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SÃO PAULO
2022
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SÃO PAULO
2022
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RESUMO
A personagem homossexual é mostrada nas telas de cinema e de televisão há décadas
como alguém caricato, extravagante e não digno de felicidade, sempre orbitando os
personagens principais e heteronormativos. Por isso, tendo em vista o momento atual de
movimentação intensa no cenário cinematográfico do New Queer Cinema, este trabalho em
formato audiovisual, sendo um curta-metragem ficcional, busca explorar e questionar a
jornada e a construção de um personagem queer na narrativa cinematográfica brasileira,
dando um novo desfecho para estes papéis através da protagonista, tendo também como base
a política queer, que defende evidenciar papéis e personagens cada vez mais representativos,
com construções mais ricas e aspectos mais fiéis à realidade.
ABSTRACT
The homosexual character has been shown on film and television screens for decades
as someone caricatured, extravagant and not worthy of happiness, always orbiting the main
and heteronormative characters. Therefore, in view of the current moment of intense
movement in the New Queer Cinema cinematographic scenario, this work in audiovisual
format, being a fictional short film, seeks to explore and question the journey and construction
of a queer character in Brazilian cinematographic narrative, giving a new ending to these roles
through the protagonist, also based on queer politics, which advocates highlighting
increasingly representative roles and characters, with richer constructions and aspects more
faithful to reality.
Keywords: character; queer; narrative.
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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO...............................................................................................6
3. JUSTIFICATIVA...............................................................................................10
4. REFERÊNCIAS DE CONTEÚDO....................................................................19
5. REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS................................................................27
6. REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS....................................................................28
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................29
8. PROPOSTA DE ROTEIRO...............................................................................30
8.2 Sinopse............................................................................................................31
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1. APRESENTAÇÃO
Visto que o cinema e diversas outras plataformas audiovisuais possuem um poder
referencial do público ao ver, em tela, a idealização de personagens que atravessam o
universo diegético e caminham lado a lado em nosso real cotidiano, com o cinema queer em
ascensão, visando ressignificar tais narrativas depreciativas para a comunidade afora, o
trabalho busca maneiras de caminhar além do conceito, que possui o poder de alinhar papéis
com a propriedade de quem o representa, mas também busca ir além do binômio
heterossexual-homossexual que quebra a costumeira representação familiar destes
personagens no cinema em geral.
No entanto, temos como vitrine principal para a discussão que cerca o projeto, um
curta-metragem ficcional que apresenta novas perspectivas para a ótica da articulação de
personagens queers, saindo do eixo característico que apresentamos como problemática,
integrando-se assim, como parte do movimento New Queer Cinema, que será apresentado
mais adiante. A obra, com elementos de horror psicológico, discorre sobre a narrativa de um
diretor de teatro que não sabe que fim dar a sua história, entrando em conflito consigo e com a
atriz principal da peça, uma pessoa queer que não gosta do papel oprimido de sua personagem
(que é também queer) e decide mudar o seu rumo.
Desta forma, adotamos como principal referência teórica o escritor Antônio Moreno,
que em sua obra “A personagem homossexual no cinema brasileiro”, de 2001, buscou
levantar debates sobre a forma como a identidade coletiva evidencia na maneira como grupos
minoritários são afetados por imagens projetadas nos meios de comunicação, em geral, no
audiovisual brasileiro como um todo. Buscamos também, referenciais videográficos destes
personagens em obras controversas para trabalhar a análise de tais papéis, como A Rainha
Diaba (1974), e A Lira do Delírio (1978), que performam e articulam estes que marcam o
imaginário coletivo como identidade da comunidade como um todo para a sociedade.
É a partir desta premissa que temos observado em nosso cotidiano a grande influência
que estes personagens, comumente retratados de maneira alegórica e marginalizada em obras
audiovisuais, podem ser reativos aos olhos dos espectadores tradicionais que não
compartilham da vivência com estes corpos (ou projetam ideais representativos dos mesmos
em um único indivíduo de seu âmbito social). Desta forma, analisamos em obras audiovisuais,
em termos de narrativa e construção de personagem, que a figura do homossexual em tela
possui como principal função trabalhar o alívio cômico, exercendo, de maneira jocosa,
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gestualidades extravagantes, vezes fadada ao fracasso quase como forma punitiva que se dá
por consequência de sua condição sexual.
Atualmente, esses corpos vêm tendo diferentes óticas (e, consequentemente, destinos)
ao serem escritos, construídos e representados por eles mesmos, expandindo o universo do
Cinema Queer com a diversidade de suas narrativas que vão ressignificando seus desfechos e
exprimindo suas vulnerabilidades, mas percebemos, em contraponto, que as obras não
costumam atravessar a comunidade queer, tendo em vista que os filmes passam a ser criados e
consumidos por eles, limitando a circulação muitas vezes pela falta de interesse do público
geral, que opta por obras tradicionais, escritas, muitas vezes, por homens brancos
heterossexuais que não os representam, em que retrata-se o personagem homossexual (em
segundo plano) estigmatizado. Em um levantamento de 2016, intitulado “Diversidade de
gênero e raça nos lançamentos brasileiros de 2016”, feito pela Agência Nacional do Cinema
(ANCINE), apresenta o seguinte cenário:
Talvez isto justifique as recorrentes narrativas que vemos, por serem projetadas por
um mesmo grupo de indivíduos. É através desta referência de dado que podemos concluir que
há a suma importância em abranger, de maneira geral, a diversificação e a inclusão de
diferentes grupos étnico raciais, geracionais, geográficos e de gênero em funções e cargos que
abordam a si mesmos.
