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ESCOLA ESTADUAL OSWALDO CRUZ

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

EDUARDO OTAVIO ESTEFANO MOTTA MACHADO

CINEMA BRASILEIRO
O TRAJETO PARA A CRIAÇÃO DE UMA ESTÉTICA NACIONAL

SÃO PAULO
2022
EDUARDO OTAVIO ESTEFANO MOTTA MACHADO

TRAJETO PARA A CRIAÇÃO DE UMA ESTÉTICA NACIONAL DE CINEMA

Trabalho de conclusão de curso do Ensino Médio


da Escola Estadual Oswaldo Cruz como requisito
parcial para a avaliação final.

SÃO PAULO
2022

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho de conclusão de curso aos meus amigos, aqueles que me motivaram e
me motivam a seguir meu sonho de ser um artista todos os dias, aos meus pais por me
darem uma rede de apoio para tornar esse sonho possível, aos meus professores Marcos,
Fernando, Denise, Max e Juliano por me incentivarem a perseguir o conhecimento todo dia,
a minha coordenadora Ana que me ajudou com tudo que precisei neste ano, e por fim,
dedico ao cinema brasileiro e todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a
existência e a manutenção dele.

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RESUMO

Utilizando os conceitos estabelecidos internacionalmente de linguagem e estética


cinematográfica e a história do cinema brasileiro, é traçado então uma trajetória para a
definição de uma possível estética brasileira e um modo nacional do fazer cinema,
encontrando resposta em sua pluralidade, comicidade, no sentimento de país emergente e
da relação colonizado-colonizador, sendo por fim definida pelo estudo de dois filmes
relacionados com a pesquisa.

Palavras Chave: Cidade de Deus, Cinema brasileiro, Cinema novo, Chanchada, estética de
cinema, linguagem de cinema, Pós-Retomada, Retomada, Rio 40 graus.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO 6

2. LINGUAGEM E ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA 6

3. HISTÓRIA DO CINEMA BRASILEIRO 7


3.1 DOMÍNIO DE HOLLYWOOD E PRIMEIRAS ESTÉTICA “NACIONAL” 8
3.2 AS CHANCHADAS E A "ESTÉTICA CÔMICA BRASILEIRA” 9
3.3 CINEMA NOVO E A "ESTÉTICA DA FOME” 10
3.4 CRISE, RETOMADA E "COSMÉTICA DA FOME” 11
3.5 PÓS RETOMADA E A PLURALIDADE ESTÉTICA 12

4. BUSCA DE UMA ESTÉTICA BRASILEIRA NA PRÁTICA 13

5. TEMÁTICA E ABORDAGEM: O RIO DE JANEIRO CONTINUA VIOLENTO. 13

6. PLANOS E MONTAGEM; EXPERIMENTAÇÕES SÃO BRASILEIRAS. 15

7. DIÁLOGOS: HUMOR É DRAMA. 17

8. SOM E TRILHA SONORA: ESCUTAR PARA PODER ENXERGAR. 18

CONCLUSÃO 20

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 21

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1. INTRODUÇÃO

Ao pensarmos em cinema brasileiro, conseguimos reconhecer uma estética nacional?


Pensaremos o seguinte: conseguimos reconhecer se um filme é de comédia ou drama, pela
estrutura de roteiro, diálogos, enquadramento, planos, ritmo de montagem, trilha sonora e
até mesmo a coloração (ou o dito Color Grading) pode nos indicar logo ao iniciar, qual é o
gênero do filme, já que essas ferramentas, em conjunto formam a chamada linguagem
cinematográfica, tal qual, por exemplo, traços, formas e cores formam a linguagem da
pintura, mas será que o cinema brasileiro utiliza a linguagem cinematográfica de forma
característica, a ponto de ser reconhecida como uma estética única?

2. LINGUAGEM E ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA

Antes de buscar entender uma possível "estética nacional”, é preciso entender o que pode
ser definido como estética cinematográfica. Ao começar pelo significado da palavra estética
que tem sua origem na palavra grega aisthesis, que significa "apreensão pelos sentidos",
"percepção", segundo Pedro Menezes, professor de filosofia e escritor de artigos em sites
educacionais, “É uma forma de conhecer (apreender) o mundo através dos cinco sentidos
(visão, audição, paladar, olfato e tato)", portanto, seguindo o conceito estabelecido, a
estética cinematográfica seriam características técnicas e subjetivas de um filme que ao se
juntarem umas às outras podem ser percebidas e reconhecidas como uma estética definida
para o filme.
Essas características técnicas e subjetivas, utilizam se da linguagem cinematográfica, a
mesma citada na introdução, para serem expostas dentro do filme, a linguagem
cinematográfica é a forma que o filme tem para contar aquilo que planeja, passar a
sensação que deseja, utilizando o mesmo cenário da pintura no exemplo da introdução,
vamos imaginar que o pintor queira passar a sensação de raiva ou agressividade, para isso
ele poderia usar talvez de recursos como, pinceladas mais fortes e bruscas, sem muito
cuidado, talvez utilizar de cores mais quentes e vibrantes, na música, utiliza-se de tempos
elevados para passar a impressão de agitação ou velocidade, mesmo que a música
contenha 10 minutos, pode utilizar acordes maiores para criar melodias felizes e acordes
menores para músicas tristes, são técnicas utilizadas que reconhecemos e associamos com
a mensagem que querem passar, são como definições gerais e cheias de nuances também
visto que cada experiência é única e é impossível que alguém tenha o mesmo olhar sobre
algo, mas existem certas definições padrões que abrangem diversos significados próximos
que boa parte da população, ou o público alvo, consegue reconhecer com seus sentidos e
experiências.
No cinema, por ser uma arte que se apropria de diversas outras, é utilizado uma infinidade
de coisas para produzir um sentido a partir da percepção de quem assiste, em termos
visuais, podemos falar de planos, ou seja onde a câmera é posicionada diante o objeto de
foco, um plano geral pode servir para nos ambientar na trama, estamos em uma cidade ou
em uma floresta, tem um exército enorme ou então raios no céu, um plano médio torna o
elemento principal em algum sujeito ou algum assunto, pode servir para ambientar e
descrever mas de forma mais aproximativa, como por exemplo um monólogo, ou então uma
caminhada até o trabalho, o ambiente é visto mas o sujeito é o foco, um plano detalhe pode

