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Transcrição de PORTA, Paula (org.). História da cidade de São Paulo.

São Paulo: Paz e Terra,


2004.3v. v.2 (A cidade no Império, 1823-1889), cap. 5, p. 187-249. Ed.esgotada. Versão
revisada e modificada.

São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império*

arq. Eudes Campos


* O presente capítulo foi redigido fundamentalmente a partir de três trabalhos de nossa autoria. Arquitetura paulistana sob o
Império; aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo (tese de doutorado, FAUUSP, 1997,hoje publicada em www.
arquipaulistana.com), um texto inédito intitulado São Paulo sob o império, a gênese da cidade capitalista (1997), e um trabalho
elaborado para a disciplina Apropriação de terra e trama urbana, a cargo do falecido e saudoso prof. dr. Murillo Marx (Curso de
pós-Graduação da FAUUSP), denominado Pequena contribuição para o estudo da história do rossio da cidade de São Paulo, 1994.

1- A cidade tradicional

A cidade de São Paulo ingressa nesta primeira fase envolta numa aura de relativa prosperidade. Conquanto conserve o aspecto
de cidadezinha provinciana, imersa em seu isolamento cultural, São Paulo vem, desde o fim do século anterior, dando os primeiros
passos em direção à intensificação da vida urbana, graças ao comércio de animais provindos do sul do País e à recente perspectiva
econômica aberta pela lavoura canavieira. São inegáveis as evidências de que o despertar do burgo acaipirado e semirrural provém
dos dias dos capitães-generais, encarregados, desde o restabelecimento da capitania em 1765, de impor, por razões políticas,
administrativas e militares, a presença da coroa portuguesa nessa paragem esquecida pelos interesses metropolitanos.
Datam justamente desses dias muitas obras públicas importantes que estarão aparelhando a cidade ainda em plena era
imperial. Mesmo apresentando algumas insuficiências técnicas e aparência bastante grosseira, e não resistindo ao confronto com
as construções existentes nas cidades mais ricas do Brasil daquele tempo, tal como Salvador, Recife e Rio de Janeiro – e mesmo se
tendo transformado em motivo de ironias por parte de alguns sofisticados paulistanos a partir de meados do Oitocentos –, essas
obras, fruto da c0mpetência e dedicação de engenheiros militares portugueses, mantiveram-se úteis e insuperáveis até, ao
menos, a segunda metade do século XIX. Edifícios públicos de grande porte (Casa de Câmara e Cadeia e Quartel dos Voluntários
Reais, pontes de pedra (do Lorena e do Marechal, ou do Acu), a primeira ponte com abóbada de tijolos da cidade (a do Carmo),
chafariz monumental (da Misericórdia) e monumento comemorativo (Pirâmide do Piques) acabaram por se tornar símbolos de um
período bastante positivo da administração colonial.
Até começos do Império, São Paulo, ressentida por séculos de pouca expressão econômica, não havia ainda ocupado
completamente a colina sobre a qual se assentava. As três freguesias que constituíam o seu centro urbano – Sé, Santa Ifigênia e
Brás – não chegavam a dez mil habitantes. O casario, em grande parte térreo, compunha um conjunto esparso em meio à
vegetação dos grandes quintais. As poucas ruas existentes caracterizavam-se pelo traçado muito irregular, e aqui e ali, assomavam
campanários de várias igrejas modestas, espalhadas pela povoação. As pontes lançadas sobre o rio Tamanduateí e sobre o ribeirão
Anhangabaú eram consideradas os limites da área urbana, enquanto extensas glebas conventuais (pertencentes ao mosteiro de
São Bento, e aos conventos do Carmo e de São Francisco) e algumas chácaras dentro desses limites tornavam imperceptível a
transição entre o ambiente urbano e o rural.
Da área urbanizada partiam rotas em todas as direções, vias que subsistem hoje, em geral, sob a forma de grandes artérias:
para norte rumavam o primitivo caminho do Guaré, fechado em 1600 pelos monges beneditinos e só reaberto em 1784 (rua
Florêncio de Abreu), e a variante que o sucedeu no século XVII, utilizada preferencialmente até a segunda metade do XIX para ir a
Santana e de lá para o sul de Minas Gerais (ruas do Seminário e Brigadeiro Tobias e avenida Tiradentes); para noroeste, o caminho
indígena de Piratininga, conhecido a partir do século XVIII como o da Freguesia de Nossa Senhora do Ó, interceptado a pedido do
governador Franca e Horta em 1809, ao tempo em que foi proprietário da chácara do Bom Retiro (ruas do Seminário e General
Couto de Magalhães); para oeste, a variante do antigo caminho de Jundiaí (rua Sete de Abril, rua e largo do Arouche e rua das
Palmeiras) e a trilha pré-cabralina que provinha do Paraguai – ramal antiquíssimo do Peabiru, que interligava as terras guaranis e o
litoral do sudeste brasileiro ao distante Peru – , conhecida como caminho dos Pinheiros, ou de Sorocaba, conduzindo também às
regiões do Sul, produtoras de gado vacum e muar (rua da Consolação e avenida Rebouças); para sul, os dois caminhos de Santo
Amaro (rua de Santo Amaro e avenidas Brigadeiro Luís Antônio e da Liberdade, respectivamente) e ainda a saída de Santos (ruas
da Glória e Lavapés); para sudeste, o caminho da Mooca, mas de início, no século XVI , por aí ia o caminho do Mar – outro trecho
do velho Peabiru –, representado nos limites da cidade pela rua Tabatinguera e, finalmente, para leste, em direção ao arrabalde do
Brás, conduzindo à Penha e ao Rio de Janeiro, a antiga ladeira do Carmo (hoje avenida Rangel Pestana) e o longo aterrado que
transpunha a várzea do Tamanduateí.
Em 1792, o capitão-general Bernardo José de Lorena (1756-1818 ou 1819), que governou a capitania paulista de 1782 a 1797,
preocupado com as dificuldades de expansão urbana da cidade, propôs à Câmara Municipal o arruamento da margem esquerda do
ribeirão do Anhangabaú. Observando estar São Paulo implantada numa península, entre o Tamanduateí e o mencionado ribeirão,
pensou em criar um novo assentamento a oeste, aberto em “terreno montuoso e desigual”1. Foi, decerto, baseado nesse plano que
o marechal Toledo Rendon (1756-1834), por ordem da Câmara, arruou, entre 1807 e 1808, a Cidade Nova, em suas antigas terras
caídas em comisso. Nessa altura, a região consistia num arrabalde de difícil acesso, separado do núcleo original da cidade não só
pelo profundo vale do Anhangabaú, mas também por propriedades rurais, dentre as quais se destacava a chácara do coronel
Francisco Xavier dos Santos, depois pertencente ao futuro barão de Itapetininga (1799-1876), seu sobrinho, terras parceladas
apenas no último quartel do século XIX.
2

Examinando uma das primeiras plantas da cidade, elaborada pelo engenheiro militar Rufino José Felizardo e Costa (1784-1824)
em 18102, observamos quais as vias mandadas abrir dois anos antes pela Câmara. Retilíneas, mas sem se cruzarem de forma
ortogonal, punham em comunicação o caminho da Luz (avenida Tiradentes), o caminho do Ó (rua General Couto de Magalhães),
o caminho de Jundiaí (rua do Arouche) e o caminho dos Pinheiros ou de Sorocaba (rua da Consolação). Da trama viária criada, dois
logradouros se distinguiam: a praça da Legião (largo do Arouche), demarcada por Rendon na saída da cidade em direção a Jundiaí,
para servir aos serviços militares executados pelos Voluntários Reais, e a praça da Alegria, futuro largo dos Curros (atual praça da
República), onde a partir de 1817 começaram a ser realizadas corridas de touros durante os festejos oficiais. É possível que esse
último logradouro preexistisse ao arruamento municipal como uma larga área descampada surgida no cruzamento de duas
veredas, a de Jundiaí (ruas Sete de Abril e do Arouche) e a antiga interligação do caminho dos Pinheiros (rua da Consolação) com o
de Piratininga (ruas do Seminário e General Couto de Magalhães), cujo traçado daria origem à atual avenida do Ipiranga, segundo
se deduz das interpretações documentais feitas pelo historiador Afonso de Freitas (1868-1930).
A abertura da Cidade Nova significou uma importante medida tomada em favor da estruturação urbana da cidade de São
Paulo. Pela primeira vez na história da cidade (se não contarmos a expansão inicial ocorrida fora dos muros quinhentistas
paulistanos, no tempo do governador geral do Brasil d. Francisco de Sousa, c.1540-1611, segundo especulações do prof. Nestor
Goulart Reis)2a, o Estado, representado pela Câmara Municipal, enfrentou o encargo de promover e direcionar a expansão física da
cidade. Numa fase em que estava em vigor o sistema de propriedade comunal da terra urbana, cabia à Câmara administrar os
terrenos integrantes do patrimônio municipal (rossi0), reservando áreas para logradouros públicos, para abertura de vias e para
distribuição de datas de terra entre os munícipes. Embora fosse essa obrigação de exclusiva responsabilidade da edilidade, séculos
de pobreza e indiferença haviam levado a Câmara a se envolver minimamente em questões ligadas à administração do espaço
urbano.
Infelizmente, o fato de a oferta de terras urbanas não obedecer, naquela altura, às demandas do mercado imobiliário – de resto
ainda inexistente – fez com que a Cidade Nova permanecesse por longo tempo pouco ocupada, reduzida a mero arrabalde
chacareiro, apresentando, segundo testemunhos datados de meados do século XIX, um desolado ar de abandono.
Datam dos primeiros anos imperiais outras relevantes intervenções urbanísticas levadas a efeito pela Câmara Municipal
paulistana, constituindo essas iniciativas eloquente prova do otimismo e autoconfiança que tomava conta do espírito da cidade
durante o ciclo relativamente próspero da economia do açúcar: o alargamento da embocadura da rua do Rosário no pátio da Sé
(confluência da rua 15 de Novembro com a praça da Sé), executado entre 1822 e 1824, e o prolongamento da rua da Esperança
(lado direito da praça da Sé , desaparecido com as reformas de 1978),pondo-a em comunicação com o mesmo logradouro em 1825.
No caso do alargamento da rua do Rosário, a Câmara Municipal decidiu agir a0 constatar que o alferes Joaquim Ribeiro dos
Santos vinha reerguendo sua casa de acordo com um alinhamento que prejudicava o trânsito local. O canto da rua do Rosário com
o pátio da Sé constituía um ponto extremamente estrangulado do arruamento paulistano, e para resolver esse problema foi
necessário fazer a convocação por edital de todos os homens republicanos da cidade. A solução adotada, conhecida por meio de
documentos iconográficos, exigiu que o novo edifício mantivesse um certo recuo em relação ao alinhamento da rua do Rosário e
impôs um canto cortado ou quebrado no ângulo da construção (fig.4). Esse gênero de alinhamento para o canto das construções
em esquina era até alguns anos antes inteiramente inédito e só viria a se tornar corriqueiro muitos anos depois. Foi provavelmente
usado pela primeira vez no sobrado do brigadeiro Luís Antônio de Sousa Queirós (1746-1819), erguido na esquina da rua São Bento
com a do Ouvidor (atual rua José Bonifácio), por volta de 1810 (fig.3). E até hoje esse agenciamento se conserva, após o edifício
original ter sido substituído por outro datado de 1909. Esse tipo de alinhamento contribuiria para dar nova configuração à paisagem
urbana e influiria na divisão interna e na aparência externa das edificações localizadas em confluências de ruas.
Na verdade, a ampliação da embocadura da rua do Rosário fazia parte dos planos da Câmara, cogitados desde 1822, de obter
o realinhamento por inteiro da face de quadra dessa rua entre o pátio da Sé e a travessa do Colégio (rua Anchieta). Já nesse ano, a
Câmara tentara desapropriar os edifícios contíguos à propriedade do alferes Ribeiro da Silva. Um dos imóveis visados pertencia às
chamadas Meninas da Casa Verde, irmãs solteiras do marechal Toledo Rendon. Gozando de grande prestígio social, essas senhoras
resistiram bravamente às investidas da Câmara, alegando já terem feito muitos sacrifícios ao Estado, por haverem cedido
gratuitamente terrenos de sua propriedade para a construção de várias obras públicas, entre elas a abertura da praça do Ouvidor.
O resultado dessa recusa em colaborar com a edilidade em sua intenção de dar início à regularização da trama viária do núcleo
paulistano foi a persistência durante muitas décadas de uma desgraciosa reentrância no início da rua do Rosário, num ponto
bastante próximo do largo da Sé, só eliminada quando, sob a República, pôde a Intendência iniciar, ainda que parcialmente, o
realinhamento da mais importante via comercial da cidade daqueles dias. Trabalhos que se iniciaram em 1891 e se prolongaram,
já sob a prefeitura de São Paulo, até 1911 mais ou menos.
Do ponto de vista da administração do município podemos dizer que o período colonial se estende, de fato, até 1828. A
Constituição política de 1824 prometera às Câmaras o governo econômico e municipal das cidades e vilas, mas a Lei de 1º de
outubro de 1828, que instituiu o Regimento das Câmaras Municipais, regulando o exercício de suas funções, frustrou-lhes as
expectativas. Transformadas em corporações meramente administrativas (art. 24), e subordinadas aos presidentes das províncias,
e , mais tarde, dependentes das Assembleias Provinciais pelo art. 11 , nº 3 do Ato Adicional de 1834,as Câmaras Municipais
passaram a viver “à discrição mais absoluta dos delegados do governo central e das referidas assembleias legislativas”.
Interpretações, avisos e instruções do Executivo tolheram-nas em sua ação, destituindo-as de toda a autonomia, conforme críticas
feitas ao regime político recém-abolido, provenientes dos primeiros momentos da época republicana 3.Até as posturas que
julgassem conveniente criar teriam de ser ulteriormente confirmadas pelos corpos legislativos das províncias.
Em virtude do art. 66 do Regimento das Câmaras, viu-se a edilidade paulistana às voltas com diversas questões públicas,
algumas das quais durante muito tempo não enfrentadas de modo eficaz, em consequência da crônica insuficiência das rendas
arrecadadas pelo município. A construção de um muro de arrimo no morro do Carmo, o chamado paredão do Carmo, do matadouro
e do cemitério municipal e a abertura de novas ruas circundando a base da colina onde o núcleo da cidade estava instalado foram
obras, entre outras, sistematicamente postergadas, pois em relação a elas pouco poderia ser feito sem significativo suprimento
provindo dos cofres provinciais. A ideia de realizar essas melhorias urbanas passa a frequentar as Atas da Câmara de São Paulo tão
3

logo sancionado o Regimento das Câmaras em 1828; a concretização delas, porém,só se dará muito depois, ao longo dos anos de
1850, mediante expressivo auxílio do governo provincial.
Uma das medidas ordenadas pelo Regimento das Câmaras Municipais foi a revisão das posturas vigentes e a criação de novas
posturas (art.39). Em São Paulo, as confeccionadas em 1830 revogam as anteriores, datadas de 1820. As poucas normas de caráter
urbanístico e edilício elaboradas nesse ano passaram a substituir as velhas disposições filipinas relativas a servidões públicas, que
tratavam de passadiços, escadas externas e balcões sobre a rua, esgotos, canos de despejo etc. (L.1º Tít. LXVIII, §s.26,29 a 32 e 40
a 42). Nos casos eventualmente omitidos pelas posturas municipais, segundo a opinião dos jurisconsultos, prevalecia o expresso
na lei do Regimento, que atribuía às Câmaras o zelo pelo “ desempachamento” (desimpedimento das vias públicas). Foi isso que
aconteceu, por exemplo, com os passadiços sobre as ruas, nunca mencionados nas posturas paulistanas, mas sistematicamente
proibidos pelos vereadores, que não permitiam esse tipo de construção por embaraçar as vias da cidade. Continuavam válidas as
servidões privadas estabelecidas nas Ordenações seiscentistas, aquelas que se constituíam entre vizinhos e que se referiam, por
exemplo, a açoteias (terraços agenciados no alto de edifícios) dando para quintais contíguos. Algumas dessas antigas disposições
foram estendidas pela jurisprudência a certos elementos arquitetônicos próprios das construções da era imperial, como é o caso
das águas-furtadas voltadas para lotes confinantes. Tal como acontecia com as açoteias, deveriam elas manter-se afastadas da
divisa do lote por uma distância de vara e quarta de medir (1,375m). Exigência que procurava mitigar os constrangimentos
provocados pela indiscrição de um vizinho a espiar o quintal alheio do alto de uma água-furtada. Tudo isso é ademais claramente
observável na Consolidação das leis civis, elaborada pelo maior jurisconsulto daquele tempo, Augusto Teixeira de Freitas (1816-
1883), e editada em 1859.
Sem assumir o caráter impositivo de postura, foi estabelecida pelos vereadores a padronização ideal das vias públicas, poucas
vezes respeitada pelos arruadores; as ruas deveriam ser retas e possuir a largura de 60 palmos (13, 22m). Os edis cogitaram ainda
a confecção de planos de arruamento como condição básica para o prosseguimento da distribuição de datas de terra dentro do
rossio, mas isso também nunca chegou a ser realizado.
De modo geral, as obras públicas executadas a partir de 1828 eram escassas e insignificantes, quase sempre efetuadas por
oficiais mecânicos e supervisionadas por fiscais da Câmara. Eram habituais as críticas à falta de praças e só na década de 1840 é
que se iniciou a arborização das saídas das estradas, ruas e logradouros (1845 e 1848).
A primeira iniciativa de iluminação pública da cidade de São Paulo ocorreu em 1829 quando o vice-presidente da Província
Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade (1747-1847) foi obrigado, por determinação imperial, a aplicar à iluminação da capital
paulista metade dos rendimentos da polícia arrecadados no porto de Santos. Foram então fornecidos míseros 24 lampiões
alimentados a óleo de baleia que deveriam ser pendurados em estruturas móveis de ferro forjado, presas às paredes das casas
situadas em esquinas, como então se viam na capital do Império. A partir de 1841, os lampiões passaram a ser fixados no alto de
grosseiros mourões de madeira, fixados a certa distância das paredes das construções, para não estragá-las. Em 1847, o azeite de
baleia, sendo considerado muito caro, foi substituído por um combustível chamado gás hidrogênio líquido, denominação imprecisa
para definir uma explosiva mistura de terebintina e álcool, modalidade de iluminação perigosa que seria empregada na cidade até
1863.
São Paulo nesta fase quase não possuía instalações e serviços urbanos. O fornecimento de água potável, por meio de
chafarizes, era extremamente precário, o lixo atirado junto às portas da cidade e a Câmara paulistana havia fracassado na tentativa
de erguer o primeiro mercado municipal (1836-1838), em substituição às casinhas de 1806. No âmbito das transformações urbanas,
a administração municipal só conseguiu realizar a abertura do largo do Curso Jurídico (largo de São Francisco), espaço criado com
a derrubada dos muros do quintal franciscano, incorporado ao adro contíguo em 1829.
Notável, porém, era a intensa concessão de datas de terra: na Cidade Nova, no Brás, na Mooca e nos arrabaldes meridionais
da cidade, parte mais socialmente desprestigiada da capital paulista, por serem próximas da forca (fins do século XVI), do cemitério
de indigentes ou dos Aflitos (1775), do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, desde 1825 na sede da chácara dos Ingleses, e da
Casa da Pólvora (1785). Com relação a esse depósito de explosivos, a edilidade cogitava, desde 1830, providenciar sua transferência
para local mais afastado da povoação, o que só ocorreria em 1873, pois não sendo admitida a construção de casas em seus arredores
por motivos de segurança, constituía sério obstáculo à expansão urbana daquele lado da cidade.
Deve-se notar que a política de concessão de datas desenvolvida pela edilidade nessa época era deveras singular, pois
diametralmente oposta ao que hoje consideraríamos aceitável. Para fazer jus a uma data de terra gratuita, o requerente tinha de
demonstrar ter posses suficientes para, dentro de seis meses, arcar com os custos da construção dos muros demarcadores da
propriedade, bem como do próprio edifício. Foi justamente isso que aconteceu, por exemplo, com D. Maria Rita, religiosa de Santa
Teresa, que para obter a data solicitada no Brás, em 1836, teve de admitir morar em casa abastada e possuir escravos em
rendimento, e assim estar em situação de sujeitar-se às condições estabelecidas pela Câmara. Como veremos oportunamente,
levaria várias décadas par que a municipalidade entendesse que também os pobres, e até os ex-escravos, tinham direto a ter um
pedacinho de chão que pudessem chamar de seu, mesmo que esse pedacinho de chão se localizasse em terreno de difícil acesso
ou em área insalubre, que era o que fatalmente ocorria.
Comparada com o tempo dos capitães-generais, a primeira etapa do período imperial da vida paulopolitana parece constituir
uma fase de estagnação e dificuldades financeiras. Corresponde, assim, perfeitamente bem à imagem da cidadezinha da meninice
de Francisco de Assis Vieira Bueno (1816-1908), evocada de memória num momento da vida de São Paul0 em que esse passado,
de sabor exótico, já estava irremediavelmente perdido4.
No que respeita à sua arquitetura, a cidade de São Paulo pouco mudou durante a primeira metade do século XIX. De maneira
geral, podemos afirmar que nas construções paulistanas persistia o sistema construtivo tradicional: a taipa de pilão, coadjuvada
pelo pau a pique, como técnica complementária; havia extensa utilização de madeira em portas, janelas, esteios e estruturas de
telhados, além de gelosias, em sacadas e vedos, pois ainda escasseavam na cidade a pedra, o tijolo, o ferro e o vidro. A mão de obra
empregada nas construções também permaneceu a mesma dos séculos anteriores. De origem escrava, a força de trabalho foi
complementada com o braço indígena até princípios do Oitocentos. Pouco adestrada, era com ela que se erguiam edifícios de
aspecto tosco, de acordo com técnicas antigas e instrumentos rudimentares (fig.1).
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O morgado de Mateus (1722-1798), primeiro governador de São Paulo depois da restauração da capitania (governou-a de 1765
a 1775), já se intrigava com os hábitos cheios de contrastes próprios dos paulistanos abastados de seu tempo 5.Trajavam-se de modo
muito superior a seus recursos, com linho, holanda e o melhor veludo e, no entanto, contentavam-se em morar em casas feias,
acanhadas e desconfortáveis, onde poderíamos acrescentar, com frequência faltava o essencial.
As características tradicionais da arquitetura da cidade só se alterariam a partir dos últimos anos do Setecentos, graças, diz-
se, à influência da atuação profissional de engenheiros militares portugueses vindos com os capitães-generais, e que aqui andaram
levantando importantes edificações públicas. Os moradores começaram a abandonar a construção pobre e rude, quase vernácula,
que desde sua fundação vinha sendo praticada, e incorporar timidamente princípios estéticos e elementos compositivos próprios
da arquitetura erudita: simetria axial das fachadas com a porta de ingresso ocupando geralmente a posição central (o que implicou
com o tempo na adoção da planta com corredor longitudinal em posição correspondente); regularidade no ritmo dos vãos, com
uma sequência equidistante de portas e janelas, alinhadas umas sobre as outras nos diferentes pavimentos, e contenção de cada
uma das faces do edifício num único plano, o que exigiu o realinhamento, lote a lote, das testadas tortas da cidade no momento da
reconstrução das casas, tarefa a que a Câmara se aplicaria com escrúpulo durante o Império, a despeito de sua pouca eficácia no
que concerne à retificação geral do traçado viário paulistano (fig.2).
A preferência estética ora manifesta por ângulos retos ou de 45º traria como consequência o surgimento das primeiras
esquinas cortadas da cidade, onde seriam quase sempre abertos vãos para a composição mais conveniente dos alçados. A
regularização dos telhados das casas de vulto tinha como objetivo fazer com que os beirais se desenvolvessem em um único plano
horizontal, passando a ser proibidas meias-águas ou duas águas com empena voltada para a rua, unidas às construções principais.
As fachadas mais nobres logo começaram a ser organizadas com elementos arquitetônicos de inspiração clássica, em versão
simplificada: cunhais de massa sobre pedestais de mesmo material e cimalhas de madeira com perfilatura composta de molduras
convencionais (filete, meia-cana, quarto de redondo etc.). Os velhos beirados providos de cachorros entalhados também deram
lugar aos beirais forrados, e com o tempo surgiram nas casas importantes embasamentos, cordões separando andares, cimalhas
fingidas de massa e talvez até de cantaria na parte em cima dos cunhais. No fim desta fase ou no começo da seguinte, quando se
havia tornado corrente o uso da cantaria, surgem orgulhosas residências com cunhais desse material e vãos emoldurados por
quadros de lancil, como é o caso do sobrado do senador Francisco Antônio de Sousa Queirós (1806-1891), morador da antiga casa
reformada de seu pai, o brigadeiro Luís Antônio, construção conhecida por meio de imagens registradas pelo fotógrafo Militão
Augusto de Azevedo (1837-1905) (fig.3). No decorrer das primeiras décadas do Império, nas janelas rasgadas, as sacadas de treliças
de madeira foram sendo substituídas por grades de ferro, cujos desenhos intricados têm evolução difícil de seguir. As folhas
inteiriças em que se abriam postigos, guarnecidos ou não de caixilhos, acabaram por ser trocadas por portas envidraçadas com
bandeira, sendo já bastante habituais nos sobrados em 1819, quando notados por Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853).
O elemento formal mais característico dessa arquitetura que vimos descrevendo é o arco abatido ou segmental, de gosto
barroco italiano, introduzido em Portugal ao tempo de rei D. João V (1689-1750). Nas construções paulistanas foi adotado em todos
os vãos, portas e janelas, conforme modelo conhecido na arquitetura religiosa da cidade desde a realização da ala setecentista do
colégio jesuítico (1741-1745) e da fachada nova da igreja catedral (1754-1756).Desenhos que conservam aspectos paulistanos do
princípio do século XIX nos informam que esse gênero de arco ainda era incomum na arquitetura civil de então (consulte-se a obra
artística do botânico inglês William John Burchell, 1782-1863, por exemplo), só tendo passado a preponderar nos meados da
centúria, quando o vão de verga reta, agora de sabor neoclássico, fez sua reaparição. Os panos de telhado mostram-se agora
frequentemente interrompidos por águas-furtadas; e camarinhas ou mirantes deixam de ser considerados raridades, constituindo
o espécime mais notável o mirante de dois andares pertencente a um sobrado situado na saída da estrada que conduzia a Sorocaba
(rua da Consolação), na altura da embocadura da rua Martins Fontes, habitado pelo vereador Lúcio Manuel Félix dos Santos Capelo6
(fig.5). De aspecto excepcional, esse sobrado pode ser visto na linha do horizonte a sobrepujar as copas das árvores em fotografias
tiradas por Militão Augusto de Azevedo por volta de 1862 a partir do pátio de São Francisco ou da rua da Casa Santa (hoje
Riachuelo).
Saint-Hilaire em visita à cidade (1819) garantia que nela havia algumas casas realmente faustosas, embora a maioria dos
proprietários de engenhos de açúcar lutasse com dificuldades financeiras. Dentre as casas dos habitantes mais graduados “tão
bonitas por fora quanto por dentro”, com interiores mobiliados com gosto e paredes de cores claras, conforme descreve com um
entusiasmo um tanto imoderado, destacava-se por certo a do possuidor da maior fortuna da Província daquele tempo, o sobrado,
já mencionado, pertencente ao brigadeiro Luís Antônio. Supomos que nessa época a construção ainda não tinha a orgulhosa
aparência que se vê em foto de Militão, quando aí morava o filho do brigadeiro, o barão de Sousa Queirós. A construção aparece
num desenho do pintor inglês Charles Landseer (1799-1879) datado de 1826, hoje pertencente ao acervo do Instituto Moreira Salles.
E embora reconheçamos que a distância não permitiu que o artista fosse minucioso nos detalhes da construção, desconfiamos que
naquela altura o sobrado, que deitava para a rua São Bento oito janelas dispostas no pavimento superior, tivesse aparência externa
bem mais simples que a vista em foto tirada quase quarenta anos depois7. Em sua sala de visitas, provavelmente não havia nem
cortinas, nem quadros, nem tapetes, apenas uma mobília neoclássica de gosto inglês, de ar bastante despojado, bem ao gosto
austero dos paulistas, que hoje se acha sob a guarda do Museu Paulista.
Vieira Bueno, porém, julgava que o único sobrado a se sobressair da vulgaridade geral da arquitetura doméstica paulistana era
o ocupado, em fins do século XIX, pelo Grande Hotel de França, antiga residência do brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão (c.1788-
1827), localizada nos Quatro Cantos, cruzamento da rua São Bento com Direita. Construída, ao que parece, por volta de 1820, a
casa ostentava sobre os arcos segmentais das janelas do andar nobre cornijas em forma de acento circunflexo, uma sobrevivência
barroca de remota origem borrominiana. O pastor norte-americano Daniel Parish Kidder (1815-1891) certamente conheceu o
interior dessa construção em 1839, então habitada pela viúva d. Gertrudes, e deve ter sido aí que observou os móveis de sala
arranjados conforme o modo característico daquele tempo: um sofá de palhinha ao fundo, habitualmente usado pelas senhoras,
ladeado por cadeiras de braços e cadeiras simples formando alas perpendiculares em relação ao sofá. Uma disposição que os
estrangeiros do final do século XIX achavam muito desagradável, tal como o fez a preceptora alemã Ina von Binzer (1856-1916).
Fronteiro ao sobrado de Rodrigues Jordão, do outro lado da rua Direita, via-se outro casarão, habitado por um seu sobrinho,
Antônio da Silva Prado (1778-1875), mais tarde barão de Iguape. O solar deste último, amplo e sólido, apresentava externamente
5