Com isso, o grupo propõe analisar, em certas perspectivas, o impacto que estes
personagens possuem na comunidade LGBTQIA+ em vanguarda de um público que os
detém, em sua totalidade, para a confortável assimilação de um padrão imagético; a relação
interpessoal entre personagem versus indivíduo e os conflitos que estes objetos possuem
refletidos na sociedade. Como objetos específicos, utilizamos a obra de Antônio Moreno
(2001) para analisar as três fases que a personagem homossexual possuiu no cinema
brasileiro; explicar as raízes destes personagens e averiguar como tais caricaturas construídas
neste meio de comunicação podem trabalhar o imaginário sobre uma comunidade sob a
perspectiva do público-espectador.
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3. JUSTIFICATIVA
O New Queer Cinema (ou cinema LGBTQIA+), está em um momento de
movimentação intenso para o cenário audiovisual em termos narrativos (REVISTA
CONTINENTE), posto que vem surgindo, nos últimos anos, produções que transportam tais
enredos de forma plural, exemplos disso se dão desde o documentário Paris is burning (1991)
sobre a cultura dos bailes vogue, perpassando os personagens, apresentando um a um e
colocando em evidência seus sonhos e anseios enquanto pessoas LGBTQIA+ vivendo nos
anos 80, até a crescente atual, visto de um contexto do cinema brasileiro, no longa-metragem
de Pernambuco, Tatuagem (2013), que trata o cotidiano em um grupo de teatro e subtramas
que passam por relações homoafetivas, repressão e liberdade.
É de suma importância a busca por ressignificar os papéis designados durante a
construção destes até mesmo antes do tal termo sequer existir. Isto se dá porque os membros
da comunidade não se identificam objetivamente com os papéis que vinham (e ainda vêm)
sendo representados na tela. Os personagens, construídos através de estereótipos alegóricos,
caricatos e afeminados somente com o propósito de fazer o público rir. O projeto, através do
subgênero, tem como principal iniciativa explorar e questionar a jornada e a construção do
personagem homossexual na narrativa cinematográfica, buscando um novo desfecho para
estes papéis que, durante um longo tempo, foram construídos sob a ideia de uma imagem
social voltada para os olhos destes que não estão inseridos na própria comunidade
LGBTQIA+, sob uma ótica heterossexual fixada no imaginário coletivo que marginaliza,
sexualiza e contrapõe, em sua ideia de conceito moral, tais papéis.
Da análise de 127 produções audiovisuais brasileiras entre 1926 e1967, Moreno
(2001) conclui que a tendência majoritária é a de que os homossexuais sejam apresentados
como indivíduos doentes e patogênicos em cujas biografias se encontram associações com o
crime, a prostituição e o vício. Paralelamente, eles são, de forma jocosa, apresentados como
indivíduos portadores de uma gestualidade excessiva e adeptos do uso de vestuários
extravagantes, assim ratificando a sua condição de palhaço e objeto de chacota. Um outro
exemplo sobre a marginalização de personagens homossexuais apontado por Moreno em sua
tese é com o filme O Menino e o Vento (1967), no qual não há presença de estereótipos
afeminados, mas sim um relacionamento baseado em metáforas, não explicitando ao público
o tipo de ligação vivido por seus personagens. Outrossim, o tipo ideal do homossexual
apresentado – com grande frequência uma travesti – possui baixo nível de escolaridade, mora
em habitações degradadas e é subempregado. Do ponto de vista emocional os homossexuais
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são apresentados como traiçoeiros, falsos, vingativos e violentos. Não é surpreendente, assim,
que o fim deles nos filmes analisados seja predominantemente marcado por tragédia, mortes
violentas, depressão, suicídio e miséria (GÓIS, 2002).
[...] em A lira do delírio, Otoniel termina no hospital após ser incendiado; a Marlene
[um travesti] de Amor bandido se joga no pátio interno do edifício malfalado, se
suicidando; a Geni [uma travesti] de Ópera do malandro é assassinada friamente, e
com asco, por Tigrão; ou ainda são torturadas, apanham ou morrem das mais
diversas formas, como em O anjo nasceu, Navalha na carne, O casamento, A casa
assassinada ou em O beijo da mulher aranha, e não se realizam como pessoa
(MORENO, 2001, p. 283).
