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Shiguenoli Miyamoto
University of Campinas
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All content following this page was uploaded by Shiguenoli Miyamoto on 22 May 2014.
Alcides Costa Vaz, Universidade de Brasília, Brazil; Alexandre Fuccille, Universidade Estadual de
Campinas, Brazil; Amado Luiz Cervo, Universidade de Brasília, Brazil; Eduardo Viola, Universidade
de Brasilia, Brazil; André Moreira Cunha, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil; Andrea
Goldstein, Organisation for Economic Co-operation and Development, France; Antonio Jorge Rama-
lho da Rocha, Universidade de Brasília, Brazil; Carlos H. Acuña, Universidad de San Andrés, Argenti-
na; Claudete de Castro Silva Vitte, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Clóvis Brigagão, Uni-
versidade Candido Mendes, Brazil; Cristina Soreanu Pecequilo, Universidade Estadual Paulista, Bra-
zil; Domício Proença Júnior, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil; Eric Herring, University
of Bristol, United Kingdom; Eurico de Lima Figueiredo, Universidade Federal Fluminense, Brazil; Ex-
pedito Carlos Stephani Bastos, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brazil; Fabio Stefano Erber, Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil; Frank D. McCann, University of New Hampshire, USA;
Héctor Luis Saint-Pierre, Universidade Estadual Paulista, Brazil; João Carlos Kfouri Quartim de Mo-
raes, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; João Roberto Martins Filho, Universidade Federal
de São Carlos, Brazil; Jorge Zaverucha, Universidade Federal de Pernambuco, Brazil; Julie Schmied,
Universidade de Brasília, Brazil; Jurgen Brauer, Hull College of Business, USA; Ligia Osorio Silva,
Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Lorenzo Fernández Franco, Universidad Complutense de
Madrid, Spain; Lytton L. Guimarães, Universidade de Brasília, Brazil; Marco Cepik, Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul, Brazil; Oliveiros S. Ferreira, Pontifícia Universidade Católica de São Pau-
lo, Brazil; Oswaldo Dehon R. Reis, University of Oxford, United Kingdom; Pablo Dreyfus, Viva Rio,
Brazil; Paulo C. Souza Manduca, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Paulo Roberto de Al-
meida, Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Brazil; Pedro Paulo Abreu Fu-
nari, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Raul de Gouvea Neto, University of New Mexico,
USA; Reginaldo C. Moraes, Universidade Estadual de Campinas, Brazil; Reginaldo Mattar Nasser,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil; Renato P. Dagnino, Universidade Estadual de
Campinas, Brazil; Ricardo Vélez Rodríguez, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brazil; Rober
Looney, Naval Postgraduate School, USA; Roberto Di Sena Júnior, Universidade do Vale do Itajaí,
Brazil; Salvador Raza, National Defense University, USA; Samuel Alves Soares, Universidade Esta-
dual Paulista, Brazil; Severino Cabral, Universidade Cândido Mendes, Brazil; Shiguenoli Miyamoto,
Universidade de São Paulo, Brazil; Simon Schwartzman, Instituto de Estudos do Trabalho e Socie-
dade, Brazil; Suzeley Kalil Mathias, Universidade Estadual Paulista, Brazil.
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INDEX ÍNDICE
005 EDITORIAL
Articles ● Artigos
007 FABIO STEFANO ERBER
Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa
Scientific and technological development and foreign policy
23 JORGE ZAVERUCHA
Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
Brazilian Ministry of Defence. A virtual power
47 CRISTINA SOREANU PECEQUILO
Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional
Brazil, International Security and National Interest
53 PEDRO PAULO A. FUNARI; PAULO CÉSAR MANDUCA
Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil
Two aspects of strategic development in Brazil
71 SHIGUENOLI MIYAMOTO
Forças armadas, defesa e segurança
Armed forces, defence and security
97 GRUPO BAGATELLE
Indústria Nacional de Defesa
National Defence Industry
123 ALUISIO SÉRGIO TORRES FILHO
Globalização e a indústria de defesa nacional
Globalization and national defence industry
177 KLEBER SILVA DOS SANTOS
A nacionalização na Marinha do Brasil
Nationalization in Brazil’s Navy
211 ELÓI MARTINS SENHORAS; CLAUDETE DE CASTRO SILVA VITTE
A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…
Brazilian geostrategy in Latin America’s defence and security policies…
231 RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ
Integração sul-americana. Projetos e perspectivas estratégicas
South-American Integration. Strategic projects and perspectives
241 VALÉRIO LUIZ LANGE
A indústria de defesa no Brasil
Defence industry in Brazil
265 SUZELEY KALIL MATHIAS; EDUARDO L. DE VASCONCELOS CRUZ
Segurança e Desenvolvimento. O caso da indústria bélica
Security and Development. The case of defence industry
285 SAMUEL ALVES SOARES; LEONARDO SOARES DE OLIVEIRA
Meios nucleares para a defesa
Nuclear defence means
305 EXPEDITO CARLOS STEPHANI BASTOS
Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria…
An overlook at some still feasible projects for Brazil’s defence industry
321 JOÁM EVANS PIM
Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil
Evolution of Brazil’s denfence industry complex
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
EDITORIAL
EDITORIAL
Desenvolvimento científico e
tecnológico e política externa
Scientific and technological development and foreign policy
Abstract: The article discusses the relationship between scientific and technological deve-
lopment and foreign policies in the Brazilian case. It starts by placing Brazilian scientific
and technological activities in a international perspective. It then proceeds to analyze the
relationship between such activities and two important sides of foreign policy: international
competitiveness and military power. Recent institutional measures taken to integrate
foreign policy and the industrial-technology-foreign trade policy are examined and it is ar-
gued that a closer integration between the policies is necessary.
Keywords: scientific and technological development, foreign policy, international competi-
tiveness, military power.
INTRODUÇÃO
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Fabio Stefano Erber, Desenvolvimento científico e tecnológico e política externa | 9
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1 Esta foi uma das preocupações constantes de Furtado, ao longo de toda sua
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ssário para serem eficientes e eficazes. Além disso, esses sistemas são fre-
qüentemente incompletos e as partes existentes apresentam baixa cone-
xão, o que prejudica a produtividade do sistema como um todo.
Enquanto os sistemas de inovação dos paises avançados tem uma
longa história de vida, gozando pois dos efeitos benéficos da cumulativi-
dade e aprendizado, a constituição dos sistemas dos paises em desenvol-
vimento é mais recente. Na América Latina em geral, e no Brasil em parti-
cular, o processo de estabelecimento desses sistemas, que vinha se desen-
rolando ao longo dos anos setenta, foi duramente afetado pela crise da
dívida e a conseqüente explosão inflacionária nos anos oitenta. Na década
seguinte, a combinação das reformas institucionais preconizadas pelo
Consenso de Washington com políticas macroeconômicas dirigidas pre-
dominantemente para o controle da inflação com um cenário de cresci-
mento baixo e incerto reduziram substancialmente os investimentos pú-
blicos e privados em inovação e concentraram os investimentos feitos em
projetos que reduzissem custos em períodos curtos e de resultados segu-
ros. Em conseqüência, partes importantes do sistema de inovação sofre-
ram baixo crescimento e até atrofia e a direção do sistema foi orientada
para atividades de natureza defensiva face à exposição internacional.
Aos efeitos das reformas institucionais e da política macroeconômica
somou-se a aversão às políticas explícitas de apoio ao sistema, notada-
mente na sua especificidade setorial. As políticas industriais de corte seto-
rial que existiram foram de caráter ad-hoc, defensivas (disputando o in-
vestimento direto estrangeiro com outros países ou protegendo setores
contra práticas obviamente desleais de comércio exterior) e desprovidas
de visão estrutural e de longo prazo. A principal exceção a este quadro foi
a criação, no fim do período, de Fundos setoriais para estimular a coope-
ração entre empresas e instituições de pesquisa no âmbito do Ministério
da Ciência e Tecnologia.
Do ponto de vista da política externa, é notável o descaso com o de-
senvolvimento da capacidade científica e tecnológica para competir no
mercado internacional, pois há muito se notara que a estrutura de expor-
tações brasileira estava enviesada para produtos de baixa e média inten-
sidade tecnológica, cujo dinamismo no mercado internacional é relativa-
mente baixo e sujeito a ciclos, ao passo que a estrutura de importações
estava concentrada em bens de média e alta intensidade tecnológica, cuja
demanda tinha a propensão a crescer mais do que a renda. Ou seja, o co-
mércio internacional brasileiro tinha um viés estrutural para fortes défi-
cits, que tenderia a aumentar quando o crescimento acelerasse.
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DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E
TECNOLÓGICO E O PODER MILITAR
tos das políticas referidas e, ainda menos, avaliar sua eficácia, que, pela própria
natureza das políticas tem um prazo dilatado de maturação. Leitores interessados
na descrição mais detalhada da PITCE e das medidas poderão consultar com pro-
veito o sítio da ABDI (ver Nota anterior) (www.abdi.com.br).
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7 Os dados de Heo e Eger (2005), computados pelo autor, mostram que, em dólares
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área. Os Estados Unidos respondem por cerca de 50% dos gastos mun-
diais e vem aumentando a sua participação: entre 2001 e 2004 seus gastos
militares cresceram 40%, atingindo 4% do PIB (US$ 455 bilhões8, dos
quais 45% correspondem aos gastos no Iraq e Afeganistão). Na União Eu-
ropéia, no mesmo período, o crescimento foi muito menor9 (2,9%) acen-
tuando a polarização militar entre os países capitalistas avançados. A
China aumentou os seus gastos militares em proporção ainda maior –
35,6% entre 2001 e 2004. Mesmo assim, seu dispêndio em 2004 (US$ 35,4
bilhões) correspondia a menos de 8% do gasto americano. A Rússia tam-
bém vem aumentando seus gastos, que correspondiam 10% do seu PIB
em 2004. Em contraste, sempre no mesmo período, a América Latina re-
duziu seus gastos militares de US$ 25,2 para US$ 23,7 bilhões, o que co-
rresponde a 1,2% do PIB regional, a mais baixa participação entre as re-
giões mundiais. Conforme nota a mesma instituição, em 2004 os gastos da
OECD com a cooperação para o desenvolvimento eram equivalentes a
menos de 10% dos gastos militares (BICC, 2006).
As relações entre desenvolvimento militar e desenvolvimento científi-
co e tecnológico são muito antigas – em 212 A.C. Arquimedes desenhou
máquinas de guerra para a defesa de Siracusa contra os romanos. Na era
moderna, a Primeira Guerra Mundial foi chamada a “guerra dos quími-
cos” e a Segunda a “guerra dos físicos” (Rose e Rose, 1971). Esta última,
principalmente através do programa nuclear, definiria o formato de
grandes projetos científicos, tecnológicos e industriais – a “Big Science”. A
Guerra Fria consolidaria a articulação entre os sistemas militar, científico
e tecnológico e industrial10.
Observando os gastos governamentais em pesquisa e desenvolvi-
mento (P&D) nos paises capitalistas avançados verifica-se uma evolução
mais acentuada da polarização: enquanto as antigas potências imperia-
listas como Inglaterra, França e Alemanha reduzem o percentual de seus
gastos governamentais destinados à defesa ao longo do tempo11, os
Estados Unidos não o fazem e, no passado recente, aumentam esses
vam, respectivamente, 21%, 39% e 60% dos gastos governamentais em P&D à defe-
sa. Em 2004 esses percentuais haviam caído para, respectivamente, 6%, 23% e 32%.
Para o primeiro período ver Erber (1980) e para o segundo dados da OECD no sítio
do Ministério de Ciência e Tecnologia.
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CONCLUSÕES
13 O programa espacial, de cunho civil, mas que tem características duais, recebeu,
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REFERÊNCIAS
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Padrões Tecnológicos e Desempenho das Firmas Industriais Brasileiras. Brasília: Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada.
*
Fabio Stefano Erber é Professor do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Este artigo reproduz e amplia a intervenção
feita durante a mesa sobre Ciência e Tecnologia no decorrer da Iª Con-
ferência Nacional de Política Externa e Política Internacional realizada
pelo Instituto de Pesquisas Internacionais (IPRI) e pela Fundação
Alexandre de Gusmão (FUNAG) no Rio de Janeiro em 5/07/2006.
Agradeço os comentários dos Ministros Carlos Henrique Cardim e
Hadil Fontes da Rocha Vianna e da audiência, assim como de Luiz
Carlos Prado a uma versão preliminar do texto, eximindo-os, porém
de qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo.
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Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
JORGE ZAVERUCHA
Abstract: The belief on the possibility of analysing the Brazilian Ministry of Defence sepa-
rately from the political context in which it was created and exists is a fallacy. It is impossi-
ble to expect that it will act according to democratic principles if the system does not work
for the genuine suppression of the authoritarian legacy inherited from the military regime.
The way in whixh the Ministru of Defence works in Brazil, influences by this legacy, is one
of the indicators of our fragile democracy. Recently, irritated by the tolerance of the minis-
ter of Defence and President Lula with a airs trafic control sargents strike, military com-
manders forced Lula to swich his possition in a radical way. Afraid of loosing the Presiden-
cy, the authority of today’s minister of Defence has never been so empty since the creation
of the Ministry.
INTRODUÇÃO
Falácia da autonomia é a crença na possibilidade de analisar o Minis-
tério da Defesa brasileiro separado do contexto político que o criou. É im-
possível esperar que tal ministério atue de acordo com os princípios de-
mocráticos se o sistema político não trabalha pela efetiva eliminação do
legado autoritário herdado do regime militar1. O modo como o Ministério
de Defesa funciona no Brasil, já que é influenciado por este legado, constitui
um dos indicadores da fragilidade de nossa democracia (Zaverucha, 2000).
Escrevi funciona, pois a criação do Ministério da Defesa per se não é
suficiente para garantir que as Forças Armadas estão submetidas ao con-
trole civil (vid. Carvalho [1999:345] e Oliveira [2005:115]). As Forças Ar-
madas continuaram a atuar autonomamente e passaram, freqüentemente,
por cima da autoridade do ministro da Defesa arranhando a autoridade
do Presidente da República. Em clara insubordinação à cadeia de coman-
do político e militar. Afinal, o Presidente da República é o comandante-
em-chefe das Forças Armadas. É o que veremos, a seguir.
METODOLOGIA
Metodologicamente, farei uso de instrumentos baseados tanto na Escolha
Racional como na pesquisa etnográfica (Rothstein, 2005). Ambas as contribui-
ções estarão presentes na narrativa institucional histórica utilizada para mos-
trar e avaliar a escolha dos atores políticos pela militarização da Abin. Subja-
cente está a premissa de que micro detalhes influenciam a evolução/ involu-
ção institucional. Construída deste modo, tal narrativa permite identificar
problemas de ação coletiva, pontos de veto e credibilidade de compromissos
(Levi, 2004:216). Assim como aspectos culturais dos indivíduos e/ou da so-
ciedade influenciam a formação das prioridades políticas de ambos.
Diversamente do mero relato histórico, a narrativa histórica-institu-
cionalista argumenta que as instituições têm a capacidade de mudar as
preferências dos atores políticos. Por serem capazes de distribuir poder
diferentemente. Por isso mesmo, esta narrativa procura entender o con-
texto cultural onde ocorrem os eventos. E como isto pode afetar tanto as
escolhas estratégicas dos atores quanto seus sistemas de crenças e idéias.
1 “Authoritarian legacies are those rules, procedures, norms, patterns, practices, disposi-
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 25
Explicações culturais e institucionais não são excludentes. Pelo contrário.
Componentes culturais podem influenciar o tipo de desenho institucional
formal ou informal e vice-versa (Helmke e Levitsky, 2006).
A análise é, portanto, tanto teórica quanto empírica. Enfatizo que
como fatos não falam por si, o entendimento dos mesmos ocorre dentro
tanto de um contexto histórico como de um arcabouço teórico. Esclareço,
a seguir, o que entendo por dois conceitos fundamentais para analisar a
criação e atuação da Abin: o de militarização e o de democracia. Feito isto,
apresento a parte empírica procurando demonstrar a plausibilidade das
conjecturas teóricas feitas anteriormente. Ao final, trato de explicar o mo-
tivo do processo de militarização iniciado no governo Fernando Henrique
Cardoso (FHC) ter continuado durante o primeiro mandato do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva2.
2 Para uma visão distinta ver Santos (2004:117). Segundo a autora “demilitarization
cujo texto preconizava estudos com vistas a criação do Ministério das Forças Ar-
madas. A idéia foi torpedeava pela rivalidade entre as três Forças, e afundou.
4 Existe similar posto de observador militar em Genebra. Estes cargos foram cria-
dos pelo Presidente José Sarney para agradar militares que cooperaram com a sua
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26 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
(GRIO)—foi criado, em 1986, no Rio de Janeiro. Dele fazem parte Argentina, Bolí-
via, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Venezuela, Uruguai
e um representante da Comunidade do Caribe. O Grupo do Rio tem agido na con-
tenção de processos que colocam em risco a ordem democrática.
6 Na época, Gama pertencia ao Partido da Frente Liberal (PFL) do estado da Bahia.
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 27
da Defesa do Brasil não possui um Estado-Maior Geral forte que comande
Marinha, Exército e Aeronáutica. O ministro da Defesa, lembra Lopes
(2001), “lida diretamente com os comandantes de cada Força. Ao Estado-
Maior Geral denominado no Brasil de Estado-Maior da Defesa, cabe
função de assessoria de cunho específico militar. Também é preciso re-
ssaltar: apesar dessa linha direta com os comandantes militares [ que o
ministro da Defesa] não ordena operações. No modelo americano, o Se-
cretário da Defesa controla pessoalmente os chamados Comandos de
Área, completamente operacionais. Cada Força tem subsecretário basica-
mente para tratar de assuntos administrativos”.
Outra prova da fragilidade institucional do ministro da Defesa é que
os comandantes militares do Exército, Marinha e da Aeronáutica deixa-
ram de ser politicamente ministros de Estado, mas mantiveram o status
jurídico de ministro. Ou seja, cabe ao Supremo Tribunal Federal processar
e julgar as infrações penais comuns e crimes de responsabilidade tanto
dos ministros de Estado como dos comandantes militares.
Os comandantes militares são, também, membros natos do Conselho de
Defesa Nacional e da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do
Conselho de Governo. Destarte, o ministro da Defesa é o único ministro de
Estado a carregar a tiracolo seus subordinados para as reuniões do referido
Conselho e da mencionada Câmara. Tais comandantes também possuem a
prerrogativa de, juntamente com o ministro da Defesa, indicar, ao presi-
dente da República, os nomes para a promoção de oficiais-generais. A lista,
portanto, será feita por três militares e um civil. Fica o registro, pois na prá-
tica isto pouco importa. Desde 1985 os Presidentes da República acataram
integralmente os nomes propostos pela cúpula militar para promoção.
FHC quis indicar o diplomata Ronaldo Sardenberg para ser o novo
ministro da Defesa. Diante da histórica rivalidade entre o Itamaraty e as
Forças Armadas, o Presidente cedeu às pressões castrenses e foi em busca
de outra alternativa. A escolha não poderia ter sido pior. Nomeou o ex-lí-
der do governo no Senado, senador Élcio Álvares, que acabara de ser de-
rrotado nas eleições em seu estado, Espírito Santo, e pessoa sem qualquer
experiência profissional na área.7 Na interpretação dos militares, FHC
usou a pasta para empregar um político derrotado e dar um prêmio de
consolação ao seu ex-líder, em vez de fortalecer o novo ministério.
Além disso, Álvares assumiu na qualidade de ministro extraordinário
da Defesa. Seis meses depois, 10 de junho de 1999, foi empossado como
7 Álvares teve que se desfiliar de seu partido, o PFL, para assumir o ministério.
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A SAÍDA DE ÁLVARES
A crise que se delineava tomou novo fôlego com a decisão de Álvares
de dar a sua assessora e amiga, Solange Antunes Resende, o poder de
comandar reuniões com generais, almirantes e brigadeiros. A irritação
dos quatro estrelas aumentou quando a revista Istoé noticiou que Resende
e seu irmão, Dório Antunes, sócio de Álvares num escritório de advocacia
teriam defendido clientes envolvidos com o narcotráfico (Meireles, 1999).
A seguir nova denúncia neste mesmo sentido é feita pela Comissão
Parlamentar de Inquérito do Narcotráfico (CPI). A CPI decidiu quebrar os
8 Álvares despachava numa salinha no quarto andar do prédio do Emfa e foi, de-
pois, transferido para uma outra pequena sala. Álvares só ocupou o gabinete do
ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas quando o Diário Oficial pu-
blicou sua nomeação como ministro efetivo da Defesa e não mais extraordinário.
9 “Holofotes”, Veja, 28 de abril de 1999.
10 “Élcio Álvares x Forças Armadas”, Folha de S. Paulo, 18 de dezembro de 1999.
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sigilos bancário, fiscal e telefônico de Resende e seu irmão. Foi o mote
para a indisciplina militar. O Brigadeiro Brauer declarou que não daria
conselhos ao seu superior por nunca ter passado por tal situação e lem-
brou que “a vida pública tem que ser bastante ilibada, transparente, que
não deixe dúvidas” (Martins, 1999). Ou seja, Álvares e Resende deveriam
deixar seus cargos, na visão do brigadeiro. Claro ato de indisciplina militar.
FHC resolveu intervir. Demitiu o Brigadeiro Brauer e pediu o cargo
de Resende. Álvares, por sua vez, ganhou uma sobrevida. A demissão de
Brauer aumentou a insatisfação na Aeronáutica. Tanto é que FHC esco-
lheu como novo substituto o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista que
atuava como juiz no Superior Tribunal Militar. Ou seja, o Presidente não
encontrou um oficial de confiança entre os que estavam em plena atividade.
Durante a cerimônia de posse de Baptista o clima foi de constrangimento.
Brauer foi muito aplaudido após finalizar seu discurso de despedida eivada
de críticas ao governo.11 Afora esta manifestação, o comando da Aeronáutica
providenciou um desfile de tropas, além de manobra aérea do qual participa-
ram o “Sucatão”12 (cercado por quatro jatos F-5 simulando reabastecimento);
quatro Mirages; oito AM-X, um Boeing 737; um Learjet; e dois HS (Azeredo,
1999). O alinhamento das aeronaves simulava a falta de um companheiro de
vôo, numa referência à ausência do brigadeiro Brauer (Leali, 1999).
Paralelamente, o Comando da Aeronáutica emitiu uma nota de apoio
a Brauer constando a assinatura de oito Tenentes-brigadeiro. A nota,
dentre outras palavras, diz que Brauer “deixa o comando da Aeronáutica
gozando do mais elevado respeito, admiração e confiança junto a seus pa-
res do Alto Comando... [e que] o Alto Comando da Aeronáutica reafirma
que os valores morais e éticos que sempre nortearam nossa instituição serão
preservados a qualquer custo, sob a égide da hierarquia e da disciplina”.13
11 Uma delas foi contra o uso pouco parcimonioso de jatos da FAB, para fins
particulares, por parte de alguns ministros de Estado. Vários destes ministros usa-
ram aviões da FAB para conhecerem à paradisíaca ilha de Fernando de Noronha,
no estado de Pernambuco. Brauer revelou a imprensa, no início de 1999, a lista com
os nomes dos ministros, deixando o Planalto irritado com ele.
12 Apelido do avião presidencial (Boeing 707) já bastante antigo e que FHC julgava
inseguro. Brauer não concordava ao alegar ser o avião antigo na idade, mas não na
quantidade de horas voadas. O vôo do “Sucatão” foi uma forma do Comando da
Aeronáutica mostrar que as queixas de FHC eram exageradas.
13 Segundo um ex-ministro da Defesa, a Aeronáutica teria sondado o Exército e a
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dezembro de 1999.
16 Entrevista concedida à Revista Época, 16 janeiro de 2000.
17 “Planalto adota estratégia do silêncio e prefere ignorar ato”, O Estado de S. Paulo,
29 de dezembro de 1999.
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A autoridade de Álvares seria, mais uma vez, tisnada no último dia do
ano. Durante o reveillon realizado no Forte de Copacabana com a presença
do Presidente da República, houve um desagradável incidente. Pouco antes
do início da queima de fogos na praia de Copacabana, vento e chuva fortes
danificaram a estrutura do galpão da festa organizada para FHC. Os fotógra-
fos Fernando Bizerra e Sheila Chaves, que estavam credenciados, registraram
o ocorrido. Irritados, soldados do Exército agrediram os profissionais.
O incidente ocorreu numa sexta-feira. Somente na segunda-feira à tarde é
que foi publicada uma nota oficial do Exército corroborada pelo Ministério da
Defesa anunciando a abertura de um Inquérito Policial Militar. E isto devido
à intervenção pessoal de FHC, pois a intenção original do Exército era abrir
apenas uma sindicância. Em vez de Álvares sair em defesa do Presidente
ocorreu o contrário. A impressão que ficou foi a de que Álvares sentiu-se
intimidado em tomar uma decisão enérgica que desagradasse os militares.
Isto sem falar na ausência de Álvares no reveillon embora assinasse o
convite oficial para a festa. Álvares saiu do episódio mais fraco do que
quando entrou (Kramer, 2000). A situação era delicada, pois segundo o
próprio Álvares, “o Ministério da Defesa é o fiador da democracia no Bra-
sil”.18 Álvares cairia alguns dias depois.
UM NOVO MINISTRO
Com a queda de Álvares, o novo ministro nomeado foi Geraldo
Quintão que até então era o Advogado Geral da União. Uma de suas
funções era a de proteger o patrimônio do Estado. No entanto pesava so-
bre ele uma investigação sobre vôos particulares financiado pelo mesmo
Estado ao qual devia proteção. Um levantamento feito pela Aeronáutica
revelou que entre janeiro de 1995 a dezembro de 1998, Quintão teria
usado aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar nos fins de se-
mana para São Paulo, onde mora sua esposa. Teriam sido 32 viagens fi-
nanciadas pelos impostos dos contribuintes (Leali, 2000).
O inquérito foi aberto pelo Procurador da República, Guilherme Schelb,
em 11 de maio de 1999, estando nele incluídos, afora Quintão, outros minis-
tros de Estado. Ao se tornar pública a investigação, Quintão irritado acusou o
Ministério Público de exibicionismo.19 Segundo ele, tinha o direito de uso de
transporte aéreo para se deslocar a sua residência.20 Também alegou que viaja
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 33
O ministro Quintão entendeu o recado, e mostrou-se tão preocupado
em agradar os militares que foi capaz de esquecer, momentaneamente, sua
formação jurídica. Em março de 2001, em visita ao estado amazônico de Ro-
raima, Quintão entusiasmou-se. Ante uma platéia de militares incorporou o
discurso dos mesmos dos anos 70 contrário à demarcação de terras indíge-
nas contínuas. Aproveitou para desancar o ex-presidente Fernando Collor,
responsável pela demarcação da área ianomâmi. Segundo Quintão, "uma
demarcação contínua onde não pode ser contínua, que foi feita por incom-
petência ou por necessidade de um presidente da República de aparecer
bem lá fora porque estava caindo aqui, e serviu de péssimo exemplo" (Ro-
drigues, 2001). Foi aplaudido ao estimular a violação de artigo constitucio-
nal. Afinal, o que Collor fez foi nada mais do que cumprir o estipulado pela
Constituição Federal de 1988, goste ou não o ministro Quintão.
A questão orçamentária voltaria a incomodar Quintão. Em crise econômi-
ca, e em nome da governabilidade, o governo federal bloqueou recursos des-
tinados ao Exército. Isto fez com que, dentre outras medidas, fossem adiadas
a incorporação de novos recrutas e a liberação mais cedo dos já incorporados,
suspensão de auxílio-transporte, e auxílio pré-escolar para militares etc.23
Em nota oficial criticando o governo e à revelia do ministro Quintão, o
General Gleuber Vieira diz entre outras coisas “a alta administração do Exér-
cito avaliou que tal quadro atingiu o limite das medidas paliativas, não res-
tando outra alternativa senão a adoção de soluções drásticas que comprome-
tem a disponibilidade futura e a operacionalidade da Força Terrestre”.24
Quintão, todavia, soube ser generoso com um outro Presidente da Re-
pública. FHC criou, em julho de 2002, a condecoração de Grão-Mestre da
Ordem do Mérito da Defesa. Dois meses depois, Quintão decidiu conde-
corar apenas FHC com a Ordem que ele próprio criara. A honraria, se-
gundo Quintão, deveu-se aos “relevantes serviços prestados às Forças
Armadas” (Krieger, 2002). O Presidente retribuiu a homenagem com uma
singela declaração sobre a democracia brasileira, o Ministério da Defesa e
as Forças Armadas: “Quero agradecer o espírito de compreensão, de co-
laboração do Ministério da Defesa e das várias forças singulares, que
nunca faltaram ao país, ao governo e nunca faltaram a mim, pessoalmen-
te. Se há um corpo do Estado brasileiro que, dentro das regras da demo-
cracia, tem funcionado de uma maneira absolutamente impecável, é o
Ministério da Defesa” (Jungblut, 2002).
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34 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
combate aos opositores políticos. Novas informações sobre esta Operação foram
descobertas em arquivos depositados no Paraguai.
26 “Arquivos do regime militar serão abertos”, O Estado de S. Paulo, 18/05/2000.
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 35
seja, um despachante dos interesses militares. Algo improvável dada a
rivalidade corporativa entre o Itamaraty e as Forças Armadas.
Viegas não entendeu ou não levou a sério as regras do jogo. Tomou
medidas que desagradaram, particularmente, o comandante do Exército,
Francisco Roberto de Albuquerque. O ministro criticou a falta de em-
penho do Exército, ao contrário da Marinha e Aeronáutica, na busca de
corpos de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia; levou adiante um
projeto de reengenharia administrativa (aí incluída a reestruturação curri-
cular e de comando da Escola Superior de Guerra28); comportou-se como
membro do governo ante os quartéis ao aceitar a decisão da área econô-
mica em não dar aumento salarial para os militares e solicitou que os co-
mandantes militares não fizessem declarações públicas em favor de tal
aumento; bem como exigiu que o Exército se adequasse aos termos do
Estatuto do Desarmamento patrocinado pelo Governo.
O desgaste no relacionamento administrativo entre Viegas e os milita-
res, degeneraram em aberta indisciplina. Embora já exista uma Assessoria
Parlamentar do Ministério da Defesa,29 o general Albuquerque indicou um
general para substituir um coronel na Assessoria Parlamentar do Exército.
Um claro desvio de função do general, além de sinalizar sua indisposição
em extinguir tal assessoria; o comandante do Exército freqüentou solenida-
des com farda militar inadequada para a ocasião, em aberta provocação
(Kramer, 2004); não enviou uma lista tríplice com o nome de generais a se-
rem escolhidos pelo ministro para irem ao Haiti. Pelo contrário, Albuquer-
que nomeou autonomamente tanto o general que comanda a força de paz
da ONU como o que lidera os militares brasileiros nesta força.
28 Fato que irritou o General Oswaldo Muniz Oliva, pai do senador Aloizio Merca-
dante, e o ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves que fora com José Sarney artífices
do aceite do nome de Lula ante a caserna. Achavam que a ESG deveria ser dirigida
por um general quatro estrelas, em vez de três estrelas como é na atualidade. Por
sua vez, Viegas trabalhava com a possibilidade da mesma poder ser dirigida até
mesmo por um civil. O general-de-brigada José Luiz Halley encarregado pelo mi-
nistro da Defesa de levar adiante o projeto de modernização da ESG teve sua pro-
moção indeferida pelo Exército, e foi para a reserva.
29 Afora a assessoria parlamentar do Exército (4 membros) no Congresso Nacional,
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36 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
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condição de comandante-em-chefe das Forças Armadas, conforme estipula o
artigo 142 da Constituição Federal, e não demitiu o comandante do Exército.
Com medo de exercer sua autoridade, fragilizou-se (Corrêa, 2004).
Embora lamentasse a morte de Herzog, a substancia da primeira nota
não foi alterada: os arquivos continuariam fechados aos civis. O general
Albuquerque tentou justificar o teor da primeira nota, publicada pelo Centro
de Comunicação Social do Exército, como fruto da “ausência de uma
discussão interna mais profunda sobre o tema”. Até o momento, aguarda-se
uma nova nota com o resultado desta discussão interna mais profunda.
Demissionário, Viegas publicou a mais duro texto já escrito por um
ministro de estado, desde 1985, em relação aos militares32. Segundo o ex-
ministro, “(...) a nota escrita em nome do Exército Brasileiro que, usando
linguagem totalmente inadequada, buscava justificar lamentáveis episó-
dios do passado e dava a impressão de que o Exército, ou, mais apropria-
damente, os que redigiram a nota e autorizaram a sua publicação, vivem
ainda o clima dos anos setenta, que todos queremos superar. É incrível
que a nota original se refira, no século 21, a 'movimento subversivo' e a
'Movimento Comunista Internacional'. É inaceitável que a nota use inco-
rretamente o nome do Ministério da Defesa em uma tentativa de negar ou
justificar mortes como a de Vladimir Herzog. É também inaceitável, a
meu ver, que se apresente o Exército como uma instituição que não pre-
cise efetuar 'qualquer mudança de posicionamento e de convicções em
relação ao que aconteceu naquele período histórico”.
Foi uma grande mudança de opinião por parte do Ministro da Defesa.
Oito meses antes, em alusão ao golpe de 1964, o Ministro publicou artigo
argumentando que as Forças Armadas “se inserem na plenitude demo-
crática que felizmente vivemos e que é axioma definitivo para a sociedade
brasileira” (Viegas Filho, 2004).
Lula indicou o Vice-Presidente da República, José de Alencar, para mi-
nistro da Defesa. Como terá dificuldade em substituí-lo pois é o eventual
comandante-em-chefe das Forças Armadas na ausência do Presidente da
República, é de se esperar que Alencar cumpra com os termos do pacto da
transição: os militares aceitam a democracia eleitoral em troca da manuten-
ção de enclaves autoritários dentro do aparato de Estado. Um desses domí-
nios reservados é a posse da chave dos arquivos da repressão militar.
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38 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
novembro de 2004.
34 Cf <http://www.exercito.gov.br/05Notici/Informex/2004/infor045.htm>.
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 39
UM JANGUISTA NO MINISTÉRIO
Para o lugar de Alencar, Lula indicou o então ministro da Controlado-
ria Geral da União, Waldir Pires, seu amigo. Pires era o Chefe da Casa Ci-
vil do governo João Goulart quando o mesmo foi deposto pelos militares
em 1964. Lula quis com isso mostrar a maturidade da democracia brasi-
leira, pois militares bateriam continência para um civil outrora apeado do
poder pelas Forças Armadas. O tiro saiu pela culatra.
Em outubro de 2006, os controladores de vôo (militares e civis) 35 fizeram
uma operação-padrão. Ou seja, liberaram as decolagens de aviões comerciais
mais lentamente, acarretando inúmeros atrasos nas partidas dos vôos. Era um
modo de pressionarem o governo federal por melhores condições de
trabalho, maiores salários e pela desmilitarização das suas atividades.
Toda esta crise brotou após o choque entre Boeing da GOL Linhas Aé-
reas, vôo # 197, e um Legacy fabricado pela empresa brasileira Embraer, que
acabara de ser adquirido por uma firma norte-americana. No seu caminho
para Miami, os dois aviões se chocaram em pleno céu da Amazônia,
acarretando a queda do Boeing e morte de 154 pessoas. Entre passageiros e
tripulantes. Este foi o pior desastre da aviação comercial brasileira.
Durante a mencionada operação-padrão, os sargentos militares nego-
ciaram o fim da mesma com os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da
Defesa, Waldir Pires. Deste modo, o governo tratou o movimento dos
sargentos militares sob a ótica sindicalista, o que não foi bem visto pela
Aeronáutica. Aumentando o atrito entre Pires e os militares (Gieslow, 2007).
Portanto, já nesta ocasião, a autoridade do então Comandante da Ae-
ronáutica, Luiz Carlos Bueno, saiu chamuscada, pois a cadeia de co-
mando militar foi afetada. Na ocasião, foram abertos alguns inquéritos
policiais militares (IPM), mas os mesmos não prosperaram. Isto deu
ânimo aos sargentos controladores a continuarem pressionando o gover-
no federal, ignorando seus superiores hierárquicos.
A situação permaneceu tensa e durante a reforma ministerial, o Presi-
dente Lula aproveitou a ocasião para mudar a cúpula dos comandos mi-
litares, dentre ele, o brigadeiro Luiz Carlos Bueno36. Bueno era visto como
entrave a idéia de desmilitarização do controle do espaço aéreo comercial.
Proposta defendida publicamente pelo ministro Pires. O Ministro da De-
fesa justificou sua posição alegando que “somente a Eritréia, a Somália e o
composta por militares que controlam tanto o espaço aéreo comercial como a defesa aérea.
36 Ele foi substituído pelo Brigadeiro Juniti Saito.
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40 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
Uruguai, que têm quatro ou cinco aviões voando, têm controle militar. A
Argentina tinha até antigamente” (Monteiro e Scinocca, 2007).
A Argentina poderia ser considerada um outro exemplo se o Presi-
dente Kirchner não tivesse anunciado, em setembro de 2006, a desmilita-
rização do controle do tráfego aéreo. O Presidente Lula almejava seguir
seu exemplo, por isso mesmo não desautorizou as manifestações do mi-
nistro Waldir Pires. E mais, Lula criou uma comissão ad hoc para estudar
o caso. Que se mostrou simpática a desmilitarização do setor.
Estava, portanto, estabelecido o choque de interesses entre o ministro da
Defesa, e o seu subordinado hierárquico, o comandante da Aeronáutica. Lula,
tal qual algodão entre vidros, procurou aparar as divergências acreditando
que o tempo as encarregaria de superá-las. Só que na medida em que não
tomava um claro posicionamento, Lula, simultaneamente, enfraquecia o
ministro da Defesa perante o Comando da Aeronáutica, e o Comando ante os
sargentos. A cadeia de comando, portanto, ia rápida e perigosamente se
esgarçando.
A disputa de poder por baixo dos bastidores continuava. O novo Co-
mandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito, procurou restabelecer a
cadeia de comando através de medidas internas. O sargento Edleuzo Ca-
valcanti, de Brasília, diretor de mobilização da Associação Brasileira de
Controladores de Tráfego Aéreo, e um dos alvos do IPM que apurou a
operação-padrão de outubro de 2006, foi transferido. De Brasília partiu
para um para um pequeno destacamento em Santa Maria (Rio Grande do
Sul). Houve o temor, por parte dos sargentos, que novas punições ocorre-
riam (Suwwan, 31 março 2007). Ao que tudo indica este foi o estopim
para a radicalização do movimento dos controladores. Que coincidiu,
simbolicamente, com seis meses da ocorrência do acidente do vôo # 197.
A crise escalou e tomou proporções inesperadas. No dia 30 de março de
2007, os controladores se amotinaram nos Cindactas (Centro Integrado de
Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo)37 e abandonaram seus postos de
trabalho. O motim foi iniciado no Cindacta-1, em Brasília, que controla a
maior parte do tráfego aéreo nacional, e se espalhou pelas outras três
unidades militares de controle de tráfego aéreo, ao longo do país. A aviação
comercial brasileira deixou, praticamente, de funcionar além de ter gerado
um caos nos aeroportos com passageiros dormindo pelas cadeiras e no chão.
leis militares. Defesa Aérea é responsável pela aviação militar, e Tráfego Aéreo
responde pela aviação comercial civil.
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 41
O movimento paredista pegou de surpresa o governo federal. O Pre-
sidente Lula encontrava-se nos EUA. O Vice-Presidente, e na ocasião pre-
sidente interino, José Alencar estava em Minas Gerais. E o Ministro da
Defesa, no Rio de Janeiro. A Força Aérea Brasileira (FAB) forneceu avião e
garantiu a chegada do Presidente interino à Brasília38. O mesmo não aconte-
ceu com o ministro da Defesa. Pires, que ficou retido no Rio de Janeiro por
falta de avião militar que o levasse à Brasília (Gaspari, 2007). Um vexame.
O comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito quis dar ordem de
prisão aos amotinados. A notícia se espalhou e chegou aos ouvidos de Lula
em Washington. Os sargentos aquartelados não aceitavam negociar com
qualquer autoridade militar. Lula vetou a prisão dos amotinados e determi-
nou que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e a secretária-executi-
va da Casa Civil, Erenice Guerra, fossem à sede do Cindacta, em Brasília,
negociar com os controladores39. Chamados às pressas, para lá seguiram. E a
negociação foi concretizada. Sem a presença do ministro da Defesa, isolado
no Rio de Janeiro, mas com a de um ministro de passado sindicalista.
A negociação foi confirmada pelo recém-empossado ministro da Comu-
nicação Social, Franklin Martins, nos seguintes termos: “Ele [Lula} determi-
nou o seguinte: “Nós estamos com um gravíssimo problema que afeta a se-
gurança nacional. O essencial é voltar à normalidade”. Para tanto abrimos
uma negociação” (Swuann, 2007). Com este fato criado, Lula acreditou que
poderia, então, deslanchar o processo de desmilitarização do setor.
O fato é que após quase cinco horas de paralisação, os sargentos volta-
ram ao trabalho. Segundo o advogado dos controladores, Normando Au-
gusto Cavalcante Junior, que participou da reunião com o ministro Paulo
Bernardo, “depois de uma dia tenso, com ameaças e arbitrariedades, o
governo acabou recuando” (Mendes et alii, 2007).
Em troca do final da greve, o governo prometeu que seria criado um
plano de carreira para a categoria, pagamento de gratificação, e desmilita-
rização do setor. Tudo isto seria sacramentado em reunião com o governo
marcada para dois dias depois, no Palácio da Alvorada40.
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42 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
41 Ressalte-se que o Ministério Público Militar decidiu não abrir IPM contra os coro-
néis indisciplinados.
42 Para a natureza mais militar do que jurídica do STM vide Zaverucha e Cavalcanti (2004).
43 Art.65, da Constituição Federal de 1988 e Art. 4º. da Lei no. 1.079, de 1950: São
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Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual | 43
dente Luiz Ignácio Lula da Silva, caso ele em 72 horas, não adote imedia-
tas providencias corretivas. Dente elas, “a imediata reconsideração da de-
cisão de “desmilitarizar” o controle do tráfego aéreo e a restituição ao
Comando da Aeronáutica da autoridade para administrar o problema
militar surgido, com o envolvimento dos subordinados”.
Dependo das providencias corretivas a serem tomados pelo Presi-
dente Lula, “o Clube de Aeronáutica exorta a todos os oficiais da Aero-
náutica e das demais Forças Singulares, ativos e inativos, da mesma
forma que a todos os civis que se preocupem com a integridade das suas
Forças Armadas e da sua Pátria, ameaçadas por instâncias do próprio
Governo Federal, para se reunirem em Assembléia Permanente, em vigí-
lia cívica, nas instalações do Clube de Aeronáutica, na Praça. Marechal.
Âncora, nº. 15 – Centro – Rio de Janeiro.” Não foi necessário a vigília pois
Lula fez o solicitado dentro do prazo estipulado.
a Constituição Federal (...), Pena: Perda do cargo e inabilitação, até cinco anos, para
o exercício de qualquer função pública (Art. 2º da Lei no. 1.079 de 1950).
