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Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras [recurso eletrônico] / Robson Corrêa de
Camargo -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
349 p.
ISBN - 978-65-5917-065-4
DOI - 10.22350/9786559170654
CDD: B869.2
Índices para catálogo sistemático:
1. Teatro B869.2
Jefson Romero de Camargo (1926-1973)
in memorian
Em 1963, meu pai foi fazer um curso nos Estados Unidos, de treinamento de
pilotos, link trainer, como se chamava. Sargento da aeronáutica, ensinava o
chamado vôo cego, por instrumentos. Uns três meses... Senti muito sua falta
naquele espaço de tempo. Dez anos depois, ele morreria assassinado, estupida-
mente. Nunca mais pude reencontrá-lo, a não ser na memória.... Anos depois
fui aos Estados Unidos, para realizar pesquisa de doutorado (1996-2001) apoi-
ado pela CAPES, voltei deixando para trás a poeira das torres gêmeas que ainda
se espalhava no retrovisor do avião. Com alívio percebi finalmente que, no
fundo, houvera uma tentativa de reencontrá-lo ou incorporá-lo, sei lá. Conse-
gui. Ele que abandonara os estudos para trabalhar, fez de tudo para que eu
terminasse a universidade que ele não fizera. Ele e eu, ateus por profissão,
nunca imaginamos que eu pudesse, um dia, chegar ao final desta longa jor-
nada. Um vôo cego, por instrumentos.
Apresentação .......................................................................................................... 20
1 ............................................................................................................................... 28
O melodrama: o gestual e ...
Era uma vez ...... o princípio da incerteza ........................................................................... 33
Melodrama e o senso comum ............................................................................................... 44
Teorias da definição de gênero ............................................................................................. 48
Teatralidades: o prazer do espetáculo e do texto ................................................................ 51
O prazer da performance ...................................................................................................... 60
O melodrama na ópera.......................................................................................................... 63
Rousseau e o melodrama: nem pai, nem padrasto ............................................................. 71
2 ............................................................................................................................... 85
As parteiras do melodrama: a pantomima, o teatro de feira e de bulevar
A pantomima: gestualidade e melodrama .......................................................................... 85
O treinamento do ator na pantomima ................................................................................ 94
A improvisação no teatro das feiras ..................................................................................... 98
A pantomima no Boulevard du Temple ............................................................................. 121
O corpo, o gesto e a voz ........................................................................................................130
O surgimento do termo melodrama ...................................................................................138
3 .............................................................................................................................. 144
A máquina do melodrama e o início da cena moderna
Um por todos, todos por um: o público acima de todas as coisas .................................. 160
René-Charles Guilbert de Pixérécourt e sua obra ............................................................. 165
O melodramaturgo e o drama das unidades...................................................................... 175
Coelina ou l’Enfant du mystère: o “gênero” inaugurado................................................. 186
A manufatura do melodrama ............................................................................................. 226
4..............................................................................................................................256
O melodrama no império dos sovietes: Stanislavski e os formalistas russos
O ator, o diretor e o leitor do melodrama ......................................................................... 262
O olhar sem palavras: a presença cênica........................................................................... 272
Diálogo com um formalista na terra dos sovietes ............................................................ 278
Balukhatii: o melodrama e sua poética.............................................................................. 280
5 ............................................................................................................................. 294
As múltiplas faces do melodrama brasileiro
História Principal: o Amnésico e o Ébrio........................................................................... 299
Segunda História: Laços de Sangue ................................................................................... 305
Terceira História: Na Saúde e na Doença........................................................................... 315
O Discurso do Melodrama ...................................................................................................319
Fevereiro 2014
Apresentação 1
1
1 de setembro de 2020. Esta é uma versão modificada, expandida, da tese de doutorado defendida na ECA/USP em
2005, com várias reflexões agregadas, pois o tempo, este senhor antropofágico, assim o possibilitou.
Robson Corrêa de Camargo | 21
O melodrama:
o gestual e ...
1
Jean Gondrin apresenta a obra Truth and Method, editora Continuum, Nova York como aquela que apresenta me-
lhor a tradução de Darstellung.
32 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Para ver as coisas devemos, primeiramente, olhá-las como se não tivessem ne-
nhum sentido, como se fosse uma adivinha (...) compreender menos, ser
ingênuos, espantar-se, são reações que podem nos levar a enxergar mais, a
aprender algo mais profundo....(Carlo Ginsburg, Olhos de Madeira, p.22 e 29)
este. Estamos agora em 1927,2 logo após o jovem Heisenberg haver apre-
sentado publicamente os primeiros postulados inovadores e ousados de
seu “princípio da incerteza”, Einstein, numa conversa reservada, levantara
objeções à teoria proposta por Heisenberg, teoria da imprecisão ou “prin-
cípio” da incerteza como foi chamada. Einstein reagira negativamente às
colocações de Heisenberg apontando que havia que se “conhecer primeiro
a teoria, ou produzir uma teoria, e então definir o que deve ser observado”.
Entretanto, pontuaria Heisenberg, “não poderia ser ao contrário?”. Em se-
guida, descreve Heisenberg ainda em suas lembranças, os dois iniciam
então uma discussão sobre como o já estabelecido conceito “órbita” impe-
dia a compreensão apurada do fenômeno da posição determinada ou do
movimento realizado pela partícula elétron. Um conceito impedindo o co-
nhecimento de algo.
Teoria versus experiência. Na mecânica quântica, como apontava
Heisenberg em sua formulação inovadora, a posição (lugar) e a (veloci-
dade) de uma partícula atômica não podem ser determinados
conjuntamente. O conhecimento de um implica, ao contrário, no desco-
nhecimento do outro, pois desestabiliza o conhecimento do outro
fenômeno, o que contrariava a teoria mecânica conhecida até aquele mo-
mento.
Na mecânica não quântica, até então a única conhecida, para que se
conheçesse a velocidade de um carro em movimento, o seu deslocamento,
devemos iluminar este carro em dois pontos diferentes, em dois lugares
distintos e, com uma operação aritmética, conheceremos o seu desloca-
mento, sua velocidade entre estes pontos, assim, o saber do lugar
possibilitará o conhecimento de outra grandeza a velocidade, o desloca-
mento. Entretanto, esta operação complementar se apresentará em forma
contraditória na mecânica quântica. Vamos detalhar um pouco mais à
frente esta questão, é um pouco complicado.
2
http://www.aip.org/history/heisenberg/voice1.htm Quantum Mechanics. The Uncertainty Principle 1925-1927.
Acesso em 25 de março de 2013.
Robson Corrêa de Camargo | 35
o sujeito do objeto, pois o olhar não se contém naquele que olha. O “objeto”
de arte contém o olhar.
O apresentado no palco só pode ser entendido pelo olhar público, pois
ele é imaginado de outra(s) forma(s) pela plateia. A audiência vê o que não
se vê e finge não ver o que se vê. O teatro, mais que ser um lugar público
onde se percebe, é o lugar condensado e transitivo das vivencias das am-
biguidades e dos paradoxos, onde as coisas apresentadas ao vivo são
tomadas e apresentadas em mais de um sentido. Lugar de deslocamento.
Não é apenas o realismo de certa fase do Teatro de Arte de Moscou ou das
cenas efêmeras de Ariane Mnouchkine, pois ele sempre estabelece realida-
des múltiplas e nunca “reais”. Nesta arte ao vivo há várias duplicidades,
uma bem reconhecida, o ator/personagem, outra, a real e a representada
da história que se conta, e ainda outra, pouco falada, pelo seu grau intenso
de incerteza incorporada, do espectador/personagem, sim pois a persona-
gem não está contida no palco ela se incorpora na relação palco e plateia.
A Enciclopédia Britannica aponta a palavra teatro como derivada do
grego theaomai (θεάομαι) – olhar com atenção, perceber, contemplar
(1990, vol. 28, p. 515). Theaomai não significa apenas ver no sentido co-
mum, mas sim ter uma experiência intensa, envolvente, meditativa,
inquiridora, a fim de descobrir o significado mais profundo; uma cuida-
dosa e deliberada visão que interpreta seu objeto (Theological Dictionary
of the New Testament, vol.5, p. 15,706). O espectador vivencia assim per-
sonagens às quais mimetiza, por semelhança ou diferença, identificando-
se com os heróis e repudiando-se os vilões ou vice-versa. O olhar no objeto,
do objeto, contido no objeto. Vivencia o espectador a incorporação imagé-
tica e a projeção imaginada, numa mimese de identificação e de recusa, de
negação e denegação. Vive o vilão e o herói, o covarde e o bravo. O apre-
sentado no palco é imaginado de outras formas pela plateia. Toda reflexão
que tenha o drama como sujeito precisa se apoiar nesta tríade teatral:
quem vê, o que se vê, e o imaginado. A performance do teatro é um fenô-
meno que existe nos espaços e deslocamentos do presente e do imaginário,
nos tempos individuais e coletivos que se formam neste espaço e se
42 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
distinção. Há determinados textos teatrais que foram feitos sim para não
serem encenados, mas absolutamente não é o caso do melodrama.
Além desta definição carente aqui apontada, uma das razões da ex-
tensa confusão encontrada, ao tentar se entender o melodrama, é a
definição de suas fronteiras, pois, durante o século XIX, ele teve três dife-
rentes vidas ou personalidades distintas, como ópera, como texto literário
(folhetim) e como gênero teatral. No século XX surgem ainda outros ir-
mãos siameses nesta extensa família: no cinema, no rádio e na televisão.
No cinema, paradoxalmente, melodrama pode ser ambivalentemente um
filme de ação ao início do século, como um tom mix ou um zorro, ou um
cinema adocicado e amoroso dirigido a um determinado publico feminino
de meados do século. Aqui vemos dois componentes totalmente diferentes
sob o mesmo nome. Roupas usadas que vestem diferentes irmãos.
Apesar da semelhança entre os códigos genéticos e da vida promíscua
de todos os seres citados, eles se constituem em entidades autônomas, com
história diversa. Possuem o mesmo nome, como tantos Pedros, Josés e Ma-
rias, ou sobrenomes, mas não são a mesma pessoa e nem a mesma família,
talvez, a mesma espécie. Embora mantenham um intenso diálogo em sua
estrutura instável, incerta e fluída, não se deve confundi-los, são de distin-
tas órbitas. Órbitas quânticas, pois seu movimento impede a definição de
lugar e vice-versa.
Este fato nos levará a centralizar aqui neste livro o estudo no melo-
drama no teatro e não na ópera e a fugir das distinções que reduzem,
reúnem e generalizam o melodrama e seus homônimos, pois estas apenas
auxiliam a confusão que impede de conhecer e olhar claramente o seu lu-
gar e/ou seu movimento. Vamos ver isto um pouco mais de perto.
Na edição de seu Dicionário de Teatro, o importante crítico francês
Patrice Pavis (nascido em 1947), hoje aposentado, agrega mais alguns ele-
mentos à “carente” definição anteriormente citada, ao afirmar, em
verbete, que melodrama é “um gênero que surge no século XVIII”, uma
espécie de “opereta popular”, na qual “a música intervém nos momentos
mais dramáticos para exprimir a emoção de uma personagem silenciosa”
46 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
3
Sobre outros aspectos da polêmica dos gêneros, ver Pierre Bourdieu (1930-2002) em A Gênese Histórica da Estética
Pura, Bourdieu 1996, p. 320-347.
Robson Corrêa de Camargo | 51
Além disso, a tragédia também sem movimento produz seu próprio efeito, as-
sim como o épico, pois só com a leitura você pode constatar sua qualidade.
Portanto, se no demais é superior, assim não necessita que o espetáculo
4
Aristóteles. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: ArsPoética, 1993.
Robson Corrêa de Camargo | 53
aconteça. Depois, porque tem tudo o que o épico tem (porque também pode
usar o seu verso), e ainda, o que não é pouco, a música e o espetáculo, meios
muito eficazes para o encanto. Além disso, tem a vantagem de ser visível na
leitura e na representação (YEBRA, 1992, p. 237, tradução do autor).
5
Aristóteles. Poética. Trad.ValentínYebra. Madri: Gredos, 1992.
54 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
6
Ver mais à frente "o melodramaturgo e o drama das unidades".
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O prazer da performance
Para finalizar esta discussão inicial, vamos tomar outro rumo e nos
deter um pouco mais no conceito de texto. Pensar o texto teatral apenas
como um registro literário ou somatório pode levar a um grande erro. O
próprio Roland Barthes, agora com 20 anos mais daquele anteriormente
citado, em 1973, em seu O Prazer do Texto ampliava a perspectiva e definia
Robson Corrêa de Camargo | 61
7
R. Barthes. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.
8
R. Barthes. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.
62 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
O melodrama na ópera
Esta talvez seja a parte mais complicada deste trabalho, pois a defi-
nição de melodrama em diversos corpos teóricos embaralha o melodrama
na ópera com o teatro, o que causa alguns problemas de limitação concei-
tual, como veremos.
Em seu Grande Dizionario della Lingua Italiana, Salvatore Bottaglia
define melodrama como uma composição musical, que apresenta ainda
um texto literário de estrutura teatral feito para casar com a música. En-
quanto a parte musical é formada por duetos, árias e partes corais, os
“elementos teatrais são a encenação, a divisão em atos e cenas...”. No sé-
culo XVII, para Bottaglia, o melodrama operístico assumiu esta forma
casada com Monteverdi. Depois desta definição fica claro o porquê da
união composicional música e texto, falado ou cantado, ser considerada
sempre o centro do fato operístico melodramático (Bottaglia, 1973). Bot-
taglia fala do compositor italiano Claudio G. A. Monteverdi (1567-1643),
mas há outros nomes importantes dependendo de como se entende o sur-
gimento e o desenvolvimento do melodrama na ópera.