Anteriormente, o termo americano queer que pode ser traduzido para a língua
portuguesa como estranho, esquisito ou bizarro, era originalmente utilizado nos Estados
Unidos para ofender homossexuais e, principalmente, pessoas que não se sentiam confortáveis
dentro dos papéis de gênero determinados entre a dualidade homem-mulher (SOUZA, 2015).
O termo pejorativo, em 1980, ganhou forças entre a comunidade LGBTQIA+ em terras
estadunidenses para que fosse ressignificado pelos próprios membros. André Fischer, diretor
do Festival Mix Brasil, explica que, no Brasil, a palavra é comumente utilizada por homens
ou por pessoas não-binárias: “São aqueles que não se identificam com o G de gay, por
entenderem que ser gay traz agora uma série de significâncias diferentes. Algumas pessoas
associam a um padrão de gay, homem branco, cisgênero, classe média. E querem se distanciar
desse estereótipo” (UOL).
Visto que tais identidades não se viam representadas em tela, não possuindo para si
um público voltado à comunidade, os grupos, ainda considerados minorias, sentiram a
necessidade de produzir suas próprias obras para saírem da escala da heteronormatividade
tanto pautada pelos filmes da época. Estas tentativas de identidades sendo pertencentes ao
cotidiano da sociedade foram se tornando ainda recorrentes como sinônimo de luta, sendo
representado no cinema de diversas maneiras e ganhando espaço com o movimento
homônimo denominado Cinema Queer, voltado para estes personagens que foram
representados em tela, inicialmente, em grande escala, em produções europeias
independentes.
Na década de 1970 surgiram artistas que caminhavam na margem dos discursos
dominante. Filmes como The Rocky Horror Picture Show, de Jim Sharman, ou os filmes do
diretor John Waters e sua personagem Divine. Títulos que fizeram sucesso, principalmente,
nas chamadas sessões de meia-noite, e que demonstravam o interesse de um público por
temáticas que subvertiam as narrativas normativas predominantes na Hollywood da época. O
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caminho percorrido pelo documentário tem relação direta com as questões discutidas pelos
movimentos de gays e lésbicas, assim como o crescimento e ampliação dessas mesmas
discussões (DE ARAUJO, 2013).
Durante a mesma época, no Brasil, o Cinema Queer era ainda algo novo, embora
personagens fossem representados em obras anteriormente como protagonistas em O Menino
e o Vento (1967), considerado o primeiro filme LGBT lançado em plena ditadura militar, e A
Rainha Diaba (1974), protagonizado por Milton Gonçalves, o movimento suspirava para
surgir antes mesmo da palavra se dar por conhecida. As obras de Hector Babenco, como
Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981) e O Beijo da Mulher Aranha (1985), também
encontravam um lugar para estes personagens, que abordados de uma maneira curiosamente
sentimental e humanizada. Embora algumas exceções, o movimento não se consolidava em
seu grupo como um epicentro e não era representado pelos próprios membros da comunidade
queer, tornando-se uma problemática para o grupo que, quando representado, era comumente
elaborado para um público heterossexual. Um filme feito pelas mãos de determinado grupo,
que aborda outro determinado grupo com uma propriedade que não se é pensada, visto que
sua principal função é ter um apoio dos mesmos (que não para os mesmos), pode não ser do
agrado destes.
Antônio Moreno (2001) pontuava que tal projeção destes personagens homossexuais
no cinema nacional se davam sob uma mesma cartilha, em que eram referenciados de
maneira terceirizada nas narrativas como personagens esdrúxulos, cuja única função era
extrair risos sobre sua própria condição de vida, ou personagens estavam destinados ao limbo
como forma punitiva pela sua sexualidade, infiltrando suas mensagens no imaginário coletivo
de seus espectadores e consolidando o pensamento pejorativo sobre os mesmos.
Sua importância foi a de buscar imagens plurais que representa uma democracia real
de sujeitos e corpos diversos. Criar polêmica e levar assuntos desconfortáveis ou que
se consideram já passados com a militância tradicional para o centro do combate.
Por que os viados, bichas, sapatões, queer e outros termos considerados pejorativos
devem ser lidos assim? Através do cinema, tentou se mostrar, na realidade, um
orgulho de suas próprias imagens desviantes de uma norma majoritária e justamente
por isso, particular, original e bela. (LOPES e NAGIME, 2015, p. 14).
A escolha pela abordagem de tal tema, tal história, justifica-se também por sua própria
escassez. Ao buscarmos por referências de conteúdo, refletimos, também, sobre a recorrente
condição destes personagens LGBTQIA+ na cinematografia ao notarmos que sua principal
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função nas tramas passa a ser evidenciar sua sexualidade posta por um estereótipo
majoritariamente performático, “sua entrada em cena já denota todas as suas implicações e o
público já sabe como vai-se comportar e agir” (MORENO, 2001, p. 285).