vãos decorados com discretas cornijas de linha serpentina. Antes porém de adquiri-lo, o que se deu em 1825, Prado guarnecera seu
lar anterior. Para tanto, trouxe com ele, em 1816, ao retornar de lucrativas atividades comerciais desenvolvidas no interior da Bahia,
pratos e xícaras de louça da Índia, baixelas e talheres de prata, cadeiras de palhinha e garrafas lapidadas. Tudo, enfim, que não iria
encontrar na acanhada cidade de São Paulo.
O pavimento térreo desses grandes sobrados era geralmente reservado à atividade comercial, ou então ocupado por
dependências domésticas secundárias, tais como serviços, depósitos, cocheiras ou estábulos ou ainda acomodação de escravos ou
de homens solteiros da família. Na residência do brigadeiro Jordão, por exemplo, onde o capitão Antônio Bernardo Quartim (1822-
1887) morou com a família por volta de 1860, havia uma sala térrea sempre fechada em que se castigavam os escravos (quarto do
tronco) e no sobrado do barão de Iguape, o jovem Antônio da Silva Prado (1842-1929), seu neto, dormia também, por volta de
1860, num quarto situado no rés-do-chão, de onde escapulia facilmente, esquivando-se do rigor autoritário do avô, pela janela
para juntar-se aos amigos em alegres noitadas acadêmicas. Os compartimentos desse piso chegavam por vezes a ser subtilizados
ou simplesmente deixados vazios; por não existir métodos confiáveis de impermeabilização, essa parte das construções acabava
irremediavelmente tomada pela umidade, sendo por isso desprezada para atividades de longa permanência. Na residência do
futuro barão de Itapetininga (1799-1876) mesmo, situada na rua de São José (rua Líbero Badaró), à qual retornaremos adiante, onde
o piso do térreo estava, ao que parece, assoalhado e afastado do contato com a terra úmida (o edifício estava alicerçado sobre
arcos que venciam o desnível do vale do Anhangabaú) muitos compartimentos no nível da rua não possuíam destinação precisa e
estavam atulhados de móveis velhos, conforme se lê no arrolamento de bens do falecido barão (1876).
Era no andar de cima, na parte nobre do lar, que as famílias ricas conseguiam viver com algum conforto, longe da umidade
provocada pelo lençol freático – privilégio que não alcançava os mais pobres, obrigados a morar em casas térreas –, mas também
longe dos odores e ruídos urbanos e, o que era muito importante na época, longe da curiosidade de passantes e vizinhos. A
repartição dos cômodos não obedecia ainda a nenhum critério explícito de racionalidade, traço da mentalidade burguesa ainda
não assimilado naquela altura pela população paulistana. As diversas atividades domésticas não estavam claramente separadas
por ambiente, havendo muitas vezes sobreposição de funções. Os compartimentos habitualmente se sucediam sem áreas de
circulação independentes, os dormitórios se concentravam no interior da construção sem aberturas para o exterior, e os corredores,
quando existiam, não eram pensados tendo em vista a economia de espaços e a redução de percursos. No caso da casa do barão
de Itapetininga, por exemplo, a entrada de serviço seguia um caminho tortuoso para evitar que os passantes conseguissem
devassar o interior da construção.
Talvez o mais incompreensível para nós nesse tipo de agenciamento seja a insistência dos brasileiros do tempo da Colônia e
do Império em dormir em compartimentos isolados do mundo externo. Hábito que passa a fazer sentido quando nos lembramos
dos preceitos da antiga medicina lusitana, que prevaleceu antes das teorias miasmáticas de contágio divulgadas a partir do século
XIX. Essa “ciência” doutrinava serem as doenças propagadas pelo ar corrompido proveniente do exterior. E, mais do que isso,
responsabilizava as conformações astrológicas, os fenômenos atmosféricos e até a luz da lua ou de determinadas estrelas por
inúmeras moléstias. Dentro dessa visão das coisas, parece-nos bastante lógico o dormir no recôndito das casas, longe de influências
maléficas que estariam ativas na parte externa dos lares, sobretudo durante a noite. Seriam essas velhas teorias médicas, muitas
vezes sobreviventes ainda hoje sob a forma de crendices populares, que impediam os proprietários de abrir janelas nos dormitórios,
mesmo quando existia a possibilidade de fazê-lo. A esse propósito, já afirmava o sociólogo e historiador Gilberto Freire (1900-1987),
em seu Sobrados e mocambos (1936), que naquele tempo “tinha-se medo do ar”, e assim era de fato.
Apesar desses irracionalismos, as moradias apresentavam um sistema de divisão de peças perfeitamente definido, que já vinha
de séculos anteriores. Na parte da frente, destinada à atividade social, havia uma sala de receber sobre a rua (nos sobrados mais
amplos numerosas eram as peças de recepção, atingindo o solar do brigadeiro Jordão o incrível número de sete), para essa sala se
voltavam as alcovas de hóspedes (também chamadas câmaras nobres, quando ornadas com capricho) e eventualmente um oratório
ou capela doméstica. A seguir, por meio de uma estreita passagem de recentíssima introdução na casa luso-brasileira – pois nos
apartamentos da Baixa Pombalina, construídos na segunda metade do século XVIII, durante a reconstrução de Lisboa, não existia
originalmente essa peça de distribuição, estando os diferentes espaços em comunicação direta uns com os outros –, atingia-se a
sala de refeições, lugar ideal para o convívio familiar e para o desenrolar de um sem-número de atividades ligadas ao mundo
doméstico, sempre posicionado ao fundo, de maneira transversal ao eixo longitudinal da construção. Esse recinto não raro exibia
grandes proporções e para ele se abriam as portas das alcovas dos membros da família. Depois da sala de jantar viam-se reunidas
em apêndice a cozinha e as demais dependências de serviço, peças segregadas no intuito de evitar ou minorar a propagação do
cheiro de comida e fumaça pelo resto da habitação. Enfumaçada e cheia de fuligem, a cozinha dessas casas não primava nem pelo
asseio nem pela organização; o rude trabalho representado pelo preparo dos alimentos exigia, por vezes, a criação de outra
cozinha, denominada a suja, destinada às tarefas mais pesadas e desagradáveis. Era o reduto dos escravos que às vezes dormiam
no local, e onde ocasionalmente protagonizavam cenas desabridas de licenciosidade, nada edificantes para serem presenciadas
por crianças e mocinhas da família, conforme as críticas bem-humoradas do jornal satírico Cabrião (1866-1867).Mesmo assim era a
desagradável cozinha – com piso atijolado e teto de telhas-vãs para facilitar a tiragem da fumaça, já que as chaminés não eram
comuns nas cozinhas da cidade, com o fumarento fogão à lenha, e em meio à desordem de panelas e caçarolas penduradas pelas
paredes e rústicos equipamentos culinários espalhados pelo ambiente – , o lugar favorito da marquesa de Santos (1797-1867), que
, entrada em anos e apegada a seus hábitos caipiras, se aboletava num canto com cigarrilhas de palha ou o pito em punho, a se
entreter com a visita de parentes e amigos íntimos.
Nas casas paulistanas do tempo do Império ainda não existiam instalações sanitárias. Nos quartos de vestir sempre havia
retretes em forma de cadeiras (às vezes importadas, feitas de mogno e com tampo de mármore) e nos dormitórios, ao lado de
lavatórios com sua jarra, bacia e balde para água servida, vastos urinóis eram deixados à mão, sob os leitos. Algumas residências
desfrutavam a comodidade de dispor de uma torneira de água de poço na cozinha e de uma casinha no fundo do quintal, cujas
fossa negra tinha de ser limpa de tempos em tempos, o que não deixava de gerar desconforto entre os vizinhos, se o trabalho fosse
efetuado em época de poucos ventos. Os banhos eram tomados no quarto de dormir em rústicas e pequenas gamelas de pau, mas
também em bacias de ”arame” de diferentes tamanhos. Foi mais para o final do século XIX, depois da inauguração do primeiro
estabelecimento de banhos na cidade (provavelmente a Sereia Paulista, em 1865), que os paulistanos se depararam pela primeira
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vez com chuveiros manuais e com amplas banheiras de zinco, em que se podiam tomar banhos de imersão, chegando os ricos, a
encomendar vastas banheiras talhadas em blocos de fino mármore, como é o caso do exemplar que dizem ter pertencido à
marquesa de Santos, hoje exposto na chamada casa da Marquesa (localizada na rua Roberto Simonsen, nº 136-A). Quando, porém,
os novos tipos de revestimento de ruas começaram a ser introduzidos na cidade, como veremos no momento oportuno, foi sendo
construída uma rede de captação de águas pluviais (1861), para evitar que as enxurradas danificassem o calçamento viário. E nesse
encanamento municipal, logo as autoridades municipais descobriram que muitos moradores de alta posição socioeconômica
vinham ligando tubos de despejos, passando assim a contar esses astutos paulistanos com um clandestino, porém muito oportuno,
sistema de esgoto em seus lares. Situação altamente irregular do ponto de vista higiênico, que seria, muito significativamente,
tratada de forma ambígua pelos vereadores até a inauguração da rede de esgotos em 1883.
Ao longo dos decênios de 1830 e 40, foi sofrendo São Paulo influências de nova corrente cultural, cujos ecos distantes
chegavam da Corte. Os costumes das camadas altas aos poucos se adoçaram; a segregação familiar – sobretudo do componente
feminino – já não era tão rigorosa. O uso doméstico começava a se espalhar pelos baixos das casas abastadas, sendo introduzida a
separação entre a circulação social e a de serviço, num prenúncio do desenvolvimento programático ocorrido em anos posteriores,
e janelas de verga reta combinadas com porta principal provida de arco pleno, constituíram as primeiras evidências do
Neoclassicismo nas construções privadas, como é o caso do sobradão do futuro barão de Itapetininga (c.1830), a que já nos
referimos, e da sede do hospital da Santa Casa de Misericórdia (1832-1840), erguida na rua da Glória segundo planta confeccionada
pelo marechal Daniel Pedro Müller (1775/1779-1841).
É muito oportuna a menção feita à casa do futuro barão de Itapetininga, por se tratar de exemplar residencial de grande
relevância. Dela conhecemos hoje as plantas reproduzidas numa ilustração alegórica de autoria do litógrafo Jules Martin (1832-
1906), há alguns anos publicada8, e também uma descrição interna feita em 1876, ao ser executado o arrolamento dos bens do
finado propritário9.Sob muitas facetas já mostrava avanço em relação ao partido tradicional dos sobrados. Além de seu estilo
neoclassicizante, possuía duas portas de entrada, cada uma numa das extremidades da ampla fachada (modelo que se repetiria em
outros congêneres paulistanos de meados do século XIX), revelando a existência, na parte interna, de diferenciação entre a
circulação social e a de serviço (havia também duas escadas, uma para cada uso). Apresentava ainda duas salas de jantar, a de
cerimônia, no andar nobre, como o apoio de uma copa, onde eram admitidas pessoas estranhas à família, e a sala de refeições
íntimas, tradicionalmente denominada varanda, no pavimento de baixo, ao lado da cozinha. Ainda neste último nível, o barão
mantinha um escritório junto da porta de ingresso principal, ao lado de cômodos de finalidade desconhecida. Analisando a planta
feita por Martin em 1889, por ocasião da desapropriação do imóvel, notamos a repartição típica dessas casas antigas à qual fizemos
menção; numerosos cômodos sem janelas (alcovas), desperdício de espaço, representado por corredores paralelos, de pouca
serventia, e circulação tortuosa, atravessando compartimentos interligados (figs.6 e 7).
No âmbito das obras oficiais, tanto de provinciais quanto municipais, as iniciativas realizadas em São Paulo durante esse
período foram raras e de mesquinho aspecto. As Atas da Câmara revelam a mentalidade limitada dos estratos dirigentes de então.
A construção do primeiro mercado municipal, que aliás, acabou não sendo utilizado para o fim a que se destinava, denominado
pejorativamente de Barracão do Carmo (1836-1838), localizado na esquina da rua do Carmo(rua Roberto Simonsen) com a ladeira
de mesmo nome (atual avenida Rangel Pestana), é um bom exemplo da falta e planejamento dos edis e da insignificância das
construções públicas do período, que eram erguidas por vezes sem nenhum plano, ficando tudo acertado verbalmente entre os
vereadores, o fiscal e os artífices contratados.
Seguramente a obra governamental de mais importância erigida nesses anos, de iniciativa provincial, foi o edifício da
penitenciária, conhecido também pelo nome de Casa de Correção. Erguida fora da cidade, no caminho da Luz (avenida Tiradentes)
e de execução morosa e medíocre, a construção, em forma de panóptico cruciforme, com planta confeccionada em 1832 pelo
marechal Müller, de acordo com o sistema penitenciário da Pensilvânia, teve sua fábrica de taipa duramente criticada ao ser
inaugurado o seu primeiro raio em 1852. Talvez mais digno de menção seja o chafariz Dois de Dezembro (dia de aniversário do
imperador), erguido no Piques em 1844. De autoria de um engenheiro militar proveniente do Rio de Janeiro, major Luís José
Monteiro, exibia frontispício de despretensiosas, porém, nítidas características neoclássicas. Mais ou menos contemporâneos
dessa edificação são os desenhos dos portões do Jardim Público que o governo provincial tencionava mandar fazer em 1841, o
monumento funerário de cantaria (1841) dedicado ao professor alemão Júlio Frank (1808-1841), localizado num dos pátios da atual
faculdade de Direito (fig.8), cujo autor permanece ignorado, e o portão decorado com delgadas colunas toscanas da antiga
penitenciária. Realizado em 1851, por determinação do engenheiro militar carioca Henrique de Beaurepaire-Rohan (1812-1894), e
deixado inacabado sem o frontão de coroamento originalmente previsto, este último exemplar pode ser contemplado ainda hoje,
meio perdido, em plena avenida Tiradentes.
Não podemos deixar de ressaltar ainda o significado do esforço do marechal Daniel Pedro Müller, engenheiro militar formado
em Portugal e que tantos serviços prestou à Província e a sua capital, em criar uma escola de engenheiros práticos que suprisse a
falta de profissionais ressentida no âmbito das obras públicas paulistas. Embora o primeiro diretor do curso de engenheiros práticos
tenha sido um político originário da província do Espirito Santo, que ocupou o cargo por um tempo bastante limitado e que não
tinha nenhuma ligação maior com a província de São Paulo, foi Müller, o segundo diretor, que deve ser considerado a verdadeira
alma do chamado Gabinete Topográfico. Fato para o qual já tínhamos chamado a atenção em nossa tese de doutorado defendida
em 1997. Enfrentando as dificuldades características do período, esse curso funcionou entre 1836-1838 e entre 1842-1849. Durante
sua vigência proporcionou aos jovens que nele estudavam uma formação mais próxima à dos agrimensores. Mesmo assim na vida
profissional que desenvolveram, tiveram os engenheiros práticos de enfrentar todo o tipo de trabalho ligado à engenharia, em
todas as modalidades então conhecidas, correspondendo às expectativas na medida da capacidade de cada um para o
autodidatismo. Num contexto desprovido de oportunidades, Müller procurou estabelecer com essa iniciativa a transição entre a
engenharia militar portuguesa atuante no tempo da colônia, da qual era ilustre representante, e a engenharia local, assumida pelos
engenheiros práticos, que estariam trabalhando arduamente para o governo provincial e o municipal durante os decênios
vindouros.
No fim desta etapa, a província deu mostras de alguma prosperidade econômica, denunciada pelo progressivo aumento dos
orçamentos anuais, verificado no transcorrer da década de 1840. Iniciava-se nesses anos, nas lavouras do Oeste paulista, a
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progressiva substituição do cultivo da cana-de-açúcar pelo plantio de pés de café. Sintoma claro dessa prosperidade pode ser
surpreendido em 1849, quando a Câmara Municipal da Capital, preponderantemente liberal, solicitou à Assembleia Legislativa,
onde prevalecia a mesma orientação política, um substancial aumento de seus recursos para a realização de inúmeros projetos de
sua competência, conforme a lei de 1º de outubro de 1828. A Lei provincial nº2 de 5 de março daquele ano concedeu à
municipalidade paulistana – e às demais edilidades – o produto de vários impostos provinciais, o que redundou num orçamento
excepcional, nada menos do que o dobro dos recursos habitualmente reservados (cerca de 18.000$ooo réis). De posse de tão larga
quantia, pôde a Câmara dar início a diversas obras públicas e, numa atitude ousada e efêmera, contratou o primeiro engenheiro
prático municipal para projetá-las e construí-las.

