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Palhoça
2021
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Palhoça
2021
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais que sempre me deram todo o apoio necessário, não só no
período acadêmico, mas em todos os meus 24 anos de vida.
Agradeço a minha irmã Larissa, e tia Ionice, que foram as pessoas que mais me
incentivaram a seguir essa vontade que era entrar em um curso de Cinema.
Agradeço também o meu grande amigo, colega de curso, e fiel escudeiro, Douglas
Vieira Matos, que compartilhou comigo os maiores altos e baixos nestes 6 anos de faculdade.
Por fim gostaria de agradecer a todos os professores por todo o ensino, e
principalmente meus orientadores Solange Gallo e André Arieta, que durante a execução
deste projeto foram sempre muito atenciosos, e dispostos a guiar e auxiliar.
6
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Nighthawks 15
Figura 2 – Fragmentos do filme Metropolis 16
Figura 3 – The Long Tomorrow 17
Figura 4 – L’Incal 18
Figura 5 – Artes do livro Sentinel 19
Figura 6 – Artes Conceituais de Blade Runner por Syd Mead 19
Figura 7 – Conjunto de Frames - Blade Runner 21
Figura 8 – Conjunto de Frames - Blade Runner 22
Figura 9 – Plano Inicial de Blade Runner 23
Figura 10 – VIsta da Antiga Usina Química de Teeside 23
Figura 11 – Conjunto de Frames - Blade Runner 24
Figura 12 – Conjunto de Frames - Blade Runner 25
Figura 13 – Conjunto de Frames - Blade Runner 26
Figura 14 – Conjunto de Frames - Blade Runner 27
Figura 15 – Conjunto de Frames - Blade Runner 28
9
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO 10
3 - REFERÊNCIAS VISUAIS 14
3.1 - FILMES NOIR 14
3.2 - METROPOLIS 16
3.3 - MOEBIUS 17
3.3 - SYD MEAD 18
4 - ANÁLISE DE CENA 20
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 31
7 - REFERÊNCIAS 34
10
1. INTRODUÇÃO
Nesta monografia, iremos entender o que fez o diretor, Ridley Scott, imaginar o
mundo de Blade Runner, da maneira que foi apresentado. Com foco no cenário, o principal
objetivo é analisar quais foram as maiores influências para aquele ambiente ser do jeito que é.
Será levado em consideração o contexto histórico de produção do filme, e as referências
visuais do diretor, para entender como a mescla desses elementos criou um produto nunca
antes visto. Compreendendo como Ridley Scott criou essa visão de futura única a partir de
uma amálgama das mais variadas partes, será possível ter um maior entendimento de como
imaginar e trabalhar o universo de sua obra.
11
2.1 AMBIENTAL
A cena inicial de Blade Runner mostra o cenário de uma Los Angeles tomada por
fumaça, com torres de indústrias soltando gás flamejante nos céus, poluindo a atmosfera. Com
toda essa queima de combustíveis fósseis e emissão de gases, se nota que em toda
ambientação do filme não existe vegetação ou luz do sol. Cai constantemente uma chuva
ácida, que pode se associar com toda a poluição mostrada no início do filme, pois quanto mais
quente a atmosfera, mais umidade ela absorve.
Todo esse meio ambiente desgastado e precário do filme, podia ser visto como um
aviso, levando em consideração os valores do presidente que vinha ao poder no início daquela
década. O governo de Ronald Reagan do início dos anos 80, acreditava que a proteção
ambiental era um fardo econômico, dizendo que árvores causam mais poluição que carros, e
removendo painéis solares da casa branca. Em seus primeiros anos, houveram cortes de
orçamento e funcionários no órgão EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados
Unidos), além disso, foi permitido a locação de dezenas de milhões de acres de terras
nacionais, para o desenvolvimento de petróleo, gás e carvão, mais do que qualquer
administração na história. Com todos esses fatores somados, a representação de um futuro em
que os resíduos industriais da cidade contribuem com a catástrofe ambiental, servia como um
lembrete do custo da emissão de gases e fumaça em Los Angeles e no mundo.