64 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
9
Correspondência ao autor em 17 de abril de 2004.
10
Ma non nel senso (italiano e tedesco) pressappoco corrispondente a “opera in musica”.
72 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
11
"melodrama" Britanica Online. http://www.eb.com:180/cgi-bin/g?DocF=micro/386/20.html. Acesso em 19 de
abril de 1998.
12
Emílio Sala, correspondência eletrônica com o autor em 7 de março de 2004.
Robson Corrêa de Camargo | 73
sorte annoncé et preparé par la phrase musicale, in: Rousseau, Obras Com-
pletas, vol. XIV p. 70). Para Rousseau, "inventor do melodrama" operístico,
a prosódia do francês não seria propícia à expressão operística que estaria
mais de acordo com os idiomas italiano e alemão. Segundo suas próprias
palavras: “Eu creio que nossa língua é impropria à poesia e antes de tudo
à música (Je crois notre langue peu propre à la poésie et point du tour à la
musique apud Rousseau Lettre sur la Musique Française, 1752.). Como ve-
mos, seu alegado nacionalismo também esconde um certo espírito de
inferioridade.
Rousseau procurava constituir um gênero intermediário entre a sim-
ples declamação do texto musicado e a ópera (cette espèce d’ouvrage
pourrait constituer un genre moyen la simple déclamation et le veritable
mélodrame). E, como este gênero não se constituiu tal como queria o en-
ciclopedista, se transformou apenas em uma variante ou estilo operístico.
Mesmo em seu dicionário de música (Dictionnaire de Musique), Rousseau
utiliza o melodrama no sentido de ópera, diretamente traduzido da palavra
italiana melodramma. O dicionário brasileiro Aurélio vem acrescentar um
pouco mais de confusão a esta pendenga terminológica, pois define que
melodrama é um gênero dramático originário da França, no qual os diá-
logos são entremeados por música, mas ressalta que ele se desenvolveu no
começo do século XVIII, graças ao libretista italiano Pietro Metastasio
(1698-1782), antecedendo quase 50 anos, portanto, a obra “inauguradora”
de Rousseau de 1762.
O primeiro trabalho de Metastasio, chamado de melodrama ou melo-
dramma, foi composto em 1723 e encenado um ano depois: Didone.
Metastasio, como explica a Britannica, escreveu ao todo 11 melodramas
(1990, vol.8, p. 63), terminando sua carreira produtiva e de muito sucesso
em 1771, quando Rousseau exercia ainda sua primeira tentativa na área.
Os italianos muito contribuíram com a arte francesa, veja o teatro de feira,
a commedia dell’arte, ou mesmo, a ópera, mas a confusão da terminologia
é de origem francesa. Melodramma, em italiano significa ópera, é sinô-
nimo de ópera, “um espetáculo teatral de argumento sério, no qual o texto
74 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
13
Este termo não tem uso atualmente na Itália, e, para aumentar a confusão, Cesare Scarton (1998) utiliza melologo
tanto para ópera como para o que aqui se chama de melodrama teatral.
14
Emílio Sala em contato com o autor em 17 de abril de 2004.
Robson Corrêa de Camargo | 75
15
Grifo do autor.
76 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
As parteiras do melodrama:
a pantomima, o teatro de feira e de bulevar
1
Verbo mimar, segundo o Dicionário Aurélio, exprimir por mímica.
88 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
visual, sensória, etc.), sempre se caracterizou por ser uma forma híbrida,
amalgamada, não apenas do cruzamento dos gêneros diversos, entre os
quais se apresentava, mas que se destinará também a apropriação de cul-
turas distintas, lembremos mais uma vez a extensão do Imperio Romano.
Forma de alto teor farsesco, sempre reforçada em seu caráter de ação mi-
mética, alternava canções e diálogos, silenciosos ou não. As personagens
fixas e rotinas cômicas desse gênero acharão um caminho mais estrutu-
rado no teatro de Plautus (254-184 a.C.) e reaparecerão modificadas na
commedia dell’arte.
Na pantomíma romana o ator usava diferentes máscaras e os panto-
mimus vestiam-se de forma similar aos atores trágicos gregos com longas
túnicas. As máscaras identificavam as personagens, restringindo o uso da
fala e da expressão facial, exigindo, entretanto, uma habilidade física mais
elaborada. Era uma arte de postura física e do gesto, em que era funda-
mental a expressão dos braços, das mãos, dos olhos. Como arte
teatralizada, o valor do espetáculo estava na representação em si, na habi-
lidade e no talento de seus atores, não necessariamente na tradução pura
e simples ao palco de um determinado texto. Em geral, o texto era adap-
tado das tragédias e cantado ou recitado pelo coro.
A pantomima, termo que servia a quase toda apresentação teatral,
com ou sem fala, acabou sendo identificada posteriormente apenas como
uma imitação silenciosa feita pelo gesto e, às vezes, acompanhada de mú-
sica, restrição similar àquela que sofrerá, posteriormente, a compreensão
do melodrama. Deste modo, tratam-se de termos, pantomima e melo-
drama, que nominam uma gama de fenômenos sob suas asas e que depois
acabam restritos a algumas de suas particularidades por alguma operação.
O forte caráter gesto-presentacional da pantomima buscou mais que
uma simples tradução do texto ou da emoção do ator no gesto. Gesto-pre-
sentacional aplica-se a parte da arte do ator que tem a busca gestual como
princípio dinâmico. Como técnica de atuação aproxima-se e inclui a arte
da dança, pois o dançarino também busca a perfeição do gesto como eixo
de presentação. A pantomima recusa a distinção entre corpo e fala que se
90 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
ou jogos com bola e a terceira, a orchestica, era a dança teatral que conti-
nha a quironomia, a arte de exprimir-se com as mãos, uma parte com uma
estrutura dramática (diálogos e o desenvolvimento de uma história). Esta
última parte, em Roma, chamou-se ainda saltatio. Era circo ou era teatro
ou dança? Não importa, os caminhos da pantomima romana ou do teatro
romano não irão separar a mímica da dança, ao contrário, saltare um can-
ticum, dançar um poema, significava dizê-lo com o gesto (1930, p. 43-44).
Este dançar um poema, saltare um cantico, era de fato uma forma de
canto falado acompanhada de instrumentos, muito mais próximos à reci-
tação que ao canto coral, uma forma de atuação que animava a palavra
com música moderada e representação viva. O movimento ginástico dos
saltimbancos-cantores ou atores-dançarinos, como a antropologia teatral
de Barba-Savarese se define na atualidade, encontrou-se diante da neces-
sidade de expandir ainda mais a voz e adequar a respiração aos
movimentos, isto motivou que dividissem o coro.
Estabeleceu-se, assim, uma primeira divisão entre gesto e palavra,
com o estabelecimento dos artistas cantores, os Istrioni-Musici e os atores
do gesto, Istrioni-Ballerini. A descrição de Cassiodorus (468-562d.C.), em
suas diferentes cartas (4.51.9) na virada do século VI, caracterizava a ati-
vidade do ator da pantomima descrevendo-o como mãos que falavam,
sendo seus dedos similares a línguas, e sua alta sonoridade silente. Cassio-
dorus menciona a atuação pantomímica: enquanto o coro tocava seus
instrumentos e cantava, o pantomimeiro, com seus gestos, apresentava.
Este com a música expunha com uma das mãos os versos aos olhos do
público e, com a outra mão, mostrava as mínimas coisas. Sem palavras
cumpria gestualmente tudo aquilo que estava no soggetto (roteiro) escrito
(LADA-RICHARDS, P.41). Continua Cassiodorus: o mesmo corpo indicava
Heracles e Venus, representava uma mulher num homem, apresentava
um rei e um soldado (...) “assim em um corpo havia muitos”, diferenciados
pela forma de imitação apresentada por seus dedos sábios e mãos falantes
(loquassimae manus, Cassiodorus, Várias Cartas 4.51.8 in LADA-
92 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
2
Ver teatro de feira em Paris in: http://www.theatrales.uqam.ca/foires/
relação dos espetáculos de feiras na França (Paris e províncias), 1601-1774. Le Théâtre de la foire à Paris. Acesso em
20 de agosto de 2020. Site da Universidade de Quebec-Montreal.
100 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
colocado como valor de troca no mercado das ilusões. As feiras, assim, não
cuidaram apenas da barriga, mas também da “cultura”.
Neste reino das ruas e da circulação das mercadorias, impunha-se
uma procura do original, do diverso, da fuga das normas, já que nos limi-
tes da monarquia, pressentindo-se, talvez, sua futura derrocada,
elaborava-se uma constante sistematização e permanência de seus hábitos
na sistematização das danças da corte, nos costumes, nas formas de repre-
sentação de espetáculos que agradassem primeiramente a presença real,
mas não nas feiras.
Deste modo, como Blanc, podemos dizer que se estabelecia nas feiras
uma forma do “imprevisto dentro de uma imaginação que não cessava de
se renovar” (Blanc, 1978, p. 77). A improvisação das feiras e de seus teatros
não era apenas uma questão técnica, mas uma nova maneira artística que
se estabelecia e rompia os cânones predecessores.
Não era apenas o gosto do público ou o aspecto mundano e não re-
grado desse tipo de espetáculo que determinava a característica de estilo
ou de gênero desta nova forma teatral. Este procedimento inscreve-se em
uma atitude cultural, que faz parte do programa libertário de contestação
da ordem estabelecida que procurava a normatização. Afinal, a Liberdade,
no programa cantado da Revolução Francesa, não era apenas um termo
para rimar com Igualdade.
Esta manifestação teatral sofreu a perseguição e a censura efetivada
por sua Majestade e ou pelos organismos reais da lei e da ordem, pela
Igreja, e mesmo pelos próprios artistas competidores reconhecidos e pro-
tegidos pelo manto real. Isto irá obrigar o teatro das barracas de feira a
utilizar ou experimentar várias formas e estilos de encenações dramáticas
também para evitar perseguições ou confusão como os gêneros estabele-
cidos e legalizados. Tais procedimentos poderiam ser: desenvolver
personagens que compartilhassem a mesma cena, mas não poderiam di-
alogar, juntando-se apenas de forma metafórica num todo; cenas sem fala;
diálogos tirados do bolso dos atores em forma de pequenos rolos para se-
rem mostrados ao público, para que ele cantasse, ou com cartazes expostos
Robson Corrêa de Camargo | 101
3
Os atores da Comédie conseguiram uma ordem de apreensão dos bens dos feirantes, que não foi realizada.
108 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
dias mais tarde, tudo voltou a ser como dantes, no quartel de Abrantes. O
público encheu novamente as salas de espetáculos das feiras para aplaudir
sua ressurreição.
Nesse ínterim, os atores da Comédie foram condenados a ressarcir os
danos por não haverem respeitado a letra escrita pelos Altos Conselhos e
por terem partido para o gesto radical. Mas o rei finalmente intercedeu e
tirou das feiras o pouco de verbo monologar que nelas ainda havia. Em
1710 vetaria o monólogo inventivo e, assim, iniciar-se-ía o processo da peça
muda nas feiras, ou, como veremos mais adiante, quase muda, pois nada
fala mais alto que o gesto.
É aí que surge a pièce à la muette, peça à maneira emudecida, visto
que os feirantes passaram a ser condenados à mais pura pantomima,
agora realmente sem texto ou monólogo. Estas formas teatrais mudas ti-
veram por mestres os melhores dramaturgos franceses do período: Alain
René Lesage (LESAGE,1668-1747), D’Orneval (p. 1776), Louis Fuzelier
(1672-1752) e depois Alexis Piron (1689-1709). O irreverente Lesage, ou
LeSage, o grande autor do teatro das feiras, foi também introdutor ou tra-
dutor da personagem picaresca na língua francesa com o seu romance
L’Histoire de Gil Blas de Santillane (1715-1735), adaptador de Lope de Vega,
de Calderón e tradutor das Histórias das Mil e Uma Noites.
Mas a feira não deixaria seus teatros emudecidos por muito tempo.
Enquanto interpretavam sem falar, respeitando as ordens reais, os come-
diantes praticavam a diferença entre escrita e fala e desenrolavam o texto
de seus bolsos, mostrando à plateia, contendo o indispensável ou indi-
cando apenas o sentido da passagem de uma cena a outra. Os atores
podiam recitar, mas desde que fossem palavras sem sentido e que con-
viriam ao sentido da gestualidade. Entretanto, no teatro tudo significa e,
muitas vezes, estes grunhidos lembravam explicitamente a melodia dos
versos alexandrinos de várias peças que estavam sendo apresentadas pelos
atores reais. Depois a prática sugeriu que cartazes fossem colocados acima
do palco, fazendo com que as pièce a la muette se transformassem em pièce
par écriteaux, peças com cartazes. Outra descrição policial possibilita
Robson Corrêa de Camargo | 109
novo Arlequim já havia tomado emprestado tudo que havia utilizado para
seus efeitos teatrais.
O texto abaixo, descritivo e sem diálogos, apresenta vários persona-
gens, Arlequin; Rei de Serendib; Mezzetin; o Grande Prêtreffe; o bando de
Prêtreffes; Pierrot; o Grande Vizir; o Grande Sacrificador; a Ordem do
Grande Sacrificateur; o Harém do Sultão; o Chefe dos Eunucos; os Oficiais
do Palácio; um Pintor; um Médico e uma Troupe de Ladrões, acompanha-
dos com suas respectivas mulheres.
Melodia 144 (air 144): Deixo tudo ao destino (Je laisse à la fortune)
Auprès de ce rivage,
Hélas! Notre vaisseau,
Avec tout l’equipage,
Vient de fondre sous l’eau!