44 Dizer que os militares não tinham condições de derrubar o Presidente, por isto
não exerceram tal poder, equivaleria a afirmar que a Inglaterra não tem poder nu-
clear por nunca o ter exercitado. (Wight, 2006).
45Para uma visão de que o militares brasileiros são tigres de papel ver Hunter (1997).
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44 | Jorge Zaverucha, Ministério da Defesa Brasileiro. Um poder virtual
modo como vinha tratando os controladores. “Eu acho muito grave o que
aconteceu. Acho uma irresponsabilidade pessoas que tem funções que são
consideradas essênciais e funções delicadas, porque estão lidando com
milhares de passageiros, que estão sobrevoando o território nacional”,
declarou o Presidente (Lima, 2007). Lula foi ainda mais além ao dizer que
os controladores paralisaram suas atividades de uma forma “traiçoeira”46,
embora a crise viesse se desenrolando há seis meses. O presidente da
Câmara de Deputados, Arlindo Chinaglia acompanhou o estilo presiden-
cial e chamou os controladores de insubordinados47 .
Inseguro em sua autoridade, o Presidente chamou para conversar no
Palácio da Alvorada não apenas o Comandante da Aeronáutica, mas, tam-
bém, os Comandantes do Exército e da Marinha48. Ausente, o ministro da
Defesa. Assegurou aos comandantes militares que o acordo informalmente
acertado com os militares não seria considerado válido (Monteiro, 2007).
Como a cúpula militar conseguiu enquadrar o comandante-em-chefe
das Forças Armadas, que é o Presidente da República, não restou aos
controladores militares outra saída a não ser o recuo. Com receio de dura
punição disciplinar. E não mais se fala em desmilitarizar o controle do es-
paço aéreo comercial. Seja no governo, seja no Congresso Nacional.
Para manter as aparências de que não teve sua autoridade arranhada,
Lula manteve Pires como ministro da Defesa. De fato, os comandantes
militares despacham com o Presidente da República aquilo que conside-
ram ser fundamental para os seus interesses. Deste modo, Pires tornou-se
o mais virtual dos ministros que passaram pelo Ministério da Defesa. Pa-
pel que o ex-ministro da Defesa, José Viegas, não aceitou cumprir, ao
sentir que sua autoridade fora esvaziada.
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*
Jorge Zaverucha é Mestre em Ciência Política pela Hebrew University of
Jerusalem; Doutor em Ciência Política pela University of Chicago; foi
professor visitante da University of Texas at Austin; é pesquisador do
CNPq e dirige o Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da
Universidade Federal de Pernambuco; foi parecerista da Notre
Damme University Press; Latin American Research Review; International
Political Science Review; Latin American Politics & Society, etc.
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Abstract: The aim of this article is to analyze the Brazilian debate on security since the end
of the Cold War, contextualizing domestic and external challenges. A correlation between
National Interest and International Security is also seeked, analysing strategic, social, eco-
nomical and political sectors that make up multiple dimensions of security, together with
the responses to these challenges, defining a priorities agenda.
Keywords: Brazil; Security; National Interest; International Relations.
reinserção no pós-Guerra Fria era preciso corrigir rumos nos setores polí-
tico, social, econômico e estratégico, adaptando-os a esta realidade.
No setor estratégico, esta adaptação representou a revisão das postu-
ras no setor de defesa. Associado ao regime militar (1964/85), este setor, e
mesmo às preocupações de segurança nacionais, foram redirecionadas ao
vetor “pacífico”, desmontando investimentos nas forças armadas e pro-
grama nuclear (culminando na assinatura do Tratado de Não Proliferação
Nuclear-TNP). Dentre as tendências positivas buscou-se uma aproxima-
ção entre a sociedade civil e as forças armadas e se criou o Ministério da
Defesa, unificando as três armas, exército, marinha e aeronáutica.
Nos setores sócio-político-econômicos, a “limpeza de agenda” para
atingir credibilidade e responsabilidade, trazendo benefícios consubstan-
ciou-se na adesão ao neoliberalismo do Consenso de Washington de re-
forma do Estado (privatização, abertura comercial, desregulamentação,
liberalização financeira). Em resumo, o Estado deixou de ser o principal
condutor dos processos, o que gerou um vácuo de ação e poder.
Além deste enfraquecimento, a tática gerou efeitos opostos aos dese-
jados: ao invés de dividendos, perda de poder barganha e marginaliza-
ção. Ainda que o Brasil nunca tenha sido uma grande potência militar,
sua capacidade de defesa defensiva havia sido bem construída e agora
fora abandonada. A premissa defensiva resultava da baixa percepção de
ameaça e da tradição diplomática e geopolítica do país. Mais do que a ex-
pansão, as prioridades foram a proteção das fronteiras, a ocupação nacio-
nal e o desenvolvimento, sustentadas na lógica clássica do direito interna-
cional, não-confrontação e respeito à soberania. Outro pilar abandonado
foi o da capacitação tecnológica de ponta, encerrando experiências bem-
sucedidas na indústria de defesa, como a Engesa e a Avibrás, no projeto
de substituição de importações e limitando a área nuclear.
Somado ao enfraquecimento, pressões adicionais emergiram das
OIGs, em especial trabalhistas e ambientais, argumentando que os baixos
padrões dos países em desenvolvimento (PEDs) e de menor desenvolvi-
mento relativo (PMDR), traziam-lhes vantagens indevidas, incorporando
mais barreiras comerciais não tarifárias a suas exportações.
Outro elemento complicador foram as transformações do ambiente
estratégico. Logo no imediato pós-Guerra Fria guerras como as do Iraque
(1991), da ex-Iugoslávia (1992), a fragmentação de alguns Estados africanos
e a deterioração das relações Israel-Palestina, sinalizaram um descon-
gelamento. Conflitos regionais e locais, inter e intra-Estados são frequentes.
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Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 49
A criação das categorias de Estado bandido (Rogue state) e Estado fali-
do (Failed state) também corresponde a este movimento. A primeira faz re-
ferência a nações que não cumprem seus compromissos internacionais e
financiam pretensões regionais e globais agressivas, enquanto a segunda
às que não oferecem as condições mínimas de sobrevivência às popula-
ções, tema que se relaciona ao conceito de segurança humana.
Este conceito foi desenvolvido nas Nações Unidas (ONU), ampliando
o foco da segurança do Estado às sociedades. Seus parâmetros referem-se
às exigências mínimas que devem ser cumpridas para prover bem-estar:
saúde, educação, infra-estrutura (saneamento básico, moradia), emprego,
proteção à pessoa. A definição de soberania foi estendida, incorporando
estes referenciais, o que permitiu a expansão dos critérios para interven-
ção humanitária1 e político-militar.
Este segundo tipo não se liga só à segurança humana, e retoma a visão
tradicional de ameaça ao considerar que estes Estados podem iniciar gue-
rras e funcionar como santuários e patrocinadores de grupos radicais, de-
vendo ser preventivamente impedidos de agir. Para a diplomacia brasilei-
ra, estes elementos são vistos com bastante preocupação, indo contra seus
princípios clássicos.
Isto somente se agravou a partir de 2001 com os atentados de 11/09 aos
EUA e a visão neoconservadora da presidência George W. Bush que elaborou
sua Doutrina Preventiva em 20022. O início da Guerra contra o Terror Global
quebrou definitivamente a ilusão da paz. A despeito de sua “novidade”, de
combate multidimensional a um inimigo transnacional, esta guerra é travada
por meio de operações militares (Afeganistão e Iraque) que não dão conta de
sua natureza assimétrica, envolvendo diferentes Estados de diferentes poten-
ciais e atores de natureza diversa, Estados e Forças Transnacionais.
Frente a este contexto de ameaças, quais são as preocupações centrais do
Brasil no campo da segurança nacional? Como lidar com estes desequilíbrios
na segurança internacional sem perder o foco do interesse nacional?
1 No âmbito das ações humanitárias podem ser inseridas tanto as preventivas como
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50 | Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional
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Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 51
construída, enquanto outra permanece latente. Um futuro de modernida-
de é possível, mas a linha que o separa da regressão ainda é tênue, seja
por entraves internos, como por externos.
REFERÊNCIAS
Brigagão, Clóvis; Proença Jr., Domício, orgs. (2002). O Brasil e o mundo: novas visões.
Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Cervo, Amado Luiz; Bueno, Clodoaldo (2002). História da política exterior do Brasil.
Brasília: Universidade de Brasília.
Costa, Darc (2003). Estratégia Nacional. Porto Alegre: L&PM Editora.
Pecequilo, Cristina Soreanu (2005). A política externa dos EUA. Porto Alegre: UFRGS.
Pecequilo, Cristina Soreanu (2004). Introdução às Relações Internacionais. Petrópolis: Vozes.
Vizentini, Paulo Fagundes (2003). Relações Internacionais do Brasil: De Vargas a Lula. São
Paulo: Perseu Abramo.
*
Cristina Soreanu Pecequilo é Doutora em Ciência Política pela Universi-
dade de São Paulo e Professora de Relações Internacionais na Univer-
sidade Estadual de São Paulo. É também pesquisadora associada do
Núcleo de Estudos de Relações Internacionais da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul e colabora da Relnet impulsada pela Univer-
sidade de Brasília.
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262 * Ceyhun Elci, Cooperation and Trade Development…
PUBLICATIONS | PUBLICAÇÕES
Evans Pim; Crespo Argibay, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds.
Contributos para a compreensão. Paz e segurança para o século XXI. Entender os conflitos para acadar a paz.
ISBN 84-689-5984-7 (2005) ISBN 84-689-9071-X (2006) ISBN 84-689-9069-8 (2006)
Suárez Canal; Evans Pim, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds. Evans; Crespo; Kristensen, Eds.
De imagens de guerra a guerra de imagens. Essays on Atlantic Studies. Estudos Atlânticos.
ISBN 84-689-9070-1 (2006) ISBN 84-690-0272-4 (2006) ISBN 84-690-0273-2 (2006)
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Dois aspectos do
desenvolvimento estratégico no Brasil
A pesquisa universitária e as forças armadas
Resumo: Este artigo começa por dois aspectos relacionados: a academia e os militares.
Inicia-se pela universidade e instituições científicas, com a apresentação de uma série de
características da pesquisa científica e aplicada. O papel dos militares na P&D é estuda-
do em seguida, considerando sua importância histórica, com destaque para os últimos
anos. O artigo conclui-se com a ênfase na importância das instituições científicas e mili-
tares para o desenvolvimento estratégico de uma sociedade menos desigual.
Abstract: The paper starts by pointing to two linked subjects: academia and the military.
Starting by the university and scholarly institutions, several general features of scientific
and applied research are dealt with. The role of the military in R&D in Brazil is then
studied, considering its historic importance, stressing the mixed features of the last few
years. The paper concludes by emphasizing the importance of scholarly and military insti-
tutions for the strategic development of a less uneven society.
Keywords: University; Armed Forces; strategic development.
INTRODUÇÃO
O Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campi-
nas, Brasil, tem desenvolvido, nos últimos anos, pesquisas voltadas para di-
versos aspectos das políticas de interesse estratégico (cf. <http://www.
unicamp.br/nee>). As publicações resultantes, na forma de livros e artigos,
têm contribuído para a discussão de temas relevantes, tanto em termos
nacionais, no Brasil, como em relação ao contexto internacional, no passado
e no presente. A revista E-premissas (<http://www.unicamp.br/nee/eprem
issas>) tem contribuído para o debate acadêmico e científico dos temas
estratégicos. Neste contexto, apresentamos um balanço de dois aspectos
inter-relacionados: a universidade com fator de desenvolvimento e a
produção de ciência e tecnologia, em sua interação com as FAS.
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Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 55
Em que sociedade se insere a Universidade brasileira? Uma sociedade
dominada, secularmente, pelo compadrio, pela servidão e pela opressão
social. Por quatro séculos, convivemos como a escravização da maioria
dos habitantes, enquanto uma elite aristocrática formava uma crosta so-
cial muito bem tecida, de cunho patriarcal. Nos últimos 120 anos, a mo-
dernização econômica vertiginosa deu-se neste contexto, perpetuando
tanto o patriarcalismo aristocrático, agora encorpado pelos detentores do
capital industrial e financeiro, como a exploração das imensas maiorias,
libertadas da escravidão jurídica para a miséria absoluta ou relativa de
massa. Mais da metade da população brasileira está fora do mercado de
consumo que transcenda o minimum minimorum da subsistência.
Quais, então, os compromissos sociais da Universidade? A ciência
moderna surge como contestação, como busca de verdades que transcen-
dessem os ditames impostos pelos dogmas. A ciência, hoje sabemos, não é
absoluta, não chegamos a verdades verdadeiras, pois a cada nova busca da
verdade, chegamos a novos dados e, pois, a novas verdades. A ciência é in
nuce, no seu núcleo profundo, a contestação. Segundo C. Sagan, em artigo
significativamente intitulado “Democracia é impraticável sem a Educação”:
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universitários em toda parte são pouco remunerados. Um pesquisador
britânico, cujo salário anual gira em torno de dezessete mil libras, ganha
por mês uns R$ 4.500,00, pouco mais do que um empregado manual. No
Brasil, tampouco se ganha dinheiro pesquisando. Um professor de escolas
médias privadas pode ganhar de três a quatro vezes mais do que um pes-
quisador. Além disso, se a verdadeira pesquisa é crítica, ela não será, ne-
cessariamente, bem recebida, nem oportunidades são muito freqüentes de
ofertas de boas remunerações, com a notável exceção da pesquisa aplica-
da. No geral, contudo, continua válida a observação do sociólogo alemão
Max Weber de que a pesquisa exige paixão intensa, sincera e profunda.
Isto não apenas pela remuneração como, principalmente, pela dedicação
que ela exige e que só se torna possível com a paixão. Como estaria, neste
caso, o Brasil no quadro internacional? Segundo um estudo recente, na
Universidade o interesse prioritário pela pesquisa científica concerne 39%
dos docentes, mais do que nos Estados Unidos (37%), México (35%) ou o
Chile (33%), mas bem menos do que no Japão (72%), Alemanha (66%) ou
Israel (62%). Outro indicador relevante para determinar o grau de dedica-
ção à pesquisa refere-se à percentagem de professores universitários que
consideram importante a disciplina científica a que se dedica. Neste caso,
os brasileiros destacam-se, pois 95% consideram-na muito importante, em
primeiro lugar em um total de 13 países investigados, enquanto na Ale-
manha (62%), no Japão (69%) e nos Estados Unidos (77%) essa identifica-
ção dos investigadores com sua ciência é bem menos marcada. O con-
traste entre os dados referentes ao interesse pela pesquisa e a importância
atribuída à ciência demonstra, no que se refere ao Brasil, que deve haver
motivos muito concretos que fazem com que 95% de docentes se intere-
ssem por sua ciência, mas apenas 39% dêem prioridade à pesquisa.
Uma explicação deve encontrar-se na precariedade das condições de
apoio à pesquisa. As condições materiais são, muitas vezes, insatisfatórias
e precárias, as bibliotecas e os laboratórios pouco equipados, os gabinetes
de trabalho, quando existentes, desaparelhados e infensos ao trabalho in-
telectual. Nas instituições privadas, raramente se paga pela pesquisa e,
nas públicas, remunera-se o docente mas, freqüentemente, não há infra-
estrutura para permitir sua execução minimamente adequada. As autori-
dades sempre ressaltam que o país é pobre e, por isso, não se poderia dis-
pensar verbas substanciais para pesquisa. Contudo, outros países aplicam
em pesquisa, percentualmente, muito mais do que o Brasil.
Talvez ainda mais importante, seja a própria concepção de que a pre-
cariedade é natural que deva ser questionada. Afinal, para que serve um
pesquisador, sem condições de pesquisar? Em outros termos, haveria que
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ção. Um papel de destaque, neste contexto, tem o programa do
CNPq/PIBIC, ao permitir a pesquisa já na graduação (sobre o CNPq, tra-
tamos mais adiante, neste artigo). Neste sentido, a política das agências
financiadoras de limitarem o valor das bolsas e, ao mesmo tempo, exigi-
rem dedicação exclusiva tem sido questionada por diversos analistas. O
Professor Júlio César Voltarelli (Clínica Médica, USP de Ribeirão Preto)
defendia, já em 1997, que houvesse a permissão da concomitância de ou-
tras funções remuneradas. A pesquisa, se analisada pelo mérito apenas,
não poderia exigir do bolsista dedicação exclusiva, pois os resultados ob-
jetivos deveriam bastar para avaliar se a concessão da bolsa está sendo
pertinente. Não é à toa que bolsas sem um sistema de avaliação eficaz, mas
com exigência de dedicação integral, não resultem em teses, como vimos
acima, enquanto muitas teses são defendidas por pesquisadores que rece-
bem remuneração. Isto se explica, justamente, porque é a dedicação do pes-
quisador que gera resultados e, muitas vezes, as atividades remuneradas
contribuem para que o pesquisador adquira conhecimentos mais amplos e
que poderão ser úteis, ainda que indiretamente, para sua pesquisa.
Lói Garcia, da Academia Brasileira de Ciências, ressaltava, há pouco, que
países que negligenciam a importância do investimento em pesquisa amar-
gam uma perene condição periférica. O Brasil já tem sofrido, como outros
países em situação semelhante, um brain drain, com a perda de grandes pes-
quisadores que se instalam no exterior. Como já se disse, não são tanto os
salários a atrair nossos pesquisadores, mas as condições de trabalho. O futu-
ro da nação depende, também, da existência de uma pesquisa que esteja em
condições de integrar-se àquela universal. Tampouco podemos nos conten-
tar com um arremedo de pesquisa, “descobrindo a pólvora”, como se existi-
sse uma pesquisa de ponta que pudesse prescindir da inserção na ciência
internacional. Os desafios da pesquisa universitária no Brasil são, pois,
muitos. A reflexão crítica, a dedicação à ciência, a luta por mais adequadas
condições de trabalho são tarefas mais necessárias do que nunca.
O aumento da riqueza social depende dos universitários, assim como a
luta contra a exploração e pela emancipação das maiorias excluídas. Neste
sentido, são muitas as desigualdades e iniqüidades que se encontram no
horizonte dos compromissos da Universidade. Em nosso país, apenas 10%
da população detém quase metade da renda, enquanto os quarenta porcento
mais pobres se contentam com 7% e este quadro, já por si aterrador, tem pio-
rado, no período dos últimos 20 anos (Folha de São Paulo, 13/6/1999 A15).
No Brasil, estão se extinguindo, no presente momento, 18 línguas indígenas
(Newsweek 19/6/2000, p. 52). Em maio do ano 2000, havia 2916 catadores de
lixo registrados no Estado de São Paulo, 643 crianças com 14 anos ou menos
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MILITARES E A PRODUÇÃO DE C&T
As características que eles imprimiram às iniciativas decorrentes do
nacionalismo militar: a) máxima utilização dos recursos, interface entre
aplicação civil e militar de qualquer conhecimento, b) absorção de tecno-
logia Programas de transferência c) privilegiar a aquisição e desenvolvi-
mento de produtos no país como forma de fortalecer capacidade nacional.
Ao controlar os setores estratégicos, os militares tentaram garantir o
desenvolvimento dos setores que eram básicos - energia e infra-estrutura
- para permitir o desenvolvimento do terceiro ciclo econômico. O primei-
ro havia se iniciado com a indústria de base nos anos de 1940, o segundo
contava com o desenvolvimento da industria automobilística dos anos de
1950 e o ciclo em questão - o de bens de consumo – gerou um parque in-
dustrial na região sudeste do país colocando o Brasil entre as 10 econo-
mias industriais capitalistas nos anos de 1980. Paralelamente, os militares
estabeleceram uma vasta atuação na produção de C&T, estratégicas para
um novo salto de sofisticação da economia brasileira.
Precocemente em relação ao poder civil os militares desenvolveram a
doutrina da C&T como variável estratégica de um programa global de
desenvolvimento. O que significava que o país só poderia atingir um status
no cenário político e econômico internacional se ele tivesse uma economia
desenvolvida, com lastro em um parque industrial consolidado e
desenvolvimento tecnológico autônomo capaz de desenvolver conheci-
mentos essenciais para a aplicação civil ou militar (Defesa) e uma sociedade
que gozasse de bom padrão cultural e de consumo. Na projeção de poder
nacional, portanto, os vários fatores estratégicos se articulavam: economia
desenvolvida, padrão de vida da população e a capacidade militar. A partir
daí o país poderia conquistar um grau razoável de autonomia estratégica.
Nesse contexto deve-se entender um capítulo importantíssimo não só da
influência dos militares na produção de C&T no Brasil, mas das relações en-
tre os militares e a comunidade científica que é a criação do Conselho Na-
cional de Pesquisa (CNPq). O processo que leva à criação do CNPq marca
uma aliança entre os setores mais modernos das atividades científicas no
Brasil e os setores militares. A institucionalização das pesquisas científica no
Brasil já havia estado em pauta em 1931 por iniciativa do Presidente Getúlio
Vargas (1930-1945), mas o parlamento o havia recusado a criação de um con-
selho nacional de pesquisa. Em maio de 1946, foi um membro da Marinha, o
Almirante engenheiro Álvaro Alberto da Motta e Silva (ele era o represen-
tante brasileiro na Comissão de Energia Atômica da ONU), que propôs ao
governo a criação de um Conselho Nacional de Pesquisa. Em 1948 o projeto
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O PROGRAMA NUCLEAR
Nesse setor há dois programas.1 O primeiro é o acordo nuclear com a
Alemanha Ocidental (1975) foi gestado principalmente pelo Itamaraty (o
Ministério das Relações Exteriores). A Alemanha Ocidental se dispôs for-
necer 8 reatores nucleares mas o acorde previa o desenvolvimento con-
junto de um método de enriquecimento de urânio e a transferência dessa
e de outras tecnologias para o Brasil.
O Brasil contava com uma usina nuclear (Angra 1) adquirida em 1971 da
Westinghouse norte-americana. O acordo nuclear com a Alemanha visava
vencer o bloqueio das potências nucleares á disseminação da tecnologia
lembrar que desde 1958 o IPEN já conta com um reator adquirido para estudos de
física nuclear na Universidade de São Paulo.
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Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 63
nuclear, mas não estava restrito à produção de energia elétrica (inclusive por
que na época o potencial hídrico inexplorado era imenso), mas o programa
havia sido pensado para ser o carro-chefe para se atingir um novo patamar
tecnológico da indústria brasileira. Com efeito, o governo criou um
complexo industrial em torno da Nuclebrás, empresa estatal responsável
pela extração do minério de urânio das minas de Poços de Caldas, pelo
futuro enriquecimento e produção das pastilhas de combustível. Uma
subsidiária foi criada com o intuito de permitir a construção de reatores
nucleares que seriam exportados quando o setor atingisse maturidade.
Ora a perspectiva de uma potência nuclear na região exportando mate-
rial estratégico soava alarmante para os Estados Unidos que pressionaram a
Alemanha para reverter o acordo. De fato, com as pressões norte-americanas
(talvez não só por isso) os resultados do programa nuclear foram pífios e re-
sultou em descontinuidades e desperdício de recursos e de equipamentos.
Apenas uma usina foi montada, a de Angra 2 inaugurada em 2000 (o reator
de Angra 3 está até hoje estocado nas dependências de FURNAS).
Ainda no final dos anos de 1970, quando os militares perceberam que
o acordo com a Alemanha Ocidental não atingiria os objetivos, a Marinha
iniciou um programa paralelo de desenvolvimento nuclear. A Marinha
instalou um centro de pesquisa no interior do Estado de São Paulo (Cen-
tro Tecnológico da Marinha na cidade de Iperó) e concentrou ali todos os
esforços para o desenvolvimento do programa dividido em dois grandes
projetos: o Projeto do Ciclo do Combustível e o Projeto do Laboratório de
Geração Nucleo-Elétrica. As metas eram desenvolver a tecnologia de en-
riquecimento do urânio através do método da ultracentrifugação e o de-
senvolvimento de reatores de pequeno porte para geração de energia elé-
trica.2 O coroamento do programa seria a construção de um submarinho
de propulsão nuclear totalmente nacional, mas a única parte do programa
que não avançou foi a referente ao desenvolvimento do casco.3
2Vid. <http://www.defesanet.com.br/noticia/programanuclearmarinha/>.
3Apesar de ainda almejar a incorporação de uma embarcação desse porte à frota,
em setembro de 2006 a Marinha anunciou a escolha do modelo da nova classe de
submarinos que vão equipar a esquadra: Trata-se do Projeto IKL U 214, alemão a
ser adquirido mediante construção no país. De uma certa forma isso dá continui-
dade a um programa anterior que a Marinha desenvolvera com a Alemanha. Em
1982 a Marinha assinou dois contratos com consórcios que previam a construção
de dois submarinos idênticos, o primeiro no estaleiro HDW em Kiel e o segundo
no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). Eles deram origem ao submari-
no Tupi (S30) na Alemanha. Posteriormente, em 1985, foi assinado um terceiro
contrato para a obtenção de mais dois submarinos, que igualmente seriam cons-
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64 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil
O PROGRAMA AEROESPACIAL
Nos anos de 1960, as pesquisa espaciais básicas e aplicadas eram co-
ordenadas por uma comissão do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq)
e dispersas em diversos centros de produção de C&T. Conforme a década
foi avançando a Força Aérea foi adquirindo estrutura capaz de absorver a
coordenação das atividades e acabou por absorve-lãs de fato. O programa
StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 65
aeroespacial esteve a cargo da Força Aérea até a transferência parcial para
o Ministério da Ciência e Tecnologia em meados dos anos de 1990. Os vá-
rios componentes do programa formam a MECB (missão espacial com-
pleta brasileira) e envolvia o desenvolvimento de um veiculo lançador de
satélites além do programa de produção de satélites, além de uma série
de componentes e sistemas associados.
O programa aeroespacial esta intimamente associado ao complexo
científico e industrial de São José dos Campos no Estado de São Paulo. O
parque é um dos legados mais importantes da atuação das Forças Armadas
na produção de C&T. O complexo de São José dos Campos é responsável
pelo desenvolvimento de todo o programa aeroespacial, particularmente da
MECB e conta também com uma base de lançamento de foguetes próxima à
cidade de Alcântara (Estado do Maranhão) no norte do país.
Nesse campo o desenvolvimento os avanços têm sido muito restritos
em função da escassez de recursos. Para agravar a situação, o governo re-
solveu priorizar o envio de um astronauta brasileiro à Estação Espacial
Internacional em um movimento considerado mais de marketing político
do presidente Lula da Silva do que de apoio conseqüente ao programa.
Além disso, a explosão do terceiro protótipo do VLS-1 na base de Alcân-
tara (em agosto de 2003) levou à morte de Vinte e um técnicos do CTA e à
destruição massiva dos equipamentos.
O complexo de São José dos Campos é formado por uma universidade
– o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) -, o Centro Tecnológico da
Aeronáutica (CTA), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a
EMBRAER. Mas é o CTA é o principal articulador do programa. O CTA
promove o diálogo com pesquisadores de outros centros de produção
tecnológica no Brasil e, através de acordos, com a China, França, Rússia e
Ucrânia, desenvolvem programas conjuntos nas áreas correlatas.
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66 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil
StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 67
quadros para os projetos mais importantes na área tecnológica, era necessário
um diálogo mínimo com elas o que incluiu o repasse de verbas e intercâmbios.
Vale abrir um parêntese nesse ponto para apontar esse que seria o cal-
canhar de Aquiles dos programas de P&D militares que é a formação de
quadros. Ainda que as instituições militares tivessem alguma capacidade
para realizar essa tarefa, era a universidade que contava com a estrutura –
incluindo os programas de intercâmbio com o exterior - para fazê-lo em
número necessário. Por outro lado, os militares brasileiros não estão entre
os que mais optam por mestrado e doutorado entre as nações ocidentais
desenvolvidas. As instituições não incentivam salvo exceções a freqüência
em cursos de pós-graduação. Nem mesmo as escolas militares que for-
mam a elite do oficialato são sujeitas às normas do Ministério da Educa-
ção e, portanto não seguem o padrão de qualidade das universidades.
Um novo padrão de relações civis-militares só foi sentido após a
eleição de Fernando Collor de Mello (1990-1992). Vários analistas apon-
tam o período como o rompimento da tutela militar ao qual estava sujeito
o poder civil no governo de José Sarney (1994-1999) o primeiro presidente
civil desde 1964. Pela primeira vez o presidente civil escolheu livremente
seus ministros militares e ao mesmo tempo em que ocorreu uma redução
sensível da presença militar na administração pública. Como a democracia
parecia estar consolidada - e a troca de gerações nas instituições militares
afastavam aqueles responsáveis pelo regime anterior - as próprias Forças
Armadas procuraram se modernizar e se ajustar aos novos tempos.
A criação do MD em 1999 foi um passo no processo de requalificação
das relações civis-militares. Entre os principais avanços nesse sentido
pode-se citar o diálogo sistemático com cientistas sociais das universida-
des para a atualização da Política de Defesa Nacional. A aproximação
com a universidade, no entanto havia começado quase duas décadas an-
tes, a partir de iniciativas de diálogos entre membros das duas áreas para
vencer resistências mutuas. A Criação do Núcleo de Estudos Estratégicos
na Unicamp (1985) é fruto de um esforço dessa geração, pois foi um cen-
tro de pesquisa fundado por intelectuais civis e militares. Isto permitiu
introduzir, no meio acadêmico, temas antes circunscritos ao ambiente militar.
O programa nuclear da Marinha é dos poucos grandes programas e
P&D sob controle das Forças Armadas. A necessidade imperiosa de con-
tinuidade em função do muito que já se havia investido e os riscos de
descontinuidades que já havia condenado tantas outras iniciativas obri-
gou a que os programas passassem, ou pelo menos dividissem a respon-
sabilidade com a esfera civil de decisão. As dificuldades militares em li-
StrategicEvaluation (2007) 1
68 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil
dar com o sistema político começam pelo problema da definição das prio-
ridades nacionais. Pode se resumir na idéia de que os militares perderam
a capacidade de definir as prioridades nacionais e, portanto, de direcionar
recursos para elas. Atualmente as Forças Armadas disputam verbas com
os outros tantos setores da administração com a agravante de que os úl-
timos anos foram tomados pelos esforços de contenção dos gastos públi-
cos ao mesmo tempo em que a crise social se agravou.
StrategicEvaluation (2007) 1
Cristina Soreanu Pecequilo, Brasil, Segurança Internacional e Interesse Nacional | 69
que com os assuntos de Defesa. Daí a descontinuidade dos recursos que
condenaram ao atraso vários programas de P&D inclusive o projeto do
submarino de propulsão nuclear da Marinha e o programa aeroespacial.
Em razão dessa nova realidade as três forças articularam assessorias
especiais para fazer o acompanhamento e as relações públicas. Uma espé-
cie de lobby militar no Congresso. O SIVAM foi resultado de uma espécie
de chantagem militar sobre o sistema político – método mais comum no
discurso dos membros da Força Aérea - que passou a ser a forma corrente
de pressionar o sistema para angariar recursos extra-orçamentários para
projetos importantes da área de Defesa. O anúncio de que o país estaria
correndo algum tipo de risco exacerbado para Defesa Nacional. O SIVAM
e o Projeto Calha Norte (programa dos anos 80 que estava praticamente de-
sativado e recebeu nova injeção de recursos no governo de Itamar Franco
(1992-1994) visa adensar a presença do Estado na fronteira norte da
Amazônia através da instalação de unidades militares que criariam as con-
dições para a chegada posterior de outros órgão de estado tais como a
FUNAI, MS etc.) foram beneficiados em função de uma campanha dos mi-
litares em cima da paranóia acerca de uma suposta invasão da Amazônia.
Vale dizer que o artifício funcionou melhor nos governos de Itamar
Franco e Fernando Henrique. No início do governo do presidente Lula da
Silva (2002) o mesmo artifício não foi suficiente para garantir os recursos para
a renovação da frota de aeronaves militares. O governo de Fernando Henri-
que Cardoso (1994-2002) havia iniciado uma concorrência internacional para
o fornecimento de aeronaves de combate, mas o novo governo resolveu não
seguir adiante apesar dos argumentos de que a defesa aérea entraria em co-
lapso. Estavam em jogo recursos da ordem de US$ 3,35 bilhões e o governo
Lula da Silva optou pela reforma das aeronaves antigas à compra de novas.
Outro fator paradigmático é que o SIVAM é a resposta da Força Aérea à
mudança no ambiente regional a partir da integração Brasil Argentina e da
criação do Mercosul. Na política de Defesa do período desde o início da inte-
gração regional e o fim da hipótese de guerra com a Argentina.– o SIVAM faz
parte o esforço de ocupação da Amazônia. A invasão da Amazônia tornou-se
a principal das hipóteses de guerra das FA.s, particularmente do Exército.
Deslocamento de unidades militares e criação de outras na região que até os
anos de 1980 contava com presença insignificante das Forças Armadas.
Para efeitos dessa análise, a maior importância do SIVAM está no fato de
que lê marca uma inflexão em relação à tradição nacionalista autonomista das
Forças Armadas em associar programas militares e desenvolvimento econô-
mico, na medida que a Aeronáutica optou pela compra do pacote total do sis-
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70 | P. Funari; P. Manduca, Dois aspectos do desenvolvimento estratégico no Brasil
À GUISA DE CONCLUSÃO
Ciência e tecnologia, temas de interesse estratégico fundamental, não
deixam de apresentar as contradições inerentes ao contexto brasileiro dos
últimos anos. O anseio pelo desenvolvimento e, ainda mais, pela inclusão
social de amplos estratos sociais não deixa de preocupar os organismos
de pesquisa e as Forças Armadas. Os desafios estão em patrocinar políti-
cas públicas que consigam, a um só tempo, melhorar as condições de vida
em geral e diminuir os desníveis sociais. Academia e Forças Armadas não
se podem furtar a tais debates.
*
Pedro Paulo A Funari é Professor Titular do Departamento de História
(IFCH) da Universidade Estadual de Campinas e Coordenador-Asso-
ciado do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/UNICAMP).
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Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
SHIGUENOLI MIYAMOTO
Resumo: O texto concentra suas atenções no papel desempenhado pelas Forças Ar-
madas brasileiras, nos planos interno e externo, especialmente nos últimos anos, na
virada do século. Procura-se mostrar as concepções de mundo, e os valores que re-
gem a conduta do estamento militar na definição de suas atribuições, de defesa do
Estado e das instituições. Com isto, indicamos as possibilidades de transformação da
instituição militar, assumindo outros valores, apoiado em novos marcos conceituais.
Pondera-se, ao final, sobre a necessidade de que instâncias como as Forças Armadas,
envolvam-se no processo de integração, aumentando o grau de confiança recíproco,
possibilitando dessa forma o surgimento de concepções que priorizem a segurança
não apenas sob o ponto de vista militar, mas sob distintas formas, e a resolução de
conflitos por mecanismos que não envolvam o uso da força e da violência.
Palavras-chave: forças armadas; defesa; segurança; novo pensamento militar; Brasil.
Abstract: This text is mainly focused on the role carried out by Brazilian armed forces,
both in domestic and external spheres, specially in the last years, during the millennium
turnover. It seeks to unveil the view of the world and values that guide military conduct
and define their roles, defence of the State and its institutions. Other possibilities for the
transformation of the military are also pointed out, as new values may arise from new con-
ceptual frameworks. Finally, the need that the armed forces involve themselves in a process
of integration, increasing mutual trust, is considered, as the appearance of conceptions that
prioritise security, not only from a military point of view but also from a wider range of
possibilities, and conflict resolution trough means other that the use of force.
Keywords: Armed forces; defence; security; new military thought; Brazil.
INTRODUÇÃO
Uma das aspirações maiores de parte significativa da sociedade, senão a
maioria, sempre foi a de que tanto as relações políticas, econômicas, quanto
sociais ou outras que se enquadrem dentro daquelas consideradas normais,
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Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 73
criando situações, as vezes difíceis de reverter. O fechar do século pareceu
reacender algumas esperanças, quando a guerra fria finalmente deu seus úl-
timos suspiros. Conjuntura de difícil harmonia, opondo dois agentes belico-
sos como norte-americanos e soviéticos, cada um mais ávido do que o outro
por parcelas maiores do planeta, o término da guerra fria trouxe consigo es-
peranças de que a nova ordem não repetisse a anterior. Pelo menos não nos
moldes até então conhecidos. Afinal de contas, desde os anos 60, já havia si-
nais indicadores de que outros agentes passariam a exercitar papel de realce
na formatação das políticas internas e internacional.
Assim, a década de 90, com as grandes reuniões de cúpula, onde se
discutiram a pobreza, a habitação, problemas demográficos e meio am-
biente pareceu anunciar um novo horizonte no raiar do terceiro milênio.
Nesse novo contexto, como se comportaram organizações como as For-
ças Armadas, especificamente, no caso brasileiro? Inseriram-se dentro de
uma visão otimista de transformação de mundo, rumando a uma visão paci-
fista das Relações Internacionais? Mudaram o foco de suas preocupações?
Ou continuaram pensando sob os rígidos parâmetros que sempre orienta-
ram sua conduta dentro do país? Será em torno de questões dessa natureza,
que passaremos a concentrar nossos esforços a partir de agora, neste texto.
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74 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança
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econômicos e militares, além da projeção cultural que alcançou o mundo
em curto espaço de tempo, os Estados Unidos impressionaram vivamente
os militares brasileiros. Por isso, mesclaram-se em alguns momentos, a in-
fluência da tradicional escola francesa, com a rigidez prussiana, e a efi-
ciência da máquina bélica do Pentágono. Aliás, uma das primeiras obser-
vações a serem feitas sobre a organização militar brasileira, considerando
as três Forças (Aeronáutica, Exército e Marinha), é que nunca houve
homogeneidade intra ou inter-forças. Justamente o contrário. Por razões
históricas, as forças terrestres exerceram papel de relevância primeira, ora
para conquistar e adentrar os sertões distantes, abrir estradas e fincar
postes, interiorizando o território, ora em termos numéricos.
A Marinha e a Aeronáutica parecem ter-se resignado à função de
coadjuvantes, sem dúvida importantes, mas não como atores centrais
dentro da tríade, permanecendo ambas na base da mesma. Em termos
formais, contudo, enquanto existiu, o Estado-Maior das Forças Armadas
(extinto em 1999), apesar de sua importância relativa, seu comando foi
exercido por um oficial de patente em último posto (Tenente-Brigadeiro,
General de Exército ou Almirante de Esquadra) , respeitando-se o reve-
zamento entre as três Forças, a cada período de dois anos.
Talvez pelo fato de pouco se exercitarem na verdadeira lide da guerra, as
Forças Armadas brasileiras apresentaram grande pendor para as atividades
domésticas, nelas incluindo, portanto, a presença ativa na vida política do
país, escapando do ambiente estrito da caserna. Interferindo, ou com tentati-
vas de, em momentos diferentes da história política nacional, com permanên-
cias mais curtas, e outras um tanto duradouras, os anos 50 sofreram experiên-
cias do gênero, enquanto em meados da década de 60, um novo quadro se
configurou, com a entrada dos militares em cena, por tempo indeterminado.
Uma das poucas experiências obtidas pelos militares, na primeira
metade do século XX foi a participação, se bem que limitada, em campos
europeus. Apesar de quase tardia, a possibilidade de, pelo menos uma
vez, realizarem aquilo para o qual foram a vida toda treinados, fez com
que desde então passassem a assumir privilégios até então pouco conce-
didos, às custas do erário.1 A glória de terem empunhado seus fuzis co-
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poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer ren-
dimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, re-
ssalvado o direito de opção; III - em caso de morte, pensão à viúva ou companhei-
ra ou dependente, de forma proporcional, de valor igual à do inciso anterior; IV -
assistência médica, hospitalar e educacional gratuita, extensiva aos dependentes; V
- aposentadoria com proventos integrais aos vinte e cinco anos de serviço efetivo,
em qualquer regime jurídico; VI - prioridade na aquisição da casa própria, para os
que não a possuam ou para suas viúvas ou companheiras. Parágrafo único. A con-
cessão da pensão especial do inciso II substitui, para todos os efeitos legais, qual-
quer outra pensão já concedida ao ex-combatente”. Cf. <http://www.stf.gov.br/
legislacao/constituicao/pesquisa/artigoBd.asp?item=2312#>. Acessado em 10 de
junho de 2007. Houve, inclusive, propostas de Emenda à Constituição de 1988,
como a de numero 40-A, de 2003, - PEC 323/01, do deputado Simão Sessim: “Dá
nova redação ao art.53 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da
Constituição Federal”, “estendendo os direitos dos ex-combatentes aos ex-pracinhas
que não participaram efetivamente das operações de Guerra, mas ficaram à
disposição para incorporação ou atuando em operações especiais, de Forças de
Paz, no exterior”. Ver esta proposta em [Acessado em 10/07/2007]: <http://
www.camara.gov.br/sileg/integras/149446.pdf>.
2 Uma outra versão sobre os pracinhas pode ser encontrada em Maximiano, 2005.
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Da defesa do Estado e das instituições democráticas, Capítulo II, artigo 142,
define-se o papel das Forças Armadas, deixando claro que as mesmas são
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são institui-
ções nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hie-
rarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Re-
pública, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes consti-
tucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem3.
Estabelecem-se, por outro lado, limitações, uma vez que não são me-
ros agentes públicos, mas funcionários do Estado, motivo pelo qual, a
Seção III, que trata dos Servidores Públicos Militares, realça em seu Ar-
tigo 42, parágrafo 5, que “ao militar são proibidas a sindicalização e a
greve” (Cf. Ibidem). Certamente, nem sempre, todas as regras a elas
atinentes, funcionaram a contento, verificando-se, ao longo da história ,
participações em atos que, em princípio, contradizem suas próprias
orientações. Assim, o legalismo constantemente apregoado, sua moeda
forte, inúmeras vezes foi atropelado em favor de aspirações outras que,
possivelmente, não condiziam com a vontade da maioria da população
nacional. Eventos ocorridos na época de assunção do cargo presidencial
por Juscelino Kubitscheck de Oliveira (31.01.1956 a 31.01.1961) e a
derrubada de João Belchior Marques Goulart (08.09.1961 a 01.04.1964)
podem ser incluídos entre algumas das experiências que marcaram o
posicionamento discutível da organização castrense.
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gelo nas Ilhas Malvinas, em 1982. O Peru e o Equador, por sua vez, senti-
ram o prazer da peleia, repetindo a dose periodicamente.
A agenda de segurança regional esteve, destarte, orientada quotidiana-
mente para o que acontecia no Cone Sul. Foi onde se concentrou, em todas
essas décadas, parte expressiva do contingente militar brasileiro, para res-
ponder às ameaças que, nesse caso, só poderiam vir do outro lado das linhas
argentinas. Em várias circunstâncias, o acirramento das hostilidades fez com
que as Forças Armadas de ambos os países pensassem seriamente em hipó-
teses de conflitos. Pelo lado brasileiro, no começo dos anos 80, ainda sob o
regime militar, cenários conflituosos eram desenhados contra o vizinho
portenho. Por exemplo, opondo o Brasil ao governo argentino; contra ar-
gentinos e paraguaios juntos; contra argentinos e uruguaios juntos; e, na
visão mais complicada, uma frente brasileira contra os três simultaneamente.
