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ARQ
EM CENA
O PAPEL DA ARQUITETURA ENQUANTO
PERSONAGEM DA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA
ARQUITETURA EM CENA:
O PAPEL DA ARQUITETURA ENQUANTO PERSONAGEM
DA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA
ARQUITETURA EM CENA:
O papel da arquitetura enquanto personagem da
narrativa cinematográfica
Departamento de Arquitetura e Urbanismo | UFS
2022
OrientadorA: Rozana Rivas de Araújo
Discente: REJANE lUCIA TOURINHO DE lIMA sOUZA
REJANELUCIATS@GMAIL.COM
REJANE LUCIA TOURINHO DE LIMA SOUZA
LARANJEIRAS-SE
JULHO DE 2022
"Toda caminhada começa no primeiro passo". Tive a
alegria de contar com muitas pessoas neste caminho de
formação, inicio de uma jornada acadêmica e
profissional. Dedico este trabalho a todas essas que,
diretamente ou indiretamente, contribuíram e
contribuem na minha caminhada como estudante e
profissional.
Agradecimentos
Introdução ......................................................................................................................................................................................................20
1. A imagem da arquitetura ..........................................................................................................................................26
2. Arquitetura e cinema .......................................................................................................................................................40
2.1. A arquitetura no cinema ...........................................................................................................................42
2.2. O cinema na arquitetura ..........................................................................................................................46
2.3. Arquitetura e cinema através do tempo ...............................................................................50
3. Arquitetura enquanto personagem no cinema ...............................................................................70
3.1. O papel da arquitetura no cinema ...............................................................................................72
3.2. O papel da arquitetura como personagem ......................................................................75
3.3. Arquitetura fílmica como personagem: como identificar ..................................87
4. Análises ............................................................................................................................................................................................92
4.1. Critérios de seleção dos filmes .........................................................................................................94
4.2. Edificação como personagem: Parasita (2019) .........................................................102
4.3. Cidade como personagem: Blade Runner 2049 (2017) e Pantera
Negra (2018) .........................................................................................................................................................123
5. Análise dos resultados ................................................................................................................................................152
Considerações finais ........................................................................................................................................................................158
Referências ..................................................................................................................................................................................................162
Filmografia ...................................................................................................................................................................................................173
Apêndice .........................................................................................................................................................................................................176
INT
”O estudar arquitetura poetizada do cinema ajuda-nos,
arquitetos a redescobrir a dimensão simbólica da nossa
vida e da nossa forma artística.”
INTRODUÇÃO
| INTRODUÇÃO | | ARQUITETURA EM CENA |
A arquitetura 1 representada nas obras cinematográficas, denominada de trabalho tem como objetivo compreender como a arquitetura atua, enquanto
arquitetura fílmica, é parte integrante da mise-en-scène 2 e tem como premissa personagem, na construção da narrativa cinematográfica. Para isso,
situar o espectador no espaço e no tempo em que a narrativa ocorre (SANTOS, considerou-se os seguintes objetivos específicos:
2005, p.12; COLNAGO, 2012, p.58; ZUBEN, 2018, p.5). Entretanto, outras
possibilidades também são possíveis, fazendo com que arquitetura extrapole a • Entender as relações entre arquitetura e cinema;
função de pano de fundo e assuma diferentes papéis na narrativa • Investigar o papel da arquitetura fílmica enquanto
cinematográfica (COLNAGO, 2012, p.33; SANTOS 2005, p.34). personagem;
Isso é possível porque a arquitetura é constituída por conteúdos sociais, • Identificar e analisar a atuação da arquitetura fílmica
efeitos psicológicos e aspectos formais; esses valores são representados pela enquanto personagem em produções relevantes do
imagem da arquitetura que comunica-se com o espectador através de cinema contemporâneo.
associações pré-concebidas a partir de experiências vividas pelo mesmo. Desta
maneira: Adotou-se neste trabalho, um método de abordagem indutivo e
procedimentos de caráter exploratório e monográfico, cumprindo as seguintes
etapas:
“Para compor uma cena, os filmes fazem uso de elementos arquitetônicos
variados para que se tenha um efeito cênico maior, logo, tais elementos
funcionam como recursos de expressão.” (CHAGAS, 2008, p.47) 1. Pesquisa teórica: buscar compreender, através da
pesquisa bibliográfica, os aspectos relacionados a
arquitetura e sua imagem, bem como as relações entre
Seguindo esse raciocínio, a arquitetura ao transitar pelo imaginário fílmico 3
arquitetura e cinema e seus desdobramentos.
pode construir críticas, propagar ideias, propor experimentos espaciais e atuar
2. Levantamento da filmografia: levantar obras
enquanto personagem da história, que simboliza e metaforiza conceitos, dialoga e
cinematográficas onde a arquitetura atua como
interfere na narrativa, podendo estas possibilidades associarem-se.
personagem, a fim de entender quais aspectos constituem
Por isso, estudar arquitetura fílmica, segundo Pallasmaa (2001, p.13,
este papel;
tradução nossa), é importante para o desenvolvimento de “uma arquitetura mais
3. Definição dos critérios de seleção: definir, a partir do
sutil e responsiva”, capaz de comunicar-se com quem a experiencia.
embasamento teórico adquirido nas etapas anteriores, os
Assim, procurando entender a função da arquitetura no cinema,
critérios para selecionar os filmes em que a arquitetura é
estabelecendo um recorte dentro dos diferentes papéis assumidos por essa, este
identificada como personagem e que serão analisados no
1
A arquitetura aqui será entendida a partir da definição apresentada por Colnago (2012, p.23), trabalho;
onde “não será vista distinção entre os diferentes tipos de construção, sejam eles edifícios
(elementos individuais e os espaços internos que o comportam) ou cidades inteiras (conjunto de 4. Seleção e análise: selecionar os filmes que serão
edifícios e os vazios urbanos formados pelo agenciamento dos mesmos)”.
2
Todos os elementos que compões uma cena (cenário, figurino, maquiagem, luz, etc.). estudados, a partir dos critérios definidos anteriormente e
3
Imaginário construído dentro de um filme para desenvolvimento da trama apresentada.
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do recorte estabelecido: filmes indicados ao Oscar de Espera-se com este trabalho, contribuir com os estudos acerca das relações
Melhor Direção de Arte do ano de 2018 a 2022; E analisar entre arquitetura e cinema, suscitando diferentes perspectivas de se olhar para os
as obras selecionadas. espaços arquitetônicos das obras cinematográficas.
5. Análise dos resultados: refletir acerca das análises
realizadas, a fim compreender como a arquitetura está
atuando na produção cinematográfica contemporânea,
enquanto personagem da narrativa cinematográfica.
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01
”Uma metáfora de arquitetura é uma entidade
experimental abstraída e condensada que funde a
multiplicidade de experiências humanas em uma imagem
vivenciada singular ou em uma sequência de tais imagens.”
(PALLASMAA, 2013, p.120)
CAPÍTULO
A IMAGEM DA ARQUITETURA
| A IMAGEM DA ARQUITETURA | | ARQUITETURA EM CENA |
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Da mesma maneira, os fenômenos históricos também influenciam na Também os desenvolvimentos científicos ao longo do tempo,
cultura e no simbolismo arquitetônico por meio dos valores filosóficos e religiosos principalmente quando relacionados às disciplinas de matemática e geometria,
que permeiam estes acontecimentos, fazendo com que a arquitetura torne-se o influenciam na concepção arquitetônica; o cálculo integral e a geometria
aspecto visual da história (Ibidem, p.142). Um exemplo desta influência é a descritiva, por exemplo, viabilizaram a construção de cúpulas, como a cúpula da
arquitetura barroca (Figura 03) que foi estimulada pela Igreja de Roma, uma vez Igreja de San Lorenzo (Figura 04), projetada por Guarani (ZEVI, 1996, p.143).
que a libertação do classicismo e a criação de uma nova expressão artística
(Ibidem, p.115) significaria a superação do Renascentismo associado ao laicismo e
ao protestantismo (Ibidem, p.143). Figura 04 – Igreja de São Lorenzo, Guarino Guarini, 1680.
Figura 03 – Igreja de São Carlos nas Quatro Fontes, Francesco Borromini, 1641.
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Zevi (1996, p.146) também pontua como as condições geográficas e As imagens, especialmente aquelas relacionadas às artes, possuem a
geológicas podem interferir na morfologia arquitetônica, a exemplo dos telhados capacidade de comunicar as experiências humanas por meio da representação,
que são planos no Egito, possuem leves inclinações em Roma e na Grécia e seja na literatura, na música, na pintura ou no cinema (PALLASMAA, 2016, p.91), e
tornam-se mais inclinados em direção ao norte europeu (Ibidem, p. 147), como não diferente na arquitetura. Essas são capazes de causar um impacto corpóreo
consequência do clima; outro exemplo, é o motivo pelo qual o estilo gótico resistiu antes de serem compreendidas pelo cérebro (Idem, 2013, p.65), pois conseguem
por mais tempo em países nórdicos do que nos meridionais: os raios de sol serem tocar nas emoções ao se fundamentarem nas reações inconscientes e na
mais tangenciais nos primeiros, permitem um melhor uso da luz como instrumento historicidade biológica do ser humano (Ibidem, p.119).
arquitetônico (Ibidem), essencial para o estilo em questão. Ambos os exemplos As imagens, ou metáforas, da arquitetura são exploradas por outras artes,
estão associados ao materialismo da arquitetura. como a pintura, o teatro, a fotografia e o cinema, por criarem o senso de lugar,
Na segunda categoria, Zevi (1996, p.152) aponta os efeitos psicológicos, cultura e era histórica para uma determinada cena ou evento (PALLASMAA, 2013,
sensações e emoções, que a arquitetura pode causar, como aqueles mais p.121), devido aos valores associados a essa disciplina, como apontado
generalistas associados aos estilos arquitetônicos, como o Egito estar associado anteriormente.
ao medo, a Grécia à graciosidade, a Roma à força, entre outros; mas também o Um exemplo é o tratado sobre as cenas de Sebastiano Serlio, criado a partir
impacto das formas arquitetônicas, como as linhas horizontais, verticais, retas e da interpretação sobre a decoração das cenas de Vitrúvio (RAMOS, 2015), onde o
curvas, o cubo, o círculo, a elipse e demais formas, que vibram simpatia simbólica arquiteto descreveu o cenário ideal para cada um dos três tipos de texto teatral: o
com o ser humano ao suscitarem reações no corpo e no espírito (ZEVI, 1996, p.161). cômico, o trágico e o satírico, a partir de diferentes configurações arquitetônicas e
Por fim, nas interpretações formalísticas é pontuado pelo autor como paisagísticas representados através da perspectiva.
conceitos como unidade, simetria, proporção, equilíbrio, escala, contrastes, entre Para o primeiro texto, a arquitetura deveria ser mais popular e privada,
outros aspectos associados à composição arquitetônica, interferem na qualidade devido ao caráter das cenas cômicas que representavam assuntos cotidianos e
formal, moral e psicológica de uma determinada edificação. ações de “gente baixa” (BARBARO apud Cerri, p.168). Segundo Ramos (2015),
A partir desta abordagem de interpretação arquitetônica apresentada por Serlio caracterizava em seu tratado a arquitetura gótica, que era um estilo
Zevi, ficam claros os valores que constituem uma arquitetura, condizendo com as popular, menos sofisticado e, consequentemente, mais vulgar (Figura 08)
afirmações levantadas por Pallasmaa (2013, p.125), pois para esse: as edificações
falam sobre a disciplina de arquitetura, mas também sobre a vida e o mundo; o
autor afirma que essas também são representações metafóricas condensadas da “a primeira será a cômica [...], cujas casas serão de personagens privadas,
como o dos citadinos, advogados, mercadores, usurários, e outros
cultura e produzem imagens que organizam e orientam nossos pensamentos semelhantes. Mas sobretudo que não falte a casa da rufiã, nem a taverna,
e um templo é muito necessário” (SERLIO, 2004)
(2013, p.118). Essas imagens, segundo o mesmo autor, “são condensações de
essências distintas de arquitetura” (Ibidem, p.11). Neste sentido, pode-se
compreender que as imagens de arquitetura são, então, representações dos
valores que constituem a arquitetura.
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02
“O aspecto físico da arquitetura junta-se ao poder da
imagem do cinema numa complementação
tal que o primeiro confere solidez ao segundo,
e o segundo realça o primeiro.”
