para administrar o problema
militar surgido, com o envolvimento dos subordinados”.
Dependo das providencias corretivas a serem tomados pelo Presi-
dente Lula, “o Clube de Aeronáutica exorta a todos os oficiais da Aero-
náutica e das demais Forças Singulares, ativos e inativos, da mesma
forma que a todos os civis que se preocupem com a integridade das suas
Forças Armadas e da sua Pátria, ameaçadas por instâncias do próprio
Governo Federal, para se reunirem em Assembléia Permanente, em vigí-
lia cívica, nas instalações do Clube de Aeronáutica, na Praça. Marechal.
Âncora, nº. 15 – Centro – Rio de Janeiro.” Não foi necessário a vigília pois
Lula fez o solicitado dentro do prazo estipulado.

DAR ÁGUA PARA O VINHO


Os Comandantes do Exército e da Marinha já tinham manifestado re-
servadamente sua solidariedade ao Comandante da Aeronáutica. Afinal,
havia o receio que caso a insubordinação dos sargentos fosse tolerada,
novos atos de indisciplina poderiam vir a ocorrer nas outras Forças e nas
Polícias Militares. Isto era inaceitável para as Forças Armadas.
Confrontado em sua autoridade pelos militares, Lula preferiu não pa-
gar para ver. Ou seja, reconheceu a possibilidade de ser apeado do po-
der44. Muito pelo contrário. Recuou com uma rapidez e radicalismo ja-
mais vistos nos seus cinco anos de governo45. Creio que o peso da história
ajudou na decisão presidencial. Em 1963, houve uma rebelião de Sargen-
tos onde a hierarquia militar também fora rompida. A tíbia atitude do
então Presidente João Goulart contra os rebelados ajudou a empurrar os
militares legalistas a apoiarem o golpe de 1964. A rebelião dos sargentos
controladores uniu os oficiais das Forças Armadas contra o Presidente.
O fato é que logo na segunda-feira, 3 de abril de 2007, durante pro-
grama matinal de rádio “Café com o Presidente”, mudou drasticamente o

a Constituição Federal (...), Pena: Perda do cargo e inabilitação, até cinco anos, para
o exercício de qualquer função pública (Art. 2º da Lei no. 1.079 de 1950).
44 Dizer que os militares não tinham condições de derrubar o Presidente, por isto

não exerceram tal poder, equivaleria a afirmar que a Inglaterra não tem poder nu-
clear por nunca o ter exercitado. (Wight, 2006).
45Para uma visão de que o militares brasileiros são tigres de papel ver Hunter (1997).

StrategicEvaluation (2007) 1
44 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual

modo como vinha tratando os controladores. “Eu acho muito grave o que
aconteceu. Acho uma irresponsabilidade pessoas que tem funções que são
consideradas essênciais e funções delicadas, porque estão lidando com
milhares de passageiros, que estão sobrevoando o território nacional”,
declarou o Presidente (Lima, 2007). Lula foi ainda mais além ao dizer que
os controladores paralisaram suas atividades de uma forma “traiçoeira”46,
embora a crise viesse se desenrolando há seis meses. O presidente da
Câmara de Deputados, Arlindo Chinaglia acompanhou o estilo presiden-
cial e chamou os controladores de insubordinados47 .
Inseguro em sua autoridade, o Presidente chamou para conversar no
Palácio da Alvorada não apenas o Comandante da Aeronáutica, mas, tam-
bém, os Comandantes do Exército e da Marinha48. Ausente, o ministro da
Defesa. Assegurou aos comandantes militares que o acordo informalmente
acertado com os militares não seria considerado válido (Monteiro, 2007).
Como a cúpula militar conseguiu enquadrar o comandante-em-chefe
das Forças Armadas, que é o Presidente da República, não restou aos
controladores militares outra saída a não ser o recuo. Com receio de dura
punição disciplinar. E não mais se fala em desmilitarizar o controle do es-
paço aéreo comercial. Seja no governo, seja no Congresso Nacional.
Para manter as aparências de que não teve sua autoridade arranhada,
Lula manteve Pires como ministro da Defesa. De fato, os comandantes
militares despacham com o Presidente da República aquilo que conside-
ram ser fundamental para os seus interesses. Deste modo, Pires tornou-se
o mais virtual dos ministros que passaram pelo Ministério da Defesa. Pa-
pel que o ex-ministro da Defesa, José Viegas, não aceitou cumprir, ao
sentir que sua autoridade fora esvaziada.

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Azeredo, Zenaide (1999). “Posse em clima de consternação e contrariedade” in
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46 Curiosamente durante o escândalo conhecido por “mensalão” em que membros

do governo foram acusados de desviar verbas de empresas estatais para a coopta-


ção de parlamentares de oposição, Lula também disse ter sido “traído”.
47 “Chinaglia culpa operadores” in Correio Braziliense, 3 de abril de 2007.
48“Lula reúne chefes militares para conter crise aberta por motim” in Folha de S.

Paulo, 3 de abril de 2007.

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*
Jorge Zaverucha é Mestre em Ciência Política pela Hebrew University of
Jerusalem; Doutor em Ciência Política pela University of Chicago; foi
professor visitante da University of Texas at Austin; é pesquisador do
CNPq e dirige o Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da
Universidade Federal de Pernambuco; foi parecerista da Notre
Damme University Press; Latin American Research Review; International
Political Science Review; Latin American Politics & Society, etc.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

CRISTINA SOREANU PECEQUILO

Brasil, Segurança Internacional


e Interesse Nacional
Brazil, International Security and National Interest

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o debate de segurança no Brasil a partir


do final da Guerra Fria, contextualizando seus desafios internos e externos. Procu-
ra-se estabelecer uma correlação entre Segurança Internacional e Interesse Nacional
e analisar os setores estratégicos, sociais, econômicos e políticos que compõem es-
tas múltiplas dimensões de segurança, assim como as respostas a estes desafios,
definindo uma agenda de prioridades.

Palavras-chave: Brasil; Segurança; Interesse Nacional; Relações Internacionais.

Abstract: The aim of this article is to analyze the Brazilian debate on security since the end
of the Cold War, contextualizing domestic and external challenges. A correlation between
National Interest and International Security is also seeked, analysing strategic, social, eco-
nomical and political sectors that make up multiple dimensions of security, together with
the responses to these challenges, defining a priorities agenda.
Keywords: Brazil; Security; National Interest; International Relations.

Em 1989, o fim da Guerra Fria encerrou a disputa bipolar entre os Esta-


dos Unidos (EUA) e a antiga União Soviética. Sem a lógica do equilíbrio do
terror, da destruição nuclear mútua, abriu-se uma fase de transição no sis-
tema internacional, indicando o surgimento de uma ordem liberal e demo-
crática. Depois de mais de quarenta anos dominado pela segurança militar,
o cenário abria espaço para novos temas como meio ambiente, imigração,
saúde, direitos humanos, comércio e tecnologia, incrementando a atuação
dos atores não estatais, as Organizações Internacionais Governamentais
(OIGs) e as Não-Governamentais (ONGs).
Diante deste contexto, a maioria das nações, incluindo o Brasil, viu-se
pressionada. O país enfrentava um período de mudança interna, de pa-
ssagem do regime autoritário ao democrático, de crise da Década Perdida,
com a dívida externa, a desaceleração e estagnação do crescimento. Para a
48 | Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional

reinserção no pós-Guerra Fria era preciso corrigir rumos nos setores polí-
tico, social, econômico e estratégico, adaptando-os a esta realidade.
No setor estratégico, esta adaptação representou a revisão das postu-
ras no setor de defesa. Associado ao regime militar (1964/85), este setor, e
mesmo às preocupações de segurança nacionais, foram redirecionadas ao
vetor “pacífico”, desmontando investimentos nas forças armadas e pro-
grama nuclear (culminando na assinatura do Tratado de Não Proliferação
Nuclear-TNP). Dentre as tendências positivas buscou-se uma aproxima-
ção entre a sociedade civil e as forças armadas e se criou o Ministério da
Defesa, unificando as três armas, exército, marinha e aeronáutica.
Nos setores sócio-político-econômicos, a “limpeza de agenda” para
atingir credibilidade e responsabilidade, trazendo benefícios consubstan-
ciou-se na adesão ao neoliberalismo do Consenso de Washington de re-
forma do Estado (privatização, abertura comercial, desregulamentação,
liberalização financeira). Em resumo, o Estado deixou de ser o principal
condutor dos processos, o que gerou um vácuo de ação e poder.
Além deste enfraquecimento, a tática gerou efeitos opostos aos dese-
jados: ao invés de dividendos, perda de poder barganha e marginaliza-
ção. Ainda que o Brasil nunca tenha sido uma grande potência militar,
sua capacidade de defesa defensiva havia sido bem construída e agora
fora abandonada. A premissa defensiva resultava da baixa percepção de
ameaça e da tradição diplomática e geopolítica do país. Mais do que a ex-
pansão, as prioridades foram a proteção das fronteiras, a ocupação nacio-
nal e o desenvolvimento, sustentadas na lógica clássica do direito interna-
cional, não-confrontação e respeito à soberania. Outro pilar abandonado
foi o da capacitação tecnológica de ponta, encerrando experiências bem-
sucedidas na indústria de defesa, como a Engesa e a Avibrás, no projeto
de substituição de importações e limitando a área nuclear.
Somado ao enfraquecimento, pressões adicionais emergiram das
OIGs, em especial trabalhistas e ambientais, argumentando que os baixos
padrões dos países em desenvolvimento (PEDs) e de menor desenvolvi-
mento relativo (PMDR), traziam-lhes vantagens indevidas, incorporando
mais barreiras comerciais não tarifárias a suas exportações.
Outro elemento complicador foram as transformações do ambiente
estratégico. Logo no imediato pós-Guerra Fria guerras como as do Iraque
(1991), da ex-Iugoslávia (1992), a fragmentação de alguns Estados africanos
e a deterioração das relações Israel-Palestina, sinalizaram um descon-
gelamento. Conflitos regionais e locais, inter e intra-Estados são frequentes.

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 49
A criação das categorias de Estado bandido (Rogue state) e Estado fali-
do (Failed state) também corresponde a este movimento. A primeira faz re-
ferência a nações que não cumprem seus compromissos internacionais e
financiam pretensões regionais e globais agressivas, enquanto a segunda
às que não oferecem as condições mínimas de sobrevivência às popula-
ções, tema que se relaciona ao conceito de segurança humana.
Este conceito foi desenvolvido nas Nações Unidas (ONU), ampliando
o foco da segurança do Estado às sociedades. Seus parâmetros referem-se
às exigências mínimas que devem ser cumpridas para prover bem-estar:
saúde, educação, infra-estrutura (saneamento básico, moradia), emprego,
proteção à pessoa. A definição de soberania foi estendida, incorporando
estes referenciais, o que permitiu a expansão dos critérios para interven-
ção humanitária1 e político-militar.
Este segundo tipo não se liga só à segurança humana, e retoma a visão
tradicional de ameaça ao considerar que estes Estados podem iniciar gue-
rras e funcionar como santuários e patrocinadores de grupos radicais, de-
vendo ser preventivamente impedidos de agir. Para a diplomacia brasilei-
ra, estes elementos são vistos com bastante preocupação, indo contra seus
princípios clássicos.
Isto somente se agravou a partir de 2001 com os atentados de 11/09 aos
EUA e a visão neoconservadora da presidência George W. Bush que elaborou
sua Doutrina Preventiva em 20022. O início da Guerra contra o Terror Global
quebrou definitivamente a ilusão da paz. A despeito de sua “novidade”, de
combate multidimensional a um inimigo transnacional, esta guerra é travada
por meio de operações militares (Afeganistão e Iraque) que não dão conta de
sua natureza assimétrica, envolvendo diferentes Estados de diferentes poten-
ciais e atores de natureza diversa, Estados e Forças Transnacionais.
Frente a este contexto de ameaças, quais são as preocupações centrais do
Brasil no campo da segurança nacional? Como lidar com estes desequilíbrios
na segurança internacional sem perder o foco do interesse nacional?

1 No âmbito das ações humanitárias podem ser inseridas tanto as preventivas como

as de assistência em tragédias, operações de paz e reconstrução de Estados. O Bra-


sil possui larga experiência nesse campo, atuando, no período recente no Timor
Leste e no Haiti, onde chefia a missão de paz da ONU.
2 Também conhecida como Doutrina Bush, a Estratégia de Segurança Nacional,

define que os EUA reservam-se a possibilidade de intervir preventivamente em


Estados e/ou situações que identifiquem como ameaças, se necessário por ações
unilaterais. Sobre a política externa dos EUA ver Pecequilo, 2005.

StrategicEvaluation (2007) 1
50 | Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional

No que se refere à segurança, o país possui vulnerabilidades em todas


as dimensões. Destaca-se a baixa capacidade de projeção nacional e a
permeabilidade das fronteiras aos riscos: migração, tráfico de drogas e
armas, pirataria, lavagem de dinheiro, terrorismo, crime organizado, de-
gradação ambiental e a instabilidade política de seus vizinhos sul-ameri-
canos. Duas fronteiras são as mais vulneráveis: o Cone Sul, na região da
tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, e a Amazônia.
Avaliando a segurança humana, o Brasil também possui problemas,
afetando uma outra dimensão de segurança, a da segurança pública.
Dada a ausência do Estado, problemas de governança, o baixo cresci-
mento, a perda de controle dos setores estratégicos (defesa, energia,
transportes, telecomunicações), a não atenção continuada ao setor social
houve um aumento da violência urbana, da miséria e exclusão. Esta
fragmentação afeta a projeção internacional. Segurança interna e externa
são interdependentes, reforçando-se e/ou anulando-se mutuamente.
Frente a este desafio, três prioridades devem ser destacadas:

a) Capacidade do Estado e Desenvolvimento Nacional- Reconstru-


ção política-social-econômica e estratégica do Estado. O desafio é
enfrentar as dimensões da segurança humana e tradicional, re-
verter pontos de estrangulamento e retomar o crescimento. O
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), implementado
pela presidência Lula, simboliza estas ações.
b) Posição Assertiva e Propositiva nas OIGs- Defesa da reciprocida-
de, tratamento e atualização das OIGs para o reconhecimento do
status dos países emergentes e a tendência à multipolaridade.
OMC, ONU e o Conselho de Segurança, G8, FMI, Banco Mundial
são prioritários.
c) Cooperação Sul-Sul e Norte-Sul- Ampliar contatos horizontais,
desenvolvendo iniciativas como o IBAS (Fórum Índia, Brasil,
África do Sul), interações com Rússia, China e América do Sul.
Manutenção dos contatos verticais com os EUA e Europa.

Atender a estas demandas fortalece o Estado, preparando-o para os


cenários externo e doméstico. Correlacionar de forma equilibrada segu-
rança internacional e pública, o interesse e a soberania nacional, são tare-
fas que demandam uma ação decisiva e um compromisso democrático de
todos os setores, estatal e social. É preciso haver consciência de que os de-
safios são inúmeros, e que parte da capacidade nacional precisa ser re-

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 51
construída, enquanto outra permanece latente. Um futuro de modernida-
de é possível, mas a linha que o separa da regressão ainda é tênue, seja
por entraves internos, como por externos.

REFERÊNCIAS

Brigagão, Clóvis; Proença Jr., Domício, orgs. (2002). O Brasil e o mundo: novas visões.
Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Cervo, Amado Luiz; Bueno, Clodoaldo (2002). História da política exterior do Brasil.
Brasília: Universidade de Brasília.
Costa, Darc (2003). Estratégia Nacional. Porto Alegre: L&PM Editora.
Pecequilo, Cristina Soreanu (2005). A política externa dos EUA. Porto Alegre: UFRGS.
Pecequilo, Cristina Soreanu (2004). Introdução às Relações Internacionais. Petrópolis: Vozes.
Vizentini, Paulo Fagundes (2003). Relações Internacionais do Brasil: De Vargas a Lula. São
Paulo: Perseu Abramo.

*
Cristina Soreanu Pecequilo é Doutora em Ciência Política pela Universi-
dade de São Paulo e Professora de Relações Internacionais na Univer-
sidade Estadual de São Paulo. É também pesquisadora associada do
Núcleo de Estudos de Relações Internacionais da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul e colabora da Relnet impulsada pela Univer-
sidade de Brasília.

StrategicEvaluation (2007) 1
262 * Ceyhun Elci, Cooperation and Trade Development…
PUBLICATIONS | PUBLICAÇÕES

Evans Pim; Crespo Argibay, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds.
Contributos para a compreensão. Paz e segurança para o século XXI. Entender os conflitos para acadar a paz.
ISBN 84-689-5984-7 (2005) ISBN 84-689-9071-X (2006) ISBN 84-689-9069-8 (2006)

Suárez Canal; Evans Pim, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds.
De imagens de guerra a guerra de imagens. Essays on Atlantic Studies. Estudos Atlânticos.
ISBN 84-689-9070-1 (2006) ISBN 84-690-0272-4 (2006) ISBN 84-690-0273-2 (2006)

Immanuel Kant Glenn D. Paige. Arthur Ponsonby.


Para a paz perpétua| Cara á paz perpetua Sem matar é possível | Sen matar é posíbel A falsidade em tempos de guerra
ISBN 84-690-0279-1 (português) ISBN 84-690-0275-9 (português) ISBN 84-690-0277-5 (português)
ISBN 84-690-0278-3 (galego) ISBN 84-690-0274-0 (galego) ISBN 84-690-0276-7 (galego)

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

PEDRO PAULO A. FUNARI; PAULO CÉSAR MANDUCA

Dois aspectos do
desenvolvimento estratégico no Brasil
A pesquisa universitária e as forças armadas

Two aspects of strategic development in Brazil


Academic research and the armed forces

Resumo: Este artigo começa por dois aspectos relacionados: a academia e os militares.
Inicia-se pela universidade e instituições científicas, com a apresentação de uma série de
características da pesquisa científica e aplicada. O papel dos militares na P&D é estuda-
do em seguida, considerando sua importância histórica, com destaque para os últimos
anos. O artigo conclui-se com a ênfase na importância das instituições científicas e mili-
tares para o desenvolvimento estratégico de uma sociedade menos desigual.

Palavras-chave: Universidade; Forças Armadas; desenvolvimento estratégico.

Abstract: The paper starts by pointing to two linked subjects: academia and the military.
Starting by the university and scholarly institutions, several general features of scientific
and applied research are dealt with. The role of the military in R&D in Brazil is then
studied, considering its historic importance, stressing the mixed features of the last few
years. The paper concludes by emphasizing the importance of scholarly and military insti-
tutions for the strategic development of a less uneven society.
Keywords: University; Armed Forces; strategic development.

INTRODUÇÃO
O Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campi-
nas, Brasil, tem desenvolvido, nos últimos anos, pesquisas voltadas para di-
versos aspectos das políticas de interesse estratégico (cf. <http://www.
unicamp.br/nee>). As publicações resultantes, na forma de livros e artigos,
têm contribuído para a discussão de temas relevantes, tanto em termos
nacionais, no Brasil, como em relação ao contexto internacional, no passado
e no presente. A revista E-premissas (<http://www.unicamp.br/nee/eprem
issas>) tem contribuído para o debate acadêmico e científico dos temas
estratégicos. Neste contexto, apresentamos um balanço de dois aspectos
inter-relacionados: a universidade com fator de desenvolvimento e a
produção de ciência e tecnologia, em sua interação com as FAS.
54 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

A UNIVERSIDADE COMO PARTE DA POLÍTICA DE


SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

A Universidade tem função central, como parte da política de desen-


volvimento do Brasil. Neste contexto, quais seriam os compromissos sociais
da Universidade? Para que possamos refletir sobre este tema, é necessário
começar por explicitarmos de qual universidade falamos, de qual sociedade
tratamos, quais os contextos históricos e sociais específicos. A Universidade
moderna surgiu apenas em fins do século XVIII e inícios do século XIX,
herdeira das profundas transformações tecnológicas e ideológicas deco-
rrentes do desenvolvimento do capitalismo e do racionalismo iluminista. A
universitas studiorum medieval, fundada na busca do conhecimento integral,
holístico, cedia passo às especializações, à experimentação e à busca da ver-
dade científica. Enquanto a antiga universitas studiorum voltava-se, de forma
explícita, para servir à elite, aos antigos oratores (clero) e bellatores (nobres), a
nova Universidade surgia como projeto burguês de domínio do mundo
material e espiritual. A ciência desvencilhava-se de sua condição de ancilla
ecclesiae, serva da Igreja, seja ela Católica ou Protestante, para tornar-se o
conhecimento positivo, comprovável empiricamente, da realidade.
Tardaria muito, contudo, para que os filhos do povo pudessem fre-
qüentá-las. A entrada de filhos de operários ou de pessoas de origens
humildes só se concretizaria, na Europa e nos Estados Unidos, a partir do
período Pós-Segunda Guerra Mundial e, de forma mais marcada, como
resultado da prosperidade econômica adquirida desde a década de 1960.
Mesmo na Europa e nos Estados Unidos, riquíssimos, contudo, até hoje a
Universidade continua restrita a estratos sociais altos (como sempre), mé-
dios e só parcialmente inferiores.
Feito este longo preâmbulo, podemos chegar ao nosso Brasil. En-
quanto na América espanhola as Universidades existiram durante todo o
período colonial, o Brasil teria pouquíssimas escolas superiores, apenas a
partir do século XIX e só surgiriam universidades na terceira década do
século XX. A escola primária só começou a generalizar-se após a Segunda
Guerra Mundial e a escola secundária continua, em princípios do século
XXI, muito minoritária. Em cada 100 alunos que se matricularam na pri-
meira série primária em 1981, apenas 18 concluíram a 8ª série, sendo que
apenas 39% dos brasileiros chegavam à 4a série em 1995. De tal forma que
a evasão escolar no Brasil é apenas superada por dois países no mundo:
Guiné Bissau e Haiti. O número de universitários em nosso país, em rela-
ção à população, é mais baixo do que mesmo em países de economia mais
frágil, sendo que a maioria dos alunos estuda em escolas superiores pagas.

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 55
Em que sociedade se insere a Universidade brasileira? Uma sociedade
dominada, secularmente, pelo compadrio, pela servidão e pela opressão
social. Por quatro séculos, convivemos como a escravização da maioria
dos habitantes, enquanto uma elite aristocrática formava uma crosta so-
cial muito bem tecida, de cunho patriarcal. Nos últimos 120 anos, a mo-
dernização econômica vertiginosa deu-se neste contexto, perpetuando
tanto o patriarcalismo aristocrático, agora encorpado pelos detentores do
capital industrial e financeiro, como a exploração das imensas maiorias,
libertadas da escravidão jurídica para a miséria absoluta ou relativa de
massa. Mais da metade da população brasileira está fora do mercado de
consumo que transcenda o minimum minimorum da subsistência.
Quais, então, os compromissos sociais da Universidade? A ciência
moderna surge como contestação, como busca de verdades que transcen-
dessem os ditames impostos pelos dogmas. A ciência, hoje sabemos, não é
absoluta, não chegamos a verdades verdadeiras, pois a cada nova busca da
verdade, chegamos a novos dados e, pois, a novas verdades. A ciência é in
nuce, no seu núcleo profundo, a contestação. Segundo C. Sagan, em artigo
significativamente intitulado “Democracia é impraticável sem a Educação”:

O antítodo (se. à estagnação) é um apoio vigoroso à expressão dos pon-


tos de vista impopulares, à alfabetização ampla, ao debate sistemático, à
prática do pensamento crítico e do ceticismo em relação aos pronuncia-
mentos das autoridades, elementos que são fundamentais também para
o método científico.

Essa contestação é interna e externa, no interior da ciência, mas


também fora, em relação à sociedade. A Universidade é o local por exce-
lência da contestação dos conhecimentos estabelecidos mas deve ser,
também, um instrumento de ação social que conteste as seculares iniqüi-
dades sociais. Isto pode ser feito de muitas maneiras. Em primeiro lugar,
a ciência em si já se constitui em importante meio de atuação social,
aquele específico do universitário. Como disse, ciência é contestação, pen-
samento crítico, reflexão. Em qualquer área de conhecimento, a dedicação
à ciência é, por si só, revolucionária, uma força social em ebulição. Como?
A pesquisa é a quintessência da Universidade e, como bem lembrava Ma-
rilena Chauí, ela é, por definição, crítica:

por pesquisa entendemos a investigação de algo que nos lança na inte-


rrogação, que nos pede reflexão, crítica, enfrentamento com o instituído,
descoberta, invenção e criação, o trabalho do pensamento e da lingua-
gem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito.

StrategicEvaluation (2007) 1
56 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

Deve concordar-se com Milton Santos que o dever de ofício da Univer-


sidade é a crítica, essência da busca empreendida pela pesquisa acadêmica.
Nem toda produção intelectual é, entretanto, resultado de pesquisa nem,
por isso mesmo, possui um caráter crítico. Pode produzir-se um discurso
acadêmico que apenas confirme o senso comum, transcrevendo as idéias
correntes em forma de definições científicas. Tanto maior será a possibili-
dade de aceitação desse discurso quanto mais ele se ativer aos rigores for-
mais da ciência. Já a verdadeira pesquisa, aquela que rompe com a falsa ob-
viedade e com a aparente neutralidade do senso comum acadêmico sempre
corre o risco de parecer o resultado de um ato arbitrário e ser acusado, até
mesmo, de manipular os dados para que justifiquem uma posição prévia,
ideologicamente fundamentada. Na História da Ciência os exemplos são
muitos, de Copérnico a Galileu, cujas pesquisas contradiziam o senso co-
mum acadêmico de sua época. Em nossa época, talvez o mais célebre
exemplo esteja, ao contrário, nos louros conferidos ao biólogo Trofim Lys-
senko por dar foros de cientificidade às idéias dominantes na União Sovié-
tica à época de Stalin. A verdadeira pesquisa, assim, aquela que deve defi-
nir a Universidade e que nos deve preocupar, como cientistas e cidadãos,
em geral, é a busca aprofundada e crítica do conhecimento.
De fato, a Universidade não pode ser concebida sem a pesquisa, ele-
mento essencial para a sua própria definição. “Pesquisa” é uma palavra
que se liga à noção de “busca aprofundada” mas, busca de quê? Natu-
ralmente, do conhecimento, da ciência que permite compreender o uni-
verso, scientia vinces, “com o conhecimento se vence a ignorância”, como
no lema da Universidade de São Paulo. Pesquisa é a quintessência da
Universidade e, como bem lembrava Marilena Chauí, ela é, por definição,
crítica: “por pesquisa entendemos a investigação de algo que nos lança na
interrogação, que nos pede reflexão, crítica, enfrentamento com o insti-
tuído, descoberta, invenção e criação, o trabalho do pensamento e da lin-
guagem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito”.
Deve concordar-se com Milton Santos que o dever de ofício da Universi-
dade é a crítica, essência da busca empreendida pela pesquisa acadêmica.
Nem toda produção intelectual é resultado de pesquisa nem, por isso
mesmo, possui um caráter crítico. Pode produzir-se um discurso acadê-
mico que apenas confirme o senso comum, transcrevendo as idéias co-
rrentes em forma de definições científicas.
Por seu caráter crítico, a pesquisa implica em abnegação. Estamos
acostumados a reconhecer no pesquisador um homem de posses modes-
tas, cujos salários são, na melhor das hipóteses, moderados. Isto é ver-
dade tanto no Brasil como no mundo, em geral, pois os pesquisadores

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 57
universitários em toda parte são pouco remunerados. Um pesquisador
britânico, cujo salário anual gira em torno de dezessete mil libras, ganha
por mês uns R$ 4.500,00, pouco mais do que um empregado manual. No
Brasil, tampouco se ganha dinheiro pesquisando. Um professor de escolas
médias privadas pode ganhar de três a quatro vezes mais do que um pes-
quisador. Além disso, se a verdadeira pesquisa é crítica, ela não será, ne-
cessariamente, bem recebida, nem oportunidades são muito freqüentes de
ofertas de boas remunerações, com a notável exceção da pesquisa aplica-
da. No geral, contudo, continua válida a observação do sociólogo alemão
Max Weber de que a pesquisa exige paixão intensa, sincera e profunda.
Isto não apenas pela remuneração como, principalmente, pela dedicação
que ela exige e que só se torna possível com a paixão. Como estaria, neste
caso, o Brasil no quadro internacional? Segundo um estudo recente, na
Universidade o interesse prioritário pela pesquisa científica concerne 39%
dos docentes, mais do que nos Estados Unidos (37%), México (35%) ou o
Chile (33%), mas bem menos do que no Japão (72%), Alemanha (66%) ou
Israel (62%). Outro indicador relevante para determinar o grau de dedica-
ção à pesquisa refere-se à percentagem de professores universitários que
consideram importante a disciplina científica a que se dedica. Neste caso,
os brasileiros destacam-se, pois 95% consideram-na muito importante, em
primeiro lugar em um total de 13 países investigados, enquanto na Ale-
manha (62%), no Japão (69%) e nos Estados Unidos (77%) essa identifica-
ção dos investigadores com sua ciência é bem menos marcada. O con-
traste entre os dados referentes ao interesse pela pesquisa e a importância
atribuída à ciência demonstra, no que se refere ao Brasil, que deve haver
motivos muito concretos que fazem com que 95% de docentes se intere-
ssem por sua ciência, mas apenas 39% dêem prioridade à pesquisa.
Uma explicação deve encontrar-se na precariedade das condições de
apoio à pesquisa. As condições materiais são, muitas vezes, insatisfatórias
e precárias, as bibliotecas e os laboratórios pouco equipados, os gabinetes
de trabalho, quando existentes, desaparelhados e infensos ao trabalho in-
telectual. Nas instituições privadas, raramente se paga pela pesquisa e,
nas públicas, remunera-se o docente mas, freqüentemente, não há infra-
estrutura para permitir sua execução minimamente adequada. As autori-
dades sempre ressaltam que o país é pobre e, por isso, não se poderia dis-
pensar verbas substanciais para pesquisa. Contudo, outros países aplicam
em pesquisa, percentualmente, muito mais do que o Brasil.
Talvez ainda mais importante, seja a própria concepção de que a pre-
cariedade é natural que deva ser questionada. Afinal, para que serve um
pesquisador, sem condições de pesquisar? Em outros termos, haveria que

StrategicEvaluation (2007) 1
58 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

dar condições mínimas para que os docentes pudessem pesquisar. Em


termos institucionais, as fundações estaduais de amparo à pesquisa têm
tido um papel de destaque, tendo à frente a FAPESP, no sentido de finan-
ciar a investigação acadêmica a partir de critérios de mérito e com fundos
ingentes. No entanto, na maioria dos Estados da federação isso não oco-
rre, seja pela debilidade da economia local, seja, principalmente, pela não
liberação dos recursos orçamentários que deveriam ser destinados à Fun-
dação Estadual. Os órgãos federais, por sua parte, nem sempre se guia-
ram por critérios científicos nas concessões e possuem, ainda, políticas
muito tímidas naquilo que deveria ser sua principal missão: a diminuição
das diferenças entre as unidades da Federação. A vocação das instituições
federais está em programas como os Mestrados Interinstitucionais, que
visam a titulação e estímulo à pesquisa nas universidade periféricas.
Para o desenvolvimento estratégico do país, além de Fundações Esta-
duais fortes, autônomas e baseadas em critérios de mérito, de Instituições
federais que, além disso, se voltem para a diminuição das desigualdades
regionais, há que incrementar os fundos de apoio à pesquisa em cada
Universidade. Os institutos de pesquisa são peças-chaves, com o desen-
volvimento de formas organizacionais flexíveis e dinâmicas, capazes de
facilitar e agilizar a produção científica-tecnológica, como ressalta o Pre-
sidente da Fundação Oswaldo Cruz, Eloi S. Garcia (1998:A1). Em 2000,
um diagnóstico sobre Ciência e Tecnologia no Brasil constatava o baixo
investimento nacional em C&T (Novaes 2000:A2) Este apoio não se res-
tringe à infra-estrutura, tão precária em toda parte, nem aos projetos es-
pecíficos, mas deve abranger o universo dos jovens pesquisadores em
formação. Embora as pesquisas de Iniciação Científica, Mestrado e Dou-
torado tenham aumentado de forma espetacular, em todo o Brasil, ainda
haveria que expandir muito a formação de pesquisadores.
Os jovens pesquisadores necessitam de bolsas. Ao contrário do que dizem
os que defendem a privatização das universidades públicas, seus alunos não
são ricos. Em 1998, constatou-se, após um estudo coordenado por Carlos José
de Lima sobre o perfil socioeconômico dos alunos das Instituições Federais de
Ensino Superior (IFES), que a maioria não poderia arcar com uma
mensalidade, por menor que fosse. Nas Universidades mais concorridas,
como a USP e a UNICAMP, o quadro não é muito diferente. Nesta última,
com o maior número de candidatos por vaga, em 1999, 52,8% dos
ingressantes provinham de famílias com renda até R$ 2.600,00, sendo que
7,3% viviam em famílias com renda familiar entre R$ 130,00 e R$ 650,00.
Neste contexto, a viabilização das vocações para a pesquisa passa, ne-
cessariamente, pela bolsa de Iniciação Científica e, depois, e Pós-Gradua-

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 59
ção. Um papel de destaque, neste contexto, tem o programa do
CNPq/PIBIC, ao permitir a pesquisa já na graduação (sobre o CNPq, tra-
tamos mais adiante, neste artigo). Neste sentido, a política das agências
financiadoras de limitarem o valor das bolsas e, ao mesmo tempo, exigi-
rem dedicação exclusiva tem sido questionada por diversos analistas. O
Professor Júlio César Voltarelli (Clínica Médica, USP de Ribeirão Preto)
defendia, já em 1997, que houvesse a permissão da concomitância de ou-
tras funções remuneradas. A pesquisa, se analisada pelo mérito apenas,
não poderia exigir do bolsista dedicação exclusiva, pois os resultados ob-
jetivos deveriam bastar para avaliar se a concessão da bolsa está sendo
pertinente. Não é à toa que bolsas sem um sistema de avaliação eficaz, mas
com exigência de dedicação integral, não resultem em teses, como vimos
acima, enquanto muitas teses são defendidas por pesquisadores que rece-
bem remuneração. Isto se explica, justamente, porque é a dedicação do pes-
quisador que gera resultados e, muitas vezes, as atividades remuneradas
contribuem para que o pesquisador adquira conhecimentos mais amplos e
que poderão ser úteis, ainda que indiretamente, para sua pesquisa.
Lói Garcia, da Academia Brasileira de Ciências, ressaltava, há pouco, que
países que negligenciam a importância do investimento em pesquisa amar-
gam uma perene condição periférica. O Brasil já tem sofrido, como outros
países em situação semelhante, um brain drain, com a perda de grandes pes-
quisadores que se instalam no exterior. Como já se disse, não são tanto os
salários a atrair nossos pesquisadores, mas as condições de trabalho. O futu-
ro da nação depende, também, da existência de uma pesquisa que esteja em
condições de integrar-se àquela universal. Tampouco podemos nos conten-
tar com um arremedo de pesquisa, “descobrindo a pólvora”, como se existi-
sse uma pesquisa de ponta que pudesse prescindir da inserção na ciência
internacional. Os desafios da pesquisa universitária no Brasil são, pois,
muitos. A reflexão crítica, a dedicação à ciência, a luta por mais adequadas
condições de trabalho são tarefas mais necessárias do que nunca.
O aumento da riqueza social depende dos universitários, assim como a
luta contra a exploração e pela emancipação das maiorias excluídas. Neste
sentido, são muitas as desigualdades e iniqüidades que se encontram no
horizonte dos compromissos da Universidade. Em nosso país, apenas 10%
da população detém quase metade da renda, enquanto os quarenta porcento
mais pobres se contentam com 7% e este quadro, já por si aterrador, tem pio-
rado, no período dos últimos 20 anos (Folha de São Paulo, 13/6/1999 A15).
No Brasil, estão se extinguindo, no presente momento, 18 línguas indígenas
(Newsweek 19/6/2000, p. 52). Em maio do ano 2000, havia 2916 catadores de
lixo registrados no Estado de São Paulo, 643 crianças com 14 anos ou menos

StrategicEvaluation (2007) 1
60 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

de idade (Folha de São Paulo 10/5/2000 C3). Um total de 14 % da população


possui menos de um ano de instrução escolar, 43% até cinco anos, outros
25% até 10 anos e apenas 18% possuem mais de 11 anos escolares, tendo,
portanto, chegado à Universidade (Estado de Minas 9/4/2000, p.4). As pesso-
as com renda até 5 salários mínimos, a grande massa da população, com
acesso à internet restringe-se a 10%. Entre os pobres, 60% não têm acesso a
água tratada e 80% a esgoto, 70% não possui coleta de lixo (Estado de Minas
9/4/2000, p.4) . A cidade do Rio de Janeiro é uma das mais desiguais no
mundo, segundo recente relatório da ONU, onde na Lagoa o analfabetismo
é de 2,2% e a expectativa de vida é de 72,5 anos, a escolaridade média de 12
anos, enquanto em Acari, os índices são, respectivamente, 16% de analfabe-
tos, 56 anos de expectativa de vida e a escolaridade média é de 4 anos (Co-
rriere della Sera 26/3/2001, p.9).
O compromisso social implica em lutar pela diminuição das desigual-
dades, pela extensão do acesso ao ensino, em todos os níveis, pelas me-
lhores condições de ensino na própria Universidade. Os universitários,
alunos e professores, podemos agir, quotidianamente, para transformar a
sociedade, seja de forma participativa, atuando junto à comunidade, seja
pela crítica aos mecanismos sociais que permitem a perpetuação dessas
desigualdades. “Superar desigualdades significa reconhecer direitos e
mudar privilégios historicamente constituídos”, nas palavras de Reginal-
do Prandi (Folha de São Paulo Mais!, 21/1/2001, 3). O grande compromisso
social, em última instância, consiste em incorporar os excluídos ou dis-
criminados, majoritários ou minoritários, pobres, negros, mestiços, indí-
genas, em uma palavra, comprometermo-nos com a justiça.

FORÇAS ARMADAS E A PRODUÇÃO DE C&T NO BRASIL


Neste contexto, voltamo-nos para a relação entre as instituições milita-
res e o desenvolvimento científico tecnológico no Brasil. De início pode-se
dizer que os programas de P&D militares tiveram um impacto gigantesco
na produção de C&T vinculadas ao desenvolvimento econômico brasi-
leiro. Quantificar esse impacto não seria tarefa fácil, pois eles estão disse-
minados e alguns programas ainda estão amadurecendo. A questão cen-
tral aqui não é tanto a avaliação do impacto em si nos setores econômicos,
mas a análise de como a atuação dos militares na vida política do país
teve reflexo na produção de C&T e de como evoluiu esse comportamento
após a transição para a democracia. Neste artigo, trataremos, em particu-
lar, dos últimos anos, deixando para outro estudo o histórico do envolvi-
mento militar com a ciência e a tecnologia.

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 61
MILITARES E A PRODUÇÃO DE C&T
As características que eles imprimiram às iniciativas decorrentes do
nacionalismo militar: a) máxima utilização dos recursos, interface entre
aplicação civil e militar de qualquer conhecimento, b) absorção de tecno-
logia Programas de transferência c) privilegiar a aquisição e desenvolvi-
mento de produtos no país como forma de fortalecer capacidade nacional.
Ao controlar os setores estratégicos, os militares tentaram garantir o
desenvolvimento dos setores que eram básicos - energia e infra-estrutura
- para permitir o desenvolvimento do terceiro ciclo econômico. O primei-
ro havia se iniciado com a indústria de base nos anos de 1940, o segundo
contava com o desenvolvimento da industria automobilística dos anos de
1950 e o ciclo em questão - o de bens de consumo – gerou um parque in-
dustrial na região sudeste do país colocando o Brasil entre as 10 econo-
mias industriais capitalistas nos anos de 1980. Paralelamente, os militares
estabeleceram uma vasta atuação na produção de C&T, estratégicas para
um novo salto de sofisticação da economia brasileira.
Precocemente em relação ao poder civil os militares desenvolveram a
doutrina da C&T como variável estratégica de um programa global de
desenvolvimento. O que significava que o país só poderia atingir um status
no cenário político e econômico internacional se ele tivesse uma economia
desenvolvida, com lastro em um parque industrial consolidado e
desenvolvimento tecnológico autônomo capaz de desenvolver conheci-
mentos essenciais para a aplicação civil ou militar (Defesa) e uma sociedade
que gozasse de bom padrão cultural e de consumo. Na projeção de poder
nacional, portanto, os vários fatores estratégicos se articulavam: economia
desenvolvida, padrão de vida da população e a capacidade militar. A partir
daí o país poderia conquistar um grau razoável de autonomia estratégica.
Nesse contexto deve-se entender um capítulo importantíssimo não só da
influência dos militares na produção de C&T no Brasil, mas das relações en-
tre os militares e a comunidade científica que é a criação do Conselho Na-
cional de Pesquisa (CNPq). O processo que leva à criação do CNPq marca
uma aliança entre os setores mais modernos das atividades científicas no
Brasil e os setores militares. A institucionalização das pesquisas científica no
Brasil já havia estado em pauta em 1931 por iniciativa do Presidente Getúlio
Vargas (1930-1945), mas o parlamento o havia recusado a criação de um con-
selho nacional de pesquisa. Em maio de 1946, foi um membro da Marinha, o
Almirante engenheiro Álvaro Alberto da Motta e Silva (ele era o represen-
tante brasileiro na Comissão de Energia Atômica da ONU), que propôs ao
governo a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa. Em 1948 o projeto

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62 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

do conselho foi apresentado na Câmara dos Deputados, e em 1949 que o


Presidente Eurico Gaspar Dutra nomeou uma comissão para apresentar um
anteprojeto de lei sobre a criação do conselho de pesquisa. O CNPq foi
criado oficialmente em 1951 como uma autarquia. Na expressão do almi-
rante, representava a "Lei Áurea da pesquisa", num paralelismo com a lei
que aboliu a escravatura no Brasil em 1888. Em 1964, o novo regime atribuiu
ao CNPq a função de formulador da política científico-tecnológica nacional
ampliando seu raio de responsabilidades e em 1974 o CNPq foi transforma-
do em fundação e vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da
República (SEPLAN/PR). Com a criação do Ministério da Ciência e Tecno-
logia em 1985, o CNPq passou para o âmbito desse ministério.
Ao chegar aos anos de 1970, o país havia experimentado vários surtos
de desenvolvimento econômico. Nos anos de 1950 com a expansão in-
dustria de bens duráveis, principalmente industria automobilística. No
período de 1968 a 1973 o PIB brasileiro havia evoluído a uma taxa média
acima de 10% . Foi a época conhecida como o “milagre brasileiro”. Com
efeito, a expansão econômica deu lastro ao projeto militar de autonomia
estratégica. Mas ainda faltava um grau mais avançado de desenvolvi-
mento para reduzir a distância em relação às potências. Esse gap entre a
capacidade tecnológica das potências e a nacional era peso considerado
contra a autonomia estratégica, pois refletia deficiências na produção de
material de Defesa. O antídoto para as restrições ao acesso à material so-
fisticado e à tecnologia exercidas pelas potências concorrentes era o de-
senvolvimento autônomo dessas capacidades. Os três programas de P&D
militares mais importantes na linha autonomista são:

O PROGRAMA NUCLEAR
Nesse setor há dois programas.1 O primeiro é o acordo nuclear com a
Alemanha Ocidental (1975) foi gestado principalmente pelo Itamaraty (o
Ministério das Relações Exteriores). A Alemanha Ocidental se dispôs for-
necer 8 reatores nucleares mas o acorde previa o desenvolvimento con-
junto de um método de enriquecimento de urânio e a transferência dessa
e de outras tecnologias para o Brasil.
O Brasil contava com uma usina nuclear (Angra 1) adquirida em 1971 da
Westinghouse norte-americana. O acordo nuclear com a Alemanha visava
vencer o bloqueio das potências nucleares á disseminação da tecnologia

1 Os estudos nucleares no Brasil não começaram com os programas citados. Vale

lembrar que desde 1958 o IPEN já conta com um reator adquirido para estudos de
física nuclear na Universidade de São Paulo.

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Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 63
nuclear, mas não estava restrito à produção de energia elétrica (inclusive por
que na época o potencial hídrico inexplorado era imenso), mas o programa
havia sido pensado para ser o carro-chefe para se atingir um novo patamar
tecnológico da indústria brasileira. Com efeito, o governo criou um
complexo industrial em torno da Nuclebrás, empresa estatal responsável
pela extração do minério de urânio das minas de Poços de Caldas, pelo
futuro enriquecimento e produção das pastilhas de combustível. Uma
subsidiária foi criada com o intuito de permitir a construção de reatores
nucleares que seriam exportados quando o setor atingisse maturidade.
Ora a perspectiva de uma potência nuclear na região exportando mate-
rial estratégico soava alarmante para os Estados Unidos que pressionaram a
Alemanha para reverter o acordo. De fato, com as pressões norte-americanas
(talvez não só por isso) os resultados do programa nuclear foram pífios e re-
sultou em descontinuidades e desperdício de recursos e de equipamentos.
Apenas uma usina foi montada, a de Angra 2 inaugurada em 2000 (o reator
de Angra 3 está até hoje estocado nas dependências de FURNAS).
Ainda no final dos anos de 1970, quando os militares perceberam que
o acordo com a Alemanha Ocidental não atingiria os objetivos, a Marinha
iniciou um programa paralelo de desenvolvimento nuclear. A Marinha
instalou um centro de pesquisa no interior do Estado de São Paulo (Cen-
tro Tecnológico da Marinha na cidade de Iperó) e concentrou ali todos os
esforços para o desenvolvimento do programa dividido em dois grandes
projetos: o Projeto do Ciclo do Combustível e o Projeto do Laboratório de
Geração Nucleo-Elétrica. As metas eram desenvolver a tecnologia de en-
riquecimento do urânio através do método da ultracentrifugação e o de-
senvolvimento de reatores de pequeno porte para geração de energia elé-
trica.2 O coroamento do programa seria a construção de um submarinho
de propulsão nuclear totalmente nacional, mas a única parte do programa
que não avançou foi a referente ao desenvolvimento do casco.3

2Vid. <http://www.defesanet.com.br/noticia/programanuclearmarinha/>.
3Apesar de ainda almejar a incorporação de uma embarcação desse porte à frota,
em setembro de 2006 a Marinha anunciou a escolha do modelo da nova classe de
submarinos que vão equipar a esquadra: Trata-se do Projeto IKL U 214, alemão a
ser adquirido mediante construção no país. De uma certa forma isso dá continui-
dade a um programa anterior que a Marinha desenvolvera com a Alemanha. Em
1982 a Marinha assinou dois contratos com consórcios que previam a construção
de dois submarinos idênticos, o primeiro no estaleiro HDW em Kiel e o segundo
no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). Eles deram origem ao submari-
no Tupi (S30) na Alemanha. Posteriormente, em 1985, foi assinado um terceiro
contrato para a obtenção de mais dois submarinos, que igualmente seriam cons-

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64 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

Assim que passou a controlar o ciclo completo do enriquecimento do


urânio no programa da Marinha, o Brasil anunciou a adesão ao Tratado
de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) em setembro de 1998 e
passou a fazer parte de um restrito grupo de países com essa capacidade.
A expectativa de tornar-se um produtor e exportador do combustível nu-
clear é uma possibilidade real desde então, mas o desenvolvimento final
do setor dependeria ainda da retomada da construção de pelo menos
parte das usinas do programa inicial para que haja demanda que justifi-
que a ativação do parque industrial original. Não se verifica mito em-
penho do governo nesse sentido, mas há uma tendência desde o governo
anterior (de Fernando Henrique Cardoso) de decidir na direção da
retomada da unidade de Angra 3, mas os custos e a oposição social às
usinas nucleares são obstáculos a uma decisão definitiva a respeito.
Ainda que um regime de ditadura militar, como foi o regime no Brasil
entre 1964-84, inspirasse pouca confiança no sistema internacional ou
mesmo na opinião publica doméstica sobre as intenções em se desenvol-
ver a tecnologia nuclear, a aplicação civil dos dois programas nessa área
são evidentes. Um programa à margem desses mencionados, no entanto
confirmariam as suspeitas sobre intenções de desenvolvimento da bomba.
A reportagem da Folha de S. Paulo em 8 de agosto de 1986 anunciou ao
país que estava em curso a construção de um recinto preparado para a
realização de um teste nuclear em uma base da Força Aérea na Serra do
Cachimbo no Estado do Pará4. A sociedade brasileira reagiu pressionando
o governo do presidente José Sarney que se mostrou atônito e cobrou
explicações. Mas foi o presidente Fernando Collor de Mello logo depois
de tomar posse que cancelou definitivamente o programa do e qualquer
iniciativa de construção de arma nuclear no Brasil.

O PROGRAMA AEROESPACIAL
Nos anos de 1960, as pesquisa espaciais básicas e aplicadas eram co-
ordenadas por uma comissão do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq)
e dispersas em diversos centros de produção de C&T. Conforme a década
foi avançando a Força Aérea foi adquirindo estrutura capaz de absorver a
coordenação das atividades e acabou por absorve-lãs de fato. O programa

truídos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, então indicado pela Marinha,


como o estaleiro construtor no Brasil que também construiu um quinto submarino
o Tikuna (S34). <http://www.defesanet.com.br/zz/mb_u214.htm>.
4 Folha de S. Paulo. Serra do Cachimbo pode ser local de testes nucleares. Originalmente

publicada em 08 de agosto de 2006 está disponível em [aces. 01/05/2007]:


<http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/marcos_do_jornalismo-04.shtml>.

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Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 65
aeroespacial esteve a cargo da Força Aérea até a transferência parcial para
o Ministério da Ciência e Tecnologia em meados dos anos de 1990. Os vá-
rios componentes do programa formam a MECB (missão espacial com-
pleta brasileira) e envolvia o desenvolvimento de um veiculo lançador de
satélites além do programa de produção de satélites, além de uma série
de componentes e sistemas associados.
O programa aeroespacial esta intimamente associado ao complexo
científico e industrial de São José dos Campos no Estado de São Paulo. O
parque é um dos legados mais importantes da atuação das Forças Armadas
na produção de C&T. O complexo de São José dos Campos é responsável
pelo desenvolvimento de todo o programa aeroespacial, particularmente da
MECB e conta também com uma base de lançamento de foguetes próxima à
cidade de Alcântara (Estado do Maranhão) no norte do país.
Nesse campo o desenvolvimento os avanços têm sido muito restritos
em função da escassez de recursos. Para agravar a situação, o governo re-
solveu priorizar o envio de um astronauta brasileiro à Estação Espacial
Internacional em um movimento considerado mais de marketing político
do presidente Lula da Silva do que de apoio conseqüente ao programa.
Além disso, a explosão do terceiro protótipo do VLS-1 na base de Alcân-
tara (em agosto de 2003) levou à morte de Vinte e um técnicos do CTA e à
destruição massiva dos equipamentos.
O complexo de São José dos Campos é formado por uma universidade
– o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) -, o Centro Tecnológico da
Aeronáutica (CTA), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a
EMBRAER. Mas é o CTA é o principal articulador do programa. O CTA
promove o diálogo com pesquisadores de outros centros de produção
tecnológica no Brasil e, através de acordos, com a China, França, Rússia e
Ucrânia, desenvolvem programas conjuntos nas áreas correlatas.

A INDUSTRIA DE DEFESA E A AUTONOMIA ESTRATÉGICA


Nos anos de 1970 desenvolveu na mesma região de São José dos
Campos um parque industrial do setor de Defesa. Com política de incen-
tivo governamental e com a participação das Forças Armadas. Compa-
nhias como a ENGESA e a AVIBRÁS desenvolveram produtos (tanques,
veículos de transporte, sistemas de lançamento de mísseis de pequeno
porte etc.) de média sofisticação adaptado às condições e à capacidade de
pagamento de países do Oriente Médio, América Latina, África e do pró-
prio Brasil. Os produtos sofisticados e caros oferecidos pela indústria tra-
dicional européia e norte-americana eram munidos de toda sorte de sen-

StrategicEvaluation (2007) 1
66 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

sores e sistemas informatizados que pouco se adaptavam ao quadro de


operações nos países dessas regiões. Assim, os produtos das companhias
brasileiras ganharam mercado e puderam ser observados em ação du-
rante a guerra Irã-Iraque (1980-1988). A crise do setor foi fulminante e
começou com a oferta em demasia de material de defesa do leste europeu.
Em poucos anos, a indústria de Defesa no Brasil quase desapareceu e o
seu legado é bastante restrito.
Vale destacar o projeto do caça AMX desenvolvido pelo Brasil e pela
Itália a partir de 1982. Consórcio AMX era formado pelas companhias ita-
lianas Alenia Aerospazio (46,5%) e Aermachi (23,8%) e pela Embraer
(29,7%). O AMX contava com uma demanda doméstica dos países do
consórcio, porém o governo brasileiro não manteve o ritmo de renovação
de sua frota segundo o programa original. Além disso, o AMX não conse-
guiu encomendas internacionais que alavancassem a produção. Por outro
lado, o projeto envolveu investimentos maciços na Embraer o que foi de-
terminante para a empresa atingisse o grau de competitividade que de-
tém no segmento de jatos comerciais médios e de aeronaves de treina-
mento como o Tucano e o Supertucano.

RELAÇÕES CIVIS-MILITARES E A PRODUÇÃO


DE C&T PÓS-TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA

Como em toda a América Latina, a preocupação com a segurança es-


teve no horizonte das corporações militares e a universidade era o campo
fértil de movimentação de grupos de oposição ao regime.
A fase mais intensa de perseguição aos setores sociais refratários ao
regime foi o final dos anos de 1960 no governo do General Médici (1968-72).
A intelectualidade, particularmente os professores universitários, foi alvos
da perseguição política da época. Naturalmente isso elevou o quadro de
desconfianças entre militares e universidades. Exemplo disso foi o caso do
IPEN. O Instituto de Pesquisas Nucleares era um centro pertencente à
Universidade de São Paulo que desenvolvia pesquisas de ponta na área de
física nuclear desde os anos de 1950 que teve sua administração transferida
para a esfera federal em função das de os militares avaliarem arriscado
deixar o IPEN sob administração de civis pretensamente de esquerda.
Vale dizer que um das principais universidades do país na atualidade – a
Unicamp - foi criada em 1966. Mas como o projeto inicial era de uma univer-
sidade tecnológica, os problemas com o regime foram bastante circunscritos.
Daí pode-se concluir que como as universidades deveriam suprir boa parte os

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 67
quadros para os projetos mais importantes na área tecnológica, era necessário
um diálogo mínimo com elas o que incluiu o repasse de verbas e intercâmbios.
Vale abrir um parêntese nesse ponto para apontar esse que seria o cal-
canhar de Aquiles dos programas de P&D militares que é a formação de
quadros. Ainda que as instituições militares tivessem alguma capacidade
para realizar essa tarefa, era a universidade que contava com a estrutura –
incluindo os programas de intercâmbio com o exterior - para fazê-lo em
número necessário. Por outro lado, os militares brasileiros não estão entre
os que mais optam por mestrado e doutorado entre as nações ocidentais
desenvolvidas. As instituições não incentivam salvo exceções a freqüência
em cursos de pós-graduação. Nem mesmo as escolas militares que for-
mam a elite do oficialato são sujeitas às normas do Ministério da Educa-
ção e, portanto não seguem o padrão de qualidade das universidades.
Um novo padrão de relações civis-militares só foi sentido após a
eleição de Fernando Collor de Mello (1990-1992). Vários analistas apon-
tam o período como o rompimento da tutela militar ao qual estava sujeito
o poder civil no governo de José Sarney (1994-1999) o primeiro presidente
civil desde 1964. Pela primeira vez o presidente civil escolheu livremente
seus ministros militares e ao mesmo tempo em que ocorreu uma redução
sensível da presença militar na administração pública. Como a democracia
parecia estar consolidada - e a troca de gerações nas instituições militares
afastavam aqueles responsáveis pelo regime anterior - as próprias Forças
Armadas procuraram se modernizar e se ajustar aos novos tempos.
A criação do MD em 1999 foi um passo no processo de requalificação
das relações civis-militares. Entre os principais avanços nesse sentido
pode-se citar o diálogo sistemático com cientistas sociais das universida-
des para a atualização da Política de Defesa Nacional. A aproximação
com a universidade, no entanto havia começado quase duas décadas an-
tes, a partir de iniciativas de diálogos entre membros das duas áreas para
vencer resistências mutuas. A Criação do Núcleo de Estudos Estratégicos
na Unicamp (1985) é fruto de um esforço dessa geração, pois foi um cen-
tro de pesquisa fundado por intelectuais civis e militares. Isto permitiu
introduzir, no meio acadêmico, temas antes circunscritos ao ambiente militar.
O programa nuclear da Marinha é dos poucos grandes programas e
P&D sob controle das Forças Armadas. A necessidade imperiosa de con-
tinuidade em função do muito que já se havia investido e os riscos de
descontinuidades que já havia condenado tantas outras iniciativas obri-
gou a que os programas passassem, ou pelo menos dividissem a respon-
sabilidade com a esfera civil de decisão. As dificuldades militares em li-

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68 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

dar com o sistema político começam pelo problema da definição das prio-
ridades nacionais. Pode se resumir na idéia de que os militares perderam
a capacidade de definir as prioridades nacionais e, portanto, de direcionar
recursos para elas. Atualmente as Forças Armadas disputam verbas com
os outros tantos setores da administração com a agravante de que os úl-
timos anos foram tomados pelos esforços de contenção dos gastos públi-
cos ao mesmo tempo em que a crise social se agravou.

PROGRAMA SIVAM MARCA A INFLEXÃO


DO COMPORTAMENTO MILITAR EM C&T

O projeto SIVAM é paradigmático para entender a adaptação das ins-


tituições militares em relação à produção de C&T no Brasil atual, pois
marca uma inflexão na linha condutora dotada desde os primórdios.
O SIVAM é um complexo sistema de vigilância aérea e transmissão de
informações sobre a região Amazônica. O SIVAM faz parte do SIPAM
(Sistema de Proteção à Amazônia) criado como reação ao desmatamento,
queimadas e ao uso da região para ilícitos (narcotráfico) e atividades gue-
rrilheiras. O SIVAM conta com conjunto de radares terrestres fixos e mó-
veis além de radares instalados em aeronaves. As informações são trata-
das em bases e direcionadas para os órgãos de Estado aos quais o pro-
blema detectado se vincular. A aplicação civil do SIVAM é marcante,
pois tanto ele pode gerar informações direcionadas aos órgãos responsá-
veis pela Defesa quanto para órgão públicos gestores de política publicas
para a segurança pública, para o meio ambiente (detecta queimadas e
desmatamento irregular, por exemplo), para a proteção da população in-
dígena, entre outros. O custo oficial do SIVAM foi de US$ 1,4 bilhão to-
talmente financiado pelo Eximbank dos Estados Unidos uma vez que a
empresa fornecedora do sistema foi a norte-americana Rayteon.
O SIVAM é paradigmático para se entender a evolução recente da
mentalidade militar acerca do desenvolvimento. Primeiramente como
demonstração das dificuldades das Forças Armadas em defender recur-
sos no regime democrático. Ainda que o Brasil nunca tivesse investido
parte expressiva do orçamento em Defesa - mesmo no regime militar o
orçamento manteve-se em níveis baixos - a tramitação das demandas mi-
litares no sistema decisório contava como canais privilegiados que se ex-
tinguiram com a democratização do país. A partir de então, os recursos
para programas especiais devem ser decididos nas comissões do Legisla-
tivo. Não raramente os militares dizem ressentidos pela falta de empenho
dos congressistas que estão mais preocupados com demandas políticas do

StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 69
que com os assuntos de Defesa. Daí a descontinuidade dos recursos que
condenaram ao atraso vários programas de P&D inclusive o projeto do
submarino de propulsão nuclear da Marinha e o programa aeroespacial.
Em razão dessa nova realidade as três forças articularam assessorias
especiais para fazer o acompanhamento e as relações públicas. Uma espé-
cie de lobby militar no Congresso. O SIVAM foi resultado de uma espécie
de chantagem militar sobre o sistema político – método mais comum no
discurso dos membros da Força Aérea - que passou a ser a forma corrente
de pressionar o sistema para angariar recursos extra-orçamentários para
projetos importantes da área de Defesa. O anúncio de que o país estaria
correndo algum tipo de risco exacerbado para Defesa Nacional. O SIVAM
e o Projeto Calha Norte (programa dos anos 80 que estava praticamente de-
sativado e recebeu nova injeção de recursos no governo de Itamar Franco
(1992-1994) visa adensar a presença do Estado na fronteira norte da
Amazônia através da instalação de unidades militares que criariam as con-
dições para a chegada posterior de outros órgão de estado tais como a
FUNAI, MS etc.) foram beneficiados em função de uma campanha dos mi-
litares em cima da paranóia acerca de uma suposta invasão da Amazônia.
Vale dizer que o artifício funcionou melhor nos governos de Itamar
Franco e Fernando Henrique. No início do governo do presidente Lula da
Silva (2002) o mesmo artifício não foi suficiente para garantir os recursos para
a renovação da frota de aeronaves militares. O governo de Fernando Henri-
que Cardoso (1994-2002) havia iniciado uma concorrência internacional para
o fornecimento de aeronaves de combate, mas o novo governo resolveu não
seguir adiante apesar dos argumentos de que a defesa aérea entraria em co-
lapso. Estavam em jogo recursos da ordem de US$ 3,35 bilhões e o governo
Lula da Silva optou pela reforma das aeronaves antigas à compra de novas.
Outro fator paradigmático é que o SIVAM é a resposta da Força Aérea à
mudança no ambiente regional a partir da integração Brasil Argentina e da
criação do Mercosul. Na política de Defesa do período desde o início da inte-
gração regional e o fim da hipótese de guerra com a Argentina.– o SIVAM faz
parte o esforço de ocupação da Amazônia. A invasão da Amazônia tornou-se
a principal das hipóteses de guerra das FA.s, particularmente do Exército.
Deslocamento de unidades militares e criação de outras na região que até os
anos de 1980 contava com presença insignificante das Forças Armadas.
Para efeitos dessa análise, a maior importância do SIVAM está no fato de
que lê marca uma inflexão em relação à tradição nacionalista autonomista das
Forças Armadas em associar programas militares e desenvolvimento econô-
mico, na medida que a Aeronáutica optou pela compra do pacote total do sis-

StrategicEvaluation (2007) 1
70 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil

tema e dos meios no mercado internacional através de concorrência pública ao


invés de propor um consócio entre empresas e centros de pesquisa nacionais.
Não foi uma decisão inconteste. Nos debates da comissão de Defesa
do Senado ou na imprensa houve muita contestação. Na imprensa o maior
crítico dessa decisão foi o físico Rogério Cerqueira Leite da Unicamp (o
Instituto de Física da Unicamp tem uma grande projeção na produção de
tecnologia e guarda um histórico de participação em programas integrados
com as instituições militares nos anos de 1980) um dos centros de maior
projeção. Ele se opunha à compra do pacote e propunha o desenvolvimento
do sistema e de parte dos equipamentos no Brasil. A Aeronáutica defendeu
a compra do pacote completo fornecido por empresas internacionais a
partir de uma concorrência publica internacional. Fatores de terminantes: o
financiamento total do projeto através dos programas de incentivo à
exportação do país ganhador da concorrência, não havendo dependência
da disputa política de verbas do orçamento, que causam a descontinuidade
de vários programas; os prazos e garantias formais estariam garantidos em
contrato com possibilidade de recurso ao sistema jurídico internacional em
caso de quebra de contrato (segurança jurídica), por fim, imunidade à
corrupção endêmica do setor público brasileiro.

À GUISA DE CONCLUSÃO
Ciência e tecnologia, temas de interesse estratégico fundamental, não
deixam de apresentar as contradições inerentes ao contexto brasileiro dos
últimos anos. O anseio pelo desenvolvimento e, ainda mais, pela inclusão
social de amplos estratos sociais não deixa de preocupar os organismos
de pesquisa e as Forças Armadas. Os desafios estão em patrocinar políti-
cas públicas que consigam, a um só tempo, melhorar as condições de vida
em geral e diminuir os desníveis sociais. Academia e Forças Armadas não
se podem furtar a tais debates.

*
Pedro Paulo A Funari é Professor Titular do Departamento de História
(IFCH) da Universidade Estadual de Campinas e Coordenador-Asso-
ciado do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/UNICAMP).

Paulo César Souza Manduca é Doutor em Sociologia pela Universidade de


São Paulo e Professor da Universidade Paulista (Unip/Campinas). É
também Líder do Grupo de Pesquisa ‘Direito e Cidadania’ da UNIP e
pesquisador doutor do Núcleo de Estudos Estratégicos da UNICAMP.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

SHIGUENOLI MIYAMOTO

Forças armadas, defesa e segurança


Um novo tempo, uma nova agenda?*

Armed forces, defence and security


New times, new agenda?

Resumo: O texto concentra suas atenções no papel desempenhado pelas Forças Ar-
madas brasileiras, nos planos interno e externo, especialmente nos últimos anos, na
virada do século. Procura-se mostrar as concepções de mundo, e os valores que re-
gem a conduta do estamento militar na definição de suas atribuições, de defesa do
Estado e das instituições. Com isto, indicamos as possibilidades de transformação da
instituição militar, assumindo outros valores, apoiado em novos marcos conceituais.
Pondera-se, ao final, sobre a necessidade de que instâncias como as Forças Armadas,
envolvam-se no processo de integração, aumentando o grau de confiança recíproco,
possibilitando dessa forma o surgimento de concepções que priorizem a segurança
não apenas sob o ponto de vista militar, mas sob distintas formas, e a resolução de
conflitos por mecanismos que não envolvam o uso da força e da violência.
Palavras-chave: forças armadas; defesa; segurança; novo pensamento militar; Brasil.

Abstract: This text is mainly focused on the role carried out by Brazilian armed forces,
both in domestic and external spheres, specially in the last years, during the millennium
turnover. It seeks to unveil the view of the world and values that guide military conduct
and define their roles, defence of the State and its institutions. Other possibilities for the
transformation of the military are also pointed out, as new values may arise from new con-
ceptual frameworks. Finally, the need that the armed forces involve themselves in a process
of integration, increasing mutual trust, is considered, as the appearance of conceptions that
prioritise security, not only from a military point of view but also from a wider range of
possibilities, and conflict resolution trough means other that the use of force.
Keywords: Armed forces; defence; security; new military thought; Brazil.

INTRODUÇÃO
Uma das aspirações maiores de parte significativa da sociedade, senão a
maioria, sempre foi a de que tanto as relações políticas, econômicas, quanto
sociais ou outras que se enquadrem dentro daquelas consideradas normais,

* A produção deste texto contou com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico, através de Bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida ao autor.


72 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

interna e externamente, devessem ser pautadas por comportamentos que


não privilegiem, tão somente, as disputas ou a busca incessante pelo poder.
A cooperação, e não o conflito, deveria então encontrar-se, no centro dos
debates, na tentativa de resolução dos problemas econômicos e sociais, com
os quais a sociedade e as autoridades se encontram envolvidas, e se
converteria no eixo orientador dos planos governamentais, ou dos ditos
projetos nacionais. Sob essa perspectiva, a resolução das divergências pelo
entendimento, tanto no plano doméstico, quanto no internacional, usufruiria
de lócus privilegiado, deslocando o contencioso para posições subalternas.
Apesar da firme atuação de pessoas individualmente, de organismos
internacionais e de organizações não-governamentais, muito ainda tem
que ser feito, para que as aspirações nesse sentido sejam atingidas, per-
manecendo espaço considerável entre o desejo e a realidade dos fatos.
Algumas instituições nacionais têm desempenhado papel maior nas
políticas dos Estados, sobretudo, naquelas que dizem respeito à proteção
dos interesses nacionais, a sobrevivência de seus valores, e as projeções
dos poderes e das influências do país no cenário global. As Forças Arma-
das, sem dúvida alguma, se situam dentro dessa categoria de instituição
considerada responsável pela sobrevivência do Estado, enquanto tal, e
como a conhecemos nos tempos contemporâneos.
É inegável que, no caminhar da História, o papel jogado pela corporação
militar sempre foi, literalmente falando, de estar na frente, na linha de fogo,
combatendo o inimigo em nome da segurança de seu Estado. Durante muito
tempo se poderia justificar tal comportamento, creditando-lhe o fato de que as
fronteiras nacionais estavam ainda sendo construídas, por isso, mesmo mó-
veis, encolhendo-se ou esticando-se conforme as pressões exercidas dentro ou
fora de seu território. Ás vezes, nem isso foi verdadeiro, porque se combateu
em territórios distantes de suas soberanias, inclusive em continentes alheios.
O Direito não se tem mostrado suficiente, para convencer os gover-
nantes e os militares de que as regras de funcionamento do sistema inter-
nacional deveriam ser por todos acatadas, obedecendo o prescrito e assi-
nado em acordos e tratados, fazendo com que o mundo pudesse operar
melhor, com respeito mútuo ao direito dos parceiros. Ou seja, observa-se,
costumeiramente, a prevalência do direito da força sobre a força do direito.
O século XX, recheado por grandes conflitos, dois deles de proporções
desastrosas, com a morte de dezenas de milhões de pessoas, soldados e po-
pulações civis, é um bom exemplo de como as políticas de poder, de intole-
rância, e de busca ininterrupta por crescentes influências, além de danosas à
economia, à política e ao meio ambiente, afetaram populações inteiras,

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 73
criando situações, as vezes difíceis de reverter. O fechar do século pareceu
reacender algumas esperanças, quando a guerra fria finalmente deu seus úl-
timos suspiros. Conjuntura de difícil harmonia, opondo dois agentes belico-
sos como norte-americanos e soviéticos, cada um mais ávido do que o outro
por parcelas maiores do planeta, o término da guerra fria trouxe consigo es-
peranças de que a nova ordem não repetisse a anterior. Pelo menos não nos
moldes até então conhecidos. Afinal de contas, desde os anos 60, já havia si-
nais indicadores de que outros agentes passariam a exercitar papel de realce
na formatação das políticas internas e internacional.
Assim, a década de 90, com as grandes reuniões de cúpula, onde se
discutiram a pobreza, a habitação, problemas demográficos e meio am-
biente pareceu anunciar um novo horizonte no raiar do terceiro milênio.
Nesse novo contexto, como se comportaram organizações como as For-
ças Armadas, especificamente, no caso brasileiro? Inseriram-se dentro de
uma visão otimista de transformação de mundo, rumando a uma visão paci-
fista das Relações Internacionais? Mudaram o foco de suas preocupações?
Ou continuaram pensando sob os rígidos parâmetros que sempre orienta-
ram sua conduta dentro do país? Será em torno de questões dessa natureza,
que passaremos a concentrar nossos esforços a partir de agora, neste texto.

A TRADIÇÃO POLÍTICA DOS MILITARES BRASILEIROS


A história da República brasileira ainda é recente, iniciando-se em
1889, com a extinção da Monarquia, mas desde o seu advento, os militares
dela participam ativamente. Como acontecerá nos anos que se seguirão,
ora com vigor maior, ora dentro dos limites estabelecidos pelos ditames
democráticos, as Forças Armadas, como um todo, marcarão presença
rompendo a ordem constitucional, reivindicando condições salariais dife-
renciadas das demais categorias, modernização de seus equipamentos,
maiores investimentos, etc. Seja proclamando o fim do Império, com ma-
rechais e generais ocupando as posições mais altas do novo modelo polí-
tico, no decorrer dos anos, seja em outros cargos de primeira plana, visí-
vel se apresentou a influência militar nos destinos nacionais, desde então.
Durante grande parte do tempo, os militares brasileiros exerceram por
iniciativa própria, ou a mando alheio, aquilo que se convencionou chamar
“papel moderador”, quando as instituições nacionais por motivações va-
riadas, encontraram-se em risco, de acordo com o significado que eles
mesmos atribuíam a essas situações. Sob esse prisma, quando os intere-
sses nacionais, conceito igualmente vago, estavam em jogo, necessário fa-
zia-se a presença militar para aprumar os eixos da política brasileira. De-

StrategicEvaluation (2007) 1
74 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

pois disso, saíam de cena, deixando o lugar para os civis. Historicamente,


foi assim que o instituto castrense militar se comportou no país, agindo
escorado em instrumentos que os demais segmentos da sociedade não
detinham, os fuzis, os tanques e os canhões.
Não se pode negar que, na maior parte das oportunidades, as Forças
Armadas tiveram o apoio ou a própria liderança de civis, em suas inter-
venções, mudando o curso da história com o rufar dos tambores. Mesmo,
nos tempos mais próximos, em tom de galhofa, talvez sim talvez não, o
presidente da República José Sarney (15.03.1985 a 15.03.1990) empossado
em um clima de tragédia nacional (com a morte do presidente eleito, Tan-
credo Neves) freqüentemente ameaçava “chamar o Leônidas”, para re-
solver situações que começavam a ficar difíceis, ou que não lhe agrada-
vam. O personagem, no caso, era o Ministro do Exército general Leônidas
Pires Gonçalves, que rotineiramente aparecia ao lado do presidente (an-
tigo político de cepa conservadora e tradicional representante dos rincões
nordestinos), mesmo em solenidades que não diziam respeito à sua Pasta,
e que, por isso, não se lhe exigia presença. O que chamava atenção era o
fato de que o país estava saindo do período obscuro que havia marcado
os longos anos de 1964 a 1985. Apesar de, periodicamente, serem
“manipulados” pelas forças civis, nem por isso, os militares abdicaram de
conceber projetos próprios sobre as questões nacionais, incluindo as
formas de resolvê-las, bem como os papéis a serem por eles ocupados.
Logo após a década de 1920, quando ocorreram constantes distúrbios
nos setores médios das Forças Armadas (leia-se Exército), as denomina-
das revoluções tenentistas, Pedro Aurélio de Góes Monteiro, oficial que se
tornaria influente nos lustros posteriores, alertava que se devia fazer a
política do Exército, mas não no Exército (cf. Monteiro, 1931). Quer dizer,
não seria conveniente atentar contra a própria instituição, que deveria se
manter como pretendera sempre, uniforme em torno de um pensamento
uníssono e ideal, de preservação dos valores pátrios.
Claro que, ao longo dos anos observaram-se posturas diferenciadas entre
os altos oficiais do Exército, especialmente sobre as correntes a que se deve-
riam afiliar, se a ala prussiana, as tendências francesas ou as modernas con-
cepções americanas. Cada uma a seu tempo foi importante. Mesmo divergên-
cias políticas e ideológicas foram verificadas com certa freqüência.
Se, no término do primeiro grande conflito, para cá veio a Missão
Francesa, o pós-Segunda Guerra Mundial marcou com nitidez a vanta-
gem do modelo norte-americano. País que emergiu com capacidade até
então nunca conhecida, não apenas em termos políticos, mas sobretudo,

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 75
econômicos e militares, além da projeção cultural que alcançou o mundo
em curto espaço de tempo, os Estados Unidos impressionaram vivamente
os militares brasileiros. Por isso, mesclaram-se em alguns momentos, a in-
fluência da tradicional escola francesa, com a rigidez prussiana, e a efi-
ciência da máquina bélica do Pentágono. Aliás, uma das primeiras obser-
vações a serem feitas sobre a organização militar brasileira, considerando
as três Forças (Aeronáutica, Exército e Marinha), é que nunca houve
homogeneidade intra ou inter-forças. Justamente o contrário. Por razões
históricas, as forças terrestres exerceram papel de relevância primeira, ora
para conquistar e adentrar os sertões distantes, abrir estradas e fincar
postes, interiorizando o território, ora em termos numéricos.
A Marinha e a Aeronáutica parecem ter-se resignado à função de
coadjuvantes, sem dúvida importantes, mas não como atores centrais
dentro da tríade, permanecendo ambas na base da mesma. Em termos
formais, contudo, enquanto existiu, o Estado-Maior das Forças Armadas
(extinto em 1999), apesar de sua importância relativa, seu comando foi
exercido por um oficial de patente em último posto (Tenente-Brigadeiro,
General de Exército ou Almirante de Esquadra) , respeitando-se o reve-
zamento entre as três Forças, a cada período de dois anos.
Talvez pelo fato de pouco se exercitarem na verdadeira lide da guerra, as
Forças Armadas brasileiras apresentaram grande pendor para as atividades
domésticas, nelas incluindo, portanto, a presença ativa na vida política do
país, escapando do ambiente estrito da caserna. Interferindo, ou com tentati-
vas de, em momentos diferentes da história política nacional, com permanên-
cias mais curtas, e outras um tanto duradouras, os anos 50 sofreram experiên-
cias do gênero, enquanto em meados da década de 60, um novo quadro se
configurou, com a entrada dos militares em cena, por tempo indeterminado.
Uma das poucas experiências obtidas pelos militares, na primeira
metade do século XX foi a participação, se bem que limitada, em campos
europeus. Apesar de quase tardia, a possibilidade de, pelo menos uma
vez, realizarem aquilo para o qual foram a vida toda treinados, fez com
que desde então passassem a assumir privilégios até então pouco conce-
didos, às custas do erário.1 A glória de terem empunhado seus fuzis co-

1 Segundo o Artigo 53 das Disposições Constituições Transitórias da Constituição

Federal de 1988, “Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de ope-


rações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, de
12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos: I - aproveitamento
no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade; II - pensão es-
pecial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas, que

StrategicEvaluation (2007) 1
76 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

ntra um dos grandes inimigos, trouxe aos participantes, a chance de se


converterem nos heróis que deles se esperava, e que nunca havia ocorrido
em plagas tão longínquas do território brasileiro.
É bem verdade que a possibilidade de contestação sobre o real papel
por eles exercido nos episódios sangrentos da Segunda Guerra Mundial, e
sobre sua efetiva importância, sempre se converteu em motivos de ásperas
reações. Por isso, na época de comemoração dos 40 anos da expedição bra-
sileira, a visão heróica foi maculada, segundo os ex-pracinhas, através de
obra que pretendeu justamente verificar o que significou aquele contin-
gente que para lá se deslocara, causando acusações desmedidas, Na reali-
dade, tratava-se, simplesmente, de mais um estudo com enfoque jornalísti-
co, igual a centenas de outros, mas que caminhava em direção inversa, quer
dizer, a da não glorificação simplificadora dos membros da Força Expedi-
cionária Brasileira (Waack, 1985).2 A bibliografia que tem tratado das inter-
venções militares nos negócios do Estado brasileiro é extensa, cobrindo
ângulos distintos, desde os interesses políticos aos econômicos, das afilia-
ções ideológicas aos que dizem respeito apenas e tão somente aos membros
da caserna, aqui incluindo projetos particulares.
Os papéis atribuídos às Forças Armadas nunca foram objeto de con-
testação, motivo pelo qual, nas Cartas Magnas, estão bem retratadas suas
funções. Na última delas, outorgada em 05 de outubro 1988, No Titulo V –

poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer ren-
dimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, re-
ssalvado o direito de opção; III - em caso de morte, pensão à viúva ou companhei-
ra ou dependente, de forma proporcional, de valor igual à do inciso anterior; IV -
assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes; V
- aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo,
em qualquer regime jurídico; VI - prioridade na aquisição da casa própria, para os
que não a possuam ou para suas viúvas ou companheiras. Parágrafo único. A con-
cessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os efeitos legais, qual-
quer outra pensão já concedida ao ex-combatente”. Cf. <http://www.stf.gov.br/
legislacao/constituicao/pesquisa/artigoBd.asp?item=2312#>. Acessado em 10 de
junho de 2007. Houve, inclusive, propostas de Emenda à Constituição de 1988,
como a de numero 40-A, de 2003, - PEC 323/01, do deputado Simão Sessim: “Dá
nova redação ao art.53 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da
Constituição Federal”, “estendendo os direitos dos ex-combatentes aos ex-pracinhas
que não participaram efetivamente das operações de Guerra, mas ficaram à
disposição para incorporação ou atuando em operações especiais, de Forças de
Paz, no exterior”. Ver esta proposta em [Acessado em 10/07/2007]: <http://
www.camara.gov.br/sileg/integras/149446.pdf>.
2 Uma outra versão sobre os pracinhas pode ser encontrada em Maximiano, 2005.

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 77
Da defesa do Estado e das instituições democráticas, Capítulo II, artigo 142,
define-se o papel das Forças Armadas, deixando claro que as mesmas são
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são institui-
ções nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hie-
rarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Re-
pública, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes consti-
tucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem3.

Estabelecem-se, por outro lado, limitações, uma vez que não são me-
ros agentes públicos, mas funcionários do Estado, motivo pelo qual, a
Seção III, que trata dos Servidores Públicos Militares, realça em seu Ar-
tigo 42, parágrafo 5, que “ao militar são proibidas a sindicalização e a
greve” (Cf. Ibidem). Certamente, nem sempre, todas as regras a elas
atinentes, funcionaram a contento, verificando-se, ao longo da história ,
participações em atos que, em princípio, contradizem suas próprias
orientações. Assim, o legalismo constantemente apregoado, sua moeda
forte, inúmeras vezes foi atropelado em favor de aspirações outras que,
possivelmente, não condiziam com a vontade da maioria da população
nacional. Eventos ocorridos na época de assunção do cargo presidencial
por Juscelino Kubitscheck de Oliveira (31.01.1956 a 31.01.1961) e a
derrubada de João Belchior Marques Goulart (08.09.1961 a 01.04.1964)
podem ser incluídos entre algumas das experiências que marcaram o
posicionamento discutível da organização castrense.

DEFESA E SEGURANÇA: AS AGENDAS NACIONAL E REGIONAL


Não foi por falta de oportunidades que a organização militar deixou de se
mobilizar, ou estar atenta a possíveis adversidades, ao longo das fronteiras.
Por circunstâncias que já se vão longe, as preocupações nacionais estiveram,
quase que permanentemente, voltadas para a parte mais estreita da América
do Sul, precisamente, onde se localiza seu mais importante rival histórico.
No passar dos séculos, o relacionamento com o país vizinho jamais
deixou de causar apreensão, por causa de uma possível disputa em torno da
hegemonia não apenas do Cone Sul, mas de toda a geografia que se estende
até o topo do subcontinente. Altos e baixos foram, portanto, características
permanentes no intercâmbio entre portenhos e luso-brasileiros: um, orgu-
lhoso de sua tradição e efervescência culturais mais ligadas ao Velho Mundo,

3 Cf. Constituição da República Federativa do Brasil. Esse documento, acessado em 29

de maio de 2007, pode ser encontrado na página eletrônica do Senado Federal:


<http://www6.senado.gov.br/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.htm>.

StrategicEvaluation (2007) 1
78 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

enquanto mais acima, o país desde o inicio miscigenado, primeiro com as


populações florestais, e, depois, mais profundamente, com os para cá trazidos
como mão-de-obra escrava de além-mar, sem contar as avalanches de
imigrantes de todas as latitudes a partir das últimas décadas do século XIX.
A visão imperialista, ou de igual calibre, que teria permeado com in-
sistência a política externa brasileira, obviamente é o motivo maior de in-
satisfações dos vizinhos, aí incluindo o governo da Casa Rosada. Não se
pode, portanto, ainda hoje, estranhar que o presidente boliviano Evo Mo-
rales relembre a compra do estado do Acre brasileiro, há um século, de
seus antecessores, feita “em troca de um cavalo”, como chegou a se referir
recentemente. Ou as criticas do presidente venezuelano Hugo Chavez de
que o Congresso Brasileiro é um papagaio que repete os Estados Unidos.
No resto do continente, as acusações sobre a forma como o Brasil chegou
ao seu atual formato geográfico é motivo constante de ressalvas. Alvo fre-
qüente de denúncias, o Brasil tem sido tema em campanhas eleitorais dos
países vizinhos, que o apontam como parceiro a ser visto com reservas, como
ocorre no atual discurso dos candidatos paraguaios à Presidência da Repúbli-
ca em 2008. Alguns políticos chegaram, mesmo, a defender na década de
1970, uma volta ao Tratado de Tordesilhas, firmado entre as coroas hispânica
e lusitana em 1494, para se repensar a distribuição territorial sul-americana.
Exageros a parte, a grande extensão territorial das fronteiras brasileiras,
em torno de 15 mil quilômetros, sempre se converteu em motivo de constan-
tes e agudas inquietações para os estrategistas nacionais. O motivo é claro,
porque, com as dificuldades geográficas, e o tamanho das fronteiras, grande
parte coberta de densas florestas, outras com rivais históricos, impossibilida-
de física e material se coloca para protegê-las eficazmente, ainda que se o de-
sejasse. Em função de inúmeras variáveis, como a localização das grandes
matas, as dificuldades inerentes a esse tipo de meio ambiente, as cadeias
andinas, e o fato de países vizinhos estarem voltados mais para o Pacifico do
que para o Leste, fez com que, em termos efetivos, a atenção brasileira se con-
centrasse, de fato, até recentemente, de forma prioritária, na Bacia do Prata.
Foi nessa parte do Hemisfério que o Brasil deu provas de suas forças,
no último conflito com os vizinhos, na Guerra do Paraguai ou da Tríplice
Aliança (março de 1864 a dezembro de 1870) , na qual o país guarani saiu
destroçado e, possivelmente, um dos motivos pelos quais nunca mais se
recuperou (Pomer, 1980). Ao contrário, porém, dos vizinhos, o Brasil
nunca mais se envolveu em querelas regionais. A Argentina, por exem-
plo, esteve às turras com o Chile por causa do Canal de Beagle, guerre-
ando depois contra o Reino Unido, em troca de um punhado de pedras e

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 79
gelo nas Ilhas Malvinas, em 1982. O Peru e o Equador, por sua vez, senti-
ram o prazer da peleia, repetindo a dose periodicamente.
A agenda de segurança regional esteve, destarte, orientada quotidiana-
mente para o que acontecia no Cone Sul. Foi onde se concentrou, em todas
essas décadas, parte expressiva do contingente militar brasileiro, para res-
ponder às ameaças que, nesse caso, só poderiam vir do outro lado das linhas
argentinas. Em várias circunstâncias, o acirramento das hostilidades fez com
que as Forças Armadas de ambos os países pensassem seriamente em hipó-
teses de conflitos. Pelo lado brasileiro, no começo dos anos 80, ainda sob o
regime militar, cenários conflituosos eram desenhados contra o vizinho
portenho. Por exemplo, opondo o Brasil ao governo argentino; contra ar-
gentinos e paraguaios juntos; contra argentinos e uruguaios juntos; e, na
visão mais complicada, uma frente brasileira contra os três simultaneamente.
Elucubrações de lado, esse tipo de raciocínio linear dos estrategistas
castrenses faz parte constante de seus exercícios de guerra, um dos motivos
que justificam sua própria existência, já que pensam o mundo de maneira
conspirativa. Sob ângulos de tal natureza, considerando-se que não existem
amigos ou inimigos permanentes, que as alianças e coalizões se fazem com a
necessidade do momento, inimigos sempre poderão encontrar-se do outro
lado das fronteiras, portanto, necessário se faz preparar-se para o inesperado.
Destarte, as políticas públicas implementadas por cada um dos governos
da região, são percebidas, rotineiramente, como parte de projetos nacionais
com intuitos geopolíticos de projetar-se na região, em termos políticos, econô-
micos e estratégico-militares. Na década de 1970, agudas foram as relações
entre brasileiros e argentinos, por exemplo, em torno da construção da barra-
gem de Itaipu, considerada pelos portenhos como parte de um grande projeto
geopolítico concebido sob inspiração do general Golbery do Couto e Silva, então
membro importante da administração federal, tendo ocupado cargos de destaque.
As políticas brasileiras seriam, assim, fruto das elucubrações, não só
de militares, mas também de civis, com objetivos claramente definidos:
subordinar a Argentina como país secundário, dentro de sua esfera de in-
fluência, sendo o Brasil por sua vez localizado na órbita norte-americana.
O governo de Brasília estaria jogando o papel de país-chave a serviço dos
interesses da Casa Branca. Do lado argentino, militares principalmente da
reserva, lançaram-se aos brados denunciando o sub-imperialismo brasi-
leiro, liderados pelo general Juan Enrique Guglialmelli através de seus
livros e escritos na revista Estratégia.
Em parte, os argumentos dos vizinhos não estavam apoiados no vácuo.
Os militares brasileiros, no período do regime castrense, desempenharam

StrategicEvaluation (2007) 1
80 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

políticas agressivas de segurança nacional, em vários momentos. Na eleições


uruguaias de 1971, quando concorreu o representante da Frente Ampla,
Líber Seregni, considerado hostil pelo governo brasileiro, planejou-se a
Operação Trinta Horas, para ocupação do território uruguaio, no caso de
vitória desse candidato. Do mesmo jeito, contribuiu com a queda de Juan
Carlos Torre e ascensão do general Hugo Banzer em 1971, na Bolívia. Ou
então com a queda de Salvador Allende, dois anos depois no Chile.
O regime de exceção, obviamente, favoreceu raciocínios dessa nature-
za, de neutralização de possíveis inimigos do outro lado de suas frontei-
ras, com o que ficou conhecido como “teoria do cerco”, segundo a qual o
país ficaria ilhado, com doutrinas adversas espúrias coladas em seu te-
rritório. Era por razoes idênticas que representantes da Marinha pensa-
vam, nos mesmos anos, a criação do Pacto do Atlântico Sul, em analogia à
organização do Hemisfério Norte, para fazer frente ao “inimigo solerte”,
nesse caso, os representantes do Kremlim.
A recusa de Brasília em assinar o Tratado de Não-Proliferação Nu-
clear, foi outro motivo de apreensão regional, porque o domínio desse
tipo de tecnologia teria também um alvo pré-determinado. Por isso foi
motivo de denúncias tanto do governo argentino, quanto do general Gu-
glialmeilli. A assinatura, em 1975, do Tratado de Cooperação Nuclear
com a República Federal da Alemanha tampouco ajudou nesse sentido,
aumentando as desconfianças regionais.
A existência da Escola Superior de Guerra (ESG), subordinada direta-
mente ao Estado-Maior das Forças Armadas, e que durante algum tempo
exerceu influência no planejamento das políticas públicas, e, embora mesclas-
se civis e militares, forneceu argumentos suficientes a todos os vizinhos de
que as políticas nacionais apresentavam sempre o viés geopolítico e militar,
oriundas portanto, das concepções castrenses de domínio regional. Dessa
instituição fizeram parte o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco
(15.04.1964 a 15.03.1967), os generais Ernesto Geisel (15.03.1974 a 15.03.1979) e
Golbery do Couto e Silva, outros civis e militares, ainda que a influência real
da entidade se desse apenas em poucos anos de todo o regime militar.
Esses temas e institutos foram, na segunda metade do século XX, foco
de atenção primeira em termos de política de defesa e segurança nacional,
ainda que por motivos diferentes, e em momentos distintos da história do
período, até por causa da influência maior ou menor de cada tendência
que se apossara do poder, pelo menos durante um mandato presidencial.
Se a Marinha insistia na construção de seu submarino atômico, através do
projeto Aramar, ou se a Aeronáutica detinha a vontade política de construir

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 81
artefatos nucleares, com a Base do Cachimbo no Norte do país, esses fatos,
aliados ao momento de se estar vivenciando um período de governo excep-
cional, com fortes restrições democráticas, tudo isto em conjunto serviu de jus-
tificativas para que críticas fossem quotidianamente dirigidas para as políticas
públicas nacionais como um todo. Como muitos estudos mais recentes termi-
naram por reafirmar, tais criticas estavam longe de corresponder a verdadeira
realidade dos fatos, porque a maioria das decisões na formulação das políticas
brasileiras do período levava em conta particularmente as variáveis econômicas.

O FIM DO CICLO MILITAR : NOVAS CONCEPÇÕES?