2- A era dos “melhoramentos materiaes”

Muitos historiadores são unânimes em afirmar que a construção do “novo Brasil” tem suas raízes mais remotas em 1850, pois
data desse milésimo uma série de iniciativas que irão, algumas delas, como o tempo, alterar o curso da vida nacional 10.
Vários são os indícios desta nova fase: a proibição efetiva do tráfico de escravos, que deu um golpe à instituição escravocrática;
a instituição de novos sistemas de trabalho na grande lavoura de café que avançava pelo Oeste paulista, iniciados em 1848, com a
colônia de parceria; as tentativas de organização do banco do Brasil e a consequente organização de uma rede bancária; a
aprovação do Código Comercial, que entre outras coisas, previa a formação de sociedades anônimas , e a Lei das Terras, que
introduziu novidades no sistema de terras brasileiro, buscando garantir o surgimento de um proletariado rural que viesse trabalhar
nas fazendas do País.
Apesar de São Paulo constituir, ainda nos meados do século XIX, um núcleo bem pouco expressivo – pobre e introspectivo
(possuindo o município inteiro cerca de 25 mil habitantes – é possível detectar sinais de ânimo renovado na vida da Capital. Os anos
entre 1850 e 1870 podem ser considerados como o começo da preparação da cidade capitalista. A mentalidade conservadora
estaria sendo continuamente desafiada por aqueles que buscavam introduzir a ideia de cidade eficiente. Setor das camadas
superiores da população paulistana, impregnados agora pela visão mecanicista do mundo, própria do progressismo burguês, com
empenho e ironia, reivindicavam melhorias urbanas, sobretudo nas páginas da imprensa diária.
A população da pequena cidade compunha-se basicamente de empregados públicos, militares reformados e artistas de
importância local, dum comércio “quase nulo ”e da classe acadêmica: uma “população consumidora e pouco produtora”, enfim 11.
Porém, por se tratar São Paulo da capital de uma província em franco desenvolvimento, tornaram-se certos habitantes, aos
primeiros sinais de progresso, cada vez mais insatisfeitos com a costumeira incompetência da administração pública e com os
tradicionais hábitos dos paulistanos – paulistanos ainda vistos pelos estudantes de Direito, provindos dos centros mais adiantados
do País, como bisonhos comedores de iças e cambuquiras. Reclamavam esses intransigentes melhoramentos na pavimentação das
calçadas, maior limpeza nas ruas e até mesmo a construção de edifícios públicos, entre eles, um teatro. O teatro, templo acabado
da cultura burguesa que se infiltrava na cidade, era considerado agora “um ornamento, um elemento civilizador e uma necessidade
pública”12. Lugar de entretenimento e catarse, destronaria com o tempo as igrejas como pontos preferidos dos paulistanos para o
exercício da sociabilidade urbana, e até do mundanismo.
Alguns lamentavam a sorte de veneráveis monumentos antigos que vinham sendo seriamente atingidos em sua integridade
física, como, por exemplo, o chafariz da Misericórdia, de cantaria, recoberto de pintura fingindo madeira e – o que é pior– seco, ou
a bela ponte do Acu, ou do Marechal, de pedra, projetada por Daniel Pedro Müller, que acabou levada pela enchente de 1850 e
substituída por uma equivalente de tijolos, de ordinária fatura. Havia também o caso dos estudantes de Direito que lançaram no
Anhangabaú a cruz preta que dera nome a uma das ruas da cidade (atual rua Quintino Bocaiuva), e mais tarde (1870),o caso de
outros que partiram um dos braços do cruzeiro de cantaria chantado em frente do convento franciscano, monumento anos antes,
em 1851, poupado pelos vereadores paulistanos por representar obra de “nossa relegião”, que deveria ser conservada intacta como
fora legada “pr. nossos ant’passados”(sic). A essas tristes ocorrências se fazia alusão numa correspondência simulada publicada em
jornal de 187312a. Provavelmente não eram esses atos meras traquinagens cometidas por uma juventude cheia de energia que aqui
se sentia enfadada e destruía por desfastio, havia também, por certo, a violência daqueles que investiam com furor contra os
símbolos de uma vida urbana que ora começava a ficar fora de seu alcance.
Outros, pelo contrário, não viam nas obras públicas erguidas na cidade senão motivo de vergonha: o chafariz da Misericórdia,
a pirâmide do Piques, o frontispício do recém-construído teatro provincial, ou o do mercado municipal, deveriam ser enviados à
Exposição Universal de Paris de 1867 para que a Europa pudesse tomar conhecimento do alto nível de beleza arquitetônica atingido
nos edifícios da cidade. Era algo de fazer abrir a boca, ironizava-se nas páginas do Cabrião13.
Num artigo de 1860, publicado no Correio Paulistano, um tradicionalista exprobava a hostilidade desencadeada na capital
paulista contra “os costumes de nossos pais”. A nova sociedade, que se ia aos poucos formando, extinguia, um após o outro, o
entrudo, os tradicionais festejos de Natal, da Páscoa, do Espirito Santo, e todos os costumes religiosos nos funerais, entre os quais,
o enterramento nas igrejas. Sobreviviam as procissões, mas desde alguns anos, indignava-se o articulista, começava também
“contra elas essa guerra da ilustração filosófica que nos tem abastardado” 14.
Em meio a tantas queixas e protestos, contudo, não deixaram de ser executadas importantes obras públicas na Capital, numa
sequência inimaginável em anos anteriores, conseguindo cumprir assim a Câmara Municipal quase todas as exigências do
Regimento de 1828: o matadouro municipal (1849-1853), de autoria do engenheiro alemão Carlos Abraão Bresser (1804-1856), uma
rústica edificação de taipa; a reconstrução da ponte do Acu (1851-1853), do engenheiro alemão Hermann Bastide (1816-?),
construção de tijolos vista como algo muito inferior à obra anterior, de pedra; a penitenciária de planta cruciforme (1832-1870), cuja
primeira ala, concluída em 1852, era de taipa, mas as demais seriam de tijolos; o teatro de São José (1858-64), cujo projeto
atribuímos ao engenheiro militar Francisco Antônio de Oliveira (1796-1871), edifício de tijolos mal construído e deixado inacabado
pelo empreiteiro Antônio Bernardo Quartim (a penitenciária e o teatro eram na verdade de iniciativa provincial); o cemitério público
(1855-1858) e a respectiva capela (1857-1858), segundo projeto do engenheiro alemão Carlos Frederico José Rath (c. 1801-1876); a
caixa d’água (1857), também de tijolos, construída por operários alemães, e o mercado municipal, cuja obra, feita de tijolos, iniciada
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em 1859, mas logo interrompida e só retomada entre 1865 e 1867, conforme um risco executado pelo engenheiro inglês Newton
Bennaton (déc. 1820-?).
O aperfeiçoamento do sistema viário, as tentativas pontuais de embelezamento urbano (construção do mirante do morro do
Carmo, entre 1850 e c.1862); a ampliação do pátio de São Bento (1857); a regularização parcial do largo de São Gonçalo (1857), hoje
praça João Mendes; o alargamento das embocaduras das ruas da Constituição (1860 ) e Detrás da Cadeia (1863), atuais Florêncio
de Abreu e Rodrigo Silva, respectivamente, e a aprovação de novas posturas vieram contribuir para a criação da chamada cidade
eficiente. Era o poder disciplinador, tipicamente burguês, sendo aplicado ao espaço urbano na tentativa de ordenar e aprimorar o
funcionamento da Capital.
O início do primeiro anel perimetral (rua Formosa, 1855; rua 25 de Março, 1º trecho em 1858 e 2º trecho em 1869; rua Riachuelo,
1867-1868) constitui, de certa forma, a antecipação do sistema rádioconcêntrico do prefeito Francisco Prestes Maia (1896-1965),
idealizado 80 anos mais tarde. Sem autoria determinada, pois coletiva, e com objetivo nunca inteiramente explicitado nos papéis
camarários, tinha o anel por função circundar a colina central e interligar todas as saídas da cidade, permitindo que carros de boi e
tropas seguissem seu curso sem atravessar as estreitas e tortuosas vias do núcleo original. A rua Municipal, atual General Carneiro,
aberta entre 1849 e 1857, punha em comunicação o largo de Palácio (pátio do Colégio) com a várzea do Tamanduateí, e hoje pode
por isso ser considerada uma radial dessa obra viária. Completada muito depois com a abertura da rua do Hospício (Rua Frederico
Alvarenga) em 1873, a rua Conde d’Eu (rua Glicério) em 1875 e a rua Tamandaré, que, de iniciativa particular, em 1880 comunicaria
a várzea do Tamanduateí com a rua da Liberdade, conforme as Atas da Câmara desse ano. Como visto, essa obra viária infelizmente
demorou muito para ser completada, isso acontecendo quando as cargas agrícolas da Província já vinham sendo transportadas por
ferrovias. Embora o anel tenha tido pouca serventia, essa providência reveste-se de uma significação especial, pois demonstra que,
ao contrário do que usualmente se afirma, ocorreram durante o Império algumas intervenções urbanísticas – raras, porém efetivas
– que, para serem realizadas, tiveram de levar em consideração a visão de conjunto das cidades (fig.9).
É também por esse tempo que se vulgarizou o canto cortado nas esquinas – cujo exemplo mais antigo por nós identificado,
como já dito, remonta à década de 1810 – um agenciamento de natureza tecnoestética não consignado nas posturas, mas adotado
amiúde nos cruzamentos paulistanos a partir de 1850 e introduzido na recodificação das posturas de 1886, conforme se nota pela
leitura das Atas da Câmara e pela observação das fotografias tiradas da cidade por Militão de Azevedo entre 1862-1863 e em 1887.
Também novos tipos de revestimento de leitos viários foram introduzidos nesse período. Vieram substituir o calçamento
tradicional das ruas paulistanas, feito com pedras de má qualidade e cheias de arestas aguçadas, tão censurado pelos forasteiros.
Principiou-se pela ladeira do Carmo (1852), rua da Glória (1855) e rua Direita (1855-1856). Em ruas centrais ou em saídas de estradas
foi adotada a técnica de empedramento. Mais tarde, no tempo do presidente José Joaquim Fernandes Torres (1797-1869),
governante da Província entre 1857 e 1859 e entre 1859 e 1860, generalizou-se, por ser mais barata, uma forma simplificada de
macadame, técnica de origem inglesa considerada complicada e custosa. O novo revestimento era bastante frágil, tanto que os
jorros de água pluvial lançados pelos buzinotes estragavam-no com frequência. Em razão disso, obrigou-se a instalação de calhas
e condutores para que a água dos telhados chegasse ao solo já sem força. Essas novas formas de revestimento vieram
acompanhadas de abaulamento do leito viário e criação de passeios laterais marginados de sarjetas, segundo um sistema de
criação inglesa que vinha sendo adotado em todo o mundo ocidental. Situação bem diferente das ruas brasileiras, até então
desprovidas de passeios para pedestres e com uma calha central por onde corria as águas da chuva, não existindo, portanto,
segregação espacial entre passantes e cavaleiros, tropas ou carros de bois.
O novo conceito de espaço viário no qual havia uma clara hierarquização, separando a zona pietonal do leito viário facilitava o
deslocamento de veículos e animais e privilegiava a circulação de mercadorias e agentes de produção. Havia, no entanto, outro
motivo para a adoção de uma sistematização do espaço público. As ruas mal calçadas e ou sem revestimento se transformavam
durante o período das chuvas em verdadeiros lodaçais, com a permanência prolongada de poças expostas ao sol. De acordo com a
medicina miasmática, essa situação propiciava sérios focos de doenças. Revestir as ruas, portanto, tinha esse duplo objetivo:
melhorar o caráter sanitário do espaço urbano e, ao mesmo tempo, preparar o sistema viário para o crescimento do trânsito
rodante, resultante da futura prosperidade econômica das cidades.
Provém justamente desta fase os mais antigos registros fotográficos relativos aos espaços da cidade. Os primeiros
especialistas15 que esmiuçaram as imagens do início da década de 1860 fizeram questão de apontar os aspectos arcaicos,
“coloniais”, ciosamente documentados pelo fotógrafo carioca: a pavimentação irregular das vias públicas, o casario modesto e
malconservado, os carros de boi, as mulas, os balcões de rótula, a curiosidade algo arredia dos transeuntes, quase todos do sexo
masculino. Esqueceram-se porém esses especialistas de ressaltar os sinais positivos de progresso material, modesto mas efetivo,
que essas imagens também contêm: a adoção de um novo sistema de pavimentação, os passeios ao longo das testadas das
construções, delimitados por guias de cantaria, os primeiros postes de ferro usados pela iluminação à base de terebintina, a
expansão, o alargamento e a retificação de parte do traçado viário existente; a presença de nova técnica construtiva e de novo
estilo arquitetônico na cidade (a alvenaria de tijolos, ora suposta, ora explícita, e um estilo neoclássico nascente); as edificações de
recente construção. Afinal a São Paulo de 1862-1863 não era mero núcleo acaipirado imerso na mesmice entorpecedora, como
esses especialistas insistem em frisar. Muito pelo contrário, como estamos vendo, pairava sobre a modesta capital paulista uma
atmosfera provinciana, sim, mas cheia de esperança, uma atividade voltada para as realizações materiais bastante intensa, que só
seria superada a partir de 1870.
Nessa onda de indicações apresentadas à Câmara paulistana, não deixaram de se fazer ouvir as então recentes teses do
liberalismo econômico. A política de concessão de datas, suspensa temporariamente pelo governo central entre 1854 e 1859,
baseava-se agora na prática das “nações cultas e modernas”, que facilitava a distribuição das terras desocupadas do patrimônio
municipal, prática essa defendida por economistas para quem as terras apropriadas por particulares eram de maior o proveito e
vantagem do que aquelas que ficavam em comunhão16. Embora os vereadores justificassem a distribuição de terras devolutas de
modo a evitar o monopólio dos proprietários, que fazia aumentar “fabulosamente” o preço dos terrenos urbanos, o resultado era,
de maneira infalível, a concentração de datas nas mãos de poucos, conforme veremos adiante.
Entre 1859 e 1850, ousou a edilidade paulistana contrariar vários interesses ao pretender urbanizar uma área destinada a
servidão pública, a várzea do Carmo. Muitas discussões foram provocadas por essa atitude, prejudicial aos interesses das pessoas
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humildes que se serviam daquele logradouro como pasto de animais. Após traçar ruas arborizadas e praças, tencionava-se distribuir
as datas de terra daquela região aos munícipes de maiores recursos para que construíssem casas de aluguel destinadas às camadas
menos favorecidas. Ao mesmo tempo que procuravam resolver um problema de falta de moradia, antevendo o aumento da
população da cidade causado pela construção da futura ferrovia de Santos a Jundiaí, aguardada desde 1856, os edis buscavam
beneficiar, como sempre, os estratos dominantes, que teriam assim boas oportunidades de investir num negócio que parecia ser
bastante rendoso. Essas maquinações, entretanto, eram prematuras e a reação dos que queriam continuar a usufruir o logradouro
foi suficiente para pôr tudo a perder.
Naquela altura, contudo, já estavam cientes proprietários e moradores de que o futuro da cidade estava reservado às regiões
situadas a norte e a oeste. As possibilidades de expansão urbana eram muito limitadas. O Brás, a leste, encontrava-se
irremediavelmente afastado do Centro pela várzea alagadiça do Tamanduateí e, a sul, concentravam-se praticamente todos os
equipamentos poluidores e de desprestígio social – senão perigosos – da cidade, dos quais as pessoas de posses procuravam
afastar-se: a forca (desde os fins do século XVI no local ora ocupado pela praça da Liberdade); o cemitério de indigentes e de
enforcados (1775), na rua dos Estudantes; a casa da Pólvora(1785), no largo de mesma denominação; o hospital da Misericórdia
(em 1825 na chácara dos Ingleses; em 1840, num canto da rua da Glória) e também o matadouro municipal (1848-1853), erguido na
altura da rua Humaitá. Apropriadas ao uso residencial urbano das camadas sociais superiores só restavam a Luz, a norte, e a Cidade
Nova, a oeste, enquanto as áreas inundáveis ou de pouca acessibilidade, como o Brás e a Mooca, à época agradáveis arrabaldes
chacareiros, mais tarde se degradariam rapidamente, transformando-se, em razão da presença da via férrea que os atravessava,
em densos bairros industriais, habitados sobretudo por imigrantes italianos.
O reconhecimento dessas tendências de ocupação datava, ao menos, de 1851, pois nesse ano o engenheiro municipal chegou
a sugerir que o centro do rossio fosse, a exemplo do que ocorrera no Rio de Janeiro, deslocado do pátio da Sé para o pátio de São
Bento, mais a norte, porque a parte sul da cidade era muito pouco povoada. Com o deslocamento proposto, mais terras a norte
seriam incluídas dentre do rossio e assim reservadas ao uso residencial urbano.
Toda vez que algum desavisado pretendia localizar um equipamento indesejável seja a norte, seja a oeste da cidade, sua
iniciativa invariavelmente fracassava. Em 1830, um vereador cogitou transferir o matadouro municipal para os lados do Arouche e,
mais tarde, quiseram construir o cemitério municipal na Luz (1832) e depois no Campo Redondo (1855), também com resultados
nulos. Os moradores e os proprietários do Campo Redondo sabiam muito bem defender seus interesses, chegando a redigir abaixo-
assinados, se necessário, para rechaçar a implantação em sua vizinhança de equipamentos públicos que viessem ameaçar o futuro
imobiliário da região. Futuro esse, aliás, não tão distante, já que em, em 1859, a Câmara mandava prolongar as ruas da Cidade Nova
em direção a essa região, vinte anos mais tarde ocupada pelo mais elegante bairro então criado, os Campos Elísios.
Os casos de concentração das melhores datas nas mãos de uns poucos concessionários, acontecidos a partir de 1859, revelam
remotos sintomas de especulação fundiária surpreendida no seio da cidade tradicional. Por meio das Cartas de Datas desse ano,
por exemplo, ficamos sabendo que o barão de Antonina (1782-1875), morador na Luz, recebera dois lotes em locais diferentes na
mesma ocasião. E pelas Atas de 1881 tomamos conhecimento do destino de sete datas concedidas na região privilegiada da Luz a
concessionários diferentes no ano de 1860. Poucos meses depois da concessão, encontravam-se todas elas nas mãos de uma única
pessoa. Nas Atas datadas desse último ano lê-se ainda o desabafo do vereador Antônio Bernardo Quartim. Com sua costumeira
ingenuidade, trouxe a lume todo o processo de especulação e favoritismo que envolvia a política de concessão de datas na Capital.
Aludiu ao caso em que alguém conseguira reunir em seu poder 32 datas e, em sua opinião, a Câmara Municipal deveria concedê-
las a pessoas pobres, mesmo a outras pessoas, mas nunca a capitalistas e proprietários.
Só anos depois, a edilidade se tornaria sensível a esse tipo de argumentação. Nas Atas de 1868, por exemplo, flagramos
africanos pedindo datas no Caaguaçú (região situada na Mooca provavelmente e não na região da atual avenida Paulista) e vemos
um dos fiscais municipais se explicando porque concedia agora apenas uma data a cada indivíduo.
Em que pese o fato de a Câmara haver lutado pela obtenção da autorização de venda de terras devolutas do rossio próprias
para edificações urbanas, a fim de aumentar suas rendas, e tenha obtido esse direito por meio da Lei n.º439.de 17 de julho de 1852
(art.5º), nada se alterou no modo de proceder à concessão das terras urbanas da Capital. As datas continuaram a ser distribuídas
gratuitamente, pois assim, dizia-se, estava consignado na chamada carta de doação de Martim Afonso de Sousa (1490/1500-c.
1571), documento quinhentista sempre evocado para fundamentar a opinião daqueles que não concordavam com o aforamento
ou com a venda das terras do patrimônio público municipal.
Em 1863, recordava na Assembleia o deputado João Teodoro Xavier de Matos (1828-1878) que a consequência imediata dessa
política de ocupação do solo desenvolvida pela administração municipal de São Paulo fora o encarecimento súbito da mão de obra
e dos materiais de construção.
A verdade é que todos esses incidentes nada mais indicavam, em última análise, do que o reconhecimento, por parte de frações
das camadas superiores, do valor latente da terra urbana paulistana, valor gerado sobretudo a partir das expectativas
desenvolvimentistas fundadas na inauguração cada vez mais próxima da ferrovia inglesa (1867). E o fato de a Câmara conceder
apenas uma data a cada solicitante um ano após a inauguração da via férrea, como vimos acima, só confirma a nossos olhos que o
voraz apetite dos especuladores já devia estar então plenamente saciado.
Outro aspecto pelo qual a década de 1850 se destaca é o grande número de engenheiros nacionais e estrangeiros a que, por
estarem a serviço da província, trabalhavam na Capital : os alemães Carlos Abraão Bresser, Hermann Bastide e Carlos Frederico
Rath, este último médico, pintor e engenheiro; os ingleses Wiliam Elliot e John Cameron; os franceses Achille Martin d’Estadens,
que aqui atuava como empreiteiro de obras públicas; os nacionais Henrique de Beaurepaire-Rohan, futuro marechal e visconde
desse nome; Luís José Monteiro e José Jacques da Costa Ourique, engenheiros militares vindos da Corte; os paulistanos, brigadeiro
Francisco Antônio de Oliveira (engenheiro autodidata, ao que parece, diretor da fábrica do Ipanema, entre 1837 e 1838; diretor de
obras públicas, entre 1846 e 1847; diretor da penitenciária, até sua morte em 1871 e, em nossa opinião, autor do projeto do Teatro
de São José); Antônio Alexandrino dos Passos Ourique (1819-1850), o primeiro engenheiro municipal da Câmara de São Paulo;
Saturnino de Freitas Vilalva (?-1896), Francisco Gonçalves Gomide, Gil Florindo de Morais e Antônio José Vaz (?-1877) – todos
antigos alunos do extinto Gabinete Topográfico – e ainda José Porfírio de Lima (c.1810-1887), paulistano formado no Gabinete
Topográfico (1836-1838) e também na desaparecida Aula de Arquitetos Medidores, de Niterói. Atuou como vereador na Câmara
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paulistana durante alguns anos (1857-1862), período durante o qual muito contribuiu para a realização de trabalhos dentro de sua
área de atuação profissional. Outro personagem bastante ativo nos anos de 1850 foi Marcelino Gérard, empresário de obras
públicas, ao qual era atribuída ora a nacionalidade francesa, ora a italiana.
Esses profissionais não tinham, porém, a mesma capacitação. Uns eram engenheiros militares, outros, engenheiros civis,
aqueloutros, engenheiros práticos. Entre os estrangeiros havia Bresser, que apesar de ter sido sempre considerado em São Paulo
como engenheiro civil, tinha, segundo descobrimos ao consultar cópias de documentos originais provenientes de sua cidade natal,
Krefeld, na Alemanha, a formação de simples agrimensor. William Ellliot, inglês, acabou dispensado por incompetência; e dos
engenheiros franceses que trabalharam na cidade na década de 1860, um foi exonerado por seu trabalho ter sido considerado
insatisfatório (Charles Bernard) e outro, acusado de cometer irregularidades (Joseph Prudent). Quanto aos engenheiros práticos
do Gabinete Topográfico, como dissemos, haviam sido instruídos na precariedade, com a quase total falta de meios, tendo por isso
de recorrer a seu próprio esforço para tentar superar as lacunas de sua formação. Nos anos de 1860, quando as rápidas
transformações nas condições materiais da Província começaram a atrair engenheiros civis de nível superior formados na Corte e
no exterior, acabaram sendo sumariamente descartados do serviço público, como engrenagens desgastadas, já sem serventia, com
alguns deputados fazendo questão de desmoraliza-los profissionalmente durante os debates transcorridos na Assembleia em 1863.
Não podemos deixar ainda de ressaltar o nome de Cristino Wizewski, engenheiro polonês com experiência profissional de doze
anos em pontes e estradas da França, cuja contratação pelo governo provincial foi autorizada pela Assembleia em 1849. É mais
conhecido hoje por um ofício que endereçou à Câmara de Vereadores por ocasião da forte tempestade que se abateu sobre São
Paulo em janeiro de 1850, em consequência da qual algumas casas de taipa ruíram, juntamente com a ponte do Marechal ou do
Acu, projetada por Daniel Pedro Müller em 1809. Wizewski julgou então ser de grande interesse público exortar os paulistanos a
que abandonassem a terra socada como principal técnica de construção e adotassem a alvenaria de pedras ou tijolos como uma
forma bem mais segura de edificar.
Construída entre 1860 e 1867, a ferrovia inglesa ergue-se como um grandioso marco na história paulista. Sua instalação veio
responder à necessidade premente de uma via de comunicação eficiente entre o interior paulista produtor de café e o porto de
Santos. O constante mau estado das estradas paulistas causava grandes prejuízos à exportação e impedia a expansão dos cafezais
para oeste. A realização dessa obra memorável atraiu inúmeros engenheiros, estrangeiros e nacionais, que contribuíram de modo
expressivo para a elevação do nível profissional e para a divulgação dos trabalhos de engenharia, ainda pouco valorizados ou
mesmo desconhecidos pelas camadas dirigentes.
E o caso, por exemplo, do inglês James Brunless (1816-1892), renomado presidente do Instituto de Engenheiros Civis de
Londres, que aqui, além de se notabilizar pelo projeto do grandioso viaduto da Grota Funda (c.1865), executado para a via férrea
inglesa na região da serra de Paranapiacaba, teve a oportunidade de elaborar um plano de captação das águas da Cantareira para
o governo provincial em 1863. Outro engenheiro daquela ferrovia chamada a prestar serviços para a Província foi Daniel Makinson
Fox (1830-1918), que já em 1862 havia estudado a construção da estrada de Mogi das Cruzes ao Zanzalá. Em 1865, foi contratado
para projetar a ponte de ferro que iria substituir a ponte Grande de Santana, até então de madeira. Mais ou menos na mesma
ocasião o presidente Vicente Pires da Mota (1799-1882), governante da Província de 1862 a 1864, fazia vir da Corte para trabalhar
nas obras públicas paulistas um engenheiro inglês naturalizado chamado Newton Bennaton (déc. 1820-?). Entre outros serviços,
Bennaton realizou a planta do mercado municipal da Capital (1865) e o plano da ponte de ferro sobre o rio Pinheiros (1865), que
seria executada na Inglaterra graças à intervenção de John James Aubertin (1819-1900), superintendente da San Paulo Railway.
A mão de obra que ainda era tão escassa na cidade de São Paulo também se viu favorecida com a chegada de canteiros,
pedreiros e calceteiros alemães e portugueses, engajados por ordem de Antônio José Saraiva (1823-1895), presidente da Província
entre 1854 e 1855, para serem empregados no serviço das estradas paulistas. Repetia-se assim o expediente de 1838, quando o
governo da Província trouxera da Europa trabalhadores liderados por Carlos Abrão Bresser para abrir a nova estrada de Santos,
depois denominada estrada da Maioridade. Sob a direção do engenheiro Carlos Rath, trinta dos operários de 1854 trabalharam no
empedramento da rua da Glória. Esses operários estrangeiros, no entanto, não suportaram as rudes condições a que eram
submetidos, e muitos se evadiram. O governo provincial desiludiu-se com a experiência e rescindiu o contrato com a maioria deles,
dos quais muitos vieram engrossar o mercado de trabalho paulistano e contribuir para a melhoria da mão de obra local.
Em São Paulo, nova etapa tecnoconstrutiva se inicia com a já aludida inundação de 1850. Esse sinistro provocou o
desencadeamento de um processo de renovação da arquitetura da cidade a partir da reconstrução das casas desmoronadas
situadas nas proximidades do ribeirão do Anhangabaú, e do reerguimento da ponte do Acu. A taipa começou a partir de então, a
ser preterida pelo sistema de barrotes ou pela alvenaria autoportante de tijolos, técnica esta que no decorrer de duas décadas
prevaleceria por completo nas edificações paulistanas. Se os métodos construtivos aos poucos se modificavam, o mesmo não
acontecia com a linguagem arquitetônica da maioria das edificações, a qual, até a popularização do estilo neoclássico cortesão, se
manteria basicamente fiel à linguagem adotada na fase anterior, sendo quase impossível, pela aparência do edifício, identificar
com certeza, através de fotografias, o processo construtivo nele empregado – taipa, barrotes ou alvenaria autoportante de tijolos.
Logo no princípio da década de 1850, porém, o governo provincial tornou-se sensível à estética arquitetônica da Corte,
materializada não propriamente em exemplares construídos na Capital, mas em contatos habituais mantidos com o diretor da
Academia das Belas-Artes, o renomado arquiteto Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). No nível municipal, esse fenômeno
se reproduziu na sugestão formulada pelos edis de solicitar a ele o projeto de uma capela funerária para a futura necrópole
paulistana.
Aprovada a lei provincial de nº515 de 18 de abril de 1855, retornou à cena, temporariamente, a questão relativa à ereção de um
monumento à Independência, bastante ventilada entre 1825 e 1827. Os planos agora haveriam de ser fornecidos pelo governo
imperial: a construção seria implantada numa vasta praça e dela partiria uma rua em linha reta ao ponto mais próximo da Capital.
Os terrenos da praça e da rua seriam concedidos gratuitamente pelo governo da Província às pessoas que se obrigassem a construir
neles prédios que obedecessem a planos prévios executados por esse governo. Se, depois de concluída a obra, se verificasse a
existência de sobras das quantias subscritas, seriam elas destinadas pelo governo, de comum acordo com o prelado da diocese, à
edificação de um templo na praça do Ipiranga. Em nosso modo de entender, somente se pode visualizar tão vasto conjunto
monumental, concebendo-o inteiramente dominado pelos rígidos cânones do academismo cortesão.
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Embora os projetos acima citados não tenham passado de meras cogitações, deve-se reconhecer que a capital paulista vivia
naquela altura sob uma atmosfera mental completamente nova, onde a estética arquitetônica da Corte não mais se reduzia a uma
referência nebulosa, a que se fazia alusão por meio de alguns poucos elementos agregados às fachadas das construções
tradicionais, mas assumia a condição de um ideal a ser perseguido a todo custo, inclusive mediante consultas a uma das mais
abalizadas autoridades sediadas na capital do Império.
Naturalmente, tanto esforço não frutificou de imediato, ao menos no âmbito das construções públicas. É certo que o São José,
teatro provincial finalmente executado entre 1858 e 1864, teve seus planos sancionados por Porto Alegre, mas é igualmente certo
que a realização deturpada do edifício, pela qual foi responsável o incompetente empreiteiro Antônio Bernardo Quartim, teria sido
vigorosamente condenada pelo eminente arquiteto, se acaso houvesse sido submetida a obra “concluída’’ à sua oportuna
apreciação (fig.10).
Quanto à reconstrução da ala presidencial do palácio do Governo (1862-c.1864), levantada no fundo do antigo colégio jesuítico,
que servia então de sede governamental, também ela se revelou de minguado valor estético, não obstante o andamento dos
trabalhos tenha sido acompanhado pelo poder central por meio de fotografias enviadas ao Ministério dos Negócios do Império,
conforme documentação encontrada no Arquivo do Estado (quiçá uma das primeiras experiências de controle arquitetônico
exercido mediante o emprego dessa revolucionária técnica de captação e reprodução de imagens). Por intermédio da iconografia
subsistente, pode-se constatar com facilidade que o resultado final não conseguiu escapar da monotonia que caracterizava muitas
das realizações neoclássicas: uma interminável sequência de janelas de arco pleno e uma longa e insípida platibanda, totalmente
despida de acidentes decorativos (fig.11).
No âmbito das construções municipais, temos, contudo, a capela do cemitério da Consolação (1857-1858), realizada civil
alemão Carlos Rath. Uma construção de planta central cujas características externas se aproximavam modestamente da linguagem
arquitetônica oficial. E a capela do seminário da Luz (1853-1856), de fato uma obra de iniciativa diocesana, que apresentava um
frontispício um tanto dúbio, com um frontão triangular, rigidamente neoclássico, ao lado de arcos abatidos e sineiras de silhueta
manifestadamente barroca. No interior, porém, possuía abside e intradorso de cúpula iluminado por lanternim, detalhes
arquitetônicos estranhos, como se sabe, à tradição morfológica das igrejas luso-brasileiras. Talvez tenham sido esses pormenores
modernizantes, aos quais se agregava a presença de altares neogóticos e dos primeiros bancos para assistência instalados numa
igreja paulistana, os responsáveis pelo prestígio social desse pequeno templo, onde durante décadas foi habitual a celebração de
elegantes cerimônias de casamento.
Ainda na esfera da arquitetura religiosa paulistana, subjugada pela persistência das formas barrocas singelas e diluídas, típicas
da cidade, é possível identificar outra igreja que, em reforma naqueles anos, exibia traços externos de um mal compreendido
Neoclassicismo. Era a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que, a partir da reconstrução de sua frontaria, em 1858,
passou a apresentar um curioso frontão escalonado, perfurado por um óculo quadrado com uma das diagonais disposta em posição
perpendicular, solução tão pouco convincente do ponto de vista estético, que logo seria substituída por outra de índole barroca
tradicional.
Seu geometrismo ingênuo, contudo, não deixava de testemunhar uma interpretação popular e desinformada da notória
preferência neoclássica por ortogonalidades e linhas retas. Curiosamente, a concepção do frontão tão singular pode hoje ser
atribuída ao construtor português Caetano Ferreira Baltar, pois, conforme assentamentos inéditos encontrados no Arquivo
Histórico Municipal de São Paulo, era ele o empreiteiro responsável pela execução da obra (fig.12).
Foi nesta mesma fase, iniciada em 1850, que a Câmara de Vereadores começou a impor um conjunto de posturas com
exigências de medidas mínimas para a arquitetura privada paulistana, conhecido pelo nome de “padrão municipal”. De acordo com
o art. 71 do Regimento das Câmaras Municipais, a sua competência normativa no âmbito das construções particulares limitava-se a
velar pela “elegância e regularidade externa” das fachadas. Os sucessivos padrões postos em prática em São Paulo durante o
Império iriam exigir dos edifícios comuns uma expressão de dignidade nunca atingida até esses anos e que se traduziria no
alteamento dos pés-direitos e na harmonia das proporções clássicas das envasaduras situadas nas frentes dos prédios. As novas
exigências ocasionariam um flagrante contraste entre os edifícios recentes e as casas velhas de aspecto enfezado, em geral
anteriores ao último quartel do século XVIII, efeito que pode ser verificado em imagens captadas por Militão de Azevedo entre 1862
e 1863, tendo por assunto áreas da cidade pouco afetadas pelas reconstruções oitocentistas.
Vários são os exemplos que poderiam ilustrar bem essa questão: ocorre-nos, porém, evocar aqui o caso das construções
residenciais erguidas em 1857 no pátio de São Gonçalo (hoje praça João Mendes). Referimo-nos a dois sobrados e uma casa terreira,
edificados contiguamente à igreja daquele orago, cujos proprietários haviam solicitado à Câmara o realinhamento das respectivas
testadas, com o objetivo de retificar aquela face de quadra. O realinhamento executado deu ensejo à criação na cidade do primeiro
exemplo conhecido de renovação urbana intencionalmente realizada pela iniciativa particular em meados do oitocentismo. Não
obstante o caráter pontual da intervenção, o resultado positivo alcançado pode ser ainda hoje apreciado em foto de época que
permite a comparação entre os edifícios novos, cheios de dignidade formal e urbanidade, e a aparência acaçapada e introvertida
das construções antigas que compunham certamente as demais faces daquele largo (fig.13).
De fato, a década de 1850, relativamente rica em intervenções urbanas e reconstruções, propiciou o aparecimento de alguns
conjuntos arquitetônicos homogêneos, formados por edificações de tipologia formal inusitada. Fotos de certas vias públicas
paulistanas, tiradas naqueles tempos, permitem observar grupos de casas com ar bastante honesto, de linhas funcionalistas e sem
nenhuma decoração (rua da Constituição, atual Florêncio de Abreu; rua do Paredão, hoje Xavier de Toledo, e rua Municipal, a
General Carneiro de nossos dias), ao lado de construções com mais acentuadas inflexões neoclássicas.
Os dois sobrados erguidos na rua do Rosário (15 de Novembro), nas proximidades do largo do Palácio (pátio do Colégio), entre
1852 e 1854, residências de Domingos de Paiva Azevedo e de Antônio Cavalheiro e Silva; a sede da chácara Bresser, no Brás (ao
que se supõe, já existente neste último ano), e os prédios localizados nas ladeiras que desciam em direção ao Anhangabaú
anunciavam, por meio de pormenores decorativos, as mudanças que estavam por vir: pilastras caneladas nos ângulos das
construções, janelas coroadas com frontões retos, portas em arco pleno, abertas inclusive em cantos chanfrados de esquina,
agenciamento que se tornava mais usual a cada dia, e bandeiras com elaborados desenhos de pinázios (tulipas, leques, pétalas
etc.), na forma retangular das quais se inscrevia por vezes o semicírculo característico do novo estilo (fig.14). Na casa da chácara
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Bresser notava-se ainda, na face dando para o jardim lateral, uma empena a mimetizar um frontão, ornada com belo óculo de
forma elíptica (fig.15).
A análise do seminário da Luz, vasto edifício erguido em etapas, revela claramente o seu caráter de transição, tanto do ponto
de vista tecnoconstrutivo quanto formal. A primeira ala (1853-1856), levantada no caminho da Luz (avenida Tiradentes), junto do
ponto onde posteriormente se abriu a rua João Teodoro, foi executada num momento em que a produção de tijolos na cidade era
ainda muito pequena. Possuía paredes de taipa, telhado com largos beirais e janelas providas de frontões talhados no próprio
enquadramento de madeira. A outra ala, à esquerda da capela, levantada alguns anos depois (1858-1860), já tinha suas paredes
exteriores feitas de alvenaria autoportante de tijolos, conforme se nota em fotografia de Militão de Azevedo, e, por uma questão
de coerência, mantinha as mesmas características arquitetônicas da ala primitiva. Mas o observatório do frei Germano d’Annecy
(1822-1890), edificado nessa mesma ocasião na extremidade da nova ala, voltava sua fachada para o lado da cidade, e tal
circunstância deu oportunidade para que, nesta parte da construção, o novo gosto se manifestasse plenamente, seja nas amplas
janelas em arco de volta inteira e no grande olho de boi circular, seja no sóbrio e delicado desenho do guarda-corpo do terraço
(fig.16).
Ao que tudo indica, as primeiras residências erguidas na cidade sob o signo puro Neoclassicismo cortesão foram as
pertencentes a dois personagens saídos do mais elevado meio social paulistano, o tenente-coronel Fidélis Nepomuceno Prates
(1786-1865) (fig.17) e o delegado de polícia dr. José Maria Gavião Peixoto (1820 ou 1821-1883), um e outro com parentes ou
contraparentes ocupando altos postos na Corte.
Iniciadas, ambas, na segundo metade da década de 1850, essas sedes de chácaras, possuindo nítida aparência urbana, foram
pioneiras na ruptura definitiva como conformismo da arquitetura domiciliar paulistana. Correspondiam, em vários aspectos, aos
novos valores, aos novos hábitos e às novas necessidades de prestígio social de seus proprietários, legítimos representantes da
nova cultura urbana de elite, intimamente identificada com todos os signos sociais emanados da capital do Império. O pedido de
alinhamento da casa de Fidélis, construída na rua do Comércio da Luz (na atual avenida Tiradentes, esquina da praça Fernando
Prestes), remontava a 1857 e o relativo à casa de José Maria, edificada na antiga rua Alegre (rua Brigadeiro Tobias, esquina da rua
Washington Luís), datava do ano seguinte. Esta última trazia inscrita na cartela que se via no friso do entablamento a data de 1860,
ano em que, sabemos, a residência de Fidélis ainda permanecia inconclusa.
Como é óbvio, em ambas as construções foram empregados tijolos; platibandas e terraços denunciam facilmente o emprego
desses elementos construtivos. No entanto, conforme descobrimos por intermédio de fotos que registraram sua demolição em
1858, a casa de José Maria havia sido erguida com técnicas construtivas mais conservadoras. As paredes portantes consistiam em
estruturas autônomas de madeira com vãos preenchidos com grandes tijolos compridos, ao passo que as paredes de simples
vedação haviam sido executadas de acordo com a técnica das chamadas ”paredes francesas”. No caso da residência de Fidélis,
porém, é possível que nela já tenha sido empregada a alvenaria autoportante de tijolos, ao menos nas paredes estruturais, pois
sabemos que as paredes dessa construção, de acordo com antigas plantas, tinham grande espessura e que seu proprietário
adquirira uma olaria pouco antes dar início à construção de sua nova moradia.
Das duas, é a casa de José Maria que mais nos atrai do ponto de vista estético, graças à correta composição de seu frontispício,
em que se destacavam o rigor da ordenança clássica, o apuro dos ornatos e a equilibrada articulação das partes (dois térreos,
estreitos e cobertos por terraços, amparando o volumoso corpo central, de sobrado e coroado com frontão). O repertório dos
elementos arquitetônicos era o mesmo que vinha sendo correntemente empregado em todas as construções ricas da Corte e dos
demais centros adiantados do Brasil: envasaduras de arco de pleno cimbre emolduradas com cantaria, sutis bossagens nos
paramentos externos do térreo e frontão triangular, em cujo tímpano estavam estampadas as armas familiares lusitanas em meio
a delicados relevos espiralados de estuque. A platibanda, por sua vez, era interrompida nas prumadas das pilastras toscanas do
andar superior por pedestais, que davam sustentação a elementos decorativos de remate. A autoria do projeto é por nós atribuída
a algum profissional sediado na Corte ou de passagem por São Paulo, em virtude da correção das linhas da fachada. A realização
da obra, no entanto, acabou seriamente comprometida, em razão do ambiente cultural mesquinho que ainda subsistia na cidade.
A forma irregular do terreno em que foi erigida obrigou o corpo térreo situado na esquina a ter sua parede lateral convergente ao
corpo principal, o que destruía a pureza volumétrica característica do estilo, e, na parte traseira, o sobrado prolongava-se numa
construção sem nenhum caráter ou, antes, com declarado ar de anexo, incongruências que conferia uma vulgar falsidade de cenário
à aparência externa da edificação (fig.18).
O aspecto externo da casa de Prates, concebida, segundo se admite, pelo próprio proprietário, era bem mais sóbrio, ainda que
suas proporções fossem mais generosas que as do sobrado de José Maria. Concebido como um simples paralelepípedo, de grandes
dimensões, apresentava-se parcialmente recoberto de azulejos estampilhados portugueses, uma moda que o Neoclassicismo à
brasileira introduziu com dificuldade na cidade de São Paulo por conta do alto custo desse tipo de material de revestimento. A
ordem jônica limitava-se às pilastras de esquina, e dos vãos de verga reta somente se diferenciava a entrada principal, em arco
pleno. Nos cantos superiores da platibanda inteiriça, figuras alegóricas de faiança procuravam inutilmente imprimir alguma
animação àquela massa compacta um tanto inexpressiva, poucas décadas mais tarde vista pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos
de Azevedo (1851-1928) como um exemplar de arquitetura “grave e triste”.
Na realidade, essas residências neoclássicas estavam introduzindo muitas novidades, não só dos pontos de vista
tecnoconstrutivo e formal, mas também do programático. O espaço dedicado à sociabilidade, se antes geralmente bastante
restrito, desdobrava-se agora em várias salas, no mínimo em número de três. Guarnecidas com distinta decoração e mobiliadas
com certo requinte (em que não faltavam quadros pendurados por cordões de seda, cortinas adamascadas, papéis de paredes de
diferentes padrões, escarradeiras de porcelana, bibelôs e arranjos florais secos protegidos por redomas), eram essas dependências
reservadas a atividades altamente especializadas, como, por exemplo, sala de espera, sala de visitas, sala de música, sala de jogos,
sala de costura, biblioteca etc. Muitos elementos construtivos se mostravam agora aperfeiçoados em relação aos da fase anterior,
alguns desses elementos sendo executados na Corte, quando não trazidos de fora do País. Sob esse aspecto, o Neoclassicismo e o
Historicismo/ Ecletismo, posto em voga, como veremos, na fase seguinte, constituem dois estágios complementares, sucessivos e
progressivos, na introdução de técnicas, materiais e elementos de construção atualizados, necessários ao esmero construtivo e
higiênico das edificações paulistanas.
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Por outro lado, o conceito de andar nobre permanecia perfeitamente válido, com os ambientes de aparato e os aposentos
familiares localizados no primeiro andar do sobrado, enquanto os serviços e as peças secundárias, e às vezes até peças de receber,
se esparramavam pelo pavimento inferior, como aliás já aparecia no solar do barão de Itapetininga (c.1830). As áreas de
distribuição e a circulações verticais de uso social também passaram a ser objeto de dignificação estética. Iluminadas a partir do
alto por lanternins de vidro, de indefectível formato cônico, as escadas se transformavam, às vezes, em verdadeiras peças artísticas
de marcenaria, assumindo formas variadas, sempre plasmadas com elegantes curvas.
Com a evolução dos conceitos de higiene (as recentes teorias miasmáticas recomendando agora a insolação e a ventilação
constante de todos os ambientes), os cômodos passaram a contar com janelas para a devida aeração e iluminação direta, sendo as
portas internas das casas sempre providas de bandeiras basculantes, de modo a garantir a permanente circulação de ar, não sendo
mais admitidas nas casas mais importantes as alcovas obscuras e abafadas do passado. E, além disso, foram surgindo no seio dos
estratos privilegiados, outras necessidades burguesas, como a de maior intimidade e isolamento dos membros da família, aspecto
satisfeito, por exemplo, por meio da independência das acomodações. Malgrado continuassem interligados por portas de
comunicação (o que era bastante prático, pois, se preciso, facilitava o rearranjo interno das habitações), os compartimentos, além
de possuir janelas, deveriam ser acessíveis através de áreas de circulação independentes, sendo esse novo tipo de agenciamento
devidamente valorizado nas ofertas de imóveis publicadas na imprensa diária pelo menos desde os primeiros anos de 1860.
Ainda outros exemplares pioneiros de arquitetura neoclássica podem ser identificados em imagens que o fotógrafo Militão
deixou da São Paulo de 1862/1863: um sobrado de três andares revestido de azulejos amarelos, situado na rua da Imperatriz (15 de
Novembro), com suas aberturas arqueadas, molduras de cantaria e crateras de louça a realçar os topos da fachada (cuja autoria,
com ou sem razão, foi atribuída ao português Caetano Ferreira Baltar (fig.19). Além do estilo arquitetônico, esse sobrado chama a
atenção por sua tipologia, na época bastante incomum. De uso misto, o prédio tinha o térreo reservado ao comércio, enquanto os
pisos superiores estavam ocupados com uma residência em cada andar. Como vemos, distante prefiguração dos futuros prédios
de apartamentos, tipologia que só oitenta anos depois se firmaria na cidade. Além deste exemplar, podemos citar uma construção
na rua do Comércio (Álvares Penteado), esquina da rua da Quitanda, um pequeno e antigo térreo reformado em 1862, em que se
instalou a confeitaria do Leão, cuja frontaria era toda dividida em painéis de faiscado, com cunhal arredondado, portas
transformadas em vitrinas e platibandas pontuadas de crateras e leões deitados, cuja presença justificava decerto o nome do
estabelecimento comercial. Seguramente, a primeira casa de comércio paulistana se pautar pela aparência das casas similares da
Corte (fig.20).
Mas, sem dúvida nenhuma, o edifício neoclássico mais bem realizado em São Paulo, ao menos, no que se refere a sua aparência
externa, foi o hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência, obra do “arquiteto” português Manuel Gonçalves da Silva
Cantarino. Há indícios de que esse profissional – que em nossa opinião não passava de um mestre de obras muito talentoso – estava,
de início, estabelecido na Corte, só tendo chegado a Campinas na década de 1860, após ter passado talvez pelas cidades do vale
do Paraíba. Um ano depois de elaborar o risco do hospital paulistano, que é de 1866, Cantarino reformava, em Campinas, cidade
em pleno florescimento econômico, a fachada do teatro São Carlos, tornando-o notável exemplar de arquitetura neoclássica luso-
brasileira, e idealizava, no mesmo estilo decerto, o frontispício da matriz local, projeto que, no entanto, não se concretizou.
Embora executado entre 1873 e 1876 (durante a fase seguinte, portanto), na atual rua Brigadeiro Tobias, o hospital, do ponto
de vista estilístico, pertencia à linguagem arquitetônica admitida na cidade no decorrer dos anos de 1850 e 1860. Sua fisionomia
original, felizmente, sobrevive em fotografia. Tratava-se de uma extensa fachada assobradada (um pavimento sobre porão),
composta de nove vãos no pavimento superior, com antecorpo central compreendendo três aberturas e encimado de frontão.
Acima do entablamento, desenvolvia-se uma platibanda azulejada, intercalada de pedestais nas prumadas das pilastras, sobre os
quais repousavam belas crateras de faiança. E, no tímpano do coroamento central, num medalhão de estuque, figurava a
tradicional alegoria da Caridade (Nossa Senhora da Misericórdia a estender o manto sobre os necessitados de diferentes categorias
sociais) (fig.21).
Volumes geométricos elementares, discretos ornatos modelados em estuque aplicados sobre paredes lisas, corpos centrais
rematados com frontão reto, arcos de meia volta, panos de azulejos semi-industrializados e platibandas eriçadas de crateras ou
outros ornamentos coloridos e reluzentes compunham, juntos, a receita neoclássica mais divulgada na Corte e nas cidades ricas do
Nordeste, mas pouco conhecida na cidade de São Paulo. Aí, o casario, ainda de linhas tradicionais, acolheu, no primeiro instante,
as aberturas em arco de círculo; mais tarde, contudo, surgiram mais uma vez as vergas retas, adornadas agora com sobrevergas de
massa igualmente retas, molduradas, sustentadas por mísulas e inseridas em edifícios guarnecidos de grandes cimalhas enfeitadas
com modilhões e com platibandas despidas de ornamentação ou singelamente almofadadas. Nestes últimos edifícios, os arcos,
quando presentes, ficavam em princípio restritos às portas de comércio situadas no rés do chão, de acordo com um modelo formal
que se manteve válido até o final do Império, mesmo quando novas linguagens já gozavam do favor público (fig.22).