(SANTOS, 2005, p.22)
CAPÍTULO
ARQUITETURA E CINEMA
| Arquitetura e Cinema | A arquitetura no cinema | | Arquitetura em Cena |
2.1. A arquitetura no cinema No curta anteriormente citado, a sensação da locomotiva vindo em direção a tela
é resultado do enquadramento, a partir da técnica utilizada pelos irmãos
Em 28 de dezembro de 1895, no Le Grand Café, em Paris, foi promovida
franceses de posicionar a câmera em um ponto fixo gerando um ponto de fuga e
pelos irmãos Auguste e Louis Lumière a primeira exibição de filmes do mundo.
uma profundidade na cena (ZUBEN, 2018, p.10).
Foram cerca de vinte minutos de sessão, sendo apresentadas pequenas peças
fílmicas produzidas pelos próprios irmãos franceses, a partir do equipamento Figura 11 - Sequência de quadros do filme
A Saída dos Operários da Fábrica (Auguste Lumière e Louis Lumière, 1895).
criado pelos mesmos, o Cinématographe 4 (SABADIN, 2018, p.13-14). Entre os filmes
exibidos, tem-se conhecimento de dois: A Saída dos Operários da Fábrica e A
Chegada do Trem na Estação (Figura 11), tendo este último impactado o público:
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| Arquitetura e Cinema | A arquitetura no cinema | | Arquitetura em Cena |
narrativa acontece é fundamental para situar o espectador no tempo e no abrange todos os elementos presentes no filme, desde o espaço aos objetos, à
espaço. Este ambiente é o espaço fílmico. cor [...], à luz e ao diálogo.” (FERNANDES, 2012, p.42, tradução nossa)
Segundo Colnago (2012, p. 137), o espaço fílmico é “todo o espaço Além disso, a arquitetura cumpre um papel fundamental no cinema, pois
apresentado no filme, seja ele um set construído, um lugar real filmado em como abordado no capítulo 1, é constituída por diversos valores que são
locação ou mesmo espaços experimentais [...]”. Para Santos (2005, p.26), espaço representados através da sua imagem e por isso, torna-se uma ferramenta
fílmico é o lugar “onde diversos recursos podem ser utilizados para se sublinhar a importante no espaço fílmico, comunicando ao espectador determinada
‘realidade’ apresentada”. Recursos esses como a luz e a sombra, a cor, o som, os mensagem:
atores e a arquitetura. Entende-se assim, a arquitetura como elemento inerente ao
espaço fílmico.
Apesar das diferentes terminologias existentes para denominar a A arquitetura, banhada por fatores de ordem cultural, econômica, política
e social tem, portanto, o poder de sintetizar a experiência espacial fílmica,
representação arquitetônica dentro do cinema, a exemplo da arquitetura fazendo da simulação gerada por sua representação peça chave na
análise dos espaços imaginários do cinema, já que a sobreposição entre
cinematográfica e a arquitetura cenográfica, para este trabalho adotaremos o realidade e ficção produz imagens e situações emblemáticas que se
refletem na própria percepção espacial e se incorporam definitivamente à
conceito de arquitetura fílmica, definido por Santos (2005, p.26) como vivência urbana individual e coletiva de seus habitantes/espectadores.
(SANTOS, 2005, p.12)
Tem-se com esta definição, um esclarecimento quanto a distinção entre e ideológicos que a narrativa deseja contar.
cenário/locação 7 e arquitetura fílmica: enquanto o primeiro compreende o Essa também manifesta fatores psicológicos através das telas, pois
ambiente concreto, ainda sem influência da linguagem determinada para o filme, segundo Fernandes (2012, p.43-44) a arquitetura, bem como o cinema, desperta o
a segunda está sob a influência do processo de filmagem que constrói o sentimental e emocional no ser humano e sua representação dentro do espaço
significado subjetivo que essa, em conjunto com os demais elementos da mise- fílmico é capaz de amplificar emoções específicas.
en-scène, transmitirá ao espectador. Neste sentido, é necessário “que se tenha um repertório cultural para se
Nesse sentido, percebe-se que a arquitetura fílmica não pode ser vista descobrir o conjunto de intenções e sistemas significantes, [para] que se faça uma
como um elemento individual, pois “A percepção da arquitetura [dentro do filme] reflexão sobre o sentido do filme e de seu texto.” (SOUSA, 2020, p.44).
É devido a esta capacidade de condicionar valores, que a arquitetura
imprime realidade ao espaço fílmico, legitimando-o, dado que a arquitetura
7
Cenário: Espaço concreto construído para encenação dos atores. Locação: Espaço concreto já “confere solidez” ao cinema, enquanto esse último, através do “poder da imagem”,
existente, onde os atores encenam. Pode sofrer modificações para atender ao roteiro ou as
exigências dos diretores. realça a importância da primeira (SANTOS, 2005, p.22)
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A já comentada percepção visual causada pelas imagens, também Por outro lado, a principal diferença entre tais campos de trabalho, quando
influencia no processo criativo do arquiteto, que pode procurar através do relacionado a concepção do espaço, encontra-se na duração, uma vez que o
desenho e dos materiais atingir no espaço arquitetônico real, a atmosfera espaço fílmico, diferentemente do espaço arquitetônico real, tende a ser efêmero.
vivenciada em determinada obra cinematográfica (FERNANDES, 2012, p.43). Porém, apesar de sua efemeridade, o espaço criado para o filme não perde a sua
Diferentes autores discutem as semelhanças entre o trabalho do arquiteto e relevância, dado que continua a existir no imaginário popular (COLNAGO, 2012,
dos profissionais do cinema. A direção de arte, por exemplo, é o “departamento p.31).
responsável pela identidade visual do filme e pela criação do espaço-visual para O interesse acerca da relação entre arquitetura e cinema tem sido cada vez
câmera” (CARVALHO, 2021), ou seja, assim como o arquiteto, esta equipe cumpre maior, principalmente no que diz respeito ao papel da arquitetura dentro da
a função de conceber um determinado espaço, o espaço fílmico, procurando produção cinematográfica, uma vez que, como demonstrado nesta primeira parte
atender as necessidades de uma determinada pessoa ou situação, neste caso, as do trabalho, a arquitetura fílmica possui um grande potencial de comunicar-se
exigências do diretor; o programa de necessidades, então, é definido pelo roteiro. com os espectadores.
Há quem pense mais longe e associe o arquiteto ao próprio cineasta. Para E como levantado por Neumann (1999, p.9 apud SANTOS, 2005, p.20-21),
Colnago (2012, p.30), ambos possuem grandes equipes de trabalho e tem como assim como os estudos de projetos realizado por arquitetos de obras não
objetivo materializar realidades criadas pelos mesmos, além de criarem percursos construídas são considerados como importantes para a história da arquitetura, os
a serem explorados pelos espectadores/indivíduos inseridos em um determinado projetos cenográficos devem obter também, tamanho valor.
espaço. Acerca das semelhanças entre as duas profissões, o arquiteto Jean
Nouvel (1994, p.32 apud COLNAGO, 2012, p.31) afirma que:
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Dentre as técnicas romanas de construção, a parede em blocos denominada Opus Quadradum
resultava em paredes construídas com blocos de tamanhos semelhantes e uniformes. Fonte:
SOUZA. Como as paredes dos edifícios romanos eram construídas. Archdaily. 2020. Disponível em:
<https://www.archdaily.com.br/br/935402/como-as-paredes-dos-edificios-romanos-eram- Fonte: Cabiria, 1914. Compilação da autora.
construidas>. Acesso em: 18 de Maio de 2022.
10
SILVA, José Guilherme Rodrigues. Cartago: arqueologia e representações. Em tempos de história,
Brasília, n.13, p. 124-147, 2008.
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A exemplo do Futurismo, do Expressionismo, do Surrealismo, do Cubismo e do Dadaísmo.
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comerciais, em decorrência do aumento populacional e da migração que nova produção arquitetônica que posteriormente desencadeou no movimento
ocasionaram o crescimento das cidades. E o último, foram os edifícios que moderno.
passaram a ser vistos como investimentos pagos de forma, gradual, junto com As vanguardas artísticas viram o cinema como um campo de
outros meios de produção. experimentação para suas proposições e tais experimentos estreitaram a relação
Simultâneo a estes desdobramentos, as experiências arquitetônicas entre arquitetura e cinema (CAMPOS, 2021, p.38).
estavam inseridas no contexto do historicismo, que reviviam estilos anteriores O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920) (Figura 15), é um exemplo
resultando em movimentos como o neoclassicismo, neogótico, neorrenascentista, de experimentação dos movimentos de vanguarda, mais especificamente do
entre outros, que perdurou por todo século XIX. E neste sentido: Expressionismo Alemão, dentro do cinema através da arquitetura. Virgínia Woof 13
(NEUMANN, 1996, p.7 apud CHAGAS, 2008, p.21) descreveu a arquitetura fílmica
criada para a narrativa da obra em questão como “uma arquitetura fantasiosa [...]
Os engenheiros fazem progredir, durante o século XIX, a técnica das como as que nos visitam às vezes em sonhos ou se formam na semi obscuridade
construções e preparam os meios de que se irá servir o movimento
moderno, porém, ao mesmo tempo, colocam sobre esses meios uma de aposentos.”. Para o arquiteto Adolf Loos (IDEM apud CHAGAS, 2008, p.23), o
pesada hipoteca cultural, associando a eles uma espécie de indiferença
pela qualificação formal e legando os hábitos de construção a certas cenário desse filme representa o estado psicológico do protagonista.
correspondências habituais aos estilos passados. (BENÉVOLO, 2011, p.68)
12
O movimento inglês Arts and Crafts, iniciado por William Morris, refutava a produção mecânica 13
Virginia Woolf (1882-1941) foi escritora, ensaísta e editora do Reino Unido, autora de várias obras
industrial em prol do processo artesanal pois, segundo esse, “a máquina [...] aniquila a própria notáveis. WIKIPÉDIA. Virgínia Woolf. Wikipédia, 2021. Disponível em: <
possibilidade de arte.” (BENÉVOLO, 2011, p.200) https://pt.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf>
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condiz com a narrativa perturbadora que o filme apresenta, está relacionada as com esse tipo de cidade (GONSALES, 2005). Porém, as arquiteturas fílmicas da lua
premissas desse movimento artístico que não tinha como base o conceito clássico são espaços imaginados para a narrativa em questão, sendo portanto, uma
de beleza e descaracterizavam aquilo que era considerado bonito (CAMPOS, 2021, experimentação de como essas poderiam ser; a exemplo do palácio 14 do
p.41) (Figura 16). “governante” da lua, composto por padrões e formas diversos, arabescos, por um
arco de ferradura 15 na entrada e, ao fundo, por uma torre com volumes
Figura 16 – Obra expressionista do pintor alemão Erich Heckel, intitulada abobadados e uma cúpula, elementos esses que remetem a uma arquitetura
como "Dois homens à mesa”, de 1912.
oriental dos países árabes, mas que no filme foram utilizados para representar um
espaço de poder, na lua (Figura 18).
A cidade, presente já nos primeiros curtas exibidos no século XIX, continuou
sendo retratada dentro do cinema, agora não apenas para situar o espectador no
tempo e no espaço, mas também para apresentar novas possibilidades de
espaço urbano, principalmente nos filmes de ficção científica, inspirados nos
processos de modernização e no advento das novas tecnologias.
Foi neste contexto, que se estabeleceram as mais significativas
interlocuções entre o pensamento arquitetônico e a criação de cidades
cenográficas, como a exemplo do filme Metrópolis (LEZO, 2010, p.63), lançado em
1926, pelo diretor Fritz Lang, que tornou-se uma importante obra expressionista do
Fonte: Medium, 2018. cinema quando se trata de representação arquitetônica no cinema (Figura 19).