É importante que a diversidade destes personagens seja destacada e que suas
subculturas sejam apresentadas para além do universo do outro, mas também há uma
necessidade de inserir estes indivíduos em papéis que pensam em normalizar o comum
cotidiano dos mesmos, de oferecer a consciência da realidade mundana que estes também
possuem, colaborando para vermos em tela vivências que também atravessam nichos, grupos,
subculturas. Talvez, a preocupação também exista por conta do mundo visto através da
perspectiva heterossexual, onde estes acabam se vendo como uma figura central da
epistemologia humana, categorizando todos em grupos e subgrupos, sem se dar conta de que
eles também fazem parte de um determinado. Dito isso, buscamos trabalhar um personagem
homossexual que não possui questionamentos sobre sua própria sexualidade, que não está em
situação de vulnerabilidade e que não está submisso às condições que não o agradam. Há um
certo tipo de manifesto representado através do personagem, que brada para não se curvar em
situações de desrespeito e que espera pela revolta dos seus e de outros. Raymond Williams
nos lembra da principal função dos meios de comunicação, sendo esta, a tarefa ininterrupta de
alterar a realidade e cultura de toda uma sociedade:
No caso de determinados grupos, a alteração da realidade não foi feita por eles,
fazendo com que busquemos novamente por tal alteração, através da propriedade destes que
vos tentam falar. Outra questão de inovação presente no projeto é deixar, de maneira explícita,
a brincadeira ousada sobre roteiros, papéis e suas inversões, questionando-nos da realidade da
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obra sem fazer com que a história se apoie nisso, mas que também atravesse uma narrativa
que busca gerar sensações surpreendentes dentro dos próprios personagens. O curta-metragem
questiona o roteiro da peça em questão, enquanto não pede licença para que seus personagens
se percam dentro de seus próprios papéis, que julgavam ser determinantes. Há uma
movimentação intensa no cinema nacional da atualidade, que se cansa da era da passividade
vulnerável em suas obras, que exercitam críticas antagônicas através de uma narrativa clássica
onde não há uma política reativa em seus projetos e passa a contrariar tais características, se
rebelando de maneira ativa, presente e agitada que agora, se recusa a esperar por ações
conscientes de um lado antagônico e que passa a agir por domínio próprio.
Nos interessa oferecer ao debate científico um pensamento sobre a identidade coletiva
sendo veiculada através de grandes meios de comunicação e como elas podem ser
determinantes para a construção de alguns grupos em nossa sociedade através do imaginário
coletivo. Existe a necessidade de indagar sobre nossa tendência em ter grandes dificuldades
para lidar com a diversidade até mesmo dentro de determinados grupos, fazendo com que a
representatividade acabe se delimitando dentro de si mesma, transformando-a em um único
espiral de mesmo destino. Antônio Moreno (2001) aponta que é através da dificuldade de
lidar com tal diversidade da homossexualidade que se encontram pontos psicossociais
enfatizados pelos mesmos personagens representados em tela, muitas vezes influenciando o
público a procurar pelo papel alegórico que estão acostumados a ver, fazendo com que
criadores tenham um confronto cultural com suas criações em conflito com os espectadores,
visto que não buscam uma diversidade de gênero, racial, cultural, etc., fazendo com que
personagens travestis, negros e indígenas sejam completamente exilados de tela. Moreno
também aponta que este ciclo colabora para uma preparação do público para personagens já
conhecidos, cujas falas e ações já são esperadas antes mesmo de seus atos.
Segundo Antônio Moreno, em seu livro “A personagem homossexual no cinema
brasileiro” (2001):
(...) uma couraça de invisibilidade que mascara, esconde e não ‘descobre a
personagem’. Ela, e todo o discurso que a envolve, param no tempo e no espaço.
Como uma personagem, sua entrada em cena já denota todas as suas implicações e o
público já sabe como vai se comportar e agir.
mulher amada é terceirizada, tendo como única função rodear a realidade do personagem viril
e viver em prol de suas conquistas, onde suas falas, ações e comportamentos são sempre
voltados a ele. Judith Butler chama o ato da presença constante destes indivíduos de
heterossexualidade compulsória. Tal fenômeno comumente posto em tela, está atrelado. De
acordo com Oliveira (1983, p. 13):
(...) nos estereótipos sobre os sexos, que servem como padrões de desempenhos de
papéis sexuais e que resumem as características culturalmente aprovadas para
indivíduos do sexo masculino e para os do sexo feminino, [...] os homens são mais
independentes e agressivos, e as mulheres mais dependentes e amáveis.
Nos interessa pensar que tal tipo de comportamento não está calcado ao pensamento
da “performance de gênero”, pois esta ideia está sempre atrelada somente ao homossexual,
reforçando, a ideia da heterossexualidade compulsória de Butler e ratificando a reflexão da
perspectiva epistemológica do olhar heterossexual como centro do universo.