Elucubrações de lado, esse tipo de raciocínio linear dos estrategistas
castrenses faz parte constante de seus exercícios de guerra, um dos motivos
que justificam sua própria existência, já que pensam o mundo de maneira
conspirativa. Sob ângulos de tal natureza, considerando-se que não existem
amigos ou inimigos permanentes, que as alianças e coalizões se fazem com a
necessidade do momento, inimigos sempre poderão encontrar-se do outro
lado das fronteiras, portanto, necessário se faz preparar-se para o inesperado.
Destarte, as políticas públicas implementadas por cada um dos governos
da região, são percebidas, rotineiramente, como parte de projetos nacionais
com intuitos geopolíticos de projetar-se na região, em termos políticos, econô-
micos e estratégico-militares. Na década de 1970, agudas foram as relações
entre brasileiros e argentinos, por exemplo, em torno da construção da barra-
gem de Itaipu, considerada pelos portenhos como parte de um grande projeto
geopolítico concebido sob inspiração do general Golbery do Couto e Silva, então
membro importante da administração federal, tendo ocupado cargos de destaque.
As políticas brasileiras seriam, assim, fruto das elucubrações, não só
de militares, mas também de civis, com objetivos claramente definidos:
subordinar a Argentina como país secundário, dentro de sua esfera de in-
fluência, sendo o Brasil por sua vez localizado na órbita norte-americana.
O governo de Brasília estaria jogando o papel de país-chave a serviço dos
interesses da Casa Branca. Do lado argentino, militares principalmente da
reserva, lançaram-se aos brados denunciando o sub-imperialismo brasi-
leiro, liderados pelo general Juan Enrique Guglialmelli através de seus
livros e escritos na revista Estratégia.
Em parte, os argumentos dos vizinhos não estavam apoiados no vácuo.
Os militares brasileiros, no período do regime castrense, desempenharam
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artefatos nucleares, com a Base do Cachimbo no Norte do país, esses fatos,
aliados ao momento de se estar vivenciando um período de governo excep-
cional, com fortes restrições democráticas, tudo isto em conjunto serviu de jus-
tificativas para que críticas fossem quotidianamente dirigidas para as políticas
públicas nacionais como um todo. Como muitos estudos mais recentes termi-
naram por reafirmar, tais criticas estavam longe de corresponder a verdadeira
realidade dos fatos, porque a maioria das decisões na formulação das políticas
brasileiras do período levava em conta particularmente as variáveis econômicas.
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82 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança
Outro item que ocupou atenção especial dos militares até então, se referia
ao Atlântico Sul pelo fato desse ser visto, em termos geo-estratégicos, apenas
como um grande lago, com a existência de regimes considerados hostis do
outro lado, como Angola (dominado por tendências marxistas), e na virada
do cabo sul africano por Moçambique, de tendência semelhante, ambos ex-
colônias lusitanas. Portanto, Estados potencialmente vistos como perigosos,
por receber influências e recursos oriundos da União Soviética. Cuba ou da
China, ainda que, dentro da visão do pragmatismo responsável da era Er-
nesto Geisel, tivessem sido reconhecidos pela diplomacia brasileira. A opo-
sição ao comportamento do Ministério das Relações Exteriores se manifestava
justamente através de militares, que viam nisso um risco desnecessário a se-
gurança do país, por causa do pouco que se ganharia em troca desses gestos.
A terceira, foi quando nessa região, se criou, em 27 de outubro de
1986, por iniciativa brasileira, em resolução aprovada no âmbito da Orga-
nização das Nações Unidas, a Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul
(ZOPACS). Essa tinha como objetivo “manter a região livre de medidas
de militarização, da corrida armamentista, da presença de bases militares
estrangeiras e, sobretudo, de armas nucleares”, e envolveu praticamente
todos as nações ribeirinhas de ambos os lados do grande lago oceano. 4
Esses três temas diziam respeito a interesses declaradamente milita-
res, porque envolviam problemas diretamente vinculados com a segu-
rança nacional, frente a um modelo político e ideológico oposto, tendo-se
observado posicionamentos diferentes entre militares e diplomatas.
A quarta iniciativa, se bem que trilhasse por caminhos parecidos,
abarcava interesses mais amplos, e historicamente sempre se convertera em
tema espinhoso aos diversos agentes responsáveis pelas políticas nacionais
naquela parte do continente. Trata-se dos 24 protocolos de integração
assinados em 29 de julho de 1986 pelos ex-presidentes brasileiro José Sarney
e argentino Raul Ricardo Alfonsin, mostrando que, além, das tradicionais
rivalidades, fórmulas diferentes poderiam ser pensadas para aparar as
arestas e aprofundar o intercâmbio regional, favorecendo os dois Estados.
Ambos haviam assumido o governo, em momento adverso – período
de transição política interna -, de turbulência econômico-financeira no con-
tinente, e que já tinha apresentado como resultado o pedido de moratória
da divida externa, pelo governo mexicano, alguns anos antes, em 1982.
Como se veria, posteriormente, frente ao novo quadro que se configurava,
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com a última Rodada do GATT no Uruguai, e o surgimento da Organiza-
ção Mundial do Comércio, o processo de integração foi se aprofundando
nos anos subseqüentes, terminando na construção do Mercado do Cone Sul
(MERCOSUL), com os dois outros parceiros menores da região. Apesar das
turbulências enfrentadas desde então, o Mercosul absorveu novos mem-
bros, deixando de lado sua característica eminentemente sulista.
Outras iniciativas desse porte foram observadas ainda no governo de
José Sarney, com as reuniões entre os Estados Maiores das Forças Arma-
das argentino e brasileiro, apresentando resultados significativos. Em
duas oportunidades, em eventos denominados “Simpósio de Estudos Es-
tratégicos”, realizados em Buenos Aires ( 31 de março a 2 de abril de
1987) e São Paulo (5 a 7 de abril de 1988) , com a presença de oficiais, jor-
nalistas e acadêmicos de ambos os lados da fronteira, floresceu impor-
tante diálogo, procurando-se fomentar o aumento do grau de confiança
recíproco, que poderia passar a orientar as futuras relações políticas, di-
plomáticas e militares na região do Cone Sul. 5
A contrapartida também existiu. Enquanto isto se sucedia de um lado,
as pressões internacionais, oriundas de setores distintos, tanto governa-
mental, quanto de organizações internacionais, e de organizações não-go-
vernamentais, se avolumavam desde a década anterior, com as críticas
sobre a falta de cuidado do governo com a preservação ambiental, com a
depredação da fauna e da flora amazônica, com a contaminação dos rios
com mercúrio, com a destruição das populações florestais silvícolas.
Diante de um discurso já antigo sobre a internacionalização da
Amazônia, considerada na época como o pulmão do mundo, as preocu-
pações governamentais para a região adquiriram conotação basicamente
militar, sob o prisma da defesa e da segurança nacional, em vez de se re-
correr puramente aos tradicionais canais diplomáticos. A resposta, agora,
se fazia de outra maneira, com outros mecanismos.
Para dar conta das pressões, e manter inquestionável a soberania so-
bre essa parte substantiva do território nacional (61%), com uma extensão
de 5.2 milhões de quilômetros quadrados, partiu-se para uma retórica na-
cionalista e uma política efetiva de proteção militar do espaço amazônico,
embora envolvesse instâncias civis. Concebido em 1985, à margem da so-
ciedade, o Projeto Calha Norte, cujo titulo completo é Desenvolvimento e
segurança na região ao norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas
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Segurança Nacional – Desenvolvimento e segurança na região ao norte das calhas dos rios
Solimões e Amazonas – Projeto Calha Norte. Brasília, SG-CSN, 1985, mimeografado.
7 Cf. Ministério das Relações Exteriores – Tratado de Cooperação Amazônica. Brasília:
de 2007]: <http://www.sivam.gov.br>.
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utilizados no complexo, essa iniciativa governamental veio completar o
Programa Calha Norte, de repensar a proteção não apenas a partir das
fronteiras, mas do território amazônico como um todo, frente a ameaças que
se faziam cada vez mais presentes. Para dar conta desses perigos, em virtude
da extensão do território, havia, segundo as Forças Armadas, a necessidade
de se manter alerta, frente ao inimigo, desejoso de romper a soberania
nacional, e interessado em usufruir das riquezas naturais aqui existentes.
Essas ressalvas sobre o comportamento internacional, tinham sido já
fartamente debatidas tanto pela imprensa falada e escrita, pela comuni-
dade acadêmica, organizações não-governamentais nacionais e interna-
cionais, mas particularmente dentro do Congresso Nacional, por ocasião
da feitura da nova Constituição de 1988. Como se pode observar, pelo
acompanhamento das sessões ocorridas no Legislativo, foram intensos os
debates sobre a questão mineral, sobre a demarcação de terras indígenas,
se continuas ou não ao longo das fronteiras na margem de 150 quilôme-
tros, sobre a preservação dos recursos ambientais de maneira geral, a pre-
sença das populações florestais, indígenas ou não, posseiros e grileiros,
garimpeiros e mineradores, além da presença de seitas religiosas e grupos
econômicos, que não sofriam qualquer controle no território, mesmo do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e de
outros organismos dos governos estaduais e federal.
A defesa sobre a soberania da Amazônia pode ser claramente percebida,
tanto em atos internos, quanto em solenidades internacionais reunindo os re-
presentantes dos governos da região. Numa delas, realizada em maio de
1989, estando presentes os chefes de Estado amazônicos, em meio a avalan-
che de criticas sobre a deterioração ambiental, ao assinarem a Declaração da
Amazônia reafirmava-se “o direito soberano de cada país de administrar liv-
remente seus recursos naturais, tendo presente a necessidade de promover o
desenvolvimento econômico e social de seu povo e a adequada conservação
do meio ambiente”9. O General Leônidas Pires Gonçalves, em palestra na Es-
cola Superior de Guerra batia duro nas criticas internacionais. Para ele a culpa
era dos países industrializados, e não das nações em desenvolvimento.10
O Programa Nossa Natureza, concebido para cuidar das questões am-
bientais amazônicas trilhava os mesmos caminhos. Segundo os policy-
makers “a Amazônia passa a ter um valor estratégico sem precedentes no
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Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 87
por civis rarefeitos ao assunto da Pasta, às vezes até desastrosos, trans-
formando-se as três Forças em Comandos Militares específicos (Aeronáu-
tica, Exército e Marinha), com seus titulares mantendo status ministerial.
Na década de 90, pelo menos mais dois elementos precisam ser consi-
derados, nas concepções estratégicas brasileiras. O primeiro, o fato de o
país pertencer à Organização dos Estados Americanos (OEA). É impor-
tante ressaltar essa condição, porque logo após o final da Guerra Fria,
criou-se no interior da OEA, a Comissão de Segurança Hemisférica
(CSH), que se converteu no lócus regional para o trato de questões rela-
cionadas com a defesa e segurança regional. Segundo o presidente da
Comissão Especial sobre Segurança Hemisférica (criada em 1992, depois
transformada na CSH em 1995) Hernán M. Patiño Mayer, “uma visão in-
tegrada da segurança regional deveria ser reordenada a partir de esque-
mas de integração e cooperação, substituindo o caráter clássico militar
ofensivo-defensivo que teve ate o presente” (Patino Mayer, 1993). Poste-
riormente, passou-se a trabalhar com conceitos abertos, englobando as
novas ameaças, sob um ponto de vista multidimensional, conforme reso-
luções tomadas pela Assembléia Geral da OEA.
O outro diz respeito às reuniões informais que passaram a ser realiza-
das desde 1995 (a primeira delas nos Estados Unidos da América, em Wi-
lliamsburg-VA), entre os ministros da Defesa das Américas. Nesses en-
contros, além das recomendações feitas em termos multilaterais, realizou-
se um sem número de encontros e acordos bilaterais, entre os diversos re-
presentantes, para tratar de assuntos específicos de seus paises. O interes-
sante a observar, entretanto, é que no evento realizado no Brasil entre 16 a
21 de outubro de 2000, na capital do estado do Amazonas, se fixou pelo
item 9 da Declaração de Manaus, que “a segurança e a defesa de cada país
constituem responsabilidade da sociedade como um todo e não apenas
dos militares, o que toma imprescindível a formação de civis em assuntos
de defesa e a integração entre civis e militares nos debates”.13
É levando em consideração esses fatores em conjunto, que se pode
avaliar, porque houve avanços e recuos na postura brasileira sobre o
tema, ora criando a expectativa de se relegar questões desse porte a plano
secundário, ora tornando-se mais agressiva em face das próprias pressões
internacionais. No limite, pode-se dizer que não se tratou de avanços e re-
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Por outro lado, em face da conjuntura do pós-Guerra Fria e da eclosão
de um sem número de graves situações em todo o mundo, o governo bra-
sileiro, dentro da estratégia de captação de votos, de simpatia, e procu-
rando mostrar que está preparado para assumir responsabilidades como
membro permanente do Conselho de Segurança da ONU passou a confe-
rir grande importância às missões onde se fizessem necessárias, seja na
África, no Timor Leste, ou assumindo papel de destaque com a Missão
das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), criada em
30 de abril de 2004, através da resolução 1542 do Conselho de Segurança
da ONU, permanecendo naquele país até o presente momento.
Na agenda brasileira permaneceram, e passaram a receber atenção
maior as questões relativas à segurança nacional e regional, particular-
mente a primeira. Assim, em 2005, foi promulgada a versão mais com-
pleta da Política de Defesa Nacional, onde se estabelecem dois grandes
loci de atuação brasileira.14 De um lado, a região amazônica continuou a
receber destaque especial. Apenas para efeito ilustrativo poderíamos ex-
plicitar que, em 1950, havia um milhar de soldados na Amazônia, au-
mentando para cinco mil em 1985, sendo que atualmente, o total dos con-
tingentes atinge a cifra de vinte e cinco mil. De outro, o Atlântico Sul,
considerando que por essa parte circula parte considerável de super-pe-
troleiros, e embarcações responsáveis pelo comércio internacional, do
qual o Brasil contribui com 1.1 em termos globais. Além do mais, é rota
para o continente antártico. A imensidão do Atlântico Sul passou a ser
conhecida, em analogia ao Norte do país, como a Amazônia Azul.
A preocupação especial com o Atlântico Sul, se deve, inclusive, ao fato
de em 17 de maio de 2004, o país ter demandado junto à Commission on
the Limits ot the Continental Shelf (CLCS), da ONU, o aumento de seu
espaço marítimo, ultrapassando aquele anteriormente estipulado, e sob
seus domínios. Aprovada em abril de 2007, essa nova área incorporada ao
território terrestre aumentou para 12,7 milhões de quilômetros quadrados
o espaço geográfico total no qual o país tem que atuar.15
Oceans and Law of the Sea. Division for Ocean Affairs and Law of the Sea. Co-
mmission on the Limits of the Continental Shelf (CLCS) Outer limits of the conti-
nental shelf beyond 200 nautical miles from the baselines: Submissions to the
Commission: Submission by Brazil. Disponível em [aces- em 06 de maio de 2007]:
<http://www.un.org/Depts/los/clcs_new/submissions_files/submission_bra.ht
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90 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança
Por isso mesmo, têm sido constantes as cobranças dos comandos mi-
litares junto à Presidência da República, e setores econômicos, sobre a ne-
cessidade de se prestar atenção a substituição, modernização e ampliação
dos equipamentos militares. O ministro do Exército, general Enzo Martins
Peri, em abril de 2007 fazia reflexões nesse sentido, alertando que as ver-
bas disponibilizadas nas últimas décadas, não têm conseguido atender as
demandas da Força.16 Em função da crise que afetou o controle do espaço
aéreo brasileiro, após o choque de duas aeronaves no norte do país, os re-
presentantes da Aeronáutica, inclusive aproveitaram a visita de membros
do Congresso Nacional que visitavam o Centro Integrado de Defesa Aé-
rea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA) em Brasília, recentemente,
em maio de 2007, para instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito so-
bre o apagão , para demandar recursos.17 Na passagem do comando da
Marinha, no dia 1º de março de 2007, o Almirante Júlio Soares de Moura
Neto que assumiu o posto enfatizou a necessidade de se dar prossegui-
mento ao Programa de Reaparelhamento da Marinha, sob pena de o po-
der naval tornar-se obsoleto muito rapidamente.18
Na realidade essa preocupação dos comandos militares, além de pen-
sarem na necessidade de usufruírem de equipamentos considerados satis-
fatórios para atender as prioridades estabelecidas no documento nacional,
de forma adequada, apresenta outro motivo, pensado em escala regional.
Trata-se, por exemplo, das políticas assumidas por nações vizinhas, que
têm investido razoavelmente no setor bélico, casos da Venezuela e do
Chile que, por razões diferentes assim têm agido. No fundo, apesar das
distintas motivações, o certo é que tanto o governo de Santiago, quanto o
de Caracas tem usufruído até o momento, de recursos adequados para
aquisição de armamentos. A Lei do Cobre permite ao Chile investir dez
por cento do auferido com a exportação do produto, para o setor militar,
enquanto a venda do petróleo venezuelano tem suprido a demanda pela
aquisição e modernização do parque bélico daquele país. Ainda que não se
de transportes aéreos, desde o final de 2006, gerando disputas entre setores civis e
militares sobre o problema do controle e da segurança do espaço aéreo nacional.
18 Consultar as observações do Almirante Júlio Soares de Moura Neto na “Ordem
StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 91
fale em corrida armamentista, e não haja contenciosos de maior gravidade
na região, é visível que, ao se armar, um país fornece ao outro ou demais
vizinhos, justificativas suficientes para agirem de forma semelhante.
Esses dois pontos explicitamente mencionados, constituem-se, ofi-
cialmente, em áreas prioritárias na política de defesa. Mas pode-se adi-
cionar outra, que é exatamente a da tríplice fronteira brasileiro-argentino-
paraguaia. Sem se preocupar com grupos terroristas ligados ao Hezbollah,
ou outros, que financiariam os movimentos terroristas no Oriente Médio, a
partir de remessas de recursos pela Ciudad del Este (lado paraguaio), e pela
Foz do Iguaçu (lado brasileiro), as preocupações governamentais estão
concentradas nessa região, por outros motivos, ligados à evasão de receitas.
Isto porque, através do lado paraguaio se realiza grande quantidade de
contrabando para o Brasil, de mercadorias manufaturadas e eletrônicos de
todo gênero provenientes do Oriente, e de armas, e onde se concentram,
facilitado pela localização geográfica de tríplice nacionalidade, grupos
ligados ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Por esses motivos, a
atuação do país tem sido forte e permanente nessa parte do Cone Sul.
NOTAS FINAIS
No decorrer dos últimos vinte anos, especialmente, a partir do final do
ciclo do regime militar, algumas observações interessantes podem ser feitas,
sobre os temas das Forças Armadas, defesa e segurança nacionais. Apesar de
apenas uma geração ter decorrido, desde então, houve uma significativa
melhoria nas condições em que passou a se processar o diálogo entre os
meios civis e militares. Temas por excelência de natureza militar, as questões
de defesa e segurança, até então restritos quase que exclusivamente aos
estrategistas dos Estados Maiores das instâncias castrenses, e de alguns que
normalmente se encontravam estreitamente identificados com os mesmos, o
tema chegou finalmente à sociedade por mecanismos diversos.
Pode-se constatar, contudo, duas outras coisas. Primeiro, que o tempo
decorrido ainda é relativamente recente, motivo pelo qual, apesar do dis-
curso democratizante, e de ampliação dos participantes em temas que di-
zem respeito a toda a sociedade e ao Estado, permanece nos altos escalões
militares uma certa dificuldade em absorver observações e influências
alheias ao próprio meio, sobretudo as mais críticas. Isto se deve, prova-
velmente, ao fato de que, ainda hoje, todos os altos cargos estão preenchi-
dos por militares que tiveram parte significativa de sua formação sob ou-
tras condições, onde os valores democráticos nem sempre eram os que
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92 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança
StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 93
tender pelo novo conceito estratégico brasileiro, foram realizadas oito ro-
dadas com grupos restritos, patrocinados pelo Ministério da Defesa, na ci-
dade de Itaipava, no estado do Rio de Janeiro, e na qual sempre se encon-
travam, pelo menos dois acadêmicos, entre os debatedores. Os resultados
finais, posteriormente publicados em 4 volumes pelo MD, inclusive, podem
ser conferidos na própria página eletrônica da instituição.19
Para incentivar os estudos na área, o Ministério da Defesa também
passou a premiar as dissertações de mestrado e teses de doutorado de-
fendidas sobre temas correlatos, e que deve se constituir em promoções
anuais, Nessa direção, com recursos do Ministério da Defesa e do Minis-
tério da Ciência e Tecnologia, passou-se a estimular a formação de recur-
sos humanos, preocupados com a temática, nos cursos existentes de pós-
graduação em Relações Internacionais do país, criando-se área especifica
sobre “Paz, defesa e segurança internacional”, por exemplo, no programa
interinstitucional da Universidade Estadual Paulista-Universidade Esta-
dual de Campinas-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 20
Se comparado com momentos anteriores, não resta dúvida de que a
situação atual é sensivelmente melhor no que diz respeito aos debates so-
bre os assuntos militares, tanto dentro como fora da academia. Até o final
do regime militar, havia uma dificuldade específica do momento em que
se vivia, em que tais temas não eram levantados. Eram poucos, dentro das
universidades, que o faziam. Tanto pela dificuldade no acesso às infor-
mações, quanto pela desconfiança dos dois lados. Do lado dos militares,
interessados em saber qual a real finalidade de civis estarem interessados
em tais assuntos, privilégio que consideravam de sua exclusiva alçada,
tanto como estudiosos quanto como agentes do processo político. Dentro
da academia, havia a suspeita de que aqueles que conseguiam tratar de tais
assuntos, assim o faziam, porque tinham como obter informações, ou seja,
acesso aos próprios militares, portanto seriam coniventes com a situação
política, ou simpatizantes do próprio modelo instaurado desde 1964 sob a
égide da força. Por isso, durante grande tempo, toda a produção era feita
basicamente através dos olhares dos pesquisadores estrangeiros, especial-
militar brasileira voltada para estas questões, conforme pode ser verificado em
RESDAL (2007). Consultar, especialmente, página 88, do capitulo 7.
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94 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança
StrategicEvaluation (2007) 1
Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança | 95
os cargos de comando das esferas militares, por outros que tiverem sua
formação sedimentada basicamente no período pós-autoritarismo. Ligado
a essa, a manutenção dos valores democráticos do modelo político.
A outra condição básica é o fortalecimento dos estudos estratégicos
nos meios acadêmicos, incluindo-se áreas, por exemplo, sobre resolução
de conflitos e cultura da paz, criando-se uma visão crítica de como esses
problemas devem ser analisados, como podem ser melhor equacionados,
e como a sociedade pode interferir na formulação dessas políticas, já que
para todos os efeitos, nada mais são do que políticas públicas, e que não
podem nem devem ser pensadas de viés atendendo apenas uma categoria
específica, mas aos interesses de toda a sociedade. Certamente não é
exeqüivel tão somente apregoar a extinção das Forças Armadas, algo
impensável para uma potência média que tem aspirações internacionais.
Mas pode-se, por outro lado, refletir como temas desse porte devem ser
abordados, tanto no plano interno de relacionamento da esfera militar
com a civil, e do Estado no cenário regional ou mesmo mais longínquo.
Ao serem atendidas essas condições, não resta dúvida de que a percepção
de que as Forças Armadas têm, em termos de defesa e segurança, de que tudo
deve ser resolvido apenas na ponta das baionetas, será gradativamente
alterada (como tem em parte sido feito). Será incorporada cada vez mais a
influência de segmentos diversos da sociedade brasileira, entendendo-a como
perfeitamente normal, dentro do jogo democrático, e que não vêem
exclusivamente na força os mecanismos ideais para o bom andamento das
relações internacionais, nem para se resolver pendências domésticas.
Outras funções que periodicamente se lhe tentam imputar, como
combater o crime organizado, o tráfico de drogas e o contrabando, entre
muitas sugestões, talvez não se constituam na melhor solução para as
Forças Armadas, visto que seu treinamento não contempla atividades
desse gênero. Considere-se, ainda, que existem, como sempre aconteceu,
órgãos específicos para combater tais ilícitos, como a Polícia Federal e as
milícias estaduais. Atribuir-lhes novas funções, seria como ampliar seu
papel, incluindo, portanto, capacidade maior de intervenção em assuntos
internos, muito distante de suas tarefas habituais. A não ser que ocorres-
sem ambientes de profunda crise, em que a própria sobrevivência das
instituições esteja em risco. Mas essa já seria uma situação extrema.
REFERÊNCIAS
StrategicEvaluation (2007) 1
96 | Shiguenoli Miyamoto, Forças armadas, defesa e segurança
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Janeiro: Nova Fronteira.
*
Shiguenoli Miyamoto é Professor Titular de Ciência Política e Relações In-
ternacionais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Univer-
sidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciências So-
ciais, realizou um Mestrado em Ciência Política e é Doutor em Ciência
Política pela Universidade de São Paulo (USP).
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
GRUPO BAGATELLE*
Abstract: This work seeks to demonstrate the need for a strong and permanent National
Defence Industry (NDI) in our environment, together with the creation, establishment and
implementation of a State Policy focused on National Defence and a Regulatory Defence
Agency. An analysis of political scenarios from a defence perspective and of the promotion
of a systemic and integrational vision of defence industries is also developed. Presenting a
diagnosis, a series of proposals seeking the recovery of the battered National Defence Indus-
try are also included.
Keywords: national defence industry; national defence; regulatory agency.
* O Grupo Bagatelle está formado por Camilo Matias Saraiva, Cesar Tadeu Lopes
Piovezanni, Eliandro Lopes de Sousa, Gerson Carvalho Novaes, Hans Damgård
Kristensen, Hulgo Leonardo Pias Sarmento, José Sérgio Teixeira Pinto, Luiz Carlos
Quadrante Júnior, Ricardo de Souza Esper e Vasco de Jesus Rodrigues. O seus in-
tegrantes agradecem a contribuição de todos os organizadores, autoridades, enti-
dades, palestrantes e participantes pela concretização do Curso de Gestão de Re-
cursos de Defesa, no qual se enquadra, ressaltando a importância e o pioneirismo
do convênio firmado entre a Federação das Indústrias de São Paulo e a Escola Su-
perior de Guerra, que possibilitou o sucesso do empreendimento.
98 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
INTRODUÇÃO
No cenário internacional torna-se essencial para a sobrevivência do
próprio Estado a sua capacidade permanente de criação, desenvolvi-
mento tecnológico, produção e execução de projetos voltados para a defe-
sa da sua soberania. Diante da extensão territorial do Brasil e do seu peso
especifico no cenário internacional, cabe à Indústria Nacional de Defesa a
responsabilidade de prover as necessidades do Governo e das FFAA no
papel de proteção do patrimônio Nacional.
Uma Indústria Nacional de Defesa inexpressiva reflete o descaso
quanto à preservação dos valores maiores de nossa Pátria. Estará, assim,
convidando a ambição externa para possíveis aventuras em nosso meio.
Cumpre estabelecer com urgência máxima um programa de ação objeti-
vando o fortalecimento em bases sólidas de uma política de Estado dura-
doura capaz de garantir a preservação do próprio Estado.
FASE DE DIAGNÓSTICO
Nação pode ser definida como um grupo complexo, constituído por
grupos sociais distintos que, em princípio, ocupando um mesmo espaço
físico, compartilham a mesma evolução histórico-cultural e os mesmos
valores, movidos pela vontade de comungar o mesmo destino. Portanto,
cada nação nasce dentro de um contexto particular e define seus objetivos
fundamentais de acordo com seu processo de formação.
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 99
Com relação às riquezas ictiológicas existentes na Zona Econômica
Exclusiva, o Artigo 62 da CNUDM enfatiza que se o Estado Costeiro não
tiver capacidade para efetuar a totalidade da captura permissível, deverá
dar a outros Estados o acesso ao excedente dessa captura, mediante acor-
dos ou outros ajustes. Mais de 95% do comércio exterior brasileiro é reali-
zado por via marítima, que em 2005, ficou em torno de US$ 200 bilhões,
sendo o valor do frete respectivo estimado em US$ 7 bilhões.
StrategicEvaluation (2007) 1
100 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 101
os subsídios que as empresas no exterior recebem, com facilidades tributárias
e amplitude de recursos financeiros para financiamentos e securitizações.
Produtos
Empresa Setor Mercado N.º func.
Principais
Ancoratek
manutenção de Serviços de
Aeronáutico Nac. 74
aeronaves e comercio manutenção
Ltda
Sistemas de
armas, Sistemas
Avibras Indústria Nac., Int.
Defesa de foguetes e 848
Aeroespacial S.A. e Civ.
munições,
viaturas militares
Materiais para
BHS – Helicópteros Aeronáutico Nac. 37
Helicópteros
Antenas, Radares
Brasilsat Harald S.A. Eletrônico Nac. 613
e Componentes
Brazsat Com. Space Serviços de Nac. e
Telecom 12
Services do Brasil Ltda. Telecom Int.
Munições e
Companhia Brasileira Defesa Nac., Int.
armas de 1.210
de Cartuchos (CBC) Segurança e Civ.
pequeno calibre
Armas e
Condor S.A. Defesa Nac., Int.
munições não 100
Indústria Química Segurança e Civ.
letais
Corema S.A. Defesa Reforma de Nac., Int. 12
StrategicEvaluation (2007) 1
102 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 103
Químicas Ltda. munições e e Civ.
explosivos
Armamentos,
Indústria de Material Nac., Int.
Defesa Munições e 2.022
Bélico do Brasil - Imbel e Civ.
explosivos
Equipamentos e
Inbrafiltro Indústria e Nac., Int.
Segurança componentes 120
comércio de filtros Ltd. e Civ.
blindados
Índios Indústria e Co- Equipamentos Nac. e
Defesa 45
mercio de Filtros Ltda. Pirotécnicos Civ.
Serviços de
Nac., Int.
Intercarrier Ltda. Transporte transporte 17
e Civ.
materiais de Def
Comércio de
Logitec – Assessoria
Representação Materiais de Nac. 3
em Logística Ltda.
Defesa
Mectron Eng Ind e Sistemas de
Defesa Nac. 186
Com Ltda. armas
CMNISYS Engenharia Eq e component.
Telecom Nac. 142
Ltda. de comunicações
Equipamentos de
Orbisat da Amazônia Levantamento
Levantamento Nac. 70
e Aerolevantamento por satélite
via Satélite
Periscópio
Equipamentos
Equipamentos Optrônico Nac. 20
Optrônicos
Optrônicos Ltda.
RJC Defesa e Munições em
Defesa Nac. 50
Aeroespacial Ltda. geral
Schmid Telecom Sistemas de
Telecom Nac. 6
Brasil Ltda. comunicações
Space Imaging do Serviços e
Imagens por Nac., Int.
Brasil Produtos e imagens por 10
satélite e Civ.
Representações Ltda. satélite
SpeedForm Ind e Com Componentes
Defesa Nac. 39
Ltda. para Armamento
Armamentos e
Target Engenharia e Nac. e
Defesa munições Ar 8
Com Ltda. Civ.
Terra
Equipamentos e
Thales International Nac., Int.
Telecom serv de 3
Brasil Ltda.. e Civ.
comunicações
Troller Veículos Viaturas Nac., Int.
Automotivo 30
Especiais S.A. Militares e Civ.
Unimil Uniformes Uniformes Equipamentos e Nac. 14
StrategicEvaluation (2007) 1
104 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 105
Inexistência de programas de financiamento com juros similares aos ofereci-
dos no exterior para vendas fora do Brasil, enfraquecendo a perspectiva de
negociações dos projetos e produtos brasileiros;
Não há orientação sobre garantias bancárias das instituições governamentais,
como suporte para as vendas no exterior;
Falta de obrigação de reciprocidade direta ou indireta nos contratos de
importação das FFAA do Brasil firmadas com indústrias no exterior;
Não há benefícios ou incentivos fiscais para as exportações das nossas indústrias; e
Apoio governamental limitado para a participação em feiras no exterior.
StrategicEvaluation (2007) 1
106 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
2004 atingimos apenas US$ 284 milhões, como resultante da falta de fo-
mento e investimentos no setor pelo governo.
Nosso país nunca possuiu mecanismos legais eficazes que fizessem
frente às pressões externas, fomentando a indústria, único meio de pro-
duzir tecnologia de ponta para os materiais em questão. Nos EUA, por
exemplo, existem leis como Buy America Act 3 e Small Business Act asse-
gurando as compras no mercado interno e impondo cotas para a aquisi-
ção externa de produtos que podem ser fabricados internamente, subsi-
diando, assim, a indústria interna, prática na qual deveríamos nos espe-
lhar, oferecendo privilégios e compensações em razão da menor competi-
tividade que as caracteriza. Assim sendo, as empresas são detentoras de
grande parte das divisas geradas, assim como criadoras de empregos di-
retos. Esses dispositivos legais, diferentemente do Brasil, tratam de esti-
pular quantidades mínimas para a compra interna de materiais de defesa,
incentivando a indústria, com o fim de criar bases saudáveis para o de-
senvolvimento técnico-científico.
As portarias do Ministério da Defesa (Portaria Normativa no. 899/MD,
de 19 de julho de 2005 4 e Portaria Normativa no. 586/MD de 24 de abril de
2006 5) estabelecem a arquitetura jurídica para a criação e a implementação
da Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID). Trazem fundamentos
sólidos para o almejado fim de ter-se uma Base Industrial de Defesa (BID),
forte e competitiva, porém, na prática, tem pouco efeito.
Convém mencionar outra situação crítica, qual seja, a política orça-
mentária para o setor de defesa, que como demonstrado acima, anual-
mente aprovada por Lei pelo Congresso, com base no artigo 165, I, II e III
e § 9o., da Constituição Federal, é vitima de constante contingenciamento.
Sendo certo que essa meta já é de Governo, pelo menos desde 2004, con-
forme item 76 da Orientação Estratégica de Governo para o Ministério de
Planejamento, Orçamento e Gestão, Plano Plurianual 2004-2007.
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 107
O estudo vem em boa hora, porque o padrão de vida dos brasileiros
avança timidamente, enquanto boa parte do mundo corre em direção ao
desenvolvimento. Entre 1995 e 2004 o PIB per capita cresceu apenas 1,5%
em média no Brasil e, no mesmo período, a renda aumentou 2,3% ao ano
nos EUA, 3,7% na Coréia do Sul, 4,1% na Índia e 7,6% na China.
O mesmo estudo mostra que a muralha, que se ergue entre os brasilei-
ros e o bem-estar trazido pelo crescimento econômico, pode ser quantifi-
cado e dividido em seis fatores de atraso: 35% atraso histórico, não dá para
mudar diretamente, são frutos de apostas erradas no passado, limitações
culturais e até geográficas; 28% informalidade, principalmente o comércio
irregular, a sonegação fiscal e o desrespeito às regras; 13% deficiências
macroeconômicas, juros altos e câmbio desvalorizado, devido aos altos
gastos públicos; 11% regulamentação, legislações trabalhistas e tributárias
inibidoras de contratações e investimentos e, burocracia que aumenta o
custo das transações; 8% serviços públicos de baixa eficiência, educação e
atendimento de saúde de má qualidade; 5% infra-estrutura, portos
ineficientes, estradas esburacadas e uso incipiente de ferrovias e hidrovias.
Este estudo fornece ao poder público um diagnóstico raro do tamanho
dos obstáculos que impedem o desenvolvimento pleno da economia bra-
sileira, no mínimo similar àqueles da China, Rússia e Índia. A sociedade
brasileira deve cobrar ação do poder público para atacar com prioridade
os problemas mencionados e quantificados acima, para que a tendência
de crescimento do PIB brasileiro seja no mínimo igual ao crescimento do
PIB daquelas economias.
FASE POLÍTICA
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StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 109
armados a curto prazo no Mercosul, mesmo com as recentes alterações
das relações com a Bolívia e o armamento da Venezuela.
Percebe-se o desejo de sermos não apenas o líder natural da América
Latina, mas também consolidar a posição mundial de país em cresci-
mento e com grande potencial para receber investimentos, fato este le-
vantado pelo estudo dos BRICs. Almejamos essa posição, e, talvez por
isso, tenhamos cedido a pressões internacionais e nos distanciado em de-
masia de termos uma indústria de defesa forte, e por isso mesmo, moti-
vadora de desconfianças quanto às nossas reais intenções. Fato é que pos-
suímos uma indústria nacional despreparada, mas não desqualificada,
para enfrentar o mundo como exportadores de peso; situação que se re-
flete, aliás, na incômoda posição das nossas Forças Armadas .
StrategicEvaluation (2007) 1
110 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
enxergar que o que falta para os países desse bloco não só para o Brasil, é o
poder de sentar-se a mesa com respaldo econômico e poder de dissuasão.
O Brasil terá que passar por uma reforma estrutural de suas FFAA,
adotar nova linguagem para abordagem aos nossos legisladores, as enti-
dades civis e os demais órgãos dos poderes constituídos. Tendo como
objetivo a importância da revitalização do poder Militar sob o foco do
mercado externo e melhor condição de barganha nas mesas e rodadas in-
ternacionais.
Com esse quadro é lógico que não teremos uma posição mundial de
um país bélico. Logo, não temos o risco de incomodar as grandes nações
nesse sentido. Isso se alia ao fato de que temos boas relações com a maio-
ria dos países e somos vistos como um país de Paz. Mas para que tenha-
mos essa posição que visualizamos, é preciso primeiro defender o que já
temos. E isso se refere a defender nosso espaço em terra, ar e mar. Antes
de nos inserirmos no mundo, é preciso fazer a lição de casa. Como defen-
der alguém se não defendemos nem a nos mesmos?
Atualmente não estamos devidamente equipados para defender nosso
espaço. 90% de nossa produção de petróleo esta no mar e 95% de nossas ex-
portações são feitas pelo mar. Atualmente a nossa Marinha não está prepa-
rada para defender minimamente nossos poços de petróleo e assegurar que
o comércio mundial ocorra sem riscos de pirataria. Nossas fronteiras terres-
tres e aéreas precisam ser melhor defendidas, para evitar principalmente o
contrabando e até mesmo a possibilidade de ocorrência de terrorismo. Logo,
é importante aumentar os investimentos em nossas forças armadas.
O desenvolvimento de tecnologias como o bio-diesel e o combustível
nuclear precisam ser continuamente desenvolvidos. Essas tecnologias
podem nos colocar mais rapidamente no cenário mundial, devido ao es-
gotamento das fontes mundiais de petróleo, usado principalmente para a
propulsão de motores.
Para isso é importante rever estrategicamente a posição que queremos
ter no mundo. Os maiores vendedores de armas fazem parte hoje do Con-
selho de Segurança da ONU. Por que não podemos começar a participar
desse comércio mundial? É possível que essa alteração de visão, junta-
mente com o crescimento das exportações, seja feito de forma estruturada
e que traga benefícios ao país. Resumindo, entendemos que o cenário
para o Brasil seria:
Assegurar a soberania de seu território (evitando entradas de estrangeiros sob
qualquer motivo que não seja legitimo ao país);
Assegurar a ocorrência do comércio mundial de forma segura;
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 111
Investir para desenvolver tecnologias que possibilite nos colocar em voga mun-
dialmente, atraindo investimentos (essas tecnologias também vem das FAS);
Participar do mercado mundial de defesa.
Liderar o Mercosul, de forma pacífica significa ter uma diplomacia com
respaldo no poder militar, devido a possível alteração de pensamento dos
líderes de nossos países vizinhos.
StrategicEvaluation (2007) 1
112 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 113
Ou seja, trata-se de um entendimento e uma política comum regula-
dora de exportações de uma lista comum de itens, com o objetivo de res-
tringir a proliferação de armamentos capazes de efetuar destruição em
massa, como foguetes, mísseis, UAVs (Veículo Aéreo Não-tripulado) e
suas tecnologias e componentes correlatas. Os países do Oriente Médio
não são membros, nem Índia, Paquistão ou China.
Nada impede os vários desenvolvimentos conjuntos de sistemas que são
feitos pelos países desenvolvidos, como por exemplo EUA, Reino Unido e
França, ou mesmo entre estes e países como Rússia e China. Um fato
interessante neste sentido é que os EUA, a seu critério e unilateralmente,
impuseram sanções econômicas a empresas chinesas, e posteriormente ao
governo chinês, mesmo a China não sendo um país membro do MTCR.
Os itens controlados são divididos em duas categorias:
1. Sistemas completos de foguetes, mísseis e UAVs capazes de transportar
carga paga acima de 500kg a um alcance acima de 300km, bem como a
transferência de facilidades produtivas destes itens.
2. 3. Componentes de propulsão e propelentes, veículos de lançamentos e
de suporte, várias tecnologias e subsistemas de mísseis.
FASE ESTRATÉGICA
StrategicEvaluation (2007) 1
114 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
Poder Econômico exige Poder Militar: É também sabido que no jogo in-
ternacional das Nações, aquelas de expressivo Poder Nacional, no qual se
insere a Indústria de Defesa Nacional, são mais respeitadas e ouvidas, in-
cluindo as economias emergentes, que apesar de seus problemas sociais
priorizam investimentos em suas Forças Armadas e Indústrias de Defesa,
podendo citar aqui países como Rússia, China, e Índia, que são países,
como o Brasil, de grandes territórios, PIBs medianos e muitas riquezas
naturais, que assim despertam a cobiça internacional. Neste contexto vale
lembrar que o Brasil busca assento permanente no Conselho de Seguran-
ça da ONU e se o Brasil pretende ser um líder econômico na América do
Sul, não há como fugir do fato que o sucesso desta pretensão depende de
uma Força Militar igualmente forte e dissuasiva.
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 115
volvidos e produzidos pela indústria nacional para as Forças Armadas
Brasileiras, procuram uma solução ótima adequada aos requisitos am-
bientais, operacionais e logísticos brasileiros, diferente de Sistemas de
Armas importados concebidos de outros fabricantes para atender requi-
sitos dos seus próprios países.
StrategicEvaluation (2007) 1
116 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 117
Congresso Nacional; promover encontros de Estudos Estratégicos por ini-
ciativa do Ministério de Defesa; ampliar o debate na imprensa, institui-
ções científicas e educacionais; conscientizar e alertar a sociedade civil
desde o ensino fundamental sobre os riscos, perigos e ameaças; mobilizar
a opinião pública no sentido de não rejeitar as Forças Armadas, devido ao
passado, e para que a Defesa Nacional não seja vista com preconceito e
apenas como “coisa de militares”; buscar apoio político para que este
tema não tenha a percepção de que “não dá votos”; trabalhar no Con-
gresso Nacional com envolvimento do Ministério das Relações Exteriores
para costurar acordos partidários e diplomáticos; e, promover com clare-
za os conceitos, objetivos e recursos da Defesa Nacional.