2.2 ECONÔMICO
quatro pilares: reduzir gastos do governo; reduzir impostos para pessoas físicas, empresas e
investimentos; reduzir regulamentação sobre empresas na economia geral; controlar oferta
monetária para reduzir inflação. Reaganomics se baseava na ideia de que apenas as grandes
empresas poderiam revitalizar os EUA. Em seu discurso inaugural Reagan disse “Governo
não é a solução para nossos problemas; governo é o problema”. Esses tipo de pensamento se
reflete no cenário de Blade Runner, na cena inicial do filme, se observa no horizonte uma
torre que se sobrepõe a todos os outros edifícios, essa torre pertence à Tyrell Corporation,
empresa que comanda a cidade. Um painel digital cobre toda a fachada de um arranha-céu,
assim como anúncios luminosos da Coca-Cola e outras empresas se destacam no ambiente. O
consumismo tomou conta da paisagem da cidade, sugerindo a força do mercado na economia.
E mesmo que de um ponto de vista “macro”, observando o geral, a Los Angeles do filme
pareça ser muito bonita com todas as suas luzes e arranha-céus, dando a entender que é uma
cidade que prosperou, ao se olhar de um ponto de vista “micro”, observando de perto, se vê o
contrário, toda essa publicidade que ilumina a megalópole cria um ambiente claustrofóbico, o
capitalismo na cidade é onipresente, em todos os lugares existe algum anúncio; e pelas ruas da
cidade se vê o contrário de algo próspero. Nelas se encontram sem-tetos, poluição e
superpopulação, lixo, sombras, vazamentos, além de prédios desabando ou abandonados,
condições pouco saudáveis para se viver.
Em Blade Runner, como o planeta terra está se deteriorando, a solução foi a
exploração espacial. Ao longo do filme, estão presentes diversos anúncios de algo chamado
“Off World”, isso é um convite aos habitantes para tentarem uma “nova vida” nas colônias
espaciais. A ideia de colonização espacial hoje em dia pode parecer distante, mas no começo
dos anos 80 aparentava ser um futuro próximo, considerando que, de 1969 a 1972
aconteceram 5 missões bem sucedidas de desembarque de astronautas na lua, e em 1981 foi
realizada a STS-1, a primeira vez que um ônibus espacial foi mandado para o espaço. Mesmo
parecendo ser um futuro promissor, na verdade só é refletida ainda mais a desigualdade
naquele planeta, as colônias espaciais parecem ser ótimas oportunidades ao alcance de todos,
mas que na verdade só está disponível para aqueles que têm condições financeiras e físicas.
Quando a aeronave com o anúncio do “Off World” promete a chance de se começar de novo,
é ignorado o fato de que a Los Angeles do filme é uma cidade privatizada. Assim como a
população estadunidense não tinha consciência de que as políticas econômicas de Reagan, de
13
livre mercado e baixa nos impostos, estavam tornando os Estados Unidos, na economia mais
estagnada e com maiores dívidas do primeiro mundo.
2.3 MULTICULTURAL
1
It is all too evident that more, much more than the
American merchant marine, is falling into foreign hands. So, too, has
our steel industry, our shipbuilding industry, our automobile industry,
our electronics industry, our textile industry ... the list goes on and on.
Está se tornando cada vez mais evidente que a relação econômica dos
Estados Unidos com o Japão está sendo a de uma colônia, uma
província distante disponibilizando recursos naturais para uma
indústria estrangeira superior. (Tradução livre deste autor).2
3. REFERÊNCIAS VISUAIS
2
It is becoming more and more evident that the economic relationship of the
United States with Japan is getting to be that of a colony, a distant province supplying natural
resources to an industrial parent state. (THE NEW YORK TIMES, Out, 21, 1981 p. 30).
15
Figura 1 - Nighthawks
No que se refere à atmosfera Noir, uma obra que consegue retratá-la muito bem é
a pintura “Nighthawks” de Edward Hopper. A obra foi uma das grandes referências de Ridley
Scott para Blade Runner, tanto que o próprio mantinha uma cópia da pintura sempre à vista da
equipe de produção, para demonstrar a atmosfera que ele almejava para o filme.
16
3.2 METROPOLIS
É fácil de perceber, também, que Blade Runner faz referência ao filme de 1927,
Metrópolis, do diretor alemão Fritz Lang. Alguns planos do filme de Scott parecem releituras
coloridas do filme alemão, porém além da inspiração, existe algo que liga ambos diretores.
Em algum momento de suas vidas, antes de seus filmes futuristas serem produzidos, tanto o
alemão Lang, quanto o britânico Ridley Scott, viajaram a cidade de Nova York, Manhattan
causou um choque cultural em ambos os diretores. Enquanto Lang ficou maravilhado com a
silhueta vertical do local, Scott descreveu o lugar como “uma cidade em sobrecarga, prestes a
mergulhar no caos”. Nas duas metrópoles, a sociedade, assim como a arquitetura, se orienta
de forma vertical, com os ricos vivendo no alto, e os pobres nas partes mais baixas da cidade.