O final da década de 20 foi marcado por dois acontecimentos no cinema: o
primeiro longa-metragem sonoro, O Cantor de Jazz (Alan Crosland, 1927), e o
Neste momento, a arquitetura fílmica, influenciada pelos movimentos de
início da premiação do Oscar, em 1929. Segundo Campos (2021, p.39), ambos os
vanguarda, passa a ir além da representação do real e explora novos caminhos,
acontecimentos, marcaram o início da “Era de Ouro de Hollywood” que consolidou
instigando as sensações e a imaginação dos espectadores.
os Estados Unidos como uma potência da indústria cinematográfica (BASSAN,
A exploração dos espaços fantasiosos no cinema concede abertura para os
2019, s/p apud Ibidem).
filmes de ficção científica. O primeiro filme do gênero, Viagem à Lua (Georges
Méliès, 1902), utiliza a arquitetura fílmica, de maneira geral, para situar o
espectador no tempo e no espaço. Através dessa, podemos observar que,
provavelmente, a narrativa ocorre nas cidades industriais século XIX, pois é
possível perceber um cenário urbano composto por fábricas e por casas mais
Entende-se aqui por palácio o lugar onde habita/trabalha um governante.
14
simples, que remetem as vilas operárias (Figura 17); também é possível perceber 15
Segundo Ching, o arco de ferradura é “Aquele cujo intradorso se estende acima da linha de
partida, se estreita mais alto e termina em um vértice arredondado.” (tradução nossa) Fonte:
uma certa insalubridade e falta de infraestrutura, situações também condizentes CHING, Francis D. K. Dicctionario Visual de Arquitectura. México: GG, [s.d.]
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Exposition internationale des arts décoratifs et industriels modernes (Paris, 1925)
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materiais, mas também visualmente: “O Art Déco se caracteriza pelo emprego de Segundo Passos Neto (2006, p.17) a ideia de progresso que esse estilo
linhas retas ou curvas estilizadas, dando um aspecto aerodinâmico de velocidade” carregava, estava atrelada, não apenas a imagem da máquina, mas também ao
(Ibidem, p.15) (Figura 21), uma estética proveniente dos automóveis, aviões e seu lugar de origem, a França, que naquele momento havia vencido a Primeira
navios. E esta nova tendência também foi incorporada aos cenários que Guerra Mundial. Aproveitando-se desse significado, os Estados Unidos passaram a
compunham as arquiteturas fílmicas da época. aplicá-lo em suas novas construções e, claro, nos filmes, com o objetivo de
aumentar o otimismo da população que enfrentava as consequências da Grande
Depressão de 1929.
Figura 20 – Estação Ferroviária de Helsinque (FI).
Os executivos de cinema estadunidenses, que viviam naquele momento um
período de crescimento, passaram a abraçar a nova tendência arquitetônica,
transformando-a em símbolo de ascensão social dentro e fora do cinema. Assim,
a adesão do público ao Art Déco esteve atrelada ao cinema (PASSOS NETO, 2006,
p.14).
O primeiro filme dos EUA a explorar inteiramente o Art Déco foi Garotas
Modernas (Harry Beaumont, 1928), que tinha como diretor de arte Cedric
Gibbons 17. Esse compareceu à exposição de 1925 em Paris, o que provavelmente
impactou no seu trabalho dentro dos sets (MANDELBAUM, 1985). O filme fez um
Fonte: Vivendo Viajando, 2014.
grande sucesso no país, tendo como destaque os cenários marcantes que
Figura 21 – Exterior e interior do arranha-céu Chrysler Building, acabaram influenciando produções cinematográficas posteriores, apesar do estilo
em Nova Iorque (EUA).
já ter sido utilizado anteriormente nas produções francesas. Percebe-se pela
arquitetura fílmica desta obra, a utilização de linhas retas, curvas, a geometrização
das formas, simetria, entre outros elementos, caracterizam o estilo em questão
(Figura 22).
Ainda no primeiro quarto do século XX, a arquitetura moderna estava sendo
formada: segundo Benévolo (2011, p.13), pode-se considerar a abertura da
Bauhaus, por Walter Gropius, em 1919, como a origem do movimento, que
“comporta não somente um novo repertório formal, como também um novo
modo de pensar” (BENÉVOLO, 2011, p.14). O propósito dos percursores do
17
Um dos grandes diretores de arte de Hollywood, participou da criação da Academia de Artes e
Fonte: The Welcome Blog, 2016. Ciências Cinematográficas, organização responsável pelo Oscar, e foi o responsável pelo desenho
da estatueta dessa premiação. Além disso, foi chefe do departamento de arte da MGM (Metro-
Goldwyn-Mayer) um grande estúdio da era clássica de Hollywood.
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movimento, como Gropius e Le Corbusier, era evitar que a nova arquitetura fosse público não seriam as mostras, os manifestos e o livros, mas os próprios edifícios
considerada mais um estilo arquitetônico e sim, princípios 18 a serem aplicados com (Ibidem).
sucesso aos problemas existentes (BENÉVOLO, 2011, p.453). Assim, os concursos, as exposições, as publicações e os Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), foram meios de difusão dos ideais
Figura 22 – Sequência de quadros do filme Garotas Modernas (Harry Beaumont, 1928). modernos na arquitetura. Mas o cinema também atuou neste sentido:
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mostrado em ascendência, quando no final da trama, os ideais da arquitetura Figura 24 – Quadro do filme Vontade Indômita (King Vidor, 1949):
enquadramento do edifício moderno.
moderna passam a ser amplamente aceitas pela população (Figura 24).
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Esses objetos promovem a imagem do novo padrão de vida burguês, Figura 26 – Casa da Família Arpel.
fundamentado na ideia de progresso, e abdicando qualquer sentimento
que evoque memória. O arquiteto e decorador é responsável por pensar
as necessidades universais da família-tipo [...].
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espaço, dos materiais e dos ruídos (Figura 27). Este padrão das moradias também acompanhando as evoluções estéticas e ideológicas do meio
arquitetônico, [...] suscitando discussões a respeito de desenvolvimentos
é um aspecto trabalhado pela arquitetura fílmica, sendo representadas como contemporâneos e expectativas futuras.
“caixas sobrepostas umas às outras e cercadas por vidros” (CAMPOS, 2021, p.76)
(Figura 28). Mais uma vez, Jacques Tati destaca a difusão do estilo internacional
nas cidades, onde segundo Campos (2021, p.76), faz com que Paris se pareça com Figura 27 – Cidade fílmica de Playtime- Tempo de Diversão
A autora considera como espaço moderno não apenas aquele atrelado a arquitetura moderna,
19
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“O set, para ser um bom set, deve atuar, seja de forma rea-
lista, expressionista, moderna ou histórica. ele deve inter-
pretar seu papel [...] deve apresentar o personagem antes
que ele apareça, deve indicar sua posição social, seus
gostos, seus hábitos, seu estilo de vida, sua personalida-
de”
CAPÍTULO
(MALLET-STEVENS, 1929 apud COLNAGO, 2012, p.58)
ARQUITETURA ENQUANTO
PERSONAGEM NO CINEMA
| Arquitetura enquanto personagem no cinema | O papel da arquitetura no cinema | | Arquitetura em Cena |
3.1. O papel da arquitetura no cinema Para Colnago (2012), a arquitetura 21 também atua no cinema através da
crítica e da experimentação. Diferente dos autores anteriores, outro papel
Como discutido no capítulo dois, a arquitetura fímica cumpre outros papéis
apontado pela autora em questão, é da arquitetura íílmica como personagem da
que vão além de situar o espectador no espaço e no tempo. Isso deve-se aos
narrativa, quando essa representa um significado simbólico, metafórico ou
valores que constituem uma obra arquitetônica. Mas, quais seriam estes papéis?
sentimental que o filme deseja transmitir (2012, p.60).
Para Dietrich Neumann (1999) 20 os três principais papéis da arquitetura
A capacidade que as imagens de arquitetura possuem de associar-se a
fílmica são:
emoções, também permite que a arquitetura fílmica reflita as emoções dos
personagens que participam da narrativa. Neste sentido, Zuben (2018), assim
21
A autora faz uso do termo “espaço fílmico’, que também trata acerca da arquitetura no cinema, e
20
Dietrich Neumann é um arquiteto alemão, professor de História da Arquitetura Moderna e por isso esse faz-se pertinente a este trabalho.
Urbanismo da Universidade Brown (EUA). Também trabalha com as temáticas de iluminação 22
Zuben (2018) trabalha com o termo “cenário personagem”, mas assim como Colnago (2012), a
arquitetônica e história do film-set design (o que no Brasil equivale a “direção de arte para filmes”). autora também trata acerca da arquitetura no cinema, e por isso fazem-se relevantes as
O arquiteto é autor do livro Film Archtecture: Set Design from Metropolis to Blade Runner. (1996). considerações dessa para este trabalho.
Fonte: AMERICAN ACADEMY. Dietrich Neumann. American Academy. [20--]. Disponível em: 23
A definição de “atmosfera” adotada por Fernandes (2012), é a de Peter Zumthor (2006, p.16) que
<https://www.americanacademy.de/person/dietrich-neumann/>. Acesso em: 28 de novembro de descreve a atmosfera como quando um espaço consegue transmitir algo [sentimento, emoção
2021. etc.].
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espaço (Quadro 01). Este trabalho, por sua vez, aprofunda-se no papel da 3.2. O papel da arquitetura como personagem
arquitetura fílmica como personagem da narrativa cinematográfica 24.
Como abordado no tópico anterior, o papel da arquitetura fílmica como
personagem da narrativa cinematográfica é apontado por Colnago (2012) e
Quadro 01 - Papeis que a arquitetura fílmica pode exercer no cinema
Zuben (2018); para a primeira, a arquitetura como personagem possui significado
Crítica Experimentação Propaganda Personagem
simbólico, metafórico ou sentimental (2012, p.60), já para a segunda, essa
Neumann (1999) Neumann (1999) Chagas (2008) Colnago (2012)
Santos (2005) Santos (2005) Zuben (2018) arquitetura pode interferir na narrativa ou dialogar com os personagens,
Chagas (2008) Chagas (2008) transmitindo o que esses estão sentindo (2018, p.21).
Colnago (2012) Colnago (2012)
Percebe-se, a partir dos trabalhos realizados pelas autoras, que essa
Fonte: Elaborado pela autora, 2022 arquitetura fílmica pode ser categorizada em: edificação como personagem
(Colnago, 2012; Zuben, 2018) e cidade como personagem (Colnago, 2012). A
edificação animada também é apresentada como uma categoria por Colnago
(2012), porém, por ser identificada majoritariamente em animações, não será
considerada neste trabalho, pois o recorte estabelecido para os critérios de
seleção dos filmes que serão analisados, não abrange este tipo de obra 25.
A seguir serão exemplificadas essas categorias, a partir de referências
traçadas p e traçados parâmetros para identificação deste papel nas obras
cinematográficas.
25
Para atender a categoria edificação animação seria necessário agregar os filmes de animação
24
Para abranger todos os papéis nesta pesquisa, seria necessário estendê-la, indo além dos limites a este trabalho, resultando no aprofundamento de outros aspectos deste tipo de produção, que
de um trabalho monográfico de graduação. não cabem a este trabalho.
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relação familiar deste último. Na trama, o pai do protagonista é o arquiteto Contenção e controle [da natureza]. Esta casa é sobre posse, e não
conexão, quer dizer, é bela. Sedutora até. Mas está incompleta. É tudo
responsável pela concepção da casa como um presente para a sua mãe, porém, sobre ele. Papai sabia como construir uma casa, não um lar. (A CASA…,
2006)
é notado por Alex que o projeto reflete o convívio familiar: “uma demonstração
clara da personalidade do pai e do seu distanciamento da família” (COLNAGO,
2012, p.69). O controle e contenção apontado pelo protagonista está relacionado ao
fato de a árvore em questão só possuir contato com meio externo através da
Figura 29 – A casa de vidro de A Casa do Lago (Alejandro Agresti, 2006). claraboia acionada por controle remoto (Figura 30).
Aqui você está em uma caixa. Uma caixa de vidro com uma vista para Predominantemente feita com aço e vidro, a casa segue a linguagem
tudo ao seu redor…, mas você não pode tocar em nada. Não existe uma
interconexão entre você e o que você está vendo (A CASA…, 2006)
moderna possível de ser notada em exemplares como a Glass House (1949), de
Philip Johnson (Figura 31) e a Casa de vidro (1951), da Lina Bo Bardi (Figura 32).
Apesar de contestada pelo protagonista, a relação entre a casa e a natureza
Em seguida, questionado pelo irmão acerca da árvore inserida ao centro da proporcionada pela transparência do vidro, também é um aspecto da arquitetura
casa, que para um olhar distante reforçaria a ideia de conexão com a natureza, moderna que pode ser visto nos exemplos anteriores, bem como nas obras de
Alex rebate: outros arquitetos modernos, como Mies van der Rohe, a exemplo da Casa
Farnsworth (1951) (Figura 33).