3- O avanço da modernização

A partir de 1870, começaram a ficar evidentes os primeiros traços de crises em escala nacional. Crises de origens distintas que
iriam encontrar seu desfecho na proclamação da República 17.Podemos citar a crise de consciência, pois afinal o Império nunca
contou com uma ideologia que pudesse sustentá-lo; a crise política, com retorno das ideias de republicanismo, federalismo e
descentralização (e com as críticas frequentes ao sistema eleitoral do Império, baseado no regime censitário); a crise econômica,
advinda da lavoura cafeeira nas últimas décadas do Império; a crise financeira, resultante da inflação gerada no final da guerra do
Paraguai; a crise social, representada pelo surto da imigração e pela sobrevivência da escravidão; a crise militar, desencadeada pela
consciência que os militares foram tomando desde o fim da citada guerra, acerca de sua marginalização no desenvolvimento
institucional do País; a crise cultural, representada na literatura pela transição do Romantismo para o Parnasianismo e o Realismo,
e, acrescentaríamos nós, no âmbito da arquitetura, pela transição do Neoclassicismo para o Historicismo e o Ecletismo, denunciado
na Corte pelo engenheiro Luís Rafael Vieira Souto (1849-1922).
No domínio da organização urbana paulistana, observamos que setores progressistas das elites insistiam em implementar o
modelo de cidade eficiente, só consolidado de fato após 1875. Conforme teses da história econômica, uma nova forma de
14