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118 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
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Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 119
Indústrias Eletro-Eletrônica;
Indústrias de Defesa e Aeroespacial.
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120 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
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Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa | 121
Governo comprometido no sentido de aumentar os níveis de Pesquisa e
Desenvolvimento realizados no Brasil promovendo o desenvolvimentos e
aplicação de tecnologias que poderão definir o crescimento deste setor,
parcerias entre as empresas, universidades, indústrias, governo e outras
organizações, etc.
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122 | Grupo Bagatelle, Indústria Nacional de Defesa
CONCLUSÃO
*
Camilo Matias Saraiva, Cesar Tadeu Lopes Piovezanni, Eliandro Lopes de Sousa,
Gerson Carvalho Novaes, Hans Damgård Kristensen, Hulgo Leonardo Pias
Sarmento, José Sérgio Teixeira Pinto, Luiz Carlos Quadrante Júnior, Ricardo
de Souza Esper e Vasco de Jesus Rodrigues são funcionários de diversas
empresas brasileiras do setor de defesa. Sob a denominação ‘Grupo
Bagatelle’ elaboraram o presente trabalho no marco do Curso de Gestão
de Recursos de Defesa, oferecido em virtude de um convénio entre a
Federação das Indústrias de São Paulo e a Escola Superior de Guerra.
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Abstract: In this article, the economic globalization process is analyzed with the purposes
of investigating its effects on the aerospace, ammunition and firearms sectors of the Brazil-
ian Defense Industry and of proposing strategic actions to make use of this process for the
benefit of the country. As a result, a series strategic actions to support the Brazilian De-
fense Industry are proposed: to modify the managing models used by state-owned compa-
nies of the defense sector; to adopt new procedures to select repair and overhaul organiza-
tions of military equipment; to change the criteria for the use of offset clauses in contracts to
modernize or obtain equipment; and to alter government positioning regarding multinatio-
nal projects to develop military material.
Keywords: Globalization; defence industry.
INTRODUÇÃO
StrategicEvaluation (2007) 1
Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 125
balização da economia para a expansão desses setores. Considerou-se
também necessária uma restrição da abrangência do termo “globalização”,
tratada no apartado 2, de forma a incluir apenas seus aspectos econômicos.
Para a análise do tema, apresenta-se, no apartado 3, uma síntese da
situação da indústria de defesa no mundo, com a finalidade de identificar
o nível de globalização de suas atividades e as ações governamentais to-
madas para seu estímulo. A situação da indústria de defesa brasileira é
tratada no apartado 4, com ênfase no seu relacionamento com compa-
nhias estrangeiras e na importância das exportações, analisando-se, sem-
pre que disponíveis, os dados financeiros das empresas, para avaliar seu
grau de sucesso. O apartado 5 é dedicado à apresentação da legislação e
das atuais políticas do Governo aplicáveis ao setor. Esses três apartados
são, portanto, descritivos e se destinam à visualização do contexto no
qual se insere a Indústria de Defesa do Brasil.
O apartado 6 trata da visão acadêmica dos aspectos positivos e nega-
tivos da globalização. A comparação desses aspectos com a situação da
nossa indústria, abordada no apartado 4, permite cumprir o primeiro
propósito da monografia, que é o de identificar os efeitos da globalização
já percebidos na Indústria de Defesa Nacional. Tal comparação, realizada
no apartado 7, é complementada por uma avaliação, pouco promissora
por sinal, da provável evolução do setor industrial de defesa, caso não
sejam tomadas ações estratégicas no sentido de estimulá-lo.
A análise de possíveis medidas governamentais em benefício da in-
dústria de defesa e, conseqüentemente, do País, pelo vínculo existente
entre a solidez dessa indústria e a Defesa Nacional, é apresentada no
apartado 8. Assim, no que corresponde ao segundo propósito da mono-
grafia, são propostas ações estratégicas para atenuar os efeitos negativos
da globalização e intensificar os efeitos positivos, levando-se em conta as
ações já estabelecidas pelo Ministério da Defesa (MD), as medidas com
objetivo similar tomadas por outros países, citadas no apartado 3, bem
como a legislação e as diretrizes governamentais relacionadas ao setor de
defesa, apresentadas no apartado 5. No apartado 9, de conclusão, são
respondidas as três questões sobre o futuro da Indústria de Defesa
Nacional, formuladas no início desta introdução, tendo em vista as
análises efetuadas ao longo do texto.
DEFINIÇÃO DE GLOBALIZAÇÃO
Por mais difundida que seja a discussão sobre o assunto, não parece
haver uma definição única para o termo “globalização”. Analisando-se as
StrategicEvaluation (2007) 1
126 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional
definições citadas por Wolf e Pollack (2002), essas são, por vezes, dema-
siadamente genéricas como “intensificação de relações sociais em escala
mundial […], de forma que acontecimentos locais são influenciados por
eventos que ocorrem a milhares de milhas de distância” (Anthony Gid-
dens, 1990); estritamente relacionadas às transações comerciais e financei-
ras internacionais como “crescimento da interdependência econômica
entre países pelo aumento do volume de transações de produtos, serviços
e capital, assim como pela difusão mais rápida de tecnologia” (FMI, 2000);
ou mesmo exclusivamente aplicáveis ao setor de defesa como “globaliza-
ção não é uma opção política, mas um fato [...] a realidade emergente é
que as Forças Armadas de todas as nações estão compartilhando essen-
cialmente a mesma base industrial de equipamentos de defesa de escala
global” (Donald Hicks, 2000).
O propósito de tratar, nesta monografia, dos efeitos da globalização
na indústria sugere a adoção de definição relacionada à globalização da
economia, desconsiderando-se a aplicabilidade do termo “globalização”
também para referenciar temas como a difusão cultural e a interdepen-
dência entre mercados financeiros, entre outros. Neste sentido, considera-
se apropriada a abordagem adotada por Santarelli e Figini (2002), que
trata da globalização como uma fase do desenvolvimento de economias
de mercado, caracterizada pela eliminação de barreiras para o comércio
de produtos e serviços, menor participação do Estado na economia e
transferência de decisões dos Estados para entidades internacionais, como
a Organização Mundial do Comércio.
Tangredi (2002), ao tratar da definição do termo “globalização”, cita o
seguinte trecho de reportagem publicada em jornal americano: “Isto, com
o vasto aumento na rapidez de comunicações, multiplicou e reforçou os
elos entre os interesses das nações, que agora formam um sistema articu-
lado, não apenas prodigioso em termos de tamanho e atividade, mas
também de excessiva sensibilidade, inigualável em épocas passadas”. O
interessante desse trecho de reportagem é que foi publicado em 1902, e
seu autor foi Alfred Thayer Mahan, conhecido como um dos fundadores
da geopolítica e precursor do conceito de Poder Marítimo. Globalização,
portanto, não é um fenômeno recente.
Wolf e Pollack (2002) analisam a intensidade do processo de globali-
zação ao longo dos anos, adotando como parâmetro comparativo o per-
centual do total mundial de exportações em relação ao somatório dos
produtos internos brutos dos países, no período de 1870 a 1999. Os resul-
tados indicam que o processo apresenta variações periódicas de intensi-
dade e que, na década de 90, considerada por muitos como um período
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 127
de grande aceleração da globalização, ocorreu, de fato, uma redução
desse percentual de 17,3% em 1995 para 15% em 1999.
A nova e marcante característica do processo de globalização é a cha-
mada “divisão internacional do trabalho”, que se evidencia pela transferên-
cia de atividades fabris de países desenvolvidos para países em desenvolvi-
mento e pela participação das indústrias de diversos países na fabricação de
determinados produtos. Inicialmente típica da indústria automobilística, a
divisão internacional do trabalho se tornou praticamente obrigatória na in-
dústria aeroespacial e tende a tornar-se modelo para as demais.
Nesta monografia, serão analisados os aspectos da globalização da
economia citados por Santarelli e Figini (2002), complementados pelos
decorrentes da divisão internacional do trabalho, o que envolverá a análi-
se de tópicos, tais como a criação de grupos transnacionais a partir de
processos de aquisição e fusão de empresas, a importância das exporta-
ções para a indústria de defesa, os programas internacionais para a obten-
ção de material de emprego militar, a participação de grupos estrangeiros
em companhias brasileiras de capital aberto, a privatização de empresas e
a interferência de entidades internacionais em decisões, até recentemente,
de competência exclusiva dos Estados.
Indústria Aeroespacial
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128 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 129
no setor de armas de emprego terrestre nos EUA, Reino Unido, África do
Sul e Suécia, com capacidade de fabricação de carros de combate, canhões
e munição. No segmento de construção naval, a BAe Systems participa de
importantes programas para o Governo britânico, como o desenvolvi-
mento dos submarinos nucleares da Classe Astute, o projeto das Fragatas
tipo 45 e o programa CVF para construção de dois navios-aeródromos
(BAE Systens). O Grupo Thales, por sua vez, possui capacidade de inte-
gração de sistemas em projetos de navios de guerra e participa dos estu-
dos relativos aos programas CVF e PA2, este referente à construção do
segundo navio-aeródromo da Marinha Francesa (Thales).
No caso da Federação Russa, há intenção de consolidar as indústrias de
aviação, criando a Unified Aircraft Corporation (OAK), com a fusão das
companhias estatais Sukhoi, MiG, Tupolev e Ilyushin e da empresa privada
Irkut. A meta é colocar a OAK entre as cinco maiores indústrias de aviação
do mundo, com faturamento anual de US$ 7 bilhões, 60% no setor de
defesa, e assegurar a competitividade da indústria aeronáutica russa, frente
aos grandes grupos americanos e europeus. O novo grupo empresarial
russo teria estrutura administrativa semelhante à da EADS e poderia ter seu
capital aberto a investidores estrangeiros. A criação da OAK, originalmente
prevista para dezembro de 2003, foi adiada para dezembro de 2006, por
dificuldade de consenso entre os setores envolvidos (Pronina, 2005).
Na Índia, a Hindustan Aeronautics Limited (HAL) é uma empresa
estatal que fabrica aeronaves sob licença da MiG e BAe Systems, bem
como motores de emprego aeronáutico sob licença da Rolls-Royce (Reino
Unido), Honeywell (EUA) e Turbomeca (França). Em conjunto com a en-
tidade de pesquisa estatal Defence Research and Development Organisa-
tion (DRDO), a companhia já desenvolveu um helicóptero leve, o Advan-
ced Light Helicopter (DHRUV), e está concluindo o desenvolvimento de
um avião de multiemprego, o Light Combat Aircraft (LCA), um projeto
iniciado na década de 80, que tornará a Índia um dos poucos países capa-
zes de construir aeronaves supersônicas. Há também estudos para o de-
senvolvimento de uma aeronave de combate de médio porte, cujo projeto
e construção de dois protótipos foram orçados em US$ 1,5 bilhão. A glo-
balização de suas atividades se caracteriza pelo uso de equipamentos im-
portados em seus projetos, embora haja um esforço para substituí-los,
como no caso da aeronave LCA, que deverá utilizar o motor Kaveri de-
senvolvido na Índia. A HAL também fornece itens de fuselagem para a
Boeing, Airbus, Stork Aerospace e BAe Systems (Raghuvanshi, 2004;
Hindustan Aeronautics Ltd.; Aeronautical Development Agency).
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 131
empresas do setor aeroespacial. Essa divisão de tarefas é observada de
forma intensa também em programas de desenvolvimento de novas ae-
ronaves, permitindo a divisão de investimentos e riscos entre as indús-
trias participantes. Esses programas são lançados com o compromisso de
diversos países na aquisição da aeronave, o que, por si só, reduz o risco
do projeto e assegura uma escala mínima de produção. Os países que ad-
quirem os primeiros lotes de aeronaves são, normalmente, aqueles que
são sede das indústrias que participam do programa e que, assim, pro-
movem não só a renovação de seus meios de defesa, como garantem en-
comendas para sua indústria e o desenvolvimento de sua tecnologia.
O programa JSF, citado na introdução desta monografia, é um exem-
plo desse novo tipo de gerenciamento de projetos. Esse programa para
desenvolvimento de uma nova aeronave de emprego tático, gerenciado
pelo grupo norte-americano Lockheed Martin, envolve nove países, divi-
didos em três níveis de participação, em função dos investimentos reali-
zados na fase de projeto e desenvolvimento. Os participantes do 1º nível
são os EUA e o Reino Unido, e os do 2º nível são a Holanda e Itália, que
investirão US$ 19 bilhões, US$ 2 bilhões, US$ 800 milhões e US$ 1 bilhão,
respectivamente. Os demais países pertencem ao 3º nível, com investi-
mentos entre US$ 200 e 400 milhões, com menor participação nas decisões
referentes ao programa, porém com o direito de suas indústrias disputa-
rem as concorrências para prover serviços e materiais (Lockheed Martin,
s/d; Clark, 2002 Opall-Rome, 2002).
O desenvolvimento de um avião de superioridade aérea e combate ao
solo, o Eurofighter Typhoon, é outro exemplo de programa internacional,
com a participação da Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido. O pro-
jeto, que prevê a fabricação de 620 aeronaves, é gerenciado por um órgão
da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a NATO Eurofighter and
Tornado Management Agency, por meio de dois consórcios especial-
mente criados para o programa: Eurofighter GmbH, com participação da
Alenia Aeronautica, BAe Systems e EADS; e o EUROJET Turbo GmbH,
envolvendo a MTU Aero Engines (Alemanha), Rolls-Royce (Reino
Unido), Avio (Itália) e Industria de Turbo Propulsores (Espanha). A di-
visão de tarefas entre as empresas é determinada pelo número de aerona-
ves a ser obtido pelo país (Eurofighter Typhoon).
Uma outra estratégia comum no setor aeroespacial, mesmo antes da
formação dos grandes grupos transnacionais, é a dedicação também ao
setor de aviação civil, para compensar eventuais reduções de encomendas
militares. Smith (2000) apresenta gráfico com a proporção de faturamento
entre os mercados civil e militar das principais empresas do setor aeroes-
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 133
analisando-se a conveniência da consolidação ou privatização dessas
instalações ou mesmo da criação de uma companhia governamental para
privatizar algumas atividades, porém mantendo-se o controle estatal so-
bre o seu patrimônio. A reorganização, caso ocorra, poderá seguir o
exemplo do Canadá, que, de 1965 a 1986, privatizou toda a sua indústria
de armamento leve e de munição, concentrando a maior parte das instala-
ções na Canadian Arsenals Limited, posteriormente adquirida pela SNC
Technologies (Hix; Held; Pint, 2004).
O redimensionamento das fábricas de munição americanas é trata-
do por Matthews e Scully (2004), em reportagem sobre a atual necessi-
dade dos EUA de importar munição de calibre 5,56 mm da Israel Mili-
tary Industries (IMI), tendo em vista que a única fábrica de proprieda-
de do governo que produz esse tipo de munição, a Lake City Army
Ammunition Plant, sob gestão privada da Alliant Techsystems (ATK),
não está conseguindo atender à demanda das Forças Armadas dos
EUA. É interessante observar que uma das medidas em análise para
evitar a repetição desse tipo de dificuldade é a contratação de empresas
privadas para fornecimento de munição, fabricando-a ou obtendo-a de
outras indústrias, eliminando a necessidade de gerenciamento do pro-
cesso de compra por órgãos governamentais.
No setor de armas leves, o Herstal Group é um exemplo de grupo
multinacional, formado pela empresa Herstal e duas grandes subsidiá-
rias, a FN Herstal, que produz armamentos para emprego militar e poli-
cial, e a Browning - U.S. Repeating Arms Company, especializada em ar-
mamento de caça. O grupo, com instalações industriais na Bélgica e EUA,
é o fabricante original dos fuzis 7,62 mm FAL, produzidos sob licença em
diversos países, e atualmente fornece metralhadoras, fuzis, pistolas e mu-
nição de pequeno calibre. Uma empresa do grupo, a FN Manufacturing
USA, fabrica os conhecidos fuzis M16 em uso pelas Forças Armadas dos
EUA (The Herstal Group; FN Manufacturing). Outro exemplo é a Heckler
& Koch GmbH (HK), que possui instalações industriais nos EUA, além de
sua fábrica na Alemanha, exportando produtos para cerca de 100 países
(Heckler & Koch; HK Defense).
As demais indústrias de grande porte de armas leves e munição pos-
suem, normalmente, instalações industriais apenas em suas nações de ori-
gem, o que não significa um isolamento desse setor de defesa do processo
de globalização da economia, pois a exportação é vital para essas empresas.
A companhia Colt Defense Weapon Systems exporta fuzis de emprego mi-
litar para 94 países, a Colt´s Manufacturing Company exporta pistolas e re-
vólveres para 12, e a SNC Technologies exporta munição de diversos cali-
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134 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 135
Na Colômbia, a Industria Militar (INDUMIL) controla três unidades: a
Fábrica General José María Córdoba, de armas portáteis; a Fábrica Anto-
nio Ricaurte, de explosivos; e a Fábrica Santa Bárbara, de munição. No
Equador, a Dirección de Industrias del Ejército (DINE) coordena as ativi-
dades da Explocen, que produz explosivos, e da Fábrica de Munición
Santa Bárbara, que fornece munição de pequeno calibre, pistolas e me-
tralhadoras. No México, a Dirección General de Fábricas de la Defensa
Nacional controla diversas empresas que produzem munição de pequeno
calibre, fuzis, metralhadoras e pistolas sob licença da HK. No Peru, a Fá-
brica de Armas y Municiones del Ejército (FAME) e o Centro de Fabrica-
ción de Armas (CEFAR) fabricam munição de armas leves, além de fuzis,
pistolas e revólveres sob licença das empresas Colt e FN Herstal. Na Ve-
nezuela, a Compañía Anónima Venezolana de Industrias Militares
(CAVIM) fornece fuzis, pistolas e revólveres, bem como munição para
armas portáteis e explosivos. Nenhuma dessas empresas é de natureza
privada (RENAR; Industria Militar).
Verifica-se, portanto, que a indústria de fabricação de munição e ar-
mas leves apresenta um envolvimento significativo no processo de globa-
lização da economia, embora menor que o observado na indústria ae-
roespacial. Dentre os aspectos citados, os considerados de maior relevân-
cia para a avaliação da situação da Indústria de Defesa Nacional são:
Empresas consideradas
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136 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional
Indústria Aeroespacial
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 137
ção de aviões que tivessem modelos similares fabricados no Brasil, foi
realizado um acordo com a empresa Piper, que estabelecia o fornecimento
de kits para a fabricação dos aviões Navajo, Seneca, Sertanejo e Minuano.
A partir de 1980, a Embraer se tornou também fornecedora exclusiva de
itens estruturais e peças usinadas para aeronaves Boeing 777, 747, 767 e
MD-11. Esses acordos internacionais, que acelerariam a assimilação de
técnicas de fabricação em série pela empresa, foram seguidos por um
grande sucesso na exportação de seus produtos. Desta forma, em 1982, o
Bandeirante passou a responder por um terço do mercado de aeronaves
regionais de 10 a 20 lugares, e foram efetuadas vendas do Tucano para o
Reino Unido, França e Egito.
A terceira fase corresponde a um período de crise, similar ao que oco-
rreu em diversas indústrias brasileiras nas décadas de 80 e 90, que foi
agravado pelo insucesso do programa com a empresa argentina FMA,
atualmente LMAASA, para o desenvolvimento da aeronave CBA-123.
Apesar da crise, a Embraer lançou, em 1985, o EMB-120 Brasília, com base
nos projetos do Bandeirante e Xingu, que, com a venda de 356 unidades
para mais de 14 países, melhorou sua situação financeira.
A quarta fase, de recuperação, se relaciona a sua privatização, em
1994, porém está mais diretamente associada à decisão, em 1989, de des-
envolver o projeto dos jatos de transporte regional da família ERJ-145,
que se tornou um grande sucesso comercial, com a venda de mais de 900
unidades. Atualmente, a empresa se dedica ao programa da família de
jatos ERJ-170/190 de 70 a 110 lugares, um investimento de US$ 850 mi-
lhões, com cerca de um terço feito por companhias estrangeiras. Estas
serão responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas específicos da ae-
ronave, em uma forma de parceria destinada à redução de riscos, análoga
à realizada com os jatos da família ERJ-145.
As principais aeronaves militares projetadas no período foram o Su-
per Tucano, de treinamento e ataque ao solo, fornecido para a Força Aé-
rea Brasileira (FAB) e Colômbia ; o EMB-145 AEW&C, de alarme aéreo
antecipado, fornecido para a FAB (Projeto SIVAM) e Grécia; o EMB-145
RS/AGS, de sensoriamento remoto, fornecido para a FAB (Projeto
SIVAM); e o P-99, de patrulha marítima. Recentemente, a Embraer, em
consórcio com a Lockheed Martin, foi vencedora de uma licitação para o
fornecimento de 57 aeronaves para o programa Aerial Common Sensor
(ACS) do Exército norte-americano, que utilizaria o avião ERJ-145 como
plataforma de sensores. A seleção da aeronave para o programa, embora
atualmente em revisão - tendo em vista que, com o aumento dos requisi-
tos, o ERJ-145 se tornou subdimensionado (49) - é relevante pelo fato de não
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138 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional
ser usual a aquisição pelas Forças Armadas dos EUA de aeronaves não
desenvolvidas naquele país ou por seus tradicionais parceiros em
programas militares, o que comprova a qualidade do produto da Embraer.
Com foco no cliente e novas técnicas gerenciais, a Embraer volta a ter
resultados financeiros positivos em 1998, após 11 anos acumulando pre-
juízos. No 3º trimestre de 2005, possuía um patrimônio líquido de R$ 4,6
bilhões e apresentou um lucro líquido de R$ 89 milhões (Embraer, 2005).
Atualmente, sua participação no processo de globalização é evidenciada
pelos seguintes aspectos:
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 139
citação de Franko-Jones. A empresa tem capacidade de montar sete tipos
de aeronaves, representa 52% do mercado de helicópteros com turbina no
Brasil, já produziu mais de 400 aeronaves, exportando cerca de 10% para
diversos países da América do Sul, e apresenta um faturamento anual em
torno de US$ 40 milhões. Além da montagem de helicópteros, a Helibras
presta serviços de manutenção em componentes das aeronaves que co-
mercializa, bem como de treinamento e apoio técnico (idem). A Eurocop-
ter, que controla atualmente 77% do capital da Helibras, pertence ao
grupo EADS (Ministério da Fazenda, 2004).
A Aeroeletrônica foi criada em 1983, então como parte do grupo bra-
sileiro Aeromot. Inicialmente, projetou e fabricou equipamentos de aviô-
nica utilizados no Tucano e, posteriormente, passou a fabricar itens para o
programa AMX, uma parte com projeto próprio, outra sob licença de em-
presas estrangeiras. Em artigo de Freeman (Freeman, 2002), a Aeroeletrô-
nica é citada de forma elogiosa como a única empresa, além da Embraer,
que projeta e fabrica material aeronáutico empregado na aviação fora do
país, fazendo referência, possivelmente, aos seus produtos instalados nos
Tucanos exportados pela Embraer e nos AMX produzidos na Itália.
Em 2001, a israelense Elbit Systems Ltd adquiriu o controle acionário
da Aeroeletrônica, como compensação comercial prevista no contrato
firmado com a FAB para modernização da aeronave F-5, que exigia a rea-
lização de serviços no Brasil. Com os investimentos realizados pela Elbit,
a empresa aumentou sua capacidade de fabricação de equipamentos mo-
dernos de aviônica (Embreaer, 2003; Aeroeletrônica Indústria de Compo-
nentes Aviônicos, s/d).
Atualmente, a Aeroeletrônica fornece equipamentos com elevado grau
de tecnologia para o Super Tucano e para o F-5 modernizado, denominado
F-5BR, incluindo o computador principal, o painel de instrumentos multi-
funcional colorido, o gravador de vídeo digital e a caixa de armamento
(idem). No recente programa de US$ 400 milhões da FAB para moderniza-
ção de 53 aeronaves AMX, está prevista a fabricação pela Aeroeletrônica de
90% dos itens de aviônica a serem utilizados (Embraer, 2003).
A Aeroeletrônica atua também no setor espacial, fabricando compo-
nentes para os satélites dos programas MECB (Missão Espacial Completa
Brasileira) e CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e no setor civil, forne-
cendo sistemas de monitoramento de frotas de veículos automotores e
sistemas de controle de processos agrícolas e de extração de madeira (Ae-
roeletrônica Indústria de Componentes Aviônicos, s/d).
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passando a atuar também no setor de transportes, por meio de sua subsi-
diária Tectran. Na área militar, além do sistema ASTROS II e sua versão
para veículos blindados leves, o ASTROS Hawk, fabrica o foguete ar-su-
perfície Skyfire-70, utilizado em aviões e helicópteros, o míssil antitanque
FOG-MPM, o sistema antiaéreo FILA e os veículos blindados AV-VBL e
AV-VB4-RE (Avibrás, s/d).
O Programa F-X da FAB foi considerado uma oportunidade para a
empresa retornar à área aeroespacial, pela associação com a Sukhoi (Avi-
brás, 2002). Com a interrupção do programa, a globalização das ativida-
des da Avibras passou a ser representada apenas pela exportação de ma-
terial, que inclui um contrato de US$ 500 milhões com a Malásia para o
fornecimento do sistema ASTROS II (Freeman, 2002).
A ELEB foi criada em 1999 como uma joint venture entre a Embraer e o
grupo suíço Liebherr, utilizando as instalações e o pessoal técnico da
então Embraer - Divisão Equipamentos, criada em 1984 (Embraer Lieb-
herr). Destaca-se pela capacidade de projetar e fabricar trens de pouso,
sendo responsável pelos sistemas atualmente instalados nas aeronaves
Super Tucano, Sikorsky S-92 (helicóptero de médio porte), ERJ-145 (trem
de pouso principal) e ERJ-170 (trem de pouso auxiliar).
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Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional | 143
vendas naquele país, inicialmente como distribuidora de armas fabricadas
no Brasil e, posteriormente, fabricando dois modelos lá comercializados,
contando com um departamento de projeto próprio. Há também acordos
comerciais com a FAMAE, fábrica estatal de armamentos chilena, para
produção de submetralhadoras e carabinas com peças chilenas e brasileiras.
A Taurus adota uma política de diversificação de atividades. Além da
fábrica de armas leves, que produz 23 modelos de revólveres de uso civil
e três modelos de pistolas, a empresa fabrica capacetes na Taurus Capa-
cetes, coletes à prova de balas e escudos antitumulto na Taurus Blinda-
gens e embalagens para movimentação e armazenagem de produtos in-
dustriais na Taurusplast. Recentemente, a Taurus comprou a Wotan, fa-
bricante de máquinas operatrizes para indústria, criando a TaurusWotan.
A diversificação de suas atividades é evidenciada pela diminuição da
proporção das vendas de armamento em relação ao seu faturamento total,
que, a partir do ano 2000, se manteve em torno de 50%, com uma produ-
ção anual de aproximadamente de 250 mil armas leves.
A empresa exportou, em 2004, US$ 34,6 milhões, equivalentes a 69,6%
da sua receita líquida e, segundo os dados disponíveis na CVM (Forjas
Taurus, 2002), apresentou um lucro líquido de R$ 23 milhões. Sua subsi-
diária TIMI obteve um lucro líquido de US$ 1,1 milhão em 2005. Com
bons resultados financeiros, exportação de produtos para 80 países, uma
fábrica nos EUA, acordos comerciais com a indústria chilena e cerca de
3.000 máquinas operatrizes da TaurusWotan instaladas em 40 países, a
Taurus soube envolver-se no processo de globalização econômica, apro-
veitando especialmente o mercado norte-americano, que gasta anual-
mente cerca de US$ 605 milhões na aquisição de pistolas e revólveres
(Smith&Wesson, 2005).
A Fábrica de Itajubá do EB, fundada na década de 30, iniciou suas ati-
vidades com a fabricação de rifles sob licença da Deutche Waffen und
Munitionsfabrik (DWM). Em 1960, começou a produzir pistolas Colt .45
para as Forças Armadas e, em 1964, foi feito um acordo com a FN Herstal
para a produção de fuzis 7,62 mm FAL. A IMBEL foi criada em 1975, con-
centrando todas as fábricas de armamento e munição do EB que não pu-
deram ser extintas ou privatizadas, seguindo a orientação do Decreto-Lei nº
200 de 25/02/1967, que estabelecia que “as empresas públicas [...] que
acusem a ocorrência de prejuízos, estejam inativas, desenvolvam atividades
já atendidas satisfatoriamente pela iniciativa privada ou não previstas no
objeto social, poderão ser dissolvidas ou incorporadas a outras entidades”.
Verifica-se que a manutenção de companhias públicas em setores supridos
pela iniciativa privada não era estimulada pelo Governo já na década de 70.
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LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS
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priedade de risco que indique a necessidade de que o uso seja restrito a
pessoas físicas e jurídicas legalmente habilitadas [...] de modo a garantir a
segurança da sociedade e do país”. Esses produtos são listados no Anexo I
do Decreto, que compreende itens como produtos químicos de possível
emprego militar, explosivos, munição, propelentes, armas de fogo, gra-
nadas, material de proteção pessoal, foguetes, mísseis e veículos blindados.
Para exportação, são exigidos registro e licença prévia emitidos pelo
EB. Para importação, são exigidos documentos similares, porém o artigo
nº 190 contraria diretamente o princípio característico da globalização de
eliminação de barreiras comerciais, ao estabelecer que “o produto con-
trolado que estiver sendo fabricado no país, por indústria considerada de
valor estratégico pelo Exército, terá sua importação negada ou restringi-
da, podendo, entretanto, autorização especial ser concedida, após ser jul-
gada a sua conveniência”. A imposição de barreiras comerciais é também
objeto do artigo nº 195, que determina que “a importação de produtos
controlados para venda no comércio registrado só será autorizada se o
país fabricante permitir a venda de produtos brasileiros similares em seu
mercado interno”.
A Lei nº 9.112/1995 destinou-se a atualizar a legislação brasileira no
que se refere ao controle da proliferação das chamadas “armas de des-
truição em massa” (nucleares, químicas ou biológicas), tendo levado à
criação da Comissão Interministerial de Controle de Exportação de Bens
Sensíveis, a quem compete manter atualizada uma lista de material suje-
ito à autorização formal do Governo antes de ser exportado. A última
versão dessa lista, divulgada pela Portaria Interministerial MCT/MD nº
631 de 13 de novembro de 2001, é um pouco mais abrangente que a lista
do Decreto nº 3.665/2000, incluindo navios militares, torpedos e minas.
A legislação aplicável à exportação de material de emprego militar foi
comentada pelo então Ministro de Estado das Relações Exteriores, Luis
Felipe Lampreia, em Exposição de Motivos à Câmara dos Deputados, ao
detalhar as diretrizes gerais para a Política Nacional de Exportação de
Material de Emprego Militar (PNEMEM), estabelecidas pelo Presidente
da República, em 12 de dezembro de 1974. Segundo o Ministro Lampreia,
o controle do material exportado tem o propósito de garantir o cumpri-
mento de embargos de vendas a determinados países, estabelecidos por
organismos internacionais ou pelo Governo brasileiro. Indiretamente, a
inclusão do Brasil no grupo de países com políticas em relação à prolife-
ração de armas de destruição em massa facilitaria o acesso à tecnologia de
ponta, como, por exemplo, a de utilização em mísseis.
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permitia que compras efetuadas em fornecedores estrangeiros fossem
compensadas por estímulos em setores definidos pelo país importador.
Há diversas formas de offset, a saber: produção sob licença, na qual se
exige que o produto importado seja fabricado no país; co-produção, na
qual a produção é feita apenas em parte no país; produção sob subcon-
trato, que não envolve o fornecimento de licença de fabricação para a in-
dústria do país importador; aplicação de recursos em empresa do país,
por joint venture ou investimentos diretos; transferência de tecnologia, por
meio de apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento, assistência
técnica e treinamento; ou simplesmente por mecanismos de contrapartida
comercial, que obrigam o país exportador a comprar produtos ou serviços
de valor equivalente ao do material importado ou aceitá-los como parte
do pagamento (Marinha do Brasil, 2002).
As imposições de cláusulas de offset se tornaram comuns em acordos
comerciais entre países, sobretudo quando se trata de material bélico.
Modesti (2004) cita um relatório do Departamento de Comércio dos EUA
ao Congresso, referente ao período de 1993 a 1999, no qual é mencionado
que essas cláusulas corresponderam a 55% do valor de contratos de ex-
portação de sistemas de armas, sendo comum em acordos com países eu-
ropeus a exigência de pelo menos 100% em compensações comerciais.
Esse relatório cita a aceitação de offset como essencial para a manutenção
da competitividade da indústria de defesa norte-americana, diante da
globalização da economia. Modesti também menciona que a exigência de
offset passou a fazer parte das políticas nacionais de defesa, como forma
de obtenção de tecnologia em setores considerados estratégicos.
Modesti (2004) descreve diversos exemplos de acordos de offset já rea-
lizados pelo Brasil. Na década de 50, a aquisição das aeronaves Gloster
Meteor TF-7 e F-8 pela FAB foi condicionada à exportação para a Inglate-
rra de valor equivalente em algodão. Em 1974, por ocasião da obtenção
do F-5E pela FAB, foi exigida a transferência de tecnologia para a fabrica-
ção de itens da sua fuselagem na Embraer, que permitiu a assimilação de
tecnologia de materiais compostos e de novas técnicas de tratamentos
térmicos e usinagem, utilizadas nos projetos do Xingu e do Brasília. Por
ocasião da obtenção do Centro Integrado de Defesa e Controle do Tráfego
Aéreo (Cindacta I), foi negociada como offset a venda para a Força Aérea
Francesa de 41 aviões Xingu. A implantação da Aviação do Exército Bra-
sileiro, a partir de 1988, exigiu 100% de offset nos contratos de obtenção
dos helicópteros. A aquisição dos aviões MD-11 pela Varig, em 1992, ge-
rou como compensação comercial a fabricação de flapes pela Embraer e o
financiamento das aeronaves Brasília para o mercado dos EUA.
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cos, por parte de trabalhadores que temem perder seus empregos pela
mudança da sede das fábricas para países com mão-de-obra mais barata,
e em países em desenvolvimento, neste caso por operários que temem
que as indústrias nas quais trabalham não possam competir com grupos
multinacionais de grande capital e tecnologia de outros países. Não to-
mam parte nessas manifestações os possíveis beneficiários da globaliza-
ção em países em desenvolvimento: os que trabalham em condições pio-
res que as oferecidas pelas empresas multinacionais e os desempregados,
que talvez se manifestassem de forma favorável, se pudessem avaliar as
possibilidades advindas do processo de abertura de suas economias.
No meio acadêmico, o assunto também está longe de ser considerado
consensual, apesar dos estudos serem pautados em modelos matemáticos
e em análises estatísticas sobre índices de pobreza e desigualdade, divul-
gados por entidades internacionais. Há, no entanto, uma tendência a con-
siderar benéficos os efeitos da globalização. Krugman e Venables (1995),
pesquisadores da Stanford University e da London School of Economics,
concluem que a globalização tende a favorecer inicialmente os países de-
senvolvidos, mas, posteriormente, com o aumento da integração das eco-
nomias, haveria uma efetiva transferência de renda desses países para os
em desenvolvimento. Santarelli e Figini (2002), em artigo publicado pelo
World Institute for Development Economics Research, afirmam que a
abertura comercial e a redução do tamanho do Estado parecem estar as-
sociadas a menores níveis de pobreza, mas sugerem que a definição de
políticas para desenvolvimento relacionadas à globalização deve conside-
rar principalmente aspectos como posição geográfica e potencial de ex-
portação. Lindert e Williamson (2001), pesquisadores da University of
California e da Harvard University, após uma análise histórica do proces-
so de globalização desde o Século XIX e a tentativa de correlação desse
processo com os índices de desigualdade entre nações, concluem que o
grande aumento da desigualdade nos últimos 20 anos não deve ser atri-
buído ao processo de globalização, e que as nações que mais se beneficia-
ram desse processo foram efetivamente nações pobres que mudaram suas
políticas para explorá-lo.
A divergência sobre os efeitos da globalização no meio acadêmico é
tratada por Aisbett (2005), pesquisadora da University of California, que
atribui a pluralidade de opiniões às diferentes metodologias para inter-
pretação dos índices de pobreza e distribuição de renda, assim como a
própria definição dos termos “pobreza” e “desigualdade entre nações”.
Apesar da conclusão ser pouco esclarecedora, em seu artigo, publicado pelo
National Bureau of Economic Research, Aisbett cita os principais tópicos de
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“não há como negar que a indústria de defesa é considerada, em qualquer
nação moderna, um setor altamente estratégico e diretamente relacionado
com a soberania do Estado e com a autodeterminação de um povo”, e
Silva (2004) cita que “sem uma capacidade produtiva nacional, num sis-
tema dependente de materiais importados, nossas Forças Armadas têm
suas estratégias moldadas e limitadas àquilo que puder ser adquirido de
fontes produtivas internacionais”.
A importância atribuída à existência de instalações industriais no país
capazes de produzir, de forma autônoma, todos os meios necessários a
sua defesa é verificada praticamente em todos os países desenvolvidos.
Esse vínculo com a soberania tem, de fato, limitado, por influência dos
governos, o processo de fusão e aquisição de empresas àquelas perten-
centes ao mesmo país ou, ao menos, a países tradicionalmente aliados.
Como apresentado no apartado 3, os grandes grupos industriais do setor
de defesa se mantêm com suas sedes e instalações nos EUA e Europa, es-
tabelecendo o conceito de Fortress America e Fortress Europe, citado por di-
versos autores, como Adams (2001) e Cornu (2001). A empresa OAK, em
criação na Federação Russa, deverá seguir padrão similar, mesmo que
abra seu capital para empresas aeroespaciais estrangeiras.
A autonomia de suas indústrias de defesa também tem sido buscada
por outros países em desenvolvimento, além do Brasil. No apartado 3,
são citados exemplos bem sucedidos na Índia e na África do Sul e o esfor-
ço para atingir ao menos algum grau de autonomia no setor de defesa em
outros países da América do Sul.
De forma resumida, pode-se dizer que a globalização tende a ser be-
néfica para os países em desenvolvimento. Seus aspectos negativos, como
a transferência de decisões para entidades internacionais e os custos so-
ciais decorrentes da abertura comercial e da privatização de empresas,
citados por Aisbett (2005), bem como suas particularidades, no caso da
globalização da indústria de defesa, que podem afetar a política externa e
a soberania de nações, voltarão a ser abordados nos apartados seguintes.
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A opção pelo mercado civil feita pela Celma merece comentário adi-
cional, apesar de estar mais relacionada com a privatização da empresa
do que com a globalização da economia. Embora seja razoável supor-se
que uma indústria tenha interesse estratégico em manter-se nos mercados
civil e militar, para assegurar sua lucratividade mesmo em caso de redu-
ção de encomendas em um deles, existe a possibilidade de a empresa ab-
dicar do mercado militar, se esse for considerado de rentabilidade muito
baixa, como aparentemente aconteceu com a Celma. No caso da Embraer,
por ocasião da privatização, houve a preocupação de instituir-se a golden
share, que dava ao governo poder de veto, mesmo sem deter a maioria
das ações com direito a voto, em casos de mudança da área de atuação da
empresa, alteração de controle acionário ou participação em programas
de defesa considerados contrários aos interesses do País. O poder de veto,
no entanto, não foi utilizado para impedir o ingresso dos grupos france-
ses na participação acionária da empresa, ao qual se opôs a FAB, por te-
mer que determinasse a aquisição de produtos necessariamente na
França, em eventuais processos de obtenção de aeronaves, que envolves-
sem a Embraer (Goldstein, 2001).
Outro exemplo de efeito negativo da globalização, já percebido por
nossa indústria de defesa, foi a dificuldade de exportação de aeronaves
AMX para a Venezuela (Folha de São Paulo, 2006), por interferência do Go-
verno norte-americano, em virtude da existência, nesses aviões da Em-
braer, de diversos componentes fabricados nos EUA. Essa dificuldade
ilustra a utilização da exportação de equipamentos de emprego militar
como instrumento de política externa e, de certa forma, a relação entre
uma indústria de defesa autônoma e a soberania do Estado, dois aspectos
que foram comentados no apartado 6.
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autônoma, a relevância dessas empresas para a Segurança Nacional é li-
mitada pelo fato de fabricarem produtos de pouco valor estratégico, como
armas de emprego civil e munição para armamento de pequeno calibre.
A fabricação de munição para armamento pesado e de armas portáteis
de emprego militar está a cargo da IMBEL e da FAJCMC. Essas indústrias
apresentam resultados historicamente deficitários e, mesmo com a injeção
de recursos, por meio de programas específicos, é improvável que se tor-
nem rentáveis, pois a proibição de competirem com o setor privado, esta-
belecida na PNID, inviabiliza a diversificação de seus produtos. Assim,
impossibilitadas de obterem baixos custos de produção, por fabricarem
lotes relativamente pequenos para atendimento às Forças Armadas bra-
sileiras, e sujeitas às restrições para administração financeira e compra de
insumos similares aos do serviço público em geral, essas companhias pa-
recem fadadas a uma baixa competitividade em um mercado globalizado.
Além desses aspectos, a falta de encomendas militares poderá deter-
minar o afastamento das indústrias do setor de defesa em relação a esse
mercado. O envolvimento da Avibras com a fabricação de antenas e com
firmas de transporte, a progressiva redução da proporção do faturamento
com a venda de armas da Taurus em relação a suas outras atividades e a
interrupção dos serviços de reparo em motores militares pela Celma são
sinais de que uma indústria de defesa com base privada não permanecerá
aguardando por oportunidades na área militar por prazo indeterminado.
Resumidamente, a visão prospectiva da Indústria de Defesa Nacional,
sem a participação governamental, indica que não deverá haver desen-
volvimento significativo no setor aeroespacial, e que a própria sobrevi-
vência das indústrias de alta tecnologia não está assegurada. Essa visão
também indica que a IMBEL e a FAJCMC deverão manter-se deficitárias.
A análise de possíveis ações estratégicas para apoiar o desenvolvimento
da BID será objeto do próximo apartado.
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AD1 - A participação acionária de grupos estrangeiros em companhias de ca-
pital aberto da BID pode eventualmente determinar a saída da empresa da área
militar (seção 7.1 - caso da Celma);
AD2 - A criação de grandes grupos transnacionais poderá eliminar a capacida-
de da indústria aeroespacial brasileira para desenvolver produtos competitivos
(seção 7.2 - perspectivas para Embraer);
AD3 - As indústrias de defesa tornaram-se muito dependentes de exportações
para garantir sua lucratividade (seções 4.2 e 4.3 - situação da Embraer, Heli-
bras, Avibras, CBC e Taurus);
AD4 - A BID depende da importação de material para a fabricação de seus
produtos, o que limita as ações de política externa do Brasil e compromete sua
soberania (seção 7.1 - venda de aeronaves para a Venezuela);
AD5 - A redução de barreiras comerciais e a privatização de empresas podem
provocar o fechamento de indústrias no país (capítulo 6 - desvantagens da glo-
balização segundo Aisbett).