17
3.3 MOEBIUS
No final dos anos 70, Ridley Scott conheceu uma revista chamada “Heavy Metal”,
onde eram publicados quadrinhos de ficção científica de variados artistas, e um deles era o
francês Jean Giraud, conhecido pelo pseudônimo Moebius. Scott ficou fascinado com a
estética de Moebius, passando a tentar incorporá-la em suas obras, tanto que foi o próprio
francês que desenhou as roupas espaciais dos personagens do filme “Alien”, esse sendo o
primeiro filme de Ridley Scott inspirado na revista Heavy Metal. Porém a obra onde as
referências à arte de Moebius são mais evidentes, é no próprio Blade Runner.
Figura 4 - L’Incal
Fonte: https://www.iamag.co/the-ar/
“Eu não tenho a intenção de ‘definir o futuro’ disse Mead em uma entrevista a
respeito de seu trabalho, “O que eu faço é pensar porque as coisas são do jeito que são,
combinar esse conhecimento com como as coisas eram, são, e podem ser trazidas para
realidade. Isso define o visual das coisas do ‘futuro’. Meus cenários são visões fantasiosas da
combinação de várias camadas de conhecimento e suposição”. Syd Mead era formado em
design industrial, e isso teve grande influência em seu trabalho. Suas artes de veículos ou de
outros maquinários futuristas pareciam plausíveis, pois Mead pensava no resultado final em
sua totalidade, imaginando como aquela criação realmente funcionaria se existisse, usando
como base a tecnologia existente da época; isso pode ser visto em Blade Runner, o visual do
filme passava uma sensação de anacronismo, um futuro com uma tecnologia nunca antes
vista, porém que ao mesmo tempo aparentava ser extremamente familiar.
4. ANÁLISE DE CENA
Para se fazer uma análise do cenário externo de Blade Runner, a segunda cena do
filme consegue envolver todas as características que marcaram tanto o visual do longa. Em
questão de narrativa, a cena em questão é bem simples; é mostrado o protagonista, Deckard,
na parte baixa da cidade, ele está lendo um jornal em frente a uma loja. Em seguida, se dirige
até uma barraca de comida japonesa e então pede algo para comer quando dois policiais o
abordam, anunciando que ele está preso, Deckard entra no carro de um dos policiais, e os dois
voam até a delegacia. Aparentemente a cena serve apenas para levar o protagonista de um
ponto ao outro, mas na verdade ela é muito mais que isso. Através do cenário, o filme já está
21
contando ao espectador, uma história sobre aquele futuro distópico, e a análise a seguir
detalha quais os meios utilizados por Ridley Scott para contar essa história.
No plano inicial da cena, vemos que os edifícios preenchem todo o cenário, não é
possível ver nada além das fachadas dos prédios, e mesmo mostrando um ambiente vasto, o
filme consegue passar também uma sensação de claustrofobia. Pontos luminosos estão
espalhados por todo o ambiente, as luzes dos prédios e dos carros voadores se mesclam nesse
labirinto de concreto e aço. Se cada ponto de luz em tela representa pelo menos uma pessoa, a
cidade está evidentemente em sobrecarga. Mas o que mais chama atenção no cenário, é um
painel digital que cobre toda a fachada de um arranha-céu, e nele passa um vídeo publicitário
de uma mulher consumindo algo semelhante a uma pílula; enquanto o ambiente é soturno,
sem vista para nenhuma outra paisagem, o rosto gigante se destaca naquele espaço, causando
desconforto e demonstrando como a publicidade é invasiva nesse mundo.
Em 1983, no ano de lançamento do filme, quando se falava em um cidade nos
Estados Unidos, lotado de arranha-céus, painéis publicitários gigantescos e com incontáveis
luzes, a cidade que vinha em mente não era Los Angeles, mas sim Nova York. A influência da
metrópole americana é nítida, e isso vai da reação do diretor Ridley Scott, na primeira vez que
visitou a cidade. Como afirma SUPPIA:
22
Agora na parte baixa da cidade, a perspectiva muda totalmente, se de cima ela era
uma cidade sobrecarregada, debaixo ela é intimidante. Ao fundo os arranha-céus se erguem
até onde não se pode mais enxergar, e mesmo com diversas luzes, o cinza prevalece, é uma
visão que angustia e oprime. Se vê também uma estrutura difícil de identificar ao certo. Essa
formação contém um emaranhado de fios, tubulações na vertical que lembram chaminés, uma
extremidade que se estende horizontalmente com um parapeito ao fim dela. Poucas luzes
iluminam essa estrutura que representa bem a estranheza do ambiente.