capitalismo – agora fundamentada no capital produtivo – havia surgido nos cafezais do Oeste paulista, ao término da guerra do
Paraguai. Os reflexos dessa nova ordem econômica, contudo, demoraram a dar frutos na capital da Província.
Em 1873, segundo denúncias divulgadas pela imprensa, já desfrutava a Província de boas condições econômicas, garantida
pelo transporte ferroviário, mas a prosperidade das lavouras de café apenas repercutia na Capital. Iluminação pública caríssima (o
querosene, empregado desde 1863 no lugar da terebintina com álcool, cedeu o lugar ao gás hidrogênio carburado ou gás de hulha,
fabricado localmente por empresa inglesa no gasômetro do Brás desde março de 1872); abastecimento de água incompleto e
precário (um problema crônico até então jamais solucionado); algumas linhas de bondes, que desde 1872 só duas cidades paulistas
possuíam, Santos e São Paulo. Ruas bem calçadas e alinhadas, prédios elegantes e limpos, edifícios importantes, praças regulares
e arborizadas, água e esgoto nas casas, banheiros e lavanderias públicas faltavam em todas cidades da Província, até mesmo na
Capital. A Província dispunha de meios, mas não lançava mão deles simplesmente porque não queria. A falta de prédios na cidade
era gritante. A população aumentava consideravelmente (a cidade contava com 31 mil habitantes em 1872); São Paulo progredia
graças às fáceis e vantajosas comunicações propiciadas pelas estradas de ferro, porém, havia escassez quase absoluta de casas que
pudessem ser alugadas18.Outro artigo, publicado no Correio Paulistano em 1875, constatava que as edificações paulistanas
continuavam a ser as mesmas, “antiquíssimas” sem beleza alguma, enquanto em outras cidades do Império, e até mesmo da
Província, menos importantes, tratava-se de edificar pelo “sistema moderno” [alvenaria autoportante de tijolos e linguagem
arquitetônica neoclássica] que primava pela elegância como por outras condições indispensáveis 19.
Contrastando com tantas carências e insuficiências, achava-se, no entanto, o primeiro código de posturas paulistano, aprovado
em 1873, com sua importante disposição contra as rótulas (vedos feitos de treliças de madeira em portas e janelas para impedir a
visão dos passantes a partir do exterior das casas), que resistiam bravamente nas envasaduras das casas térreas e nos balcões dos
sobrados velhos da cidade, numa clara demonstração de que a batalha definitiva contra os últimos resquícios do lusitanismo arcaico
já se havia iniciado. Esses tradicionais dispositivos de proteção dos interiores e de moderação de luz começaram assim a ser
definitivamente eliminados. Além de serem considerados inestéticos e indicadores de “bárbaros costumes”, eram
responsabilizados pela obscuridade e abafamento das casas paulistanas, uma grave ameaça à saúde pública, portanto.
Embora o historiador Eurípides Simões de Paula (1910-1977) tenha datado a segunda fundação da cidade de São Paulo do
tempo do presidente João Teodoro, num estudo que desenvolveu sobre o assunto em 1936, uma revisão interpretativa mais
acurada revelaria que a mentalidade burguesa – valorizadora da racionalidade , competência e eficiência – só passou a predominar
de fato nas obras públicas provinciais a partir da administração de Sebastião José Pereira (1834-1881), governante da Província
entre 1875 e 1878, com a reorganização da Diretoria de Obras Públicas e com a nomeação, para o cargo de diretor, do competente
engenheiro rio-clarense Elias Fausto Pacheco Jordão (1849-1901), primeiro paulista a se formar e doutorar em Cornell, EUA.
João Teodoro, do Partido Conservador, presidente da Província entre 1872 e 1875, teve o governo perturbado por uma forte
oposição na Assembleia. Era, na verdade, um personagem cheio de idiossincrasias, e sua gestão aguarda uma oportuna reavaliação
crítica que os historiadores contemporâneos insistem em não querer fazer. Isolou-se em palácio e fez aplicar todos os recursos
provinciais na Capital; fê-lo, entretanto, sem planejamento, e “sem ouvir os homens profissionais”, de acordo com acusações da
bancada liberal. Num de seus relatórios, justificou com ênfase profética as transformações pelas quais a Capital ia passar:

A Capital, engrandecida, circumdada de attractivos e gozos, chamará a si os grandes proprietarios e capitalistas da Provincia,
que nella formaráo [sic] seus domicilios, ou temporarias e periodicas residencias.
O commercio lucrará, ampliando seu consumo.
As empresas se fundaráo [sic] com os recursos vastos e accumulados de seus novos habitantes.
As forças productivas da população, emfim, serão mais fecundamente empregadas.
Os factos já vão confirmando estas apreciações, graças ás facilidades proporcionadas pelas linhas ferreas.
A população tem crescido extrordinariamente na capital durante o anno precedente.
Os alugueis dos predios de todas as classes subirão, como signaes da raridade ou de insufficiencia; as novas construcções se
multiplicarão.
Os homens ricos e abastados procurão comprar casas de elevado preço na Capital para effectuarem suas mudanças, ou
gozarem por algum tempo das commodidades que offerece. [...]

(RELATORIO apresentado á Assembléa Legislativa Provincial [...] no dia 14 de Fevereiro de 1875, p.38)

Os acontecimentos desenrolar-se-iam de maneira a confirmar as previsões de Teodoro expressas nesse relatório. Com efeito,
foram as novas vias de comunicação que possibilitaram a ascensão da cidade de São Paulo à condição de centro financeiro da
Província, tornando-a polo de atração para os grandes proprietários do interior, que se transferiam para a Capital para daí melhor
defender seus interesses e gerir a exportação de sua produção agrícola.
João Teodoro quis preparar e embelezar a cidade para essa elite, no entanto, o máximo que conseguiu fazer foi promover
várias obras públicas de modo precipitado. Entre elas, achavam-se as toscas construções sob a responsabilidade de um de seus
protegidos, o capitão da Guarda Nacional Antônio Bernardo Quartim, “supremo arquiteto das obras públicas da Capital “, como
era ridicularizado nos jornais22.
As críticas dos deputados da oposição durante as sessões na Assembleia iam da indignação ao sarcasmo. As quatro ou cinco
obras provinciais que estavam sendo levantadas pelo empreiteiro Quartim – o que fazia crer que tivesse o dom da ubiquidade –
desfaziam-se antes mesmo de terminadas: assim havia acontecido com a ponte do [aterrado do] Gasômetro (1874); com as ruas
do Hospício (1873) e do Conde d’Eu (1875), desmanchadas seguidas vezes; com a torre do observatório do Jardim Público (1874),
que já saia da perpendicular (popularmente chamada canudo de João Teodoro) (fig.23), e com a sede da Escola Normal (1874-1877),
cujas arcadas cediam com o prédio ainda em construção.
Esse último edifício, do qual o presidente muito se envaidecia, era uma completa aberração, pois para contentar o presidente
da Câmara da Capital, amigo seu, conforme se dizia na Assembleia, não hesitara em pretender reunir sob o mesmo teto o mercado
de verduras municipal e a Escola Normal da Província. Com esse expediente procurava desculpar o fato de o governo provincial
estar a erguer uma obra de interesse municipal. A essas duas atividades incompatíveis, mercado e escola, foi agregada depois mais
15

uma, o Tesouro Provincial, passando a construção a ser nomeada a cada momento de uma maneira diferente: “praça de mercado
de verduras”, ”edifício para escola normal” ou “grande edifício da instrução pública” e ainda “palácio do Tesouro Provincial”.
O jornal satírico O Polichinello23, de 1876, estava cheio de charges e anedotas ironizando as obras públicas erguidas durante
sua gestão. Podemos afirmar, em suma, que, não obstante sua visão de um futuro burguês para a Capital, graças à riqueza do café,
à presença da ferrovia e aos primeiros sinais de uma industrialização incipiente, o presidente João Teodoro não conseguiu despojar-
se da concepção antiquada que mantinha em relação à sociedade efervescente em que vivia. Achava-se de tal modo enredado em
laços de amizade, patronato e familismo, que lhe devia ser impossível adotar um padrão de conduta que fizesse nítida distinção
entre as esferas do público e do privado. Daí o ato de ir buscar auxílio entre pessoas que lhe demonstravam gratidão ou que lhe
inspiravam confiança pessoal, sem atentar para a capacitação técnica e retidão de seus subordinados, chegando a ponto de, com
isso, desrespeitar a preexistente estrutura da administração provincial.
Sebastião Pereira, que o sucedeu, ao contrário, demonstrou durante sua administração real empenho em valorizar os
engenheiros provinciais, ciente do papel que cabia a esses profissionais na nova sociedade em gestação. Por isso convidou Elias
Fausto Pacheco Jordão para ocupar o cargo de inspetor geral das obras públicas em 1876, cargo que este último conservou até
1880. No mesmo ano em que tomou posse, Jordão projetou a primeira das escolas primárias provinciais, situada no largo do
Arouche, conferindo-lhe aparência decididamente anglo-saxônica, e pretendeu fazer adotar nela móveis e utensílios como os que
eram usados nos EUA, num claro exemplo de influência cultural a que estavam expostos esses rapazes brasileiros educados no
estrangeiro.
Com as reformas introduzidas na Repartição de Obras Públicas por Sebastião Pereira, passou a prestar serviços para a
Província, em 1876 ou 1877, na qualidade de chefe do 2º Distrito de Obras Públicas, o engenheiro francês Eusébio Stevaux (1826-
1904), formado na famosa Ecole des Ponts et Chaussées, de Paris, e com residência na Província desde 1871. Já devia ser bastante
conhecido, pois Pacheco Jordão logo mandou chamá-lo em Guaratinguetá para vir reformar a antiga Casa de Câmara e Cadeia
paulistana, transformando-a em Paço da Assembleia Provincial e Câmara Municipal (1877-1879). A partir dessa obra, executada
sob a influência da arquitetura do Segundo Império francês, até 1885, quando pediu exoneração do serviço público, Stevaux
assumiu o total controle das construções oficiais paulistas erguida na Capital, remodelando velhas propriedades governamentais
ou construindo novas obras públicas: Palácio da Presidência, 1881-1886(fig.24); Secretaria de Fazenda, 1881, deixada inconclusa;
novo portão do Jardim Público, 1881-1883, e Faculdade de Direito, 1884-188524(fig.25).
O desenvolvimento de uma pujante riqueza gerada pela economia do café proporcionaria condições para que empresários,
alguns deles fazendeiros, se mostrassem interessados em expandir seus negócios, ingressando em atividades econômicas urbanas.
Graças à farta distribuição de concessões de privilégios feita pelo governo, puderam os representantes desse novo setor
empresarial explorar rendosos serviços urbanos numa cidade quase totalmente desprovida de infraestrutura. Seriam assim
organizados, ao longo dos decênios de 1870 e 1880, vários serviços públicos: o transporte coletivo, representado pelos bondes
puxados a burro (1872); a rede de água e esgotos (1883); 0 telefone (1884); a luz a gás hidrogênio carburado (1872), e a luz elétrica,
produzida por termelétrica a carvão (1888).
A partir de 1883, instalaram-se em vias públicas os primeiros mictórios públicos e os primeiros quiosques de madeira, nos quais
se abrigou um comércio popular de loterias e petisqueiras, e ainda nesse mesmo ano foi admitida a propaganda comercial nos
muros da cidade. A criação de serviços de telegrafia urbana, de telefonia e, pouco depois, de iluminação elétrica em casas de
particulares, fizeram surgir redes aéreas de transmissão de energia sustentadas por postes (1887), constituindo esses dois últimos
elementos, fiação e posteamento, juntamente com os outros já citados, os primeiros agentes de degradação da paisagem urbana
paulistana, contra os quais seriam tomadas algumas medidas restritivas, ao menos para o centro da cidade, nos derradeiros anos
do século XIX (a Lei Municipal nº 366 de 12 de agosto de 1898 proibiu a colocação de postes para sustentação de fiação elétrica nas
ruas centrais da Capital).
Pretendendo melhorar a acessibilidade das terras urbanas situadas na margem esquerda do ribeirão do Anhangabaú, então
consideradas as mais promissoras em termos econômicos, resolveram dois dinâmicos empresários estabelecidos em São Paulo
construir, na década de 1880, formas modernas de comunicação viária entre o Centro e a parte ocidental da cidade.
Em 1879, o litógrafo francês Victor André Jules Martin (1832-1906) submeteu à Câmara de São Paulo sua intenção de erguer
um bulevar sobre arcos de pedra para transpor o vale do Anhangabaú, em continuação à rua Direita. Seu objetivo era diminuir a
distância entre a zona central e a recém-loteada chácara do Chá, pertencente ao falecido barão de Itapetininga, região muitas
décadas mais tarde transformada no chamado Centro Novo. A princípio, a ideia foi bem aceita, mas seu desenvolvimento acabou
retardado por uma série de contratempos, entre eles, uma questão que se tornou célebre: a desapropriação da casa do falecido
barão, naquela altura residência do barão de Tatuí, então casado com a viúva do primeiro proprietário.
Erguida finalmente entre 1889 e 1892, a construção tomou forma definitiva de um viaduto metálico, com a estrutura fabricada
na Alemanha. Sua inauguração foi festejada com grande entusiasmo por parte da população de São Paulo, pois além de ter
facilitado o acesso a uma área de difícil comunicação, o viaduto, com sua aparência resultante do moderno processo de produção
industrial, não deixava de estar envolto em uma instigante aura de novidade e progresso (fig.26). Com o tempo, porém, o que fora
no começo recebido com orgulho, passou a ser visto com outros olhos. Logo nas primeiras décadas da República, as autoridades
municipais tentaram substituí-lo por uma construção de aparência mais decorosa, pois, na São Paulo do alvorecer do século XX já
não era admissível manter uma estrutura de aspecto agressivamente utilitário, completamente despida de ornatos, instalada num
dos pontos mais importantes da Capital.
A outra iniciativa digna de nota ocorrida nos anos de 1880 foi a do engenheiro alemão Alberto Kuhlmann (1845-1905),
proprietário da estrada de ferro que levava a Santo Amaro (1886). Em 1888, Kuhlmann obteve a concessão de um privilégio para
explorar uma via férrea elevada, a vapor, pela rua São João, sistema que poria em comunicação a rua São Bento e o largo Paiçandu.
Esse curioso projeto, que tinha o mesmo objetivo que do de Martin, de permitir a transposição do vale do Anhangabaú, acabou não
sendo realizado, ficando a necessária interligação viária a aguardar a construção do viaduto de Santa Ifigênia, só efetivada no início
do século seguinte (1910-1913).
16

Ainda outras propostas de caráter urbanístico surgiram naqueles anos de 1880. No intuito de melhorar a circulação de veículos
da Capital, cujo Centro se encontrava encarapitado no alto de uma colina de exíguas proporções, chegou a ser sugerida pelo
governo provincial, em 1886, a criação de avenidas circulares concêntricas, baseadas, sem dúvida, nas Ringstrassen de Viena (1857-
1865), e, entre 1885 e 1888, cogitou o mesmo governo abrir aquela que teria sido a primeira avenida da cidade de São Paulo.
Levantada inicialmente pelo engenheiro Eusébio Stevaux e, a seguir pelo engenheiro italiano Luís Pucci (1853-?), a avenida, em sua
última versão, partiria do palácio-monumento do Ipiranga (1885-1895), então em construção, seguindo em linha reta em direção à
igreja matriz do Brás. Todos esses exemplos, demonstram, enfim, a intensa fermentação de ideias urbanísticas inspiradas em
realizações europeias de recente execução, as quais iriam estimular cada vez mais a imaginação de nossa elite governante,
fazendo-a sonhar com um futuro espacialmente mais ordenado e radioso para a capital paulista.
À proporção que o governo da Província ia marcando sua presença por meio dos trabalhos públicos que julgava conveniente
empreender, e concomitantemente às ambiciosas propostas apresentadas pela iniciativa privada, as quais muitas vezes eram de
difícil viabilização, ia a Câmara atuando com igual empenho dentro do âmbito de suas atribuições. Os padrões edilícios com
exigências mínimas, aprovados sucessivamente em 1874, 1886 e 1889, visavam aprimorar a aparência externa das edificações
particulares25. Ao mesmo tempo, as prescrições urbanísticas de 1875 e 1884 estipularam sucessivas larguras para as vias públicas
(13,22 m e 16,10 m, respectivamente) e as posturas vigentes, codificadas, como aludido acima, pela primeira vez em 1873, foram
substituídas dois anos depois por um outro código, que acabou reorganizado e atualizado em 1886.
É possível notar também, por meio das Atas da Câmara, que o aparato fiscalizador da edilidade começou finalmente a dar
resultados palpáveis. A exemplo do que vinha acontecendo na Corte, a municipalidade decidiu conceder trechos de certas vias mais
largas para que particulares pudessem, avançando sobre o espaço das ruas, ajardinar a frente de suas casas (1875), o que veio dar
força à adoção de uma nova forma de implantação de edifícios domésticos em zonas suburbanas, não mais erguidos junto das
testadas dos lotes, mas recuando alguns metros para a criação de pequenos jardins.
Seguindo a estética romântica europeia, e de acordo com as prevalecentes teorias miasmáticas, desvanecia-se o terror
provocado pela medicina tradicional com relação a presença de árvores nas proximidades das zonas habitadas, quando se
acreditava que a sombra de algumas delas podia causar doenças.
Além disso, foi introduzido o paralelepípedo de granito na pavimentação das ruas principais (1873), surgiram os primeiros
logradouros gradeados e arborizados – largo Municipal, 1879 (fig.27); largo de São Bento e largo de Palácio, 1886 (fig.28) e, nas
esquinas, o canto arredondado passou a concorrer com o canto cortado (a partir do padrão que entrou em vigor em 16 de fevereiro
de 1889 ambos agenciamentos foram admitidos oficialmente na cidade).
A crise inflacionária que eclodiu em 1875 é tradicionalmente apontada como uma das causas responsáveis pela expansão física
da Capital, já que os empreendedores econômicos apenas agora se sentiam motivados a investir em bens de raiz. Outras razões
foram citadas na época para a frenética especulação fundiária sucedida no ocaso do Império: a diminuição da construção de vias
férreas de primeira e segunda ordem, ocorrida ao mesmo tempo que algumas empresas ferroviárias reduziam seus dividendos,
desestimulou o emprego de dinheiro em ações de estradas de ferro; a previsão da extinção da escravatura, que acarretaria a
depreciação das propriedades agrícolas, e o temor de acontecimentos políticos nefastos para as finanças do País, que podiam
acontecer a qualquer instante, também levaram os capitais paulistas a serem empregados em prédios e terrenos da Capital.
Conseguimos identificar um desses responsáveis pela renovação e ampliação do patrimônio construído paulistano na figura
do major da Guarda Nacional Benedito Antônio da Silva (?-c.1899), mencionado por Junius (pseudônimo de Firmo de Albuquerque
Diniz,1828-?)26 como “Major B.” Irmão do barão de Tietê (1893-1877), iniciou-se como negociante em Santo Amaro. Possuía loja de
fazendas e ferragens e negócios de secos e molhados nessa localidade, onde ocupou o cargo de presidente da Câmara Municipal.
Amealhando fortuna considerável, transferiu-se para a Capital, onde veio desenvolver várias atividades empresariais, entre elas, a
de empreiteiro de obras públicas e a de construtor civil. Comprava casas velhas, “ verdadeiras ruínas”, segundo a expressão usada
por um dos personagens de Junius, mandava demoli-las e em seu lugar erguia “lindos palacetes”. Raffard27 menciona outro desses
influentes capitalistas, promotores do surto imobiliário da Capital, o opulento fazendeiro José Estanislau do Amaral Campos (1855-
1947), pai da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), que da mesma forma aplicava parte de seus grandes haveres, obtidos na
lavoura de café, em edificações modernas, muitas das quais no distrito de Santa Ifigênia. E poderíamos citar ainda o advogado João
Ribeiro da Silva (c.1835-1882), dono da renomada olaria do Bom Retiro e da primeira fábrica de pedra artificial da cidade, que para
estimular as vendas de seus terrenos em Santa Ifigênia trouxe de Pindamonhangaba, em 1878, o conhecido arquiteto francês
Charles Peyrouton, formado na Academia de Bordéus, para confeccionar projetos de casas e chalés especialmente concebidos para
os terrenos que vendia, num esquema de negócio imobiliário bastante arrojado para a época.
Na ótica do jurista João Mendes de Almeida Júnior28 (1853-1923), foi com o código de posturas de 1875, arts. 20 e 23, que a
alienação de terras do patrimônio municipal deixou de ser gratuita, como o fora anteriormente, e passou a constituir uma “venda”
com cláusula de caducidade (para o caso de o concessionário, ou melhor, o agora comprador, não iniciar a edificação em sua data
dentro do prazo de seis meses contados a partir da respectiva aquisiçã0). Enquanto as demais Câmaras da Província, continuavam
concedendo datas por aforamento, a edilidade paulistana cobrava um “imposto” por metro quadrado de terreno concedido,
fazendo surgir na cidade uma transição para o atual sistema de propriedade da terra urbana, tão sutil e imperceptível que, segundo
Mendes de Almeida Júnior, nem mesmo a Assembleia Provincial percebia, em 1881, as consequências do que estava acontecendo
na Capital.
A venda propriamente dita de terrenos devolutos do rossio seria, no entanto, de novo autorizada à Câmara paulistana pela
Resolução Provincial nº 23 de 16 de julho de 1881 (art. 4º do Tít. IV), desta feita para terrenos da várzea do Carmo somente. Como
o projeto de urbanização longamente meditado para aquela região acabou mais uma vez não sendo realizado, a venda das terras
municipais da Capital só se efetivaria sob a República, a partir de 1891, como veremos adiante.
Em 1887, o então barão do Parnaíba (1831-1888), presidente da Província entre 1886 e 1887, determinou fosse realizada a
17