Para a análise das possíveis ações estratégicas, serão consideradas as seguintes
diretrizes estabelecidas pelo Governo:
D1 - Deverão ser estimuladas a integração regional da indústria de defesa e a
realização de parcerias estratégicas com outros países (Orientação Estratégica
da PDN);
D2 - Deverá ser buscado o aumento de competitividade da BID para a expan-
são das exportações (Objetivo da PNID);
D3 - As ações do Governo não devem ser excessivamente protecionistas, res-
tringindo-se ao estímulo da capacidade de empreendimento da BID, que deve
buscar seu próprio desenvolvimento, com os riscos associados (Orientação
para implementação da PNID);
D4 - As empresas públicas não devem concorrer com as do setor privado da
BID (Orientação para implementação da PNID).
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Mesmo que colocasse elevadas margens de lucro em seus produtos, a
possibilidade de aquisição de material no mercado internacional estabele-
ceria um teto para essa margem. Deve-se considerar, também, que a ma-
nutenção dessas instalações industriais sob controle estatal já onera o va-
lor do material obtido pelas Forças Armadas, quando as encomendas são
de pequena monta.
Embora a IMBEL e a FAJCMC sejam deficitárias, há alguns aspectos que
podem torná-las atrativas à iniciativa privada, tais como o fato de não serem
necessários investimentos imediatos em equipamentos, que se encontram
em condições de uso; a ausência de dívidas, tendo em vista que seu custeio
sempre foi de responsabilidade das Forças Armadas; a existência de um
setor na IMBEL, o de fabricação de armas leves, bem estruturado e com
mercado já assegurado no exterior; e, sobretudo, o fato de a rentabilidade,
em princípio, poder ser obtida com a intensificação de buscas de mercados
no exterior, a exemplo do efetuado pela SNC Technologies, explorando o
mercado sul-americano, pois, como visto no item 3.2, há poucas indústrias
capazes de fabricar munição para armamento pesado na região.
Uma ação do tipo golden share, como previsto no caso da Embraer, po-
deria dar uma maior garantia às Forças Armadas de que a linha de pro-
dutos das empresas, após a privatização, não seria alterada. Em princípio,
não haveria motivos para restringir a participação de grupos estrangeiros
no capital das empresas privatizadas, pois isso já ocorre no caso de diver-
sas companhias do setor de defesa, como apresentado no apartado 4. A
manutenção das instalações no Brasil parece o principal requisito a ser
exigido, em termos estratégicos.
A gestão privada, mantendo-se o patrimônio da empresa com as For-
ças Armadas, poderia também ser considerada, levando-se em conta que
o modelo, aparentemente, funciona com algum grau de eficiência nos
EUA. A experiência negativa da MB com a gestão da FAJCMC pela FI -
Indústria e Comércio S/A, no meu entender, não deve fazer com que essa
alternativa não volte a ser considerada. A gestão combinada da IMBEL e
FAJCMC poderá tornar-se atrativa para as indústrias nacionais já com
experiência no setor e comprovado sucesso na obtenção de novos merca-
dos, como a Taurus e a CBC. Talvez a gestão privada possa mesmo tornar-
se uma etapa intermediária para a privatização dessas empresas, pois, se
esse tipo de gestão demonstrar que as mesmas podem ser rentáveis, man-
tendo sua atual linha de produtos, o risco de investimento para indústrias
eventualmente interessadas na aquisição seria reduzido e, ao mesmo
tempo, o seu valor de venda poderia ser significativamente superior.
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ção dos meios existentes sem dependência externa, o que indica a conve-
niência de priorizar esse tipo de aplicação de offset.
De qualquer forma, seria desejável que as prioridades para a exigência
de compensação comercial definidas no artigo no 18 da Portaria 764/MD
fossem melhor detalhadas. Poderia ser interessante a elaboração de uma
lista de programas de transferência de tecnologia de interesse do País, em
ordem de prioridade, que detalhassem o produto final desejado, como,
por exemplo, sensores infravermelhos para emprego em mísseis ar-ar, ou
a capacitação desejada, como a de realizar serviços de revisão geral em
caixas de transmissão de helicópteros de médio porte, com cada um des-
ses programas associados a valores financeiros a serem considerados para
efeito de cômputo de offset em processos licitatórios. Tal lista seria apre-
sentada aos licitantes, facilitando a elaboração de ofertas de offset no valor
estipulado pelo MD, conhecendo-se a priori a relevância a ser atribuída a
sua proposta na avaliação pela Força Armada contratante, uma vez que
essa relevância seria proporcional à prioridade definida na lista.
No caso de falta de recursos para a exigência de compensação comer-
cial, a modalidade de “contrapartida comercial”, pela qual o país expor-
tador se obriga a comprar produtos ou serviços de valor equivalente ao
do material importado, deveria tornar-se obrigatória, novamente associa-
da à elaboração de uma lista de produtos fabricados pela BID, ordenada
pelo valor estratégico correspondente a sua venda, a ser definido pelo
MD. Essa modalidade é particularmente conveniente como argumentação
política para reaparelhamento das Forças Armadas, pois, exigindo-se, por
exemplo, 100% de contrapartida comercial, haveria vantagens à econo-
mia, em termos de aumento de oferta de empregos e de pagamento de
impostos pelas empresas brasileiras que exportassem o material.
A ação estratégica de priorizar offsets de nacionalização de serviços de
manutenção e de contrapartida comercial não estaria totalmente de
acordo com a diretriz D3. No entanto, a nacionalização da manutenção
poderia minimizar o aspecto desfavorável AD3, pela eventual contratação
da BID para prestação de serviços para outros países e, no caso de offset
por contrapartida comercial, seria intensificado o aspecto favorável AF1.
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parcerias estratégicas com a Índia e a África do Sul em programas de de-
senvolvimento de aeronaves e mísseis parece, no entanto, uma boa alter-
nativa a ser investigada, pelo nível de desenvolvimento tecnológico al-
cançado por esses países, o que poderia minimizar o AD2.
É interessante observar que a importância de parcerias com a África do
Sul e a Índia já foi visualizada por esses países. Um representante do Go-
verno da África do Sul, em visita à exposição LAAD-2005, ao se referir à
maior colaboração com o Brasil e a Índia, teria feito o seguinte comentário:
“com tais cooperações internacionais, nós podemos melhorar nossa inde-
pendência estratégica no mundo, aumentando simultaneamente nossa par-
ticipação no mercado mundial de defesa" (Defense-Aerospace.com, 2005). O
CTA estaria prestes a assinar contrato com a Denel para participação no de-
senvolvimento do míssil A-Darter, que atenderia ao interesse dessa em-
presa, pela falta de recursos para concluir o programa, e do Brasil, que pre-
cisaria de, no mínimo, o triplo do orçamento previsto para a parceria, se
procurasse desenvolver o projeto de forma autônoma (Defesa@net, 2006).
No que diz respeito à Índia, encontra-se em tramitação na Câmara dos De-
putados a homologação do Acordo Militar com o Brasil, o Projeto de De-
creto Legislativo 1393/04 da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional, que prevê cooperação nos campos de pesquisa e desenvolvi-
mento tecnológico e aquisição de equipamentos bélicos (Telles, 2005).
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base no roteiro do APÊNDICE A, no qual foram incluídas as respostas para
as perguntas formuladas. Com base nessa entrevista, verificou-se que:
CONCLUSÕES
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Por fim, dois aspectos referentes às ações estratégicas sugeridas mere-
cem destaque e foram deixados para o término da monografia, de forma a
assegurar-lhes a devida ênfase. O primeiro é que as ações sugeridas po-
dem ser tomadas no âmbito das Forças Armadas, o que lhes confere uma
maior chance de sucesso. O segundo é que o tradicional conceito de de-
senvolvimento da indústria de defesa a qualquer custo, tendo em vista o
seu valor estratégico, é uma linha de ação que deixou de passar por qual-
quer análise de exeqüibilidade, em virtude da redução dos orçamentos
das Forças Armadas. As novas ações estratégicas sugeridas consistem na
alteração de procedimentos administrativos e de prioridades para aplica-
ção de recursos, sem necessariamente acarretarem maiores despesas.
Quanto às três questões levantadas na introdução, que serviram de mo-
tivação para o desenvolvimento deste trabalho, suas respostas se tornaram
claras ao longo do texto. Nossa indústria poderá sobreviver, competindo
com os grandes grupos transnacionais? A resposta é sim, a sobrevivência é
possível, não pela competição, mas pela formação de parcerias, como tem
sido a tendência mundial. Há benefícios no envolvimento de nossas empre-
sas no processo de globalização? Certamente que sim, pois sem um merca-
do interno com demanda contínua, a exportação de material de emprego
militar torna-se obrigatória, e a globalização crescente da economia nos fa-
vorece. Finalmente, há maneiras de o Estado intervir nesse processo, de
forma a torná-lo compatível com a PDN? Sim, uma intervenção que foi feita
historicamente e que se torna cada vez mais importante.
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StrategicEvaluation (2007) 1
176 | Aluisio Sérgio Torres Filho, Globalização e a indústria de defesa nacional
*
Aluisio Sérgio Torres Filho é Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) da Marinha do
Brasil; Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro com a dissertação “Projeto de controladores de cota de profun-
didade de submarinos” (1996) e Mestre em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal Fluminense com a dissertação ”Análise de risco em
estimativas de custo de construção de navios” (1999).
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Abstract: During the nationalization process of the Brazilian Navy it was noticed that the
index of foreign equipments and reserves are high. It was also observed that the generation
of products and services of naval interest resulting from research and development are low.
Strategic vulnerabilities of the country at sea and in its industrial sector, arising from the
precarious situation of most naval power components and technological imbalance, where
evaluated, studying nationalization indexes of reserves and the sistematic of naval means
obtention and modernization, taking into account the production of equipment and sys-
tems. Investments in science and technology and their implications in the industrial sector
and the Navy are also analysed, underlining the main measures that have been implemen-
ted to foster investments in these sectors and Brazilian development in general. Among the
results, the need for further flexibilization of technical requirements of naval materials pro-
duced in the country, the approbation of a Nationalization policy to guide procedures and
the creation of a Permanent Commission to conduct this process, are pointed out.
Keywords: Nationalization; strategic vulnerability; science and technology.
INTRODUÇÃO
A era do conhecimento trouxe novos desafios com a introdução cada
vez mais rápida de novas e revolucionárias tecnologias. Os países em de-
senvolvimento estarão condenados a uma infindável dependência externa
caso não consigam obter por meios próprios produtos e serviços avança-
dos advindos do desenvolvimento científico e tecnológico.
O grau de desenvolvimento de um país é o reflexo de vários fatores
entre os quais se destacam o nível científico e tecnológico alcançado pelas
instituições de pesquisa e a estrutura do setor produtivo. Uma forte liga-
ção entre esses dois setores é fundamental para a edificação de um parque
industrial pujante, assim como, para a obtenção de soluções que possam
contribuir para a geração de produtos nacionais.
Quando se trata da produção de material de defesa, a simbiose entre
os dois setores torna-se estratégica. Nessa área, os países que detêm o
conhecimento das tecnologias-chave não as transferem, criando um hiato
tecnológico entre os países desenvolvidos e os emergentes aumentando
assim, as vulnerabilidades dos países do último grupo.
No Brasil, o desempenho do setor produtivo é afetado tanto pelas
conjunturas econômicas e políticas do atual mundo globalizado, quanto
pela falta de aplicação de uma política de Estado que não sofra solução de
continuidade com as mudanças governamentais. Por outro lado, o setor
de ciência e tecnologia (C&T), embora figure na lista das prioridades há
décadas, carece de uma política mais objetiva direcionada para a produ-
ção de resultados, uma vez que, pouco tem contribuído para o incremento
da indústria nacional. A participação das Forças Armadas (FA) no
processo de desenvolvimento nacional é necessária, funcionando como
um importante instrumento para o fortalecimento da capacitação
tecnológica do país e para a produção de material de Defesa.
O governo federal tem adotado políticas com o propósito de regular e in-
centivar os setores industrial e tecnológico de modo a propiciar condições
favoráveis para os seus crescimentos. Por sua vez, o Ministério da Defesa
vem implantando medidas para estruturar e fortalecer os setores do material
e de C&T das FA e, em paralelo, tem emitido normas para incentivar a in-
dústria de defesa. A Marinha do Brasil (MB) vem perseguindo a redução da
dependência externa, via nacionalização, desde a retomada da construção
naval no país, há trinta anos. Entretanto, os índices de obtenção de equipa-
mentos, sistemas e sobressalentes no estrangeiro permanecem elevados Ao
mesmo tempo, a geração de produtos e serviços, decorrentes da pesquisa e
do desenvolvimento (P&D) nas suas Organizações de Ciência e Tecnologia,
StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 179
StrategicEvaluation (2007) 1
180 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil
StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 181
StrategicEvaluation (2007) 1
182 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil
StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 183
A Riqueza das Nações publicada por Adam Smith, em 1776, foi adotada
como a bíblia do liberalismo pelos individualistas em economia nos sé-
culos XVIII e XIX. Embora fosse contrário ao intenso papel do Estado na
economia e em outras áreas, Smith reconhecia, não obstante, a necessida-
de de certas formas de envolvimento governamental. O Estado deveria
intervir para manter as atividades necessárias, que sem incentivos jamais
seriam empreendidas pelo capital privado.
A defasagem científico-tecnológica pode ser considerada outra im-
portante vulnerabilidade estratégica do Brasil. A diminuição do intervalo
tecnológico em relação aos países mais desenvolvidos reveste-se de suma
importância de forma a permitir a redução ou eliminação desta vulnera-
bilidade. Os recursos federais anualmente disponíveis para os órgãos de fo-
mento aplicar na pesquisa, no desenvolvimento e na inovação são razoá-
veis. Todavia, a distribuição sofre influência ideológica, sendo sistemati-
camente negados, caso os projetos apresentados tenham alguma afinidade
com o uso militar, deixando de contribuir para a obtenção do conhecimento
na área bélica e, conseqüentemente, para o fortalecimento do Poder Militar.
O Poder Naval, a quem cabe a tarefa de exercer a proteção efetiva sobre
os outros elementos do Poder Marítimo, vem enfrentando dificuldades de
renovação a cerca de duas décadas. O Plano de Reaparelhamento da
Marinha, referente ao período de 2005 a 2026, recebe pouca ou nenhuma
atenção política tanto do Poder Executivo como do Legislativo. Tal fato pode
ser explicável, em parte, pela inexpressiva mentalidade marítima nacional.
Conforme Jaguaribe (2003), a impotência em matéria de defesa é deco-
rrente de uma falta de consciência do conjunto do povo brasileiro, da ab-
soluta relevância de que se reveste a preservação da autonomia nacional.
A maioria dos brasileiros desconhece a importância econômica e estraté-
gica do mar, assim como, a extensão das fronteiras marítimas. Os limites
de jurisdição – mar territorial; zona contígua e zona econômica exclusiva
– somente agora, no inicio do novo século começaram a ser mencionados
nas escolas de ensino médio.
A opção feita há cinqüenta anos pelo transporte terrestre, em nome da
integração nacional, contribuiu para o desconhecimento e a alienação dos
fatos ligados ao mar pela maioria do povo brasileiro. Em termos de sobe-
StrategicEvaluation (2007) 1
184 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil
A NACIONALIZAÇÃO DO MATERIAL
A nacionalização implica na admissão de concessões
no desempenho operativo e na aceitação dos riscos
conseqüentes, já que seria inviável iniciá-la com a úl-
tima palavra da tecnologia militar.
Roberto Andersen Cavalcanti (1981)3
A sistemática de nacionalização
StrategicEvaluation (2007) 1
E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 185
a) Nos últimos anos, em média, 90% das obtenções promovidas pelo Cen-
tro de Controle de Inventário da Marinha (CCIM) foram realizadas no
exterior, com foco maior na Comissão Naval na Europa (CNBE);
b) O Sistema de Informações Gerenciais do Abastecimento (SINGRA) registra
na Marinha a existência de 58 classes de meios, que somam 138 navios.
Deste total, 54 navios possuem equipamentos vitais, oriundos de um
mesmo fabricante estrangeiro5. O fato mais significativo é que tais itens en-
contram-se instalados nas Unidades de maior valor estratégico para a MB.
Com base nos dados acima, pode-se afirmar que o grau de dependên-
cia é preocupante, conferindo assim, vital importância ao esforço atual da
Administração Naval em aperfeiçoar a sistemática de nacionalização. Em
recente estudo elaborado com a finalidade de apresentar um diagnóstico
da sistemática em vigor, o grupo de trabalho (GT) responsável detectou
uma série de discrepâncias no processo.
O grupo, ao analisar a estrutura e as normas que orientam a nacionali-
zação na Marinha observou a necessidade de uma revisão nas Normas para
Execução do Abastecimento (SGM-201), mais especificamente, no capítulo
21 que trata do assunto. As instruções vigentes não atendem plenamente
aos requisitos que permitam um planejamento, acompanhamento, avalia-
ções e atribuições de prioridades, em função da criticidade ou da importân-
cia estratégica do material, assim como, não contemplam a origem dos re-
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A NACIONALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
Não existe desenvolvimento autêntico sem in-
venção e desenvolvimento postiço não faz uma
nação, mas um mercado.
Paulo Moreira da Silva6
do Cabo, Rio de Janeiro. Atual Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Mo-
reira (apud Barbosa, 2006).
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196 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil
áreas, o país precisa despender esforços até chegar aos patamares de inves-
timentos e resultados em C&T alcançados por outros países. Segundo Sar-
derberg, precisamos promover o conhecimento em áreas onde o conheci-
mento é tímido como, por exemplo, a nanotecnologia e as ciências do mar.
No campo científico, o país tem evoluído, multiplicando por cinco a
produção de publicações científicas, no período de 1981 a 2001. No en-
tanto, quando se trata de tecnologia e inovação, a situação é desfavorável
quando comparado a outros países emergentes. Em 2005, a Coréia do Sul
registrou cerca de 4780 patentes na Organização Mundial de Propriedade
Intelectual (OMPI), enquanto o Brasil apenas 280 sendo suplantado, tam-
bém, por China e Índia10.
No período de 1996 a 2004, o governo brasileiro investiu em C&T, em
média, R$ 4,1 bilhões por ano. Da análise dos valores do orçamento investi-
dos no segmento, verifica-se que mais de 80% dos recursos foram direciona-
dos para os Ministérios da Saúde, Educação, Agricultura e o próprio Minis-
tério da Ciência e Tecnologia que não contemplou parcelas para os progra-
mas militares11. A política de distribuição foi correta quanto ao destino, mas
desfavorável quantitativamente ao Ministério da Defesa. A porção do MD,
cerca de 1,6%, média dos nove anos, foi irrisória quando comparada com as
demais, levando-se em consideração que em um país emergente como o
Brasil, é fundamental o fomento aos institutos de pesquisa militares.
Nos últimos dez anos, o governo vem adotando, na composição do
orçamento federal, políticas nas quais as Forças Armadas e todos os que
com elas se relacionam foram relegados ao segundo plano. Em nome do
déficit público, da austeridade fiscal e das necessidades sociais os recur-
sos destinados à Defesa tem sido insuficientes até mesmo para o custeio,
inviabilizando a maioria das iniciativas de investimento planejadas.
Segundo Jaguaribe (2003), é grave o fato que, atualmente, o completo
engessamento dos recursos da União não proporciona nenhuma folga
significativa para que o país possa, em caso de emergência, complementar
os meios de defesa.
Por outro lado, as empresas integrantes da BID, por razões estrita-
mente ideológicas, são alijadas dos mecanismos de incentivo dispostos
nas políticas industriais e de fomento à ciência e tecnologia. As iniciativas
de planejamento para o setor de Defesa editadas no passado recente en-
contraram poucos entusiastas em cumprir as suas normas e recomenda-
ções. As diretrizes e disposições caso fossem implementadas, certamente,
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198 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil
AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS
O governo federal tem adotado políticas de âmbito nacional com o pro-
pósito de regulamentar diversos setores do país propiciando, assim, melho-
res condições para o desenvolvimento. Algumas dessas políticas foram
submetidas ao Congresso Nacional e se materializaram na forma de Leis e
seus respectivos Decretos. Outras foram implementadas por medidas seto-
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a) produção de fármacos;
b) produção de roupas especiais de proteção;
c) produção de componentes eletrônicos de alto desempenho;
d) fabricação de sensores especiais;
e) produção de componentes e circuitos microeletrônicos;
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206 | Kleber Silva dos Santos, A nacionalização na Marinha do Brasil
CONCLUSÕES
Na busca por maiores índices de nacionalização, a Marinha tem con-
seguido, apesar das dificuldades orçamentárias e técnicas, razoáveis êxitos,
tanto por ocasião da construção de novas unidades quanto na modernização
dos meios já existentes. Contudo, persiste, ainda, um longo caminho a ser
percorrido, bem como, possibilidades a serem exploradas. Neste contexto a
obtenção das futuras unidades de patrulha apresenta-se como uma excelente
oportunidade para a aplicação e ajustes no processo de nacionalização.
Pode-se inferir que determinados eventos tais como, a recente moder-
nização das fragatas classe Niterói e a construção da corveta Barroso, em
andamento, deverão contribuir de forma significativa para essa emprei-
tada. Do mesmo modo, concorrerá para o propósito a decisão da Alta
Administração Naval quanto à necessidade de uma revisão da gestão in-
terna, como também, a aprovação da Política de Nacionalização contendo
as orientações de alto nível sobre o assunto. Nesse conjunto, pode-se veri-
ficar igualmente, que as medidas desenvolvidas no Governo Federal e no
MD colaborarão de forma expressiva para a consecução desses esforços.
Embora o autor considere que existam boas perspectivas no tocante à
nacionalização, alguns procedimentos, já anteriormente comentados ao
longo deste trabalho, poderão ser implementados, total ou parcialmente,
de forma a aprimorar o processo e gerar soluções eficazes tanto no campo
do material quanto no conhecimento. Deste modo, seguem abaixo
sugestões que podem ser abordadas na Política de Nacionalização ou na
documentação decorrente:
a) no âmbito técnico:
definir que índice mínimo de nacionalização deve ser atingido pelos
equipamentos e sistemas;
definir até onde se pode admitir a flexibilidade dos requisitos técnicos
para o alcance do índice desejado;
definir o grau de desempenho requerido dos equipamentos e siste-
mas, considerando-se a eficácia desejada;
b) no âmbito financeiro:
definir uma porcentagem aceitável de majoração nos custos dos
produtos fabricados no país, quando comparados com os similares
importados;
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E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 207
d) no âmbito administrativo:
estruturar o funcionamento da Comissão Permanente de Nacionaliza-
ção nos mesmos moldes da Gerencia Especial para a Modernização
das Fragatas;
incluir na mencionada comissão, representantes da OMPS-C da Área de
Interesse do equipamento, sistema ou serviço que será fabricado no país;
alterar a denominação das OMPS-C para Organizações Militares de
Ciência e Tecnologia da Marinha, a fim de facilitar a identificação, após o
enquadramento dessas OM na Lei de Inovação.
REFERENCIAS
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*
Kleber Silva dos Santos é Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) da Marinha do
Brasil e Cavaleiro da Ordem do Mérito Naval, tendo completado o
Curso de Política e Estratégia Marítimas na Escola de Guerra Naval.
Entre 2000 e 2002 foi Comandante de Fragata do Navio Oceanográfico
Almirante Câmara (H 41).
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24 * John W. Lango, The just war principle of last resort
CONGRESSO
INTERNACIONAL sobre
DEFESA
RESPONSÁVEL
Perspectivas para o desenvolvImento da segurança humana na nova Europa
http://congreso.igesip.org
Abstract: This article stresses the trajectory and the agenda of the Brazilian foreign poli-
cies, taking as granted the strategical conceptions in security and defense in South America
and their inter-relations with the processes of regional integration and the United States
influences. The study of the Brazilian security and defense geostrategy in South American
aims to uncover the existing interests and the level of efficiency of the regional relations in
the Amazon Cooperation Treaty Organization and the relations of dependence with the
United States.Through this discussion assistance is supplied to warrantee plurality and
depth for the debate about the challenges and the opportunities for the development of a
collective agenda in regional security and defense to overthrow the transnational threats.
INTRODUÇÃO
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composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e parte dos
estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.
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4 12000
8000
2,5
2 6000
1,5
4000
2000
0,5
0 0
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
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Este arranjo foi implementado, na maior parte dos casos, pela construção
paulatina da confiança mútua propiciada pela transparência nos assuntos
militares e pela construção de focos bilaterais de cooperação. Desta forma,
os países buscaram criar uma região estável e pacífica, contrariando a
tendência mundial de aumento de gastos militares (Pereira, 2004: 02).
5 O mapa indica os custos militares que os países incorrem com pessoal, suprimen-
tos, armas, equipamento e construção. O tamanho do território mostra a proporção
do gasto militar comparado entre os Estados do mundo. Em 2002, os Estados Uni-
dos gastaram quase nove vezes mais do que o segundo país da lista de orçamentos
militares, representando 45% de todo o gasto militar mundial.
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228 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…
fato do país estar inserido em uma região desnuclearizada, que é vista como
uma zona estável e de baixo nível de conflito, mas que enfrenta simultanea-
mente as ameaças convencionais de caráter fronteriço e as não convencionais.
Se, de fato, a regionalização tem unido os países da América Sul, esses
países devem se aproximar cada vez mais por meio de políticas sistemáticas de
caráter regional, trabalhando conjuntamente na solução de problemas comuns
e na contenção de novas ameaças, pois as políticas de cooperação de caráter
bilateral se mostram ineficazes e o atual cenário geopolítico cooperativo é
propício à construção de uma comunidade regional de segurança e defesa, para
aumentar o comprometimento mútuo na formação de contingentes militares
regionais, na compatibilização e aquisão conjunta de equipamento militar ou
na definição de estratégias comuns de defesa para a região.
Como no Cone Sul as estratégias convergentes em segurança e defesa
ainda estão restritas a pequenas áreas, a exemplo das atuações conjuntas das
Forças Armadas em exercícios, de reparos de equipamento militar e
intercâmbios educacionais, há um vasto campo aberto para se diminuir
custos de transação econômica e política nas Forças Armadas por meio de
cooperação científica, tecnológica e logística. Uma vez que os problemas e as
novas ameaças são agora compartilhados, da mesma forma devem ser as
soluções tratadas na defesa e segurança sul-americana, pois tal como o
afrouxamento dos controles fronteiriços estreitou os laços entre as nações
sul-americanas, também permitiu uma maior circulação de pessoas ligadas a
atividades ilícitas, como crimes ambientais, tráfico de drogas e contrabando.
Em um âmbito regional, não isento de diferenças entre os países sul-
americanos, observa-se a emergência de ameaças não convencionais, que,
em sua maioria, ultrapassam os limites dos territórios nacionais e, por-
tanto, qualquer hipótese de enfrentá-las na estreita margem das fronteiras
de cada um dos países envolvidos torna-se insuficiente.
Diante dessas novas ameaças, os avanços no fortalecimento da seguran-
ça e defesa regional permanecerão aquém das reais necessidades, caso
não surjam iniciativas para construir mecanismos, regimes ou sistemas de
segurança e complementação cooperativa em matéria de defesa para en-
frentar os novos problemas, uma vez que políticas bilaterais de defesa,
apesar da importância que têm na construção de um cenário cooperativo,
são inexpressivas para a garantia da segurança regional.
O primeiro passo para construir uma política de segurança e defesa
que contemple mais além do que o simples interesse nacional é a busca
do emponderamento da integração institucional da América do Sul por
meio de uma política compartilhada ou harmonizada de segurança e de-
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E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança… | 229
REFERÊNCIAS
Alsina Jr, J. P. S. (2003). A síntese imperfeita: articulação entre política externa e política
de defesa na era Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 46, n.º 2.
Agência de Notícias do Ministério da Justiça (2007). Polícia Federal lança operação
combate ao crime organizado na fronteira com a Bolívia, 17 de Março. Disponível
em: <http://www.justica.gov.br>.
Antiquera, D. C. (2006). A Amazônia e a política externa brasileira: análise do Tratado de
Cooperação Amazônica (TCA) e sua transformação em Organização Internacional (1978-
2002). Dissertação de Mestrado. Campinas: IFCH-UNICAMP.
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230 | E. Senhoras; C. Vitte, A geoestratégia brasileira na agenda de políticas de segurança…
*
Elói Martins Senhoras é Graduando em Economia e Pós-Graduando Lato
Sensu em Gestão e Estratégia de Empresas pelo Instituto de Economia
da Universidade Estadual de Campinas. Foi Visiting Scholar na Uni-
versity of Texas em Austin e na Univesidad de Buenos Aires.
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Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Integração sul-americana
Projetos e perspectivas estratégicas*
South-American Integration
Strategic projects and perspectives
INTRODUÇÃO
A integração continental não é, contudo, realidade nova. É ideal que
corresponde a projetos antigos. Gostaria de chamar a atenção para o fato
de que, ao longo da história de quatro séculos deste continente, houve já
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Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 233
Bolívar foi um furacão revolucionário, um general de grande valor,
um estrategista magnífico – à maneira de Bonaparte – mas, quando se
tratou de consolidar o poder arrancado aos espanhóis, não conseguiu so-
lidifica-lo em instituições duradouras. Pesou muito, no fracasso do ideal
bolivariano, o rousseaunianismo que o empolgava. Porque o filósofo de
Genebra estruturou um modelo de libertação dos indivíduos para que vi-
vessem em pequenas pátrias, governadas de maneira plebiscitária. O seu
modelo de democracia direta não se ajustava ao governo de grandes ex-
tensões territoriais, como as das novas nações hispano-americanas. E a
concepção rousseauniana de política, como reino da unanimidade, certa-
mente seria eficaz para aglutinar as forças que combateram os espanhóis,
mas revelou-se uma faca de dois gumes quando se tratou de organizar o
poder nacional. Construir unanimidades implica em destroçar qualquer
dissidência, como aconselhava o filósofo genebrino no 8o. Capítulo do
seu Contrato Social. Ora, convenhamos que isso, em matéria de adminis-
tração pública, é utópico. A política consiste mais na arte de fazer surgir,
das divergências naturais entre os indivíduos, consensos que tornem ad-
ministrável o Estado (esta é a característica fundamental do modelo inte-
grador construtivista ou dialético, mencionado atrás). O rousseaunianis-
mo não dá lugar a tal atitude conciliatória. A resultante da utopia unani-
mista foi o isolamento do Libertador, como belamente mostrou García
Márquez (1989) nessa magnífica síntese literário-historiográfica que cons-
titui o seu romance O general no seu labirinto.
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234 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana
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Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 235
continentes americanos, o do norte, com Maximiliano de Habsburgo, e o
do sul, com o marechal Solano López, que seria erguido à dignidade im-
perial por um plebiscito que o jovem general ganharia facilmente.
No início do conflito, Solano obteve êxitos militares significativos. Po-
rém, logo a guerra evoluiu de forma adversa para o Paraguai. Pesou
muito, na mudança do curso do conflito, a rigorosa política deflagrada
pelo Império brasileiro contra o país agressor: o Brasil não aceitaria nego-
ciar com quem atentou contra a integridade do território nacional e assas-
sinou súditos do Imperador. Foram postas a serviço da defesa do territó-
rio nacional todas as forças vivas do país, a armada imperial, o exército, a
guarda nacional, a banca, a diplomacia, a nossa rudimentar indústria e a
já testada capacidade dos gaúchos para criar rebanhos vacuns e de cava-
los. Os estadistas imperiais não pouparam esforços para organizar uma força
armada que conseguisse se sobrepor ao poderoso exército paraguaio,
incorporando o que de mais avançado havia em armamento ofensivo e tático.
Embora quem chefiava nominalmente a coalizão era o general argentino
Mitre, quem de fato exerceu a liderança foi o nosso marquês de Caxias.
O sonho de Solano López foi rio abaixo, basicamente por duas razões: no
plano internacional, porque consolidou uma poderosa máquina de guerra
posta a serviço dos seus ideais expansionistas, não apenas da defesa dos le-
gítimos interesses paraguaios para obter uma saída ao mar; no plano in-
terno, porque não conseguiu ensejar instituições duradouras, por fora da
todo-poderosa vontade do general-presidente. O Paraguai, pensava Solano,
era ele próprio. O general paraguaio ficou preso a uma concepção rousseau-
niano-bonapartista do poder, que lhe impedia compartilha-lo no contexto de
um modelo republicano representativo. Qualquer divergência, no círculo
dos que o acompanhavam, era punida rigorosamente como crime de lesa-
pátria. A unanimidade ao redor da sua figura era a única atitude possível.
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236 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana
StrategicEvaluation (2007) 1
Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 237
sofo genebrino, ele, por outro lado, deve estar à frente do exército boliva-
riano, que será o agente transformador por excelência. O presidente Chávez
vincula, na mesma missão libertadora, os ideais do Legislador rousseaunia-
no e o bonapartismo do chefe armado, que garantirá a consolidação da
nova ordem e o nascimento do Homem Novo.
A Revolução Bolivariana do Presidente Chávez está em marcha e é
uma realidade palpável. Possuidor de um indiscutível carisma pessoal,
financiado pelos abundantes petrodólares de que dispõe, o mandatário
venezuelano tem deflagrado eficaz política de ocupação de espaços no
continente sul-americano (e a nível global, também). Providências estra-
tégicas de longo curso estão sendo tomadas na República Bolivariana da
Venezuela, como a organização, além das Forças regulares, de um exér-
cito de milicianos de mais de cem mil homens comandados por um oficial
de alta patente, a construção de uma fábrica de rifles kalashnikov, a reno-
vação total da Força Aérea com caças-bombardeiros Shukov vendidos pela
Rússia, a compra de navios de guerra na Espanha e a aquisição de signifi-
cativo volume de armamento leve, notadamente fuzis de assalto. O custo
dessa renovação bélica chega, segundo cálculos de estudiosos, aos trinta
bilhões de dólares, a ponto de a Venezuela ter-se tornado o primeiro
comprador internacional de equipamentos militares.
De outro lado, o Presidente Chávez, em convênio com o Presidente
Morales, da Bolívia, planeja construir, neste país andino, 20 bases milita-
res (estrategicamente situadas nas fronteiras com o Chile, o Peru, o Para-
guai, a Argentina e o Brasil e operadas por militares venezuelanos e cu-
banos, com a ajuda dos soldados bolivianos). Esse fato leva a crer que a
idéia chavista de que “o exército deve ser um agente de transformação
social” não ficará apenas no papel, mas será posta em prática, nos próxi-
mos anos, na realização da mais ambiciosa e agressiva proposta integra-
cionista da América do Sul.
Essa política dá uma nova tônica às relações entre os países do Conti-
nente, levando em consideração que, até agora, o clima dos vários docu-
mentos assinados pelas autoridades referia-se a políticas de integração
que respeitassem a autodeterminação dos povos, a índole pacífica da
Comunidade Sul-Americana de Nações, a exclusão de qualquer tipo de
hegemonia de um país sul-americano sobre os outros, bem como o intere-
sse de preservar, perante os outros blocos políticos, no cenário mundial,
uma atitude de não confronto e de cooperação pacífica, embora se desta-
cassem, sempre, as idéias de preservação da identidade cultural das Na-
ções Sul-Americanas e o princípio da não intervenção de forças estranhas
na solução dos problemas regionais e nacionais.
StrategicEvaluation (2007) 1
238 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana
CONCLUSÃO
Dizia no início da minha comunicação que os projetos de integração
latino-americana devem olhar para o pano de fundo de cultura histórica
em que foram desenhados. E que, no tapete das soluções integracionistas,
contrapunham-se dois modelos: o unanimista (que vingou fortemente no
universo hispano-americano) e o construtivista (que prevaleceu no Brasil
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Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana | 239
e que se encontra, também, em vários momentos da história dos países
hispano-americanos). O denominador comum de representativas pro-
postas integradoras hispano-americanas, de Bolívar a Chávez, consiste
em que a filosofia rousseauniana da política como unanimidade é o sus-
tentáculo ideológico mais importante das estratégias apresentadas. Des-
taquei, no meu comentário, o caráter pouco realista dessa proposta,
havida conta de que a política, tanto a nacional quanto a internacional,
não se faz na base da busca inicial das unanimidades, mas pelo caminho
mais complicado e mais penoso da construção de consensos, a partir de
interesses naturalmente divergentes.
Ora, o caminho trilhado pelo Brasil, desde meados do século XIX até
os finais do século XX tem sido, invariavelmente, o da paciente negocia-
ção entre interesses internacionais divergentes, procurando, sempre,
manter preservados os interesses da Nação Brasileira. Assim aconteceu
no decorrer dos conflitos no Rio da Prata, essa foi a tônica durante a Gue-
rra do Paraguai, ao ensejo da Tríplice Aliança, esse foi o pano de fundo
que pautou a nossa política exterior, comandada inicialmente pelo Barão
do Rio Branco e, depois, pelas gerações de diplomatas que se formaram
no Instituto que leva o seu nome. As nossas Forças Armadas estiveram
sempre de prontidão para defender a integridade do território nacional e
garantir, quando convocadas, as soluções negociadas e assinadas nos
Tratados Internacionais. Exemplos desse espírito de negociação e de inte-
gração pacífica são, sem dúvida nenhuma, a constituição, há já mais de
vinte anos, da Itaipu Binacional, bem como os denodados esforços dos
nossos diplomatas e funcionários oficiais em prol da paciente criação dos
mecanismos de integração econômica e cultural no Mercosul e na Comu-
nidade Sul-Americana de Nações. Diríamos que o pano de fundo ideoló-
gico sobre o qual tudo isso aconteceu é o de um sadio pragmatismo res-
ponsável. A comunidade internacional, com certeza, espera do Brasil, nesta
importante quadra da integração sul-americana, que faça valer o peso dessa
sua tradição de negociação, moderação e realismo, fatores que são, hoje,
mais do que nunca, os melhores aliados da paz continental e mundial.
REFERÊNCIAS
ANNCLO (s/d). Chávez propone crear milicias populares. Disponível em:
<http://www.rebelion.org/venezuela/040524milicias.htm>, consult. em 26/10/2006.
Baptista, Fernando. Elisa Lynch – Mulher do mundo e da guerra. São Paulo:
Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do Livro / Fundação Nacional
Pro-Memória, 1986. (1o. Prêmio Literário Nacional, 1985, Biografia).
StrategicEvaluation (2007) 1
240 | Ricardo Vélez Rodríguez, Integração sul-americana
*
Ricardo Vélez Rodríguez é Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universida-
de Javeriana de Bogotá (1963); Mestre em Filosofia pela Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro (1974) e Doutor em Filosofia pela
Universidade Gama Filho (1982). Foi professor na Universidade Pontifí-
cia Bolivariana de Medellín, Universidade de Antioquia, Universidade
Externado de Colômbia e Universidade de Rosário, Universidade Esta-
dual de Londrina, Universidade Gama Filho e Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, entre outras instituições de ensino superior. Atual-
mente é Coordenador Geral do Centro de Pesquisas Estartégicas Pauli-
no Soares de Sousa e Coordenador da linha de pesquisa ‘História do
Pensamento Estratégico e Problemas Estartégicos Contemporâneos”.
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Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
INTRODUÇÃO
A Soberania e a Defesa de um país são garantidas, em último argu-
mento, pela existência e emprego de Forças Armadas (FA) com boa for-
mação, adestradas e dotadas de material bélico, capazes de sustentarem e
imporem a sua vontade a um oponente. A Sociedade, por meio do Esta-
do, é a responsável pela previsão e provisão de pessoal e material para a
Defesa de seu território, povo e riquezas. Além do elemento humano,
fundamental para o sucesso nas operações militares, os materiais empre-
242 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
Inserção histórica
O descobrimento do Brasil em 1500 pelos portugueses evidenciou um te-
rritório com imenso potencial de riquezas materiais. Os brasileiros, em sua
recente formação histórica estão aprendendo a valorizar o imenso potencial
existente, bem como agregar valor, à medida que ocorre o fortalecimento
dos valores nacionais e de sua população, evidenciado pelo Índice de De-
senvolvimento Humano (IDH)1. As riquezas do território despertaram, por
sua vez, a cobiça de muitos outros povos no passado. A História nos mostra
que ocorreram invasões holandesas e francesas no Nordeste brasileiro e no
Rio de Janeiro ao longo dos Séculos XVI e XVII com o objetivo de estabelece-
1 Brasil: 0,792 (69o lugar); valor considerado médio pelas Nações Unidas (ONU).
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Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 243
rem colônias para aqueles países. Expedições exploradoras inglesas e de ou-
tras nações estiveram no litoral brasileiro e, com invulgar interesse, na região
amazônica, ao longo de várias oportunidades. É lícito supor que o interesse
na preservação e na exploração econômica dos recursos naturais brasileiros
se constitui em um exemplo da atualização do interesse internacional pelas
riquezas nacionais por via indireta.
Em relação à atuação indireta, Cunha (2005) afirma que os grandes
atores no cenário internacional ainda são os Estados Nacionais, permane-
cendo assim por muito tempo. Os demais atores influentes (empresas
transnacionais, instituições religiosas, associações de países, organizações
não-governamentais – ONG) não possuem território, população, estrutu-
ra política, judiciária e militar. Eles servem como complemento ou inter-
mediários no cenário montado pelos Estados.
Sob outro enfoque, o Brasil, como nação emergente, almeja o cresci-
mento econômico sustentável. Ao buscar este desenvolvimento sustenta-
do, explorando as suas riquezas e sua produção comercial, o país deverá
ganhar novos mercados mundiais, destacando-se entre os demais povos.
Ocupa e ocupará espaços políticos no cenário mundial (em especial, o sul-
americano) que deslocarão outros países de suas esferas de influência ou
mercados. Apesar da crença brasileira na solução pacífica dos conflitos
(PNDm 2005) expressa em sua Constituição Federal, esta “perturbação”
(Cunha, 2005) na ordem mundial poderá gerar reações, retaliações ou
pressões estrangeiras sobre a Vontade Nacional, atuando sobre os pontos
fracos e vulnerabilidades nacionais.
Para fazer frente a essas ameaças que podem gerar um conflito mili-
tar, a Defesa Nacional precisa estar atualizada, valendo-se de FA adestra-
das, com equipamentos atualizados e com a menor dependência externa
possível no fornecimento de MEM. A Guerra das Malvinas/Falklands
entre a Argentina e o Reino Unido (RU), ocorrida na América do Sul em
1982, evidenciou a vulnerabilidade do país platino ao suprimento inter-
nacional em MEM, favorecendo o RU sobremaneira. Aquele conflito,
além de outros tantos, próximos ou afastados no espaço e/ou no tempo,
servem de exemplo de que uma nação não deve confiar em outras para
garantir a sua segurança e/ou defesa.