Chegando ao final de um processo iniciado no começo da década an-
terior, com a distensão gradual, lenta e segura, o regime militar agonizou
até o final, mas essa não se transformou em condição suficiente para que
as influências desse modo de pensar fossem ultrapassadas.
Especulou-se, durante algum tempo, sobre uma crise de identidade que
teria se abatido sobre as Forças Armadas, agora sem papel de relevo, já que
estariam deslocadas do centro de poder. O que parece ter ocorrido, na rea-
lidade, foi que pelo fato de terem durante uma geração se colocado no cen-
tro das atividades políticas nacionais, o atual cenário se lhes apresentava
nebuloso, e estavam agora pisando em campos movediços, à procura da de-
finição das novas referências para se reposicionar. Sem grandes receios, to-
davia, pela transição pacifica observada no processo de mudança de re-
gime, e pela garantia do não revanchismo. Houve, entretanto, mudanças
nítidas, no que se refere a questões relacionadas com a defesa e a segurança
nacionais. Sinais alentadores foram mostrados assim que o novo governo
civil assumiu as rédeas do poder. Pelo menos quatro iniciativas foram bem
recebidas, pela sociedade, e que possibilitavam repensar assuntos que ocu-
param espaço importante na agenda dos governos anteriores.
A primeira, o reatamento com o governo de Cuba, com quem as rela-
ções diplomáticas haviam sido suspensas no inicio do governo do mare-
chal Humberto de Alencar Castelo Branco (15.04.64 a 15.03.1967). Visto
como exportador de revoluções para a América Latina, portanto, de dou-
trinas consideradas nocivas, que atentavam contra os valores da civiliza-
ção ocidental cristã, o regime de Fidel Castro ficou sempre à margem dos
interesses brasileiros. Com José Sarney (15.03.1985 a 15.03.1990), essa in-
terpretação passou a ser minimizada, restabelecendo-se os canais diplo-
máticos entre ambos, a partir de 14 de junho de 1986.

StrategicEvaluation (2007) 1
82 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

Outro item que ocupou atenção especial dos militares até então, se referia
ao Atlântico Sul pelo fato desse ser visto, em termos geo-estratégicos, apenas
como um grande lago, com a existência de regimes considerados hostis do
outro lado, como Angola (dominado por tendências marxistas), e na virada
do cabo sul africano por Moçambique, de tendência semelhante, ambos ex-
colônias lusitanas. Portanto, Estados potencialmente vistos como perigosos,
por receber influências e recursos oriundos da União Soviética. Cuba ou da
China, ainda que, dentro da visão do pragmatismo responsável da era Er-
nesto Geisel, tivessem sido reconhecidos pela diplomacia brasileira. A opo-
sição ao comportamento do Ministério das Relações Exteriores se manifestava
justamente através de militares, que viam nisso um risco desnecessário a se-
gurança do país, por causa do pouco que se ganharia em troca desses gestos.
A terceira, foi quando nessa região, se criou, em 27 de outubro de
1986, por iniciativa brasileira, em resolução aprovada no âmbito da Orga-
nização das Nações Unidas, a Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul
(ZOPACS). Essa tinha como objetivo “manter a região livre de medidas
de militarização, da corrida armamentista, da presença de bases militares
estrangeiras e, sobretudo, de armas nucleares”, e envolveu praticamente
todos as nações ribeirinhas de ambos os lados do grande lago oceano. 4
Esses três temas diziam respeito a interesses declaradamente milita-
res, porque envolviam problemas diretamente vinculados com a segu-
rança nacional, frente a um modelo político e ideológico oposto, tendo-se
observado posicionamentos diferentes entre militares e diplomatas.
A quarta iniciativa, se bem que trilhasse por caminhos parecidos,
abarcava interesses mais amplos, e historicamente sempre se convertera em
tema espinhoso aos diversos agentes responsáveis pelas políticas nacionais
naquela parte do continente. Trata-se dos 24 protocolos de integração
assinados em 29 de julho de 1986 pelos ex-presidentes brasileiro José Sarney
e argentino Raul Ricardo Alfonsin, mostrando que, além, das tradicionais
rivalidades, fórmulas diferentes poderiam ser pensadas para aparar as
arestas e aprofundar o intercâmbio regional, favorecendo os dois Estados.
Ambos haviam assumido o governo, em momento adverso – período
de transição política interna -, de turbulência econômico-financeira no con-
tinente, e que já tinha apresentado como resultado o pedido de moratória
da divida externa, pelo governo mexicano, alguns anos antes, em 1982.
Como se veria, posteriormente, frente ao novo quadro que se configurava,

4Ver Ministério das Relações Exteriores – “Assembléia da ONU aprova resolução


que declara o Atlântico Sul como zona de paz e cooperação”. Resenha de Política
Exterior do Brasil, Edição Suplementar. Brasília: Ministério das Relações Exteriores.

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 83
com a última Rodada do GATT no Uruguai, e o surgimento da Organiza-
ção Mundial do Comércio, o processo de integração foi se aprofundando
nos anos subseqüentes, terminando na construção do Mercado do Cone Sul
(MERCOSUL), com os dois outros parceiros menores da região. Apesar das
turbulências enfrentadas desde então, o Mercosul absorveu novos mem-
bros, deixando de lado sua característica eminentemente sulista.
Outras iniciativas desse porte foram observadas ainda no governo de
José Sarney, com as reuniões entre os Estados Maiores das Forças Arma-
das argentino e brasileiro, apresentando resultados significativos. Em
duas oportunidades, em eventos denominados “Simpósio de Estudos Es-
tratégicos”, realizados em Buenos Aires ( 31 de março a 2 de abril de
1987) e São Paulo (5 a 7 de abril de 1988) , com a presença de oficiais, jor-
nalistas e acadêmicos de ambos os lados da fronteira, floresceu impor-
tante diálogo, procurando-se fomentar o aumento do grau de confiança
recíproco, que poderia passar a orientar as futuras relações políticas, di-
plomáticas e militares na região do Cone Sul. 5
A contrapartida também existiu. Enquanto isto se sucedia de um lado,
as pressões internacionais, oriundas de setores distintos, tanto governa-
mental, quanto de organizações internacionais, e de organizações não-go-
vernamentais, se avolumavam desde a década anterior, com as críticas
sobre a falta de cuidado do governo com a preservação ambiental, com a
depredação da fauna e da flora amazônica, com a contaminação dos rios
com mercúrio, com a destruição das populações florestais silvícolas.
Diante de um discurso já antigo sobre a internacionalização da
Amazônia, considerada na época como o pulmão do mundo, as preocu-
pações governamentais para a região adquiriram conotação basicamente
militar, sob o prisma da defesa e da segurança nacional, em vez de se re-
correr puramente aos tradicionais canais diplomáticos. A resposta, agora,
se fazia de outra maneira, com outros mecanismos.
Para dar conta das pressões, e manter inquestionável a soberania so-
bre essa parte substantiva do território nacional (61%), com uma extensão
de 5.2 milhões de quilômetros quadrados, partiu-se para uma retórica na-
cionalista e uma política efetiva de proteção militar do espaço amazônico,
embora envolvesse instâncias civis. Concebido em 1985, à margem da so-
ciedade, o Projeto Calha Norte, cujo titulo completo é Desenvolvimento e
segurança na região ao norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas

5 Os textos apresentados nos dois simpósios podem ser encontrados na revista

Política e Estratégia, São Paulo, Sociedade Brasileira de Cultura-Convívio, respecti-


vamente, vol. V, nº 3, julho/set. de 1987 e vol. VI, nº 3, julho/set. de 1988.

StrategicEvaluation (2007) 1
84 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

(posteriormente denominado Programa Calha Norte-PCN), veio com


uma série de intenções, e para dar conta, entre outros, dos seguintes pro-
blemas: comércio fronteiriço, internacionalização da Amazônia, contra-
bando do epadu, tráfico de drogas e guerrilhas.
Com a Exposição de Motivos número 018/85, de 19 de junho de 1985,
encaminhada ao Presidente da República, e assinada pelo general Rubens
Bayma Denys, na dupla função de chefe de Gabinete Militar da Presidên-
cia da República e Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional, o
PCN nada mais era do que a ênfase na continuidade das preocupações
tradicionais, que modelaram a conduta do estamento militar.6
Nesse contexto, o PCN ia contra as demais iniciativas, que poderiam ser
entendidas como de relaxamento das tensões regionais, mas nem por isso, se
descurou de problemas maiores, fazendo valer a percepção de ameaça de que
está em risco a segurança das instituições e a integridade do território. Por
outro lado, o PCN dava prosseguimento ao Tratado de Cooperação Amazô-
nica (TCA) , também iniciativa brasileira, assinado em 3 de julho de 1978 com
mais sete países da região, mas que se mostrava ineficiente e insuficiente para
dar conta de problemas da magnitude que se estavam apresentando.7 Além
do mais, um dos objetivos maiores do TCA foi o de romper o bloqueio esta-
belecido pelo Tratado de Cartagena (Pacto Andino) de 1969, que impedia o
acesso de produtos manufaturados brasileiros ao mercado andino.
O contínuo aumento das pressões internacionais, inclusive através de
pronunciamentos do ex-presidente François Mitterrand que defendia a
soberania compartilhada para a Amazônia, a vinda de membros do Le-
gislativo britânico e norte-americano, tiveram efeito contrário, estimulan-
do o governo a adotar mais rapidamente políticas militares, resultando no
projeto mais ambicioso dos anos 90, constituído pelo Sistema de Vigilân-
cia da Amazônia/Sistema de Proteção da Amazônia (SIVAM/SIPAM)8.
Envolvendo vultosos custos, acima de 1.6 bilhão de dólares, e motivo de
disputa entre os fornecedores internacionais pelos equipamentos a serem

6 Cf. O documento original elaborado pela Secretaria Geral do Conselho de

Segurança Nacional – Desenvolvimento e segurança na região ao norte das calhas dos rios
Solimões e Amazonas – Projeto Calha Norte. Brasília, SG-CSN, 1985, mimeografado.
7 Cf. Ministério das Relações Exteriores – Tratado de Cooperação Amazônica. Brasília:

Ministério das Relações Exteriores, 1978. Assinaram o documento: República da


Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, Bolívia, Brasil, Colômbia e Equador.
8 Informações sobre esse complexo podem ser obtidas em [acessado em 31 de maio

de 2007]: <http://www.sivam.gov.br>.

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Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 85
utilizados no complexo, essa iniciativa governamental veio completar o
Programa Calha Norte, de repensar a proteção não apenas a partir das
fronteiras, mas do território amazônico como um todo, frente a ameaças que
se faziam cada vez mais presentes. Para dar conta desses perigos, em virtude
da extensão do território, havia, segundo as Forças Armadas, a necessidade
de se manter alerta, frente ao inimigo, desejoso de romper a soberania
nacional, e interessado em usufruir das riquezas naturais aqui existentes.
Essas ressalvas sobre o comportamento internacional, tinham sido já
fartamente debatidas tanto pela imprensa falada e escrita, pela comuni-
dade acadêmica, organizações não-governamentais nacionais e interna-
cionais, mas particularmente dentro do Congresso Nacional, por ocasião
da feitura da nova Constituição de 1988. Como se pode observar, pelo
acompanhamento das sessões ocorridas no Legislativo, foram intensos os
debates sobre a questão mineral, sobre a demarcação de terras indígenas,
se continuas ou não ao longo das fronteiras na margem de 150 quilôme-
tros, sobre a preservação dos recursos ambientais de maneira geral, a pre-
sença das populações florestais, indígenas ou não, posseiros e grileiros,
garimpeiros e mineradores, além da presença de seitas religiosas e grupos
econômicos, que não sofriam qualquer controle no território, mesmo do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e de
outros organismos dos governos estaduais e federal.
A defesa sobre a soberania da Amazônia pode ser claramente percebida,
tanto em atos internos, quanto em solenidades internacionais reunindo os re-
presentantes dos governos da região. Numa delas, realizada em maio de
1989, estando presentes os chefes de Estado amazônicos, em meio a avalan-
che de criticas sobre a deterioração ambiental, ao assinarem a Declaração da
Amazônia reafirmava-se “o direito soberano de cada país de administrar liv-
remente seus recursos naturais, tendo presente a necessidade de promover o
desenvolvimento econômico e social de seu povo e a adequada conservação
do meio ambiente”9. O General Leônidas Pires Gonçalves, em palestra na Es-
cola Superior de Guerra batia duro nas criticas internacionais. Para ele a culpa
era dos países industrializados, e não das nações em desenvolvimento.10
O Programa Nossa Natureza, concebido para cuidar das questões am-
bientais amazônicas trilhava os mesmos caminhos. Segundo os policy-
makers “a Amazônia passa a ter um valor estratégico sem precedentes no

9 Cf. “Declaração da Amazônia”, in Resenha de Política Exterior do Brasil, Brasília,

Ministério das Relações Exteriores, nº 61, abril/junho de 1989, p. 28.


10 O pronunciamento do general Leônidas Pires Gonçalves – “Amazônia: ecologia

e soberania”, encontra-se disponível na Escola Superior de Guerra (RJ).

StrategicEvaluation (2007) 1
86 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

cenário internacional, representando um importante fator de negociação


política para os países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica,
e muito particularmente para o Brasil”11.
Foi inclusive para fazer frente a essas demandas internacionais, e na
tentativa de neutralizá-las, que o governo de Fernando Collor de Mello
(15.03.1990 a 02.10.1992) assumiu o compromisso de realizar no Rio de Ja-
neiro em 1992, a Conferência Mundial das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD – ECO 92).
No meio das grandes transformações globais ocorridas no início da
década de 1990, com o fim da Guerra Fria, e sob a expectativa de constru-
ção de uma novel ordem mundial mais justa e equânime, houve , em ter-
mos brasileiros e regionais, uma dinâmica dupla: com o aprofundamento
da integração regional no Cone Sul, as preocupações tradicionais de um
lado arrefeceram, pelo menos momentaneamente; de outro, porém,
assumiram novo patamar, frente às consideradas novas ameaças, que
emergiam com vigor, em um mundo que estava se reestruturando.
Havendo necessidade de se repensar o novo contexto, e de se alterar as
próprias instituições nacionais voltadas para o tema, divulgou-se em 7 de no-
vembro de 1996, o documento Política de Defesa Nacional. Viam-se aqui níti-
das preocupações, no âmbito regional, com as “zonas de instabilidade que
podem contrariar interesses brasileiros”. Mas chamava-se, igualmente,
atenção para a continuidade da “relevância de conceitos tradicionais como
soberania, autonomia, autodeterminação e identidade nacional”. Porém, no-
vos itens foram incorporados. Fazia-se referência a “ação de bandos armados
que atuam em países vizinhos, nos lindes da Amazônia brasileira, e o crime
organizado internacional são alguns dos pontos a provocar preocupação”.12
Ainda que não se tratasse de um texto detalhado, mas de uma simples
minuta de trabalho, convertida através de acordo de lideranças do Con-
gresso Nacional, no documento oficial sobre o tema, procurou-se siste-
matizar algumas informações. A grande mudança se verificaria pouco
depois em nível governamental. Estamos nos referindo aqui, à criação do
Ministério da Defesa em 1999, que passou a ser assumido, desde então,

11 Esse documento foi produzido pela Presidência da República, através da

Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional – Programa Nossa Natureza. Re-


latório da Comissão Executiva instituída pelo Decreto nº 96.944/88. Brasília: SA-
DEN, fevereiro de 1989, mimeografado, p. 26

12 Cf. Presidência da República (1996). Política de Defesa Nacional, Parcerias


Estratégicas, Brasília, Centro de Estudos Estratégicos, vol. 1, nº 2, p. 7-15.

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 87
por civis rarefeitos ao assunto da Pasta, às vezes até desastrosos, trans-
formando-se as três Forças em Comandos Militares específicos (Aeronáu-
tica, Exército e Marinha), com seus titulares mantendo status ministerial.
Na década de 90, pelo menos mais dois elementos precisam ser consi-
derados, nas concepções estratégicas brasileiras. O primeiro, o fato de o
país pertencer à Organização dos Estados Americanos (OEA). É impor-
tante ressaltar essa condição, porque logo após o final da Guerra Fria,
criou-se no interior da OEA, a Comissão de Segurança Hemisférica
(CSH), que se converteu no lócus regional para o trato de questões rela-
cionadas com a defesa e segurança regional. Segundo o presidente da
Comissão Especial sobre Segurança Hemisférica (criada em 1992, depois
transformada na CSH em 1995) Hernán M. Patiño Mayer, “uma visão in-
tegrada da segurança regional deveria ser reordenada a partir de esque-
mas de integração e cooperação, substituindo o caráter clássico militar
ofensivo-defensivo que teve ate o presente” (Patino Mayer, 1993). Poste-
riormente, passou-se a trabalhar com conceitos abertos, englobando as
novas ameaças, sob um ponto de vista multidimensional, conforme reso-
luções tomadas pela Assembléia Geral da OEA.
O outro diz respeito às reuniões informais que passaram a ser realiza-
das desde 1995 (a primeira delas nos Estados Unidos da América, em Wi-
lliamsburg-VA), entre os ministros da Defesa das Américas. Nesses en-
contros, além das recomendações feitas em termos multilaterais, realizou-
se um sem número de encontros e acordos bilaterais, entre os diversos re-
presentantes, para tratar de assuntos específicos de seus paises. O interes-
sante a observar, entretanto, é que no evento realizado no Brasil entre 16 a
21 de outubro de 2000, na capital do estado do Amazonas, se fixou pelo
item 9 da Declaração de Manaus, que “a segurança e a defesa de cada país
constituem responsabilidade da sociedade como um todo e não apenas
dos militares, o que toma imprescindível a formação de civis em assuntos
de defesa e a integração entre civis e militares nos debates”.13
É levando em consideração esses fatores em conjunto, que se pode
avaliar, porque houve avanços e recuos na postura brasileira sobre o
tema, ora criando a expectativa de se relegar questões desse porte a plano
secundário, ora tornando-se mais agressiva em face das próprias pressões
internacionais. No limite, pode-se dizer que não se tratou de avanços e re-

13 Cf. IV Conferência Ministerial de Defesa das Américas – “Declaração de Ma-

naus”. Disponível em [acessado em 30 de maio de 2007]: <http://www.oas.org/


CSH/portuguese/docminist00.asp>.

StrategicEvaluation (2007) 1
88 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

cuos, mas tão somente, da implementação e formulação de políticas que


foram consideradas mais adequadas levando-se na devida conta, as ins-
tabilidades existentes tanto no plano regional quanto internacional.

A AGENDA MILITAR NO INÍCIO DO NOVO SÉCULO


O alvorecer do terceiro milênio pouco trouxe em termos de mudanças
substantivas sobre as preocupações brasileiras, concernentes a defesa e
segurança nacionais, ou mais amplas, em termos regionais e globais. De
fato, desde meados da década anterior já se havia formulado o docu-
mento Política de Defesa Nacional, seguido, três anos depois, pelo ad-
vento do Ministério da Defesa. Portanto, pouco havia mais a ser feito. O
resto, certamente, dependia do contexto mundial.
Os ataques às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, nos Estados
Unidos, não serviram de estímulo para que novas reflexões fossem feitas,
ou incorporadas à agenda nacional, por vários motivos. Um deles, por-
que, movimentos ou grupos terroristas jamais tiveram atuação em territó-
rio nacional, apesar da movimentação de grupos políticos considerados
como tal, ao longo das fronteiras do Norte amazônico, e junto à tríplice
fronteira argentino-brasileiro-paraguaia, segundo acusações e denúncias
freqüentes do governo norte-americano. Por isso, esse tema não entrou na
pauta nacional com a força que se poderia supor, pela comoção gerada
em todo o mundo após a derrubada do World Trade Center.
Com certeza, tal comportamento seria distinto em relação ao país
portenho, que já enfrentara problemas semelhantes ao ocorrido nos Esta-
dos Unidos. Nos 90, os atentados à Associação Mutual Israelita-Argentina
(AMIA), ocasionaram dezenas de baixas, havendo, inclusive, insatisfações
das autoridades argentinas que criticaram Brasília por pouco fazer para
ajudar a investigar ou localizar os responsáveis pelos atentados, e que
estariam em território brasileiro.
Evidentemente, comportamentos como esses, sempre mereceram re-
púdio do governo brasileiro, não apenas oficialmente através dos canais
diplomáticos e das demais esferas governamentais, mas de toda a sociedade,
já que é a população civil a diretamente afetada, e que arca com os maiores
prejuízos. Mas, por outro lado, o governo brasileiro manifesta prevenção
contra rótulos, e a tentativa do uso da terminologia terrorismo internacional,
nos diversos fóruns que passaram a ser realizados. Da mesma forma,
criticou os Estados Unidos e aliados que, na justificativa de dar conta dessa
ameaça vigorosa, passou a utilizar, como expedientes normais, a força e a
violência de maneira indiscriminada no Iraque e no Afeganistão.

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 89
Por outro lado, em face da conjuntura do pós-Guerra Fria e da eclosão
de um sem número de graves situações em todo o mundo, o governo bra-
sileiro, dentro da estratégia de captação de votos, de simpatia, e procu-
rando mostrar que está preparado para assumir responsabilidades como
membro permanente do Conselho de Segurança da ONU passou a confe-
rir grande importância às missões onde se fizessem necessárias, seja na
África, no Timor Leste, ou assumindo papel de destaque com a Missão
das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), criada em
30 de abril de 2004, através da resolução 1542 do Conselho de Segurança
da ONU, permanecendo naquele país até o presente momento.
Na agenda brasileira permaneceram, e passaram a receber atenção
maior as questões relativas à segurança nacional e regional, particular-
mente a primeira. Assim, em 2005, foi promulgada a versão mais com-
pleta da Política de Defesa Nacional, onde se estabelecem dois grandes
loci de atuação brasileira.14 De um lado, a região amazônica continuou a
receber destaque especial. Apenas para efeito ilustrativo poderíamos ex-
plicitar que, em 1950, havia um milhar de soldados na Amazônia, au-
mentando para cinco mil em 1985, sendo que atualmente, o total dos con-
tingentes atinge a cifra de vinte e cinco mil. De outro, o Atlântico Sul,
considerando que por essa parte circula parte considerável de super-pe-
troleiros, e embarcações responsáveis pelo comércio internacional, do
qual o Brasil contribui com 1.1 em termos globais. Além do mais, é rota
para o continente antártico. A imensidão do Atlântico Sul passou a ser
conhecida, em analogia ao Norte do país, como a Amazônia Azul.
A preocupação especial com o Atlântico Sul, se deve, inclusive, ao fato
de em 17 de maio de 2004, o país ter demandado junto à Commission on
the Limits ot the Continental Shelf (CLCS), da ONU, o aumento de seu
espaço marítimo, ultrapassando aquele anteriormente estipulado, e sob
seus domínios. Aprovada em abril de 2007, essa nova área incorporada ao
território terrestre aumentou para 12,7 milhões de quilômetros quadrados
o espaço geográfico total no qual o país tem que atuar.15

14 Cf. Ministério da Defesa – Política de Defesa Nacional. Brasília: Ministério da Defe-

sa, 2005, especialmente p. 10, 11 e 17.


15 Acerca da reivindicação brasileira feita em 17 de maio de 2004, ver: ONU –

Oceans and Law of the Sea. Division for Ocean Affairs and Law of the Sea. Co-
mmission on the Limits of the Continental Shelf (CLCS) Outer limits of the conti-
nental shelf beyond 200 nautical miles from the baselines: Submissions to the
Commission: Submission by Brazil. Disponível em [aces- em 06 de maio de 2007]:
<http://www.un.org/Depts/los/clcs_new/submissions_files/submission_bra.ht

StrategicEvaluation (2007) 1
90 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

Por isso mesmo, têm sido constantes as cobranças dos comandos mi-
litares junto à Presidência da República, e setores econômicos, sobre a ne-
cessidade de se prestar atenção a substituição, modernização e ampliação
dos equipamentos militares. O ministro do Exército, general Enzo Martins
Peri, em abril de 2007 fazia reflexões nesse sentido, alertando que as ver-
bas disponibilizadas nas últimas décadas, não têm conseguido atender as
demandas da Força.16 Em função da crise que afetou o controle do espaço
aéreo brasileiro, após o choque de duas aeronaves no norte do país, os re-
presentantes da Aeronáutica, inclusive aproveitaram a visita de membros
do Congresso Nacional que visitavam o Centro Integrado de Defesa Aé-
rea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA) em Brasília, recentemente,
em maio de 2007, para instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito so-
bre o apagão , para demandar recursos.17 Na passagem do comando da
Marinha, no dia 1º de março de 2007, o Almirante Júlio Soares de Moura
Neto que assumiu o posto enfatizou a necessidade de se dar prossegui-
mento ao Programa de Reaparelhamento da Marinha, sob pena de o po-
der naval tornar-se obsoleto muito rapidamente.18
Na realidade essa preocupação dos comandos militares, além de pen-
sarem na necessidade de usufruírem de equipamentos considerados satis-
fatórios para atender as prioridades estabelecidas no documento nacional,
de forma adequada, apresenta outro motivo, pensado em escala regional.
Trata-se, por exemplo, das políticas assumidas por nações vizinhas, que
têm investido razoavelmente no setor bélico, casos da Venezuela e do
Chile que, por razões diferentes assim têm agido. No fundo, apesar das
distintas motivações, o certo é que tanto o governo de Santiago, quanto o
de Caracas tem usufruído até o momento, de recursos adequados para
aquisição de armamentos. A Lei do Cobre permite ao Chile investir dez
por cento do auferido com a exportação do produto, para o setor militar,
enquanto a venda do petróleo venezuelano tem suprido a demanda pela
aquisição e modernização do parque bélico daquele país. Ainda que não se

m>. Sobre o assunto, ver, também Monteiro (2007:A8).


16 Ver a entrevista concedida pelo general Enzo Martins Peri, a Godoy (2007).
17 Cf. Lopes (2007). O episódio em pauta refere-se ao caos sofrido pelo Brasil, no sistema

de transportes aéreos, desde o final de 2006, gerando disputas entre setores civis e
militares sobre o problema do controle e da segurança do espaço aéreo nacional.
18 Consultar as observações do Almirante Júlio Soares de Moura Neto na “Ordem

do Dia Nº2/2007”, de 1º de março de 2007. Esse documento pode ser encontrado


no site da Marinha: <https://www.mar.mil.br/menu_v/cm/palavras_cm2.htm>.
Acessado em 20 de maio de 2007.

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 91
fale em corrida armamentista, e não haja contenciosos de maior gravidade
na região, é visível que, ao se armar, um país fornece ao outro ou demais
vizinhos, justificativas suficientes para agirem de forma semelhante.
Esses dois pontos explicitamente mencionados, constituem-se, ofi-
cialmente, em áreas prioritárias na política de defesa. Mas pode-se adi-
cionar outra, que é exatamente a da tríplice fronteira brasileiro-argentino-
paraguaia. Sem se preocupar com grupos terroristas ligados ao Hezbollah,
ou outros, que financiariam os movimentos terroristas no Oriente Médio, a
partir de remessas de recursos pela Ciudad del Este (lado paraguaio), e pela
Foz do Iguaçu (lado brasileiro), as preocupações governamentais estão
concentradas nessa região, por outros motivos, ligados à evasão de receitas.
Isto porque, através do lado paraguaio se realiza grande quantidade de
contrabando para o Brasil, de mercadorias manufaturadas e eletrônicos de
todo gênero provenientes do Oriente, e de armas, e onde se concentram,
facilitado pela localização geográfica de tríplice nacionalidade, grupos
ligados ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Por esses motivos, a
atuação do país tem sido forte e permanente nessa parte do Cone Sul.

NOTAS FINAIS
No decorrer dos últimos vinte anos, especialmente, a partir do final do
ciclo do regime militar, algumas observações interessantes podem ser feitas,
sobre os temas das Forças Armadas, defesa e segurança nacionais. Apesar de
apenas uma geração ter decorrido, desde então, houve uma significativa
melhoria nas condições em que passou a se processar o diálogo entre os
meios civis e militares. Temas por excelência de natureza militar, as questões
de defesa e segurança, até então restritos quase que exclusivamente aos
estrategistas dos Estados Maiores das instâncias castrenses, e de alguns que
normalmente se encontravam estreitamente identificados com os mesmos, o
tema chegou finalmente à sociedade por mecanismos diversos.
Pode-se constatar, contudo, duas outras coisas. Primeiro, que o tempo
decorrido ainda é relativamente recente, motivo pelo qual, apesar do dis-
curso democratizante, e de ampliação dos participantes em temas que di-
zem respeito a toda a sociedade e ao Estado, permanece nos altos escalões
militares uma certa dificuldade em absorver observações e influências
alheias ao próprio meio, sobretudo as mais críticas. Isto se deve, prova-
velmente, ao fato de que, ainda hoje, todos os altos cargos estão preenchi-
dos por militares que tiveram parte significativa de sua formação sob ou-
tras condições, onde os valores democráticos nem sempre eram os que

StrategicEvaluation (2007) 1
92 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

mais importavam e se exerciam dentro das academias. Por outro lado,


entre a oficialidade mais jovem, esse comportamento tem mudado, também
gradativamente, o que leva a previsão de que, nesse sentido, um prazo de
uma geração mais seria adequado para que os processos de socialização do
setor castrense, sob outras condições, possa ser considerado satisfatório.
Claro que, dentro dos limites próprios de uma organização apoiada nos
elementos anteriormente citados como disciplina e hierarquia.
O relacionamento civil e militar, assim, tem sofrido progressivamente
melhoras, por exemplo, com a participação em eventos diversos, para dis-
cussão de temas específicos, para pensar os grandes problemas nacionais, em
ambientes mais restritos, ou em espaços maiores no plano nacional. O Enco-
ntro Nacional de Estudos Estratégicos, cuja sétima edição será realizada em
novembro do corrente ano, em Brasília, auspiciada pela Secretaria de Assun-
tos Estratégicos e Institucionais, pode ser considerado um bom exemplo do
intercâmbio iniciado em meados da década de 1990 e que, embora, ocorrendo
de forma irregular, tem arregimentado centenas de interessados, provenientes
de todos os segmentos, nas diversas sessões que têm sido feitas. Para esse ano, os
grandes eixos no qual as atenções estarão voltadas, contemplarão a Segurança e
Defesa; Relações Internacionais; Ciência &Tecnologia e Temas Sociais.
Também de maneira irregular, discutiram-se temas variados sobre
militares, em nível estritamente acadêmico , com a criação de Grupos de
Estudos sobre Forças Armadas, Estado e Sociedade, em reuniões anuais
realizadas no interior da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Ciências Sociais (ANPOCS). Como resultado do interesse dos acadêmicos
nesses assuntos surgiu em 2006, a Associação Brasileira de Estudos de Defesa
(ABED), que estará patrocinando seu primeiro encontro nos domínios da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em setembro do corrente ano.
A formação de recursos humanos na área tem sido favorecida através
de alguns programas. Ainda que isto possa ser contestado, um deles, com
os cursos oferecidos pelo Departamento de Defesa norte-americano, em
Washington-DC. Dentro da National Defense University, por intermédio
do Center for Hemispheric Defense Studies, algumas dezenas de profi-
ssionais vinculados a instituições diversas, governamentais, diplomáticas
e militares, e, particularmente, jovens pós-graduandos das universidades
têm freqüentado cursos de 3 semanas. Isto se aplica tanto para os candi-
datos brasileiros às vagas nos cursos, quanto de toda a América Latina.
No Brasil, desde a criação do MD algumas iniciativas no sentido de
aproximar civis e militares, instituições militares e a academia, têm apre-
sentado em bons dividendos. Assim, para se pensar o que se deveria en-

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 93
tender pelo novo conceito estratégico brasileiro, foram realizadas oito ro-
dadas com grupos restritos, patrocinados pelo Ministério da Defesa, na ci-
dade de Itaipava, no estado do Rio de Janeiro, e na qual sempre se encon-
travam, pelo menos dois acadêmicos, entre os debatedores. Os resultados
finais, posteriormente publicados em 4 volumes pelo MD, inclusive, podem
ser conferidos na própria página eletrônica da instituição.19
Para incentivar os estudos na área, o Ministério da Defesa também
passou a premiar as dissertações de mestrado e teses de doutorado de-
fendidas sobre temas correlatos, e que deve se constituir em promoções
anuais, Nessa direção, com recursos do Ministério da Defesa e do Minis-
tério da Ciência e Tecnologia, passou-se a estimular a formação de recur-
sos humanos, preocupados com a temática, nos cursos existentes de pós-
graduação em Relações Internacionais do país, criando-se área especifica
sobre “Paz, defesa e segurança internacional”, por exemplo, no programa
interinstitucional da Universidade Estadual Paulista-Universidade Esta-
dual de Campinas-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 20
Se comparado com momentos anteriores, não resta dúvida de que a
situação atual é sensivelmente melhor no que diz respeito aos debates so-
bre os assuntos militares, tanto dentro como fora da academia. Até o final
do regime militar, havia uma dificuldade específica do momento em que
se vivia, em que tais temas não eram levantados. Eram poucos, dentro das
universidades, que o faziam. Tanto pela dificuldade no acesso às infor-
mações, quanto pela desconfiança dos dois lados. Do lado dos militares,
interessados em saber qual a real finalidade de civis estarem interessados
em tais assuntos, privilégio que consideravam de sua exclusiva alçada,
tanto como estudiosos quanto como agentes do processo político. Dentro
da academia, havia a suspeita de que aqueles que conseguiam tratar de tais
assuntos, assim o faziam, porque tinham como obter informações, ou seja,
acesso aos próprios militares, portanto seriam coniventes com a situação
política, ou simpatizantes do próprio modelo instaurado desde 1964 sob a
égide da força. Por isso, durante grande tempo, toda a produção era feita
basicamente através dos olhares dos pesquisadores estrangeiros, especial-

19 Os interessados podem consultar a versão impressa dos textos em Almeida Pinto;

Ramalho da Rocha; Pinho da Silva, 2005. De igual interesse, são os resultados do


seminário realizado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da
Câmara dos Deputados em 2002: Rebelo; Fernandes, Orgs., 2003.
20 Este programa do qual o autor deste trabalho, faz parte, é a única instituição não-

militar brasileira voltada para estas questões, conforme pode ser verificado em
RESDAL (2007). Consultar, especialmente, página 88, do capitulo 7.

StrategicEvaluation (2007) 1
94 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

mente os norte-americanos (brazilianistas), que tinham fácil acesso às auto-


ridades e fontes, e recursos financeiros para realizar suas pesquisas.
Evidentemente, não estamos, ainda, em condições que poderiam ser con-
sideradas ideais de desenvolvimento da área. Os estudos ainda costumam ser
vistos, pela visão dura do realismo, pela ótica conflituosa, relegando a plano
secundário outras variáveis societais. Várias reuniões acadêmicas têm salien-
tado essas dificuldades, e surgido publicações que caminham nessa direção,
de se pensar as questões da defesa e da segurança sob olhares diversos, que
privilegiem a sociedade, e não aos interesses exclusivos do Estado. Os as-
suntos que dizem respeito a toda a sociedade, não podem ser lidos e entendi-
dos, nem elaboradas estratégias que considerem apenas o viés militar, como
os temas demográfico, ambiental, fundiário ou indígena.
Há que se pensar em alternativas que, efetivamente, contemplem to-
dos os interesses de uma sociedade multifacetada como a brasileira.
Contudo, dentro de um contexto em que se apresentam, ainda limitações,
para discussões sobre temas dessa natureza, pode-se dizer que o diálogo
entre civis e militares tende a se fortificar, desde que não se abandonem
as iniciativas que se têm verificado. Impensável há pouco mais de uma
geração, nesses últimos anos tem sido comum, a presença de empresários,
militares, representantes de organizações não governamentais e acadêmi-
cos, em seminários e encontros. Tornou-se possível debater, por exemplo,
questões relacionadas com a defesa da fronteira Norte do país, como
aconteceu recentemente nos ambientes da Universidade Federal de Ro-
raima, em Boa Vista, tendo marcado presença o coronel Salomão Kiermes
Tavares, representando o Ministério da Defesa, e o general Eliéser Girão
Monteiro Filho, do Comando Militar da Amazônia.21
Pelo menos duas condições são necessárias para que o diálogo, no
futuro se consolide, e que se aumente a presença civil nos debates de for-
mulação sobre as políticas de defesa e segurança brasileiras. A primeira,
apenas o tempo resolverá, isto é, a substituição, ainda que lenta, de todos

21 Referimo-nos, aqui, ao “III Seminário Internacional de Economia Amazônica e

desenvolvimento sustentável de Roraima”, realizado nos dias 17 e 18 de maio de


2007 em Boa Vista, capital de Roraima. O tema deste ano esteve focado em “O
Mercosul amazônico: integração, segurança e defesa na faixa de Fronteira Norte”.
Igualmente em 03 e 04 de dezembro de 2007 será realizado em Belém, estado do
Pará, o 1º Seminário de Relações Internacionais e Defesa na Amazônia, promovi-
do pela Universidade Federal do Pará, nos mesmos moldes do de Roraima.O autor
deste texto participou tanto do evento em Roraima, quanto da IV Rodada de De-
bates promovida pelo Ministério da Defesa, em Itaipava, Rio de Janeiro, nos dias 6
e 7 de dezembro de 2003, e estará também presente no seminário em Belém.

StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 95
os cargos de comando das esferas militares, por outros que tiverem sua
formação sedimentada basicamente no período pós-autoritarismo. Ligado
a essa, a manutenção dos valores democráticos do modelo político.
A outra condição básica é o fortalecimento dos estudos estratégicos
nos meios acadêmicos, incluindo-se áreas, por exemplo, sobre resolução
de conflitos e cultura da paz, criando-se uma visão crítica de como esses
problemas devem ser analisados, como podem ser melhor equacionados,
e como a sociedade pode interferir na formulação dessas políticas, já que
para todos os efeitos, nada mais são do que políticas públicas, e que não
podem nem devem ser pensadas de viés atendendo apenas uma categoria
específica, mas aos interesses de toda a sociedade. Certamente não é
exeqüivel tão somente apregoar a extinção das Forças Armadas, algo
impensável para uma potência média que tem aspirações internacionais.
Mas pode-se, por outro lado, refletir como temas desse porte devem ser
abordados, tanto no plano interno de relacionamento da esfera militar
com a civil, e do Estado no cenário regional ou mesmo mais longínquo.
Ao serem atendidas essas condições, não resta dúvida de que a percepção
de que as Forças Armadas têm, em termos de defesa e segurança, de que tudo
deve ser resolvido apenas na ponta das baionetas, será gradativamente
alterada (como tem em parte sido feito). Será incorporada cada vez mais a
influência de segmentos diversos da sociedade brasileira, entendendo-a como
perfeitamente normal, dentro do jogo democrático, e que não vêem
exclusivamente na força os mecanismos ideais para o bom andamento das
relações internacionais, nem para se resolver pendências domésticas.
Outras funções que periodicamente se lhe tentam imputar, como
combater o crime organizado, o tráfico de drogas e o contrabando, entre
muitas sugestões, talvez não se constituam na melhor solução para as
Forças Armadas, visto que seu treinamento não contempla atividades
desse gênero. Considere-se, ainda, que existem, como sempre aconteceu,
órgãos específicos para combater tais ilícitos, como a Polícia Federal e as
milícias estaduais. Atribuir-lhes novas funções, seria como ampliar seu
papel, incluindo, portanto, capacidade maior de intervenção em assuntos
internos, muito distante de suas tarefas habituais. A não ser que ocorres-
sem ambientes de profunda crise, em que a própria sobrevivência das
instituições esteja em risco. Mas essa já seria uma situação extrema.

REFERÊNCIAS

StrategicEvaluation (2007) 1
96 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança

Almeida Pinto, J.R. de; Ramalho da Rocha, A. J.; Pinho da Silva, R. Doring, orgs. (2005).
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Superior de Guerra, Rio de Janeiro: SNT [mimeografado].
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Patiño Mayer, Hernán M. (1993). Aporte a un nuevo concepto de seguridad hemisférica –
seguridad cooperativa [em linha]. Disponível em: <http://www.ser2000.org.ar/articulos-
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Presidência da República (1996). Política de Defesa Nacional. Parcerias Estratégicas, vol. 1,
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Câmara dos Deputados - Centro de Documentação e Informação.
RESDAL (2007) Atlas comparativo de la Defensa en América Latina, Edicion 2007.
Buenos Aires: <http://www.resdal.org.ar/libros/Archivo/atlas07-cap7.pdf>.
Waack, William (1985). As duas faces da glória: a FEB vista pelos seus aliados e inimigos. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira.

*
Shiguenoli Miyamoto é Professor Titular de Ciência Política e Relações In-
ternacionais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Univer-
sidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciências So-
ciais, realizou um Mestrado em Ciência Política e é Doutor em Ciência
Política pela Universidade de São Paulo (USP).

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

GRUPO BAGATELLE*

Indústria Nacional de Defesa


Diagnósticos, Perspectivas e Propostas

National Defence Industry


Diagnosis, perspectives and proposals

Resumo: O presente trabalho visa demonstrar a necessidade da presença de uma


Indústria Nacional de Defesa (IND) forte e permanente em nosso meio; bem como
a criação, o estabelecimento e a execução de uma Política de Estado, voltada exclu-
sivamente para a Defesa Nacional, e uma Agência Reguladora de Defesa. Realiza-
se também o levantamento dos cenários políticos de defesa e de promoção de uma
visão sistêmica e integradora das indústrias de defesa. Apresentado o diagnóstico,
oferece propostas técnicas objetivando a recuperação do lastimável quadro em que
se encontra a Indústria de Defesa Nacional.
Palavras-chave: indústria nacional de defesa; defesa nacional; agência regulardora.

Abstract: This work seeks to demonstrate the need for a strong and permanent National
Defence Industry (NDI) in our environment, together with the creation, establishment and
implementation of a State Policy focused on National Defence and a Regulatory Defence
Agency. An analysis of political scenarios from a defence perspective and of the promotion
of a systemic and integrational vision of defence industries is also developed. Presenting a
diagnosis, a series of proposals seeking the recovery of the battered National Defence Indus-
try are also included.
Keywords: national defence industry; national defence; regulatory agency.

* O Grupo Bagatelle está formado por Camilo Matias Saraiva, Cesar Tadeu Lopes
Piovezanni, Eliandro Lopes de Sousa, Gerson Carvalho Novaes, Hans Damgård
Kristensen, Hulgo Leonardo Pias Sarmento, José Sérgio Teixeira Pinto, Luiz Carlos
Quadrante Júnior, Ricardo de Souza Esper e Vasco de Jesus Rodrigues. O seus in-
tegrantes agradecem a contribuição de todos os organizadores, autoridades, enti-
dades, palestrantes e participantes pela concretização do Curso de Gestão de Re-
cursos de Defesa, no qual se enquadra, ressaltando a importância e o pioneirismo
do convênio firmado entre a Federação das Indústrias de São Paulo e a Escola Su-
perior de Guerra, que possibilitou o sucesso do empreendimento.
98 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

INTRODUÇÃO
No cenário internacional torna-se essencial para a sobrevivência do
próprio Estado a sua capacidade permanente de criação, desenvolvi-
mento tecnológico, produção e execução de projetos voltados para a defe-
sa da sua soberania. Diante da extensão territorial do Brasil e do seu peso
especifico no cenário internacional, cabe à Indústria Nacional de Defesa a
responsabilidade de prover as necessidades do Governo e das FFAA no
papel de proteção do patrimônio Nacional.
Uma Indústria Nacional de Defesa inexpressiva reflete o descaso
quanto à preservação dos valores maiores de nossa Pátria. Estará, assim,
convidando a ambição externa para possíveis aventuras em nosso meio.
Cumpre estabelecer com urgência máxima um programa de ação objeti-
vando o fortalecimento em bases sólidas de uma política de Estado dura-
doura capaz de garantir a preservação do próprio Estado.

FASE DE DIAGNÓSTICO
Nação pode ser definida como um grupo complexo, constituído por
grupos sociais distintos que, em princípio, ocupando um mesmo espaço
físico, compartilham a mesma evolução histórico-cultural e os mesmos
valores, movidos pela vontade de comungar o mesmo destino. Portanto,
cada nação nasce dentro de um contexto particular e define seus objetivos
fundamentais de acordo com seu processo de formação.

1.1 Patrimônio Nacional

O Brasil figura entre os cinco maiores países possuidores de riquezas


naturais ou construídas do planeta. Para garantir a sua preservação e
proteção, há que desenvolver conveniente e adequadamente a sua Defesa
Nacional. A extração de petróleo da plataforma continental, proporcionou
a auto-suficiência do Brasil. É da “Amazônia Azul” que provém cerca de
89% do petróleo nacional, mais de 1,5 milhão de barris/dia, gerando re-
cursos de mais de US$ 3 bilhões mensais. Além de possuir outras riquezas
minerais e marinhas, nossa costa cobre cerca de 8 mil km de extensão.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar prevê que
quando um Estado costeiro tiver a intenção de estabelecer o limite exterior
de sua Plataforma Continental além das 200 milhas marítimas (até 300 mi-
lhas), deverá apresentar à Comissão de Levantamento da Plataforma Conti-
nental da ONU as características de tal limite, juntamente com as informa-
ções científicas e técnicas de apoio; o que já foi realizado pelo nosso país.

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 99
Com relação às riquezas ictiológicas existentes na Zona Econômica
Exclusiva, o Artigo 62 da CNUDM enfatiza que se o Estado Costeiro não
tiver capacidade para efetuar a totalidade da captura permissível, deverá
dar a outros Estados o acesso ao excedente dessa captura, mediante acor-
dos ou outros ajustes. Mais de 95% do comércio exterior brasileiro é reali-
zado por via marítima, que em 2005, ficou em torno de US$ 200 bilhões,
sendo o valor do frete respectivo estimado em US$ 7 bilhões.

1.2 Riquezas Minerais e as Terras Indígenas


Grande parcela das reservas indígenas estão localizadas exatamente
sobre ricos depósitos minerais, principalmente na Amazônia Brasileira;
sendo que, muitas delas fazem fronteira com países vizinhos. O Brasil
possui inúmeras riquezas naturais, entre outras cerca de 98% das reservas
de Nióbio conhecidas, a sexta maior reserva do mundo de urânio, um dos
maiores lençóis freáticos de água potável do mundo, o Aqüífero Guarani,
etc. Fazemos parte do grupo dos países com grande potencial de desen-
volvimento, os chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Deste
grupo, é o país que tem a maior reserva florestal e de água doce do pla-
neta e o único que não possui tecnologia nuclear para sua defesa. Diante
de tamanho patrimônio a ser zelado, será que o Estado Brasileiro prescin-
de de uma Indústria Nacional de Defesa vigorosa?

1.3 Indústria Nacional de Defesa


Uma análise internacional da Indústria Nacional de Defesa evidencia
a sua importante conexão com o setor privado das economias locais. Um
estudo recente, relativo a 50 aglomerados de inovações introduzidas em
diferentes países nas últimas cinco décadas, indica que pelo menos em
50% dos casos a política de compras dos governos proporcionou efeitos
significativos. Do ponto de vista de política industrial, a importância dos
gastos militares decorre não tanto de seu peso no total das compras go-
vernamentais, mas, antes de tudo, de sua natureza. Isso porque uma par-
cela expressiva dos gastos está associada a programas complexos, de
longo prazo, que compreendem a contratação de pesquisa e o desenvol-
vimento de produtos, a produção efetiva e o fornecimento perene dos
equipamentos desenvolvidos, como ocorre em países europeus.
Como demonstração do suporte fornecido pelos países desenvolvidos,
os valores dos investimentos federais nos setores de Defesa, Aeronáutico
e Espacial vão de alguns bilhões de dólares norte-americanos, no caso dos

StrategicEvaluation (2007) 1
100 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

países europeus e norte-americanos, segundo dados da OECD. No con-


texto espacial, o Brasil gasta apenas US$ 50 milhões.
Esse esforço de investimento tem como meta a aquisição e manuten-
ção do Poder com domínio tecnológico completo, desde a concepção até a
operacionalização dos meios técnicos. Considerando que os produtos dos
setores de Defesa e Aeroespacial, pela evolução tecnológica exigida, não
se acham disponíveis "na prateleira" (são baseados em especificações e
requisitos), é fundamental garantir seu completo desenvolvimento. O país
que não possui auto-suficiência tecnológica e adquire seus materiais no
exterior, paga pela execução do incremento tecnológico no outro país,
ajudando, assim, a consolidar o Poder alheio, contribuindo para gerar
empregos qualificados e abrir novos mercados além fronteiras. Em ter-
mos de geração de empregos, estudos publicados pelo Departamento de
Comércio dos Estados Unidos indicam que uma exportação de US$1
bilhão na área aeroespacial gera 15.000 empregos.
Por todos os aspectos demonstrados, os Estados com pretensão de li-
derança econômica e política aplicam políticas protecionistas e de conces-
são de incentivos para seus setores estratégicos. Ciência e Tecnologia se
desenvolvem atreladas ao parque industrial e o país que não tiver capaci-
dade, ou interesse, na absorção da inteligência de seus próprios recursos
humanos assistirá tal desperdício migrar para os Estados desenvolvidos,
sendo apenas exportadores de produtos primários, caracterizados pelo
baixo valor agregado, perenizando, assim, a dependência.
A ABIMDE indicou os ganhos com a venda de matérias sem valor
agregado e aquelas com alto valor agregado, partindo da mineração (fe-
rro) a US$ 0,02/Kg e produtos agrícolas a US$ 0,30, até produtos de defe-
sa, como foguetes, a US$ 200,00/Kg, ou ainda, mísseis e telefones celula-
res a US$ 2.000,00/Kg, comprovando a nossa necessidade de investi-
mentos em tecnologia e em produtos de alto valor agregado.

1.4 Panorama Atual da Indústria Nacional de Defesa


A IND possui em sua base operacional aproximadamente 300 (tre-
zentas) empresas, compreende cerca de 30 (trinta) mil empregos diretos,
mais de 120 (cento e vinte) mil empregos indiretos e cerca de 15 (quinze)
empresas voltadas atualmente para a exportação. Três são os seus princi-
pais órgãos: ABIMDE / SIMDE / COMDEFESA.
A falta de recursos disponibilizados pelo governo para tais empresas
efetivarem a participação em feiras no exterior, bem como financiamentos
que possam diluir eventuais óbices para o fechamento de contratos, tais como

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 101
os subsídios que as empresas no exterior recebem, com facilidades tributárias
e amplitude de recursos financeiros para financiamentos e securitizações.

1.5 Segmentação da Indústria Nacional de Defesa


As empresas nacionais que competem no mercado interno e externo
produzem: Alimentos; Armamentos; Armas e Munições não-letais; Avi-
ões Militares; Blindagens; Comunicações; Eletrônica; Equipamentos de
Proteção; Foguetes e Mísseis; Helicópteros; Levantamento por Satélite;
Navios e Materiais Navais; Meteorologia; Munições Diversas; Optrônicos;
Pára-quedas; Pirotécnicos; Serviços Diversos; Sistemas de Armas; Trans-
portes; Uniformes; Viaturas; Programas de Computadores.

1.6 Empresas do Setor de Defesa

O quadro a seguir enumera as principais empresas, todas privadas ex-


ceto Emgepron, do setor de defesa:

Tabela 1. Principais empresas do Setor de Defesa

Produtos
Empresa Setor Mercado N.º func.
Principais
Ancoratek
manutenção de Serviços de
Aeronáutico Nac. 74
aeronaves e comercio manutenção
Ltda
Sistemas de
armas, Sistemas
Avibras Indústria Nac., Int.
Defesa de foguetes e 848
Aeroespacial S.A. e Civ.
munições,
viaturas militares
Materiais para
BHS – Helicópteros Aeronáutico Nac. 37
Helicópteros
Antenas, Radares
Brasilsat Harald S.A. Eletrônico Nac. 613
e Componentes
Brazsat Com. Space Serviços de Nac. e
Telecom 12
Services do Brasil Ltda. Telecom Int.
Munições e
Companhia Brasileira Defesa Nac., Int.
armas de 1.210
de Cartuchos (CBC) Segurança e Civ.
pequeno calibre
Armas e
Condor S.A. Defesa Nac., Int.
munições não 100
Indústria Química Segurança e Civ.
letais
Corema S.A. Defesa Reforma de Nac., Int. 12

StrategicEvaluation (2007) 1
102 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

Empresa de Comércio veículos especiais e Civ.


e Exportação
Componentes
Corretiva Comercial e
Automotivo para carros de Nac. 15
Distribuidora Ltda
combate
Equipamentos
D.F. Vasconcelos S.A. Optrônico Nac. 500
Optrônico
Daimler Chrisler do Viaturas
Automotivo Nac. 10.000
Brasil Ltda. Militares
Uniformes e
Diana Paolucci S.A. Uniformes equipamentos Nac. 12
Militares
Armamentos e
DSND Consub S.A. Naval equipamentos Nac. 990
marítimos
Armamentos e
Eletro Mecânica Nac. e
Defesa Munições Ar- 14
Atlantide Ltda. Int.
Terra
Aeronaves Nac. e
Embraer S.A. Aeronáutico 14.658
Militares Int.
Emgepron
Serviços e Nac., Int.
Empresa Gerencial Defesa 1.905
materiais navais e Civ.
de Projetos Navais
Armamentos e
Equipaer Indústria
Defesa Equipamentos Nac. 15
Aeronáutica Ltda..
Ar-Terra
ETR – Indústria Armamentos e
Nac. e
Mecânica Defesa equipamentos Ar 15
Int.
Aeroespacial Ltda. Terra
Defesa Armas de Nac., Int.
Forjas Taurus S.A. 1.103
Segurança pequeno calibre e Civ.
Atech - Fundação de
Engenharia de Desenvolvimento
aplicação de Nac. 260
Sistemas de Sistemas
tecnologias críticas
Geoambiente
Comunicações
Sensoriamento Telecom Nac. 29
Via Satélite
Remoto Ltda.
Gear Technology Equipamentos de
Segurança Nac. 3
Equipamentos Táticos Segurança
Helibrás – Helicóptero Helicópteros Nac. e
Aeronáutico 243
do Brasil S.A. Militares Civ.
Equipamentos de Nac. e
Hobeco Sudamericana Metereologia 27
meteorologia Civ.
IBQ Indústrias Defesa Armamentos, Nac., Int. 740

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 103
Químicas Ltda. munições e e Civ.
explosivos
Armamentos,
Indústria de Material Nac., Int.
Defesa Munições e 2.022
Bélico do Brasil - Imbel e Civ.
explosivos
Equipamentos e
Inbrafiltro Indústria e Nac., Int.
Segurança componentes 120
comércio de filtros Ltd. e Civ.
blindados
Índios Indústria e Co- Equipamentos Nac. e
Defesa 45
mercio de Filtros Ltda. Pirotécnicos Civ.
Serviços de
Nac., Int.
Intercarrier Ltda. Transporte transporte 17
e Civ.
materiais de Def
Comércio de
Logitec – Assessoria
Representação Materiais de Nac. 3
em Logística Ltda.
Defesa
Mectron Eng Ind e Sistemas de
Defesa Nac. 186
Com Ltda. armas
CMNISYS Engenharia Eq e component.
Telecom Nac. 142
Ltda. de comunicações
Equipamentos de
Orbisat da Amazônia Levantamento
Levantamento Nac. 70
e Aerolevantamento por satélite
via Satélite
Periscópio
Equipamentos
Equipamentos Optrônico Nac. 20
Optrônicos
Optrônicos Ltda.
RJC Defesa e Munições em
Defesa Nac. 50
Aeroespacial Ltda. geral
Schmid Telecom Sistemas de
Telecom Nac. 6
Brasil Ltda. comunicações
Space Imaging do Serviços e
Imagens por Nac., Int.
Brasil Produtos e imagens por 10
satélite e Civ.
Representações Ltda. satélite
SpeedForm Ind e Com Componentes
Defesa Nac. 39
Ltda. para Armamento
Armamentos e
Target Engenharia e Nac. e
Defesa munições Ar 8
Com Ltda. Civ.
Terra
Equipamentos e
Thales International Nac., Int.
Telecom serv de 3
Brasil Ltda.. e Civ.
comunicações
Troller Veículos Viaturas Nac., Int.
Automotivo 30
Especiais S.A. Militares e Civ.
Unimil Uniformes Uniformes Equipamentos e Nac. 14

StrategicEvaluation (2007) 1
104 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

Militares Ltda. uniformes


militares
Peças e
Componentes
Universal Importação
Defesa para armamentos Nac. 33
Export e Comer. Ltda.
e viaturas
militares
Vertical do Ponto Ind
Defesa Pára-quedas Nac. 71
e Com de Pára-quedas
Comercio de
War Assessoria
Representação materiais de Nac. 4
empresarial ltda
defesa

Fonte: ABIMDE, CREDEN; Audiência Pública, Câmara do Deputados (Fev/2006).

1.7 Vendas para os Clientes do Brasil – Dificuldades


Recursos de investimento decrescentes cada vez mais a cada ano pelas FFAA;
Elevada carga tributária para as empresas brasileiras;
Menor carga tributária dos produtos importados para as empresas estrangei-
ras do que para as nacionais nas vendas para as FFAA do Brasil;
Inexistência de programas das FFAA sustentáveis de desenvolvimento contí-
nuo, dificultando o planejamento das empresas;
Falta de financiamento para desenvolvimento e produção de sistemas, proje-
tos e programas de materiais de defesa;
Preferência desnecessária pela compra de produtos das indústrias estrangei-
ras, desprestigiando a indústria nacional, resultando em escassez de divisas e
a não-criação de empregos além da perda do momento para o desenvolvi-
mento de novas tecnologias no Brasil;
Antecedência muito pequena entre a divulgação e o atendimento de progra-
mas das FFAA; e
Existência de poucos convênios para o desenvolvimento de novos sistemas,
projetos e programas de materiais de defesa.

1.8 Vendas para Clientes no Exterior – Dificuldades


Divulgação precária e quase inexistente por parte dos políticos, do MRE e dos
adidos brasileiros no exterior;
Carência de missões específicas no setor de defesa no exterior por meio de ini-
ciativas governamentais, tais como do MRE e do MD;
Falta de apoio político governamental no exterior para as indústrias de defesa;

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 105
Inexistência de programas de financiamento com juros similares aos ofereci-
dos no exterior para vendas fora do Brasil, enfraquecendo a perspectiva de
negociações dos projetos e produtos brasileiros;
Não há orientação sobre garantias bancárias das instituições governamentais,
como suporte para as vendas no exterior;
Falta de obrigação de reciprocidade direta ou indireta nos contratos de
importação das FFAA do Brasil firmadas com indústrias no exterior;
Não há benefícios ou incentivos fiscais para as exportações das nossas indústrias; e
Apoio governamental limitado para a participação em feiras no exterior.

1.9 As Forças Armadas Brasileiras

A missão das Forças Armadas Brasileiras, como instituições perma-


nentes e regulares, está prevista na Constituição Federal de 1988. Como uma
Instituição pertencente ao Estado e não ao Governo Brasileiro, as Forças
Armadas devem defender os princípios e valores da Nação Brasileira.
No Brasil, a verba orçamentária destinada às Forças Armadas é de
aproximadamente 1,7% do PIB. Outros países de grandeza similar desti-
nam em média 3,5% do PIB nessa área. Esse descaso quanto à defesa do
país prejudica sobremaneira o estabelecimento de uma Indústria de Defe-
sa adequada às reais necessidades e aspirações políticas do Brasil.
De oitava economia mundial na década de 70, o Brasil, a partir de
2000, atingiu a décima sexta colocação, considerado como um desempe-
nho péssimo. A partir de 2002, a economia brasileira tem estado pratica-
mente estagnada.
Embora que exista uma grande indisponibilidade dos MEM, as Forças
Armadas possuem excelentes estabelecimentos de ensino, principalmente
na formação de Oficiais. Os Oficiais Combatentes das Forças Armadas in-
gressam em suas respectivas Forças nas suas várias Escolas de Ensino
Médio (Naval, Aeronáutico e do Exército).

1.10 Aspectos Jurídicos

Falta-nos um orçamento determinativo, isso é, impositivo, e não auto-


rizativo, sujeito a contingenciamentos, e.g., em 2000 o Brasil vendeu para
os países das Américas do Sul, Central e Caribe US$ 4,846 milhões; e em
2001 essas exportações caíram para US$ 2,166 milhões devido à sobretaxa
de 150% sobre as exportações de armas e munições, enquanto que as im-
portações possuem alíquotas zero 2. Enquanto que nos anos 80 ocupáva-
mos o oitavo lugar em exportações, com vendas de US$ 1,5 bilhão, em

StrategicEvaluation (2007) 1
106 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

2004 atingimos apenas US$ 284 milhões, como resultante da falta de fo-
mento e investimentos no setor pelo governo.
Nosso país nunca possuiu mecanismos legais eficazes que fizessem
frente às pressões externas, fomentando a indústria, único meio de pro-
duzir tecnologia de ponta para os materiais em questão. Nos EUA, por
exemplo, existem leis como Buy America Act 3 e Small Business Act asse-
gurando as compras no mercado interno e impondo cotas para a aquisi-
ção externa de produtos que podem ser fabricados internamente, subsi-
diando, assim, a indústria interna, prática na qual deveríamos nos espe-
lhar, oferecendo privilégios e compensações em razão da menor competi-
tividade que as caracteriza. Assim sendo, as empresas são detentoras de
grande parte das divisas geradas, assim como criadoras de empregos di-
retos. Esses dispositivos legais, diferentemente do Brasil, tratam de esti-
pular quantidades mínimas para a compra interna de materiais de defesa,
incentivando a indústria, com o fim de criar bases saudáveis para o de-
senvolvimento técnico-científico.
As portarias do Ministério da Defesa (Portaria Normativa no. 899/MD,
de 19 de julho de 2005 4 e Portaria Normativa no. 586/MD de 24 de abril de
2006 5) estabelecem a arquitetura jurídica para a criação e a implementação
da Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID). Trazem fundamentos
sólidos para o almejado fim de ter-se uma Base Industrial de Defesa (BID),
forte e competitiva, porém, na prática, tem pouco efeito.
Convém mencionar outra situação crítica, qual seja, a política orça-
mentária para o setor de defesa, que como demonstrado acima, anual-
mente aprovada por Lei pelo Congresso, com base no artigo 165, I, II e III
e § 9o., da Constituição Federal, é vitima de constante contingenciamento.
Sendo certo que essa meta já é de Governo, pelo menos desde 2004, con-
forme item 76 da Orientação Estratégica de Governo para o Ministério de
Planejamento, Orçamento e Gestão, Plano Plurianual 2004-2007.

1.11 Aspectos Econômicos

O cenário de dificuldade de crescimento do PIB brasileiro pode ser in-


vertido, segundo a consultoria McKinsey (Revista Veja, setembro de
2005), porque os entraves e obstáculos podem ser removidos com algum
comprometimento da sociedade. Um bom começo seria deixar de colocar
toda a culpa nos juros e no câmbio. Juros e câmbio são fatores que pesam
em qualquer economia, mas eles não podem ser manipulados pelo go-
verno, com o objetivo de produzir surtos de crescimento. São instrumen-
tos de ajuste fino.

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 107
O estudo vem em boa hora, porque o padrão de vida dos brasileiros
avança timidamente, enquanto boa parte do mundo corre em direção ao
desenvolvimento. Entre 1995 e 2004 o PIB per capita cresceu apenas 1,5%
em média no Brasil e, no mesmo período, a renda aumentou 2,3% ao ano
nos EUA, 3,7% na Coréia do Sul, 4,1% na Índia e 7,6% na China.
O mesmo estudo mostra que a muralha, que se ergue entre os brasilei-
ros e o bem-estar trazido pelo crescimento econômico, pode ser quantifi-
cado e dividido em seis fatores de atraso: 35% atraso histórico, não dá para
mudar diretamente, são frutos de apostas erradas no passado, limitações
culturais e até geográficas; 28% informalidade, principalmente o comércio
irregular, a sonegação fiscal e o desrespeito às regras; 13% deficiências
macroeconômicas, juros altos e câmbio desvalorizado, devido aos altos
gastos públicos; 11% regulamentação, legislações trabalhistas e tributárias
inibidoras de contratações e investimentos e, burocracia que aumenta o
custo das transações; 8% serviços públicos de baixa eficiência, educação e
atendimento de saúde de má qualidade; 5% infra-estrutura, portos
ineficientes, estradas esburacadas e uso incipiente de ferrovias e hidrovias.
Este estudo fornece ao poder público um diagnóstico raro do tamanho
dos obstáculos que impedem o desenvolvimento pleno da economia bra-
sileira, no mínimo similar àqueles da China, Rússia e Índia. A sociedade
brasileira deve cobrar ação do poder público para atacar com prioridade
os problemas mencionados e quantificados acima, para que a tendência
de crescimento do PIB brasileiro seja no mínimo igual ao crescimento do
PIB daquelas economias.

FASE POLÍTICA

2.1 Cenários e Ameaças no Âmbito Sul-americano

Avaliando o comportamento dos países da América do Sul, verifica-se


que se relacionam geralmente de forma pacífica. Os conflitos mais evi-
denciados estão relacionados às guerrilhas com motivação política e ge-
ralmente ligadas ao narcotráfico que são fontes de financiamento das ope-
rações desses grupos. O MERCOSUL vem sofrendo com a instabilidade
econômica dos seus membros, fato que favorece a interferência de
potências que não desejam um Mercosul consolidado; a exemplo, dos
EUA que realiza diversos acordos bilaterais dentro do próprio bloco e
levantando a bandeira da ALCA.

StrategicEvaluation (2007) 1
108 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

Ainda no contexto político-econômico da América do Sul, o governo


da Venezuela se arma de maneira crescente; e o da Colômbia combate as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) junto à fronteira
com o Estado da Amazônia; enquanto o Governo da Bolívia ocupa refina-
rias da Petrobrás, confiscando suas instalações, decretando a nacionaliza-
ção dos seus recursos naturais e ameaçando rescindir o contrato de forne-
cimento de gás para o Brasil.
Outra questão que vem enfraquecendo bloco são agentes internos,
governos de característica populista, sem projeto ou planejamento a longo
prazo, tanto para o país quanto para o futuro do Bloco. O que interessa no
mercado sul-americano? Talvez sejamos a bola da vez para as próximas
décadas, temos petróleo, gás, minério de ferro e 1/3 da água doce do pla-
neta, biomassa, biodiversidade, forte potencial agropecuário e demais ri-
quezas. Sendo assim não podemos ignorar nossa vulnerabilidade, admi-
tindo que não temos inimigos nem ameaças.
Numa visão imediatista, realmente nosso estado de paz nos leva a
confundir paz com passividade a falta de visão estratégica. O momento
não poderia ser mais oportuno para planejar e consolidar numa agenda
pró-ativa a consolidação de um planejamento. Enxergamos o Brasil como
líder natural do Mercosul, porém as dificuldades são inúmeras dada a
fragilidade democrática e econômica de alguns países do Bloco.Os pro-
blemas internos no Brasil também assolam a visão de liderança, imagi-
nando que o poder diplomático, a vantagem geográfica, o bom relacio-
namento com os demais paises do bloco são suficientes para a consolida-
ção do Mercosul.
Não existe liderança sem força, sem força econômica, sem força de
dissuasão. O fortalecimento das FFAA deverá ser discutido em nosso país
sob a égide do mercado e da soberania nacional. O exemplo desse posi-
cionamento estratégico reside no recém fortalecimento das FFAA da Ve-
nezuela. Seu presidente vem se fortalecendo militarmente com a bandeira da
soberania nacional, devido às constantes críticas e discursos contra os EUA.
Mas a questão tanto na Venezuela quanto na Bolívia é o poder. A con-
solidação de suas bases e o reposicionamento no bloco da América Latina,
pois o maior apoio político que Evo Morales teve foi da Venezuela. Su-
gere-se que nosso governo tanto sabia da manobra da Bolívia que, estava
tranqüilo em relação ao problema do gás boliviano, pois a eleição e con-
solidação parlamentar de Evo Morales seriam confirmadas na reforma da
constituição Boliviana em 2006. Com esse cenário uma pergunta continua
a pairar – O que queremos ser ? O cenário atual não aponta para conflitos

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 109
armados a curto prazo no Mercosul, mesmo com as recentes alterações
das relações com a Bolívia e o armamento da Venezuela.
Percebe-se o desejo de sermos não apenas o líder natural da América
Latina, mas também consolidar a posição mundial de país em cresci-
mento e com grande potencial para receber investimentos, fato este le-
vantado pelo estudo dos BRICs. Almejamos essa posição, e, talvez por
isso, tenhamos cedido a pressões internacionais e nos distanciado em de-
masia de termos uma indústria de defesa forte, e por isso mesmo, moti-
vadora de desconfianças quanto às nossas reais intenções. Fato é que pos-
suímos uma indústria nacional despreparada, mas não desqualificada,
para enfrentar o mundo como exportadores de peso; situação que se re-
flete, aliás, na incômoda posição das nossas Forças Armadas .

2.2 Cenários Prospectivos Externos

O Brasil assinou tratados internacionais que o impedem de ser uma


grande potência mundial compatível com o seu território, população e ri-
quezas. Assinados por governos anteriores, trouxeram resultados lesivos
para a população brasileira. A tendência é que esses tratados deixem o
nosso país vulnerável na sua defesa contra as ambições estrangeiras, por
isso precisam ser revistos. São exemplos: O reconhecimento da China
como economia de mercado e o comércio internacional baseado em ideo-
logias ultrapassadas; o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
o que impede o enriquecimento de urânio acima de um determinado li-
mite, que trazem graves prejuízos econômicos e de desenvolvimento tec-
nológico. Nosso país é uma Nação de paz, mas se não estiver apta a de-
fender suas riquezas, outra nação apoderar-se-á delas de diversas manei-
ras de acordo com seus interesses.
O governo atual mantém a média dos vencimentos das Forças Arma-
das como sendo a mais baixa do seu mandato, deixando a profissão das
armas não atrativa aos jovens talentosos, o que significa um risco imenso
para o futuro da Nação. A história mostra que quando uma Nação não
possui suas Forças Armadas é porque outras Forças Armadas (estrangei-
ras) ocuparam o seu lugar. A exemplo do que ocorreu na Alemanha
Oriental e atualmente ocorre no Oriente Médio.
Para ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil
além de capacidade de atuar em missões de paz, deverá ter força de dissua-
são eficaz para equilíbrio interno do Bloco. O Brasil, para poder pleitear a li-
derança do Bloco, sejam eles latino americano ou sul americano, tem que

StrategicEvaluation (2007) 1
110 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

enxergar que o que falta para os países desse bloco não só para o Brasil, é o
poder de sentar-se a mesa com respaldo econômico e poder de dissuasão.
O Brasil terá que passar por uma reforma estrutural de suas FFAA,
adotar nova linguagem para abordagem aos nossos legisladores, as enti-
dades civis e os demais órgãos dos poderes constituídos. Tendo como
objetivo a importância da revitalização do poder Militar sob o foco do
mercado externo e melhor condição de barganha nas mesas e rodadas in-
ternacionais.
Com esse quadro é lógico que não teremos uma posição mundial de
um país bélico. Logo, não temos o risco de incomodar as grandes nações
nesse sentido. Isso se alia ao fato de que temos boas relações com a maio-
ria dos países e somos vistos como um país de Paz. Mas para que tenha-
mos essa posição que visualizamos, é preciso primeiro defender o que já
temos. E isso se refere a defender nosso espaço em terra, ar e mar. Antes
de nos inserirmos no mundo, é preciso fazer a lição de casa. Como defen-
der alguém se não defendemos nem a nos mesmos?
Atualmente não estamos devidamente equipados para defender nosso
espaço. 90% de nossa produção de petróleo esta no mar e 95% de nossas ex-
portações são feitas pelo mar. Atualmente a nossa Marinha não está prepa-
rada para defender minimamente nossos poços de petróleo e assegurar que
o comércio mundial ocorra sem riscos de pirataria. Nossas fronteiras terres-
tres e aéreas precisam ser melhor defendidas, para evitar principalmente o
contrabando e até mesmo a possibilidade de ocorrência de terrorismo. Logo,
é importante aumentar os investimentos em nossas forças armadas.
O desenvolvimento de tecnologias como o bio-diesel e o combustível
nuclear precisam ser continuamente desenvolvidos. Essas tecnologias
podem nos colocar mais rapidamente no cenário mundial, devido ao es-
gotamento das fontes mundiais de petróleo, usado principalmente para a
propulsão de motores.
Para isso é importante rever estrategicamente a posição que queremos
ter no mundo. Os maiores vendedores de armas fazem parte hoje do Con-
selho de Segurança da ONU. Por que não podemos começar a participar
desse comércio mundial? É possível que essa alteração de visão, junta-
mente com o crescimento das exportações, seja feito de forma estruturada
e que traga benefícios ao país. Resumindo, entendemos que o cenário
para o Brasil seria:
Assegurar a soberania de seu território (evitando entradas de estrangeiros sob
qualquer motivo que não seja legitimo ao país);
Assegurar a ocorrência do comércio mundial de forma segura;

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 111
Investir para desenvolver tecnologias que possibilite nos colocar em voga mun-
dialmente, atraindo investimentos (essas tecnologias também vem das FAS);
Participar do mercado mundial de defesa.
Liderar o Mercosul, de forma pacífica significa ter uma diplomacia com
respaldo no poder militar, devido a possível alteração de pensamento dos
líderes de nossos países vizinhos.

2.3 Cenários Prospectivos Internos

A falta de sensibilidade do Congresso Nacional em destinar verba or-


çamentária para o investimento em Segurança e Defesa Nacional gera
uma situação desconfortável para o Brasil fazer uma diplomacia com res-
paldo no Poder Militar. A tendência é que o Brasil fique cada vez mais de-
fasado em relação aos outros países de mesma relevância político-econô-
mica. O Brasil possui a ambição política de ter uma cadeira permanente
no Conselho de Segurança da ONU, que fica comprometida caso não haja
o respaldo de uma Força Militar e uma Indústria de Defesa compatível
com esta aspiração. Diplomacia com respaldo no Poder Militar.
Os movimentos sociais existentes no Brasil não objetivam o bem co-
mum e a paz social, mas o caos e a violência comprovados através de in-
vasões de propriedades e do congresso, destruição de pesquisas agrope-
cuárias e outros delitos. Estes movimentos contam com o apoio do atual
governo, inclusive com ajuda financeira (aproximadamente de 65 milhões
de reais) e distribuição de cestas básicas. Com impunidade para os seus
líderes e a omissão do governo, a tendência é que estes movimentos cres-
çam e fiquem cada vez mais violentos, podendo criar focos de antago-
nismo no território brasileiro.
Existem Organizações Não-Governamentais (ONGs) na Amazônia
Brasileira conveniadas com ONGs estrangeiras, com propósitos não cla-
ros ou inconfessáveis ao Estado Brasileiro. Há necessidade de investiga-
ção pelos Órgãos de Inteligência das Forças Armadas sobre as verdadei-
ras intenções dessas ONGs e o que elas realmente estão fazendo no terri-
tório nacional. Tais ONGs elegem Deputados Federais, que as defendem
no Congresso e criam emendas no orçamento que destinam milhões de
reais a essas entidades.
Na política interna, o Brasil deve proteger sua fronteira terrestre com
mais de 15 mil km de extensão, seu litoral com mais de 7 mil km, o espaço
aéreo de um território de mais de 8,5 milhões de km² e a chamada
“Amazônia Azul”, espaço marítimo com mais de 4,4 milhões de km².

StrategicEvaluation (2007) 1
112 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

Através desta extensa fronteira terrestre, do espaço aéreo e dos portos, é


feito o contrabando de mercadorias, drogas ilícitas e armamento, que vem
causando graves perturbações na ordem pública, como o aumento do crime
organizado e da violência. O PCC (Primeiro Comando da Capital) em São
Paulo e o CV (Comando Vermelho) no Rio de Janeiro são exemplo disso.
Na área interna do país, existem movimentos sociais como o MST
(Movimento dos Sem-Terra) o MLST (Movimento de Libertação dos Sem-
Terra), o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e outros, que
estão invadindo áreas (rurais e urbanas) e destruindo pesquisas essenciais
para o desenvolvimento agropecuário. Ações como estas poderão gerar
conflitos sociais fora do controle da segurança pública e suscitar antago-
nismos internos, que inexistem até o presente momento. Nos acampa-
mentos do MST, existem escolas para doutrinação das crianças, “sem-te-
rrinhas”, com valores, princípios e tradições contrários aos consagrados
pela sociedade brasileira, mas sustentada com o dinheiro público.

2.4 Brasil e a Não-proliferação de Armas de Destruição em Massa.

a) Armas Nucleares: Durante o Governo Collor, o Brasil assinou o Trata-


do de Não-Proliferação de Armas Nucleares, se excluindo do desenvol-
vimento de armas nucleares. Este tratado tem como objetivo de controlar
o enriquecimento de material radioativo acima de um limite determina-
do, não permitindo a fissão deste material no uso de um projeto para fa-
bricação de armas nucleares.
A assinatura do tratado provocou uma reação negativa muito grande
entre os físicos brasileiros, principalmente na UNICAMP. Há indícios que
no passado, e em sigilo, o Brasil já estava se preparando para detonar sua
primeira arma nuclear e, portanto, mostrou que possui a capacidade tec-
nológica para desenvolver uma arma nuclear. Este tratado não foi assina-
do nem pela Rússia, Índia ou China.

b) Mísseis de Longo Alcance: Em 1995 o Brasil também se associou a


MTCR – Missile Technology Control Regime. Formulado inicialmente em
1987 pelos países do G7, tem hoje 34 países membros, destacando-se entre
eles os EUA, os países da UE, Rússia, Turquia, África do Sul e Brasil.
MTCR é uma associação informal e voluntária de países que dividem o
objetivo comum de não-proliferação de sistemas de veículos não-tripula-
dos, capazes de fornecer armas de destruição em massa e que procuram a
coordenação dos esforços de licenciamento de exportação no sentido de
prevenir a proliferação de armas de destruição em massa.

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 113
Ou seja, trata-se de um entendimento e uma política comum regula-
dora de exportações de uma lista comum de itens, com o objetivo de res-
tringir a proliferação de armamentos capazes de efetuar destruição em
massa, como foguetes, mísseis, UAVs (Veículo Aéreo Não-tripulado) e
suas tecnologias e componentes correlatas. Os países do Oriente Médio
não são membros, nem Índia, Paquistão ou China.
Nada impede os vários desenvolvimentos conjuntos de sistemas que são
feitos pelos países desenvolvidos, como por exemplo EUA, Reino Unido e
França, ou mesmo entre estes e países como Rússia e China. Um fato
interessante neste sentido é que os EUA, a seu critério e unilateralmente,
impuseram sanções econômicas a empresas chinesas, e posteriormente ao
governo chinês, mesmo a China não sendo um país membro do MTCR.
Os itens controlados são divididos em duas categorias:
1. Sistemas completos de foguetes, mísseis e UAVs capazes de transportar
carga paga acima de 500kg a um alcance acima de 300km, bem como a
transferência de facilidades produtivas destes itens.
2. 3. Componentes de propulsão e propelentes, veículos de lançamentos e
de suporte, várias tecnologias e subsistemas de mísseis.

Os itens da categoria 1 têm exportação passível de análise, com forte


tendência de negação, já a transferência de tecnologia de facilidades pro-
dutivas destes itens é terminantemente proibida.
Os itens da categoria 2 são sujeitos a uma análise caso a caso, para de-
finir se as tecnologias transferidas podem ser usadas com a finalidade de
criação de armas de destruição em massa. Os mísseis com mais de 300km
de alcance e carga paga menor do que 500kg também se encaixam nesta
categoria e são analisados caso a caso.

FASE ESTRATÉGICA

3.1 Por que Investir na Indústria Nacional de Defesa?

Sustentáculo indispensável do poder de emprego militar: É de consenso


internacional que a Indústria de Defesa é um dos principais componentes
não-militares do Poder Nacional, como suporte às Forças Armadas, tanto
em tempo de paz, como fornecedora de equipamentos de Defesa, inclusi-
ve como fator de dissuasão, assim como nos tempos de guerra como ins-
trumento essencial do Potencial de Mobilização Industrial em momentos
de ameaça à Defesa Nacional, e de sustentáculo indispensável do poder

StrategicEvaluation (2007) 1
114 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

de emprego militar de um país em conflitos de longa duração. As Forças


Armadas precisam também ser capacitadas para que possam cumprir seu
objetivo constitucional.

Poder Econômico exige Poder Militar: É também sabido que no jogo in-
ternacional das Nações, aquelas de expressivo Poder Nacional, no qual se
insere a Indústria de Defesa Nacional, são mais respeitadas e ouvidas, in-
cluindo as economias emergentes, que apesar de seus problemas sociais
priorizam investimentos em suas Forças Armadas e Indústrias de Defesa,
podendo citar aqui países como Rússia, China, e Índia, que são países,
como o Brasil, de grandes territórios, PIBs medianos e muitas riquezas
naturais, que assim despertam a cobiça internacional. Neste contexto vale
lembrar que o Brasil busca assento permanente no Conselho de Seguran-
ça da ONU e se o Brasil pretende ser um líder econômico na América do
Sul, não há como fugir do fato que o sucesso desta pretensão depende de
uma Força Militar igualmente forte e dissuasiva.

A ligação das Indústrias de Defesa com a Segurança Nacional: Tradicio-


nalmente, investimentos do Governo no setor são justificados somente no
aspecto de segurança nacional, mas fatores econômicos e a perseguição de
objetivos nacionais e de política social também são justificativas impor-
tantes. Os produtos e serviços produzidos pela Indústria são utilizados
para dar suporte aos requerimentos de defesa e segurança nacional do
Governo. A Indústria está envolvida em providenciar equipamentos com
seus serviços de suporte para as Forças Armadas e outros órgãos e agên-
cias relacionados à Segurança Pública. Quando as Forças Armadas com-
pram equipamento de defesa do Exterior, as Indústrias Nacionais de De-
fesa deverão ter um papel crucial no estabelecimento dos requerimentos e
ciclo de vida destes equipamentos. Isto também permite que o Brasil
possa contribuir para cooperação internacional, paz e segurança através
de parcerias com seus aliados para desenvolvimento de tecnologia de de-
fesa. No mundo inteiro, a maioria dos governos nos países que possuem
indústrias de defesa e aeroespacial investe no desenvolvimento daquelas
indústrias. Um dos fatores para intervenção do governo é a ligação entre
a indústria e a segurança nacional. As características econômicas das in-
dústrias com seus altíssimos custos de desenvolvimento, altos riscos e pe-
ríodos longos de pagamento, aliadas à natureza cíclica do setor, também é
uma das forças que estimula o envolvimento do Governo.

Soluções mais adequadas desenvolvidas pelas Indústrias nacionais:


Outro aspecto importante é que os Sistemas de Armas concebidos, desen-

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 115
volvidos e produzidos pela indústria nacional para as Forças Armadas
Brasileiras, procuram uma solução ótima adequada aos requisitos am-
bientais, operacionais e logísticos brasileiros, diferente de Sistemas de
Armas importados concebidos de outros fabricantes para atender requi-
sitos dos seus próprios países.

Produtos com altíssimo valor agregado: Estas Indústrias de Defesa ge-


ram produtos com altíssimo valor agregado, com grande impacto na ba-
lança comercial, sendo um setor repleto de restrições de vendas e, conse-
qüentemente, as indústrias geram um cenário de fluxo de caixa extrema-
mente complexo em comparação com uma indústria de produção contí-
nua. Estas características dificultam a parte financeira para o setor pri-
vado sozinho e requer a intervenção do Governo para apoiar financeira-
mente as indústrias de defesa. Vários instrumentos deverão ser utiliza-
dos, incluindo participação do Governo, proteção no mercado doméstico,
fundos de Pesquisa e Desenvolvimento, licitações direcionadas, financia-
mento de Vendas de Exportação, conteúdo de requisitos domésticos e off-
set (exigindo mão-de-obra local com indústrias e empresas locais do setor
de defesa e aeroespacial).

Benefícios tecnológicos para o Brasil: Dentro deste ambiente de apoio, as


indústrias do setor de defesa e aeroespacial são uma força predominante,
que financia, desenha e projeta, desenvolve, produz e coloca no mercado
produtos de defesa e aeroespacial, além de mantermos cérebros e empre-
gos de alta qualificação no Brasil. Principalmente nas décadas de 70 e 80
as indústrias de defesa do Brasil foram símbolos de orgulho nacional e
desenvolvimento de alta tecnologia, com sucessos nas áreas de viaturas
de combate, sistemas de foguetes e mísseis, aeronaves, etc., e esta Base
Industrial de Defesa ainda está presente no país. O apoio para estas in-
dústrias contribui para os objetivos do Governo no sentido de ter uma
economia crescente e próspera, com empregos, inovação tecnológica e
negócios tanto no mercado doméstico como nas exportações.
Investir nas indústrias do setor de defesa e aeroespacial estimula o de-
senvolvimento de tecnologias dentro da economia brasileira, tanto na
área de defesa e aeroespacial como em outros setores da economia (spin-
offs), já que estes desenvolvimentos são a vanguarda de utilização de no-
vas tecnologias. Dentro deste aspecto podemos ressaltar áreas como
eletrônica, tecnologia de informação, maquinaria, e novos materiais.
Existem vários exemplos no Brasil de produtos para o mercado civil como
desenvolvimento de veículos especiais, antenas para comunicação via

StrategicEvaluation (2007) 1
116 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

satélite, sistemas de comunicação, sistemas de navegação, sistemas


hidráulicos, tratamento de superfícies, tintas especiais, explosivos para
mineração e construção civil, etc., todos derivados da tecnologia desen-
volvida nas indústrias de defesa.

3.2 Soluções e Ações Preconizadas

Na realidade, a solução dos problemas da Indústria de Defesa Nacio-


nal já existe na forma da Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID),
conforme portaria normativa no. 899/MD de 19 de julho de 2005, e porta-
ria no. 586/MD de 24 de abril de 2006 (aprova as Ações Estratégicas para
PNID). Porém, o grande problema das portarias é a concretização desta
Política. Para esta concretização apresentamos abaixo algumas propostas:

Política de Estado: A Defesa Nacional é essencial, e item de caráter crítico,


para a preservação de qualquer Estado democrático, percepção dividida
nos outros países emergentes e desenvolvidos. Entretanto, hoje a Política de
Defesa do Brasil está numa condição de Política Pública, ou seja, a defesa da
soberania de uma Nação de tantas riquezas, como é o caso do Brasil, está
sendo dirigida por políticos com inúmeros outros interesses.
Na sociedade civil brasileira existe atualmente uma percepção social
de baixo nível da importância da Defesa Nacional, ou seja, a grande
maioria da população não possui nenhuma sensibilidade para a necessi-
dade da Defesa Nacional, ou talvez nem saiba avaliar a importância deste
assunto. Entretanto, quando o assunto é soberania do País é preciso des-
vincular a Defesa Nacional do tratamento de Política Pública, pois trata-se
da preservação e da evolução do Estado como um todo e adotar a Defesa
Nacional como Política de Estado, onde os interesses do Estado estão
acima dos interesses do Governo e dos políticos.
Como Política de Estado, a Política de Defesa Nacional deverá distin-
guir-se do nível governamental de forma muito clara, assegurar o pleno
desempenho das funções primordiais do Estado, a conquista e manu-
tenção dos Objetivos Fundamentais e ter planos de ação e metas, visando
os interesses da Nação de independência, com uma visão de no mínimo
20 (vinte) anos para frente. Somente assim será possível garantir a futura
soberania do País, dominando as tecnologias de interesse nacional e
tendo as Forças Armadas capacitadas e bem equipadas para uma defesa
forte e dissuasiva.
Para isto, é preciso tomar algumas ações, tais como: Identificar os Ob-
jetivos Fundamentais; formular a Política de Defesa com participação do

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 117
Congresso Nacional; promover encontros de Estudos Estratégicos por ini-
ciativa do Ministério de Defesa; ampliar o debate na imprensa, institui-
ções científicas e educacionais; conscientizar e alertar a sociedade civil
desde o ensino fundamental sobre os riscos, perigos e ameaças; mobilizar
a opinião pública no sentido de não rejeitar as Forças Armadas, devido ao
passado, e para que a Defesa Nacional não seja vista com preconceito e
apenas como “coisa de militares”; buscar apoio político para que este
tema não tenha a percepção de que “não dá votos”; trabalhar no Con-
gresso Nacional com envolvimento do Ministério das Relações Exteriores
para costurar acordos partidários e diplomáticos; e, promover com clare-
za os conceitos, objetivos e recursos da Defesa Nacional.

Proposta no Âmbito Legislativo: A destinação do Orçamento para a De-


fesa deve ser impositivo e consolidado, com vinculação a uma porcentagem
específica do PIB, com mudanças nos diversos tributos que hoje não
beneficiam a indústria com compensações ou isenções. Assim sendo, não
haverá necessidade de contingenciamento de recursos já destinados, bem
como garantias legais e contratuais de empresas públicas, e.g.,royalties que
a Marinha do Brasil deixa de receber referentes à exploração de petróleo
pela Petrobrás. A fragilidade legal do presente nos impõe a proposta de
criação do PNID através de Lei Complementar, pois dentro desta
encontram-se critérios tributários que só podem ser feitos dessa forma.
Nessas questões tributárias e orçamentárias, serão mera utopia senão
tratados com o devido critério e rigor legiferante, de forma que todo esse
conteúdo, aliada às questões orçamentárias devem ser criadas por Lei
Complementar, por força do artigo 165, I, II e III e § 9o., da Constituição
Federal 6, assim como as questões que forem atinentes ao Código Tributá-
rio Nacional, que foi recepcionado como Lei Complementar pela Consti-
tuição de 1988, e assim sacramentado pelo Supremo Tribunal Federal.
Isso tudo, para que o PNID possa existir de forma pontual como tarefa
de Estado e não apenas de Governo, em virtude da importância do as-
sunto, sendo que Portaria 7 de um Ministério é ato administrativo, ou
seja, legisla sobre sua área de competência e, por mais que o Ministério de
Defesa tenha competência sobre todo o conteúdo do PNID, torna tal me-
dida suscetível de mudanças por qualquer outro governo e conseqüente
novo Ministro, como aos Órgãos ao qual está subordinado, como a Casa
Civil e a Presidência da República.

Agência Reguladora: Toda essa estrutura de defesa deveria estar a cargo


de uma autarquia em regime especial, uma agência reguladora, uma pro-

StrategicEvaluation (2007) 1
118 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

vável Agência Nacional de Defesa, com o controle dessas diretrizes, pois


têm estrutura adequada, controle rígido da sua missão, orçamento pró-
prio, controle orçamentário fiscalizado pelo TCU, que integraria todas as
decisões acerca da defesa nacional, assim como os critérios da Lei em
trâmite de Mobilização Nacional e vertentes que têm ligação direta com
atos de defesa nacional, com assento garantido aos Ministérios envolvi-
dos, assim como a Indústria de Defesa e as Forças Armadas.
Crê-se que tal criação objetiva o papel de assumir e ativar, com firme
determinação política e autônoma, os fóruns colegiados e interministe-
riais responsáveis pela formulação das políticas públicas setoriais, para
inclusive poder orientar a agência de forma clara, para que implemente
essa política com o mínimo de ambigüidade. Para tal, a criação da agência
com a lei que defina sua função específica se torna essencial.
Clara deve ser a divisão entre Estado e Governo, de forma que a criação
de uma Agência Reguladora 8 para o contexto de defesa nacional, que en-
volve fomento à indústria interna, com a conseqüente implementação da
BID e o desenvolvimento de tecnologia nacional, capaz de suportar a estru-
tura e as exigências de inovação atuais só podem ser feitas por um órgão
composto por membros do governo, das forças militares e da indústria, de
forma que essa regulação é uma forma contemporânea de ação do Estado.
Trata-se, em linhas gerais, do modo como a coordenação entre empre-
sas e os diferentes órgãos do governo e as Forças Armadas se dão quanto
à edição de normas, e cujo objetivo primordial é o de estimular, vedar ou
determinar comportamentos envolvendo determinados mercados que,
por seus traços próprios, requerem a interferência estatal. A ação regula-
dora se dá por meio de leis, regulamentos e outras regras editadas pelo
poder público e por entidades às quais os governos delegam poderes re-
guladores ou normativos. A regulação pode ser genérica, aplicando-se à
economia ou sociedade como um todo, ou setorial 9.