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servir para dar destaque ou enfatizar algum detalhe, um olhar, uma arma sendo destravada,
ou até mesmo a textura de um objeto, os ângulos e movimentos de cena abrem ainda mais
portas dentro dos planos. Assim como a montagem pode sugerir diversas coisas, um filme
de drama costuma ter uma montagem mais lenta, com planos com durações maiores e
cenas menos agitadas, já filmes de ação, costumam seguir ritmos agitados, pouco tempo de
“respiro” e muito movimento, demonstrando assim o papel dos cortes como parte essencial
de qualquer narrativa. Ainda no âmbito visual podemos citar também as cores, tanto em
objetos e figurinos que complementam na criação da linguagem do filme, quanto na
coloração feita na pós produção, que também são capazes de passar sentimentos: Filmes
de terror tendem a usar cores mais escuras e sóbrias, já quando retratam um país mais
quente ou uma praia se utiliza por exemplo de tons mais quentes e alaranjados. Quanto a
parte do áudio, se comenta sobre a trilha sonora e os efeitos sonoros, trilhas mais lentas,
sem muita agitação costumam ser associadas ao drama, com notas mais graves à tensão,
trilhas mais rápidas a cenas de ação frenéticas, músicas mais despretensiosas á momentos
de descontração do filme, já os efeitos sonoros são parte essencial para a percepção e
validação de uma realidade dentro do filme, já que apesar de não percebemos, tudo que
fazemos gera algum tipo de som, mesmo que mínimo, então estamos desacostumados
quando algo não proporciona som, portanto a utilização de efeitos sonoros é uma das
partes mais responsáveis pela imersão do filme, ou até mesmo a não utilização deles. Vale
lembrar que qualquer um dos exemplos citados, são apenas exemplos de usos comuns
dessas técnicas e linguagens, sendo possível a ressignificação e reimaginação de cada um
deles, ao depender da forma utilizada, contexto e objetivo do ato, sendo então um campo
para ser explorado pelos cineastas.
A estética cinematográfica, pode ser reconhecida em um filme, sendo possível apenas
estabelecer paralelos e possíveis referências, ou em vários filmes, sendo eles pertencentes
a uma única saga, tal qual grandes sagas de blockbusters americanos, como velozes e
furiosos, star wars, missão impossível ou o grande universo compartilhado da marvel, no
qual você reconhece ser pertencente da saga com alguns elementos técnicos e subjetivos
que todos filmes tem em comum, pode ser percebido também ao observar filmes de certos
diretores, percebemos que eles têm certas características no fazer cinema que segue uma
estética em comum, as chamadas marcas registradas, como os banheiros de Kubrick, as
criaturas de Del Toro e a simetria de Wes Anderson, sendo esses exemplos rasos, mas que
exemplificam alguns diretores que tem estéticas tão únicas que reconhecemos em poucos
minutos de filme. Além disso, a nacionalidade também influi a forma de fazer cinema,
principalmente ao pensar que tudo depende do cenário sociocultural e econômico do país,
na época vigente e nas passadas, países como Estados Unidos, em que a indústria
cinematográfica já se fortificou o suficiente, é possível se observar as mais variadas
estéticas, mas ainda sim, consegue se extrair padrões da maioria de seus filmes que
indicam sua nacionalidade, assim como o europeu, e também claro, os nossos vizinhos da
américa latina, visto que cinema é uma arte extremamente cara, portanto seria impossível
um país de terceiro mundo produzir um filme da mesma forma que um país de primeiro
mundo produziria.

3. HISTÓRIA DO CINEMA BRASILEIRO

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Para se começar a investigar a possível "Estética Nacional” precisamos olhar para quando a
sétima arte chegou no Brasil. O cinema começou a ser exibido no Rio de Janeiro em 1986,
com uma sessão de curtas do cotidiano de cidades europeias, já em 1897, depois da
estreia cinematográfica no país, surge a primeira sala de cinema aberta ao público na
capital carioca, por incentivo dos irmãos italianos Paschoal Segreto e Affonso Segreto,
esses que seriam considerados, mais a frente, os primeiros cineastas brasileiros. Em 19 de
junho de 1898 os Irmãos realizaram gravações da Baía de Guanabara, embora não haja
mais registros desse material, a data segue sendo considerada o Dia do Cinema Nacional.
Em meados dos anos 1907 e 1910 foi quando se deu a estruturação de um mercado
exibidor no país, visto que antes, a falta de eletricidade dificultava a realização de salas de
cinema no país, porém em 1907 foi criada a Usina Ribeirão de Lages no Rio de Janeiro,
tornando possível criação de mais salas de cinema no Rio de Janeiro que chegou até
mesmo a ter 20 salas de exibição.
Na época não havia grande produção de filmes rodados no Brasil, por isso que a maioria
massiva dos filmes passados eram produções europeias, mesmo que a maioria das salas
contassem com equipes de filmagem próprias, boa parte das produções tinha o caráter
documental, gênero esse que pode ser percebido com grande destaque no país até hoje. A
considerada primeira película de ficção rodada aqui no Brasil é o curta-metragem Os
Estranguladores (1908), de Francisco Marzullo e Antônio Leal. O primeiro longa-metragem
só veio a surgir em 1914 com O Crime dos Banhados (1914), dirigido por Francisco Santos.