primeira medição científica do rossio paulistano, isto é, com o emprego de modernos instrumentos de precisão, empregados na
execução de trabalhos geodésicos e topográficos. Essa incumbência vinha sendo sistematicamente adiada desde que o Aviso do
Ministério dos Negócios do Império – Repartição Geral de Terras Públicas de 12 de outubro de 1854 havia condicionado a alienação
das terras patrimoniais dos municípios à remedição dos respectivos patrimônios municipais. A Câmara de São Paulo sempre alegou
a impossibilidade de cumprir essa determinação ministerial, e com isso conseguiu recuperar o direito de continuar distribuindo
datas de terra sem executar a medição exigida (1859). A intenção do barão era alienar as terras devolutas que se achavam dentro
dos limites do município da Capital, mas fora do rossio, e aplicar o produto assim obtido à imigração e colonização.
A única demarcação das terras (1857-1865) municipais paulistanas, concedidas em 1724 por Rodrigo César de Meneses
(1675-1738), governador da capitania de São Paulo de 1721 a 1728, era a que remontava a 1769, efetuada por ordem do morgado
de Mateus, durante seu governo ocorrido entre 1765 e 1775. O trabalho fora feito de modo altamente impreciso, limitando-se o
medidor a fincar marcos de madeira à margem dos quatro caminhos cuja orientação mais se aproximava dos pontos cardeais, a
uma distância de meia légua (3300 m) a partir do marco central cravado no largo da Sé. Esses marcos representavam os pontos
médios aproximados dos lados de um quadrilátero ideal que continha as terras do patrimônio municipal. A imprecisão com que
fora executada a medição setecentista faria com que a Câmara, ao conceder datas de terra, frequentemente ultrapassasse esses
limites legais. Em 1887, por exemplo, constatava-se que o novo matadouro (1886-1887), situado no atual bairro de Vila Clementino,
não obstante estar edificado fora das terras municipais, se achava estabelecido em terrenos que, do ponto de vista legal, não
podiam deixar de ser considerados como “parte integrante do rossio da cidade”.
A primeira medição criteriosa do patrimônio público paulistano foi realizada muito tardiamente para que dela decorressem
consequências dignas de nota29. Com o advento da República, a Lei Estadual nº 16 de 13 de novembro de 1891, art.38, §1º, veio
estabelecer que as terras devolutas adjacentes às povoações de mais de 1000 almas, num rai0 de círculo de seis quilômetros a partir
da praça central, poderiam ser vendidas, aforadas ou alugadas como forma de aumentar as rendas municipais. Desaparecia assim
o tradicional rossio dos municípios, a partir daí substituído por uma área conceitualmente empobrecida, pois reduzida à área de
terras devolutas passíveis de serem privatizadas pelo poder municipal. Fato que veio consagrar juridicamente a definitiva
penetração do capitalismo no sistema de propriedade fundiária, por meio da extinção da propriedade comunal da terra urbana, e
a entrega do total controle do processo de transformação do espaço das cidades às livres leis do mercado imobiliário.
Na Capital, a Lei Municipal n. º 39 de 24 de maio de 1893, por sua vez, complementou a passagem do arcaico para o moderno
sistema fundiário, ao extinguir definitivamente a distribuição de cartas de datas de terra (art.4). Finalmente, em 1914, o prefeito
Washington Luís Pereira de Sousa (1869-1957) deu início à discriminação dos terrenos municipais que remanesciam
desocupados e pertencentes ao extinto rossio. Depois de delimitados, seriam esses terrenos, mediante decretos, considerados
patrimoniais29a. Após o trabalho de cadastramento, muitas das terras vagas de propriedade do município da Capital foram
finalmente loteadas e vendidas.
Ao mesmo tempo que se dava esse processo, tornavam-se mais efetivas e frequentes as manobras urdidas pelas elites para
atrair o desenvolvimento urbano para suas terras, como é o caso de vários membros do clã Barros – aglomeração de várias famílias
influentes da cidade – que, na qualidade de irmãos ou aspirantes a irmãos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, haviam
forçado, em 1880, a instituição a transferir o local da futura sede do seu hospital, que ia ser erguida no bairro da Bela Vista (zona
sul da cidade), para um lote por eles adquirido na futura Vila Buarque (zona sudoeste) próximo dos terrenos de que já eram
proprietários.
A área central de São Paulo, tomada pelo comércio e serviços (especialização do uso do espaço urbano), ia-se aos poucos
adensando, e viu-se invadida a partir dos últimos anos 1880 por uma nova tipologia arquitetônica: construções de três pavimentos,
abrigando sedes de instituições bancárias ou com lojas no térreo e apartamentos de moradia privativa ou salas de escritórios nos
andares superiores. Simultaneamente, os loteamentos particulares retalhavam as antigas chácaras que rodeavam a área
urbanizada da Capital. Com ruas dispostas ortogonalmente, esses empreendimentos tornaram-se desde então a forma
característica de criação do espaço urbano. Os Campos Elísios (1878), antiga chácara do Campo Redondo, a noroeste, estariam
destinados, por razões de localização, a se tornar um bairro de elite, enquanto a Bela Vista (1878), antiga chácara do Bexiga, a sul,
fadada por idênticos motivos a vir a ser um bairro de índole popular, confirmando assim tendências já perceptíveis desde o início
dos anos de 1850, às quais já fizemos menção.
Os terrenos mais procurados para a expansão da cidade eram, sem dúvida, aqueles de melhor localização, encontráveis ao
longo dos antigos caminhos que percorriam as terras altas (preferencialmente os situados a norte e a oeste), atuais bairros da Luz,
Santa Ifigênia, Campos Elísios e, pouco mais tarde, no início da República, Vila Buarque e Higienópolis. Os mais desfavoráveis se
situavam em regiões ribeirinhas, sendo por isso relegados à ocupação das camadas trabalhadoras, como, por exemplo, o Brás e a
Mooca, a leste, cujas datas pantanosas eram distribuídas a imigrantes em 1876, ou o Bom Retiro, que segundo o empresário de
origem suíça Henrique Raffard (1851-1906), estava sendo ocupado por operários em 1890. Em futuro próximo, São Paulo estaria
adquirindo uma estrutura urbana de conformação tentacular, com grandes vazios em seu interior e praticamente sem ligação viária
entre suas diferentes partes.
Com a crescente atuação da iniciativa privada, o Estado deixou de ser o agente de produção do espaço urbano, só interferindo
normativamente, ou no momento em que era necessário estabelecer a interligação entre os vários loteamentos esparsos, na
procura de conferir alguma coesão à colcha de retalhos a que se ia reduzir a estrutura fundiária paulistana. Esse fenômeno é típico
da Primeira República, mas já podia ser observado no tempo do Império com a abertura, por exemplo, da rua João Teodoro, nome
dado em homenagem ao presidente da Província que mandou abri-la em 1874. Foi essa via que permitiu a comunicação entre duas
áreas totalmente isoladas uma da outra, a Luz (zona norte) e o Brás (zona leste).
Importa reparar ainda que, nos anos 1870, a atuação da Câmara assumiu uma posição intermediária entre o seu antigo papel
representado na cidade tradicional e a sua nova função, desempenhada na cidade capitalista. Na cidade tradicional, a Câmara
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decidia qual local deveria ser arruado e repartido em datas para a distribuição pública. Na cidade capitalista, a edilidade passa a se
omitir, aceitando o arruamento e o loteamento feito pelo investidor, de acordo com seus interesses privados, desde que fossem
cumpridas certas disposições municipais. No entanto, pouco antes dos primeiros arruamentos particulares serem executados
(Campos Elísios e Bela Vista), a Câmara, informada do desejo do proprietário de ter as suas terras arruadas, ordenava aos
funcionários municipais que executassem gratuitamente os trabalhos necessários. Foi isso que aconteceu na chácara do Campo
Redondo (zona noroeste), na parte da qual o barão de Mauá (1813-1889) desejava ver abertas várias ruas em 1872.
Finalmente, a aprovação das primeiras posturas municipais com exigências mínimas para a construção de cortiços (1881, 1886
e 1889) revelou a preocupação das camadas superiores com o aumento dos problemas de insalubridade pública motivados pelas
más condições de habitabilidade em que eram mantidas as moradias alugadas às recém-constituídas camadas proletárias. A
proibição expressa no padrão de 1889 de se construírem cortiços na área central da cidade é um indício claro do processo de
valorização fundiária por que passava a região – desde então conhecida pelo nome de Triângulo, delimitada pelas ruas 15 de
Novembro, São Bento e Direita – e consequentemente, do processo de segregação social que daí para frente afligiria as camadas
populares moradoras da cidade. Afinal, a cidade burguesa não era para ser usufruída pelos despossuídos. No afã de fazer avançar
o controle social sobre as camadas mais pobres, cuja habitação insalubre ameaçava os destinos da imigração, os padrões de 1886
e de 1889 tentaram estabelecer algumas regras para o interior das casas operárias, a fim de garantir a iluminação direta e a aeração
em todos os cômodos, apesar de não contar para isso com o necessário respaldo legal. Lembremo-nos, como já visto, que o
Regimento das Câmaras de 1828 limitava a ação normativa da edilidade à parte externa das edificações. Por outro lado, a instituição
da Inspetoria Geral de Higiene em 1885, na esfera do governo central, e a criação, um ano depois, da correspondente inspetoria
provincial, foram providências muito tardias para que surtissem algum efeito prático. Nesse particular, seria preciso aguardar a
República para que fossem tomadas as primeiras medidas objetivas – e autoritárias – de sanitarização.
Desde os últimos anos da década de 1870, eram plenamente visíveis os novos padrões de vida na cidade de São Paulo. O
dinamismo característico da ordem competitiva passava a ser saudado como manifestação irrefutável de progresso. Jornalistas e
escritores como Américo de Campos (1835-1899), Junius, Henrique Raffard e Júlio Ribeiro (1845-1890) atuavam como verdadeiros
porta-vozes ideológicos da nascente burguesia paulista, seriamente empenhados em alardear por todos os meios disponíveis –
artigos de jornal, livros de viagem e romances – os mais recentes sinais de vitalidade econômica e empresarial encontráveis na
Pauliceia.
Naquela altura, haviam praticamente desaparecido os escravos da cidade e mesmo os trabalhos mais humildes estavam sendo
realizados por mão de obra de origem estrangeira, portuguesa e principalmente italiana. O espaço das ruas transformara-se em
verdadeiro espetáculo, com sua caleidoscópica diversidade de tipos humanos: o elegante burguês, trajado à francesa; o velho
cônego encapotado; a atrevida cocotte; as jovens patinadoras, ágeis e modernas, ao lado da modesta moçoila encoberta pela
mantilha herdada de sua bisavó, conforme enumera uma crônica de 187630. A população não mais permanecia no retraimento, pois
já saía e se divertia, e a mulher paulistana das camadas mais altas ensaiava os primeiros passos rumo a sua emancipação. De fato,
foram os novos costumes burgueses que eliminaram as rótulas e as mantilhas (ainda usadas pelas mulheres do pov0), e arrancaram
de seus lares as mulheres de boa situação social, levando-as a passear pelas lojas da rua Direita, frequentar confeitarias, patinar no
Rink, descer dos camarotes para apreciar as primeiras companhias líricas a partir das poltronas das plateias, tal como ocorreu na
inauguração do Teatro Provisório Paulistano em 1873, e, ainda, conservar uma postura “digna” durante as cerimônias religiosas
realizadas nos templos da cidade, assentando-se de ora em diante não mais no chão das igrejas, mas em bancos especialmente
instalados para o conforto dos fiéis. O que, diga-se de passagem, ainda não existia na sé catedral em pleno anos de 1876!
Costumes tão “elegantes e “modernos”, cultivados pelas camadas mais altas da sociedade paulistana, requeriam um adequado
cenário arquitetônico para a sua regular observância. O investimento maciço em construções novas, promovido pelos capitalistas
em resposta à crise de 1875, dera início ao processo de renovação edilícia da cidade, o qual, a partir desse momento, não seria mais
interrompido. Com as modas arquitetônicas se sucedendo ou se justapondo em razão do Historicismo e do Ecletismo, em rápida
expansão, não haveria mais condições para que se estabilizasse a fácies da cidade. Estará a urbe agora em permanente
reconstrução. Como veremos, ao Neoclassicismo sobrepuseram-se uma linguagem arquitetônica de transição, algumas
revivescências estilísticas e certos ecletismos, fazendo com que se perdesse a homogeneidade característica das construções
paulistanas, qualidade aliás vista de ora em diante de maneira negativa, como pura monotonia.
A adoção praticamente simultânea do Historicismo e do Ecletismo na cidade de São Paulo significou duplamente o triunfo do
capitalismo e o começo de uma nova etapa no processo de identificação das camadas superiores locais com a cultura burguesa
internacional. Fenômenos artísticos e arquitetônicos de grande complexidade, cheios de contradições e divididos em inúmeras
tendências, o Historicismo e o Ecletismo, duas fases sequenciais da arquitetura europeia que aqui se sobrepuseram de forma
contemporânea, tornando-se na prática um único movimento, manifestaram-se no Brasil de forma eminentemente pragmática,
distantes de toda a teorização, sobretudo em sua primeira fase incluída ainda nos limites cronológicos do Império. Das inúmeras
correntes internacionais existentes, testemunhos da vivacidade intelectual da arquitetura europeia de então, apenas umas poucas,
às vezes fruto de circunstâncias fortuitas, se materializaram nas realizações arquitetônicas brasileiras.
Dos profissionais da construção então em atividade, foram sem dúvida os estrangeiros e os brasileiros formados no exterior,
em contato com as realizações arquitetônicas dos países avançados seja de modo direto, seja através da literatura especializada
de importação, os que se mostraram mais aptos no manejo dos conhecimentos técnicos e dos valores estéticos e simbólicos do
Historicismo e do Ecletismo. Sendo tal tarefa facilitada pelas novas condições de produção da arquitetura paulistana: abundância
de mão de obra livre, bem treinada e de origem estrangeira, e fartura de material construtivo de boa qualidade, tanto importado
quanto nacional. A esses aspectos favoráveis, aliava-se ainda outro, a incipiente racionalidade capitalista, que ia timidamente
invadindo o ato de projetar e executar artefatos arquitetônicos.
A ocorrência de encomendas oficiais, frequentes a partir do governo Sebastião Pereira (1875-1878), e a eclosão do mercado
imobiliário paulistano, obrigando o promotor a satisfazer antecipadamente as necessidades de uma clientela anônima, cada vez
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mais exigente, concorreram para o surgimento de uma massa significativa de obras de qualidade mediana, em quantidade jamais
vista na cidade.
A ampliação e a renovação do patrimônio construído, as mudanças de mentalidade e de comportamento da população local,
consequências da ascendente complexidade da vida capitalista, não só afetaria todas as modalidades existentes de construção,
inovando-as funcional e formalmente, como também introduziria muitos outros tipos edilícios até então desconhecidos, o que
seria interpretado pelos contemporâneos como sinal seguro de progresso e modernidade.
Considerando que o Historicismo é a revivescência idealizada de estilos arquitetônicos do passado empregados de maneira
simbólica em projetos de diferentes naturezas, segundo convenções culturais de cunho romântico apuradas ao longo dos séculos
XVIII e XIX, procedimento que conduziu ao indiferentismo estilístico, e o Ecletismo é o amálgama subjetivo de estilos arquitetônicos
pretéritos aplicado a um mesmo projeto, na tentativa de criar algo novo e original do ponto de vista estilístico, e assim superar a
inexistência de um estilo arquitetônico próprio do mundo ocidental oitocentista, observamos que ambas as tendências se
insinuaram muito tarde no Brasil, e particularmente na cidade de São Paulo. Aqui os fatos ocorridos não se manifestaram de acordo
com o encadeamento cronológico apresentado pelos acontecimentos europeus. Entre nós, nunca repercutiram os ecos da batalha
dos estilos (revivalismo gótico versus Neoclassicismo, tão intensa na primeira metade do século XIX na Europa, sobretudo na
França), nem nunca se propugnou por mimetismos arqueológicos, por exemplo. O que se constata, é que, no Brasil, o Historicismo
e o Ecletismo foram acolhidos de maneira pragmática, num simples processo de transferência cultural, e aos poucos foram
promovendo a atualização tecnoestética da arquitetura nacional com relação ao que se fazia no exterior, sendo por isso aceitas
essas tendências estilísticas praticamente sem nenhum questionamento. Pelo contrário, foram em geral acatadas com bastante
passividade e superficialismo, e até com certa sofreguidão.
Em São Paulo, depois de um rápido e superficial período neoclássico (1850-1870), adotou-se num primeiro momento, o
repertório formal eclético classicizante (o padrão paulistano de 1889 estava inteiramente baseado nele) e recorreu-se de modo
eventual a estilos então considerados exóticos, o neogótico e o Pitoresco. O receituário compositivo e ornamental classicizante foi
empregado largamente na arquitetura institucional, comercial (de escritórios, bancária, hoteleira etc.) e residencial, enquanto os
exemplares medievalizantes, raros ao tempo do Império, em geral se submeteram às famosas regras tipológico-estilísticas do
Historicismo (habitualmente usadas em hospitais, igrejas e quartéis) ou fundamentaram-se em preferências de cunho religioso ou
ideológico (o revivalismo gótico e o Pitoresco, por exemplo, por seu ineditismo, foram vistos às vezes como símbolos acabados de
progresso e modernidade, fazendo por isso sempre muito sucesso).
Quanto ao Pitoresco propriamente, ideal estético de raiz romântica que buscava provocar sensações de evasão e devaneio nos
apreciadores de arquitetura, materializou-se nas cidades brasileiras por meio de uma mescla de elementos provindos de certo tipo
de arquitetura vernácula (telhados de duas águas com grande angulação, cerca de 150º, típicos do chalé suíço) com elementos
oriundos da antiga arquitetura civil gótica (lambrequins, pináculos e, eventualmente janelas providas de arcos apontados). Por falta
de informação adequada sobre as convenções da arquitetura erudita, essa fórmula arquitetônica híbrida, tão popular nos subúrbios
das grandes cidades estrangeiras, teve, com muita frequência, as normas de conveniência desrespeitadas no Brasil, sendo por isso
habitual que suas ocorrências tenham sido objeto de reparos e até de proibições.
Haviam sido também recentemente difundidos nas construções paulistanas a partir dos anos de 1850 dois elementos de
arquitetura que alcançaram evidente significado simbólico, por estarem intimamente ligados à ideia de aperfeiçoamento técnico
e estético, respectivamente: o porão ou caixa de ar, que ao manter afastada do nível do solo a estrutura do soalho assegurava
salubridade e conforto à edificação, e a platibanda, elemento meramente decorativo cuja única razão de ser era dissimular o volume
da estrutura do telhado, mas que assumiu nesta etapa um papel explicitamente civilizador 31. A esses dois elementos logo se juntou
outro, o telhado de chalé, pormenor arquitetônico desde o início interpretado como um item evocativo do mundo rural idealizado,
cheio de bucólica fantasia.
Certos ângulos fotografados por Militão de Azevedo em 1887, a rua do Príncipe (atual Quintino Bocaiúva) (fig.29), por exemplo,
nos mostra construções domésticas então recentes, com porão, platibanda e alto pé-direito. Ao observar ou antecipar as exigências
dos padrões de 1886 e de 1889, rompiam de modo contundente com a escala urbana das ruas, formadas por antiquadas
construções da primeira metade do século XIX, efeito só neutralizado a longo prazo com a contínua renovação do patrimônio
edificado da cidade. Outra significativa imagem de rua paulistana, surpreendida poucos anos depois (c. 1895), pode ser apreciada
no livro de Gustavo Koenigswald32: a vista perspectivada da rua Sete de Abril (fig.30). Aí não só as alturas das moradias eram
díspares, pois seguiam ou prenunciavam sucessivos padrões edilícios (1850/53, 1874, 1886 e 1889) (fig.31), como também os estilos
arquitetônicos eram bastante variados, indo de um quase vernáculo próprio das modestas edificações térreas (casas desprovidas
de porão), passando pelo ingênuo ecletismo de certas habitações medianas (em que elementos neoclássicos, neogóticos e
pitorescos se reuniam na mesma construção para formar o que era conhecido nos Açores como casa com torre) até chegar aos
orgulhosos exemplares residenciais neorrenascentistas, com pronunciadas bossagens nos paramentos externos das paredes e
estátuas ou vasos decorativos pré-fabricados de cimento assentados sobre altas platibandas.
Como notamos há pouco, ao Neoclassicismo logo sobreveio um estilo de índole classicista, anunciador da fase plenamente
eclética, trazendo novo repertório formal e decorativo composto de contribuições vindas de diferentes momentos classicistas da
história da arquitetura, ao qual se convencionou denominar estilo neorrenascentista. Antes disso, porém, uma fase de transição já
podia ser detectada em alguns exemplares arquitetônicos paulistanos, cujas feições se conservam em antigas fotografias. Esse
novo gosto deve ter aparecido na cidade por volta de 1875 e era sem dúvida reflexo de fenômeno semelhante ocorrido na Corte
com vários anos de antecedência.
O Palácio da Instrução Pública ou do Tesouro Provincial, cuja fisionomia definitiva só foi alcançada em 1877 com a intervenção
do engenheiro civil Felipe Hermes Fernandes Trigo de Loureiro (c.1841-1879), já acusava o afastamento do vocabulário formal
neoclássico típico, ao ser dada preferência à ordem coríntia e ao arco de sarapanel (fig.32). A segunda residência de José Maria
Gavião Peixoto, erguida entre 1876 e 1877 na rua da Constituição (Florêncio de Abreu), identificada por nós em um dos trabalhos
anteriores a nossa tese, ratifica as diferenças estéticas existentes entre as edificações dos anos de 1870 e os ultrapassados sobrados
neoclássicos da década anterior. Em São Paulo, o novo formalismo era então facilmente conseguido graças ao início do
funcionamento da fábrica de pedra artificial (ornamentos, e eventualmente tijolos, moldados em cimento), de propriedade do
20