Segmento de Defesa
De acordo com Cunha (2005), este segmento nacional produtor de MEM é
atualmente conhecido como Base Industrial de Defesa (BID) no âmbito go-
vernamental, enquanto no setor privado é denominado Indústria Brasileira
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244 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
Objetivo
Este artigo visa proporcionar ao leitor uma ambientação com a Indús-
tria Brasileira de Material de Defesa por meio de uma breve análise de seu
desenvolvimento histórico e da sua situação atual, concluindo-se sobre as
perspectivas para o futuro. O assunto é importantíssimo para a compreen-
são e entendimento da atuação da sociedade brasileira por meio do seg-
mento econômico produtor de material militar (BID), das FA e do estágio
de interação entre ambas. A intenção do autor consiste em apresentar uma
descrição dos pontos históricos marcantes na Indústria de Defesa no Brasil
a partir de uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto. Algumas conclusões
parciais são emitidas para auxiliar a compreensão dentro de uma perspec-
tiva atualizada. Na conclusão, indica-se uma possibilidade de prossegui-
mento para o setor em consonância com os objetivos do Estado brasileiro,
governo, FA, BID e da sociedade brasileira de forma geral.
HISTÓRICO
Primórdios – 1500 a 1762
Os primórdios da produção de MEM em terras brasileiras remontam à
construção naval conduzida de forma bastante incipiente por Portugal
para proteger a costa brasileira contra os ataques de piratas e cobiça es-
trangeira por novas terras recém-descobertas. Segundo Cunha (2005), fo-
ram construídas embarcações denominadas “caravelões” – pequenas ca-
ravelas, de 40 a 50 ton, 2 ou 3 mastros, 25 homens e 06 peças de artilharia
em meados do Século XVI. Os portugueses construíram embarcações
costeiras em São Vicente enquanto Martim Afonso de Souza, Capitão-
Mor da Armada, construía pequenas embarcações de cabotagem no Rio
de Janeiro (RJ). A “Ribeira das Naus” foi criada em Salvador, Bahia, na
mesma época, sendo responsável pela produção de naus, fragatas, cor-
vetas e bergantins até o final do Século XIX.
Os colonos portugueses construíram fortificações para defesa do te-
rritório, bem como iniciaram expedições terrestres para exploração do
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Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 245
interior, o Sertão. As Entradas e Bandeiras, como vieram a ser conhecidas,
incentivaram a produção de mosquetes, pólvora e armas brancas (Cunha,
2005). Esses mesmos colonizadores iniciaram também a instrução de ar-
tilharia, dando origem ao ensino militar na colônia (Pereira, 1994). Aquele
ensino viria a ser o embrião do ensino técnico e científico brasileiro que,
por sua vez, se tornaria o seio do qual nasceria a atual tecnologia militar
em meados do Século XX.
Constata-se a imensa preocupação dos primeiros colonizadores com a
defesa, especialmente em função do imenso litoral, variadas riquezas e
dos constantes ataques estrangeiros. Os portugueses foram eficientes ex-
ploradores e, mesmo com os poucos recursos disponíveis à época, conse-
guiram preservar o território em função de uma política bem planejada e
de uma estratégia mundial bem executada ao longo daquele período co-
lonial. A União Ibérica – Portugal e Espanha, entre 1580 e 1640 – também
contribuiu em muito para a integridade territorial, mantida com sucesso
até a atualidade.
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246 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
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Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 247
À época, o Brasil estava atualizado no emprego de vários MEM, porém,
importados em sua maioria. O grande destaque foi a fabricação autóctone
de belonaves de combate. A produção era maciçamente governamental,
pela própria característica do período histórico e pela falta de uma estrutura
produtiva adequada em uma sociedade agrária, característica brasileira do
Século XIX. Conclui-se, parcialmente, que ao longo do ciclo real e imperial
brasileiro, as necessidades de defesa se fizeram sentir em função das
ameaças à integridade territorial e, em caráter especial, frente ao desafio da
Guerra do Paraguai. A chegada da família real foi o ponto de partida para
uma série de organizações governamentais militares produtoras de
material bélico, algumas das quais existem até os dias de hoje.
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248 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
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fesa e a confiança nos fornecedores externos permaneceu como a norma para
o suprimento em material bélico pesado para as FA brasileiras ao longo do
período. Falta de capital de investimento e ausência de fornecedores também
dificultaram a expansão do setor produtivo de defesa. Entretanto, o surgi-
mento da siderurgia pesada (Volta Redonda) neste período viria a proporcio-
nar a base para o crescimento do setor em maior escala nos anos seguintes.
A participação da iniciativa privada na produção de armamentos apa-
receu pela primeira vez em 1926, com a fundação da empresa “Amadeo
Rossi & Cia” em Caxias do Sul, estado do Rio Grande do Sul (RS), desti-
nada a produzir espoletas para cartuchos e espingardas de caça. No
mesmo ano, ocorreu o surgimento da “Companhia Brasileira de Cartu-
chos” (CBC) no município de Santo André, SP, para a produção de mu-
nição leve. As “Forjas Taurus” surgiram no RS em 1939, produzindo ar-
mas leves. Atualmente, a CBC e as Forjas Taurus são grandes produtoras
de armamento e munição leve no mercado nacional e internacional.
Conclui-se que este foi um período marcante para a indústria de defe-
sa no Brasil. Auxiliada pelos ventos modernizantes da época, a Base In-
dustrial de Defesa pode se estabelecer, apesar de se voltar basicamente
para a fabricação, com a formação de recursos humanos e a Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) ainda em segundo plano.
A 2ª Guerra Mundial, porém, apanhou o país desprevenido na produ-
ção bélica nacional, fazendo-o buscar aliança com os EUA. Em 1944, a 1ª
Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) Brasileira combateu na Itália
ao lado dos Aliados contra os alemães, sendo basicamente organizada
com MEM de origem norte-americana, iniciando-se um período de de-
pendência externa bastante elevada no setor de defesa.
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250 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
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Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 251
A Marinha, por sua vez, tomou outro caminho. Estabeleceu convênio
com a Escola Politécnica de São Paulo para um curso de engenharia naval
em 1955. Em 1959, ela ativou curso semelhante com a Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro, assim como criou o Instituto de Pesquisas da Mari-
nha (IPqM). Em 1982, a Marinha viria a criar a Empresa Gerencial de
Projetos Navais (EMGEPRON), com a finalidade de gerenciar projetos e
promover a indústria militar naval. A Marinha estabeleceu uma liderança
ativa no desenvolvimento da energia nuclear e dos programas eletrônicos
no país. O Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) foi fundado pelo
Almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva em 1951 para consolidar o
controle estatal sobre as atividades nucleares (Conca, 1997).
O Exército, ao seu turno, realizou a fusão da Escola Técnica do Exér-
cito com o Instituto Militar de Tecnologia em 1959, dando origem ao Ins-
tituto Militar de Engenharia (IME), com sede na cidade do Rio de Janeiro.
O Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD) foi estabelecido em
1970, o Centro Tecnológico do Exército foi criado em 1982 e o Instituto de
Projetos Especiais (IPE) ativado em 1986; todos formadores, na atualida-
de, do Complexo Tecno-científico de Guaratiba, RJ. O óbice da inexistên-
cia de mão-de-obra nacional qualificada em Defesa e de corpo técnico es-
pecializado em P&D começava ser superado. Em 1963, o governo brasilei-
ro criou o Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI), em arti-
culação com o empresariado nacional, com o objetivo de atuação em
conjunto em prol dos interesses nacionais (Pereira, 1994). O empresário
Vitório Ferraz foi escolhido como primeiro presidente deste grupo, que
tinha representantes da Marinha, Exército, Aeronáutica e da principal as-
sociação industrial, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
O GPMI estabeleceu comissões conjuntas das FA e das indústrias para
o desenvolvimento de veículos militares, aviação, equipamento naval,
eletrônica, comunicações, armamento, munição, equipamentos médicos,
produtos farmacêuticos, alimentação e fardamento. Segundo Silberfield,
apud Conca (1997), a importância do GPMI residia na sua condição de es-
trada de mão-dupla: as empresas obteriam informações e oportunidades
para se desenvolverem na área de Defesa, enquanto o governo obteria in-
formações da capacidade industrial instalada. Este grupo atingiu sua
máxima efetividade entre 1964 e 1967, facilitando a entrada de empresas
privadas nacionais no segmento de defesa e estabelecendo padrões de
relacionamento entre civis e militares. Infelizmente teve dificuldades para
demonstrar aos empresários da BID a integração existente entre moderni-
zação tecnológica, mobilização industrial e segurança nacional.
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252 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
Empresas Produtos
EE-11 (Urutú), EE-9 (Cascavel),
Engesa
EE-17 (Sucuri), EE-3 (Jararaca), EE-T1 (Ossório) *
Xavante, Bandeirante, Xingu,
Embraer
Tucano, Brasília, AM-X, Vector*
SBAT-70, ASTROS II (SS30, SS40, SS60),
Avibras
Bombas de Fragmentação.
AMRJ Submarinos convencionais da Classe Tamoio
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A produção de MEM era feita por meio de empresas públicas, de econo-
mia mista e privada, com predomínio das últimas. As empresas criadas ou
que se expandiram neste período foram, dentre outras, a Embraer, Engesa,
Avibras, Bernardini, Motopeças, Engesa-Química, DF Vasconcelos, CBV, No-
vatração, Prólogo, Siteltra, IMBEL, Helibras, Emgepron, Valparaíba, Condor,
Britanite, Bemesa, Terex (Pereira, 1994). A Marinha construiu duas fragatas
(Classe Niterói) sob licença britânica em um programa iniciado em 1972. Este
programa permitiu a modernização do AMRJ, que viria a abrigar outros pro-
gramas de construção sob licença no Brasil. Foi o caso da construção de cor-
vetas brasileiras com assistência técnica alemã e, principalmente, dos subma-
rinos convencionais alemães da classe IKL-209-1400 – cinco no total.
O período foi relativamente curto, com o ápice na segunda metade da
década de 1980. Destacaram-se as empresas ENGESA, AVIBRAS e EM-
BRAER. Os Carros de Combate (CC) CASCAVEL e OSÓRIO, o Veículo
Blindado de Transporte de Tropas (VBTP) URUTU, o Lançador Múltiplo de
Foguetes (LMF) ASTROS II, o avião de treinamento militar T-27 TUCANO,
bem como munição e armamento leve, foram (e ainda o são) exemplos de
sucesso criados por estes atores. Estes produtos de elevada tecnologia, de-
vidamente comprovados no combate moderno (Guerra Irã-Iraque, Guerra
do Golfo Pérsico), capacitaram e capacitam o parque industrial brasileiro a
prosseguir no desenvolvimento e produção de MEM modernos e eficazes.
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biological weapons; Diplomatic Pressure [...], Defusing [...], Deterrence
[...], Destruction [...], Defense [...]. (Intelligence Newsletter, 1994:7).
ATUALIDADE
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256 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
Forças Armadas
Nos últimos quatro anos, o investimento em MEM nacionais foi bastante
reduzido. O contingencionamento de verbas governamentais foi bastante
grande no investimento em reaparelhamento das FA. O destaque na área na-
val ficou por conta do submarino convencional Tikuna (S 34) produzido no
AMRJ em 2005, seguindo a estratégia de aquisição do domínio completo do ci-
clo “Projeto, Construção e Reparação”. A Marinha enfrenta, entretanto, um
processo crescente de obsolescência de seus meios, com uma premente neces-
sidade de modernização e aquisição de novas belonaves que proporcionem a
adequada defesa da Amazônia Azul brasileira. Afinal, esquadras não se improvisam...
O Exército se encontra na definição de uma Nova Família de Blinda-
dos sobre Rodas (NFBR). O programa teve início no alvorecer da década
atual e sofreu várias modificações. A empresa AVIBRAS chegou a produ-
zir um protótipo denominado Guará, mediante convênio estabelecido com
o Estado-Maior do Exército (EME) e com o IPD, porém uma reorientação
nos requisitos operacionais do Exército interrompeu o seguimento do
projeto. O EB estabeleceu convênio, também, com o Exército Argentino e
desenvolveu uma viatura leve de emprego geral aerotransportável de-
nominado Gaúcho, atendendo diretriz governamental de integração com a
Argentina para o fortalecimento do MERCOSUL. Esta viatura se encontra
em fase de testes nos dois países. Cumpre ressaltar a importante (e
promissora) reorganização que o EB promoveu na área de C&T por meio
do estabelecimento do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT),
produto da fusão da Secretaria de Ciência e Tecnologia com a Secretaria
de Tecnologia da Informação. Espera-se que isso implique na melhoria da
interface desta instituição com a BID e a sociedade como um todo,
resultando na pesquisa, desenvolvimento e produção de novos MEM.
A Força Aérea Brasileira, por sua vez, enfrentou a interrupção do Pro-
grama FX no qual buscava o desenvolvimento de um caça supersônico para a
defesa aérea. Contratos para modernização de aeronaves turbo-hélice Supertu-
cano (AT-29) e supersônicas F-5M Northrop foram assinados com empresas na-
cionais. Outros contratos para compras de aeronaves foram assinados, entre
eles aquele para fornecimento de doze aviões espanhóis CASA-C295. O MD,
ao seu turno, estabeleceu a Comissão Militar da Indústria de Defesa (CMID)
em 2005. Os objetivos desta comissão são coordenar os estudos relativos ao
fomento às atividades de pesquisa, desenvolvimento, produção e exportação
de produtos de defesa, integrando essas atividades; estabelecer um fluxo ade-
quado de informações entre o MD e os demais órgãos civis e governamentais
envolvidos, bem como capacitar os recursos humanos necessários para tal.
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BID
As empresas da BID estão organizadas em associações. Dentre elas se
destacam a Associação Brasileira das Indústrias de Defesa (ABIMDE) (44
empresas), a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) (28
empresas), o Sindicato Nacional da Indústria de Material de Defesa (SINDE)
e o Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria de Defesa (COMDEFESA), este
último com o suporte da FIESP. A ABIMDE foi recentemente revigorada e
tem procurado atuar com realismo e efetividade (ver Tabela 3).
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Apoio governamental
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(FINEP) se recusam a qualquer tipo de apoio em financiamento para
vendas ao exterior ou garantindo contratos eventualmente firmados no
mercado internacional.
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Prospecção
Não obstante o difícil quadro da realidade, alguns indicadores se
mostram oportunos a uma reativação do setor, quais sejam:
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Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 261
Permanência (continuidade) da mesma equipe política no governo federal
em função do resultado da última eleição presidencial, favorecendo a
continuidade dos esforços;
Amadurecimento da estrutura e da atuação do MD junto aos setores
produtivos, governo e FA;
Crescente interesse da sociedade nos assuntos de Defesa, como
demonstrado nos últimos Fóruns sobre Tecnologia Militar da empresa
Dinheiro Vivo em São Paulo (2005 e 2006);
Crescente apoio político ao estudo dos assuntos de Defesa, exemplificado
na condução do Seminário sobre a Política de Defesa para o Século XXI,
conduzido pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
(CREDN) do Congresso Nacional em 2003.
CONCLUSÃO
A BID possui um histórico respeitável, característico de um país em
construção como o Brasil. O segmento alternou períodos de expansão e
retração em função de conflitos em que o Brasil tomou parte e sofreu re-
flexos frutos da conjuntura nacional e internacional das diferentes condi-
ções históricas. O histórico é de dificuldades com alguns pequenos perío-
dos de bons resultados.
A base industrial instalada é bastante significativa, assim como a qua-
lidade dos pesquisadores e dos profissionais ligados às indústrias, empre-
sas, universidades e às FA brasileiras.
O elevado desempenho quantitativo e qualitativo da produção nos
anos oitenta foi o grande marco das indústrias de material de defesa no
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262 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
StrategicEvaluation (2007) 1
Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil | 263
(leia-se, também, governos estrangeiros, ONG, organismos internacionais,
etc). Tudo isso em função da solidez e da sinergia dos atores nacionais2.
Esta EIT teria por objetivos, dentre outros: estabelecer o diálogo de
forma aberta, evitando ao máximo a hierarquização dos atores e/ou inte-
resses; definir MEM prioritários – em função das necessidades operacio-
nais de cada força e da capacidade produtiva nacional – e, principalmente,
aproximar as cadeias operacionais, logísticas, de inteligência e de P&D de
cada força singular com as empresas da BID, integrando projetos de MEM
desde a concepção até a alienação, ao final do ciclo de sua vida útil.
Algumas certezas permanecem: o Brasil precisa voltar a desenvolver e
produzir material bélico, reaparelhar as Forças Armadas e proporcionar a
efetiva reativação da BID. De outra forma, em mais alguns anos, as
“ameaças difusas” se tornarão claras, o inimigo imporá sua vontade sem
combater – a glória de um general – e o “rei estará morto”.
Festina Lente!3.
REFERÊNCIAS
2 É válida, muitas vezes, a constatação de que o ser humano mais facilmente culpa
outros pela sua própria falta de habilidade em lidar com um problema do que ad-
mite conduzir uma auto-reflexão, reveladora das verdadeiras causas e orientadora
segura do caminho adequado.
3 Apressa-te devagar! Otávio Augusto (Imperador Romano, 27 A.C.)
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264 | Valério Luiz Lange, A indústria de defesa no Brasil
*
Valério Luiz Lange é Major de Artilharia e serve atualmente no Comando
da 2ª Região Militar (São Paulo) e é doutorando pela ECEME em
Ciências Militares, na área de estudos de Logística e Mobilização.
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Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Segurança e Desenvolvimento
O caso da indústria bélica
Abstract: This paper works with the relation between technological development and
weapons industry in Brazil, pointing out the dependence of this to that one. One reveals as
the changes in the commerce of armaments that currently privileges the production of small
weapons for exportation. The conclusion is that to keep projects of this nature, is using to
advantage the industrial park for the dual production, that is, that one takes care the civil
and the military demands. Finaly, it defends the possibility of the defense industry works as
mechanism of regional integration.
Keywords: Armed Forces; weapons; economic development; defense; security.
INTRODUÇÃO
StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 267
C&T; 2) a participação da instituição militar no mencionado processo foi
muito menor do que participação dos oficiais militares individualmente.
Para facilitar a análise dessas hipóteses, divide-se o texto em quatro
partes. Na primeira, revisa-se o nascimento dos projetos de C&T no Brasil
buscando mostrar sua influência sobre a promoção da indústria bélica na-
cional. Em seguida, discute-se o processo de desenvolvimento desta in-
dústria, seu apogeu e sua derrocada, o que aconteceu em menos de 30
anos. Na terceira parte, acompanha-se o processo de substituição das ex-
portações brasileiras de armamento pesado, basicamente de uso militar,
pelas armas e equipamentos de pequeno ou médio porte (até .45), mas
ainda tendo no exterior seu principal mercado. Por último, elenca-se al-
guns fatores que apontam para a relação positiva entre a produção e
venda desse tipo de armamento (destinado basicamente ao uso civil e po-
licial) e o fortalecimento da integração regional.
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268 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento
com_content&task=view&id=30&Itemid=64>.
StrategicEvaluation (2007) 1
Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 269
dústria bélica no país e, mais importante, fez isto promovendo a parceria
entre militares e civis, pois o ITA foi organizado como uma universidade
na qual conviviam militares e civis, tendo como parâmetro de ingresso
(contratação) apenas a competência, razão pela qual tornou-se uma babel
de letras e ideologias, conforme relata Morais (2006). Mas a grande novi-
dade do ITA não era o fato de ser uma babel competente, mas de estrutu-
rar-se de uma forma que só atingiria os meios civis nos anos 70.
Diferente das escolas superiores públicas do Brasil, no ITA não existia
o sistema de cátedra, mas sim de Departamento (como hoje), o que pro-
porcionava maior agilidade na implementação de planos e projetos que
rapidamente vinham à luz. Contribuía também para um clima de cama-
radagem que rejuvenescia os mais velhos e amadurecia os jovens, o con-
tato entre professores e alunos, que era muito mais estreito do que acon-
tecia nas demais universidades brasileiras. Acreditava-se que era o fato de
todos residirem nas dependências do próprio ITA o fator responsável
pela proximidade entre alunos e professores, militares e civis. Se o ITA
não foi a primeira escola que aceitava civis e militares, ela foi quem me-
lhor implementou o convívio pacífico ente esses dois grupos.
Instalado em São José dos Campos, pequena cidade estrategicamente
localizada entre Rio de Janeiro e São Paulo e ainda próxima ao porto de
São Sebastião, o ITA induziu a instalação de várias indústrias de ponta
em seu entorno, como a da EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica
s/a –, cujo primeiro avião, o Bandeirantes, nasceu nas pranchetas dos
pesquisadores do ITA sob a coordenação do então cel. Ozires Silva. O
protótipo que deu origem a este avião foi construído em 1968, um ano
antes da fundação da EMBRAER.
A EMBRAER foi uma das poucas empresas a sobreviverem ao desmonte
da indústria bélica nacional promovido no início dos anos 1990, tendo
sido privatizada em 1994. Pode-se creditar o sucesso da empresa ao seu
caráter híbrido ou dual, isto é, seus produtos servem tanto para uso mili-
tar como civil. Atualmente, ela é uma empresa internacional, uma das
poucas presenças da indústria brasileira no exterior, com fábrica na China
(2002-3), instalações de manutenção em Nashville, EUA e em Villepinti,
França, ambas inauguradas em 2006 (Forjaz, 2004).3
Uma grande particularidade da produção de C&T e de produtos béli-
cos, não está, entretanto, no controle pelas ou na participação das Forças
Armadas no seu processo de desenvolvimento, pois não é a instituição
<http://www.embraer.com.br/portugues/content/empresa/history.asp>.
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castrense que o faz, isto é, mesmo nos anos de governo dos generais
(1964-1985), é a iniciativa individual e visionária de alguns militares, so-
mada a coragem cívica (Heller & Fehér, 1998: 124-5) de alguns governan-
tes que criou e promoveu o desenvolvimento para a segurança no país. O
caso do ITA é emblemático: enquanto teve à frente o Brigadeiro Casimiro
Montenegro, seu mentor, fundador e administrador, as pesquisas e a au-
tonomia do Instituto foram mantidas; e as verbas conquistadas para tal
foram significativas nos governos de Vargas e Kubitschek, o mesmo não
se apresentando com Dutra, ainda que mantivesse repasse constante. Po-
rém, foi com a chegada do general Castelo Branco ao poder (1964), que
nomeou o marechal-do-ar Eduardo Gomes para o ministério da Aero-
náutica, histórico opositor de projetos como o do ITA (desenvolvimento
autônomo) que a instituição quase alcançou sua extinção (Moraes 2006), o
que corrobora a visão aqui defendida segundo a qual o desenvolvimento
brasileiro não teve na instituição armada um de seus pilares, mas em seus
membros, justamente aqueles que prezavam pela modernização das For-
ças e a defesa intransigente do desenvolvimento autóctone como princi-
pal mecanismo de garantia da segurança nacional.
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propunha-se que o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) finan-
ciasse novas pesquisas na área da defesa, envolvendo universidades
(como o IPEN, ligado à USP), empresas privadas, públicas e centros de
ensino militar. Por meio da PNEMEM, o Brasil atingiu altos índices de ex-
portação, minimizando ainda, pelo escambo, a necessidade nacional por
Petróleo, pois os maiores importadores dos produtos bélicos eram países
do Oriente Médio, justamente aqueles que, na época, forneciam o maior
volume de Petróleo para o Brasil.
Data ainda dos anos 1960, a instalação de diversas indústrias de mate-
rial bélico que, se fizeram uso do parque tecnológico construído nos anos
anteriores, em pouco tempo tinham alcançado níveis invejáveis de produ-
ção e exportação. No esteio da excelência alcançada pelo ITA, ao longo
desses promissores anos, organizaram-se a AVIBRÁS (Aeroespacial S/A),
em 1961; a ENGESA (Engenheiros Especializados S/A), em 1965, e a
EMBRAER (Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A), em 1969.4
A ENGESA, originalmente uma empresa fabricante de componentes
para a prospecção de petróleo que evoluiu para a adaptação de cami-
nhões a terrenos acidentados, graças à suspensão “boomerang” que de-
senvolvera, envolveu-se ativamente com produção bélica. A partir de um
projeto do IME de viatura de reconhecimento sobre rodas, chegou à fabri-
cação do Urutu (transporte de pessoal sobre rodas blindado e anfíbio) e do
Cascavel (viatura blindada de reconhecimento sobre rodas), ambos
largamente vendidos para o Oriente Médio e América do Sul, sendo ainda
parte expressiva do inventário bélico nacional. Em 1982, iniciou o seu mais
ambicioso projeto, o blindado médio Osório, que incorporava tecnologias
de ponta na suspensão, na blindagem e no sistema de armas, infelizmente
sem continuidade, face ao boicote de vendas liderado pelos EUA que os
produtos brasileiros sofreram no exterior. A empresa foi liquidada em 1996,
com a alienação, por leilão, de sua massa falida (Cruz, 2006).
A AVIBRÁS que, da mesma forma que a Embraer, foi uma iniciativa de
alunos do ITA objetivando a construção de aviões leves, desenvolveu, em
1962, a aeronave de treinamento básico intitulada Falcão. Três anos depois,
em 1965, inicia a fabricação, com tecnologia totalmente autóctone, de fogue-
tes, dando origem à família Sonda, movidos a propelente sólido, ponto de
mais importantes nascidas bem antes dos anos aqui mencionados. Todavia, se elas
produzem material de defesa, não o fazem com o objetivo do desenvolvimento na-
cional, mas apenas como indústrias em busca de lucros (como a Taurus e a CBC) ou
de manutenção da capacidade e treinamento das Forças Armadas (como a IMBEL).
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partida para outros artefatos bélicos semelhantes, de uso ar-terra e que foi
fundamental para o Programa Espacial Brasileiro. Avançando na tecnologia,
nos anos 80, produziu o sistema Astros, foguetes de médio alcance empre-
gado largamente pelo Iraque na guerra contra o Irã. Também desenvolveu, e
ainda produz, equipamentos para comunicação via satélite (sendo ainda
hoje principal fornecedora para o sistema militar de comunicação via satélite
do Brasil), materiais explosivos e químicos utilizados tanto pelo setor de de-
fesa quanto por setores civis ligados à segurança, etc. (Id., Ib.).
Conforme mencionado, a EMBRAER é a melhor sucedida dentre todas
as indústrias nacionais de defesa. Iniciando sua produção com a aeronave
de carga e passageiros Bandeirantes, logo depois projetou e construiu o
Xavante, primeiro jato de treinamento militar brasileiro, e o Tucano, único
avião de treinamento militar turboélice projetado especificamente para
aquele fim, e seus derivados: o EMB-312H (Super Tucano) e o ALX (mo-
delo armado desenvolvido para o Ministério da Aeronáutica). Sua linha
de aeronaves de passageiros e carga obteve reconhecimento internacional,
o que encorajou a empresa a lançar modelos mais sofisticados, entre os
quais o Brasília – no momento, com grandes chances de sucesso no mer-
cado internacional (já com 107 jatos contratados e 219 opções de compra)
–, e o EMB-145, bi-reator de 50 passageiros. Na área militar, produz o
AMX, caça subsônico de ataque ao solo, que pode ser visto como um
projeto de capacitação de alta tecnologia. Dados de 2004, mostram que as
exportações das empresas de defesa somaram R$ 300 milhões, dos quais
metade deve-se à Embraer (Silveira, 2005).
O sucesso dessas empresas foi alcançado por meio de uma relação de
simbiose na qual o governo fornecia recursos materiais e humanos para
os setores privados que os transformavam em produtos, em especial para
a exportação. Foi assim que o Brasil conquistou, já nos anos 1970-80, posi-
ção entre os dez maiores exportadores de armas do mundo (Bastos, 2006),
cujos melhores clientes estavam no Oriente Médio, particularmente em
razão da guerra Irã-Iraque (1980-88). Nota-se, assim, que no curto período
de 20 anos (1964-1985), o esforço nacional redundou em avanços notáveis,
conforme salientou o general José Carlos Albano do Amarante (2004):
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Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 273
Com a saída das Forças Armadas do governo em 1985, e a conse-
qüente perda da centralidade da DSN nas ações governamentais, era de
se esperar que a indústria bélica deixasse de ser prioritária e reduzisse sua
participação nas exportações, em especial pela sua exigência de vultosos
recursos em função da alta tecnologia envolvida. No entanto, não foi o
que se verificou; pelo contrário, em 1987 as exportações de material bélico
alcançaram seu pico máximo, US$ 1,5 bilhão, com destacado volume de
negócios com o Oriente Médio, em especial com o Iraque, então no final
da guera mantida contra o Irã (Silveira, 2005).
A partir do final do mencionado conflito, em 1988, somado a fatores
como a decisão de transformar o Atlântico Sul em Zona de Paz e Coope-
ração (1986), com o país em plena crise econômica em função de desastro-
sas políticas cambiais, a até então promissora indústria bélica pesada en-
trou em forte declínio, adentrando os anos 1990 com o fechamento de
empresas de porte, como a ENGESA. Desde esse período, com o desenho
de um novo cenário pós-Guerra Fria, com novas ameaças ainda não to-
talmente assimiladas ou definidas e conceitos como o de segurança
humana em transformação, o Brasil perde mercado, pois nem mesmo ar-
mas ligeiras, como o fuzil de uso militar FAL MD97L, encontra compra-
dores, porque é obsoleto frente aos seus semelhantes produzidos em paí-
ses como os EUA (Mei & Saint-Pierre, 2007: 263).
Em contrapartida, desde meados dos anos 1990, ganha destaque a in-
dústria de armas de pequeno porte, apontando que já não é mais em
função da projeção internacional que se desenha a estratégia brasileira,
mas muito mais na garantia da segurança pública. Hoje, o Brasil é o único
pais da América Latina considerado importante na produção de armas
para uso policial e civil (Dreifuss et.al., 2005). Porém, com isso, se desenha
o paradoxo: ao investir em armas de uso civil, sejam elas exportadas ou
não, sua comercialização funciona como retro-alimentadora da violência
na sociedade que a produziu, pois gera maior insegurança no interior das
sociedades, muitas vezes alimentando ainda atividades criminosas, como
o contrabando de armas.5
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cancelou as exportações de armas para o Paraguai em 2000. Cf. Dreifuss et.al., 2005:
40-1.
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tria. Todavia, quando comparada a outros setores industriais, a produção
de armamentos não é significativa: dos 5% da indústria de máquinas e
equipamentos, a produção de armas e equipamentos militares representa
1,23%. Ainda assim, tais dados representam fator importante para as ex-
portações brasileiras. Talvez o quesito de maior peso na explicação para
isso seja que “a compra e venda de armas nunca é transação comercial
pura e simples. É ato político por excelência e como tal reflete decisões de
mais alto nível, tanto do país que vende, como do país que compra” (Pe-
reira, 1996). Deve-se considerar também que os EUA, diferentemente de
sua postura frente à exportação de armas de uso exclusivamente militar, é
um dos principais clientes da produção nacional de armas leves, receben-
do perto de 90% da produção de armas de calibre até .45. Pode-se, por-
tanto, inferir que, se existe confiança na produção desse tipo de arma-
mento, é provável que isso se traduza, em termos de confiança mútua entre
EUA-Brasil, em estreitamento das relações bilaterais e, possivelmente, no
apoio (ainda que velado) ao fornecimento de armas do Brasil para os países
considerados “amigos” pelo Departamento de Estado norte-americano.
Parece que o caminho adotado, de aproximação por meio da exporta-
ção de armas para o mercado civil, tem como objetivo mostrar um grau
de preparo bélico que possa garantir melhores posições relativas do Brasil
frente a outros países no cenário internacional, pois a exaustão da produ-
ção de armas e a redução dos investimentos em C&T militar, colocaram o
país em posição de extrema vulnerabilidade, ao gerar um quadro de de-
pendência externa quanto ao fornecimento de equipamento bélico, com-
prometendo sua autonomia logística e capacidade de mobilização. Esse
constrangimento foi agravado pelo aumento do hiato tecnológico enseja-
do pela indústria nacional e pela diversificação dos problemas de segu-
rança da Nação, mormente na região amazônica (Cruz, 2006).
Para atender as necessidades de desenvolvimento em C&T e de racio-
nalidade econômica, o desafio é compatibilizar situações de mobilização
para a defesa com outras de paz. O que parece melhor para tal relação, é o
desenvolvimento da dualidade produtiva, isto é, privilegiar a conversibili-
dade de produtos, de tal forma a atender, em um só tempo, as necessida-
des militares e policiais. Em outras palavras, o melhor caminho consiste na
fabricação paralela de produtos civis, de modo a viabilizar as plantas
industriais eventualmente super-dimensionadas para as necessidades do
momento, com produtos militares. Dessa maneira, a dualidade produtiva
constitui importante ferramenta de redução da ociosidade da capacidade
instalada, bem como da lucratividade por ventura gerada por esses produtos.
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pequeno percentual da produção. Neste aspecto, deve-se avaliar a relação
custo-benefício dos investimentos na área. Como especialistas informam,
a produção e venda de armas leves, diferente das de uso exclusivamente
bélico, impulsionam a violência social,6 o que representa significativos
gastos em serviços médicos e assistenciais, desconsiderando o montante
exigido pela segurança pública. Segundo Phebo (2005), “o Brasil é o país
onde se tem o maior número de mortes por arma de fogo no mundo (...)
O risco de morrer por PAF [projétil de arma de fogo] no Brasil é 2,6 vezes
mais alto do que no restante do mundo e essas mortes são, em sua grande
maioria, homicídios.” (p. 16-7). Informa ainda “(...) a arma de fogo mata
mais homens adolescentes que qualquer doença, acidente de trânsito ou
qualquer outra causa externa.” (p. 20).
Os custos dos tratamentos por ferimento à bala também são significa-
tivos. Phobe estima que no município do Rio de Janeiro, em 2002, foram
gastos entre US$ 36 milhões e US$ 39 milhões apenas para cobrir as inter-
nações causadas por arma de fogo (2005: 27). Não se pode generalizar os
valores citados nem mesmo para a região sudeste, na qual se localiza a
citada cidade, que é considerada uma das mais violentas do país. Entre-
tanto, considerando que os ganhos da indústria de máquinas e equipa-
mentos foi, no mesmo período, de aproximadamente US$ 37 milhões, vê-
se que não se cobre sequer os custos dos ferimentos causados por armas
leves, desconsiderando destes valores os relativos à morte e assistência.
Lembrando que artigos militares, armas e munições representam pouco
mais de 1% da produção classificada na indústria de máquinas e equipa-
mentos, a lucratividade relativa da produção de armas e afins não com-
pensa sequer os gastos internos que sua posse e uso geram. Portanto, não
parece ser a indústria de armas leves a saída para a indústria bélica no
Brasil (Dreifuss et.al., 2005: 31).
6Segundo informa Dreifuss et.al., em 2002, do total das armas apreendidas no Esta-
do de São Paulo, 70% eram de produção nacional (2005: 01)
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A cooperação com os demais países da América do Sul, talvez com a
distribuição de tarefas, formaria um mercado de dimensões possivel-
mente adequadas para criar a economia de escala capaz de manter o sis-
tema [de produção para a defesa]. A eliminação das possibilidades de
conflito entre os países do nosso sub-continente abre essa perspectiva. A
P&D militar conjunta poderá criar a massa crítica de recursos, humanos
e financeiros, para diminuir o fosso tecnológico com os países mais
avançados, permitindo formulações que nos levem a participar efetiva-
mente do processo de uso da tecnologia de ponta para o desenvolvi-
mento do poder militar.
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Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 281
países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica aprovaram,
em setembro de 2004, o Plano Estratégico 2004-2012, que estabeleceu uma
série de ações militares conjuntas com a finalidade de, senão superar, ao
menos minimizar as ameaças que pairam sobre aquela região.11 No
contexto deste Plano, diversas operações já se realizaram, destacando-se o
compartilhamento (venda) dos dados produzidos pelo Sivam – Sistema
de Vigilância da Amazônia –, projeto brasileiro de monitoramento por
meio de radares interligados por satélites, que permite o controle do es-
paço aéreo de toda a região amazônica.
Em resumo, na perspectiva da integração regional, abrem-se cada vez
maiores perspectivas para a indústria bélica, quiçá permitindo, em futuro
próximo, a reorganização de empresas de armas pesadas e maior tecnolo-
gia. Assim, as recentes medidas de constituição de uma comunidade sul-
americana potencializam as possibilidades de formação de uma força
multilateral de defesa do sub-continente, o que levaria os EUA a reavaliar
suas relações com a região, em particular com o Brasil, o que representa-
ria, repetindo Oliveiros Ferreira pré-condição para “impedir que a idéia
de suserania, que é como se deve definir a relação dos EUA com os países
do Hemisfério Ocidental, ganhe corpo” (2001: 42).
A promoção da integração, entretanto, da mesma forma que se defen-
deu relativamente à implantação de centros de estudo e pesquisa em tec-
nologia e armamentos, tem sido construída com base no voluntarismo de
governantes e administradores, basta comparar o quanto se caminhou
relativamente às políticas de integração militar com a Argentina, princi-
pal parceiro do Brasil nesta matéria, nos governos de Fernando Henrique
Cardoso-Carlos Menem e Luis Ignácio Lula da Silva-Néstor Kirchner,
para visualizar o peso da vontade política sobre projetos de integração
regionais (Mathias et. al., 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
11 Antes da criação da Unasul, ao Brasil cabia fazer a ligação entre Mercosul e Pacto
Andino, pois era o único país a fazer parte dos dois tratados. Gazeta Mercantil, 15
de setembro de 2004: “Países discutem segurança amazônica”.
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to, o mesmo não se pode dizer da segunda hipótese, isto é, se existem fortes
fatores a indicar a pequena participação institucional das Forças Armadas no
processo de desenvolvimento bélico no Brasil, não é menos verdade que
também no meio civil é o voluntarismo que determina o ritmo da
implementação das decisões, como exemplificam as atitudes dos presidentes
argentinos e brasileiros desde o Tratado de Buenos Aires, de 1990.
Buscou-se mostrar também que no Brasil, jamais existiu uma política
pública conscientemente formulada para atender as questões de desen-
volvimento para a defesa. Mesmo no pós-1964, quando há grande impul-
so da indústria de armamentos e a fundação de novas empresas, a maio-
ria sob controle estatal, se elaboram planos de desenvolvimento nacional
e, seguindo os ditames da Doutrina de Segurança Nacional, se objetivam
prioritariamente o desenvolvimento para a segurança, não é menos signi-
ficativo que as rotas mudam de acordo com o Presidente em exercício, o
que aponta, uma vez mais, para o voluntarismo que acompanha as ini-
ciativas de implantação de uma indústria bélica no Brasil.
Avaliando-se a presença deste voluntarismo na questão do desenvol-
vimento para a Defesa no Brasil, parece que se esqueceu a seguinte lição:
existe relação direta entre desenvolvimento de novas tecnologias e mu-
danças nos equipamentos militares e no seu emprego. Das primitivas ar-
mas de pedra lascada aos modernos e sofisticados sistemas de armas, a
interação entre a inovação tecnológica e a arte da guerra tem sido
simbiótica, ora as necessidades da guerra estimulando o desenvolvimento
tecnológico, ora a pesquisa civil levando à aplicação militar. É
incontestável que a Revolução Industrial representou um marco nesse
processo, pois a partir dela as mudanças se aprofundaram e, o que é
ainda mais significativo, como salienta Alvin Toffler (1972), é a cada vez
maior a rapidez com que essas transformações ocorrem.
Por último, mas não menos importante, é bom lembrar que não é por
concentração de poder ou necessidade de autonomia que as Forças Ar-
madas extrapolam suas funções profissionais e assumem o controle de
outras tarefas, muitas das quais de responsabilidade exclusivamente civil.
Ao contrário, se assim o fazem é por falta de comando civil (Janowitz,
1967).12 Neste sentido, quando tomam para si o controle dos projetos de
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Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento | 283
desenvolvimento nacional, estão ocupando um espaço deixado pelos ci-
vis, sempre mais ocupados com seus ganhos individuais imediatos que
com a constituição de um parque nacional que garanta lucros, ainda que
menores, porém promissores.
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284 | Suzeley K. Mathias; Eduardo V. Cruz, Segurança e Desenvolvimento
*
Suzeley Kalil Mathias é Livre-docente em Ciência Política, professora no
Programa Inter-institucional (PUCSP/UNESP/UNICAMP) de Pós-
Graduação em Relações Internacionais (Projeto Pró-Defesa de Paz,
Defesa e Segurança Internacional), pesquisadora do Grupo de Estudos
de Defesa e Segurança Internacional (GEDES-UNESP, Campus de
Franca) e membro do Conselho Científico de Strategic Evaluation.
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Abstract: From the analysis of the Politics of Defense of Argentina, Brazil and Chile, this
article present the references on the search of establishment of deterrence framework, and
the orientations for the cooperation in the field of the security. The absence of clarity in rela-
tion to these two aspects in such a way causes difficulties for the definement of the condi-
tions of defense of each country, as well as postpones the possibilities of deepening of re-
gional mechanisms of cooperation in defense. In this context is inserted the signature, for
Brazil, of the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, and the impasses for the
continuity of the development of the submarine with nuclear propulsion.
Keywords: Mercosul; Politics of Defense; defense technology; deterrence; security coopera-
tion; Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, nuclear submarine.
INTRODUÇÃO
Embora o predomínio, inicial, de questões de cunho comercial pre-
sentes no processo de integração regional do Mercosul, a dimensão políti-
ca vem ganhando projeção. Todavia, no campo duro das relações interna-
cionais, aquele que contempla a soberania, a defesa territorial e a aplica-
ção da força para sua salvaguarda, não são estabelecidas metas explícitas
286 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 287
tratamento e as possibilidades efetivas de segurança estão, com maior ou
menor grau, subordinados aos interesses norte-americanos. Por pertence-
rem a um “anel” em torno do território estadunidense, os países latino-
americanos possuem uma capacidade mais restrita de conduzir suas po-
líticas de defesa, tal é o grau de assimetria com a potência hegemônica.
Outros fatores conformam este processo, e dizem respeito a distintos fei-
tios nacionais, com destaque para certos aspectos das relações civis-militares,
entre eles as características da transição do regime autoritário. As transições
para a democracia revestem-se de características bastante peculiares e dis-
tinguem o controle civil sobre as forças armadas nos países da região. Com
os avanços dos processos de construção e consolidação da democracia, os
papéis e a função das forças armadas modificaram-se – com redução de seu
peso político – mas ainda mantendo certas áreas sob sua influência ou
mesmo sob seu predomínio, embora as singularidades de cada país.
Outra dimensão, cara às políticas de defesa, refere-se ao eixo principal de
definição estratégica de suas configurações. Países estabelecem, com base em
diagnósticos mais ou menos aprofundados, as diretrizes centrais de sua
orientação de defesa frente ao sistema internacional ou regional, a natureza
de suas concepções de segurança. No caso dos países do Cone Sul, estas
orientações refletem, basicamente, duas posições. As políticas de defesa
apontam para o fortalecimento de mecanismos dissuasórios, ou visam à
cooperação. No caso brasileiro o emprego de meios nucleares está compre-
endido entre as possibilidades de ampliação de seus atributos dissuasórios.