Un prucureur du Maine,
4
As traduções procuram não respeitar o francês original, mas a rima e as situações de palco, para os entendedores
da língua original, transcrevo o texto em francês.
112 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
O homem coloca o seu turbante no chão, faz um gesto para Arlequim colocar o
dinheiro dentro, e desaparece gritando: gnaff, gnaff.
Lesage, René and D'onerval (1968) Le Théâtre de La Foire ou L'Opera Comique.
Genève, Slaktine Reprint.
O texto, sempre sem diálogos falados, segue nessa toada, no estilo dos
roteiros de commedia dell’arte, os lazzi, também sem diálogos que conti-
nham apenas um roteiro ou a rotina descrita da história que os atores
deveriam representar.
A dramaturgia do texto procurava apenas ser descritiva, um roteiro
descritivo de ações, muito diferente dos textos registrados pelos autores
clássicos, mas aqui ela era construída pelo ator e por sua companhia para
desenvolver a personagem. Fazia parte da tradição oral que cativava a pla-
teia de seu tempo. Mais afeito ao espetáculo que ao diálogo, o texto
preocupava-se com as rubricas ou didascálias, pois este diálogo, proibido
ou evitado, estava implícito ou explicitamente desenvolvendo-se em um
dinâmico jogo teatral com a plateia.
O texto de Lesage e D’Orneval segue esta tradição e continua descre-
vendo o aparecer, em seguida, de outro nobre e educado ladrão. Se o
primeiro era cego de um olho, este vem com uma perna de madeira cava-
lheirescamente despojando Arlequim de seus bens, mudando apenas seu
grito: gniff, gniff. Finalmente, aparecerá o último augusto ladrão com seus
gnoff, gnoff. Em seguida, há uma briga entre os três larápios, que será
dançada em volta de Arlequim, interrompida pelo surgimento de uma
charrete puxada por um asno e conduzida por um selvagem que tem à
mão um grande porrete.
114 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Prive de la Parole;
Ma il a fait peindre sa voix
Pour soutenir son role.
Lesage, René and D'onerval (1968) Le Théâtre de La Foire ou L'Opera Co-
mique. Genève, Slaktine Reprint.
De vossa cólera
Não faço caso
Tenho o dom de agradar
Ao não mais falar!
De votre colère
Je fais peu de cas
J’ai le don de plaire
En ne parlant pas!
Lesage, René and D'onerval (1968) Le Théâtre de La Foire ou L'Opera Co-
mique. Genève, Slaktine Reprint.
116 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
fez com que esta fosse considerada uma forma dramática impura por al-
guns, sem os atributos exclusivos que, anteriormente, haviam definido a
tragédia e a comédia em seus antigos tempos gregos. Esse entendimento
limitado fez com que se determinasse a esta forma dramática uma impre-
cisa definição de forma menor. Então poderíamos dizer que esta
característica heterogênea em seus procedimentos a transforma numa
forma dramática mais complexa, que se forma em diálogo constante com
seus contemporâneos.
Em relação a esta adequação ao gosto da plateia, sua estrutura for-
mada de números rápidos e curtos, mesmo quando interpretados à la
muette, adequavam-se não apenas ao humor dos espectadores, a seu es-
tado de espírito, mas também às rápidas trocas de cena em caso de
insucesso, assim como a um acréscimo de tempo necessário em caso de
aprovação, para o desenvolvimento do trabalho do ator. Se o teatro francês
havia produzido e elaborado, sob o manto real, uma estrutura clássica e
rigida que o caracterizaria por muito tempo, nas feiras estavam sendo de-
cretados e praticados a flexibilidade e o não classicismo. Era o gênero das
diferenças dramáticas e da experimentação, sem regras definidas, apoiado
na arte do ator e de seu espetáculo, não no texto dramático que se escrevia
a partir de regras da academia.
Uma das possibilidades desta forma espetacular assistemática era a
seguinte: depois dos malabarismos ou dos números de corda cantados,
havia uma sessão estritamente “dramática” desse tipo de comédia que, ge-
ralmente, continha três partes, uma trilogia de números curtos ou com
dois atos e um prólogo. Cada ato podia ser único ou ligado ao outro, con-
forme a conveniência.
Em sua obra Les Théâtres de la Foire, Maurice Albert descreve que os
forains tiravam boa vantagem das dificuldades que apareciam por meio da
utilização múltipla de todos os estilos teatrais (Albert, 1900). Nesta forma,
entremeando os cantos de vaudeville podiam caber malabaristas, o monó-
logo, os cartazes e a pantomima. Um teatro que não se baseava no texto
Robson Corrêa de Camargo | 119
nova variante de estilo teatral nesse dinâmico teatro parisiense que se de-
senvolve até o final do século XVIII (Brockett, 1995, p. 280).
Mas se a irreverência e a improvisação vivas das barracas do teatro
de feira esmaeceram nas páginas do importante livro de Lesage e D’Orne-
val, sendo mesmo proibidos vez ou outra pela manifestação real, elas irão
se fortalecer também em outro endereço, o Théâtre du Boulevard.
5
Em italiano arietta, termo musical que define uma pequena melodia em forma graciosa.
124 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
6
Conceito utilizado por Neide Veneziano em seu Teatro de Revista Brasileiro (1996, p. 23) para definir o desenvolvi-
mento dramático das Revistas Brasileiras.
Robson Corrêa de Camargo | 125
“Il est de ces pantomimes sublimes qui, comme l’éternité, n’ont ni commen-
cement ni fin, et dont l’action prin cipale consiste dans une vingtaine de coups
de sifflet qui font mouvoir à vue autant de machines. La beauté et la multipli-
cité des décorations, l’éclat des habits, une multitude innombrable d’incidens
entassés les uns sur les autres; une musique bruyante et sans cesse, une infi-
nité de gestes souvent inintelligibles, ou qui n’expriment rien, une quantité de
ballets bien ou mal amenés, n’importe. (MASON, 1912, p. 8)
7
Imitação sem função satírica. A proximidade entre paródia e pastiche é multiforme, a presença ou não do cômico
um elemento de distinção. Ver Genette (1989, p. 30-40).
Robson Corrêa de Camargo | 129
são atacados: um é morto e outro feito prisioneiro. Uma jovem índia ajuda
o prisioneiro a escapar, mas depois será feita prisioneira por ele. Quando
a jovem estava para ser levada ao navio, chega o chefe da tribo e liberta-a.
A pantomima termina com a partida do inglês. Como se lê, o melodrama
não apenas se gestava, como gestava o naturalismo com todas as cores
usadas ao final do século XIX, ou melhor, diríamos que o melodrama já
antecipava o naturalismo e que, suas raízes, retiraram do substrato de sua
época a fantasia das pantomimas e o realismo das novas relações sociais
que se construíam.
Outra pantomima de Arnould que seria digna de destaque é Le Troi-
sième Voyage de Cook (1785), sobretudo porque inverte a tendência
predominante de “final feliz” e traz a moralidade de punição do vício e
premiação da virtude, terminando radicalmente com a morte da persona-
gem principal. Ao final, o Capitão Cook, o herói, será assassinado pelos
habitantes da ilha, os “selvagens” que ele havia tratado tão generosamente.
Nas pantomimas de Arnould, existiam assim manifestas muitas das carac-
terísticas do melodrama que surgiria no século XIX, portanto havia muito
de melodrama no teatro, antes do período pós Revolução Francesa o no-
mear como tal.
De qualquer forma, o drama de Arnould, com suas reconstituições
históricas, abriu o caminho para o pleno desenvolvimento do teatro de
Réné-Charles Guilbert de Pixérécourt (1773-1844), hoje, o principal nome
da dramaturgia ligado ao melodrama. Mesmo no início do século XIX, mui-
tas das pantomimas de Arnould vieram a ser impressas, agora com a
adição de diálogos e monólogos, transformadas em melodramas tout
court. Segundo Mason, Arnould teria levado a pantomima a seus limites
de expressão, limites estes que só poderiam ser ampliados com a adição
de palavras. Apesar das restrições impostas a este tipo de teatro, as peças
do bulevar atraíram também a entourage real.
Bachaumont descreve que, na época, uma farsa podia encher teatros
por meses a fio, detalhando que “não apenas o populacho, mas a cidade e
a corte estavam correndo em massa para lá”; ministros de estado também
130 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Trenck:
Melodia:
Antes da trombeta guerreira
Déjá la trompette guerriêre
Trenck:
Tristen:
Thinski (à parte):
8
Agradeço à etnomusicóloga Adriana Fernandes a referência ao procedimento comum nas festas e cantos populares.
Call é, geralmente, traduzido como pergunta, mas chamada é a tradução para mim mais apropriada ao procedimento
musical. Ver também Titon, Jeff T. Worlds of Music. New York: Macmillan,1992, p. 25.
Robson Corrêa de Camargo | 137
9
Composição intencional de obra artística com elementos heterogêneos preexistentes.
Robson Corrêa de Camargo | 139
10
Esta tabela é feita com base na relação de Emilio Sala (SALA, 1995, p. .25-26)
140 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
11
A problemática desta conceituação está bem desenvolvida por Genette.
Robson Corrêa de Camargo | 141
12
Anotações de encontro pessoal em 24 de agosto de 1999.
142 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
de valor, sim podemos concordar com esta questão. Não haveria como re-
petir a forma da Tragédia em um mundo totalmente reconfigurado.
O fato de ter ou não o melodrama evoluído da tragédia clássica, mais
de mil e quinhentos anos depois do ocaso desta, é de segunda ordem, em-
bora possam ser observados pontos em comum e incomuns nos dois
estilos. Todas as estruturas do teatro, falado ou emudecido, têm pontos de
contato, entretanto, o melodrama faz um diálogo muito mais rico e pode-
roso com a pantomima, forma dramática contemporânea e imediatamente
precedente.
Mesmo entre a crítica o reconhecimento da ligação entre a panto-
mima e o melodrama não é novo. No início do século XIX, o temido crítico
francês Julien-Louis Geoffroy (1743-1814) destacava os elos entre o melo-
drama e a pantomima histórica dos tempos de Arnould, que existiria desde
o último terço do século XVIII.
A nova forma melodramática vai confundir parte da crítica da época
que a tentava examinar com as ferramentas do modelo neoclássico, não
compreendendo assim toda a sua dinâmica. Mas a confusão da análise do
novo gênero não se explica apenas pela adoção de um ponto de vista limi-
tadamente literário no exame desta forma teatral. A análise do valor do
melodrama também espelha muitas das lutas políticas ideológicas que su-
cederam a Revolução Francesa e têm frutos até os dias de hoje.
O melodrama é considerado produto e afirmação do nacionalismo
francês e por isto a junção desta forma teatral com a ópera. Este raciocínio
segue um processo de tentativa de valorização do gênero ao colocá-lo como
filho dileto de uma variação nacional operística, afastando-o da impureza
dos teatros de bulevar e das feiras que haviam tido forte influência italiana
em determinado momento. O teatro de feira muito se desenvolveu a partir
da proibição dos italianos da commedia dell’Art, assim como da incorpo-
ração de seus procedimentos.
O encontro do melodrama com gêneros previamente estabelecidos
como a tragédia e a comédia, seja em reformulação e ou degeneração, de-
pendendo do gosto do crítico, é fruto da absorção das características desses
Robson Corrêa de Camargo | 143
13
August von Kotzebue (1761-1819) foi um dos proeminentes dramaturgos melodramáticos alemães, com sua obra
Spanier in Peru (Espanhóis no Perú, 1796), considerada um dos predecessores do melodrama teatral, foi adaptada
aos palcos ingleses por Richard Sheridan (1751-1816) como Pizzaro (1799).
3
bem escrita, bem ensaiada e muito bem atuada sobre a direção e cuidado
de uma única pessoa que tenha um único gosto, julgamento, espírito, sen-
timento e opinião” (Pixérécourt, 1841, Théâtre choisi, IV, p. 497).
O amigo e frequente colaborador musical de suas obras, Alexandre
Piccini, relatava o processo de trabalho de Pixérécourt: ele não era apenas
o autor de suas peças, mas também desenhava figurinos, providenciava os
esboços para as cenografias e explicava o movimento do maquinário do
palco aos maquinistas. Segundo Piccini, Pixérécourt orientava cena por
cena, estabelecendo com os atores as intenções que as personagens deve-
riam estar atuando (Marcoux, 1992 p. 35).
No desenvolvimento do espetáculo melodramático a cenografia era
um elemento fundamental, e não primava pela decoração. A representação
do elemento natural, parte criativa do dramático, serviria como um esti-
mulador das peripécias que envolviam todas as personagens da trama. As
inundações, os incêndios de grandes proporções, os terremotos, as tem-
pestades de neve, as batalhas, os desastres de trem ou naufrágios de navios
foram alguns dos efeitos espetaculares que davam mote à trama melodra-
mática.
O aparato cênico não apenas serviria como pano de fundo do efeito
teatral de grande beleza para o deleite da plateia, mas exercia uma função
orgânica no desenvolvimento do espetáculo. A invenção era de tal ordem
que se apresentavam até mesmo corridas de cavalos, com o emprego de
animais vivos em cena. A necessidade de uma direção teatral era, portanto,
evidente, pois as personagens tornavam-se, de certa maneira, secundárias
diante dos efeitos teatrais de determinada parte da apresentação.
A técnica de interpretação teatral era muito objetiva e exteriorizada,
não se havia ainda entrado no terreno da interiorização das emoções,
como as sugeridas por alguns dos métodos de interpretação do século XX.
Freud ainda não havia se debruçado sobre a histeria. O ator não procurava
mostrar o conflito das personagens de maneira sutil, tanto as mudanças
de estado de espírito como o objetivo das personagens eram demonstrados
em gestos, prosa e, algumas vezes, no canto.
