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A EPIGRAFIA ROMANA NA FREGUESIA DE ALFEIZERÃO – uma relação

(As inscrições e a sua problemática)

José Eduardo Lopes Coutinho

Junho de 2019

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INTRODUÇÃO

Os vestígios epigráficos romanos na freguesia de Alfeizerão é um tema que pela sua riqueza e

coerência necessita ser revisto, trabalho que enfrenta uma dificuldade incontornável: a quase totalidade

das ocorrências epigráficas que aí se verificaram, carecem de existência física do objecto original,

sobrevivendo apenas as suas transcrições publicadas, que em última instância são insuficientes, mesmo

depois de crivadas pela análise e pela crítica.

Neste breve e condicional apontamento, limitamo-nos a listar as ocorrências epigráficas que

encontramos e a incorporar alguns elementos que lhes são implícitos, precedendo esse pálido

“inventário” de algumas poucas considerações de contexto sobre o território e as vias que o

atravessavam.

O território da freguesia inseria-se na Civitas ou município de Eburobrittium (Conventus

Scallabitanus da Lusitânia), cujos domínios ocupavam uma faixa costeira entre o mar e as serras de

Montejunto e Candeeiros, tendo por limite sul a ribeira de Alcabrichel e por limite norte a Lagoa da

Pederneira (FIDALGO, 2008-10, p. 57). Este enquadramento territorial aconselha a guardar alguma

prudência em descartar uma inscrição romana apenas por conter o topónimo Eburobrittium, já

identificada com as ruínas da cidade romana escavada a nordeste da vila de Óbidos, na zona da Quinta

das Flores, Gaeiras (já caducou a controvérsia entre quem defendia e quem contestava que a cidade se

situaria em Alfeizerão). Alfeizerão situava-se dentro do município de Eburobrittium (Conventus

Scallabitanus), e a sua lagoa abrigada deve ter sido importante para o povoamento e comércio desse

tempo, o que estaria na raiz dos assentamentos romanos assinalados no lugar das Ramalheiras e que

Vasco Gil Mantas (MANTAS, 1986) considera poder identificar-se com a cidade romana de Araducta

referida por Ptolomeu e que em todo o caso formaria um vicus portuário de suficiente importância para

justificar a construção ou renovação no tempo do imperador Adriano de um troço de estrada romana (o

marco miliário romano estudo por MANTAS, 1986).

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As outras localidades da zona em que foram assinaladas inscrições romanas situam-se próximas a

este eixo viário de primacial importância ou a estradas subsidiárias que a ligavam a outros lugares e villae

romanos. Algumas dúvidas se levantam sobre o traçado exacto das vias romanas junto a Alfeizerão. Do

que foi enunciado por Vasco Gil Mantas sobre as vias romanas na sua tese de doutoramento (MANTAS,

1996, apud. FIDALGO, 2008-2010) com reformulações efectuadas pelo próprio e por outros

investigadores (FIDALGO, 2008-2010, p. 67 e ss., BARBOSA, 2008), é proposto que a estrada de

Eburobrittium a Collipo sairia de Óbidos perto do santuário do Senhor da Pedra, e passaria por Caldas por

cotas mais elevadas – Casais do Belver, Coto e Salir de Matos (epigrafia, villa romana), a partir do qual

tocaria o Valado de Santa Quitéria e o Casal do Aguiar, de onde desceria para Vale de Maceira,

alcançando a cidade romana sita nas Ramalheiras1; julgamos que em alternativa e neste troço final, é

pertinente que depois do Valado a via romana cruzasse pelos Charnais (referência literária a um “caminho

velho”) e Casal Velho (notícia de vestígios de estrada romana) e descesse por onde se situa hoje a

Cadarroeira, aproximando-se das Ramalheiras por um percurso não muito diferente do actual Caminho

do Vale do Moinho (do qual voltaremos a falar aqui).