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Aquarius (2016)
Outro filme em que a habitação fala sobre personalidade do seu morador é
o apartamento de Clara (Figura 40), no filme Aquarius (Kleber Mendonça Filho,
2016).
Figura 40 – Apartamento de Clara.
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Assim, a arquitetura fílmica do lugar guarda memórias, como apontado por explorada pelo diretor Woody Allen através das suas imagens emblemáticas que
Montoro e Guercio (2018, p.8): “O espaço de Aquarius é o álbum de fotografias em reforçam o imaginário da cidade (SILVIA, 2015, p. 62), destacando os monumentos,
que cada imagem da memória de Clara está registrada”, afirmação essa que elementos esses que escrevem as identidades e os signos dos lugares (ALMEIDA,
condiz com descrito pelo diretor de arte do filme, Thales Junqueira: 2015, p.13), criando um passeio foto-filmográfico que forma o quadro parisiense
(SILVA, 2015, p.55) (Figura 42). Allen, descrito como “cineasta das cidades” por
utilizar o espaço urbano como protagonista das suas obras (ALMEIDA, 2015, p.9),
Um apartamento moderno, contemporâneo, embora com matéria atua como um guia para o espectador, apresentando-o a Cidade Luz (COLNAGO,
carregada de memória. Um espaço de bem-estar (e também sombras)
que fosse a topografia da intimidade de Clara, reunindo suas histórias, 2012, p.72).
afetos, assombros e arquivos. (2017, p.154).
Meia-noite em Paris (2011) O passeio por Paris é iniciado logo no começo do filme onde uma
No filme Meia-noite em Paris (Woody Allen, 2011), por exemplo, a cidade sequência de cenas da cidade, a nível da rua e vista aérea, são mostradas criando
não apenas localiza o espectador no tempo e no espaço, mas também é um panorama geral do espaço que será explorado ao decorrer do filme. As
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viagens no tempo realizadas pelo protagonista, Gil, permitem que o espectador 3.3. Arquitetura fílmica enquanto personagem: como identificar?
conheça a cidade em três temporalidades diferentes, retratando o processo
A partir das referências anteriores é possível traçar uma forma de
evolutivo da cidade e das pessoas que a habitam (NASCIMENTO, 2016),
identificar a arquitetura como personagem. Em um primeiro momento, percebe-se
amplificando o protagonismo dessa diante da narrativa. Assim, como apontado
que a edificação ou a cidade personagem são os espaços onde a narrativa se
por Colnago (2012, p.79): “Paris [...] não é apenas o locus da ação, mas
desenvolve com maior frequência.
personagem capaz de capturar a atenção do público e fazê-lo apaixonar-se por
Nota-se também que ao decorrer da narrativa, o espaço é apresentado ao
ela.”. A capacidade da cidade se tornar personagem da narrativa, portanto, está
espectador ao longo das cenas: na categoria de edificação, as cenas exploram o
atrelada a forma como essa é apresentada ao decorrer do filme, fazendo com
ambiente em destaque através de planos abertos (figura 43), enquadramentos na
que o espectador a compreenda como um organismo vivo através de suas
fachada ou em cômodos (Figura 44) e passeios com a câmera pelo espaço
características.
(Figura 45), enfatizando também como o local é habitado (Figura 46).
Porém, é válido destacar que a representação das cidades no cinema,
como no caso do filme em questão, são um recorte feito pelo diretor, com o intuito
Figura 43 – Plano aberto do apartamento de Clara, de Aquarius (2016).
de atender a narrativa da obra. Como afirmado por Woody Allen, a Paris do filme
é reflexo da sua forma de olhar, que não condiz com um entendimento profundo
sobre as questões políticas, econômicas, entre outras, que acabam por excluir
produções arquitetônicas mais contemporâneas e regiões mais periféricas. Assim,
o recorte da cidade apresentado no filme, simboliza a Paris de Woody Allen, ao
mesmo tempo que dialoga com o fascínio do protagonista.
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| Arquitetura enquanto personagem no cinema | ARQUITETURA FÍLMICA COMO PERSONAGEM: COMO IDENTIFICAR? | | Arquitetura em Cena |
Figura 45 – Passeio com a câmera pelo espaço da casa de vidro, Figura 47 – Funcionamento da cidade do filme Meia Noite em Paris.
de A Casa do Lago (2006).
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| Arquitetura enquanto personagem no cinema | ARQUITETURA FÍLMICA COMO PERSONAGEM: COMO IDENTIFICAR? | | Arquitetura em Cena |
Figura 50 – Pessoas habitando a cidade do filme Meia Noite em Paris. A ameaça dos cupins é uma metáfora do assédio que a personagem
Clara sofre ao longo do filme, sorrateiro, tácito, até que se torna perigoso
e, quiçá, letal. Não apenas isso, mas os cupins também apresentam a
ideia da morte que acompanha o ser humano durante toda a vida, mas
que, na velhice, é mais patente, e está mais próxima. (MONTORO;
GUERCIO, 2018, p.8)
Por fim, no filme Meia Noite em Paris (2011), como apontado por Colnago
(2012, p.79): “Paris [...] não é apenas o locus da ação, mas personagem capaz de
Fonte: Meia Noite em Paris, 2011. capturar a atenção do público e fazê-lo apaixonar-se por ela.”. A capacidade da
cidade se tornar personagem da narrativa, portanto, está atrelada a forma como
No filme A Casa do Lago (2006), por exemplo, o significado metafórico da
a imagem dessa é apresentada ao decorrer do filme, ressaltando os valores que a
casa é evidenciado nas falas do protagonista, quando o mesmo relaciona a
constituem, fazendo com que o espectador a compreenda como um organismo
materialidade e a forma da obra ao relacionamento familiar e a personalidade do
vivo através de suas características. Assim, o recorte da cidade apresentado no
mesmo. O estilo moderno da casa, por si só, já atribui significado simbólico a obra,
filme, simboliza a Paris de Woody Allen, ao mesmo tempo que dialoga com o
pois o estilo arquitetônico é uma forma de dar identidade aos espaços e conduzir
fascínio do protagonista.
as expectativas do público em relação a narrativa apresentada (COLNAGO, 2018,
Sintetizando a discussão e respondendo à pergunta que intitula este tópico,
p.68), e neste sentido, é possível perceber desde os materiais predominantes, aço
a arquitetura fílmica como personagem pode ser identificada a partir da forma
e vidro, até a forma de implantação, pilotis que suspendem a edificação sobre o
como o espaço é mostrado ao decorrer da narrativa, bem como a partir da
lago, o caráter técnico da edificação, bem como a condição socioeconômica
compreensão dos valores que a imagem dessa arquitetura representa dentro do
daqueles que a habitam/habitaram. Por fim, pode-se pontuar também a
contexto geral da narrativa, que levantam significados e permitem o diálogo com
interferência da casa na narrativa, uma vez que essa foi o motivo que conectou o
personagens e a interferência dessa na história.
casal protagonista.
Já no filme Aquarius (2016), o valor emocional e sentimental atribuído ao
edifício e o apartamento pelos personagens, é o que confere significados a
imagem dessa arquitetura fílmica, que dialoga com o sentimento de nostalgia e
rememoração desses, simboliza as memórias da protagonista e interferem na
narrativa por ser o principal motivo do desenvolvimento da história, devido ao seu
valor sentimental. Além disso, a conexão entre Clara e o edifício permite a
construção de uma metáfora:
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Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017)
Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018)
Parasita (Bong Joon Ho, 2019)
04
CAPÍTULO
ANÁLISES
| ANÁLISES | CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS FILMES | | Arquitetura em Cena |
4.1. Critérios de seleção dos filmes cultural, por ditar os filmes que merecem serem assistidos devido a sua qualidade
e assim, influenciar na escolha dos espectadores (HOLANDA, 2013, p.8),
De modo geral, os filmes analisados neste trabalho atenderam a dois
impactando no consumo da cultura de massa.
critérios principais:
Neste sentido, considerar como recorte deste trabalho os filmes indicados
ao Oscar entre 2017 e 2022, permite analisar como a arquitetura, através da sua
• Filmes indicados ao Oscar nas categorias de Melhor Direção de Arte entre
imagem tem sido representada, atualmente, enquanto personagem da narrativa
os anos de 2018 e 2022 26;
cinematográfica em obras cinematográficas relevantes no contexto atual, devido
• Filmes em que a arquitetura fílmica é classificada como personagem,
a sua com qualidade técnica e de grande alcance na cultura de massa.
atendendo aos parâmetros estabelecidos na Ficha de Seleção.
E considerou-se a categoria de Melhor Direção de Arte como ideal para
este recorte, por esse ser o departamento responsável pela criação do espaço-
A seguir, serão aprofundadas e justificadas as escolhas destes critérios.
visual para câmera, ou seja, o espaço fílmico onde a arquitetura fílmica encontra-
se inserida.
Oscar e Direção de Arte
Ficha de seleção
O Oscar foi criado em 1927, com o objetivo de exaltar o caráter artístico das
produções cinematográficas de Hollywood, garantindo o prestígio e o status das
Para escolher os filmes que foram analisados neste trabalho, criou-se uma
mesmas (Ibidem, p.1). Atualmente, a premiação elege os melhores filmes e
ficha de seleção, onde as produções inseridas dentro do recorte estabelecido
profissionais de toda a indústria cinematográfica, sendo considerada uma das
foram selecionadas a partir dos parâmetros estabelecidos nessa, criados a partir
mais importantes do cinema.
das referências estudadas no capítulo anterior.
As indicações e escolhas dos ganhadores são realizadas pelos membros da
Incialmente, são pontuadas as informações gerais sobre a obra: Título
academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Los Angeles, EUA) 27. Em razão da
(tradução e original), ano de lançamento, diretor geral e de arte, e a
sua popularidade, a premiação atua como um importante fator na indústria
categoria/ano da indicação ao Oscar.
26
Os filmes inseridos no recorte podem ser conferidos nas fichas nos apêndices do trabalho.
27
Devido a esta especificidade, algumas obras passam despercebidas, muitas vezes de forma
Na sequência, são apontados os espaços predominantes do filme, ou seja,
injusta, pela premiação. Segundo um estudo do Los Angeles Times (2016), constatou-se que esse os espaços onde a narrativa se desenvolve com maior frequência e sua categoria,
eleitorado é composto majoritariamente por homens (76%) e brancos (93%), sendo apenas 2%
negros e menos disso, latinos. Essa homogeneidade, consequentemente, reverbera na premiação, edificação ou cidade. A partir disso, inicia-se uma análise prévia da arquitetura
uma vez que o que agrada os membros é o que reflete suas vivências socioculturais (THEOBALD,
2019). Além disso, a busca por filmes de caráter artístico culmina na exclusão de uma série de fílmica..
filmes que também contribuem na construção da cultura popular, como os blockbusters. Porém,
esse contexto vem sendo modificado ao longo dos anos, as indicações do filme Pantera Negra Na categoria “Edificação como personagem”, a arquitetura fílmica precisa
(Ryan Coogler, 2018) são um exemplo, sendo o primeiro filme de super-herói a ser indicado a
categoria de Melhor Filme e o primeiro a ter uma mulher negra, Hannah Beachler, indicada na
atender aos seguintes parâmetros relacionados a maneira como a edificação é
categoria de Melhor Design de Produção. mostrada ao decorrer da narrativa:
Fonte: THEOBALD, Debora. Oscar: Pantera Negra, filmes de super-heróis e o elitismo cultural.
Valkirias, 2019. Disponível em: < https://valkirias.com.br/oscar-pantera-negra-filmes-de-super-
herois-e-o-elitismo-cultural/>. Acesso em: 06 de jun. de 2022.
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| ANÁLISES | CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS FILMES | | Arquitetura em Cena |
• Ter seu espaço explorado pela câmera ao decorrer das cenas através dos
planos abertos, enquadramentos de fachadas, ambientes e volumes,
movimentação de câmera pelos espaços etc.;
• Ter sua forma de habitar evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
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Quadro 02 – Quadro síntese dos dados das fichas de seleção, com destaque para os filmes selecionados.