154 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
autor. Nos pequenos teatros, esta remuneração era o suficiente para dar
apenas uma vida de certo conforto, mas o sucesso que Pixérécourt conse-
guiu com seu trabalho e com o contínuo desenvolvimento do melodrama
possibilitou que uma montagem se acercasse ou ultrapassasse frequente-
mente as mil representações. Este fato transformaria a vida desses
humildes artistas, aumentando também o valor de suas produções
O melodrama foi o principal motor dessa mudança no valor do tra-
balho do artista teatral de bulevar no início do século XIX; com o sucesso
crescente esta remuneração iria até mesmo aumentar. Em 1826, o Théâtre
de L’Ambigu-Comique pagava o dobro da quantia oferecida em 1800, re-
munerando a seus dramaturgos 12 francos por representação e o Théâtre
de la Porte Saint-Martin oferecerá ainda mais, 18 francos e alguns outros
benefícios (Przybos, 1987, p. 15).
O sucesso do melodrama exigia rapidamente mais textos, causando
um problema de oferta e demanda por textos melodramáticos. Os novos
dramaturgos que surgiam tentavam escrever seus textos seguindo não
apenas a fórmula conhecida, mas copiando muito das páginas escritas por
seus antecessores. Assim, este crescimento de público impulsionou tam-
bém outros gêneros teatrais, pois apenas metade das produções desses
teatros era melodrama. No ano de 1809, estiveram no palco do Ambigu
132 peças diferentes, sendo 62 melodramas, praticamente a mesma quan-
tidade da temporada de 1814, 120 peças, sendo 73 melodramas.
O processo de enriquecimento do bulevar é concomitante à introdu-
ção das leis de competição por mercado, divisão de trabalho e produção
em série na produção artística teatral, surgindo, inclusive, uma regula-
mentação trabalhista, com os dramaturgos tendo o direito autoral
regulamentado em cinco de fevereiro de 1810.
Na época, um texto de sucesso daria a um dramaturgo, por apenas
um dia de representação de sua peça, o equivalente a três vezes o ganho
de todo um dia de um trabalhador de escritório (Przybos, 1987, p. 15). Esta
mania de ir ao bulevar causa inclusive problemas sociais, sendo o melo-
drama, conforme nos relatam os cronistas da época, um dos grandes
Robson Corrêa de Camargo | 167
quando Pixérécourt chegava para os ensaios matinais, ele era implacável e im-
piedoso. Os atores tremiam como escravos sob o chicote do mestre. Ele não
esquecia a menor transgressão, o último atraso em representar uma cena […]
e quando um ator se distinguia num papel, ele não dirigia nenhum cumpri-
mento, ao contrário o reprovaria por não ter sido bom ou completo o suficiente
(Marcoux, 1992, p. 35).
Pelos últimos dez anos, um largo número de peças românticas está sendo en-
cenada, trabalhos imorais, perigosos, fracos, sem qualidade, não tendo nem
interesse, nem verdade. No alto deste movimento, eu escrevi Latude, obede-
cendo aos mesmos princípios e ideias que me guiaram por mais de trinta anos.
Esta peça foi um sucesso para os mais velhos... Por que, então, os autores de
hoje não fazem o mesmo que eu fiz?... (as novas peças) não têm minha sensi-
bilidade, nem meus sentimentos e, certamente, não têm minha consciência.
Sem dúvida, não fui eu que estabeleci o gênero romântico! (Pixérécourt,
Choissi IV, p. 498)
vida comum entre eles, visto que não são, portanto, nem uma dege-
neração, nem uma corrupção de gêneros envolvidos, mas, uma forma
em palimpsesto, existente numa relação espacial dinâmica, como to-
talidade e, ao mesmo tempo, na relação conflitiva e dinâmica entre as
partes.
Como o melodrama é uma estrutura em tensão, seja entres os vários
textos históricos que o compõem, formam e deformam, seja com os textos
contemporâneos com quem dialoga e, finalmente, em sua forma espeta-
cular, ele, melodrama, exibe estilemas, unidades mínimas de estilo, e
estruturas de outros textos que dinamizaram e dinamizam seu espetáculo,
em maior ou menor grau. Sendo assim sempre serão encontradas “in-
fluências” suas no espetáculo teatral contemporâneo, influências
absorvidas de outras generalidades no eixo histórico do espetáculo dramá-
tico ou presentes pela múltipla simbiose do melodrama. O melodrama
encontra-se em processo constante de retroalimentação.
Neste sentido, a análise ou reconhecimento de alguns destes estile-
mas utilizados não revela o melodrama como processo, mas rudimentos,
esboços de suas partes. E, também neste caso, o todo é muito maior que a
exibição de alguma de suas partes e a parte nunca é o todo. Sendo assim,
o melodrama não é apenas fundante no reconhecimento consciente do es-
petáculo como acontecimento teatral, mas, nesta tensão estimulada entre
estilos e gêneros, assenta-se o alicerce de uma percepção múltipla para o
espetáculo teatral.
O melodrama espetaculocêntrico coloca a teatralidade em pri-
meiro plano e o texto em seu devido lugar na construção do espetáculo
teatral.
O acompanhamento mais detalhado da peça Coelina, a ser feito a se-
guir, irá revelar alguns desses e permitir conhecer novos aspectos
intrínsecos ao melodrama.
186 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
CENA I.
COELINA, TIENNETTE.
COELINA.
TIENNETTE.
Meu Deus… perdão! Como se eu não tivesse mais nada para fazer
nesta casa e ainda me trazem mais trabalho.
COELINA.
TIENNETTE.
COELINA.
Será possível?!
Meu tio e meu primo vão chegar aqui?
Est-il possible! mon oncle et mon cousin reviennent ici?
192 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
TIENNETTE.
COELINA.
TIENNETTE.
A verdade é que eu não fiquei mais contente que você. Eu não gosto muito desses Trugue-
lin, possessivos, falsos e desonestos. Que diferença entre Monsieur Truguelin e o bom
Monsieur Dufour, seu tio paterno.
A dire vrai, je ne suis pas plus contente que vous. Ils me déplaisent à moi, ces Truguelin, je
les crois jaloux, faux et méchants. Quelle différence entre cet oncle-lá, et ce bon M. Dufour,
votre oncle paternel!
COELINA.
TIENNETTE,
Souriant (Sorridente).
COELINA.
TIENNETTE.
COELINA,
(com alegria e inocência).
vivement et avec naïveté
TIENNETTE.
Oui da! vous pensez donc à cela quelquefois? Il n’est pas encore temps,
Mademoiselle, vous êtes trop jeune. Ce n’est pas à votre âge qu’on doit...
Ce n’est pas l’embarras, je crois que, si M. Dufour n’était pas votre tuteur,
il ne serait point éloigné de vous marier au petit cousin.Uh! Uh!
COELINA,
(vivamente) vivement.
TIENNETTE.
ele está com medo de que falem que ele tomou vantagem de você
apenas para fazer seu filho ficar rico. É simples. Eu me coloco no lugar dele;
quando uma pessoa é honesta e sensível....
COELINA.
TIENNETTE.
DUFOUR
(fora de cena) en dehors
Tiennette! Tiennette!
Tiennette! Tiennette!
TIENNETTE.
M. Dofour me chama.
Ele vai ficar resfriado naquela sala.
Tenho que ir.
Je l’entends qui m’appelle.
Robson Corrêa de Camargo | 195
COELINA.
Espere um pouco, Tiennette.
Un moment, Tiennette.
TIENNETTE.
Eu não posso.
Quando aquela gota o atormenta
ele fica impaciente.
Je ne puis.
Quand sa goutte le tourmente,
vous savez que le cher homme n’est pas endurantx.
DUFOUR,
(fora de cena e mais alto) En dehors et plus haut
Tiennette!
Tiennette!
TIENNETTE.
COELINA.
DUFOUR,
(fora de cena e ainda mais alto).
en dehors, toujours plus haut
Tiennette! Tiennette!
Tiennette! Tiennette!
TIENNETTE.
TIENNETTE.
Você já tem estas ideias? Ainda há tempo senhorita! Você é muito jovem. Não
é na sua idade que alguém deve se… Nããão, não é este o problema, eu tenho
certeza de que se não fosse M. Doufour seu tutor, ele permitiria que você se
casasse com seu primo Stéphany sem nenhuma dúvida.
Robson Corrêa de Camargo | 197
TIENNETTE.
Tenho certeza disto. Você sabe bem que ele não é menos inteligente que o
outro, a ponto de não perceber que vocês se amam. Mas, céus! Decoro, pro-
priedade, … ele está com medo de que falem que ele tomou vantagem de você
apenas para fazer seu filho ficar rico. É simples. Eu me coloco no lugar dele;
quando uma pessoa é honesta e sensível....
Na primeira cena, Coelina expõe o conflito que irá carregar sua per-
sonagem durante a peça:
COELINA.
E entre meus dois primos! Aqui temos uma grande diferença... Detesto pro-
fundamente um, enquanto o outro…
de Julieta por Romeu, na cena de suas confissões com a aia, isto não im-
plica que a personagem perca sua poesia ou profundidade. Na qualidade
da ação, há uma diferença, em Romeu e Julieta existe uma luta pelo lívre-
arbítrio, ao se contrariar mais expressamente a vontade da sociedade, dos
costumes e dos pais.
No melodrama, na maior parte das vezes, o controle social é maior;
as personagens submetem-se quase totalmente a seu destino e apenas se
desvencilham pela interferência de fatores externos, e o acaso e a natureza
determinam o humano. Estamos longe da lealdade e da honra perseguida
pelos cavaleiros da Távola Redonda ou do destino que persegue cegamente
Édipo, apesar de sua luta por tê-lo nas mãos.
O melodrama afirma o poder das normas sociais sobre o indivíduo,
não abre largos caminhos às pulsões ou desafios. Mas esta é uma questão
moral, não dramática, embora tenha consequências na elaboração desses
textos.
Grose e Kenworthy compreendem de outro modo, ao afirmarem que
as lutas a que a personagem melodramática se submetia eram de ordem
externa, fazendo que estas forças estivessem além do controle de seus pro-
tagonistas. Esta dependência, como apontam estes autores, dá ao
melodrama “sua particularidade especifica de um drama de total ação e
reação” (Grose; Kenworthy, 1985, p. 369).
Em Pixérécourt, as personagens submetem-se a forças superiores
maiores que as movem, como o amor de Coelina ou os valores morais de
Dufour e seu amor paternal por Coelina, ou mesmo, Tiennette com seus
sentimentos quase maternais por Coelina.
Em algumas das peças de Shakespeare, as personagens irão contra-
riar a ordem estabelecida ou podemos pensar em Macbeth onde a
personagem central irá contrariar a ordem natural, mas determinado e
subserviente ao sobrenatural.
Em nosso melodrama, as personagens dependem mais de forças ex-
ternas que as envolvem para resolução da trama, mais que do
enfrentamento de seus desafios. Os objetivos que movem estas
200 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
toda Europa continental. Mas ser predominante não significa ser o único
e o teatro clássico não alcançou grandes plateias, ao contrário.
A partir de 1630, começa a ocorrer uma mudança de estilo, mais co-
erente com a leitura que a Renascença fazia dos clássicos. O estilo que
surgiria, seria mais “natural” que seu antecessor, com a voz menos decla-
matória, mais perto do que seria considerado “natural” e mais
sincronizado com as ações físicas realizadas. Esta maior relação entre fí-
sico e voz possibilitaria maior expressão do conteúdo emocional, o que
seria uma das preocupações crescentes e não apenas do teatro, a partir do
século XVII (Grose; Kenworthy, 1985, p. 29).
Ao final do século XIX, a intepretação “natural” que irá se estabelecer
com o naturalismo, certamente será bem diferente do “natural” dos tem-
pos de Pixérécourt. Assim, tudo que não for considerado “natural” na
interpretação, será visto como exagerado ou excessivo, sendo o natural
mais ligado ao gosto de determinada época que a normas de certo estilo.
O material sobre a forma de interpretação dos artistas da pantomima
e do bulevar é escasso, pois muito se deve à tradição oral. Sua prática e sua
crítica encontram-se nos tempos da oralidade e na tradição popular. Mas
podemos entender alguns desses procedimentos pelas anotações de alguns
de seus contemporâneos. Um artigo do ator e melodramaturgo Thomas
Holcroft (1745-1809), no Westminster Magazine de Londres, em 1780, ex-
pressa alguns dos elementos presentes na interpretação da época. Esta
certamente não é a única forma interpretativa de seu tempo, mas reflete
um modo de tratamento do trabalho do ator na época, tendo influenciado
importantes atores contemporâneos na Inglaterra e Estados Unidos da
América.