3.3 Visão de Futuro: Inserção das Indústrias de Defesa no Estado Brasileiro

A classificação das indústrias de acordo com sua intensidade tecnoló-


gica (OECD 1997) classifica as indústrias mundialmente em várias catego-
rias, do tipo Alta Tecnologia, Média Alta Tecnologia, Média Tecnologia e
Baixa Tecnologia. Na categoria de Alta Tecnologia quatro setores são con-
siderados:
Indústrias Farmacêuticas;
Indústrias de Tecnologia da Informação;

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 119
Indústrias Eletro-Eletrônica;
Indústrias de Defesa e Aeroespacial.

O domínio tecnológico nacional no setor de Defesa e Aeroespacial


determina que apenas este setor seja o único no campo de “Alta Tecnolo-
gia” da OECD, a possuir marcas brasileiras reconhecidas mundialmente.
Este setor viveu momentos de enorme sucesso e continuam sendo um dos
setores mais importantes do Brasil de alta tecnologia pelos seguintes fatos:
São as maiores indústrias neste setor do Hemisfério Sul;
Possuem tecnologia, produtos e marcas internacionais próprios;
São fortemente confrontadas e controladas comercial e estrategicamente
por Estados desenvolvidos, face à sua reconhecida competência.

Entretanto, o cenário do mundo globalizado de hoje exige um esforço


especial para o comprometimento de uma visão de sucesso no futuro. No
passado, o Governo Brasileiro teve uma posição crucial para este sucesso,
crescimento e desenvolvimento do setor. Porém, hoje o setor necessita um
comprometimento maior do Governo Brasileiro através de uma estratégia
coordenada em comum com as indústrias e um diálogo contínuo não so-
mente entre o Governo e as indústrias, mas também com a Sociedade Bra-
sileira. Uma parceria estratégica deverá ser o instrumento para alcançar o
sucesso renovado para o setor brasileiro da mais alta tecnologia.
Através de muito trabalho, consensos, comprometimentos e parcerias
entre o governo brasileiro, as indústrias, os trabalhadores, o Congresso
Nacional, os grupos acadêmicos desde o ensino fundamental, a imprensa
e os “formadores de opinião”, enfim a Sociedade Brasileira, os objetivos
das Indústrias de Defesa do Brasil deverão ser de pleno interesse nacio-
nal, e como segue:
Fontes de orgulho nacional pela tecnologia de excelência mundialmente
reconhecida;
Geradores de riqueza nacional e de empregos desafiadores e bem remunerados;
Indispensáveis para a mobilização militar e a segurança pública;
Contribuintes de suma importância para atingir a gama de objetivos de
políticas públicas e suas necessidades.

Para atingir esta visão todas as entidades mencionadas acima deverão


trabalhar em conjunto e tomar ações estratégicas no sentido de contribuir
para uma Política de Estado e para que as Indústrias de Defesa possam ter:

StrategicEvaluation (2007) 1
120 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

Uma massa crítica com posição de líderes mundiais, cada um dentro do


seu segmento de mercado;
Documentação Técnica sólida e capacidade de Integração de Sistemas de-
ntro da cadeia de entrega;
Soluções criativas e compreensivas bem como suporte técnico “in-house”
durante o ciclo de vida completa dos equipamentos;
Uma base sólida para servir clientes no mundo inteiro;
Liderança e respeito mundial na inovação tecnológica e nível de produção;
Capacidade para derrotar os concorrentes mundiais nos seus nichos de
mercado e sustentar estas posições como líderes;
Uma taxa de crescimento e um retorno de investimento acima da média
em comparação com outras indústrias de defesa mundialmente.

É preciso que o Congresso Nacional e a Sociedade Brasileira conside-


rem as Indústrias de Defesa do País como contribuintes para a Política
Nacional e não como um “tabu”. O Governo Brasileiro deverá desenvol-
ver uma Política de Estado com Planejamento Estratégico de no mínimo
20 anos, conforme acontece em outros países desenvolvidos, e estar to-
talmente comprometido com metas e planos de ação para fazer a sua
parte, aplicando recursos e novas políticas numa forma coordenada nas
Forças Armadas e nas Indústrias de Defesa, assim considerando e reco-
nhecendo a importância estratégica deste setor e focando esforços nas se-
guintes áreas, consideradas como “7 pilares” da visão futura das Indús-
trias de Defesa:

Assegurar Investimentos na Defesa: Programas e projetos sustentáveis,


grandes e de vários anos representam algumas das melhores oportunida-
des de crescimento ao longo prazo para os setores de Defesa e Aeroespa-
cial e são cruciais para o sucesso deste setor. Além de benefícios de negó-
cios, programas grandes representam oportunidades de acesso para tec-
nologia nova e desenvolvimento bem como consagração de relaciona-
mentos de negócios duradouros mundialmente. Este acesso é crítico no
nosso mundo globalizado, já que as nossas indústrias estão competindo
para conseguir negócios futuros no mundo inteiro.

Desenvolvimento de Tecnologia e Comercialização: As Indústrias de


Defesa e Aeroespacial estão fundamentadas em produtos com os melho-
res níveis de tecnologia que são conectados diretamente com investi-
mentos em Pesquisa e Desenvolvimento. Para que estas indústrias pos-
sam ter sucesso precisam de investimentos sustentáveis nos produtos e
inovações de processo em todos os níveis da cadeia de fornecedores, um

StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 121
Governo comprometido no sentido de aumentar os níveis de Pesquisa e
Desenvolvimento realizados no Brasil promovendo o desenvolvimentos e
aplicação de tecnologias que poderão definir o crescimento deste setor,
parcerias entre as empresas, universidades, indústrias, governo e outras
organizações, etc.

Desenvolvimentos de Recursos Humanos: Recursos Humanos bem trei-


nados, criativos e adaptáveis são necessários para uma boa performance
em Pesquisa e Desenvolvimento bem como nos processos de produção e
de negócios, o Brasil está enfrentando grandes desafios neste sentido. É
necessário que o Governo apoie projetos de desenvolvimento de habili-
dades inovadores no setor das Indústrias de Defesa e Aeroespacial.

Política de Negócios e Iniciativas de Desenvolvimento de Negócios:


Está mais que provado que produtos e serviços do setor brasileiro da in-
dústria de defesa e aeroespacial estão dentro da classe mundialmente re-
conhecida e podem competir com sucesso no mercado internacional. Para
continuar ocupando esta posição, e ainda conquistar novos mercados, as
indústrias requerem mais cooperação do Governo, principalmente no as-
pecto político, para a geração de oportunidades novas de negócios, tanto
nos mercados já estabelecidos como nos mercados considerados novos. O
Governo deverá, em conjunto com as indústrias, desenvolver uma estra-
tégia compreensiva de investimentos e negócios, focando na promoção
das capacidades industriais de defesa no Exterior.

Financiamento de Vendas: Acesso de financiamento de vendas é essen-


cial para o futuro sucesso das indústrias de defesa e aeroespacial, ou seja,
apoio de financiamento do Governo Brasileiro com parâmetros de finan-
ciamento e garantias bancárias estabelecidos é um complemento comer-
cial para fechamento do negócio. Isto permite que as empresas brasileiras
possam competir no Exterior com apoio do seu Governo, fator decisivo,
em muitos casos, tanto no lado político como no lado comercial, permi-
tindo acesso para desenvolvimento de mercados novos e emergentes.

Segurança e Ambiente: As indústrias de defesa e aeroespacial possuem um


papel chave para proteger os interesses brasileiros bem como respeitar a lei
e a ordem num Brasil que está cada vez mais necessitando maior Segurança
Pública e Defesa Nacional. Também providenciam um apoio incalculável
para o monitoramento e proteção do nosso ambiente e nossas riquezas.

Compras e Licitações: Grande parte dos equipamentos adquiridos pelas


Forças Armadas é importado, desmoralizando, assim, as indústrias na-

StrategicEvaluation (2007) 1
122 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa

cionais, já que, em muitos casos, existe parque fabril e condições técnicas


de fabricar estes equipamentos nas indústrias nacionais de defesa e aero-
espacial. Há a premente necessidade de introdução de mecanismos para
melhor proteger as indústrias nacionais de defesa e aeroespacial bem
como a criação de um ambiente que utiliza os recursos tecnológicos exis-
tentes nas indústrias nacionais.

Para que esta visão seja implementada, a plena concretização da Polí-


tica Nacional da Indústria de Defesa (PNID), conforme portaria normati-
va no. 899/MD de 19 de julho de 2005, e portaria no. 586/MD de 24 de
abril de 2006 (aprova as Ações Estratégicas para PNID), é imperativo.

CONCLUSÃO

É inconcebível que o Brasil continue com a atual política de governo


referente às Forças Armadas e à Indústria Nacional de Defesa. Tal cons-
tatação não reflete a devida importância que o patrimônio do Estado Bra-
sileiro exige, deseja e merece. Por meio do presente trabalho esperamos
ter demonstrado claramente a seriedade e a urgência que o tema exige. É
nosso desejo que tal premência seja contemplada o quanto antes possível,
a fim de que as necessidades estratégicas do Estado Nacional sejam aten-
didas. Investir na Indústria Nacional de Defesa é investir no Brasil.

*
Camilo Matias Saraiva, Cesar Tadeu Lopes Piovezanni, Eliandro Lopes de Sousa,
Gerson Carvalho Novaes, Hans Damgård Kristensen, Hulgo Leonardo Pias
Sarmento, José Sérgio Teixeira Pinto, Luiz Carlos Quadrante Júnior, Ricardo
de Souza Esper e Vasco de Jesus Rodrigues são funcionários de diversas
empresas brasileiras do setor de defesa. Sob a denominação ‘Grupo
Bagatelle’ elaboraram o presente trabalho no marco do Curso de Gestão
de Recursos de Defesa, oferecido em virtude de um convénio entre a
Federação das Indústrias de São Paulo e a Escola Superior de Guerra.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

ALUISIO SÉRGIO TORRES FILHO

Globalização e a indústria de defesa nacional


Efeitos e possíveis ações estratégicas de estímulo à
indústria aeroespacial e de fabricação de munição e armas leves*

Globalization and national defence industry


Effects and possible strategic actions to stimulate
aerospace and light weapons industries

Resumo: Analisa-se o processo de globalização da economia com os objetivos de


identificar seus efeitos nos setores aeroespacial e de fabricação de munição e armas
leves da Indústria de Defesa Nacional e de propor ações estratégicas para o apro-
veitamento desse processo em benefício do País. Como resultado, sugere-se a
adoção das seguintes ações estratégicas para estímulo à Indústria de Defesa Nacio-
nal: alteração do modelo de gestão das instalações industriais do setor de defesa
pertencentes ao Estado; emprego de novos procedimentos para seleção das organi-
zações responsáveis pela manutenção e reparo do equipamento das Forças Arma-
das; reavaliação dos critérios para uso de cláusulas de offset em contratos para ob-
tenção ou modernização de meios; e revisão do posicionamento do Governo em relação
a projetos multinacionais para desenvolvimento de material de emprego militar.
Palavras-chave: Globalização; indústria de defesa.

Abstract: In this article, the economic globalization process is analyzed with the purposes
of investigating its effects on the aerospace, ammunition and firearms sectors of the Brazil-
ian Defense Industry and of proposing strategic actions to make use of this process for the
benefit of the country. As a result, a series strategic actions to support the Brazilian De-
fense Industry are proposed: to modify the managing models used by state-owned compa-
nies of the defense sector; to adopt new procedures to select repair and overhaul organiza-
tions of military equipment; to change the criteria for the use of offset clauses in contracts to
modernize or obtain equipment; and to alter government positioning regarding multinatio-
nal projects to develop military material.
Keywords: Globalization; defence industry.

*Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito de conclusão


do Curso de Política e Estratégia Marítimas. Orientador: CMG Teixeira Martins.
124 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

INTRODUÇÃO

O projeto do futuro avião de emprego tático das Forças Armadas dos


Estados Unidos da América (EUA) e países aliados, o Joint Strike Fighter
(JSF), foi orçado em US$ 18,9 bilhões e envolve atividades nos EUA, Reino
Unido, Itália, Canadá, Dinamarca, Holanda, Noruega, Turquia e Austrá-
lia, para a fabricação de cerca de 2.600 aeronaves (Lockheed; Clark, s/d).
A European Aeronautic Defence and Space Company (EADS) foi criada
em 2000, com sede na Holanda, reunindo empresas da França, Alemanha
e Espanha e transformando-se na sétima maior indústria de defesa do
mundo, com faturamento anual de cerca de US$ 43 bilhões, investimento
em pesquisa e desenvolvimento em torno de US$ 2,6 bilhões e uma linha
de produtos incluindo aviões, helicópteros, mísseis, satélites e seus veí-
culos lançadores (Defence News; EADS). A próxima classe de navios-aeró-
dromos do Reino Unido, segundo o programa Future Aircraft Carrier
(CVF), será projetada e construída pela empresa BAe Systems e pelo
Grupo Thales, a primeira criada pela fusão em 1999 das empresas British
Aerospace plc, do Reino Unido, com a Marconi Eletronic Systems, dos
EUA, e o segundo formado por indústrias da França, Reino Unido, EUA,
Alemanha e África do Sul (Chuter, 2005; Schmitt, 20006; Thales, s/d).
Essas notícias parecem indicar uma tendência à globalização das in-
dústrias de defesa, induzindo a questionamentos sobre os seus possíveis
efeitos na Indústria de Defesa do Brasil. Nossa indústria poderá sobrevi-
ver, competindo com esses grupos empresariais? Há benefícios no envol-
vimento de nossas empresas no processo de globalização? Há maneiras
de o Estado intervir nesse processo, de forma a torná-lo compatível com a
Política de Defesa Nacional?
A motivação desta monografia é, essencialmente, responder a essas
três perguntas, o que leva ao estabelecimento de dois propósitos para o
estudo a ser efetuado: identificar os efeitos da globalização na Indústria
de Defesa Nacional e determinar as possíveis ações estratégicas, para uti-
lizar o aparentemente inevitável processo de globalização dessa indústria
em benefício do País. A abordagem se limita à indústria aeroespacial e a
de fabricação de munição e armas leves, por serem atualmente os setores
de maior expressão na Indústria de Defesa Brasileira, cujo desenvolvi-
mento está diretamente associado à globalização. A indústria de constru-
ção naval militar, praticamente a cargo da Marinha do Brasil (MB), e a de
fabricação de armas pesadas e carros de combate, que, após seu apogeu na
década de 80, praticamente se extinguiu com a falência da Engesa, não são
tratadas neste trabalho, embora seja considerável o potencial da glo-

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 125
balização da economia para a expansão desses setores. Considerou-se
também necessária uma restrição da abrangência do termo “globalização”,
tratada no apartado 2, de forma a incluir apenas seus aspectos econômicos.
Para a análise do tema, apresenta-se, no apartado 3, uma síntese da
situação da indústria de defesa no mundo, com a finalidade de identificar
o nível de globalização de suas atividades e as ações governamentais to-
madas para seu estímulo. A situação da indústria de defesa brasileira é
tratada no apartado 4, com ênfase no seu relacionamento com compa-
nhias estrangeiras e na importância das exportações, analisando-se, sem-
pre que disponíveis, os dados financeiros das empresas, para avaliar seu
grau de sucesso. O apartado 5 é dedicado à apresentação da legislação e
das atuais políticas do Governo aplicáveis ao setor. Esses três apartados
são, portanto, descritivos e se destinam à visualização do contexto no
qual se insere a Indústria de Defesa do Brasil.
O apartado 6 trata da visão acadêmica dos aspectos positivos e nega-
tivos da globalização. A comparação desses aspectos com a situação da
nossa indústria, abordada no apartado 4, permite cumprir o primeiro
propósito da monografia, que é o de identificar os efeitos da globalização
já percebidos na Indústria de Defesa Nacional. Tal comparação, realizada
no apartado 7, é complementada por uma avaliação, pouco promissora
por sinal, da provável evolução do setor industrial de defesa, caso não
sejam tomadas ações estratégicas no sentido de estimulá-lo.
A análise de possíveis medidas governamentais em benefício da in-
dústria de defesa e, conseqüentemente, do País, pelo vínculo existente
entre a solidez dessa indústria e a Defesa Nacional, é apresentada no
apartado 8. Assim, no que corresponde ao segundo propósito da mono-
grafia, são propostas ações estratégicas para atenuar os efeitos negativos
da globalização e intensificar os efeitos positivos, levando-se em conta as
ações já estabelecidas pelo Ministério da Defesa (MD), as medidas com
objetivo similar tomadas por outros países, citadas no apartado 3, bem
como a legislação e as diretrizes governamentais relacionadas ao setor de
defesa, apresentadas no apartado 5. No apartado 9, de conclusão, são
respondidas as três questões sobre o futuro da Indústria de Defesa
Nacional, formuladas no início desta introdução, tendo em vista as
análises efetuadas ao longo do texto.

DEFINIÇÃO DE GLOBALIZAÇÃO

Por mais difundida que seja a discussão sobre o assunto, não parece
haver uma definição única para o termo “globalização”. Analisando-se as

StrategicEvaluation (2007) 1
126 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

definições citadas por Wolf e Pollack (2002), essas são, por vezes, dema-
siadamente genéricas como “intensificação de relações sociais em escala
mundial […], de forma que acontecimentos locais são influenciados por
eventos que ocorrem a milhares de milhas de distância” (Anthony Gid-
dens, 1990); estritamente relacionadas às transações comerciais e financei-
ras internacionais como “crescimento da interdependência econômica
entre países pelo aumento do volume de transações de produtos, serviços
e capital, assim como pela difusão mais rápida de tecnologia” (FMI, 2000);
ou mesmo exclusivamente aplicáveis ao setor de defesa como “globaliza-
ção não é uma opção política, mas um fato [...] a realidade emergente é
que as Forças Armadas de todas as nações estão compartilhando essen-
cialmente a mesma base industrial de equipamentos de defesa de escala
global” (Donald Hicks, 2000).
O propósito de tratar, nesta monografia, dos efeitos da globalização
na indústria sugere a adoção de definição relacionada à globalização da
economia, desconsiderando-se a aplicabilidade do termo “globalização”
também para referenciar temas como a difusão cultural e a interdepen-
dência entre mercados financeiros, entre outros. Neste sentido, considera-
se apropriada a abordagem adotada por Santarelli e Figini (2002), que
trata da globalização como uma fase do desenvolvimento de economias
de mercado, caracterizada pela eliminação de barreiras para o comércio
de produtos e serviços, menor participação do Estado na economia e
transferência de decisões dos Estados para entidades internacionais, como
a Organização Mundial do Comércio.
Tangredi (2002), ao tratar da definição do termo “globalização”, cita o
seguinte trecho de reportagem publicada em jornal americano: “Isto, com
o vasto aumento na rapidez de comunicações, multiplicou e reforçou os
elos entre os interesses das nações, que agora formam um sistema articu-
lado, não apenas prodigioso em termos de tamanho e atividade, mas
também de excessiva sensibilidade, inigualável em épocas passadas”. O
interessante desse trecho de reportagem é que foi publicado em 1902, e
seu autor foi Alfred Thayer Mahan, conhecido como um dos fundadores
da geopolítica e precursor do conceito de Poder Marítimo. Globalização,
portanto, não é um fenômeno recente.
Wolf e Pollack (2002) analisam a intensidade do processo de globali-
zação ao longo dos anos, adotando como parâmetro comparativo o per-
centual do total mundial de exportações em relação ao somatório dos
produtos internos brutos dos países, no período de 1870 a 1999. Os resul-
tados indicam que o processo apresenta variações periódicas de intensi-
dade e que, na década de 90, considerada por muitos como um período

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 127
de grande aceleração da globalização, ocorreu, de fato, uma redução
desse percentual de 17,3% em 1995 para 15% em 1999.
A nova e marcante característica do processo de globalização é a cha-
mada “divisão internacional do trabalho”, que se evidencia pela transferên-
cia de atividades fabris de países desenvolvidos para países em desenvolvi-
mento e pela participação das indústrias de diversos países na fabricação de
determinados produtos. Inicialmente típica da indústria automobilística, a
divisão internacional do trabalho se tornou praticamente obrigatória na in-
dústria aeroespacial e tende a tornar-se modelo para as demais.
Nesta monografia, serão analisados os aspectos da globalização da
economia citados por Santarelli e Figini (2002), complementados pelos
decorrentes da divisão internacional do trabalho, o que envolverá a análi-
se de tópicos, tais como a criação de grupos transnacionais a partir de
processos de aquisição e fusão de empresas, a importância das exporta-
ções para a indústria de defesa, os programas internacionais para a obten-
ção de material de emprego militar, a participação de grupos estrangeiros
em companhias brasileiras de capital aberto, a privatização de empresas e
a interferência de entidades internacionais em decisões, até recentemente,
de competência exclusiva dos Estados.

SITUAÇÃO DA INDÚSTRIA DE DEFESA NO MUNDO

Indústria Aeroespacial

Segundo Schmitt (2000), a indústria aeroespacial nos EUA passou por


um processo de consolidação de 1993 a 1997, por meio de aquisições e
fusões de empresas, estimulado e em parte financiado pelo Governo
norte-americano, tendo em vista a perspectiva de redução do orçamento
de defesa então existente. Essa reestruturação, encerrada em 1998,
quando o Governo se opôs à fusão da Lockheed Martin com a Northtrop
Grumman, temendo a falta de competição, determinou que essas duas
companhias, juntamente com a Boeing, concentrassem as principais in-
dústrias do setor aeroespacial.
A consolidação da indústria aeroespacial nos EUA, de acordo com
Schmitt, foi um dos fatores que determinaram uma reestruturação similar
da indústria aeroespacial na Europa, que temia a perda de competitivida-
de com as três grandes empresas americanas. Outros fatores teriam sido
os custos crescentes para pesquisa e desenvolvimento, a redução dos or-
çamentos de defesa e a mudança de comportamento dos governos, que,

StrategicEvaluation (2007) 1
128 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

com menos recursos, passaram a adotar uma postura similar à de clientes


civis, procurando menores custos. Schmitt enfatiza o aumento dos custos
com pesquisa e desenvolvimento e exemplifica, citando Quilè e Chaveau,
que os custos dos programas das aeronaves Mirage III (1960), Mirage F-1
(1973), Mirage 2000 (1983) e Rafale (1998) foram sempre crescentes, co-
rrespondendo a cerca de € 1, 4, 16 e 31 bilhões, respectivamente.
A reestruturação da indústria aeroespacial européia, facilitada pelo his-
tórico de cooperação industrial em diversos programas de desenvolvimento
de aeronaves, teve características especiais em relação à reestruturação oco-
rrida nos EUA, pois, além do processo de consolidação, houve ênfase na ra-
cionalização de processos e na diversificação de serviços prestados, que pas-
sou a incluir serviços de manutenção e logística para as FAS.
A transferência dos serviços de manutenção e logística para as indús-
trias de defesa foi uma forma das Forças Armadas compensarem a dimi-
nuição de encomendas e, ao mesmo tempo, buscarem a redução de cus-
tos, beneficiando-se da capacidade de gerenciamento industrial e comer-
cial das empresas, de acordo com Schmitt. Como exemplo, pode-se citar o
interesse do Reino Unido de transferir toda a manutenção das aeronaves
Tornado para a BAe Systems e Rolls-Royce, que, estima-se, proporcionará
uma economia de ₤ 1,5 bilhões em um programa de 10 anos (Chuter, 2005).
No que se refere ao processo de consolidação da indústria, foram
criados três grandes grupos transnacionais - EADS, BAe Systems e Thales
- por meio de fusões e aquisições, de forma análoga ao ocorrido nos EUA.
A consolidação, no caso europeu, não impede a participação de empresas
pertencentes a grupos comerciais distintos em um mesmo programa de
desenvolvimento de aeronaves e evidencia uma complexa relação de
controle acionário, que permite o envolvimento de companhias de menor
porte, como a Dassault Aviation e o Grupo Finmeccanica, nos principais
programas europeus (Vlachos-Dengler, 2002). Essa combinação de conso-
lidação de empresas e participação acionária em outras é o que permite ao
grupo EADS manter sua atuação nos setores de fabricação de aviões, heli-
cópteros, mísseis, satélites e seus veículos lançadores, conforme citado na
introdução desta monografia (EADS).
É oportuno observar que alguns desses grandes grupos transnacionais
não se limitam à atuação no segmento aeroespacial. A Northrop Grum-
man, por exemplo, atua também na área de construção naval, por inter-
médio da Northrop Grumman's Ship Systems (NGSS), que participa de
diversos programas de construção de navios para a U.S. Navy e U.S.
Coast Guard (Northrop Grumman, s/d). A BAe Systems possui empresas

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 129
no setor de armas de emprego terrestre nos EUA, Reino Unido, África do
Sul e Suécia, com capacidade de fabricação de carros de combate, canhões
e munição. No segmento de construção naval, a BAe Systems participa de
importantes programas para o Governo britânico, como o desenvolvi-
mento dos submarinos nucleares da Classe Astute, o projeto das Fragatas
tipo 45 e o programa CVF para construção de dois navios-aeródromos
(BAE Systens). O Grupo Thales, por sua vez, possui capacidade de inte-
gração de sistemas em projetos de navios de guerra e participa dos estu-
dos relativos aos programas CVF e PA2, este referente à construção do
segundo navio-aeródromo da Marinha Francesa (Thales).
No caso da Federação Russa, há intenção de consolidar as indústrias de
aviação, criando a Unified Aircraft Corporation (OAK), com a fusão das
companhias estatais Sukhoi, MiG, Tupolev e Ilyushin e da empresa privada
Irkut. A meta é colocar a OAK entre as cinco maiores indústrias de aviação
do mundo, com faturamento anual de US$ 7 bilhões, 60% no setor de
defesa, e assegurar a competitividade da indústria aeronáutica russa, frente
aos grandes grupos americanos e europeus. O novo grupo empresarial
russo teria estrutura administrativa semelhante à da EADS e poderia ter seu
capital aberto a investidores estrangeiros. A criação da OAK, originalmente
prevista para dezembro de 2003, foi adiada para dezembro de 2006, por
dificuldade de consenso entre os setores envolvidos (Pronina, 2005).
Na Índia, a Hindustan Aeronautics Limited (HAL) é uma empresa
estatal que fabrica aeronaves sob licença da MiG e BAe Systems, bem
como motores de emprego aeronáutico sob licença da Rolls-Royce (Reino
Unido), Honeywell (EUA) e Turbomeca (França). Em conjunto com a en-
tidade de pesquisa estatal Defence Research and Development Organisa-
tion (DRDO), a companhia já desenvolveu um helicóptero leve, o Advan-
ced Light Helicopter (DHRUV), e está concluindo o desenvolvimento de
um avião de multiemprego, o Light Combat Aircraft (LCA), um projeto
iniciado na década de 80, que tornará a Índia um dos poucos países capa-
zes de construir aeronaves supersônicas. Há também estudos para o de-
senvolvimento de uma aeronave de combate de médio porte, cujo projeto
e construção de dois protótipos foram orçados em US$ 1,5 bilhão. A glo-
balização de suas atividades se caracteriza pelo uso de equipamentos im-
portados em seus projetos, embora haja um esforço para substituí-los,
como no caso da aeronave LCA, que deverá utilizar o motor Kaveri de-
senvolvido na Índia. A HAL também fornece itens de fuselagem para a
Boeing, Airbus, Stork Aerospace e BAe Systems (Raghuvanshi, 2004;
Hindustan Aeronautics Ltd.; Aeronautical Development Agency).

StrategicEvaluation (2007) 1
130 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

O Defense Research and Development Laboratory (DRDL), subordi-


nado ao DRDO, é responsável pelo desenvolvimento de mísseis (Nuclear
Threat Initiative, 2003). Seus atuais programas incluem o Trishul (superfí-
cie-ar de curto alcance), Akash (superfície-ar de médio alcance), Nag (an-
titanque), Prithvi (superfície-superfície de curto alcance), Agni e Surya
(superfície-superfície de médio alcance), Dhanush (versão naval do
Prithvi), Sagarika (cruise de curto alcance), Astra (ar-ar beyond-the-visual-
range) e Brahmos (cruise antinavio).
O grupo aeroespacial Denel Limited, da África do Sul, desenvolve os
mísseis ar-ar (A-Darter), antitanque (Ingwe e Mokopa) e superfície-ar
(Umkhonto-IR), além do helicóptero de ataque Rooivalk, bombas guiadas
e veículos aéreos não tripulados, todos com projeto próprio. A Denel, que
também fabrica canhões e munição, foi fundada em 1992, a partir das
instalações industriais da Armaments Corporation of South Africa
(Armscor), criada em 1968 e responsável pelo bem-sucedido programa de
desenvolvimento da indústria de defesa do país, apesar do (ou estimula-
do pelo) embargo comercial sofrido pela África do Sul, enquanto perdu-
rou sua política de segregação racial. As exportações correspondem a 56%
das vendas do grupo, que obteve um faturamento de 4,4 bilhões de ran-
des (cerca de US$ 700 milhões) em 2004 (Denel; Globalsecurity).
No Chile, a Empresa Nacional de Aeronáutica de Chile (ENAER) é uma
companhia estatal que fabrica a aeronave de treinamento básico T-35 Pillán
e presta serviços de manutenção em aeronaves e motores para a Força
Aérea do Chile e empresas civis. A ENAER também fabrica itens da
fuselagem das aeronaves ERJ-135 e ERJ-145, da Embraer; Falcon 900 e 2000,
da Dassault Aviation; e CASA CN-235 e C-295, da EADS. É, portanto, uma
companhia que se envolveu com a divisão internacional do trabalho e que
soube diversificar suas atividades entre os mercados civil e militar (Enaer).
Na Argentina, a Fábrica Militar de Aviones (FMA) foi privatizada em
1995, passando ao controle da Lockheed Martin, com o nome Lockheed
Martin Aircraft Argentina S/A (LMAASA). A empresa fabrica a aeronave
de treinamento avançado e de ataque leve AT-63 Pampa, além de prestar
serviços de manutenção em aeronaves e motores de emprego militar e ci-
vil, tendo firmado em 2005 um contrato para a manutenção das aeronaves
AF-1 da MB (Cicalesi; Gaizo, 2005; Lockheed Martin Aircraft Argentina).
Deve-se ressaltar, no entanto, que a divisão de tarefas entre as com-
panhias de diversos países, importante característica no atual processo de
globalização da economia, não se restringe ao fornecimento de itens de
fuselagens pelas fábricas de países em desenvolvimento para as grandes

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 131
empresas do setor aeroespacial. Essa divisão de tarefas é observada de
forma intensa também em programas de desenvolvimento de novas ae-
ronaves, permitindo a divisão de investimentos e riscos entre as indús-
trias participantes. Esses programas são lançados com o compromisso de
diversos países na aquisição da aeronave, o que, por si só, reduz o risco
do projeto e assegura uma escala mínima de produção. Os países que ad-
quirem os primeiros lotes de aeronaves são, normalmente, aqueles que
são sede das indústrias que participam do programa e que, assim, pro-
movem não só a renovação de seus meios de defesa, como garantem en-
comendas para sua indústria e o desenvolvimento de sua tecnologia.
O programa JSF, citado na introdução desta monografia, é um exem-
plo desse novo tipo de gerenciamento de projetos. Esse programa para
desenvolvimento de uma nova aeronave de emprego tático, gerenciado
pelo grupo norte-americano Lockheed Martin, envolve nove países, divi-
didos em três níveis de participação, em função dos investimentos reali-
zados na fase de projeto e desenvolvimento. Os participantes do 1º nível
são os EUA e o Reino Unido, e os do 2º nível são a Holanda e Itália, que
investirão US$ 19 bilhões, US$ 2 bilhões, US$ 800 milhões e US$ 1 bilhão,
respectivamente. Os demais países pertencem ao 3º nível, com investi-
mentos entre US$ 200 e 400 milhões, com menor participação nas decisões
referentes ao programa, porém com o direito de suas indústrias disputa-
rem as concorrências para prover serviços e materiais (Lockheed Martin,
s/d; Clark, 2002 Opall-Rome, 2002).
O desenvolvimento de um avião de superioridade aérea e combate ao
solo, o Eurofighter Typhoon, é outro exemplo de programa internacional,
com a participação da Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido. O pro-
jeto, que prevê a fabricação de 620 aeronaves, é gerenciado por um órgão
da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a NATO Eurofighter and
Tornado Management Agency, por meio de dois consórcios especial-
mente criados para o programa: Eurofighter GmbH, com participação da
Alenia Aeronautica, BAe Systems e EADS; e o EUROJET Turbo GmbH,
envolvendo a MTU Aero Engines (Alemanha), Rolls-Royce (Reino
Unido), Avio (Itália) e Industria de Turbo Propulsores (Espanha). A di-
visão de tarefas entre as empresas é determinada pelo número de aerona-
ves a ser obtido pelo país (Eurofighter Typhoon).
Uma outra estratégia comum no setor aeroespacial, mesmo antes da
formação dos grandes grupos transnacionais, é a dedicação também ao
setor de aviação civil, para compensar eventuais reduções de encomendas
militares. Smith (2000) apresenta gráfico com a proporção de faturamento
entre os mercados civil e militar das principais empresas do setor aeroes-

StrategicEvaluation (2007) 1
132 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

pacial, no qual se verifica que o percentual do mercado militar é inferior a


50% em todas elas, com exceção da Lockheed Martin e da BAe Systems.
No caso da formação da OAK, pode-se observar um interesse na união de
indústrias com produtos quase que exclusivamente voltados para o mer-
cado militar, como as companhias MiG e Sukhoi, com fabricantes de ae-
ronaves comerciais, como Tupolev e Ilyushin. De forma resumida, a
indústria aeroespacial de defesa no mundo apresenta as seguintes
características de interesse para o tema desta monografia:

a) Foram formados grandes grupos transnacionais, que apresentam


competitividade superior à de indústrias nacionais atuando isolada-
mente, pela capacidade de efetuarem os elevados investimentos
atualmente necessários para o desenvolvimento de novos projetos.
Observa-se, no entanto, que esse processo de consolidação se mantém
essencialmente dentro dos blocos comerciais usuais - EUA, União Eu-
ropéia e Ásia - com exceção da BAe Systems, constituída por indús-
trias com instalações nos EUA e na Europa.
b) As companhias nacionais, normalmente com forte apoio estatal,
ainda conseguem desenvolver projetos de aeronaves e mísseis, porém de
complexidade moderada. A Índia e a África do Sul são países em desen-
volvimento, que possuem empresas nacionais com bom nível tecnológi-
co. Na América do Sul, excetuando o Brasil, não há indústrias com signi-
ficativo grau de desenvolvimento tecnológico no setor aeroespacial.
c) Há preocupação na diversificação dos serviços e produtos forneci-
dos pelas indústrias, de modo a assegurar a lucratividade em caso de
falta de demanda em um segmento específico. As opções para diversi-
ficação incluem: atuação no mercado de aviação comercial; prestação de
serviços de manutenção para as Forças Armadas; e fabricação de itens
estruturais utilizados em aeronaves montadas por companhias maiores.
d) Os novos programas de desenvolvimento de aeronaves militares
envolvem empresas de diversos países. A divisão de trabalho entre as
mesmas é proporcional ao montante dos investimentos efetuados pe-
los governos dos seus respectivos países.

Indústria de Munição e Armas Leves

Nos EUA, 70% das aquisições de munição e armas leves do governo


são feitas em empresas privadas (Hix, 2003). Atualmente, há discussão
sobre a necessidade de reorganização das 16 instalações do Exército
norte-americano destinadas à fabricação de armamento leve e munição,

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 133
analisando-se a conveniência da consolidação ou privatização dessas
instalações ou mesmo da criação de uma companhia governamental para
privatizar algumas atividades, porém mantendo-se o controle estatal so-
bre o seu patrimônio. A reorganização, caso ocorra, poderá seguir o
exemplo do Canadá, que, de 1965 a 1986, privatizou toda a sua indústria
de armamento leve e de munição, concentrando a maior parte das instala-
ções na Canadian Arsenals Limited, posteriormente adquirida pela SNC
Technologies (Hix; Held; Pint, 2004).
O redimensionamento das fábricas de munição americanas é trata-
do por Matthews e Scully (2004), em reportagem sobre a atual necessi-
dade dos EUA de importar munição de calibre 5,56 mm da Israel Mili-
tary Industries (IMI), tendo em vista que a única fábrica de proprieda-
de do governo que produz esse tipo de munição, a Lake City Army
Ammunition Plant, sob gestão privada da Alliant Techsystems (ATK),
não está conseguindo atender à demanda das Forças Armadas dos
EUA. É interessante observar que uma das medidas em análise para
evitar a repetição desse tipo de dificuldade é a contratação de empresas
privadas para fornecimento de munição, fabricando-a ou obtendo-a de
outras indústrias, eliminando a necessidade de gerenciamento do pro-
cesso de compra por órgãos governamentais.
No setor de armas leves, o Herstal Group é um exemplo de grupo
multinacional, formado pela empresa Herstal e duas grandes subsidiá-
rias, a FN Herstal, que produz armamentos para emprego militar e poli-
cial, e a Browning - U.S. Repeating Arms Company, especializada em ar-
mamento de caça. O grupo, com instalações industriais na Bélgica e EUA,
é o fabricante original dos fuzis 7,62 mm FAL, produzidos sob licença em
diversos países, e atualmente fornece metralhadoras, fuzis, pistolas e mu-
nição de pequeno calibre. Uma empresa do grupo, a FN Manufacturing
USA, fabrica os conhecidos fuzis M16 em uso pelas Forças Armadas dos
EUA (The Herstal Group; FN Manufacturing). Outro exemplo é a Heckler
& Koch GmbH (HK), que possui instalações industriais nos EUA, além de
sua fábrica na Alemanha, exportando produtos para cerca de 100 países
(Heckler & Koch; HK Defense).
As demais indústrias de grande porte de armas leves e munição pos-
suem, normalmente, instalações industriais apenas em suas nações de ori-
gem, o que não significa um isolamento desse setor de defesa do processo
de globalização da economia, pois a exportação é vital para essas empresas.
A companhia Colt Defense Weapon Systems exporta fuzis de emprego mi-
litar para 94 países, a Colt´s Manufacturing Company exporta pistolas e re-
vólveres para 12, e a SNC Technologies exporta munição de diversos cali-

StrategicEvaluation (2007) 1
134 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

bres para 19 (Colt Defense Weapon Systems; Colt’s Manufacturing Compa-


ny; SNC TEC). A italiana Beretta, com faturamento de € 147 milhões em
2004 e produção diária de 1.500 armas, exporta cerca de 75% de sua produ-
ção para quase 100 países (Fabbrica d'Armi Pietro Beretta).
No Chile, a empresa Las Fábricas y Maestranzas del Ejército (FAMAE)
produz três tipos de fuzis, sob licença da Swiss Arms AG, quatro modelos
de submetralhadoras de projeto próprio, além de carabinas, pistolas e re-
vólveres. A FAMAE fabrica também foguetes de 160 mm e munição para
armas de mão e de caça, assim como para armas pesadas de calibres entre
60 e 155 mm. Embora sua linha de produtos seja voltada para o setor de
defesa, chama a atenção o fato de atuar também na área de serviços, efe-
tuando atividades de manutenção de armamentos e de modernização de
carros de combate para as Forças Armadas (FAMAE).
A FAMAE é uma empresa pública, com administração autônoma e
patrimônio próprio, que tem apresentado bons resultados financeiros. Em
2004, teve um faturamento de cerca de US$ 26,7 milhões e lucro líquido
de US$ 320 mil. Seu envolvimento no processo de globalização é modera-
do, sendo evidenciado pela fabricação de algumas submetralhadoras e ca-
rabinas em conjunto com a companhia brasileira Taurus, da qual é repre-
sentante no Chile, e pela presença de agentes comerciais em diversos paí-
ses da América do Sul e Central (idem).
Na Argentina, a Dirección General de Fabricaciones Militares, subor-
dinada ao Ministério da Economia, é uma das poucas indústrias do setor
de defesa que não foi privatizada ou fechada por ocasião da reformulação
do papel do governo nesse segmento, ocorrida a partir da década de 90
(Globalsecurity). Pertencem à empresa diversas instalações industriais,
como a Fábrica Militar Fray Luis Beltrán, que fornece armas leves e mu-
nição de pequeno calibre; as Fábricas Militares de Villa María e Azul, que
produzem pólvora e explosivos; e a Fábrica Militar Rio Tercero, que de-
senvolve produtos químicos para uso em explosivos e que transformou
seus equipamentos, originalmente utilizados para fabricação de arma-
mento pesado, em ferramental para construção de equipamentos de uso
industrial (RENAR; Dirección General de Fabricaciones Militares).
A situação financeira do conglomerado não é satisfatória, de acordo
com a avaliação da Auditoria General de la Nación (AGN), organismo
que auxilia o Congresso Argentino no controle das contas públicas. Se-
gundo a AGN, haveria um total de dívidas sob análise judicial de
aproximadamente US$ 30 milhões (Auditoria General de la Nación).

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 135
Na Colômbia, a Industria Militar (INDUMIL) controla três unidades: a
Fábrica General José María Córdoba, de armas portáteis; a Fábrica Anto-
nio Ricaurte, de explosivos; e a Fábrica Santa Bárbara, de munição. No
Equador, a Dirección de Industrias del Ejército (DINE) coordena as ativi-
dades da Explocen, que produz explosivos, e da Fábrica de Munición
Santa Bárbara, que fornece munição de pequeno calibre, pistolas e me-
tralhadoras. No México, a Dirección General de Fábricas de la Defensa
Nacional controla diversas empresas que produzem munição de pequeno
calibre, fuzis, metralhadoras e pistolas sob licença da HK. No Peru, a Fá-
brica de Armas y Municiones del Ejército (FAME) e o Centro de Fabrica-
ción de Armas (CEFAR) fabricam munição de armas leves, além de fuzis,
pistolas e revólveres sob licença das empresas Colt e FN Herstal. Na Ve-
nezuela, a Compañía Anónima Venezolana de Industrias Militares
(CAVIM) fornece fuzis, pistolas e revólveres, bem como munição para
armas portáteis e explosivos. Nenhuma dessas empresas é de natureza
privada (RENAR; Industria Militar).
Verifica-se, portanto, que a indústria de fabricação de munição e ar-
mas leves apresenta um envolvimento significativo no processo de globa-
lização da economia, embora menor que o observado na indústria ae-
roespacial. Dentre os aspectos citados, os considerados de maior relevân-
cia para a avaliação da situação da Indústria de Defesa Nacional são:

a) Há uma tendência, entre os países desenvolvidos, de privatizar as ativida-


des de produção de munição;
b) Nos EUA, algumas instalações de fabricação de armas e munição
pertencentes às Forças Armadas são gerenciadas por empresas privadas;
c) A exportação de material representa parcela significativa da receita da
maior parte das indústrias do setor de armas leves. O mercado americano é
disputado entre as empresas européias, que mantêm subsidiárias nos EUA;
d) A estatal chilena FAMAE presta serviços de manutenção para as Forças
Armadas de seu país;
e) Há diversos países fabricantes de munição e armas leves na América Lati-
na, porém poucos produzem munição para armamento pesado.

SITUAÇÃO DA INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL

Empresas consideradas

O Catálogo Brasileiro de Itens e Empresas, disponível no site do MD na


internet (Centro de Catalogação das Forças Armadas), apresenta 546

StrategicEvaluation (2007) 1
136 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

empresas nacionais fornecedoras de material militar, enquanto a Associa-


ção Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE)
e a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) listam,
respectivamente, 42 e 35 companhias associadas em seus sites na internet
(ABIMDE; AIAB). Grande parte dessas indústrias é de pequeno ou médio
porte, com maior atuação no mercado civil, que fabrica itens de baixa
tecnologia como rações de sobrevivência, uniformes, pirotécnicos,
explosivos, material de proteção balística, veículos especiais e caminhões. A
análise concentrar-se-á nas de maior importância estratégica para o País, em
função de seu porte ou do nível de tecnologia aplicado em seus produtos.

Indústria Aeroespacial

De acordo com o site da AIAB na internet, a indústria aeroespacial foi


responsável por exportações anuais de cerca de US$ 2,7 bilhões de 2000 a
2003. As empresas que se destacam no setor militar são a Embraer - Em-
presa Brasileira de Aeronáutica S/A, Helibras - Helicópteros do Brasil
S/A, Aeroeletrônica - Indústria de Componentes Aviônicos S/A, Mectron
- Engenharia, Indústria e Comércio Ltda, Avibras Indústria Aeroespacial
S/A e ELEB - Embraer Liebherr Equipamentos do Brasil S/A.
A Embraer é citada por Goldstein (2001) como exemplo de integração
ao processo de globalização e de participação do Estado na criação de
empresas bem sucedidas, em artigo elaborado para a Organisation for
Economic Co-Operation and Development (OECD). As análises desse ar-
tigo e as informações contidas no site da empresa na internet (Embraer)
permitem apresentar o histórico da Embraer em quatro fases.
Na fase inicial, após sua fundação em 1969, como empresa estatal, a Em-
braer recebeu forte estímulo do Governo, beneficiando-se com a transferên-
cia de pessoal especializado e de projetos de aeronaves do Centro Técnico
Aeroespacial (CTA - atualmente denominado Comando-Geral de Tecnolo-
gia Aeroespacial) e por uma política de concessão de incentivos fiscais.
Na segunda fase, a partir do efetivo início da fabricação de aviões em
1970, ocorreu um grande crescimento, com destaque para o desenvolvi-
mento de três aeronaves de projeto nacional, o Tucano, o Bandeirante e o
Xingu, que, no entanto, se caracterizavam pela utilização de grande per-
centual de material importado. Por outro lado, se iniciava um estreito re-
lacionamento da Embraer com indústrias estrangeiras, mediante um
acordo com a Aermacchi, para a construção sob licença do Xavante, e pela
joint venture com a Aeritalia e a Aermacchi, para o projeto e a construção
do AMX. Estimulado pelos elevados impostos cobrados para a importa-

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 137
ção de aviões que tivessem modelos similares fabricados no Brasil, foi
realizado um acordo com a empresa Piper, que estabelecia o fornecimento
de kits para a fabricação dos aviões Navajo, Seneca, Sertanejo e Minuano.
A partir de 1980, a Embraer se tornou também fornecedora exclusiva de
itens estruturais e peças usinadas para aeronaves Boeing 777, 747, 767 e
MD-11. Esses acordos internacionais, que acelerariam a assimilação de
técnicas de fabricação em série pela empresa, foram seguidos por um
grande sucesso na exportação de seus produtos. Desta forma, em 1982, o
Bandeirante passou a responder por um terço do mercado de aeronaves
regionais de 10 a 20 lugares, e foram efetuadas vendas do Tucano para o
Reino Unido, França e Egito.
A terceira fase corresponde a um período de crise, similar ao que oco-
rreu em diversas indústrias brasileiras nas décadas de 80 e 90, que foi
agravado pelo insucesso do programa com a empresa argentina FMA,
atualmente LMAASA, para o desenvolvimento da aeronave CBA-123.
Apesar da crise, a Embraer lançou, em 1985, o EMB-120 Brasília, com base
nos projetos do Bandeirante e Xingu, que, com a venda de 356 unidades
para mais de 14 países, melhorou sua situação financeira.
A quarta fase, de recuperação, se relaciona a sua privatização, em
1994, porém está mais diretamente associada à decisão, em 1989, de des-
envolver o projeto dos jatos de transporte regional da família ERJ-145,
que se tornou um grande sucesso comercial, com a venda de mais de 900
unidades. Atualmente, a empresa se dedica ao programa da família de
jatos ERJ-170/190 de 70 a 110 lugares, um investimento de US$ 850 mi-
lhões, com cerca de um terço feito por companhias estrangeiras. Estas
serão responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas específicos da ae-
ronave, em uma forma de parceria destinada à redução de riscos, análoga
à realizada com os jatos da família ERJ-145.
As principais aeronaves militares projetadas no período foram o Su-
per Tucano, de treinamento e ataque ao solo, fornecido para a Força Aé-
rea Brasileira (FAB) e Colômbia ; o EMB-145 AEW&C, de alarme aéreo
antecipado, fornecido para a FAB (Projeto SIVAM) e Grécia; o EMB-145
RS/AGS, de sensoriamento remoto, fornecido para a FAB (Projeto
SIVAM); e o P-99, de patrulha marítima. Recentemente, a Embraer, em
consórcio com a Lockheed Martin, foi vencedora de uma licitação para o
fornecimento de 57 aeronaves para o programa Aerial Common Sensor
(ACS) do Exército norte-americano, que utilizaria o avião ERJ-145 como
plataforma de sensores. A seleção da aeronave para o programa, embora
atualmente em revisão - tendo em vista que, com o aumento dos requisi-
tos, o ERJ-145 se tornou subdimensionado (49) - é relevante pelo fato de não

StrategicEvaluation (2007) 1
138 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

ser usual a aquisição pelas Forças Armadas dos EUA de aeronaves não
desenvolvidas naquele país ou por seus tradicionais parceiros em
programas militares, o que comprova a qualidade do produto da Embraer.
Com foco no cliente e novas técnicas gerenciais, a Embraer volta a ter
resultados financeiros positivos em 1998, após 11 anos acumulando pre-
juízos. No 3º trimestre de 2005, possuía um patrimônio líquido de R$ 4,6
bilhões e apresentou um lucro líquido de R$ 89 milhões (Embraer, 2005).
Atualmente, sua participação no processo de globalização é evidenciada
pelos seguintes aspectos:

a) A empresa possui um centro de suporte ao cliente nos EUA (EAMS), joint


ventures com indústrias aeronáuticas na China (Harbin Embraer) e Portugal
(OGMA) e escritórios regionais nos EUA, França, China e Cingapura, com
cerca de 15% de seu pessoal trabalhando fora do Brasil;
b) A Dassault Aviation, a EADS e os Grupos SAFRAN e Thales têm participa-
ção acionária de 7,5% na companhia (D’Ercole, 2006);
c) A nova família de jatos ERJ-170/190 terá itens fabricados por empresas de
diversos países, incluindo EUA, Japão, Bélgica, Espanha, Alemanha e França;
d) A Embraer foi a maior exportadora brasileira de 1999 a 2001 e a segunda
de 2002 a 2004. Foi, no entanto, também uma das maiores importadoras de
material, a segunda maior em 1999.

A Helibras foi criada por iniciativa do então Ministério da Aeronáuti-


ca para instalar a primeira fábrica de helicópteros no Brasil. A idéia origi-
nal era estimular uma joint venture entre uma estatal brasileira e uma in-
dústria estrangeira. Assim, a Helibras foi fundada em Itajubá em 1978,
com 45% do capital de propriedade da indústria francesa Aerospatiale,
atualmente Eurocopter, e 45% do Estado de Minas Gerais, que entrou
como o parceiro estatal previsto pela Aeronáutica. O contrato previa a
montagem do helicóptero Esquilo, com futura nacionalização progressiva
de material, sem estabelecer, porém, o compromisso de fabricação de ae-
ronaves de projeto nacional. A viabilização da linha de montagem do Es-
quilo foi resultado da aquisição de seis desses helicópteros pela MB e, ao
receber, em 1979, a isenção de 100% de impostos sobre a importação de
máquinas e de peças, se imaginava que a empresa construiria 200 heli-
cópteros em 10 anos e que o índice de nacionalização atingisse cerca de
60%, que não foi, no entanto, alcançado (Viegas, 2002; Helibras).
Apesar de a Helibras não ter desenvolvido projetos de helicópteros
nacionais, mantendo sua atuação essencialmente de montadora com ma-
terial importado da França, é injusto referir-se à companhia como um ack-
nowledge failure, conforme consta em Freeman (Freeman, 2002), como uma

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 139
citação de Franko-Jones. A empresa tem capacidade de montar sete tipos
de aeronaves, representa 52% do mercado de helicópteros com turbina no
Brasil, já produziu mais de 400 aeronaves, exportando cerca de 10% para
diversos países da América do Sul, e apresenta um faturamento anual em
torno de US$ 40 milhões. Além da montagem de helicópteros, a Helibras
presta serviços de manutenção em componentes das aeronaves que co-
mercializa, bem como de treinamento e apoio técnico (idem). A Eurocop-
ter, que controla atualmente 77% do capital da Helibras, pertence ao
grupo EADS (Ministério da Fazenda, 2004).
A Aeroeletrônica foi criada em 1983, então como parte do grupo bra-
sileiro Aeromot. Inicialmente, projetou e fabricou equipamentos de aviô-
nica utilizados no Tucano e, posteriormente, passou a fabricar itens para o
programa AMX, uma parte com projeto próprio, outra sob licença de em-
presas estrangeiras. Em artigo de Freeman (Freeman, 2002), a Aeroeletrô-
nica é citada de forma elogiosa como a única empresa, além da Embraer,
que projeta e fabrica material aeronáutico empregado na aviação fora do
país, fazendo referência, possivelmente, aos seus produtos instalados nos
Tucanos exportados pela Embraer e nos AMX produzidos na Itália.
Em 2001, a israelense Elbit Systems Ltd adquiriu o controle acionário
da Aeroeletrônica, como compensação comercial prevista no contrato
firmado com a FAB para modernização da aeronave F-5, que exigia a rea-
lização de serviços no Brasil. Com os investimentos realizados pela Elbit,
a empresa aumentou sua capacidade de fabricação de equipamentos mo-
dernos de aviônica (Embreaer, 2003; Aeroeletrônica Indústria de Compo-
nentes Aviônicos, s/d).
Atualmente, a Aeroeletrônica fornece equipamentos com elevado grau
de tecnologia para o Super Tucano e para o F-5 modernizado, denominado
F-5BR, incluindo o computador principal, o painel de instrumentos multi-
funcional colorido, o gravador de vídeo digital e a caixa de armamento
(idem). No recente programa de US$ 400 milhões da FAB para moderniza-
ção de 53 aeronaves AMX, está prevista a fabricação pela Aeroeletrônica de
90% dos itens de aviônica a serem utilizados (Embraer, 2003).
A Aeroeletrônica atua também no setor espacial, fabricando compo-
nentes para os satélites dos programas MECB (Missão Espacial Completa
Brasileira) e CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e no setor civil, forne-
cendo sistemas de monitoramento de frotas de veículos automotores e
sistemas de controle de processos agrícolas e de extração de madeira (Ae-
roeletrônica Indústria de Componentes Aviônicos, s/d).

StrategicEvaluation (2007) 1
140 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

A Mectron, fundada em 1991, iniciou suas atividades desenvolvendo


um software para a MB, que permitia avaliar o sistema de defesa antiaé-
rea de navios. Atualmente, a empresa ambiciona tornar-se a Missile House
brasileira, fabricando o míssil ar-ar MAA-1, Piranha, e desenvolvendo o
sistema anticarro MSS 1.2 e o míssil anti-radiação MAR-1. Na área espa-
cial, desenvolve equipamentos para emprego em satélites do programa
MECB (Mectron, s/d).
O projeto do míssil MAA-1, de curto alcance, guiado por radiação in-
fravermelha, iniciou-se na década de 70 no CTA, tendo como base o mís-
sil americano Sidewinder. Seu desenvolvimento coincidiu com o período
de crise da indústria de defesa na década de 80, que o levou a passar pe-
las empresas D.F. Vasconcellos e Órbita, até ser assumido pela Mectron. O
sistema MSS 1.2, de médio alcance, guiado a laser e para uso de infanta-
ria, baseia-se no míssil MAF da Oto Melara e também tem sido um pro-
grama de lento desenvolvimento, iniciado na década de 80, que passou
por outras empresas até ser transferido para Mectron. Ao contrário dos
demais, o projeto do MAR-1 é relativamente recente e foi atribuído dire-
tamente à empresa (Defesa@net, 2005; Koslova, 2002).
A Mectron, que desenvolve ainda o radar SCP-1 para o programa de
modernização das aeronaves AMX, em cooperação com a italiana Galileo
Avionica, não tem histórico de atuação no setor civil, além de alguns ser-
viços nas áreas de automação industrial e de controle de tráfego veicular
(Mectron; Galileo Avionica; Carneiro, 2005). Seu envolvimento com a glo-
balização da economia é pequeno, restringindo-se à cooperação técnica
com algumas indústrias estrangeiras.
A Avibras teve uma trajetória diferente da maioria das empresas do
setor aeroespacial, por não ter recebido forte estímulo governamental,
não ter aberto o seu capital e ter desenvolvido sua tecnologia sem apoio
de companhias estrangeiras. Iniciou suas atividades há cerca de 40 anos,
fabricando o avião de treinamento e ligação Falcão e desenvolvendo os
foguetes de sondagem da família Sonda, os primeiros do Programa Espa-
cial Brasileiro (Avibrás, 2002). Assim como a Engesa, teve seu período de
apogeu na década de 80, exportando diversas unidades de seu sistema de
artilharia de saturação por foguetes ASTROS II, porém, ao contrário
dessa, soube resistir à alteração da conjuntura internacional, desfavorável
à exportação de material bélico nas décadas seguintes, graças à diversifi-
cação de seus produtos (Freeman, 2002).
Atualmente, a Avibras, em sua linha de produtos civis, fornece ante-
nas para comunicações por satélite, além de explosivos, tintas e selantes,

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 141
passando a atuar também no setor de transportes, por meio de sua subsi-
diária Tectran. Na área militar, além do sistema ASTROS II e sua versão
para veículos blindados leves, o ASTROS Hawk, fabrica o foguete ar-su-
perfície Skyfire-70, utilizado em aviões e helicópteros, o míssil antitanque
FOG-MPM, o sistema antiaéreo FILA e os veículos blindados AV-VBL e
AV-VB4-RE (Avibrás, s/d).
O Programa F-X da FAB foi considerado uma oportunidade para a
empresa retornar à área aeroespacial, pela associação com a Sukhoi (Avi-
brás, 2002). Com a interrupção do programa, a globalização das ativida-
des da Avibras passou a ser representada apenas pela exportação de ma-
terial, que inclui um contrato de US$ 500 milhões com a Malásia para o
fornecimento do sistema ASTROS II (Freeman, 2002).
A ELEB foi criada em 1999 como uma joint venture entre a Embraer e o
grupo suíço Liebherr, utilizando as instalações e o pessoal técnico da
então Embraer - Divisão Equipamentos, criada em 1984 (Embraer Lieb-
herr). Destaca-se pela capacidade de projetar e fabricar trens de pouso,
sendo responsável pelos sistemas atualmente instalados nas aeronaves
Super Tucano, Sikorsky S-92 (helicóptero de médio porte), ERJ-145 (trem
de pouso principal) e ERJ-170 (trem de pouso auxiliar).

Indústria de Munição e Armas Leves

As principais indústrias desse setor são a CBC - Companhia Brasileira


de Cartuchos, a Forjas Taurus S/A, a IMBEL - Indústria de Material Béli-
co do Brasil e a Fábrica Almirante Jurandyr da Costa Müller de Campos
(FAJCMC). As duas primeiras possuem capital aberto, a IMBEL é uma
empresa pública, gerenciada pelo Exército Brasileiro (EB), e a FAJCMC é
uma instalação industrial da MB, sob responsabilidade da Diretoria de
Sistemas de Armas da Marinha (DSAM).
A evolução da indústria de armas leves, segundo artigo publicado por
Dreyfus, Lessing e Purcena (2004), é outro exemplo de como a combina-
ção de ação governamental com a iniciativa privada pode efetivamente
desenvolver um setor da indústria, que, no caso, tornou o Brasil o segun-
do maior produtor e exportador de armas leves do hemisfério ocidental,
com exportações, desde 1982, variando entre US$ 33 e 112 milhões e si-
tuando-se em torno de US$ 90 milhões nos últimos anos. As informações
dos sites da CBC, Taurus, IMBEL e FAJCMC na internet e o artigo de
Dreyfus, Lessing e Purcena permitem resumir a história e a atual situação
dessas empresas.

StrategicEvaluation (2007) 1
142 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

As primeiras indústrias de armamento leve - Boito, Rossi e a Fábrica


Nacional de Cartuchos (atualmente CBC) - foram fundadas por imigran-
tes europeus nas regiões sul e sudeste do país na década de 20. Na década
de 30, houve a criação da Forjas Taurus e a instalação pelo EB da Fábrica
de Itajubá para produção de armamento leve.
A CBC, após sua aquisição em 1936 pela norte-americana Remington
Arms e pela inglesa Imperial Chemical Industries, foi nacionalizada em
1980, com apoio de bancos estatais, com o controle acionário então dividido
entre seus diretores (70%) e a IMBEL (30%). Em 1989, o Grupo ARBI
Participações S/A adquiriu as ações em poder dos diretores, assumindo o
controle acionário e, em 2004, a IMBEL transferiu 28% das ações da empresa
para a PDCI Participações Ltda. O período sob o controle da Remington
permitiu a obtenção da capacidade de fabricação de espingardas de caça.
A CBC é, no momento, a maior fornecedora de munição para armas
de uso civil no Brasil. Fabrica também pólvora, espingardas de caça, bem
como munição para fuzis, metralhadoras e canhões, neste último caso, de
calibres até 30 mm, normalmente para emprego em sistemas de defesa
antiaérea ou aeronaves, como o F-5 e o AMX da FAB.
Embora suas instalações fabris estejam situadas integralmente no país,
Dreyfus, Lessing e Purcena (2004) mencionam que a maior parte das
ações da CBC atualmente pertencem a empresas sediadas no exterior. As
exportações, em 2004, foram de aproximadamente US$ 34,4 milhões para
54 clientes em 38 países, incluindo contratos para fornecimento de muni-
ção militar para o Oriente Médio, América do Sul e Leste Asiático (CBC,
2005). Segundo informações divulgadas pela Comissão de Valores Mobi-
liários (CVM), a CBC apresentou um lucro líquido de R$ 5 milhões em
2004 (idem). Esses resultados indicam uma bem sucedida integração ao
processo de globalização da economia.
Em processo análogo ao da CBC, a Taurus foi vendida no início da
década de 70 para a Smith&Wesson e nacionalizada em 1977, quando
teve suas ações negociadas para a Polimetal - Indústria e Comércio de
Produtos Metálicos Ltda. O relacionamento com a Smith&Wesson e a
aquisição da subsidiária da Beretta no Brasil, em 1980, contribuíram para
a obtenção da capacidade de fabricar pistolas e revólveres de qualidade
internacional. Em 1997, com a compra da patente da empresa Rossi para
fabricação de armas de mão, a Taurus adquiriu o monopólio da fabrica-
ção de revólveres e pistolas de uso civil no país.
A Taurus fundou, em 1983, uma subsidiária nos EUA, a Taurus Inter-
national Manufacturing Inc. (TIMI), que foi responsável pelo aumento das

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 143
vendas naquele país, inicialmente como distribuidora de armas fabricadas
no Brasil e, posteriormente, fabricando dois modelos lá comercializados,
contando com um departamento de projeto próprio. Há também acordos
comerciais com a FAMAE, fábrica estatal de armamentos chilena, para
produção de submetralhadoras e carabinas com peças chilenas e brasileiras.
A Taurus adota uma política de diversificação de atividades. Além da
fábrica de armas leves, que produz 23 modelos de revólveres de uso civil
e três modelos de pistolas, a empresa fabrica capacetes na Taurus Capa-
cetes, coletes à prova de balas e escudos antitumulto na Taurus Blinda-
gens e embalagens para movimentação e armazenagem de produtos in-
dustriais na Taurusplast. Recentemente, a Taurus comprou a Wotan, fa-
bricante de máquinas operatrizes para indústria, criando a TaurusWotan.
A diversificação de suas atividades é evidenciada pela diminuição da
proporção das vendas de armamento em relação ao seu faturamento total,
que, a partir do ano 2000, se manteve em torno de 50%, com uma produ-
ção anual de aproximadamente de 250 mil armas leves.
A empresa exportou, em 2004, US$ 34,6 milhões, equivalentes a 69,6%
da sua receita líquida e, segundo os dados disponíveis na CVM (Forjas
Taurus, 2002), apresentou um lucro líquido de R$ 23 milhões. Sua subsi-
diária TIMI obteve um lucro líquido de US$ 1,1 milhão em 2005. Com
bons resultados financeiros, exportação de produtos para 80 países, uma
fábrica nos EUA, acordos comerciais com a indústria chilena e cerca de
3.000 máquinas operatrizes da TaurusWotan instaladas em 40 países, a
Taurus soube envolver-se no processo de globalização econômica, apro-
veitando especialmente o mercado norte-americano, que gasta anual-
mente cerca de US$ 605 milhões na aquisição de pistolas e revólveres
(Smith&Wesson, 2005).
A Fábrica de Itajubá do EB, fundada na década de 30, iniciou suas ati-
vidades com a fabricação de rifles sob licença da Deutche Waffen und
Munitionsfabrik (DWM). Em 1960, começou a produzir pistolas Colt .45
para as Forças Armadas e, em 1964, foi feito um acordo com a FN Herstal
para a produção de fuzis 7,62 mm FAL. A IMBEL foi criada em 1975, con-
centrando todas as fábricas de armamento e munição do EB que não pu-
deram ser extintas ou privatizadas, seguindo a orientação do Decreto-Lei nº
200 de 25/02/1967, que estabelecia que “as empresas públicas [...] que
acusem a ocorrência de prejuízos, estejam inativas, desenvolvam atividades
já atendidas satisfatoriamente pela iniciativa privada ou não previstas no
objeto social, poderão ser dissolvidas ou incorporadas a outras entidades”.
Verifica-se que a manutenção de companhias públicas em setores supridos
pela iniciativa privada não era estimulada pelo Governo já na década de 70.

StrategicEvaluation (2007) 1
144 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

A IMBEL fabrica, em suas instalações em Itajubá, pistolas, fuzis e


submetralhadoras. Entre julho de 1977 e junho de 2004, fabricou cerca de
334 mil armas leves, o que corresponde a uma produção anual de
aproximadamente 12 mil unidades. Cerca de 40% a 50% da produção é
exportada, 90% para os EUA, pela associação da IMBEL com a norte-ame-
ricana Springfield Armoury. A exportação de diversos modelos de pistola
.45 corresponde a aproximadamente 75% a 95% do faturamento da fábri-
ca de Itajubá. A empresa também fornece foguetes de calibre 70 mm e
munição para canhões e morteiros de calibres 40, 57, 60, 75, 81, 90, 105 e
120 mm. Apesar das exportações de armas leves, a IMBEL, de acordo com
Amarante (2004), apresenta resultados negativos desde a sua criação.
A FAJCMC foi inaugurada em 1982, concentrando os equipamentos da
extinta Fábrica de Artilharia da Marinha. A fábrica é resultado do esforço
da MB para produzir no Brasil a munição utilizada em navios de guerra,
iniciado, em 1966, pelo então Diretor de Armamento da Marinha,
Almirante Jurandyr da Costa Müller de Campos (Marinha do Brasil, 1982).
A MB optou pela administração privada da fábrica por ocasião da sua
inauguração, que ficou sob a responsabilidade da FI - Indústria e Comércio
S/A. A experiência de gestão privada da FAJCMC, entretanto, não foi
satisfatória, o que levou a MB a encerrar o contrato com a FI em 1990 (Ma-
rinha do Brasil, 1990) e transferir a administração da fábrica para a Empresa
Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON) em 1996. A EMGEPRON,
empresa pública de direito privado, vinculada ao MD por meio do
Comando da Marinha do Brasil, é responsável pela contratação de pessoal e
pelas atividades gerenciais da FAJCMC, incluindo a busca de mercados, no
Brasil e no exterior, para a venda de produtos e prestação de serviços.
Compete à DSAM, no entanto, a gestão dos recursos financeiros destinados
à obtenção de matéria-prima e ao pagamento das despesas operacionais,
como a folha de pagamento de pessoal e as despesas com gás, água e luz.
A FAJCMC atualmente produz munição para obuseiros e canhões de
calibres 38, 40, 76, 105 e 114,3 mm, bem como cargas de salva de calibres 47
e 105 mm. Há alguma superposição de sua linha de produtos com a da
IMBEL, no que se refere à fabricação de alguns tipos de munição de calibres
40 mm e 105 mm. Em entrevista informal com oficiais responsáveis pela
administração financeira da FAJCMC, obteve-se a informação de que o
preço no mercado internacional de um tiro de calibre 114,3 mm L55 situou-
se entre US$ 1,4 e 1,8 mil, sem frete e seguro, em 2005. Para fornecer
munição com custo similar, a FAJCMC teria que ter uma produção em
torno de 8.000 tiros, o que nem sempre é possível, mesmo com o esforço da
EMGEPRON para conseguir outros compradores, além da MB.

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 145
LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS

Política de Defesa Nacional

A Política de Defesa Nacional (PDN) é estabelecida pelo Decreto nº


5.484 de 30 de junho de 2005. Segundo o decreto, a PDN “tem por finali-
dade estabelecer objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da ca-
pacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em to-
das as esferas do Poder Nacional”.
Na descrição do atual ambiente internacional e nacional, o decreto cita
que “a persistência de entraves à paz mundial requer a atualização per-
manente e o reaparelhamento progressivo das nossas Forças Armadas,
com ênfase no desenvolvimento da indústria de defesa”. Esse vínculo
entre o desenvolvimento da indústria de defesa e a Segurança Nacional
determina a formalização de orientações estratégicas diretamente relacio-
nadas a essa indústria, dentre as quais se destacam:

a) “A integração regional da indústria de defesa, a exemplo do Mercosul,


deve ser objeto de medidas que propiciem o desenvolvimento mútuo, a ampli-
ação dos mercados e a obtenção de autonomia estratégica”;
b) “Além dos países e blocos tradicionalmente aliados, o Brasil deverá buscar
outras parcerias estratégicas, visando a ampliar as oportunidades de intercâm-
bio e a geração de confiança na área de defesa”.

O decreto estabelece também diretrizes estratégicas a serem seguidas


pelos diversos setores do Estado, que incluem a de “contribuir ativamente
para o fortalecimento, a expansão e a consolidação da integração regional,
com ênfase no desenvolvimento de base industrial de defesa”.
Verifica-se por essas orientações e diretrizes estratégicas, portanto,
que a globalização da indústria de material bélico por meio de parceria
com empresas de outros países é compatível com a PDN, desde que esse
processo permita o seu desenvolvimento.

Política Nacional da Indústria de Defesa

A Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID) foi aprovada pela


Portaria Normativa nº 899 de 19 de julho de 2005 do MD. A Portaria defi-
ne como Base Industrial de Defesa (BID) “o conjunto das empresas esta-
tais e privadas, bem como organizações civis e militares, que participem
de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção,

StrategicEvaluation (2007) 1
146 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa” e estabele-


ce que “a PNID tem como objetivo geral o fortalecimento da BID”.
A PNID inclui como objetivos específicos a “diminuição progressiva
da dependência externa de produtos estratégicos de defesa, desenvolven-
do-os e produzindo-os internamente”, “redução da carga tributária inci-
dente sobre a BID”, “ampliação da capacidade de aquisição de produtos
estratégicos de defesa da indústria nacional pelas Forças Armadas” e
“aumento da competitividade da BID brasileira para expandir as exporta-
ções”. A ênfase na nacionalização de produtos estratégicos, a redução da
carga tributária e o aumento de encomendas das Forças Armadas como
formas de fomento industrial não chegam a ser medidas originais, que
historicamente têm encontrado dificuldades de execução pela falta de
uma demanda contínua de material de emprego militar, associada a res-
trições do Orçamento da União. A menção à importância do aumento da
competitividade da BID e das exportações é, entretanto, um aspecto rele-
vante da PNID, que parece estimular, assim como a PDN, a globalização
da indústria de material bélico, em condições favoráveis para o País.
O artigo 6º da PNID atribui à Secretaria de Logística, Mobilização,
Ciência e Tecnologia (SELOM) a responsabilidade pela elaboração das
ações estratégicas para efetiva implementação da PNID e estabelece que “as
ações estratégicas devem ser indutoras, sem retirar da indústria sua
capacidade de empreendimento, sua iniciativa e seus próprios riscos” e que
“as empresas públicas devem desempenhar suas atividades em com-
plemento às de caráter privado, evitando a concorrência com estas últi-
mas”. Entende-se, dessa forma, que uma das características típicas do atual
processo de globalização da economia, a redução da intervenção do Estado
na economia, parece estar sendo levada em consideração. A orientação para
as empresas públicas não competirem com o setor privado parece indicar
também uma preferência pela progressiva privatização da BID.

Restrições e apoio à exportação e importação

A legislação aplicável à exportação e importação de material de em-


prego militar inclui o Decreto nº 3.665 de 20 de novembro de 2000, que
estabelece procedimentos para importação e exportação, e a Lei nº 9.112
de 10 de outubro de 1995, alterada pela Medida Provisória no 2.216-37 de
31 de agosto de 2001, que trata apenas da exportação.
O Decreto nº 3.665/2000 estabelece procedimentos para fabricação,
importação, exportação, utilização e comercialização de produtos contro-
lados, definidos como aqueles com “poder de destruição ou outra pro-

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 147
priedade de risco que indique a necessidade de que o uso seja restrito a
pessoas físicas e jurídicas legalmente habilitadas [...] de modo a garantir a
segurança da sociedade e do país”. Esses produtos são listados no Anexo I
do Decreto, que compreende itens como produtos químicos de possível
emprego militar, explosivos, munição, propelentes, armas de fogo, gra-
nadas, material de proteção pessoal, foguetes, mísseis e veículos blindados.
Para exportação, são exigidos registro e licença prévia emitidos pelo
EB. Para importação, são exigidos documentos similares, porém o artigo
nº 190 contraria diretamente o princípio característico da globalização de
eliminação de barreiras comerciais, ao estabelecer que “o produto con-
trolado que estiver sendo fabricado no país, por indústria considerada de
valor estratégico pelo Exército, terá sua importação negada ou restringi-
da, podendo, entretanto, autorização especial ser concedida, após ser jul-
gada a sua conveniência”. A imposição de barreiras comerciais é também
objeto do artigo nº 195, que determina que “a importação de produtos
controlados para venda no comércio registrado só será autorizada se o
país fabricante permitir a venda de produtos brasileiros similares em seu
mercado interno”.
A Lei nº 9.112/1995 destinou-se a atualizar a legislação brasileira no
que se refere ao controle da proliferação das chamadas “armas de des-
truição em massa” (nucleares, químicas ou biológicas), tendo levado à
criação da Comissão Interministerial de Controle de Exportação de Bens
Sensíveis, a quem compete manter atualizada uma lista de material suje-
ito à autorização formal do Governo antes de ser exportado. A última
versão dessa lista, divulgada pela Portaria Interministerial MCT/MD nº
631 de 13 de novembro de 2001, é um pouco mais abrangente que a lista
do Decreto nº 3.665/2000, incluindo navios militares, torpedos e minas.
A legislação aplicável à exportação de material de emprego militar foi
comentada pelo então Ministro de Estado das Relações Exteriores, Luis
Felipe Lampreia, em Exposição de Motivos à Câmara dos Deputados, ao
detalhar as diretrizes gerais para a Política Nacional de Exportação de
Material de Emprego Militar (PNEMEM), estabelecidas pelo Presidente
da República, em 12 de dezembro de 1974. Segundo o Ministro Lampreia,
o controle do material exportado tem o propósito de garantir o cumpri-
mento de embargos de vendas a determinados países, estabelecidos por
organismos internacionais ou pelo Governo brasileiro. Indiretamente, a
inclusão do Brasil no grupo de países com políticas em relação à prolife-
ração de armas de destruição em massa facilitaria o acesso à tecnologia de
ponta, como, por exemplo, a de utilização em mísseis.

StrategicEvaluation (2007) 1
148 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

A exportação de material militar é, portanto, regulamentada pelo EB,


para o material listado pelo Decreto nº 3.665/2000, e pelos Ministérios da
Defesa e da Ciência e Tecnologia, que receberam as atribuições de gerenciar
os assuntos referentes à PNEMEM e de coordenar a Comissão Inter-
ministerial de Controle de Exportação de Bens Sensíveis pelos artigos nº 14 e
15 da Medida Provisória no 2.216-37 de 31 de agosto de 2001, respec-
tivamente. A existência de duas legislações sobre o mesmo assunto, o De-
creto nº 3.665/2000 e a Lei nº 9.112/1995, e, principalmente, o requisito de
autorizações prévias para a venda de praticamente qualquer tipo de produto
de emprego militar certamente não contribuem para a exportação, em um
ambiente competitivo como o do comércio internacional, no qual a agilidade
é fator primordial para o aproveitamento de oportunidades. Embora seja
inquestionável a necessidade de controle das exportações de material de
emprego militar, uma simplificação da legislação em vigor parece oportuna.
A exportação de armas e munição é sujeita a uma restrição adicional.
A Resolução nº 17 de 6 de junho de 2001 estabelece a incidência de im-
posto de exportação à alíquota de 150%, para exportações para a América
do Sul e Central, excetuando-se Argentina, Chile e Equador ou quando
destinadas ao uso exclusivo de forças armadas ou autoridades policiais.
Essa resolução, destinada à diminuição do contrabando de armas pelo
crime organizado no Brasil (O Globo, 2002), segundo o presidente da CBC,
Antônio Marcos Moraes, representaria uma redução de cerca de US$ 8
milhões em exportações anuais (Gazeta Mercantil, 2005).
Os elevados impostos sobre a atividade industrial, o chamado “Custo
Brasil”, seriam responsáveis pela perda da competitividade da BID em
relação a produtos importados, para o caso de itens considerados não es-
tratégicos e, portanto, sem a proteção prevista no artigo nº 190 do Decreto
nº 3.665/2000. Cândido (2004) e Amarante (2004) sugerem a reavaliação
dos impostos incidentes sobre a fabricação de material de defesa, que, se-
gundo Cândido, tornam o custo de aquisição de produto no exterior pelas
Forças Armadas 42% inferior ao de item similar fabricado pela indústria
nacional, uma espécie de barreira comercial com sentido inverso.

Política de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica

Segundo Modesti (2004), os Acordos de Compensação Comercial, In-


dustrial e Tecnológica (offset) foram criados, juntamente com o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional, na reunião de Bretton Woods
em 1944, na qual se discutiu a criação de instrumentos internacionais que
possibilitassem a reconstrução da Europa e do Japão. Esse instrumento

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 149
permitia que compras efetuadas em fornecedores estrangeiros fossem
compensadas por estímulos em setores definidos pelo país importador.
Há diversas formas de offset, a saber: produção sob licença, na qual se
exige que o produto importado seja fabricado no país; co-produção, na
qual a produção é feita apenas em parte no país; produção sob subcon-
trato, que não envolve o fornecimento de licença de fabricação para a in-
dústria do país importador; aplicação de recursos em empresa do país,
por joint venture ou investimentos diretos; transferência de tecnologia, por
meio de apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento, assistência
técnica e treinamento; ou simplesmente por mecanismos de contrapartida
comercial, que obrigam o país exportador a comprar produtos ou serviços
de valor equivalente ao do material importado ou aceitá-los como parte
do pagamento (Marinha do Brasil, 2002).
As imposições de cláusulas de offset se tornaram comuns em acordos
comerciais entre países, sobretudo quando se trata de material bélico.
Modesti (2004) cita um relatório do Departamento de Comércio dos EUA
ao Congresso, referente ao período de 1993 a 1999, no qual é mencionado
que essas cláusulas corresponderam a 55% do valor de contratos de ex-
portação de sistemas de armas, sendo comum em acordos com países eu-
ropeus a exigência de pelo menos 100% em compensações comerciais.
Esse relatório cita a aceitação de offset como essencial para a manutenção
da competitividade da indústria de defesa norte-americana, diante da
globalização da economia. Modesti também menciona que a exigência de
offset passou a fazer parte das políticas nacionais de defesa, como forma
de obtenção de tecnologia em setores considerados estratégicos.
Modesti (2004) descreve diversos exemplos de acordos de offset já rea-
lizados pelo Brasil. Na década de 50, a aquisição das aeronaves Gloster
Meteor TF-7 e F-8 pela FAB foi condicionada à exportação para a Inglate-
rra de valor equivalente em algodão. Em 1974, por ocasião da obtenção
do F-5E pela FAB, foi exigida a transferência de tecnologia para a fabrica-
ção de itens da sua fuselagem na Embraer, que permitiu a assimilação de
tecnologia de materiais compostos e de novas técnicas de tratamentos
térmicos e usinagem, utilizadas nos projetos do Xingu e do Brasília. Por
ocasião da obtenção do Centro Integrado de Defesa e Controle do Tráfego
Aéreo (Cindacta I), foi negociada como offset a venda para a Força Aérea
Francesa de 41 aviões Xingu. A implantação da Aviação do Exército Bra-
sileiro, a partir de 1988, exigiu 100% de offset nos contratos de obtenção
dos helicópteros. A aquisição dos aviões MD-11 pela Varig, em 1992, ge-
rou como compensação comercial a fabricação de flapes pela Embraer e o
financiamento das aeronaves Brasília para o mercado dos EUA.

StrategicEvaluation (2007) 1
150 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

O programa para desenvolvimento do AMX, feito por acordo bina-


cional entre Brasil e Itália, é analisado detalhadamente por Modesti (2004),
que identifica o treinamento propiciado aos técnicos da Embraer, Celma,
Rolls-Royce do Brasil, Aeroeletrônica, entre outras empresas, como vital
para o desenvolvimento tecnológico da indústria aeronáutica no país e
responsável, em particular, pela capacitação técnica da Embraer para o
lançamento dos programas das famílias ERJ-145 e ERJ-170/190. O autor
comenta, no entanto, que o investimento feito pelo Governo nesse
programa, 30% do seu valor total, sem praticamente participação financeira
da indústria nacional, não surtiu os efeitos de longo prazo desejados, em
função da falta de encomendas posteriores para o setor aeronáutico.
Atualmente, no âmbito das Forças Armadas, foi estabelecida, pela Porta-
ria nº 764 de 27 de dezembro de 2002 do MD, a Política de Compensação
Comercial, Industrial e Tecnológica, que determina a inclusão de Acordo de
Compensação nos contratos de importação de produtos de defesa com custo
superior a US$ 5 milhões. O valor a ser compensado deve ser, preferencial-
mente, correspondente a 100% do valor do contrato de aquisição. Quanto às
prioridades para definição dos setores a serem beneficiados por exigências
de offset, o artigo nº 18 da referida portaria estabelece como áreas de interes-
se, em termos talvez excessivamente genéricos, tecnologia, fabricação de
materiais ou equipamentos, nacionalização de manutenção, treinamento de
pessoal, exportação e incentivos financeiros à indústria de defesa.
No âmbito da MB, o capítulo 6 da publicação EMA-420 (Marinha do
Brasil, 2002) trata do assunto, estabelecendo que as negociações de offset
são de atribuição das Diretorias Especializadas. O item 6.5.8 da publica-
ção estabelece prioridades para aplicação de recursos de offset, em termos
apenas um pouco mais específicos que os citados na Portaria 764/MD,
detalhando que esses benefícios devem ser preferencialmente aplicados
no atendimento das necessidades das Organizações Militares Prestadoras
de Serviços (OMPS) da MB, do Setor Naval, do Setor Militar e do Parque
Industrial, nessa ordem.

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA GLOBALIZAÇÃO

O efeito da globalização nos países em desenvolvimento é assunto


polêmico. Seu potencial para redução da pobreza mundial e da desigual-
dade entre países é objeto de análise tanto no Fórum Econômico Mundial
em Davos, como nas diversas reuniões do Fórum Social Mundial, com
visões absolutamente opostas. É surpreendente que o mesmo tema possa
ser objeto de protestos populares nas reuniões desses fóruns em países ri-

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 151
cos, por parte de trabalhadores que temem perder seus empregos pela
mudança da sede das fábricas para países com mão-de-obra mais barata,
e em países em desenvolvimento, neste caso por operários que temem
que as indústrias nas quais trabalham não possam competir com grupos
multinacionais de grande capital e tecnologia de outros países. Não to-
mam parte nessas manifestações os possíveis beneficiários da globaliza-
ção em países em desenvolvimento: os que trabalham em condições pio-
res que as oferecidas pelas empresas multinacionais e os desempregados,
que talvez se manifestassem de forma favorável, se pudessem avaliar as
possibilidades advindas do processo de abertura de suas economias.
No meio acadêmico, o assunto também está longe de ser considerado
consensual, apesar dos estudos serem pautados em modelos matemáticos
e em análises estatísticas sobre índices de pobreza e desigualdade, divul-
gados por entidades internacionais. Há, no entanto, uma tendência a con-
siderar benéficos os efeitos da globalização. Krugman e Venables (1995),
pesquisadores da Stanford University e da London School of Economics,
concluem que a globalização tende a favorecer inicialmente os países de-
senvolvidos, mas, posteriormente, com o aumento da integração das eco-
nomias, haveria uma efetiva transferência de renda desses países para os
em desenvolvimento. Santarelli e Figini (2002), em artigo publicado pelo
World Institute for Development Economics Research, afirmam que a
abertura comercial e a redução do tamanho do Estado parecem estar as-
sociadas a menores níveis de pobreza, mas sugerem que a definição de
políticas para desenvolvimento relacionadas à globalização deve conside-
rar principalmente aspectos como posição geográfica e potencial de ex-
portação. Lindert e Williamson (2001), pesquisadores da University of
California e da Harvard University, após uma análise histórica do proces-
so de globalização desde o Século XIX e a tentativa de correlação desse
processo com os índices de desigualdade entre nações, concluem que o
grande aumento da desigualdade nos últimos 20 anos não deve ser atri-
buído ao processo de globalização, e que as nações que mais se beneficia-
ram desse processo foram efetivamente nações pobres que mudaram suas
políticas para explorá-lo.
A divergência sobre os efeitos da globalização no meio acadêmico é
tratada por Aisbett (2005), pesquisadora da University of California, que
atribui a pluralidade de opiniões às diferentes metodologias para inter-
pretação dos índices de pobreza e distribuição de renda, assim como a
própria definição dos termos “pobreza” e “desigualdade entre nações”.
Apesar da conclusão ser pouco esclarecedora, em seu artigo, publicado pelo
National Bureau of Economic Research, Aisbett cita os principais tópicos de

StrategicEvaluation (2007) 1
152 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

divergência entre os acadêmicos, três dos quais parecem ser de maior


relevância no caso particular da globalização da indústria de defesa.
O primeiro se refere à discussão acadêmica sobre o nível desejado de
liberalização do comércio internacional. Enquanto alguns propõem a total
liberalização, outros defendem que essa pode não ser a melhor forma de
promover o comércio a longo prazo, e que seria desejável algum controle
pelo Estado, sobretudo para evitar custos sociais inaceitáveis. O segundo
tópico corresponde à discussão em torno das vantagens da abertura das
economias para investimentos estrangeiros, que possivelmente eliminaria
ineficiências decorrentes de monopólios nacionais e aumentaria a compe-
titividade pela privatização de determinadas atividades econômicas, po-
rém ao custo da extinção de pequenas empresas locais. O terceiro e último
tópico corresponde à percepção de muitos para o fato de que, mesmo que
a globalização possa contribuir para a redução da pobreza e da desigual-
dade, a concentração de poder econômico em grandes empresas multina-
cionais e a atribuição de poder decisório a organismos internacionais po-
dem levar à tomada de decisões não necessariamente coincidentes com o
interesse dos países envolvidos.
No caso específico da globalização da indústria de defesa, há dois ou-
tros importantes aspectos a considerar. O primeiro é a influência dos paí-
ses exportadores de armas nas relações internacionais, pois, como a capa-
cidade de defesa é essencial para os Estados, a venda de produtos a um
determinado país cria um importante vínculo de dependência. Esse vín-
culo entre a exportação de material bélico e as relações internacionais é
previsto na PNEMEM, que cita “haveria importantes vantagens políticas
e econômicas, na vinculação de países importadores e fabricantes brasilei-
ros de material militar [...] O incremento das exportações deverá fortale-
cer [...] a posição internacional do Brasil" (Lampreia, 1995).
O segundo aspecto é a associação direta entre a existência de uma in-
dústria de defesa autônoma e a soberania do país, supondo-se implicita-
mente que uma nação, para ser soberana, deve ser capaz de defender-se,
o que exige armas e munição, cuja disponibilidade só é assegurada se fo-
rem produzidas no país. Essa associação entre indústria de defesa e sobe-
rania é citada na PDN, que enfatiza a necessidade de desenvolver a in-
dústria de defesa “visando à redução da dependência tecnológica” e esti-
pula que “o desenvolvimento da indústria de defesa [...] é fundamental
para alcançar o abastecimento seguro e previsível de materiais e serviços
de defesa”. No espaço acadêmico do site do MD na internet, há diversos
artigos referentes a um ciclo de debates sobre a indústria de defesa, que
comentam essa associação. Dentre eles, Cândido (2004) menciona que

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 153
“não há como negar que a indústria de defesa é considerada, em qualquer
nação moderna, um setor altamente estratégico e diretamente relacionado
com a soberania do Estado e com a autodeterminação de um povo”, e
Silva (2004) cita que “sem uma capacidade produtiva nacional, num sis-
tema dependente de materiais importados, nossas Forças Armadas têm
suas estratégias moldadas e limitadas àquilo que puder ser adquirido de
fontes produtivas internacionais”.
A importância atribuída à existência de instalações industriais no país
capazes de produzir, de forma autônoma, todos os meios necessários a
sua defesa é verificada praticamente em todos os países desenvolvidos.
Esse vínculo com a soberania tem, de fato, limitado, por influência dos
governos, o processo de fusão e aquisição de empresas àquelas perten-
centes ao mesmo país ou, ao menos, a países tradicionalmente aliados.
Como apresentado no apartado 3, os grandes grupos industriais do setor
de defesa se mantêm com suas sedes e instalações nos EUA e Europa, es-
tabelecendo o conceito de Fortress America e Fortress Europe, citado por di-
versos autores, como Adams (2001) e Cornu (2001). A empresa OAK, em
criação na Federação Russa, deverá seguir padrão similar, mesmo que
abra seu capital para empresas aeroespaciais estrangeiras.
A autonomia de suas indústrias de defesa também tem sido buscada
por outros países em desenvolvimento, além do Brasil. No apartado 3,
são citados exemplos bem sucedidos na Índia e na África do Sul e o esfor-
ço para atingir ao menos algum grau de autonomia no setor de defesa em
outros países da América do Sul.
De forma resumida, pode-se dizer que a globalização tende a ser be-
néfica para os países em desenvolvimento. Seus aspectos negativos, como
a transferência de decisões para entidades internacionais e os custos so-
ciais decorrentes da abertura comercial e da privatização de empresas,
citados por Aisbett (2005), bem como suas particularidades, no caso da
globalização da indústria de defesa, que podem afetar a política externa e
a soberania de nações, voltarão a ser abordados nos apartados seguintes.

EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NA INDÚSTRIA DE DEFESA NACIONAL

Estado atual da globalização na Indústria de Defesa do Brasil

No Brasil, conforme apresentado no apartado 4, a exportação e o rela-


cionamento comercial com empresas estrangeiras para obtenção de capa-
citação técnica sempre foram políticas adotadas pelas nossas indústrias.
Atualmente, os efeitos da globalização na Indústria de Defesa Nacional se

StrategicEvaluation (2007) 1
154 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

tornam mais evidentes, pois as principais empresas do setor dependem


da exportação de seus produtos para garantir a sua lucratividade, muitas
delas possuem acordos comerciais com indústrias internacionais, algumas
possuem grupos com sede no exterior em sua composição acionária, e um
pequeno número dispõe até de subsidiárias em outros países.
Verifica-se que as indústrias que se mantiveram no mercado foram as
que souberam diversificar sua linha de produtos entre equipamentos de
emprego civil e militar, e as que conseguiram conquistar o mercado inter-
nacional, fabricando e exportando material de qualidade. De certa forma,
pode-se mesmo afirmar que a globalização de nossa economia, embora
limitada em relação à de outros países, foi responsável pela sobrevivência
de ao menos parte da Indústria de Defesa Nacional.
O efeito da globalização parece, dessa maneira, ter sido positivo para
o País. A idéia geral no meio acadêmico, citada no apartado 6, de que o
processo de globalização traz, em algum momento, vantagens para países
em desenvolvimento, parece ter sido o nosso caso, e o Brasil teria sido um
dos países, como mencionado por Lindert e Williamson (2001), que soube
adaptar suas políticas para explorar esse processo. É emblemática, para
essa avaliação, a seguinte expressão apresentada no site do Banco do Bra-
sil na internet que detalha seu programa de financiamento às exportações:
“PROEX - Onde Globalização é Sinônimo de Oportunidade”.
Há, no entanto, alguns aspectos negativos da globalização, apresenta-
dos no apartado 6, que já se manifestaram em nossa indústria. A transfe-
rência de decisões para órgãos internacionais ou empresas estrangeiras,
citada por Aisbett (2005), é um deles. No caso do Brasil, pode-se citar dois
exemplos de decisões tomadas contrariamente à posição do Governo so-
bre o assunto. O primeiro foi a disputa entre a Bombardier e a Embraer
sobre subsídios para exportação de aeronaves, iniciada em 1996, que, le-
vada à arbitragem da Organização Mundial do Comércio, determinou a
revisão das taxas de juros cobradas pelo PROEX do Banco do Brasil para
o financiamento da compra de aeronaves da Embraer por empresas es-
trangeiras (Ministério das Relações Exteriores, 2003). O segundo exemplo
foi a redução dos serviços prestados às Forças Armadas pela empresa
Celma, para dedicar-se à revisão geral de motores de aeronaves comer-
ciais (Revista Update, 2005), após a sua privatização em 1991 e, sobretudo,
após a assunção do controle acionário pela General Electric em 1996. A
Celma, antes da privatização, chegou a participar do programa AMX, fa-
bricando itens de motores, depois de um investimento em equipamentos
de cerca de US$ 40 milhões pela FAB (Gazeta Mercantil, 2003).

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 155
A opção pelo mercado civil feita pela Celma merece comentário adi-
cional, apesar de estar mais relacionada com a privatização da empresa
do que com a globalização da economia. Embora seja razoável supor-se
que uma indústria tenha interesse estratégico em manter-se nos mercados
civil e militar, para assegurar sua lucratividade mesmo em caso de redu-
ção de encomendas em um deles, existe a possibilidade de a empresa ab-
dicar do mercado militar, se esse for considerado de rentabilidade muito
baixa, como aparentemente aconteceu com a Celma. No caso da Embraer,
por ocasião da privatização, houve a preocupação de instituir-se a golden
share, que dava ao governo poder de veto, mesmo sem deter a maioria
das ações com direito a voto, em casos de mudança da área de atuação da
empresa, alteração de controle acionário ou participação em programas
de defesa considerados contrários aos interesses do País. O poder de veto,
no entanto, não foi utilizado para impedir o ingresso dos grupos france-
ses na participação acionária da empresa, ao qual se opôs a FAB, por te-
mer que determinasse a aquisição de produtos necessariamente na
França, em eventuais processos de obtenção de aeronaves, que envolves-
sem a Embraer (Goldstein, 2001).
Outro exemplo de efeito negativo da globalização, já percebido por
nossa indústria de defesa, foi a dificuldade de exportação de aeronaves
AMX para a Venezuela (Folha de São Paulo, 2006), por interferência do Go-
verno norte-americano, em virtude da existência, nesses aviões da Em-
braer, de diversos componentes fabricados nos EUA. Essa dificuldade
ilustra a utilização da exportação de equipamentos de emprego militar
como instrumento de política externa e, de certa forma, a relação entre
uma indústria de defesa autônoma e a soberania do Estado, dois aspectos
que foram comentados no apartado 6.

Perspectivas para a BID em virtude da globalização

Mais importante do que a avaliação dos atuais efeitos da globalização


na Indústria de Defesa Brasileira é a análise das perspectivas para seu de-
senvolvimento em uma economia globalizada, e essas perspectivas não são
boas. No setor aeroespacial, a consolidação de empresas nos EUA, Europa
e, futuramente, na Federação Russa deverá eliminar a possibilidade de a
indústria nacional desenvolver projetos autônomos de aeronaves militares,
com nível tecnológico similar ao das novas gerações de aeronaves. Mesmo
se o Governo arcasse com os elevados custos de desenvolvimento,
continuaríamos dependentes da importação da maior parte dos equipa-
mentos, tendo em vista que, como apresentado no apartado 4, nossa in-

StrategicEvaluation (2007) 1
156 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

dústria só desenvolveu capacidade para projeto de trens de pouso (ELEB) e


de alguns equipamentos de aviônica (Aeroeletônica e Mectron).
O cenário mais provável é que a Embraer concentre seus esforços na
adaptação de seus aviões ERJ-145/170/190 como plataformas de sensores
para aeronaves militares, a exemplo dos programas ERJ-145 AEW&C, ERJ-
145 RS/AGS, P-99 e ACS, citados no apartado 4, ou em eventuais adapta-
ções para missões específicas, como reabastecimento em vôo e transporte. A
fabricação de aeronaves de emprego exclusivamente militar deverá ficar
restrita ao Super Tucano, que se mantém competitivo em sua classe, pela
capacidade de efetuar missões de ataque ao solo e treinamento, com baixo
custo de operação. O AMX não foi um programa bem sucedido em termos
de exportações, sendo provável que sua comercialização no futuro esteja
vinculada a situações especiais decorrentes da política externa de alguns
países, como foi o caso da Venezuela. Essa limitada linha de produtos mi-
litares exportáveis poderá comprometer a desejável diversificação do fatu-
ramento da Embraer entre o mercado civil e militar, após o encerramento
dos programas de modernização das aeronaves F-5 e AMX da FAB.
A sobrevivência no mercado militar da Mectron e da Aeroeletrônica
depende de contratos com a FAB, pois a exportação de seus produtos para
emprego em outras aeronaves exigiria dispendiosos programas de homo-
logação aeronáutica, que não são normalmente custeados pelos comprado-
res. No caso da Mectron, a conquista do mercado internacional estaria su-
jeita à competição com indústrias tradicionais no setor e de países em de-
senvolvimento, como a Denel. A vulnerabilidade de dispor de apenas um
cliente no setor militar é mais crítica para a Mectron do que para a Aeroe-
letrônica, pois esta possui ao menos alguma participação no mercado civil.
A Helibras e a Avibras já demonstraram capacidade de sobreviver
sem contratos com o Governo. A Helibras, no entanto, tem poucas
chances de tornar-se uma empresa capaz de projetar e construir heli-
cópteros, como a Denel ou HAL, em função de sua posição já consoli-
dada na EADS como simples montadora de aeronaves. Com tecnolo-
gia própria, há boas perspectivas para a Avibras, porém no setor de
sistemas de artilharia e de carros blindados e não no setor aeroespa-
cial, no qual deverá enfrentar dificuldades similares às da Mectron,
para comercializar seus foguetes e mísseis.
No setor de fabricação de armas leves e munição, tanto a Taurus como
a CBC parecem bem adaptadas à globalização da economia, com uma
linha de produtos diversificada e comercializada no mercado interno e
externo. Embora importantes para a formação de uma indústria de defesa

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 157
autônoma, a relevância dessas empresas para a Segurança Nacional é li-
mitada pelo fato de fabricarem produtos de pouco valor estratégico, como
armas de emprego civil e munição para armamento de pequeno calibre.
A fabricação de munição para armamento pesado e de armas portáteis
de emprego militar está a cargo da IMBEL e da FAJCMC. Essas indústrias
apresentam resultados historicamente deficitários e, mesmo com a injeção
de recursos, por meio de programas específicos, é improvável que se tor-
nem rentáveis, pois a proibição de competirem com o setor privado, esta-
belecida na PNID, inviabiliza a diversificação de seus produtos. Assim,
impossibilitadas de obterem baixos custos de produção, por fabricarem
lotes relativamente pequenos para atendimento às Forças Armadas bra-
sileiras, e sujeitas às restrições para administração financeira e compra de
insumos similares aos do serviço público em geral, essas companhias pa-
recem fadadas a uma baixa competitividade em um mercado globalizado.
Além desses aspectos, a falta de encomendas militares poderá deter-
minar o afastamento das indústrias do setor de defesa em relação a esse
mercado. O envolvimento da Avibras com a fabricação de antenas e com
firmas de transporte, a progressiva redução da proporção do faturamento
com a venda de armas da Taurus em relação a suas outras atividades e a
interrupção dos serviços de reparo em motores militares pela Celma são
sinais de que uma indústria de defesa com base privada não permanecerá
aguardando por oportunidades na área militar por prazo indeterminado.
Resumidamente, a visão prospectiva da Indústria de Defesa Nacional,
sem a participação governamental, indica que não deverá haver desen-
volvimento significativo no setor aeroespacial, e que a própria sobrevi-
vência das indústrias de alta tecnologia não está assegurada. Essa visão
também indica que a IMBEL e a FAJCMC deverão manter-se deficitárias.
A análise de possíveis ações estratégicas para apoiar o desenvolvimento
da BID será objeto do próximo apartado.

ANÁLISE DE AÇÕES ESTRATÉGICAS

Ações estratégicas já definidas pelo MD

Conforme apresentado no apartado 5, o estímulo à BID é previsto na


PDN e PNID, tendo sido atribuída à SELOM a responsabilidade pela de-
finição das ações estratégicas a serem tomadas para a efetiva implementa-
ção da PNID. Tais ações foram estabelecidas pela Portaria Normativa nº 586
de 24 de abril de 2006 do MD (2006), que prevê atividades em sete áreas de
atuação: conscientização da sociedade quanto à importância da BID,

StrategicEvaluation (2007) 1
158 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

nacionalização de material de defesa considerado estratégico, redução de


impostos, ampliação das encomendas das Forças Armadas, melhoria da
qualidade de produtos, aumento da capacidade de mobilização da
indústria de defesa e incremento da competitividade da BID no exterior.
Algumas das atividades previstas na portaria foram tratadas nesta
monografia, tais como a simplificação dos procedimentos para exportação
de material de emprego militar, estabelecida na área de atuação voltada
ao aumento da competitividade da BID; a redução de tributos incidentes
sobre os produtos de defesa e seus insumos; e a adoção de offset de trans-
ferência de tecnologia, prevista na área de atuação referente à melhoria da
qualidade dos produtos de defesa.
Ao prever o aumento da competitividade da BID, a portaria favorece a
globalização. As ações relacionadas a essa área de atuação incluem o en-
vio de subsídios ao Ministério das Relações Exteriores e órgãos de expor-
tação referentes às oportunidades de vendas visualizadas pela BID, a di-
vulgação pelos adidos militares brasileiros dos produtos da indústria de
defesa, a coordenação das ações para certificação de produtos em relação
aos requisitos de normas internacionais e o estímulo à realização de acor-
dos entre indústrias nacionais e estrangeiras para desenvolvimento de
itens com tecnologia não disponível no país.
Serão analisadas a seguir algumas ações que, no meu entendimento,
poderão complementar as estabelecidas na portaria do MD, com ênfase
nas oportunidades surgidas com a globalização da economia.

Método para avaliação de novas ações estratégicas

A análise das novas ações estratégicas a serem propostas será feita a


partir dos tópicos mais polêmicos relacionados ao processo de globaliza-
ção da economia, identificados no apartado 6, procurando-se definir
ações que possam neutralizar as desvantagens desse processo para nossa
indústria de defesa e tirar proveito de suas vantagens. Serão considerados
o atual cenário das indústrias desse setor no Brasil e no mundo, apresen-
tado nos apartados 3 e 4, a legislação e as políticas referentes à indústria
de defesa, descritas no apartado 5, e os efeitos da globalização já percebi-
dos em empresas brasileiras, destacados no apartado 7. Dessa forma,
foram identificados os seguintes aspectos favoráveis (AF) e desfavoráveis
(AD) associados à globalização ao longo desta pesquisa:

AF1 - O aumento da exportação de material de defesa reduz a dependência da


BID em relação ao mercado interno;

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 159
AD1 - A participação acionária de grupos estrangeiros em companhias de ca-
pital aberto da BID pode eventualmente determinar a saída da empresa da área
militar (seção 7.1 - caso da Celma);
AD2 - A criação de grandes grupos transnacionais poderá eliminar a capacida-
de da indústria aeroespacial brasileira para desenvolver produtos competitivos
(seção 7.2 - perspectivas para Embraer);
AD3 - As indústrias de defesa tornaram-se muito dependentes de exportações
para garantir sua lucratividade (seções 4.2 e 4.3 - situação da Embraer, Heli-
bras, Avibras, CBC e Taurus);
AD4 - A BID depende da importação de material para a fabricação de seus
produtos, o que limita as ações de política externa do Brasil e compromete sua
soberania (seção 7.1 - venda de aeronaves para a Venezuela);
AD5 - A redução de barreiras comerciais e a privatização de empresas podem
provocar o fechamento de indústrias no país (capítulo 6 - desvantagens da glo-
balização segundo Aisbett).
Para a análise das possíveis ações estratégicas, serão consideradas as seguintes
diretrizes estabelecidas pelo Governo:
D1 - Deverão ser estimuladas a integração regional da indústria de defesa e a
realização de parcerias estratégicas com outros países (Orientação Estratégica
da PDN);
D2 - Deverá ser buscado o aumento de competitividade da BID para a expan-
são das exportações (Objetivo da PNID);
D3 - As ações do Governo não devem ser excessivamente protecionistas, res-
tringindo-se ao estímulo da capacidade de empreendimento da BID, que deve
buscar seu próprio desenvolvimento, com os riscos associados (Orientação
para implementação da PNID);
D4 - As empresas públicas não devem concorrer com as do setor privado da
BID (Orientação para implementação da PNID).

Transferência de serviços de manutenção para a BID

É improvável que uma companhia de capital aberto tome decisões


que contrariem o interesse de seus acionistas, para manter negócios
pouco rentáveis com o Governo. Os investimentos já efetuados na empre-
sa pelo Estado ou a realização de grandes encomendas no passado não
são fatores que pesam na lógica corporativa, voltada essencialmente para
as oportunidades no presente e futuro. Assim, penso que a única forma
de assegurar que o interesse das Forças Armadas seja considerado nos
planos estratégicos de companhias privadas é a transformação dessas
Forças em clientes de peso, com demanda contínua de serviços.
A transferência de serviços atualmente realizados pelas OMPS, Par-
ques de Material e Arsenais das Forças Armadas para a BID surge como

StrategicEvaluation (2007) 1
160 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

opção para manter elevado o percentual de serviços prestados às Forças


Armadas no faturamento total dessas empresas. As companhias privadas
beneficiar-se-iam de uma demanda mais uniforme de serviços, uma de
suas principais necessidades como já visto, e seriam estimuladas a manter
sua linha de produtos na área militar. Essa ação estratégica minimizaria
os aspectos AD1 e AD3, atendendo às diretrizes D3 e D4.
Não se trata de uma idéia original. Na seção 3.1, foram apresentados o
Reino Unido, Chile e Argentina como exemplos de países que privatizaram
parte dos serviços de manutenção de suas Forças Armadas, e Amarante
(2004) sugere a diversificação da atuação da IMBEL, passando a incluir a
área de serviços, como forma de melhorar a situação financeira da empresa.
As ações nesse sentido, creio, deveriam considerar sempre a qualifica-
ção de pelo menos duas empresas, para preservar a competitividade, e
assim permitir a obtenção de custos aceitáveis. As bancadas de testes e o
ferramental necessário seriam, preferencialmente, de propriedade das
Forças Armadas, objetivando reduzir o investimento inicial do setor pri-
vado, que, pela baixa demanda de serviços, poderia ser considerado eco-
nomicamente inviável, e facilitar a rápida transferência do serviço para
outra companhia, caso necessário.
A criação de um órgão único no âmbito do MD para a qualificação de
prestadoras de serviços às Forças Armadas, o Centro de Certificação, de
Metrologia, de Normalização e de Fomento Industrial (CCEMEFA), ins-
tituído pela Portaria Normativa nº 75 de 10 de fevereiro de 2005 do MD,
poderá facilitar o estabelecimento de uma política de qualificação de em-
presas adequada às três Forças.

Alteração da forma de gestão das instalações industriais pertencentes ao Estado

A baixa probabilidade da IMBEL e da FAJCMC se tornarem rentáveis,


conforme abordado na seção 7.2, parece abrir espaço para uma discussão
sobre as eventuais vantagens de consolidação dessas fábricas de munição
e de armamento leve, sob gestão privada, propiciando à nova companhia
uma maior estabilidade de demanda, pelo monopólio do mercado nacio-
nal civil e militar.
A privatização, ideal de acordo com as diretrizes D3 e D4, poderia ser
questionada quanto à possibilidade de o monopólio acarretar custos ele-
vados para aquisição de material pelas Forças Armadas. Hix, Held e Pint
(2004) afirmam, no entanto, que a necessidade de exportar produtos para
assegurar sua sobrevivência acabaria compelindo a empresa a manter
elevados índices de produtividade e, conseqüentemente, baixos preços.

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 161
Mesmo que colocasse elevadas margens de lucro em seus produtos, a
possibilidade de aquisição de material no mercado internacional estabele-
ceria um teto para essa margem. Deve-se considerar, também, que a ma-
nutenção dessas instalações industriais sob controle estatal já onera o va-
lor do material obtido pelas Forças Armadas, quando as encomendas são
de pequena monta.
Embora a IMBEL e a FAJCMC sejam deficitárias, há alguns aspectos que
podem torná-las atrativas à iniciativa privada, tais como o fato de não serem
necessários investimentos imediatos em equipamentos, que se encontram
em condições de uso; a ausência de dívidas, tendo em vista que seu custeio
sempre foi de responsabilidade das Forças Armadas; a existência de um
setor na IMBEL, o de fabricação de armas leves, bem estruturado e com
mercado já assegurado no exterior; e, sobretudo, o fato de a rentabilidade,
em princípio, poder ser obtida com a intensificação de buscas de mercados
no exterior, a exemplo do efetuado pela SNC Technologies, explorando o
mercado sul-americano, pois, como visto no item 3.2, há poucas indústrias
capazes de fabricar munição para armamento pesado na região.
Uma ação do tipo golden share, como previsto no caso da Embraer, po-
deria dar uma maior garantia às Forças Armadas de que a linha de pro-
dutos das empresas, após a privatização, não seria alterada. Em princípio,
não haveria motivos para restringir a participação de grupos estrangeiros
no capital das empresas privatizadas, pois isso já ocorre no caso de diver-
sas companhias do setor de defesa, como apresentado no apartado 4. A
manutenção das instalações no Brasil parece o principal requisito a ser
exigido, em termos estratégicos.
A gestão privada, mantendo-se o patrimônio da empresa com as For-
ças Armadas, poderia também ser considerada, levando-se em conta que
o modelo, aparentemente, funciona com algum grau de eficiência nos
EUA. A experiência negativa da MB com a gestão da FAJCMC pela FI -
Indústria e Comércio S/A, no meu entender, não deve fazer com que essa
alternativa não volte a ser considerada. A gestão combinada da IMBEL e
FAJCMC poderá tornar-se atrativa para as indústrias nacionais já com
experiência no setor e comprovado sucesso na obtenção de novos merca-
dos, como a Taurus e a CBC. Talvez a gestão privada possa mesmo tornar-
se uma etapa intermediária para a privatização dessas empresas, pois, se
esse tipo de gestão demonstrar que as mesmas podem ser rentáveis, man-
tendo sua atual linha de produtos, o risco de investimento para indústrias
eventualmente interessadas na aquisição seria reduzido e, ao mesmo
tempo, o seu valor de venda poderia ser significativamente superior.

StrategicEvaluation (2007) 1
162 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

A consolidação da IMBEL e FAJCMC com as demais indústrias de fa-


bricação de munição e armas leves, privatizadas ou sob gestão privada,
contribuiria também para minimizar o aspecto desfavorável AD3, pois
concentraria o mercado interno, com provável aumento de produtivida-
de, dentro do previsto pelas diretrizes D2, D3 e D4. No que se refere ao
aspecto desfavorável AD5, acredita-se que a privatização possa permitir a
contratação de mais funcionários, pelo aumento de demanda decorrente
de uma estratégia de vendas mais agressiva, típica do setor privado.

Detalhamento das exigências de compensações comerciais


Como apresentado no item 5.4, a inclusão de cláusulas de offset em
contratos de obtenção de material militar foi um importante instrumento
para o fomento da Indústria de Defesa Nacional e, atualmente, é regula-
mentado por instruções do MD e MB. Há, no entanto, dois aspectos sobre
o processo de fomento industrial, por meio de compensação comercial,
que merecem consideração.
O primeiro é que o offset, na forma de “produção sob licença”, “co-
produção”, “produção sob subcontrato”, “joint venture” ou “investimento
direto” implica em custos para o comprador. Freeman (2002) cita, como
exemplo, a exigência da montagem das aeronaves F-15 no Japão, que tor-
nou o preço 250% superior ao da obtenção diretamente das indústrias dos
EUA, e o próprio programa AMX, cujo preço unitário acabou tornando-se
o dobro do valor inicialmente previsto de US$ 10 milhões e, dessa forma,
bastante superior ao custo de uma aeronave similar “de prateleira” na
época. O segundo aspecto é que offsets normalmente não propiciam pro-
gressos de longo prazo à economia de países em desenvolvimento, pois
não asseguram as condições para que as indústrias que receberam estí-
mulos tornem-se competitivas, como enfatizam Brauer e Dunne (2005).
Mesmo a transferência de tecnologia seria um benefício efêmero, em vir-
tude do rápido desenvolvimento tecnológico.
Para o projeto de equipamentos, a compensação comercial na forma
de “transferência de tecnologia” só se justifica se permitir reduções de
custo ou de tempo significativas nos programas de desenvolvimento e,
mesmo assim, se aplicada em empresas capazes de efetivamente comer-
cializar os equipamentos a serem projetados. No caso da nacionalização
de serviços de manutenção, no entanto, a transferência de tecnologia pa-
rece ter retorno assegurado, não só em termos de economia de recursos a
longo prazo, mas também em termos estratégicos, por assegurar a opera-

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 163
ção dos meios existentes sem dependência externa, o que indica a conve-
niência de priorizar esse tipo de aplicação de offset.
De qualquer forma, seria desejável que as prioridades para a exigência
de compensação comercial definidas no artigo no 18 da Portaria 764/MD
fossem melhor detalhadas. Poderia ser interessante a elaboração de uma
lista de programas de transferência de tecnologia de interesse do País, em
ordem de prioridade, que detalhassem o produto final desejado, como,
por exemplo, sensores infravermelhos para emprego em mísseis ar-ar, ou
a capacitação desejada, como a de realizar serviços de revisão geral em
caixas de transmissão de helicópteros de médio porte, com cada um des-
ses programas associados a valores financeiros a serem considerados para
efeito de cômputo de offset em processos licitatórios. Tal lista seria apre-
sentada aos licitantes, facilitando a elaboração de ofertas de offset no valor
estipulado pelo MD, conhecendo-se a priori a relevância a ser atribuída a
sua proposta na avaliação pela Força Armada contratante, uma vez que
essa relevância seria proporcional à prioridade definida na lista.
No caso de falta de recursos para a exigência de compensação comer-
cial, a modalidade de “contrapartida comercial”, pela qual o país expor-
tador se obriga a comprar produtos ou serviços de valor equivalente ao
do material importado, deveria tornar-se obrigatória, novamente associa-
da à elaboração de uma lista de produtos fabricados pela BID, ordenada
pelo valor estratégico correspondente a sua venda, a ser definido pelo
MD. Essa modalidade é particularmente conveniente como argumentação
política para reaparelhamento das Forças Armadas, pois, exigindo-se, por
exemplo, 100% de contrapartida comercial, haveria vantagens à econo-
mia, em termos de aumento de oferta de empregos e de pagamento de
impostos pelas empresas brasileiras que exportassem o material.
A ação estratégica de priorizar offsets de nacionalização de serviços de
manutenção e de contrapartida comercial não estaria totalmente de
acordo com a diretriz D3. No entanto, a nacionalização da manutenção
poderia minimizar o aspecto desfavorável AD3, pela eventual contratação
da BID para prestação de serviços para outros países e, no caso de offset
por contrapartida comercial, seria intensificado o aspecto favorável AF1.

Participação em projetos internacionais


Pelo apresentado, pode-se dizer que uma das características mais mar-
cantes da nova fase da globalização da economia é que os programas inter-
nacionais para projeto e desenvolvimento de material de defesa passaram a
ser prática usual, enquanto que iniciativas autônomas de países, como o

StrategicEvaluation (2007) 1
164 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

programa da aeronave Rafale da França, se tornaram exceção à regra. Em


programas como o do avião de emprego tático JSF, que envolve os EUA,
Reino Unido, Itália e mais seis países; dos navios-aeródromos CVF, com
participação do Reino Unido, França e EUA; das Frégates Européenes Mul-
timissions (FREMM), para construção de fragatas pela França e Itália (De-
fense Industry Daily, 2005); e do Patrullero de Alta Mar (PAM), entre Argen-
tina e Chile, destinado à construção de navios-patrulha (Crónica Digital,
2005), há uma divisão de trabalho internacional, com a qual os riscos são
reduzidos e se assegura uma escala de produção mínima para tornar
econômico o desenvolvimento de equipamentos especiais para o projeto.
A busca de programas internacionais, como ação estratégica, não auxi-
liaria a eliminação da AD4, pois não propiciaria a desejada combinação de
uma indústria de defesa soberana e forte, uma vez que a participação da
BID nesses programas seria limitada ao fornecimento de alguns itens do
novo meio a ser projetado. Entretanto, é uma clara oportunidade de, ao
menos, fortalecer nossa indústria de defesa, desenvolver sua capacidade de
projeto e reaparelhar as Forças Armadas com material que, pela quantidade
a ser fabricada, terá menor probabilidade de apresentar problemas de
abastecimento. A participação da BID em programas internacionais serviria
para maximizar o aspecto favorável AF1, pois incrementaria a exportação
de material de emprego militar. Exemplificando, o que se sugere é que
pode ser uma ação mais eficiente para a indústria nacional, hipoteticamen-
te, participar de um programa internacional para a fabricação de cerca de
2.600 aeronaves, como o JSF, fornecendo itens da estrutura da fuselagem,
trem de pouso e alternativas de mísseis e foguetes, com o compromisso de
o País adquirir um pequeno número de aviões, do que comprar aeronaves
já projetadas e discutir offsets de transferência de tecnologia, uma vez que a
primeira alternativa permitiria uma fonte de receita contínua para a indús-
tria, que é, de fato, aquilo que ela mais necessita.
A ação estratégica de participar de programas internacionais é mais
abrangente que a realização de acordos entre indústrias nacionais e do
exterior para desenvolver produtos cuja tecnologia não esteja disponível
no Brasil, já prevista pela SELOM. O propósito da participação nesses
programas é, essencialmente, assegurar escala de produção, que se aplica
mesmo no caso de produtos com tecnologia já disponível.
Essa busca de parcerias estratégicas é citada na diretriz D1, embora
deva ser lembrado que, ao menos no que se refere ao setor aeroespacial, a
tentativa de estabelecer a integração regional não foi bem sucedida no
passado, quando a Embraer procurou associar-se com a Argentina no
programa de desenvolvimento do avião CBA-123. O estabelecimento de

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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 165
parcerias estratégicas com a Índia e a África do Sul em programas de de-
senvolvimento de aeronaves e mísseis parece, no entanto, uma boa alter-
nativa a ser investigada, pelo nível de desenvolvimento tecnológico al-
cançado por esses países, o que poderia minimizar o AD2.
É interessante observar que a importância de parcerias com a África do
Sul e a Índia já foi visualizada por esses países. Um representante do Go-
verno da África do Sul, em visita à exposição LAAD-2005, ao se referir à
maior colaboração com o Brasil e a Índia, teria feito o seguinte comentário:
“com tais cooperações internacionais, nós podemos melhorar nossa inde-
pendência estratégica no mundo, aumentando simultaneamente nossa par-
ticipação no mercado mundial de defesa" (Defense-Aerospace.com, 2005). O
CTA estaria prestes a assinar contrato com a Denel para participação no de-
senvolvimento do míssil A-Darter, que atenderia ao interesse dessa em-
presa, pela falta de recursos para concluir o programa, e do Brasil, que pre-
cisaria de, no mínimo, o triplo do orçamento previsto para a parceria, se
procurasse desenvolver o projeto de forma autônoma (Defesa@net, 2006).
No que diz respeito à Índia, encontra-se em tramitação na Câmara dos De-
putados a homologação do Acordo Militar com o Brasil, o Projeto de De-
creto Legislativo 1393/04 da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional, que prevê cooperação nos campos de pesquisa e desenvolvi-
mento tecnológico e aquisição de equipamentos bélicos (Telles, 2005).

Eliminação de barreiras comerciais


Como mencionado em intens anteriores, o artigo nº 190 do Decreto nº
3.665/2000 estabelece reserva de mercado para empresas que forneçam
produtos estratégicos de defesa. Entende-se que a eliminação dessa reser-
va de mercado possa ser considerada, pois poderia atuar como óbice à
exportação de material para países que se julgassem prejudicados. Essa
barreira comercial parece desnecessária, pois o artigo nº 24 da Lei nº 8666
de 1993, modificada pela Lei nº 11.196 de 2005, estabelece a dispensa de
licitação “para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou presta-
dos no país, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnoló-
gica e defesa nacional”. Com base nessas leis, as Forças Armadas pode-
riam, a seu critério, dar preferência à obtenção de produtos estratégicos
no Brasil, sem que houvesse uma barreira comercial estabelecida por lei.
Quanto ao material não estratégico, como armas e munição de uso ci-
vil, as barreiras tarifárias para importação são relativamente elevadas,
situando-se em torno de 20% no âmbito do Mercosul (Ministério do De-
senvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, s/d). A redução dessas ta-

StrategicEvaluation (2007) 1
166 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

rifas de importação, em decorrência da eventual aceleração do processo


de globalização da economia, poderia comprometer ainda mais a compe-
titividade de determinados produtos da BID no mercado nacional, já afe-
tados pelo “Custo Brasil”, conforme citado anteriormente.
Considera-se que, apesar disso, a intensificação da globalização poderia
ser benéfica para a Indústria de Defesa Nacional, pela redução das barreiras
tarifárias de outros países à importação de produtos brasileiros, pois o poten-
cial de negócios no mercado externo é significativamente maior que no inter-
no e, segundo Kume e Piani (2004), o índice de “Vantagem Comparativa Re-
velada Simétrica”, que indica a competitividade de um setor da economia no
mercado internacional, é um dos mais elevados no caso da nossa indústria de
armas e munição. Nesse caso, o aspecto desfavorável AD5 seria, provavel-
mente, compensado pelo incremento do aspecto favorável AF1.
Mesmo com esse provável benefício, creio que não seja atualmente ne-
cessária uma ação estratégica voltada à negociação de alíquotas de im-
portação aplicáveis a produtos de defesa com outros países e blocos
econômicos, tendo em vista a relativa facilidade encontrada pelas empre-
sas nacionais para exportação de material, sob as condições vigentes. O
risco de prejudicar a competitividade de alguns itens da BID no mercado
nacional não parece justificar-se, ao menos no momento.

Consolidação da indústria de defesa


A consolidação da BID em um grande grupo empresarial privado,
embora pudesse fortalecê-la, não seria capaz de torná-la competitiva em
relação aos grandes grupos transnacionais, a ponto de minimizar o as-
pecto desfavorável AD2, pois, mesmo consolidada, haveria uma grande
diferença de faturamento total em relação ao desses grupos. Essa alterna-
tiva, que exigiria possivelmente financiamento de banco estatal, deixa de
ser considerada, pela diretriz D3, assim como uma eventual iniciativa de
criar-se uma empresa estatal para controle da BID, com funções similares
às exercidas pela Armscor na África do Sul, pela diretriz D4.

Validação das ações propostas


Para validação das ações estratégicas a serem propostas, com intuito de
evitar a sugestão de atividades já analisadas e consideradas inadequadas
pelo Governo, solicitou-se uma visita à SELOM. Assim, realizou-se uma
entrevista com o Diretor do Departamento de Logística (DEPLOG) da
SELOM, Brigadeiro-do-Ar José Roberto Scheer, em 27 de abril de 2006, com

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 167
base no roteiro do APÊNDICE A, no qual foram incluídas as respostas para
as perguntas formuladas. Com base nessa entrevista, verificou-se que:

a) A transferência de serviços de manutenção para a BID não está sendo


considerada pelo MD, por entender-se que tal atividade é da competência dos
Comandos das Forças Singulares;
b) Não está em estudo a alteração da forma de gestão da IMBEL e FAJCMC;
c) Não há, atualmente, ações do MD para que a BID participe de programas
internacionais para desenvolvimento de meios;
d) Há entendimentos para o aumento da cooperação militar entre o Brasil, Ín-
dia e África do Sul, sob coordenação da Secretaria de Política, Estratégia e As-
suntos Internacionais (SPEAI) do MD;
e) A legislação referente à importação de material bélico é considerada ade-
quada para as necessidades das Forças Armadas;
f) Não há estudo em andamento para consolidação da BID, que, no entender
do MD, deverá ser uma iniciativa da própria indústria de defesa.

Foi verificado junto à SPEAI, de forma informal, a situação da coope-


ração militar entre Brasil, África do Sul e Índia. Verificou-se que o MD é
responsável pelos entendimentos na área de defesa do Fórum de Diálogo
Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), já tendo ocorrido uma reunião entre os
Ministros da Defesa desses países em fevereiro de 2004, em Pretória, sendo
prevista a realização da segunda reunião em 2006. O IBAS, criado em 2003,
é um fórum para tratar de assuntos referentes ao desenvolvimento econô-
mico e social, no qual são também exploradas possibilidades de parcerias
na área de ciência e tecnologia (Ministério das Relações Exteriores, s/d).
Pelas informações obtidas no MD, pode-se verificar que as ações es-
tratégicas propostas nesta monografia não estão em desacordo com o en-
tendimento desse ministério sobre a forma de estimular a BID, embora
algumas das ações propostas não tenham sido consideradas da sua área
de competência. Assim, apenas a sugestão para revisão da legislação para
importação de material de emprego militar, eliminando-se a proteção
prevista no Decreto nº 3.665/2000 para o material de defesa estratégico,
deixou de ser considerada, tendo em vista que o MD foi enfático quanto à
adequação da legislação atual.

CONCLUSÕES

Esta monografia, como exposto em sua introdução, teve como propó-


sitos a identificação dos efeitos do processo de globalização na Indústria

StrategicEvaluation (2007) 1
168 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional

de Defesa Nacional e a determinação de ações estratégicas para o apro-


veitamento desse processo em benefício do País.
No que se refere aos efeitos da globalização, verificou-se que estes fo-
ram, em geral, positivos, sobretudo em função da exportação de material,
que foi responsável pela sobrevivência de parte do setor industrial de de-
fesa, após seu apogeu na década de 80. Atualmente, há participação de
grupos estrangeiros em companhias nacionais e algumas empresas brasi-
leiras, como a Embraer e a Taurus, começam a se estabelecer no exterior.
Por outro lado, alguns dos aspectos negativos da globalização se eviden-
ciaram, e, principalmente, a visão prospectiva da evolução da nossa in-
dústria de defesa não é promissora. A ação governamental, que teve par-
ticipação direta no desenvolvimento das principais empresas fornecedo-
ras de material de emprego militar, será novamente importante para as-
segurar a expansão da BID, conforme previsto na PDN.
Essa necessidade de participação governamental determinou o esta-
belecimento da PNID pelo MD, atribuindo à SELOM a missão de estabe-
lecer as ações estratégicas para implementação dessa política, cumprida, em
abril desse ano, pela emissão de portaria ministerial. Algumas das ações
estabelecidas se relacionam à exportação de material e à competitividade da
BID no comércio internacional, indicando que a estratégia do Governo
inclui o aproveitamento do processo de globalização da economia.
No decorrer da análise das ações estratégicas para desenvolvimento
da BID, o segundo propósito desta monografia, verificou-se a possibili-
dade de considerar-se novas ações, em complemento àquelas já estabele-
cidas pelo MD. Assim, levando-se em conta a situação da indústria de de-
fesa no mundo e as políticas governamentais em vigor, entendo que as
seguintes ações estratégicas adicionais possam também ser apreciadas:

a) Transferência para a indústria privada dos serviços de reparo e revisão ge-


ral de meios e equipamentos atualmente realizados em OMPS, Parques de
Material Aeronáutico e Arsenais;
b) Privatização ou estabelecimento de contrato de gestão privada na IMBEL e
FAJCMC;
c) Melhor detalhamento do offset a ser buscado por ocasião da realização de
contratos para obtenção ou modernização de meios, sob a coordenação do MD,
priorizando os relacionados à nacionalização de serviços de manutenção e à
contrapartida comercial;
d) Opção preferencial pela participação em programas multinacionais para de-
senvolvimento de meios, com ênfase na busca de parcerias com países com grau
de desenvolvimento tecnológico similar ao do Brasil, como África do Sul e Índia.

StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 169
Por fim, dois aspectos referentes às ações estratégicas sugeridas mere-
cem destaque e foram deixados para o término da monografia, de forma a
assegurar-lhes a devida ênfase. O primeiro é que as ações sugeridas po-
dem ser tomadas no âmbito das Forças Armadas, o que lhes confere uma
maior chance de sucesso. O segundo é que o tradicional conceito de de-
senvolvimento da indústria de defesa a qualquer custo, tendo em vista o
seu valor estratégico, é uma linha de ação que deixou de passar por qual-
quer análise de exeqüibilidade, em virtude da redução dos orçamentos
das Forças Armadas. As novas ações estratégicas sugeridas consistem na
alteração de procedimentos administrativos e de prioridades para aplica-
ção de recursos, sem necessariamente acarretarem maiores despesas.
Quanto às três questões levantadas na introdução, que serviram de mo-
tivação para o desenvolvimento deste trabalho, suas respostas se tornaram
claras ao longo do texto. Nossa indústria poderá sobreviver, competindo
com os grandes grupos transnacionais? A resposta é sim, a sobrevivência é
possível, não pela competição, mas pela formação de parcerias, como tem
sido a tendência mundial. Há benefícios no envolvimento de nossas empre-
sas no processo de globalização? Certamente que sim, pois sem um merca-
do interno com demanda contínua, a exportação de material de emprego
militar torna-se obrigatória, e a globalização crescente da economia nos fa-
vorece. Finalmente, há maneiras de o Estado intervir nesse processo, de
forma a torná-lo compatível com a PDN? Sim, uma intervenção que foi feita
historicamente e que se torna cada vez mais importante.

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*
Aluisio Sérgio Torres Filho é Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) da Marinha do
Brasil; Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro com a dissertação “Projeto de controladores de cota de profun-
didade de submarinos” (1996) e Mestre em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal Fluminense com a dissertação ”Análise de risco em
estimativas de custo de construção de navios” (1999).

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

KLEBER SILVA DOS SANTOS

A nacionalização na Marinha do Brasil *


Nationalization in Brazil’s Navy

Resumo: No processo de nacionalização da Marinha do Brasil, notou-se que os ín-


dices de obtenção de equipamentos e sobressalentes no estrangeiro permanecem
elevados. Também se observou que a geração de produtos e serviços de interresse
naval decorrentes da pesquisa e do desenvolvimento é baixa. Avaliaram-se as vul-
nerabilidades estratégicas do país no mar e no setor produtivo, resultantes da situ-
ação precária da maioria dos componentes do poder Marítimo e da defasagem tec-
nológica. Estudaram-se índices de nacionalização de sobressalentes e a sistemática
de obtenção e de modernização de meios navais, à luz da fabricação de equipa-
mentos e sistemas no país. Analisaram-se investimentos em ciência e tecnologia,
suas implicações no setor industrial e os reflexos na Marinha. Mostraram-se prin-
cipais medidas implantadas com a finalidade de investir nesses setores e propiciar
o desenvolvimento brasileiro. Dentre os resultados, destacaram-se a necessidade
de flexibilizar os requisitos técnicos do material da Marinha produzido no país; a
aprovação de uma Política de Nacionalização que oriente os procedimentos; e a
instalação de uma Comissão Permanente para conduzir o processo.
Palavras-chave: Nacionalização; vulnerabilidade estratégica; ciência e tecnologia.

Abstract: During the nationalization process of the Brazilian Navy it was noticed that the
index of foreign equipments and reserves are high. It was also observed that the generation
of products and services of naval interest resulting from research and development are low.
Strategic vulnerabilities of the country at sea and in its industrial sector, arising from the
precarious situation of most naval power components and technological imbalance, where
evaluated, studying nationalization indexes of reserves and the sistematic of naval means
obtention and modernization, taking into account the production of equipment and sys-
tems. Investments in science and technology and their implications in the industrial sector
and the Navy are also analysed, underlining the main measures that have been implemen-
ted to foster investments in these sectors and Brazilian development in general. Among the
results, the need for further flexibilization of technical requirements of naval materials pro-
duced in the country, the approbation of a Nationalization policy to guide procedures and
the creation of a Permanent Commission to conduct this process, are pointed out.
Keywords: Nationalization; strategic vulnerability; science and technology.

*Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito de conclusão do


Curso de Política e Estratégia Marítimas. Orientador: CMG A. C. Teixeira Martins.
178 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

INTRODUÇÃO
A era do conhecimento trouxe novos desafios com a introdução cada
vez mais rápida de novas e revolucionárias tecnologias. Os países em de-
senvolvimento estarão condenados a uma infindável dependência externa
caso não consigam obter por meios próprios produtos e serviços avança-
dos advindos do desenvolvimento científico e tecnológico.
O grau de desenvolvimento de um país é o reflexo de vários fatores
entre os quais se destacam o nível científico e tecnológico alcançado pelas
instituições de pesquisa e a estrutura do setor produtivo. Uma forte liga-
ção entre esses dois setores é fundamental para a edificação de um parque
industrial pujante, assim como, para a obtenção de soluções que possam
contribuir para a geração de produtos nacionais.
Quando se trata da produção de material de defesa, a simbiose entre
os dois setores torna-se estratégica. Nessa área, os países que detêm o
conhecimento das tecnologias-chave não as transferem, criando um hiato
tecnológico entre os países desenvolvidos e os emergentes aumentando
assim, as vulnerabilidades dos países do último grupo.
No Brasil, o desempenho do setor produtivo é afetado tanto pelas
conjunturas econômicas e políticas do atual mundo globalizado, quanto
pela falta de aplicação de uma política de Estado que não sofra solução de
continuidade com as mudanças governamentais. Por outro lado, o setor
de ciência e tecnologia (C&T), embora figure na lista das prioridades há
décadas, carece de uma política mais objetiva direcionada para a produ-
ção de resultados, uma vez que, pouco tem contribuído para o incremento
da indústria nacional. A participação das Forças Armadas (FA) no
processo de desenvolvimento nacional é necessária, funcionando como
um importante instrumento para o fortalecimento da capacitação
tecnológica do país e para a produção de material de Defesa.
O governo federal tem adotado políticas com o propósito de regular e in-
centivar os setores industrial e tecnológico de modo a propiciar condições
favoráveis para os seus crescimentos. Por sua vez, o Ministério da Defesa
vem implantando medidas para estruturar e fortalecer os setores do material
e de C&T das FA e, em paralelo, tem emitido normas para incentivar a in-
dústria de defesa. A Marinha do Brasil (MB) vem perseguindo a redução da
dependência externa, via nacionalização, desde a retomada da construção
naval no país, há trinta anos. Entretanto, os índices de obtenção de equipa-
mentos, sistemas e sobressalentes no estrangeiro permanecem elevados Ao
mesmo tempo, a geração de produtos e serviços, decorrentes da pesquisa e
do desenvolvimento (P&D) nas suas Organizações de Ciência e Tecnologia,

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 179

tem sido insuficiente. Esta situação condicionou a Administração Naval a


revisar os seus procedimentos, em 2005. O desenvolvimento deste trabalho
está fundamentado nos fatos acima descritos. Inicialmente buscar-se-á expor
a importância da autonomia interna para um país como o Brasil, detentor de
grandes extensões territorial e marítima, para eliminar ou reduzir as suas
vulnerabilidades estratégicas. Em seguida, realizar-se-á uma análise do
processo de nacionalização, ora em transformação na Marinha, tanto no
âmbito do material como no campo da obtenção do conhecimento.
Posteriormente será dedicado um capítulo às ações que vêm sendo
empreendidas nos vários níveis da Administração Federal, incluindo a
MB, em benefício do desenvolvimento e da redução da dependência. Fi-
nalmente serão apresentadas as conclusões e sugestões que possam con-
tribuir para o aprimoramento do processo.

NACIONALIZAÇÃO: PORQUE É ESSENCIAL


“A primeira condição da paz é a respeitabilidade, e a da respe-
itabilidade a força. A fragilidade dos meios de resistência de
um povo acorda nos vizinhos mais benévolos veleidades ino-
pinadas, converte, contra ele, os desinteressados em ambicio-
sos, os fracos em fortes, os mansos em agressivos”.
Rui Barbosa (1946)

Em 1982, no decorrer da guerra das Malvinas, os argentinos não lo-


graram êxito em obter no exterior, mísseis ar superfície. Ao mesmo
tempo, seus aviões ficaram indisponíveis, por falta de tanques sobressa-
lentes de combustível e de outros itens menores. O almirante Vidigal
(1984) em um artigo sobre o conflito, assinalou que o maior fracasso
logístico argentino deveu-se à sua dependência de fontes externas para
obtenção de importantes peças de reposição, necessárias à manutenção de
equipamentos e sistemas em condições operativas normais.
O caso exposto evidencia a necessidade para que os países reduzam
sua dependência externa no fornecimento de equipamentos e sobressa-
lentes. Deste modo, verifica-se a exigência de uma definição criteriosa do
“que”, “onde”, e “como” nacionalizar, bem como, um correto dimensio-
namento de seus estoques, a fim de se contrapor às dificuldades deco-
rrentes de um possível desabastecimento em caso de conflito.
No decorrer deste século, o Estado brasileiro poderá enfrentar desafios
gigantescos resultantes, principalmente, das suas Vulnerabilidades Estratégi-

StrategicEvaluation (2007) 1
180 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

cas. A defesa dos interesses estratégicos do Brasil na Hiléia1 e na região do


Atlântico Sul, denominada de “Amazônia Azul”, impõe ao país uma cons-
tante atenção no preparo da expressão militar de seu Poder Nacional, que de-
verá ser compatível com a importância econômica e estratégica dessas áreas.
Em que pese serem as citadas vulnerabilidades do conhecimento de
parte da elite nacional, os principais formadores de opinião, da mesma
forma que, importantes setores do governo, defendem a idéia do Brasil
como uma “potência da paz”. Esse entendimento sería decorrente da
contrastante situação do país que, embora possua um grande índice de
potencialidade2, apresenta, também, enormes carências sociais. Essa situação
leva os governantes a não priorizarem o fortalecimento do Poder Militar.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (1999:151) ao analisar as
possibilidades futuras da inserção regional e mundial do país, assim
como, o papel destinado às Forças Armadas adverte que a capacidade
militar é um dos assuntos de maior importância, qualquer que seja a
hipótese de emprego vindouro. Os atuais acontecimentos no Iraque e no
Afeganistão evidenciam a capacidade de países mais fracos se
contraporem às potências militares. Os ensinamentos decorrentes da
análise destes conflitos contrariam a afirmativa de alguns especialistas, de
que o imenso poderio econômico e militar dos Estados Unidos tornaria
inúteis os esforços de outros países na área da defesa.
De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Internacional de In-
vestigação para a Paz de Estocolmo, os gastos militares globais atingiram,
em 2005, um nível recorde, chegando a US$ 1,11 trilhão, equivalente a 2,5%
do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. A venda de armas das cem maio-
res empresas do setor teve um aumento de 30% nos últimos cinco anos. Os
mesmos dados classificam o Japão, a China, a Rússia e a Índia entre os dez
países que mais investiram em defesa e a Coréia do Sul, o Canadá, a Aus-
trália e a Espanha, entre os quinze primeiros colocados (Defesa, 2006).
Embora seja compreensível que o orçamento militar brasileiro apre-
sente índices inferiores aos patamares dos países que já atingiram o bem-
estar social ou daqueles detentores de taxas de crescimento elevadas, não
se pode admitir uma ampliação da fragilidade militar brasileira e, conse-
qüentemente, das vulnerabilidades do país.

1Denominação da floresta amazônica, segundo Alexandre Von Humboldt.


2Segundo Gonçalves (2006) é o índice aferido pela soma da população, território e do
valor do PNB. O índice classifica o Brasil em 5° lugar, em relação ao resto do mundo.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 181

No tocante à vulnerabilidade estratégica relacionada com o mar, esta é


resultante da precária situação, apresentada abaixo, da maioria dos com-
ponentes do Poder Marítimo brasileiro, que vem deixando o país extre-
mamente dependente dos interesses externos:

a) insignificante marinha mercante nacional;


b) incipiente indústria de construção naval;
c) inexistente indústria bélica de interesse do aprestamento naval;
d) reduzidos recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológi-
co para o uso do mar;
e) elevados custos alfandegários e sociais nos portos e terminais; e
f) reduzido interesse político para o reaparelhamento do Poder Naval.

Os dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e


Comércio Exterior (MDIC) ajudam a caracterizar a atual dependência brasi-
leira do mar. Em abril deste ano, o Brasil atingiu, em um período de doze
meses, a marca de US$ 202,7 bilhões divididos em US$ 123,4 bilhões oriun-
dos das exportações e US$ 78,8 bilhões referentes à importação (MDIC,
2006). Deste significativo fluxo comercial, 95% são movimentados pelo
transporte marítimo sendo de apenas 3% a participação da bandeira brasileira.
O dinamismo do comércio exterior implica em sérios comprometi-
mentos para a economia do país. Na ocorrência de crises e conflitos, en-
volvendo ou não o Brasil, existe a possibilidade de que, os navios de ban-
deira estrangeira fiquem indisponíveis para realizar o transporte. Tal si-
tuação poderia trazer como conseqüência um colapso à economia brasilei-
ra, principalmente, pela falta de insumos importados.
Para fazer frente aos problemas decorrentes de crises internacionais
que afetem o comércio marítimo, faz-se necessário que o país possua um
Poder Marítimo bem estruturado, contendo um Poder Naval com credi-
bilidade dissuasória. Como conseqüência da reduzida participação dos
navios de bandeira nacional no comércio exterior, o país perde
aproximadamente US$ 7 bilhões por ano, em divisas (Barboza, 2004:89).
Os motivos do número irrisório de navios brasileiros, segundo os
armadores, são os inúmeros encargos sociais da tripulação, os elevados
impostos que incidem na importação de navios e os altos custos para a
construção no país (Décourt, 2006).
A indústria de construção naval, por seu turno, possui baixa competi-
tividade causada pela defasagem tecnológica, como também, pela falta de
investimentos, deixando de gerar milhares de empregos devido à

StrategicEvaluation (2007) 1
182 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

inexistência de encomendas. A situação desses dois componentes do Po-


der Marítimo aumenta de forma exponencial a vulnerabilidade marítima.
A reduzida armação brasileira torna inócua a mobilização de navios
mercantes, em caso de conflitos e crises. Por sua vez, a precária situação
da construção naval inviabiliza as iniciativas de nacionalização da cadeia
produtiva do segmento que é de grande utilidade para o Poder Naval,
tendo em vista a similaridade dos componentes dos seus meios de apoio
com os dos navios mercantes.
Em uma rápida observação do mundo contemporâneo pode se cons-
tatar que, em todos os países de expressão, o segmento industrial de ma-
terial de defesa é protegido e incentivado pelos governos nacionais. Tal
situação prende-se ao fato de desenvolverem bens de interesse estratégico.
O Reino Unido tem se destacado como um importante protagonista na
indústria armamentista, cujo segmento representa 3% da produção in-
dustrial interna e detêm 21% do mercado mundial do ramo. O Ministro da
Defesa britânico afirmou que a presente guerra do Iraque tem sido uma
ótima oportunidade para o teste das novidades da indústria bélica, dentre
elas carros de combate, peças de artilharia, aviões de combate, bombas,
mísseis, sistemas de comunicação e sistemas de gestão (Rosa, 2006).
Ao observarmos a indústria de material de defesa no Brasil, percebe-
mos a aplicação de uma equação perversa, ocasionada pela falta de recur-
sos das Forças Armadas (FA) e, conseqüentemente, por um baixo consu-
mo, em que pese existir uma forte demanda reprimida. Essa condição
obriga as empresas nacionais a buscarem uma fatia do mercado externo,
onde a concorrência é acirrada, principalmente, por causa dos subsídios
governamentais. Uma outra consideração são as marcantes diferenças es-
truturais entre os Estados onde, a base educacional, os gastos em pesquisa
e desenvolvimento e a existência de pesado financiamento governamental
para esse tipo de indústria, tornam a competição desigual. Assim, só resta
à indústria de defesa brasileira a instável quantidade vendida no mercado
interno ou o encerramento das atividades.
Convém ressaltar que as vendas internas são essenciais para o perfeito
desenvolvimento dos produtos, como também, são primordiais para a
credibilidade do fabricante, pois estará equipando as FA de seu próprio
país. Por tudo que foi comentado, torna-se fundamental para um país em
desenvolvimento como o Brasil, a inclusão do setor de defesa nas políticas
industriais com a finalidade de receber subsídios fiscais e outros in-
centivos não-fiscais, imprescindíveis para a exportação, gerando em con-
trapartida, o acúmulo de divisas.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 183

O desenvolvimento e fortalecimento da indústria militar no Brasil é um


requisito essencial. Se por um lado, sua existência contribui para a dis-
suasão, por outro, a inexistência de uma indústria militar de defesa deixa
o país sujeito a boicotes nas horas de crise, exatamente no pior momento
(Vidigal, 2004:109).

A Riqueza das Nações publicada por Adam Smith, em 1776, foi adotada
como a bíblia do liberalismo pelos individualistas em economia nos sé-
culos XVIII e XIX. Embora fosse contrário ao intenso papel do Estado na
economia e em outras áreas, Smith reconhecia, não obstante, a necessida-
de de certas formas de envolvimento governamental. O Estado deveria
intervir para manter as atividades necessárias, que sem incentivos jamais
seriam empreendidas pelo capital privado.
A defasagem científico-tecnológica pode ser considerada outra im-
portante vulnerabilidade estratégica do Brasil. A diminuição do intervalo
tecnológico em relação aos países mais desenvolvidos reveste-se de suma
importância de forma a permitir a redução ou eliminação desta vulnera-
bilidade. Os recursos federais anualmente disponíveis para os órgãos de fo-
mento aplicar na pesquisa, no desenvolvimento e na inovação são razoá-
veis. Todavia, a distribuição sofre influência ideológica, sendo sistemati-
camente negados, caso os projetos apresentados tenham alguma afinidade
com o uso militar, deixando de contribuir para a obtenção do conhecimento
na área bélica e, conseqüentemente, para o fortalecimento do Poder Militar.
O Poder Naval, a quem cabe a tarefa de exercer a proteção efetiva sobre
os outros elementos do Poder Marítimo, vem enfrentando dificuldades de
renovação a cerca de duas décadas. O Plano de Reaparelhamento da
Marinha, referente ao período de 2005 a 2026, recebe pouca ou nenhuma
atenção política tanto do Poder Executivo como do Legislativo. Tal fato pode
ser explicável, em parte, pela inexpressiva mentalidade marítima nacional.
Conforme Jaguaribe (2003), a impotência em matéria de defesa é deco-
rrente de uma falta de consciência do conjunto do povo brasileiro, da ab-
soluta relevância de que se reveste a preservação da autonomia nacional.
A maioria dos brasileiros desconhece a importância econômica e estraté-
gica do mar, assim como, a extensão das fronteiras marítimas. Os limites
de jurisdição – mar territorial; zona contígua e zona econômica exclusiva
– somente agora, no inicio do novo século começaram a ser mencionados
nas escolas de ensino médio.
A opção feita há cinqüenta anos pelo transporte terrestre, em nome da
integração nacional, contribuiu para o desconhecimento e a alienação dos
fatos ligados ao mar pela maioria do povo brasileiro. Em termos de sobe-

StrategicEvaluation (2007) 1
184 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

rania, a preferência pelo asfalto em detrimento da utilização das vias ma-


rítimas desmoronou a navegação de cabotagem no Brasil com reflexos na
já mencionada desnacionalização da armação, da indústria de construção
naval e das respectivas cadeias produtivas.
A correta identificação das principais vulnerabilidades estratégicas
são os parâmetros que devem orientar o preparo e o desenvolvimento do
Poder Militar. Deste modo, torna-se fundamental a definição das estraté-
gias e dos meios necessários para eliminá-las ou reduzi-las. Assim sendo,
o dimensionamento do Poder Naval, que é a vertente marítima desse Po-
der Militar, deve ser fixado de tal forma, que proporcione ao país condi-
ções de defender seus interesses marítimos contra possíveis ameaças.
Para o cumprimento das suas tarefas, a Marinha necessita dispor de na-
vios flexíveis e ao mesmo tempo eficazes. A eficácia de um meio decorre do
desempenho de seus sistemas, como também, do emprego que é a qualida-
de do elemento humano e do aprestamento. Como o aprestamento depen-
de da confiabilidade e da disponibilidade, pode-se concluir que este último
parâmetro poderá ser mais facilmente alcançado, quanto maiores forem os
índices de nacionalização dos equipamentos e sistemas dos meios navais.

A NACIONALIZAÇÃO DO MATERIAL
A nacionalização implica na admissão de concessões
no desempenho operativo e na aceitação dos riscos
conseqüentes, já que seria inviável iniciá-la com a úl-
tima palavra da tecnologia militar.
Roberto Andersen Cavalcanti (1981)3

A sistemática de nacionalização

A dependência de um país de fontes estrangeiras para o fornecimento


de equipamentos, sistemas e sobressalentes militares tem forte conotação
estratégica. Assim, torna-se fundamental que seja definido, de forma cri-
teriosa, o grau dessa dependência. A existência de um processo contínuo
de nacionalização é de suma importância, a fim de evitar a descontinui-
dade de fornecimento em situações de crise e conflitos.
Quanto maior for o número de unidades, equipamentos e sistemas
nacionalizados maior será sua disponibilidade. Conseqüentemente o
apoio logístico ficará facilitado, bem como a manutenção deverá ser mais
rápida. É essencial perseguir a autonomia no que se refere à manutenção

3 Almirante-de-Esquadra, Chefe do Estado-Maior da Armada, apud Vidigal, 1981.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 185

do material já existente e na obtenção daqueles que podem ser negados


pelos países detentores de tecnologias sensíveis como, por exemplo, mís-
seis, guerra eletrônica, sistemas inerciais e torpédicos.
O Secretário-Geral da Marinha, em palestra proferida na Escola de
Guerra Naval enfatizou que o processo de nacionalização é inadiável. A
idade avançada dos navios e a origem comum de alguns equipamentos e
sistemas importados dos meios da Esquadra tem transformado a aquisição
de sobressalentes onerosa e demorada. A importação de sobressalentes para
esses equipamentos e sistemas fica inaceitável pelo fato de não serem mais
fabricados. Acrescentou, ainda, que a Marinha poderá sofrer, em breve, um
colapso no abastecimento de itens vitais para a manutenção (informação
verbal)4. As afirmações do Secretário-Geral podem ser confirmadas pelos da-
dos recentes apurados pelo Sistema de Abastecimento da Marinha:

a) Nos últimos anos, em média, 90% das obtenções promovidas pelo Cen-
tro de Controle de Inventário da Marinha (CCIM) foram realizadas no
exterior, com foco maior na Comissão Naval na Europa (CNBE);
b) O Sistema de Informações Gerenciais do Abastecimento (SINGRA) registra
na Marinha a existência de 58 classes de meios, que somam 138 navios.
Deste total, 54 navios possuem equipamentos vitais, oriundos de um
mesmo fabricante estrangeiro5. O fato mais significativo é que tais itens en-
contram-se instalados nas Unidades de maior valor estratégico para a MB.

Com base nos dados acima, pode-se afirmar que o grau de dependên-
cia é preocupante, conferindo assim, vital importância ao esforço atual da
Administração Naval em aperfeiçoar a sistemática de nacionalização. Em
recente estudo elaborado com a finalidade de apresentar um diagnóstico
da sistemática em vigor, o grupo de trabalho (GT) responsável detectou
uma série de discrepâncias no processo.
O grupo, ao analisar a estrutura e as normas que orientam a nacionali-
zação na Marinha observou a necessidade de uma revisão nas Normas para
Execução do Abastecimento (SGM-201), mais especificamente, no capítulo
21 que trata do assunto. As instruções vigentes não atendem plenamente
aos requisitos que permitam um planejamento, acompanhamento, avalia-
ções e atribuições de prioridades, em função da criticidade ou da importân-
cia estratégica do material, assim como, não contemplam a origem dos re-

4 Palestra proferida pelo Almirante-de-Esquadra Kleber Luciano de Assis para o C-

PEM, em 14 de junho de 2006.


5 A empresa MAN AG, fabricante dos motores desses navios pode majorar,

demasiadamente, os preços dos sobressalentes causando transtornos ao Apoio Lo-


gístico (Garcia, 2006).

StrategicEvaluation (2007) 1
186 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

cursos financeiros, humanos e materiais. Outra omissão nestas normas refe-


re-se à ausência de um mecanismo de acompanhamento sistêmico que pos-
sibilite a avaliação do processo por todos os Órgãos da Marinha envolvidos.
Outras duas constatações notadas foram a inexistência de uma Política de
Nacionalização e a falta de publicações que estabeleçam regras para a
homologação de itens e equipamentos por cada categoria de material.
Quanto à administração, foi confirmada a percepção geral da inci-
piente estrutura existente para uma execução eficaz da nacionalização.
Foi verificado que as estruturas técnicas e organizacionais direcionadas
para a nacionalização no âmbito das Diretorias Especializadas (DE) são
pequenas e que o setor responsável em algumas, acumula outras tarefas.
Por outro lado, o Centro de Coordenação de Estudos da Marinha em São
Paulo (CCEMSP), órgão designado para centralizar as iniciativas da na-
cionalização, não consegue bons resultados por falta de estrutura técnica
e, principalmente, de pessoal especializado.
Uma constatação significativa está ligada ao fato de o projeto de Ob-
tenção/Nacionalização de itens menores (P-08-6104) não registrar, há
bastante tempo, solicitações de reforço de recursos. Tal situação pode in-
dicar uma reduzida prioridade dessa tarefa no âmbito da Força, mesmo
para os itens de menor complexidade, onde as possibilidades de sucesso
poderiam ser maiores. Para aprimorar a sistemática, foram apresentadas
pelo GT as sugestões a seguir listadas que foram aprovadas e estão sendo
implantadas (García, 2006):

a) revisão do capítulo 21, da SGM - 201;


b) criação de uma ferramenta que forneça o suporte de processamento de
dados ao processo de nacionalização;
c) estabelecimento de normas a cargo das Diretorias Especializadas para a
homologação de equipamentos e itens de suprimento;
d) reavaliação das atuais estruturas organizacionais de todos os Órgãos
Técnicos que possuem itens passíveis de nacionalização;
e) criação de uma Comissão Permanente de Nacionalização;
f) criação de um núcleo de nacionalização nas instalações do Centro
Logístico da Força Aérea Brasileira (CELOG), em São Paulo; e
g) reformulação do Projeto P-08-6104 – Obtenção/ Nacionalização de itens
menores, permitindo o enquadramento dos demais itens de suprimentos.

Apesar de a abrangência do estudo ter enfocado as inconformidades


da nacionalização de sobressalentes, as soluções apresentadas na siste-
mática da Marinha podem ser projetadas para os demais itens. As ações
recomendadas para institucionalizar o assunto propõem caminhos que,
dependendo da intensidade e do alcance das orientações decorrentes,

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 187

concorrerão para a fixação de uma doutrina a ser aplicada no processo de


nacionalização de todas as categorias de itens e equipamentos.
Com relação à seleção do material já existente, um minucioso estudo
deve ser realizado com a finalidade de se identificar objetivamente onde e
quais os itens, equipamentos e sistemas merecem ser nacionalizados. Para
a condução desta análise, torna-se necessário realizar entre outras, as se-
guintes ações:

a) priorizar os navios, tendo em vista a importância estratégica e a previsão


de baixa do serviço ativo;
b) após a seleção dos navios, selecionar quais as unidades, equipamentos e
sistemas vitais;
c) identificar quais os itens de maior demanda e, como conseqüência, qual
a dimensão dos estoques necessária;
d) selecionar os itens por meio de uma classificação ABC, a fim de verificar
a relação custo-benefício.

Nas modernizações e nas obtenções de novos meios, deve-se reco-


nhecer que não será fácil discernir o que, como e quando nacionalizar.
Outro dilema será estabelecer as limitações de caráter técnico que pode-
rão ser aceitas nos equipamentos e sistemas nacionais que irão substituir
os atuais e que equiparão as futuras Unidades Navais. Nesse contexto, os
próximos Navios-Patrulha constituem-se em um grande desafio, mas,
também, oferecem uma grande oportunidade para o incremento da auto-
nomia na área do material. Nas fixações dos Requisitos Operativos, será
fundamental definir o grau de sofisticação dos sistemas, levando-se em
consideração que equipamentos tecnologicamente mais avançados não
garantem, necessariamente, sistemas com maior eficácia.
A eficácia depende de três componentes: desempenho, emprego e
aprestamento. O desempenho é inerente ao equipamento. Quanto mais
desenvolvido for tecnicamente, melhor tende a ser o seu desempenho, ou
seja, aquilo que ele é capaz de realizar. O emprego está relacionado com a
contribuição humana. Homens bem adestrados e profundos conhecedo-
res do material que operam, serão mais eficientes. Para Vidigal (1981) o
aprestamento é o componente mais complexo da equação, pois depende
de duas variáveis:

a) Confiabilidade, que está relacionada com a qualidade do equipamento –


mede a probabilidade de o equipamento continuar operando, dentro das
características especificadas, enquanto necessário; e

StrategicEvaluation (2007) 1
188 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

b) Disponibilidade, que estás relacionada com a qualidade do apoio logísti-


co – é a probabilidade do equipamento funcionar dentro das característi-
cas especificadas, quando dele se necessita.

Essa última variável deve ter alta prioridade, em qualquer projeto de


nacionalização, pois equipamentos com o apoio logístico mal delineado
comprometem substancialmente todo o sistema. Enfim, a sofisticação dos
equipamentos não implica obrigatoriamente em meios mais eficazes, caso o
emprego e o aprestamento não acompanhem o desempenho. Desta forma,
no processo de nacionalização é preferível degradar o nível tecnológico em
prol de equipamentos nacionais mais simples, porém confiáveis, mais fáceis
de operar e de manter. Nos processos de obtenção de novos meios, os fatos
abaixo também devem ser levados em consideração:

a) Do ponto de vista econômico, como também tecnológico não é exeqüível


aparelhar uma força naval constituída de navios inteiramente nacionais.
Com exceção dos Estados Unidos, nenhum outro país tem condições ple-
nas de desenvolver e fabricar a totalidade de seu material de defesa.
Mesmo assim, os norte-americanos utilizam-se dos mecanismos da Orga-
nização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e de outros aliados como
Israel para suprir as suas necessidades militares. Os europeus aplicam os
acordos da Europa unificada, firmando parcerias entre as indústrias de
material bélico de dois ou mais países. Ao mesmo tempo promovem a
troca de tecnologia, elevam a demanda, propiciam economia de escala e
fortalecem as vendas no competitivo mercado de armamento. Os países
membros da União Européia estão adquirindo 180 aviões de transporte
militar Airbus A-400M. As indústrias beneficiárias dessa compra são os
grupos franco-alemão-espanhol EADS e o grupo britânico BAE Systems
que são co-proprietários da Airbus. Com esse contrato, a EADS ascende ao
terceiro lugar no setor aeronáutico mundial e a BAE Systems assegura o
seu espaço entre as maiores corporações do ramo (Rosa, 2006);
b) Aceitando-se que os sistemas que compõem um navio de guerra são
originários de várias procedências, um outro fato pertinente terá de ser
avaliado quanto à nacionalização do material. Sob o enfoque financeiro,
as quantidades mínimas de equipamentos e de seus sobressalentes que
serão fabricados devem obedecer a uma economia de escala de modo a
compensar o tempo e os custos humanos e de material envolvidos no in-
vestimento. Por esse motivo é que a demanda reduzida das encomendas
militares não permitem a economia de escala necessária, deixando de ser
atraentes para a indústria nacional;
c) Os nichos oligopolizados da indústria bélica também pesam na balança
da nacionalização. Certos equipamentos como o canhão naval, por
exemplo, impõem para a sua fabricação conhecimentos muito específi-
cos, que são do domínio exclusivo de grupos industriais com enorme

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 189

tradição e experiência em diversas guerras e conflitos. Em contrapartida,


os equipamentos e sistemas de apoio aos canhões podem ser oriundos de
diferentes fabricantes, como acontece em várias marinhas, constituindo-
se em um campo propício à nacionalização; Conforme exemplifica
Gusmão (1993), por ocasião do projeto das corvetas classe Inhaúma, era
pouco aceitável a montagem de um complexo industrial para produzir,
no Brasil, somente os quatro canhões de 4,5 polegadas componentes dos
sistemas de combate. A Marinha optou, então, por encomendá-los no
mesmo fabricante dos canhões das fragatas da classe Niterói o que faci-
litaria, no futuro, o apoio logístico integrado das duas classes de navios; e
d) Para a viabilidade da fabricação no país é fundamental que existam
números razoáveis de encomendas para a redução dos custos de produ-
ção. Isto posto, deve constar como fator primordial no planejamento da
obtenção de meios, a aquisição de sistemas e equipamentos que possam
equipar diferentes classes de navios. A padronização, além de restringir
o gasto com a manutenção, facilita o apoio logístico e aumenta a dispo-
nibilidade. Este procedimento pode conduzir a uma flexibilidade dos
Requisitos Operativos. Contudo, é aceitável admitir-se desempenhos
menores sem comprometê-los em demasia.

A busca pela independência conduz a situações, muitas vezes, confli-


tantes. Por um lado, persegue-se a nacionalização, a fim de obter uma re-
dução da sujeição externa no tocante aos fornecimentos e, ao mesmo
tempo, uma economia de recursos financeiros, em moeda estrangeira. Por
outro lado, deve-se aceitar que a opção feita pela fabricação no país, pro-
vavelmente, sairá mais cara tendo em vista a economia de escala e o in-
vestimento em tecnologia. Contudo, a autonomia deve ser sempre o fator
preponderante, pois se mostrará altamente vantajosa nas situações de cri-
ses ou de conflitos, mesmo que o país não esteja diretamente envolvido.
Como caso exemplar, Nunes (apud Gusmão, 1993) cita a impossibili-
dade de o Brasil, por ocasião da guerra das Malvinas, obter no Reino
Unido e em outros países da União Européia sobressalentes e munição,
em face da similaridade dos sistemas de combate das fragatas classe Nite-
rói com os dos britânicos. Esses suprimentos eram essenciais para a con-
tinuidade do nível de aprestamento dos nossos navios.
Em face da escassez de recursos financeiros, bastante reduzidos até para
o custeio, pode-se inferir o grau de dificuldade que terá que ser enfrentado.
Além do mais, em todo processo de nacionalização aparecem problemas
que conduzem ao descumprimento de prazos, falhas, aumento de custos,
inúmeros testes, e desempenho inferior ao pretendido inicialmente.
Entretanto, essa é a maneira de se alcançar melhores índices no processo.

StrategicEvaluation (2007) 1
190 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

A Marinha atingiu consideráveis índices de nacionalização por oca-


sião da construção de quatro corvetas classe Inhaúma, meta que continua
sendo perseguida na prontificação da corveta Barroso. A enorme expe-
riência adquirida nessa empreitada, assim como, no programa de cons-
trução dos navios patrulha classe Grajaú erigiu uma considerável base de
conhecimento em relação à capacidade e ao potencial da indústria brasi-
leira. Esse cabedal adquirido será fundamental para a definição dos índi-
ces dos próximos navios patrulha de 500 e 1500 toneladas.
O grau de tecnologia existente no país permite à Marinha, durante o
desenvolvimento de projetos de navios mais simples, como navios-pa-
trulha, balizadores e navios de apoio, perseguir índices de nacionalização
elevados, não sendo computado o sistema de armas. Em relação aos navios
mais complexos como os escoltas, o índice é mais baixo, uma vez que o
parque industrial brasileiro não tem capacidade de produzir e manter
certos sistemas de acordo com os requisitos necessários para esse tipo de
navio. Assim, o alcance do índice de 41% na construção das corvetas classe
Inhaúma é significativo, considerando-se que, normalmente, o sistema de
armas de um escolta abrange quase um terço do navio (Correa, 1996:10).
Os sistemas de combate apresentam as maiores dificuldades para a
nacionalização, pois requerem a posse de tecnologias de ponta obtidas
após razoável tempo de pesquisa e aportes de vultosos recursos. Os sis-
temas de armas e o sistema de informações táticas formam o sistema de
combate que abrange, em geral, 30% de um navio de guerra. Tais siste-
mas custam 80% do valor do meio e possuem uma vida útil de aproxima-
damente 20 anos, necessitando, sempre que possível, de revitalização. Por
causa desta característica no desenvolvimento e na fabricação de um sis-
tema trava-se uma batalha contra o tempo, visto que, se corre o risco do
mesmo ficar obsoleto antes da sua prontificação.
A nacionalização desses sistemas é o maior desafio para a Marinha do
futuro, por envolver o domínio de tecnologias sensíveis, muitas das quais,
ainda incipientes no país. A auto-suficiência nesse campo exigirá pesados
investimentos em pesquisa e desenvolvimento tanto estatais quanto da
iniciativa privada. A maior ou a menor rapidez para o alcance desse con-
hecimento dependerá, naturalmente, do estágio de desenvolvimento do Brasil.
Com relação às necessidades da Marinha de hoje e do amanhã é exe-
qüível o investimento em programas direcionados para o desenvolvi-
mento e nacionalização de partes componentes de sistemas, procedi-
mento este, que foi adotado na recém-finalizada modernização de meia-
vida das fragatas classe Niterói (MODFRAG-FCNM). Sobre o assunto é

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 191

importante ressaltar que o sistema de controle tático (SICONTA MK-2)


instalado recentemente nas fragatas revitalizadas, é uma evolução da
primeira versão que equipava o Navio-Aeródromo Minas Gerais, em
meados da década passada.
A participação do Instituto de Pesquisa da Marinha (IPQM) no
processo de modernização das fragatas contribuiu para a redução da de-
pendência externa, pois o sistema de guerra eletrônica desenvolvido pelo
Instituto faz parte daqueles equipamentos difíceis de serem adquiridos no
exterior, em face do sigilo envolvido. Os sistemas de guerra eletrônica
quando provenientes do estrangeiro já estão obsoletos ou são fornecidos
degradados. O nível de competência alcançado pelo IPQM demonstra
que o investimento em pesquisa e desenvolvimento aplicados nas
Organizações Militares de C&T da Marinha é um fator primordial para
equipar os meios com sistemas parcialmente ou inteiramente nacionais.
Da mesma forma que outros temas complexos presentes na agenda da
Administração Naval, a nacionalização requer a existência de uma política
que estabeleça orientações do mais alto nível e norteie a elaboração das pu-
blicações decorrentes, a fim de possibilitar a obtenção de resultados satis-
fatórios. O funcionamento de uma comissão permanente para tratar do as-
sunto é sem dúvida, imprescindível. Esta comissão terá como missão trans-
formar em realidade os processos em conjunto com as Diretorias Especiali-
zadas e as Organizações Militares industriais e de ciência e tecnologia.
É de suma importância que a comissão designada para conduzir os
processos de nacionalização tenha força institucional para realizar as ta-
refas. Uma estrutura que pode ser repetida é a da Gerência Especial para
a Modernização das Fragatas. Supervisionada por um Contra-Almirante e
inserida na estrutura organizacional da Diretoria Geral do Material da
Marinha (DGMM), possui íntima ligação com a Coordenadoria do Pro-
grama de Reaparelhamento da Marinha (C-PRM), apresentando excelen-
tes resultados.

A integração regional do material de defesa

As superpotências investem cada vez mais pesado na produção de ar-


mamentos sofisticados adquirindo, assim, um poderio desproporcional em
relação aos países emergentes. Com a utilização de pressões econômicas e ne-
gando a transferência de tecnologia, coagem os países menos desenvolvidos
para que transformem as suas Forças Armadas em “gendarmarias”, retiran-
do-lhes o papel de guardiãs da soberania e da integridade territorial.

StrategicEvaluation (2007) 1
192 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

Nesse contexto, tentam impor novos conceitos, tais como “exércitos


transnacionais”, “forças de paz” e outros de grande apelo, em face da dis-
simulação pacifista. Uma das formas de se contrapor a esse processo con-
siste na formação de blocos regionais, compostos por países integrados e
interdependentes, o que pode proporcionar melhores condições de nego-
ciação. A integração regional das indústrias de defesa no âmbito da Amé-
rica do Sul tem sido defendida por cientistas políticos, estrategistas e his-
toriadores militares como uma forma de reduzir a defasagem tecnológica
e amenizar a dependência de material bélico provenientes dos países de-
senvolvidos. Segundo Vidigal (2004), a integração das indústrias de
defesa da América do Sul, apesar de difícil e delicada, é fundamental.
Conclui afirmando que com este procedimento os países sul-americanos
estariam trocando a total dependência do exterior por uma
interdependência regional, onde predominariam os interesses políticos
comuns em detrimento dos comerciais.
O Almirante Vidigal em face de sua experiência tem motivos para con-
siderar a integração difícil e delicada pois, embora se constitua uma meta
louvável, esbarra para a sua construção em alguns óbices de trabalhosa
transposição. Em primeiro lugar, os ambientes político e econômico de al-
guns países como Brasil, Argentina e Uruguai não facilitam o dispêndio de
financiamentos oficias de grande vulto para as empresas. Em segundo lu-
gar, excetuando-se o Chile e a Argentina, o estagio tecnológico dos demais
países, presente tanto na área militar como no segmento industrial, deixa de
concorrer para que surjam, naturalmente, necessidades complementares.
Convém ressaltar que no setor da construção naval militar como também
na respectiva cadeia produtiva, a complexidade tecnológica dos meios e os
consideráveis recursos requeridos agravam o problema.
Finalmente, em terceiro lugar, as disputas territoriais, sem perspecti-
vas de solução, entre alguns países da região têm concorrido para uma
incessante e dissimulada corrida armamentista que relega ao segundo
plano a cooperação no setor do material de defesa. A idéia de desenvolver
um projeto de construção compartilhada de um navio patrulha de con-
cepção operativa comum, apesar de obter a concordância de significativos
países da região, não passou do terreno das intenções.
Em que pese à percepção da importância da integração regional, o de-
sequilíbrio tecnológico em favor do Brasil, bem como, o desinteresse dos
demais países, parece ser o motivo pelo qual, a nacionalização conjunta
do material, não entusiasme grande parte da oficialidade da Marinha do
Brasil. Contudo, a verificação de aceitabilidade de se realizar uma inte-
gração industrial de algum tipo de material deve ser buscada. Arma-

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 193

mentos portáteis e médios, veículos leves, munição e navios de apoio en-


caixam-se perfeitamente, para serem compartilhados.
A integração regional entre os Institutos e Centros de Pesquisa civis e
militares é, talvez, a principal área a ser explorada. Da mesma forma que
os pesquisadores brasileiros, os nossos vizinhos possuem quadros com
pós-graduação nos melhores centros acadêmicos. A nacionalização regio-
nal do conhecimento poderá gerar bons equipamentos e sistemas e, no
futuro, excelentes navios.

A NACIONALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
Não existe desenvolvimento autêntico sem in-
venção e desenvolvimento postiço não faz uma
nação, mas um mercado.
Paulo Moreira da Silva6

Nacionalização, Ciência, Tecnologia e Inovação

O progresso científico advém do retorno dos investimentos nos cen-


tros de pesquisa acadêmicos. Já o avanço tecnológico e a inovação deco-
rrem do fomento à pesquisa aplicado nos laboratórios das empresas e nos
centros tecnológicos estatais. Ciência e Tecnologia (C&T), embora tenham
atuações próprias, são atividades complementares e interdependentes.
De acordo com o enquadramento da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), as ações de C&T en-
globam a pesquisa e o desenvolvimento experimental (P&D) e as ativida-
des científicas e técnicas correlatas (ACTC). P&D podem ser definidos
como qualquer trabalho criativo e metódico com a finalidade de aumen-
tar o acúmulo de conhecimento e de utilizar estes conhecimentos para a
descoberta de novas aplicações. ACTC são as atividades relacionadas com
a pesquisa e o desenvolvimento que contribuem para a geração, difusão e
aplicação do conhecimento científico como, por exemplo: a metrologia, a
propriedade industrial, os levantamentos hidrográficos, oceanográficos, e
a prospecção mineral (Kaszkurewicz, 2006).
Os governos investem vultosos recursos em programas de pesquisa
científica e tecnológica para financiar pesquisas de alto risco que o setor
privado não está, normalmente, predisposto a bancar em face: dos elevados

6 Vice Almirante, primeiro Diretor e idealizador do Projeto Cabo Frio, em Arraial

do Cabo, Rio de Janeiro. Atual Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Mo-
reira (apud Barbosa, 2006).

StrategicEvaluation (2007) 1
194 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

custos; do longo tempo de maturação; e da imprevisibilidade de resultados.


A área bélica costuma ser vista como um segmento de alto risco porque a
flutuação da lucratividade é bastante atípica. Neste tipo de indústria, uma
grande porcentagem dos projetos não produz qualquer produto utilizável
de imediato. Ainda assim, estes projetos fornecem informações vitais para
que futuros empreendimentos sejam bem- sucedidos.
Por esses motivos, os Estados investem direta ou indiretamente para
desenvolver meios, equipamentos e sistemas de natureza bélica, necessários
à defesa de seus interesses políticos e econômicos, ao mesmo tempo em que
fortalecem a sua Base Industrial de Defesa. (BID). A ciência e a tecnologia
têm enorme valor estratégico, pois são capazes de conferir poder efetivo aos
países ao reduzir o índice de vulnerabilidade produtivo-tecnológico.
Por essa razão Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Coréia
do Sul possuem poder efetivo elevado, obtido por meio do desenvolvi-
mento tecnológico, mesmo dispondo de índice de poder potencial pe-
queno, em relação, por exemplo, ao Brasil e à Índia.
A avaliação da economia internacional indica que os Estados desen-
volvidos investem, de forma ininterrupta, enormes recursos em C&T,
transformando as inovações em produtos e serviços que incorporam in-
tensamente o conhecimento e, por isso, têm enorme valor agregado.
Os países desenvolvidos que detêm o conhecimento em determinadas
áreas, normalmente, não transferem tecnologia, por ocasião dos contratos
de compra e venda de equipamentos e sistemas, principalmente, quando
se trata de material de defesa que pela sua característica intrínseca possui
tecnologia de ponta. Quando ocorre esta transferência, seu custo é ele-
vado e, muitas vezes geram a necessidade de autorizações governamen-
tais, nem sempre favoráveis.
Dependendo do grau de conhecimento e da habilidade dos negocia-
dores do comprador, o que acontece na maioria das vezes é a transferên-
cia de especificações de fabricação o que não agrega conhecimento e in-
viabiliza a evolução para equipamentos e sistemas mais modernos. Em
outras situações, o Estado vendedor repassa produtos detentores de tec-
nologia que será superada em breve ou que já está obsoleta. Esta dificul-
dade intransponível realça a necessidade dos investimentos estatais para
reduzir esta freqüente dependência tecnológica.
Os países da União Européia que contemplam maiores orçamentos
para a defesa são, em primeiro e segundo lugares, o Reino Unido e a
França e, em terceiro e quarto lugares a Alemanha e a Itália. Entretanto,

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 195

quando o assunto é C&T, o Reino Unido e a Espanha despontam nos


primeiros lugares seguidos da França e da Alemanha7.
No caso brasileiro, o investimento estatal em ciência e tecnologia re-
veste-se da maior importância, tendo em vista que a maioria das empre-
sas, por falta de mercado, não tem estrutura para bancar, de forma isola-
da, os altos custos em P&D. A área da defesa, pelo fato de enfrentar
enormes dificuldades de vendas no mercado externo e interno fica ainda
mais dependente. Os recursos destinados aos investimentos em P&D
pelas empresas do setor produtivo provêm dos lucros auferidos nos
mercados interno e externo. Dependendo da conjuntura do momento, um
outro mercado pode apresentar-se mais ou menos favorável direcionando
a estratégia das empresas e a porcentagem financeira reservada para
investimentos em novos ou aperfeiçoados produtos. Contudo, em certos
segmentos, a lógica liberal do mercado auto-suficiente não funciona de
forma perfeita, devido a uma série de interferências internas e externas.
Nesse caso, se os produtos fabricados possuem interesses estratégicos ou
vital importância econômica, a intervenção estatal passa a ser necessária.
No Brasil, a importância dos investimentos em C&T para o progresso
autônomo é entendida pelos formuladores da política nacional, desde o
lançamento das primeiras idéias de César Lattes e Álvaro Alberto8, em
meados do século passado. O modelo de desenvolvimento econômico ba-
seado na importação de tecnologia sem capacitação endógena é insufi-
ciente para assegurar o desenvolvimento sustentável e a inserção do Bra-
sil no cenário internacional.
De acordo com Renato Lessa9 foi realizado um enorme esforço institu-
cional pelos governos, a partir da década de setenta, na construção de
uma estrutura voltada para a ciência e tecnologia que sedimentou uma
rede vigorosa de fomento e prospecção científica, mantendo o conheci-
mento em contínuo progresso. O investimento em setores estratégicos
permitiu que o Brasil desse um salto em C&T (informação verbal).
O país adquiriu excelência em áreas de ponta como biotecnologia, in-
dústria aeronáutica, exploração de petróleo em águas profundas, soros, va-
cinas, telecomunicações e agricultura tropical. Contudo, Ronaldo Sarder-
berg (2001) alerta que, embora estejamos dividindo a liderança em algumas

7 Disponível em: <http://www.janelaweb.com/digitais/rui_rosa36.html>.


8 Fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e Fundador do Con-
selho Nacional de Pesquisas hoje, Conselho de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq), respectivamente.
9 Professor de Ciência Política na Escola de Guerra Naval, em 2006.

StrategicEvaluation (2007) 1
196 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

áreas, o país precisa despender esforços até chegar aos patamares de inves-
timentos e resultados em C&T alcançados por outros países. Segundo Sar-
derberg, precisamos promover o conhecimento em áreas onde o conheci-
mento é tímido como, por exemplo, a nanotecnologia e as ciências do mar.
No campo científico, o país tem evoluído, multiplicando por cinco a
produção de publicações científicas, no período de 1981 a 2001. No en-
tanto, quando se trata de tecnologia e inovação, a situação é desfavorável
quando comparado a outros países emergentes. Em 2005, a Coréia do Sul
registrou cerca de 4780 patentes na Organização Mundial de Propriedade
Intelectual (OMPI), enquanto o Brasil apenas 280 sendo suplantado, tam-
bém, por China e Índia10.
No período de 1996 a 2004, o governo brasileiro investiu em C&T, em
média, R$ 4,1 bilhões por ano. Da análise dos valores do orçamento investi-
dos no segmento, verifica-se que mais de 80% dos recursos foram direciona-
dos para os Ministérios da Saúde, Educação, Agricultura e o próprio Minis-
tério da Ciência e Tecnologia que não contemplou parcelas para os progra-
mas militares11. A política de distribuição foi correta quanto ao destino, mas
desfavorável quantitativamente ao Ministério da Defesa. A porção do MD,
cerca de 1,6%, média dos nove anos, foi irrisória quando comparada com as
demais, levando-se em consideração que em um país emergente como o
Brasil, é fundamental o fomento aos institutos de pesquisa militares.
Nos últimos dez anos, o governo vem adotando, na composição do
orçamento federal, políticas nas quais as Forças Armadas e todos os que
com elas se relacionam foram relegados ao segundo plano. Em nome do
déficit público, da austeridade fiscal e das necessidades sociais os recur-
sos destinados à Defesa tem sido insuficientes até mesmo para o custeio,
inviabilizando a maioria das iniciativas de investimento planejadas.
Segundo Jaguaribe (2003), é grave o fato que, atualmente, o completo
engessamento dos recursos da União não proporciona nenhuma folga
significativa para que o país possa, em caso de emergência, complementar
os meios de defesa.
Por outro lado, as empresas integrantes da BID, por razões estrita-
mente ideológicas, são alijadas dos mecanismos de incentivo dispostos
nas políticas industriais e de fomento à ciência e tecnologia. As iniciativas
de planejamento para o setor de Defesa editadas no passado recente en-
contraram poucos entusiastas em cumprir as suas normas e recomenda-
ções. As diretrizes e disposições caso fossem implementadas, certamente,

10 Vid. < http://www.valor on line.com.br >.


11 Disponível em: <http://www.mct.gov.br/estat/ascavpp/default.html>.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 197

contribuiriam já na década de noventa para o revigoramento do ramo.


Costa (1994) cita como caso exemplar a resolução n° 21 do Conselho de
Desenvolvimento Industrial, publicada em 8 de novembro de 1989 que
criava incentivos para o segmento. Esse quadro tem direcionado a
Marinha a atuar junto a outros setores de C&T do país para a captação de
recursos, fora do orçamento da Defesa. No tocante a essa necessidade
premente em prol da nacionalização, via domínio do conhecimento, a
Marinha reestruturou, para aplicação a partir do corrente ano, o seu Plano
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

O Plano de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Marinha (PDCTM)


O novo PDCTM, aprovado em 12 de janeiro de 2006, tem o propósito
de estabelecer a orientação estratégica para as Organizações Militares en-
volvidas no Sistema de Ciência e Tecnologia da Marinha (SCTM) para o
período de 2005 a 2015 (Brasil, 2006). O Plano apresenta na revisão uma
definição clara dos Objetivos Estratégicos do SCTM, o elenco das Áreas
de Interesse da Marinha, as Ações a serem empreendidas pelos Órgãos de
Direção Setorial (ODS) e as medidas de avaliação por meio de
indicadores. As alterações efetivadas no plano procuram torná-lo uma
ferramenta eficaz do STCM na busca de resultados.
Os objetos estratégicos estabelecidos, de uma maneira geral, influem
direta ou indiretamente na obtenção e posse de soluções nacionais. Com o
plano, a Marinha pretende nacionalizar sistemas e equipamentos navais
críticos, no que diz respeito ao projeto e construção de novos meios, bem
como, obter a capacitação para o desenvolvimento integrado de sistemas
de comando e controle, sensoriamento, armas e previsão ambiental.
Para atender às diretrizes fixadas no Plano Estratégico da Marinha
(PEM) e em apoio ao Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM),
o domínio de tecnologias-chave de interesse naval são relacionadas como
um dos objetivos estratégicos. Um elevado domínio das tecnologias-
chave será mais rapidamente alcançado com a integração do SCTM com
os componentes do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia Nacional,
em face da diversidade de especializações disponíveis nessas Instituições.
As ações nesse sentido vêm sendo realizadas a muitos anos, envol-
vendo a Marinha e um razoável número de Universidades e Instituições
de Pesquisa. Um grande exemplo que cabe ser mencionado é o acordo de
cooperação científico e tecnológico entre a MB e a Universidade de São
Paulo (USP), firmado há 50 anos. Todavia, as iniciativas esbarram, em um
segundo momento, na carência de recursos de ambas as partes o que

StrategicEvaluation (2007) 1
198 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

prejudica o adequado desenvolvimento das pesquisas e a obtenção de


soluções objetivas. Conforme observa Barboza (2005, p.79), como
conseqüência da ausência de recursos apropriados não há idéias e
planejamentos estratégicos minuciosos que resistam na área da C&T.
Levando-se em consideração o óbice financeiro, o PDCTM ressalva que
é fator condicionante do desenvolvimento tecnológico em benefício do
Poder Naval a capacitação da Marinha em obter os montantes financeiros
necessários aos investimentos, sejam eles orçamentários ou extra-
orçamentários. Com relação aos recursos orçamentários, a Marinha
instituiu a Coordenadoria do Orçamento da Marinha (CORM) com a
finalidade de aprimorar o Sistema do Plano Diretor (SPD), visando
compatibilizá-lo, ao máximo, com o Sistema de Planejamento e Orçamento
Federal (SPOF), bem como, conciliar os respectivos Sistemas Gerenciais
SIPLAD e SIGPLAN. Conforme declarou o almirante Starling (2006) em
palestra proferida na EGN, é mandatário que sigamos a metodologia do
Pano Plurianual (PPA) do governo. Acompanhar, não garantirá o aporte de
recursos. Não acompanhar, garantirá o não-recebimento.
Com a criação do CORM, fica disponível um importante instrumento
de gestão que poderá facilitar a admissão de verbas federais, visando
atingir a meta de 7% de investimento em C&T, estabelecida no PDCTM.
O PEM, o PRM e as Diretrizes Básicas de Marinha (DirBaM) são os
documentos que condicionam o PDCTM. Assim, o PRM ao identificar as
necessidades materiais futuras da Força, desempenha o papel de princi-
pal indicador para as ações de C&T a serem fixadas pelos ODS nas áreas
de interesse sob suas responsabilidades. Desta forma, O PRM, aponta em
que meios deverão ser envidados os esforços para a aplicação do conhe-
cimento nacional. Isto posto, evidencia-se a importância da participação
das OMPS-C, das áreas de interesse, na elaboração do Plano de Obtenção
do Meio (POM), mesmo que não sejam responsáveis, diretamente, na na-
cionalização dos equipamentos e sistemas. O PRM é o documento que
deve ser utilizado para priorizar as ações de nacionalização do
conhecimento em prol da nacionalização do material.

AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS
O governo federal tem adotado políticas de âmbito nacional com o pro-
pósito de regulamentar diversos setores do país propiciando, assim, melho-
res condições para o desenvolvimento. Algumas dessas políticas foram
submetidas ao Congresso Nacional e se materializaram na forma de Leis e
seus respectivos Decretos. Outras foram implementadas por medidas seto-

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 199

riais de alto nível que afetam um ou mais Ministérios, enquanto um outro


grupo diz respeito a toda a Administração. De qualquer forma, os preceitos
contidos nessas políticas, caso atinjam os efeitos desejados, contribuirão
para o desenvolvimento interno e para ampliar a autonomia do país.
O Ministério da Defesa vêm implementando, ao longo dos últimos
anos, medidas para estruturar e fortalecer os setores do material e de C&T
das Forças Armadas. Em paralelo o MD tem aprovado normas com a fi-
nalidade de incentivar a indústria de Defesa.
A Marinha, em conformidade com estas políticas e medidas, vem
aperfeiçoando a gestão interna e as normas de relacionamento externo
para extrair o máximo proveito dessas iniciativas. A Força pretende con-
tribuir para a aquisição de conhecimentos e soluções genuinamente na-
cionais e para a obtenção de excelências que fortaleçam o país na produ-
ção de material de defesa. Nessa seção serão comentadas as ações estabe-
lecidas por esses atores que, direta ou indiretamente, poderão concorrer
para a nacionalização de produtos e serviços e a diminuição da de-
pendência externa brasileira.

Política de Defesa Nacional (PDN)


A PDN é o documento de mais alto nível do planejamento de Defesa e
tem por finalidade estabelecer os objetivos e as diretrizes para o preparo
da capacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil,
em todas as esferas do Poder Nacional.
Nas Orientações Estratégicas relacionadas com a soberania, a PDN
ressalta que o país deve possuir FA modernas, balanceadas e aprestadas.
Também devem ter características, tais como: versatilidade, interoperabi-
lidade, sustentabilidade e mobilidade estratégica. A política assinala,
também, que a capacitação do país no campo da defesa deve ser obtida
com o envolvimento permanente dos setores governamental, industrial e
acadêmico, voltados à produção científica e tecnológica e para a inovação.
Nesse contexto, a PDN observa que o desenvolvimento da indústria
de defesa, incluindo o domínio de tecnologias de uso dual, é fundamental
para alcançar o abastecimento seguro e previsível de materiais e serviços
de defesa. Mais adiante, a política orienta para a integração regional da
indústria de defesa e para a busca de parcerias estratégicas com todos os
países amigos. Igualmente, a PDN estabelece as diretrizes estratégicas que
deverão ser seguidas, pelos setores do Estado para a consecução dos ob-
jetivos nacionais. As diretrizes que dizem respeito à redução da depen-
dência e à nacionalização são a seguir destacadas:

StrategicEvaluation (2007) 1
200 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

a) implantar o Sistema Nacional de Mobilização e aprimorar a logística militar;


b) promover a interação das demais políticas governamentais com a Políti-
ca de Defesa Nacional;
c) estimular a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico e a capaci-
dade de produção de materiais e serviços de interesse para a defesa;
d) intensificar o intercâmbio das Forças Armadas entre si e com as universi-
dades, instituições de pesquisa e indústrias, nas áreas de interesse de defesa;
e) intensificar o intercâmbio com as Forças Armadas das nações amigas,
particularmente com as da América do Sul e as da África, lindeiras ao
Atlântico Sul;
f) contribuir ativamente para o fortalecimento, a expansão e a consolidação
da integração regional com ênfase no desenvolvimento da Base Indus-
trial de Defesa (BID)12; e
g) criar novas parcerias com países que possam contribuir para o
desenvolvimento de tecnologias de interesse da defesa.

O fato de a PDN ter sido elaborada como uma política de governo e


não de estado confere a este documento de alto nível, reduzida força po-
lítica. A maioria das diretrizes ligadas à nacionalização depende tanto da
vontade e da conscientização política como de recursos financeiros. Con-
tudo, por trata-se do documento maior sobre a Defesa Nacional, condi-
ciona todas as ações decorrentes.

Lei da Inovação Tecnológica


A lei n. 10.973, de 2 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos
à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo foi
recentemente regulamentada pelo Decreto n. 5.563, de 11 de outubro de
2005. A lei de Inovação prevê mecanismos para aproximar empresas e
universidades e estímulos para que as Instituições de Ciência e Tecnolo-
gia (ICT) participem do processo de inovação e incentivo à inovação nas
empresas. Entre as principais disposições do decreto destacam-se:

a) o enquadramento das Organizações Militares de Ciência e Tecnologia da


Marinha como Instituição Científica e Tecnológica (ICT);
b) a possibilidade de a ICT celebrar contratos de transferência e recebimen-
to de tecnologia;

12 Conjunto de empresas estatais e privadas, bem como de organizações civis e

militares, que participem de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvi-


mento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa.
Definição extraída da PNID (Brasil, 2005).

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 201

c) a possibilidade de a ICT prestar serviços à instituições públicas ou priva-


das nas atividades voltadas à inovação; e
d) autorização para a retenção de até 5% do projeto para a cobertura de
despesas administrativas operacionais.

Com esse dispositivo legal, será possível desenvolver parcerias entre a


MB, as demais forças e as instituições e empresas privadas, constituindo-
se em uma importante ferramenta a disposição das Organizações Milita-
res Prestadoras de Serviços da Marinha (OMPS-C). A orientação admi-
nistrativa A-14, inserida nas Orientações do Comandante da Marinha
para o ano de 2006 (ORCOM-2006), determina que sejam feitas ações
junto ao Ministério da Defesa de modo a viabilizar o acesso aos benefícios
da Lei visando a manutenção da capacidade das OMPS-C e o desen-
volvimento de projetos conjuntos com as demais forças e instituições ex-
tra-MD, em áreas de interesse da MB.
Atualmente, a Marinha participa de um grupo de trabalho no MD
para regulamentar a inserção das FA nos dispositivos de Lei. A proposta
contendo as sugestões da MB está em fase de elaboração pelas OMPS-C
sob a supervisão do Estado Maior da Armada (EMA).
Tendo em vista a escassez de recursos, os benefícios apresentados pela
Lei de Inovação irão possibilitar à Marinha o aceso a outras fontes finan-
ceiras extra–orçamento, ao mesmo tempo em que eliminam alguns entra-
ves burocráticos que limitam, atualmente, a atuação das OMPS.

Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia


Os Fundos Setoriais foram criados, a partir de 1999, com o propósito
de financiar projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em empre-
sas, universidades, centros de pesquisa, institutos tecnológicos e outras
instituições públicas ou privadas. Hoje há dezesseis Fundos Setoriais
criados por Lei e, juntos, eles representam um acréscimo de mais de R$ 1
bilhão por ano no orçamento da União destinado à C&T. As receitas des-
tes fundos são oriundas de contribuições incidentes sobre o resultado da
exploração de recursos naturais, parcelas do Imposto sobre Produtos In-
dustrializados (IPI) de certos setores e da Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico (CIDE).
O modelo de gestão dos Fundos Setoriais é baseado na existência de
Comitês Gestores, um para cada fundo. Cada comitê é presidido por um
representante dos ministérios envolvidos, agências reguladoras, setores
acadêmicos e empresariais, além das agências do Ministério da Ciência e

StrategicEvaluation (2007) 1
202 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

Tecnologia (MCT), a Financiadora de Estudos. Projetos (FINEP) e o Con-


selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A Marinha participa em conjunto com representantes do MD dos co-
mitês dos Fundos Setoriais das seguintes áreas de seu interesse:

a) Fundo Aquaviário (CT-AQUA);


b) Fundo de Recursos Hídricos (CT-HIDRO);
c) Fundo para a Tecnologia da Informação (CT-INFO); e
d) Fundo de Infra-Estrutura (CT-INFRA)

A captação de recursos extra-Marinha é uma das premissas que fun-


damentam o Plano de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Ma-
rinha (PDCTM). O Plano por seu turno, alinha como objeto estratégico a
integração da Força com o Sistema Nacional de Ciência e tecnologia na
busca do conhecimento. Em consonância com essas orientações, as Orga-
nizações Militares de Ciência e Tecnologia têm apresentado projetos aos
comitês dos Fundos Setoriais das áreas de interesse da Marinha tendo
obtido algum sucesso.
O Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), por
exemplo, obteve recursos, este ano, para equipar o futuro laboratório de
recursos marinhos que por sua vez encontra-se na fase final de construção
com verbas da Fundação de Apoio à pesquisa do Estudo do Rio de Janei-
ro (FAPERJ). Este laboratório irá supervisionar programas em parceria
com outras organizações da C&T, além de proporcionar uma melhor ca-
pacitação para o desenvolvimento de tintas antiincrustantes nacionais, a
base de biocidas naturais, projeto da Diretoria de Engenharia Naval da
Marinha, em andamento naquele instituto.
Um melhor aproveitamento dos recursos dos Fundos Setoriais será
alcançado quando a Marinha arregimentar aliados nos comitês gestores
das áreas de seu interesse, fruto de persistentes atuações. O fato é que o
Sistema Nacional de C&T pouco conhece o Sistema de C&T da Marinha,
distanciamento este, que vem sendo reduzido paulatinamente.
Por outro lado, as médias e pequenas empresas ressentem-se da pouca
participação nos recursos dos fundos. O segmento pondera que a bri-
lhante concepção dos Fundos Setoriais, criados para apoiar o esforço em
C&T no país, privilegia a pesquisa no meio acadêmico, em detrimento do
desenvolvimento e da inovação no setor produtivo.
Os dados em poder do MCT parecem confirmar a predominância da
Academia nas decisões sobre os destinos dos recursos de C&T no Brasil.
O país contribui com 2,1% de C&T em relação ao restante do mundo.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 203

Destes, a parcela das publicações científicas perfaz 1,9%, enquanto o nú-


mero de patentes atinge a irrisória marca de 0,2% (Kaszkurewicz, 2006).
Segundo Kaszkurewicz (2006), essa tendência só será revertida,
quando o país conseguir mudar a cultura vigente no âmbito do Sistema
de C&T brasileiro, que prioriza a aplicação dos recursos na capacitação
intelectual ou no desenvolvimento de produtos de nítida conotação so-
cial. Diante desse quadro, pode-se inferir que as empresas de material de
defesa poderão ter oportunidades de alavancar recursos junto aos Fundos
Setoriais, caso apresentem projetos detentores de tecnologia dual, de tal
magnitude, que o fator emprego sobreponha-se ao fator ideológico.

Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)


A política, conduzida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC), tem como objetivo induzir uma mudança na
estrutura produtiva, focada na inovação, a fim de proporcionar maior
competitividade à indústria brasileira no comércio internacional (Macedo,
2006). As ações horizontais da PITCE elegem como opções estratégicas os
investimentos nas áreas de semicondutores; fármacos e bens de capital.
Como atividades portadoras de futuro são identificadas a biotecnologia, a
nanotecnologia e as energias renováveis.
Em 2006, estão previstos pelo Comitê de Coordenação dos Fundos
Setoriais, R$184 milhões para os projetos relacionados com a PICTE .
Tendo em vista esta intenção, as empresas do setor de defesa têm mais
um canal financeiro para os investimentos na produção. O domínio do
conhecimento na área da nanotecnologia, em um futuro próximo, será
vital para a BID.
A nanotecnologia pode ser definida como a manipulação da matéria
no nível dos átomos e das moléculas. A tecnologia está presente no mer-
cado mundial sob a forma de produtos sensíveis como os microprocessa-
dores de última geração.
No PDCTM, a nanotecnologia é destacada como uma das áreas de in-
teresse da Marinha, recebendo a classificação de tecnologia de fronteira.
As ações preconizadas no plano são para o desenvolvimento de projetos
envolvendo:

a) produção de fármacos;
b) produção de roupas especiais de proteção;
c) produção de componentes eletrônicos de alto desempenho;
d) fabricação de sensores especiais;
e) produção de componentes e circuitos microeletrônicos;

StrategicEvaluation (2007) 1
204 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

f) desenvolvimento de sensores e de sistemas de comunicação que empre-


guem a luz como emissor; e
g) desenvolvimento de estudos que permitam uma maior e melhor
capacidade de combate com menos consumo e maior conservação de
energia.

Ações do Ministério da Defesa


Desde a sua criação, o MD vem atuando com o intuito de proporcio-
nar uma maior integração das FA com o setor produtivo, o meio acadê-
mico e os demais Ministérios. Esse envolvimento esta traduzido nas ini-
ciativas dispostas a seguir.
A Política de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica do
MD estabelece as diretrizes de compensação comercial, industrial e tec-
nológica para serem utilizadas nos contratos efetuados pelas FA com os
fornecedores estrangeiros. Para a sua consecução foram fixados os se-
guintes objetivos:

a) promoção do crescimento dos níveis tecnológico e qualitativo das indús-


trias de defesa, com a modernização dos métodos e processos de produ-
ção e aquisição de novas tecnologias;
b) fomento e fortalecimento dos setores de interesse do MB, criando condi-
ções para o aperfeiçoamento das indústrias de defesa e da sua base tec-
nológica, visando aumentar suas cargas de trabalho e também permitir a
competitividade no mercado internacional;
c) obtenção de recursos externos, de toda ordem, diretos e indiretos, para
elevar a capacitação industrial e tecnológica dos setores de área de defesa; e
d) incremento da nacionalização e a progressiva independência do mercado
externo, no que diz respeito a produtos de defesa.

A Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID), aprovada em 19


de julho de 2005, é a mais recente política setorial relacionada com a in-
dústria da defesa na busca da autonomia nacional. A PNID tem como
objetivo geral o fortalecimento da BID e sete objetivos específicos que são:

a) conscientização da sociedade em geral quanto à necessidade de um país


dispor de uma forte BID;
b) diminuição progressiva da dependência externa de produtos estratégicos
de defesa, desenvolvendo-os e produzindo-os internamente redução;
c) redução da carga tributária incidentes sobre a BID, com especial atenção
às distorções relativas aos produtos importados;
d) ampliação da capacidade de aquisição de produtos estratégicos de defe-
sa da indústria nacional pelas Forças Armadas;
e) melhoria da qualidade tecnológica dos produtos estratégicos de defesa;

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 205

f) aumento da competitividade da BID brasileira para expandir as exportações; e


g) melhoria da capacidade de mobilização industrial na BID.

Para a sua implantação, a política deve seguir as seguintes orientações:

a) as ações estratégicas devem priorizar a preservação da base industrial já


existente;
b) as ações estratégicas devem ser indutoras, sem retirar da indústria sua
capacidade de empreendimentos, sua iniciativa e seus próprios riscos; e
c) as empresas públicas devem desempenhar suas atividades em comple-
mento às de caráter privado, evitando a concorrência com essas últimas.

Segundo as declarações dos representantes do segmento industrial de


defesa, a aprovação da política é um passo decisivo para o fortalecimento
da BID. Entre outras medidas salientáveis podem ser destacadas:

a) Centro de Certificação, de Metrologia, de Normalização e de Fomento


das Forças Armadas (CCEMEFA) - O Centro, criado, em 2004, tem o
propósito de proporcionar uma melhor integração entre as Forças, no
que diz respeito a orientações técnicas de forma padronizada e a melho-
ria da qualidade dos produtos nacionais, aumentando a competitividade
industrial dos itens da BID; e
b) Comissão Militar da Indústria de Defesa (CMID) - Criada em 2005, tem
como principal atribuição propor e coordenar os estudos relativos ao
fomento às atividades de pesquisa, de desenvolvimento, de produção e
de exportação de produtos de defesa.

Apesar das contínuas medidas aprovadas pelo MD em proveito das


FA é essencial que haja disponibilidade de um mínimo de recursos para
que possam ser concretizadas. Como cita Pesce (2006), a despeito do mé-
rito dessas medidas, sem aportes de recursos para o setor, esses docu-
mentos não passarão de simples protocolos de intenções.
Existe uma concepção equivocada de parte de alguns formuladores da
política nacional ao presumir que Forças Armadas equipadas, adestradas,
modernas e eficazes são sinônimos de baixos orçamentos. Essa falácia re-
siste, talvez, por acreditarem que a redução de materiais e efetivos, man-
tendo-se os mesmos recursos, automaticamente, proporcione o surgi-
mento dessas capacidades.
A disponibilidade de Forças Armadas com essas características requer
quantidades financeiras mínimas, pois pessoal, material e tecnologia são
incompatíveis com custos irrisórios.

StrategicEvaluation (2007) 1
206 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil

CONCLUSÕES
Na busca por maiores índices de nacionalização, a Marinha tem con-
seguido, apesar das dificuldades orçamentárias e técnicas, razoáveis êxitos,
tanto por ocasião da construção de novas unidades quanto na modernização
dos meios já existentes. Contudo, persiste, ainda, um longo caminho a ser
percorrido, bem como, possibilidades a serem exploradas. Neste contexto a
obtenção das futuras unidades de patrulha apresenta-se como uma excelente
oportunidade para a aplicação e ajustes no processo de nacionalização.
Pode-se inferir que determinados eventos tais como, a recente moder-
nização das fragatas classe Niterói e a construção da corveta Barroso, em
andamento, deverão contribuir de forma significativa para essa emprei-
tada. Do mesmo modo, concorrerá para o propósito a decisão da Alta
Administração Naval quanto à necessidade de uma revisão da gestão in-
terna, como também, a aprovação da Política de Nacionalização contendo
as orientações de alto nível sobre o assunto. Nesse conjunto, pode-se veri-
ficar igualmente, que as medidas desenvolvidas no Governo Federal e no
MD colaborarão de forma expressiva para a consecução desses esforços.
Embora o autor considere que existam boas perspectivas no tocante à
nacionalização, alguns procedimentos, já anteriormente comentados ao
longo deste trabalho, poderão ser implementados, total ou parcialmente,
de forma a aprimorar o processo e gerar soluções eficazes tanto no campo
do material quanto no conhecimento. Deste modo, seguem abaixo
sugestões que podem ser abordadas na Política de Nacionalização ou na
documentação decorrente:

a) no âmbito técnico:
definir que índice mínimo de nacionalização deve ser atingido pelos
equipamentos e sistemas;
definir até onde se pode admitir a flexibilidade dos requisitos técnicos
para o alcance do índice desejado;
definir o grau de desempenho requerido dos equipamentos e siste-
mas, considerando-se a eficácia desejada;

b) no âmbito financeiro:
definir uma porcentagem aceitável de majoração nos custos dos
produtos fabricados no país, quando comparados com os similares
importados;

c) nos dois campos:

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 207

analisar os fatores custo e autonomia em relação aos benefícios logísti-


cos, operacionais e técnicos. É provável que haja várias linhas de
ações válidas e que, tendo em vista a importância do assunto, deva-se
combiná-las;
avaliar a padronização à luz dos meios existentes;

d) no âmbito administrativo:
estruturar o funcionamento da Comissão Permanente de Nacionaliza-
ção nos mesmos moldes da Gerencia Especial para a Modernização
das Fragatas;
incluir na mencionada comissão, representantes da OMPS-C da Área de
Interesse do equipamento, sistema ou serviço que será fabricado no país;
alterar a denominação das OMPS-C para Organizações Militares de
Ciência e Tecnologia da Marinha, a fim de facilitar a identificação, após o
enquadramento dessas OM na Lei de Inovação.

Além dessas ações, provavelmente, outros procedimentos irão des-


pontar, como necessários, no decorrer dos trabalhos da Comissão. Contu-
do, o incremento quantitativo e qualitativo da nacionalização estará dire-
tamente ligado ao grau de comprometimento de todos os setores da Ma-
rinha. O processo somente será eficaz com o engajamento de toda a Ins-
tituição. Este será o maior desafio.

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*
Kleber Silva dos Santos é Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) da Marinha do
Brasil e Cavaleiro da Ordem do Mérito Naval, tendo completado o
Curso de Política e Estratégia Marítimas na Escola de Guerra Naval.
Entre 2000 e 2002 foi Comandante de Fragata do Navio Oceanográfico
Almirante Câmara (H 41).

StrategicEvaluation (2007) 1
24 * John W. Lango, The just war principle of last resort

CONGRESSO
INTERNACIONAL sobre

DEFESA
RESPONSÁVEL
Perspectivas para o desenvolvImento da segurança humana na nova Europa

16|17|18 de outubro de 2007


Centro de Estudos Avanzados
Universidade de Santiago de Compostela

http://congreso.igesip.org

Organiza Patrocinam Apóiam

NATO Insti tu to Uni ve rsi tari o


"General Gutiérrez Mellado"
Uni v e rsi da d Nac i ona l de Educ ac ió n a D is tan c ia
OTAN
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

ELÓI MARTINS SENHORAS; CLAUDETE DE CASTRO SILVA VITTE

A geoestratégia brasileira na agenda de políticas


de segurança e defesa da América do Sul
Brazilian geostrategy in Latin America’s defence and security policies agenda

Resumo: O artigo discute a trajetória e a agenda da política externa brasileira, con-


siderando as concepções estratégicas em segurança e defesa para a América do Sul
e suas inter-relações com os processos de integração regional e com as influências
estadunidenses. O estudo da geoestratégia brasileira em segurança e defesa na
América do Sul tem o intuito de desvelar quais são os interesses existentes e o nível
de eficiência das relações regionais na Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica e das relações de dependência com E.U.A.. Com essa discussão são for-
necidos os subsídios para a garantia de pluralidade e o aprofundamento do debate
sobre os desafios e oportunidades da formação de uma agenda coletiva em segu-
rança e defesa em esfera regional com vistas a combater ameaças transnacionais.
Palavras-chave: América do Sul; Brasil; Políticas de Segurança e Defesa.

Abstract: This article stresses the trajectory and the agenda of the Brazilian foreign poli-
cies, taking as granted the strategical conceptions in security and defense in South America
and their inter-relations with the processes of regional integration and the United States
influences. The study of the Brazilian security and defense geostrategy in South American
aims to uncover the existing interests and the level of efficiency of the regional relations in
the Amazon Cooperation Treaty Organization and the relations of dependence with the
United States.Through this discussion assistance is supplied to warrantee plurality and
depth for the debate about the challenges and the opportunities for the development of a
collective agenda in regional security and defense to overthrow the transnational threats.

Keywords: South America; Brazil; Security and Defense Policies.

INTRODUÇÃO

A geoestratégia é a dimensão espacial existente nas estratégias políti-


cas e econômicas de diferentes atores no sistema internacional, que tradi-
cionalmente tem sido considerada um subcampo da geopolítica, ao anali-
sar as relações estratégico-militares de Estado junto a recursos geográficos.
212 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

A fim de demonstrar a vitalidade do papel geoestratégico do Estado nas


relações político-militares, a despeito da incorporação dos estudos geo-
econômicos de uma pluralidade de novos atores e novos temas que se inter-
relacionam na construção espacial, o estudo da geoestratégia brasileira na
área de segurança e defesa é objeto deste estudo no espaço sul-americano.
A geoestratégia da política externa brasileira em segurança e defesa pode
ser visualizada em suas diretrizes de formulação, mudança e continuidade
na América do Sul, devido a três variáveis: a) fatores endógenos ao governo
brasileiro, como, por exemplo, o fim do período do regime autoritário, b)
fatores exógenos de redefinições estruturais no sistema político e econômico
internacional, e c) influências conjunturais no sistema regional sul-americano
e no relacionamento com a potência hemisférica, os EUA.
A partir desse quadro analítico da geoestratratégia brasileira, o artigo
pretende fazer uma reflexão sobre as políticas de governo e o padrão de
políticas de Estado que consubstanciam a agenda da política de segurança
e defesa na América do Sul, por meio de cinco recortes basilares que se
inter-relacionam:

1. Parte-se de um exame das inflexões nos paradigmas de segurança e defesa


na América do Sul, ressaltando a passagem de um cenário geoestratégico
de confrontação para cooperação, com o avanço da integração regional.
2. Procura-se analisar a mudança geoestratégica da política brasileira de
segurança de defesa frente à agenda de tranformações geopolíticas com
novas ameaças na América do Sul, resultando no deslocamento das Forças
Armadas do flanco platino para o flanco amazônico, onde a porosidade
aproxima a geopolítica da região andina e do Pacífico Sul-americano.
3. Introduz-se o estudo do processo evolutivo de integração regional do
Mercosul à Comunidade Sul-americana de Nações a fim de demonstrar a
sua funcionalidade na construção de uma política de segurança e de de-
fesa, com destaque ao surgimento da Organização do Tratado de Coope-
ração Amazônica enquanto interface primária de diálogo frente às novas
ameaças regionais entre os oito países amazônicos com áreas nos Andes
e no Pacífico Sul-americano.
4. A ótica de análise foca a discussão sobre as influências estadunidenses
na agenda geopolítica de Segurança e Defesa da América do Sul com o
objetivo de desvelar as suas implicações disfuncionais nos países da re-
gião andina e amazônica e o raio de ação da geoestratégia brasileira.
5. Por fim, são tecidas algumas considerações sobre a possibilidade de
surgir uma agenda geopolítica sul-americana pautada por relações
autônomas em uma comunidade regional de segurança e defesa.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 213

INFLEXÕES NOS PARADIGMAS DE SEGURANÇA E DEFESA DA AMÉRICA


DO SUL: DAS ESTRATÉGIAS DE CONFRONTAÇÃO À COOPERAÇÃO

A recente reformulação nas concepções estratégicas em segurança e


defesa que adveio de significativas mudanças nos contexto político mun-
dial após-Guerra Fria refletiu regionalmente na América do Sul e nacio-
nalmente na introdução de uma série de condicionantes à transformação
da autonomia política e institucional das Forças Armadas.
Em um cenário essencialmente dinâmico das relações internacionais,
repleto de mudanças que surgem e variam de magnitude e de caracterís-
ticas diante da emergência de ameaças transnacionais, tornou-se impreci-
so interpretar a divisão das ameaças entre as de origem externa e as de
origem interna, uma vez que, em um mundo globalizado, é cada vez mais
difícil traçar uma linha divisória com este critério, pois há uma presença
latente e contínua de temáticas entre os países. Tais ameaças, de uma ma-
neira geral, estão condicionadas pela vulnerabilidade, por fatores cultu-
rais e pela segurança de um país, ou seja, a ameaça configura-se em um
fenômeno perceptivo. Isso significa que, a partir da década de 1980, al-
gumas atividades foram percebidas por alguns Estados como uma
ameaça à sua segurança e passaram a buscar mecanismos tanto internos
como multilaterais com vistas a combatê-los.

Os temas considerados –pelas potências ocidentais– como ameaças à se-


gurança internacional após o fim da União Soviética –narcotráfico, terro-
rismo, crime organizado transnacional, tráfico de armas, devastação am-
biental, corridas armamentistas regionais, conflitos étnicos, correntes
migratórias internacionais, desrespeito aos direitos humanos e prolifera-
ção de armas nucleares, químicas e biológicas de destruição em massa–
consolidaram a substituição do conflito Leste-Oeste pelas tensões Norte-
Sul (Marques, 2003:69).

Em um sistema internacional de mudanças, a análise do emprego po-


tencial das Forças Armadas na América do Sul torna-se importante por
evidenciar, em momentos diversos, a existência de dois cenários geopolí-
ticos com padrões de tendência característicos na história recente das po-
líticas externas de segurança e defesa dos países.
Em um primeiro momento sublinha-se um cenário geopolítico conflitivo,
onde as questões clássicas de segurança e defesa evidenciam-se devido ao
sistema internacional bipolar da Guerra Fria. Nesse mesmo período, a
presença de governos militares em países como o Brasil, a Argentina, o
Uruguai, o Chile, o Equador e o Peru instalou um ambiente geopolítico de

StrategicEvaluation (2007) 1
214 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

contenção e desconfiança mútua na América do Sul. As fronteiras desem-


penharam um artífice conflitivo de separação e divisão, onde os países
concentravam tropas com a finalidade proteger o território de uma possí-
vel invasão do governo vizinho (Peru e Equador) ou com o objetivo de
consolidar uma hegemonia sub-regional no continente (Brasil e Argentina).
Para que a situação se modificasse, fora necessário uma mudança na
percepção geopolítica, que iniciou seus primeiros passos com a assinatura
do acordo de Corpus-Itaipu entre Brasil e Argentina, que expressava dois
conceitos basilares: a idéia de um crescimento comum como alternativa de
acesso à economia mundial e, por seu intermédio, as linhas mestras de uma
política de mudança da concepção de poder na região (Jaunarena, 1999).
Em um segundo momento, as preocupações nacionais modificaram-se
diante dos processos de integração regional no subcontinente, da intensi-
ficação de ameaças e do surgimento de novos atores, dando origem a um
cenário geopolítico cooperativo, no qual as políticas de segurança e defesa
têm caráter bilateral de compartilhamento, com possibilidades prospecti-
vas de ampliação para um caráter regional.
Em contraposição ao cenário conflitivo da Guerra Fria no qual se ob-
servaram vários pontos de divergência na América do Sul, com a rede-
mocratização nesses países e com os processos de integração regional e o
próprio fim da Guerra Fria, os governos nacionais começaram vagarosa-
mente a dialogar entre si sobre as políticas de segurança e hoje eventual-
mente trabalham em cooperação de forma bilateral em algumas temáticas
contra alguns inimigos comuns.
Embora haja coincidência sobre o desaparecimento das hipóteses de
confronto do passado, nenhum país renunciou a seu direito de ter um
sistema de defesa e segurança autônomo, com capacidade para enfrentar
uma agressão diante de uma ameaça convencional vinda de outro Estado.
As medidas de aproximação tiveram um ritmo diferente conforme as
áreas das políticas públicas, uma vez que nos anos 1990 aconteceram
avanços significativos nas políticas educacionais, culturais e comerciais,
essas últimas com reveses mais ou menos momentâneos, enquanto que na
esfera da defesa e segurança, os passos foram mais lentos e parcimoniosos.
Essa aproximação foi iniciada primeiramente entre Brasil e Argentina,
depois foi expandida com o Mercosul e posteriormente foi ampliada com
as negociações com a Comunidade Andina. Ela foi fruto de uma iniciativa
fundamentalmente política, o que permitiu, na questão da defesa e segu-
rança, que esses países não apenas reduzissem antigas desconfianças e
contenciosos, mas também que adotassem posições compatíveis quanto

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 215

ao futuro de projetos militares e à ampliação do entendimento entre seus


corpos militares, exemplificada pela realização conjunta de exercícios mi-
litares (Soares, 2005).

A POLÍTICA BRASILEIRA DE SEGURANÇA E DEFESA NA AMÉRICA DO SUL


FRENTE À AGENDA DE MUDANÇAS GEOPOLÍTICAS

Tradicionalmente as Forças Armadas brasileiras têm atuado segundo


as obrigações constitucionais de defesa em face à agressão externa, de
manutenção da ordem e da integridade territorial e de preservação do
patrimônio nacional, como em qualquer outro país no mundo. Segundo
Costa (1994), o grau de previsibilidade da política externa brasileira na
área de segurança e defesa é elevado, apesar de flutuações que resultaram
de diferentes visões governamentais, devido a uma atuação padrão na
história e devido às características juridicista e não-confrontista que a
distinguem no campo internacional.
Essas características da política externa brasileira determinaram a ma-
neira como a interação entre o Estado e o próprio fenômeno da guerra é
percebida no Brasil e elevaram os custos com os quais um país precisa ar-
car para recorrer à violência como ferramenta de relações internacionais.
Apesar das características imanentes de defesa da paz, a política de
segurança e defesa brasileira após a democratização e após a Guerra Fria
possui delineamentos históricos e políticos que merecem consideração.
Do ponto de vista da formulação de estratégias militares relativas ao risco
de conflito aconteceram mudanças estratégicas significativas.
Com o estabelecimento de uma formação cooperativa no Mercado
Comum do Sul (Mercosul) embasada na democratização e no desenvol-
vimento econômico, surgiu um ambiente em que são diminuidas signifi-
cativamente as rivalidades entre os países e a ameaça conflitiva nessa re-
gião, o que reflete na política regional de segurança e defesa.
O contingente das Forças Armadas brasileiras passou a ser deslocado
estrategicamente das fronteiras do Flanco da Bacia Platina para o Flanco
da Bacia Amazônica, uma vez que os policymakers começaram a perceber
certa fragilidade fronteiriça nas regiões setentrionais conjugadas com a
problemática da guerrilha, do tráfico ilícito de drogas, da fragilidade ins-
titucional de alguns países limítrofes, além da densidade demográfica ra-
refeita em grandes zonas territoriais na Amazônia Legal.
Na história brasileira, no plano externo regional, as fronteiras brasilei-
ras na Bacia Platina, em especial com a Argentina, sempre representaram

StrategicEvaluation (2007) 1
216 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

um ponto nevrálgico de tensões e conflitos, o que veio a sofrer substancial


mudança ainda antes da queda do Muro de Berlim, com as primeiras ne-
gociações de processos de cooperação regional pelos Presidentes Raúl
Afonsin e José Sarney (1985-1990), e com a posterior consolidação do
Mercosul, com a adesão do Uruguai e Paraguai.
Nessa nova conjuntura de arrefecimento das rivalidades no Flanco da
Bacia Platina, pela primeira vez desde o Império1 as percepções de insegu-
rança do Estado brasileiro mudaram, vindo o Flanco Amazônico a se tornar
a maior expressão, com o correspondente reposicionamento do contigente
das Forças Armadas junto às fronteiras do norte do país2. Bakker (1984)
assinala que a liquidação dos problemas de fronteira na região platina teria
servido para enfraquecer o profissionalismo clássico da política externa
brasileira em defesa e segurança em detrimento de um aumento com
preocupação interna, principalmente pelo Exército, na Amazônia.
Na região da Amazônia Legal3, alguns programas idealizados no pe-
ríodo militar tiveram continuidade durante o governo de José Sarney
(1985-1990), como foi o caso do projeto Calha Norte, embora tenha passa-
do pela redução de orçamento e tenha sido criticado por partidos, inte-
lectuais e pela mídia da esquerda brasileira, bem como por grupos es-
trangeiros regionais e multilaterais ligados à defesa do meio ambiente.
Com o fim do regime autoritário no Brasil, as políticas externas dos
governos passaram por mudanças, de forma que a disputa por recursos
orçamentários renegou a um plano marginal as políticas de segurança e de
defesa diante do privilegiamento das políticas econômico-internacionais de
comércio e das políticas diplomáticas do Ministério das Relações Exteriores.

Gráfico 1. Evolução dos Gastos das Forças Armadas Brasileiras

1 O Estado imperial brasileiro perdurou de 1882, ano da Proclamação da

Independência, até 1889, ano da Proclamação da República.


2 Com os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, as atenções à Tríplice

Fronteira (zona que abarca cidades do Brasil, Argentina e Paraguai) voltaram


temporariamente a tomar conta da agenda brasileira de política externa em segu-
rança e defesa diante de pressões norte-americanas nas suas investigações sobre a
lavagem de dinheiro na região para o financiamento dos atos terroristas.
3 Em termos administrativos brasileiros, a região chamada de Amazônia Legal é

composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e parte dos
estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 217

4 12000

Gastos Militares em US$mi


3,5
Gastos Militares/Produto Nacional Interno 10000

8000
2,5

2 6000

1,5
4000

2000
0,5

0 0

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: Tabulação própria. Banco de Dados: SIPRI.

Com o governo Itamar Franco (1992-1994), foi destacada a criação do


projeto SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), que foi suspenso após
denúncias de corrupção envolvendo o processo contratual. No governo
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o projeto Calha Norte foi “reati-
vado” na segurança das fronteiras da Amazônia Legal no contexto do Plano
Colômbia, engendrado com a assistência dos Estados Unidos, bem como o
projeto militar de Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) foi retoma-
do, implementado e ampliado na interlocução com diversos outros ministé-
rios, surgindo o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM).
Embora o governo brasileiro não tenha introduzido uma alternativa
financeira regional ao Plano Colômbia para atender às ameaças de segu-
rança regional junto aos países andino-amazônicos, sua posição contrária
à política estadunidense se manifestou bilateralmente pela introdução da
operação COBRA (Colômbia-Brasil) e unilateralmente pela reativação do
projeto Calha Norte e pelo surgimento de fiscalização por meio do
Sistema de Vigilância da Amazônica, por temer, diante da ofensiva
militar contra as guerrilhas narcotraficantes, o efeito balão de trans-
bordamento das atividades de plantação e refino de droga para dentro do
território brasileiro, bem como o risco potencial de abrir um precedente
para o engajamento militar direto dos Estados Unidos na América do Sul.
Como a implantação do SIVAM4 pelo governo brasileiro em 2001 per-
mitiu ao país firmar acordos de cooperação militar com a Colômbia, Peru

4 O SIVAM é um projeto de grande envergadura que permite o planejamento e a

coordenação de ações voltadas para a Amazônia, com o estabelecimento de uma


efetiva presença da autoridade governamental por meio de ações em diferentes
plataformas como radares terrestres, radares aeroembarcados e aeronaves de sen-
soriamento remoto. Seu objetivo relaciona-se à proteção das riquezas naturais da
Amazônia, à garantia da soberania brasileira sobre a Amazônia Legal, à cooptação

StrategicEvaluation (2007) 1
218 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

e Equador a fim de tornar disponível os dados e ampliar o controle mili-


tar, policial e ambiental da região ele acaba por se tornar uma importante
política de segurança e defesa geoestratégica na América do Sul.
Segundo a Agência de Notícias do Ministério da Justiça (2006), a Polí-
cia Federal brasileira também tem promovido operações conjuntas com as
polícias dos países vizinhos para combater o crime organizado, ações que
muitas vezes contam com o apoio logístico, pessoal e financeiro dos Esta-
dos Unidos e com o apoio das Forças Armadas. Atualmente, existem nove
operações que se estendem ao longo da fronteira do Brasil: Cobra
(Colômbia), Pebra (Peru), Vebra (Venezuela), Guisu (Guiana e Suriname),
Brabo (Bolívia), Ribeirinho (toda a fronteira Amazônica), Aliança (Para-
guai), Cone Sul (Argentina e Uruguai) e Craf (Colômbia).
Entretanto, não há uma estratégia clara por parte do governo que vise
marcar posição regional na América do Sul devido à falta de consenso
interno e externo sobre o papel da política de segurança e defesa brasi-
leira na geoestratégia sul-americana e a falta de planejamento para o de-
senvolvimento interno de uma indústria militar, o que acaba desobrigan-
do as autoridades de encarar a mudança no cenário estratégico da Améri-
ca do Sul, o único lugar em que o Brasil poderia ser um “líder natural”.
Somente ao fim da década de 1990, no quadro cronológico dos progra-
mas de segurança, defesa e desenvolvimento da Amazônia implementados
pelos governos civis, é que houve o surgimento de reinvestimento em de-
senvolvimento tecnológico nacional nas Forças Armadas, principalmente na
Aeronáutica, por meio da implementação do Sistema de Vigilância da
Amazônia (SIVAM). As Forças Armadas, para minimizarem a obsolescência
da defasagem tecnológica de maneira rápida e com o menor custo, optaram,
no entanto, por importar significativa parcela do seu equipamento.
A dimensão das ameaças na Amazônia foi vislumbrada com clareza
pelas Forças Armadas brasileiras diante da evolução dos conflitos inter-
nos na Colômbia, do aumento do tráfico de drogas e armas, e das pres-
sões estadunidenses, que colocaram a questão da proteção das fronteiras
no Norte do país em pauta de segurança internacional.

A mudança mais substantiva, e também a mais positiva, que a definição das


fronteiras amazônicas como prioridade para a defesa nacional talvez tenha
operado nas concepções estratégicas brasileiras foi a aceitação por parte das

dos demais países amazônicos na defesa integrada de seus próprios interesses na


região, segundo os marcos da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA).

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 219

três Forças, com maior ou menor grau de convicção, da necessidade da


integração operacional entre elas. Essa aceitação, dentre outros aspectos
benéficos, foi aos poucos minando as resistências existentes até então na
área militar à criação do Ministério da Defesa (Marques, 2003:78-9).

No contexto de segurança regional, a partir da administração do Pre-


sidente Fernando Henrique Cardoso, tornou-se evidente, com a criação
do Ministério da Defesa, a preocupação em priorizar as questões que são
vistas como potencializadoras de instabilidade e contrárias aos interesses bra-
sileiros, fazendo-se referência a potenciais ameaças convencionais e não
convencionais, tais como a ação do crime organizado e de grupos parali-
mitares que possam agir próximo às fronteiras amazônicas do Brasil.
A geoestratégia brasileira na América do Sul passou, então a ser mar-
cada pela tentativa de desempenhar quatro funções que revestem o país
como uma espécie de poder moderador na região, ao atuar como: (1) es-
tabilizador político, (2) dinamizador da economia regional, (3) coordena-
dor da integração e (4) intermediador de conflitos.
Essa orientação e os objetivos da política externa do Brasil levam em
conta dois aspectos de atuação. Por um lado, a política externa brasileira é
caracterizada tradicionalmente pelo diálogo, cooperação, negociação e pouca
agressividade. Por outro lado, a liderança brasileira na América do Sul está
condicionada a uma série de preocupações para que alguns países vizinhos
não temam um subimperialismo brasileiro, percepção que já se manifestou
em outros momentos do passado e tem estado latente em alguns países.
Entre a cooperação e a negociação tem existido na área de segurança e
defesa um esforço para ampliar o raio de atuação da inteligência brasilei-
ra por meio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que, em 2005,
abriu quatro sedes táticas na América do Sul, na Venezuela, Colômbia,
Paraguai e Bolívia, além dos escritórios já existentes na Argentina e nos
Estados Unidos (Zibechi, 2006).

O ATIVISMO BRASILEIRO E A FUNCIONALIDADE DA POLÍTICA DE


INTEGRAÇÃO REGIONAL NA CONSTRUÇÃO DA AGENDA DE POLÍTICA DE
SEGURANÇA E DEFESA DO CONE SUL-AMERICANO

As mudanças de arranjo de forças originadas no sistema internacional in-


troduziram, com o fim da Guerra Fria, novas preocupações multilaterais em
segurança e defesa, como o tráfico de drogas, o crime organizado, o tráfico
ilegal de armas, a degradação do meio ambiente, o fundamentalismo religio-

StrategicEvaluation (2007) 1
220 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

so, o crescimento da miséria e as ondas migratórias internacionais, além das


tradicionais ameaças conflitivas ligadas à salvaguarda da soberania e do poder.
A difusão de novas ameaças resultou na rediscussão da segurança in-
ternacional e do papel das forças de segurança e defesa nacional, redun-
dando no surgimento de diferentes abordagens para o tratamento do as-
sunto em cada área do globo.
No caso brasileiro e de parte significativa dos países sul-americanos
na região amazônica e do pacífico sul-americano, o arranjo buscado, com
a redemocratização dos países da América do Sul ao longo das últimas
décadas, para solucionar os problemas que ameaçam a segurança do inte-
resse nacional foi a promoção contínua da desmilitarização das tropas.

Este arranjo foi implementado, na maior parte dos casos, pela construção
paulatina da confiança mútua propiciada pela transparência nos assuntos
militares e pela construção de focos bilaterais de cooperação. Desta forma,
os países buscaram criar uma região estável e pacífica, contrariando a
tendência mundial de aumento de gastos militares (Pereira, 2004: 02).

Diante de uma tendência de desmilitarização, os gastos militares que


os países sul-americanos incorreram com pessoal, suprimentos, armas,
equipamento e construção foram relativamente baixos se comparados à
proporção dos custos militares per capita em outros países no mundo.

Figura 1. Gastos militares no mundo5

5 O mapa indica os custos militares que os países incorrem com pessoal, suprimen-
tos, armas, equipamento e construção. O tamanho do território mostra a proporção
do gasto militar comparado entre os Estados do mundo. Em 2002, os Estados Uni-
dos gastaram quase nove vezes mais do que o segundo país da lista de orçamentos
militares, representando 45% de todo o gasto militar mundial.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 221

Fonte: World Mapper (2002). Disponível em <http://www.worldmapper.org>.

Embora haja uma promoção da desmilitarização das tropas na América


do Sul, após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados
Unidos e as repercurssões da “guerra preventiva” da política externa de
segurança e defesa norte-americana, tem acontecido o reaparelhamento, na
América do Sul, das Forças Armadas do Brasil, Chile, Colômbia e
Venezuela, seja em consonância ou contando com recursos estadunidenses,
caso dos três primeiros países, seja em confrontação, caso da Venezuela.
A discussão sobre a política de defesa brasileira atual ocorre, portanto,
em um momento conjuntural de reaparelhamento das Forças Armadas na
América do Sul, mas sem grandes mudanças na geopolítica dos gastos
militares no mundo, com a compra de armamentos e logística operacional
pela Venezuela, Colômbia, Chile e o próprio Brasil.
As influências desse novo arranjo de cooperação em segurança e defe-
sa estão assentadas nas iniciativas de integração regional, tal como no
caso do Mercosul, que teve uma origem anterior às iniciativas de desmi-
litarização das Forças Armadas e hoje funciona em paralelo a essa
tendência por meio de seus efeitos de spillover, engendrados pelo diálogo
político e econômico na região. Os países da América do Sul começaram a
encarar a necessidade de atualizar os mecanismos de segurança e defesa
na América do Sul em termos coletivos, o que tem originado discursos de
fortalecimento das instituições de governança regional já estabelecidas
como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.
À época do regime militar nos países sul-americanos, o desenvolvi-
mento tinha na dinâmica econômica endógena seu pulso principal, uma
vez que o motor interno foi a base do desenvolvimento enquanto compo-
nente genuinamente nacional por meio da industrialização por substitui-
ção de importações, o que conferiu às políticas externas de segurança e

StrategicEvaluation (2007) 1
222 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

defesa um caráter agressivo, repleto de rivalidades contra à ameaça dos


países vizinhos. Com a redemocratização sul-americana, a integração re-
gional tornou-se a plataforma do desenvolvimento, por meio de um motor
regional de comércio, o que confere hoje à política externa de segurança e
defesa nacional uma característica de cooperar na criação de um ambiente
regional estável diante das novas ameaças transnacionais. Em ambos os
cenários geopolíticos, apesar das inflexões marcantes, registram-se um
continuum característico de manutenção nas estratégias de política externa
em segurança e defesa, que é o fato de sempre estarem atreladas de forma
complementar à atuação das políticas de desenvolvimento.
Diante da geoestratégia de integração regional do Mercosul e sua am-
pliação para a América do Sul, os processos de spillovers tornaram-se efeitos de
transbordamento de uma série de encadeamentos de um núcleo duro de ações
(políticas e econômicas) para setores marginais à temática principal (segurança
e defesa). O diálogo econômico e político entre os países, que se iniciou com as
propostas de integração regional, teve como conseqüência a atenuação de
rivalidades e conflitos diante da adoção funcional de uma série posições
comuns em alguns temas de segurança e defesa, que foram, portanto,
resultado do transbordamento das ações econômicas e políticas de consenso.
Em suma, conforme a integração foi paulatinamente incorporada na
vida doméstica dos países sul-americanos, devido aos sucessos ou insu-
cessos, efeitos de transbordamento (spillovers) foram criados, com o en-
volvimento crescente de outros atores importantes que inicialmente fica-
ram marginalizados. Foi o caso das Forças Armadas que introduziram na
pauta de discussão as temáticas de segurança e defesa ao longo do tempo.
A importância da estruturação da confiança mútua nas relações entre
os países do bloco regional possibilitou uma posterior inclinação para a
cooperação no âmbito da defesa concernente ao processo de integração
entre estes países, trazendo maior estabilidade e equilíbrio no Cone Sul.

A constituição do bloco alavancou a dissolução de antigas inimizades e


promoveu o estabelecimento de acordos de cooperação em diversas
áreas, como educação e comércio. No que tange à Defesa e à Segurança,
a evolução das relações foram mais lentas devido às dificuldades de se
reverter a cooperação neste campo uma vez que ela esteja estabelecida.
Este mesmo motivo, no entanto, faz com que a aproximação nesta área
esteja menos sujeita a oscilações do que os arranjos econômicos do Mer-
cosul (Pereira, 2004:3).

A constituição do bloco alavancou a dissolução de antigas inimizades e


promoveu o estabelecimento de acordos de cooperação em diversas áreas,

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 223

como educação e comércio. No que tange à Defesa e à Segurança, a evolução


das relações foram mais lentas devido às dificuldades de se reverter a
cooperação neste campo uma vez que ela esteja estabelecida. Este mesmo
motivo, no entanto, faz com que a aproximação nesta área esteja menos sujeita
a oscilações do que os arranjos econômicos do Mercosul (Pereira, 2004:3).

Quadro 1. Hipóteses para a formação e ampliação do Mercosul

Tipo de hipóteses Motivação para a integração Membros do Mercosul*

* Membros Permanentes e Assoc. (Senhoras e Vite, 2006)


Integração para reduzir o Argentina, Brasil
Geopolítica
dilema da segurança sub-regional e Venezuela
Integração para aumentar a Argentina, Brasil,
Economia Política
competição econômica externa Chile e Venezuela
Os atores das economias domésticas Argentina, Brasil,
Orientação
pressionam pela maximização dos Bolívia, Chile
Doméstica
seus ganhos através do comércio e Venezuela
As regras da integração tornam a
Argentina, Brasil,
Institucionalização democracia um pré-requisito para a
Bolívia, Chile,
da democracia participação, portanto reduzindo as
Paraguai e Uruguai
possibilidades de reversão do regime

Assim, a integração regional do Mercosul, ao ser aprofundada ao


longo de sua existência por fatores econômicos e políticos, mobilizou di-
versos grupos de interesse. Muitos atores não se limitaram apenas a res-
peitar os acordos feitos entre os governos, eles vieram a buscar formas de
melhor intervir e participar das negociações, de forma a dinamizar ainda
mais a integração ao incluirem novas temáticas, como foi o caso da área
de segurança e defesa.
A funcionalidade das políticas de desenvolvimento, alicerçadas na inte-
gração regional do Mercosul, se por um lado, permitiu o aumento da vi-
sibilidade do potencial político da região na balança internacional de po-
deres e otimizou a capacidade econômica dos Estados; por outro lado, foi
responsável pela incorporação das Forças Armadas no debate da coope-
ração sul-americana, o que tendeu a criar uma relação causal lógica, com
as políticas de desenvolvimento do período democrático sendo determinan-
tes pelas políticas de segurança e defesa no caso do Mercosul e, portanto, do
Brasil, enquanto líder desse bloco.
Nesse cenário de integração, a atividade funcional e a liderança do Estado
brasileiro podem no futuro reorientar a ação internacional sul-americana e
contribuir para a estabilidade e a paz internacional, se o avanço da coopera-
ção no plano técnico-burocrático levar a uma aproximação ainda maior da

StrategicEvaluation (2007) 1
224 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

Comunidade Andina e do Mercosul dentro da Comunidade Sul-americana


de Nações, consolidando simultaneamente políticas de desenvolvimento e de
fortalecimento cooperativo e políticas de segurança e defesa.
Mas a centralidade brasileira na América do Sul, embora limitada,
marca-se presente não só no Mercosul ou nas Cúpulas Presidenciais Sul-
americanas de convergência entre os países do Mercosul e da Comuni-
dade Andina, uma vez que esteve presente desde as negociações bilate-
rais encabeçadas pelo Brasil para a aproximação dos oito países amazôni-
cos na década de 1970, o que culminou na assinatura do Tratado de Coo-
peração Amazônica (TCA) no ano de 1978.
O Tratado de Cooperação Amazônica teve como objetivos desenvol-
ver a região amazônica em harmonia com a preservação ambiental e
afastar qualquer tentativa de controle internacional sobre a região trans-
nacional, embora tenha passado por um período de pouca funcionalidade
até a década de 1990, quando a integração regional ganhou um novo im-
pulso, tal como a temática ambiental (Antiquera, 2006).
A centralidade da América do Sul, sempre presente no discurso geo-
político brasileiro, tomou forma como estratégia regional no lançamento
em 1992 da Iniciativa Amazônica, ao delimitar a esfera geográfica da políti-
ca regional diante da exclusão dos países da América Latina, objetivando
aprofundar cooperação com países não prioritários até esse momento na
política externa brasileira.
A partir de então, o processo de cooperação multilateral iniciado pelo
Tratado de Cooperação Amazônico (TCA) ganhou maior institucionalização
em 2002, data de criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazô-
nica (OTCA), que responde por um amadurecimento no diálogo interestatal
sul-americano, mantendo o objetivo de afastar qualquer tentativa de controle
internacional sobre a região amazônica, embora ainda com um baixo grau de
eficiência institucional na resolução coletiva de temáticas regionais.
A geoestratégia brasileira embutida na OTCA reside no seu caráter de
interlocução da regionalização dos problemas da região transnacional
amazônica pelos países membros - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador,
Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - ao resguardar a capacidade autô-
noma de decisão sul-americana e de prática do enforcement em segurança
e defesa regional via cooperação, sem a necessidade do uso da força por
meio de intervenção militar.
Mas, a insuficiência da liderança brasileira aparece no amparo à
América do Sul em diversas temáticas, com a necessidade de um maior
fortalecimento dos processos de integração regional do subcontinente e

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 225

da própria Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a


fim de se criar um locus estratégico de inclusão que atraia aos países a se
integrarem na cooperação para poderem resolver dissuasivamente sem a
intervenção de Forças Armadas extrarregionais os problemas específicos
da região que ameaçam ou possam ameaçar a paz e a estabilidade.

AS DISFUNCIONALIDADES DAS INFLUÊNCIAS ESTADUNIDENSES NAS


POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DEFESA DA AMÉRICA DO SUL

Desde o período após Guerra Fria, o protagonismo norte-americano


teve como compromisso garantir a segurança dos países amigos e aliados e
dar-lhes acesso ao seu mercado e à sua tecnologia em troca de apoios
diplomáticos, econômicos e logísticos para a manutenção de sua segurança.
No início dos anos 1990 os Estados Unidos projetaram os primeiros
sinais de reativação de suas relações no continente americano por meio
do lançamento de dois fóruns intergovernamentais, a Iniciativa das Améri-
cas e as seriadas Cúpulas das Américas, quando reintroduziram o contato
com essa antiga área de influência e propuseram uma liderança pan-re-
gional por meio de uma reestruturação do sistema interamericano e da
construção de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
A geoestratégia pan-regional estadunidense para o continente Ameri-
cano pode ser compreendida por meio de uma série de negociações nas
Cúpulas das Américas e acordos bilaterais junto a blocos regionais e paí-
ses latino-americanos a fim de avançar as projeções do poder nesse espa-
ço preferencial para o exercício e manutenção de sua hegemonia mundial.
Segundo Valência (2003), o processo evolutivo das Cúpulas das Amé-
ricas se converteu em uma instância funcional para a geoestratégia pan-
regional estadunidense, uma vez que trabalhou com um projeto de rees-
truturação do sistema internacional que incorporava um componente es-
tratégico-econômico de integração (criação da ALCA), um componente
estratégico-político (reforma da OEA) e um componente estratégico-mi-
litar (Superação do TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Mútua).
A agenda de segurança e defesa estadunidense sobre a região
transfronteiriça amazônica e andina na América do Sul se definiu por
uma agenda de políticas de segurança hemisférica centralizadas no terro-
rismo, narcotráfico e migrações e pelo desenvolvimento de um sistema
interamericano de defesa multilateral.
Há um articulado quadro de proposições dos Estados Unidos na região
andina-amazônica, por meio de programas de assistência regional, tal como o

StrategicEvaluation (2007) 1
226 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

Plano Colômbia, além das políticas de segurança fortalecidas pelos


mecanismos multilaterais como a Organização dos Estados Americanos
(OEA), que continuam servindo ao protagonismo norte-americano na região.
O Plano Colômbia tem sua prioridade focada no combate ao tráfico de
drogas na região andino-amazônica por meio de um programa de assistên-
cia financeira dos Estados Unidos, centralizado na Colômbia, mas com re-
cursos destinados à Bolívia, Peru e Equador, cuja distribuição dos recursos
financeiros abarca quatro áreas, sendo prioritárias a ajuda às Forças Arma-
das (67% do total do recurso) e à polícia nacional (10%) vis-à-vis à margina-
lidade da ajuda em programas de desenvolvimento alternativo (10%) e pro-
gramas para melhoraria da governabilidade, que inclui defesa dos direitos
humanos (1,5%), reforma judicial (2%), melhora do Estado de direito (4%) e
apoio ao processo de paz (0,09%). O restante do recurso é enviado para os
governos da Bolívia, do Peru e do Equador para erradicar as plantações de
coca, criar postos de fiscalização na fronteira com a Colômbia, desenvolver
programas sociais e incrementar o arsenal militar das polícias locais (Rippel,
2004). A intensa participação dos Estados Unidos no desenvolvimento do
plano ocorreu desde a sua idealização. Apesar do Plano ter sido apresentado
como uma proposta do governo colombiano, a maior parte de seu conteúdo
foi elaborado por funcionários estadunidenses.
Na América do Sul, frente aos interesses geopolíticos e da condição de
superpotência militar, cabe perguntar quais são as conseqüências da polí-
tica de defesa e segurança estadunidense para o Brasil?
O Brasil não foi nem é o objeto principal de preocupação estadunidense,
em termos de segurança internacional, embora a ele seja reservado um pa-
pel de certo destaque, por ser visto como uma liderança regional dentro do
subcontinente sul-americano. Tal situação, aliada à posição geográfica es-
tratégica, à abundância de recursos naturais e a questões de ordem prática
como o combate ao narcotráfico e ao terrorismo, fazem com que a busca do
alinhamento da política de segurança brasileira à estadunidense seja de re-
lativa importância à potência global. Este espaço de manobra possibilita
uma dupla capacidade de negociação brasileira, junto a seus vizinhos re-
gionais e ao interesse norte-americano, que tem potencial de ser aproveita-
do, mas é tímido devido à falta de uma estratégia por parte do governo que
vise uma posição regional em segurança e defesa.
Nos pronunciamentos do Presidente da República e do MD, registra-se
um discurso destinado à comunidade internacional, onde o Brasil toma o
papel de pacifista multilateral e de estabilizador e interlocutor, muito em-
bora haja dúvidas da eficácia brasileira em evitar conflitos ou intervencio-

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E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 227

nismos de FAS extrarregionais na América do Sul diante das novas amea-


ças, como a degradação ao meio ambiente e as narco-guerrilhas.
Diante do estilo low-profile brasileiro nas negociações em segurança e
defesa com os outros países da região, a superioridade norte-americana
tem trazido inúmeras implicações para a agenda geopolítica de segurança
da região amazônica e andina, pois os diversos desacordos em segurança
e defesa cooperativa entre os países sobre as questões de segurança e de-
fesa servem de pretexto para a negociação bilateral de acordos com os
Estados Unidos, esvaziando a multilateralidade de acordos da região.
Ao redor do campo gravitacional de atração econômica e militar esta-
dunidense, os países sul-americanos possuem uma capacidade restrita de
conduzir suas políticas de defesa e segurança de forma autônoma, tal é o
grau de assimetria que a potência hegemônica tem sistematicamente vin-
culado à órbita imediata dos seus interesses os países, por meio de acor-
dos bilaterais de transferência de recursos financeiros e militares, que
tendem a pressionar os países a rebaixarem o status de suas Forças Arma-
das ao papel policial de combate ao narcotráfico e do terrorismo.
O conteúdo e o significado das ameaças à segurança norte-americana são
os indicativos do que estão em jogo nas políticas propostas a América do Sul,
por isso, o combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas é colocado na pauta
de negociação com os países, tal como no relacionamento com a Colômbia,
que tenta, por intermédio do Plano Colômbia, manter o fluxo financeiro pro-
veniente dos EUA, em contrapartida à sua militarização no combate às drogas.
Dessa maneira, a dimensionalidade da agenda de segurança e defesa re-
gional na América do Sul não se traduz em respostas aos problemas e amea-
ças regionais, mas sim, na reiteração de uma relação de dependência EUA-
América do Sul, caracterizada com uma nova roupagem de segurança, onde
persistem os temas de interesse da potência hegemônica (Pagliari, 2005).
Torna-se evidente que todas as vezes que um país sul-americano se dispuser
a aumentar sua aspiração de autonomia nas questões de segurança e defesa
no hemisfério, acabará por se indispor com a superpotência ou com as enti-
dades multilaterais de segurança e defesa, uma vez que a cooperação em se-
gurança no hemisfério não é necessariamente, nem de modo homogêneo,
uma via de mão dupla na política estadunidense com a América do Sul.

POR UMA GEOPOLÍTICA DE UMA COMUNIDADE REGIONAL DE


SEGURANCA E DEFESA NA AMÉRICA DO SUL

As inflexões trazidas com a redemocratização dos países da América do


Sul têm relevância no estudo da política brasileira de segurança e defesa pelo

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228 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…

fato do país estar inserido em uma região desnuclearizada, que é vista como
uma zona estável e de baixo nível de conflito, mas que enfrenta simultanea-
mente as ameaças convencionais de caráter fronteriço e as não convencionais.
Se, de fato, a regionalização tem unido os países da América Sul, esses
países devem se aproximar cada vez mais por meio de políticas sistemáticas de
caráter regional, trabalhando conjuntamente na solução de problemas comuns
e na contenção de novas ameaças, pois as políticas de cooperação de caráter
bilateral se mostram ineficazes e o atual cenário geopolítico cooperativo é
propício à construção de uma comunidade regional de segurança e defesa, para
aumentar o comprometimento mútuo na formação de contingentes militares
regionais, na compatibilização e aquisão conjunta de equipamento militar ou
na definição de estratégias comuns de defesa para a região.
Como no Cone Sul as estratégias convergentes em segurança e defesa
ainda estão restritas a pequenas áreas, a exemplo das atuações conjuntas das
Forças Armadas em exercícios, de reparos de equipamento militar e
intercâmbios educacionais, há um vasto campo aberto para se diminuir
custos de transação econômica e política nas Forças Armadas por meio de
cooperação científica, tecnológica e logística. Uma vez que os problemas e as
novas ameaças são agora compartilhados, da mesma forma devem ser as
soluções tratadas na defesa e segurança sul-americana, pois tal como o
afrouxamento dos controles fronteiriços estreitou os laços entre as nações
sul-americanas, também permitiu uma maior circulação de pessoas ligadas a
atividades ilícitas, como crimes ambientais, tráfico de drogas e contrabando.
Em um âmbito regional, não isento de diferenças entre os países sul-
americanos, observa-se a emergência de ameaças não convencionais, que,
em sua maioria, ultrapassam os limites dos territórios nacionais e, por-
tanto, qualquer hipótese de enfrentá-las na estreita margem das fronteiras
de cada um dos países envolvidos torna-se insuficiente.
Diante dessas novas ameaças, os avanços no fortalecimento da seguran-
ça e defesa regional permanecerão aquém das reais necessidades, caso
não surjam iniciativas para construir mecanismos, regimes ou sistemas de
segurança e complementação cooperativa em matéria de defesa para en-
frentar os novos problemas, uma vez que políticas bilaterais de defesa,
apesar da importância que têm na construção de um cenário cooperativo,
são inexpressivas para a garantia da segurança regional.
O primeiro passo para construir uma política de segurança e defesa
que contemple mais além do que o simples interesse nacional é a busca
do emponderamento da integração institucional da América do Sul por
meio de uma política compartilhada ou harmonizada de segurança e de-

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E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 229

fesa entre os países do subcontinente, introduzindo o conceito de segu-


rança e defesa em termos coletivos, e não mais individuais.

Lentamente, estes países sinalizam para a construção de mecanismos de


cooperação como forma de enfrentar, mediante a transparência e a con-
fiança mútua, as ameaças que os atingem e debilitam. Este processo, no
entanto, não vem ocorrendo de forma consistente, e sofre as penalidades da
má condução, da ausência de uma estratégia claramente delineada, para a
qual contribui a reduzida participação do poder politico (Soares, 2005: 1).

Nesse cenário sul-americano, a construção de uma resposta regional


cooperativa em segurança e defesa efetiva não é uma tarefa simples, pois
há, por um lado, pouco consenso sobre o que as ameaças não convencionais
representam ou implicam; enquanto por outro lado, as ameaças convencio-
nais são sentidas por todos os países ao mesmo tempo (Hurrel, 1998).
Ademais, há a problemática dos conflitos que surgem devido à combina-
ção entre a interdependência regional dos países e a distribuição desigual de
poder, acabando por solapar ainda mais os esforços do arranjo de uma comu-
nidade de segurança regional. Devido ao seu papel estratégico no continente,
cabe ao Brasil procurar um duplo processo de construção, por um lado de
uma estratégia nacional para a definição de suas Forças Armadas, e simulta-
neamente uma agenda de segurança cooperativa na América do Sul, pois a
criação de políticas comuns em relação aos diferentes aspectos da segurança e
defesa é primordial para conduzir a uma harmonização, que inclua estraté-
gias coordenadas e planos de ação, essenciais para aumentar a confiança e a
cooperação entre os Estados sul americanos.
Diante desses desafios, o Brasil pode ser o responsável por balancear os
parâmetros dos interesses dos Estados sul-americanos, caso seja hábil nas
negociações de cooperação regional e no diálogo com a potência hegemônica
estadunidense, mas em ambos os casos ele tem que assumir um papel de
líder, que beneficie aos demais países tanto quanto a ele próprio.

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*
Elói Martins Senhoras é Graduando em Economia e Pós-Graduando Lato
Sensu em Gestão e Estratégia de Empresas pelo Instituto de Economia
da Universidade Estadual de Campinas. Foi Visiting Scholar na Uni-
versity of Texas em Austin e na Univesidad de Buenos Aires.

Claudete de Castro Silva Vitte possui graduação em Geografia pela Univer-


sidade de São Paulo, mestrado em Administração Pública e Governo
pela Fundação Getúlio Vargas e doutorado em Geografia Humana
pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professora da Univer-
sidade Estadual de Campinas.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

Integração sul-americana
Projetos e perspectivas estratégicas*
South-American Integration
Strategic projects and perspectives

Resumo: A integração sul-americana não é um assunto novo. Na verdade, consiste em


um projeto bastante antigo, cujo pioneiro se poderia considerar Simón Bolívar, seguido
de outros expoentes como o General Solano López ou o atual presidente da Venezuela,
Hugo Chávez. Entre os modelos propostos, destacam-se dois: o unanimista (preva-
lente no universo hispano-americano) e o construtivista (prevalente no Brasil e pre-
sente em vários momentos da história dos países hispano-americanos). Como se per-
ceberá, algumas dessas propostas possuem um caráter pouco realista principalmente
porque a política, seja a nacional ou a internacional, não se baseia na busca das unani-
midades, mas no caminho mais complicado e penoso da construção de consensos.
Neste sentido, questiona-se o caminho trilhado pelo Brasil, desde meados do século
XIX até os finais do século XX, no que tem assumido um papel paciente na negociação
entre interesses internacionais divergentes, procurando manter os interesses do país.
Palavras-chave: Integração sul-americana; Simón Bolívar, Solano López, Hugo Chávez.
Abstract: South America’s integration is not a recent subject. In fact, it is a relatively old
project, with Simón Bolivar as a possible pioneer, followed by other exponents as General So-
lano López or current Venezuela’s president Hugo Chávez. Among proposed models, two may
be highlighted: the unanimist (that prevails in the Spanish American universe) and the cons-
tructivist (prevailing in Brazil and in other Spanish American countries in certain moments
of history). The character of some of these proposals is not very realist, as politics, both natio-
nal and international, are not based upon unanimity but in the more complicated and labori-
ous path of consensus construction. In this sense, the path threshed by Brazil since mid 19th
century up to the end of the 20th century, assuming a patient role in the negotiation between
differing international interests and seeking to maintain national interests is questioned.
Keywords: South-American integration; Simón Bolívar; Solano López; Hugo Chávez.

INTRODUÇÃO
A integração continental não é, contudo, realidade nova. É ideal que
corresponde a projetos antigos. Gostaria de chamar a atenção para o fato
de que, ao longo da história de quatro séculos deste continente, houve já

* Comunicação apresentada no VI Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, 2006.


232 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana

várias propostas, portadoras de características culturais muito peculiares.


Sem levarmos em consideração essas perspectivas, mal podemos compre-
ender o que se passa, hoje, em termos de integração. Porque as opções do
presente estão condicionadas pelos pressupostos que iluminaram as op-
ções do passado. Não digo que “os vivos são governados pelos mortos”,
como frisava Comte. Mas considero, seguindo o pensamento de François
Guizot, que sem levarmos em consideração os traços da história, mal po-
deremos planejar o futuro. A gestão do Estado é como a condução de um
automóvel: se somente enxergarmos para frente, sem olharmos pelo re-
trovisor, corremos o risco de sermos abalroados por quem vem de trás.
Mas, de outro lado, se somente olharmos para o retrovisor, bateremos,
com certeza, na primeira curva da estrada. Temos de olhar para o futuro,
não esquecendo de enxergar o passado.

A PRIMEIRA PROPOSTA INTEGRACIONISTA FOI


A ELABORADA PELO LIBERTADOR SIMON BOLÍVAR

O pano de fundo sobre o qual se desenhou a sua visão da Grã Colôm-


bia foi o da integração dos vice-reinados do Peru e da Nova Granada ao
redor de uma autoridade moral, que pairasse, inconteste, sobre todos os
poderes locais. Bolívar imaginava uma grande nação pautada por um Le-
gislador, ele próprio, que seria uma força moral aglutinadora, porque en-
carnava o ponto de vista da salvaguarda dos interesses públicos, contra-
riamente aos que pretendiam defender os interesses particulares, como
ponto de partida para a construção das novas nacionalidades. Pesou
muito, no Libertador, a doutrina filosófica de Jean-Jacques Rousseau, que
considerava que a única forma de superar a degradação causada nas so-
ciedades modernas pelo materialismo e o individualismo, seria fazendo
surgir, na comunidade política, indivíduos puros que tivessem renuncia-
do à defesa dos seus interesses particulares, em prol da afirmação do
grande interesse público, identificado com o Reino da Virtude. Ele, Simon
Bolívar, encarnaria essa máxima autoridade, que agiria como uma espécie
de poder supra-individual e supranacional. Resultado: Bolívar libertou os
países que integravam a Grã Colômbia, mas não conseguiu dar estrutura
administrativa às nações por ele libertadas, que terminaram ensejando
várias repúblicas, ao redor dos núcleos de defesa dos interesses mais po-
derosos. Surgiram assim, do contexto de conflitos civis que cobriram todo
o século XIX, a Bolívia, o Peru, o Equador, a Venezuela e a Colômbia. O
grande herói terminou falecendo fora da sua pátria de nascimento.

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Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 233
Bolívar foi um furacão revolucionário, um general de grande valor,
um estrategista magnífico – à maneira de Bonaparte – mas, quando se
tratou de consolidar o poder arrancado aos espanhóis, não conseguiu so-
lidifica-lo em instituições duradouras. Pesou muito, no fracasso do ideal
bolivariano, o rousseaunianismo que o empolgava. Porque o filósofo de
Genebra estruturou um modelo de libertação dos indivíduos para que vi-
vessem em pequenas pátrias, governadas de maneira plebiscitária. O seu
modelo de democracia direta não se ajustava ao governo de grandes ex-
tensões territoriais, como as das novas nações hispano-americanas. E a
concepção rousseauniana de política, como reino da unanimidade, certa-
mente seria eficaz para aglutinar as forças que combateram os espanhóis,
mas revelou-se uma faca de dois gumes quando se tratou de organizar o
poder nacional. Construir unanimidades implica em destroçar qualquer
dissidência, como aconselhava o filósofo genebrino no 8o. Capítulo do
seu Contrato Social. Ora, convenhamos que isso, em matéria de adminis-
tração pública, é utópico. A política consiste mais na arte de fazer surgir,
das divergências naturais entre os indivíduos, consensos que tornem ad-
ministrável o Estado (esta é a característica fundamental do modelo inte-
grador construtivista ou dialético, mencionado atrás). O rousseaunianis-
mo não dá lugar a tal atitude conciliatória. A resultante da utopia unani-
mista foi o isolamento do Libertador, como belamente mostrou García
Márquez (1989) nessa magnífica síntese literário-historiográfica que cons-
titui o seu romance O general no seu labirinto.

SEGUNDO MOMENTO INTEGRACIONISTA SUL-AMERICANO: A PROPOSTA


DE CRIAÇÃO DO GRANDE PARAGUAI PELO GENERAL SOLANO LÓPEZ
Este era filho do presidente Carlos Antonio López (que sucedeu ao fa-
moso ditador Gaspar Rodríguez de Francia). Aos 18 anos de idade, foi no-
meado general-de-brigada. Comandou por duas vezes (1846 e 1849) as for-
ças de seu país enviadas à província de Corrientes para combater o governo
argentino de Juan Manuel Rosas. No período compreendido entre 1853 e
1856 viajou diversas vezes à Europa, onde estudou questões estratégicas e se
familiarizou com o sistema militar prussiano, bem como com a organização
do Exército francês. O jovem general-diplomata contratou técnicos estran-
geiros nas áreas de siderurgia, telecomunicações e ferrovias, e conseguiu, de
outro lado, a ratificação de tratados comerciais com a França e com a Inglate-
rra, além de freqüentar a corte de Napoleão III, de quem se tornou fervoroso
admirador. A proposta estratégica do presidente Carlos Antonio López era a
de tornar o Paraguai uma potência militar no Continente sul-americano, a
fim de contrabalançar o crescente poderio do Império do Brasil.

StrategicEvaluation (2007) 1
234 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana

Ao ser nomeado pelo pai ministro da Guerra e da Marinha, Solano


López adotou, nas forças armadas paraguaias, o sistema militar aprendi-
do na Europa, dando ensejo a uma tripla estrutura, em que se mistura-
vam a organização prussiana, a estratégia napoleônica e os rigorosos re-
gulamentos herdados da tradição militar espanhola. Após a morte de
Carlos Antonio López, Solano reuniu um congresso especialmente convo-
cado para elegê-lo presidente da república por dez anos, em outubro de 1862.
O problema estratégico fundamental do Paraguai era a saída ao mar.
Um país fluvial, considerava Solano López, dependia de quem controlas-
se o curso dos rios. Daí por que o jovem general centrou a parte inicial da
sua ofensiva na tentativa de dominar o Rio da Prata. Esse era, para o Pa-
raguai, o único caminho existente para o mar. Ora, essa via estava sob
controle estrangeiro. Com a finalidade de obter uma saída independente
para o oceano, Solano preparou uma tropa de cerca de oitenta mil
homens. Aproveitando-se da intervenção do Brasil na guerra civil uru-
guaia, o general ordenou a captura do navio brasileiro Marquês de
Olinda, da Marinha Mercante Imperial, que subia pelo Rio Paraguai em
direção ao Mato Grosso. Os paraguaios invadiram essa província brasilei-
ra, expulsaram as autoridades imperiais e assassinaram numerosos cida-
dãos. Com esta atitude, o governo paraguaio afetou de maneira negativa
os interesses de três países sul-americanos: a Argentina, o Uruguai e o
Brasil, que observavam com desconfiança crescente o surgimento de uma
poderosa máquina de guerra, chefiada por um jovem guerreiro com espí-
rito expansionista. As Nações ameaçadas, como é sabido, constituíram a
Tríplice Aliança e deflagraram a guerra em defesa dos seus interesses postos
em risco pelo mais bem estruturado exército do continente sul-americano.
Mas a estratégia de Solano López não parava na pretensão de domi-
nar o curso do Rio da Prata. As suas ambições iam mais longe. O jovem
general pretendia reconstruir, em torno à Assunção, a antiga Província
espanhola do Paraguai, equivalente a um enorme território que compre-
endia a região de Corrientes, na Argentina, além, evidentemente, das te-
rras do Paraguai moderno. Uma vez incorporada essa província, pensava
Solano López, seria fácil anexar a de Buenos Aires, bem como a restante
parte do território argentino e algumas províncias brasileiras como o Rio
Grande do Sul e o Mato Grosso. A seguir, a anexação do Uruguai seria fá-
cil de imaginar. O sonho do general paraguaio era se tornar uma espécie
de Bonaparte dos trópicos, que construiria um grande império hispano-
americano, que rivalizaria diretamente com o Império do Brasil, a fim de
lhe disputar a hegemonia continental. O sonho de outro déspota da
época, Luis Napoleão III da França, era colocar um pé em cada um dos

StrategicEvaluation (2007) 1
Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 235
continentes americanos, o do norte, com Maximiliano de Habsburgo, e o
do sul, com o marechal Solano López, que seria erguido à dignidade im-
perial por um plebiscito que o jovem general ganharia facilmente.
No início do conflito, Solano obteve êxitos militares significativos. Po-
rém, logo a guerra evoluiu de forma adversa para o Paraguai. Pesou
muito, na mudança do curso do conflito, a rigorosa política deflagrada
pelo Império brasileiro contra o país agressor: o Brasil não aceitaria nego-
ciar com quem atentou contra a integridade do território nacional e assas-
sinou súditos do Imperador. Foram postas a serviço da defesa do territó-
rio nacional todas as forças vivas do país, a armada imperial, o exército, a
guarda nacional, a banca, a diplomacia, a nossa rudimentar indústria e a
já testada capacidade dos gaúchos para criar rebanhos vacuns e de cava-
los. Os estadistas imperiais não pouparam esforços para organizar uma força
armada que conseguisse se sobrepor ao poderoso exército paraguaio,
incorporando o que de mais avançado havia em armamento ofensivo e tático.
Embora quem chefiava nominalmente a coalizão era o general argentino
Mitre, quem de fato exerceu a liderança foi o nosso marquês de Caxias.
O sonho de Solano López foi rio abaixo, basicamente por duas razões: no
plano internacional, porque consolidou uma poderosa máquina de guerra
posta a serviço dos seus ideais expansionistas, não apenas da defesa dos le-
gítimos interesses paraguaios para obter uma saída ao mar; no plano in-
terno, porque não conseguiu ensejar instituições duradouras, por fora da
todo-poderosa vontade do general-presidente. O Paraguai, pensava Solano,
era ele próprio. O general paraguaio ficou preso a uma concepção rousseau-
niano-bonapartista do poder, que lhe impedia compartilha-lo no contexto de
um modelo republicano representativo. Qualquer divergência, no círculo
dos que o acompanhavam, era punida rigorosamente como crime de lesa-
pátria. A unanimidade ao redor da sua figura era a única atitude possível.

TERCEIRO MOMENTO INTEGRACIONISTA NO CONTEXTO DA AMÉRICA


DO SUL: A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA DO PRESIDENTE CHÁVEZ
O líder venezuelano, como se depreende da sua longa entrevista con-
cedida a Marta Harnecker, em 2002, recebeu as seguintes influências, to-
das elas decisivas, na sua formação política: em primeiro lugar, a leitura
da obra de Rousseau, que o empolgou já desde os seus anos juvenis nos
estudos secundários, na cidade natal de Barinas. Em segundo lugar, as
idéias marxistas, aprendidas desde a juventude, nas veladas de estudos
históricos realizadas na residência do professor José Esteban Ruiz Gueva-
ra, nessa cidade; a formação marxista de Chávez recebeu um comple-

StrategicEvaluation (2007) 1
236 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana

mento importante da sua amizade com um velho líder comunista vene-


zuelano, Luis Miquilena. Em terceiro lugar, pesou na formação do líder a
influência do populismo militar de figuras importantes da política latino-
americana, na segunda parte do século XX: os generais Omar Torrijos, do
Panamá, e Juan Velasco Alvarado, do Peru. Em quarto lugar, influiu deci-
sivamente na sua idéia de uma “revolução constitucionalista”, a avaliação
crítica do “constitucionalismo burguês”, feita por um ex-guerrilheiro co-
lombiano, Carlos Navarro Wolf, com quem Chávez teve contato em Bo-
gotá, após a proclamação da Constituição colombiana de 1991. E, por úl-
timo, em quinto lugar, pesou evidentemente a formação militar do presi-
dente venezuelano, de onde tirou duas influências importantes: de um
lado, a convicção de que o exército deve ser um agente de transformação
social (idéia contida na leitura da obra de Claude Heller) e, em segundo
lugar, a percepção de que o exército tradicionalmente era composto, na
Venezuela dominada pelas oligarquias, por jovens camponeses treinados
para matar jovens camponeses acidentalmente arregimentados pela gue-
rrilha. Essa percepção o levaria à revolta contra a estratégia antiguerri-
lheira e as instituições republicanas arcaicas.
O ponto forte do chavismo é a idéia do presidente venezuelano de que a
Revolução Bolivariana, da qual ele é o mentor, deverá efetivar a unidade
das cinco repúblicas libertadas por Simon Bolívar, numa primeira fase, a
fim de enveredar, numa segunda etapa, pela via da unificação política da
América do Sul. A unidade das repúblicas bolivarianas far-se-á a partir da
irradiação do ideal libertador, que deverá fluir do coração do continente
sul-americano, a Bolívia. Um duplo movimento é imaginado pelo líder ve-
nezuelano para levar a termo a sua missão: em primeiro lugar, consolidar,
pela forma do plebiscito constitucional, as reformas básicas que lhe darão
meios para efetivar a unificação das repúblicas bolivarianas. O constitucio-
nalismo chavista parte do pressuposto de que, ao nível das localidades, é
possível fazer emergir uma unanimidade revolucionária, que se transfira, a
seguir, aos grandes centros de decisões. As reformas constitucionais alme-
jadas têm como finalidade solidificar um poder central forte, encarnado na
presidência da República Bolivariana da Venezuela, que presidirá a ação do
exército libertador, como agente de transformação. Diríamos que Chávez,
influenciado pela idéia rousseauniana de fazer emergir a unanimidade,
pretende reforçar um núcleo de poder integrado pelos denominados “pu-
ros” que, totalmente identificados com o interesse público, espraiem essa
mística pelo resto do corpo social, utilizando a coerção, se necessário. É a
velha fórmula jacobina. Há um elemento heterodoxo no rousseaunianismo
chavista: se o líder encarna o poder moral do Legislador previsto pelo filó-

StrategicEvaluation (2007) 1
Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 237
sofo genebrino, ele, por outro lado, deve estar à frente do exército boliva-
riano, que será o agente transformador por excelência. O presidente Chávez
vincula, na mesma missão libertadora, os ideais do Legislador rousseaunia-
no e o bonapartismo do chefe armado, que garantirá a consolidação da
nova ordem e o nascimento do Homem Novo.
A Revolução Bolivariana do Presidente Chávez está em marcha e é
uma realidade palpável. Possuidor de um indiscutível carisma pessoal,
financiado pelos abundantes petrodólares de que dispõe, o mandatário
venezuelano tem deflagrado eficaz política de ocupação de espaços no
continente sul-americano (e a nível global, também). Providências estra-
tégicas de longo curso estão sendo tomadas na República Bolivariana da
Venezuela, como a organização, além das Forças regulares, de um exér-
cito de milicianos de mais de cem mil homens comandados por um oficial
de alta patente, a construção de uma fábrica de rifles kalashnikov, a reno-
vação total da Força Aérea com caças-bombardeiros Shukov vendidos pela
Rússia, a compra de navios de guerra na Espanha e a aquisição de signifi-
cativo volume de armamento leve, notadamente fuzis de assalto. O custo
dessa renovação bélica chega, segundo cálculos de estudiosos, aos trinta
bilhões de dólares, a ponto de a Venezuela ter-se tornado o primeiro
comprador internacional de equipamentos militares.
De outro lado, o Presidente Chávez, em convênio com o Presidente
Morales, da Bolívia, planeja construir, neste país andino, 20 bases milita-
res (estrategicamente situadas nas fronteiras com o Chile, o Peru, o Para-
guai, a Argentina e o Brasil e operadas por militares venezuelanos e cu-
banos, com a ajuda dos soldados bolivianos). Esse fato leva a crer que a
idéia chavista de que “o exército deve ser um agente de transformação
social” não ficará apenas no papel, mas será posta em prática, nos próxi-
mos anos, na realização da mais ambiciosa e agressiva proposta integra-
cionista da América do Sul.
Essa política dá uma nova tônica às relações entre os países do Conti-
nente, levando em consideração que, até agora, o clima dos vários docu-
mentos assinados pelas autoridades referia-se a políticas de integração
que respeitassem a autodeterminação dos povos, a índole pacífica da
Comunidade Sul-Americana de Nações, a exclusão de qualquer tipo de
hegemonia de um país sul-americano sobre os outros, bem como o intere-
sse de preservar, perante os outros blocos políticos, no cenário mundial,
uma atitude de não confronto e de cooperação pacífica, embora se desta-
cassem, sempre, as idéias de preservação da identidade cultural das Na-
ções Sul-Americanas e o princípio da não intervenção de forças estranhas
na solução dos problemas regionais e nacionais.

StrategicEvaluation (2007) 1
238 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana

No que tange à defesa continental, esboçam-se três tendências bem


definidas, segundo o estudioso Edgar Otálvora: em primeiro lugar, a dos
que defendem uma cooperação, no plano militar, com a participação dos
Estados Unidos e da OTAN (tal seria o caso, por exemplo, do denomina-
do “Plano Colômbia”). Em segundo lugar, a posição de países que defen-
dem acordos binacionais criando uma força comum, sul-americana, para
realizar operações no exterior (tais seriam, por exemplo, os acordos assi-
nados entre Chile e Argentina, bem como o recente acordo de defesa Bra-
sil-Argentina. Esses acordos, em que pese o fato de defenderem uma po-
sição autonomista, não aderem, no entanto, a uma posição de confronto com
os Estados Unidos). Em terceiro lugar, aparece, como novidade, a posição
(defendida hoje pelo Eixo Venezuela, Bolívia e Cuba), no sentido de dar
ensejo a um esquema de defesa cuja variável aglutinante seriam “elementos
doutrinários e discursivos esquerdistas e antiestadunidenses”. Referindo-se a
esta nova tendência, Edgar Otálvora (2006), escrevia recentemente:

Apresenta-se como um pacto trinacional para reagir em conjunto contra os


Estados Unidos. O pacto militar incluiria a eventual mobilização das forças
armadas institucionais próprias da guerra convencional e as organizações
paramilitares próprias de guerras de resistência. Mas também a incorpora-
ção, como combatentes, de membros de organizações de civis treinados e
armados com campos de ação extranacionais. A assinatura de um acordo
de cooperação militar entre Venezuela e Bolívia, a presença de militares
venezuelanos na Bolívia em tarefas de engenharia militar, apoio logístico
aéreo e de outros tipos que não foram precisados publicamente, revelam
que o governo venezuelano está na direção de destinar recursos para am-
pliar a sua presença militar na Bolívia, entendendo este país como uma
ampliação territorial da área de influência do Eixo. Porque outro elemento
relevante desse terceiro esquema de defesa na região é o do evidente ar-
mamentismo venezuelano, que está associado ao público interesse do go-
verno venezuelano de se tornar uma potência sub-regional. Caracas fala
agora de zonas de influência e a linguagem oficial, além de militarista, ma-
quiou-se de geopolítica (...). Tudo indica que essa terceira tendência de de-
fesa sub-regional somente conta com o apoio dos atuais governos de Vene-
zuela e Bolívia e de poucos grupos radicalizados de esquerda do continente.

CONCLUSÃO
Dizia no início da minha comunicação que os projetos de integração
latino-americana devem olhar para o pano de fundo de cultura histórica
em que foram desenhados. E que, no tapete das soluções integracionistas,
contrapunham-se dois modelos: o unanimista (que vingou fortemente no
universo hispano-americano) e o construtivista (que prevaleceu no Brasil

StrategicEvaluation (2007) 1
Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 239
e que se encontra, também, em vários momentos da história dos países
hispano-americanos). O denominador comum de representativas pro-
postas integradoras hispano-americanas, de Bolívar a Chávez, consiste
em que a filosofia rousseauniana da política como unanimidade é o sus-
tentáculo ideológico mais importante das estratégias apresentadas. Des-
taquei, no meu comentário, o caráter pouco realista dessa proposta,
havida conta de que a política, tanto a nacional quanto a internacional,
não se faz na base da busca inicial das unanimidades, mas pelo caminho
mais complicado e mais penoso da construção de consensos, a partir de
interesses naturalmente divergentes.
Ora, o caminho trilhado pelo Brasil, desde meados do século XIX até
os finais do século XX tem sido, invariavelmente, o da paciente negocia-
ção entre interesses internacionais divergentes, procurando, sempre,
manter preservados os interesses da Nação Brasileira. Assim aconteceu
no decorrer dos conflitos no Rio da Prata, essa foi a tônica durante a Gue-
rra do Paraguai, ao ensejo da Tríplice Aliança, esse foi o pano de fundo
que pautou a nossa política exterior, comandada inicialmente pelo Barão
do Rio Branco e, depois, pelas gerações de diplomatas que se formaram
no Instituto que leva o seu nome. As nossas Forças Armadas estiveram
sempre de prontidão para defender a integridade do território nacional e
garantir, quando convocadas, as soluções negociadas e assinadas nos
Tratados Internacionais. Exemplos desse espírito de negociação e de inte-
gração pacífica são, sem dúvida nenhuma, a constituição, há já mais de
vinte anos, da Itaipu Binacional, bem como os denodados esforços dos
nossos diplomatas e funcionários oficiais em prol da paciente criação dos
mecanismos de integração econômica e cultural no Mercosul e na Comu-
nidade Sul-Americana de Nações. Diríamos que o pano de fundo ideoló-
gico sobre o qual tudo isso aconteceu é o de um sadio pragmatismo res-
ponsável. A comunidade internacional, com certeza, espera do Brasil, nesta
importante quadra da integração sul-americana, que faça valer o peso dessa
sua tradição de negociação, moderação e realismo, fatores que são, hoje,
mais do que nunca, os melhores aliados da paz continental e mundial.