Casa de Elisa ✓ X X X ✓
A Forma da Água 2017
Centro de pesquisa aeroespacial ✓ X X X ✓
Parlamento ✓ X X X X
O Destino de Uma Nação 2017
Casa de Churchill X ✓ X X X
Casa de Neil ✓ ✓ X X X
O Primeiro Homem 2018
Centro de treinamento X X X X X
A Favorita 2018 Palácio ✓ ✓ X X X
Circo ✓ ✓ X X X
O Beco do Pesadelo 2021
Consultório da Dr. Lilith ✓ X X X ✓
Como a cidade é mostrada ao decorrer da narrativa No contexto geral da narrativa
A forma de habitar
A cidade é A cidade possui
Arquitetura Fílmica O funcionamento da a cidade é A cidade dialoga
Filme Ano explorada ao significado simbólico, A cidade interfere
Predominante cidade é mostrado evidenciada nas com os
decorrer das metafórico ou na narrativa
através das cenas cenas ao longo da personagens
cenas sentimental
narrativa
Blade Runner 2017 Los Angeles ✓ ✓ ✓ ✓ X X
Dunkirk 2017 Dunkirk X X X X X X
Pantera Negra 2018 Birnin Zana ✓ ✓ ✓ ✓ X X
4.2. Edificação como personagem: Parasita (2019) O espaço em questão, também assume uma dimensão simbólica (MIGUEL,
2002; BARROS, 2012), uma vez que “habitar é um ato simbólico” (PALLASMAA,
Como abordado anteriormente, a arquitetura através da sua imagem, é
2016, p.8).
capaz de situar o espectador no tempo e no espaço, bem como comunicar os
O cinema, por sua vez, explora esta simbologia; segundo Fernandes (2012,
valores sociais, econômicos, culturais e ideológicos que permeiam a narrativa, isso
p.114), a casa nas obras cinematográficas também são espelhos de seus
porque “As construções da arquitetura concretizam a ordem social, ideológica,
habitantes, onde é possível perceber aspectos psicológicos e sociais dos mesmos.
cultural e mental” (PALLASMAA, 2013, p.124).
Seguindo os critérios de seleção, a arquitetura fílmica do filme Parasita
As edificações, segundo Pallasmaa (2013, p.63) são imagens espaciais e
(Bong Joon Ho, 2019) foi analisada, a fim de compreender como a edificação, em
materiais do ‘estar no mundo’, indo além da sua forma física, sendo também “as
especial a casa, a partir de sua imagem na obra cinematográfica, atua como
projeções mentais e a exteriorização da imaginação e memória do ser humano”
personagem na narrativa.
(Idem, 2016, p.103).
Ainda segundo o mesmo autor (2013, p.120), apesar da diversidade de
Parasita (2019)
funções que uma edificação pode abarcar, todas essas derivam da essência do
ato de habitar, sendo a casa a mais potente atividade projetual da arquitetura,
junto com as edificações para culto (Ibidem). O filme Parasita (2019) 28, dirigido por Bong Joon Ho, é considerado um
Para Miguel (2002), a casa é a representação mais elementar da longa-metragem de comédia, drama e terror 29, que narra a relação entre duas
arquitetura, e como já abordado no capítulo três, é um espaço que responde ao famílias de classes socioeconômicas distintas, que habitam a capital da Coreia do
modo de vida dos moradores e às características da paisagem onde está inserida. Sul.
Neste sentido, Pallasmaa (2013, p.125) afirma: No filme em análise, o retrato das famílias é traçado através da dualidade
impressa nos ambientes domésticos como escassez e excesso, confinamento e
amplitude (ARQUICAST, 2020), claro e escuro, alto e baixo (COSTA, 2020, p.244),
Nosso domicílio é o refúgio e a projeção de nosso corpo, memória e 28
Para uma maior compreensão da análise, recomenda-se assistir ao filme.
identidade pessoal. Estamos em constante diálogo e interação com o 29
Fonte: IMDB Parasite. 2019. Disponível em: < https://www.imdb.com/title/tt6751668/>. Acesso em:
ambiente, a tal ponto que é impossível desconectar a imagem da
novembro de 2021.
identidade pessoal de seu contexto espacial e situacional 30
Sabe-se que “Kim” não o sobrenome da família em questão, porém, será utilizado nesta análise o
termo “família Kim” para designar a família menos abastarda da qual Kim Ki-taek é o pai.
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A filha da família Kim.
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que essa está inserida (MCARINI, 2020). Flight (2020) destaca a intenção do
Figura 57 – Entrada da casa dos Park.
diretor de usar o sol para ilustrar as classes sociais, justificando a presença
constante de luz na casa: “Eles [família Park] são mais altos na sociedade, mais
altos fisicamente [em relação a implantação da casa na cidade] e, portanto, mais
perto do sol”. Esta metáfora criada em torno do sol foi fundamental para o
desenvolvimento da casa, uma vez que considerou-se o deslocamento solar para
a construção da arquitetura fílmica em questão (MCARINI, 2020) (Figura 57).
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O começo do filme, que a família vai entrando na casa é quase um filme privacidade, proporcionado ritmo e escala ao ambiente (PALLASMAA, 2016, p.97).
de assalto [...] o que acaba virando um comunicado sobre a casa do rico
[...] ela é quase um banco para você entrar nela [...] você tem quase que Deste modo:
fazer uma operação de assalto ao banco para você poder [...] participar
dessa realidade. (ARQUICAST, 2020)
A representatividade dos elementos arquitetônicos Sendo a luz natural, nesta obra cinematográfica, um indicador de status
Segundo Pallasmaa (2013, p.129), assim como o conceito de arquétipo social e a janela uma articuladora dessa, o elemento em questão exerce um papel
desenvolvido por Carl G. Jung, que consiste na tendência que uma imagem tem importante na linguagem cinematográfica do filme; segundo o diretor da obra:
para evocar emoções, reações ou associações, devido a resíduos mentais antigos, “Quanto mais pobre, menos janelas ou janelas menores. Quanto mais rico, mais
a arquitetura também é constituída por imagens que suscitam experiências, janelas e janelas maiores” (MCARINI, 2020)
sensações e associações primitivas, denominadas de imagens primordiais. Na casa da família Kim, das duas únicas janelas existentes no local, a janela
A casa é uma das imagens primordiais da arquitetura (Ibidem). Nessa, da sala/cozinha ganha destaque durante as cenas (Figura 58). Esse elemento não
identifica-se com maior clareza outras imagens arquitetônicas também exerce nenhuma função plástica ou estética no ambiente, apenas proporciona
primordiais, a exemplo de: parede, piso, teto, janela, porta, janela, escada, cama, uma mínima entrada de luz e ventilação, mostrando-se insuficiente, como é
mesa e banheiro (Ibidem). possível notar pelo ambiente escuro, pelo tamanho do varal de roupas e pela
Neste tópico, pretende-se compreender como algumas das imagens dificuldade que o inseticida tem para se dissipar na cena da dedetização (Figura
formação das casas como personagens fundamentais para o desenvolvimento Nesta última cena, assim como na cena da urina (Figura 60) e da enchente
Janela casa, essa encontrar-se no mesmo nível da rua, resultando em uma relação ruim
As janelas são pontuadas por Pallasmaa como os “olhos da casa que entre casa e exterior. Sobre essa janela, Sousa (2020, p.71) afirma que:
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Figura 60 – Homem urinando próximo a janela dos Kim. Num mundo dominado pelo smartphone, a sala da família rica não tem
televisão. Como num cinema, o confortável sofá se volta para a
contemplação do jardim e da luz, através de uma enorme abertura de
vidro em widescreen. A janela é, ela mesma, a tela. E, enquanto na casa
pobre ela se abre para uma rua suja e turbulenta, aqui ela enquadra uma
massa verde de arbustos, que metaforiza um mundo exterior idealizado,
purificado e protegido.
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| ANÁLISES | Edificação como personagem: Parasita (2019) | | Arquitetura em Cena |
imagem primordial, mas também pela importância que o diretor da obra atribuiu destacada na cena (Figura 64) e, associada ao roteiro quando Ki-woo conta seu
a luz solar, traduzindo esta relevância através da arquitetura fílmica. desejo de ir para a universidade, representa a busca pela mudança de vida:
Ki-woo: “Papai, eu não vejo isso como falsificação ou crime, eu vou para a
universidade no ano que vem.”
Kim Ki-taek: “Ah, uh, então você tem planos, há?”
Ki-woo: “Eu só imprimi o diploma um pouco adiantado.” (PARASITA, 2019)
Porta
Sendo uma das imagens primordiais da arquitetura, a porta, assim como a
janela, também é um elemento arquitetônico simbólico e expressivo no cinema
Fonte: Parasita, 2019.
(CHAGAS, 2008, p.49).
Segundo Pallasmaa (2016, p. 102-103), este elemento é a antecipação do Figura 64 – Porta de entrada da casa da família Kim, saída de Ki-woo.
espaço que está por vir, que protege e convida simultaneamente. Por ser uma
delimitadora de espaços, para Chagas (2008, p.50), atravessá-la significa partida
ou invasão e o oposto pode significar confinamento ou interdição; já para
Fernandes (2012, p.65) a porta indica mudança ou passagem de um lugar para o
outro.
No filme em análise, pode-se apontar três portas importantes: a primeira, é
a porta da casa dos Kim: quando Min 35 visita o local, o enquadramento do
Fonte: Parasita, 2019.
elemento na cena em que esse personagem entra na moradia (Figura 63), marca
uma mudança na história da família, a partir da oferta de emprego para Ki-woo 36.
E quando esse último vai para a entrevista na casa dos Park, a mesma porta é A segunda, é a porta de entrada da casa dos Park (Figura 65). Quando Ki-
35
Amigo de Ki-woo.
woo a atravessa pela primeira vez, significa não apenas a passagem para uma
36
Filho da família Kim.
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| ANÁLISES | Edificação como personagem: Parasita (2019) | | Arquitetura em Cena |
nova realidade, mas também a esperança de uma mudança de condição social, além de ter um grande sistema de segurança, possui materiais
requintados e um tamanho fora dos padrões [...] demonstra o poder e as
assim como na situação anterior. boas condições financeiras de quem habita aquele lugar para quem o
visita desde o ingresso no local
Escadas
Sobre o elemento em questão, Souza (2020, p.78) afirma que:
A escada, segundo Chagas (2008, p.50), é um importante elemento desde o
começo da civilização. Ao longo da história, este elemento esteve associado a
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metáforas e símbolos que ultrapassaram sua função prática, representando ideias dos Park, você sobre uma escada para seus quartos; na dos Kim, você
sobe uma escada para a privada.
cosmológicas, espirituais, autoritárias, de poder, status, hierarquia, entre outras
(PALLASMAA, 2000, p. 65).
Segundo Fernandes (2018, p.60), o aspecto morfológico da escada interfere Figura 68 – Escada para os quartos na casa da família Park.
quanto maior for o cobertor [piso] e menor o espelho, mais lento será o
acesso e o caráter será mais monumental. Por outro lado, quanto maior
for o espelho e menor o cobertor, maior será o ângulo de inclinação das
escadas, oferecendo maior rapidez na subida bem como uma maior
carga dramática. (ibidem, tradução nossa)
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| ANÁLISES | Edificação como personagem: Parasita (2019) | | Arquitetura em Cena |
é preciso dar atenção especial ao banheiro. Lee [o cenografo do filme] aumentando a carga dramática e enfatizando a metáfora de decadência que o
afirma que ter o vaso sanitário acima do nível do resto da casa é
relativamente comum, no cenário, no entanto, o vaso está o mais próximo ambiente inferior representa na narrativa.
possível do teto. é quase um templo do excremento. [...] o banheiro do
pobre tem o nível mais alto do que qualquer expectativa. É ali que o Wi-Fi
roubado se conecta. É dali que sairá o líquido preto que desce da parte
Figura 70 – Bunker da família Park.
alta da cidade com o que sobrou de tudo, após a inundação
Além disso, a cena em que os personagens sobem esta escada para ter
acesso ao Wi-Fi (figura 65), segundo Souza (2020, p.79) é o primeiro indício de
que, ao decorrer da narrativa, será necessário subir escadas para alcançar
melhores condições de vida.