advogado João Ribeiro da Silva: platibanda com balaustrada, regularmente interrompida por pedestais; balcões de alvenaria de
grande projetura, suportados por volumosas mísulas; pilastras almofadadas, e nas aberturas, novamente, arcos de sarapanel
(fig.33).
Por outro lado, a mais notável residência dos anos de 1870, o palacete do 2º barão de Piracicaba (1830-1898), construído entre
1875 e c.1877, exibia uma volumetria prismática ainda bastante conservadora, de tradição neoclássica; em compensação, já tinha
realçadas as sobrevergas das janelas com ricos ornatos inspirados na Primeira Renascença florentina. Pilastras de ordem coríntia,
frisos, requadraturas estucadas e balcões de ferro fundido, de desenho bastante encorpado, cooperavam também na busca de um
novo resultado formal (fig.34).
Esse exemplar residencial sobressaia-se ademais pela riqueza do mobiliário e das alfaias de que estava provido, adquiridos em
Paris por intermédio do francês Anatole Louis Garraux (1833-1904), ex-dono de famosa livraria paulistana, que também funcionava
como bazar de luxo. De volta à França em 1876, passou a trabalhar como decorador de interiores para ricos fazendeiros paulistas,
despachando de lá recheios completos para os palacetes que iam sendo erguidos na Capital. As novas moradias tinham de ser
montadas cômodo por cômodo segundo suas minuciosas especificações. Garantia Pedro Luís Pereira de Sousa (Casa Barão de
Iguape, 1959), que também Elias Antônio Pacheco Chaves (1842-1903), ao concluir a construção de sua luxuosa moradia na rua São
Bento, além de Martinho da Silva Prado (1811-1891) e Eduardo Prates (1860-1928), futuro conde de Prates, entregaram as suas
luxuosas residências a Garraux para serem devidamente mobiliadas e equipadas. Recentemente descobrimos que outro membro
da elite paulistana, dr. João Francisco de Paula e Sousa, também recorrera a Garraux para mobiliar com luxo a sua habitação.
Os solenes ambientes dos novos palacetes construídos a partir dos últimos anos de 1870, silenciosos à custa de muitos tapetes
e cortinados, e abarrotados de preciosidades – prataria, porcelanas e cristais – já não podiam admitir, como dantes, a presença de
mucamas desatentas ou inexperientes e moleques buliçosos, cabritando por escadas e corredores. Vêm justamente dessa época
os primeiros anúncios de jornal procurando criadas brancas e até estrangeiras para cuidar de um senhor, de uma senhora ou de
uma “família de tratamento”. Criadagem que receberia como triste legado a discriminação com que até então haviam sido tratados
os negros, herdando muitas vezes até os desvãos em que antes era acomodada a escravaria.
Equivocadamente qualificado de “neoclássico” pela historiografia tradicional, o estilo neorrenascentista apareceu de modo
pleno, pela primeira vez na arquitetura comercial da cidade, na sede do Grande Hotel (1876-1878), de autoria do engenheiro alemão
Hermann von Puttkammer (1842-1917).
A encomenda a esse engenheiro alemão fora feita por Frederico Glette (?-1886), um comerciante teuto-suíço radicado
na Corte, que se associou a um alsaciano de origem judaica estabelecido em São Paulo, o negociante de fazendas Vítor Nothmann
(?-1905), para juntos explorarem aquele que seria o mais moderno e luxuoso hotel do País, inaugurado no dia 1.º de julho de 1878.
O faro para grandes empreendimentos era uma das características mais notáveis desses empresários estrangeiros que, ao mesmo
tempo que lucravam com suas iniciativas de natureza capitalista, iam introduzindo, aos poucos, o sedutor modo de vida europeu
no até então acanhado meio paulistano.
Dessa importante edificação de três pavimentos, não se conservou nenhuma foto com o aspecto da fachada principal,
localizada na Rua de São Bento. A rua era – e ainda é – muito apertada, não permitindo a tomada de fotos com suficiente angulação
para enquadrar convenientemente as frontarias dos edifícios nela localizados. Yan (João Fernando) de Almeida Prado (1898-1987)
chegou a definir a fachada lateral dando para o antigo Beco da Lapa, que desde a inauguração do estabelecimento passou a ser
denominado travessa do Grande Hotel (hoje rua Dr. Miguel Couto), como “um Vitrúvio”, definição que não deixava de ser um tanto
exagerada33, pois, de fato, o estilo adotado na edificação deve ser classificado hoje como neorrenascentista e não como
neoclássico. Mas por uma ilustração encontrada num anúncio do hotel, publicado num almanaque paulistano de 1896, nota-se que
o frontispício possuía à altura do primeiro andar um balcão de alvenaria bastante sacado, a abranger os três vãos centrais, e isso
muito contribuía para a criação de um contraponto formal entre a fachada principal e a sobriedade exibida pela extensa elevação
lateral (fig.35). Embora o edifício, tão admirado ao tempo de sua construção, não dispusesse de grandes dimensões, emanava dele
– e sobretudo da longa fachada voltada para a ruela, com suas quinze janelas e um elevado embasamento –, uma monumentalidade
digna de palácio antigo, a que, aliás, chegou a ser comparado certa vez pelo próprio Yan 34.
A modalidade de linguagem classicista introduzida pelo engenheiro-arquiteto Puttkammer e seu sócio Carlos Arno-
Gierth no Grande Hotel iria irradiar-se com presteza pela arquitetura comercial, graças à atuação dos mestres italianos que então
chegavam a São Paulo, mas, naturalmente, não só graças a eles. Em 1883, por exemplo, outro alemão recém-chegado, Mateus
Häussler, ergueria na rua São Bento esquina da Ladeira de São João (hoje avenida desse nome) um pequeno sobrado de ordenança
parecida, onde esteve instalada na passagem do século XX a Chapelaria Alberto. Sem chamar grande atenção sobre si, a frontaria
de dois pavimentos estava disposta com gosto e elementos formais parecidos aos do Grande Hotel: no primeiro andar, havia um
balcão de balaústres suportado por grandes mísulas e vãos coroados com frontões triangulares. A fachada lateral, parcialmente
documentada por Militão em 1887 era, assim como no hotel de Puttkammer, a parte mais notável do edifício, por causa de sua
extensão e do alto embasamento rusticado aí existente. As janelas, de grande altura, molduradas com simplicidade no caso das
localizadas no primeiro pavimento (correspondente ao nível da rua São Bento), apresentavam no segundo os mesmos frontões
retos sobre mísulas existentes no frontispício, acompanhadas de parapeitos igualmente misulados, redundando o todo da fachada
lateral numa aparência de gravidade e distinção (fig.36).
A maior parte da produção arquitetônica mediana da cidade, formada de edifícios de escritórios, bancários e hoteleiros, que na
década de 1880 surgiam do dia para a noite, concentrados principalmente no Triângulo, persistiu no léxico do classicismo
italianizado introduzido pelo Grande Hotel e é fácil de perceber que os efeitos plásticos e as liberdades estilísticas das fachadas se
iam acentuando à medida que o Império se encaminhava para o fim. Os exemplares desse tipo de arquitetura mais merecedores
de atenção eram justamente os mencionados por Júlio Henrique Raffard (1851-1906) (Alguns dias na Pauliceia, 1890), edifícios
então recém-acabados ou ainda em construção: prédio da Caixa Filial do Banco do Brasil (na esquina da rua da Quitanda com a rua
São Bento) (fig. 37); o Grande Hotel Paulista (na esquina da rua São Bento com rua Boa Vista); o New London and Brazilian Bank
(na esquina da rua 15 de Novembro, com rua da Quitanda); a sucursal da San Paulo Railway Comp. (na mesma confluência de ruas);
a sede da Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais (no Largo São Bento) (fig.38); o English Bank (na antiga rua do Comércio,
atual Álvares Penteado); a sede do Correio Geral (no largo do Tesouro); o Clube Internacional, cujo prédio havia sido ocupado antes
21