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*
Ricardo Vélez Rodríguez é Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universida-
de Javeriana de Bogotá (1963); Mestre em Filosofia pela Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro (1974) e Doutor em Filosofia pela
Universidade Gama Filho (1982). Foi professor na Universidade Pontifí-
cia Bolivariana de Medellín, Universidade de Antioquia, Universidade
Externado de Colômbia e Universidade de Rosário, Universidade Esta-
dual de Londrina, Universidade Gama Filho e Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, entre outras instituições de ensino superior. Atual-
mente é Coordenador Geral do Centro de Pesquisas Estartégicas Pauli-
no Soares de Sousa e Coordenador da linha de pesquisa ‘História do
Pensamento Estratégico e Problemas Estartégicos Contemporâneos”.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

VALÉRIO LUIZ LANGE

A indústria de defesa no Brasil


Defence industry in Brazil

Resumo: O presente artigo apresenta um breve histórico da Indústria de Defesa no


Brasil. O autor descreve os principais períodos históricos que este segmento pro-
dutivo viveu no país, procurando identificar os atores envolvidos, seu interelacio-
namento e a inserção do país no contexto mundial. Em seguida, faz-se uma abor-
dagem do momento atual da Base Industrial de Defesa (BID), analisando sua situa-
ção presente e perspectivas para o futuro. Ao concluir, evidencia-se a necessidade
de integração de esforços governamentais, institucionais e privados para propor-
cionar sinergia e oportunidades de desenvolvimento às indústrias de defesa, bem
como o fortalecimento do Brasil no concerto das nações.
Palavras-chave: Indústria de defesa; Política Nacional da Indústria de Defesa; lo-
gística e mobilização.
Abstract: This paper presents a short retrospective about the historical development of
Brazilian Defense Industry. The author presents the main periods of that industrial sector
and its trajectory in order to identify the actors, the relationship among then and how Bra-
zil had been participating in the arms global market. Then, it shows a briefing about Brazi-
lian Defense Industrial Complex (Base Industrial de Defesa), a small analysis of its present
situation, and some perspectives for the future. To conclude, the author indicates the way of
institutional integration of efforts as a well growth-oriented path. Government, Armed
Forces, industrialists and Brazilian society must to work together to provide good business
opportunities to all of them. The final goal of this integration is to provide synergy and an
organized development of the most of Brazilian defense industries and, enhancing Brazilian
position among other countries in the modern world.
Keywords: Defense industry, Defense Industry’s Brazilian National Policy; Logistics and
Mobilization.

INTRODUÇÃO
A Soberania e a Defesa de um país são garantidas, em último argu-
mento, pela existência e emprego de Forças Armadas (FA) com boa for-
mação, adestradas e dotadas de material bélico, capazes de sustentarem e
imporem a sua vontade a um oponente. A Sociedade, por meio do Esta-
do, é a responsável pela previsão e provisão de pessoal e material para a
Defesa de seu território, povo e riquezas. Além do elemento humano,
fundamental para o sucesso nas operações militares, os materiais empre-
242 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

gados devem ser adequados e suficientes para proporcionar a vitória so-


bre o inimigo, objetivo fundamental de uma força armada.
Cada nação procura, por sua vez, dotar as suas FA com os Materiais
de Emprego Militar (MEM) necessários ao cumprimento de suas missões,
quais sejam armas, munições, eletrônicos, fardamentos, equipamentos,
viaturas, carros de combate, mísseis e foguetes, dentre outros tantos. Al-
guns países desenvolvem e produzem os MEM necessários para suas FA,
outros preferem adquirir no mercado internacional, enquanto a grande
maioria procura equilibrar a produção autóctone com importações em
grau variável, conforme o seu desenvolvimento econômico.
O Brasil, jovem nação sul-americana, não foge a regra dos conceitos
acima descritos. Em função disso e de suas necessidades de defesa, a so-
ciedade brasileira estabeleceu, ao longo da história, um segmento econô-
mico voltado para o desenvolvimento e produção de MEM para atender as
suas FA e de países amigos. Para tanto se fez (e se faz) necessário uma
política com conseqüentes estratégias de implantação. A atual Política de
Defesa Nacional (PDN) brasileira foi editada em 2005 e definiu a Estratégia
da Dissuasão como prioritária. Para tal, torna-se necessário a compreensão e
desenvolvimento do Poder Nacional (PN) de forma abrangente, não
somente no campo militar, mas em estreita associação aos demais campos –
econômico, político, psicossocial e científico e tecnológico.
Neste conceito reside a importância estratégica da indústria de defesa
para o Brasil como Estado Nacional no concerto internacional. Ele associa as
FA – campo militar, o segmento nacional produtor de MEM – expressão
econômica, os centros de pesquisa em C&T – campo da C&T, a sociedade
de forma geral – expressão psicossocial – e o governo, expressão política.

Inserção histórica
O descobrimento do Brasil em 1500 pelos portugueses evidenciou um te-
rritório com imenso potencial de riquezas materiais. Os brasileiros, em sua
recente formação histórica estão aprendendo a valorizar o imenso potencial
existente, bem como agregar valor, à medida que ocorre o fortalecimento
dos valores nacionais e de sua população, evidenciado pelo Índice de De-
senvolvimento Humano (IDH)1. As riquezas do território despertaram, por
sua vez, a cobiça de muitos outros povos no passado. A História nos mostra
que ocorreram invasões holandesas e francesas no Nordeste brasileiro e no
Rio de Janeiro ao longo dos Séculos XVI e XVII com o objetivo de estabelece-

1 Brasil: 0,792 (69o lugar); valor considerado médio pelas Nações Unidas (ONU).

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 243
rem colônias para aqueles países. Expedições exploradoras inglesas e de ou-
tras nações estiveram no litoral brasileiro e, com invulgar interesse, na região
amazônica, ao longo de várias oportunidades. É lícito supor que o interesse
na preservação e na exploração econômica dos recursos naturais brasileiros
se constitui em um exemplo da atualização do interesse internacional pelas
riquezas nacionais por via indireta.
Em relação à atuação indireta, Cunha (2005) afirma que os grandes
atores no cenário internacional ainda são os Estados Nacionais, permane-
cendo assim por muito tempo. Os demais atores influentes (empresas
transnacionais, instituições religiosas, associações de países, organizações
não-governamentais – ONG) não possuem território, população, estrutu-
ra política, judiciária e militar. Eles servem como complemento ou inter-
mediários no cenário montado pelos Estados.
Sob outro enfoque, o Brasil, como nação emergente, almeja o cresci-
mento econômico sustentável. Ao buscar este desenvolvimento sustenta-
do, explorando as suas riquezas e sua produção comercial, o país deverá
ganhar novos mercados mundiais, destacando-se entre os demais povos.
Ocupa e ocupará espaços políticos no cenário mundial (em especial, o sul-
americano) que deslocarão outros países de suas esferas de influência ou
mercados. Apesar da crença brasileira na solução pacífica dos conflitos
(PNDm 2005) expressa em sua Constituição Federal, esta “perturbação”
(Cunha, 2005) na ordem mundial poderá gerar reações, retaliações ou
pressões estrangeiras sobre a Vontade Nacional, atuando sobre os pontos
fracos e vulnerabilidades nacionais.
Para fazer frente a essas ameaças que podem gerar um conflito mili-
tar, a Defesa Nacional precisa estar atualizada, valendo-se de FA adestra-
das, com equipamentos atualizados e com a menor dependência externa
possível no fornecimento de MEM. A Guerra das Malvinas/Falklands
entre a Argentina e o Reino Unido (RU), ocorrida na América do Sul em
1982, evidenciou a vulnerabilidade do país platino ao suprimento inter-
nacional em MEM, favorecendo o RU sobremaneira. Aquele conflito,
além de outros tantos, próximos ou afastados no espaço e/ou no tempo,
servem de exemplo de que uma nação não deve confiar em outras para
garantir a sua segurança e/ou defesa.

Segmento de Defesa
De acordo com Cunha (2005), este segmento nacional produtor de MEM é
atualmente conhecido como Base Industrial de Defesa (BID) no âmbito go-
vernamental, enquanto no setor privado é denominado Indústria Brasileira

StrategicEvaluation (2007) 1
244 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

de Material de Defesa (IBMD). Essas denominações são válidas e se comple-


mentam. O MD (2005) conceitua a BID como o conjunto das empresas estatais
e privadas, bem como organizações civis e militares, que participam de uma
ou mais etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e ma-
nutenção de produtos estratégicos de defesa (bens e serviços) [acrescendo,
portanto, a base logística, científica e tecnológica].

Objetivo
Este artigo visa proporcionar ao leitor uma ambientação com a Indús-
tria Brasileira de Material de Defesa por meio de uma breve análise de seu
desenvolvimento histórico e da sua situação atual, concluindo-se sobre as
perspectivas para o futuro. O assunto é importantíssimo para a compreen-
são e entendimento da atuação da sociedade brasileira por meio do seg-
mento econômico produtor de material militar (BID), das FA e do estágio
de interação entre ambas. A intenção do autor consiste em apresentar uma
descrição dos pontos históricos marcantes na Indústria de Defesa no Brasil
a partir de uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto. Algumas conclusões
parciais são emitidas para auxiliar a compreensão dentro de uma perspec-
tiva atualizada. Na conclusão, indica-se uma possibilidade de prossegui-
mento para o setor em consonância com os objetivos do Estado brasileiro,
governo, FA, BID e da sociedade brasileira de forma geral.

HISTÓRICO
Primórdios – 1500 a 1762
Os primórdios da produção de MEM em terras brasileiras remontam à
construção naval conduzida de forma bastante incipiente por Portugal
para proteger a costa brasileira contra os ataques de piratas e cobiça es-
trangeira por novas terras recém-descobertas. Segundo Cunha (2005), fo-
ram construídas embarcações denominadas “caravelões” – pequenas ca-
ravelas, de 40 a 50 ton, 2 ou 3 mastros, 25 homens e 06 peças de artilharia
em meados do Século XVI. Os portugueses construíram embarcações
costeiras em São Vicente enquanto Martim Afonso de Souza, Capitão-
Mor da Armada, construía pequenas embarcações de cabotagem no Rio
de Janeiro (RJ). A “Ribeira das Naus” foi criada em Salvador, Bahia, na
mesma época, sendo responsável pela produção de naus, fragatas, cor-
vetas e bergantins até o final do Século XIX.
Os colonos portugueses construíram fortificações para defesa do te-
rritório, bem como iniciaram expedições terrestres para exploração do

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 245
interior, o Sertão. As Entradas e Bandeiras, como vieram a ser conhecidas,
incentivaram a produção de mosquetes, pólvora e armas brancas (Cunha,
2005). Esses mesmos colonizadores iniciaram também a instrução de ar-
tilharia, dando origem ao ensino militar na colônia (Pereira, 1994). Aquele
ensino viria a ser o embrião do ensino técnico e científico brasileiro que,
por sua vez, se tornaria o seio do qual nasceria a atual tecnologia militar
em meados do Século XX.
Constata-se a imensa preocupação dos primeiros colonizadores com a
defesa, especialmente em função do imenso litoral, variadas riquezas e
dos constantes ataques estrangeiros. Os portugueses foram eficientes ex-
ploradores e, mesmo com os poucos recursos disponíveis à época, conse-
guiram preservar o território em função de uma política bem planejada e
de uma estratégia mundial bem executada ao longo daquele período co-
lonial. A União Ibérica – Portugal e Espanha, entre 1580 e 1640 – também
contribuiu em muito para a integridade territorial, mantida com sucesso
até a atualidade.

Ciclo Imperial – 1762 a 1889


Caracterizado como o ciclo dos Arsenais Militares (Amarante, 2004),
inicia-se com a fundação da “Casa do Trem de Artilharia” no Rio de Ja-
neiro em 1762 pelo Vice-Rei de Portugal Gomes Freire de Andrade. Em
1764, veio a receber a denominação de “Arsenal do Trem”, agregando
responsabilidades logísticas a sua finalidade primeira de suprimento e
reparação de material bélico para a defesa do sul do território em cons-
tantes guerras e disputas territoriais entre Portugal e Espanha.
O “Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro” (AMRJ) foi organizado em 1763,
sendo que o primeiro navio de guerra produzido foi a Nau São Sebastião, com
1400 ton e 64 peças de artilharia, em 1767 (Telles apud Dagnino, 2003). Em 1765,
foi inaugurada a “Fábrica de Armas da Fortaleza da Conceição” e, em 1773, o
“Trem de Guerra da Província do Rio Grande do Sul”.
É importante ressaltar a criação da “Academia Real Militar” em 04 de
dezembro de 1810 pela corte real portuguesa, lançando os fundamentos
do ensino militar. Ela foi o primeiro centro difusor de ciências no Brasil,
permitindo assim a formação de engenheiros que viriam a trabalhar nos
assuntos de defesa da nação. A vinda da família real portuguesa para o
Rio de Janeiro e abertura dos portos às nações amigas em 1808 marcou
profundamente a história do Brasil. Naquele ano, inaugurou-se a “Fábrica
de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas”, no atual Jardim Botânico da
cidade do Rio de Janeiro. Em 1824, ela foi transferida para o distrito de

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246 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

Estrela, na Serra de Petrópolis, RJ. Esta unidade, hoje modernizada, é


denominada “Fábrica da Estrela” e está sob jurisdição do Exército
Brasileiro (EB) por meio da “Indústria Brasileira de Material Bélico”
(IMBEL), empresa vinculada ao Ministério da Defesa (MD), produzindo
compostos químicos e explosivos militares. O “Arsenal do Trem”, por
sua vez, foi transformado em “Arsenal de Guerra da Corte” em 1811.
Hoje é denominado “Arsenal de Guerra do Rio” (AGR), Organização
Militar (OM) do EB, com finalidade de fabricação de material bélico
(armas e munições) para as FA, notadamente o Exército.
A proclamação da independência em 1822 e o processo de sua conso-
lidação acentuaram a necessidade de defesa. O “Arsenal de Guerra de Porto
Alegre” foi criado em 1828 para aproximar o apoio logístico das operações
militares que ocorriam no sul do país em função dos conflitos na Província
Cisplatina. Esta organização foi transferida para o interior e denomina-se hoje
“Arsenal de Guerra de General Câmara”. Constitui-se em uma OM do
Exército voltada para reparos de pequena monta em equipamentos militares.
A Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), que reuniu Brasil, Argentina e
Uruguai contra o Governo do Paraguai, expandiu a produção de MEM,
especialmente pólvora, cartuchos, projéteis e belonaves. O Arsenal de
Guerra da Corte foi o “Centro Logístico” das tropas brasileiras. Muitos
equipamentos foram produzidos, porém não em quantidade suficiente,
fazendo com que o país recorresse às importações. O Exército se ressentia
da falta de equipamentos e para isso apelou para compras na Argentina
durante o conflito, com pagamento em libras esterlinas (Pereira, 1994).
A partir de 1857, segundo Pereira (1994), o AMRJ foi, praticamente, o
único centro de construção naval em território nacional. Neste período, o
Brasil construiu embarcações de guerra com base em projetos locais sofis-
ticados e atualizados para a época, sendo o segundo país, após os Estados
Unidos da América (EUA), a construir encouraçados (Dagnino, 1989).
Destacaram-se o encouraçado Sete de Setembro (1874), o cruzador Almiran-
te Barroso (1880) e o cruzador Tamandaré (1884).
Após a guerra e em função de seu elevado custo, o país viveu um pe-
ríodo de relativa estagnação na encomenda de material bélico. Vivia-se o
auge da Revolução Industrial no mundo e o Brasil, ao seu turno, uma
tensa situação política e econômica que culminaria na mudança na forma
de Governo, com a adoção da República em 1889. Segundo Cunha (2005),
a ausência de uma base industrial suficientemente ampla, bem como de
investimentos, fizeram com que o Brasil perdesse a corrida tecnológica e
industrial daquele período histórico.

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 247
À época, o Brasil estava atualizado no emprego de vários MEM, porém,
importados em sua maioria. O grande destaque foi a fabricação autóctone
de belonaves de combate. A produção era maciçamente governamental,
pela própria característica do período histórico e pela falta de uma estrutura
produtiva adequada em uma sociedade agrária, característica brasileira do
Século XIX. Conclui-se, parcialmente, que ao longo do ciclo real e imperial
brasileiro, as necessidades de defesa se fizeram sentir em função das
ameaças à integridade territorial e, em caráter especial, frente ao desafio da
Guerra do Paraguai. A chegada da família real foi o ponto de partida para
uma série de organizações governamentais militares produtoras de
material bélico, algumas das quais existem até os dias de hoje.

República Velha – 1889 a 1926


O ambiente político conturbado e uma reorganização profunda na
Marinha e no Exército inviabilizaram o crescimento da indústria de defe-
sa neste período. A diretriz básica inicial do governo era importar arma-
mentos, especialmente da Alemanha, estabelecendo-se oficinas locais
para adaptação e manutenção (Gabinete do Cmt do Exército, 2003).
A proclamação da República veio a encerrar um período de desenvol-
vimento da construção naval brasileira pela inexistência de uma progra-
mação industrial, infra-estrutura adequada – principalmente siderurgia –
e de operariado qualificado (Pereira, 1994).
Em 1898 foi fundada a “Fábrica do Realengo” que produzia munição
para armas portáteis, espoletas para granadas de mão, petardos, bem como
complementava o carregamento de granadas de artilharia e de morteiros.
Em 1906, fundou-se a “Fábrica de Pólvora sem Fumaça” em Piquete, no
estado de São Paulo (SP), com a finalidade de produzir explosivos (dinamite
e TNT), propelentes e pólvoras de base simples e dupla. Estes produtos
atendiam, também, ao mercado civil. Hoje esta última unidade fabril é
denominada “Fábrica Presidente Vargas” e está incorporada à IMBEL.
Em 1911 iniciou-se a construção de um avião na “Fábrica de Cartu-
chos e Munições do Exército” no Rio de Janeiro. A iniciativa contou com
pouco apoio, levando cerca de seis anos para a construção do aparelho.
Situação similar viria a ocorrer cerca de meio século depois com a aero-
nave turbo-hélice de asa fixa Bandeirante, porém com bastante sucesso.
A 1ª Guerra Mundial não trouxe benefícios ao setor (Pádua, 2005).
Ocorreu o rompimento do Brasil com a Alemanha e o alinhamento com a
França, marcado pela presença da Missão Militar Francesa, que muito in-
fluenciou o pensamento militar brasileiro, especialmente no Exército.

StrategicEvaluation (2007) 1
248 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

Conclui-se que, para o setor de produção bélica, aquele foi um período


de transição entre o final do Império e o início do Estado Novo no país. A
emergente república enfrentava muitas dificuldades regionais no seu
processo de afirmação e as FA, principais clientes de material bélico, esta-
vam envolvidas em processos de afirmação e de reorganização importantes.

Ciclo das Fábricas Militares – 1926 a 1952


A década de 1930 assinalou o primeiro ciclo industrial militar brasilei-
ro utilizando tecnologias estrangeiras, sob licença ou adquiridas. Um
grande programa de nacionalização de produtos de defesa foi organiza-
do. Nesta época, o Brasil não fabricava MEM pesados, quais sejam ca-
nhões, obuseiros e metralhadoras. O país não dispunha de indústria side-
rúrgica, fundamental para a fabricação de grandes armas, bem como não
estava envolvido em guerras de fronteira ou problemas marítimos impe-
rativos, que justificassem um elevado gasto em defesa a curto prazo (Ga-
binete do Cmt do Exército, 2003).
O Exército procurou se adaptar ao surto de modernização da época.
Para isso, implantou uma série de fábricas sob sua administração direta:
“Fábrica de Andaraí” (1932), destinada à produção de granadas de arti-
lharia e morteiros; “Fábrica de Curitiba” (1933), com produção de trens de
campanha hipomóveis, cozinhas, pontões de engenharia e equipamento
geral de transporte; “Fábrica de Armas”, depois denominada “Fábrica de
Juiz de Fora” (1933) e que se destinava à fabricação de espoletas e estopi-
lhas, granadas de artilharia e morteiro, assim como estojos e tiros de arti-
lharia – em operação junto a IMBEL; “Fábrica de Itajubá” (1933), com
produção de armamento leve e de uso pessoal, hoje integrada à IMBEL;
“Fábrica de Bonsucesso” (1933), que produzia gases de combate e másca-
ras contra gases; e, “Fábrica de Material de Comunicações” (1939), a pri-
meira do tipo no país, suprindo o Exército com equipamento de telefonia
de campanha, hoje denominada “Fábrica de Material de Comunicações e
Eletrônica” (FMCE) e incorporada à IMBEL.
O Ministério dos Transportes estabeleceu uma unidade montadora de
aviões em Lagoa Santa, estado de Minas Gerais ao final da década de 30, que
depois seria repassada a Força Aérea Brasileira, quando da formação do Mi-
nistério da Aeronáutica em 1941. Esta organização chegou a produzir aviões
Fairchild PT19B Cornell e T-6 Texans durante a 2a Guerra Mundial com bas-
tante sucesso (Conca, 1997). O AMRJ também foi modernizado neste período.
De acordo com Conca, interrupções nas linhas de financiamento e limita-
ção em pessoal técnico especializado continuaram a assombrar o setor de de-

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 249
fesa e a confiança nos fornecedores externos permaneceu como a norma para
o suprimento em material bélico pesado para as FA brasileiras ao longo do
período. Falta de capital de investimento e ausência de fornecedores também
dificultaram a expansão do setor produtivo de defesa. Entretanto, o surgi-
mento da siderurgia pesada (Volta Redonda) neste período viria a proporcio-
nar a base para o crescimento do setor em maior escala nos anos seguintes.
A participação da iniciativa privada na produção de armamentos apa-
receu pela primeira vez em 1926, com a fundação da empresa “Amadeo
Rossi & Cia” em Caxias do Sul, estado do Rio Grande do Sul (RS), desti-
nada a produzir espoletas para cartuchos e espingardas de caça. No
mesmo ano, ocorreu o surgimento da “Companhia Brasileira de Cartu-
chos” (CBC) no município de Santo André, SP, para a produção de mu-
nição leve. As “Forjas Taurus” surgiram no RS em 1939, produzindo ar-
mas leves. Atualmente, a CBC e as Forjas Taurus são grandes produtoras
de armamento e munição leve no mercado nacional e internacional.
Conclui-se que este foi um período marcante para a indústria de defe-
sa no Brasil. Auxiliada pelos ventos modernizantes da época, a Base In-
dustrial de Defesa pode se estabelecer, apesar de se voltar basicamente
para a fabricação, com a formação de recursos humanos e a Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) ainda em segundo plano.
A 2ª Guerra Mundial, porém, apanhou o país desprevenido na produ-
ção bélica nacional, fazendo-o buscar aliança com os EUA. Em 1944, a 1ª
Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) Brasileira combateu na Itália
ao lado dos Aliados contra os alemães, sendo basicamente organizada
com MEM de origem norte-americana, iniciando-se um período de de-
pendência externa bastante elevada no setor de defesa.

Acordo Militar Brasil/EUA – 1952 a 1976


Após o conflito mundial, aprofundou-se a vinculação brasileira ao
apoio logístico de MEM provindos dos EUA. Esta dependência foi oficia-
lizada mediante o Acordo de Cooperação Militar (Military Assistance Pro-
gram) estabelecido em 1952, por meio do qual o Brasil receberia material
bélico norte-americano a custo mínimo, sujeitando-se a cláusulas restriti-
vas no seu emprego. Segundo Conca (1997), confirmado por Acocella
(2006), isso provocou um forte desestímulo à produção nacional de MEM
para as FA brasileiras, acrescido da relutância do capital privado em par-
ticipar em iniciativas neste segmento de produção. A IBMD viveu um pe-
ríodo de estagnação e retrocesso (Cunha, 2005).

StrategicEvaluation (2007) 1
250 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

Conclui-se que a dependência bélica foi nefasta para o desenvolvi-


mento autóctone adequado do país no setor, pois provocou o acomoda-
mento natural das FA em receber o produto pronto. Este acordo durou
cerca de vinte anos, sendo denunciado pelo Brasil durante o Governo
Geisel em 1975. Naquele ano, o governo federal criou a IMBEL, empresa
que se encarregaria de produzir material de uso para o Exército, procu-
rando-se dependência mínima às importações no setor de defesa.
A Marinha e a FAB procurariam tomar outros rumos, porém atrelados a
uma política governamental de apoio à indústria nativa, conforme será
visto adiante. A retomada da idéia da exportação de material bélico ocorre-
ria em 1976. O acordo militar foi válido durante o período visto a seguir.
Observa-se, porém, que ao longo dele, enquanto se recebia MEM direta-
mente dos EUA, ocorria, também, a formação e a especialização dos enge-
nheiros e técnicos que trabalhariam na fase áurea das décadas de 1970 e 1980.

Ciclo da Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) – 1940 aos dias atuais


A participação na 2ª Guerra Mundial ao lado dos EUA mostrou aos mi-
litares brasileiros a importância fundamental da tecnologia no desempenho
vitorioso dos Aliados. Com a finalidade de desenvolver a P&D no Brasil, as
FA envidaram muitos esforços, entre eles a criação do Instituto Tecnológico
da Aeronáutica (ITA) em 1947, da Escola Superior de Guerra (1948) e do
Conselho Nacional de Pesquisa (1951). De acordo com Ribeiro (1994), estas
organizações foram a base do processo de criação das indústrias de defesa
no país, dando início à capacitação tecno-científica militar do Brasil.
Na ESG, surgiu o conceito de Segurança e Desenvolvimento, associado ao
aprimoramento da doutrina militar. Esta escola se mostrou como uma das
primeiras tentativas de associação de interesses entre as FA, bem como de
esforço para engajar as elites nacionais em assuntos de Defesa, segundo
Conca (1997), almejando, dentre muitos objetivos, o desenvolvimento da BID.
A Força Aérea Brasileira (FAB) se beneficiou do ITA, que deu origem
ao Centro Técnico Aeroespacial em São José dos Campos, SP, em 1950.
Atualmente, ele recebe a denominação de Comando-Geral de Tecnologia
Aeroespacial e é responsável, dentre outros projetos de vulto, pelo Veí-
culo Lançador de Satélites (VLS) do Programa Espacial Brasileiro, em as-
sociação com a Agência Espacial Brasileira (AEB). Em 1969, a FAB fundou
a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) –hoje privatizada– para
a produção de aeronaves, apoiando o projeto de pesquisadores brasileiros
que desenvolviam o avião Bandeirante anteriormente referenciado.

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 251
A Marinha, por sua vez, tomou outro caminho. Estabeleceu convênio
com a Escola Politécnica de São Paulo para um curso de engenharia naval
em 1955. Em 1959, ela ativou curso semelhante com a Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro, assim como criou o Instituto de Pesquisas da Mari-
nha (IPqM). Em 1982, a Marinha viria a criar a Empresa Gerencial de
Projetos Navais (EMGEPRON), com a finalidade de gerenciar projetos e
promover a indústria militar naval. A Marinha estabeleceu uma liderança
ativa no desenvolvimento da energia nuclear e dos programas eletrônicos
no país. O Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) foi fundado pelo
Almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva em 1951 para consolidar o
controle estatal sobre as atividades nucleares (Conca, 1997).
O Exército, ao seu turno, realizou a fusão da Escola Técnica do Exér-
cito com o Instituto Militar de Tecnologia em 1959, dando origem ao Ins-
tituto Militar de Engenharia (IME), com sede na cidade do Rio de Janeiro.
O Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD) foi estabelecido em
1970, o Centro Tecnológico do Exército foi criado em 1982 e o Instituto de
Projetos Especiais (IPE) ativado em 1986; todos formadores, na atualida-
de, do Complexo Tecno-científico de Guaratiba, RJ. O óbice da inexistên-
cia de mão-de-obra nacional qualificada em Defesa e de corpo técnico es-
pecializado em P&D começava ser superado. Em 1963, o governo brasilei-
ro criou o Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI), em arti-
culação com o empresariado nacional, com o objetivo de atuação em
conjunto em prol dos interesses nacionais (Pereira, 1994). O empresário
Vitório Ferraz foi escolhido como primeiro presidente deste grupo, que
tinha representantes da Marinha, Exército, Aeronáutica e da principal as-
sociação industrial, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
O GPMI estabeleceu comissões conjuntas das FA e das indústrias para
o desenvolvimento de veículos militares, aviação, equipamento naval,
eletrônica, comunicações, armamento, munição, equipamentos médicos,
produtos farmacêuticos, alimentação e fardamento. Segundo Silberfield,
apud Conca (1997), a importância do GPMI residia na sua condição de es-
trada de mão-dupla: as empresas obteriam informações e oportunidades
para se desenvolverem na área de Defesa, enquanto o governo obteria in-
formações da capacidade industrial instalada. Este grupo atingiu sua
máxima efetividade entre 1964 e 1967, facilitando a entrada de empresas
privadas nacionais no segmento de defesa e estabelecendo padrões de
relacionamento entre civis e militares. Infelizmente teve dificuldades para
demonstrar aos empresários da BID a integração existente entre moderni-
zação tecnológica, mobilização industrial e segurança nacional.

StrategicEvaluation (2007) 1
252 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

Conca (1997) ressalta a importância de, ao se estudar a BID no período,


verificar três conjuntos de relacionamentos: a interação entre FA e as elites
econômicas (BID); a relação dos militares com a burocracia governamental,
bem como o relacionamento entre os diversos setores internos das FA [dife-
rentes FA, diferentes setores operacionais, técnicos (C&T), de pessoal e logís-
ticos]. Segundo Amarante (2004), o acerto no planejamento e na execução de
políticas governamentais de fomento em Pesquisa & Desenvolvimento e de
fomento industrial no período de 1965 a 1985 foram fundamentais para o su-
cesso alcançado pelo setor de Defesa na segunda metade da década de 1980.
Conclui-se evidenciando a preocupação acertada dos governantes da
época com o planejamento de longo prazo e visão de Estado para o setor de
defesa. A formação de pessoal especializado aproximou o país com o que
havia de mais moderno em tecnologia com aplicação bélica. A BID também
se valeu das indústrias de base que foram montadas nos anos anteriores
para o fornecimento de insumos. O setor iniciava o seu crescimento.

Período Áureo – Década de 1970 até o início da década de 1990


Ao longo destes anos, o Brasil procurou desenvolver uma tecnologia
autóctone que atendesse as suas necessidades militares, bem como pro-
duzir MEM em larga escala, gerando divisas pelas exportações e retro-
alimentando o setor. Segundo Franko-Jones apud Proença Júnior (1992), o
país chegou a ser um dos principais exportadores mundiais de armas
convencionais, com vendas anuais de mais de quinhentos milhões de dó-
lares, em meados dos anos oitenta (ver Tabela 2). Além das FA brasileiras,
os principais compradores de MEM nacionais foram os países amigos da
América do Sul, África e Oriente Médio.
Tabela 1. Principais produtos de defesa brasileiros da época e seus fabricantes.

Empresas Produtos
EE-11 (Urutú), EE-9 (Cascavel),
Engesa
EE-17 (Sucuri), EE-3 (Jararaca), EE-T1 (Ossório) *
Xavante, Bandeirante, Xingu,
Embraer
Tucano, Brasília, AM-X, Vector*
SBAT-70, ASTROS II (SS30, SS40, SS60),
Avibras
Bombas de Fragmentação.
AMRJ Submarinos convencionais da Classe Tamoio

* Protótipos. Fonte: elaboração própria

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 253
A produção de MEM era feita por meio de empresas públicas, de econo-
mia mista e privada, com predomínio das últimas. As empresas criadas ou
que se expandiram neste período foram, dentre outras, a Embraer, Engesa,
Avibras, Bernardini, Motopeças, Engesa-Química, DF Vasconcelos, CBV, No-
vatração, Prólogo, Siteltra, IMBEL, Helibras, Emgepron, Valparaíba, Condor,
Britanite, Bemesa, Terex (Pereira, 1994). A Marinha construiu duas fragatas
(Classe Niterói) sob licença britânica em um programa iniciado em 1972. Este
programa permitiu a modernização do AMRJ, que viria a abrigar outros pro-
gramas de construção sob licença no Brasil. Foi o caso da construção de cor-
vetas brasileiras com assistência técnica alemã e, principalmente, dos subma-
rinos convencionais alemães da classe IKL-209-1400 – cinco no total.
O período foi relativamente curto, com o ápice na segunda metade da
década de 1980. Destacaram-se as empresas ENGESA, AVIBRAS e EM-
BRAER. Os Carros de Combate (CC) CASCAVEL e OSÓRIO, o Veículo
Blindado de Transporte de Tropas (VBTP) URUTU, o Lançador Múltiplo de
Foguetes (LMF) ASTROS II, o avião de treinamento militar T-27 TUCANO,
bem como munição e armamento leve, foram (e ainda o são) exemplos de
sucesso criados por estes atores. Estes produtos de elevada tecnologia, de-
vidamente comprovados no combate moderno (Guerra Irã-Iraque, Guerra
do Golfo Pérsico), capacitaram e capacitam o parque industrial brasileiro a
prosseguir no desenvolvimento e produção de MEM modernos e eficazes.

Tabela 2. Principais Países Exportadores de Armas para o Terceiro Mundo, 1985-89*.

País 1985 1985 1987 1988 1989 1985-89


U.R.S.S. 8563 10327 10579 8238 8515 46402
E.U.A. 4024 4925 6270 3649 2528 21396
França 3588 3355 2518 1312 1527 12300
China 1017 1193 1960 1781 718 6669
R. Unido 903 1020 1530 1165 993 5611
R.F.A. 395 649 252 480 149 1925
Itália 578 398 319 360 30 1685
Holanda 38 132 263 402 572 1407
Brasil 172 134 491 338 182 1317
Israel 160 242 273 117 216 1008
Tchecoesl. 124 124 198 176 287 909
Suécia 35 141 298 240 134 848
Espanha 139 185 160 206 143 833
Egito 124 159 194 232 62 771
Coréia N. 95 48 98 123 - 364
Outros 621 528 587 437 371 2544
Total 20576 23560 26170 19256 16427 105989

StrategicEvaluation (2007) 1
254 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

Fonte: Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), World Armaments


and Disarmament: SIPRI Yearbook 1990 (Conca, 1997). * Milhões de $ E.U.A, 1985.

Enquanto as FA formavam recursos humanos e coordenavam atividades


de pesquisa tecnológica, as empresas investiam na produção e exportação,
muitas vezes com financiamento governamental e apoio do Ministério das
Relações Exteriores (MRE), por meio do Programa Nacional de Exportação
de Material de Emprego Militar (PNEMEM) estabelecido em 1976.
O êxito da IBMD foi fruto da continuidade [em todo o período consi-
derado] de ações governamentais de apoio ao setor e, especialmente, da
confiança mútua [grifo nosso] entre as FA brasileiras e as empresas na-
cionais produtoras de MEM (Carvalho, 2006).
Conca (1997) aponta algumas características gerais importantes para o
setor de defesa: crescimento conduzido pelo Estado; limitadas ligações entre
as empresas do setor com o setor de C&T nacional como um todo; mistura de
funções e de responsabilidades entre o setor público e o privado; lógica de
produção comercial e escolhas tecnológicas pragmáticas. A conclusão parcial
aponta para uma sinergia entre o governo, FA e empresas da BID. Esta foi a
chave do sucesso do período áureo da indústria de defesa no Brasil.

Declínio – 1990 a 2002


No cenário internacional, o final da Guerra Fria e o término da Guerra
do Golfo Pérsico (1991) diminuíram as encomendas de armas. A oferta de
MEM no mercado foi aumentada pela presença de excedentes e de novos
países produtores. A conjunção daqueles fatores, em associação ao esta-
belecimento de barreiras tecnológicas pelos países mais desenvolvidos –
Missile Tecnology Control Regime (MTCR), entre outros, impôs sérias difi-
culdades às empresas nacionais. É interessante a observação da área de
inteligência internacional à época, transcrita a seguir:
OPERATIONS – Proliferation – The rule of the “8 D’s” – During prepa-
ratory meetings leading up to the NATO 10-11 January summit in Brus-
sels, senior Pentagon officials visited major European capitals and at-
tempted to explain the new American concept of the fight against arms
proliferation. [...]. For the American DoD counter-proliferation is spelled
out in “8 D’s”. [...] Dissuasion [...], Denial [...], Disarmament and arms
control are to be carried out in the framework of the various internatio-
nal agreements such as the Non Proliferation Treaty, to establish nuclear free
zones, to push for ‘roll back’ such as in the cases of the Brazilian ballistic missile
(grifo nosso), the South African nuclear program and American-Soviet

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 255
biological weapons; Diplomatic Pressure [...], Defusing [...], Deterrence
[...], Destruction [...], Defense [...]. (Intelligence Newsletter, 1994:7).

Segundo Cunha (2005), os EUA passaram a defender que o emprego das


FA dos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, deveria ser voltado
para problemas internos, delegando a defesa externa à potência hegemônica.
Essa observação, associada à referência bibliográfica anterior, permite inferir a
maneira direta, objetiva e pragmática com que alguns dos países detentores
de tecnologia moderna e principais produtores de MEM no mercado mundial
atuaram (e continuam atuando) contra possíveis ou prováveis concorrentes
neste disputado e fechado mercado mundial.
Internamente, a situação também não foi favorável. Os reduzidos or-
çamentos das FA brasileiras, os altos custos de produção e, principal-
mente, a falta de incentivo governamental – por meio de políticas ade-
quadas ou de sistemáticas aquisições de MEM nacionais, foram os princi-
pais fatores determinantes para o declínio na produção de MEM (Rodri-
gues, 2002). Esta situação provocou o fechamento de muitas empresas.
Outras tantas migraram para setores em que pudessem utilizar o co-
nhecimento, a mão-de-obra e o parque fabril (diversificação), sob pena de
falência, o que ocorreria de forma emblemática com a ENGESA.
No campo interno, Cunha (2005) acrescenta que o fim dos governos
militares no ano de 1985 e a conseqüente chegada ao poder de novas
tendências políticas criaram uma reação anti-militar, não da sociedade,
mas dos novos governantes. Segundo ele, a adoção de medidas para
manter os militares afastados da política interna levou o governo a sub-
estimar conceitos militares essenciais à defesa do país. Conca (1997) relata
que as indústrias de defesa entraram em colapso porque, resultado que
eram de condições favoráveis de governos atuantes no setor e mercado
mundial receptivo durante a fase áurea, não se prepararam eficazmente
para enfrentar as turbulências advindas da mudança de orientação
governamental e da crescente competição no contexto internacional.
Ficou evidenciado, ao longo do período de declínio, um forte conflito de
interesses entre os principais atores do segmento de defesa que ante-
riormente estavam bastante alinhados. Os reflexos desse “rompimento” se
fazem sentir até os dias de hoje. A BID, as FA, os centros de P&D, os órgãos
governamentais, as empresas multinacionais do setor que atuam no Brasil
(e seus governos) buscam uma nova trajetória de crescimento sustentado.

ATUALIDADE

StrategicEvaluation (2007) 1
256 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

Forças Armadas
Nos últimos quatro anos, o investimento em MEM nacionais foi bastante
reduzido. O contingencionamento de verbas governamentais foi bastante
grande no investimento em reaparelhamento das FA. O destaque na área na-
val ficou por conta do submarino convencional Tikuna (S 34) produzido no
AMRJ em 2005, seguindo a estratégia de aquisição do domínio completo do ci-
clo “Projeto, Construção e Reparação”. A Marinha enfrenta, entretanto, um
processo crescente de obsolescência de seus meios, com uma premente neces-
sidade de modernização e aquisição de novas belonaves que proporcionem a
adequada defesa da Amazônia Azul brasileira. Afinal, esquadras não se improvisam...
O Exército se encontra na definição de uma Nova Família de Blinda-
dos sobre Rodas (NFBR). O programa teve início no alvorecer da década
atual e sofreu várias modificações. A empresa AVIBRAS chegou a produ-
zir um protótipo denominado Guará, mediante convênio estabelecido com
o Estado-Maior do Exército (EME) e com o IPD, porém uma reorientação
nos requisitos operacionais do Exército interrompeu o seguimento do
projeto. O EB estabeleceu convênio, também, com o Exército Argentino e
desenvolveu uma viatura leve de emprego geral aerotransportável de-
nominado Gaúcho, atendendo diretriz governamental de integração com a
Argentina para o fortalecimento do MERCOSUL. Esta viatura se encontra
em fase de testes nos dois países. Cumpre ressaltar a importante (e
promissora) reorganização que o EB promoveu na área de C&T por meio
do estabelecimento do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT),
produto da fusão da Secretaria de Ciência e Tecnologia com a Secretaria
de Tecnologia da Informação. Espera-se que isso implique na melhoria da
interface desta instituição com a BID e a sociedade como um todo,
resultando na pesquisa, desenvolvimento e produção de novos MEM.
A Força Aérea Brasileira, por sua vez, enfrentou a interrupção do Pro-
grama FX no qual buscava o desenvolvimento de um caça supersônico para a
defesa aérea. Contratos para modernização de aeronaves turbo-hélice Supertu-
cano (AT-29) e supersônicas F-5M Northrop foram assinados com empresas na-
cionais. Outros contratos para compras de aeronaves foram assinados, entre
eles aquele para fornecimento de doze aviões espanhóis CASA-C295. O MD,
ao seu turno, estabeleceu a Comissão Militar da Indústria de Defesa (CMID)
em 2005. Os objetivos desta comissão são coordenar os estudos relativos ao
fomento às atividades de pesquisa, desenvolvimento, produção e exportação
de produtos de defesa, integrando essas atividades; estabelecer um fluxo ade-
quado de informações entre o MD e os demais órgãos civis e governamentais
envolvidos, bem como capacitar os recursos humanos necessários para tal.

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 257

BID
As empresas da BID estão organizadas em associações. Dentre elas se
destacam a Associação Brasileira das Indústrias de Defesa (ABIMDE) (44
empresas), a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) (28
empresas), o Sindicato Nacional da Indústria de Material de Defesa (SINDE)
e o Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria de Defesa (COMDEFESA), este
último com o suporte da FIESP. A ABIMDE foi recentemente revigorada e
tem procurado atuar com realismo e efetividade (ver Tabela 3).

O faturamento das empresas [...] foi da ordem de 12 (doze) bilhões de reais


[aproximadamente cinco bilhões de dólares norte-americanos (USD)] em
2004, do qual 12% no setor de defesa [cerca de 580 milhões USD]. As
exportações foram em torno de 3,6 bilhões USD, com cerca de 14% em
produtos de defesa [aproximadamente 500 milhões USD]. [Naquele ano] o
número de empregos diretos [era da ordem] de aproximadamente 38.000,
com 19% [cerca de 7200 pessoas] em atividades de defesa. O elevado
número de empregos indiretos [...] não está calculado. (Cunha, 2005).

Tabela 3. Principais Empresas da Base Industrial de Defesa (BID) brasileira.

Agrupamento para estudo Empresas


Empresas e instituições Imbel, Emgepron
públicas, federais,
estaduais e municipais.
Empresas brasileiras Embraer, Avibras, CBC, Atech, Condor, Inbrafiltro,
privadas de capital Mectron, Taurus, Aeromot, Rossi, Atlantide, Britanite,
majoritariamente Equipaer, ETR, Índios, RJC, Target, Universal, DF
nacional Vasconcellos, Periscópio, Diana Paolucci, Unimil,
Vertical do Ponto, Omnisys, Troller, Agrale.
Empresas brasileiras Helibras, Consub, Daimler Chrysler do Brasil, GE
privadas de capital Celma, MTU do Brasil, Rolls Royce, Pratt&Whitney,
majoritariamente Ancoratek, Brasilsat Harald, Hobeco, Intercarrier.
estrangeiro
Empresas que Inace, Saturnia Hawker, Renk Zanini, Eluma, Cecil
trabalham com Langone, Termodinâmica.
produtos de interesse
para a área de defesa
não associadas à
ABIMDE ou AIAB.

Fonte: elaboração própria a partir de Marcílio Boavista da Cunha, 2005

StrategicEvaluation (2007) 1
258 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

De acordo com Carvalho (2007), as empresas nacionais do segmento


de Defesa vivem grandes dificuldades decorrentes principalmente pela
falta de conscientização das autoridades governamentais em relação ao
setor. Segundo ele, os recursos destinados aos investimentos (reapare-
lhamento) das FA são reduzidos ano após ano, diminuindo considera-
velmente a capacidade de aquisição de novos equipamentos, sendo que
grande parcela do orçamento programado normalmente vem a ser conti-
genciado antes de sua efetiva utilização. Complementa acrescentando que
o mais grave é que as poucas aquisições são feitas no exterior, em detri-
mento das empresas brasileiras. Segundo Pádua (2003), a BID demonstra
potencial para, em se manifestando a vontade nacional, colocar-se em um
patamar compatível com a necessidade brasileira.

Apoio governamental

A criação do MD em 1999 trouxe uma nova visão na coordenação de


esforços no nível governamental para o segmento de Defesa ao buscar
englobar o pensamento das FA brasileiras. Publicada em 2005, a Política de
Defesa Nacional (PDN) proporcionou a elaboração da Política Nacional da
Indústria de Defesa (PNID). Esta última deu origem às Ações Estratégicas
para a PNID, editadas em 2006. Este arcabouço institucional pretende in-
centivar a retomada da produção nacional de MEM em patamares mais
elevados, buscando repetir e melhorar o sucesso das décadas de 1970 e 1980.
De acordo com Carvalho (2007), Diretor-presidente da Associação
Brasileira das Indústrias de Material de Defesa e Segurança (ABIMDE) no
triênio 2003/2006, o apoio governamental ao setor pode ser classificado
em cinco setores:

Militar – os integrantes das FA reconhecem e apóiam o setor nas suas


possibilidades, inclusive com o apoio e promoção às indústrias nacionais
nas aditâncias militares brasileiras no exterior;
Promocional – o apoio à ABIMDE acontece por meio da Agência de
Promoção às Exportações do Brasil (APEX), do Ministério da Indústria e
Comércio (MDIC), evidenciado na Exposição de Eurosatory em 2006;
Político – apoio [praticamente] inexistente junto aos governos estrangeiros de
possíveis clientes da indústria bélica nacional, ao contrário de outros países;
Diplomático – Bastante reduzido, com raras exceções positivas, pois, de
maneira geral, os representantes do MRE não apreciam atividades comer-
ciais, muito menos em se tratando de MEM;
Financeiro – Inexistente, pois as principais entidades financeiras do país
como o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), a Financiadora de Estudos e Projetos

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 259
(FINEP) se recusam a qualquer tipo de apoio em financiamento para
vendas ao exterior ou garantindo contratos eventualmente firmados no
mercado internacional.

Em complemento, afirma que há necessidade de uma Política de Esta-


do para o setor, não de governos, com estabelecimento de normas. Para o
mercado interno, [deverá haver] orçamento real e impositivo para o in-
vestimento das FA, proporcionando uma carga de trabalho programada
para as indústrias.

Lições históricas a serem aprendidas

Citando Cunha (2005), a primeira lição a ser elencada é a de que os


produtos de defesa que forem concebidos e desenvolvidos (C&T) so-
mente cumprirão sua função se vierem a ser produzidos (inovação e in-
dústria, preferencialmente privada) e tornados operacionais, bem como
eficientemente distribuídos, instalados, aferidos, mantidos e supridos de
itens de consumo e de sobressalentes (logística das FA).
A segunda lição se refere à integração institucional. Os principais se-
tores da sociedade brasileira precisam ser envolvidos com o tema Defesa.
Os atores principais (FA, BID) necessitam de trabalho conjunto, harmôni-
co e interdependente, associados com maior ênfase à área de C&T das
instituições educacionais.
Uma terceira lição está relacionada à importância da compreensão da
sociedade sobre Defesa, em particular sobre a necessidade fundamental da
existência de uma BID forte. Este autor entende que dois principais cami-
nhos se apresentam para alcançar a sociedade: a caracterização da ameaça à
própria sociedade (terrorismo, por exemplo) – bastante difusa no Brasil, po-
rém ameaçadora a longo prazo – ou por meio da educação. Quanto à educa-
ção, entende-se que o aumento da integração dos estudos entre as escolas
militares, congêneres civis, centros de pesquisa em C&T e empresas priva-
das e governamentais é fundamental e urgente para proporcionar massa crítica
em especialistas e fomentar a discussão do tema em ambiente acadêmico.
A lição seguinte se refere ao emprego do planejamento de longo prazo
no setor de Defesa. Felizmente, o momento é oportuno para se falar a res-
peito. O incremento do Planejamento Estratégico (empresarial e/ou militar)
e da Excelência Gerencial são fundamentais para a sobrevivência das FA e
das empresas, em função de um processo de mundialização cada vez mais
acelerado, onde as ameaças difusas utilizam a estratégia indireta para al-
cançarem seus objetivos. A realidade não admite amadorismos empresarias
e/ou militares. Cunha (2005) relata que é preciso padronizar, uniformizar,

StrategicEvaluation (2007) 1
260 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

compatibilizar especificações, desenvolver produtos similares para aplica-


ções civis e selecionar o que deve ser atendido com prioridade.
Outro ensinamento, atrelado ao anterior, afirma a necessidade de
continuidade no planejamento, ou melhor, liderança e constância de pro-
pósitos (Plano de Excelência Gerencial do Exército Brasileiro, 2006), estratégia
adequada e um comprometimento na execução do que foi planejado. Este
é um óbice cultural de difícil superação no Brasil, notadamente em muitas
de suas instituições. A falta de continuidade conduziu, por exemplo, à
perda de capacitações (pessoal especializado, laboratórios, programas,
documentos) conquistadas ao longo dos anos com sacrifícios enormes.
Conquistas e reconquistas foram feitas. A tecnologia de construção naval
é um exemplo dessa situação (Cunha, 2005) .
Uma última lição, não menos importante: definir uma política especial
de aquisição de material de defesa à semelhança do que ocorre com ou-
tros países (Buy American Act, EUA, por exemplo). A legislação atual é
perversa, pois privilegia a importação de MEM com taxas próximas de
zero, enquanto a incidência de impostos em produtos nacionais é de mais
40%. Cunha (2005) nos indica outra situação crítica: os órgãos do governo
podem receber financiamentos externos para importação, porém não po-
dem receber financiamento interno para compra de material nacional.
Estas lições estão em consonância com a opinião do Embaixador Sa-
muel Pinheiro Guimarães, do Ministério das Relações Exteriores:

[...] reconhecer a urgência da definição detalhada de uma estratégia mi-


litar própria para o Brasil e para a América do Sul. Essa estratégia de de-
fesa deve ter natureza civil-militar, tendo como objetivo a indispensável
autonomia de desenvolvimento tecnológico-militar e de suprimento de
material bélico. No processo de sua elaboração doutrinária, os Estados-
Maiores e as escolas tradicionais de elaboração de doutrina podem e de-
vem se articular de forma eficaz com outros organismos da administra-
ção cuja competência tenha natureza estratégica global, interna e externa.
[...] (Guimarães, 2006: 336).

Prospecção
Não obstante o difícil quadro da realidade, alguns indicadores se
mostram oportunos a uma reativação do setor, quais sejam:

A necessidade premente do reequipamento das FA, pois o ciclo de vida


de vários MEM está muito próximo do fim;

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Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 261
Permanência (continuidade) da mesma equipe política no governo federal
em função do resultado da última eleição presidencial, favorecendo a
continuidade dos esforços;
Amadurecimento da estrutura e da atuação do MD junto aos setores
produtivos, governo e FA;
Crescente interesse da sociedade nos assuntos de Defesa, como
demonstrado nos últimos Fóruns sobre Tecnologia Militar da empresa
Dinheiro Vivo em São Paulo (2005 e 2006);
Crescente apoio político ao estudo dos assuntos de Defesa, exemplificado
na condução do Seminário sobre a Política de Defesa para o Século XXI,
conduzido pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
(CREDN) do Congresso Nacional em 2003.

Os indícios acima são tímidos, porém podem servir de pontos de par-


tida para um esforço coordenado de atuação, transformando problemas
em desafios; crises, em oportunidades de melhoria; sonhos em realidade.
Um aspecto, porém se considera fundamental: atenção na forma como a
guerra está sendo conduzida no presente e como ela poderá vir a ser con-
duzida no futuro. Quais os MEM mais adequados para tanto?
A referência e respeito ao passado é fundamental, porém muitas gue-
rras foram perdidas porque se acreditava que os combates seriam condu-
zidos da mesma forma com que haviam sido estudados. Smith (2006) nos
relata uma tendência da guerra moderna conduzida ‘entre as pessoas’
[among the people], com diminuição do elevado consumo de munição
[‘firepower’, característico do século XX] e aumento considerável do valor
da Informação [information] como arma, impondo psicologicamente a
sua vontade sobre o inimigo.

CONCLUSÃO
A BID possui um histórico respeitável, característico de um país em
construção como o Brasil. O segmento alternou períodos de expansão e
retração em função de conflitos em que o Brasil tomou parte e sofreu re-
flexos frutos da conjuntura nacional e internacional das diferentes condi-
ções históricas. O histórico é de dificuldades com alguns pequenos perío-
dos de bons resultados.
A base industrial instalada é bastante significativa, assim como a qua-
lidade dos pesquisadores e dos profissionais ligados às indústrias, empre-
sas, universidades e às FA brasileiras.
O elevado desempenho quantitativo e qualitativo da produção nos
anos oitenta foi o grande marco das indústrias de material de defesa no

StrategicEvaluation (2007) 1
262 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

passado recente. As políticas governamentais de incentivo à P&D, às in-


dústrias de defesa e às exportações foram bem planejadas, bem executa-
das e tiveram continuidade ao longo daquela época. Somava-se a isto, a
atuação coordenada e o espírito de confiança entre as FA e a BID. Havia
sinergia. O resultado se mostrou excelente.
Atualmente, a BID vive um momento de expectativa favorável a sua
expansão, especialmente no início de 2007. Espera-se que seja possível se
caminhar do discurso à prática. Quer seja no reaparelhamento das FA
brasileiras, agregando-se valor aos produtos nacionais, quer seja expor-
tando MEM de reconhecido valor para os países amigos. Em ambas as
situações, este segmento sairá fortalecido.
Uma pergunta. O quê e como fazer para que a BID não se torne vítima
de um passado de sucesso, não sendo capaz de repetir o êxito?
Entende-se que o caminho passa pela superação dos interesses e práti-
cas do passado recente que permanecem em muitos, impedindo o apare-
cimento de novas técnicas que poderiam facilitar o entendimento mútuo
dos principais atores. Vencer os personalismos ainda existentes e que fo-
ram resultados dos sucessos alcançados – e também de fracassos – é outro
ponto a ser considerado. Conca (1997) indica, também, o estabelecimento
de uma divisão nítida de responsabilidades entre o setor público e o
privado como facilitador dos processos.
Uma certeza: há necessidade do aprimoramento do relacionamento
das FA com a BID e vice-versa, em consonância com o fortalecimento
natural do MD e o aumento de sua participação no controle dos investi-
mentos em aquisições de MEM nacionais. É mister a integração de esfor-
ços institucionais e empresariais.
Conjugar o pensamento à ação. Esta é a principal dificuldade. Este
autor entende que para tanto, um primeiro passo. Acredita-se que a orga-
nização de uma Equipe Integrada de Trabalho (EIT) entre cada Força Singu-
lar e as respectivas empresas da BID, em caráter inicial, e com o MD em
um futuro mediato, seria um bom ponto de partida neste sentido.
Entende-se que seja necessário conduzir o trabalho em etapas, de uma
forma educativa (tanto para as FA, MD, quanto para a BID), evitando
erros de interpretação ocorridos no passado ou que eventuais sucessos
isolados turvem a visão do todo. Um processo conduzido em uma cadên-
cia lenta, mas constante, poderá vir a permitir: a superação de possíveis (e
saudáveis) mudanças de orientação governamental; o adequado enten-
dimento interno da crescente participação do MD; assim como as pres-
sões (políticas e econômicas) do exigente e restrito mercado mundializado

StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 263
(leia-se, também, governos estrangeiros, ONG, organismos internacionais,
etc). Tudo isso em função da solidez e da sinergia dos atores nacionais2.
Esta EIT teria por objetivos, dentre outros: estabelecer o diálogo de
forma aberta, evitando ao máximo a hierarquização dos atores e/ou inte-
resses; definir MEM prioritários – em função das necessidades operacio-
nais de cada força e da capacidade produtiva nacional – e, principalmente,
aproximar as cadeias operacionais, logísticas, de inteligência e de P&D de
cada força singular com as empresas da BID, integrando projetos de MEM
desde a concepção até a alienação, ao final do ciclo de sua vida útil.
Algumas certezas permanecem: o Brasil precisa voltar a desenvolver e
produzir material bélico, reaparelhar as Forças Armadas e proporcionar a
efetiva reativação da BID. De outra forma, em mais alguns anos, as
“ameaças difusas” se tornarão claras, o inimigo imporá sua vontade sem
combater – a glória de um general – e o “rei estará morto”.
Festina Lente!3.

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Conca, Ken (1997). Manufacturing insecurity: the rise and fall of Brazil’s military-
industrial complex. Colorado: Lynne Rienner Publishers.

2 É válida, muitas vezes, a constatação de que o ser humano mais facilmente culpa

outros pela sua própria falta de habilidade em lidar com um problema do que ad-
mite conduzir uma auto-reflexão, reveladora das verdadeiras causas e orientadora
segura do caminho adequado.
3 Apressa-te devagar! Otávio Augusto (Imperador Romano, 27 A.C.)

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264 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil

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*
Valério Luiz Lange é Major de Artilharia e serve atualmente no Comando
da 2ª Região Militar (São Paulo) e é doutorando pela ECEME em
Ciências Militares, na área de estudos de Logística e Mobilização.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

SUZELEY KALIL MATHIAS; EDUARDO L. DE VASCONCELOS CRUZ

Segurança e Desenvolvimento
O caso da indústria bélica

Security and Development


The case of defence industry

Resumo: Discuti-se neste texto a relação entre desenvolvimento tecnológico e in-


dústria de armas no Brasil, salientando a dependência desta relativamente àquele.
Mostra-se como as mudanças no comércio de armamentos que atualmente privile-
gia a produção de armas leves para exportação. Conclui-se que a única viabilidade
de manter projetos desta natureza, é aproveitando o parque industrial que ainda
existe para a produção dual, isto é, aquele que atenda tanto às demandas civis
quanto as militares. Aventa-se ainda a possibilidade da indústria da defesa funcio-
nar como mecanismo de integração regional.
Palavras-chave: Forças Armadas; armamento; desenvolvimento; segurança; defesa.

Abstract: This paper works with the relation between technological development and
weapons industry in Brazil, pointing out the dependence of this to that one. One reveals as
the changes in the commerce of armaments that currently privileges the production of small
weapons for exportation. The conclusion is that to keep projects of this nature, is using to
advantage the industrial park for the dual production, that is, that one takes care the civil
and the military demands. Finaly, it defends the possibility of the defense industry works as
mechanism of regional integration.
Keywords: Armed Forces; weapons; economic development; defense; security.

INTRODUÇÃO

A construção do conceito de Segurança Humana, também chamada


“segurança multidimensional”, que substituiu o de segurança nacional,
este formulado na Guerra Fria e que fomentou tantas divergências
entre vizinhos, tem no desenvolvimento integral e holístico dos
cidadãos um de seus principais fundamentos. Foi a Comissão Especial
de Segurança Hemisférica da OEA (1993), encarregada de estudar tais
mudanças, que ampliou o conceito, sustentando que “diferente da
segurança coletiva que prevê uma resposta à agressão até a derrota de
266 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

quem a realizou, a segurança cooperativa [ou segurança humana],


busca a prevenção da agressão” (apud López, 2001)1.
Os mesmos estudos concluíram que a prevenção ligava-se direta-
mente, para países como o Brasil e seus vizinhos, à realidade econômica,
o que implicava relacionar segurança com desenvolvimento, reforçando o
que sempre foi defendido pelo governo brasileiro nas instituições interna-
cionais, ou seja, a política externa brasileira sempre teve na defesa da re-
lação entre economia e segurança um de seus pilares.
Tomando tal relação como pilar para a edificação dos Estados nos paí-
ses da América do Sul e considerando o papel desempenhado pelas For-
ças Armadas nos processos de independência nacional, não se pode falar
em desenvolvimento nesses países sem lembrar da participação castrense
no processo de constituição do Estado e de sua burocracia. Em outras
palavras, o binômio segurança e desenvolvimento traduziu-se na região
sul-americana pela atuação militar na defesa dos interesses nacionais, o
que significou promoção do desenvolvimento econômico da Nação.
Por falta de elites civis, ou por fazer parte das elites dirigentes, as For-
ças Armadas participaram ativamente da constituição do desenvolvi-
mento brasileiro (Janowitz, 1967). Número significativo, por exemplo, das
chamadas indústrias de base foi produto de intervenção direta dos atores
castrenses em sua edificação. No interior do processo de desenvolvimento
nacional, na busca pela hegemonia regional, desenvolveu-se uma grande
indústria bélica no Brasil. Se o conceito de segurança que vigora na atua-
lidade diz respeito à prevenção do conflito, então a produção de armas
também deve relacionar-se com a prevenção da guerra e com a promoção
de ganhos econômicos que levem à cooperação em segurança.
Dada a natureza deste trabalho, e na impossibilidade de analisar todas as
relações que se estabelecem entre segurança, defesa, cooperação e de-
senvolvimento, objetiva-se aqui historiar a evolução da indústria bélica
brasileira, avaliando-se duas hipóteses: 1) a indústria bélica brasileira iniciou
seu processo de desenvolvimento como um produto do desenvolvimento em

1 O documento original, como informa o autor é "Aportes a un nuevo concepto de

seguridad hemisférica-seguridad cooperativa", que consiste em manter as ameaças


longe dos alvos possíveis por meio do dialogo, pois já não se pode considerar que o
Estado continua a ser seu principal. Documento preparado por el Presidente de la
Comisión Especial sobre Seguridad Hemisférica, OEA, mayo de 1993, p. 2. Com uma
linguagem mais simples, o conceito também aparece em Comisión de la seguridad
humana: Proteger y habilitar a la gente, N.Y., 2003.

StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 267
C&T; 2) a participação da instituição militar no mencionado processo foi
muito menor do que participação dos oficiais militares individualmente.
Para facilitar a análise dessas hipóteses, divide-se o texto em quatro
partes. Na primeira, revisa-se o nascimento dos projetos de C&T no Brasil
buscando mostrar sua influência sobre a promoção da indústria bélica na-
cional. Em seguida, discute-se o processo de desenvolvimento desta in-
dústria, seu apogeu e sua derrocada, o que aconteceu em menos de 30
anos. Na terceira parte, acompanha-se o processo de substituição das ex-
portações brasileiras de armamento pesado, basicamente de uso militar,
pelas armas e equipamentos de pequeno ou médio porte (até .45), mas
ainda tendo no exterior seu principal mercado. Por último, elenca-se al-
guns fatores que apontam para a relação positiva entre a produção e
venda desse tipo de armamento (destinado basicamente ao uso civil e po-
licial) e o fortalecimento da integração regional.

A ORGANIZAÇÃO DOS ESTUDOS DE C&T NO BRASIL

Ao longo dos anos 1940-50, as divergências em torno de como proces-


sar o caminho do desenvolvimento nacional marcou profundamente as
Forças Armadas brasileiras. Tanto assim que as acirradas disputas eleito-
rais no Clube Militar eram exemplo daqueles que defendiam o financia-
mento autônomo da indústria nacional (chapa vermelha), com grande
participação do Estado, e aqueles que acreditavam que a saída seria o de-
senvolvimento associado, isto é, com participação interna e externa para a
implantação de indústrias que levassem à construção do país como
potência regional (chapa azul) (Mendonça, 1988).
Uma das razões que podem ter refletido sobre as discussões sobre de-
senvolvimento e segurança foi a publicação do Relatório Science: the End-
less Frontier, de Vannevar Bush. Publicado logo após a II Guerra Mundial,
refletia a percepção dos norte-americanos segundo a qual a superioridade
científica e tecnológica é fator fundamental no desenvolvimento dos paí-
ses. Na América Latina, entendia-se que o progresso em C&T era o me-
lhor escudo contra investidas externas e determinante da capacidade
hegemônica de um país (Dias e Dagnino, 2005). Paralelamente, o surgi-
mento da arma nuclear também foi importante fator motivador do intere-
sse dos militares pelo desenvolvimento em C&T (Domingos Neto, 2006).
Superada as divergências que marcaram as discussões em torno de
como dever-se-ia dar o desenvolvimento industrial do país, a idéia que
ganhou hegemonia foi a do aproveitamento dos financiamentos externos
para a construção de um parque industrial responsável não apenas pela

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268 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

fabricação de armamentos, mas vendo nele o caminho mais curto para o


avanço de C&T nacional, o que levaria o país ao nível de desenvolvi-
mento dos países aliados. Não foi, entretanto, por meio do desenvolvi-
mento da industria bélica que os militares ingressaram em C&T no
Brasil. Ao contrário, a participação castrense no progresso nacional é
anterior ao próprio nascimento do Estado brasileiro, pois o que hoje é o
IME – Instituto Militar de Engenharia –, nasceu no século XVIII, sob o
título de Real Academia Militar de Engenharia, e a ela coube a forma-
ção dos primeiros engenheiros dessas terras.2
Data do período entre 1940-50, a organização de uma série de institui-
ções de produção ou incentivo à ciência. Em 1948, nasce a SBPC – Socie-
dade Brasileira para Progresso da Ciência –, seguida, já em 1949, pelo
CBPF – Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas –; em 1950 é criado um dos
mais importantes centros de desenvolvimento cientifico e tecnológico
brasileiro, o ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica. No ano seguinte,
foi a vez do Centro Nacional de Pesquisa e Tecnologia – CNPq –, cujo
objetivo específico era dominar a tecnologia atômica, por meio do Insti-
tuto de Matemática Pura e Aplicada, criado no mesmo ano. A Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) também
nasceu no prodigioso 1951 (Id., Ib.).
Foi, entretanto, nos anos 1960 que acompanhar o avanço da fronteira
científico-tecnológica mundial passou a ser uma obstinação para os mili-
tares brasileiros, dada sua percepção de que, em função da natureza qua-
litativa da guerra moderna, a C&T é fator condicionante permanente do
desempenho em combate. Por meio do seu desenvolvimento, aumentam
as possibilidades de obter resultados rápidos e decisivos nas operações, e
manter uma contínua modernização das Forças Armadas – apoiada numa
sólida indústria bélica nacional – é condição para isto. A longo prazo, o
desenvolvimento tecnológico possibilitaria a criação de condições neces-
sárias à sustentação do Brasil numa posição privilegiada no contexto das
relações internacionais. Isto é, possibilitaria a redução da dependência
externa, a modernização constante da força militar, a consolidação da
insdústria de material de defesa e a incorporação de novas tecnologias,
tudo isso redundando em autonomia para o país frente aos demais países.
Como exemplo do processo de participação militar em C&T, pode-se
acompanhar sucintamente a história de criação do ITA. Subordinado ao
CTA (Centro Tecnológico da Aeronáutica), precedeu e estimulou a in-

2 Disponível em [consult. 16/06/05]: <http://www.ime.eb.br/index.php?option=

com_content&task=view&id=30&Itemid=64>.

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Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 269
dústria bélica no país e, mais importante, fez isto promovendo a parceria
entre militares e civis, pois o ITA foi organizado como uma universidade
na qual conviviam militares e civis, tendo como parâmetro de ingresso
(contratação) apenas a competência, razão pela qual tornou-se uma babel
de letras e ideologias, conforme relata Morais (2006). Mas a grande novi-
dade do ITA não era o fato de ser uma babel competente, mas de estrutu-
rar-se de uma forma que só atingiria os meios civis nos anos 70.
Diferente das escolas superiores públicas do Brasil, no ITA não existia
o sistema de cátedra, mas sim de Departamento (como hoje), o que pro-
porcionava maior agilidade na implementação de planos e projetos que
rapidamente vinham à luz. Contribuía também para um clima de cama-
radagem que rejuvenescia os mais velhos e amadurecia os jovens, o con-
tato entre professores e alunos, que era muito mais estreito do que acon-
tecia nas demais universidades brasileiras. Acreditava-se que era o fato de
todos residirem nas dependências do próprio ITA o fator responsável
pela proximidade entre alunos e professores, militares e civis. Se o ITA
não foi a primeira escola que aceitava civis e militares, ela foi quem me-
lhor implementou o convívio pacífico ente esses dois grupos.
Instalado em São José dos Campos, pequena cidade estrategicamente
localizada entre Rio de Janeiro e São Paulo e ainda próxima ao porto de
São Sebastião, o ITA induziu a instalação de várias indústrias de ponta
em seu entorno, como a da EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica
s/a –, cujo primeiro avião, o Bandeirantes, nasceu nas pranchetas dos
pesquisadores do ITA sob a coordenação do então cel. Ozires Silva. O
protótipo que deu origem a este avião foi construído em 1968, um ano
antes da fundação da EMBRAER.
A EMBRAER foi uma das poucas empresas a sobreviverem ao desmonte
da indústria bélica nacional promovido no início dos anos 1990, tendo
sido privatizada em 1994. Pode-se creditar o sucesso da empresa ao seu
caráter híbrido ou dual, isto é, seus produtos servem tanto para uso mili-
tar como civil. Atualmente, ela é uma empresa internacional, uma das
poucas presenças da indústria brasileira no exterior, com fábrica na China
(2002-3), instalações de manutenção em Nashville, EUA e em Villepinti,
França, ambas inauguradas em 2006 (Forjaz, 2004).3
Uma grande particularidade da produção de C&T e de produtos béli-
cos, não está, entretanto, no controle pelas ou na participação das Forças
Armadas no seu processo de desenvolvimento, pois não é a instituição

3 Algumas informações sobre a sua história estão disponíveis em [consult. 13/06/07]:

<http://www.embraer.com.br/portugues/content/empresa/history.asp>.

StrategicEvaluation (2007) 1
270 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

castrense que o faz, isto é, mesmo nos anos de governo dos generais
(1964-1985), é a iniciativa individual e visionária de alguns militares, so-
mada a coragem cívica (Heller & Fehér, 1998: 124-5) de alguns governan-
tes que criou e promoveu o desenvolvimento para a segurança no país. O
caso do ITA é emblemático: enquanto teve à frente o Brigadeiro Casimiro
Montenegro, seu mentor, fundador e administrador, as pesquisas e a au-
tonomia do Instituto foram mantidas; e as verbas conquistadas para tal
foram significativas nos governos de Vargas e Kubitschek, o mesmo não
se apresentando com Dutra, ainda que mantivesse repasse constante. Po-
rém, foi com a chegada do general Castelo Branco ao poder (1964), que
nomeou o marechal-do-ar Eduardo Gomes para o ministério da Aero-
náutica, histórico opositor de projetos como o do ITA (desenvolvimento
autônomo) que a instituição quase alcançou sua extinção (Moraes 2006), o
que corrobora a visão aqui defendida segundo a qual o desenvolvimento
brasileiro não teve na instituição armada um de seus pilares, mas em seus
membros, justamente aqueles que prezavam pela modernização das For-
ças e a defesa intransigente do desenvolvimento autóctone como princi-
pal mecanismo de garantia da segurança nacional.

DESENVOLVIMENTO PARA SEGURANÇA:


A INDÚSTRIA BÉLICA

Mei e Saint-Pierre (2007) defendem que as Forças Armadas só passa-


ram a ter um projeto voltado para a produção bélica quando se costurou a
Doutrina de Segurança Nacional, um conjunto de idéias que se desenvol-
veu no interior da Escola Superior de Guerra (ESG) desde sua criação em
1949, mas que se tornou arcabouço normativo a partir do golpe militar de
1964. Citando Dreifuss et.al., afirmam que o impulso dado à indústria de
armamentos se fundamenta na visão que “(...) a indústria de defesa era vista
como catalisadora para o desenvolvimento econômico e tecnológico, mas
também como uma maneira de estabelecer o poderio nacional” (p. 254).
Tomando para si a tarefa de impulsionar a economia, os governantes
fardados realizando uma verdadeira revolução na sociedade brasileira,
promovendo a urbanização, proporcionando o sentimento de pertença
nacional na população, unificando as comunicações, elevando a economia à
produção de escala, em especial na indústria de bens de consumo, e em
algumas de base – como a siderurgia e a bélica, etc. (Domingos Neto, 2006).
No âmbito da indústria bélica, o governo brasileiro implementou, a
partir de 1974, a PNEMEM – Política Nacional de Exportação de Material de
Emprego Militar –, talvez o único plano nacional nesta matéria. Nele,

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Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 271
propunha-se que o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) finan-
ciasse novas pesquisas na área da defesa, envolvendo universidades
(como o IPEN, ligado à USP), empresas privadas, públicas e centros de
ensino militar. Por meio da PNEMEM, o Brasil atingiu altos índices de ex-
portação, minimizando ainda, pelo escambo, a necessidade nacional por
Petróleo, pois os maiores importadores dos produtos bélicos eram países
do Oriente Médio, justamente aqueles que, na época, forneciam o maior
volume de Petróleo para o Brasil.
Data ainda dos anos 1960, a instalação de diversas indústrias de mate-
rial bélico que, se fizeram uso do parque tecnológico construído nos anos
anteriores, em pouco tempo tinham alcançado níveis invejáveis de produ-
ção e exportação. No esteio da excelência alcançada pelo ITA, ao longo
desses promissores anos, organizaram-se a AVIBRÁS (Aeroespacial S/A),
em 1961; a ENGESA (Engenheiros Especializados S/A), em 1965, e a
EMBRAER (Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A), em 1969.4
A ENGESA, originalmente uma empresa fabricante de componentes
para a prospecção de petróleo que evoluiu para a adaptação de cami-
nhões a terrenos acidentados, graças à suspensão “boomerang” que de-
senvolvera, envolveu-se ativamente com produção bélica. A partir de um
projeto do IME de viatura de reconhecimento sobre rodas, chegou à fabri-
cação do Urutu (transporte de pessoal sobre rodas blindado e anfíbio) e do
Cascavel (viatura blindada de reconhecimento sobre rodas), ambos
largamente vendidos para o Oriente Médio e América do Sul, sendo ainda
parte expressiva do inventário bélico nacional. Em 1982, iniciou o seu mais
ambicioso projeto, o blindado médio Osório, que incorporava tecnologias
de ponta na suspensão, na blindagem e no sistema de armas, infelizmente
sem continuidade, face ao boicote de vendas liderado pelos EUA que os
produtos brasileiros sofreram no exterior. A empresa foi liquidada em 1996,
com a alienação, por leilão, de sua massa falida (Cruz, 2006).
A AVIBRÁS que, da mesma forma que a Embraer, foi uma iniciativa de
alunos do ITA objetivando a construção de aviões leves, desenvolveu, em
1962, a aeronave de treinamento básico intitulada Falcão. Três anos depois,
em 1965, inicia a fabricação, com tecnologia totalmente autóctone, de fogue-
tes, dando origem à família Sonda, movidos a propelente sólido, ponto de

4 À lista poder-se-ia somar as indústrias de armas e munição de pequeno porte, as

mais importantes nascidas bem antes dos anos aqui mencionados. Todavia, se elas
produzem material de defesa, não o fazem com o objetivo do desenvolvimento na-
cional, mas apenas como indústrias em busca de lucros (como a Taurus e a CBC) ou
de manutenção da capacidade e treinamento das Forças Armadas (como a IMBEL).

StrategicEvaluation (2007) 1
272 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

partida para outros artefatos bélicos semelhantes, de uso ar-terra e que foi
fundamental para o Programa Espacial Brasileiro. Avançando na tecnologia,
nos anos 80, produziu o sistema Astros, foguetes de médio alcance empre-
gado largamente pelo Iraque na guerra contra o Irã. Também desenvolveu, e
ainda produz, equipamentos para comunicação via satélite (sendo ainda
hoje principal fornecedora para o sistema militar de comunicação via satélite
do Brasil), materiais explosivos e químicos utilizados tanto pelo setor de de-
fesa quanto por setores civis ligados à segurança, etc. (Id., Ib.).
Conforme mencionado, a EMBRAER é a melhor sucedida dentre todas
as indústrias nacionais de defesa. Iniciando sua produção com a aeronave
de carga e passageiros Bandeirantes, logo depois projetou e construiu o
Xavante, primeiro jato de treinamento militar brasileiro, e o Tucano, único
avião de treinamento militar turboélice projetado especificamente para
aquele fim, e seus derivados: o EMB-312H (Super Tucano) e o ALX (mo-
delo armado desenvolvido para o Ministério da Aeronáutica). Sua linha
de aeronaves de passageiros e carga obteve reconhecimento internacional,
o que encorajou a empresa a lançar modelos mais sofisticados, entre os
quais o Brasília – no momento, com grandes chances de sucesso no mer-
cado internacional (já com 107 jatos contratados e 219 opções de compra)
–, e o EMB-145, bi-reator de 50 passageiros. Na área militar, produz o
AMX, caça subsônico de ataque ao solo, que pode ser visto como um
projeto de capacitação de alta tecnologia. Dados de 2004, mostram que as
exportações das empresas de defesa somaram R$ 300 milhões, dos quais
metade deve-se à Embraer (Silveira, 2005).
O sucesso dessas empresas foi alcançado por meio de uma relação de
simbiose na qual o governo fornecia recursos materiais e humanos para
os setores privados que os transformavam em produtos, em especial para
a exportação. Foi assim que o Brasil conquistou, já nos anos 1970-80, posi-
ção entre os dez maiores exportadores de armas do mundo (Bastos, 2006),
cujos melhores clientes estavam no Oriente Médio, particularmente em
razão da guerra Irã-Iraque (1980-88). Nota-se, assim, que no curto período
de 20 anos (1964-1985), o esforço nacional redundou em avanços notáveis,
conforme salientou o general José Carlos Albano do Amarante (2004):

O Brasil se desdobrou para desenvolver tecnologia militar nas décadas


de 60, 70 e 80. A década de 80 marcou o apogeu da base industrial de de-
fesa brasileira. Naquele período, o País atingiu a condição de 5o expor-
tador mundial como conseqüência de políticas de P&D e crescimento in-
dustrial muito bem planejadas e executadas nas décadas de 70 e 80. Na-
quela ocasião, mais de 90% dos meios que mobiliavam o Exército eram
fabricados em território nacional.

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Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 273
Com a saída das Forças Armadas do governo em 1985, e a conse-
qüente perda da centralidade da DSN nas ações governamentais, era de
se esperar que a indústria bélica deixasse de ser prioritária e reduzisse sua
participação nas exportações, em especial pela sua exigência de vultosos
recursos em função da alta tecnologia envolvida. No entanto, não foi o
que se verificou; pelo contrário, em 1987 as exportações de material bélico
alcançaram seu pico máximo, US$ 1,5 bilhão, com destacado volume de
negócios com o Oriente Médio, em especial com o Iraque, então no final
da guera mantida contra o Irã (Silveira, 2005).
A partir do final do mencionado conflito, em 1988, somado a fatores
como a decisão de transformar o Atlântico Sul em Zona de Paz e Coope-
ração (1986), com o país em plena crise econômica em função de desastro-
sas políticas cambiais, a até então promissora indústria bélica pesada en-
trou em forte declínio, adentrando os anos 1990 com o fechamento de
empresas de porte, como a ENGESA. Desde esse período, com o desenho
de um novo cenário pós-Guerra Fria, com novas ameaças ainda não to-
talmente assimiladas ou definidas e conceitos como o de segurança
humana em transformação, o Brasil perde mercado, pois nem mesmo ar-
mas ligeiras, como o fuzil de uso militar FAL MD97L, encontra compra-
dores, porque é obsoleto frente aos seus semelhantes produzidos em paí-
ses como os EUA (Mei & Saint-Pierre, 2007: 263).
Em contrapartida, desde meados dos anos 1990, ganha destaque a in-
dústria de armas de pequeno porte, apontando que já não é mais em
função da projeção internacional que se desenha a estratégia brasileira,
mas muito mais na garantia da segurança pública. Hoje, o Brasil é o único
pais da América Latina considerado importante na produção de armas
para uso policial e civil (Dreifuss et.al., 2005). Porém, com isso, se desenha
o paradoxo: ao investir em armas de uso civil, sejam elas exportadas ou
não, sua comercialização funciona como retro-alimentadora da violência
na sociedade que a produziu, pois gera maior insegurança no interior das
sociedades, muitas vezes alimentando ainda atividades criminosas, como
o contrabando de armas.5

5 O caso do Paraguai é significativo. Embora país pequeno (7 milhões de habitan-

tes), não conhecendo guerras recentes, e nem apresentando índices significativos


de mortes por armas de fogo, sempre esteve entre os 10 maiores importadores de
armas leves do Brasil. Analisando a apreensão de armas no território brasileiro,
notou-se que boa parte delas eram as mesmas antes vendidas ao vizinho, o que
significava contrabando e isto constituiu, provavelmente, o motivo pelo qual se

StrategicEvaluation (2007) 1
274 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

ARMAS DE PEQUENO PORTE:


ÚNICA SAIDA PARA A INDÚSTRIA NACIONAL

A produção e uso de armamentos foi marcada pela informatização da


guerra e pela transformação da utilização de armas, que se tornaram sis-
temas de alta precisação. Este fenômeno traduziu-se, no âmbito dos con-
flitos inter-estatais, em menor duração da atividade guerreira e, portanto,
em menor tempo para a tomada de decisões, seja em termos táticos, es-
tratégicos ou políticos. Por outro lado, o conflito ganhou novas dimen-
sões, já não mais se reduzindo às dimensões terrestre, naval e aérea, mas
contando com a dimensão espacial, que é composta pelas arenas eletrônica
e cibernética (Cruz, 2006). Porém, no que se refere à produção de armas,
definição das ameaças, dimensionamento e treinamento das Forças Ar-
madas, nada indica que o Brasil esteja preparado para o necessário salto
tecnológico para fazer frente aos novos conflitos.
Conhecido paralelamente às mudanças no cenário internacional que
estabelecou novas formas da guerra, bem como internalizou conflitos que
antes tinham como palco o meio internacional, pode-se dizer que o des-
monte da indústria bélica, se não representou um plano consciente do
governo e dos militares brasileiros do pós-governo autoritário, mostrou
que o real interesse deste país, ao investir no mercado de armas, tinha
como objetivo as exportações e o crescimento econômico, não tendo como
finalidade, nem mesmo pouco prioritária, erigir novas Forças Armadas.
Corrobora esta hipótese a Constituição de 1988, que já nos seu preâmbulo
informa que a instituição do Estado Democrático baseia-se “(...) na har-
monia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica dos conflitos (...)” (grifos nossos). Assim, se os conflitos en-
frentados pelo Brasil não podem ser resolvidos pela utilização de arma-
mentos pesados, para que investir em tal indústria? Uma terceira justifi-
cativa para a hipótese sugerida está no crescimento da produção e ex-
portação de armas pequenas, que são específicas para uso policial e civil,
instrumentos para a solução de conflitos internos, justamente os que hoje
apresentam maior crescimento.
Relativamente aos seus vizinhos latino-americanos, o Brasil respon-
deu por 84% das exportações de armas de pequeno porte, segundo dados
de 2002. Tomando como base 1998, isso significou um crescimento de
quase 60% no montante financeiro (Dreifuss et.al., 2005: 28) desta indús-

cancelou as exportações de armas para o Paraguai em 2000. Cf. Dreifuss et.al., 2005:
40-1.

StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 275
tria. Todavia, quando comparada a outros setores industriais, a produção
de armamentos não é significativa: dos 5% da indústria de máquinas e
equipamentos, a produção de armas e equipamentos militares representa
1,23%. Ainda assim, tais dados representam fator importante para as ex-
portações brasileiras. Talvez o quesito de maior peso na explicação para
isso seja que “a compra e venda de armas nunca é transação comercial
pura e simples. É ato político por excelência e como tal reflete decisões de
mais alto nível, tanto do país que vende, como do país que compra” (Pe-
reira, 1996). Deve-se considerar também que os EUA, diferentemente de
sua postura frente à exportação de armas de uso exclusivamente militar, é
um dos principais clientes da produção nacional de armas leves, receben-
do perto de 90% da produção de armas de calibre até .45. Pode-se, por-
tanto, inferir que, se existe confiança na produção desse tipo de arma-
mento, é provável que isso se traduza, em termos de confiança mútua entre
EUA-Brasil, em estreitamento das relações bilaterais e, possivelmente, no
apoio (ainda que velado) ao fornecimento de armas do Brasil para os países
considerados “amigos” pelo Departamento de Estado norte-americano.
Parece que o caminho adotado, de aproximação por meio da exporta-
ção de armas para o mercado civil, tem como objetivo mostrar um grau
de preparo bélico que possa garantir melhores posições relativas do Brasil
frente a outros países no cenário internacional, pois a exaustão da produ-
ção de armas e a redução dos investimentos em C&T militar, colocaram o
país em posição de extrema vulnerabilidade, ao gerar um quadro de de-
pendência externa quanto ao fornecimento de equipamento bélico, com-
prometendo sua autonomia logística e capacidade de mobilização. Esse
constrangimento foi agravado pelo aumento do hiato tecnológico enseja-
do pela indústria nacional e pela diversificação dos problemas de segu-
rança da Nação, mormente na região amazônica (Cruz, 2006).
Para atender as necessidades de desenvolvimento em C&T e de racio-
nalidade econômica, o desafio é compatibilizar situações de mobilização
para a defesa com outras de paz. O que parece melhor para tal relação, é o
desenvolvimento da dualidade produtiva, isto é, privilegiar a conversibili-
dade de produtos, de tal forma a atender, em um só tempo, as necessida-
des militares e policiais. Em outras palavras, o melhor caminho consiste na
fabricação paralela de produtos civis, de modo a viabilizar as plantas
industriais eventualmente super-dimensionadas para as necessidades do
momento, com produtos militares. Dessa maneira, a dualidade produtiva
constitui importante ferramenta de redução da ociosidade da capacidade
instalada, bem como da lucratividade por ventura gerada por esses produtos.

StrategicEvaluation (2007) 1
276 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

No tocante ao desenvolvimento de tecnologias duais, as Forças Ar-


madas contam com ampla experiência e contribuíram, simultaneamente,
para o incremento da competitividade do parque produtivo nacional e
para o aporte de recursos adicionais, oriundos tanto da iniciativa privada
como de instituições civis de C&T com as quais se trabalhou em parceria.
Assinale-se que o decreto que institui a Política de Defesa Nacional esta-
beleceu ser “essencial o fortalecimento equilibrado da capacitação nacio-
nal no campo da defesa, com a participação decisiva dos setores indus-
trial, universitário e técnico-científico”, e ainda “o desenvolvimento cien-
tífico e tecnológico é fundamental para a obtenção de maior autonomia
estratégica e de melhor capacitação operacional das Forças Armadas” (Brasil,
2005). Entretanto, as parcerias vigentes estão longe de apresentar o grau de
simbiose que existia entre centros civis e militares nos anos 1960-70.
Até o momento, as empresas de armas pequenas tem respondido po-
sitivamente às necessidades de defesa da nação, elas mesmas, na ausência
do poder político, formulando hipóteses de conflito que possam servir de
parâmetro para o desenvolvimento de novos modelos de armas. Essa
postura, entretanto, vai de encontro ao desenho de um plano estratégico
para o país, coisa que não parece preocupar os governantes civis, no
máximo buscando assegurar que as definições de defesa e segurança
permaneçam nas mãos das Forças Armadas, o que implica em transgredir
a máxima clausewitziana segundo a qual “a guerra é muito importante
para ser deixada nas mãos dos generais” (Mathias, 2003).
Não se pode olvidar que essa nova era impõe ameaças e descortina
vulnerabilidades para as quais as Forças Armadas devem estar prepara-
das. Neste aspecto, a questão crucial é identificar e avaliar as ameaças
presumíveis e as vulnerabilidades do País, com coragem responsável e
competência para priorizar, pois é impossível fazer frente a tudo, os seto-
res entendidos como de maior vulnerabilidade. No entanto, o que se nota
é a pouca importância dirigida aos problemas estratégicos nacionais, na
maioria das vezes confundidos com o necessário, mas nunca realizado,
acerto de contas com o recente passado autoritário, atrasando ainda mais
a imprescindível discussão em torno da definição das ameaças e, por con-
seguinte, das forças necessárias para a elas fazerem frente. Parece que a
defesa e segurança nacionais estão numa nau sem rumo, na qual se põe em
risco não apenas uma indústria, mas compromete a própria capacidade dos
cidadãos de julgarem o que se deseja de suas Forças Armadas (Villa, 2004).
Do ponto de vista econômico, a produção de armas leves é quase ex-
clusivamente para exportação, tendo mercado cativo consolidado, sem
deixar de suprir o mercado interno, cujas necessidades representam um

StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 277
pequeno percentual da produção. Neste aspecto, deve-se avaliar a relação
custo-benefício dos investimentos na área. Como especialistas informam,
a produção e venda de armas leves, diferente das de uso exclusivamente
bélico, impulsionam a violência social,6 o que representa significativos
gastos em serviços médicos e assistenciais, desconsiderando o montante
exigido pela segurança pública. Segundo Phebo (2005), “o Brasil é o país
onde se tem o maior número de mortes por arma de fogo no mundo (...)
O risco de morrer por PAF [projétil de arma de fogo] no Brasil é 2,6 vezes
mais alto do que no restante do mundo e essas mortes são, em sua grande
maioria, homicídios.” (p. 16-7). Informa ainda “(...) a arma de fogo mata
mais homens adolescentes que qualquer doença, acidente de trânsito ou
qualquer outra causa externa.” (p. 20).
Os custos dos tratamentos por ferimento à bala também são significa-
tivos. Phobe estima que no município do Rio de Janeiro, em 2002, foram
gastos entre US$ 36 milhões e US$ 39 milhões apenas para cobrir as inter-
nações causadas por arma de fogo (2005: 27). Não se pode generalizar os
valores citados nem mesmo para a região sudeste, na qual se localiza a
citada cidade, que é considerada uma das mais violentas do país. Entre-
tanto, considerando que os ganhos da indústria de máquinas e equipa-
mentos foi, no mesmo período, de aproximadamente US$ 37 milhões, vê-
se que não se cobre sequer os custos dos ferimentos causados por armas
leves, desconsiderando destes valores os relativos à morte e assistência.
Lembrando que artigos militares, armas e munições representam pouco
mais de 1% da produção classificada na indústria de máquinas e equipa-
mentos, a lucratividade relativa da produção de armas e afins não com-
pensa sequer os gastos internos que sua posse e uso geram. Portanto, não
parece ser a indústria de armas leves a saída para a indústria bélica no
Brasil (Dreifuss et.al., 2005: 31).

ARMAS, DEFESA E INTEGRAÇÃO REGIONAL

Se a viabilidade econômica da produção bélica é quase nula, talvez


outro caminho deva ser considerado para que o Brasil continue a investir
na indústria de defesa, em especial na produção de armas leves e muni-
ção. A questão aqui a responder seria: como esta indústria interfere nas
relações entre o Brasil e seus vizinhos?
Viu-se que, relativamente ao Paraguai, que foi um importante impor-

6Segundo informa Dreifuss et.al., em 2002, do total das armas apreendidas no Esta-
do de São Paulo, 70% eram de produção nacional (2005: 01)

StrategicEvaluation (2007) 1
278 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

tador de armas brasileiras, que sua indústria contribuiu negativamente


para as relações entre este país e o Brasil nos anos mais recentes, pois o
primeiro funcionava como intermediário para a aquisição de armas ile-
gais deste. Como informado, constatar este fato levou a que se suspen-
desse as exportações de armas brasileiras para o país guarani.
Em contrapartida, sabe-se que o mercado de armas funciona basicamente
por meio da formação de cartéis, o que dificulta, senão impede, que países
como o Brasil possam ir além de nichos de mercado, como aconteceu nos
anos 80: a dependência das exportações de equipamentos militares para o
Oriente Médio foi fundamental para a derrocada da indústria bélica nacional
terminada a guerra Irã-Iraque. Para fugir deste obstáculo, o país deve
concentrar seus esforços em regiões em que possa garantir maior fidelidade,
mas sem que isto represente mercado exclusivo ou predominante.
Diversos estudos relativos à expansão das exportações de material de
defesa apontam os países do Atlântico Sul e da América do Sul como
mercados prioritários, justificando esta escolha em basicamente três fato-
res: (1) são países em estágio de desenvolvimento semelhante ou inferior
ao do Brasil, (2) situam-se em sua área de interesse geopolítico imediato e
(3) mantém relações comerciais e militares intensas como país, conforme
afirma o almirante Montalvão (2002):

A indústria de material de defesa de países periféricos é mais obstaculizada,


pois além da necessidade de não se afastar muito das tecnologias de ponta li-
mitadas e censuradas pelas grandes potências, tem um mercado pequeno e
fragmentado. Não existe abaixo do equador nenhuma tentativa de fusão. As
indústrias desse lado do Hemisfério continuam atuando como habitantes de
uma Torre de Babel, apesar de possuírem necessidades comuns e níveis tec-
nológicos semelhantes (...). Considerando a tendência de formação de merca-
dos comuns, que a princípio se restringiram às fronteiras limítrofes, é válido
perseverar no ideal de formar um bloco, que poderá ser tão amplo que ultra-
passe o obstáculo oceânico do Atlântico e o físico da Cordilheira dos Andes,
englobando a América do Sul e a África ocidental. Como fatores de união
pode-se mencionar a pequena diferença no estágio intelectual e a eqüidade de
necessidades, bastante similares. A aproximação recomendada viabilizaria a
indústria de material de defesa regional, pois haveria um mercado mais forte e
amplo a ser atendido, a possibilidade de manutenção da capacidade apreen-
dida e a absorção de mão-de-obra ociosa e dispersa em atividade pouco afim.