Thomas Holcroft é adaptador de Coelina ao inglês, com o novo nome
de A Tale of Mystery (1802; Um conto de Mistério), tendo assistido à re-
presentação, após uma visita de praticamente um ano na vizinha Paris, em
1801. Holcroft já havia estreado em Londres, antes de A Tale of Mystery,
outro “melodrama” de sucesso The Road to Ruin (1792; A Estrada da Ru-
ína), sendo também conhecido como autor pela sua adaptação das Bodas
204 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Um ator que fale o monólogo […] apenas tendo observando o trabalho de ou-
tros atores e não a partir de uma forte concepção dos sentimentos de um
homem perdido em seus pensamentos confundido pela paixão tulmultuada
que agita sua mente […] usará todas as outras emoções mecânicas que obser-
vou, mas seus olhos terão um brilho vazio; seus passos irão confessar a
confusão do seu estado da mente e seu comportamento irá contradizer seus
lábios: será evidente que ele não tem aquelas emoções que ele dizia possuir e
a indignação da audiência vai levantar-se contra o impostor que teve a afronta
de insultar ao mesmo tempo seu sentimento e o seu entendimento [...] Suas
palavras devem aparentar o efeito de uma ação predeterminada ou de uma
proposição resolvida em sua mente e por esta razão cada sentença deve ser
pronunciada em intervalos. Durante estas pausas, seu comportamento silen-
cioso deverá mostrar o que sua próxima sentença deverá confirmar. Nesta sua
apresentação silenciosa estará a parte difícil de seu trabalho, pois nesta repre-
sentação emudecida é que os atores são geralmente deficientes. Quando um
ator, sem dizer uma palavra, apenas pela ação e pelo seu comportamento,
faz a audiência entender o que ele está para dizer, a plateia se sente vai-
dosamente gratificada. Eles primeiro aplaudem a si mesmo pela seu
entendimento e então irão voluntariamente aplaudir o ator pela sua arte. […]
os olhos, a ele deveria ser ensinado, são a parte mais expressiva […]
An actor who speaks […] from observation of other Actors, and not from a
strong conception of the feelings of a man lost in thought, bewildered by the
tumultuous passions which agitate his mind, […] use all the other mechanical
motions he has observed; but his eyes will have the glare of a vacancy; his very
feet will confess the confused stare of his ideas; and his whole deportment will
contradict his lips: it will be evident he has not those emotions which he says
he has; and the indignation of the audience will rise against the imposter, who
has effrontery thus to insult both their feelings and their understanding […]
His words should appear to be the effect of an action predetermined, or
Robson Corrêa de Camargo | 205
proposition resolved in his own mind; and for that reason each sentence should
be uttered at intervals. During the intervals of silence, his deportment should
in dumb shew describe what the next sentence will confirm. It is in this dumb
shew that the difficulty consists; it is this dumb show that Actors are in general
deficient. It gratifies the vanity of an audience when an Actor, before he speaks
a word, makes them understand by his action and deportment what he is going
to say: They first applaud themselves for their penetration, and then willingly
applaud him for his art.The eyes, he would be taught, are more expressive than
any other feature […] (Woodbury, 1954, p. 4, negritos do autor).
SCENE V.
DUFOUR.
DUFOUR.
TIENNETTE.
Francisque Humbert.
Francisque Humbert.
DUFOUR.
TIENNETTE.
Quarenta
Quarante ans.
DUFOUR.
TIENNETTE.
O amor e a ambição.
L'amour et l'ambition.
[…]
DUFOUR.
Tiennette contou-me
que ela viu você um dia perto do moinho de Arpennaz,
esfaqueado e banhado em sangue
210 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
É verdade.
C'est vrai.
DUFOUR.
DUFOUR.
Pode dizer
Nomme-les.
TIENNETTE.
Eu não posso,
pois traria o mal a todos os que me são queridos.
Je ne le puis,
sans faire le malheur de tous ceux qui me sont chers.
[…]
DUFOUR.
TIENNETTE.
Muito.
Beaucoup.
DUFOUR.
Que enigma!
Quelle énigme!
[…]
Esta quinta cena não pode ser entendida apenas como um relatar es-
crito por uma personagem daquilo que não deve ser expresso pelas
palavras, o que a tornaria uma representação totalmente aborrecida no
palco. Mas deve ser observada como uma forma de criar expectativa na
plateia sobre o que escreve o silencioso Francisque, como ele expressa seus
sentimentos interiores sobre seus algozes, sobre Coelina e sua vida e colo-
car a atenção totalmente nas expressões, olhares das personagens,
inclusive as não emudecidas.
É desenvolvida uma cena que envolve todas as personagens, e a ex-
pressão física e o olhar serão o centro das atenções, das emoções ou do
diálogo gestual. Nesta cena Tiennette cumpre uma importante ação ao tra-
duzir na entonação o que escreve Francisque, pois ela terá a primeira
notícia de suas informações e deverá ler em voz alta o que sabe, tentando
ser fiel ao que Francisque escreve. Outro destaque que, certamente, evi-
dencia a participação de todos na construção do clima da cena, será
quando Dufour pergunta a Francisque se ele mesmo teria conhecimento
dos malfeitores. A resposta positiva de Francisque deverá causar um
grande desconforto e dúvida em todas as outras personagens, atitude que
deve ser expressa visualmente. Em seu início esta cena mostra, nas falas
de Dufour a construção visual e interpretativa que ela implica. As falas:
“Aproxime-se”, “fique aqui”, “eu gosto do seu jeito”, no seguinte diálogo
são evidentes:
212 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
SCENE VI
DUFOUR
STÉPHANY
COELINA
O que aconteceu?
Qu'entends-je?
TIENNETTE
Oh! Céus!
O ciel!
FARIBOLE
DUFOUR
STÉPHANY
COELINA
DUFOUR, repelindo-a.
DUFOUR, (la repoussant)
TODOS
TOUS.
(Assombro geral.)
(Stupéfaction générale.)
Meu Deus!
Oh mon Dieu! (Ó meu Deus!)
DUFOUR.
Ato III
Acte Troisième
moulin, placé à droite [au second plan]; la porte du moulin fait face à la coulisse, et les
croisées sont vis-à-vis des spectateurs; il y a un banc de pierre au-dessous des croisées
(…)
CENA PRIMEIRA
Para onde fugir?… Para onde carregar minha humilhação e meus remorsos? Caminhando
desde a madrugada por estas montanhas, procuro em vão um refúgio onde possa tirar
minha alma deste suplício… Eu não posso descobrir uma gruta tão obscura, uma caverna
tão profunda para enterrar meus crimes. Sob estas roupas grosseiras, tornei-me desconhe-
cido aos olhos mais penetrantes, eu traí a mim mesmo e arrastando-me na terra, minha
face perdeu a cor, eu respondo tremendo as perguntas a mim dirigidas. – Toda a natureza
reuniu-se para me acusar... Palavras terríveis atordoam sem cessar os meus ouvidos: de-
tenham o assassino! Vingança! Vingança!… – (Ao escutar seu próprio eco, Truguelin volta-
se com terror.) Oh! Sou eu? E aquela voz ameaçadora?….céus!… O que estou vendo?… este
lugar… estas rochas… esta corredeira… é ali.. ali.. que minha mão criminosa fez brotar o
sangue de um infeliz… Oh, terra! Abra-se!.. abismo, dentro de seu seio, um monstro, in-
digno de estar vivendo… Oh, meu Deus! Você que de há muito me conhece… veja meus
Robson Corrêa de Camargo | 219
Où fuir?... où porter ma honte et mes remords? Errant depuis le matin dans ces montagnes,
je cherche en vain un asile, qui puisse dérober ma tête au supplice... Je n'ai point trouvé
d'antre assez obscur, de caverne assez profonde pour ensevelir mes crimes. Sous ces habits
grossiers, rendu méconnoissable à l'oeil le plus pénétrant, je me trahis moi-même, et bais-
sant vers la terre mon front décoloré, je ne réponds qu'en tremblant aux questions qu'on
m'adresse. – Il me semble que tout, dans la nature, se réunit pour m'accuser... – Ces mots
terribles retentissent sans cesse à mon oreille: Point de repos pour l'assassin! vengeance!
vengeance!... – (On entend résonner l'écho. Truguelin se retourne avec effroi.) Où suis-je?
et quelle voix menaçante?... Ciel!... que vois-je?... ce pont... ces rochers... ce torrent... c'est
là... là... que ma main criminelle versa le sang d'un infortuné... [O terre! entr'ouvre-toi!...
abîme, dans ton sein, un monstre, indigne de la vie...] O mon Dieu! toi que j'ai si longtems
méconnu... vois mes remords, mon repentir sincère... [verse sur moi ce baume consola-
teur...] Arrête, misérable! et n'outrage plus le ciel [par de telles prières!...] Des consolations
à toi!... cette faveur n'est réservée qu'à l'innocent, tu ne la goûteras jamais. [La honte...] les
larmes... l'échafaud... voilà le sort qui t'attend... et auquel tu ne pourras échapper. (Il tombe
anéanti sur un banc [de rocher, et ajoute d'une voix pénétrée].) Ah! si l'on savoit ce qu'il en
coûte pour cesser d'être vertueux, on verroit bien peu de méchans sur la terre. (Il est absorbé
dans ses réflexions.) (Pendant cette scéne, l’orage a continué.)
CENA II SCENE II
TRUGUELIN, MICHAUD.
MICHAUD aparece na ponte, ele chega cantando.
MICHAUD paroît sur le pont; il arrive en chantant.
Melodia
Air (de Toberne)
FARIBOLE
Em boa hora…Eu gosto das bodas, eu gosto.
Se dança, se canta e depois esta é uma ocasião
de mostrar nossos talentos nestas festas.
Ah! E por falar em festas,
espero que se ache umas horas a mais e um malvado a menos,
esta é a hora de termos mais alegria.
M. Doufour está muito cansado e quer
voltar à sua casa em Sallenche, não é verdade?
Antes que ele responda, Michaud vai nos cantar
uma canção de roda. Hum! Que dizem vocês?
TODOS.
TOUS.
Sim… sim
Oui... oui...
FARIBOLE.
MICHAUD.
RODA.
RONDE
Air (melodia): Un rigodon1, zig, zag, don, don.
1
Rigodon ou Rigaudon: melodia e dança de origem provençal em dois tempos de movimento vivo.
Robson Corrêa de Camargo | 223
F I M DE COELINA
A manufatura do melodrama
preconceito geral que atinge certos gêneros e ganha força quando parecem
chegar a determinado nível de exaustão estética.
Entre os responsáveis por esta campanha de detratar o “velho” me-
lodrama, simplificar e reduzir seu conteúdo a uma fórmula esquemática,
estão certamente os precursores das escolas que imediatamente o suce-
dem, utilizando-se dos exemplos infelizes do gênero para postular
aspectos de sua nova estética. Booth traz outro exemplo desse procedi-
mento crítico ao publicar os comentários de Owen Davis sobre o popular
melodrama norte-americano.
Nas primeiras décadas do século XX, Davis tenta equacionar uma fór-
mula para que dramaturgos escrevam melodramas, como se fosse apenas
isto:
Ao invés de se evitar o óbvio, você deve insistir sobre ele, do primeiro ao último
minuto e a todo o tempo. Você deve progredir diretamente numa escala as-
cendente de emoções. O herói deve ser reconhecido na primeira entrada. Nada
deve ser deixado para ser inferido. É quase indispensável que ele colida com o
vilão nos primeiros dois minutos depois de sua entrada. Da mesma forma que
o comediante deve conseguir risadas do público assim que pisar o palco. Ao
invés de perseguir a heroína com alguma coisa abstrata como a fé, ela deve ser
perseguida por um vilão tangível que se debruça, a fim de cortar o seu pescoço.
Acrescente catástrofe após catástrofe. Quando o herói colocar seus braços pro-
tetores em volta dela no último ato, ela deve estar sendo quase escalpelada
pelos índios, a ponto de ser afogada num moinho, quase atropelada por um
trem, a ponto de ser esfaqueada e baleada pelo vilão (…) A peça só pode ter-
minar quando você explorou exaustivamente cada calamidade. Mas termina
bem, deve sempre terminar bem. E o herói deve permanecer o herói e o vilão
deve morrer, tão desgraçado quanto ele apareceu pela primeira vez (Booth,
1965, p. 15).
2
When multitudes agree in sentiment, and sympathise in feeling, when they pronounce with equal fervor, and applaud
with unanimous warmth, the enjoyment of such general praise becomes intoxicating. In the Drama (…) are the result
of a great combination of talents. I cannot forget the aid I received form the French Drama, from which the principal
incidents, many of the thoughts, and much of the manner of telling the story, are derived. (…) I can little overlook the
Performers, the Composer of the Music, the Scenery, and the Dances; (…) I should be tempted to say something of the
nature, powers, and scenic effects of the Melo-Drame;(..) Other Dramatic writters will certainly produce these effects
in a much more mature and perfect state; and of the pleasures they yeld I shall be happy to partake.
Robson Corrêa de Camargo | 231
Fiam3
Bona
3
Sigo a grafia do texto inglês original.
Robson Corrêa de Camargo | 233
Fiam
Tonta ou não.
Eu tenho servido o senhor fielmente por 23 anos;
assim, o senhor pode me colocar
para fora de sua casa, se lhe agrada.
Fool, or not,
I have served you faithfully these three-and-twenty years;
so you may turn me out
of doors at last,
if you please.
Bona
Eu?
I?
Fiam
Yes; for;
if you turn Francisco out,
I’ll never enter them again.
Bona
Fiam
Bona.
Then speak.
Então, fale!
Fiam.
(Holcroft, 1802, p. 5)
(…)
Bona
Fran
(com dignidade aponta para o céu e seu coração.)
(with dignity points to heaven and his heart.)
Bona
Quem é você?
How are you?
Robson Corrêa de Camargo | 235
Fran.
Bona.
Sua família?
Family?
Fran.
(dá um repentino sinal de recusa e escreve.)
(gives a sudden sign of Forbear! and writes.)
Bona.
Por quê?
Why?
Fran.
“Está desgraçada.”
“It is disgraced.”
Bona
Por você?
By you?
Fran
(gesticulates)
(gesticula)
236 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Fiam
(interpreting)
(interpretando)
(…)
Bona
Fran
(gesticula)
(gesticulates)
Fiam
(com raiva)
(eagerly)
Fran
Bona
Fran
(gesticula violentamente, expressando dolorosa lembrança; então, escreve)
(gesticulates violenty, denoting painful recollection ; then writes.)