Este traçado da via romana foi complementado por outros autores e pelo próprio Vasco Mantas

(FIDALGO, 2008-2010, p. 67 e ss., BARBOSA, 2008), apontando um caminho paralelo a cotas inferiores que

partindo de Tornada toma a direcção do Casal da Ponte, tocando a Quinta Nova de S. José (onde Mantas

assinala vestígios romanos) e o Pedrógão, onde foi posto a descoberto por José Carvalhais uma necrópole

luso-romana (CARVALHAES, 1903), de onde contornaria a Lagoa até às Ramalheiras, Cabecinhos e

Alfeizerão (os vestígios romanos no castelo e no corpo da vila). Das Ramalheiras e pelo sopé dos montes,

o Vale da Cela, a via romana seguiria para norte na direcção de Alcobaça pelo Rebolo, Cela e Vestiaria

(BARBOSA, 2008, p.29)

1
José Carvalhais: «Por escavações, a que mandei proceder neste local, pude ainda encontrar restos de alicerces de habitações á profundidade
variável de 1m,15 a 0m,80. Devia ter ocupado uma área de cêrca de 300 metros por 200 de largo, partindo para O. da estrada das Caldas; de facto
encontrou-se grande quantidade de restos de ímbrices, de tegulas e de tijolo, no solo, em toda esta extensão» (CARVALHAES, 1903, p. 92).

Esta zona foi intensamente urbanizada, além de coberta na sua orla direita pela abertura do acesso à A8, mas a área ocupada pelas novas
construções que aí existem não coincide com a área rectangular estimada por Carvalhais, formando um polígono irregular semelhante a um
trapézio rectângulo que na berma da estrada tem a sua maior extensão, 380 metros, mas que se estende para norte desta por uma área cujo lado
ocidental mede 176 metros e o lado oposto apenas 74 metros, com algumas áreas não urbanizadas no interior desse espaço. Uma criteriosa
prospecção arqueológica é ainda possível e desejável. Uma pessoa amiga mostrou-me fragmentos de telha romana (tégula ou tegulae) que
recolheu nos campos imediatamente a norte da área urbanizada.
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Figura 1: Detalhe do mapa com a lagoa de Alfeizerão e a estrada romana.

Os pontos assinalam a existência ou notícia de vestígios romanos (adaptado de BARBOSA, 2008, p. 39). O outeiro do Pedrógão, não contemplado
na figura, ficava na margem sul da lagoa, alinhado com o monte do castelo com uma precisão quase geométrica.

Na estrada romana de Tornada a Alfeizerão seria decalcada nos tempos da nacionalidade a

Estrada Real ou «caminho d’obidos que vay pera a çella;» (como se refere no foral de 1332, transcrito em

ALMEIDA, 1995, p. 108-113), da qual temos uma registo de viagem dos visitadores cistercienses Dom

Edme de Saulieu e Claude de Bronseval em 1532 (BRONSEVAL, 2003) - os dois religiosos desenrolam a sua

viagem a partir das Caldas numa estrada muito plana «por uma região arborizada, por entre vales e

colinas cobertas de pedra», cruzam o «rio da Mota» por uma ponte e avançam durante uma légua por um

vale ao pé de montes estéreis («montibus infecundis») para chegarem a Alfeizerão, os ditos montes

estéreis será presumivelmente a linha de colinas que a nascente corre paralela ao mar e a este caminho e

da qual se afastam para chegar à vila e ao seu castelo, onde pernoitam.

Alguns aspectos decorrentes deste cenário merecem ser apontados:

- Para alcançar o povoado/cidade romana que existiu nas Ramalheiras, a via romana vinda

do sul não poderia simplesmente cruzar a lagoa mas acompanharia as suas margens para nascente até

onde o rio de Alfeizerão que nela desembocava oferecesse uma amplitude “praticável” para se construir

uma ponte. Não conheço vestígios ou rumores sobre a existência de tal estrutura, mas em terrenos onde

tal começa a ser possível, nomeadamente, na encosta virada a norte junto ao actual Caminho do Vale do

Moinho, à “sombra” do viaduto da A8, tomei conhecimento por informação oral recolhida por esse

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dedicado estudioso das coisas de Alfeizerão que é Carlos Casimiro de Almeida, que se acharam aí em

tempos idos vestígios que muito presumivelmente serão romanos, como ânforas enterradas que as

lendas contavam que se havia encontrado quase intactas, ainda cheias de cereal e de azeite.