3.1 DOMÍNIO DE HOLLYWOOD E PRIMEIRAS ESTÉTICA “NACIONAL”

Em 1914, com o advento da Primeira Guerra Mundial, ocorre uma crise no cinema nacional,
a influência europeia diminui e as produções estadunidenses dominam o mercado, por
entrarem no país isentos de taxas alfandegárias, enfraquecendo ainda mais as produções
nacionais. Já na década de 30 é criado o primeiro estúdio de cinema brasileiro: a Cinédia,
os filmes brasileiros mais relevantes desse período foram Limite (1931), de Mário Peixoto, A
Voz do Carnaval (1933), de Ademar Gonzaga e Humberto Mauro, e Ganga Bruta (1933) de
Humberto Mauro, filmes esses que vão ser precursores de uma estética nacional que busca
valorização do território nacional, fato que será tema de estudo mais a frente.
Foi também nessa época que se propagou no país o cinema sonoro, cujo filme nacional
pioneiro foi a comédia Acabaram-se os Otários (1929), de Luiz de Barros. Entretanto o
domínio estadunidense não seria cessado pela Cinédia, entre as décadas de 1930 e 1940
as distribuidoras dos estados unidos investiram em propaganda e em equipar as salas de
cinema para seus talkies, que eram filmes falados, tais longas foram muito bem recebidos
pelo público que se acostumou com as legendas e as formas do cinema clássico
Hollywoodiano como narrativas lineares com estruturas bem definidas e finais felizes.
Percebendo a aceitação do público ao cinema estadunidense, a Cinédia, para se adaptar à
forma hollywoodiana de fazer cinema: Histórias românticas, musicais, com grandes cenários
e estrelas como Carmen Miranda. Exemplos disso são os filmes Alô, Alô, Brasil (1935), Alô,
Alô, Carnaval (1936), Bonequinha de Seda (1936) e Pureza (1940). No entanto, as
produtoras nacionais não foram capazes de alavancar o mercado: dos 409 filmes lançados
em 1942 no país, apenas um era brasileiro.
A Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi um grande marco para industrialização do

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cinema nacional, equipamentos modernos, grandes estúdios e diretores estrangeiros, tal
produtora foi responsável pelo primeiro filme brasileiro a vencer o prêmio internacional no
Festival de Cannes com o filme O Cangaceiro (1953) de Lima Barreto. Apesar de tais feitos
serem muito importantes para a evolução do cinema nacional, ao analisar tais filmes
citados, chegamos à conclusão que a primeira estética definida de forma massiva no país,
não era exatamente “nacional”.
"Os primeiros longas-metragens realizados no Brasil copiavam a estética do cinema
americano. Um dos exemplos são os estúdios da Vera Cruz, inaugurados em 1949, em
cujos filmes encontramos a estética hollywoodiana”
PIZOQUERO, Lucilene.

3.2 AS CHANCHADAS E A "ESTÉTICA CÔMICA BRASILEIRA”

As chamadas Chanchadas foram filmes musicais e/ou cômicos de baixo custo de produção,
tal gênero alavancou com a criação da Atlântida Cinematográfica, que tinha como ideia
produzir constantemente e exibir em parceira com o circuito do grupo de Luiz Severiano
Ribeiro. O principal tema das chanchadas costumam ser temas carnavalescos de tramas
fáceis que cativassem o público mais popular, como Este Mundo é um Pandeiro (1947) e
Carnaval no Fogo (1949), ambos de Watson Macedo. “Os filmes carnavalescos possuíam a
estética do teatro de revista brasileiro: narrativa frouxa costurada por números musicais,
com os grandes artistas do rádio.” ressalta Lucilene Pizoquero, pesquisadora do Cinema
Brasileiro e professora da AIC.
As chanchadas, mesmo que considerada tosca pelos críticos, exalavam brasilidades, já que
é impossível pensarmos em estética nacional indo direto para o que, hoje em dia, é
considerado revolucionário ou genial, quando falamos em Brasil, é necessário a
compreensão do que se era admirado pelo público, principalmente a massa. O povo
brasileiro, sempre teve certa afinidade com comédias, desde antes do cinema existir, com o
teatro já havia sua preferência em obras de certa forma mais leves e que não necessitavam
de pensar profundamente, algo que não se trata de demérito, pois dessa forma, os artistas
brasileiros souberam encontrar sua forma de fazer arte revolucionária e genial que é tão
cultuada pela elite intelectual brasileira e internacional, um bom exemplo anterior ao cinema
se trata das comédias de costumes, gênero teatral criado na França, mas que foi trazido
para o Brasil com maestria por autores como Martins Peña, a comédia de costume se
tratava de sátiras sociais a certas classes, o que tornava divertido e crítico as classes
brasileiras, tal gênero também fora adaptado para o cinema, nas tão criticadas Chanchadas,
com longas que exploraram os tipos folclóricos do Rio de Janeiro, como as sátiras Nem
Sansão Nem Dalila (1954) e Matar ou Correr (1954), de Carlos Manga. Tais filmes então
firmaram, para sempre, a comédia como forma de expressão genuinamente brasileira,
capaz de mostrar as dificuldades sociais vivenciadas pelos brasileiros dado as marcas
deixadas da escravidão e a industrialização, uma elite provinda de grandes latifundiarios e
nobres do imperio, as safadezas e piadas faceis encontradas em toda esquina, além de
claro, todo o folclore e as festas populares brasileiras, de norte a sul, de indigena ao negro,
formando então uma “Estetica Cômica Brasileira.”, uma estética capaz de abordar assuntos
sérios sem necessariamente falar sério.