Esta afirmação também condiz com representatividade da escada de
entrada para a casa dos Park. O acesso a moradia por essa, assim como
atravessar a imponente e protegida porta de entrada, aponta para a possibilidade Fonte: Parasita, 2019.
de ascensão social daqueles que a sobem, assim como ressalta a alta condição Figura 71 – Escada do bunker.
daqueles a habitam o local; este último caso é acentuada pelo sol que banha Ki-
woo a medida em que esse avança pelos degraus, levando em consideração que
o contato com o sol está diretamente ligado as condições sociais, como explicado
no tópico sobre janela.
Além da escada de entrada, mais duas se destacam dentro da casa: a que
dá acesso ao pavimento superior, um ambiente privado que pouco a pouco os
membros da família Kim conseguem acessá-lo, indicando a introdução desses na
vida intima dos Park; e a escada do bunker.
O bunker (Figura 70), assim como a casa dos Kim, essencialmente cumpre Fonte: Parasita, 2019.
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| ANÁLISES | Edificação como personagem: Parasita (2019) | | Arquitetura em Cena |
além de evidenciar a distinção social já citada, também indica o declínio na 4.3. Cidade como personagem: Blade Runner 2049 (2017) e Pantera Negra
história da família, que tem a casa tomada pela água que escorre das regiões
mais altas e privilegiadas e inunda com sujeira os bairros mais carentes.
(2018)
A relação entre cidade e cinema acontece desde o surgimento da segunda
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| ANÁLISES | Cidade como personagem: Blade Runner 2049 (2017) e Pantera Negra (2018) | | Arquitetura em Cena |
As cidades utópicas estão presentes em diferentes manifestações artísticas, “[...] enquanto nas utopias positivas a luta ideológica é feita pela oposição
dos próprios ideais aos ideais alheios, nas utopias negativas apresentam-
imagéticas ou não, a exemplo da literatura, pintura, cinema e urbanismo. Segundo se os ideais adversários deturpados ou potencializados de tal maneira
que apareçam como repulsivos [...] a utopia negativa não nos apresenta
Lage (2019, p.3), é no humanismo renascentista que surgem as primeiras cidades uma alternativa ao que está sendo criticado.”
utópicas, idealizadas por pintores e literatos dentro do pensamento racional e
científico em ascensão naquele momento, impondo a racionalização dos espaços
Segundo Caúla (2008, p.13) para a criação destes espaços, sejam esses
físicos e da vida de quem os habitam.
utópicos ou distópicos, o cinema dialoga com outras formas de utopias e suas
No início do século XIX, diante do crescimento da sociedade industrial, o
pluralidades, a exemplo da arquitetura e do urbanismo. Ainda segundo a mesma
planejamento da cidade maquinista era motivo de reflexão para diversos
(2019, p.150b), através da criação de uma utopia urbana em um filme, a cidade
pensadores, historiadores, economistas, políticos etc. O “Pré-Urbanismo”, como
utópica pode tornar-se um personagem fundamental ou até principal da
definido por Françoise Choay (1992, p.2-3), agrupa o conjunto de pensadores
narrativa.
generalistas que se preocuparam com as questões da cidade industrial,
Atendendo aos critérios de seleção estabelecidos anteriormente, os filmes
associadas às relações sociais.
em que a cidade foi identificada como personagem da narrativa foram Blade
Posteriormente, consolidou-se o “Urbanismo”, diferindo do movimento
Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017) e Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018), sendo
anterior por ser desenvolvido por especialistas, os arquitetos, e por envolver teoria
o primeiro uma distopia e o segundo uma utopia. Essas foram analisadas, a fim de
e prática, ou seja, as ideias deveriam ser aplicadas (CHOAY, 1992, p.18). Entretanto,
compreender a atuação das cidades como personagem em ambas as narrativas.
as condições econômicas e administrativas das cidades reduzem o poder dos
urbanistas sobre o real, fazendo com que o urbanismo não escape totalmente à
dimensão do imaginário, ou seja, do utópico (Ibidem). Blade Runner 2049 (2017)
No século seguinte, as utopias urbanas no Urbanismo ganharam força,
sendo interrompidas nos períodos das grandes guerras, e continuadas A descrição de Santos (2005, p.132) para a Los Angeles de Blade Runner - O
posteriormente (CAÚLA, 2019, p.56b); os arquitetos modernistas traduziram as Caçador de Andróides (Ridley Scott, 1982), também pode caracterizar a cidade do
aspirações do movimento moderno, que desejava um mundo diferente dos filme subsequente, Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017) 37
modelos tradicionais, no ambiente construído “desde objetos da vida cotidiana ao
espaço urbano e regional” (LAGE, 2019, p.7).
Já no final do mesmo século, na Pós-Modernidade, os espaços urbanos a manifestação de um futuro garantido pela supremacia capitalista da
era pós-industrial [...] uma nova sociedade, cibernética, que aglomera
ganham relevância em outras expressões artísticas, como o cinema (LAGE, 2019, etnias e estilos arquitetônicos diversos, evidenciando os resultados de
anos de um uso híbrido dos espaços, muitas vezes não compatíveis e
p.9) sendo exploradas as distopias. Assim como as utopias, as cidades distópicas geradores de resíduos.
partem da insatisfação com a realidade e do desejo de mudança, segundo Lage
(2019, p.9), a diferença entre ambas é:
37
Para uma maior compreensão da análise, recomenda-se assistir ao filme.
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O capitalismo é caracterizado como uma configuração político-econômico ineficiência [...] pôde ser constantemente aprendido e vivido, não somente
contemplado”
impulsionada pela Revolução Industrial que ocorreu, inicialmente, nas potências
europeias, no final do século XVIII e início do século XIX, e posteriormente em
outros países do mundo (FREITAS, 20--?). Apesar de contribuir positivamente em Assim, a visualização do tecido urbano amplia a compreensão do papel
alguns aspectos, como nos avanços tecnológicos e na troca de informações, por que a cidade cumpre na narrativa. A exemplo da região central (Figura 73),
ser um sistema atrelado a produtividade e a competitividade do mercado, esse caracterizada pela forte presença dos arranha-céus e por estarem alocadas
também gera consequências negativas e atenua problemas sociais, como a instituições importantes da narrativa, como o Departamento de Polícia (Figura 74)
desigualdade social, a degradação ambiental, o consumismo, a desvalorização da e a Wallace Corporation (Figura 75); e a região periférica da cidade é formada
identidade local, entre outros. Segundo Cardoso, Marinho e Oliveira (2017, p.5): por aglomerados de construções que denunciam a alta densidade do espaço
urbano e a ausência de áreas verdes, sendo composta por edifícios de diferentes
tamanhos que cobrem a vista das ruas.
“na sociedade capitalista, a cidade se desenvolve incorporando na sua
estrutura e funcionamento, os componentes da lógica do capital”
Figura 73 – Arranha-céus do centro da cidade.
“Foi a partir do cinema e suas tomadas aérea das cidades que o tecido
urbano repleto de significados contraditórios - esplendor vesus
Fonte: Blade Runner 2049, 2017. Adaptada pela autora.
decadência [...]; desenvolvimento vesus destruição [...]; tecnologia versus
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A densidade de uma cidade pode ser consequência de diversos aspectos, Figura 77 – Las Vegas
cidade de Los Angeles, insinuando uma possível ameaça à vida urbana (VARELLA, adensamento da cidade em discussão, resultante do crescimento populacional
2021, p.113) e destacando a crise do meio-ambiente. O Distrito e a cidade vizinha urbano, já previsto estatisticamente pela ONU 40, e a migração, tendo em vista a
são coadjuvantes da história que, através da temática ambiental, atuam ao lado presença multirracial visível na cidade, ambos possíveis de serem notados nas
da protagonista contribuindo com a construção da narrativa. cenas que ocorrem no centro da cidade e no nível da rua (Figura 78).
40
Fonte: UNITED NATIONS. 68% of the world population projected to live in urban areas by 2050,
38
O Distrito de San Diego, localizado fora da “grande Los Angeles”, caracterizado como o local de says UN. 2018. Disponível em: <https://www.un.org/development/desa/en/news/population/2018-
processamento de resíduos da cidade vizinha revision-of-world-urbanization-
39
Las Vegas, é a cidade vizinha abandonada devido à contaminação radioativa que a tornou prospects.html?utm_medium=website&utm_source=archdaily.com.br>. Acesso em: 16 de mar. de
inóspita 2022.
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No espaço urbano central, além do adensamento, é possível que este capitalismo, visto que promove o aumento quantitativo da produção (Ibden, 2018,
fenômeno esteja atrelado aos conceitos de modernização e status social, visto p.6) e consequentemente a geração de capital e lucro.
que esta região é onde se localizam instituições importantes da narrativa, como já Segundo Fernandes (2019, p.57), a relação entre publicidade e cidade não é
citado. nova, tornando-se quase onipresentes no meio urbano. Venturi, Brown e Izemour,
em “Aprendendo com Las Vegas'' (2003), também discutem a presença da
A cidade sob a luz das publicidades
publicidade na paisagem urbana, estando essa inserida na arquitetura. Alguns
Também nota-se na paisagem urbana em análise, a acentuada presença
aspectos apontados por esses autores podem ser observados na arquitetura
dos painéis publicitários. A cidade predominantemente escura, apresenta como
fílmica em análise.
pontos de contraste 41 as luzes dos edifícios, os letreiros neons, telas e hologramas
A arquitetura da persuasão, é um exemplo; os autores definem este
(Figura 81).
conceito como a arquitetura que comunica através de símbolos e palavras para a
Figura 81 – Contraste entre a cidade escura e a claridade dos painéis publicitários. persuasão comercial, sendo essa “uma arquitetura mais de comunicação do que
de espaço” (VENTURI; BROWN; IZEMOUR, 2003, p.33) onde a comunicação
prevalece sobre o espaço e o sinal gráfico torna-se a arquitetura; assim “a
arquitetura nessa paisagem se torna mais símbolo no espaço do que forma no
espaço” (Ibidem, p.40).
Observa-se no filme que a arquitetura que compõe a cidade de Blade
Runner 2049, não carrega uma identidade e, como discutido por Varella (2021,
p.128), a personalização dessa é proveniente de outros aspectos, como as
publicidades. Desta maneira, os painéis publicitários passam a fazer parte e, até
mesmo, se sobressaem a arquitetura (Figura 82).
Fonte: Blade Runner 2049, 2017. Adaptada pela autora.
41
Essa estética claro-escuro está associada ao estilo de filme noir, que por sua vez remete a
estética expressionista (VARELLA, 2021, p.76) e que conecta essa produção ao primeiro filme da
série (Ibidem, p.113). A estética noir é classificada pelo crítico francês Nino Frank em 1946, para
caracterizar os filmes de suspense em voga nos anos 1940, ambientados no meio urbano, com
temática criminal, anti-heróis e com influência do expressionismo alemão. Fonte: CABRAL, Danilo
Cezar. Aprenda a identificar um filme noir - histórias cheias de suspense e traição, com um estilo
visual e narrativo que marcou as décadas de 40 e 50. 2020. Disponível em:
<https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-um-filme-noir/>. Acesso em: 20 de mar. 2022.
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identidade é um dos componentes apontados por Kevin Lynch (1989, p.18) como
importante para compreensão da imagem da cidade, em conjunto com a
estrutura e o significado. Este componente é definido pelo autor como a
individualidade e particularidade que caracteriza determinado ambiente (Ibidem,
p.18).
Ainda segundo o mesmo, a imagem da cidade é constituída por elementos,
classificados em: vias, limites, bairros, cruzamentos e elementos marcantes
Fonte: Blade Runner 2049, 2017. Adaptada pela autora.
(Ibidem, p. 57). O cinema faz uso da imagem da cidade, principalmente
explorando os elementos marcantes; para Name (2003), tais elementos 43 são a
expressão visual da cidade, e inseridos na narrativa cinematográfica adquirem
A escala das publicidades é outra característica abordada por Venturi,
“contornos dramáticos que vão além da localização geográfica”.
Brown e Izemour (2003, p.33); as grandes dimensões dos letreiros e painéis
O espaço fílmico de Blade Runner - O Caçador de Androides, por exemplo,
publicitários, segundo os autores, é justificada pela necessidade de que esses
explora os elementos marcantes da cidade de Los Angeles: é possível identificar
sejam notados a distância e rapidamente em paisagens formadas por grandes
edificações locais, como o Bradbury Building (Figura 83 e 84). Mas, seu sucessor
espaços, com altas velocidades e programas complexos; o que condiz com o
não apresenta elementos urbanos marcantes que caracterizam a cidade onde a
espaço fílmico de Los Angeles de Blade Runner 2049, onde os grandes painéis
narrativa acontece. Esta falta de identificação/identidade também é pontuada por
publicitários correspondem a escala da arquitetura que constitui a paisagem da
Varella (2021, p.128):
cidade, as movimentações urbanas intensas e a velocidade do meios de
transporte, como as naves.