- As demarcações no foral de 1332 (ALMEIDA, id.), repetidas à letra no foral de 1422,

possuem algumas designações curiosas, como dois caminhos velhos que poderão indiciar troços de

estrada romana ainda em uso nesse tempo. Um deles é indeterminável, com dois topónimos de difícil

interpretação («casa de Leonardo» e «vale de Recobal» 2), mas o outro é menos críptico: caminho velho

de Charnais. No foral, também se mencionam diversos marcos, quase todos em cumes ou cabeços (como

a estrada romana conjecturada por Vasco Gil Mantas ou a povoação antiga e hodierna de Charnais);

poderiam ser fruto do labor da época para se demarcar os territórios de exploração senhorial ou virem de

tempos mais recuados e terem sido reutilizados como marcos de limite3. Um deles é relevante: “marco da

Barba Torta”. A Barba Torta é um topónimo que sobreviveu até aos dias de hoje, indicando uma zona

plana em volta da Estrada Nacional 8 que, grosso modo, se estende a meio caminho entre a saída norte

de Vale de Maceira e o desvio para a EN 242 e A8. No foral lê-se «marco que see [existe] no Cume de

Barva Torta» podendo aludir a qualquer um dos montes a nascente. Se com base em qualquer

reconstituição da lagoa de Alfeizerão no período romano, nós desenharmos um hipotético caminho na

sua orla sul-sudeste a partir da estação romana do Pedrógão, podemos constatar que ele cruza

efectivamente a zona da Barba Torta.

- A via romana mais litorânea que franqueava o acesso aos povoados e portos das lagoas

de Alfeizerão e da Pederneira, também tocava São Martinho do Porto na margem setentrional da

primeira lagoa, dado confirmado por uma inscrição de S. Martinho do Porto inventariada no Corpus… (CIL,

362, p. 39) que é descrita como existindo então no desembarcadouro velho numa «pedra de 7 palmos de

largura por cima e 9 por terra e 9 e meio de alto». Inscrição muito truncada, da qual só sobreviveram as

últimas palavras, de obscura interpretação: «[- - -] minus viola re noli».

2
Mesmo nos mapas militares não encontrei vestígios destes antigos topónimos. Conjecturalmente, Recobal poderia ter como raiz o latim
Recubat, que lhe conferiria o sentido de vale inclinado.

3
Nas demarcações do mesmo foral, menciona-se a granja do Souto onde existe ou see um «marco posto», ou seja, erigido, criado, deixando em
aberto a ideia de que havia marcos que existiam de antemão.
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Figura 2

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UMA RELAÇÃO

Partindo da inscrição no marco miliário do imperador Adriano, enunciamos os exemplos

conhecidos de inscrições romanas, entre elas as inscrições controversas reproduzidas pelo cronista Frei

Bernardo de Brito na Monarchia Lusitana (ano de 1597).

1 – Marco miliário de Adriano proveniente das Ramalheiras. Em estudo realizado por Vasco Gil Mantas
(MANTAS, 1986), obteve-se o texto latino: IMP/ CAESAR DIVI / TRAIANI . PAR/THICI F(ilius) . DIVI .
NE/5RVAE . NEPOS TR/AIANVS HADR/IANVS . AVGustus. PO. NT/ MAX. TR (ibunicia) . POT {estate) / V
{quinta) . CO{n)S(ul) . III (tertium) . FE[CIT]. A hermenêutica das palavras e abreviaturas conduziu à
seguinte leitura: «0 imperador César Trajano Adriano Augusto, filho do divino Trajano Pártico, neto do
divino Nerva, pontífice máximo, no seu quinto poder tribunício, cônsul pela terceira vez, fez. ».

Figura 3 – o marco miliário

Comentário: segundo Vasco Gil Mantas, e é essa a função dos marcos miliários, numa outra linha,

que se perdeu, o marco indicaria a distância contada a partir de um ponto de partida, que eventualmente

poderia ser Eburobrittium ou Collipo. Um fuste de coluna, sem inscrição, sobreviveu em Alfeizerão

juntamente com este marco miliário e mormente algumas obras o referenciam como um marco

anepígrafo (em que as letras teriam sido pintadas em vez de insculpidas) Vasco Mantas é de opinião que

seria de facto um segundo marco miliário «com o letreiro picado e a parte superior muito desbastada»

(MANTAS, 1986, p. 217).

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2 – Inscrição de uma estátua a Públio Lauro (BRITO, 1597). Interpretação de Bernardo de Brito:

«Aos cidadões, ou governadores de Eburobricio, poserão por decreto dos Decuriões com muyto boa

vontade esta estatua a Publio Lauro, filho de Lauro, hum dos dous varões do governo, por respeito do

aumento, & bem que fez a sua Republica».