Robson Corrêa de Camargo | 237
“Nunca”.
“Never!”
(…)
Bona
Fran
“Ricos e poderosos.”
“Rich and powerful.”
Bona
(Aqui começa a dança que deve ser alegre, cômica e de estilo grotesco; com
gestos e atitudes cômicas, imitando os montanheses, os cabritos que eles pos-
suem, etc., ou seja, a dança cheia do humor dos camponeses italianos. No meio
desta festa, o relógio bate e a música cessa. A música seguinte inspira alarme
e tristeza.)
(Here the dancing, which should be of the gay, comic, and grotesque kind; with
droll attitudes, gesticulations, and bounds, in imitations of the mountaineers,
the goats they keep, etc.. that is, the humorous dancing os the italian peasants.
In the midst of the rejoicing the clock strikes; the dancing suddenly ceases; the
changing music inpires alarm and dismay (Holcroft, 1802, p. 29).
Rom
Music, Hail, etc continue; after a pause, he raises his head. More
fearful claps of thunder are heard, and he again falls on his face.
The storm gradually abates. Pause in the music. A very distant
voice is heard [Holla!] Music continues. He half rises, starts, and
runs from side to side; looking and listening. Music ceases. Voice
again. [Hola!]
Rom
240 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
They are after me! Some one points me out! No den, no cave, can hide me!
(looks the way he came) I cannot return that way. I cannot. It is the place of
blood! A robbed and wretched brother! ‘Tis his blood, by which I am covered!
Ay! There! There have I been driver for shelter! Under those very rocks! Oh,
that they would oper! Cover me earth! Cover my crimes! Cover my shame!
(falls motionless again).
Música de doloroso remorso; depois muda para uma alegre pastoral, etc.
Music of painful remorse; then changes to the chearful pastorale, etc.
A cena final será uma das que sofrerão mudanças radicais, porque
termina na captura e quase morte do vilão, não havendo o correspondente
da versão francesa ou do final da dança e a canção moralizante em que
todos se engajam, a cena da roda, com a melodia do rigodon. Embora tudo
acabe bem para algumas personagens, não existe o duplo final do texto de
Pixérécourt, com um final alegre após o outro trágico. Ao invés, teremos
uma grande cena de luta e perseguição de Romaldi, com várias ameaças
de morte e autosacrifício:
(…)
Rom.
Music continues as Romaldi offers his pistol; which Francisco throws to a dis-
tance, and intreats him to fly by the valley. Romaldi signifies the impossibility,
and runs distractedly from side to side: then, after Francisco and Selina in-
treaties, ascends to cross the bridge. Met at the edge of the hill by an Archer:
242 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
He is driven back; they struggle on the bridge. The Archer’s sword take by
Romaldi; who, again attempting fight, is again met by several Archers.
Romaldi maintains a retreating fight. Fiametta. Bonamo, Stephano, Montano,
and Peasants follow the Archers. Francisco and Selina, in the greatest agita-
tion, several times throw themselves between the assailants and Romaldi.
When the combatants have descendent the hill, Romaldi foot slips, he falls, and
Francisco intervenes to guard his body. By this time all the principal characters
are near the front. The Archers appear prepared to shoot, and strike with their
sabres; when the entreatis and efforts of Francisco and Selina are renewed. The
Archers forbear for a moment; and Francisco shieldes his brother. The music
ceases.
Sel.
Oh, parem!
Deixe que a virtude de meu pai seja oferecida
em troca dos erros de meu tio.
Oh, forbear! Let my father’s virtues plead
for my uncle’s errors!
Bon.
FINIS
Como pode ser percebido, o vilão inglês será perdoado, graças à mise-
ricórdia de seu irmão e sobrinha, ao passo que no texto francês aquele irá
para a cadeia. A adaptação de Holcroft esquematiza muito os conflitos. Es-
tamos frente a uma redução artística do trabalho de Pixérécourt, duas
vertentes que mostram o quanto o talento dos artistas envolvidos influencia
o produto final. Não são assim todos os melodramas ingleses, mas, aqui ve-
mos como ocorrem a simplificação e a esquematização que se aponta em
alguns melodramas.
Segundo Brocket, o estilo de interpretação no século XVIII fundamen-
tava-se em uma mistura de tradição com renovação. As personagens e suas
respectivas interpretações eram passadas de uma geração a outra, mas no-
vas formas ou concepções de personagens ou formas de pronunciar o texto
eram não apenas bem-vindas como causavam sensação. Havia variações en-
tre a busca de uma formalização da personagem e do realismo (Brockett,
1999, p. 257). Certamente, a formalização desse realismo era limitada pela
compreensão do que era real, pela habilidade da representação desse real de
cada época, em particular, pela capacidade de percepção do público e pelos
meios técnicos que estavam nas mãos dos artistas.
Não apenas a pantomima e o melodrama moldaram o gesto do ator em
ponto maior, mas também a tradição de interpretação da tragédia. Esta era
considerada maior que a própria vida, portanto, a atuação procurava ser
mais extremada que o comportamento cotidiano. Booth descreve que tanto
na voz, no gesto, na atitute e na expressão facial o ator trágico concebia sua
arte como ideal, universalizando a experiência e o sofrimento humano.
A natureza pictórica e composicional na arte de encenação e da inter-
pretação incluía, na arte do ator, a transformação em imagem do sentimento
da personagem para que a plateia melhor o entendesse. Assim, a voz e o
corpo do ator compunham-se gestualmente quase como uma escultura.
Desde o século XVI, os próprios manuais de interpretação orientavam os
atores e atrizes a estudar a estatuária grega para a graciosidade das atitudes
e as expressões extremadas de paixão (Booth, 1991, p. 120).
244 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
4
Esta característica nos foi pontuada nos bancos escolares da Universidade, tese defendida por J. Guinsburg (1974).
246 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
5
Grifo meu.
252 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
proporcionava não a dor, porém a máscara da dor e que atuando com exagero
estava no verdadeiro (Brooks, 1976, p. xi).
6
Linguagem como genérico sistema de signos.
Robson Corrêa de Camargo | 253
7
Conversa com o crítico em dezoito de novembro de 1999.
Robson Corrêa de Camargo | 255
8
No one that I ever met or heard of has appeared to know what melodrama really is (…) that only a fool would
attempt a finition.”
4
Conhecer a flor é
tornar-se flor,
ser flor,
florescer flor
e deleitar-se tanto com o sol
como com a chuva...
A afeição dos homens ao teatro – ver e ouvir algo novo brilhante, que os tire
do ordinário – é muito forte, indestrutível e insaciável desde a infância até a
idade avançada. Para que as amplas massas renunciem ao formalismo, ao ri-
tual da vida diária, não basta propaganda anti-religiosa. (Trotsky, 1978, p. 126-
127).
1
Grifos do autor.
260 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
2
Grifos do autor.
264 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
3 Questiono também este falso part pris de que o teatro brechtiano evitava a emoção no artigo E que nossa emoção
sobreviva... Brecht, Marx e o Tratado Védico Natyasastra, copias em https://periodicos.ufpb.br/index.php/mo-
ringa/article/view/7534 ou em https://www.researchgate.net/publication/318317896_E_QUE_A_NOSSA_
EMOCAO_SOBREVIVA_BRECHT_MARX_E_O_TRATADO_VEDICO_NATYASASTRA_Revista_Moringa_Joao_Pesso
a_Vol_1_n_2_35-43_juldez_de_2010.
Robson Corrêa de Camargo | 265
Infelizmente, quando as duas chegam, o tio não estava presente, pois dor-
mia em um quarto no fundo de uma taberna, iniciando-se assim uma série
de contratempos. É noite, Henrietta é raptada, separando-se assim as ir-
mãs. A cega Louisa encontra Tia Frochard, uma mendiga profissional, que
rouba crianças e jovens moças para iniciá-las em sua profissão.
Ao final da peça, começará a Revolução Francesa e a Bastilha será
tomada pelo povo, e todos os nós dramáticos serão desfeitos, com as irmãs
reencontrando-se, Louisa tem sua visão recuperada e Henrietta casa-se
com Roget.
Podemos entender Stanislavski (agora com cerca de 64 anos) por
meio da montagem do melodrama e ainda um pouco de seu processo de
preparação de atores nesse período. O encenador ressaltava, mostrando
sua grande compreensão do melodrama, que era um gênero muito difícil
de encenar, pois o diretor nos ensaios deveria “dirigir a peça para grandes
ideias humanas”, testar tudo e jogar fora o que fosse apenas efeito, o que
poderia pertubar a ideia central. Trabalhem intensamente e “não tenham
medo de erros”, dizia. E, mais importante, segundo seus próprios conse-
lhos, os atores deveriam evitar até o método de trabalho desenvolvido por
ele.4 Caso, tivessem problemas quanto à concentração, ao relacionamento
entre eles ou à correta expressão de seu pensamento, característicos da
preparação stanislavskiana, isto deveria ser trabalhado em ensaios sepa-
rados.
Aqui vemos claramente que o diretor russo compreendia o espetáculo
melodramático como polidimensional. Para Stanislavski, o melodrama
exigia muita “liberdade nos ensaios”, evitando a sistematização comum de
seu trabalho de formação. Os atores e atrizes deveriam ser levados a en-
saiar sem autocontrole. Dizia: “ajude os atores a serem livres nos ensaios,
ajude-os a trabalhar num estado criativo. Para ele era importante que os
atores não fossem colocados em um banco de escola por um minuto se-
quer” (Gorchakov, 1954, p. 283).
4
Grifos do autor.
Robson Corrêa de Camargo | 267
Stanislavski cita que o ator deveria estar presente nos ensaios apenas
para criar seu papel, sendo livres no ensaio e não ser este uma forma
para estudar o método O ator deve usar tanta iniciativa quanto possível.
Coloque os problemas certos e as perguntas certas, mas nunca os ensine,
dizia. Stanislavski sublinhava, falando contra os esquematismos no traba-
lho do ator: “Cada gênero solicita que seja feita uma abordagem especial
do trabalho do diretor com o ator” (Gorchakov, 1954, p. 284). Inicie um
trabalho de exploração com o ator para descobrir como a personagem vive
e o que ela faz na situação diferente, apresentada pelo melodrama. Há que
se notar que o TAM era uma companhia com muitos atores com vasta ex-
periência profissional. Segundo Stanislavski, para cada gênero teatral
deveria haver uma abordagem diferente a ser realizada, não ficando preso
a fórmulas de interpretação que se sobrepusessem a qualquer texto e es-
tilo.
No melodrama “a paixão sincera” deve ser trazida em seu mais alto
nível. Para Stanislavski o melodrama é mais que excesso, é condensação,
agregação.5 Aí pode ser observado o entendimento profundo que o diretor
russo possuia do melodrama, pois perceber-se apenas o melodrama como
um excesso, um ponto que ultrapassa determinada forma representacio-
nal é, por mais que se tente recuperá-lo, na cena ou na análise estética,
uma forma de não captar sua essência.
Aqui, certamente, estou me utilizando do mestre para nos contrapor-
mos, mais uma vez, com as análises que tentam caracterizar o melodrama
como o modo do excesso (Brooks) e entendendo, em seu modo de repre-
sentação teatral, a melhor definição do que é o gênero. Outra questão
importante sobre a encenação do melodrama feita por Stanislavski é a res-
peito do papel do cômico no texto melodramático, o que revela uma das
técnicas composicionais do gênero: “o drama deve tocar as bordas da co-
média levemente e sutilmente”. Isto porque, no melodrama, as cenas
5
Grifos do autor.
268 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
completa liberdade ao ator para que ele transmita as ações físicas natural-
mente, mantendo-se dentro da lógica e dos conflitos da peça (Gorchakov,
1954, p. 303). Stanislavski acrescenta a necessidade de muito improviso e
jogo na construção das cenas entre as personagens do melodrama, “não,
necessariamente, seguindo fielmente as rubricas do texto”, pois elas per-
tencem a determinado jogo resultante do trabalho dos atores dentro do
processo de construção de uma encenação prévia, na elaboração de uma
ação física verdadeira pertencente àquela prévia montagem. Na gestuali-
dade e respiração daqueles atores prévios.
Para a reencenação do texto do melodrama, para a recuperação des-
ses momentos estabelecidos pelos atores-encenadores originais, seria
necessária muita improvisação nos ensaios para a reconstrução do texto
espetacular melodramático, o que, na visão de Constantin Stanislavski,
não seria permitido num texto de Ibsen ou Dostoievski.6 No melodrama o
trabalho de construção da gestualidade de cada cena, realizado nos en-
saios, deveria sofreria ainda uma redução ou síntese pelo diretor em sua
fase final, pois na sistematização final, para apresentação do espetáculo à
plateia, o tempo e o diálogo das cenas “devem ser muito rápidos” (Gorcha-
kov, 1954, p. 306). Um tempo de comédia, ou quase de comédia.
O diretor deveria adequar ou buscar na gestualidade dos atores as
ações físicas que melhor se adequassem aos atores daquela nova monta-
gem, na busca da melhor linguagem e jogo cênico do melodrama,
representado com a nova conformação dos atores. Estes deveriam cons-
truir sua cena exercitando-se com o improviso as cenas ou parte delas, não
necessariamente seguindo as rubricas do texto, mas, procurando ações fí-
sicas que fossem verdadeiras. Como podemos perceber, nesta leitura feita
do melodrama pelo encenador russo, a preocupação na montagem e a re-
alização do espetáculo melodramático não era apenas seguir um jogo
esquemático de reconstrução. Ao contrário, temos de volta o procedimento
usual de interpretação nos textos do teatro de feira, que partiam de um
6
Grifos meus
Robson Corrêa de Camargo | 271
está sendo levada pelo espetáculo, ou seja, o riso deve ser promovido por
uma personagem ou situação, não por um truque, um efeito” (Gorchakov,
1954, p. 306).