Neste sentido, percebe-se que as publicidades além de contribuírem para a
toda personalização que se vê nas ruas da Los Angeles de 2049 vem na
construção da linguagem cinematográfica da obra, também são mais um aspecto forma de projeções holográficas ou emanações [...], associadas à
publicidade ou aos acessórios digitais dos habitantes. Sem eles, é como se
que compõem a caracterização da cidade-personagem em discussão, pois reflete a cidade se apagasse, deixasse de ter cor, luz ou identidade própria.
fatores do sistema socioeconômico que constitui a narrativa. E a cidade, apesar de
fictícia, carrega consigo questões das cidades reais
Sendo a Los Angeles de Blade Runner 2049 uma cidade capitalista, é
provável que esta ausência esteja atrelada a globalização. Esse fenômeno,
Identidade, globalização e generalização
segundo Silva e Eidt, leva a homogeneização, coloca fim às fronteiras geográficas,
A diversidade de estilos arquitetônicos 42 também é outra característica da
cidade de Los Angeles que aponta para a ausência de identidade local. A Ainda segundo a mesma, a brutalidade que o estilo carrega é condizente com a sensação de
desumanização que a cidade como um todo expressa.
43
Name (2003) utiliza o termo “ícones urbanos” para caracterizar imagens que remetem a
42
Varella (2021, p.114-115), destaca a presença do estilo brutalista para o Departamento de Polícia, expressão visual de uma determinada cidade, como a Estátua da Liberdade remete a Nova Iorque
que também é presente na Wallace Corporation. Segundo a autora, a escolha pelo estilo foi dada e a Torre Eiffel remete a Paris. Os ícones urbanos estão inseridos no conceito de elementos
devido a busca por uma arquitetura atemporal, descolada do contexto e que causasse marcantes apresentado por Lynch, pois esses são caracterizados como os objetos físicos que se
estranhamento, uma vez que o espectador estadunidense é pouco habituado a essa estética. tornam pontos de referência para uma cidade (Lynch, 1989, p.59).
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enfraquece as tradições e insere os espaços em um único sistema econômico, o Os efeitos do capitalismo na cidade são estudados por diversos autores, a
capitalista (2012, p.167), impactando também na identidade das sociedades exemplo de Rem Koolhaas. A Cidade Genérica, por exemplo, é um conceito
(Ibidem, p.184). O impacto da globalização na cidade em análise, também é apresentado pelo autor que segundo Pantaleão (2014), é uma cidade resultante
destacado Newton (2018): da revolução informacional e das disposições econômicas do capitalismo que
visam novos modos de ocupação urbana. Inseridas no mesmo sistema, é possível
notar congruências entre a cidade descrita por Koolhaas e a criada por
O futuro é homogêneo, um efeito colateral da super globalização. No Villeneuve. A já citada ausência de identidade (KOOLHAAS, 2010, p.36), por
momento em que uma cultura universal se sobrepõe a qualquer
identidade local, Los Angeles e San Diego são a mesma coisa, assim exemplo, é uma destas semelhanças:
como qualquer pequena cidade da Califórnia se parece com qualquer
lugar remoto da China.
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urbana e a degradação ambiental, são apresentadas de maneira acentuada, e consequentemente seu povo, evitando mais uma possibilidade de exploração do
levantando uma crítica sobre o sistema. continente africano, como ocorreu inúmeras vezes ao longo da história.
Coube a esta análise, portanto, compreender como a arquitetura fílmica
enquanto personagem, foi capaz de simbolizar e metaforizar o conturbado Figura 86 – Localização do país Wakanda, na África.
44
Para uma maior compreensão da análise, recomenda-se assistir ao filme.
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A construção do espaço a partir do olhar do negro S’Thebe (ARCHITIZER, [201-?]), construído em 2016. Para Ross (2020, p.41, tradução
A valorização das tradições africanas atreladas aos avanços tecnológicos é nossa):
explorada pelo Afrofuturismo “uma estética cultural, filosofia da arte e da história
que une elementos e valores da cultura africana com tecnologia, ficção científica e
elementos que remetem ao futuro” (ALMEIDA, 2020, p.19) e que “existe para Esse projeto permite que os moradores do município mudem
tangivelmente a narrativa de seu próprio presente e futuro (que foi
reconfigurar as narrativas do passado, presente e futuro para defender construído pela supremacia branca, particularmente durante o apartheid)
criando comunidades, educando em ofícios comerciais e fornecendo um
identidades negras” (ROSS, 2020, p.8, tradução nossa). Por meio de Birnin Zana, é local para os vendedores venderem mercadorias e serviços
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comunidade local através da construção de um espaço educacional para a aldeia Ainda segundo a mesma autora (2018), “Wakanda traz à vida as aspirações
de Burkina Faso, carente de estruturas para tal. da ‘Cidade Chocolate’, um conceito que ganhou popularidade ao lado do
Também em outras obras, Kéré faz uso de recursos locais, de baixo custo e movimento afrofuturista”, essa pode ser caracterizada como “uma cidade onde
mão de obra da comunidade local vinculados a soluções sustentáveis, que afro-americanos [estadunidenses] constituem a maioria dos residentes e são seus
resultam em construções socialmente importantes para diversas comunidades na líderes políticos e econômicos” (MOCK, 2018).
África. Segundo o arquiteto em questão 47, “[...] o afrofuturismo já está começando Assim como o Afrofuturismo, as “Cidades Chocolate” possuem o
e nós precisamos olhar cada vez mais para a África”, pois “elementos africanos propósito de enxergar o desenvolvimento do espaço urbano a partir da
tinham sido negligenciados ou nem tinham sido considerados como perspectiva do negro, pois
arquitetônicos”.
Ross também classifica a arquitetura fílmica do filme em questão, como
uma obra afrofuturista, pois apesar de ficcional, essa, em conjunto com a quando você nasce negro em um mundo projetado para pessoas
brancas, viver em uma ‘cidade chocolate’ é provar uma riqueza
narrativa cinematográfica, apresenta uma nova perspectiva para um futuro pró- inquantificável. Ele dá um ângulo único de visão, uma lente alternativa
para ver o poder mundial (HOPKISON, 2012 apud MOCK, 2018).
negro (ROSS, 2020, p.36), ao imaginar a África não colonizada e distante da
guerra civil, violência, fome, entre outros males sociais ligados a imagem
estereotipada do continente em questão; e assim, valorizando as comunidades Forma e matéria urbana de Wakanda
africanas e negras ao apresentarem novos pontos de vista sobre suas narrativas, Ao observarmos o espaço urbano de Birnin Zana (Figura 88), percebemos
utilizando, majoritariamente, ideais africanos para a concepção do espaço e uma arquitetura fílmica que difere das demais utopias tecnológicas, pois
consequentemente fortalecendo a identidade cultural dos mesmos.
Assim, a capital de Wakanda levanta novas possibilidades sobre os espaços
urbanos: segundo Walker (2018), a obra cinematográfica em questão a tecnologia não é explorada como uma força suprema de progresso,
mas como um complemento a costumes longevos consolidados,
justamente por resistirem à prova do tempo (LEITE, 2020, p.106).
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Fonte: Pantera Negra, 2018. Além das referências locais, a diretora de arte do filme, Hannah Beachler,
também buscou referências nos volumes curvilíneos das obras de Zaha Hadid
A partir do levantamento das construções tradicionais africanas realizado
(Figura 91 e 92). Para a diretora, a organicidade dos projetos da arquiteta atribui
por este (Ibidem) (Figura 89), é possível estabelecer uma relação entre a forma
um caráter biomiméticos as edificações:
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Você poderia pegar alguns de seus edifícios e colocá-los em uma floresta tendência moderna 48 para ser aplicada nas edificações na cidade em questão
tropical ou colocá-los nas montanhas e parece natural [...] por causa dos
picos e curvas e do jeito que seus edifícios são [...] Isso é outra coisa que (SEYMOUR, 2018).
eu queria para Wakanda. Eu não queria ser como, ‘Aqui está esta gigante
grande e incrível cidade de Dubai!’ [...] Eu queria que fosse inspirador e
majestoso, mas não como, 'Oh, isso é Nova York. Isso é Manhattan’.
Figura 93 – Exemplo de edifício contemporâneo com fachada verde: Villa M, Triptyque Architecture,
Precisava se sentir como um pedaço da natureza. (BEACHLER, 2018 apud 2019.
WILSON, 2018)
Fonte: Zaha Hadid Architects, 2014 A cidade sustentável é geralmente fortalecida se grande parte de seu
sistema de transporte puder se dar por meio da ’mobilidade verde’, ou
seja, deslocar-se a pé, de bicicleta ou por transporte público. Esses meios
Sustentabilidade e qualidade do espaço proporcionam acentuados benefícios à economia e ao meio ambiente e
reduzem o consumo de recursos, limitam as emissões e diminuem o nível
A importância da natureza na arquitetura fílmica da capital de Wakanda, de ruídos.
pode ser notada não somente através da utilização das formas orgânicas, mas
também pela presença constante de vegetação na paisagem. As fachadas verdes
(Figura 93), por exemplo, foram analisadas pelo departamento de arte como uma 48
Cabe ressaltar que o uso de vegetação nos edifícios existe desde o Antigo Oriente, como a
exemplo dos jardins da Babilônia (SANTOS, 2017).
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Figura 94 – Cena que destaca os transportes públicos de Birnin Zana. variedade de estilos arquitetônicos, densidades de construção e sistemas
de transporte, imaginados pela designer de produção Hannah Beachler.
Leite (2020, p.106) aponta que “nesta utopia o urbanismo não é formado
pelas mesmas ‘forças de mercado’ que ditam o planejamento urbano no
Ocidente” resultando em um espaço urbano permeável e sem segregação
espacial, não sendo possível notar a presença de subúrbios e periferias (Ibidem).
Essas forças, também são responsáveis pela formação de cidades
com edifícios individuais, cada vez mais isolados, autossuficientes e indiferentes
(GEHL, p.3). E contrário a isso, constatando a afirmação de Leite, as cenas em
Birnin Zana mostram a efervescência das inter-relações nos espaços públicos,
estimulada pelas atividades comerciais e pela escala da arquitetura (figura 89).
Nota-se que a arquitetura fílmica dos espaços públicos apresentados
durante a narrativa (Figura 95) condiz a escala da velocidade do deslocamento a
pé, onde “os espaços são pequenos, os edifícios mais próximos e a combinação Fonte: Pantera Negra, 2018.
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| ANÁLISES | Cidade como personagem: Blade Runner 2049 (2017) e Pantera Negra (2018) | | Arquitetura em Cena |
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“As cidades e as edificações, assim como outros objetos
feitos pelo homem, estruturam nossas experiências exis-
tenciais e lhes conferem significados específicos”
CAPÍTULO
ANÁLISE DOS RESULTADOS
| Análise dos resultados | | Arquitetura em Cena |
De maneira geral, as análises neste trabalho procuraram observar os O aspecto plástico das edificações também atenua esta contradição, onde
diferentes aspectos que compõem as arquiteturas fílmicas analisadas, formas e materiais constroem uma estética que no imaginário arquitetônico são
abrangendo desde elementos arquitetônicos, ambientes, plasticidade, capazes de associar-se a determinadas condições sociais.
infraestrutura e conforto até às paisagens e tecidos urbanos. E isso foi possível, Até mesmo valores políticos são possíveis de serem pontuados como
devido a forma como estas arquiteturas foram exploradas ao decorrer das cenas fatores de contradição entre as duas realidades econômicas, afinal, o abrigo de
das obras cinematográficas selecionadas. proteção contra-ataques de guerra, ambiente consequente dos conflitos políticos
As casas do filme Parasita (2019), por exemplo, são apresentadas logo no entre as Coreias, é utilizado de maneira diferente nas duas realidades: para o mais
começo da narrativa: à medida que Ki-woo procura pelo sinal de Wi-Fi, as cenas rico, é mais um cômodo da casa; para o mais pobre, é a casa por completo.
exploram os espaços da casa da família Kim, mostrando também a forma como É evidente, portanto, como a imagem da arquitetura das casas é utilizada
essa é habitada. Da mesma maneira, a casa da família Park também é mostrada como símbolo das condições socioeconômicas das famílias e, quando colocadas
ao decorrer das cenas, sendo literalmente apresentada pela governanta do local em contraposição, ilustram uma crítica às desigualdades sociais.
a Ki-woo e, ao mesmo tempo, ao espectador. E ambas as moradias continuam As metáforas construídas por essa arquitetura fílmica, em sua maioria,
sendo exploradas ao longo do filme. estão relacionadas aos elementos arquitetônicos que constituem as imagens
Já as cidades fictícias de Los Angeles, em Blade Runner 2049, e a capital de primordiais da arquitetura: a janela, por exemplo, através do seu tamanho e da
Wakanda, Birnin Zana, são mostradas por meio de tomadas aéreas e cenas ao quantidade de luz solar filtrada por essa, representa uma metáfora para o status
nível da rua que capturam as edificações, os transportes e as pessoas que social e privilégios das famílias. Já a porta, foi utilizada na narrativa como um
constituem a cidade. elemento que marca a mudança na história dos personagens; e a escada,
É a partir da observação por meio destas cenas, que podem ser metaforiza em diversos momentos do filme, a ascensão e a decadência, social e
compreendidas as imagens da arquitetura e os valores carregados por essa. moral, dos personagens ao longo da trama.