Figura 4

Comentário:

O epigrafista Emílio Hübner (HÜBNER, 1871, p. 54), aludindo às inscrições de Bernardo de Brito

que mencionam Eburobrittium, que ele rejeita em conjunto como sendo falsas, advertia que do cronista

só se deveria aceitar como verdadeiras as inscrições que constituíam «lápides sepulchraes singelas».

Ignoramos se esse juízo draconiano o libertou de estudar as inscrições per si mas, por ironia, é um facto

que na epigrafia até agora revelada nas escavações da cidade romana da quinta das Flores, não há

nenhuma alusão ao nome da cidade, que só surge em inscrições dentro da área do município, estas de

Alfeizerão, e uma encontrada em Amoreira de Óbidos por Leite de Vasconcelos em 1897 - «EBORO__TT» -

cujo estudo foi retomado entusiasticamente por Borges Garcia (GARCIA, 1971, p. 458-460).

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3 – Memória de Sulpícia Avita, encontrada pelo cronista à porta do castelo de Alfeizerão, à parte

direita da entrada (BRITO, 1597). Leitura: «Quinto Servilio Avito, erdeiro de Gayo Servilio Lauro seu pay,

trabalhou que se pusesse esta memoria á custa do seu tesouro, a Sulpicia Avita, filha de Lucio» (Figura 5).

Francisco Rodrigues de Gusmão (GUSMÃO, 1876) explica esta lápide com as seguintes palavras: «Parece

ser a lápide funerária de uma senhora, que em testamento deixara encarregado de lhe prestar as

derradeiras honras a seu parente, talvez irmão, 2.º Servílio Avito; o qual deporia o nomen do que era seu

pai por natureza, conservando, como prescrevia o uso, o cognomen, e tomaria o de seu pai adoptivo, Gaio

ou Caio Servílio Lauro, de quem pela adopção, ficava igualmente constituído herdeiro».

Em 1721, o ouvidor da comarca de Leiria, Cristóvão de Sá Nogueira (NOGUEIRA, 1721) encontra a

mesma inscrição dentro do castelo de Alfeizerão (Figura 6), «à entrada da terceira porta a mão dereita», já

quebrada, da qual reproduz parcialmente as linhas, que a custo se identifica com as da inscrição da

Monarchia. Também no castelo e na casa seguinte, o ouvidor encontra uma outra inscrição, metida na

parede, cujos caracteres não lhe pareceram letras e não reproduz 4.

Figura 5

4
Terão porventura existido mais inscrições no castelo. Em 1758, o pároco Doutor Manuel Romão, em resposta aos Quesitos, afirma que o castelo
será obra dos romanos «pellas inscriçoiz que vi nelle em pedraz que se dedecavão a Senadores Romanoz» (IAN/TT, Memórias paroquiais, vol. 2, nº
53, p. 469). Nenhuma das inscrições deste levantamento, corresponde a esta alusão do pároco, não obstante a menção nelas a concelho ou
município e governadores.
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Figura 6

Comentário:

Atente-se na repetição do apelido Lauro da inscrição precedente. Na lápide sepulcral (Item 7) que

se diz ter sido encontrada no Reguengo da Parada, freguesia de Tornada em 1990 ocorre o mesmo

apelido, assim como o prenome Terência, que também se regista em Alfeizerão.

Avito, ou Avita, também era um apelido muito disseminado no município de Collipo, como o

comprovam os nomes de Dutia Avito (CIL, 341, p. 37) Avitae Rufi (CIL, 342, p. 37) e Frontonius Avito (CIL,

345, p. 38), de lápides que existiram no castelo de Leiria, ou de Flávio Avito em Cós (CIL, 344, p. 38). M. L.

Albertos, citado por Vasco Gil Mantas (MANTAS, 1982, p. 75), assinala que o apelido Avito é muito

comum nas zonas célticas, onde poderá recobrir um nome indígena. Da zona da Serra de S. Julião era

proveniente uma lápide sepulcral onde se menciona um Cecílio Avito, filho de Quinto, da tribo Galéria

(MANTAS, 1982, P. 72). No Rebolo, freguesia de Famalicão da Nazaré, bem próximo de Alfeizerão, surgiu

uma inscrição romana incompleta num cipó de calcário que Eduíno Borges Garcia (GARCIA, 1962, p.11)

copiou, logrando a seguinte tradução: «Aos Deuses Manes de Avitus, filho de Avitus, de 1 ano de idade, da

tribo Avitiano…» («DM / AVITVS / AVITI / ANI / AVITIANO»).