Esta questão está compreendida nos marcos da assinatura do Tratado
de Não-Proliferação (TNP), quando o Brasil renunciou à possibilidade de
atingir uma plataforma tecnológica que tornaria possível a construção de
artefatos físseis. Por outro lado, permanece o programa do submarino nu-
clear, sem que se tenham, até o presente momento, atingidos os objetivos
estabelecidos. A proposta do submarino com propulsão nuclear é enten-
dida, mormente pela Marinha, como um dispositivo de dissuasão com
significativa magnitude. Assim posto, dois pontos orientam este artigo. O
primeiro refere-se à tensão entre dissuasão e cooperação, inserindo-se
duas questões essenciais: a dissuasão voltada para quais ameaças ou
inimigos? E a cooperação é buscada com quem? É possível cooperar com
quem é antevisto como objeto da dissuasão?
O segundo aspecto a ser evidenciado refere-se ao programa de cons-
trução de um submarino nuclear brasileiro, e como o seu andamento e
iniciativa adequam-se à sua Política de Defesa e como afetam os meca-
nismos de cooperação e dissuasão no âmbito regional.
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288 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa
StrategicEvaluation (2007) 1
Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 289
O caminho da desconfiança mútua até a paulatina construção da con-
fiança foi lento, porém seguro. Ele pode ser percorrido pela sua manifes-
tação formal e institucional, plasmada por inúmeros pactos e acordos, es-
pecialmente referido a temas de defesa e segurança, como a declaração do
Mercosul como Zona de Paz e livre de Armas de Destruição Massiva
(AMD), de 1998, firmada pelos países membros plenos do Mercosul, mais
Bolívia e Chile. O processo ganha ainda mais profundidade com a Força
de Paz no Haiti, também com a presença de Chile, Uruguai e Bolívia.
Antecipadamente é necessário referir-se às diferenças de forma e en-
caminhamento das definições das políticas de defesa de Argentina, Brasil
e Chile. A Argentina configurou, no Libro Blanco (1998), um alentado
estudo analítico acerca dos parâmetros mais gerais de sua política de de-
fesa, procedimento que contou com a participação de vários setores do
Estado e de outras instituições. O documento trata de cenário estratégico,
da dimensão continental, do contexto geográfico do país, dos marcos le-
gais para a defesa, dos interesses nacionais, das políticas de defesa, defi-
nindo os campos de ação, da modernização e reestruturação das forças
armadas, da redefinição das missões destas forças, de suas funções co-
muns e específicas e da condução geral da defesa, inclusive com as dire-
trizes para o orçamento de defesa. Este nível de detalhamento é produ-
cente e bastante claro nas atribuições de papéis e funções.
O Brasil carece de um esforço desta natureza, que redundasse em um
direcionamento mais detalhado da sua orientação político-estratégica
para a segurança e a defesa. Por outro lado, ausente este procedimento de
consulta e deliberação, peça importante para um maior adensamento de
critérios democráticos, as políticas de defesa apresentam orientações de
um grupo mais restrito de atores (Brasil, Política de Defesa Nacional, 2005).
No caso chileno, a participação ativa de vários setores da sociedade civil
e política conduziu à produção de um Livro de Defesa detalhado e coerente
com suas premissas básicas. O documento delineia o quadro internacional e
os ditames dos conflitos existentes no sistema internacional, o desafio es-
tratégico que considera as peculiaridades geográficas do país, a política de
defesa, os meios e a preparação para a defesa, a sua organização e os recur-
sos necessários para a sua efetivação. Acrescenta os cenários e os entornos
para a defesa, assim como os procedimentos para a mobilização nacional e
para o serviço militar (Chile, Política de Defensa Nacional).
Há diferenças de enfoque entre as Políticas de Defesa Nacional entre o
caso argentino, brasileiro e chileno. Para a Argentina, a defesa nacional
dirige-se para o emprego das forças armadas, em forma dissuasiva ou
StrategicEvaluation (2007) 1
290 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa
efetiva, contra agressões (Ley de Defensa Nacional, art. 2). No Libro Blanco de
la República Argentina (1998) os termos mais comuns são ameaças. Cabe
registrar o artigo 5 da Ley de Defensa argentina, que pontifica que a fina-
lidade do referido documento é determinar as hipóteses de conflito e den-
tre elas, as que merecem ser consideradas como hipótese de guerra. No
caso brasileiro, Políticas de Defesa Nacional (1996 e Decreto-Lei de 2005),
as ações voltam-se para as ameaças. A Política de Defesa do Chile é regida
para “enfrentar los obstáculos, riesgos y amenazas que terceros puedan
alzar contra el interés nacional”. A distinção é antes de natureza estratégi-
ca, já que a agressão é um ato de beligerância efetiva, enquanto que a
ameaça é uma percepção, é o indicativo do dano (Saint-Pierre, 2003).
Preparar-se para uma ameaça distancia-se da preparação de meios
para uma agressão ou hipótese de guerra. Aquela depende de elaborações
de cenários, de planejamento multifacetário, ainda que se busque precisar
sua emergência e origem, já que a ameaça não constitui um perigo em si,
mas depende da percepção. A preparação para contrapor-se a agressões
ou hipóteses foca o campo da segurança, e exige maior precisão em sua
definição. Entretanto, os documentos não diferem no significado da segu-
rança, ambos entendo-a como garantia da soberania, preservação da inte-
gridade territorial e de seus interesses nacionais.
Outro aspecto os aproxima, e agora pela ausência ou ao menos rare-
fação acerca do que constitui, de fato, a estratégia de dissuasão. Às neces-
sidades de segurança de formato mais clássico podem se somar outras
perspectivas, mas todas as possibilidades devem ser contempladas por
uma estratégia mais ampla, quer orientada para uma atuação militar efe-
tiva e de natureza ofensiva, quer para uma estratégia de dissuasão.
A dissuasão se apresenta como oposta à cooperação. A segunda reside
na sinceridade, na confiabilidade e na competência. A dissuasão repousa
na desconfiança e por um temor ao potencial adversário. A Metodologia
Estratégica Dinâmica parte deste pressuposto de oposição entre as duas
estratégias e visa a distribuir o quantum de dissuasão e contra quem e
que cooperação e com quem (Cobarrubias, 2004).
A Política de Defesa Nacional, de 1996, no caso brasileiro, assenta-se
sobre os pressupostos de uma diplomacia voltada para a paz e sobre uma
“postura estratégica dissuasória de caráter defensivo” (4.2). Na formula-
ção do Decreto-Lei, de 2005, do governo Lula, é substituída por uma
“postura estratégica baseada na existência de capacidade militar com cre-
dibilidade, apta a gerar efeito dissuasório” (6.2). Não se trata meramente
de estilo redacional, tampouco de grau de dissuasão, mas sim de estabe-
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Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 291
lecimento de uma nova perspectiva estratégica de defesa, ao considerar
como efeito o que anteriormente era a causa. A Concepção Estratégica do
Exército assinala a necessidade de elevação gradativa da capacidade dis-
suasória, com prioridade para as áreas estratégicas da Amazônia, Centro-
Oeste e Bacia do Prata. Note-se, contudo, que não há indicativos claros a
quem se direciona a capacidade dissuasória.
No caso argentino, a dissuasão é citada no Libro Blanco em contrapo-
sição à guerra declarada, mas não há indicações formais de que constitua
a estratégia central da formulação da Defesa. Novamente é retomada a
dissuasão, brevemente, na Ley de Defensa, ao abarcar os pressupostos da
defesa nacional, sem que, todavia, sejam apontados os possíveis objetos
da dissuasão. O Chile parte da premissa de oposição entre dissuasão e
cooperação, porém sem apontar os níveis possíveis para garantir a dis-
suasão. Será na concepção de cooperação que a Política de Defesa chilena
ganha fôlego e profundidade. Esta política afirma a existência de uma
tendência à diminuição da conflituosidade entre os Estados no continente,
que ensejou a geração de um espaço para um incremento importante da
vontade de cooperar e avançar “a um ambiente de segurança genuina-
mente comum, fundado em uma percepção compartilhada por todos”
(Libro de la Defensa Nacional de Chile, 2002:52).
Nos documentos analisados, o vocabulário soa como retórico, na ausên-
cia de uma definição unívoca sobre as bases das políticas de defesa e as pos-
sibilidades de cooperação. As referências à cooperação regional não são
substantivas nas políticas de defesa dos três países. A integração regional é
assinalada, na Política de Defesa Nacional do governo Lula, como forma de
atingir a autonomia estratégica via indústria de defesa. O enfoque sobre a
cooperação é de caráter mais geral, sem que seja contemplado o formato ne-
cessário para a sua efetivação. Este quadro de dubiedade cerca o desenvol-
vimento do Programa Nuclear brasileiro, já que não estão claramente esta-
belecidos, enquanto políticas de Estado, os objetivos a serem atingidos.
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da Marinha brasileira, cuja idéia central era dominar o processo de enri-
quecimento de urânio e a construção do reator para um submarino nu-
clear (Cavagnari, 1993:6). O resultado do Programa Autônomo de Desen-
volvimento de Tecnologia Nuclear, ou Programa Chalana, foi divulgado
oficialmente, em 1987, pelo presidente José Sarney, em anúncio que afir-
mava que o país vinha a dominar a tecnologia de enriquecimento de urâ-
nio pelo método de ultra centrifugação, em trabalho desenvolvido pela
Força Naval e apoiado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nuclea-
res (Ipen), da Universidade de São Paulo (USP), e a Comissão Nacional de
Energia Nuclear (Cnen) [O Brasil no Clube Atômico, 1987:62].
Mas este resultado se referia à conclusão de apenas dois projetos –
Zarcão e Ciclone – dos quatro que compunham o programa completo da
Marinha. Faltaria então a consecução dos projetos Remo e Costado, que bus-
cariam, respectivamente, a obtenção de uma planta de propulsão nuclear
para ser instalada no submergível e a adaptação de um projeto de submari-
no convencional para propulsão nuclear (Cavagnari, 1993:7). As verbas que
foram sendo contingenciadas ao longo dos anos 90 lhes impuseram sérias di-
ficuldades, e a sua previsão de conclusão parece estar longe de ocorrer1.
A idéia presente no estamento militar brasileiro sobre a necessidade do
submarino nuclear na composição das forças navais esteve muito em voga
após a Guerra das Malvinas, ao evidenciar a importância dessa arma como
instrumento coadjutório no teatro de operações. As vantagens do submarino
de propulsão nuclear diante do convencional residiam basicamente em três
fatores. Em primeiro lugar, devido a sua discrição ou capacidade de operar
furtivamente e independentemente de sua posição em relação à atmosfera.
Um segundo ponto se amparava na distância maior que o submarino nuclear
percorreria e na sua velocidade superior com que poderia fazê-lo. Por fim, a
possibilidade de operar por longo tempo, já que o combustível seria inesgo-
tável sob a perspectiva prática operacional (Rev. Marít. Bras., 1988:619).
O objetivo em torno da construção dessa arma se tornava um impera-
tivo para a Marinha brasileira, em vista da sua relevância operacional-tá-
tica segundo as finalidades da estratégia naval, a citar, o controle de área
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para que assinasse o TNP (Ferreira, 2001:27). A cooperação bilateral, que
instituiu a terceira fase na relação histórica entre os dois países (Mello,
1996:15), pôde ser viabilizada, sendo vista como uma alternativa estraté-
gica para superar os novos desafios da política internacional, em face da
crescente marginalização da América Latina no sistema mundial (Vizen-
tini, 2003:69). Ambas os países compreenderam a necessidade da confian-
ça mútua, que levasse a uma cooperação mais profunda, a fim de que ob-
tivessem um maior relevo para a região sul-americana nos marcos do
sistema internacional. Neste ponto, a instituição do Mercosul no campo
econômico e o pacto tecnológico-nuclear bilateral dos anos 80 que geraria
a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais
Nucleares (ABACC), acrescidos da celebração do Acordo Quadripartite e
da assinatura do Tratado de Tlatelolco revisto, em 1994, exprimem o es-
forço desta nova tendência (Vargas, 1997:41-74).
A chegada de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República
trouxe o desfecho da questão do posicionamento do Brasil frente ao regi-
me de não-proliferação de armas nucleares, com a autorização do Con-
gresso Nacional, em julho de 1998, do depósito do instrumento da adesão
brasileira ao TNP. Direcionado por linhas ideológicas neoliberais, aquele
presidente assumiu seu cargo com o compromisso de seguir o receituário
macroeconômico liberalizante, que se fundou através do Plano Real e do
endividamento externo. No plano internacional, a política externa desse
governo, denominada diplomacia presidencial, pois incumbia o presidente
das funções tradicionalmente realizadas pelo Ministério das Relações Ex-
teriores, não foi definida por um paradigma estratégico claro. Preconizou
o aprofundamento do processo de integração regional sul-americano, a
diversificação das parcerias bilaterais e, também, o multilateralismo nos
assuntos de ordem internacional (Vizentini, 2003:94).
Consta ainda, desse governo, a significativa melhora na relação Brasil-
EUA, uma vez que se findaram questões problemáticas que dificultavam
o entendimento entre ambos os países. Isto foi sedimentado por meio da
participação do país em diversos regimes e tratados internacionais na
área da não-proliferação de armas nucleares e dos seus vetores. Como
exemplos deles, podemos citar a entrada no Regime de Controle de Tec-
nologia de Mísseis (MTCR), em 1995; no Grupo de Supridores Nucleares
(NSG), em 1996; e no Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
(TNP) e no Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares
(CTBT), que ocorre em 1998 (Brigagão, 2005:99).
A gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso também marcou a
criação da Política de Defesa Nacional, em 1996, e do Ministério da Defesa,
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Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 297
segmento contestador. A adesão ao TNP, em virtude disso, traria cons-
trangimentos à dimensão estratégica do poder nacional. Primeiramente,
porque, com a obstrução ao acesso à tecnologia atômica, prejudicaria o
desenvolvimento sócio-econômico do país em áreas de aplicação civil do
conhecimento nuclear. As potências, a partir dos instrumentos do regime
nuclear, não só procurariam inibir o desenvolvimento autônomo dos Es-
tados emergentes, como buscariam a perpetuação da dependência
econômica dessas nações (Santos, 1997:127-138).
Outro ponto se inscreveria no desnível a ser criado entre as capacidades
militares dos Nuclear Weapons States (NWS) e dos Non-Nuclear Weapons States
(NNWS). Possuir o sistema de armas atômicas implicaria robustecer o ele-
mento da força militar da unidade dentro da noção de poder. Conseqüente-
mente, não possuí-lo implicaria fragilizar-se diante dos que o detivessem.
Ademais, a capacidade militar nuclear refletiria aumento de status e prestí-
gio internacional, neutralização de forças na balança de poder e mesmo a
contenção e dissuasão nuclear, entre outros efeitos (Waltz, 1999:357-358).
Outros autores postulam que, dada a desigualdade em torno da pro-
posta do tratado, o Brasil, com sua dimensão estratégica, não poderia pres-
cindir de possuir capacidade dissuasória nuclear (Frota, 1997). Esta capaci-
dade tanto se faria necessária, igualmente, por fundamentar o único meio de
manutenção da soberania territorial, de inibição de conflitos e da própria so-
brevivência de nações periféricas na política internacional (Távora, s/d).
Todavia, a decisão nacional de ratificar o tratado não seria um ato
isolado e independente no jogo político internacional. O posicionamento
brasileiro se direcionaria obrigatoriamente no sentido da relação do país
com os Estados Unidos no domínio político-estratégico. Visualizando que
as relações internacionais seriam dominadas, no pós-Guerra Fria até um
horizonte previsível, pelo unipolarismo norte-americano em matéria es-
tratégico-militar, a percepção brasileira orientaria o objetivo nacional de
construir a potência de caráter pacífico, que confiaria a defesa nacional à
proteção assegurada dos EUA no hemisfério; além do mais, apostaria na
diplomacia como fonte de poder e na eficácia da norma internacional na
resolução de conflitos de interesses internacionais (Cavagnari, 2001:7-14).
Conseqüência de tal orientação, excluir-se-ia o recurso à ação militar – a re-
corrência ao uso da força –, como método de defesa do interesse nacional e de
projeção de poder político-estratégico. Seriam obstados assim o desenvolvi-
mento de tecnologias sensíveis de natureza militar, como a construção de ar-
mas atômicas e dos seus vetores, e os investimentos na modernização das FAS,
às quais caberiam somente a defesa do território e do patrimônio nacionais.
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cional (idem), em função da existência de novas variáveis de poder, como
a estabilidade social e política, o dinamismo econômico e a articulação di-
plomática (Lampreia, 1997), além de que constituiria um bloqueio à paz e
à segurança internacionais (Lampreia, 1998).
Portanto não seria apropriado aos países em desenvolvimento o ar-
mamento nuclear no interesse de sua política externa. Três outras razões
complementam esta visão, indicando, em primeiro lugar, que os recursos
desses países, já tão escassos, deveriam ser alocados em investimentos de
outra natureza; em segundo que as resoluções do problemas sul-america-
nos não viriam com a construção do artefato nuclear por parte de qualquer
país, considerando que um possível palco de confronto, o Atlântico Sul,
estaria fora de cogitação por não ser área de interesse das superpotências, o
que reduziria a chantagem nuclear como mecanismo de pressão sobre os
parceiros da região; e, por fim, que a introdução de armas nucleares
representaria um fator de instabilidade regional (Vidigal, 1987:337).
Desta avaliação sobre a impertinência do armamento nuclear para a
conjuntura, surgiriam duas alternativas estratégicas para o país: o desenvol-
vimento do submarino nuclear como substituto do artefato e a cooperação
estreita entre Brasil e Argentina..O caso do submarino nuclear é proposto em
função do aumento “da capacidade de dissuasão de um país não-nuclear e,
pela não-inibição ao seu uso, a eficácia desta dissuasão será bem superior
àquela proporcionada pelo armamento nuclear” (ibid., 338). Já a estreita par-
ceria brasileiro-argentina é vista como fator importante para dissuadir
agressões externas, independentemente da origem, e o efeito dissuasório
será maior, se houver ataque pelos nações continentais (ibid., 339).
A discussão acerca do regime de não-proliferação de armas nucleares,
no entanto, pode ser resumida a somente dois motivos. O primeiro moti-
vo descreve que os Estados centrais e potências nucleares atuariam de
maneira a manter “um diferencial de poder tecnológico-militar (edge) em
relação aos Estados capazes de perturbar a ordem internacional”; e o se-
gundo, afirma que haveria um bloqueio do acesso à tecnologia atômica
aos Estados não-nuclearizados belicamente, a fim de impedir que adqui-
rissem “os meios de destruição em massa que os <tornassem> ameaças a
seus vizinhos, à ordem global e à projeção de poder necessária para con-
trolá-los” (Lamaziere, 1991:48). Em outras palavras, é observar a lógica da
dissuasão a revestir a problemática. O armamento nuclear aparece, por
conseguinte, como o meio de se obter a dissuasão que garantiria o efeito
da preservação da ordem internacional.
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Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa | 301
modernização tecnológica do Exército brasileiro. O intuito aqui é maximi-
zar a capacidade militar nacional para garantir seu efeito dissuasório con-
fiável no cenário estratégico mundial. Por mais que a América do Sul seja
uma região que tangencie os principais focos de tensão mundiais e tendo
ou não sida aprofundada a integração do Mercosul, o princípio se man-
tém, já que, “ainda há necessidade de o País exercer a dissuasão no
âmbito regional” (ECEME, s/d:12).
Em contrapartida, o segundo eixo diz respeito ao prosseguimento da
integração do bloco regional – tendência externa ou exógena –, só que de
maneira a extrapolar o campo econômico, passando a abranger o político-
militar. Esse processo seria erguido pela elevação da capacidade militar
das nações sul-americanas, acima de tudo, as que compusessem a forma-
ção do Mercosul. O upgrade militar dos países, contudo, deveria ser con-
duzido não sob o ângulo da corrida armamentista, mas visando ao
arranjo da consistência estratégica do Mercosul tanto quanto da América
do Sul que, assim, “abriria a possibilidade para uma dissuasão conjunta
em defesa dos interesses do bloco” (idem). Isto fortaleceria o potencial do
complexo sul-americano na política de poder mundial.
DA DISSUASÃO À COOPERAÇÃO?
Descortinam-se as possibilidades de aprofundamento da cooperação
em âmbito regional. A cooperação não traduz, necessariamente, a inte-
gração (Quermonne, 1998). A estratégia de integração, por sua própria natu-
reza e amplitude, impõe um maior grau de exigência. No caso da União
Européia, por exemplo, procura realizar a União econômica e política da
Europa, pela transferência progressiva de certas competências relevantes da
soberania dos Estados a instâncias administrativas ou eletivas transna-
cionais. O princípio condutor é o da supranacionalidade e as tomadas de
decisão decorrem de votação majoritária, situação que se afasta da situação
presente no Mercosul (considerando também seus membros associados).
Por sua vez, a estratégia da cooperação é menos ambiciosa. Tende a
harmonizar e coordenar políticas originadas dos próprios Estados, sem
que se descure da manutenção do nível de soberania de cada um. Ações
conjuntas, estabelecidas por instâncias intergovernamentais, são tomadas
por unanimidade, quadro mais próximo da realidade do Cone Sul.
A estratégia de cooperação, entretanto, está limitada à atuações em
exercícios conjugados, reparos de equipamento militar e intercâmbios
educacionais, mas sem que se configure, para curto prazo, a possibilidade
de efetivação de uma Cooperação em Defesa e Segurança, que implicasse
StrategicEvaluation (2007) 1
302 | Samuel A. Soares; Leonardo S. de Oliveira, Meios nucleares para a defesa
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Samuel Alves Soares é Professor da Universidade Estadual Paulista
(Franca) e pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança In-
ternacional; Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
EE-T4 OGUM
Na segunda metade dos anos 80 a ENGESA – Engenheiros Especiali-
zados S/A apresentou um veículo blindado leve, sobre lagartas, projeta-
do para possuir grande flexibilidade e apto a desenvolver vários tipos de
306 | E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria
StrategicEvaluation (2007) 1
E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 307
O motor era frontal, diesel, Perkins modelo QT 20 B4236, nos dois
primeiros protótipos, quatro tempos, turbinado, quatro cilindros em
linha, 125 HP, transmissão automática Alisson modelo AT 545, quatro
marchas à frente e uma à ré, o que lhe dava uma autonomia de 350 km,
em estradas a uma velocidade de 70km/h. Já os dois últimos protótipos
foram equipados com motor BMW modelo M21D24WA-LLK, diesel de
seis cilindros, bem mais leve e com potência de 130HP e maior raio de
ação de 360km e uma velocidade de 75km/h, caixa de transmissão ZF
modelo 4HP 22, quatro marchas à frente e uma à ré.
Todos possuíam diferencial controlado, responsável pela transmissão
de potência e direção do veículo. Este sistema é composto por engrena-
gens hipoidais e dois discos de freio que controlam a direção do veículo.
O sistema de direção é composto de pinhão e cremalheira que aciona dois
cilindros mestres de freio conectados aos calipers do diferencial controla-
do através de tubulação metálica, atuando como controlador de velocida-
de de rotação dos satélites. Sua suspensão é do tipo barras de torção com
três amortecedores de cada lado. O trem de rolamento possui quatro
conjuntos de rodas emborrachada sendo uma tratora à frente do veículo,
um conjunto de rodas tensoras das lagartas na traseira. As lagartas são
alemãs Diehl com sapatas removíveis, guiada pelo centro com duplo pino
emborrachado, o que lhe dá baixa pressão sobre o solo.
Foram previstas várias versões sobre o mesmo chassi, sendo as mais
expressivas: Veículo Transporte de Pessoal (APC) com capacidade para
quatro soldados equipados mais o motorista, armado como uma metra-
lhadora 7,62mm; Veículo com canhão de 20mm; Veículo com torre para
duas metralhadoras 7,62mm; Veículo anti-tanque lançador de mísseis;
Veículo de reconhecimento com metralhadora .50 em torre giratória; Veí-
culo porta-morteiro 120mm; Veículo transporte de munição; Veículo co-
mando; Veículo Ambulância.
O EE-T4 Ogum ainda é um veículo versátil mesmo para os dias de
hoje, seu conceito é extremamente moderno e poderia muito bem ser
aproveitado pelo Exército Brasileiro que criou recentemente uma Brigada
de Operações Especiais; serviria também para a Brigada Pára-quedista e
muitas outras unidades nas mais variadas funções.
EE-18 SUCURI II
No início dos anos 80 a empresa alemã Rheinmetall, procurando satis-
fazer as necessidades formuladas pelo corpo de infantaria da Marinha dos
Estados Unidos, que necessitava de um canhão de baixo recuo que pudesse
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através de uma parede corta fogo e estrutural, com isolamento térmi-
co/acústico, que possuía duas portas de acesso, sendo uma gradeada
para entrada e saída do ar para o motor.
Os tanques de combustíveis foram instalados no fundo do assoalho entre
os dois eixos traseiros e ambos possuíam no seu interior dois quebras ondas
de cada lado. Suas baterias estavam localizadas na parte frontal cujo acesso
era feito através da tampa já mencionada O power pack era composto de
cinco conjuntos principais, motor, caixa intermediária, transmissão automáti-
ca, caixa de descida e arrefecimento, agregados aos seus respectivos acessó-
rios. Sua retirada podia ser feita de uma só vez, através da câmara do motor,
por uma travessa especial, através da liberação dos parafusos que fixavam os
suportes do motor e os cardans, desconexão dos engates rápidos do sistema
de combustível, elétrico e hidráulico. O motor frontal era um Scania DS 11,
diesel, quatro tempos, refrigerado a água, seis cilindros em linha, injeção di-
reta, turbo comprimido, 384HP de potência máxima.
Seu sistema de direção era totalmente mecânico/hidráulico, acionado
hidraulicamente através de uma bomba acoplada ao motor que envia óleo
à caixa de direção, a qual transmite o movimento para as rodas via barra
de direção. Possuía ainda um sistema limitador de giro do munhão e ou-
tro interno a caixa de direção, garantindo assim a segurança mecânica e
hidráulica. A direção era ZF modelo 8046, hidráulica.
A transmissão era composta por três diferenciais montados sobre coxins,
de forma a evitar transmitir vibrações ao monobloco, que são dotados de
bloqueio, acionados pneumaticamente através de solenóide. Juntas homoci-
néticas lubrificadas e cardans lubrificados com graxa especial enquanto os
diferenciais são banhados a óleo. Todo o sistema de transmissão é vedado
do power pack e do monobloco por meio de coifas de borracha.
O eixo dianteiro e traseiro posterior eram ZF modelo BKA tipo motriz,
com bloqueio do diferencial e redutor planetário com diferencial ZF. O eixo
traseiro anterior era ZF modelo BKA-DU tipo drive-thru com bloqueio do
diferencial e redutor planetário. A transmissão era ZF modelo 6HP 600,
automática, com Lock Up e retarder com seis velocidades à frente e uma a
ré. A caixa intermediária era uma ZF modelo STV 600. tipo mecânica, liga-
da diretamente à transmissão automática. No redutor final estava instalada
a roda, o enchimento do pneu, o disco e os clipers de freio.
O sistema de suspensão era composto por unidade hidropneumática,
bandeja e munhão. A bandeja era fixada ao monobloco através de man-
cais e a unidade hidropneumática pelo munhão. A unidade hidropneu-
mática foi fixada ao monobloco através de flange parafusada na parte su-
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perior e por uma porca especial com trava na parte inferior (munhão) e
era composta por três cilindros e um pistão separador. Dois dos cilindros
são fixos pela parte inferior que contém óleo e pela parte superior que
contém gás nitrogênio. O efeito de mola da suspensão é obtido através da
compressão do gás nitrogênio contido na câmara superior da unidade
com o movimento dos cilindros inferiores, comprimindo o gás que é se-
parado pelo pistão separador. O amortecimento é obtido via placa de ori-
fícios na câmara de óleo. A regulagem era feita através do ajuste da
pressão de nitrogênio através de um terminal de fácil acesso. Esta suspen-
são (dianteira, traseira, posterior e anterior) era DUNLOP do tipo Mc
Pherson, independente, hidropneumática.
O sistema de freio era composto por freio de serviço que combina a
atuação de um retarder integrado à transmissão com o conjunto de freio
hidropneumático e freio de estacionamento de acionamento manual, o
qual possuía tambores instalados na frente dos diferenciais traseiros.
O trem de rolamento era constituído por pneu, aro da roda, manta de bo-
rracha e ACM (Appui Central Métallique – reforço central metálico) tipo “run
flat”. O pneu 18.00 x 22.5, perfil baixo, aro de roda em aço estampado, manta
de borracha montada entre o aro de roda e o ACM, evitando-se assim o con-
tato direto metal-metal. O ACM era uma peça metálica construída em duas
partes fixadas por meio de parafusos. Composto por seis rodas com aros de
aço 14 x 22,5”estampados, pneus MICHELIN XS 18R 22,5 com câmaras a
prova de balas com coroa metálica, sistema ACM Michelin, e sistema de en-
chimento e esvaziamento dos pneus acionado do interior do veículo.
O sistema elétrico era constituído pelos sub-sistemas: armazenagem de
energia, geração de energia, distribuição, proteção, monitorização e controle e
iluminação. A armazenagem era constituída de quatro baterias no chassi e
duas na torre, ligadas de duas em duas em série cuja capacidade total era de
300 Ah, cuja utilização depende do modo operacional normal ou emergência,
sendo que sempre um par está destinado a operação de partida do veículo.
A geração era feita por um alternador de 200 A, 28 V de capacidade, refri-
gerado a ar, acionado por três correias, sendo compatível com as especifica-
ções MIL-STD-461 A e 1275 A. Sua distribuição era toda feita com fiação e re-
vestimento termo-retrátil protegidos por filtros, blindagens e aterramentos
contra interferência eletromagnética, proteção mecânica resistente a tração,
choque e vibração. Proteção ambiental resistente a ambientes corrosivos,
abrasivos, óleos, graxas e outros. Possuía ainda conectores de engate rápido,
chicotes divididos por funções: monitoração, alimentação, comandos e ilumi-
nação. Todo o conjunto era protegido por disjuntores térmicos que exibem
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E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 311
indicação visual de circuito aberto, que podem ser monitorados a partir de
painel principal, um painel monitor e um painel de alerta.
O sistema de iluminação era constituído de iluminação externa (faróis,
lanternas) e interna (plafoniers e iluminação de painéis). Possuía chave
NATO (civil/militar). A tensão era de 24 volts, as baterias eram Saturnia 6
TN, 12 volts, 100 Ah cada, o alternador era um Leece Neville A001
2036AA, com tensão de 28 volts e capacidade de 200 A. Estava ainda
previsto como itens opcionais o sistema NBC com captação de ar externo,
filtragem e insulflamento no interior do veículo alojado no chassi, sistema
antiincêndio para câmara do motor e compartimento da tripulação.
Com relação à torre, era um monobloco em chapas de aço soldadas, duas
escotilhas que permitiam fácil acesso ao seu interior, uma de cada lado e
mais uma lateral que permitia o carregamento de munição para o interior do
veículo, bem como a descarga dos estojos usados. Sua tripulação era com-
posta de três homens, estando o atirador e comandante à direita e o muni-
ciador à esquerda do canhão. O sistema era de cesta apoiada sobre roletes no
fundo do veículo e arrastada pela torre por um braço articulado, sistema este
que permitia a retirada da torre independentemente da cesta, reduzindo o
peso do conjunto e altura livre necessária a sua remoção. Através da cesta é
possível acessar o compartimento do motorista pelo interior do veículo. Os
bancos do atirador e comandante eram apoiados no piso da cesta dispondo
de dispositivos para ajuste rápido e contínuo de altura. Já o banco do muni-
ciador era fixado à torre, com assento rebatível, aumentando assim o espaço
disponível durante a operação de carregamento do canhão.
Seu armamento principal era um canhão Oto-Melara 105mm, recuo
longo com freio de boca e extrator de fumaça, rearme tipo mola, recuo
máximo de 750mm, força de recuo 12.000kg e peso de 1.850kg, capaz de
disparar munições de alta velocidade HEAT-MP-T (alvos blindados ou
infantaria) e APDSFS (alvos blindados pesados, de grande alcance efetivo
e elevado efeito terminal). O tubo era tipo L7 raiado, com luva térmica de
liga leve evitando assim deformações causadas por distribuição não uni-
forme de temperatura. O freio de recuo era composto por um cilindro re-
cuperador hidropneumático montado paralelamente ao tubo.
A abertura da cunha podia ser automática ou manual (acionada pelo
recuo do canhão), selecionada por uma alavanca situada no lado es-
querdo do bloco da culatra. Em relação à abertura manual esta somente
seria utilizada basicamente em operações NBC, evitando queda da sobre-
pressão na torre, e o fechamento era efetuado automaticamente pela mu-
nição, quando esta era introduzida na câmara. A extração do estojo era
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dor, que após processá-los com todos os parâmetros citados, injeta um
ponto luminoso vermelho na tela dos periscópios. A pontaria se fazia le-
vando-se o alvo a coincidir com esse ponto e então era acionado o pedal
de disparo para realizar o tiro. No caso de alvos móveis a operação é se-
melhante, porém é necessário fazer o acompanhamento do alvo entre as
duas marcas existentes na tela, para aquisição da velocidade. Em caso de
falha do computador realiza-se a pontaria através do retículo balístico in-
corporado nos periscópios. Se estes falharem existe ainda a possibilidade
de tiro através da luneta de combate, a qual possui um retículo balístico
idêntico ao dos periscópios incorporados.
No item ventilação, os gases gerados pela metralhadora coaxial são
descarregados ao exterior através de um exaustor elétrico com tomadas
localizadas. Além do extrator de fumos do canhão, existe na torre, um
exaustor elétrico com tomadas localizadas, que descarregam para o exte-
rior os gases gerados, limitando assim a concentração de CO na torre.
Quanto a comunicação na parte traseira da torre, atrás do comandante
existia um alojamento para dois rádios VHF e um para HF, incluindo equi-
pamento de cifragem das mensagens. O sistema incluía ainda um interco-
municador para todos os tripulantes, inclusive o motorista, através de ca-
nais especiais com baixo nível de ruído no coletor. Previa-se ainda a adoção
de rádios mais modernos e menores. Como item opcional podia ainda por
meio de leds em um painel, indicar quando o veículo era atingido por feixe
de laser proveniente de equipamentos de telemetria ou guiagem, indicando
de onde provem o sinal, para uma rápida ação evasiva.
Só para termos uma idéia da dimensão deste projeto, desconhecido
por nós, em artigo publicado na Suiça, na Revista Internacional de Defensa
5/1988, páginas 549/551, artigo este assinado pelo R.M. Ogorkiewicz,
uma das maiores autoridades em blindados no mundo, em seu último pa-
rágrafo ele diz: “A conseqüência direta desta decisão é que Engesa está
desenvolvendo um veículo adequado para o meio em que deve operar o
Exército Brasileiro e o de outros países, veículo que poderá ser o autêntico
sucessor do Cascavel”.
EE-3 JARARACA
A idéia de se produzir um veículo leve blindado 4x4 para o Exército
Brasileiro não é nova, ela remonta ao início dos anos 70, quando a primei-
ra idéia surge no Parque Regional de Motomecanização da 2ª Região Mi-
litar de São Paulo – PqRMM/2. Seria uma forma de substituir o velho
jipe como veículo de exploração nas unidades de cavalaria mecanizada,
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com 140 litros de diesel, velocidade máxima de 100 km, podendo subir
rampas de 60% e inclinação máxima lateral de 30%, superar obstáculos
vertical de 400 mm, podendo passar em vaus de 800 mm.
Seus componentes mecânicos eram todos oriundos da indústria auto-
motiva nacional, usada em caminhões, o que facilitava a logística de peças
de reposição. Seu motor era um Mercedes Benz OM-314A, quatro cilin-
dros em linha, turbo alimentado e sua caixa de mudanças era uma Clark
modelo 240 V, mecânica, com caixa de descida Engesa, com engrenagens
helicoidais, engrenamento constante e relação l,0:1. Sua embreagem era
do tipo monodisco seco, hidráulico e a caixa de transmissão múltipla En-
gesa, mecânica, duas velocidades, engrenamento constante. O sistema de
direção era ZF do Brasil modelo 8058, hidráulica e sua suspensão tipo
eixo rígido, flutuante, com molas semi elípticas e amortecedores de dupla
ação, sistema de freio Bendix a tambor com acionamento a ar sobre
hidráulico e freio de estacionamento mecânico.
O conceito ainda atual poderia gerar um novo veículo blindado 4x4
que atenderia muito bem às forças militares e policiais, dentro da nova
realidade em que está sendo empregado, principalmente, o Exército em
operações urbanas na luta contra o narcotráfico. Não foi o melhor veículo
concebido pela ENGESA, recebeu muitas críticas de seus próprios enge-
nheiros, tanto que toda a sua produção foi exportada para países como
Uruguai (16), Guiné (10), Gabão (12), Equador (10) e Chipre (15) que
ainda o operam, sendo que o Uruguai está operando cinco deles no Haiti
onde integram a MINUSTAH sob o comando do Brasil.
Concebido para substituir as viaturas ¼ toneladas, com sua silhueta
baixa e sua facilidade de manobras em terrenos variados o tornam um
veículo extremamente operacional inclusive para patrulhar áreas urbanas
como força policial nas operações que exijam alto poder ofensivo, propor-
cionado uma boa proteção a seus tripulantes e dadas as suas pequenas
dimensões pode locomover-se com facilidade, evitando desta forma em-
pregar veículos 6x6, pesados, grandes como os ocorridos recentemente no
Rio de Janeiro, inclusive seria o veículo ideal para as unidades de ataque
rápido, pois pode muito bem ser lançado de pára-quedas.
CHARRUA
Em meados dos anos 80 a Moto Peças S/A em parceria com o Exército
Brasileiro iniciou um programa de estudos para a modernização dos M-59
de origem norte-americana, oriundos da guerra da Coréia. Inicialmente
pensou-se na substituição de seus dois motores a gasolina, montados nas
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E. Bastos, Um olhar sobre alguns projetos ainda viáveis para a indústria | 317
nal com placas de cerâmica, que deveriam ser retiradas quando fosse
efetuar operações anfíbias, e segundo o fabricante estas resistiriam a im-
pactos diretos de munição normal de até 20mm.
Seu motor, um diesel Scania DSI 11, de 349 hp, com caixa de trans-
missão automática “cross-drive” Allison, ficava situado na sua parte
frontal ao lado do compartimento do motorista. De seu interior era possí-
vel disparar armas automáticas e possuía ainda na sua parte superior,
uma pequena torre para metralhadora .50, ou canhões de 20/25mm, de-
pendendo da configuração, além de três grandes escotilhas com tampas
retangulares e quatro lançadores de granadas fumígenas. As sapatas de
borracha das lagartas foram fabricadas pela Novatração Artefatos de Bo-
rracha que realizou diversos testes em parceria com o Exército.
Uma versão antiaérea chegou a ser montada sobre o veículo pela CBV,
com canhão Bofors 40mm, numa torre giratória, apresentado em uma ex-
posição de material de defesa ocorrida em São José dos Campos, SP, mas
que não foi adiante, o que poderia ter sido um eficiente sistema para defe-
sa antiaérea, visto que até hoje não possuímos nenhum blindado para esta
finalidade. Os testes com o protótipo, versão transporte de tropas, mais
tarde transformado em Veículo Anfíbio Transporte de Fuzileiros, se de-
senvolveram até início dos anos 90, mas com a crise da nossa Indústria de
Material de Defesa este projeto também não foi adiante, muito embora o
protótipo II exista e se encontra no IPD, no Rio de Janeiro, sem condições
operacionais, ele foi muito elogiado, principalmente pelas suas qualida-
des de navegabilidade, e poderia ter sido o sucessor do M-113 tanto no
Exército quanto na Marinha.
CONCLUSÃO
Faz-se necessário uma readequação do nosso Parque Industrial de De-
fesa, com fusões de empresas, tornando-as mais competitivas e diversifi-
cadas, como tem sido feito na Europa e Estados Unidos; criar uma agen-
cia de aquisição e avaliação de material para as três forças ligadas ao Mi-
nistério da Defesa, com poder de decisão e como forma de transformar as
forças armadas em operadoras de sistemas de armas e não detentoras de
plataformas “A” ou “B”, interagindo-as nos sistemas que forem comuns.
Recriar empresas estatais para produção de material de defesa que não
sejam de interesse das privadas (pouca lucratividade, pequenas quantidades
e longo tempo de compras), como forma de suprir e manter operacional
itens importantes que possam ser produzidos no país, evitando-se importa-
ções em escala pequena como tem ocorrido na atualidade.
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área, ela trará enorme benefício a todos, desenvolvendo tecnologias sen-
síveis que os países mais desenvolvidos não querem e não podem nos
transferir. Só um decreto não basta para mantermos e ampliarmos uma
Indústria de Defesa. Seria de extrema importância manter um Museu
Tecnológico que agregaria tudo o que sobrou do nosso desenvolvimento
nessa área nas décadas passadas, reunindo num mesmo lugar com a
finalidade de servir de base para desenvolvimentos futuros.
Analisar a grande interatividade entre a indústria nacional-
multinacionais e as Forças Armadas, na época, transformando o País num
produtor de material de defesa para seu uso e exportação, com erros e
acertos, desenvolvendo tecnologias que na maior parte não podia ser
comprada, pela simples razão de que quem as detém não ensina a domi-
nar seu ciclo de produção, criando a terrível dependência.
Diversas etapas do ciclo de projeto, desenvolvimento e produção fo-
ram exercitados e entendidos. No momento em que toda a cadeia de de-
senvolvimento e produção entrou em crise, os governantes não cuidaram
em preservá-la, incluindo aí todo o conhecimento gerado por anos de
pesquisas e qualificação de pessoal, que da noite para o dia se viu desem-
pregado, desamparado e lançado à própria sorte. Nem o material foi
mantido para uma retomada futura - a maior parte virou papel velho - e o
maquinário e protótipos simplesmente foram sucateados, vendidos como
ferro velho, sepultando assim um fator essencial para o domínio da tec-
nologia na área de defesa.
Faltou visão estratégica e vontade política, pois as alegações de que
“importar é mais barato” e que “isso era resquício da ditadura” prevaleceu
nos últimos anos e somente agora estamos percebendo o que realmente foi
feito. O desejo de ter um equipamento brasileiro deve ser dos brasileiros e
não dos fabricantes mundiais. Tecnologia não se compra, desenvolve-se.
*
Expedito Carlos Stephani Bastos é coordenador da linha de pesquisa em
Tecnologia Militar do Centro de Estudos Estratégicos ‘Paulino Soares
de Sousa’ da Universidade Federal de Juiz de Fora; Coordenador do
Núcleo de Estudos Estratégicos do Instituto Histórico e Geográfico de
Juiz de Fora; Curador da seção de blindados e veículos militares do
Museu Militar Conde de Linhares (Rio de Janeiro); e Coordenador do
portal temático UFJF/Defesa <www.ufjf.edu.br/defesa> da UFJF.