Neste sentido, em Parasita (2019), percebe-se que as casas como personagens da Já a interferência dessa arquitetura na narrativa é notada na casa dos
narrativa, representam através das suas imagens, os valores daqueles que a Park, a partir da descoberta do Bunker, que muda os rumos da história.
habitam. No caso desta obra, os valores socioeconômicos são os mais As cidades fictícias de Blade Runner 2049 (2017) e Pantera Negra (2018),
evidenciados pela narrativa e, consequentemente, pela arquitetura fílmica a partir mostram como a cidade enquanto personagem, simboliza os valores da
da contraposição entre a classe alta e baixa, personificada nas famílias Park e sociedade da narrativa, e sendo essas distopia e utopia, respectivamente,
Kim e em suas casas. apresentam novas visões sobre o contexto atual, e assim, constroem metáforas
O contraponto é traçado, principalmente pela qualidade do ambiente, como sobre as cidades reais.
apontado na análise: a relação entre espaço interno e externo, o acesso a O primeiro filme, por exemplo, imprime uma imagem fatídica da sociedade
iluminação e ventilação, a infraestrutura e a implantação. capitalista através da arquitetura fílmica da cidade em questão, dominada pelas
forças de mercado que tratam o solo urbano como uma mercadoria, gerando
espaços altamente densos e verticalizados. Outros aspectos que compõem a
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| Análise dos resultados |
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CF
“Os fantásticos ou visionários esboços de projetos não
realizados por arquitetos têm sido a muito tempo reconhe-
cidos como contribuições importantes para a história da
arquitetura. Os projetos cenográficos arquitetônicos
merecem ocupar posição semelhante”
(NEUMANN, 1999, p.9 apud SANTOS, 2005, p.20-21)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
| Considerações finais | | Arquitetura em Cena |
O cinema é uma arte que permite experimentações arquitetônicas, além de algumas matérias e vídeos no YouTube, que ainda são escassos tendo em vista a
ser uma importante ferramenta de representação da arquitetura, facilitando a importância do tema.
compreensão e suscitando reflexões acerca dos espaços. Estudar a arquitetura no De modo geral, este trabalho contribui com o estudo sobre as relações
cinema, permite a concepção de espaços mais sutis e responsivos, pois possibilita entre arquitetura e cinema e, devido aos seus recortes, é apenas uma parte do
compreender como a imagem da arquitetura se comunica de maneira vasto campo a ser explorado e aprofundado a partir da continuidade da
inconsciente com as pessoas. investigação do papel da arquitetura fílmica como personagem abordado nesta
Sabendo que a arquitetura pode assumir diferentes papéis dentro do pesquisa, bem como de outros papéis que essa possa cumprir.
cinema, este trabalho concentrou-se no papel da arquitetura como personagem e
buscou compreender como esse atua na construção da narrativa
cinematográfica.
Constatou-se, portanto, que a arquitetura enquanto personagem atua
através da representação de valores associados às experiências humanas,
contribuindo com a construção da narrativa cinematográfica ao comunicar-se
com o espectador por meio da imagem da arquitetura amplamente explorada
através das cenas.
Para desenvolver as análises fílmicas deste trabalho, que consideraram
obras relevantes do cinema contemporâneo, foi necessário observar a arquitetura
para além dos seus aspectos visíveis, e buscar por valores que os antecedem e
por vezes os determinam, representados através da imagem da arquitetura. O
exercício de analisar o espaço arquitetônico a partir desta perspectiva possibilitou
compreender que, a atuação da arquitetura fílmica como personagem nas
produções atuais tem estado relacionada a problemáticas da sociedade
contemporânea.
Durante a pesquisa teórica, percebeu-se que são poucos os trabalhos
acadêmicos que abordam as relações entre arquitetura e cinema, resultando na
dificuldade de encontrar referências acadêmicas, sendo necessário explorar
outros tipos de fonte, como matérias jornalísticas, podcasts, vídeos, entre outras.
Ainda sobre isso, vale destacar também a falta de trabalhos acadêmicos que
tratam das relações entre a arquitetura e o Afrofuturismo. É possível encontrar
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RF
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PARASITA; Direção: Bong Joon Ho. Produção: Barunson E&A Corp. Coreia do Sul,
2019. (131min)
PLAYTIME – tempo de diversão; Direção: Jacques Tati. Produção: Jolly Film. Itália,
1967. (124min)
VONTADE Indômita; Direção: King Vidor. Produção: Warner Bros. Estados Unidos,
1949. (141min)
VIAGEM à Lua; Direção: Georges Méliès. Produção: Star Film. França, 1902. (14min)
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AP
APÊNDICES
Ficha de Seleção Ficha de Seleção
Nome do filme: Parasita (Gisaengchung) Ano: 2019 Nome do filme: Blade Runner 2049 Ano: 2017
Diretor: Bong Jooh-ho Diretor de Arte: Lee Há-Jun Diretor: Denis Vlleneuve Diretor de Arte: Paul Inglis
✓
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
A cidade é explorada pela câmera ao decorrer das cenas.
✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
✓ A forma de habitar a cidade é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
✓ A edificação possui significado simbólico, metafórico ou sentimental. ✓ A cidade possui significado simbólico, metafórico ou sentimental.
Nome do filme: Pantera Negra (Black Panther) Ano: 2018 Nome do filme: Dunkirk Ano: 2017
Diretor: Ryan Coogler Diretor de Arte: Rachel Morrison Diretor: Christopher Nolan Diretor de Arte: Nathan Crowley
Como a cidade é mostrado ao decorrer da narrativa: Como a cidade é mostrado ao decorrer da narrativa:
✓ O funcionamento da cidade é mostrado através das cenas. x O funcionamento da cidade é mostrado através das cenas.
✓ A cidade é explorada pela câmera ao decorrer das cenas. x A cidade é explorada pela câmera ao decorrer das cenas.
✓ A forma de habitar a cidade é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. x A forma de habitar a cidade é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
Nome do filme: A Bela e a Fera (Beauty and the Beast) Ano: 2017 Nome do
A Forma da Água (The Shape of Water) Ano: 2017
Sarah Greenwood e filme:
Diretor: Bill Condon Diretor de Arte:
Katie Spencer Diretor: Guillermo del Toro Diretor de Arte: Dan Laustsen
x
A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da
No contexto geral da narrativa: narrativa.
x A edificação possui significado simbólico, metafórico ou sentimental.
x
No contexto geral da narrativa:
A edificação dialoga com os personagens.
x A edificação possui significado simbólico, metafórico ou sentimental.
x A edificação interfere na narrativa.
x A edificação dialoga com os personagens.
Nome do filme: O destino de Uma Nação (Darkest Hour) Ano: 2017 Nome do filme: Roma Ano: 2018
Diretor: Joe Wright Diretor de Arte: Bruno Delbonnel Diretor: Alfonso Cuarón Diretor de Arte: Eugenio Caballero
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas. ✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. ✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
x A edificação possui significado simbólico, metafórico ou sentimental. x A edificação possui significado simbólico, metafórico ou sentimental.
Nome do filme: O Retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns) Ano: 2018 Nome do filme: O Primeiro Homem (First Man) Ano: 2018
Diretor: Rob Marshall Diretor de Arte: John Myhre Diretor: Damien Chazelle Diretor de Arte: Linus Sandgren
✓ A cidade é explorada pela câmera ao decorrer das cenas. Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
x A forma de habitar a cidade é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. ✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
Nome do filme: A Favorita (The Favourite) Ano: 2018 Nome do filme: O irlandês (The Irishman) Ano: 2019
Diretor: Yorgos Lanthimos Diretor de Arte: Robbie Ryan Diretor: Martin Scorsese Diretor de Arte: Bob Shaw
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas. x O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
Nome do filme: 1917 Ano: 2019 Era Uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time in
Nome do filme: Ano: 2019
Diretor: Sam Mendes Diretor de Arte: Roger Deakins Hollywood)
Barbara Ling e Nancy
Diretor: Quentin Tarantino Diretor de Arte:
Haigh
Arquitetura Fílmica Predominante
Local Tipo
Não há, pois os espaços variam com frequência ao Arquitetura Fílmica Predominante
-
decorrer das cenas. Local Tipo
Não há, pois os espaços variam com
-
Edificação como personagem frequência ao decorrer das cenas.
Edificação: -
Edificação como personagem
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Edificação:
x O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
x O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
No contexto geral da narrativa: x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
Nome do Nome do
Tenet Ano: 2020 Relatos do Mundo (News of the World) Ano: 2020
filme: filme:
Diretor: Christopher Nolan Diretor de Arte: Hoyte van Hoytema Diretor de
Diretor: Paul Greengrass David Crank
Arte:
Arquitetura Fílmica Predominante
Local Tipo Arquitetura Fílmica Predominante
Local Tipo
Cofres Edificação Não há, pois os espaços variam
com frequência ao decorrer das -
cenas.
Edificação como personagem
Edificação: Cofres
Edificação como personagem
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Edificação: -
✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas. Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. x O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
Nome do filme: Meu Pai (The Father) Ano: 2020 Nome do filme: Mank Ano: 2020
Diretor: Florian Zeller Diretor de Arte: Peter Francis Diretor: David Fincher Diretor de Arte: Donald Graham Burt
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas. ✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. ✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
Nome do filme: Jojo Rabbit Ano: 2020 A Voz Suprema do Blues (Ma Rainey’s Black
Nome do filme: Ano: 2020
Diretor: Taika Waititi Diretor de Arte: Ra Vincent Bottom)
Diretor: George C. Wolfe Diretor de Arte: Mark Ricker
Arquitetura Fílmica Predominante
Local Tipo Arquitetura Fílmica Predominante
Local Tipo
Casa de Jojo Edificação
Sala da banda Edificação
✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. ✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
x A edificação dialoga com os personagens. ✓ A edificação possui significado simbólico, metafórico ou sentimental.
Nome do filme: The Tragedy of Macbeth Ano: 2021 Nome do filme: Amor Sublime Amor (West Side Story) Ano: 2021
Diretor: Joel Coen Diretor de Arte: Stefan Dechant Diretor: Steven Spielberg Diretor de Arte: Janusz Kamiński
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Como a cidade é mostrado ao decorrer da narrativa:
x O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas. x O funcionamento da cidade é mostrado através das cenas.
x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. ✓ A cidade é explorada pela câmera ao decorrer das cenas.
Nome do filme: Duna (Dune) Ano: 2021 Nome do filme: Ataque dos cães (The Power of the Dog) Ano: 2021
Diretor: Denis Villeneuve Diretor de Arte: Greig Fraser Diretor: Jane Campion Diretor de Arte: Ari Wegner
Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa: Como a edificação é mostrado ao decorrer da narrativa:
x O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas. ✓ O espaço da edificação é explorado pela câmera ao decorrer das cenas.
x A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa. ✓ A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da narrativa.
Circo Edificação
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A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da
narrativa.
x
A forma de habitar a edificação é evidenciada nas cenas ao longo da
narrativa.