Para Butler (2017), as pessoas que não se veem dentro de algum gênero, feminino ou
masculino, se tornam atores sociais que têm que se adaptar às normas sociais e performar o
que é esperado pela sociedade de acordo com o gênero que lhes foi posto desde seu
nascimento. Ao mesmo tempo que suas existências se tornam aceitáveis perante o padrão
imposto pela sociedade, elas são impedidas de se descobrirem. Dessa forma, também se
explica a ideia da heterossexualidade compulsória, quando uma menina cresce já escutando
brincadeiras sobre namorados desde muito nova e comentários ruins sobre outras mulheres
que não seguiram esse padrão e que, por isso, para a sociedade, ela é uma pessoa incompleta,
infeliz, enquanto o menino cresce cercado das mesmas brincadeiras, mas de uma forma mais
violenta, escutando tanto sobre a sexualidade como algo ruim que isso vira uma ofensa, uma
desonra.
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E uma das grandes motivações para tal tema, é a vivência pessoal de alguns
integrantes do grupo, que tiveram, em muitos momentos, suas realidades projetadas em obras
que se tornaram subsequentes, de maneira pejorativa, em algum momento de suas vidas. Há
personagens que vieram como um grande fardo para indivíduos que não se sentiam
representados por papéis de novelas ou filmes com a finalidade de viver sob a vida de outra
pessoa e fazê-las rirem de si mesmo. Existem papéis constantemente reproduzidos que
colaboram, em determinada esfera, para a personificação de grupos em sua totalidade, que
acabam transformando estes em algo menor. É de memória coletiva entre homossexuais a
lembrança de uma juventude em que a homofobia era reproduzida através de bordões de
personagens populares por espectadores tradicionais em grandes novelas, sendo importante
refletir sobre a importância da representatividade durante o horário nobre, mas com a
consciência dos impasses que podem causar quando estes são articulados, no século XXI, da
mesma maneira em que eram retratados no século XX. O projeto, desta forma, extrai a
intencionalidade do grupo em ressignificar estes através da plataforma que nos foi dada.
4. REFERÊNCIAS DE CONTEÚDO
4.1 REFERÊNCIAS TEMÁTICAS E ESTÉTICAS
Gotas d’água em pedras escaldantes (2000), de François Ozon. Um homem de
negócios de 50 anos seduz um jovem de 19 anos que passa a morar em sua casa. O casal
começa a ter desavenças ao terem discordâncias em sua relação, que passa a se modificar. A
obra, originalmente escrita por Rainer Werner Fassbinder para o teatro, aborda questões de
gênero em relacionamentos homoafetivos que são moldados através do ideal de uma relação
heterossexual. É usada no projeto como a introdução do ensaio da peça que está sendo
desenvolvido pelo diretor. O filme antagoniza as ideias de nosso projeto, tendo ele como
exemplo a se ressignificar. Neste corte, o curta-metragem irá utilizar um plano semelhante
que evidencie o contraponto das ações de ambos os personagens em um palco de teatro.
Na imagem, o jovem Malik, em seu avental, para de cozinhar para atender ao telefone
enquanto Bernard lê um artigo para seu trabalho.
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jovem Tadzio, que também aproveita uma temporada de férias e não sabe das intenções do
homem. Em Veneza, as pessoas são ameaçadas uma epidemia de cólera durante o verão
comemorativo. O filme é referenciado pela abordagem como os personagens são
desenvolvidos através de seu silêncio e de seu contato indireto, além de contrapor os papéis
que se invertem na narrativa já discutida anteriormente, tendo o personagem efeminado em
um espaço de virtude, enquanto o artista mais velho, Gustav, é posto em um papel de
vulnerabilidade. A cena final do filme também é um referencial para a cena final de nosso
curta-metragem: o diretor luta contra seu próprio corpo ao tentar chegar ao palco do teatro
para poder entregar o roteiro enquanto a peça se desenrola em seu último ato, que foi escrito e
desenvolvido pelos próprios atores.
Na imagem, Gustav é atingido pela epidemia e encara sua morte em uma cadeira de
praia enquanto assiste Tadzio correndo para o mar.
Em Igor (2019), álbum de estúdio de Tyler, The Creator. No álbum, o rapper bissexual
cria um personagem denominado Igor, que interpreta em seus videoclipes da era. Com uma
peruca loira, ternos extravagantes e um óculos escuro, o cantor trabalha a persona de um
homem fora dos padrões estéticos que tenta se enquadrar para se envolver em um
relacionamento homoafetivo, buscando sua aceitação através da recusa por sua própria
identidade. O álbum linear conta a trajetória de Igor iniciando pela humilhação por seu amado
e terminando com a libertação do mesmo. No projeto, o personagem atravessa uma jornada de
desbravamento de sua própria identidade semelhante.
Talvez tenha sido a junção de tudo isso que fez com que a comunidade LGBT
acabasse o escolhendo como uma espécie de mártir gay. E uma analogia é possível:
se São Sebastião foi defensor dos que eram perseguidos, os cristãos perseguidos
daquele tempo, que eram torturados e mortos, ele também desponta na nossa
sociedade como um símbolo de luta por outra causa. (...) Sabemos que a
comunidade LGBT muitas vezes é perseguida. Ele surge como um símbolo de
defesa, de proteção (MAERKI, 2022). (paginação)
Ao ser condenado por militares, o martírio de São Sebastião foi a tortura, sendo
amarrado em uma árvore, levando diversas flechadas até sua morte. Se tornando uma imagem
popular retratada em diversas obras de arte, colaborando para um imaginário homoerótico
feito pela iconografia cristã.