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3.3 CINEMA NOVO E A "ESTÉTICA DA FOME”

Neste capítulo retornaremos ao momento de capítulos anteriores, em que citamos os filmes


Limite (1931) de Mário Peixoto, A Voz do Carnaval (1933), de Ademar Gonzaga e Humberto
Mauro, e Ganga Bruta (1933) de Humberto Mauro e é dito que serão precursores para uma
estética nacional mais a frente, o que não foi dito é que demoraria cerca de 30 anos para tal
estética ser mais explorada pelos cineastas brasileiros, os responsáveis por isso foram os
que, inspirados pelas produções de baixo custo dos neorrealistas Italianos e a Nouvelle
Vague francesa, criam um cinema focado em produções de cunho social e político, o
chamado Cinema Novo, tendo tais cineastas se inspirado também em Humberto Mauro que
já tratava das paisagens naturais brasileiras, pensaram então em mostrar o Brasil de
verdade, sem maquiagem, tendo como lema “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”,
bordão criado por Glauber Rocha, dito como líder de tal movimento, responsável por filmes
que se tornaram símbolos do Cinema Novo, como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964),
Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968). O
Cinema Novo então vai utilizar da "Estética da Fome”, ou como Glauber Rocha vai sugerir
“Eztetyka da Fome”. Apresentado em 1965, durante o congresso Terceiro Mundo e
Comunidade Mundial, na cidade italiana de Gênova e publicado no terceiro número da
Revista Civilização Brasileira, o manifesto “Uma Estética da Fome” escrito por Glauber
Rocha, irá declarar que:
América Latina (AL), inegavelmente, permanece colônia, e o que diferencia
o colonialismo de ontem do atual é apenas a forma mais aprimorada do
colonizador; e, além dos colonizadores de fato, as formas sutis daqueles
que também sobre nós armam futuros botes. [...] Este condicionamento
econômico e político nos levou ao raquitismo filosófico e à impotência, que,
às vezes inconsciente, às vezes não, geram no primeiro caso a esterilidade
e no segundo a histeria. A esterilidade: aquelas obras encontradas
fartamente em nossas artes, onde o autor se castra em exercícios formais
que, todavia, não atingem a plena possessão de suas formas. O sonho
frustrado da universalização: artistas que não despertaram do ideal estético
adolescente. Assim, vemos centenas de quadros nas galerias, empoeirados
e esquecidos; livros de contos e poemas; peças teatrais, filmes (que,
sobretudo em São Paulo, provocaram inclusive falências).” Nesse trecho do
manifesto, Glauber evidencia uma das consequências pela relação de
dependência dos países da américa latina para com os países
colonizadores, que no caso é o que ele chama de “esterilização”, algo que
pode ser dito como obras sem cunho social e político revolucionário, logo
após o diretor vai compartilhar a segunda consequência, aquela qual que
servirá de raiz para o Cinema Novo: “A histeria: um capítulo mais complexo.
A indignação social provoca discursos flamejantes. O primeiro sintoma é o
anarquismo pornográfico que marca a poesia jovem até hoje (e a pintura).
O segundo é uma redução política da arte que faz má política por excesso
de sectarismo. O terceiro, e mais eficaz, é a procura de uma sistematização
para a arte popular. Mas o engano de tudo isso é que nosso possível
equilíbrio não resulta de um corpo orgânico, mas sim de um titânico e
autodevastador esforço no sentido de superar a impotência: e, no resultado
desta operação a fórceps, nós nos vemos frustrados, apenas nos limites
inferiores do colonizador: e se ele nos compreende, então, não é pela
lucidez de nosso diálogo, mas pelo humanitarismo que nossa informação
lhe inspira. Mais uma vez o paternalismo é o método de compreensão para
uma linguagem de lágrimas ou de mudo sofrimento.

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A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de
sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo
diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior
miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.

ROCHA, Glauber, 1965, Uma Estética da Fome, Revista Civilização


Brasileira.

Glauber aponta ainda para uma estética da violência, que diferente das produções
anteriores que satisfaziam a nostalgia do primitivismo do espectador europeu, o colonizador
pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora. “Enquanto não ergue as
armas o colonizado é um escravo”.
Ao ler o manifesto inteiro podemos compreender a formação de uma estética
autenticamente nacional criada de forma pensada enquanto movimento artístico, desde o
horror e a violência que eram tão característicos, justamente pelos cineastas da época
verem na violência, um dos meios para conseguir a revolução artística e independência dos
países colonizadores e vai até se falarmos em técnicas mais relacionadas, de certa forma,
ao mise en scéne, que seria tudo aquilo relacionado a forma de fazer cinema, visto que,
estruturalmente falando, o cinema novo quase não havia recursos financeiros no início e
passou a não ter nenhum após o golpe de 64, dado que seus filmes não correspondiam
com as ideias que o regime queria passar para seus cidadãos e a imagem a ser passada
para o mundo exterior, portanto os filmes não tinham nenhum apoio da Embrafilme, que foi
criada em 1969 e era uma empresa estatal vinculada ao Ministério da Educação e Cultura,
que tinha como objetivo formentar o cenário cineasta brasileiro e promover tais filmes no
exterior, porém tal falta de apoio e investimento financeiro por parte do governo, foi fundido
como parte da estética, os cenários eram todos reais, os atores eram em sua maioria
cidadãos comuns, se utilizava apenas uma câmera na mão para gravar e muito se utilizava
do som da própria filmagem, a montagem por muitas vezes era experimental e também sem
muitos recursos, tornando fáci reconhecer os filmes de tais artistas, tanto pelas temática
abordadas ou por essas características que citamos