Essa visão é compartilhada pelo seu colega de Força, almirante Vidigal


(2002), que, tendo por objetivo precisamente a integração regional, afirma:

StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 279
A cooperação com os demais países da América do Sul, talvez com a
distribuição de tarefas, formaria um mercado de dimensões possivel-
mente adequadas para criar a economia de escala capaz de manter o sis-
tema [de produção para a defesa]. A eliminação das possibilidades de
conflito entre os países do nosso sub-continente abre essa perspectiva. A
P&D militar conjunta poderá criar a massa crítica de recursos, humanos
e financeiros, para diminuir o fosso tecnológico com os países mais
avançados, permitindo formulações que nos levem a participar efetiva-
mente do processo de uso da tecnologia de ponta para o desenvolvi-
mento do poder militar.

Tal como informa o documento “Política de Defesa Nacional”, a prio-


ridade ao estabelecer parcerias se fundamenta mais em fatores geopolíti-
cos do que econômicos, pois o Brasil objetiva afirmar-se como liderança
regional e, ao mesmo tempo, consolidar a integração regional como parte
da estratégia para alcançar um patamar de Defesa e Segurança extensivo
a todos os países do Atlântico Sul.7
Para a sua inserção soberana no cenário internacional, o Brasil precisa
de autonomia para ter alguma margem de manobra, que pode ser facilitada
pela defesa do multilateralismo e pela busca da integração regional, o que
permitirá que a região tome decisões consensuais que determinarão ações
uníssonas nos fora internacionais. A cooperação para a construção de uma
visão sul-americana de defesa elevaria a capacidade dissuasória da região
ante outros países ou blocos. Assim, deve ser considerada a criação de
mecanismos bilaterais e multilaterais de cooperação militar com os países
da América do Sul, bem como com alguns parceiros prioritários da África
Ocidental, com o propósito de intensificar as medidas de confiança mútua e
adensar a interação político-estratégica (Cruz, 2006).
No Cone Sul, o diálogo sobre segurança e defesa tem evoluído em
ritmo satisfatório, utilizando a estrutura do Mercosul como trampolim

7 Como afirma o documento: “O subcontinente da América do Sul é o ambiente re-

gional no qual o Brasil se insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o


País visualiza um entorno estratégico que extrapola a massa do subcontinente e in-
cluiu a projeção pela fronteira do Atlântico Sul e os países lindeiros da África (...).
Como conseqüência de sua situação geopolítica, é importante para o Brasil que se
aprofunde o processo de desenvolvimento integrado e harmônico da América do
Sul, o que se estende, naturalmente, à área de defesa e segurança regionais (...). A
integração regional da indústria de defesa, a exemplo do Mercosul, deve ser objeto
de medidas que propiciem o desenvolvimento mútuo, a ampliação dos mercados e
a obtenção de autonomia estratégica”. BRASIL (2005). Decreto no 5.484, de 30 de
junho de 2005. Institui a Política de Defesa Nacional. Brasília: Presidência.

StrategicEvaluation (2007) 1
280 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

para a integração militar mediante simpósios de estudos estratégicos


conjuntos, acordos e memorandos de entendimento relativos à defesa re-
gional8 e operações militares conjuntas,9 cabendo destacar a realização
anual, desde 2001, da Reunião dos Comandantes dos Exércitos do Cone
Sul. Nas mais recentes reuniões entre os exércitos da Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, concordaram que o aprofundamento da
integração militar entre eles requeria uma série de medidas, entre elas a
produção compartilhada de material bélico para uso de suas forças arma-
das, bem como avaliar as possibilidade de compartilhar projetos de de-
senvolvimento nesta matéria.10
Com os países andinos/amazônicos, a cooperação ainda é incipiente,
mas deve ser acelerada pela criação – por meio da Declaração de Cuzco,
assinada por 12 países em 08 dezembro 2004 – da União das Nações Sul-
Americanas (UNASUL), que reunião, em uma só comunidade, Mercosul e
Pacto Andino no intuito de reduzir as barreiras comerciais e aumentar a
inserção regional no cenário global. Especificamente na área da Defesa, os

8 Em 1997, foi assinado o Memorando de Entendimento entre os governos da Argen-

tina e Brasil, mediante o qual se estabelece a criação de um “mecanismo permanente


de consulta e coordenação”, cujo objetivo é o acompanhamento das questões de
defesa e de segurança internacional de mútuo interesse. Em 1998, os dois países
assinaram a Ata para a Constituição de um Sistema de Segurança Comum, visando
promover, entre outros aspectos, o incremento da cooperação militar. No mesmo ano,
determinou-se o estabelecimento de um mecanismo permanente de planejamento e
acompanhamento de assuntos de segurança e defesa de interesse comum dos países
do Mercosul (incluindo Chile e Bolívia). Em novembro de 2004, os Ministros da
Defesa do Mercosul ampliado (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia e
Peru) assinaram o primeiro acordo para “a construção de uma inteligência comum e
a realização de operações conjuntas” de combate ao terrorismo e ao narcotráfico.
(Dados retirados do trabalho “Mercosul: reflexos para o poder militar”, disponível
em [acesso em 12/01/2005): <http://www.ensino.eb.br/cee/publicacoes.htm>.
9 Dentre as quais pode-se mencionar a Operação Cruzeiro do Sul (realizada anual-

mente pelos Exércitos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), a Operação Laço


Forte (realizada anualmente pelos Exércitos brasileiro e argentino), a Operação
Prata II (realizada em 2004 pelas Forças Aéreas do Brasil e da Argentina) e a Ope-
ração Bogatun (realizada pelas Marinhas do Brasil e do Chile). Também é digna de
menção a assistência técnica prestada pela FAB à Força Aérea do Paraguai (Dados
disponíveis nos sites oficiais do Exército, da Força Aérea e da Marinha do Brasil,
respectivamente <http://www.exercito.gov.br>; <http://www.fab.mil.br> e
<http://www.mar.mil.br>. Acesso em: 16/01/2005).
10 Dados retirados do trabalho “Segurança Cooperativa na América do Sul”,

elaborado pelo GT-11 do 5º Seminário de Defesa Nacional, disponível em


www.ensino.eb.br/cee/5_seminario.htm. Acesso em: 14/12/2004.

StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 281
países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica aprovaram,
em setembro de 2004, o Plano Estratégico 2004-2012, que estabeleceu uma
série de ações militares conjuntas com a finalidade de, senão superar, ao
menos minimizar as ameaças que pairam sobre aquela região.11 No
contexto deste Plano, diversas operações já se realizaram, destacando-se o
compartilhamento (venda) dos dados produzidos pelo Sivam – Sistema
de Vigilância da Amazônia –, projeto brasileiro de monitoramento por
meio de radares interligados por satélites, que permite o controle do es-
paço aéreo de toda a região amazônica.
Em resumo, na perspectiva da integração regional, abrem-se cada vez
maiores perspectivas para a indústria bélica, quiçá permitindo, em futuro
próximo, a reorganização de empresas de armas pesadas e maior tecnolo-
gia. Assim, as recentes medidas de constituição de uma comunidade sul-
americana potencializam as possibilidades de formação de uma força
multilateral de defesa do sub-continente, o que levaria os EUA a reavaliar
suas relações com a região, em particular com o Brasil, o que representa-
ria, repetindo Oliveiros Ferreira pré-condição para “impedir que a idéia
de suserania, que é como se deve definir a relação dos EUA com os países
do Hemisfério Ocidental, ganhe corpo” (2001: 42).
A promoção da integração, entretanto, da mesma forma que se defen-
deu relativamente à implantação de centros de estudo e pesquisa em tec-
nologia e armamentos, tem sido construída com base no voluntarismo de
governantes e administradores, basta comparar o quanto se caminhou
relativamente às políticas de integração militar com a Argentina, princi-
pal parceiro do Brasil nesta matéria, nos governos de Fernando Henrique
Cardoso-Carlos Menem e Luis Ignácio Lula da Silva-Néstor Kirchner,
para visualizar o peso da vontade política sobre projetos de integração
regionais (Mathias et. al., 2006).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliando as duas hipóteses colocadas no início deste texto, verifica-


se que a primeira, que afirmava que a indústria bélica brasileira foi fruto
do desenvolvimento em C&T, confirmou-se plenamente. De fato, foi por
meio do estabelecimento de centros de pesquisa, em especial do ITA, que
o desenvolvimento na área de defesa e segurança foi atingido. No entan-

11 Antes da criação da Unasul, ao Brasil cabia fazer a ligação entre Mercosul e Pacto

Andino, pois era o único país a fazer parte dos dois tratados. Gazeta Mercantil, 15
de setembro de 2004: “Países discutem segurança amazônica”.

StrategicEvaluation (2007) 1
282 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento

to, o mesmo não se pode dizer da segunda hipótese, isto é, se existem fortes
fatores a indicar a pequena participação institucional das Forças Armadas no
processo de desenvolvimento bélico no Brasil, não é menos verdade que
também no meio civil é o voluntarismo que determina o ritmo da
implementação das decisões, como exemplificam as atitudes dos presidentes
argentinos e brasileiros desde o Tratado de Buenos Aires, de 1990.
Buscou-se mostrar também que no Brasil, jamais existiu uma política
pública conscientemente formulada para atender as questões de desen-
volvimento para a defesa. Mesmo no pós-1964, quando há grande impul-
so da indústria de armamentos e a fundação de novas empresas, a maio-
ria sob controle estatal, se elaboram planos de desenvolvimento nacional
e, seguindo os ditames da Doutrina de Segurança Nacional, se objetivam
prioritariamente o desenvolvimento para a segurança, não é menos signi-
ficativo que as rotas mudam de acordo com o Presidente em exercício, o
que aponta, uma vez mais, para o voluntarismo que acompanha as ini-
ciativas de implantação de uma indústria bélica no Brasil.
Avaliando-se a presença deste voluntarismo na questão do desenvol-
vimento para a Defesa no Brasil, parece que se esqueceu a seguinte lição:
existe relação direta entre desenvolvimento de novas tecnologias e mu-
danças nos equipamentos militares e no seu emprego. Das primitivas ar-
mas de pedra lascada aos modernos e sofisticados sistemas de armas, a
interação entre a inovação tecnológica e a arte da guerra tem sido
simbiótica, ora as necessidades da guerra estimulando o desenvolvimento
tecnológico, ora a pesquisa civil levando à aplicação militar. É
incontestável que a Revolução Industrial representou um marco nesse
processo, pois a partir dela as mudanças se aprofundaram e, o que é
ainda mais significativo, como salienta Alvin Toffler (1972), é a cada vez
maior a rapidez com que essas transformações ocorrem.
Por último, mas não menos importante, é bom lembrar que não é por
concentração de poder ou necessidade de autonomia que as Forças Ar-
madas extrapolam suas funções profissionais e assumem o controle de
outras tarefas, muitas das quais de responsabilidade exclusivamente civil.
Ao contrário, se assim o fazem é por falta de comando civil (Janowitz,
1967).12 Neste sentido, quando tomam para si o controle dos projetos de

12 A relação entre autonomia e controle ou subordinação e comando é uma das

mais trabalhadas pela literatura especializada, tendo constituído um modelo deri-


vado das tríades weberianas. Não ficamos imunes a este tipo de análise, conforme
pode-se observar em MATHIAS, S.K. A militarização da burocracia no Brasil. S.P.,
UNESP/FAPESP, 2004.

StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 283
desenvolvimento nacional, estão ocupando um espaço deixado pelos ci-
vis, sempre mais ocupados com seus ganhos individuais imediatos que
com a constituição de um parque nacional que garanta lucros, ainda que
menores, porém promissores.

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*
Suzeley Kalil Mathias é Livre-docente em Ciência Política, professora no
Programa Inter-institucional (PUCSP/UNESP/UNICAMP) de Pós-
Graduação em Relações Internacionais (Projeto Pró-Defesa de Paz,
Defesa e Segurança Internacional), pesquisadora do Grupo de Estudos
de Defesa e Segurança Internacional (GEDES-UNESP, Campus de
Franca) e membro do Conselho Científico de Strategic Evaluation.

Eduardo Lucas de Vasconcelos Cruz é Graduado em Relações Internacionais,


mestrando em História Militar, da Guerra e das Forças Armadas
(UNESP, Campus de Franca), pesquisador do GEDES-UNESP e
editor-assistente do jornal Comércio da Franca.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

SAMUEL ALVES SOARES; LEONARDO SOARES DE OLIVEIRA

Meios nucleares para a defesa


Vetor de dissuasão ou de cooperação no Cone Sul?

Nuclear defence means


Deterrence or cooperation vector in the Southern Cone

Resumo: A partir da análise das Políticas de Defesa de Argentina, Brasil e Chile,


apresentam-se as referências sobre a busca de estabelecimento de dispositivos de
dissuasão por parte destes países, lado a lado com as orientações para a cooperação
no campo da segurança. A falta de clareza em relação a estes dois aspectos acarreta
dificuldades tanto para a justeza das condições de defesa de cada país, como tam-
bém adia as possibilidades de aprofundamento de mecanismos regionais de coo-
peração em defesa. Neste contexto, a questão nuclear adquire proeminência por
estar relacionada tanto à assinatura, pelo Brasil, do Tratado de Não-Proliferação
Nuclear, como aos impasses para a continuidade do desenvolvimento do seu sub-
marino de propulsão nuclear, os quais afetam diretamente a concretização de am-
bos enquanto dispositivo dissuasório.
Palavras-chave: Mercosul; Políticas de Defesa; tecnologia de defesa; dissuasão;
cooperação em segurança, Tratado de Não-Proliferação, Submarino nuclear.

Abstract: From the analysis of the Politics of Defense of Argentina, Brazil and Chile, this
article present the references on the search of establishment of deterrence framework, and
the orientations for the cooperation in the field of the security. The absence of clarity in rela-
tion to these two aspects in such a way causes difficulties for the definement of the condi-
tions of defense of each country, as well as postpones the possibilities of deepening of re-
gional mechanisms of cooperation in defense. In this context is inserted the signature, for
Brazil, of the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, and the impasses for the
continuity of the development of the submarine with nuclear propulsion.
Keywords: Mercosul; Politics of Defense; defense technology; deterrence; security coopera-
tion; Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, nuclear submarine.

INTRODUÇÃO
Embora o predomínio, inicial, de questões de cunho comercial pre-
sentes no processo de integração regional do Mercosul, a dimensão políti-
ca vem ganhando projeção. Todavia, no campo duro das relações interna-
cionais, aquele que contempla a soberania, a defesa territorial e a aplica-
ção da força para sua salvaguarda, não são estabelecidas metas explícitas
286 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

entre os países membros. Desde os primeiros procedimentos e entendi-


mentos para a criação do mercado comum (Programa de Integração e
Cooperação Econômica, em 1986), com a assinatura de 24 protocolos entre
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, nenhum deles tratava diretamente
da questão da defesa nacional ou da segurança regional.
Ao longo do processo de integração, entretanto, as questões de segurança
e aquelas relativas à defesa nacional vão se inserindo como temáticas novas e
que exigem até mesmo reformulações conceituais e normativas. Ainda que
não constitua uma dimensão prioritária, a esfera da Defesa e da Segurança
vem ocupando espaço nas relações entre os países membros. Entre Argentina
e Brasil, anteriormente competidores e até mesmo oponentes, surgem sinali-
zações para a construção de mecanismos de cooperação como forma de en-
frentar, mediante a transparência e confiança mútua, as ameaças que os atin-
gem e debilitam. Este processo, no entanto, não vem ocorrendo de forma con-
sistente, e sofre as penalidades da má condução, da ausência de uma estraté-
gia claramente delineada, para a qual contribui a reduzida participação do
poder político, embora com distinções entre os países membros.
Conquanto no campo comercial o processo de aproximação venha so-
frendo vicissitudes, a aproximação no campo da Defesa e Segurança pode
conduzir à percepção de interesses comuns entre os integrantes e seus as-
sociados, ainda que “a sombra do passado” remeta a situações de tensões
e desconfianças entre membros do bloco, principalmente no campo da se-
gurança. Um processo de construção de novas identidades vai se reve-
lando, por vezes a passos trôpegos, com base em estruturas institucionais,
novas ou reinventadas, exigindo aprendizado e inéditas perspectivas en-
tre os agentes estatais e mesmo não-estatais. São forças ideacionais amplia-
das e renovadoras que impelem a novos patamares de entendimento. Sob
a perspectiva do construtivismo, podem estar sendo lançadas as bases
para a consolidação de uma comunidade de segurança, cuja existência deco-
rre da percepção mútua de que conflitos de interesses podem ser solucio-
nados por outras vias que não por meios bélicos (Hurrell, 1998).
As mudanças mais recentes no bloco, com a inclusão da Venezuela, e mais
os membros associados, conferem novos desafios para as políticas de defesa de
cada país e do bloco como um todo. No caso de Argentina, Brasil e Chile, as
suas políticas de defesa orientam-se para a dissuasão e para a cooperação, in-
dicando, no último caso, a disposição para um esforço cooperativo regional.
Compõe também este quadro a particular situação hemisférica, em
que os países encontram-se diretamente vinculados à órbita imediata dos
Estados Unidos da América, potência econômica e militar mundial. O

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 287
tratamento e as possibilidades efetivas de segurança estão, com maior ou
menor grau, subordinados aos interesses norte-americanos. Por pertence-
rem a um “anel” em torno do território estadunidense, os países latino-
americanos possuem uma capacidade mais restrita de conduzir suas po-
líticas de defesa, tal é o grau de assimetria com a potência hegemônica.
Outros fatores conformam este processo, e dizem respeito a distintos fei-
tios nacionais, com destaque para certos aspectos das relações civis-militares,
entre eles as características da transição do regime autoritário. As transições
para a democracia revestem-se de características bastante peculiares e dis-
tinguem o controle civil sobre as forças armadas nos países da região. Com
os avanços dos processos de construção e consolidação da democracia, os
papéis e a função das forças armadas modificaram-se – com redução de seu
peso político – mas ainda mantendo certas áreas sob sua influência ou
mesmo sob seu predomínio, embora as singularidades de cada país.
Outra dimensão, cara às políticas de defesa, refere-se ao eixo principal de
definição estratégica de suas configurações. Países estabelecem, com base em
diagnósticos mais ou menos aprofundados, as diretrizes centrais de sua
orientação de defesa frente ao sistema internacional ou regional, a natureza
de suas concepções de segurança. No caso dos países do Cone Sul, estas
orientações refletem, basicamente, duas posições. As políticas de defesa
apontam para o fortalecimento de mecanismos dissuasórios, ou visam à
cooperação. No caso brasileiro o emprego de meios nucleares está compre-
endido entre as possibilidades de ampliação de seus atributos dissuasórios.
Esta questão está compreendida nos marcos da assinatura do Tratado
de Não-Proliferação (TNP), quando o Brasil renunciou à possibilidade de
atingir uma plataforma tecnológica que tornaria possível a construção de
artefatos físseis. Por outro lado, permanece o programa do submarino nu-
clear, sem que se tenham, até o presente momento, atingidos os objetivos
estabelecidos. A proposta do submarino com propulsão nuclear é enten-
dida, mormente pela Marinha, como um dispositivo de dissuasão com
significativa magnitude. Assim posto, dois pontos orientam este artigo. O
primeiro refere-se à tensão entre dissuasão e cooperação, inserindo-se
duas questões essenciais: a dissuasão voltada para quais ameaças ou
inimigos? E a cooperação é buscada com quem? É possível cooperar com
quem é antevisto como objeto da dissuasão?
O segundo aspecto a ser evidenciado refere-se ao programa de cons-
trução de um submarino nuclear brasileiro, e como o seu andamento e
iniciativa adequam-se à sua Política de Defesa e como afetam os meca-
nismos de cooperação e dissuasão no âmbito regional.

StrategicEvaluation (2007) 1
288 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

DA COOPERAÇÃO ECONÔMICA À COOPERAÇÃO EM SEGURANÇA


A emersão de novos atores, e a contrapartida do emprego da força, in-
sere-se no campo das novas ameaças, representadas pelo terrorismo, trá-
fico de seres humanos e de drogas, conflitos sociais, choques político-ins-
titucionais, entre outros. Este novo contexto da segurança articula-se aos
preparativos modelares para a defesa, centrados em garantir aos Estados
a sua sobrevivência no que é considerado como um sistema internacional
anárquico. É neste contexto mais amplo que as questões de segurança e
defesa ganham relevo com o processo de integração do Mercosul, que
fornece elementos adicionais para a cooperação também em outras esfe-
ras de atuação estatal, como as de defesa e segurança internacional.
Neste contexto, a formação do Mercosul refletia este cenário de reconfi-
guração da ordem mundial, e ao mesmo tempo orientava-se pela admissão
de que o Cone Sul não se apresentava como região de marcado interesse in-
ternacional. Ao contrário, adotando-se uma perspectiva geopolítica, há um
desinteresse estratégico pela região. Já em 1952, Golbery do Couto e Silva
indicava o deslocamento da América do Sul, quer pelo afastamento dos prin-
cipais eixos de circulação de riquezas, quer por distanciar-se das principais
linhas de tensão dos antagonismos internacionais. Trata-se de uma geopolí-
tica ao revés, concebida não como projeção de poder, mas como “vazio que
se busca preservar da ameaça de poder” (Lamazière, 2001).
A Defesa, por seu caráter intrínseco de postura de contra-reação ao em-
prego da força e a Segurança, que denota uma atitude de preparação para a
tomada da iniciativa, começara a fazer parte do rol de questões a serem deba-
tidas para o esforço da cooperação. A cooperação para a defesa corresponde a
duas ordens de questões. A primeira voltada para um campo de vigilância e
controle de fronteiras, fortalecida pelo impacto das novas ameaças, somadas à
ações de intercâmbio na área de inteligência como monitoramento de possí-
veis atos ou movimentos terroristas. A segunda, como estratégia de ocupação
de espaços no cenário internacional, enquanto ator integrado em bloco.
A aproximação no campo da segurança, principalmente entre Brasil e
Argentina, foi fruto de uma iniciativa fundamentalmente política, nascida
antes da ultrapassagem definitiva da era bipolar. Foi essa aproximação
que permitiu, na questão da defesa e segurança, que esses países não
apenas reduzissem antigas desconfianças e contenciosos, mas também
que adotassem posições compatíveis quanto ao futuro de projetos milita-
res – como na questão de armamento nuclear – e à ampliação do enten-
dimento entre seus corpos militares, exemplificada pela realização con-
junta ou combinada de exercícios e manobras castrenses.

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 289
O caminho da desconfiança mútua até a paulatina construção da con-
fiança foi lento, porém seguro. Ele pode ser percorrido pela sua manifes-
tação formal e institucional, plasmada por inúmeros pactos e acordos, es-
pecialmente referido a temas de defesa e segurança, como a declaração do
Mercosul como Zona de Paz e livre de Armas de Destruição Massiva
(AMD), de 1998, firmada pelos países membros plenos do Mercosul, mais
Bolívia e Chile. O processo ganha ainda mais profundidade com a Força
de Paz no Haiti, também com a presença de Chile, Uruguai e Bolívia.
Antecipadamente é necessário referir-se às diferenças de forma e en-
caminhamento das definições das políticas de defesa de Argentina, Brasil
e Chile. A Argentina configurou, no Libro Blanco (1998), um alentado
estudo analítico acerca dos parâmetros mais gerais de sua política de de-
fesa, procedimento que contou com a participação de vários setores do
Estado e de outras instituições. O documento trata de cenário estratégico,
da dimensão continental, do contexto geográfico do país, dos marcos le-
gais para a defesa, dos interesses nacionais, das políticas de defesa, defi-
nindo os campos de ação, da modernização e reestruturação das forças
armadas, da redefinição das missões destas forças, de suas funções co-
muns e específicas e da condução geral da defesa, inclusive com as dire-
trizes para o orçamento de defesa. Este nível de detalhamento é produ-
cente e bastante claro nas atribuições de papéis e funções.
O Brasil carece de um esforço desta natureza, que redundasse em um
direcionamento mais detalhado da sua orientação político-estratégica
para a segurança e a defesa. Por outro lado, ausente este procedimento de
consulta e deliberação, peça importante para um maior adensamento de
critérios democráticos, as políticas de defesa apresentam orientações de
um grupo mais restrito de atores (Brasil, Política de Defesa Nacional, 2005).
No caso chileno, a participação ativa de vários setores da sociedade civil
e política conduziu à produção de um Livro de Defesa detalhado e coerente
com suas premissas básicas. O documento delineia o quadro internacional e
os ditames dos conflitos existentes no sistema internacional, o desafio es-
tratégico que considera as peculiaridades geográficas do país, a política de
defesa, os meios e a preparação para a defesa, a sua organização e os recur-
sos necessários para a sua efetivação. Acrescenta os cenários e os entornos
para a defesa, assim como os procedimentos para a mobilização nacional e
para o serviço militar (Chile, Política de Defensa Nacional).
Há diferenças de enfoque entre as Políticas de Defesa Nacional entre o
caso argentino, brasileiro e chileno. Para a Argentina, a defesa nacional
dirige-se para o emprego das forças armadas, em forma dissuasiva ou

StrategicEvaluation (2007) 1
290 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

efetiva, contra agressões (Ley de Defensa Nacional, art. 2). No Libro Blanco de
la República Argentina (1998) os termos mais comuns são ameaças. Cabe
registrar o artigo 5 da Ley de Defensa argentina, que pontifica que a fina-
lidade do referido documento é determinar as hipóteses de conflito e den-
tre elas, as que merecem ser consideradas como hipótese de guerra. No
caso brasileiro, Políticas de Defesa Nacional (1996 e Decreto-Lei de 2005),
as ações voltam-se para as ameaças. A Política de Defesa do Chile é regida
para “enfrentar los obstáculos, riesgos y amenazas que terceros puedan
alzar contra el interés nacional”. A distinção é antes de natureza estratégi-
ca, já que a agressão é um ato de beligerância efetiva, enquanto que a
ameaça é uma percepção, é o indicativo do dano (Saint-Pierre, 2003).
Preparar-se para uma ameaça distancia-se da preparação de meios
para uma agressão ou hipótese de guerra. Aquela depende de elaborações
de cenários, de planejamento multifacetário, ainda que se busque precisar
sua emergência e origem, já que a ameaça não constitui um perigo em si,
mas depende da percepção. A preparação para contrapor-se a agressões
ou hipóteses foca o campo da segurança, e exige maior precisão em sua
definição. Entretanto, os documentos não diferem no significado da segu-
rança, ambos entendo-a como garantia da soberania, preservação da inte-
gridade territorial e de seus interesses nacionais.
Outro aspecto os aproxima, e agora pela ausência ou ao menos rare-
fação acerca do que constitui, de fato, a estratégia de dissuasão. Às neces-
sidades de segurança de formato mais clássico podem se somar outras
perspectivas, mas todas as possibilidades devem ser contempladas por
uma estratégia mais ampla, quer orientada para uma atuação militar efe-
tiva e de natureza ofensiva, quer para uma estratégia de dissuasão.
A dissuasão se apresenta como oposta à cooperação. A segunda reside
na sinceridade, na confiabilidade e na competência. A dissuasão repousa
na desconfiança e por um temor ao potencial adversário. A Metodologia
Estratégica Dinâmica parte deste pressuposto de oposição entre as duas
estratégias e visa a distribuir o quantum de dissuasão e contra quem e
que cooperação e com quem (Cobarrubias, 2004).
A Política de Defesa Nacional, de 1996, no caso brasileiro, assenta-se
sobre os pressupostos de uma diplomacia voltada para a paz e sobre uma
“postura estratégica dissuasória de caráter defensivo” (4.2). Na formula-
ção do Decreto-Lei, de 2005, do governo Lula, é substituída por uma
“postura estratégica baseada na existência de capacidade militar com cre-
dibilidade, apta a gerar efeito dissuasório” (6.2). Não se trata meramente
de estilo redacional, tampouco de grau de dissuasão, mas sim de estabe-

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 291
lecimento de uma nova perspectiva estratégica de defesa, ao considerar
como efeito o que anteriormente era a causa. A Concepção Estratégica do
Exército assinala a necessidade de elevação gradativa da capacidade dis-
suasória, com prioridade para as áreas estratégicas da Amazônia, Centro-
Oeste e Bacia do Prata. Note-se, contudo, que não há indicativos claros a
quem se direciona a capacidade dissuasória.
No caso argentino, a dissuasão é citada no Libro Blanco em contrapo-
sição à guerra declarada, mas não há indicações formais de que constitua
a estratégia central da formulação da Defesa. Novamente é retomada a
dissuasão, brevemente, na Ley de Defensa, ao abarcar os pressupostos da
defesa nacional, sem que, todavia, sejam apontados os possíveis objetos
da dissuasão. O Chile parte da premissa de oposição entre dissuasão e
cooperação, porém sem apontar os níveis possíveis para garantir a dis-
suasão. Será na concepção de cooperação que a Política de Defesa chilena
ganha fôlego e profundidade. Esta política afirma a existência de uma
tendência à diminuição da conflituosidade entre os Estados no continente,
que ensejou a geração de um espaço para um incremento importante da
vontade de cooperar e avançar “a um ambiente de segurança genuina-
mente comum, fundado em uma percepção compartilhada por todos”
(Libro de la Defensa Nacional de Chile, 2002:52).
Nos documentos analisados, o vocabulário soa como retórico, na ausên-
cia de uma definição unívoca sobre as bases das políticas de defesa e as pos-
sibilidades de cooperação. As referências à cooperação regional não são
substantivas nas políticas de defesa dos três países. A integração regional é
assinalada, na Política de Defesa Nacional do governo Lula, como forma de
atingir a autonomia estratégica via indústria de defesa. O enfoque sobre a
cooperação é de caráter mais geral, sem que seja contemplado o formato ne-
cessário para a sua efetivação. Este quadro de dubiedade cerca o desenvol-
vimento do Programa Nuclear brasileiro, já que não estão claramente esta-
belecidos, enquanto políticas de Estado, os objetivos a serem atingidos.

O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO


A iniciativa brasileira de domínio da tecnologia nuclear data da década
de 1940, mas começa a avançar nos anos 50, tendo como grande precursor o
Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que colaborou para o fomento
das pesquisas da área nuclear no Brasil neste período (Barros, 2001).
Porém, após 1964, o advento do regime autoritário trouxe conseqüências
significativas para a evolução do Programa Nuclear nacional, particularmente
desde o governo Costa e Silva, quando se pôs em prática uma política desti-

StrategicEvaluation (2007) 1
292 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

nada a capacitar o Brasil no campo do controle do ciclo completo do átomo”


(Ferreira, 2001:25). Essa iniciativa sobretudo se refletiu ao governo brasileiro
se recusar a assinar o Tratado de Não-Proliferação, em 1968, a contragosto
dos Estados Unidos. O raciocínio era o de que o desenvolvimento autônomo
da tecnologia nuclear não poderia ser controlado por tratados que limitassem
a capacidade de pesquisa nacional nessas áreas sensíveis (ibid., 21).
Consecutivamente, a recusa do governo brasileiro em “não assinar o
TNP marcou o ponto de inflexão da política externa brasileira” (ibid., 123),
e, além disso, foi o fato-chave que evidenciou “as diferenças básicas entre
a política externa dos governos do período 67-85 e aquela dos governos
que vieram depois, no período da chamada redemocratização” (ibid., 22).
Embora o Brasil tenha assinado e ratificado, em 1968, o Tratado de Tlate-
lolco, que criava uma Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN) na região da
América Latina e Caribe, o país não se tornou membro efetivo do acordo. A
divergência envolvia o direito dos signatários à utilização de explosivos nu-
cleares para fins pacíficos. Pensava-se que a renúncia incondicional a armas
nucleares era comprometedora, pois poderia impedir também o desenvolvi-
mento da pesquisa nuclear nacional para fins pacíficos (Wrobel, 1993:36).
Assim, pois, a postura de contestação mantida pelo governo brasileiro
durante o regime autoritário frente aos tratados nucleares condisse com
aquilo que almejava para a nação: o domínio da energia atômica, com a
finalidade de superar a defasagem tecnológica do país e a vulnerabilidade
estratégica a que o Brasil se subordinava (Brigagão, 2005:93-102). Ou seja, a
capacitação atômica constituía um dos elementos que forneceria o salto
qualitativo para o desenvolvimento do Brasil potência (Miyamoto, 2000:447).
É também, neste período, que ocorre o acordo entre Brasil e Estados
Unidos, através do qual o governo brasileiro adquiriu um reator da em-
presa Westinghouse que acabou sendo utilizado na Usina de Angra I. No
ano de 1975 houve novas negociações, só que agora entre Brasil e Alema-
nha, que estabeleceram um grande acordo de cooperação bilateral com o
objetivo da construção de um amplo complexo nuclear em território bra-
sileiro. A questão central do Acordo sobre Cooperação no Campo dos
Usos Pacíficos da Energia Nuclear entre Brasil e a R.F. da Alemanha, para
o país, era “obter a transferência da tecnologia indispensável e adequada
para implantação de uma indústria nuclear autônoma para fins pacíficos,
abrangendo o ciclo completo do combustível” (Brasil, 1977:13).
Concomitantemente, como alternativa aos entraves que obstruíam o
objetivo nuclear brasileiro, idealizou-se um programa paralelo, inicial-
mente com caráter secreto, desenvolvido a partir de 1979 sob os auspícios

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 293
da Marinha brasileira, cuja idéia central era dominar o processo de enri-
quecimento de urânio e a construção do reator para um submarino nu-
clear (Cavagnari, 1993:6). O resultado do Programa Autônomo de Desen-
volvimento de Tecnologia Nuclear, ou Programa Chalana, foi divulgado
oficialmente, em 1987, pelo presidente José Sarney, em anúncio que afir-
mava que o país vinha a dominar a tecnologia de enriquecimento de urâ-
nio pelo método de ultra centrifugação, em trabalho desenvolvido pela
Força Naval e apoiado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nuclea-
res (Ipen), da Universidade de São Paulo (USP), e a Comissão Nacional de
Energia Nuclear (Cnen) [O Brasil no Clube Atômico, 1987:62].
Mas este resultado se referia à conclusão de apenas dois projetos –
Zarcão e Ciclone – dos quatro que compunham o programa completo da
Marinha. Faltaria então a consecução dos projetos Remo e Costado, que bus-
cariam, respectivamente, a obtenção de uma planta de propulsão nuclear
para ser instalada no submergível e a adaptação de um projeto de submari-
no convencional para propulsão nuclear (Cavagnari, 1993:7). As verbas que
foram sendo contingenciadas ao longo dos anos 90 lhes impuseram sérias di-
ficuldades, e a sua previsão de conclusão parece estar longe de ocorrer1.
A idéia presente no estamento militar brasileiro sobre a necessidade do
submarino nuclear na composição das forças navais esteve muito em voga
após a Guerra das Malvinas, ao evidenciar a importância dessa arma como
instrumento coadjutório no teatro de operações. As vantagens do submarino
de propulsão nuclear diante do convencional residiam basicamente em três
fatores. Em primeiro lugar, devido a sua discrição ou capacidade de operar
furtivamente e independentemente de sua posição em relação à atmosfera.
Um segundo ponto se amparava na distância maior que o submarino nuclear
percorreria e na sua velocidade superior com que poderia fazê-lo. Por fim, a
possibilidade de operar por longo tempo, já que o combustível seria inesgo-
tável sob a perspectiva prática operacional (Rev. Marít. Bras., 1988:619).
O objetivo em torno da construção dessa arma se tornava um impera-
tivo para a Marinha brasileira, em vista da sua relevância operacional-tá-
tica segundo as finalidades da estratégia naval, a citar, o controle de área

1 Embora os planos de criação dos sistemas compactos de propulsão nuclear para

um submarino de ataque tenham sido resgatados na redefinição do plano de rea-


parelhamento das Forças Armadas, permanecem como um objetivo de longo
prazo. “O tempo previsto para que os técnicos da força naval projetem e construam
uma unidade de 6 mil a 9 mil toneladas de deslocamento, com 96 metros de com-
primento e 100 tripulantes, é de 11 anos. Antes disso, porém, será necessário testar
e completar um reator PWR (de água pressurizada) de 48 MW”. (Godoy, 2007).

StrategicEvaluation (2007) 1
294 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

marítima, a negação do uso dessa ambiente por adversários e a projeção


de poder sobre terra; e, ainda, em razão da tentativa de equiparar-se à ca-
pacidade tecnológica de países de maior poderio, de maneira a buscar
superar a defasagem que se lhe impunha. A análise sobre o horizonte es-
tratégico em que se inseria a hipótese de emprego de submarinos em um
eventual quadro de operações naval sugeria a necessidade pelo Poder
Militar brasileiro dos submergíveis convencional e nuclear.
Além do programa da Marinha, as outras duas Forças também iniciaram
trabalhos, ao que tudo indica, visando a bomba atômica. A Aeronáutica in-
cursionou nesta área a partir da década de 1970 com o Projeto Solimões, e
buscava a construção do seu artefato em pesquisas que ocorreriam no seu
centro tecnológico (CTA). O Exército, por sua vez, realizou trabalhos no
âmbito do Centro Tecnológico do Exército, com um reator moderado a grafite
e urânio natural metálico como combustível. O Reator Experimental Irradia-
do (REI), semelhante ao utilizado pelos franceses na confecção do seu artefa-
to, apesar de inviável do ponto de vista econômico e operacional, produziria
justamente o plutônio necessário ao dispositivo explosivo (Oliveira, 1998:8).
Contudo, a partir dos anos 90, com os adventos do final da Guerra Fria e
do retorno dos civis ao escopo do poder no Brasil, houve uma grande trans-
formação no contexto político brasileiro que acabou influenciando tanto a
orientação da Política Externa Brasileira, como os rumos do Programa Nu-
clear nacional. Nesse período, por meio dos governos Collor e Fernando Hen-
rique Cardoso, à exceção do de Itamar Franco, o país procurou se inserir na
conjuntura da globalização neoliberal sob uma idéia de abertura à nova or-
dem internacional. Isto transpareceu, na prática, a noção de abandono do
Projeto nacional, diretriz mais geral que havia orientado a ação do país du-
rante o regime autoritário (Vizentini, 1998), e de suas implicações nas linhas
da matriz desenvolvimentista e da diplomacia autonomista (Vizentini, 2003).
Quanto aos esforços nucleares, o presidente Collor tratou de desmantelar
as atividades secretas conduzidas no país. Em ato simbólico para tornar pú-
blica a nova postura do governo brasileiro com respeito a sua confiabilidade
na questão atômica, o então presidente lacrou os poços de profundidade no
Campo de Provas Militares da Serra do Cachimbo (PA), pertencente à Aero-
náutica (Garcia, 1998:107). Todavia, cabe dizer que a própria Constituição
Federal de 1988, nos termos do seu artigo 21, XXIII, já prevê o compromisso
brasileiro taxativo com o uso pacífico da energia nuclear.
A cooperação brasileiro-argentina, além disso, não só criou o ensejo
para a resolução da problemática nuclear, como foi ela que permitiu que
se abrisse o caminho para que frutificassem as pressões sobre o Brasil

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 295
para que assinasse o TNP (Ferreira, 2001:27). A cooperação bilateral, que
instituiu a terceira fase na relação histórica entre os dois países (Mello,
1996:15), pôde ser viabilizada, sendo vista como uma alternativa estraté-
gica para superar os novos desafios da política internacional, em face da
crescente marginalização da América Latina no sistema mundial (Vizen-
tini, 2003:69). Ambas os países compreenderam a necessidade da confian-
ça mútua, que levasse a uma cooperação mais profunda, a fim de que ob-
tivessem um maior relevo para a região sul-americana nos marcos do
sistema internacional. Neste ponto, a instituição do Mercosul no campo
econômico e o pacto tecnológico-nuclear bilateral dos anos 80 que geraria
a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais
Nucleares (ABACC), acrescidos da celebração do Acordo Quadripartite e
da assinatura do Tratado de Tlatelolco revisto, em 1994, exprimem o es-
forço desta nova tendência (Vargas, 1997:41-74).
A chegada de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República
trouxe o desfecho da questão do posicionamento do Brasil frente ao regi-
me de não-proliferação de armas nucleares, com a autorização do Con-
gresso Nacional, em julho de 1998, do depósito do instrumento da adesão
brasileira ao TNP. Direcionado por linhas ideológicas neoliberais, aquele
presidente assumiu seu cargo com o compromisso de seguir o receituário
macroeconômico liberalizante, que se fundou através do Plano Real e do
endividamento externo. No plano internacional, a política externa desse
governo, denominada diplomacia presidencial, pois incumbia o presidente
das funções tradicionalmente realizadas pelo Ministério das Relações Ex-
teriores, não foi definida por um paradigma estratégico claro. Preconizou
o aprofundamento do processo de integração regional sul-americano, a
diversificação das parcerias bilaterais e, também, o multilateralismo nos
assuntos de ordem internacional (Vizentini, 2003:94).
Consta ainda, desse governo, a significativa melhora na relação Brasil-
EUA, uma vez que se findaram questões problemáticas que dificultavam
o entendimento entre ambos os países. Isto foi sedimentado por meio da
participação do país em diversos regimes e tratados internacionais na
área da não-proliferação de armas nucleares e dos seus vetores. Como
exemplos deles, podemos citar a entrada no Regime de Controle de Tec-
nologia de Mísseis (MTCR), em 1995; no Grupo de Supridores Nucleares
(NSG), em 1996; e no Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
(TNP) e no Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares
(CTBT), que ocorre em 1998 (Brigagão, 2005:99).
A gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso também marcou a
criação da Política de Defesa Nacional, em 1996, e do Ministério da Defesa,

StrategicEvaluation (2007) 1
296 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

em 1998. Os aspectos positivos da elaboração da PDN estiveram ligados, em


primeiro lugar, ao seu caráter debutante – já que inédita, até então, uma for-
mulação desta natureza – e, em segundo lugar, foi esta letra que definiu como
se daria a atuação brasileira na política internacional (Miyamoto, 2000:461).
Porém, a institucionalização dessa estrutura recém-fundada constituiria
muito mais peça retórica do que um balizamento concreto para a ação diplo-
mática e militar nacional (Alsina, 2003:79). A Política de Defesa Nacional, de
1996, apresentava graves equívocos conceituais, pois refletia a manutenção de
posições tradicionais do Itamaraty e das Forças Armadas (idem, 80). Por
exemplo, destaca-se que não seria o documento que reformaria a tradição da
diplomacia brasileira à renúncia ao uso da força como recurso de poder na
sua ação externa. A limitação que cerceava a PDN, segundo Alsina Jr., agru-
pava alguns fatores que se direcionavam, com grande parcela de responsabi-
lidade, à autonomia corporativa do aparato burocrático nacional. Em outras
palavras, tal autonomia e resistências a mudanças que seriam acrescidas, jus-
tamente, pela falta de um elemento integrador (consenso) entre os setores di-
plomático e militar com respeito à formulação de um Projeto nacional, obs-
truíam o que quer que fosse conduzir à progressão do sistema de defesa bra-
sileiro. Resultado disso, portanto, nem a PDN ou o MD foram capazes de in-
tensificar a articulação entre a política externa e a política de defesa, levando
então a um quadro imperfeito dessa estrutura de defesa.
O ingresso do Brasil no TNP, o principal instrumento do regime de
não-proliferação de armas nucleares, constituiu uma postura deveras em-
blemática no cenário estratégico do final dos anos 90. Este posiciona-
mento, polêmico, representou uma cisão para a tradição crítica da política
externa brasileira, que, até aquela ocasião, se atinha à linha de pensa-
mento do ex-chanceler Araújo Castro, que considerava que o regime nu-
clear buscava não mais que o congelamento do poder mundial e a preser-
vação do status quo atômico vantajosamente às potências nucleares
(Araújo Castro, 1972:7-30). Atores que estiveram envolvidos no processo
decisório e analistas que debateram o tema posteriormente à implementa-
ção da decisão puderam, então, levantar uma série de argumentos que
ora contestaram a atitude nacional, ora defenderam essa postura.
O desequilíbrio de direitos e obrigações entre as potências nucleares e
as desprovidas desses arsenais, somado ao fato de que o Tratado de Não-
Proliferação possuía falhas em seu mecanismo de transferência de tecno-
logia, isto é, não garantia o acesso ao conhecimento nuclear (D’Arc, 1998)
e mesmo reforçaria a proliferação vertical entre os detentores dos arsenais
atômicos, não assegurando o desarmamento e a cessação da corrida ar-
mamentista em bases sólidas (Pontes, 1997), são pontos levantados pelo

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 297
segmento contestador. A adesão ao TNP, em virtude disso, traria cons-
trangimentos à dimensão estratégica do poder nacional. Primeiramente,
porque, com a obstrução ao acesso à tecnologia atômica, prejudicaria o
desenvolvimento sócio-econômico do país em áreas de aplicação civil do
conhecimento nuclear. As potências, a partir dos instrumentos do regime
nuclear, não só procurariam inibir o desenvolvimento autônomo dos Es-
tados emergentes, como buscariam a perpetuação da dependência
econômica dessas nações (Santos, 1997:127-138).
Outro ponto se inscreveria no desnível a ser criado entre as capacidades
militares dos Nuclear Weapons States (NWS) e dos Non-Nuclear Weapons States
(NNWS). Possuir o sistema de armas atômicas implicaria robustecer o ele-
mento da força militar da unidade dentro da noção de poder. Conseqüente-
mente, não possuí-lo implicaria fragilizar-se diante dos que o detivessem.
Ademais, a capacidade militar nuclear refletiria aumento de status e prestí-
gio internacional, neutralização de forças na balança de poder e mesmo a
contenção e dissuasão nuclear, entre outros efeitos (Waltz, 1999:357-358).
Outros autores postulam que, dada a desigualdade em torno da pro-
posta do tratado, o Brasil, com sua dimensão estratégica, não poderia pres-
cindir de possuir capacidade dissuasória nuclear (Frota, 1997). Esta capaci-
dade tanto se faria necessária, igualmente, por fundamentar o único meio de
manutenção da soberania territorial, de inibição de conflitos e da própria so-
brevivência de nações periféricas na política internacional (Távora, s/d).
Todavia, a decisão nacional de ratificar o tratado não seria um ato
isolado e independente no jogo político internacional. O posicionamento
brasileiro se direcionaria obrigatoriamente no sentido da relação do país
com os Estados Unidos no domínio político-estratégico. Visualizando que
as relações internacionais seriam dominadas, no pós-Guerra Fria até um
horizonte previsível, pelo unipolarismo norte-americano em matéria es-
tratégico-militar, a percepção brasileira orientaria o objetivo nacional de
construir a potência de caráter pacífico, que confiaria a defesa nacional à
proteção assegurada dos EUA no hemisfério; além do mais, apostaria na
diplomacia como fonte de poder e na eficácia da norma internacional na
resolução de conflitos de interesses internacionais (Cavagnari, 2001:7-14).
Conseqüência de tal orientação, excluir-se-ia o recurso à ação militar – a re-
corrência ao uso da força –, como método de defesa do interesse nacional e de
projeção de poder político-estratégico. Seriam obstados assim o desenvolvi-
mento de tecnologias sensíveis de natureza militar, como a construção de ar-
mas atômicas e dos seus vetores, e os investimentos na modernização das FAS,
às quais caberiam somente a defesa do território e do patrimônio nacionais.

StrategicEvaluation (2007) 1
298 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

Porém, como visualizam alguns analistas, grande parcela dos fatores


que condicionou o posicionamento do presidente Fernando Henrique
Cardoso esteve fundamentada no próprio contexto interno nacional, par-
ticularmente envolvida na mudança de percepção de alguns atores políti-
cos brasileiros com respeito à exigência de uma nova conduta político-es-
tratégica do país face o re-ordenamento do sistema internacional no pós-
Guerra Fria. Assim, alguns temas da agenda do país – como a postura em
relação ao regime de não-proliferação – foram sendo reformulados pau-
latinamente pela nova classe dirigente nacional.
Neste ponto, os papéis, em particular, do presidente Fernando Henri-
que Cardoso e do chanceler Luiz Felipe Lampreia exprimem a tendência
do governo que conduziria ao pacto da entrada do Brasil no regime nu-
clear. Ambos concluem que esta participação originaria melhores oportu-
nidades para a inserção do país no sistema internacional. Além disso,
para eles, o Tratado de Não-Proliferação facilitaria a promoção do desen-
volvimento científico-tecnológico do país, como também o seu acesso ao
mercado internacional de tecnologia sensível, entre outras vantagens.
A subscrição brasileira do Tratado significaria a oportunidade para o país
se inserir no processo político mundial, dado que fortaleceria sua credibilida-
de juntamente à comunidade de Estados, proporcionando-lhe, desse modo,
ganhos em termos de projeção internacional e acesso aos foros multilaterais
de decisão política (Cardoso, 1997), Como expresso nos objetivos da Política
de Defesa Nacional, na versão de 1996, reprisada em 2005, que postulava
ainda que o Brasil contribuiria para a manutenção da paz e da segurança in-
ternacionais e promoveria sua posição favorável ao desarmamento global,
condicionado ao desmantelamento dos arsenais nucleares e de outras armas
de destruição em massa, em processo acordado multilateralmente.
Outro aspecto favorável frisa que a defesa do interesse nacional so-
mente se efetivaria através da autonomia pela participação, que subentende
a presença na mesa de negociação. Esta presença, por sua vez, necessitaria
do investimento no “soft-power” da credibilidade e da confiabilidade, os
quais seriam obtidos a partir do vínculo do Brasil ao regime de não-proli-
feração de armas nucleares (Lafer, 1999:137).
Ademais, o regime se fortaleceria com a transformação que ocorria no
Tratado, pela qual passava a representar o principal mecanismo de deba-
tes e de acompanhamento do progresso na direção do desarmamento nu-
clear e da garantia do uso pacífico da energia atômica (Lampreia, 1998).
Por fim, haveria uma desvalorização da opção pela arma nuclear, uma
vez que agregava pouco ou nada em termos de influência e prestígio na-

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 299
cional (idem), em função da existência de novas variáveis de poder, como
a estabilidade social e política, o dinamismo econômico e a articulação di-
plomática (Lampreia, 1997), além de que constituiria um bloqueio à paz e
à segurança internacionais (Lampreia, 1998).
Portanto não seria apropriado aos países em desenvolvimento o ar-
mamento nuclear no interesse de sua política externa. Três outras razões
complementam esta visão, indicando, em primeiro lugar, que os recursos
desses países, já tão escassos, deveriam ser alocados em investimentos de
outra natureza; em segundo que as resoluções do problemas sul-america-
nos não viriam com a construção do artefato nuclear por parte de qualquer
país, considerando que um possível palco de confronto, o Atlântico Sul,
estaria fora de cogitação por não ser área de interesse das superpotências, o
que reduziria a chantagem nuclear como mecanismo de pressão sobre os
parceiros da região; e, por fim, que a introdução de armas nucleares
representaria um fator de instabilidade regional (Vidigal, 1987:337).
Desta avaliação sobre a impertinência do armamento nuclear para a
conjuntura, surgiriam duas alternativas estratégicas para o país: o desenvol-
vimento do submarino nuclear como substituto do artefato e a cooperação
estreita entre Brasil e Argentina..O caso do submarino nuclear é proposto em
função do aumento “da capacidade de dissuasão de um país não-nuclear e,
pela não-inibição ao seu uso, a eficácia desta dissuasão será bem superior
àquela proporcionada pelo armamento nuclear” (ibid., 338). Já a estreita par-
ceria brasileiro-argentina é vista como fator importante para dissuadir
agressões externas, independentemente da origem, e o efeito dissuasório
será maior, se houver ataque pelos nações continentais (ibid., 339).
A discussão acerca do regime de não-proliferação de armas nucleares,
no entanto, pode ser resumida a somente dois motivos. O primeiro moti-
vo descreve que os Estados centrais e potências nucleares atuariam de
maneira a manter “um diferencial de poder tecnológico-militar (edge) em
relação aos Estados capazes de perturbar a ordem internacional”; e o se-
gundo, afirma que haveria um bloqueio do acesso à tecnologia atômica
aos Estados não-nuclearizados belicamente, a fim de impedir que adqui-
rissem “os meios de destruição em massa que os <tornassem> ameaças a
seus vizinhos, à ordem global e à projeção de poder necessária para con-
trolá-los” (Lamaziere, 1991:48). Em outras palavras, é observar a lógica da
dissuasão a revestir a problemática. O armamento nuclear aparece, por
conseguinte, como o meio de se obter a dissuasão que garantiria o efeito
da preservação da ordem internacional.

StrategicEvaluation (2007) 1
300 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

De fato, o advento do armamento nuclear fundamentou uma nova


moeda no jogo da política internacional. Possuí-la implicava obter um
grande acréscimo na variável das capabilities, traduzindo assim no aumento
dos recursos de poder. Isto porque lhe era conferido um papel especial de-
ntro das armas de destruição em massa (ADM), em razão de constituir o
sistema mais moderno e eficiente de destruição. Toda esta percepção sobe-
java em meio à configuração de conflito do sistema internacional, em cujo
arranjo estratégico atribuía-se a necessidade do aperfeiçoamento dos meca-
nismos nacionais de defesa – leia-se corrida armamentista e tecnológica –
derivada da percepção da busca não-cooperativa de segurança por parte
dos Estados neste contexto de Guerra Fria (Wrobel, 1993:9).
Contudo, cabe uma distinção entre a dissuasão convencional e a nu-
clear. Elas se distinguem, precipuamente, no que toca a “disparidade entre
a percepção do risco de conflito nuclear ou convencional” (ECEME, s/d).
Em linhas gerais, esta percepção resulta, no caso do perigo da guerra nucle-
ar, na capacidade de se dissuadir uma ameaça pela “condição de assegurar
a destruição mútua na amplitude e rapidez dos meios nucleares e, com isso,
o poder de inspirar o terror (...)” (ibid., 17). Por seu turno, o conflito conven-
cional estabelece a possibilidade de vitória ou derrota de ambos os lados, o
que faz com que, na busca do sucesso na contenda, reduza o papel da dis-
suasão entre os rivais, sendo os riscos da beligerância, portanto, aceitos com
mais facilidade nesta perspectiva. Sendo assim, entende-se que a dissuasão
convencional tanto é caracterizada pela instabilidade que circunscreve o seu
ambiente, como possui “alcance limitado e resultados mais incertos quanto
ao objetivo de evitar conflitos armados” (ibid., 5).
Antes de tudo, porém, a dissuasão em si é condicionada pela efetiva
existência de um Dispositivo Estratégico de Dissuasão (DED), crível e capa-
citado para passar da ameaça ao emprego. Seus objetivos seriam garantir o
status quo territorial, impor os interesses nacionais e dissuadir eventuais alte-
rações do equilíbrio de poder no sistema regional em que o Estado de insere
(Ferreira, 1986:553). Como alternativas para o quadro estratégico do país,
aparecem duas conclusões. Uma propugna a interação entre o diplomata e o
militar para resolver questões sobre como devem pautar-se a ação diplomá-
tica na defesa dos interesses nacionais e a própria decisão do tipo de política
externa que o Estado adotará. A segunda assevera que, sim, o emprego es-
tratégico da força militar deve ser levado em conta quando em discussão o
tipo de força armada que o Estado possuirá (idem).
Outros analistas consideram que para dispor a dissuasão no ambiente
estratégico brasileiro supõe dois eixos (ECEME, s/d). O primeiro con-
substancia a tendência interna, ou endógena, cuja prioridade central é a

StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 301
modernização tecnológica do Exército brasileiro. O intuito aqui é maximi-
zar a capacidade militar nacional para garantir seu efeito dissuasório con-
fiável no cenário estratégico mundial. Por mais que a América do Sul seja
uma região que tangencie os principais focos de tensão mundiais e tendo
ou não sida aprofundada a integração do Mercosul, o princípio se man-
tém, já que, “ainda há necessidade de o País exercer a dissuasão no
âmbito regional” (ECEME, s/d:12).
Em contrapartida, o segundo eixo diz respeito ao prosseguimento da
integração do bloco regional – tendência externa ou exógena –, só que de
maneira a extrapolar o campo econômico, passando a abranger o político-
militar. Esse processo seria erguido pela elevação da capacidade militar
das nações sul-americanas, acima de tudo, as que compusessem a forma-
ção do Mercosul. O upgrade militar dos países, contudo, deveria ser con-
duzido não sob o ângulo da corrida armamentista, mas visando ao
arranjo da consistência estratégica do Mercosul tanto quanto da América
do Sul que, assim, “abriria a possibilidade para uma dissuasão conjunta
em defesa dos interesses do bloco” (idem). Isto fortaleceria o potencial do
complexo sul-americano na política de poder mundial.

DA DISSUASÃO À COOPERAÇÃO?
Descortinam-se as possibilidades de aprofundamento da cooperação
em âmbito regional. A cooperação não traduz, necessariamente, a inte-
gração (Quermonne, 1998). A estratégia de integração, por sua própria natu-
reza e amplitude, impõe um maior grau de exigência. No caso da União
Européia, por exemplo, procura realizar a União econômica e política da
Europa, pela transferência progressiva de certas competências relevantes da
soberania dos Estados a instâncias administrativas ou eletivas transna-
cionais. O princípio condutor é o da supranacionalidade e as tomadas de
decisão decorrem de votação majoritária, situação que se afasta da situação
presente no Mercosul (considerando também seus membros associados).
Por sua vez, a estratégia da cooperação é menos ambiciosa. Tende a
harmonizar e coordenar políticas originadas dos próprios Estados, sem
que se descure da manutenção do nível de soberania de cada um. Ações
conjuntas, estabelecidas por instâncias intergovernamentais, são tomadas
por unanimidade, quadro mais próximo da realidade do Cone Sul.
A estratégia de cooperação, entretanto, está limitada à atuações em
exercícios conjugados, reparos de equipamento militar e intercâmbios
educacionais, mas sem que se configure, para curto prazo, a possibilidade
de efetivação de uma Cooperação em Defesa e Segurança, que implicasse

StrategicEvaluation (2007) 1
302 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa

em unidades militares binacionais ou regionais, compatibilização e aqui-


sições conjuntas de equipamento militar, com destaque para uma indús-
tria de defesa regional, resultados estes que derivassem de efetiva seleção
de objetivos estratégicos convergentes.
Os moldes para a cooperação circunscrevem-se entre dois aspectos
centrais. De um lado, a manutenção de espaços de autonomia frente aos
interesses dos EUA, e de outro, o quadro da construção da democracia
nos países do Cone Sul, considerando as implicações do uso da força
frente aos direitos e liberdades próprios de uma sociedade democrática.
Além disso, é preciso destacar que os acordos e anúncios indicativos
de redução das desconfianças na área de defesa e segurança são, de fato,
sedimentações de posições nas quais não existem mais contenciosos signi-
ficativos. O ponto de partida, de desconfianças mútuas, não reflete dis-
crepâncias e menos ainda antagonismos acentuados. A ausência de hosti-
lidades reduz o impacto das medidas adotadas, já que não significam
uma operação meticulosa de construção de consensos. Contrariamente, a
plataforma de aproximação configura-se como uma busca de institucio-
nalização de uma realidade já existente. Este é um limite para as possibi-
lidades de aprofundamento para uma cooperação em defesa, pois não há
demandas significativas a serem solucionadas e o bloco parece evidenciar
que não se compreende como um ator coletivo, em busca de defender in-
teresses comuns na área de defesa e segurança.
Neste contexto, a busca por meios nucleares, isoladamente, constitui
um impulsionador de desconfiança regional. Ao contrário, na medida em
que representarem os interesses dos países membros, podem ganhar nova
investida e promover o bloco, como um ator unificado, no sistema inter-
nacional. Todavia, não é o que se apresenta até o momento. Permanece o
desafio da cooperação, frente à mentalidade condicionada pela dissuasão,
não explicitada, entre os próprios países do Cone Sul.

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*
Samuel Alves Soares é Professor da Universidade Estadual Paulista
(Franca) e pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança In-
ternacional; Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

Leonardo Soares de Oliveira é Estudante do Curso de Relações Internacio-


nais da Universidade Estadual Paulista e membro do Grupo de Estudos
de Defesa e Segurança Internacional. É atualmente bolsista de Iniciação
Científica do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

EXPEDITO CARLOS STEPHANI BASTOS

Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis


para a indústria de defesa no Brasil
An overlook at some still feasible projects for Brazil’s defence industry

Resumo: No auge de nossa Indústria de Material de Defesa, nas décadas de 80 e 90


do século passado, diversos projetos foram desenvolvidos no País, muitos chega-
ram a ser produzidos em série e até exportados. Já outros foram desenvolvidos
chegando à fase de protótipos, muitos sobreviveram, outros simplesmente foram
sucateados, mas os projetos e os projetistas ainda existem. O presente artigo tem
por objetivo lembrar quatro, dos mais expressivos e até sugerir que se faça um es-
tudo para uma futura retomada e quem sabe uma produção seriada, visto que na
atualidade, principalmente a força terrestre necessita de uma modernização, prin-
cipalmente em veículos blindados sobre rodas. Se conseguirmos aprender e com-
preender com o nosso passado, não muito distante, onde os erros e os acertos fo-
ram expressivos, mostrando uma grande capacidade criadora, com soluções nacio-
nais, poderemos nos preparar para o futuro e até retomar parte do que foi alcança-
do, o que muito poderia beneficiar e dar uma grande independência tecnológica ao
país nesse conturbado início do século XXI.
Palavras-chave: indústria de defesa; Brasil; veículos blindados; modernização.
Abstract: At the peak of our defence materials industry, in the 1980’s and 1990’s, a series of
projects were developed within the country, and many where even exported and mass produ-
ced. Some of them where developed to a prototype phase, of which a few survived and others
where converted into scrap, even though prototypes and those who created them still exist. The
present article seeks to recall four of these projects and suggests further studies on the possibi-
lity of reintroducing them and even putting them onto mass production, as today land forces
are in the need of modernization, specially on armored vehicles on wheels. If we are capable to
learn and understand from our recent past where success and failure where key for creativity
and autochthonous solutions, we will be able to prepare ourselves for the future and newly
take up a great deal of what was achieved, benefiting and providing great technological inde-
pendence to the country at this complicated start of the 21st century.
Keywords: defence industry; Brazil; armored vehicles; modernization.

EE-T4 OGUM
Na segunda metade dos anos 80 a ENGESA – Engenheiros Especiali-
zados S/A apresentou um veículo blindado leve, sobre lagartas, projeta-
do para possuir grande flexibilidade e apto a desenvolver vários tipos de
306 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

missões com uma grande variedade de versões previstas sobre o mesmo


chassi. O veículo em questão recebeu a designação de EE-T4 e denomina-
do OGUM (segundo o dicionário Aurélio: Orixá a quem se atribui a
transmissão da técnica da metalurgia do ferro aos homens, e que no Brasil
é cultuado mais por sua belicosidade), um veículo extremamente com-
pacto, com baixa pressão sobre o solo, aerotransportável, podendo inclu-
sive ser lançado de pára-quedas, extremamente ligeiro, com grande mo-
bilidade e raio de ação além de baixo peso.
Seu conceito lembra em muito o WIESEL alemão, hoje empregado até
pelo Exército Americano na guerra do Iraque. O projeto muito avançado
para seu tempo, principalmente se levarmos em conta os equipamentos
do Exército Brasileiro, e com uma particularidade, os dois projetos eram
inteiramente diferentes, muito embora fossem contemporâneos.
Na verdade ele foi concebido para atender as necessidades do Iraque
então em guerra contra o Irã e que necessitava de um veículo sobre lagartas
na faixa de 4 toneladas destinado principalmente a ser utilizado como pla-
taforma de armas leves. Os estudos começaram em novembro de 1985 e em
maio de 1986 foi apresentado o primeiro protótipo destinado a ensaios
mecânicos. Logo em seguida um segundo foi construído e enviado para
testes naquele país, surgindo assim a necessidade de se efetuar diversas
modificações que levaram à construção de um terceiro protótipo. Isto não
impediu que ele fosse oferecido a outros países, cujas delegações visitavam
a sede da Engesa em São José dos Campos, SP, onde ocorria uma série de
demonstrações deste e dos demais veículos militares ali produzidos.
Paralelamente a estes testes foi construído então um quarto protótipo
bem mais elaborado que os outros três e equipado com uma torreta Enge-
sa com duas metralhadoras 7,62mm, que foi apresentado na Primeira Ex-
posição Internacional de Produtos Militares ocorrida em Bagdá em 1989,
tendo o veículo permanecido para testes no país, quando em 1991 em de-
corrência da Segunda Guerra do Golfo, o mesmo foi deixado em Tikrit
num Quartel do Exército e os técnicos da Engesa retornaram ao Brasil e
nunca mais tivemos notícia desse veículo. Uma curiosidade é o fato de ter
participado de uma concorrência em Abu Dhabi em 1988 e conseguido
vencer tecnicamente o Wiesel nas provas ali realizadas.
A estrutura era um monobloco construído em chapas de aço bimetálica,
as mesmas usadas nos blindados sobre rodas 6x6 Urutu e Cascavel, de alta
resistência e aço 1020, o que lhe dava uma resistência estrutural e uma prote-
ção balística efetiva, segundo o fabricante, contra o calibre 7,62mm AP.

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 307
O motor era frontal, diesel, Perkins modelo QT 20 B4236, nos dois
primeiros protótipos, quatro tempos, turbinado, quatro cilindros em
linha, 125 HP, transmissão automática Alisson modelo AT 545, quatro
marchas à frente e uma à ré, o que lhe dava uma autonomia de 350 km,
em estradas a uma velocidade de 70km/h. Já os dois últimos protótipos
foram equipados com motor BMW modelo M21D24WA-LLK, diesel de
seis cilindros, bem mais leve e com potência de 130HP e maior raio de
ação de 360km e uma velocidade de 75km/h, caixa de transmissão ZF
modelo 4HP 22, quatro marchas à frente e uma à ré.
Todos possuíam diferencial controlado, responsável pela transmissão
de potência e direção do veículo. Este sistema é composto por engrena-
gens hipoidais e dois discos de freio que controlam a direção do veículo.
O sistema de direção é composto de pinhão e cremalheira que aciona dois
cilindros mestres de freio conectados aos calipers do diferencial controla-
do através de tubulação metálica, atuando como controlador de velocida-
de de rotação dos satélites. Sua suspensão é do tipo barras de torção com
três amortecedores de cada lado. O trem de rolamento possui quatro
conjuntos de rodas emborrachada sendo uma tratora à frente do veículo,
um conjunto de rodas tensoras das lagartas na traseira. As lagartas são
alemãs Diehl com sapatas removíveis, guiada pelo centro com duplo pino
emborrachado, o que lhe dá baixa pressão sobre o solo.
Foram previstas várias versões sobre o mesmo chassi, sendo as mais
expressivas: Veículo Transporte de Pessoal (APC) com capacidade para
quatro soldados equipados mais o motorista, armado como uma metra-
lhadora 7,62mm; Veículo com canhão de 20mm; Veículo com torre para
duas metralhadoras 7,62mm; Veículo anti-tanque lançador de mísseis;
Veículo de reconhecimento com metralhadora .50 em torre giratória; Veí-
culo porta-morteiro 120mm; Veículo transporte de munição; Veículo co-
mando; Veículo Ambulância.
O EE-T4 Ogum ainda é um veículo versátil mesmo para os dias de
hoje, seu conceito é extremamente moderno e poderia muito bem ser
aproveitado pelo Exército Brasileiro que criou recentemente uma Brigada
de Operações Especiais; serviria também para a Brigada Pára-quedista e
muitas outras unidades nas mais variadas funções.

EE-18 SUCURI II
No início dos anos 80 a empresa alemã Rheinmetall, procurando satis-
fazer as necessidades formuladas pelo corpo de infantaria da Marinha dos
Estados Unidos, que necessitava de um canhão de baixo recuo que pudesse

StrategicEvaluation (2007) 1
308 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

ser acoplado a um veículo de rodas ou lagartas de pequeno porte para


atender as Forças de Ações Rápidas, então em pleno desenvolvimento.
Em razão disso surgiu o canhão de 105mm, derivado do L-7 britânico
e que atenderia com êxito esta nova família de blindados que estava nas-
cendo, visto que ela deveria ser aerotransportada em um C-130 Hércules,
daí a necessidade de ser pequeno e leve. Inicialmente pensou-se num veí-
culo de lagartas que atenderia estes requisitos sem problemas algum, até
mesmo sendo superior a um sobre rodas.
Entretanto um veículo sobre rodas seria a melhor solução, uma vez que
seriam exigidos uma grande mobilidade estratégica, grande velocidade e
grande raio de ação, condições existentes em países que possuem grandes
extensões territoriais sejam elas litorâneas ou não, onde seja possível deslo-
car uma quantidade razoável de forças que possam trafegar pelas estradas
existentes e em terrenos secos e arenosos com grande facilidade. A partir
destes parâmetros vários veículos sobre rodas 6x6, 8x8 e 10x10 foram ou
estão em desenvolvimento e em uso em diversos exércitos na atualidade.
No Brasil, cujo território possui todas estas condições operacionais, a
idéia chamou a atenção da empresa ENGESA – Engenheiros Especializados
S/A, que já havia produzido com sucesso veículos 6x6 EE-9 Cascavel e EE-1
Urutu, os quais já estavam em uso no próprio Exército Brasileiro como tam-
bém estavam sendo exportados a diversos países, inclusive participando de
conflitos no Oriente Médio, principalmente na guerra entre Iraque-Irã.
Com esta experiência acumulada e percebendo a necessidade do mer-
cado, partiu-se para um projeto ambicioso, o qual já havia sido elaborado
inicialmente através do EE-17 Sucuri I, que se tornou um grande fracasso,
primeiro por usar ainda a suspensão boomerang, num veículo muito es-
treito, comprido e alto e cuja torre FL-12 de origem francesa, não trouxe
muita inovação e o desempenho do carro foi medíocre, sendo abandonado.
Partindo desses erros e analisando melhor o que estava a ser desen-
volvido no mundo, surgiu então o projeto do EE-18 Sucuri II, utilizando
os mais avançados sistemas de computação CAD/CAN existentes na-
quele momento, quando a eletrônica estava interagindo com a mecânica.
A idéia foi construir um caça-tanque de seis rodas, armado com um
canhão de alma raiada de 105mm, pois naquele momento outros projetos
similares estavam sendo desenvolvidos em outras partes do mundo.
O chassi era um monobloco soldado composto por chapas blindadas
bimetálica estruturais, projetado com pequenos ângulos de incidência
para maximização de proteção balística. O monobloco foi dividido em
compartimentos para tripulação e do power pack dianteiro, separados

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 309
através de uma parede corta fogo e estrutural, com isolamento térmi-
co/acústico, que possuía duas portas de acesso, sendo uma gradeada
para entrada e saída do ar para o motor.
Os tanques de combustíveis foram instalados no fundo do assoalho entre
os dois eixos traseiros e ambos possuíam no seu interior dois quebras ondas
de cada lado. Suas baterias estavam localizadas na parte frontal cujo acesso
era feito através da tampa já mencionada O power pack era composto de
cinco conjuntos principais, motor, caixa intermediária, transmissão automáti-
ca, caixa de descida e arrefecimento, agregados aos seus respectivos acessó-
rios. Sua retirada podia ser feita de uma só vez, através da câmara do motor,
por uma travessa especial, através da liberação dos parafusos que fixavam os
suportes do motor e os cardans, desconexão dos engates rápidos do sistema
de combustível, elétrico e hidráulico. O motor frontal era um Scania DS 11,
diesel, quatro tempos, refrigerado a água, seis cilindros em linha, injeção di-
reta, turbo comprimido, 384HP de potência máxima.
Seu sistema de direção era totalmente mecânico/hidráulico, acionado
hidraulicamente através de uma bomba acoplada ao motor que envia óleo
à caixa de direção, a qual transmite o movimento para as rodas via barra
de direção. Possuía ainda um sistema limitador de giro do munhão e ou-
tro interno a caixa de direção, garantindo assim a segurança mecânica e
hidráulica. A direção era ZF modelo 8046, hidráulica.
A transmissão era composta por três diferenciais montados sobre coxins,
de forma a evitar transmitir vibrações ao monobloco, que são dotados de
bloqueio, acionados pneumaticamente através de solenóide. Juntas homoci-
néticas lubrificadas e cardans lubrificados com graxa especial enquanto os
diferenciais são banhados a óleo. Todo o sistema de transmissão é vedado
do power pack e do monobloco por meio de coifas de borracha.
O eixo dianteiro e traseiro posterior eram ZF modelo BKA tipo motriz,
com bloqueio do diferencial e redutor planetário com diferencial ZF. O eixo
traseiro anterior era ZF modelo BKA-DU tipo drive-thru com bloqueio do
diferencial e redutor planetário. A transmissão era ZF modelo 6HP 600,
automática, com Lock Up e retarder com seis velocidades à frente e uma a
ré. A caixa intermediária era uma ZF modelo STV 600. tipo mecânica, liga-
da diretamente à transmissão automática. No redutor final estava instalada
a roda, o enchimento do pneu, o disco e os clipers de freio.
O sistema de suspensão era composto por unidade hidropneumática,
bandeja e munhão. A bandeja era fixada ao monobloco através de man-
cais e a unidade hidropneumática pelo munhão. A unidade hidropneu-
mática foi fixada ao monobloco através de flange parafusada na parte su-

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310 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

perior e por uma porca especial com trava na parte inferior (munhão) e
era composta por três cilindros e um pistão separador. Dois dos cilindros
são fixos pela parte inferior que contém óleo e pela parte superior que
contém gás nitrogênio. O efeito de mola da suspensão é obtido através da
compressão do gás nitrogênio contido na câmara superior da unidade
com o movimento dos cilindros inferiores, comprimindo o gás que é se-
parado pelo pistão separador. O amortecimento é obtido via placa de ori-
fícios na câmara de óleo. A regulagem era feita através do ajuste da
pressão de nitrogênio através de um terminal de fácil acesso. Esta suspen-
são (dianteira, traseira, posterior e anterior) era DUNLOP do tipo Mc
Pherson, independente, hidropneumática.
O sistema de freio era composto por freio de serviço que combina a
atuação de um retarder integrado à transmissão com o conjunto de freio
hidropneumático e freio de estacionamento de acionamento manual, o
qual possuía tambores instalados na frente dos diferenciais traseiros.
O trem de rolamento era constituído por pneu, aro da roda, manta de bo-
rracha e ACM (Appui Central Métallique – reforço central metálico) tipo “run
flat”. O pneu 18.00 x 22.5, perfil baixo, aro de roda em aço estampado, manta
de borracha montada entre o aro de roda e o ACM, evitando-se assim o con-
tato direto metal-metal. O ACM era uma peça metálica construída em duas
partes fixadas por meio de parafusos. Composto por seis rodas com aros de
aço 14 x 22,5”estampados, pneus MICHELIN XS 18R 22,5 com câmaras a
prova de balas com coroa metálica, sistema ACM Michelin, e sistema de en-
chimento e esvaziamento dos pneus acionado do interior do veículo.
O sistema elétrico era constituído pelos sub-sistemas: armazenagem de
energia, geração de energia, distribuição, proteção, monitorização e controle e
iluminação. A armazenagem era constituída de quatro baterias no chassi e
duas na torre, ligadas de duas em duas em série cuja capacidade total era de
300 Ah, cuja utilização depende do modo operacional normal ou emergência,
sendo que sempre um par está destinado a operação de partida do veículo.
A geração era feita por um alternador de 200 A, 28 V de capacidade, refri-
gerado a ar, acionado por três correias, sendo compatível com as especifica-
ções MIL-STD-461 A e 1275 A. Sua distribuição era toda feita com fiação e re-
vestimento termo-retrátil protegidos por filtros, blindagens e aterramentos
contra interferência eletromagnética, proteção mecânica resistente a tração,
choque e vibração. Proteção ambiental resistente a ambientes corrosivos,
abrasivos, óleos, graxas e outros. Possuía ainda conectores de engate rápido,
chicotes divididos por funções: monitoração, alimentação, comandos e ilumi-
nação. Todo o conjunto era protegido por disjuntores térmicos que exibem

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E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 311
indicação visual de circuito aberto, que podem ser monitorados a partir de
painel principal, um painel monitor e um painel de alerta.
O sistema de iluminação era constituído de iluminação externa (faróis,
lanternas) e interna (plafoniers e iluminação de painéis). Possuía chave
NATO (civil/militar). A tensão era de 24 volts, as baterias eram Saturnia 6
TN, 12 volts, 100 Ah cada, o alternador era um Leece Neville A001
2036AA, com tensão de 28 volts e capacidade de 200 A. Estava ainda
previsto como itens opcionais o sistema NBC com captação de ar externo,
filtragem e insulflamento no interior do veículo alojado no chassi, sistema
antiincêndio para câmara do motor e compartimento da tripulação.
Com relação à torre, era um monobloco em chapas de aço soldadas, duas
escotilhas que permitiam fácil acesso ao seu interior, uma de cada lado e
mais uma lateral que permitia o carregamento de munição para o interior do
veículo, bem como a descarga dos estojos usados. Sua tripulação era com-
posta de três homens, estando o atirador e comandante à direita e o muni-
ciador à esquerda do canhão. O sistema era de cesta apoiada sobre roletes no
fundo do veículo e arrastada pela torre por um braço articulado, sistema este
que permitia a retirada da torre independentemente da cesta, reduzindo o
peso do conjunto e altura livre necessária a sua remoção. Através da cesta é
possível acessar o compartimento do motorista pelo interior do veículo. Os
bancos do atirador e comandante eram apoiados no piso da cesta dispondo
de dispositivos para ajuste rápido e contínuo de altura. Já o banco do muni-
ciador era fixado à torre, com assento rebatível, aumentando assim o espaço
disponível durante a operação de carregamento do canhão.
Seu armamento principal era um canhão Oto-Melara 105mm, recuo
longo com freio de boca e extrator de fumaça, rearme tipo mola, recuo
máximo de 750mm, força de recuo 12.000kg e peso de 1.850kg, capaz de
disparar munições de alta velocidade HEAT-MP-T (alvos blindados ou
infantaria) e APDSFS (alvos blindados pesados, de grande alcance efetivo
e elevado efeito terminal). O tubo era tipo L7 raiado, com luva térmica de
liga leve evitando assim deformações causadas por distribuição não uni-
forme de temperatura. O freio de recuo era composto por um cilindro re-
cuperador hidropneumático montado paralelamente ao tubo.
A abertura da cunha podia ser automática ou manual (acionada pelo
recuo do canhão), selecionada por uma alavanca situada no lado es-
querdo do bloco da culatra. Em relação à abertura manual esta somente
seria utilizada basicamente em operações NBC, evitando queda da sobre-
pressão na torre, e o fechamento era efetuado automaticamente pela mu-
nição, quando esta era introduzida na câmara. A extração do estojo era

StrategicEvaluation (2007) 1
312 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

automática, com a abertura da culatra. A extração de fumos era efetuada


automaticamente por meio de uma câmara extratora, fixada na posição
intermediária do tubo do canhão. O disparo era elétrico, através de
contactor na cunha, acionado através de pedais atuado pelo atirador ou
comandante. Disparo de emergência era efetuado por circuito elétrico
independente, atuado pelo atirador.
Como armamento secundário tinha uma metralhadora coaxial MAG
calibre 7,62mm, disparada eletricamente pelo atirador ou comandante,
com possibilidade de disparo mecânico de emergência através do gatilho
do posto do atirador e uma metralhadora Browning .50 (12,7mm) instala-
da na parte externa da torre, por meio de um suporte, disparada pelo
municiador. Possuía ainda dois conjuntos de seis tubos de lançadores de
granadas fumígenas situados nas laterais da torre, os quais também po-
diam disparar granadas antipessoal em lugar das fumígenas.
Os equipamentos sofisticados eram para controle de tiro e movimen-
tação do canhão, que eram totalmente elétrico-eletrônico. O controle de
tiro era constituído de dois periscópios (atirador e comandante) e um
computador de tiro integrado ao periscópio do atirador, além de uma lu-
neta de combate Aeritalia, modelo Telescope C-215, tiro diurno, 8X, para
tiro em emergência (black-up). Os dois periscópios eram acoplados me-
canicamente ao canhão através de barras de ligação, possibilitando visão
diurna e noturna. A noturna era feita através de intensificação de ima-
gem. O comandante podia acessar as diversas funções do periscópio do
atirador através de um painel de comando localizado no seu posto, sendo
sua atuação prioritária em relação ao do atirador.
O periscópio do sistema de controle de tiro do atirador era um OIP
modelo LRS-5, tipo diurno/noturno, tipo laser ND-YAG, com compri-
mento de onda de 1064 Na, com cadência do laser de um tiro a cada cinco
segundos e alcance de 200 a 9995 metros. Já os periscópios do sistema de
controle de tiro do comandante eram um OIP modelo SCS-5, 8x diurno e
noturno; quatro GUS modelo M-17 para visão diurna, e do municiador
um HELIO modelo AFV No.30 MK, tipo diurno/panorâmico, 360º 1x.
Os manches de comando do sistema de giro e elevação tem incorpo-
rado botões para disparo de laser, disparo de metralhadora 7,62mm e
“tracking” de alvos móveis. Nas operações normais, os parâmetro de tiro
(velocidade do vento, temperatura do ambiente e da munição, altitude e
tipo de munição) são alimentados manualmente no computador. Quando
o alvo é visado, dispara-se o laser que dará a informação da distância,
dados que são imediatamente e automaticamente inseridos no computa-

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 313
dor, que após processá-los com todos os parâmetros citados, injeta um
ponto luminoso vermelho na tela dos periscópios. A pontaria se fazia le-
vando-se o alvo a coincidir com esse ponto e então era acionado o pedal
de disparo para realizar o tiro. No caso de alvos móveis a operação é se-
melhante, porém é necessário fazer o acompanhamento do alvo entre as
duas marcas existentes na tela, para aquisição da velocidade. Em caso de
falha do computador realiza-se a pontaria através do retículo balístico in-
corporado nos periscópios. Se estes falharem existe ainda a possibilidade
de tiro através da luneta de combate, a qual possui um retículo balístico
idêntico ao dos periscópios incorporados.
No item ventilação, os gases gerados pela metralhadora coaxial são
descarregados ao exterior através de um exaustor elétrico com tomadas
localizadas. Além do extrator de fumos do canhão, existe na torre, um
exaustor elétrico com tomadas localizadas, que descarregam para o exte-
rior os gases gerados, limitando assim a concentração de CO na torre.
Quanto a comunicação na parte traseira da torre, atrás do comandante
existia um alojamento para dois rádios VHF e um para HF, incluindo equi-
pamento de cifragem das mensagens. O sistema incluía ainda um interco-
municador para todos os tripulantes, inclusive o motorista, através de ca-
nais especiais com baixo nível de ruído no coletor. Previa-se ainda a adoção
de rádios mais modernos e menores. Como item opcional podia ainda por
meio de leds em um painel, indicar quando o veículo era atingido por feixe
de laser proveniente de equipamentos de telemetria ou guiagem, indicando
de onde provem o sinal, para uma rápida ação evasiva.
Só para termos uma idéia da dimensão deste projeto, desconhecido
por nós, em artigo publicado na Suiça, na Revista Internacional de Defensa
5/1988, páginas 549/551, artigo este assinado pelo R.M. Ogorkiewicz,
uma das maiores autoridades em blindados no mundo, em seu último pa-
rágrafo ele diz: “A conseqüência direta desta decisão é que Engesa está
desenvolvendo um veículo adequado para o meio em que deve operar o
Exército Brasileiro e o de outros países, veículo que poderá ser o autêntico
sucessor do Cascavel”.

EE-3 JARARACA
A idéia de se produzir um veículo leve blindado 4x4 para o Exército
Brasileiro não é nova, ela remonta ao início dos anos 70, quando a primei-
ra idéia surge no Parque Regional de Motomecanização da 2ª Região Mi-
litar de São Paulo – PqRMM/2. Seria uma forma de substituir o velho
jipe como veículo de exploração nas unidades de cavalaria mecanizada,

StrategicEvaluation (2007) 1
314 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

dada a sua vulnerabilidade e ausência total de blindagem. Desta forma


surge o primeiro desenho denominado de Auto Metralhadora 4x4.
Como haviam iniciado um outro projeto cuja execução já estava na
fase de construção de um protótipo, denominado de V.B.B. (Viatura Blin-
dada Brasileira) que deveria ser o substituto dos velhos M-8 Greyhound,
oriundos da segunda guerra mundial, empregados pelo 1º Esquadrão de
Reconhecimento na Campanha da Itália em 1944-45.
Esse projeto acabou por não ir adiante, pela simples razão de ser um
veículo 4x4 e o Exército queria um 6x6, fruto daquele aprendizado, sur-
gindo assim um novo projeto, construindo um protótipo, que depois foi
produzido em série numa parceria com a empresa privada Engesa S/A,
tornando-se um ícone da indústria de material de defesa brasileira conhe-
cido com o nome de EE-9 Cascavel.
O sucesso do veículo dentro das unidades do Exército e sua aceitação no
mercado internacional tornou muito difícil a aceitação de um veículo blinda-
do leve 4x4, e de certa forma isto vem nos afetando até os dias de hoje, muito
embora algumas empresas tenha apresentado blindados sobre rodas 4x4
nenhum foi ainda homologado e adquirido. Como a ENGESA estava à frente
de seu tempo, ela desenvolveu uma gama variada de veículos blindados vi-
sando o mercado externo e dentre os diversos modelos, surgiu uma variação
da Auto Metralhadora, cujo novo desenho foi aprimorado e logo em seguida
foi construído um protótipo e a seguir uma série de 63 veículos, praticamente
para exportação visto que o Exército Brasileiro não opera nenhum, mesmo
estando em seu poder dois protótipos oriundos da massa falida daquela em-
presa (um de reconhecimento e um de guerra química).
A idéia era produzir um veículo de reconhecimento de grande mobili-
dade, equipado com metralhadora externa 7,62mm, ou 12,7mm (.50) numa
torreta giratória blindada, na sua configuração padrão, equipada com qua-
tro lançadores de granadas fumígenas. Outras versões podem empregar
mísseis anticarro do tipo Milan. A tripulação é composta por motorista, um
comandante e um atirador. O motor diesel foi colocado na parte traseira e a
transmissão mecânica de cinco velocidades à frente e uma à ré.
Sua direção era hidráulica integral, permitindo acionamento mecânico
em caso de emergência. Sistema elétrico de 24 volts com circuitos de ilu-
minação civil e militar. Rodas de aço estampado, pneus à “prova de ba-
las” com sistema automático de enchimento. O equipamento ótico con-
siste de periscópios para observação do motorista e comandante, além de
um sistema passivo de visão noturna. Por ser extremamente compacto,
seu peso máximo era da ordem de 5.800 kg, com autonomia de 700 km,

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 315
com 140 litros de diesel, velocidade máxima de 100 km, podendo subir
rampas de 60% e inclinação máxima lateral de 30%, superar obstáculos
vertical de 400 mm, podendo passar em vaus de 800 mm.
Seus componentes mecânicos eram todos oriundos da indústria auto-
motiva nacional, usada em caminhões, o que facilitava a logística de peças
de reposição. Seu motor era um Mercedes Benz OM-314A, quatro cilin-
dros em linha, turbo alimentado e sua caixa de mudanças era uma Clark
modelo 240 V, mecânica, com caixa de descida Engesa, com engrenagens
helicoidais, engrenamento constante e relação l,0:1. Sua embreagem era
do tipo monodisco seco, hidráulico e a caixa de transmissão múltipla En-
gesa, mecânica, duas velocidades, engrenamento constante. O sistema de
direção era ZF do Brasil modelo 8058, hidráulica e sua suspensão tipo
eixo rígido, flutuante, com molas semi elípticas e amortecedores de dupla
ação, sistema de freio Bendix a tambor com acionamento a ar sobre
hidráulico e freio de estacionamento mecânico.
O conceito ainda atual poderia gerar um novo veículo blindado 4x4
que atenderia muito bem às forças militares e policiais, dentro da nova
realidade em que está sendo empregado, principalmente, o Exército em
operações urbanas na luta contra o narcotráfico. Não foi o melhor veículo
concebido pela ENGESA, recebeu muitas críticas de seus próprios enge-
nheiros, tanto que toda a sua produção foi exportada para países como
Uruguai (16), Guiné (10), Gabão (12), Equador (10) e Chipre (15) que
ainda o operam, sendo que o Uruguai está operando cinco deles no Haiti
onde integram a MINUSTAH sob o comando do Brasil.
Concebido para substituir as viaturas ¼ toneladas, com sua silhueta
baixa e sua facilidade de manobras em terrenos variados o tornam um
veículo extremamente operacional inclusive para patrulhar áreas urbanas
como força policial nas operações que exijam alto poder ofensivo, propor-
cionado uma boa proteção a seus tripulantes e dadas as suas pequenas
dimensões pode locomover-se com facilidade, evitando desta forma em-
pregar veículos 6x6, pesados, grandes como os ocorridos recentemente no
Rio de Janeiro, inclusive seria o veículo ideal para as unidades de ataque
rápido, pois pode muito bem ser lançado de pára-quedas.