Diferente do que as pinturas mostram, São Sebastião não foi morto por flechas. Ele
foi resgatado por Santa Irene e espancado até a morte a mando do imperador
Diocleciano, que jogou seu corpo ferido nos esgotos de Roma", enfatiza. "A imagem
de seu corpo seminu perfurado por flechas e aguardando o martírio foi estabelecida
pelos pintores do Renascimento. A propagação dessa imagem despertou a
imaginação de vários artistas, fazendo de São Sebastião o santo masculino mais
retratado na história da arte (MENGALI, 2022). (paginação)
Em nosso projeto, o Santo é usado em sua figura literal para o universo diegético da
própria peça em seu terceiro ato, em sua noite de estreia, tendo-o como uma alegoria de luta e
jornada narrativa, aqui, o destino deste que é representado pelo personagem homossexual não
é o de decadência, mas sim, de ascensão. Suas flechas são retiradas de seu corpo e sua
libertação é o fim.
2. REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS
A LIRA do Delírio. Direção: Walter Lima Jr. Produção: Elizabeth Fairbanks, Epitácio
Brunnet e José Carlos Escalero. Rio de Janeiro. Walter Lima Junior Produções
Cinematográficas Ltda., 1978. 105 minutos.
A RAINHA Diaba. Direção: Antônio Carlos Fontoura. Produção: Antonio Calmon e
Mauricio Nabuco. Rio de Janeiro. Produções Cinematográficas R. F. Farias; Lanterna Mágica
Produções Cinematográficas Ltda.; Ventania Produções Cinematográficas Ltda., 1974. 106
minutos.
BAIXIO das Bestas. Direção: Cláudio Assis. Produção: Dedete Parente Costa e João
Vieira Jr. Pernambuco. Parabólica Brasil; Belavista Cinema; Produção Ltda., 2006. 86
minutos.
BIRDMAN. Direção: Alejandro González. Produção: Alejandro González, Arnon
Milchan, James W. Skotchdopole e John Lesher. Nova Iorque. Regency Enterprises; New
Regency Productions; M Productions; Le Grisbi Productions; TSG Entertainment; Worldview
Entertainment, 2014. 119 minutos.
GOTAS d’água em Pedras Escaldantes. Direção: François Ozon. Produção: Alain
Sarde, Christine Gozlan, Kenzô Horikoshi, Marc Missonnier e Olivier Delbosc. [S.l.]. Euro
Space Inc.; Fidélité Productions; Les Films Alain Sarde; Studio Images 6, 2000. 90 minutos.
MIDSOMMAR. Direção: Ari Aster. Produção: Lars Knudsen e Patrik Andersson.
Budapeste. A24; Parts & Labor; B-Reel Films, 2019. 147 minutos.
MOONLIGHT. Direção: Barry Jenkins. Produção: Adele Romanski, Dede Gardner e
Jeremy Kleiner. Miami. A24; Plan B Entertainment; Pastel Productions, 2016. 111 minutos.
MORTE em Veneza. Direção: Luchino Visconti. Produção: Luchino Visconti. [S.l.].
Alfa Cinematográfica, 1971. 128 minutos.
O MENINO e o Vento. Direção: Carlos Hugo Christensen. Produção: Carlos Hugo
Christensen. Rio de Janeiro. Carlos Hugo Christensen Produções Cinematográficas, 1967. 104
minutos.
TYLER, the Creator. Earfquake. 2017. (4m26s). Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=HmAsUQEFYGI>. Acesso em 23 abril 2022.
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3. REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS
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PERNAMBUCO. CEPE. 2019. Disponível em
<https://revistacontinente.com.br/edicoes/218/cinema-queer-em-pernambuco>. Acesso em 31
maio 2022.
ANCINE. In: DIVERSIDADE DE GÊNERO E RAÇA NOS LANÇAMENTOS
BRASILEIROS DE 2016. Governo Federal. 2020. Disponível em
<https://www.gov.br/ancine/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/apresentacoes/
diversidade-de-genero-e-raca-nos-lancamentos-brasileiros-de-2016>. Acesso em 26 abril
2022.
EDISON Veiga em BBC News Brasil. In: A VIDA DE SÃO SEBASTIÃO,
PADROEIRO DO RIO, QUE VIROU PROTETOR DOS GAYS. BBC. 2022. Disponível em
<https://www.bbc.com/portuguese/geral-60048420>. Acesso em 04 março 2022.
MARCELO Fiuza no Jornal O Tempo. In: CINEMA PERPETUA ESTERIÓTIPO DO
GAY. O Tempo. 2006. Disponível em <
https://www.otempo.com.br/diversao/magazine/cinema-perpetua-estereotipo-do-gay-
1.324527>. Acesso em 31 maio 2022.