Assim, quando a peça está sendo realizada frente à plateia, os truques
que porventura houver, deverão ser partes da peça e tão bem justificados
que “a plateia não se preocupe com eles”. Quando a peça estiver sendo
executada, os truques devem estar “contidos na peça” (Gorchakov, 1954,
p. 306), invisíveis acrescentaria eu.
apenas, “os olhos falam” (Gorchakov, 1954, p. 318). Antes de escrever seu
primeiro livro sobre a técnica do ator, Stanislavski já pensava no teatro
como expressão do trabalho físico.
Em outro ensaio, numa atitude antinaturalista, Stanislavski sugere,
como cenário, a construção de uma carruagem ilusória ou de parte dela,
que aparecesse em uma cena. Aí aparece o seguinte conselho dado aos ato-
res pelo mestre, no qual se percebe a compreensão profunda do código
melodramático, como mimese de seus processos cênicos e no qual, por
incrível que pareça aos mais desavisados, Stanislavski verbera contra o
naturalismo e mostra-se consciente dos procedimentos revelados:
Ershov está certo ao não interpretar o Conde de Lenier, como um vilão em sua
primeira aparência. (…) Eu sei que é muito difícil sentar-se sem movimento,
274 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
sem mesmo um leve gesto de mãos, quando você está queimando por dentro
e somente seus olhos podem expressar isto. Mas todos os grandes atores que
interpretaram o melodrama, conseguiram isto com perfeição. Eles desenvol-
veram a arte do diálogo interior (Gorchakov, 1954, p. 295, grifos meus).
Sobre o ator que atua no melodrama, eles são sempre atores de primeira linha,
ocupando a mais alta posição na companhia. Um ator medíocre não pode atuar
no melodrama. No melodrama atores têm que usar muito de si mesmo, e o
ator medíocre, sem uma pesonalidade viva, não tem nada a acrescentar ao
papel. Autores de melodrama sempre têm um determinado ator em mente
(Gorchakov, 1954, p. 295, grifos meus).
O caminho que você está desenvolvendo com sua personagem, era fazê-la sen-
timental e doce. Estas são más qualidades através das quais péssimos atores
são famosos no melodrama. Um grande ator melodramático deve jogar es-
condido e explorar o tema da peça. Ele deve levar a audiência tão longe
quanto possa na direção oposta de seu real caráter (Gorchakov, 1954, p.
294).
Para passar pela penúltima paragem de nossa saga, após termos dis-
cutido e analisado distintos momentos de um determinado melodrama,
desde sua concepção e gestação até a maneira de interpretação dos atores,
é preciso que se estabeleça um diálogo produtivo com a reflexão de um
formalista russo produzida em 1926.
Assim, será feita uma confrontação do que estamos até aqui demons-
trando e discutindo com as questões levantadas por Sergei Balukhatii
sobre a poética do melodrama.
Balukhatii não fazia parte constante do grupo dos formalistas, mas
este estudo foi publicado em uma das revistas do grupo no ápice de sua
existência, em 1927, mesmo ano da montagem de As Irmãs Gérard, que
acabamos de acompanhar com Stanislavski. Como já notado, nos anos
posteriores, o domínio stalinista e burocrático, cada vez maior da máquina
estatal, irá erigir o “realismo socialista” como política oficial do Estado so-
viético para a arte e, assim, a arte produzida e o artista que não seguisse
sua fórmula, seria taxado de formalista, sendo levado, muitas vezes, à
morte, como aconteceu literalmente com Piotrovski, Meierhold e tantos
outros fuzilados.
Neste sentido, o melodrama aparece registrado em um momento
muito especial da história da arte na ex-URSS, no final do interregno em
que brotaram os mais dinâmicos experimentos artísticos em todas as
Robson Corrêa de Camargo | 279
turbilhão, em sua vida comum fora das paredes do teatro. Sim, os filmes
de terros utilizam muito este procedimento.
O enredo necessita desenvolver a reviravolta de uma situação comum
(um encontro, uma carta) que evolve, evoluciona quase ao acaso, as suas
personagens. Daí o aspecto restaurador de seu final, que promove o con-
trole e alívio da situação, fazendo de sua apresentação uma catarse para a
plateia. Se lembrarmos das Irmãs Gerard, seu abandono na urbanidade
inóspita ou da trama de Coelina, poderemos entender que o inesperado,
a surpresa e o choque que se produz na plateia, fazem parte do discurso
e da vivência melodramática, no palco e na plateia.
O inesperado, a surpresa e o choque revelam a segunda característica
apontada por Balukhatii, a troca rápida de normas dramáticas apontando
para um caminho diferente para onde se levaria o drama teatral, como era
usualmente estabelecido e escrito. Este se formou no drama com ações que
se acumulavam paulatinamente e personagens que, de modo lento, diri-
giam-se a uma ação finalizadora, lembremos de Romeu e Julieta ou Hamlet
ou ainda os grandes textos de Tchecov e Lope de Vega. No melodrama, ao
contrário, existem trocas imediatas entre o feliz e o infeliz, oscilações que
se desenvolvem alternadamente até o final feliz ou o duplo final: infeliz/fe-
liz.
Na construção da trama, este procedimento acarreta cortes que re-
vertem total e rapidamente o que está acontecendo, características das
personagens que não têm uma evolução linear, assim como sua trama.
Não se trata de uma falha de composição, uma imperfeição de cópia trágica
ou das leis do drama, mas uma nova forma de representar o processo que
envolvia o ser humano em sua passagem pela sociedade capitalista em
pleno desenvolvimento industrial. Este é o mundo da mercadoria e da era
da máquina, que “ao acaso” nos envolve ou nos esfacela, conduzindo-nos
a situações inesperadas e pessoalmente ameaçadoras de uma hora a outra,
como a peste.
O desemprego, a doença, o chegar à cidade da massa camponesa, são
introduzidos bruscamente no aspecto inusitado e inesperado da vida
284 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
próximos, não a traição da rainha, mas o honesto casamento que pode ser
rompido, não a luta entre reis pelo trono, mas, a hipoteca da casa.
Aprofundando as ideias de Balukhatii, podemos dizer que o final feliz
que resolve a trama, serve, como seu início, para manter o espectador ilu-
dido na proximidade dos perigos que envolvem as personagens nos
problemas da vida cotidiana. Eles existem e serão superados ou, pelo me-
nos, nisto devemos crer para que a vida seja mais leve.
Neste processo, a mimese transporta o espectador ao inusitado. A
surpresa do melodrama contém uma instabilidade na construção do texto
dramático que inicia a desconstrução e decomposição da personagem ao
propor a instabilidade de sua existência.
A atuação melodramática, iluminada pela paixão, além da instabili-
dade, deve ser um ponto ou dois mais carregada que aquela que serve a
constituição do que convencionalmente se estabelece como o "natural" na
interpretação teatral, e não apenas pela influência da pantomima com seus
gestos carregados. Seus motes são a paixão e o sentimento em um grau
maior de intensidade. Paixão antepõe-se à lucidez e à razão, normalmente
pertencentes ao código gestual do contido, pois a razão é este lugar.
O melodrama expõe o mundo irracional e desorganizado a que o ser
humano foi submetido, o mundo oscila em uma tempestade, longe da cal-
maria e da contínua evolução temporal a que o drama havia sido
submetido. E a força do acaso promove uma troca rápida dos códigos de
atuação, rompendo-se o sistema evolutivo e gradativo que já compunha a
personagem no drama.
No melodrama, as personagens expõem suas emoções interiores e as
expressam em suas falas por meio de palavras e gestos que marcam esse
tipo de interpretação. Não deixa de ser um metadiscurso, pois a persona-
gem verbaliza aquilo que sente e pensa, como se pudesse controlar seus
sentimentos numa forma de psicanálise dramática.
Existe um certo paradoxo estabelecido na compreensão da interpre-
tação do ator e na representação do ser humano, como se a naturalidade
e o contido na interpretação fossem o terreno da razão e do irracional, e o
286 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
espectador, não por causa de sua substância rica e original, mas, pela fun-
ção que causa a intensidade dramática.
O autor citado destaca que o melodrama não possui heróis que façam
seus próprios destinos, pois o central não é a personagem, mas, “a trama
com sua base emocional”. Neste sentido, o contraste exerce um fator de
convergência no melodrama. As personagens, como descreve Balukhatii,
são apenas uma ferramenta para avançar a progressão da trama, daí a
unidimensionalidade da personagem no melodrama, seus princípios são
determinados pelo seu papel na trama (GEROULD, 1978b,159) e a trama
necessita de personagens antitéticos.
As personagens do melodrama existem por contraste, este apresenta
a dimensionalidade: é na relação entre herói e vilão, que são descobertas e
testadas as possibilidades das situações, o caráter das personagens e os
positivos valores trazidos pela trama. Isto pode trazer uma reversibilidade
das personagens, pois elas são sujeitas a mudanças contrastantes. A habi-
lidade das personagens em se transformarem no seu oposto, pode
acontecer ao final, mas sempre do negativo ao positivo, para servir ao tema
moral.
No melodrama, o desenvolvimento da trama não é orgânico nem ne-
cessita ser “orgânico” ou psicologicamente motivado. A cadeia de eventos,
predeterminada somente pelos objetivos técnicos e emocionais é um fim
em si mesmo. O acaso é o elemento unificador das partes separadas. Elas
começam a ação dramática e solicitam novos “acasos” para seu desdobra-
mento. É um procedimento estrutural do melodrama, e um dos motivos
do seu sucesso.
O acaso permite novos e inesperados giros da trama que devem estar,
tanto quanto possível, ligados à trama, pois o uso automático desses acasos
enfraquece a trama e seu poder artístico. Neste percurso, uma coisa, um
elemento, algo pode servir ao propósito de complicar o curso normal dos
eventos ou “violar uma harmônica série de interações das personagens
(GEROULD, 1978b, p.161)”. Esta coisa pode ser uma carta, um nome, uma
voz (grifos meus).
Robson Corrêa de Camargo | 293
1
Este capítulo foi publicado com modificações em Brazilian Theater, 1970-2010: Essays on History, Politics and
Artistic Experimentation (English Edition). MacFarland, 2012, com o título de Melodrama and Companhia dos Atores
of Rio de Janeiro.
Robson Corrêa de Camargo | 295
apresentadas pelos contos de Jorge Luiz Borges, em seu Livro dos Seres
Imaginários, e de Lances de Dados de Stéphane Mallarmé, produzindo fa-
rinha de ótima qualidade. Mais ainda, para eles, como definem seus
autores, o teatro se torna "o instrumento dos personagens para tentar se
relacionar com o mundo", como se os personagens, além dos atores, fos-
sem seres que procurassem as portas e tablados do teatro para emitir suas
vozes, subtextos, impressões, silêncios, sobre a história que se conta com
eles. Personagens épicos, não apenas atores épicos.
O radioteatro, matéria prima de melodrama, ou radionovela como
era chamado, teve grande popularidade no Rio de Janeiro nas décadas de
50 e 60 do século XX. Por incrível coincidência, estas radionovelas e outros
programas da Rádio Nacional, como PRK-30 e o seriado Jerônimo, o Herói
do Sertão (escrito por Moysés Veltman entre 1951-1968), fizeram parte de
minha infância e pude ouvi-los, enquanto morava nos subúrbios da cidade
carioca, onde nasci e vivi entre os anos de 1952-1960.
A investigação/montagem de Melodrama durou cerca de dois anos,
seguidos por sete meses de preparação das cenas. O elenco de Melodrama,
na temporada brasileira de 1995-1996, era composto por Bel Garcia, César
Augusto, Drica Moraes, Gustavo Gasparani, Marcelo Olinto, Marcelo Valle
e Susana Ribeiro. Uma das atrizes do jovem e competente elenco teatral,
Drica Moraes, tem participação ativa como atriz nas telenovelas da Rede
Globo de Televisão (O Cravo e a Rosa, Top Model, A Lua Cheia de Amor e
Quatro por Quatro), a principal rede de telenovelas do País.
Para que tenhamos uma ideia dos textos que fazem parte do criativo
repertório da Companhia dos Atores: O Rei da Vela (2000) e A Morta
(1992-1993) de Oswald de Andrade; Cobaias de Satã (1998) e Tristão e
Isolda (1996) de Filipe Miguez; O Enfermeiro (1997-1998) de E. Alland Poe;
Cidades Invisíveis (1994) de Italo Calvino e A Baú a Qu inspirado no Livro
dos Seres Imaginários de Jorge Luiz Borges (1990-1994).
É importante que se descreva a forma de produção do espetáculo Me-
lodrama, no qual a dramaturgia foi desenvolvida simultaneamente com a
construção do espetáculo, um procedimento que se torna regra em muitos
298 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Após dois anos de pesquisas teóricas (…), iniciamos os ensaios sete meses an-
tes da estreia, sem uma linha (de texto) escrita qualquer. Tudo foi novidade
neste processo, para ambas as partes (elenco e dramaturgo). Pela primeira
vez, a Cia. Dos Atores trabalhou com o acompanhamento direto de um autor.
In Diaz, Cordeiro, Olinto (org.) Na Companhia dos Atores. RJ: Aeroplano,
2006, p.15)
2
www.ciadosatores.com.br , acesso em 27 de abril de 2001.
Robson Corrêa de Camargo | 299
e, por último, “Na Saúde e na Doença”. Não bastassem estas três histórias
“dramáticas”, teremos o cruzamento ou choques de interferências narra-
tivas constantes nestas histórias, algumas feitas em tom de diálogo com a
plateia pelos próprios personagens, como apartes. A interrupção torna-se
parte do jogo e o próprio jogo. Tudo se entrecruza, tudo se interrompe.