O prenome Sulpícia também parece ter sido comum na região. Em Salir de Matos encontrou-se

uma lápide romana copiada por Frei José de S. Lourenço (CIL, 353, p. 38), cuja tradução aproximada é a

seguinte: «Dedicado aos deuses manes [D. M. S.]. Aqui jaz Sulpícia, natural de Collipo, irmã de Calleco, a

qual faleceu na idade de 35 anos» (LEAL, 1878, p. 344).


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4 – Lápide funerária de Julia Marciana, dedicada pela sua filha Julia Recepta (BRITO, id.): «Julia

Recepta, fez por esta sepultura a Julia Marciana sua piadosa mãy, que morreo de sessenta anos» (Figura 7).

Esta pedra, «de letras mal polidas» foi encontrada pelo cronista junto à capela de Santo Amaro, a servir

de pé a um cruzeiro ou «Cruz de pedra».

Figura 7

Comentário:

Dois séculos depois de Brito, o cronista cisterciense Frei Manuel de Figueiredo (FIGUEIREDO,

1782) poderá ter encontrado o que restava dessa lápide – falando da capela de Santo Amaro,

testemunha: «Defronte desta ermida está um padrão despedaçado, com letras tão gastas que não

pudemos conhecer algumas nem formar conceito do que dirão».

José D’Encarnação e Beleza Moreira (D’ENCARNAÇÃO, 2010, p. 49) relacionam a Julia Marciana

desta inscrição com um Marciani que figura numa inscrição encontrada durante as escavações da cidade

de Eburobrittium, paralelismo que já havia sido feito antes por Vasco Gil Mantas, segundo os mesmos

autores.

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5 – Inscrição num aqueduto romano ou «canos d’agoa antigos»: «Os Decuriões de Eburobrício

fizerão restaurar á custa do Concelho, aquelle aqueducto» (BRITO, id.).

Figura 8

6 – Sob condição: Lápide sepulcral de Tólia Máxima, supostamente encontrada em Vale de

Maceira, lápide «levantada do chão uma vara» (CIL, 349, p. 38), cujo teor será aproximadamente o

seguinte: «Aos Deuses Manes, Cláudio Tiberiano fez por esta sepultura a Tólia Máxima, de 40 anos,

esposa pietíssima».

Figura 9

Comentário:

Possuímos muitas reservas em aceitar que esta lápide tenha sido encontrada em Vale de Maceira,

freguesia de Alfeizerão, e não em Maceira, concelho de Leiria. No Corpus a fonte apontada para esta

inscrição é o fólio 42 do Notícias manuscritas (ms.) de Leiria. Na página anterior, e com a mesma fonte

bibliográfica, é apresentada a lápide funerária de Tiberio Claudio Maximo, que se diz existir em «Val de

Maceira, em hum cunhal dos sinos desta freguesia de Maceira, junto ao chão» (CIL, 343, p. 37). A estreita

afinidade entre as duas inscrições e o lugar onde se encontrava esta última, num cunhal (da torre,

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supomos) dos sinos, torna pertinente que a inscrição reproduzida no CIL – 349 seja originária de uma

terra chamada Vale, de Maceira, Leiria, suspeita reforçada pela evidência de encontrarmos na actual

freguesia de Maceira alguns topónimos que integram Vale, como Vale Salgueiro ou Vale da Gunha, por

exemplo.

7 –Lápide sepulcral (Figura 10) encontrada em 1990 no Reguengo da Parada, freguesia de Tornada,

em que ocorrem os nomes Lauro (itens 1 e 2 desta lista) e Terencia. O texto apurado da inscrição (LOPES,

D’ENCARNAÇÃO, 1991) foi: «Aos deuses Manes. A Terência, filha de Lauro, de trinta e um anos. Júnia, a

mãe, mandou fazer à filha, modelo de piedade».