StrategicEvaluation (2007) 1
Strategic Evaluation
ISSN 1887-9284 (2007) 1
Abstract: Even when the analysis of Brazilian defence industry was a recurrent issue in
international forums, barely anyone in the Spanish-speaking countries tackled the matter,
obviating remarkable common features not only with its Latin-American neighbours but
also with the Iberian countries. Though the reasons for this lack of interest will not be
studied, this work hopes to present the evolution of Brazil’s defence industrial complex,
from its origins to our days, in a syntactical form that may be of use for future comparative
studies and a necessary revision, many years gone since the crisis of the industry, that
must be carried out with the required exemption.
Keywords: defence industry; Brazil; international trade; military technology.
INTRODUCCIÓN
A mediados de los ochenta Brasil pasó a encabezar la producción de
armas entre los países en vías de desarrollo convirtiéndose, a lo largo de
los años y según diversas fuentes, en la séptima (SIPRI, 1981), sexta (Ke-
ller, 1991:143) o quinta (Stepan, 1998:83) potencia mundial en este campo.
Los efectos de la crisis de finales de los ochenta y principios de los no-
venta, viéndose Brasil especialmente perjudicado por el fin de las hostili-
dades entre Irán e Irak, fueron duros pero no asombraron a nadie en
322 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil
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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 323
No obstante, la máxima de cuanto más alto se sube mayor es la caída re-
sulta perfectamente aplicable al caso brasileño, aunque el fin del conflicto
irano-iraquí y de la propia Guerra Fría no explican de por si el gran ‘topeta-
zo’. Conca (1997) señala que la lección fundamental del caso brasileño es la
pauta histórica de desarrollo militar-industrial por la cual este extenso com-
plejo interactúa estrechamente con las estructuras políticas domésticas que
podrán facilitar o constreñir un crecimiento hipotético. Teniendo en pers-
pectiva las dificultades de industrialización de los países en vías de desarro-
llo, especialmente en lo que se refiere a la internalización de medios estraté-
gicos en el proceso de producción armamentístico, el relativo éxito de Brasil
es sin duda alguna meritorio, y por ello intentaremos analizar sus razones.
Nos encontramos en un momento histórico interesante para lanzar tal
propuesta. En primer lugar porque, transcurrida una década y media desde
su colapso, deberíamos estar en condiciones de evaluar desde una perspec-
tiva distanciada, y con los aportes de datos necesarios, el surgimiento y cri-
sis de la industria de defensa en Brasil, precisamente cuando parecen brotar
de nuevo algunas hojas verdes en el gigantesco pero arrasado árbol del Sur.
El pasado año 2005 ha dejado un sabor agridulce en aquellos que se vienen
preocupando por el desarrollo de las capacidades tecnológicas brasileñas,
pero ya es un avance frente a la larga noche de piedra iniciada a principios
de los noventa con los colapsos, quiebras y defunciones de prometedores
proyectos en el campo de la ingeniería militar.
A pesar del complejo panorama político, el Ministério da Defesa aprovó
una interesante iniciativa, bajo la denominación de Política Nacional da In-
dústria da Defesa, que en teoría busca fortalecer la base industrial de defensa
en Brasil a través de la progresiva reducción de la dependencia externa en
productos estratégicos de aplicación militar, desarrollándolos y produ-
ciéndolos en el propio país, incentivando de esta forma el avance tecnológi-
co y las capacidades de adquisición por parte de las Fuerzas Armadas na-
cionales (Bastos, 2006:7-8). Asimismo, la también novedosa Política de Defesa
Nacional (Decreto nº 5.484, de 30 de junio de 2005) incide también en esta
necesidad cuando establece, como en décadas anteriores, que
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324 | Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil
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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 325
ticas. Posteriormente se inicia, por motivos económicos, una explotación
más violenta en la que los conflictos con los indios se hacen más frecuen-
tes. Tras haber agotado las vías de explotación de otras colonias portu-
guesas, y procurando conservar las amenazadas riquezas lusas, aquel es-
cenario armónico pronto se convirtió en territorio de guerras.
En el siglo XVII Brasil era ya un gran productor de azúcar, lo que provocó
colisiones con los holandeses, que durante algún tiempo (1624-1654) controla-
ron parte de sus costas (Machado, 1980:27). En 1762, cuando el virrey Gomes
Freire de Andrade funda en Río de Janeiro la Casa do Trem de Artilharia, se
da el primer paso hacia la creación de una industria de armamentos, con la
finalidad de suplir las necesidades de material bélico en Sudamérica. Dos
años después, el Conde da Cunha transforma la Casa en Arsenal do Trem,
dándole mayor capacidad logística y de producción. Al mismo tiempo, en
1763 se crea también el Arsenal de Marinha, al que se hará referencia poste-
riormente (Amarante, 2004). Estas iniciativas no son de extrañar dadas las
tensiones existentes con el Imperio español, al que de hecho, tras las guerras
de finales del XVIII, tuvieron que ceder Uruguay (Machado, 1980:52).
Sin restar importancia a estas inversiones estatales, que arrancaron la
producción armamentística autóctona del campo puramente artesanal,
será con la llegada de D. João VI a Brasil, con toda la Corte, a causa de la
invasión napoleónica de Portugal, cuando las actividades industriales
crecerán considerablemente. En 1808 se inaugura la Fábrica de Pólvora de
Lagoa Rodrigo Freitas, que en 1824 se traslada al Distrito da Estrela, en la
Sierra de Petrópolis, cerca de Río de Janeiro, con el nombre de Fábrica da
Estrela. Esas instalaciones forman hoy parte del complejo de cinco unida-
des de producción de IMBEL (Indústria de Material Bélico do Brasil), lo
que denota su importancia (Dreyfus et al., 2004; Amarante, 2004). En este
proceso de expansión, el Arsenal do Trem se transforma en 1811 en Arse-
nal de Guerra da Corte, hoy Arsenal de Guerra do Río, con mayor capa-
cidad de producción de armas, municiones y otros materiales para uso de
las fuerzas armadas. Asimismo, para facilitar el apoyo logístico a las
campañas militares en el sur del país (zona limítrofe con Uruguay, Para-
guay y Argentina), se funda el Arsenal de Guerra de Pôrto Alegre, en Río
Grande do Sul, que hoy aún funciona en General Câmara (Amarante, 2004).
En 1889, con el fin del Imperio y la proclamación de la República, se
inicia una nueva fase de renovación del material de las fuerzas armadas,
desgastado tras la guerra contra Paraguay (1865-1870). La política domi-
nante, promovida por las nuevas elites intelectuales (Schwarcz, 2001:25),
consistía en importar armamento, adecuando los arsenales para su en-
samblaje y reparación, lo que condicionaría la industria de defensa du-
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Joám Evans Pim, Evolución del complejo industrial de defensa en Brasil | 327
inauguran la Fábrica de Curitiba, en Paraná, para la producción de vehí-
culos, cocinas de campaña y otros equipamientos; la Fábrica de Bonsuces-
so, para la fabricación de armas químicas y máscaras de gas; la Fábrica de
Itajubá, para la producción de armamentos ligeros, y la Fábrica de Juiz de
Fora, para la producción de municiones de gran calibre. Finalmente, en
1939 se funda la Fábrica de Material de Comunicações, hoy Fábrica de
Material de Comunicações e Eletrônica, para la producción de radio-
transmisores y teléfonos de campaña entre otros dispositivos (Amarante,
2004). Significativamente, muchas de ellas siguen aún en funcionamiento.
A pesar del despliegue descrito, al estallido de la Segunda Guerra
Mundial, Brasil aún no se encontraba en condiciones de autoabastecerse,
lo que le acarreó notables problemas. La expansión industrial de esta dé-
cada se construyó a base de tecnologías foráneas, produciendo bajo licen-
cia o tras comprar los derechos, no existiendo aún plantas para la fabrica-
ción de materiales militares básicos como cañones, ametralladoras o tan-
ques, debido en parte a la ausencia de una industria siderúrgica pesada
propia. Esta ausencia, bajo los auspicios de Vargas y la iniciativa del in-
geniero militar Edmundo de Macedo Soares, se paliará con la creación de
la Companhia Siderúrgica Nacional en 1945. Pero como es sabido, la par-
ticipación brasileña en el conflicto no vino dada tanto por la ausencia de
entendimiento del Estado Novo con Alemania , sino por la búsqueda de
prestigio internacional y desarrollo industrial. Los EE.UU. necesitaban de
forma desesperada una larga lista de recursos naturales, así como bases
navales en el Atlántico Sur (en especial en el Noroeste de Brasil, verdade-
ra puerta de enlace hemisférico), y el presidente Vargas hábilmente hizo
un trato que, precisamente, conllevó la creación de la mayor planta side-
rúrgica de toda Sudamérica en Volta Redonda (Gallego, 2003:24), instala-
ción que aún en 1970 sería de las más productivas de todo el planeta.
La tres décadas siguientes serán cruciales a la hora de pasar, Brasil, de
ser un país con graves carencias de autoabastecimiento de armas a conver-
tirse en uno de los grandes exportadores (si no el más grande) entre los paí-
ses en vías de desarrollo durante los años ochenta. Si bien la política de in-
dustrialización del presidente Getúlio Vargas proporcionó las bases para el
avance tecnológico en esta área, será con el golpe de estado militar de 1964
cuando aparezcan las condiciones políticas y económicas necesarias para el
establecimiento de una verdadera industria militar moderna. Pero ésta no
surgió sin más como consecuencia del nuevo gobierno militar, sino que apa-
rece estrechamente relacionada con el modelo de desarrollo económico a
largo plazo (Franko-Jones, 1992:55). No se trata de un mero enclave, se con-
cibe más bien como una parte integral de la estructura industrial del país.
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(todos ellos relacionados con la ESG), aplicaron los contenidos programá-
ticos de aquella institución a la praxis gubernamental. De hecho, el lema
‘seguridad y desarrollo’ se consagra con su inclusión en el Art. 7 de la Ley
de Reforma Administrativa, buscando no sólo la transformación de Brasil
en un país industrializado con capacidad militar y reconocimiento inter-
nacional, sino también la estabilidad interior necesaria, entonces pertur-
bada por movimientos guerrilleros (considerados, en el marco global de
la Guerra Fría, infiltraciones soviéticas).
La ‘Doctrina de Seguridad Nacional’ no era algo exclusivo del gigante
sudamericano, apareciendo prácticamente en todas las dictaduras militares
del ‘Cono Sur’ en los años sesenta, setenta y ochenta. Resultado de una
adaptación de las prácticas de contrainsurgencia francesas y estadouniden-
ses de las décadas anteriores, donde la idea básica consistía en la utilización
de las políticas económicas, sociales y administrativas de una ‘guerra total’
contra la expansión soviética (un peligro cada vez más presente en América
Latina, como demostró el triunfo de la Revolución Cubana en 1959). El de-
sarrollo económico se entendía así como un frente crucial de la batalla, si-
guiendo la teoría de que la pobreza y subdesarrollo favorecían la permea-
bilidad social frente a infiltraciones de cariz marxista y revolucionario
(Dreyfus et al., 2004:53). Acuñado el binomio ‘Seguridad y Desarrollo’,
pronto se tuvo que adaptar a la revolución tecnológica militar de los años
setenta, abriendo la puerta para el gigantesco salto de la década siguiente.
La expansión del sector industrial brasileño así como la de sus institu-
ciones científicas y tecnológicas había sido progresiva desde los años
treinta hasta mediados de los cincuenta, siguiendo las pautas de indus-
trialización marcadas por Vargas (Gallego, 2003:23-24). La centralización
económica y política, los cambios en la estructura de impuestos para el
comercio interregional y la creación de organismos nacionales de gestión
económica fueron complementados con medidas en el campo de la inves-
tigación y educación como el Instituto Nacional de Química, el Instituto
Nacional de Tecnologia de Río de Janeiro y el Instituto de Pesquisa Tec-
nológica de São Paulo. Otro paso crucial fue la creación en 1951 del aún
hoy activo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico (hoy CNPq), aunque hacia finales de esa década se hacía cada vez
más visible la divergencia entre desarrollo económico y tecnológico
(Franko-Jones, 1992:97). Con el golpe militar las cosas cambiarían en
cierta medida, especialmente en el sector de defensa.
Con el gobierno de Castello Branco (1964-67) se crea el Ministerio de
Planeamiento y Coordinación Económica, encabezado por Roberto Cam-
pos, manteniendo el Ministerio de Finanzas, con Octávio Gouveia Bulhões.
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resultaba de mutuo interés dado el exceso de capacidad industrial de la
entonces decaída economía. Este Grupo estaba directamente apoyado por
tres de los organismos antes mencionados: el CTA, el IME y el IPM.
En una segunda fase, que veremos con más detalle en el apartado si-
guiente, llegan los frutos de estas acciones: la Fuerza Aérea crea EMBRAER
para la manufactura de aeronaves militares y comerciales; el Ejército, en co-
operación con las dos grandes empresas privadas (ENGESA y Bernardini),
dirigió parte de la extensa industria pesada automovilística hacia el campo
de blindados y carros de combate ligeros, aplicando una innovadora técnica
en los sistemas de suspensión; y por su parte, la Armada impulsó el infrau-
tilizado conjunto de astilleros para la construcción naval militar (Stepan,
1988:82). Todo esto en un nuevo contexto, ya que las administraciones de
Costa e Silva (1967-69) y Médici (1969-74) inauguran una fase de expansión
económica, en la que la industria militar tendrá un papel esencial.
Es preciso entender que al fin de la Segunda Guerra Mundial, prácti-
camente todos los países latinoamericanos tenían a Estados Unidos como
proveedor principal de armas, aunque un progresivo malestar se iba ex-
tendiendo, dadas las reticencias a la hora de transferir tecnologías. La im-
plicación de aquel país en la Guerra de Vietnam (y la consecuente limita-
ción de exportaciones de armamentos) junto con la aparición de una in-
dustria europea competitiva (aunque cara, igualmente reticente en mate-
ria de transferencia de tecnologías, y selectiva a la hora de proporcional
materiales a países sudamericanos) trae consigo el despertar de muchas
iniciativas nacionales a lo largo del continente, tropezando con la proble-
mática de la exportación como única vía razonable para alcanzar econo-
mías de escala (Schwam-Baird, 1997:104).
La posibilidad que sí abren las empresas europeas, como veremos, es
el establecimiento de joint ventures que posibilitarían la formación de in-
genieros y técnicos brasileños, así como disminuir la dependencia de los
Estados Unidos, tanto en volumen como en sofisticación. En este nuevo
panorama, en el que se empiezan a ver realizados muchos de los deseos
seculares de los militares brasileños, se materializan las condiciones obje-
tivas para la producción armamentística autóctona.
La tercera fase comienza sobre 1975 a través del trabajo conjunto de
estas corporaciones con el Conselho de Segurança Nacional, el Ministerio
de Asuntos Exteriores (con su Instituto Río Branco) y la Confederação
Nacional da Indústria, buscando establecer un sector de defensa con
fuertes subsidios públicos pero altamente competitivo a nivel internacio-
nal. Teniendo en cuenta que en 1970 Brasil no tenía prácticamente expor-
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tación alguna en este sector, resulta sorprendente, que apenas una década
después, este país fuese el quinto mayor exportador a nivel mundial y el
primero entre los países en vías de desarrollo.
Durante los dos últimos mandatos del régimen militar, con Geisel (1974-
79) y Figueiredo (1979-85) en la presidencia, Brasil tuvo que hacer frente a la
crisis energética de principios de los setenta (en un momento en el que se
importaba el 80% del petróleo consumido) intentando mantener la produc-
ción y las importaciones, recurriendo para ello a préstamos, lo que situó su
deuda externa en los 11,9 mil millones en 1974. Aunque las exportaciones
crecieron en un 28,2%, las importaciones aumentaron a un ritmo del 104%,
paralelamente a una creciente inflación. No obstante, la crisis energética
también tuvo cierto impacto positivo en las exportaciones militares ya que
los modelos brasileños, de EMBRAER por ejemplo, eran más eficientes en
relación al combustible consumido que muchos de sus competidores. De
esta forma, en 1979 las aeronaves destinadas a exportación de esta empresa
superaban el 50% de la producción (Schwam-Baird, 1997:117).
Aunque hubo fuertes debates sobre la veracidad de algunas de las cifras
que se proporcionaron en aquella época (víctimas en parte del secretismo y
de sobre-estimaciones en provecho propio) no se puede negar que los mili-
tares brasileños consiguieron colocar a su industria de defensa entre las
primeras del mundo, partiendo de un régimen autoritario altamente buro-
cratizado. Se ha insistido mucho en los párrafos anteriores en la forma en
que los estrategas militares brasileños acertaron al incluir el elemento eco-
nómico en los planteamientos de la seguridad nacional, y no de forma for-
tuita o retórica, pues es la clave para entender como a diferencia de otros
países en vías de desarrollo (o del ‘Tercer Mundo’) consiguió tal expansión
del sector industrial de defensa, con altos índices de exportaciones.
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de cohetes y misiles (con sus respectivos vehículos de lanzamiento, control
y transporte) trabajando en estrecha colaboración con el CTA.
Estas tres compañías, ENGESA, EMBRAER y Avibrás, eran responsa-
bles del 95% de las exportaciones de armas de Brasil (Acuña y Smith,
1994:31), pero antes de entrar en su análisis parece conveniente repasar
brevemente el tejido de la estructura industrial, centrándonos en las con-
diciones de suministro, demanda y mercado. Sobre las primeras, Franko-
Jones señala que en la industria militar:
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Fueron precisamente el Bandeirante, el Tucano y el Brasília los que
marcaron el desarrollo aeronáutico brasileño. El primer modelo, como se
ha señalado, responde a un programa de la CTA para crear una aeronave
de transporte de pasajeros y mercancías capaz de adaptarse a las preca-
rias infraestructuras aéreas del país. Su diseño flexible ha hecho posibles
numerosas adaptaciones (búsqueda y rescate, vigilancia marítima, uso
sanitario, etc.) pero fue la estrategia de segmentación de mercados lo que
en parte explica el hecho de que en 1990 se hubieran producido más de
500 unidades distribuidas en más de 24 países (147 en los EE.UU.). Con el
prestigio ganado, la compañía se lanzó a la producción de su primer
avión militar de diseño autóctono, el Tucano. Si bien pretendía en primer
lugar satisfacer las necesidades de la Fuerza Aérea brasileña, con su bajo
precio (US$1,9 millones) colocó rápidamente más de 600 unidades por
todo el mundo, incluida la Royal Air Force británica (Keller, 1991:147).
Parece ser que EMBRAER fue la excepción a la regla generalmente
aceptada de que las empresas públicas no son fuertes exportadoras, aunque
ya desde un principio se orientó hacia los mercados exteriores. En 1975 se
estrenó en el exterior con la venta de cinco EMB-110C Bandeirantes militares
y diez EMB-201 Ipanemas de uso agrario a Uruguay (valorados en 5 millo-
nes de dólares US) vendiendo al año siguiente otros tres Bandeirantes a la
Fuerza Aérea chilena y tres Xavante a la de Togo. En 1980 las exportaciones
suponían la mitad de la producción, ratio que aumentaría durante toda la
década, de hecho en 1981 el 80% de los Bandeirantes se destinaron a la ex-
portación. Si bien sus productos se anunciaban enfocados más bien hacia las
necesidades de los países en vías de desarrollo, su éxito en Europa y EE.UU.
fue espectacular, viéndose enormemente favorecida al no apoyar su creci-
miento en un sólo cliente o país (Franko-Jones, 1992:147-151).
Aunque la coyuntura internacional fue propicia para este despegue,
cierto es que las ventas militares no mantuvieron su éxito de forma conti-
nuada y, en 1986, la línea civil superó a la militar en exportaciones. Así se
entiende el nuevo énfasis que en aquellos años se trasladó al desarrollo de
prototipos de uso civil como el CBA 123 Vector de 19 asientos, el EMB 120
Brasília de 30 asientos y el EMB 145 con 50 plazas. Fue esta vertiente la
que ayudaría a la compañía a salir relativamente airosa de la crisis de fi-
nales de los ochenta y principios de los noventa. El hecho de permitir la
producción en el exterior bajo licencia amortizó en parte la caída, siendo
especialmente favorable el contrato de 181 millones de dólares US fir-
mado con Egipto para producir el Tucano. Igualmente, si bien la adjudi-
cación británica tuvo una marcado componente político, es destacable la
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Antes de entrar en la línea de productos de la corporación, es necesa-
rio explicar la relación simbiótica entre ENGESA y la empresa estatal IM-
BEL (a cuya historia hemos hecho referencia con anterioridad). Al igual
que en el caso anterior EMBRAER-CTA, primó la percepción de que lo
que hacía falta para lograr los objetivos fijados en las agendas de seguri-
dad nacional era insuflar en el ente público un sistema de gestión y deci-
sión comercial privado. Creada en 1975, IMBEL reorganizó el complejo de
fábricas militares con la idea de darles el carácter dinámico de la industria
privada, pero estando exenta de tarifas e impuestos. Durante sus seis
primeros años de existencia sus directores fueron militares, hasta que en
1982 se dejó en manos de José Luiz Whitaker Ribeiro, entonces Presidente
de ENGESA, para aumentar la eficacia y promover las exportaciones
(Schwam-Baird, 1997:119; Franko-Jones, 1992:79).
Ambas empresas se complementaban. IMBEL satisfacía las necesida-
des nacionales de armas ligeras, municiones, subfusiles y artillería ligera,
mientras que ENGESA canalizaba las exportaciones, beneficiándose ade-
más de las conexiones militares de IMBEL. Y parece que la estrategia fun-
cionó, ya que exportaron sus vehículos militares a más de 20 países en
África, América y Próximo Oriente con unas ganancias de 53 millones de
dólares en el periodo 1977-82, y de 122 millones en el periodo 1983-88
(Keller, 1991:148). Como otros proyectos, los primeros prototipos tenían
como cliente inmediato al Ejército brasileño, que había solicitado un vehí-
culo de reconocimiento y un transporte anfibio para sustituir los viejos
tanques estadounidenses. De este modo, en 1972, ENGESA empieza a
producir el EE-9 Cascavel y el EE-11 Urutú, que a su vez impresionaron a
la Armada que acabó encargando una versión modificada del segundo
modelo. Con estos modelos se iniciaron la exportaciones a Chile (cuya
situación de aislamiento favorecía la penetración brasileña) hasta el punto
de haber más Cascaveles y Urutús en las fuerzas armadas de Chile que en
las de Brasil. De forma similar, el ‘gran negocio’ de los setenta vendría
dado por la adquisición por parte de Irak de 400 blindados brasileños a
un precio de 200 millones de dólares (Schwam-Baird, 1997:117).
Más tarde vendrían el tanque EE-17 Sucuri, el Jarracá para operaciones
de combate y finalmente el carro de combate EE-T1 Osório, satisfaciendo la
necesidad saudita de un carro de combate ligero, que a diferencia del M1A1
estadounidense o el AMX francés pudiese adaptarse a las condiciones de los
países en vías de desarrollo. Aunque ENGESA continuó con su política de
componentes y sistemas, atrajo fácilmente a muchos suministradores inter-
nacionales especializados, pues constituyó el único proyecto de nuevo desa-
rrollo de carros de combate de este tipo entre 1980 y 1990 (Bastos, 2003a:30;
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Avibrás se convirtió en una empresa puntera en el campo de los mi-
siles y cohetes tácticos, entrando en competencia directa con los modelos
de países desarrollados. Su programa más importante fue, y en gran me-
dida aún es, el Astros II (Artillery Saturation Rocket System). Pero todos
estos avances y otros como el SS-300 y el SS-1000 (basado en los cohetes
Sonda) tuvieron que esperar (de hecho el AV-MT se presentó en 2001),
puesto que el fin de la guerra iranio-iraquí, así como la disminución del
apoyo estatal dejaron a la empresa en plena bancarrota, teniendo que
reducir su plantilla desde los 6.000 trabajadores que tuvo en su momento
hasta los 900. Sin embargo, la conversión (o más bien el énfasis puesto)
hacia el mercado civil no fue mal del todo, y como veremos, la empresa
consiguió, si bien desde una posición un tanto precaria, a partir de mediados
de los noventa retoma ciertos proyectos que había dejado de lado.
Hay que resaltar que en el desarrollo y sofisticación de todos estos
proyectos jugó un papel importante la apuesta por la creación de una in-
dustria informática nacional. A principios de los setenta el mercado (que
crecía entre un 20 y un 30% anualmente) estaba básicamente en manos de
sólo dos grandes transnacionales (IBM y Burroughs). Esto preocupó espe-
cialmente a los militares tras la adquisición de seis fragatas al Reino
Unido en 1971 que incluían, como empezaba a ser común, sistemas infor-
máticos relativamente avanzados. Ante el peligro de dependencia, la Ar-
mada creó un Grupo de Trabalho Especial (GTE-11), con el apoyo del
Banco de Desarrollo (BNDE), con el fin de viabilizar la producción de
computadores que satisficiesen sus necesidades. Siguiendo el modelo tri-
pé, se lanzó el proyecto Guaranys para la creación de dos empresas, la
primera (DIGIBRAS, más tarde COBRA) para desarrollar productos in-
formáticos destinados al campo militar y la segunda al campo civil. DI-
GIBRAS, que absorbería el proyecto civil, consiguió que Ferranti (respon-
sable por los sistemas de sus fragatas) iniciase acuerdos de transferencia.
En 1974 DIGIBRAS había presentado un prototipo de mini-computa-
dor, gracias a la colaboración con los programas de investigación de la
Universidade de São Paulo y la Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Dos años antes se había lanzado la Comisión para la Coordi-
nación de Actividades de Procesamiento Electrónico (CAPRE) que even-
tualmente se responsabilizó de los contratos gubernamentales, así como
de la limitación de importación de componentes informáticos. En relación
con esto se presenta un plan para el desarrollo científico-tecnológico
(PBDCT-1973-74) centrado en el I+D, transferencia tecnológica y el esta-
blecimiento de un mercado nacional para productos de alta tecnología,
incluyendo la adaptación de las Fuerzas Armadas. De este modo, se pre-
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gación públicos y privados fueron ‘convenientemente’ reorientados hacia
puestos más simples o al sector de ventas y marketing (Broad et al., 2005:3).
Si bien en 1986 las ventas llegaron al billón de dólares (US) para du-
plicarse el año siguiente, en 1987 la cifra total no alcanzaba los 500 millo-
nes y en 1994 las exportaciones militares suponían sólo 3 millones
(Franko-Jones, 1992:189; Zaborsky, 2003:4). ENGESA sufrió las mayores
pérdidas de la industria militar brasileña en 1987, con una reducción del
31% en sus ventas, pasando Avibrás de ser el mayor exportador en 1987 a
la octava en pérdidas y la sexta en deudas en 1989. En enero de 1989 am-
bas compañías se vieron obligadas a reducir su plantilla a la mitad. En
1990 llegaron a la bancarrota. A los motivos mencionados en líneas ante-
riores, se deben añadir otros como la saturación del mercado, sobre todo
con los nuevos productores del ‘Tercer Mundo’ como China, India, Pa-
kistán o Corea del Norte que lo sobrecargaron con sus productos econó-
micos (en directa competencia con los brasileños).
Asimismo, las dos superpotencias cambiaron la política de ‘ayudas
militares’ como medio para deshacerse de arsenales obsoletos por otra de
exportaciones, mientras que los países europeos continuaban también con
sus políticas de exportaciones para apoyar a las respectivas industrias na-
cionales. Las ventas de EMBRAER a los Estados Unidos también se vieron
reducidas por el temor a contramedidas en impuestos retroactivos sobre
productos importados del Brasil (Franko-Jones, 1992:190).
Por otro lado, la situación económica a partir de la toma de posesión del
General Figueirido (1978) no era de lo más prometedora. El crecimiento
económico había reducido considerablemente su velocidad en comparación
con los años del ‘milagro brasileño’ (4,8% en 1978 frente a la media del
10,8% de aquellos años) y la inflación había aumentado, y continuaba au-
mentando, desde el 19,3% al 77% en 1979, la más alta desde que los milita-
res tomaran el poder en 1964. De forma similar, la deuda externa se había
elevado en los 10.000 millones, y las inversiones extranjeras cayeron a prác-
ticamente la mitad, 6.500 millones (Schwam-Baird, 1997:127-128). Si bien
durante buena parte de los ochenta se consiguió mantener un buen ritmo
en la producción y exportación, la situación de fondo era ciertamente in-
quietante, aparentando ser un gigante con pies de barro. En 1981, y por
primera vez desde 1942, el PIB fue negativo (-1,6%) disminuyendo 4,3% per
capita, situándose la deuda externa en los 6.140 millones a finales del año.
Al año siguiente la inflación llegó casi al 100% y en 1983 ya se palpaban to-
dos los síntomas de una recesión profunda: el PIB per capita bajo 7,3%; el
crecimiento industrial se colocó en el -7,9% y el comercio cayó un 4,4%. A la
imposibilidad de controlar la inflación (que desembocó en una creciente es-
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veloz expansión tecnológica había creado un peligroso vacío en su inter-
ior, cuyas consecuencias pronto averiguarían.
Al igual que ENGESA con su Osório, EMBRAER se hundió con el
AMX, cuyos costes descontrolados habían alcanzado los 17 millones de
dólares (US) igualándolo en coste prácticamente al F-16. Ante este pano-
rama, pocos compradores se decantarían por un sistema nuevo y con las
mismas características, teniendo la opción de adquirir otro cuyas capaci-
dades han sido más que demostradas. Se podría pensar, arguye Franko-
Jones, que países como Honduras, Venezuela, Perú, Paraguay o Argenti-
na, que habían verificado el éxito de otros productos como el Tucano, no
tendrían tales prejuicios, pero al mismo tiempo, tampoco tenían el dinero para
adquirir tecnologías tan avanzadas (Franko-Jones, 1992:196). Avibrás sufrió un
problema similar con el misil SS-300, en cuyo desarrollo había invertido unos
800 millones de dólares, y que no tuvo demanda en aquel momento.
De todas formas, cuado hablamos de crisis en la industria de defensa
se debe hacer una aclaración necesaria, ya que como se explicó en las
primeras páginas de este trabajo, este sector es fruto de una serie de polí-
ticas estatales en el marco del principio de ‘Seguridad y Desarrollo’, pre-
sentándose entonces un problema conceptual, al confrontar el éxito deri-
vado de las exportaciones de armamento (éxito que tuvo su fin) con el
éxito estratégico del amplio programa de seguridad nacional. Si bien las
exportaciones se pueden medir de forma relativamente precisa a través
de cifras que nos hablan de ventas y de producción, no existen medidas
matemáticas para referirnos al éxito o fracaso de los programas estratégi-
cos (Franko-Jones, 1998). Aunque las cifras de producción y ventas fueron
aumentadas artificialmente como estrategia de mercantilización, es indu-
dable que el logro en este campo fue impresionante. Desconocemos si los
estrategas de finales de los 50 se hubiesen contentado con estos resultados
o si aprobarían las políticas actuales. Una aproximación a la situación ac-
tual de la industria puede ayudarnos a solventar esta duda.
De cualquier forma, respecto a lo que se ha dicho con anterioridad, no
parece sensato afirmar que la Guerra del Golfo haya retirado definitiva-
mente a Brasil del juego en Oriente Próximo. Si bien es cierto que este
conflicto fue un ‘show’ de tecnología militar avanzada, no lo es el que
esto suponga que no va a haber sitio para sistemas más simples, y no tan
simples, como los aviones de entrenamiento y las baterías Astros II. No
nos olvidemos que en parte, si Avibrás consiguió salir de la bancarrota
fue por sus ventas (como la de 1990 a Arabia Saudita, consistente en un
cargamento de Astros II valorado en 69 millones de dólares). Sin duda,
tras el fuerte golpe que supuso la crisis, la recuperación no iba a ser fácil,
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de una partida de Astros II MRL valorada en 500 millones de dólares, lo
que constituye uno de sus mayores contratos individuales (Zaborsky, 2003).
Si bien EMBRAER tuvo que refugiarse en el sector civil durante la
primera mitad de los años noventa, en 1997 el 25% de sus pedidos volvían
a ser de naturaleza militar (Franko-Jones, 1998). Por fin se consiguió sacar
al mercado el caza AMX, adquiriendo Venezuela ocho unidades de la
nueva versión en 2000. Al año siguiente, la República Dominicana com-
pró diez unidades del Super Tucano, y otras 76, adaptadas para condicio-
nes amazónicas, la Fuerza Aérea brasileña. También se le proporcionaron
cinco unidades del Airborne Early Warning & Control (AEW&C) y tres
EMB-145 adaptadas para el Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM). En
total, la FAB tiene pensado invertir unos 3 billones de dólares hasta 2010
en un esfuerzo por modernizar su flota aérea, partida de la que la
industria militar brasileña pretende sacar tajada.
Sin salir del sector de la aeronáutica, cabría mencionar a Helibras,
centrada en la producción de helicópteros. Si bien la compañía ni por
asomo alcanza, pese a sus intenciones en los ochenta, los éxitos en desa-
rrollo tecnológico de las otras empresas, lo cierto es que ha conseguido
mantenerse como una opción económicamente viable, aunque sin salir
del campo del montaje y producción de componentes básicos. Helibras
apareció en 1978 como una joint venture de la francesa Aerospatiale (hoy
Eurocopter) con un 45% y el Estado de Minas Gerais, con otro 45%, co-
rrespondiendo el 10% restante a la otra compañía brasileña, Aeroforto
Cruzeiro do Sul. La producción (ensamblaje) bajo licencia de los Ecureuil
y Lama empezó en 1979. A pesar de las dificultades, pues no tenía el tipo
de apoyo en recursos económicos y humanos del que dispuso, por ejem-
plo EMBRAER, se ha mantenido hasta hoy, produciendo siete modelos
(de los que ha vendido 400) y contando con 300 empleados. En 2001 el
Ejército brasileño encargó ocho Cougar Mk II de Eurocopter, a producir
bajo licencia por Helibras, y al año siguiente se anunció la producción de
los Super Pumas, así como una negociación con Venezuela y Bolivia para
la venta de 17 unidades (Freeman, 2002).
Por su parte, Avibrás parece haberse recuperado de su caída, y aún
sin llegar a los niveles de producción o ventas de finales de los ochenta, se
encuentra actualmente en numerosos procesos de negociación tanto en
Oriente Próximo, África como Asia. Entre las novedades incorporadas al
catálogo de la empresa está el AV-MT 300, adaptable tanto a las lanzado-
ras Astros II como Astros III, un misil con sistema de guiado inercial que
actualiza los datos a través de láser y la posición a través de GPS, resul-
tando equiparable en precisión a misiles similares como los Tomahawk, Apa-
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che y Kh-65, pero bastante más barato. Parece posible que el Ejército y Ar-
mada brasileños adopten este modelo, pues ya a finales de los ochenta se
habían interesado por su “predecesor”, el X-300 o “Trezentão”, cuyo desarro-
llo, a pesar de las dificultades económicas, no se paralizó del todo. Asimismo,
están desarrollando un misil similar, lanzado desde el aire, el Standoff.
Aunque en este trabajo se ha dejado un poco de lado al sector naval, no
podíamos dejar de hacer referencia a él, pues en Brasil se vienen produ-
ciendo buques de guerra en el Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro desde
1789. Hasta la década de los 70, la mayoría de los navíos que salían de los
astilleros eran patrulleras marítimas y fluviales, pero al igual que en el sec-
tor de la aeronáutica, desde la creación del Instituto de Pesquisas da Mari-
nha (IPN) en 1959, se intentó desarrollar la producción de navíos modernos
de grandes dimensiones, pero el país dependía en demasía de tecnologías
foráneas, siendo necesarias grandes inversiones (Freeman, 2002). El primer
proyecto de tales dimensiones, los ‘Niteroi’ se anunció en 1970 conjunta-
mente con la británica Vosper Thorneycroft e implicaba la construcción de
seis fragatas, dos de las cuales corresponderían al Arsenal da Marinha. Se
pretendía incluir el mayor número de componentes brasileños posibles y,
junto con los especialistas británicos, se incorporaron numerosos ingenieros
autóctonos. El proyecto tardó más de lo esperado y su coste dobló el esta-
blecido en el contrato inicial, pero esto no disuadió a los brasileños de su
empeño, aunque habría que esperar una década para asistir a la botadura
de otro buque similar. En 1983 se lanzó la primera de las corbetas Inhauma,
construidas con la asistencia de los alemanes de Marin-Technik, siguién-
dola otras cuatro, que entrarían en servicio a principios de los noventa. Pero
económicamente fue un verdadero desastre, pues no sólo no se construye-
ron las 12 previstas, sino que no se cumplieron en absoluto las expectativas
de exportación. Si bien incluían un radar y un sistema antiaéreo producido
bajo licencia de la sueca Bofors, hubo que abandonar las ideas de equipar
los navíos con armas de producción nacional (Freeman, 2002).
Con vistas al desarrollo de la capacidad de producción de submarinos
nucleares, en 1982 se firmó otro acuerdo con la alemana HDW para cons-
truir cuatro submarinos clase Tupí: el primero de ellos en Alemania y los
restantes ensamblados en Brasil. De nuevo, la meta consistía en incluir el
mayor número posible de componentes nacionales para así desarrollar la
capacitación tecnológica propia. Entraron en servicio entre 1989 y 1996,
estando dos más, mejorados, en el astillero, incluyendo torpedos y minas
diseñadas por el IPM. Otros navíos construidos bajo licencia, aunque pro-
curando siempre la transferencia tecnológica, fueron cuatro patrulleras
rápidas con moldes de Fairy Marine (Reino Unido) y otras cuatro patru-
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lleras de Vosper-QAF (Singapur). De todas formas, dada la complejidad
de desarrollar buques de guerra de grandes dimensiones, y su elevando
coste (no amortizable a través de exportaciones), el sector industrial de
defensa naval no ha tenido un crecimiento equiparable a otras áreas de la
industria militar (Freeman, 2002). Los sucesivos gobiernos quizás no han
visto tan claras las perspectivas de desarrollo y han moderado el flujo de
recursos hacia el sector.
En el campo de blindados, parece ser que de las cenizas de ENGESA
surgieron varias pequeñas empresas que con el tiempo han desarrollado
cierta capacidad sobre la base de la experiencia del pasado. Aunque la
‘desamortización’ de la compañía original se hizo de la peor de las mane-
ras posibles (destinando piezas valiosas fruto de grandes inversiones en
investigación y desarrollo a mera chatarra, vendiendo los archivos a peso
y otras actuaciones igualmente desafortunadas) algunos empleados con-
siguieron rescatar parte del legado, y fruto de su esfuerzo son compañías
como Columbus o CEPPE. Ambas lanzaron en 2003 el prototipo del Ma-
rruá, un jeep 4x4 derivado del EE-12 de ENGESA. Bastos (2003b) señala que
los objetivos principales de dichas corporaciones pasan por mostrar que es
posible desarrollar proyectos y fabricar productos de uso militar autóctonos
reestableciendo el desarrollo tecnológico e industrial paralizado.
CONSIDERACIONES FINALES
Los logros conseguidos por Brasil en el campo de la industria de de-
fensa durante la segunda mitad del siglo XX de forma alguna pueden ser
ignorados. El propio enfoque, basado en la lógica de la doctrina de segu-
ridad nacional, según el cual la industria armamentística no sólo preten-
día garantizar a las fuerzas armadas una secularmente deseada indepen-
dencia armamentística, sino servir como imán para atraer y generar las
fuerzas magnéticas suficientes como para desarrollar tecnologías avanza-
das, atrayendo capitales extranjeros y sentando las bases para un Brasil
plenamente industrializado y moderno. En el presente trabajo se ha in-
tentado exponer como los factores ideológicos y estratégicos han podido
contribuir para que este país tuviese semejante éxito donde muchos otros
fracasaron o se quedaron a medias.
Sin duda alguna se formó casualmente durante aquellos años un con-
texto y una serie de situaciones, tanto en el plano internacional como en el
interno: escasez de armamentos procedentes de los Estados Unidos, da-
dos los conflictos del sudeste asiático; presión y restricciones estadouni-
denses en referencia a cuestiones de derechos humanos y proliferación
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ciones de productos caros reduciendo al mismo tiempo la dependencia
hacia terceros países, no siempre oportuna en lo que a materiales de defen-
sa se refiere. En ocasiones, la creación de redes propias de investigación, de-
sarrollo e innovación (I+D+i) tiene sus ventajas añadidas.
Sabemos que, desde los albores de la humanidad, el proceso creativo
y de aprendizaje que implica el uso y desarrollo de sucesivas generacio-
nes de tecnologías deja en las diversas sociedades un sedimento nomoté-
tico, lo que en parte llamamos know-how, que las capacita para ulteriores
desarrollos e innovaciones. Por ello, la introducción de tecnologías, de no
estar acompañada de procesos paralelos de entrenamiento, adaptación y
aplicación, puede atrofiar de tal forma las capacidades creativas de los
países receptores que el resultado a medio plazo no sólo será insostenible
sino también nefasto para los objetivos pretendidos.
Aunque las condiciones del mercado global fueron decisivas para la
caída del complejo brasileño, no se puede decir que la crisis haya barrido
la industria militar brasileña de un plumazo, en buena parte por lo que se
indica en el párrafo superior. El éxito civil de algunas de las compañías ha
mantenido (e incluso desarrollado) la capacidad de producción e innova-
ción en el sector de la defensa, que mantiene vivas sus posibilidades de
despegue para el futuro, si la coyuntura internacional y la política guber-
namental se colocasen eventualmente a su favor.
Es cierto que la carrera armamentística crea una dinámica interna
hacia la producción de sistemas tecnológicamente más avanzados, pero
tal espiral hace que estos productos dispongan cada vez de nichos de
mercado más y más reducidos, pues sistemas tan sofisticados tienen un
coste que muy pocos compradores se pueden permitir. Así, como seña-
lamos antes, las ventas se reducen al mismo tiempo que la escala de pro-
ducción necesita aumentarse si se quiere lograr productos económica-
mente viables. Llegados a este punto, la clave reside en que el Estado de-
cida apoyar con sus propios recursos una industria, que de otra forma no
sería viable (Kaldor, 1981). Hay que tener en cuenta que los objetivos (es-
tablecidos originariamente por la Escola Superior de Guerra) que motiva-
ron los primeros pasos (fundamentales) del desarrollo de una industria
militar moderna en Brasil no eran tanto ni la creación de empleos ni la
entrada de divisas por exportaciones, sino la transferencia tecnológica con
vistas a posibilitar una capacidad militar autónoma. Si bien el desarrollo
paralelo de la industria civil era una meta para la industria militar en
conjunto, a la hora de juzgar la estrategia brasileña debe hacerse desde
esta perspectiva. Como señala Freeman, que tal perspectiva fuera/es o no
apropiada para un país como Brasil es otra cuestión.
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Joám Evans Pim es Profesor de Ciencias de la Comunicación en la Uni-
versidad de Santiago de Compostela (USC) y Presidente del Instituto
Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz. Master en
Paz, Seguridad y Defensa por el Instituto Universitario General
Gutiérrez Mellado (IUGM), cursó estudios de grado en Antropología
Social y Periodismo, además de estudios de doctorado en Paz y
Seguridad Internacional en el IUGM y en Comunicación y Periodismo
en la USC. E-mail: evans@igesip.org.
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