Estas interferências acabam trazendo outra dimensão dentro da peça,
modificando o desenvolvimento e a compreensão das histórias apresenta-
das. A interferência acontece pela manipulação ou introdução de
elementos das linguagens narrativas dos meios de comunicação de massa
na representação, como o cinema, a televisão e o próprio rádio. Estes en-
contros ou diálogos da Cia trazem para a ribalta não apenas a história de
palco, mas o embaralhar da própria forma narrativa, o autor/narrador/di-
retor/atores ocultos passam também a serem personagens. Trago em
seguida alguns elementos destas histórias principais que alimentam o es-
petáculo.
3
Texto enviado pela produção do espetáculo, via internet, em novembro de 2000.
300 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
Eu fui o homem mais feliz que essa cidade já viu... Como médico, eu salvei
vidas. Como homem, eu tive o amor da mais magnânima das mulheres. Mas
dentro do meu peito crescia uma doença. O ciúme. Varado dia e noite, eu con-
trolava cada gesto, cada passo, cada olhar, cada suspiro da minha amada. Até
que um dia, decidi forjar uma viagem a negócios. Na surdina daquela madru-
gada, esgueirei-me para dentro de meu quarto e, munido de um castiçal,
percebi, para meu horror, que Lucíola não dormia sozinha! Traindo-me em
minha própria cama! Cego de ódio, três tiros desferi, e quando ía fazer o
mesmo com o homem que me roubara o amor, vi surgir, por debaixo das co-
bertas, o rosto de minha filha, assustado pelos estampidos do revólver. Desde
aquela madrugada sinistra, fujo de meu passado. Mas o mundo é pequeno,
senhores, e meu passado tem o peso do chumbo. Está aqui, comigo, agora.
Está onde quer que eu vá. E é por isso que suplico... tenham piedade deste
pobre verme, conservado em álcool! Uma dose, apenas mais uma dose! E eu
juro que me vou! (Diaz, E. (org) Na Companhia dos Atores. Rio de Janeiro,
Aeroplano, 2006, p. 30)
transmissão que pode levar meses ou anos. Por meio desses desvios de
percurso, procura-se um reforço no desenvolvimento da trama o que,
muitas vezes, traria uma revelação inesperada após a outra, até a grande
revelação final que solucionava então a peça, ou anunciava uma nova ver-
são de De Volta ao Futuro. Na tessitura do melodrama este procedimento
é conseguido com o uso do segredo.
Sergei Dmitrievich Balukhatii (1893-1945), como vimos anterior-
mente, aponta duas das formas comuns de utilização da técnica do segredo
no gênero melodramático (Balukhatii, 1926). O segredo era considerado
pelo crítico formalista como o mais poderoso fator na dinâmica do melo-
drama, permitindo ao melodramaturgo segurar a atenção do espectador
continuamente durante a representação. Este segredo poderia ser apre-
sentado como um fato desconhecido por parte das personagens ou de
todas as personagens envolvidas no texto, ou ainda, das personagens e do
espectador, configurando-se como um segredo total, ocultado pelo drama-
turgo e pelos atores ao público.
Neste processo, o espectador será levado a adivinhar a natureza do
segredo, enquanto vai se descortinando a peça teatral, ou, se pensarmos
no Melodrama em seu desenvolvimento histórico, como programa de rá-
dio, cinema, tv, série de assinatura, desenhos animados, com algumas
pistas que serão espalhadas pelo autor no desenrolar da história, e, certa-
mente, muitas pistas falsas. Esta gradual revelação, como aponta
Balukhatii dava ao melodrama sua “tensão composicional” (Gerould, 1978,
p. 157). Como um simples ato de magia leva-se o espectador a um olhar
para um lado, enquanto a mão esperta constrói outro caminho.
O segredo total será um dos fundamentos composicionais na cons-
trução do espetáculo Melodrama da Cia dos Atores. A simbiose do Bêbado
e de Amnésico será a grande revelação que finaliza o espetáculo. O slide
mostra as duas figuras unificadas e ouvimos um diálogo que permeia o ato
de suicídio.
No início da representação, estas personagens são mostradas como
seres que se assemelhavam a arquétipos (do grego arché, origem,
Robson Corrêa de Camargo | 305
trama, são quatro (o pai, a mãe e um jovem casal apaixonado) que vivem
o inusitado drama das revelações de incesto e das notícias de provável
adultério em uma família num determinado tempo histórico.
Um dado da escritura espetacular desta encenação e uma grande sa-
cada que leva a plateia ao delírio é a forma de apresentação. Se a história
de Laços de Sangue tem uma continuidade lógica no desenvolvimento do
conflito em cada um dos cinco episódios apresentados, o lugar histórico e
o estilo de desenvolvimento de cada capítulo da trama e o nome das per-
sonagens serão mudados.
Vejamos com mais detalhes: no primeiro ato, o primeiro episódio terá
inicio no Rio de Janeiro dos anos cinquenta do século XX, sendo encenado
como um melodrama ao estilo de um Nelson Rodrigues um pouco exage-
rado, ou de um programa de rádio-novela; continua depois a historia
sendo desenvolvida no segundo episódio numa masmorra francesa, reme-
tendo-nos agora a uma caricatura melodramática do teatro clássico
francês pré Revolução Francesa; a terceira parte, parodiando os filmes de
faroeste, tem sequência numa fazenda do oeste norte-americano, em
Oklahoma City. A história vai sendo desenvolvida, mas em diferentes tem-
pos históricos, e estilos que não se compõem num desenvolvimento linear.
No segundo ato, esta mesma trama vai se desenvolver primeiro num ca-
baré portenho do início do século XX, num frenético ritmo de tango,
finalizando num quadro ao estilo de uma ópera italiana. Sim os auto-
res/atores querem bagunçar nossas referencias e nossas cabeças.
Vejamos alguns trechos do texto. A situação detonante do conflito
será dada por um jovem e enamorado casal (Maria Silvia e Carlos Arthur)
que deseja casar, apesar dos protestos vigorosos do pai. Cônscios da pro-
vável recusa do pai, a noiva vai revelando no diálogo as provas que
deveriam fazer o pai aceitar inapelavelmente a união dos dois, entretanto,
vejamos:
GOMIDE (explodindo) – Você não vai me contrariar! Não vai se casar com esse rapaz
e ponto final!
MARIA SÍLVIA – É tarde, papai.
Robson Corrêa de Camargo | 307
GOMIDE – Repete!
MARIA SÍLVIA – É tarde demais para qualquer retaliação.
GOMIDE – Repete!
MARIA SÍLVIA – Eu já fui de Carlos Artur!
GOMIDE – Que erro você cometeu, não dando ouvidos ao seu velho paizinho. Porque
Carlos Artur, Maria Sílvia... Carlos Artur, Maria Sílvia! Carlos Artur é teu irmão!
Transição Coreográfica. Desmancha-se a cena de Gomide.
DORALICE – Zulmira!
316 | Gestual, Teatro e Melodrama: Performances, Pantomimas e Teatro nas feiras
LOCUTOR – Numa gentil e exclusiva oferta das Indústrias Reunidas Três Glórias,
acabaram de ouvir a radiofonização "Na saúde e na doença", de Dulce Régis, baseada
na carta da ouvinte Doralice Rabelo, de São Cristóvão.
Para que não nos detenhamos apenas nas infinitas surpresas que
também esta trama nos apresenta, como leitores, e mostrou como espec-
tador, concentremo-nos no fato de que estamos dentro de uma narração
construída em abismo. Um fato leva a outro, que leva a outro e, assim,
sucessiva e indefinidamente, como nos contos das histórias das Mil e Uma
Noites.
Os atores de radioteatro Marly e Jarbas contam a adaptação da histó-
ria vivida pela ouvinte Doralice Rabelo, na versão de Dulce Régis. Uma
história dentro de outra história, dentro de outra história. E isto se consi-
derarmos o nível aparente do espetáculo ficcional que vemos
representado. A trama de Na Saúde e na Doença foi composta com cenas
extraídas de uma verdadeira radionovela apresentada pela Rádio Mauá:
Conselhos e Confidências, da verdadeira radiodramaturga Dulce Régis. Se
a história narrada de Doralice chega a seu final feliz, em Melodrama, isto
não acontecerá com o drama da atriz Marly Cristina, que interpreta Dora-
lice. Assim que termina a peça, seus colegas vêm avisá-la que seu filho,
Geraldo foi atropelado e faleceu. A notícia do falecimento é acompanhada
pelo simultâneo ato de tomada de consciência do Amnésico, reconhe-
cendo-se como Geraldo, vejamos a cena:
Robson Corrêa de Camargo | 319
ATRIZ QUE FAZ ZULMIRA – Você vai ter que ser forte, querida!
JARBAS FONESCA – Marly... o Geraldo...
SURGEM NO PALCO, ÉBRIO E AMNÉSICO.
AMNÉSICO – Geraldo!...
MARLY (chorando)- Não! O Geraldo, não!
ÉBRIO – Sim!
MARLY – Qualquer um menos o Geraldo, o Geraldo não!
ÉBRIO – Este é o nome com que foi batizado, mas não tenha a pretensão de memó-
rias tão longínquas...
AMNÉSICO – Mas posso até sentir-me no ventre de minha mãe!
O Discurso do Melodrama
4
Composição intencional de obra artística com elementos heterogêneos préexistentes.
Robson Corrêa de Camargo | 321
GOMIDE – Fotofóbico, Altair. Indivíduo que tem aversão, horror à luz. (...) Exato. É
o meu caso. (...) São excelentes artistas. (...) Coloca no oito, vai começar.
HOMEM – Marli?
corpo do ator e pela cena, este traz (não seria melhor dizer inicia?) para o
palco moderno a consciência de um novo patamar de representação.
O melodrama é o fenômeno artístico que permite às massas urbanas
um novo processo simbólico de vivência social. Esta iconicidade se produz
na relação do que se mostra com a plateia, o espetáculo, como estímulo da
sensação sinestésica da audiência. Os signos cênicos do melodrama obje-
tivam conscientemente ao constante deslocamento entre as diferentes
sensações percebidas, uma sensação visual leva a uma sonora, que leva a
uma sensação visual e ou corporal, com todas as suas possíveis combina-
ções. O melodrama acrescenta, em sua propositura estética, para a história
do teatro, uma elaboração consciente dos códigos sentimentais que podem
atingir a plateia.
A dramaturgia melodramática, sua construção espetacular, sua
forma de atuação e a relação que estabelece com a audiência, tornaram-se
elementos determinantes e fundadores da constituição do que estava se
chamando teatro moderno. A experiência da recepção da plateia proporci-
onada pelo gênero; a organização da sua produção em espetáculos que,
pela primeira vez na história do teatro, alcançaram mais de 1.000 repre-
sentações; a complexa constituição de sua espetacularidade e o trabalho
dos atores necessário para sustentar o desenvolvimento do gênero e suas
especificidades são fundantes no desenvolvimento do espetáculo teatral
contemporâneo.
O melodrama estabelece, em grau mais intenso, a infidelidade gené-
rica e a promiscuidade estilística, estabelecendo um corpus de produção e
estilo que tem como poética a contaminação e interrelação com os distin-
tos estilos dramáticos, estabelecendo a cópia e o pastiche como
procedimento de criação. Assim, torna-se mais que um gênero, é uma
forma introjetiva em diálogo interno, intenso, constante com outras for-
mas dramáticas ou com a transposição para o palco dos códigos da
representação da realidade vivida pela plateia. Este caráter de entrecruza-
mento genérico configura ao melodrama um caráter proteico, não apenas
Robson Corrêa de Camargo | 327
sonora, que leva a uma sensação visual e ou corporal, com todas as suas
possíveis combinações. Na verdade, poderíamos dizer que a literalidade
crescente nos palcos truncou o desenvolvimento maior de uma linguagem
teatral que se apoiava na corporeidade e na sua iconicidade. Não é à toa
que o melodrama, ou a preocupação com seus códigos cênicos, retorna
com mais força no contexto de uma cultura que o corpo, a imagem e o
gesto se tornam centrais.
Sua trama representada era sempre improvável, por mais que os áu-
dio-espectadores sempre soubessem de seu provável final. O centro não
era a conclusão, como nunca foi no teatro, mas o processo de contar ou
exprimir a história.
Os elementos-surpresa no desenrolar do melodrama fazem parte do
jogo cênico e espetacular, revertendo expectativas e modificando a corre-
lação de forças sempre em detrimento das personagens boas. Esta seria
uma constante, mas até a cena final, quando a resolução dar-se-ia no sen-
tido inverso ao praticado até aquele momento. Mas, o público nunca sabe
qual será a cena final, ficando em situação de suspense ou suspensão, es-
perando o possível reverso que pode não ocorrer.
Neste processo, a música, mas não apenas ela servia como indutora
subliminar do público ao novo estado emotivo. A forma incidental que atua
no melodrama não é exclusiva apenas da sua música, mas é um procedi-
mento contido em sua forma-espetáculo.
O elemento incidente surge alternadamente, girando a história e tudo
que dela depende em outro sentido, como as personagens, os efeitos mu-
sicais, os fenômenos naturais, os gestos em caminhos totalmente
inesperados. O elemento incidental dinamiza o espetáculo teatral do me-
lodrama, vindo a ser um elemento metateatral, uma interferência ex
machina do autor-produtor-ator-regente na evolução da representação.
Este procedimento só é possível, porque existe a plena consciência e expe-
rimentação da montagem teatral e da interpretação do ator dirigida à
conquista das sensações do público.
Robson Corrêa de Camargo | 329
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