3.4 CRISE, RETOMADA E "COSMÉTICA DA FOME”

Quando os vídeos cassetes começaram a ficarem populares, nos anos 80, as produções
nacionais entraram em declínio, ainda mais pelo fato de que a crise econômica brasileira
estava piorando e a dívida externa aumentando, por tanto não tinha recurso para os
cineastas, nem os espectadores poderiam pagar os ingressos, nessa época, os donos de
salas de cinema começaram a lutar e protestar contra a lei de obrigatoriedade de filmes
nacionais em cartaz, para que pudessem manter em cartaz apenas filmes mais vendáveis
para o público assistir quando tivessem chance de ir ao cinema. Foi restringida a produção
nacional em só alguns cineastas paulistas, que raramente tinham seus filmes exibidos em
grandes salas de cinema, apenas participavam de circuitos de festivais. Em 1990, quando
Fernando Collor de Mello foi eleito, a Embrafilme foi extinguida, assim como o Ministério da
Cultura, o Concine, a Fundação do Cinema Brasileiro, as leis de incentivo à produção e a
regulamentação do mercado. Portanto o cinema brasileiro foi praticamente extinto, por
exemplo temos o ano de 1992, em que apenas três filmes brasileiros foram lançados em tal
ano.

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Com o impeachment de Collor, foi iniciada a chamada “Retomada” do cinema nacional. No
governo de Itamar Franco foi criada a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual,
responsável pela regulamentação daquela que viria a se tornar a Lei do Audiovisual,
possibilitando a produção de centenas de filmes nacionais ao longo das últimas décadas.
Um dos exemplos é o longa Carlota Joaquina (1994), de Carla Camurati, o primeiro
realizado por meio desse recurso.
Um grande destaque para a época é o filme Central do Brasil (1998) de Walter Salles, que
foi indicado ao Oscar em duas categorias, de melhor filme estrangeiro e na categoria de
melhor atriz, para Fernanda Montenegro, a primeira latino-americana, a única brasileira e
também a única atriz já indicada ao prêmio por uma atuação em língua portuguesa. Esse
filme, é utilizado como um dos pilares do artigo da professora da UFRJ, Ivana Bentes:
Sertões e favelas no cinema brasileiro contemporâneo: estética e cosmética da fome. O
texto da professora cria uma discussão sobre esse novo momento do cinema nacional, que
parece se aproveitar da "Estética da Fome” do cinemanovista Glauber Rocha, mas talvez
sem a mesma intenção que tinha-se em 1960, Ivana aponta para uma folclorização do
sertão e uma representação estilizada da violência nas favelas brasileiras, tal
comportamento, propositalmente ou não, seria responsável, por projetar o cinema nacional
para o exterior, pois de certa forma, tais filmes mostravam a miséria, que tanto havia
chamado atenção do mundo anteriormente, com o cinema novo, mas dessa vez, de uma
forma mais estilizada, mais próxima dos moldes exteriores de produção, eram filmes que
também tinham como objetivo o retorno financeiro, mesmo que esse não seja o foco
principal. Ivana vai apontar que tais filmes também acabam que por denunciar algo real,
mas sendo de certa forma, os cineastas mais próximos de retratistas, que ao mesmo tempo
que mostram algo sério, também acabam por enfeitar e romantizar tais problemas sociais,
por isso não se poderia dizer que a Retomada, seria um movimento que utiliza a "Eztetyka
da Fome”, que mostra a realidade da fome sem maquiagem, pois de algum modo, há uma
maquiagem, mesmo que obtenha violência explícita, como no filme Cidade de Deus (2002)
de Fernando Meirelles, filme que é utilizado para se marcar o fim da Retomada, ainda seria
uma violência maquiada, ou customizada, mas não com propósito de esconder, mas de
estilizar para atingir algum objetivo cinematográfico.

3.5 PÓS RETOMADA E A PLURALIDADE ESTÉTICA

O Cinema pós-retomada, graças a políticas públicas de incentivo e a tecnologia, é a fase


mais produtiva do cinema nacional, 120 longas brasileiros foram exibidos no ano de 2013,
cada dia que passa, apesar da crise e a constante ameaça as hastes governamentais de
apoio ao cinema, o cinema brasileiro expande e se atualiza, isso significa que,
esteticamente falando, se torna cada dia mais inovador e plural. O Brasil desde sua
natureza até sua formação social é um país diversificado, portanto, suas expressões
artísticas não seriam diferentes, muito menos o cinema, que age praticamente como
registro filmado da época e ambiente que fora realizado, então quando expandimos a
produção, melhor podemos ver a criação ou exploração de estéticas variadas, que antes
eram apenas brotos a serem regados e adubados, hoje já se manifestam como uma flora
diversa, basta olharmos para os filmes lançados. Temos o sucesso da comédia,
principalmente as produzidas pela Globo Filmes, como de De Pernas pro Ar (2010) de
Roberto Santucci e Minha Mãe é uma Peça (2013) de André Pellenz, esses que atendem
muito bem à estética dos programas de tv da emissora Globo e mescla com os grandes

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blockbusters hollywoodianos que levam as grandes massas ao cinema, algo que nos
remota a tempos anteriores do cinema nacional, como a chanchada, mostrando que a
comédia, até hoje ainda é favorita do grande público, porém filmes mais experimentais e
dramáticos, conseguem, a cada dia, um pouco mais de reconhecimento, mesmo que
internacionalmente, como os filmes de Karim Ainouz diretor de O Céu de Suely, Praia do
Futuro e Madame Satã, ou Kleber Mendonça Filho, diretor de Aquarius, O Som Ao Redor e
o mais recente e popular: Bacurau.
Basicamente ao olharmos para o momento atual, percebemos que tal pluralidade de gênero
e de produção, nós leva para uma pluralidade estética, que dificilmente poderia ser
resumida em poucas características e poucas nuances, porém tais estéticas foram
resultados de uma longa história cinematográfica e que de certa forma é possível traçar um
caminho em comum, para a criação de filmes no Brasil.