Figura 10

Comentário: Esta inscrição, no âmbito desta recolha, segue, por assim dizer, um percurso inverso

ao anterior, o de Tólia Máxima. No estudo sobre esta lápide, publicado por José D’Encarnação e Maria da

Conceição Lopes no Ficheiro Epigráfico, o suplemento da revista “Conímbriga” (UC, 1991), os autores

tiveram o cuidado de averiguarem sobre as condições em que foi encontrada: teria sido achada num

desaterro efectuado no Reguengo da Parada, em meio a outras pedras que pareciam compor uma ou

mais sepulturas antigas. Num número posterior, o 70, do Ficheiro Epigráfico ( revista “Conímbriga”, UC,

2002), que teve a coordenação do mesmo José D’Encarnação, é feita uma importante actualização na

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“Addenda et Corrigenda”: «Afinal, por informações posteriores (Novembro de 2001), parece que — apesar

dos pormenores do achamento descritos pelo presumível achador — a lápide terá provindo da villa

romana de Casal do Pardo (Alfeizerão, Alcobaça)».

A lápide sepulcral romana do Reguengo da Parada teria, afinal, o Casal do Pardo como seu lugar

de origem, informação já incorporada nas publicações e páginas electrónicas consagradas à epigrafia

romana, como pudemos confirmar no portal Hispania Epigraphica, onde tem o registo n.º 23100

(endereço electrónico:

http://edabea.es/pub/record_card_3.php?refpage=%2Fpub%2Fsearch_select.php&quicksearch=Casal+

do+Pardo&rec=23100, acesso mais recente a 4 de Junho de 2019)

8 – Lápide de Terência Camira. O primeiro autor que se lhe refere é Cristóvão de Sá Nogueira

(NOGUEIRA, 1721), que a descobre na vila a servir de assento à porta da casa de João de Caria Henriques

(Figura 11). Um quarto de século mais tarde, Frei Manuel de Figueiredo (FIGUEIREDO, 1782) descreve-a como

um padrão de mármore branco (Figura 12) que estava encostado ao cunhal das casas de António de Sousa,

da parte do norte, e ensaia uma interpretação: «Parece quer dizer que Terência Máxima, filha de

Quintino, pôs esta memória a sua filha Terência Camira». O texto da lápide foi revisto por Leite de

Vasconcelos (VASCONCELOS, 1902, p. 341), que o fixou assim: «A Terencia Camira, filha de Quinto, sua

mãe Terencia Maxima, filha de Doquiro (ou Doquirico), consagrou este monumento».

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Figura 11

Figura 12

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Fontes:

ALMEIDA, Carlos Casimiro de, Alfeizerão – Apontamentos para a sua História, Junta de Freguesia de
Alfeizerão, Alfeizerão, 1995.

BARBOSA, Pedro Gomes (Coordenação de) – A região de Alcobaça na época romana, edição do Município
de Alcobaça, Junho de 2008.

BRITO, Bernardo de, Monarchia Lusytana composta por frey Bernardo de Brito chronista geral e religioso
da ordem de s. Bernardo, professo no Real mosteiro de Alcobaça : Parte primeira que contem as historias
de Portugal desde a criação do mundo te o nacimento de nosso sñor Iesu Christo. - Alcobaça (Mosteiro ) :
per Alexandre de Siqueira & Antonio Aluarez : por mandado do R.mo Padre Geral Frey Francisco de S.
Clara, 10 Ianeiro 1597.

BRONSEVAL, Claude, Peregrinatio Hispanica 1531-1533, volume II, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,
2003.

CARVALHAES, José, "Antiguidades romanas de Alfazeirão", in O Archeologo Português, Vol. VIII, n.º 4, pp.
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CIL - Corpus Inscriptionvm Latinarvm, v. II, ACADEMIAE LIITERARVM REGIAE BORVSSICAE editum, Berolini
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FIDALGO Guincho, Carlos Abílio, O povoamento na área da Lagoa da Pederneira (Da ocupação Romana
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Departamento de Ciências Sociais e Gestão, 2008-2010.

FIGUEIREDO, Frei Manuel de, Corografia da Comarca de Alcobaça (Capítulo de Alfeizerão), 1782,
manuscrito, PDF disponível em: https://drive.google.com/file/d/1462MR41YzSP-
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FRIAS Manuel Salinas de, e CORTÉS, Juana Rodriguez. "Corrientes religiosas y vías de comunicación en
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