A estrutura descrita antes apresenta um design que remete a ambientes industriais,
essa referência visual está relacionada com a juventude do diretor, Ridley Scott. Quando mais
jovem, Scott, morou por um longo período de tempo na região de Teesside, na Inglaterra,
23
local conhecido pelo trabalho industrial. Scott já admitiu ter inspirado a cena de abertura de
Blade Runner, na antiga usina química de Teeside.
Fonte: https://www.gazettelive.co.uk
Não só no início, mas ao longo de todo filme, há áreas que remetem a essa
aparência industrial. Isso vai de encontro com toda a poluição e descaso ambiental que o
cenário do filme apresenta. Também conversa com questões do grande domínio empresarial,
como se toda a cidade fosse uma grande indústria.
24
Pode-se notar o uso de luzes néon pelo cenário, com a predominância de duas
cores, azul e vermelho, alcançando uma atmosfera entre frio e quente, a umidade e fumaça
presente no local ajudam a espalhar as cores por todo o cenário. Se observa também
ideogramas orientais na vitrine da loja de eletrônicos, passando um pouco da
multiculturalidade da cidade. Remover o aspecto de iluminação natural foi uma importante
escolha estética feita por Ridley Scott, para retratar o futuro como um lugar que teve a
naturalidade removida do mundo que ocupa, o transformando em uma distopia totalmente
industrializada. A cidade tem sua própria luz do dia eterno, essa escolha contribui para a
questão de artificialidade que Blade Runner aborda.
O tipo de iluminação utilizada no filme, com forte contraste entre luz e escuridão,
é muito característica dos filmes de gênero noir, que foi uma das maiores inspirações de Scott
25
para com a ambientação do filme. Filmes noir são famosos por suas cenas escuras, e
iluminação bastante específica, como explica Thiago Cardassi Sanches:
Hoje em dia a ideia de colonização espacial parece fazer parte de um futuro muito
distante, porém quando colocado do ponto de vista de 1983, a suposição de poder morar fora
da terra em um futuro próximo, parecia cada vez mais real. No começo dos anos 80, o ônibus
espacial Columbia estaria fazendo suas primeiras missões, sendo a primeira em 1981; desde
1975 que nenhum homem ia ao espaço, o sonho da exploração espacial retornava. Isso pode
ter tido influência ao se imaginar colônias espaciais no futuro de 2019 em Blade Runner.
detalhe é o movimento constante de pessoas nas ruas, reforçando apenas a superlotação dessa
cidade, e que também remete às cidades com grande densidade populacional na Ásia.
Os detalhes espalhados pelo cenário fazem com que a Los Angeles do filme
lembre mais um centro urbano no Japão, do que a própria cidade americana em si. Isso se dá
pelo crescimento comercial do país asiático na época de produção do filme, com diversas
indústrias estadunidenses sendo apropriadas, inclusive estúdios de Hollywood. A mídia
americana alegava que o país estaria sofrendo um “Pearl Harbor econômico”, fazendo
referência ao ataque militar do Japão a uma base naval dos Estados Unidos durante a segunda
guerra mundial. Sabendo desse contexto histórico, ao se observar essa multiculturalidade tão
presente do filme, fica claro que no futuro de Blade Runner, o Japão dominou a economia a
ponto de fazer com que os Estados Unidos perdessem a própria identidade.
Algo que não passa despercebido é o descuido e desgaste urbano. As ruas são
sujas, com lixo largado pelo chão, pichações nas paredes, e estruturas desgastadas como o
pilar que aparece nas imagens acima, que é de uma formação mais antiquada, contrastando
com toda a parte mais futurista ao redor. No canto esquerdo da segunda imagem se observa
uma cabine onde está escrito, ”VID PHON”, uma cabine de vídeo chamada que substituiu as
antigas cabines telefônicas. Vale notar que a chuva continua constante, e isso se mantém
durante todo o filme.