4. BUSCA DE UMA ESTÉTICA BRASILEIRA NA PRÁTICA

Após estudado a história do cinema brasileiro, foi necessário fazer uma análise mais
assertiva e de certa forma, comparativa também, mas dessa vez, com enfoque nos filmes
citados e não citados neste estudo, buscando ver na prática, as escolhas estéticas que
permeiam desde o início das produções cinematográficas brasileiras.
Para tal estudo, foram definidos pontos de observação e análise das obras, julgados como
pilares para uma linguagem cinematográfica e por consequência pela definição estética de
cada filme, sendo tais pontos os seguintes: Temática e abordagem; Planos e montagem;
Diálogos; Som e trilha sonora. Tais pontos, quando analisados, principalmente ao comparar
entre diferentes filmes, demonstram haver muito em comum, mesmo quando são
experimentais, além de proporcionar, na medida do que se é possível, uma estética de
cinema brasileira.
Para exemplificar, faremos uma análise em comparativo de dois filmes brasileiros, de
épocas e contextos sociopolíticos diferentes, sendo tais filmes o clássico nacional Rio, 40
graus (1955) de Nelson Pereira dos Santos e Cidade de Deus (2002) dirigido e co-dirigido
respectivamente por Fernando Meirelles e Kátia Lund.

5. TEMÁTICA E ABORDAGEM: O RIO DE JANEIRO CONTINUA VIOLENTO.

A principal motivação para a escolha dos filmes para objeto de estudo foi poder estabelecer
uma comparação entre as décadas sobre a retratação da cidade do Rio de Janeiro, que
apesar de ser incapaz de representar o Brasil inteiro, é um ponto de referência internacional
e também foi, por muito tempo, polo de produções audiovisuais brasileiras.
Logo ao começar o estudo foi possível perceber que a violência segue sendo, de certa
forma, comum na cidade maravilhosa. Mesmo que haja 47 anos de distância entre um filme
e outro, e que, em Cidade de Deus a violência é escancarada e assumida, ambos irão
seguir a mesma temática da violência que povos periféricos sofrem, seja ela física, como
muito mostrada no longa de Fernando Meirelles ou apenas a social, mostrada
constantemente e subjetivamente em Rio, 40 graus.

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Porém, quando pensamos em abordagem, podemos perceber um ponto em comum, que
pode ser observado não só nos filmes estudados, como em diversos outros do cinema
brasileiro. Tal ponto se trata da abordagem retratista, essa forma de abordar vai ser
responsável por não fazer tais filmes parecerem pertencentes ao gênero de tragédia, já que
os filmes buscam retratar o cotidiano daquele local, em Rio, 40 graus, por exemplo, se
passa em apenas um dia, mostrando diversas histórias que se entrelaçam e interferem
diretamente ou indiretamente uma na outra, nem que seja uma breve aparição de outro
personagem que estávamos acompanhando antes. Tal forma de contar a história busca
sensibilizar aquele que assiste, mas sem precisar mostrar de forma exagerada as tragédias
vividas, trazendo sensibilidade misturada com cotidianidade ao tema, tentando mostrar o
absurdo de tais ocorridos, que se tornam mais absurdos por ocorrerem todos os dias e
serem normalizados pela sociedade brasileira. Já quando falamos de Cidade de Deus,
vemos uma abordagem retratista inegável, sendo até mesmo metalinguística, pois o filme é
contado por Buscapé, o personagem mora na Cidade de Deus e conta a história do local a
partir de 3 épocas e diferentes atos, durante o filme, Buscapé também se torna fotógrafo,
trazendo mais uma camada metalinguística para a abordagem retratista, que se concretiza
parte da narrativa, pois o personagem principal, literalmente retrata a história e situações,
que por mais trágicas que sejam, são cotidianas naquele ambiente, criando assim uma
camada mais próxima, provavelmente proposital para que o espectador se emocione com o
filme, fugindo então de algo quase jornalístico para algo com um ponto de vista artístico. No
filme Cidade de Deus, a violência que a abordagem vai retratar, é a violência física
principalmente, sendo tal violência uma resposta para aquilo que sofrem por pelo governo,
que ao tentar se tornar mais atrativo para turistas, faz uma “limpeza social” removendo os
cortiços que abrigavam as classes mais baixas e mandando elas para as áreas mais
afastadas do Rio de Janeiro, como por exemplo a Cidade de Deus. Retratar tal violência
física, de forma tão escancarada como o filme de Fernando Meirelles faz, é algo que remete
muito ao cinema novo e a “Eztetyka da Fome” de Glauber Rocha, que com o horror, torna
possível a compreensão da força cultural que é explorada pelos colonizadores, esses que
podem ser enxergados nesse filme como aqueles que criaram a cidade de deus, ou o
espectador da elite ou o internacional, pois no fim, se cruzarmos um traço para seus
antepassados, chegaremos, sem muito esforço, em um ponto comum, ambos são
colonizadores pelo passado, mesmo sem ter invadido nenhuma terra, portanto ao beber da
fonte da violência, mostra que a estética da fome, não é algo existente apenas durante o
período do cinema novo, mas sim algo que perdura até os dias atuais, que se tornou parte
fundamental para a representação estética do Brasil e sua sociedade, algo que foi
especulado de ocorrer pelo o Glauber Rocha em seu manifesto da “Eztetyka da Fome”:

Cinema Novo é um fenômeno dos povos novos e não uma entidade


privilegiada do Brasil: onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e
a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí
haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a
enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí
haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer
idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a
serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do
Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se
marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a
mentira e com a exploração. A integração econômica e industrial do Cinema
Novo depende da liberdade da América Latina. Para esta liberdade, o

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Cinema Novo empenha-se, em nome de si próprio, de seus mais próximos e
dispersos integrantes, dos mais burros aos mais talentosos, dos mais fracos
aos mais fortes. É uma questão de moral que se refletirá nos filmes, no
tempo de filmar um homem ou uma casa, no detalhe que observar, na moral
que pregar: não é um filme mas um conjunto de filmes em evolução que
dará, por fim, ao público a consciência de sua própria miséria.
ROCHA, Glauber, 1965, Uma Estetica da Fome, Revista Civilização
Brasileira.

6. PLANOS E MONTAGEM; EXPERIMENTAÇÕES SÃO BRASILEIRAS.

Ao analisar ambos filmes, é perceptível a grande quantidade de experimentações visuais


nestes filmes, cada um em sua medida e possibilidade tecnológica da época, mas ambos
muito inovadores. Em Rio, 40 graus, ao iniciar o filme, temos tomadas aéreas, inovadores
para a tecnologia da época e que tem como propósito apresentar o ambiente em que a
trama se passará, no caso o Rio de Janeiro, mostrando principalmente seus grandes
cartões postais, para que logo em seguida, o filme mostra que a realidade carioca não é
apenas tais belas paisagens, mostrando o morro e o povo que vive nele, os planos no morro
costumam serem abertos, focados em mostrar tudo que há em volta, relatando a pobreza
que existe naquele ambiente, já quando passamos para partes mais nobres da cidade, os
planos são mais fechados, focados nas reações e detalhes das cenas, não fazendo questão
de exaltar aquele ambiente, a montagem também é muito experimental e conversa muito
com cada cena e núcleo que se passa, além de ser muito dinâmica e objetiva, o que condiz
até mesmo com a premissa do longa e com a vida na capital do estado do Rio de Janeiro.
para exemplificar as experimentações na montagem utilizaremos duas cenas: a primeira se
trata de um dos meninos vendedores de amendoim que entra no zoológico atrás de uma
lagartixa e a partir desse momento aquela cena é mostrada através dos olhos do menino,
que mostra cada animal como quem observa com novidade e confusão, utilizando ate
mesmo de diversos barulhos para gerar a sensação de confusão no espectador também.
Outro momento estudado é do quase atropelamento de um menino que é cortado
abruptamente para um gol em uma partida de futebol, deixando então, propositalmente, a
sensação de ponta solta.
Em Cidade de Deus a experimentação ocorre constantemente, não é à toa a indicação do
filme ao Oscar de melhor montagem e melhor fotografia para, respectivamente, Daniel
Rezende e César Charlone. Em sua maioria o filme é gravado com câmera em movimento,
poucos são os momentos de câmera estatística, trazendo assim uma sensação de imersão,
tirando o espectador do ponto de observador para o ponto de vista do participante, além de
trazer maior agitação e dinâmica ao filme, um ótimo exemplo, se dá no início do filme que já
demonstra para o espectador um pouco da caoticidade do filme e criando um dos
momentos icônicos do cinema nacional, que se trata da cena da fuga da galinha,
exemplificado na figura 1, tal trecho foi gravado com a câmera amarrada em um cabo de
vassoura, para poder acompanhar mais de perto e com melhor nitidez a corrida da galinha.

Figura 1 - Cena da galinha

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Fonte: 02 Filmes

Os planos também trazem muita inovação, muitas vezes, ao contrário do padrão,


impossibilita de ver a cena “inteira”, cortando rosto de personagens ou partes da cena como
no exemplificado na figura 2.

Figura 2 - Cena cortando rosto dos atores.

Fonte: O2 Filmes

A montagem também se trata de um dos pontos altos do filme, que utiliza das mais variadas
técnicas para contar tal história, principalmente por ela nao ser contada linearmente do
início ao fim do filme, é escolhido iniciar o filme no meio da história, para depois retroceder e
apresentar os personagens, para depois voltar ao ponto que havíamos parado. O longa
conta também com muitas transições mais estilizadas, algo até então não muito comum nos
filmes brasileiros da época, logo no início do filme temos uma que levará o espectador para

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a infância do protagonista, utilizando de paralelo cinematográfico, movimento de câmera em
volta do personagem e a dissolução de um take até a aparição de outro take, dessa vez, já
na infância do Buscapé.

Figuras 3, 4 e 5 - Transição dos anos 70 para 60

Fonte: O2 Filmes

Tais experimentações, tanto de Rio, 40 graus e Cidade de Deus, demonstra que uma das
características principais das obras brasileiras é justamente inovar com técnicas criadas
fora do país, utilizando o costume existente na arte brasileira desde do antropofagismo dos
modernistas de 1920, que é se apropriar do que vem de fora para contar a história de um
jeito brasileiro.