CHARRUA
Em meados dos anos 80 a Moto Peças S/A em parceria com o Exército
Brasileiro iniciou um programa de estudos para a modernização dos M-59
de origem norte-americana, oriundos da guerra da Coréia. Inicialmente
pensou-se na substituição de seus dois motores a gasolina, montados nas

StrategicEvaluation (2007) 1
316 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

laterais do veículo, por um motor diesel nacional, e partindo desta inicia-


tiva, optou-se pelo projeto e fabricação de protótipos de um novo veículo
inteiramente nacional e que incorporasse as excelentes qualidades do M-
113 com o espaço interno do M-59.
Nasceu aí o CHARRUA, que na linguagem dos índios quer dizer ágil,
robusto e que tem garra. Este CBTP (Carro Blindado Transporte de Pes-
soal) foi concebido visando dar uma maior flexibilidade e grande agilida-
de às unidades de Fuzileiros Blindados do Exército, pois possuía também
a capacidade de ser anfíbio, podendo transpor rios e lagos com grande fa-
cilidade, coisa comum no extenso território brasileiro.
Inicialmente pensou-se numa família básica que comportasse três
versões, uma leve, uma média e uma pesada, sendo a leve na ordem de
até 18 toneladas, anfíbia, destinada ao transporte de pessoal, comunica-
ções, ambulância, combate de fuzileiro, porta morteiro, comando, e anti-
tanque. A média na ordem de até 21 toneladas, anfíbia, destinada a com-
bate de fuzileiros, armada com canhão de 20/25mm, uma para defesa an-
tiaérea com o mesmo calibre e outra com torre para canhão de 60 a 90mm,
além da versão radar. Por fim a versão pesada, na ordem de até 24 tone-
ladas, não anfíbia, com torre para canhão de 105mm, outra como obuseiro
auto propulsado de 155mm, outra com sistema de lançamento de fogue-
tes, carro socorro com torre giratória e uma para transporte de cargas.
Das três versões previstas apenas a primeira chegou à fase de protóti-
po e testes exaustivos foram feitos pelo Exército, chegando à construção
de dois protótipos, que podemos denominar modelo I e II, distintos entre
si, principalmente no aspecto externo. A versão II chegou a ser testada
pelo Corpo de Fuzileiros Navais, pois previa-se uma versão que atendes-
se também a Marinha do Brasil. Muitos dos componentes usados nos
protótipos vieram do Carro de Combate M-41, então espinha dorsal do
Exército naquela época. O protótipo II tinha seu peso de combate na casa
dos 17.500kg, transportando três tripulantes e nove soldados na configu-
ração padrão, podendo elevar este número a vinte e dois na especial.
Deslocava-se na água a 8km/h com auxílio de hidrojato e em estradas
podia alcançar 70km/h. Possuía grande agilidade de manobra e capaci-
dade de pivoteamento (capacidade de girar sobre si mesmo), o que lhe
tornava muito estável e confiável. O acesso ao seu interior, amplo, se dava
através de uma rampa traseira com acionamento hidráulico e na mesma
existiam duas portas, que funcionavam sem abaixar a rampa, permitindo
o embarque e desembarque da tropa. O veículo era todo blindado, resis-
tente a armas de pequeno calibre, e previa-se o uso de blindagem adicio-

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 317
nal com placas de cerâmica, que deveriam ser retiradas quando fosse
efetuar operações anfíbias, e segundo o fabricante estas resistiriam a im-
pactos diretos de munição normal de até 20mm.
Seu motor, um diesel Scania DSI 11, de 349 hp, com caixa de trans-
missão automática “cross-drive” Allison, ficava situado na sua parte
frontal ao lado do compartimento do motorista. De seu interior era possí-
vel disparar armas automáticas e possuía ainda na sua parte superior,
uma pequena torre para metralhadora .50, ou canhões de 20/25mm, de-
pendendo da configuração, além de três grandes escotilhas com tampas
retangulares e quatro lançadores de granadas fumígenas. As sapatas de
borracha das lagartas foram fabricadas pela Novatração Artefatos de Bo-
rracha que realizou diversos testes em parceria com o Exército.
Uma versão antiaérea chegou a ser montada sobre o veículo pela CBV,
com canhão Bofors 40mm, numa torre giratória, apresentado em uma ex-
posição de material de defesa ocorrida em São José dos Campos, SP, mas
que não foi adiante, o que poderia ter sido um eficiente sistema para defe-
sa antiaérea, visto que até hoje não possuímos nenhum blindado para esta
finalidade. Os testes com o protótipo, versão transporte de tropas, mais
tarde transformado em Veículo Anfíbio Transporte de Fuzileiros, se de-
senvolveram até início dos anos 90, mas com a crise da nossa Indústria de
Material de Defesa este projeto também não foi adiante, muito embora o
protótipo II exista e se encontra no IPD, no Rio de Janeiro, sem condições
operacionais, ele foi muito elogiado, principalmente pelas suas qualida-
des de navegabilidade, e poderia ter sido o sucessor do M-113 tanto no
Exército quanto na Marinha.

CONCLUSÃO
Faz-se necessário uma readequação do nosso Parque Industrial de De-
fesa, com fusões de empresas, tornando-as mais competitivas e diversifi-
cadas, como tem sido feito na Europa e Estados Unidos; criar uma agen-
cia de aquisição e avaliação de material para as três forças ligadas ao Mi-
nistério da Defesa, com poder de decisão e como forma de transformar as
forças armadas em operadoras de sistemas de armas e não detentoras de
plataformas “A” ou “B”, interagindo-as nos sistemas que forem comuns.
Recriar empresas estatais para produção de material de defesa que não
sejam de interesse das privadas (pouca lucratividade, pequenas quantidades
e longo tempo de compras), como forma de suprir e manter operacional
itens importantes que possam ser produzidos no país, evitando-se importa-
ções em escala pequena como tem ocorrido na atualidade.

StrategicEvaluation (2007) 1
318 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria

Flexibilizar nossos requisitos técnicos, pois no papel são excelentes, mas


na prática lamentáveis, e mais ainda criarmos uma maior interação entre os
diversos centros de pesquisas, civis e militares, que na atualidade funcionam
como ilhas, sem comunicação uma com as outras, onde em vários deles se
pesquisam as mesmas coisas, gerando gastos e cometendo erros reincidentes
até obterem praticamente os mesmos resultados, visto que sempre estamos a
reinventar a roda, cometendo erros idênticos a cada 20 anos.
Criar regras bem definidas, principalmente em quais itens seriam de
maior interesse para o reequipamento das Forças Armadas e que os gar-
galos tecnológicos que terão de ser enfrentados possam vir de cooperação
oriundas de países que realmente querem e podem transferir tecnologia
de ponta que muito ajudaria para salvarmos os "sobreviventes" do que foi
a Indústria de Defesa Brasileira.
Conhecer o nosso passado e aí sim termos uma idéia do que pode ser
aproveitado para o aprimoramento e a continuação de projetos que eram
viáveis nos anos 90 e que podem ainda muito bem, com algumas moder-
nizações, terem um grande valor para reequipar nossas Forças Armadas e
servir como plataforma para agregar conhecimentos importantes e a par-
tir daí caminharmos para uma sofisticação maior, visto que em tecnologia
não se dá grandes saltos, mas sim pequenos passos que somados possibi-
litam um caminhar suave e crescente.
Definir os porquês, para quê e de que forma pretendemos, no futuro,
empregarmos estas forças, qual o nível de tecnologia que queremos e ne-
cessitamos, visto que não temos ambições expansionistas, mas precisamos
criar um bloco regional, que sem dúvida caberá a nós ser o elo e a força
maior para que a região possa ter mais voz ativa no conturbado século
XXI, cujo horizonte não é dos melhores.
Evitar que empresas ligadas à área de defesa degladiem entre si, como
no passado, fazendo com que muitos projetos fossem largados de lado,
numa competição que caminhava para uma quase hegemonia de um de-
terminado grupo, sendo que muitas das soluções e necessidades reais de
nossas Forças Armadas fossem esquecidas, sonhando com um grau de so-
fisticação muito distante de nossa realidade, tanto que hoje continuamos a
comprar equipamentos de segunda mão excedentes da Europa e Estados
Unidos, embora em vários casos houvesse um similar nacional, muita das
vezes superior ao que vem sendo adquirido.
Ter uma visão estratégica que nos faltou em décadas passadas, e com-
preendermos que produzir e desenvolver material de defesa não faz mal
à sociedade, visto que se conseguirmos dominar pontos importantes nesta

StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 319
área, ela trará enorme benefício a todos, desenvolvendo tecnologias sen-
síveis que os países mais desenvolvidos não querem e não podem nos
transferir. Só um decreto não basta para mantermos e ampliarmos uma
Indústria de Defesa. Seria de extrema importância manter um Museu
Tecnológico que agregaria tudo o que sobrou do nosso desenvolvimento
nessa área nas décadas passadas, reunindo num mesmo lugar com a
finalidade de servir de base para desenvolvimentos futuros.
Analisar a grande interatividade entre a indústria nacional-
multinacionais e as Forças Armadas, na época, transformando o País num
produtor de material de defesa para seu uso e exportação, com erros e
acertos, desenvolvendo tecnologias que na maior parte não podia ser
comprada, pela simples razão de que quem as detém não ensina a domi-
nar seu ciclo de produção, criando a terrível dependência.
Diversas etapas do ciclo de projeto, desenvolvimento e produção fo-
ram exercitados e entendidos. No momento em que toda a cadeia de de-
senvolvimento e produção entrou em crise, os governantes não cuidaram
em preservá-la, incluindo aí todo o conhecimento gerado por anos de
pesquisas e qualificação de pessoal, que da noite para o dia se viu desem-
pregado, desamparado e lançado à própria sorte. Nem o material foi
mantido para uma retomada futura - a maior parte virou papel velho - e o
maquinário e protótipos simplesmente foram sucateados, vendidos como
ferro velho, sepultando assim um fator essencial para o domínio da tec-
nologia na área de defesa.
Faltou visão estratégica e vontade política, pois as alegações de que
“importar é mais barato” e que “isso era resquício da ditadura” prevaleceu
nos últimos anos e somente agora estamos percebendo o que realmente foi
feito. O desejo de ter um equipamento brasileiro deve ser dos brasileiros e
não dos fabricantes mundiais. Tecnologia não se compra, desenvolve-se.

*
Expedito Carlos Stephani Bastos é coordenador da linha de pesquisa em
Tecnologia Militar do Centro de Estudos Estratégicos ‘Paulino Soares
de Sousa’ da Universidade Federal de Juiz de Fora; Coordenador do
Núcleo de Estudos Estratégicos do Instituto Histórico e Geográfico de
Juiz de Fora; Curador da seção de blindados e veículos militares do
Museu Militar Conde de Linhares (Rio de Janeiro); e Coordenador do
portal temático UFJF/Defesa <www.ufjf.edu.br/defesa> da UFJF.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1

JOÁM EVANS PIM

Evolución del complejo


industrial de defensa en Brasil
Breves apuntes para una revisión necesaria
Evolution of Brazil’s denfence industry complex
Brief notes for a necessary revision

Resumen: Aun cuando el análisis de la industria de defensa brasileña era un tema


recurrente en los foros internacionales, prácticamente nadie entre los países de
habla española había tocado el asunto, obviando los notables puntos en común no
sólo con sus vecinos latinoamericanos sino también con los países ibéricos. Si bien
los motivos de esta falta de interés no serán abordados, sí se pretende con este tra-
bajo aproximar de forma sintética la evolución del complejo industrial de defensa
en Brasil, desde sus orígenes hasta nuestros días, sirviendo como base para posi-
bles estudios comparativos y una necesaria revisión que, años después de la crisis
de la industria puede y debe ser realizada con el debido distanciamiento.
Palabras-clave: industria de defensa; Brasil; comercio internacional; tecnología militar.

Abstract: Even when the analysis of Brazilian defence industry was a recurrent issue in
international forums, barely anyone in the Spanish-speaking countries tackled the matter,
obviating remarkable common features not only with its Latin-American neighbours but
also with the Iberian countries. Though the reasons for this lack of interest will not be
studied, this work hopes to present the evolution of Brazil’s defence industrial complex,
from its origins to our days, in a syntactical form that may be of use for future comparative
studies and a necessary revision, many years gone since the crisis of the industry, that
must be carried out with the required exemption.
Keywords: defence industry; Brazil; international trade; military technology.

INTRODUCCIÓN
A mediados de los ochenta Brasil pasó a encabezar la producción de
armas entre los países en vías de desarrollo convirtiéndose, a lo largo de
los años y según diversas fuentes, en la séptima (SIPRI, 1981), sexta (Ke-
ller, 1991:143) o quinta (Stepan, 1998:83) potencia mundial en este campo.
Los efectos de la crisis de finales de los ochenta y principios de los no-
venta, viéndose Brasil especialmente perjudicado por el fin de las hostili-
dades entre Irán e Irak, fueron duros pero no asombraron a nadie en
322 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

desmedida, al contrario que la propia aparición (y boom) del sector en las


décadas anteriores. En este trabajo se pretende no sólo analizar la trayec-
toria y los factores que hicieron posible el despegue de esta industria y su
posterior crisis, sino sobre todo las pautas generales que rigieron tales
movimientos y sus posibles direccionamientos futuros.
Sin dejar de lado los estudios monográficos sobre este fenómeno, se ha
intentado dar un enfoque distinto, otorgando mayor relieve a las implica-
ciones estratégicas, y a la propia estrategia político-militar brasileña, al
modelo de la organización política en Brasil y a las complejas relaciones
que desde los primeros asentamientos de la colonización portuguesa se
forjaron entre administración pública, mística corporativa militar y desa-
rrollo, buscando así una visión más profunda y holística del fenómeno.
El despegue de esta industria, estrechamente ligado a las doctrinas de
‘seguridad y desarrollo’ impulsadas en la segunda mitad del siglo XX
pero concebidas ya en el primordio del mismo, vino dado sobre todo por
tres decisiones clave del régimen militar instaurado en 1964: mejorar la
tecnología armamentística a través de joint ventures con países europeos;
instituir una política estatal de apoyo al desarrollo de tecnologías infor-
máticas y de defensa, reduciendo la dependencia exterior del país; y
abandonar las ‘fronteras ideológicas’ a la hora de establecer relaciones di-
plomáticas y económicas a nivel global, con vistas a convertir al país en
una potencia hemisférica e incluso global (Brooke, 1981:167-180). Pero el
porqué los militares emprendieron tal camino es un asunto de cierta rele-
vancia, frecuentemente causa de negligencia en los escasos y predomi-
nantemente técnicos o economicistas estudios existentes.
De cualquier forma, entendemos que si bien el conglomerado brasile-
ño surgió como parte del juego geoestratégico de los intereses corporati-
vos militares, su éxito llegó por un oportuno y necesario distanciamiento
(que no separación) del control militar directo. La industria aparece sin
duda por la imperiosa necesidad de autonomía armamentística (una lec-
ción que Brasil aprendió, y bien, tras un siglo de precariedad) así como la
visión de poder y prestigio que (de hecho) se deriva de una producción
exitosa. Pero, de no haber logrado esa otra ‘autonomía’, del poder militar,
difícilmente hubiese sabido adaptarse pragmáticamente a las cambiantes
condiciones de los mercados internacionales (Schwam-Baird, 1997:183;
Stepan, 1988:82-86). Que esto fuese posible se explica en parte por la pro-
pia (super)estructura –particularmente la ideológica-geoestratégica– de la
institución militar, (re)configurada en torno a los nuevos principios enun-
ciados desde la Escola Superior de Guerra y que bebe de una larga tradi-
ción militar (Franko-Jones, 1992:59) que abordaremos en una ocasión futura.

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 323
No obstante, la máxima de cuanto más alto se sube mayor es la caída re-
sulta perfectamente aplicable al caso brasileño, aunque el fin del conflicto
irano-iraquí y de la propia Guerra Fría no explican de por si el gran ‘topeta-
zo’. Conca (1997) señala que la lección fundamental del caso brasileño es la
pauta histórica de desarrollo militar-industrial por la cual este extenso com-
plejo interactúa estrechamente con las estructuras políticas domésticas que
podrán facilitar o constreñir un crecimiento hipotético. Teniendo en pers-
pectiva las dificultades de industrialización de los países en vías de desarro-
llo, especialmente en lo que se refiere a la internalización de medios estraté-
gicos en el proceso de producción armamentístico, el relativo éxito de Brasil
es sin duda alguna meritorio, y por ello intentaremos analizar sus razones.
Nos encontramos en un momento histórico interesante para lanzar tal
propuesta. En primer lugar porque, transcurrida una década y media desde
su colapso, deberíamos estar en condiciones de evaluar desde una perspec-
tiva distanciada, y con los aportes de datos necesarios, el surgimiento y cri-
sis de la industria de defensa en Brasil, precisamente cuando parecen brotar
de nuevo algunas hojas verdes en el gigantesco pero arrasado árbol del Sur.
El pasado año 2005 ha dejado un sabor agridulce en aquellos que se vienen
preocupando por el desarrollo de las capacidades tecnológicas brasileñas,
pero ya es un avance frente a la larga noche de piedra iniciada a principios
de los noventa con los colapsos, quiebras y defunciones de prometedores
proyectos en el campo de la ingeniería militar.
A pesar del complejo panorama político, el Ministério da Defesa aprovó
una interesante iniciativa, bajo la denominación de Política Nacional da In-
dústria da Defesa, que en teoría busca fortalecer la base industrial de defensa
en Brasil a través de la progresiva reducción de la dependencia externa en
productos estratégicos de aplicación militar, desarrollándolos y produ-
ciéndolos en el propio país, incentivando de esta forma el avance tecnológi-
co y las capacidades de adquisición por parte de las Fuerzas Armadas na-
cionales (Bastos, 2006:7-8). Asimismo, la también novedosa Política de Defesa
Nacional (Decreto nº 5.484, de 30 de junio de 2005) incide también en esta
necesidad cuando establece, como en décadas anteriores, que

O fortalecimento da capacitação do País no campo da defesa é essencial e deve


ser obtido com o envolvimento permanente dos setores governamental,
industrial e acadêmico, voltados à produção científica e tecnológica e para a
inovação. O desenvolvimento da indústria de defesa, incluindo o domínio de
tecnologia de uso dual, é fundamental para alcançar o abastecimento seguro e
previsível de materiais e serviços de defesa.

StrategicEvaluation (2007) 1
324 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

A pesar de esto, el gobierno también ha dado sus varapalos a la in-


dustria nacional, que de por sí tiene suficientes problemas. Los más signi-
ficativos, y que analizaremos con cierto detalle, fueron quizás la crisis de
IMBEL, la cancelación del programa FX para la adquisición de aviones de
combate o la suspensión del concurso para la fabricación de un blindado
6x6. En cierta medida esto se ve compensado por los compromisos ar-
gentino-brasileños para la manufactura conjunta de un vehículo ligero
conjunto (cuyos prototipos están en fase de conclusión), la buena acogida
del vehículo Agrale Marruá (que en breve podría entrar en acción en los
escuadrones de caballería mecanizada) y los nuevos productos desarro-
llados por empresas nacionales como Mectron (con sus misiles superficie-
superficie anticarro portátiles), Avibrás (con su vehículo blindado BOPE)
o incluso IMBEL, que a pesar de su precaria situación ha desarrollado en
el Arsenal de Guerra do Rio una interesante gama de morteros, propor-
cionando a las Fuerzas Armadas notables beneficios en simplicidad y ra-
pidez (Bastos, 2006:4). No conviene dar por muerto el gigante.

INDUSTRIA Y DEFENSA EN BRASIL: UNA PERSPECTIVA HISTÓRICA


Convertido en portugués tras la “ocasional” visita de Cabral en 1500,
Brasil constituía la joya del Imperio del país vecino. La primera manifes-
tación que se conserva sobre los habitantes de la entonces llamada “Ilha
de Vera Cruz” se remonta a 1500 en la carta de Pero Vaz de Caminha,
considerada “certificado de nacimiento” o “diploma natalicio” del Brasil,
al redactarse en el momento del descubrimiento, o por lo menos de la lle-
gada oficial de los portugueses a las tierras de Vera Cruz (vid. Saraiva,
1986:160-164). Aunque se mostró un tanto asustado en relación a los
habitantes nativos, el escribano oficial de la escuadra de Cabral reveló
una tierra repleta de magia y colores, con gente “boa e de boa simplicida-
de” (Castro, 1985:106). Más que el descubrimiento de nuevas tierras la
Carta de Caminha nos trae el descubrimiento del Otro civilizacional, en
palabras de Ana Maria de Azevedo, “um imenso território de obstáculos”
(2002:240) del que los portugueses, “marcianos de si mesmos”, nos traen
“descrições entusiásticas [...] de terras fertilíssimas, de árvores de porte
majestoso, de clima de eterna primavera, de aves de cor deslumbrante e
canto nunca ouvido” (Azevedo, 2002:241).
Poco tardó la transición entre “achamento” y colonización. Al princi-
pio y bajo el mandato del Rey, ésta aún buscaba lograr contactos comer-
ciales con los indígenas, lo que no logró los resultados esperados, debido
a las formas rudimentarias de los amerindios respecto a este tipo de prác-

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 325
ticas. Posteriormente se inicia, por motivos económicos, una explotación
más violenta en la que los conflictos con los indios se hacen más frecuen-
tes. Tras haber agotado las vías de explotación de otras colonias portu-
guesas, y procurando conservar las amenazadas riquezas lusas, aquel es-
cenario armónico pronto se convirtió en territorio de guerras.
En el siglo XVII Brasil era ya un gran productor de azúcar, lo que provocó
colisiones con los holandeses, que durante algún tiempo (1624-1654) controla-
ron parte de sus costas (Machado, 1980:27). En 1762, cuando el virrey Gomes
Freire de Andrade funda en Río de Janeiro la Casa do Trem de Artilharia, se
da el primer paso hacia la creación de una industria de armamentos, con la
finalidad de suplir las necesidades de material bélico en Sudamérica. Dos
años después, el Conde da Cunha transforma la Casa en Arsenal do Trem,
dándole mayor capacidad logística y de producción. Al mismo tiempo, en
1763 se crea también el Arsenal de Marinha, al que se hará referencia poste-
riormente (Amarante, 2004). Estas iniciativas no son de extrañar dadas las
tensiones existentes con el Imperio español, al que de hecho, tras las guerras
de finales del XVIII, tuvieron que ceder Uruguay (Machado, 1980:52).
Sin restar importancia a estas inversiones estatales, que arrancaron la
producción armamentística autóctona del campo puramente artesanal,
será con la llegada de D. João VI a Brasil, con toda la Corte, a causa de la
invasión napoleónica de Portugal, cuando las actividades industriales
crecerán considerablemente. En 1808 se inaugura la Fábrica de Pólvora de
Lagoa Rodrigo Freitas, que en 1824 se traslada al Distrito da Estrela, en la
Sierra de Petrópolis, cerca de Río de Janeiro, con el nombre de Fábrica da
Estrela. Esas instalaciones forman hoy parte del complejo de cinco unida-
des de producción de IMBEL (Indústria de Material Bélico do Brasil), lo
que denota su importancia (Dreyfus et al., 2004; Amarante, 2004). En este
proceso de expansión, el Arsenal do Trem se transforma en 1811 en Arse-
nal de Guerra da Corte, hoy Arsenal de Guerra do Río, con mayor capa-
cidad de producción de armas, municiones y otros materiales para uso de
las fuerzas armadas. Asimismo, para facilitar el apoyo logístico a las
campañas militares en el sur del país (zona limítrofe con Uruguay, Para-
guay y Argentina), se funda el Arsenal de Guerra de Pôrto Alegre, en Río
Grande do Sul, que hoy aún funciona en General Câmara (Amarante, 2004).
En 1889, con el fin del Imperio y la proclamación de la República, se
inicia una nueva fase de renovación del material de las fuerzas armadas,
desgastado tras la guerra contra Paraguay (1865-1870). La política domi-
nante, promovida por las nuevas elites intelectuales (Schwarcz, 2001:25),
consistía en importar armamento, adecuando los arsenales para su en-
samblaje y reparación, lo que condicionaría la industria de defensa du-

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326 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

rante más de medio siglo. Así, en 1898 se crea la Fábrica de Realengo,


destinada a la producción de municiones de pequeño calibre, y en 1909 la
Fábrica de Piquete, primera planta de producción de pólvora de base
simple. Aunque la primera hoy ya no está operativa, la segunda, ahora
Fábrica Presidente Vargas, constituye otra de las unidades de producción
de IMBEL (Amarante, 2004). Paralelamente a las industrias estatales vin-
culadas a las fuerzas armadas, la fuerte inmigración procedente de Eu-
ropa estableció poco a poco una importante industria de armas y muni-
ciones con marcas como Boito, Rossi y la Fábrica Nacional de Cartuchos
(hoy CBC). Es de destacar la aparición en 1937 de Forjas Taurus, que hoy
constituye una de las mayores compañías de producción de armas cortas
a nivel mundial (Dreyfus et al., 2004:53).
Durante los tempestuosos primeros años de la República, las elites
políticas estaban más preocupadas por las amenazas internas que por las
externas, lo que se tradujo sobre todo con el cese de importaciones du-
rante la Primera Guerra Mundial, en una falta de atención hacia las nece-
sidades de las fuerzas armadas (Dreyfus et al., 2004:52; Schwan-Baird,
1997:69). La simbólica participación de Brasil en este conflicto dejó en
evidencia las carencias, que se dejaron sentir durante la Revolución cons-
titucionalista de São Paulo de 1930 (Barreto, 2003: 583). Aunque el proceso
sería lento, fue a partir de este punto que el Ejército y el Gobierno de Var-
gas entendieron que era necesaria una industria nacional que permitiese
el equipamiento de las fuerzas armadas con independencia del exterior,
siguiendo de forma extensiva el modelo de industrialización por sustitu-
ción de importaciones (Acuña, Smith, 1994:30).
La propia depresión de los años treinta aumentó la ansiedad de los
oficiales por esta excesiva dependencia exterior, entendiendo que para
conseguir autonomía armamentística sería necesario forjar una nueva in-
dustria militar moderna y competitiva, algo que sólo podía ir ligado a la
industrialización y desarrollo global de la economía brasileña. Los milita-
res, por su parte, empezaron a enviar oficiales al extranjero para formarse,
no sólo en ciencias militares sino en prácticamente todos los campos téc-
nicos, desde economía a ingeniería, desde industrias petroquímicas hasta
siderúrgicas. El Ministerio de Guerra crea también comisiones mixtas con
empresarios, científicos y militares, abordando áreas estratégicas como el
acero (1931). Por su parte, el gobierno concedió incentivos y subsidios
para la explotación y exportación de recursos minerales, además de poner
en funcionamiento una nueva red de fábricas de material militar.
En este sentido, en 1932 se crea la Fábrica de Andaraí, destinada a la
producción de granadas de artillería y de morteros. Un año después se

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 327
inauguran la Fábrica de Curitiba, en Paraná, para la producción de vehí-
culos, cocinas de campaña y otros equipamientos; la Fábrica de Bonsuces-
so, para la fabricación de armas químicas y máscaras de gas; la Fábrica de
Itajubá, para la producción de armamentos ligeros, y la Fábrica de Juiz de
Fora, para la producción de municiones de gran calibre. Finalmente, en
1939 se funda la Fábrica de Material de Comunicações, hoy Fábrica de
Material de Comunicações e Eletrônica, para la producción de radio-
transmisores y teléfonos de campaña entre otros dispositivos (Amarante,
2004). Significativamente, muchas de ellas siguen aún en funcionamiento.
A pesar del despliegue descrito, al estallido de la Segunda Guerra
Mundial, Brasil aún no se encontraba en condiciones de autoabastecerse,
lo que le acarreó notables problemas. La expansión industrial de esta dé-
cada se construyó a base de tecnologías foráneas, produciendo bajo licen-
cia o tras comprar los derechos, no existiendo aún plantas para la fabrica-
ción de materiales militares básicos como cañones, ametralladoras o tan-
ques, debido en parte a la ausencia de una industria siderúrgica pesada
propia. Esta ausencia, bajo los auspicios de Vargas y la iniciativa del in-
geniero militar Edmundo de Macedo Soares, se paliará con la creación de
la Companhia Siderúrgica Nacional en 1945. Pero como es sabido, la par-
ticipación brasileña en el conflicto no vino dada tanto por la ausencia de
entendimiento del Estado Novo con Alemania , sino por la búsqueda de
prestigio internacional y desarrollo industrial. Los EE.UU. necesitaban de
forma desesperada una larga lista de recursos naturales, así como bases
navales en el Atlántico Sur (en especial en el Noroeste de Brasil, verdade-
ra puerta de enlace hemisférico), y el presidente Vargas hábilmente hizo
un trato que, precisamente, conllevó la creación de la mayor planta side-
rúrgica de toda Sudamérica en Volta Redonda (Gallego, 2003:24), instala-
ción que aún en 1970 sería de las más productivas de todo el planeta.
La tres décadas siguientes serán cruciales a la hora de pasar, Brasil, de
ser un país con graves carencias de autoabastecimiento de armas a conver-
tirse en uno de los grandes exportadores (si no el más grande) entre los paí-
ses en vías de desarrollo durante los años ochenta. Si bien la política de in-
dustrialización del presidente Getúlio Vargas proporcionó las bases para el
avance tecnológico en esta área, será con el golpe de estado militar de 1964
cuando aparezcan las condiciones políticas y económicas necesarias para el
establecimiento de una verdadera industria militar moderna. Pero ésta no
surgió sin más como consecuencia del nuevo gobierno militar, sino que apa-
rece estrechamente relacionada con el modelo de desarrollo económico a
largo plazo (Franko-Jones, 1992:55). No se trata de un mero enclave, se con-
cibe más bien como una parte integral de la estructura industrial del país.

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328 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

La idea, muy difundida entre los estrategas militares brasileños, de con-


jugar las dimensiones económica, política y militar de la Segurança Nacional
(Seguridad Nacional) como justificación conceptual para el desarrollo del
sector armamentístico no era nueva, incluso antes de la entrada de Brasil en
la Primera Guerra Mundial, Alberto Torres había señalado al desarrollo eco-
nómico como precedente obligatorio para una verdadera soberanía nacional.
Al mismo tiempo, Torres reconocía la necesidad de una clase dirigente na-
cional, que superase la fragmentación política para poder lograr la cohesión
y estabilidad necesaria para hacer de Brasil una verdadera potencia.
Al ser las fuerzas armadas la única organización nacional con el poder
necesario para hacerlo, algunos militares, como el General Pedro de Goes
Monteiro, se atribuyeron la responsabilidad de impulsar el desarrollo
moral y económico, la educación de las masas y la formación de una con-
ciencia nacional. El ejército era así entendido como el único grupo capaz
de organizar el desarrollo industrial, pero al mismo tiempo un ejército
moderno y bien equipado sólo podría surgir dentro de una estructura in-
dustrial sana. Seguridad nacional y desarrollo económico eran insepara-
bles (Franko-Jones, 1992:57). Con esta premisa, y tras los problemas de
abastecimiento que conllevó la Segunda Guerra Mundial, se crea en 1949
la Escola Superior de Guerra (ESG) como instituto de estudios superiores
responsable del planeamiento y dirección de la seguridad nacional (in-
cluyendo en este término seguridad económica y política) a través de una
política de industrialización acelerada (Schwan-Baird, 1997:71).
Este sería el primer punto fundamental de los contenidos programáticos
de la ESG, legitimando costosos proyectos políticos y económicos en nom-
bre de la defensa nacional. El segundo se basaba en que la posición geoes-
tratégica del país, junto con la abundancia de recursos determinaría la
evolución de Brasil hacia una potencia mundial con el dominio de Sudamé-
rica y África Occidental. El tercer punto, que explicaba el hecho de no haber
conseguido (aún) este estatus internacional, argüía que el gobierno federal
(civil) era incapaz de movilizar los recursos necesarios, debido a las divisio-
nes internas de los grupos políticos. Lo que nos lleva al cuarto punto, pues
las políticas del Estado deberían ser elaboradas con todo el rigor científico,
por una institución capaz de ordenar las prioridades nacionales (Franko-Jo-
nes, 1992:59). Obviamente, esta institución no sería otra que la ESG.
Hasta el golpe del 64 la ESG no ejercía una influencia directa sobre el
gobierno, pero fue fundamental a la hora de adoctrinar a los que se con-
vertirían en la nueva elite político-militar, bajo el programa de Segurança e
Desenvolvimento. En 1964 el ‘Jefe de la Revolución’, Castello Branco, junto
con sus asesores Golberry, Ernesto Geisel, Juarez Tavora, Cordeiro Farias

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 329
(todos ellos relacionados con la ESG), aplicaron los contenidos programá-
ticos de aquella institución a la praxis gubernamental. De hecho, el lema
‘seguridad y desarrollo’ se consagra con su inclusión en el Art. 7 de la Ley
de Reforma Administrativa, buscando no sólo la transformación de Brasil
en un país industrializado con capacidad militar y reconocimiento inter-
nacional, sino también la estabilidad interior necesaria, entonces pertur-
bada por movimientos guerrilleros (considerados, en el marco global de
la Guerra Fría, infiltraciones soviéticas).
La ‘Doctrina de Seguridad Nacional’ no era algo exclusivo del gigante
sudamericano, apareciendo prácticamente en todas las dictaduras militares
del ‘Cono Sur’ en los años sesenta, setenta y ochenta. Resultado de una
adaptación de las prácticas de contrainsurgencia francesas y estadouniden-
ses de las décadas anteriores, donde la idea básica consistía en la utilización
de las políticas económicas, sociales y administrativas de una ‘guerra total’
contra la expansión soviética (un peligro cada vez más presente en América
Latina, como demostró el triunfo de la Revolución Cubana en 1959). El de-
sarrollo económico se entendía así como un frente crucial de la batalla, si-
guiendo la teoría de que la pobreza y subdesarrollo favorecían la permea-
bilidad social frente a infiltraciones de cariz marxista y revolucionario
(Dreyfus et al., 2004:53). Acuñado el binomio ‘Seguridad y Desarrollo’,
pronto se tuvo que adaptar a la revolución tecnológica militar de los años
setenta, abriendo la puerta para el gigantesco salto de la década siguiente.
La expansión del sector industrial brasileño así como la de sus institu-
ciones científicas y tecnológicas había sido progresiva desde los años
treinta hasta mediados de los cincuenta, siguiendo las pautas de indus-
trialización marcadas por Vargas (Gallego, 2003:23-24). La centralización
económica y política, los cambios en la estructura de impuestos para el
comercio interregional y la creación de organismos nacionales de gestión
económica fueron complementados con medidas en el campo de la inves-
tigación y educación como el Instituto Nacional de Química, el Instituto
Nacional de Tecnologia de Río de Janeiro y el Instituto de Pesquisa Tec-
nológica de São Paulo. Otro paso crucial fue la creación en 1951 del aún
hoy activo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico (hoy CNPq), aunque hacia finales de esa década se hacía cada vez
más visible la divergencia entre desarrollo económico y tecnológico
(Franko-Jones, 1992:97). Con el golpe militar las cosas cambiarían en
cierta medida, especialmente en el sector de defensa.
Con el gobierno de Castello Branco (1964-67) se crea el Ministerio de
Planeamiento y Coordinación Económica, encabezado por Roberto Cam-
pos, manteniendo el Ministerio de Finanzas, con Octávio Gouveia Bulhões.

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330 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

Ambos lanzan el Programa de Acción Económica Gubernamental, destina-


do a reducir las distorsiones producidas por el déficit del sector público, el
crédito excesivo al sector privado y los salarios, con vistas a reducir la infla-
ción. La estabilización económica resultaba prioritaria ante la industrializa-
ción, pretendiendo crear un clima favorable para la inversión posterior
(Schwam-Baird, 1997:99), aunque se iniciaron esfuerzos para facilitar la ad-
quisición y aplicación de tecnología en la industria a través del Banco Na-
cional de Desenvolvimento Econômico, en cuyo seno se crearon dos nuevas
agencias: el Fundo para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUN-
TEC), que buscaba aportar fondos para la investigación nacional, y la
Agência Especial para o Investimento Industrial (FINAME).
Buena parte de las bases tecnológicas de la industria de defensa se
establecerían en los años que siguieron a la Segunda Guerra Mundial,
destacando el Centro de Tecnologia Aeronáutica (CTA), bajo dirección
gubernamental, y el Instituto Tecnológico Aeronáutico (ITA), como centro
de formación en ingeniería aplicada lanzado en 1947 (Freeman, 2002). En
1950 ambos se establecieron en São José dos Campos (São Paulo) como
base para un parque tecnológico aeroespacial que iría creciendo rodeado
por un complejo de industrias civiles periféricas (y no tan periféricas,
piénsese en Avibrás). A mediados de los cincuenta también se impulsa el
Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), ligado al CTA de la
Fuerza Aérea, mientras el Ejército y la Armada tampoco se quedaban
atrás, con, además de la Escola Técnica y el DPTE, un Instituto Militar de
Engenharia (IME) y un Centro Tecnológico do Exército (CTEX) en el Ejér-
cito y el Instituto de Pesquisas da Marinha (IPM) en la Armada. No se
trata sólo de nombres, pues estas instituciones realizaron un ejemplar tra-
bajo de fomento industrial, no siendo extraño que gran parte de las mayo-
res empresas aeroespaciales, por ejemplo, tuviesen a graduados del ITA
como directivos (Keller, 1991:143). El hecho de que todas estos organis-
mos sean de carácter estatal, pues ya a principios de los sesenta el Minis-
terio de Aeronáutica había entendido que una industria viable de aviación
en Brasil sólo podría surgir desde el sector público, lo que además coincidía
con el criterio, ya señalado por Adam Smith, de que la defensa (incluida la
producción de materiales para la defensa) constituye un bien público.
No se puede separar la cuestión del abastecimiento de la de los presu-
puestos. El régimen militar brasileño pasó por tres fases en su búsqueda de
un complejo militar-industrial más autónomo. Entre 1964 y 1967 la privada
Federação de Indústrias de São Paulo (FIESP) junto con las autoridades
militares idearon un Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI)
con la única función de impulsar una industria de armamentos, lo que

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 331
resultaba de mutuo interés dado el exceso de capacidad industrial de la
entonces decaída economía. Este Grupo estaba directamente apoyado por
tres de los organismos antes mencionados: el CTA, el IME y el IPM.
En una segunda fase, que veremos con más detalle en el apartado si-
guiente, llegan los frutos de estas acciones: la Fuerza Aérea crea EMBRAER
para la manufactura de aeronaves militares y comerciales; el Ejército, en co-
operación con las dos grandes empresas privadas (ENGESA y Bernardini),
dirigió parte de la extensa industria pesada automovilística hacia el campo
de blindados y carros de combate ligeros, aplicando una innovadora técnica
en los sistemas de suspensión; y por su parte, la Armada impulsó el infrau-
tilizado conjunto de astilleros para la construcción naval militar (Stepan,
1988:82). Todo esto en un nuevo contexto, ya que las administraciones de
Costa e Silva (1967-69) y Médici (1969-74) inauguran una fase de expansión
económica, en la que la industria militar tendrá un papel esencial.
Es preciso entender que al fin de la Segunda Guerra Mundial, prácti-
camente todos los países latinoamericanos tenían a Estados Unidos como
proveedor principal de armas, aunque un progresivo malestar se iba ex-
tendiendo, dadas las reticencias a la hora de transferir tecnologías. La im-
plicación de aquel país en la Guerra de Vietnam (y la consecuente limita-
ción de exportaciones de armamentos) junto con la aparición de una in-
dustria europea competitiva (aunque cara, igualmente reticente en mate-
ria de transferencia de tecnologías, y selectiva a la hora de proporcional
materiales a países sudamericanos) trae consigo el despertar de muchas
iniciativas nacionales a lo largo del continente, tropezando con la proble-
mática de la exportación como única vía razonable para alcanzar econo-
mías de escala (Schwam-Baird, 1997:104).
La posibilidad que sí abren las empresas europeas, como veremos, es
el establecimiento de joint ventures que posibilitarían la formación de in-
genieros y técnicos brasileños, así como disminuir la dependencia de los
Estados Unidos, tanto en volumen como en sofisticación. En este nuevo
panorama, en el que se empiezan a ver realizados muchos de los deseos
seculares de los militares brasileños, se materializan las condiciones obje-
tivas para la producción armamentística autóctona.
La tercera fase comienza sobre 1975 a través del trabajo conjunto de
estas corporaciones con el Conselho de Segurança Nacional, el Ministerio
de Asuntos Exteriores (con su Instituto Río Branco) y la Confederação
Nacional da Indústria, buscando establecer un sector de defensa con
fuertes subsidios públicos pero altamente competitivo a nivel internacio-
nal. Teniendo en cuenta que en 1970 Brasil no tenía prácticamente expor-

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332 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

tación alguna en este sector, resulta sorprendente, que apenas una década
después, este país fuese el quinto mayor exportador a nivel mundial y el
primero entre los países en vías de desarrollo.
Durante los dos últimos mandatos del régimen militar, con Geisel (1974-
79) y Figueiredo (1979-85) en la presidencia, Brasil tuvo que hacer frente a la
crisis energética de principios de los setenta (en un momento en el que se
importaba el 80% del petróleo consumido) intentando mantener la produc-
ción y las importaciones, recurriendo para ello a préstamos, lo que situó su
deuda externa en los 11,9 mil millones en 1974. Aunque las exportaciones
crecieron en un 28,2%, las importaciones aumentaron a un ritmo del 104%,
paralelamente a una creciente inflación. No obstante, la crisis energética
también tuvo cierto impacto positivo en las exportaciones militares ya que
los modelos brasileños, de EMBRAER por ejemplo, eran más eficientes en
relación al combustible consumido que muchos de sus competidores. De
esta forma, en 1979 las aeronaves destinadas a exportación de esta empresa
superaban el 50% de la producción (Schwam-Baird, 1997:117).
Aunque hubo fuertes debates sobre la veracidad de algunas de las cifras
que se proporcionaron en aquella época (víctimas en parte del secretismo y
de sobre-estimaciones en provecho propio) no se puede negar que los mili-
tares brasileños consiguieron colocar a su industria de defensa entre las
primeras del mundo, partiendo de un régimen autoritario altamente buro-
cratizado. Se ha insistido mucho en los párrafos anteriores en la forma en
que los estrategas militares brasileños acertaron al incluir el elemento eco-
nómico en los planteamientos de la seguridad nacional, y no de forma for-
tuita o retórica, pues es la clave para entender como a diferencia de otros
países en vías de desarrollo (o del ‘Tercer Mundo’) consiguió tal expansión
del sector industrial de defensa, con altos índices de exportaciones.

LOS AÑOS DE ORO: EXPANSIÓN INDUSTRIAL


Los factores estratégicos que mencionábamos en el aprtado anterior, re-
forzados por la orientación y financiación estatal, así como una lógica de
mercado orientada hacia las exportaciones, se materializaron en una in-
dustria armamentística centrada en tres conglomerados empresariales: En-
genheiros Especializados (ENGESA), una productora de vehículos blinda-
dos de propiedad privada, establecida en sociedad con Indústria de Mate-
rial Bélico (IMBEL), holding estatal con la función de promover la industria
de armamentos; la Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), empre-
sa mixta de fabricación de aviones, creada por iniciativa de la Fuerza Aérea
manteniendo el Estado el 51% de las acciones; y Avibrás, empresa privada

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 333
de cohetes y misiles (con sus respectivos vehículos de lanzamiento, control
y transporte) trabajando en estrecha colaboración con el CTA.
Estas tres compañías, ENGESA, EMBRAER y Avibrás, eran responsa-
bles del 95% de las exportaciones de armas de Brasil (Acuña y Smith,
1994:31), pero antes de entrar en su análisis parece conveniente repasar
brevemente el tejido de la estructura industrial, centrándonos en las con-
diciones de suministro, demanda y mercado. Sobre las primeras, Franko-
Jones señala que en la industria militar:

supply conditions including a strong resource base, a gap between required


and available technology, an expensive product, a relatively skilled labor
force, a reticent business community, supportive public policies, and limited
international availability favored the creation of a concentrated industrial
structure where a small number of firms dominate the market (1992:14).

Efectivamente, dejando de lado el petróleo, Brasil es un país extrema-


damente rico en recursos (hierro, manganesito, bauxita, cobre, plomo, zinc,
níquel, uranio, etc.), pero por el contrario la tecnología existente no cumplía
los requisitos para la creación de una industria militar avanzada. Como
hemos visto en el apartado anterior, este problema se solventó gracias a la
intervención estatal, promoviendo centros de investigación y desarrollo,
subsidios para importaciones de tecnología y una serie de monopolios en
los sectores de aeronáutica, vehículos blindados y misiles. También hemos
visto que gracias a la red de centros de investigación y formación técnica,
Brasil contaba, a diferencia de muchos países en vías de desarrollo, con un
número importante de trabajadores capacitados para trabajar en las com-
plejas industrias de defensa. De nuevo, fue el flujo de recursos humanos de
los centros de formación del Estado (ITA, IME, etc.) lo que posibilitó el de-
sarrollo de proyectos como ENGESA, Avibrás o EMBRAER. Tampoco se
puede desestimar el papel de la Escola Superior de Guerra a la hora de
formular las políticas que, una vez colocadas en la agenda gubernamental,
dieron el impulso necesario a las iniciativas citadas (Franko-Jones, 1992:16).
Sobre las condiciones de la demanda, hay que señalar que siendo el
Ejército brasileño el único cliente interno de productos de defensa, la in-
dustria ha tenido que desarrollar dos vías estratégicas: productos con apli-
cación ambivalente (civil-militar) y exportación de productos militares. El
primer camino fue incentivado por los propios militares, pues legitima los
enormes subsidios públicos al sector, refuerzan la estructura logística de la
economía nacional (principio de Segurança e Desenvolvimento) y permite,
dada la demanda de productos civiles, reducir costes, perfeccionar las apli-
caciones y productos, y estabilizar la industria. El sistema utilizado en di-

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334 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

versas iniciativas se fundamentó en la fórmula tri-pé, una triple asociación de


capital público, privado brasileño y privado extranjero (Neto, 1991a:573-
597; Franko-Jones, 1988). Aún así, estaba claro que esto sólo no haría eco-
nómicamente viable el sector, resultando necesario establecer amplias redes
comerciales, especialmente en los países del tercer mundo.
En este sentido, la industria brasileña llevó a cabo una magnífica polí-
tica de marketing de sus productos de defensa. Estos se vendían como de
fácil manejo y adaptados para las condiciones más duras, utilizando tec-
nologías intermedias que los convertían en ideales para guerras de carác-
ter limitado y mucho más rentables que los productos más complejos
ofrecidos por los países desarrollados. ENGESA, por ejemplo, utilizaba
para sus blindados piezas estándar procedentes del sector de automoción
civil que en caso de necesidad podrían ser adquiridas por los cauces
habituales, a diferencia de las piezas sofisticadas del sector de defensa,
susceptibles de embargos económicos precisamente en los momentos de
máxima necesidad. Las características generalizadas son: conceptos de di-
seño simples y flexibles; bajo coste, fiabilidad y respuesta efectiva; fácil
manejo y reparación (Keller, 1991:148).
Siguiendo estas pautas, el primer gran paso fue la creación de EM-
BRAER en 1969. Aunque nominalmente estatal, lo que se traducía en el
extenso apoyo económico, la compañía debería funcionar siguiendo lí-
neas comerciales. Además de reclutar a la totalidad del personal investi-
gador del IPD, se le proporcionaron, sin coste alguno, los frutos del tra-
bajo de la CTA: la aeronave Bandeirante. El gobierno también incentivó la
inversión privada desgravando un 1% de los impuestos a aquellas corpo-
raciones que compraran acciones de la compañía (aunque el Estado
mantenía las acciones de voto). Con el tiempo EMBRAER se responsabili-
zaría aproximadamente del 95-97% de la producción de aeronaves del
país, coordinando las casi 250 empresas del sector (Freeman, 2002).
La compañía ofrecería versiones militares tanto del Brasília y el Ban-
deirante (que han tenido mucho éxito en el mercado civil estadounidense)
como del Xingú, un avión para ejecutivos que se utiliza para entrena-
miento de pilotos de carga militares. Pero sin duda el mayor éxito militar
de EMBRAER fue el Tucano, una aeronave a reacción para entrenamiento
que también ha encontrado aplicaciones operativas. A partir de ese punto
la corporación se adentró en nuevos proyectos como el CBA Vector (en
cooperación con Argentina), el EMB 145, y el más complejo avión de
combate AMX (equiparable al F-16), coproducido con Aeritalia y Aermac-
chi. Esto hizo que EMBRAER, una pequeña compañía, con 595 empleados
en 1970, pasase a ser el quinto mayor productor mundial de aeronaves.

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 335
Fueron precisamente el Bandeirante, el Tucano y el Brasília los que
marcaron el desarrollo aeronáutico brasileño. El primer modelo, como se
ha señalado, responde a un programa de la CTA para crear una aeronave
de transporte de pasajeros y mercancías capaz de adaptarse a las preca-
rias infraestructuras aéreas del país. Su diseño flexible ha hecho posibles
numerosas adaptaciones (búsqueda y rescate, vigilancia marítima, uso
sanitario, etc.) pero fue la estrategia de segmentación de mercados lo que
en parte explica el hecho de que en 1990 se hubieran producido más de
500 unidades distribuidas en más de 24 países (147 en los EE.UU.). Con el
prestigio ganado, la compañía se lanzó a la producción de su primer
avión militar de diseño autóctono, el Tucano. Si bien pretendía en primer
lugar satisfacer las necesidades de la Fuerza Aérea brasileña, con su bajo
precio (US$1,9 millones) colocó rápidamente más de 600 unidades por
todo el mundo, incluida la Royal Air Force británica (Keller, 1991:147).
Parece ser que EMBRAER fue la excepción a la regla generalmente
aceptada de que las empresas públicas no son fuertes exportadoras, aunque
ya desde un principio se orientó hacia los mercados exteriores. En 1975 se
estrenó en el exterior con la venta de cinco EMB-110C Bandeirantes militares
y diez EMB-201 Ipanemas de uso agrario a Uruguay (valorados en 5 millo-
nes de dólares US) vendiendo al año siguiente otros tres Bandeirantes a la
Fuerza Aérea chilena y tres Xavante a la de Togo. En 1980 las exportaciones
suponían la mitad de la producción, ratio que aumentaría durante toda la
década, de hecho en 1981 el 80% de los Bandeirantes se destinaron a la ex-
portación. Si bien sus productos se anunciaban enfocados más bien hacia las
necesidades de los países en vías de desarrollo, su éxito en Europa y EE.UU.
fue espectacular, viéndose enormemente favorecida al no apoyar su creci-
miento en un sólo cliente o país (Franko-Jones, 1992:147-151).
Aunque la coyuntura internacional fue propicia para este despegue,
cierto es que las ventas militares no mantuvieron su éxito de forma conti-
nuada y, en 1986, la línea civil superó a la militar en exportaciones. Así se
entiende el nuevo énfasis que en aquellos años se trasladó al desarrollo de
prototipos de uso civil como el CBA 123 Vector de 19 asientos, el EMB 120
Brasília de 30 asientos y el EMB 145 con 50 plazas. Fue esta vertiente la
que ayudaría a la compañía a salir relativamente airosa de la crisis de fi-
nales de los ochenta y principios de los noventa. El hecho de permitir la
producción en el exterior bajo licencia amortizó en parte la caída, siendo
especialmente favorable el contrato de 181 millones de dólares US fir-
mado con Egipto para producir el Tucano. Igualmente, si bien la adjudi-
cación británica tuvo una marcado componente político, es destacable la

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336 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

elección por la Royal Air Force de esta misma aeronave a través de un


acuerdo de producción de 200 unidades con los Short Brothers de Belfast.
El gran reto, quizás demasiado ambicioso, fue impulsar el avión de
combate monoplaza que había requerido la Fuerza Aérea, pues el salto
tecnológico era enorme, requiriendo no sólo el esfuerzo del gobierno sino
también la participación internacional. Así, EMBRAER sería responsable
de la elaboración del 30% de cada AMX, incluyendo las alas, entradas de
aire, tanques de combustible y sistema de aterrizaje entre otros. Esto re-
quería de una gran inversión, que suscitó controversias al ser canalizada a
través del Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), en teoría destina-
do a proyectos de infraestructuras y programas sociales. A esto, el Minis-
tro Moreira Lima respondió que el AMX ayudaría a desarrollar la indus-
tria militar brasileña, evitando los gastos de importación de un avión si-
milar e introduciendo capital con su venta en el exterior.
Aunque la proporción de material nacional incorporado finalmente al
AMX aumentó un 119% el proyecto no fue precisamente barato, sobre todo
porque comercialmente resultó un fracaso. No sólo la Fuerza Aérea redujo el
número de unidades desde las 70 previstos (aunque la italiana se quedó fi-
nalmente con 182), sino que el primer encargo internacional de la línea AMX
debió esperar al año 2000, cuando Venezuela encargó 8 de los AMX-T
(Freeman, 2002), lo que se explica por la duplicación del precio desde los 10
millones de dólares (US) iniciales. De todas formas, no se discute que la ex-
periencia y tecnología adquiridas hayan servido en cierta medida al desa-
rrollo de otras líneas del sector. Y falta que les ha hecho, porque el colapso de
las exportaciones tras la guerra iranio-iraquí se tradujo en la ‘reconversión’
de la empresa hacia la producción civil, quedando estancada la orientación
militar con el AMX. El caso de ENGESA fue si cabe más traumático.
ENGESA es un conglomerado de más de diez compañías, pero nos cen-
traremos en ENGESA Viaturas que en su planta de São José dos Campos
llegó a manufacturar, entre otros productos, carros de combate y vehículos
blindados (Urutú y Cascavel). Aunque en gran medida se usen piezas, com-
ponentes y sistemas comunes a la industria automovilística, ENGESA verti-
calizó la producción de aquellas partes no disponibles evitando así proble-
mas críticos como embargos o falta de materiales (de ahí las dimensiones del
conglomerado). Pero la verticalización es más la excepción que la regla,
puesto que parte del éxito radica precisamente en la horizontalización (ad-
quisición de partes estándar) reduciendo costes y produciendo modelos más
atractivos internacionalmente, debido a la facilidad de reparación.

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 337
Antes de entrar en la línea de productos de la corporación, es necesa-
rio explicar la relación simbiótica entre ENGESA y la empresa estatal IM-
BEL (a cuya historia hemos hecho referencia con anterioridad). Al igual
que en el caso anterior EMBRAER-CTA, primó la percepción de que lo
que hacía falta para lograr los objetivos fijados en las agendas de seguri-
dad nacional era insuflar en el ente público un sistema de gestión y deci-
sión comercial privado. Creada en 1975, IMBEL reorganizó el complejo de
fábricas militares con la idea de darles el carácter dinámico de la industria
privada, pero estando exenta de tarifas e impuestos. Durante sus seis
primeros años de existencia sus directores fueron militares, hasta que en
1982 se dejó en manos de José Luiz Whitaker Ribeiro, entonces Presidente
de ENGESA, para aumentar la eficacia y promover las exportaciones
(Schwam-Baird, 1997:119; Franko-Jones, 1992:79).
Ambas empresas se complementaban. IMBEL satisfacía las necesida-
des nacionales de armas ligeras, municiones, subfusiles y artillería ligera,
mientras que ENGESA canalizaba las exportaciones, beneficiándose ade-
más de las conexiones militares de IMBEL. Y parece que la estrategia fun-
cionó, ya que exportaron sus vehículos militares a más de 20 países en
África, América y Próximo Oriente con unas ganancias de 53 millones de
dólares en el periodo 1977-82, y de 122 millones en el periodo 1983-88
(Keller, 1991:148). Como otros proyectos, los primeros prototipos tenían
como cliente inmediato al Ejército brasileño, que había solicitado un vehí-
culo de reconocimiento y un transporte anfibio para sustituir los viejos
tanques estadounidenses. De este modo, en 1972, ENGESA empieza a
producir el EE-9 Cascavel y el EE-11 Urutú, que a su vez impresionaron a
la Armada que acabó encargando una versión modificada del segundo
modelo. Con estos modelos se iniciaron la exportaciones a Chile (cuya
situación de aislamiento favorecía la penetración brasileña) hasta el punto
de haber más Cascaveles y Urutús en las fuerzas armadas de Chile que en
las de Brasil. De forma similar, el ‘gran negocio’ de los setenta vendría
dado por la adquisición por parte de Irak de 400 blindados brasileños a
un precio de 200 millones de dólares (Schwam-Baird, 1997:117).
Más tarde vendrían el tanque EE-17 Sucuri, el Jarracá para operaciones
de combate y finalmente el carro de combate EE-T1 Osório, satisfaciendo la
necesidad saudita de un carro de combate ligero, que a diferencia del M1A1
estadounidense o el AMX francés pudiese adaptarse a las condiciones de los
países en vías de desarrollo. Aunque ENGESA continuó con su política de
componentes y sistemas, atrajo fácilmente a muchos suministradores inter-
nacionales especializados, pues constituyó el único proyecto de nuevo desa-
rrollo de carros de combate de este tipo entre 1980 y 1990 (Bastos, 2003a:30;

StrategicEvaluation (2007) 1
338 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

Bastos 2005c). El EE-T1 era un prodigio para su tiempo. En 1987, equipado


con un cañón de 120mm, se presentó a un concurso público en Arabia Sau-
dita, y un año más tarde en Abu Dhabi, donde derrotó técnicamente a ad-
versarios de la talla del M-1 A1 Abrahams estadounidense, el Challenger
británico, el AMX-40 francés o el C-1 Ariete italiano, aunque no pudo vencer
en el campo político debido a las presiones de los EE.UU.
Pero al igual que el caza de EMBRAER, el Osório resultó un proyecto
caro, que a pesar del empeño inicial saudita, comprometiéndose a adquirir
318 unidades (que renombrarían ‘Al-Fahd’, Leopardo) con un valor de 7,2
billones de dólares (Keller, 1991:149), acabó en el desguace. Como veremos
en el siguiente apartado, el gran salto tecnológico sería el último paso de la
empresa. Si bien habían logrado un espacio en el mercado internacional con
sus tanques, carros blindados y vehículos militares blindados simples, ba-
ratos y de fácil operación, el Osório, firme candidato a convertirse en estan-
darte de la corporación, requirió el aumento de las inversiones en la cadena
de producción así como en las exportaciones. Justo cuando los prototipos
del Osório estaban listos para su exportación se produjo la contracción del
mercado en Oriente Próximo, y el gobierno brasileño, con serias dificulta-
des fiscales, no pudo avalar la reconversión de ENGESA hacia el campo ci-
vil. En abril de 1990 se declaró en bancarrota, vendiendo gran parte de su
parque industrial a la Bristish Aerospace, a otras empresas brasileñas, y a
grupos de antiguos trabajadores (Acuña; Smith, 1994:33). Mejor parada sal-
dría Avibrás, aunque con un recorrido similar.
Aunque fundada en 1961, era, ya a principios de los ochenta, una de
las más exitosas compañías brasileñas en los mercados internacionales.
Sus actividades se centran en la producción de misiles y cohetes, comuni-
caciones y aplicaciones aeroespaciales, transporte (blindados) y productos
químicos (combustibles y explosivos), aunque ha ido diversificando la
producción hacia líneas civiles (vehículos especiales, autobuses, comuni-
caciones civiles, pinturas, etc.). Situada en el epicentro de la industria es-
pacial brasileña, São José dos Campos, sus primeros trabajos fueron preci-
samente para la CTA, colaborando en los programas Sonda I, II, II, y IV.
Aunque el primer producto desarrollado por la empresa, en 1962, fue una
pequeña aeronave de entrenamiento, el Falcão, los contratos del sector ae-
roespacial dirigieron su actividad hacia los sistemas de defensa (es una
abreviatura para Aviões Brasileiros). Valiéndose de la tecnología acumu-
lada, pronto desarrollaron tecnologías militares como motores de cohetes,
espoletas electrónicas y mecánicas, cabezas de guerra, sistemas completos
de armamento para aviones y helicópteros de combate, etc. (Avibrás, 2003).

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 339
Avibrás se convirtió en una empresa puntera en el campo de los mi-
siles y cohetes tácticos, entrando en competencia directa con los modelos
de países desarrollados. Su programa más importante fue, y en gran me-
dida aún es, el Astros II (Artillery Saturation Rocket System). Pero todos
estos avances y otros como el SS-300 y el SS-1000 (basado en los cohetes
Sonda) tuvieron que esperar (de hecho el AV-MT se presentó en 2001),
puesto que el fin de la guerra iranio-iraquí, así como la disminución del
apoyo estatal dejaron a la empresa en plena bancarrota, teniendo que
reducir su plantilla desde los 6.000 trabajadores que tuvo en su momento
hasta los 900. Sin embargo, la conversión (o más bien el énfasis puesto)
hacia el mercado civil no fue mal del todo, y como veremos, la empresa
consiguió, si bien desde una posición un tanto precaria, a partir de mediados
de los noventa retoma ciertos proyectos que había dejado de lado.
Hay que resaltar que en el desarrollo y sofisticación de todos estos
proyectos jugó un papel importante la apuesta por la creación de una in-
dustria informática nacional. A principios de los setenta el mercado (que
crecía entre un 20 y un 30% anualmente) estaba básicamente en manos de
sólo dos grandes transnacionales (IBM y Burroughs). Esto preocupó espe-
cialmente a los militares tras la adquisición de seis fragatas al Reino
Unido en 1971 que incluían, como empezaba a ser común, sistemas infor-
máticos relativamente avanzados. Ante el peligro de dependencia, la Ar-
mada creó un Grupo de Trabalho Especial (GTE-11), con el apoyo del
Banco de Desarrollo (BNDE), con el fin de viabilizar la producción de
computadores que satisficiesen sus necesidades. Siguiendo el modelo tri-
pé, se lanzó el proyecto Guaranys para la creación de dos empresas, la
primera (DIGIBRAS, más tarde COBRA) para desarrollar productos in-
formáticos destinados al campo militar y la segunda al campo civil. DI-
GIBRAS, que absorbería el proyecto civil, consiguió que Ferranti (respon-
sable por los sistemas de sus fragatas) iniciase acuerdos de transferencia.
En 1974 DIGIBRAS había presentado un prototipo de mini-computa-
dor, gracias a la colaboración con los programas de investigación de la
Universidade de São Paulo y la Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Dos años antes se había lanzado la Comisión para la Coordi-
nación de Actividades de Procesamiento Electrónico (CAPRE) que even-
tualmente se responsabilizó de los contratos gubernamentales, así como
de la limitación de importación de componentes informáticos. En relación
con esto se presenta un plan para el desarrollo científico-tecnológico
(PBDCT-1973-74) centrado en el I+D, transferencia tecnológica y el esta-
blecimiento de un mercado nacional para productos de alta tecnología,
incluyendo la adaptación de las Fuerzas Armadas. De este modo, se pre-

StrategicEvaluation (2007) 1
340 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

tendía garantizar la entrada de las nuevas tecnologías en el sector militar,


permitiendo así el desarrollo de los campos aeroespacial y nuclear (Evans,
1989:207-238; Schwam-Baird, 1997:111-112.

LA CRISIS DE LOS NOVENTA: CAÍDA Y TRANSFORMACIÓN


Las largas décadas de gobierno militar llegaron a su fin en 1985
cuando Tancredo Neves se convirtió en el primer presidente civil electo
en 21 años. La década siguiente estuvo marcada por numerosos cambios
en el poder, la introducción de una nueva unidad monetaria, el real, y
una nueva constitución. Pero no sería hasta 1994, cuando Fernando Hen-
rique Cardoso llegó a la presidencia en 1994 (resultando reelecto en 1998),
que una cierta estabilidad política y económica se extendió por Brasil.
Pero la crisis e inflación de principios de los noventa, junto con la coyun-
tura internacional del sector de defensa alcanzaron de lleno la hasta en-
tonces exitosa industria militar brasileña, infligiéndole un duro golpe del que
tardaría en recuperarse, y desde luego, nunca del todo (vid. Conca, 1997).
El fin de la Guerra iranio-iraquí en 1988 privó a la industria militar bra-
sileña, especialmente a ENGESA y Avibrás, de parte del lucrativo mercado
de Oriente Próximo. A este caso particular se debe añadir el golpe que su-
puso para el comercio mundial de armas el fin de la Guerra Fría. Final-
mente, con el despliegue tecnológico de la Operación Tormenta del De-
sierto, el material económico, aunque menos sofisticado, que ofrecían las
empresas brasileñas quedó deslumbrado por el ‘show‘que ofrecieron los
estadounidenses. Esto afectó en gran medida a los países del Golfo, pertur-
bados notablemente por la caída de los precios del petróleo, de modo que los
hasta entonces clientes preferenciales del mercado brasileño se vieron atados
más firmemente a EE.UU. y a sus intereses comerciales (Freeman, 2002).
El colofón del desastre serían los problemas internos de carácter polí-
tico y macroeconómico, con grandes recortes en I+D, repercutiendo en las
infraestructuras tecnológicas. Con las políticas neoliberales de los nuevos
gobiernos democráticos, los avances y desarrollos tecnológicos han mer-
mado de forma contundente, puesto que los presupuestos para investiga-
ción y desarrollo se han recortado drásticamente. Las inversiones extran-
jeras se han orientado más bien hacia la compra de compañías existentes
y no tanto hacia inversiones. Como consecuencia, muchos de los progra-
mas existentes se vieron reducidos considerablemente o se eliminaron di-
rectamente, comprimiendo la capacidad brasileña de crear y exportar
productos tecnológicamente avanzados. Así, ingenieros y personal alta-
mente cualificado, antes empleados en los centros de desarrollo e investi-

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 341
gación públicos y privados fueron ‘convenientemente’ reorientados hacia
puestos más simples o al sector de ventas y marketing (Broad et al., 2005:3).
Si bien en 1986 las ventas llegaron al billón de dólares (US) para du-
plicarse el año siguiente, en 1987 la cifra total no alcanzaba los 500 millo-
nes y en 1994 las exportaciones militares suponían sólo 3 millones
(Franko-Jones, 1992:189; Zaborsky, 2003:4). ENGESA sufrió las mayores
pérdidas de la industria militar brasileña en 1987, con una reducción del
31% en sus ventas, pasando Avibrás de ser el mayor exportador en 1987 a
la octava en pérdidas y la sexta en deudas en 1989. En enero de 1989 am-
bas compañías se vieron obligadas a reducir su plantilla a la mitad. En
1990 llegaron a la bancarrota. A los motivos mencionados en líneas ante-
riores, se deben añadir otros como la saturación del mercado, sobre todo
con los nuevos productores del ‘Tercer Mundo’ como China, India, Pa-
kistán o Corea del Norte que lo sobrecargaron con sus productos econó-
micos (en directa competencia con los brasileños).
Asimismo, las dos superpotencias cambiaron la política de ‘ayudas
militares’ como medio para deshacerse de arsenales obsoletos por otra de
exportaciones, mientras que los países europeos continuaban también con
sus políticas de exportaciones para apoyar a las respectivas industrias na-
cionales. Las ventas de EMBRAER a los Estados Unidos también se vieron
reducidas por el temor a contramedidas en impuestos retroactivos sobre
productos importados del Brasil (Franko-Jones, 1992:190).
Por otro lado, la situación económica a partir de la toma de posesión del
General Figueirido (1978) no era de lo más prometedora. El crecimiento
económico había reducido considerablemente su velocidad en comparación
con los años del ‘milagro brasileño’ (4,8% en 1978 frente a la media del
10,8% de aquellos años) y la inflación había aumentado, y continuaba au-
mentando, desde el 19,3% al 77% en 1979, la más alta desde que los milita-
res tomaran el poder en 1964. De forma similar, la deuda externa se había
elevado en los 10.000 millones, y las inversiones extranjeras cayeron a prác-
ticamente la mitad, 6.500 millones (Schwam-Baird, 1997:127-128). Si bien
durante buena parte de los ochenta se consiguió mantener un buen ritmo
en la producción y exportación, la situación de fondo era ciertamente in-
quietante, aparentando ser un gigante con pies de barro. En 1981, y por
primera vez desde 1942, el PIB fue negativo (-1,6%) disminuyendo 4,3% per
capita, situándose la deuda externa en los 6.140 millones a finales del año.
Al año siguiente la inflación llegó casi al 100% y en 1983 ya se palpaban to-
dos los síntomas de una recesión profunda: el PIB per capita bajo 7,3%; el
crecimiento industrial se colocó en el -7,9% y el comercio cayó un 4,4%. A la
imposibilidad de controlar la inflación (que desembocó en una creciente es-

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342 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

peculación improductiva) se sumó el descontento civil que, organizado en


el movimiento Diretas Já! (pidiendo elecciones libres), contribuyó a la des-
estabilización del régimen y a su eventual caída.
Otro factor, que hemos apuntado anteriormente es el problema de la
tecnología. Si bien la expansión de la industria se había fundamentado en el
uso de tecnologías intermedias de uso sencillo y fácil mantenimiento, las
compañías brasileñas pretendían llevar más allá sus capacidades tecnológi-
cas, aventurándose en sistemas avanzados (AMX, Osório, AV-MT, etc.) que
requerían de grandes inversiones. Estos ambiciosos requerimientos salieron
a la luz precisamente cuando, en plena transición democrática, la inflación
rondaba el 1.000%. El gobierno no supo o no pudo prestar su apoyo en ese
momento crítico de evolución tecnológica, y en contra de lo que había veni-
do haciendo durante las décadas anteriores, le dio la espalda al complejo
industrial que con tanto esfuerzo habían logrado levantar. Como se puede
ver en los gráficos, la caída en picado de las exportaciones se correspondió
con una fuerte caída del gasto militar nacional que, a diferencia de anterio-
res fluctuaciones en el mercado internacional, no pudo en esta ocasión ser-
vir como ‘cojín’ para la industria de defensa.
La tendencia internacional apunta hacia mercados más competitivos,
a lo que se debe añadir el curioso hecho, aún en los tiempos de la globali-
zación, de que cada país pretende mantener sus propias industrias de de-
fensa como salvaguarda de su soberanía nacional. Pero, y aquí entra lo
paradójico, para que las altas inversiones en desarrollo e investigación en
sistemas tecnológicos avanzados sean rentables resulta necesaria una
producción a gran escala, que a su vez se traduce en la necesidad de ex-
portar el excedente (en ocasiones la mayor parte de la producción). Esto
choca frontalmente con la tendencia a la que apuntábamos, o más bien,
como fue el caso, viene a producir una saturación del mercado (Kaldor,
1981). Parece que deben ser las economías domésticas las que absorban los
altos costes de la investigación y producción del sector armamentístico. La
exportación a mercados globales es un pastel que se reparten muy pocos.
Las compañías brasileñas llegaron a pensar que, siguiendo el éxito del
Tucano o del Cascavel, los clientes de Oriente Próximo estarían interesa-
dos en cazas y carros de combate fiables y económicos. Tras haberse ga-
nado su confianza y un cierto prestigio internacional a la hora de ofrecer
calidad-precio en productos del sector de defensa con tecnologías inter-
medias, habría llegado la hora de lanzar al mercado productos más sofis-
ticados. Pero las empresas, excesivamente optimistas, sobrestimaron el
tamaño de los mercados internacionales, por lo que en un momento de
contracción (como lo fue el de finales de los ochenta), la hipertrofiada y

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 343
veloz expansión tecnológica había creado un peligroso vacío en su inter-
ior, cuyas consecuencias pronto averiguarían.
Al igual que ENGESA con su Osório, EMBRAER se hundió con el
AMX, cuyos costes descontrolados habían alcanzado los 17 millones de
dólares (US) igualándolo en coste prácticamente al F-16. Ante este pano-
rama, pocos compradores se decantarían por un sistema nuevo y con las
mismas características, teniendo la opción de adquirir otro cuyas capaci-
dades han sido más que demostradas. Se podría pensar, arguye Franko-
Jones, que países como Honduras, Venezuela, Perú, Paraguay o Argenti-
na, que habían verificado el éxito de otros productos como el Tucano, no
tendrían tales prejuicios, pero al mismo tiempo, tampoco tenían el dinero para
adquirir tecnologías tan avanzadas (Franko-Jones, 1992:196). Avibrás sufrió un
problema similar con el misil SS-300, en cuyo desarrollo había invertido unos
800 millones de dólares, y que no tuvo demanda en aquel momento.
De todas formas, cuado hablamos de crisis en la industria de defensa
se debe hacer una aclaración necesaria, ya que como se explicó en las
primeras páginas de este trabajo, este sector es fruto de una serie de polí-
ticas estatales en el marco del principio de ‘Seguridad y Desarrollo’, pre-
sentándose entonces un problema conceptual, al confrontar el éxito deri-
vado de las exportaciones de armamento (éxito que tuvo su fin) con el
éxito estratégico del amplio programa de seguridad nacional. Si bien las
exportaciones se pueden medir de forma relativamente precisa a través
de cifras que nos hablan de ventas y de producción, no existen medidas
matemáticas para referirnos al éxito o fracaso de los programas estratégi-
cos (Franko-Jones, 1998). Aunque las cifras de producción y ventas fueron
aumentadas artificialmente como estrategia de mercantilización, es indu-
dable que el logro en este campo fue impresionante. Desconocemos si los
estrategas de finales de los 50 se hubiesen contentado con estos resultados
o si aprobarían las políticas actuales. Una aproximación a la situación ac-
tual de la industria puede ayudarnos a solventar esta duda.
De cualquier forma, respecto a lo que se ha dicho con anterioridad, no
parece sensato afirmar que la Guerra del Golfo haya retirado definitiva-
mente a Brasil del juego en Oriente Próximo. Si bien es cierto que este
conflicto fue un ‘show’ de tecnología militar avanzada, no lo es el que
esto suponga que no va a haber sitio para sistemas más simples, y no tan
simples, como los aviones de entrenamiento y las baterías Astros II. No
nos olvidemos que en parte, si Avibrás consiguió salir de la bancarrota
fue por sus ventas (como la de 1990 a Arabia Saudita, consistente en un
cargamento de Astros II valorado en 69 millones de dólares). Sin duda,
tras el fuerte golpe que supuso la crisis, la recuperación no iba a ser fácil,

StrategicEvaluation (2007) 1
344 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

sobre todo si consideramos las dificultades políticas, económicas y socia-


les que atravesaba el país en aquel entonces. Pero, salvo el desastroso y
pésimamente gestionado caso de ENGESA, la industria militar, hibernada
pero no muerta, consiguió mantener a flote sus capacidades de produc-
ción y desarrollo tecnológico.

SITUACIÓN ACTUAL Y PERSPECTIVAS DE FUTURO


Con una economía que supera en peso al conjunto de países sudame-
ricanos, basada en sectores bien desarrollados como la agricultura, la mi-
nería, la industria y los servicios, es conveniente tener un ojo puesto en el
‘gigante’ del Sur. Pero no sólo por eso, tampoco se puede olvidar que con
50 millones de habitantes, de los 172 que tiene el país, viviendo bajo el
umbral de la pobreza, Brasil tiene una importante desigualdad de riqueza
entre la población. Ante tal situación, no es de extrañar el triunfo en octu-
bre de 2002 de Luiz Inácio Lula da Silva, al frente del Partido dos Traba-
lhadores. A pesar de su imagen internacional lograda mediante iniciati-
vas como ‘Fome Zero’ (destinadas a paliar el hambre) o otras más simbó-
licas, ligadas al movimiento antiglobalización, durante su campaña no
desechó la posibilidad, luego descartada por el Ministro de Ciencia y
Tecnología, de reactivar el proyecto de construcción de un submarino nu-
clear (Zaborsky, 2003). Si bien algunas medidas, como la de destinar
ciertas unidades del Ejército a obras públicas como carreteras, han sobre-
cogido al estamento militar, no se deben sacar conclusiones precipitadas.
Bajo los dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) se
estimuló el Plano Real procurando una estrategia de recuperación eco-
nómica que sacase por fin al país de la crisis económica y las fluctuaciones
monetarias. Resultó un éxito, reduciendo el crecimiento inflacionario del
50% al 1% mensual. En materia de exportaciones militares, la nueva esta-
bilidad política y económica parece haber marcado un punto de inflexión,
que puede situarse en 1994, año en el que las exportaciones no llegaron al
los tres millones de dólares. A partir de entonces el aumento ha sido lento
pero progresivo: 12 millones en 1995; 9 en 1996; 26 en 1997; 70 en 1998; 98
en 1999 (Zaborsky, 2003). Según Bastos (2003a), la producción para el año
2000 supera los 4.000 millones, lo que no es de extrañar, pues tras los
atentados del 11 de septiembre y la ‘guerra contra el terrorismo’ los pre-
supuestos militares van en aumento y las fuerzas armadas de algunos
países tienen la oportunidad de actualizar sus arsenales. Un ejemplo sig-
nificativo es la venta en 2001 por parte de Avibrás al gobierno de Malasia

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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 345
de una partida de Astros II MRL valorada en 500 millones de dólares, lo
que constituye uno de sus mayores contratos individuales (Zaborsky, 2003).
Si bien EMBRAER tuvo que refugiarse en el sector civil durante la
primera mitad de los años noventa, en 1997 el 25% de sus pedidos volvían
a ser de naturaleza militar (Franko-Jones, 1998). Por fin se consiguió sacar
al mercado el caza AMX, adquiriendo Venezuela ocho unidades de la
nueva versión en 2000. Al año siguiente, la República Dominicana com-
pró diez unidades del Super Tucano, y otras 76, adaptadas para condicio-
nes amazónicas, la Fuerza Aérea brasileña. También se le proporcionaron
cinco unidades del Airborne Early Warning & Control (AEW&C) y tres
EMB-145 adaptadas para el Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM). En
total, la FAB tiene pensado invertir unos 3 billones de dólares hasta 2010
en un esfuerzo por modernizar su flota aérea, partida de la que la
industria militar brasileña pretende sacar tajada.
Sin salir del sector de la aeronáutica, cabría mencionar a Helibras,
centrada en la producción de helicópteros. Si bien la compañía ni por
asomo alcanza, pese a sus intenciones en los ochenta, los éxitos en desa-
rrollo tecnológico de las otras empresas, lo cierto es que ha conseguido
mantenerse como una opción económicamente viable, aunque sin salir
del campo del montaje y producción de componentes básicos. Helibras
apareció en 1978 como una joint venture de la francesa Aerospatiale (hoy
Eurocopter) con un 45% y el Estado de Minas Gerais, con otro 45%, co-
rrespondiendo el 10% restante a la otra compañía brasileña, Aeroforto
Cruzeiro do Sul. La producción (ensamblaje) bajo licencia de los Ecureuil
y Lama empezó en 1979. A pesar de las dificultades, pues no tenía el tipo
de apoyo en recursos económicos y humanos del que dispuso, por ejem-
plo EMBRAER, se ha mantenido hasta hoy, produciendo siete modelos
(de los que ha vendido 400) y contando con 300 empleados. En 2001 el
Ejército brasileño encargó ocho Cougar Mk II de Eurocopter, a producir
bajo licencia por Helibras, y al año siguiente se anunció la producción de
los Super Pumas, así como una negociación con Venezuela y Bolivia para
la venta de 17 unidades (Freeman, 2002).
Por su parte, Avibrás parece haberse recuperado de su caída, y aún
sin llegar a los niveles de producción o ventas de finales de los ochenta, se
encuentra actualmente en numerosos procesos de negociación tanto en
Oriente Próximo, África como Asia. Entre las novedades incorporadas al
catálogo de la empresa está el AV-MT 300, adaptable tanto a las lanzado-
ras Astros II como Astros III, un misil con sistema de guiado inercial que
actualiza los datos a través de láser y la posición a través de GPS, resul-
tando equiparable en precisión a misiles similares como los Tomahawk, Apa-

StrategicEvaluation (2007) 1
346 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

che y Kh-65, pero bastante más barato. Parece posible que el Ejército y Ar-
mada brasileños adopten este modelo, pues ya a finales de los ochenta se
habían interesado por su “predecesor”, el X-300 o “Trezentão”, cuyo desarro-
llo, a pesar de las dificultades económicas, no se paralizó del todo. Asimismo,
están desarrollando un misil similar, lanzado desde el aire, el Standoff.
Aunque en este trabajo se ha dejado un poco de lado al sector naval, no
podíamos dejar de hacer referencia a él, pues en Brasil se vienen produ-
ciendo buques de guerra en el Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro desde
1789. Hasta la década de los 70, la mayoría de los navíos que salían de los
astilleros eran patrulleras marítimas y fluviales, pero al igual que en el sec-
tor de la aeronáutica, desde la creación del Instituto de Pesquisas da Mari-
nha (IPN) en 1959, se intentó desarrollar la producción de navíos modernos
de grandes dimensiones, pero el país dependía en demasía de tecnologías
foráneas, siendo necesarias grandes inversiones (Freeman, 2002). El primer
proyecto de tales dimensiones, los ‘Niteroi’ se anunció en 1970 conjunta-
mente con la británica Vosper Thorneycroft e implicaba la construcción de
seis fragatas, dos de las cuales corresponderían al Arsenal da Marinha. Se
pretendía incluir el mayor número de componentes brasileños posibles y,
junto con los especialistas británicos, se incorporaron numerosos ingenieros
autóctonos. El proyecto tardó más de lo esperado y su coste dobló el esta-
blecido en el contrato inicial, pero esto no disuadió a los brasileños de su
empeño, aunque habría que esperar una década para asistir a la botadura
de otro buque similar. En 1983 se lanzó la primera de las corbetas Inhauma,
construidas con la asistencia de los alemanes de Marin-Technik, siguién-
dola otras cuatro, que entrarían en servicio a principios de los noventa. Pero
económicamente fue un verdadero desastre, pues no sólo no se construye-
ron las 12 previstas, sino que no se cumplieron en absoluto las expectativas
de exportación. Si bien incluían un radar y un sistema antiaéreo producido
bajo licencia de la sueca Bofors, hubo que abandonar las ideas de equipar
los navíos con armas de producción nacional (Freeman, 2002).
Con vistas al desarrollo de la capacidad de producción de submarinos
nucleares, en 1982 se firmó otro acuerdo con la alemana HDW para cons-
truir cuatro submarinos clase Tupí: el primero de ellos en Alemania y los
restantes ensamblados en Brasil. De nuevo, la meta consistía en incluir el
mayor número posible de componentes nacionales para así desarrollar la
capacitación tecnológica propia. Entraron en servicio entre 1989 y 1996,
estando dos más, mejorados, en el astillero, incluyendo torpedos y minas
diseñadas por el IPM. Otros navíos construidos bajo licencia, aunque pro-
curando siempre la transferencia tecnológica, fueron cuatro patrulleras
rápidas con moldes de Fairy Marine (Reino Unido) y otras cuatro patru-

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 347
lleras de Vosper-QAF (Singapur). De todas formas, dada la complejidad
de desarrollar buques de guerra de grandes dimensiones, y su elevando
coste (no amortizable a través de exportaciones), el sector industrial de
defensa naval no ha tenido un crecimiento equiparable a otras áreas de la
industria militar (Freeman, 2002). Los sucesivos gobiernos quizás no han
visto tan claras las perspectivas de desarrollo y han moderado el flujo de
recursos hacia el sector.
En el campo de blindados, parece ser que de las cenizas de ENGESA
surgieron varias pequeñas empresas que con el tiempo han desarrollado
cierta capacidad sobre la base de la experiencia del pasado. Aunque la
‘desamortización’ de la compañía original se hizo de la peor de las mane-
ras posibles (destinando piezas valiosas fruto de grandes inversiones en
investigación y desarrollo a mera chatarra, vendiendo los archivos a peso
y otras actuaciones igualmente desafortunadas) algunos empleados con-
siguieron rescatar parte del legado, y fruto de su esfuerzo son compañías
como Columbus o CEPPE. Ambas lanzaron en 2003 el prototipo del Ma-
rruá, un jeep 4x4 derivado del EE-12 de ENGESA. Bastos (2003b) señala que
los objetivos principales de dichas corporaciones pasan por mostrar que es
posible desarrollar proyectos y fabricar productos de uso militar autóctonos
reestableciendo el desarrollo tecnológico e industrial paralizado.

CONSIDERACIONES FINALES
Los logros conseguidos por Brasil en el campo de la industria de de-
fensa durante la segunda mitad del siglo XX de forma alguna pueden ser
ignorados. El propio enfoque, basado en la lógica de la doctrina de segu-
ridad nacional, según el cual la industria armamentística no sólo preten-
día garantizar a las fuerzas armadas una secularmente deseada indepen-
dencia armamentística, sino servir como imán para atraer y generar las
fuerzas magnéticas suficientes como para desarrollar tecnologías avanza-
das, atrayendo capitales extranjeros y sentando las bases para un Brasil
plenamente industrializado y moderno. En el presente trabajo se ha in-
tentado exponer como los factores ideológicos y estratégicos han podido
contribuir para que este país tuviese semejante éxito donde muchos otros
fracasaron o se quedaron a medias.
Sin duda alguna se formó casualmente durante aquellos años un con-
texto y una serie de situaciones, tanto en el plano internacional como en el
interno: escasez de armamentos procedentes de los Estados Unidos, da-
dos los conflictos del sudeste asiático; presión y restricciones estadouni-
denses en referencia a cuestiones de derechos humanos y proliferación

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348 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

nuclear; expansión de la demanda armamentística en el Próximo Oriente


(especialmente con la guerra irano-iraquí); existencia de un nicho de mer-
cado para tecnologías militares intermedias (tanto en sofisticación como
en precio); crisis energéticas de 1974 y 1979; etc.
La existencia de una Doctrina de Seguridad Nacional, formulada por
la Escola Superior de Guerra desde una perspectiva relativamente cientí-
fica, que reunía de forma bastante acertada y clara elementos (exteriores y
autóctonos) de campos como la geopolítica, economía, políticas de desa-
rrollo, política internacional y doméstica, análisis cultural, estratégico y
psicosocial, acuñada por el binomio segurança e desenvolvimento, en un
momento en el que su aplicación práctica más o menos rigurosa (depen-
diendo de la línea de los militares en las sucesivas administraciones) re-
sulto viable, fue la clave del éxito. En estrecha relación con lo anterior, la
existencia y permanencia de una ‘clase’ de técnicos a lo largo de todo el ré-
gimen militar, manteniendo un continuum en la política de desarrollo, junto
con el acuerdo más o menos patente de las fuerzas armadas en general en
relación con la necesidad del desarrollo de una industria nacional de defensa
fueron factores igualmente importantes para la consolidación del proyecto.
Desde el punto de vista sistemático, se podría hablar de cinco pasos
previos para el desarrollo de una industria armamentística propia, si-
guiendo el modelo brasileño: ensamblaje; producción de componentes y
subsistemas; producción bajo licencia, importando los componentes más
sofisticados; diseño y producción doméstica; y producción independiente,
minimizando los componentes a importar. Al igual que Corea, Taiwán y en
cierta medida España, Brasil centró muchos de sus esfuerzos en adquirir
una capacidad tecnológica a través de la producción o coproducción bajo li-
cencia, joint ventures o otras formas de lo que hoy se llaman offsets. Estas
formas, como hemos visto, pueden suponer grandes inversiones y en oca-
siones no se traducen en beneficios económicos directos e inmediatos, pero
con el tiempo constituyen, siempre que vayan parejas a una política de in-
vestigación y desarrollo, la mejor forma de potenciar el sector. De la misma
forma, resulta patente que los sistemas de armas modernas implican domi-
nar los más altos niveles de aplicación tecnológica. La producción de este
tipo de artículos, caros por naturaleza, de acompañarse de políticas apro-
piadas de comercialización pueden ser valiosos componentes para atraer
fondos extranjeros y compensar notablemente la balanza de importaciones
(vid. Looney, 1989:145-153). De igual forma, siempre que se entienda que
las fuerzas armadas, siguiendo la lógica de que la seguridad es un bien co-
mún, necesitan tales sistemas para cumplir con su misión, resulta patente
que una producción doméstica exitosa reduciría notablemente las importa-

StrategicEvaluation (2007) 1
Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 349
ciones de productos caros reduciendo al mismo tiempo la dependencia
hacia terceros países, no siempre oportuna en lo que a materiales de defen-
sa se refiere. En ocasiones, la creación de redes propias de investigación, de-
sarrollo e innovación (I+D+i) tiene sus ventajas añadidas.
Sabemos que, desde los albores de la humanidad, el proceso creativo
y de aprendizaje que implica el uso y desarrollo de sucesivas generacio-
nes de tecnologías deja en las diversas sociedades un sedimento nomoté-
tico, lo que en parte llamamos know-how, que las capacita para ulteriores
desarrollos e innovaciones. Por ello, la introducción de tecnologías, de no
estar acompañada de procesos paralelos de entrenamiento, adaptación y
aplicación, puede atrofiar de tal forma las capacidades creativas de los
países receptores que el resultado a medio plazo no sólo será insostenible
sino también nefasto para los objetivos pretendidos.
Aunque las condiciones del mercado global fueron decisivas para la
caída del complejo brasileño, no se puede decir que la crisis haya barrido
la industria militar brasileña de un plumazo, en buena parte por lo que se
indica en el párrafo superior. El éxito civil de algunas de las compañías ha
mantenido (e incluso desarrollado) la capacidad de producción e innova-
ción en el sector de la defensa, que mantiene vivas sus posibilidades de
despegue para el futuro, si la coyuntura internacional y la política guber-
namental se colocasen eventualmente a su favor.
Es cierto que la carrera armamentística crea una dinámica interna
hacia la producción de sistemas tecnológicamente más avanzados, pero
tal espiral hace que estos productos dispongan cada vez de nichos de
mercado más y más reducidos, pues sistemas tan sofisticados tienen un
coste que muy pocos compradores se pueden permitir. Así, como seña-
lamos antes, las ventas se reducen al mismo tiempo que la escala de pro-
ducción necesita aumentarse si se quiere lograr productos económica-
mente viables. Llegados a este punto, la clave reside en que el Estado de-
cida apoyar con sus propios recursos una industria, que de otra forma no
sería viable (Kaldor, 1981). Hay que tener en cuenta que los objetivos (es-
tablecidos originariamente por la Escola Superior de Guerra) que motiva-
ron los primeros pasos (fundamentales) del desarrollo de una industria
militar moderna en Brasil no eran tanto ni la creación de empleos ni la
entrada de divisas por exportaciones, sino la transferencia tecnológica con
vistas a posibilitar una capacidad militar autónoma. Si bien el desarrollo
paralelo de la industria civil era una meta para la industria militar en
conjunto, a la hora de juzgar la estrategia brasileña debe hacerse desde
esta perspectiva. Como señala Freeman, que tal perspectiva fuera/es o no
apropiada para un país como Brasil es otra cuestión.

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350 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil

Esto no implica que el éxito comercial y tecnológico se deban conside-


rar de forma separada, pues hemos visto que si la producción no resulta
viable, como en el caso de ENGESA, la capacitación tecnológica lograda
queda prácticamente anulada (y el esfuerzo habrá sido inútil). Lo que ha
conseguido Brasil lo ha hecho gracias a un enorme esfuerzo económico,
canalizando recursos por parte de sus gobiernos. Pero debemos ser re-
alistas y, como apunta Freeman (2002), ni Brasil ni cualquier otro país que
no sea los Estados Unidos, se aproxima a la producción completamente
independiente en materia armamentística. Sin dejar de mirar hacia el fu-
turo, quizás resulte conveniente analizar desapasionadamente las pers-
pectivas de desarrollo de proyectos similares.
El legado que dejaron los “años de oro” no se ha perdido por completo,
pero gran parte se ha desperdiciado innecesariamente. En palabras de Ex-
pedito Bastos, “é preciso conhecer o passado, para entendermos o presente
e projetarmos o futuro, pois tecnologia não se compra, desenvolve-se”
(2005). Como se ha verificado en los últimos años, muchos proyectos que
fueron abandonados en su tiempo ahora vuelven a ser viables. El desarrollo
tecnológico no es fruto de grandes saltos, sino de pequeños pasos en el ca-
mino de la sofisticación, afirma Bastos. Brasil ya había emprendido este ca-
mino, llegando muy lejos, pero los costes de quedarse rezagado hoy en día
son caros, muy caros. Nadie ha dicho que sea fácil. A pesar de su riqueza en
recursos, Brasil tienen problemas no despreciables respecto a ciertas mate-
rias primas: fibra aramida, policarbonatos (para vehículos blindados), car-
betos especiales. Asimismo, la dependencia tecnológica continúa siendo
una dificultad seria, pues no sólo se ha debilitado, por falta de recursos e
inversiones, la red de centros de investigación de la que hemos hablado
pormenorizadamente, sino que la cooperación entre la investigación cientí-
fica civil y militar está en su momento más bajo. Por no hablar de transfe-
rencia de tecnología, asunto del que los sucesivos gobiernos se han ido des-
entendiendo progresivamente, favoreciendo, como en el fallido programa
FX, la importación frente a la producción-exportación nacional.
Sin duda Brasil tiene un largo camino por delante, con grandes retos,
desafíos y posibilidades, siendo muchos los factores que pueden condi-
cionar, como lo han hecho antes, su travesía en este campo, aunque tam-
bién está en sus manos fijar el rumbo a la hora de navegar hacia el futuro.

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*
Joám Evans Pim es Profesor de Ciencias de la Comunicación en la Uni-
versidad de Santiago de Compostela (USC) y Presidente del Instituto
Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz. Master en
Paz, Seguridad y Defensa por el Instituto Universitario General
Gutiérrez Mellado (IUGM), cursó estudios de grado en Antropología
Social y Periodismo, además de estudios de doctorado en Paz y
Seguridad Internacional en el IUGM y en Comunicación y Periodismo
en la USC. E-mail: evans@igesip.org.

StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation Indexing ● Catalogação

Title Strategic Evaluation : International Journal on Defence and


Título Conflict Analysis
Editor Rianxo (Galiza) : Instituto Galego de Estudos de Segurança
Internacional e da Paz, 2007–
Frequency Annual
Periodicidade Anual
Start/End N.º 1 (2007)–
Início/Fim
Remarks Texts in Portuguese, Spanish & English
Notas Textos em português, espanhol e inglês
ISSN 1887-9284
Legal Deposit C-2122/07
Depósito Legal
Indexes 355(05)
Clasificação 327(05)
Subjects Defence Studies-Peridicals
Matérias International Relations-Periodicals
Estudos de Defesa–Publicações periódicas
Relações Internacionais–Publicações periódicas

© The Authors | Os Autores, 2007


© Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz, 2007
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