Blade Runner apresenta uma visão pessimista do futuro, em que as grandes
corporações causaram danos incalculáveis ao planeta, isso se reflete em suas chuvas
constantes, que tem como objetivo representar os efeitos de altos níveis de poluição de Los
Angeles, pois quanto mais quente a atmosfera, mais humidade ela comula, fazendo assim com
que chova. Na época de produção do filme, a agência de proteção ambiental dos Estados
Unidos estava sofrendo diversos cortes, pelo fato de o presidente da época, Ronald Reagan,
acreditar que os cuidados ambientais não passavam de um fardo econômico.3 Foram
permitidas também a locação de dezenas de milhões de acres para o desenvolvimento de
petróleo, gás e carvão. Então, por mais que a chuva no filme pareça estar lá apenas por uma
escolha estética, na verdade está representando todo o descaso ambiental de uma época.
3
LITTLE, Amanda. A look back at Reagan’s environmental record. Grist,
2004. Disponível em: <https://grist.org/article/griscom-reagan/>.
29
Blade Runner não é um filme que tenta prever o futuro, ele apenas faz suposições,
e por mais que não sejam precisas, algumas das ideias apresentadas no filme realmente vieram
a se tornar realidade, porém de maneiras diferentes. As mudanças climáticas podem não
causar chuvas intermináveis em Los Angeles, porém, o estado da Califórnia sofre
frequentemente com incêndios florestais por culpa do aquecimento global. Não temos
megacorporações comandando cidades, com suas torres imponentes em formato de pirâmide,
nos rodeando de gigantescos anúncios luminosos enquanto caminhamos na rua; na verdade as
grandes empresas comandam o mundo através de tudo que consumimos. Estamos
frequentemente sendo bombardeados por publicidades em nossos celulares e computadores.
Se você comenta com alguém que está pensando em comprar alguma coisa, logo aparece em
seu celular um anúncio de exatamente o mesmo produto, em função da vigilância permanente
das megacorporações que não tomaram conta somente dos lugares físicos onde vivemos, na
verdade elas tomam conta, cada dia mais, da nossa vida simbólica e imaginária. Em Blade
Runner, o Japão dominou a economia, e mesmo isso não tendo acontecido de fato, outro país
oriental disputa diretamente com os Estados Unidos pelo domínio econômico, esse sendo a
China. No cinema, o mercado chinês já superou o estadunidense, fazendo estúdios de
Hollywood tentarem ganhar cada vez mais popularidade no país asiático. Porém, mesmo com
a crescente econômica da China, nenhum país chegou a dominar a cultura dos Estados
Unidos, na verdade foram eles mesmos que fizeram uma invasão cultural por todo o mundo.
Usando o Brasil como exemplo, onde desde criança estamos acostumados a consumir
conteúdos dos EUA, como: filmes, séries, músicas, etc., produtos estes que apresentam um
estilo de vida diferente do nosso, fazendo com que muitos passem a almejar um certo padrão
que não condiz com a realidade brasileira. A respeito desta invasão cultural, Júlia Falivene
Alves afirma:
Por mais que o cenário do filme seja admirável pelo seu conceito futurista, ele é
desolador e depressivo. Como dito antes, o roteiro original do filme se referia à cidade de
“Hades”, como se as pessoas estivessem vivendo em uma espécie de inferno. O planeta está
tão inabitável, que a melhor opção é migrar para as colônias espaciais. Pelo menos na ficção
os humanos tem pra onde fugir.
