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A PONTE ROMANA SOBRE O RIO DE TORNADA: uma nótula

José Lopes Coutinho

08.01.2021

UNIR OS PONTOS

Para delinear o traçado de uma estrada romana, os investigadores possuem

muitas vezes indícios seguros para os guiar, referências literárias fiáveis, pontes,

restos de calçada romana, ou algum dos marcos miliários que orlavam esses

caminhos milenares. Outras vezes, porém, o investigador encontra-se desamparado

e sem apoio. Sabe que teria de existir caminhos a unir as cidades e villas romanas,

que há barreiras físicas intransponíveis e rios por cruzar, o que ele faz, por

contingência, é inventariar ou assinalar num mapa topográfico ou carta militar os

lugares onde se encontraram vestígios culturais dos romanos e projectar nesse

mapa o trajecto provável de uma dada via como se estivesse a unir pontos num

papel para obter um desenho.

Esta nossa perspectiva poderá parecer simplista ou caricatural, mas não se

afasta muito da realidade e esses caminhos atribuídos aos lugares pelos estudiosos,

excepto quando comprovados por descobertas arqueológicas, são muitas vezes

revistos e refeitos por terceiros, mesmo por aquilo que se conhece da arquitectura e

da engenharia romana. Os romanos eram um povo prático que não desperdiçava

meios e construíam e alinhavam os seus caminhos de uma forma o mais directa

possível, por vezes admiravelmente rectilíneos, sem o fazer ziguezaguear para tocar

em todos os lugares onde deixaram marcas das suas povoações e actividades

económicas; o que sucedia era que nestes caminhos ou vias principais se


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imbricavam outros caminhos de diferente importância e preceito de construção (por

vezes simples caminhos de terra batida) que tinham a sua origem em aldeias,

minas, explorações agro-pastoris, ou portos fluviais – veias e artérias da sua

economia e da sua sociedade (entenda-se sociedade ibero-romana, romanizada).

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A PONTE

A ponte romana da qual partilhamos algumas imagens é uma ponte em arco

sobre a ribeira de Tornada, bastante para o interior, não é a única ponte romana da

dita região oeste1, nem mesmo a única do concelho das Caldas, ergue-se na extrema

de três freguesias diferentes (Vidais, Alvorninha e Salir de Matos) que tiveram a

feliz iniciativa de se unirem para a limparem de mato e caniços; e a sua importância

ficou sublinhada no âmbito do projecto CARACA – Carta Arqueológica de Caldas da

Rainha, projecto coordenado pelo Instituto Politécnico de Tomar. É de fácil acesso e

visível da estrada municipal 567 entre as Caldas da Rainha e a Ribeira dos Ameais

(coordenadas 39°24'10.5"N / 9°05'00.6"W), para quem já tenha ido à feira de Santana

pelas Caldas e Imaginário fica em caminho, a cerca de um quilómetro do desvio na

estrada N114-1.

1
A “região oeste” sempre nos pareceu uma designação demasiado artificial e forçada, sem identidade ou
raízes, com uma roupagem de produto desvitalizado de marketing de gabinete.
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OS PONTOS

A ponte em arco fica no centro de uma pequena nuvem de lugares que

revelaram achados romanos mais ou menos consistentes (nomeadamente Caldas,

Tornada, A-dos-Francos, Salir de Matos , e o Casal de Santo Amaro da freguesia de

Salir de Matos onde se supõe ter existido uma villa romana, Rio Maior, ou Gaeiras-

Óbidos), pelo que, mesmo a unir os pontos e a atender às cotas do relevo da zona,

se torna prematuro atribuir esta ponte a este ou àquele caminho, podendo ser

apenas uma ligação de uma rede de caminhos romanos de tipologia diversa. A

principal via romana da região unia as cidades de Eburobrittium (Quinta das

Flores, Gaeiras) e Collipo (monte de S. Sebastião do Freixo, Batalha) e é opinião

consensual dos estudiosos que ela passaria a oeste deste ponto, tocando

tangencialmente as Caldas pelo Avenal e Casal Belver e dirigindo-se pelas alturas

para Salir de Matos e Valado de Santa Quitéria, para descer para terrenos de

planície perto de Alfeizerão.

Outra via é adiantada por Mário Saa (vide o nosso apontamento sobre o

autor) entre Santarém/Scallabis e Alfeizerão por Rio Maior; Scallabis era, como o

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próprio nome indica, a capital do Convento Escalabitano, uma unidade

administrativa da Província da Lusitânia que englobava a nossa região, no entanto,

e por acréscimo ao que Mário Saa projectou, faz algum sentido que a dita via, em

vez de se dirigir a Alfeizerão, fosse ligar à via acima mencionada que unia

Eburobrittium e Collipo, e o ponto de junção das duas vias poderia ser Salir de

Matos onde uma epígrafe registada evoca a segunda cidade: a lápide sepulcral de

Sulpícia, irmã de Calleco, natural de Collipo. Voltando à estratégia dos pontos no

mapa e do desenho de caminhos, a ponte romana sobre a ribeira de Tornada está

convenientemente posicionada entre um caminho para Rio Maior e Santarém, e o

caminho que da ponte prossegue para Salir de Matos pelos Infantes, num vale que

tem numa colina sobranceira uma localidade com um nome curioso: Torre.

Num ensaio inconsequente e sem veleidades, e usando como ferramenta o

Google Maps, “traçamos” dois caminhos paralelos a pé posto entre esta ponte

romana e a villa romana de Rio Maior, distante pouco mais de 17 quilómetros. E

com essa brincadeira encerro esta nota leve e breve.

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