NATHALIA Geraldo em Universa. In: QUEER ESTÁ NA SIGLA LGBTQIA+ O
QUE SIGNIFICA E QUEM USA. UOL. 2022. Disponível em
<https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/01/20/queer-esta-na-sigla-lgbtqia-o-
que-significa-e-quem-usa.htm>. Acesso em 23 maio 2022.
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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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no Brasil. Folha de São Paulo, v. 19, n. 11, 2017.
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Raymond Williams. 2010.
DE ARAUJO, Tatiana Brandão. Cinema Queer: O que é isso, companheir@ s?. 2013.
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Interdisciplinar em Cultura e Sociedade, v. 3, n. especial, p. 205-224, 2017.
DO NASCIMENTO, Samuel Macêdo. O QUE É UM HOMEM? OUTRAS
MASCULINIDADES EM UM CINEMA DISTANTE. 2020.
FIGUEIREDO, Eurídice. Desfazendo o gênero: a teoria queer de Judith Butler.
Revista Criação & Crítica, n. 20, p. 40-55, 2018.
GÓIS, João Bôsco Hora. MORENO, Antônio. A personagem homossexual no cinema
brasileiro. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 2, p. 515-515, 2002.
GOMES, Itania Maria Mota; ANTUNES, Elton. Repensar a comunicação com
Raymond Williams: estrutura de sentimento, tecnocultura e paisagens afetivas. Galáxia (São
Paulo), n. SPE1, p. 8-21, 2019.
MAGRANER, Sérgio. Desejo, prazer e perigo: uma análise de" Um estranho no lago"
como um reflexo cultural do universo gay na cinematografia queer contemporânea. 2020.
MORENO, Antônio. A personagem homossexual no cinema brasileiro. Fundação
Nacional de Arte (Funarte); EdUFF. Rio de Janeiro. 2001.
MORENO, Antônio. Homossexualidades projetadas. Estudos Feministas, v. 515, p. 2,
2001.
SOUZA, Eloisio Moulin de. A teoria queer e os estudos organizacionais: revisando
conceitos sobre identidade. Revista de Administração Contemporânea, v. 21, p. 308-326,
2017.
29
5. PROPOSTA DE ROTEIRO
CARNIS LEVALE
por
Ricardo Nunes
30
5.2 SINOPSE
Tentando se adaptar ao novo público do mundo da arte e engatar um novo projeto
teatral em sua carreira, um diretor de teatro enferrujado busca desenvolver o final de sua peça
que já está em processo de ensaio. Entretanto, pelo bloqueio criativo, não sabe que fim dar à
história.
A atriz principal de seu trabalho passa a se incomodar com o papel submisso e vulnerável que
se coloca, atravessando o universo diegético de seu próprio personagem, revertendo as
posições e inserindo o diretor, em sua vida real, no papel do personagem que a atriz interpreta.
Uma história sobre revelação em situações de injustiça, uma carta de amor a todos os jovens
LGBTQIA+ e queers que já tiveram que se colocar em papéis que não são propriamente seus.
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PERSONAGENS PRINCIPAIS
COADJUVANTES
ATOR 2
PRODUTORA
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ATO 1
CENA - INTRO
RITO DE MOIRAS
As Moiras CLOTO, LÁQUESIS e ÁTROPOS se entreolham e analisam o
FIO DA VIDA que tecem entre si. Sobreposto na RODA DE FORTUNA,
nota-se um ROTEIRO.
ÁTROPOS inclina-se em poucos movimentos, pega ROTEIRO e o
analisa.
FAST FADE OUT – CORTE SECO
CENA 1
FADE IN
INT. TEATRO – DIA
No palco, ensaia-se uma cena da peça.
Vê-se dois atores: um sentado sobre a mesa, toma café e lê o
JORNAL que cobre o seu rosto para a plateia. A outra, nua,
coberta apenas por um avental, de costas para o palco, lava
uvas.
KYRA
As uvas mofaram, acho que já passou da validade.
CENA 2
INT. TEATRO - DIA
Luzes do palco se acendem. DIRETOR quebra o universo teatral e
interrompe o ensaio dos atores.
DIRETOR
Ok, ok... Foi bom!
KYRA
Ok.
Responde desapontada.
DIRETOR
Certo.
Sorri, desconfortável.
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CENA 3
INT. CAMARIM/TEATRO - DIA
KYRA termina de se trocar, pronta para ir embora. Ao lado do
espelho, vê-se pendurado na parede um pôster de BJORN
ANDRÉSEN. KYRA encara a fotografia e tenta reproduzir a pose
enquanto se olha no espelho.
CENA 4
INT. TEATRO – DIA
KYRA atravessa a coxia a caminho da porta de saída do teatro.
DIRETOR
KYRA? Tudo bem?
Eu estava esperando você. Queria conversar.
KYRA
Sim?