Muito mais do que tentar prever um futuro, Blade Runner previu o sentimento de
desesperança, de viver constantemente com medo. Não vivemos em uma distopia tecnológica,
mas vivemos em uma distopia discursiva: desde 2019 passamos por uma pandemia que
resultou em milhões de mortos, e ainda sim existem muitos que não se importam, líderes
mundiais que fazem pouco caso, e não só em relação ao vírus, mas também a diversas outras
questões ambientais. A ciência parece não ser mais levada em consideração. Blade Runner
causava um sentimento depressivo, ao se mostrar como nosso mundo e meio ambiente se
apresentaria em 2019: uma cidade opressiva, poluída, sem natureza, superlotada, desgastada,
sombria e desnorteante, que tenta maquiar sua falta de vida através das luzes artificiais, mas
que na verdade só retrata a artificialidade daquele mundo;
Hoje, em 2021, para encontrar um lugar assim não é necessário ir até Los
Angeles, é só ir até São Paulo. Para se deprimir basta acessar qualquer portal de notícias; se
no filme é difícil viver em um planeta devastado, na realidade de 2019 é difícil conviver com
tanta desinformação. O longa de Ridley Scott não tentou fazer previsões, fez suposições do
que o futuro poderia ser, mas em algo ele foi preciso, previu o sentimento de viver em ameaça
constante, de querer ir embora, mas infelizmente no nosso caso, ainda não temos como.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
mundo. Muitas pessoas acreditam que quando se trata do gênero ficção científica, é necessário
que haja uma relação verificável com reais possibilidades científicas, com projeções
plausíveis. Mas não levam em consideração que mesmo com “científica” na definição, ainda
se tratam de histórias fantasiosas, principalmente as que se passam no futuro. Simplesmente
não é possível prever o amanhã, quem dirá anos à frente. Por isso que até o lançamento de
Blade Runner, grande parte dos filmes futuristas tecnológicos estavam mais interessados na
fantasia do que qualquer diálogo com a realidade, esse foi um dos pontos que fez o longa de
Ridley Scott se destacar, imaginando um futuro mais crível. Como relata o jornalista Chris
O’Falt para o site Indiewire, a respeito de um dos principais artistas de produção de Blade
Runner, Syd Mead, a produção de um estado melancólico inédito:
4
The idea of technology changing the look a world was nothing new
to sci-fi, but Mead’s early sketches and work with VFX artist Douglas
Trumball and production designer Lawrence G. Puall projected a
vision of the future on top of Los Angeles – showing how the
recognizable architecture, buildings and history of Los Angeles would
provide a base that the future was built on. The widely copied “Blade
Runner” aesthetic is often referred to now in rather reductive terms of
“trash-chic” – that sense that the antiquated artifacts of the world we
know would become the crumbling facade or urban decay of the
future. It’s not only that we recognize Los Angeles, but ingrained in
the production design as the backstory of how the world has changed.
(O’Falt, Out, 3, 2017).
33
A maneira como o diretor imaginou aquele mundo, foi uma amálgama de suas
próprias referências e do momento político-social que os Estados Unidos estava vivendo. Ele
observou com calma o presente, para poder construir um futuro plausível. Através desta
pesquisa, foi possível identificar os fatores que levaram o cenário de Blade Runner a ser
concebido da maneira que foi. Ridley Scott reuniu referências dos mais variados meios
artísticos, e as aplicou num contexto político e socioeconômico dos EUA do governo de
Ronald Reagan, criando assim uma representação de futuro nunca antes vista. Toda a poluição
da cidade, que é representada através das chuvas intermináveis e fumaça espalhada pela rua,
combina com a atmosfera noir a qual o diretor almejava alcançar; o desnorteante amontoado
de construções dos quadrinhos de Moebius, vai de encontro com os Estados Unidos capitalista
de Reagan, fazendo assim uma cidade claustrofóbica tomada por anúncios publicitários, um
consumismo opressor, sufocante e invasivo; a Los Angeles de 2019 se inspira também na
megalópole Metrópoles -que por sua vez se baseia em Nova York- ao mesmo tempo que
recebe um aspecto oriental devido à crescente economia do Japão, na época de produção do
filme, criando assim uma cidade multicultural. Esses foram alguns exemplos de como Ridley
Scott mesclou os elementos que tinha à sua disposição, trabalhando as partes mais fantasiosas
de maneiras mais objetivas, enquanto levantava debates sobre o presente, falando do futuro.
Talvez seja por isso que nenhum filme de ficção científica, futurista tecnológico como é Blade
Runner, tenha feito o que o longa de Scott fez, justamente por tratarem, nesses filmes, os
cenários e os aspectos visuais apenas como questão estética, e não como materialização de
questões ideológicas e menos ainda como parte da história que a obra quer contar, como faz
Blade Runner.
_______________________________________________
34
7. REFERÊNCIAS
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Disponível em: <https://www.lightstalking.com/film-noir-photography/> Acesso em: 02 jun.
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Teeside. Teeside Live, 2017. Disponível em:
<https://www.gazettelive.co.uk/news/teesside-news/trailer-blade-runner-2049-takes-13007760
>. Acesso em: 19 jun. 2021
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ab_channel=JustWrite>. Acesso em: 19 abr. 2021
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4nibus_espaciais&oldid=60492858>. Acesso em: 28 mai. 2021
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<https://www.nytimes.com/1981/10/21/opinion/l-oil-and-the-economic-pearl-harbor-059714.
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O’FALT, Chris. 5 Ways ‘Blade Runner’ Changed the Look of Sci-Fi Forever. Indie Wire,
2017. Disponível em:
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36
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