7. DIÁLOGOS: HUMOR É DRAMA.

Diálogos são fatores essenciais para a linguagem de um filme, ele é um dos responsáveis
pela comunicação mais direta possível para com o espectador, é a forma menos subjetiva,
que tem em seu poder a palavra que é compreendida por todos aqueles que irão assistir
com menor alteração. No caso de filmes brasileiros é perceptível um padrão em suas
produções, o humor está presente na maioria delas, mesmo quando não se é um filme de
comédia, tal fato se dá pelo costume irreverente de toda a cultura brasileira, desde nosso
folclore e mitos até nossa forma de lidar com a política e problemas pessoais, sempre há,

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variando de pessoa para pessoa, uma pitada de humor, não é como se não nos levassem a
sério, mas como visto anteriormente, a comédia é algo enraizado em nossas produções,
desde do teatro, a melhor maneira que encontramos para comunicar com maior facilidade,
principalmente para o grande público, sempre foi a comédia, portanto humor é drama no
cinema nacional. Quanto a isso, os diálogos de ambos filmes estão lotados, tanto de frases
marcantes que são dramáticas e frases cômicas que no fim, trazem muito peso a história
que estão contando, um bom exemplo se trata da Figura 6, que traz uma situação
engraçada, porém ao prestarmos atenção, retrata a situação precária de ensino do país, em
que muitas crianças e adultos são analfabetos.

Figura 6 - Trecho cômico.

Fonte: O2 Filmes

Portanto, é impossível negar que a comicidade, ironia e irreverência é patrimônio imaterial


da arte brasileira, pois representa o país, mesmo que por muitas vezes de forma satirizada,
com algo que é identificável entre o povo brasileiro, tornando impossível dizer, que os
diálogos vistos nesses filmes, seriam impossíveis de serem vistos no dia a dia, novamente
firmando a natureza retratista da estética nacional.

8. SOM E TRILHA SONORA: ESCUTAR PARA PODER ENXERGAR.

Após o cinema deixar de ser mudo e ao poucos ir ganhando música, som e falas, fez com
que fosse impossível desassociar o som do que se vê. O som é o responsável por trazer
maior imersão dentro do cinema, você acredita mais que alguém atirou se houver barulho
de tiro, saberá que algo está vindo se ouvir seus passos, portanto, o som, por ser um dos
cinco sentidos dos seres humanos, auxiliará nas produções cinematográficas nesse quesito.
No cinema brasileiro, o som sempre foi dado como um problema, havia muitos relatos de
que os efeitos sonoros eram mais altos que as falas ou que a qualidade do que era
transmitido não era boa, fatores esses explicados através do baixo investimento financeiro
nos filmes nacionais, visto que, por falta de dinheiro para manter atores gravando vários

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dias, o som acaba por sofrer uma desvalorização, raramente rodando mais takes para
garantir a perfeição do som, diferente do que ocorre em algumas outras áreas, porém
também não há verba para a realização de sessões de dublagem, como ocorre muitas
vezes em filmes internacionais, essas sessões consistem em reunir os atores novamente,
em um estúdio para dublar suas cenas, visando garantir a boa qualidade de som na hora
dos diálogos. Porém, no cenário atual, a situação tem melhorado, visto que tal reclamação
já não aparece tão constantemente, principalmente por causa da melhor capacitação das
salas de cinema para transmitirem o som dos filmes. Visto isso é possível afirmar que não
há muito trabalho de som nas produções nacionais, pouco se pode observar sobre ele,
entretanto, quando o assunto é música o cinema brasileiro sempre foi destaque, mostrando
sua incrível capacidade de, mesmo com algo subjetivo como a música, acrescentar uma
camada importante para a contação da história e a definição do universo que se passa o
filme. O longa metragem Rio, 40 graus utiliza o samba em boa parte de seu enredo, visto
que a música tema do filme é composta e cantada por Zé Keti, sambista importante para a
história da música brasileira, a música utilizada no caso foi “A Voz do Morro”, tal canção
serve quase como inspiração e exaltação para o morro, uma forma de gerar esperança para
aqueles que vem do morro e ajuda também a fechar o filme em clima de carnaval, indicando
que apesar dos pesares, ainda se deve lutar pela felicidade e os pequenos prazeres, isso
sem precisar dizer quaisquer uma dessas palavras, idem ocorre em Cidade de Deus, que
também conta, em sua maioria, com músicas brasileiras, que ajudam a criar esse universo
em que o filme se passa, com músicas que falam sobre o morro, como as de Cartola ou
canções que tocavam em bailes e festas da época como “Get Up I Feel Like Being Like
(Sex Machine)” de James Brown., ou até mesmo, demonstrar o início da mudança do modo
de viver de Bené ao tocar “Metamorfose Ambulante” de Raul Seixas, que também será
citado pelo personagem mais a frente. Ambos dos filmes, se não houvessem diálogos e no
lugar fosse colocado apenas as músicas, ainda seria possível entender aquilo que se quer
ser passado e tal feito não é exclusivo dos dois filmes, o cinema nacional acumula trilhas
sonoras marcantes em outras produções, sendo elas responsáveis, por um dos pilares mais
importantes para o reconhecimento de uma estética nacional, o uso extremamente criativo
da música em longas metragens.

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CONCLUSÃO

Após meses de pesquisa intensa, estudo e muita análise, reconheço então que para
reconhecer uma estética nacional de cinema, é preciso primeiro reconhecer o Brasil
enquanto país grande e com pluralidade de culturas, com isso somos capazes de
compreender que consequentemente nossas produções também apresentarão pluralidade
estética, sendo impossível a ideia de uma única forma do fazer cinema em um país assim,
porém é possível reconhecer, filtrando certas individualidades de cada obra, que um filme
brasileiro irá, em sua grande maioria, refletir de alguma forma a relação
colonizado-colonizador, seja de forma direta ou indireta, pois na essência do cinema
brasileiro existe a constante abordagem retratista, independentemente do gênero, sempre
acaba por ser um reflexo, proposital ou não, do que é viver em um país latino-americano, de
terceiro mundo, com diversidades culturais, desigualdades sociais profundas e claro com
baixo incentivo e financiamento no cinema e na arte em geral.

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