DIRETOR
Eu tinha a sua idade mais ou menos quando
comecei a escrever, sabia?
Pausa.
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KYRA
Eu quero. O que te faz pensar que eu preciso?
Ri enquanto pergunta.
Em seguida, fica desconcertada.
DIRETOR
Expressa desconfiança, não acredita em sua verdade.
Breve pausa, silêncio.
KYRA
Acho que esse é o problema. Eu não me identifico.
DIRETOR
Aproxima o corpo, inclina-se para ouvir, direcionado para
KYRA, demonstra atenção. Coloca seus braços em seus próprios
joelhos.
Por quê?
KYRA
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Breve pausa.
DIRETOR
Apoia seu corpo no assento, com as duas mãos nos respectivos
apoios. Olha para o horizonte.
KYRA abaixa a cabeça e permanece.
Tá me ouvindo?
Gentilmente.
KYRA consente com a cabeça. DIRETOR segue olhando para ela.
DIRETOR
Acelera seu ritmo.
KYRA (V.O)
“O sonho que você tem dessa história, te tira da história em
si”.
ATO 2
CENA 6. INT. CASA – TARDE
Reproduzindo BACO de CARAVAGGIO, KYRA interpreta – TABLAUX
VIVANT
KYRA ensaia no palco com texto que escreveu para sua
personagem, alterando o ROTEIRO da peça sem com que o DIRETOR
esteja preparado.
DIRETOR está sentado no banco ao lado de PRODUTORA.
KYRA
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ZOOM IN – CLOSE
KYRA fala com cara de nojo.
Você quer que eu seja a sua vitrine.
Cospe no chão.
DIRETOR
Corta.
Calmo.
KYRA
...ambições...
DIRETOR
Grita.
CORTA!
KYRA
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DIRETOR
Que merda que você tá fazendo?
Enquanto a leva.
KYRA
Eu achei que seria bom construir algo.
Tenta tirar seu braço da mão do DIRETOR.
DIRETOR
Ah, você achou?
Achei que você tinha que decorar as suas falas.
Eu só te pedi uma coisa, eu te pedi pra mergulhar no
personagem, buscar inspirações e você escreve essa merda que
ninguém pediu?
KYRA
Você só sabe falar sobre você enquanto quer escrever sobre mil
representações diferentes sem ouvir nada do que a gente tem a
dizer? Não tem nem o final pronto.
DIRETOR
GRITA assim que KYRA conclui seu questionamento.
O ROTEIRO É MEU!
Silêncio absoluto.
DIRETOR suspira enquanto está com uma mão na cabeça, pensativo
e ofegante.
PRODUTORA chega e para entre os dois, nervosa.
Silêncio.
KYRA segue olhando para DIRETOR com raiva.
KYRA
E você não fala nada?
Brava, esperando defesa.
DIRETOR
Interrompe.
Ela não tem fala!
ATO 3
MOIRAS passam uma a uma o ROTEIRO que estava inicialmente na
mão de ÁTROPOS até chegar em CLOTO. Elas se entreolham e riem
até os ombros balançarem enquanto o pulmão de cada uma pulsa
visivelmente em suas costelas.
PARAM de rir, sérias. ÁTROPOS estende mais o fio que tece. Uma
a uma se olham individualmente, consentindo o que estão
prestes a fazer.
CLOTO ergue o fio que tece para cortá-lo e ÁTROPOS joga o
roteiro para fora do campo de visão.
FADE OUT.
CENA 8 – INT. CASA – NOITE
DIRETOR escreve em sua escrivaninha em um caderno. Rabisca
escrito. Volta a escrever. Fuma, nervoso e desgastado.
Olha devagar para a parede. Fixa.
TELEFONE toca.
DIRETOR
Alô?
Estreia?
Não, houve uma confusão, a data de estreia não é hoje. Eu
estava finalizando agora, inclusive.
PLONGÉE
KYRA desamarra o laço de suas mãos. DIRETOR, suspirando, chega
aos pés de KYRA e para, pois não consegue mais ter movimentos.
Em pé, KYRA arranca lentamente as flechas em sua barriga. Tira
o COLAR DE CORAÇÃO de seu pescoço, se abaixa e ergue o corpo
do homem que está jogado aos seus pés e o apoia, de frente
para a plateia, contra seu próprio corpo.
KYRA ergue o COLAR DE CORAÇÃO FLECHADO e o cerca no pescoço do
DIRETOR. Imediatamente, ao colocá-lo, DIRETOR dá um ENORME
suspiro desesperador que o faz arregalar os olhos.
KYRA segura a FLECHA encaixada no CORAÇÃO que agora está no
corpo do DIRETOR e o arranca, fazendo jorrar todo o SANGUE que
estava dentro do objeto.
DIRETOR se encontra apagado, caído, somente apoiado por KYRA.
KYRA olha POR CIMA da CÂMERA direcionada para seu rosto em um
grande CLOSE-UP. Suspirando, ofegante. Olha séria, cansada.
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FIM