pelo Banco União; a casa Garraux (fig.39) e a sede do Jockey Club (fig.40),sendo que essas três ultimas construções estavam
situadas na então rua da Imperatriz, atual 15 de Novembro. Delas a mais antiga era a Casa Garraux, de acordo com Raffard.
Confrontando fotos, plantas parciais da cidade e almanaques, logramos identificá-los, a maioria deles engalanando-se com
bossagens, balcões salientes, platibandas guarnecidas de balaústres, frontões triangulares e em segmento de círculo alternados
sobre os vãos, pilastras e meia-colunas, em geral baseadas em Vignola (1507-1573), às vezes até nichos com estátuas, esgrafitos,
complicados motivos ornamentais sobre as platibandas e urnas de formas ampulosas. Outra característica relevante era que
passava a predominar agora como acabamento externo das paredes o revestimento de argamassa raspada, em que se adicionavam
vários pigmentos sabiamente dosados, fazendo com que as cores fortes das tintas à base de cal ou de óleo e os faiscados
multicoloridos usados nos anos imediatamente anteriores fossem substituídos pelos discretos tons pardacentos e terrosos
(acinzentados, amarelados, rosados, beges, ocres e castanhos), na tentativa de imitar o acabamento típico da arquitetura
renascentista italiana, sobretudo romana.
Grande parte dessas novidades eram, em suma, consequência da mudança estética sucedida na arquitetura internacional por
volta dos meados do Oitocentos, quando o tratamento linear e em superfície das fachadas, reminiscência da poética neoclássica,
começou a ceder o passo a soluções que privilegiavam os volumes e os efeitos pictóricos: saliências e reentrâncias, bossagens e
ornatos exuberantes, tornavam agora as linhas das construções menos definidas e os panos das paredes mais animados ou menos
discerníveis, em presença dos acentuados contrastes de luz e sombra.
Ao lado dessas experiências arquitetônicas que tentavam fazer avançar a linguagem do Classicismo por meio de ousadias
formais de natureza eclética, experiências concretizadas em edifícios em geral citados por Raffard em 1890, observamos outras
construções de não menos prestígio mas de evidente caráter conservador, ligadas a uma versão bastante austera do estilo
neorrenascentista, tais como, a sede do Banco de Crédito Real, inaugurada em 1886, localizada na rua Direita (no ponto onde mais
tarde seria levantada a antiga sede das Indústrias Matarazzo e hoje se vê o edifício Triângulo, de autoria do falecido arquiteto
carioca Oscar Niemeyer, 1907-2012) (fig.41), e o prédio de propriedade de Rafael Tobias de Barros, 2.º barão de Piracicaba, iniciado
em 1887 e situado no largo da Misericórdia, em local antes ocupado pela antiga capela da Irmandade da Santa Casa (fig.42). Muito
semelhante a esses dois era outro prédio, edificado na rua da Imperatriz, n.59, bem próximo da igreja do Rosário, à direita do
templo. No Arquivo Histórico de São Paulo encontramos a solicitação de alinhamento para a execução deste último imóvel, datada
de 1886 e assinada pelo português José Domingues da Silva Beleza, a quem atribuímos a autoria do projeto. Tal como os dois
anteriores, consistia esse prédio numa construção de três pavimentos, de sóbria e maciça aparência, para o que contribuía
decisivamente a rígida configuração prismática da edificação, com suas paredes planas e a total ausência de ornatos que não
tivessem uma clara significação tectônica. No nível da rua, abriam-se, várias portas de volta inteira; nos andares, fileiras
sobrepostas de singelos vãos de verga reta e no coroamento percorria uma platibanda lisa, sem enfeites. Tentando evitar a
monotonia, viam-se nesse tipo de edificação discretas bossagens no térreo e, por vezes, imitações de chaînes de pierre harpées
(cunhais de pedra adentados) nos cantos da construção (fig.43).
Obviamente, o Historicismo/Ecletismo em São Paulo não se limitou a manifestações classicizantes típicas dos edifícios
comerciais, revelou-se também numa série de revivescências, classicizantes e medievalizantes, que resultaram em exemplares
arquitetônicos únicos. Constituíam sedes de instituições públicas que se destacavam do conjunto das construções paulistanas em
razão de sua excepcionalidade formal, funcional e simbólica.
Ao contrário do estilo neoclássico, proveniente da Corte, e de outras variações classicizantes, o revivalismo gótico, bastante
raro na capital paulista, surgiu por influência de agentes aparentemente desvinculados daquele centro. Já mencionamos os
retábulos neogóticos da capela do Seminário da Luz, aí instalados pelos capuchinhos franceses e cujo aspecto convencional os
aproximava do velho estilo troubadour (fig.44). É possível também que pela mesma época monumentos funerários neogóticos
produzidos na Europa tenham sido adquiridos para a ornamentação de jazigos do cemitério municipal, posto que o túmulo de
mármore de Carrara do barão de Itapetininga, já havia sido executado na oficina local de um provável canteiro português de nome
Joaquim Antônio dos Santos (Santos e Cia., Largo da Sé, n.5).
Tudo o que sabemos com certeza, porém, é que o primeiro edifício de estilo gótico que São Paulo conheceu foi a igreja
anglicana (1873), edificada pela colônia britânica residente na cidade, com projeto diretamente influenciado pela cultura
arquitetônica inglesa do período vitoriano. Livremente inspirada nas pequenas igrejas rurais da Inglaterra medieval, aliava a
aparência frusta do Early English Style aos efeitos policrômicos obtidos com a alvenaria de tijolos de vários tons, típica do High
Victorian Style (fig.45). Por razões de ordem político-religiosa, fundamentadas na carta constitucional do Império (art. 5), foi-lhe
negada a presença da torre, elemento arquitetônico que por sua altura mais chama a atenção num edifício de culto cristão, além
de lhe ser atribuído, por tradição, o simbolismo de conotar a mística ascensão da alma devota em direção a Deus.
Três anos mais tarde, Elias Fausto Pacheco Jordão, engenheiro formado nos EUA, então ocupando o alto cargo de diretor geral
de obras públicas, como dissemos atrás, projetava a escola do Arouche (1876-1877), a primeira escola primária erguida pelo governo
provincial, a qual ostentava na despretensiosa fachada elementos decorativos extraídos do Gótico Perpendicular inglês. Ao eleger
esse estilo como fonte de inspiração ornamental para a sua escola, pretendeu sem dúvida o engenheiro associar à construção
provincial, iniciativa pioneira consagrada ao ensino público, a ideia de progresso educacional, que naquela altura vinha caminhando
a passos largos no âmbito do mundo anglo-saxão (fig.46).
Gótico também, agora em versão lombarda, era o repertório formal e decorativo escolhido pelo engenheiro italiano Pucci para
revestir um tipo edificatório hospitalar de criação setecentista, o sistema de pavilhões, segundo o qual foi planejado o Hospital da
Santa Casa de Misericórdia (1879). Fato que nos leva a assinalar que a dissociação entre a sintaxe compositiva e o vocabulário formal
era, desde os ensinamentos de J. N. Louis Durand (1760-1834), um dos traços mais marcantes da arquitetura historicista/eclética.
Pretendeu-se ver na escolha desse estilo uma decisão de caráter estritamente religioso, tomada pelo provedor da Santa Casa,
monsenhor João Jacinto Gonçalves de Andrade (1825-1898). Mas a verdade é que o revivalismo gótico, que se infiltrava
tardiamente nos centros adiantados do País por essa época, mostrando-se muitas vezes em edifícios de natureza profana, estava,
como assinalado por Luciano Patetta (1935- ), intimamente ligado às convenções tipológico-estilísticas e às concepções de
modernidade e civilização, constituindo por esse motivo, e em razão de sua novidade e exotismo, uma sedutora tentação, em
relação aos estilos classicistas, já um tanto maçantes, por nunca saírem de moda. Ademais, no caso específico de construções
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hospitalares, sabe-se que havia, inclusive, uma importante razão de cunho tecnoprofilático a justificar o uso de abóbadas ogivais
na arquitetura das enfermarias, tal como defendia o sanitarista francês Casimir Tollet (1828-1899), se bem que isso talvez não fosse
do conhecimento do autor do hospital paulistano, já que as enfermarias por ele projetadas estavam simplesmente forradas com
tetos planos estucados (fig.47).
Ainda outra expressão de medievalismo arquitetônico datada dos tempos imperiais vamos encontrar no projeto do Quartel
dos Permanentes, de autoria do engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, mas deixaremos a análise desse edifício para
mais tarde, quando discorrermos sobre as últimas obras oficiais construídas na Capital durante a época monárquica.
O aparecimento de uma nova modalidade de linguagem clássica empregada na arquitetura paulistana já podia ser observado
no paço da Assembleia Provincial e Câmara Municipal (1877-1879), de autoria do engenheiro francês Eusébio Stevaux. Esse
profissional, que ocupava um cargo na repartição de obras públicas, teve oportunidade de contribuir para a eliminação de
importantes traços da arquitetura colonial da cidade, ao projetar reformas e reconstruções de antigos edifícios governamentais.
Demonstrou ter preferência por um léxico baseado no estilo oficial do Segundo Império francês, adotado com intenções
precipuamente simbólicas: a cobertura tronco piramidal recoberta de ardósias, certamente importadas, existente no prédio
reformado, por exemplo, reportava-se diretamente aos telhados com campanários ou lanternins dos hôtels de ville franceses ou,
mais especificamente, das mairies parisienses do tempo do barão Haussmann (1809-1891). Inspiradas na Renascença francesa,
essas sedes de arrondissements seguiam a disposição geral da parte revivalista do Louvre (1853-1879) de Hector Lefuel (1810-1880),
paradigma internacionalmente aceito para edifícios públicos com fins administrativos e burocráticos.
À cobertura da sede da Assembleia Provincial paulista contrapunham-se os frontões que coroavam os pavilhões terminais.
Triangulares e rigidamente neoclássicos, seus tímpanos se achavam decorados com arabescos de inspiração rococó. Nas
platibandas, esculturas alegóricas de tamanho desproporcional assombravam, representando, conforme testemunhos
contemporâneos, a Agricultura, a Ordem, a Lei e a Justiça. Essa miscelânea de elementos provenientes de estilos arquitetônicos
díspares longe estava de desagradar os observadores contemporâneos, embora hoje nos cause certa inquietação as
incompatibilidades estéticas e estilísticas identificadas no edifício (figs. 48 e 49).
Outro motivo recorrente na obra ingenuamente eclética de Stevaux era a composição eriçada de elementos decorativos e com
frontão curvo ou cornija semicircular, destinada pelo engenheiro a emoldurar mostradores de relógios instalados no alto dos
edifícios que construía ou reformava (Assembleia Legislativa, 1877-1879; palácio da Presidência, 1881-1886, em que os mecanismos
nunca foram instalados, e faculdade de Direito, 1884-1885). Composição essa, do mesmo modo, retirada do repertório da
Renascença francesa, matriz do estilo arquitetônico dominante na França sob o reinado de Luís Napoleão, e durante os primeiros
tempos do período histórico subsequente (Terceira República).
De todas as obras realizadas na etapa que estamos enfocando, a de maior expressão arquitetônica é, incontestavelmente, o
monumento do Ipiranga, reputado por décadas a mais bela edificação do País. Projetado fora do cenário cultural da cidade, pouca
influência direta deve ter exercido sobre a arquitetura paulistana durante os anos iniciais de sua construção, conquanto se tenham
tornado habituais as visitas às obras, situadas naquele tempo em local ermo e só acessíveis mediante longo percurso de bonde.
Concebido pelo engenheiro italiano Tomás Gaudêncio Bezzi (1844-1915), radicado na Corte e ligado ao círculo de amizades do
imperador Pedro II (1825-1891), o projeto sofreu sucessivas remodelações. A princípio assumiu a forma de um edifício em quadra
(fevereiro de 1883), com três pavimentos, segundo o modelo de velhos palácios italianos. A fachada principal nessa versão
assemelhava-se à do Reggia di Caserta (1752-1847), por exemplo. Depois ao monumento foi imposta a configuração aberta da letra
E, de tradição clássica francesa. Elevado a partir de 1885, sob a responsabilidade do engenheiro Luís Pucci, teve suprimidas
lamentavelmente suas alas extremas avançadas, por motivo de economia, decisão que lhe prejudicou bastante a composição
originalmente bem equilibrada, pois o agora volumoso e saliente corpo central não encontraria o adequado contrapeso visual nos
pouco expressivos pavilhões terminais. Retórica e magnificente, com detalhes arquitetônicos perfeitamente elaborados, a
expressão arquitetônica da construção, filiada ao Classicismo eclético, orientava-se pelo método de composição dos projetos
acadêmicos contemporâneos realizados na Europa: sistema de tramos regulares, eixos de simetria, composição feita com blocos
hierarquizados, organizados em formações piramidais e submetidos a efeitos de luz e sombra bastante acentuados.
Naquele momento a ênfase plástica exagerada, de fato uma verdadeira megalomania arquitetural, decalcada em vários
períodos da história da arquitetura, sobretudo clássica, apoderava-se dos principais monumentos estrangeiros de caráter nacional,
fazendo-os refletir simbolicamente, através do monumentalismo, da decoração excessiva e do luxo transbordante, todos os valores
ético-culturais consolidadores do Estado burguês. Durante a segunda metade do século XIX, todas as grandes cidades da Europa e
da América do Norte exibiam construções públicas monumentais, de dimensões avantajadas e de arrogante aparência: as Casas
do Parlamento inglês (1840-1870), o Capitólio de Washington (1850-1868), a Ópera de Paris (1861-1875), o palácio da Justiça de
Bruxelas (1866-1883), o parlamento austríaco (1874-1883), o Reichtag de Berlim (1884-1894), o parlamento da Hungria (1885-1904),
a prefeitura de São Francisco (1913-1917), e assim por diante.
E coisa parecida não deixou de ocorrer com o monumento do Ipiranga, erguido em São Paulo. Na versão definitiva, a
construção teve o corpo central transformado numa massa de formas impositivas, valorizada pelo ático e pelo robusto templete
central provido de colunas duplas, assentado sobre o pódio representado pelo andar térreo. Ao mesmo tempo, as alas laterais
perderam materialidade graças à presença de galerias sobrepostas. Na parte relativa ao piso superior, abriram-se loggie cuja
composição, articulando pilastras, colunas e arcos, baseava-se nas sofisticadas arcadas da Biblioteca Marciana (1532-1554), de
Jacopo Sansovino (1486-1570). Os pavilhões das extremidades, contudo, da maneira como foram concebidos, não tiveram
presença suficientemente marcante, como já observado, para contrabalançar a corpulência do pavilhão central, efeito que
decepcionou Raffard ao examinar o monumento em 1890. Se maiores recursos houvessem sido destinados à obra, não só o projeto
integral poderia ter sido executado, como também, muito provavelmente, seu autor teria preferido rematar o corpo central não
com um ático a céu aberto, como hoje se vê, mas com um gigantesco domo metálico, de contorno bastante inflado, e assim
conseguir reforçar o perfil volumétrico da construção, a exemplo do que vinha sendo feito praticamente em todos os edifícios
monumentais recentemente executados no exterior (fig.50).
Idealizada como um suntuoso palácio de destinação incerta para comemorar a independência política do País, a obra celebrava,
concomitantemente, a instituição da monarquia constitucional representativa e a dinastia reinante dos Bourbon e Bragança, então
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experimentando o franco declínio de seu prestígio. As implicações políticas que envolviam a ideia da construção do edifício
monumental acabaram por retardar o início dos trabalhos, embaraçados durante algum tempo pela Assembleia Provincial, na
época dominada por setores da oposição. Como sua disposição interna não era adequada aos fins escolares que lhe quiseram impor
em 1885, o edifício passou a abrigar o museu estadual, a partir dos primeiros anos do período republicano (1893).
Se o classicismo italianizante de pronto se arraigou nas construções civis, demorou a frequentar a arquitetura eclesial, nesse
tempo dominada por persistências do prosaico Barroco da cidade. As várias igrejas reformadas entre as décadas de 1860 e 1890,
São Gonçalo, Santa Ifigênia, Boa Morte e Consolação, entre outras, mantiveram-se aferradas um vocabulário antiquado e
convencional, praticamente imutável: arcos abatidos, sobrevergas encurvadas, torres com coberturas bulbosas, frontões
mistilíneos etc. Da mesma maneira, a capela do convento da Luz, iniciada em 1776 – e ainda em 1841 exibindo dois singelos
frontispícios, um coroado com simples empena e o outro com frontão triangular –, ganhou a sineira atual e o coroamento em
volutas que olha para o lado da cidade, de notório sabor barroco, num período tardio, compreendido entre os anos de 1844 e
1862.Somente a capela do seminário da Luz e a do cemitério da Consolação, ambas datadas da década de 1850, haviam
conseguido escapar – e a primeira só parcialmente – da fastidiosa tradição local. Com a exceção da capela funerária (fig.51),
praticamente todos os outros templos paulistanos conservavam a mesma estrutura compositiva no tramo principal da fachada:
uma porta central e três janelas espaçadas de modo regular no pavimento superior, sendo esse lanço complementado nas laterais
por um ou dois outros lanços correspondentes às partes inferiores das torres, raramente erguidas em toda a altura.
O primeiro exemplar eclético a romper com essa quase insuperável tradição foi o Santuário do Sagrado Coração de Jesus
(fig.52), que teve sua pedra fundamental lançada em 1881 nos Campos Elísios. Três anos mais tarde uma modesta capela já estava
concluída e consagrada. Foto tirada por Militão do alto do canudo de João Teodoro em 1887 revela que na ocasião a parte anterior
da ala direita do liceu de comércio, artes e ofícios, cuja existência vinha sendo cogitada desde 1882, também estava acabada,
consistindo num sólido sobrado de três pavimentos coroado de frontão reto, segundo a fórmula compositiva neoclássica e o
repertório ornamental neorrenascentista. As obras da igreja só foram retomadas sob a forma de um vasto e suntuoso templo de
aspecto basilical a partir de 1890, já sob a República, com projeto de autoria do engenheiro-arquiteto salesiano Domingos Delpiano
(l844-1920). Este havia chegado a São Paulo dois anos antes, após haver idealizado na República Oriental do Uruguai várias obras
para a congregação da qual era coadjutor.
Provavelmente, os trabalhos iniciais da capela foram dirigidos pelo engenheiro Alberto Saladino Figueira de Aguiar (1852-?),
pois consta que esse engenheiro, ao contrário da maioria de seus colegas contemporâneos, de tendência positivista, era muito
ligado às coisas de igreja, tendo sido o primeiro presidente de uma Confraria de São Vicente de Paulo, sob a denominação de
Conferência do Sagrado Coração de Jesus. Foi Saladino quem, encarregado pelo bispo D. Lino Deodato, adquirira o terreno para a
edificação principiada em 1881, circunstâncias que nos fazem admitir como plausível haja sido esse mesmo engenheiro o
responsável técnico pela construção da ala direita do liceu e da capela antecessora da primeira igreja de forma basilical da cidade
de São Paulo.
O santuário salesiano, por sua vez, com projeto datado dos últimos momentos do Império (1888-1889 aproximadamente),
constituiu o primeiro templo à europeia da capital paulista. De estilo neorrenascentista, tão caro aos arquitetos peninsulares, foi
decorado por artistas daquela origem (marmoristas, pintores, estucadores etc.), sendo nele empregados mármores vindos da Itália
(o altar-mor, por exemplo, foi executado com mármore de Turim, cidade onde se localiza a sede da congregação). O interior da
basílica denota luxo e uma variedade decorativa até então desconhecida nas igrejas paulistanas, com colunas de escaiola, pinturas
parietais, painéis e frisos ornamentais, tendo sido muito frequentada até as primeiras décadas do século passado pelas camadas
elevadas da sociedade paulistana, que nutriam pelo templo, particular afeição.
Se a edificação da Basílica do Sagrado Coração de Jesus constituiu uma ruptura com a tradição formal e construtiva das igrejas
católicas da cidade, a chegada do engenheiro e arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo à Capital, em 1886, veio, de modo
equivalente, dar significativo impulso qualitativo às obras realizadas pelo governo da Província – além de representar um reforço
de suma importância no processo de renovação da arquitetura privada da camada dominante, fenômeno que já vinha ocorrendo
com relativa intensidade nos últimos dez anos.
A Tesouraria de Fazenda (1886-1891), sede que o governo provincial mandara erguer anos antes para receber uma repartição
do governo central e cuja obra jazia abandonada, foi logo recomeçada em novas bases. É-nos desconhecida a aparência do edifício
concebido e iniciado em 1882 por Stevaux para aquele ponto do largo de Palácio, mas com toda a certeza, sob o prisma estético,
era incomparavelmente inferior aos planos postos em execução por Ramos de Azevedo. Imaginado como uma massa compacta,
de forma cúbica, e isolado das construções vizinhas tal qual o projeto anterior (insistamos nesse aspecto), o novo edifício da
tesouraria veio contribuir para a organização do espaço urbano mais coerente da cidade nos últimos anos do século XIX – o primeiro
centro cívico paulistano –, completado mais tarde com outros edifícios administrativos levantados pelo próprio Ramos de Azevedo.
De linhas muito bem definidas e superfícies parietais predominantes, com uma fachada principal provida de um antecorpo
central decorado com colunas coríntias de fuste liso, apoiadas em pódio rusticado e a suportar um frontão triangular, a tesouraria
parecia querer evocar alguns exemplares palladianos ou, antes, neopalladianos (fig.53). Um sutil e intencional contraste foi criado
entre o aspecto extremamente sereno e equilibrado deste prédio e o de seu vizinho contíguo, a Secretaria da Agricultura, de
construção um pouco posterior. À época eram ambos considerados de estilo Renascença, mas notava-se que a sede da Secretaria
da Agricultura (1891-1896) se filiava à escola alemã, em virtude, sem dúvida, de seu entablamento mais elaborado e de estarem as
colunas de seu antecorpo com o terço inferior diferenciado por uma ornamentação de forte sabor maneirista.
Na parte interna do edifico da Tesouraria de Fazenda, sobressaiam o belo vestíbulo central, de pé-direito duplo e iluminado por
ampla claraboia, e os recintos decorados com afrescos, dos quais se destacava o salão de honra, cuja decoração parietal original
ainda permanece hoje em dia. Conjuntamente com seu admirável exterior, esses ambientes faziam com que a sede da Tesouraria
representasse o marco inicial de uma etapa muito promissora na concepção de prédios administrativos na Capital. Expectativa logo
satisfeita com a Secretaria de Agricultura, que, por se tratar do primeiro edifício público paulista erguido na era republicana, não
estava isento de uma mais acentuada pompa e mesmo de uma certa ufania celebrativa e exibicionista, facilmente identificável em
alguns detalhes de sua decoração interna.
Essa nova etapa na construção de edifícios oficiais a que nos referimos, iniciada em São Paulo em 1886 e que se estenderia por
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toda a Primeira República, se caracterizava, fundamentalmente, pela constante necessidade sentida pela camada hegemônica de
comprovar a cada obra de maior relevância a legitimidade da supremacia que então exercia sobre a sociedade. Não recuando ante
gastos suntuários elevadíssimos, hoje considerados irracionais, na busca dessa continuada autoafirmação, por meio da
monumentalidade e opulência, qualidades a que recorria como veículo ideológico e de que só abriu mão a partir do momento em
que foi obrigada a repartir o poder que detinha, com as demais classes sociais.
Além da sede da Tesouraria, há ainda duas outras construções públicas notáveis cujos planos, encomendados pela Província,
são datados dos últimos anos do Império: a Hospedaria dos Imigrantes (1886-1888), de Mateus Häussler, e o Quartel dos
Permanentes (1887-1892), de Ramos de Azevedo.
Para concepção da primeira foi estabelecido um concurso para engenheiros em 1885, mas, como todos os participantes
acabaram desclassificados, resolveu no ano seguinte o então presidente da Província, Barão do Parnaíba (1831-1888), encarregar
o engenheiro-arquiteto Häussler da elaboração de um novo projeto. O edifício chama a atenção por sua clara destinação utilitária,
pois se tratava de um alojamento erguido nas proximidades da estação do Norte (Brás) para o abrigo temporário da mão de obra
recém-chegada da Europa, que deveria ser mantida em confinamento no edifício até ser encaminhada para as propriedades
agrícolas do interior. Como se vê, um equipamento de caráter utilitário altamente necessário para a implementação da política
imigrantista a cargo do governo da Província (fig.54).
Em forma de E e executada com alvenaria de tijolos sem revestimento, a hospedaria apresentava alçados desenhados com
agradável pragmatismo, perfeitamente apropriado à sua natureza funcional. Como de hábito, recorreu-se ao vocabulário formal
de raiz classicista, sem, no entanto, se prender a nenhuma evocação de reminiscências históricas ou a nenhuma convenção
simbólica. Arcos plenos, frontão interrompido situado à altura da cimalha e estátuas procuravam tão-somente conferir dignidade
arquitetônica a essa obra, que, mesmo despojada de alguns elementos decorativos, continua a ser admirada hoje em dia como
belo exemplar de arquitetura paulistana dos anos 1880. Seguramente neste caso, mais do que em questões de ornamentação, teve
o projetista de concentrar a sua atenção na definição precisa de um programa de necessidades até então inusitado e na busca da
adequação racional das condicionantes construtivas, distributivas e estéticas. Tarefa nada fácil, a que o arquiteto não pôde dar
perfeita solução, já que alguns anos depois de inaugurado era criticado o edifício por não dispor de todos os recursos necessários
para atender o número sempre em aumento de imigrantes.
Se, como afirmamos, a hospedaria de Häussler relegava para um plano secundário os valores simbólicos, tão frequentemente
expressos por meio de valores plásticos e decorativos na arquitetura do Ecletismo, temos agora um bom exemplo de preocupação
inversa no Quartel dos Permanentes, de Ramos de Azevedo, uma edificação de função também eminentemente utilitária porém
sobrecarregada de alusões simbólicas, embora tratadas com um convencionalismo bastante ligeiro.
Inspirado nas construções fortificadas da Idade Média, o quartel foi um dos primeiros edifícios governamentais paulistas a
acatar as regras tipológico-estilísticas, segundo as quais a uma construção deveria ser aplicado o estilo histórico que mais conviesse
a sua função, isso acontecendo mediante um simbolismo associativo estabelecido a partir das convenções culturais elaboradas ao
longo do século XIX. Tal mecanismo, desenvolvido com sofisticação, pressupunha que todo e qualquer estilo, quer histórico quer
regionalista, e todo e qualquer elemento arquitetônico eram passíveis de suportar codificações simbólicas, que tornavam o
apreciador de arquitetura, desde que minimamente inteirado dessas convenções, capaz de captar as alusões presentes num dado
projeto arquitetônico. No quartel, Ramos de Azevedo empregou o vocabulário ornamental de modo estilizado, de resto como a
maioria dos arquitetos de seu tempo. As alusões à Idade Média, período histórico em que a arquitetura militar atingiu a plenitude
de sua expressão, ao menos na ótica dos arquitetos do Oitocentos, ficaram por conta de certos elementos imitados de antigas
construções fortificadas (ameias, torreões, seteiras e paramentos de cantaria fingida), reduzidos a meros signos convencionais, e
agregados a um edifício cujo partido em quadra nada tinha de tipicamente medieval (mais uma vez observamos aqui a dissociação
entre a sintaxe compositiva e o vocabulário formal, dissociação típica do Historicismo/Ecletismo) (fig.55). Mas bastavam esses
elementos para, com sua presença, fazer com que a finalidade do edifício fosse reconhecida com imediatez pelo observador, muito
embora o efeito arquitetônico acabasse igualando a construção a uns tantos outros ridículos castelinhos oitocentistas, a que certa
vez se referiu ironicamente o arquiteto francês Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879).
Como é sabido, a estética arquitetural que falava ao espírito e comovia a alma do espectador, fundamentada no jogo regrado
de associações de ideias (histórico-literárias e ético-religiosas), foi o resultado do subjetivismo e do psicologismo surgidos no século
XVIII. O arquiteto francês Germain Boffrand (1667-1756), em 1745, afirmava que a Arquitetura devia falar aos homens como as
palavras de uma língua, enquanto Marie-Joseph Peyre (1730-1785), em 1765, defendia a ideia de que a Arquitetura era capaz de
suscitar emoções fortes. Duas tendências arquitetônicas fundamentadas nessa estética foram o Pitoresco e o
Historicismo/Ecletismo, expressando o desejo de evasão romântica, surgida como reação à realidade cada vez mais dura da
civilização paleoindustrial. No final da Idade Clássica reconheceu-se a “expressividade simbólica” da arquitetura por intermédio da
teoria do “caráter” dos edifícios, ou seja, à arquitetura era reconhecida a capacidade de transmitir ideias abstratas num nível acima
de sua realidade material. À beleza da forma deveria sobrepor-se a “beleza relativa”, também chamada “beleza de expressão”, que
é aquela que comunica ideias morais, sociais e intelectuais35. De todos os tipos de arquitetura, segundo os teóricos, era a arquitetura
doméstica que mais se prestava a expressar os sentimentos sociais e morais do homem. As concepções românticas sobre a
arquitetura residencial defendiam, portanto, a ampla utilização das regras tipológico-estilísticas, afirmando haver sempre um estilo
arquitetônico vernáculo ou histórico idôneo para cada tipo funcional de arquitetura doméstica, urbana ou campestre, e para cada
tipo de temperamento e modo de vida do proprietário.
Resultante de uma lenta evolução, o Pitoresco vulgarizou-se em São Paulo por volta de 1875 através de uma modalidade
doméstica bastante popularizada e convencional, o chalé suíço. Na Europa, a aparência externa de chalé foi inicialmente adotada
para residências suburbanas, em virtude de seu caráter em origem forte e rústico, sublinhado pela presença do teto peculiar desse
tipo de habitação rural. Sua natureza evocativa, e ao mesmo tempo rude, fê-lo particularmente recomendável para cottages, uma
espécie de pequena habitação campestre cheia de agradável simplicidade. No Brasil, por um equívoco pelo qual deve ser
responsabilizada sua grande popularidade, o chalé perdeu o sentido das conveniências, passando a cobertura de duas águas,
bordejadas de lambrequins, a adornar edifícios comerciais do centro das cidades, inclusive da própria Corte. Diante de tamanha
impropriedade foi necessário restringir a construção de novas construções desse tipo, o que em São Paulo sucedeu a partir do
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padrão posto em vigor em 16 de fevereiro de 1889. Aos poucos, a ingenuidade demonstrada por esse gênero de construção passou
a ser vista como uma forma declarada de mau gosto e os chalés, florescentes nos anos de 1870 e 1880, foram desaparecendo com
o tempo, demolidos ou reformados.
A notícia mais recuada que conseguimos localizar sobre chalés, enquanto tipologia arquitetônica, em São Paulo, foi
encontrada num anúncio de jornal. O pintor catalão José Maria Villaronga y Panella (c.1809-1894) recém-chegado a Capital
divulgava pela imprensa seus hábeis dotes de pintor e arquiteto. Entre suas competências, dizia-se capaz de construir chalés
(ARCHITECTURA e decorações.Correio Paulistano , 28 de abril de 1875, p.3). Depois disso, encontramos uma solicitação de criada
estrangeira no chalé do morro do Chá, na rua Barão de Itapetininga (ATTENÇÃO.Correio Paulistano. 7 de agosto de 1877, p.2). Por
fim, deparamo-nos com outro anúncio, segundo o qual Manuel Ferreira Leal, mestre de obras e empreiteiro lusitano, punha à venda
um pequeno exemplar de sua propriedade situado no Largo da Glória, naturalmente por ele projetado e construído (VENDE-SE...
Correio Paulistano. São Paulo, 22 de setembro de 1877. p.4). Significativamente, esses anúncios eram contemporâneos dos
primeiros reclames sobre telhas mecânicas de Marselha que se faziam na imprensa diária da cidade, pois, como se sabe, o diedro
lambrequinado era em geral coberto com esse tipo de telhas planas importadas. Já bastante numerosos, os chalés foram
surpreendidos, em 1882, por Junius nos arrabaldes da cidade: no Chá, nos Campos Elísios e na estrada do Vergueiro.
Conseguimos sem muito custo identificar algumas dessas pitorescas moradias, destinadas aos estratos médios superiores, que
à bucólica aparência da construção sabiam aliar com grande habilidade as mais atualizadas noções de higiene e conforto, conforme
se vê em anúncios de jornais da época.
No Chá, por exemplo, identificamos um chalé em terreno onde no século XX seria erguida a sede da loja Mappin.
Provavelmente era esse o exemplar mencionado no anúncio datado de 1877 aludido acima (fig.56). Outro, notável, não deveria ser
classificado propriamente como chalé, embora à época fosse assim denominado. Tratava-se da moradia de Abílio Aurélio da Silva
Marques (1851-1891), conhecido membro da colônia lusitana da cidade, erguida a partir de 1879, em local hoje ocupado pelo edifício
do Shopping Light. A construção resumia-se a um pavilhão de fachadas simétricas, interligado pela face posterior a uma edificação
residencial de características luso-brasileiras. A rigor, não pode ser considerada chalé porque a cobertura com três empenas
lambrequinadas, uma em cada face, reproduzia de fato os telhados agudos das casas tardomedievais do norte da Europa, sendo
devidamente acompanhada por janelas de arcos apontados. Na lateral do terreno, exibia um pequeno jardim à inglesa,
complementação ideal para as caprichosas construções de gosto pitoresco. Sendo também digna de nota por ter sido iluminada à
luz elétrica desde 1885, segundo contava o próprio Abílio em carta aberta publicada em A Provincia de São Paulo. Abílio A. S.
Marques admirava tanto o novo tipo de energia que chegou a inaugurar os serviços da primeira empresa de iluminação elétrica da
cidade de São Paulo em 1888 (fig.57).
Outro chalé merecedor de atenção, visto à distância em antigas imagens do bairro da Bela Vista, era a residência do engenheiro
Fernando de Albuquerque (?-1907), à qual se alude no almanaque paulista editado em 1884. O chalé, construído no terreno hoje
ocupado pelo Edifício Viadutos (1956), no Viaduto Maria Paula, de autoria do arquiteto sem diploma João Artacho Jurado (1907-
1983), apresentava curiosa planta cruciforme, que interpretamos ser um ingênuo expediente para conferir movimentação à
planimetria originalmente muito simples do chalé, característica que levou o engenheiro português Ricardo Severo (1869-1940)
muitos anos depois a defini-lo pejorativamente como construção “em forma de cazota de cachorro”36 . Igual a tantos outros, estava
provido de varanda e filigranados lambrequins (fig.58). Como seu proprietário, graduado na América do Norte, dava a conhecer
nos jornais que dispunha de plantas de chalés americanos para atender os paulistanos que quisessem edificar, supomos terem sido
as partes de madeira desse exemplar executadas em pinho branco americano e despachadas dos EUA, a exemplo do que sucederia
mais tarde com construções semelhantes erguidas no balneário do Guarujá.
A união da linguagem classicista com o Pitoresco mostrou ser uma fórmula atraente tanto para residências suburbanas, quanto
para residências urbanas. E mais um exemplo disso temos na casa do major Benedito Antônio da Silva, datada de 1880, até hoje
existente na Rua Roberto Simonsen (antiga rua do Carmo). Nela, a empena de chalé viu-se reduzida a uma mera água-furtada a
coroar o frontispício de um sobrado de três pisos, ordenado de acordo com o vocabulário neorrenascentista (fig.60).
Com relação aos chalés de destinação comercial, é fácil constatar o quanto eram populares, bastando para isso esquadrinhar
documentos fotográficos que nos conservam aspectos da cidade dos últimos anos do oitocentismo. Aí os encontraremos na rua
João Alfredo (General Carneiro), no largo de São Bento e na rua Florêncio de Abreu, entre outros locais; a feição simples desses
prédios dando-nos a certeza de terem sido fruto da operosidade de mestres de obras pouco informados a respeito das convenções
da arquitetura erudita.
Era, contudo, no largo de Palácio (atual pátio do Colégio), num dos pontos mais próximos do Centro, que se concentrava o
maior número de construções desse tipo existente na cidade, erguidos no quarteirão formado pelos largos de Palácio e da Sé, rua
da Imperatriz (15 de Novembro) e travessa do Colégio (rua Anchieta). Em estudo publicado nos Anais do Museu Paulista (2008), e
hoje em <www.academia.edu>, identificamos e reconstruímos graficamente duas das três elevações desse notável conjunto, que
se iniciava na rua da Imperatriz, tomava inteiramente a antiga travessa do Colégio e alastrava-se quase por toda a face de quadra
voltada para o largo de Palácio. Consistia numa sequência de sobrados geminados, tendo na cobertura terraços e mirantes em
forma de chalé. Os sobrados foram erguidos entre o final dos anos 1870 e início do decênio seguinte pelo comerciante Joaquim
Lopes Lebre (1834-1909), proprietário da loja de ferragens chamada Casa Lebre, e naquela altura agraciado pelo governo português
com o título nobiliárquico de visconde de São Joaquim (fig.61). O correr impressionava sem dúvida por sua extensão e correspondia
de certo modo às conhecidas casas Casadas (1874-1885), existentes na rua das Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro, grupamento
de casas de aluguel em que também existem empenas de chalés, tendo sido erguido o conjunto carioca por um rico português de
nome Antônio de Oliveira Leite Leal.
Naqueles mesmos anos de 1880, os traços típicos dos chalés eram vistos ainda com assiduidade decorando águas-furtadas
(tornando assim toleráveis esses elementos arquitetônicos que, a rigor, deviam conservar-se invisíveis pelo código de 1875) e
mirantes, corpos estreitos, situados acima da linha da cimalha e mantidos recuados em relação às fachadas das casas, o que lhes
dava o ar enganoso de acréscimos posteriores. Os mirantes foram por essa época muito encontradiços em São Paulo, sobretudo
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em construções que representavam uma forma popular de ecletismo arquitetônico. A frontaria desses edifícios exibiam amiúde
elementos de sabor neoclassicizante (aberturas em arco pleno, ordens e estátuas de louça sobre a platibanda) e, ao alto, mirantes
achalezados, não raro providos de janelas com arcos apontados (fig.59).
Num jornal de 1881 (UTIL e rendoso emprego da capital. Correio Paulistano. São Paulo, 21 de janeiro de 1881, p.4) topamos
com um anúncio referente a leilão de prédio de rendimento, onde é feita a descrição dessa tipologia, que, no caso, era curiosamente
constituída de duas residências modestas independentes no térreo, com acesso comum pela porta central, e de um mirante, que
dispunha de duas acomodações servidas pelo terraço, aparentemente independentes também. Acreditamos que não deva ser
desprezada a opinião daqueles que veem nesse tipo peculiar de construção a influência da casa com torre açoriana do século XIX,
talvez trazida daí e aqui adaptada por mestres lusos provenientes do arquipélago.
Enquanto os chalés conferiam uma nota característica aos subúrbios da cidade e despertavam interesse nos amantes de
novidades e exotismos, a grande maioria das residências ricas, tanto urbanas quanto campestres, mantinha-se presa à tradição
classicista, sem assimilar nenhum dos aspectos pitorescos da casa burguesa internacional (estilos exóticos e planivolumetrias
complexas e assimétricas). A exemplo do palacete do 2º barão de Piracicaba, já mencionado páginas atrás, outros sobrados e casas
de chácaras da época continuaram fiéis ao aspecto rigorosamente prismático da construção, ao partido regular e simétrico e às
linhas arquitetônicas neoclassicizantes (ou timidamente classicizantes, segundo moda mais recente), geralmente implantados no
meio de jardins e separados das ruas por altas grades de ferro fundido, de formas exuberantes.
Já no palacete de Augusto de Sousa Queirós (1844-1900), localizado num outro canto da chácara de seu pai, o senador barão
de Sousa Queirós, no ponto onde se encontra atualmente o edifício Ester, na esquina da rua Sete de Abril com a praça da República
(o endereço original era rua Sete de abril, n.79, segundo o almanaque de 1890), moradia já existente em 1881 e observável em
velhas fotos, foi dado um passo a mais para a superação do programa da casa neoclássica, em direção à casa do período do
Historicismo/Ecletismo.
Nesta residência, a parte central da fachada, coroada de frontão triangular ornado com relevos de ramagens à
Renascença, adiantava-se em relação ao resto da construção. Disposição que não apenas rompia com o elementarismo
volumétrico vigente na maioria das moradias ricas de então, como permitia o agenciamento de vãos nas paredes laterais do corpo
central avançado, pormenor certamente ainda desconhecido na arquitetura doméstica de São Paulo. Ao mesmo tempo, a
decoração composta de elementos de cantaria fingida, requadramentos, painéis com ornatos fitomórficos e frontões curvos sobre
algumas das aberturas buscava introduzir o formalismo de sabor neorrenascentista na parte externa da residência, que teimava,
contudo, em apresentar o tratamento linear e em superfície característico do Neoclassicismo. Dubiedade estética acentuada pela
presença de platibandas lisas e inteiriças no alto da edificação (característica estilística, aliás, observável, como já visto, em outras
obras atribuídas a Eusébio Stevaux) (fig.62).
Outra inovação introduzida no projeto era a peculiaridade de estar situada a porta de entrada da casa na fachada
secundária voltada para a Rua Sete de Abril, solução que anulava, quase completamente, a importância do eixo longitudinal central
na organização da parte interna da construção. Os dois terraços descobertos que flanqueavam o corpo frontal avançado, aos quais
se tinha acesso por escadas vindas do jardim ou pelas janelas à francesa das salas secundárias laterais constituíam mais um detalhe
novo do ponto de vista tipológico, e todo esse conjunto de particularidades nos leva a ressaltar a importância desse exemplar
residencial na cadeia evolutiva do partido do palacete paulistano.
Internamente, a casa de Augusto transmitia um ar de discreta opulência, e, conforme descobrimos, nela também já não
figurava o conceito de pavimento nobre. De acordo com a descrição do imóvel feita no inventário aberto após a morte do
proprietário, no primeiro andar só se achavam dispostos os aposentos familiares e um salão de bilhar, garantiu-nos a historiadora
Maria Cecília Naclério Homem, depois de ter acesso às informações do documento em 2002, por nossa sugestão. Fotos tiradas no
princípio do século XX documentam os seus sombrios aposentos, quando a residência estava provida de peças de mobiliário que,
visivelmente, por seu estilo, em grande parte já não era original. Paredes empapeladas, lambris e guarnições de madeira escura
envernizada, escada nobre instalada no âmago da casa, com lances retos, e tetos de estuque decorados na sala de jantar garantiam
sólido conforto a essa construção: tudo, porém, executado, sem grande inspiração artística. Conforme podemos deduzir a partir
das imagens sobreviventes, no andar de baixo estava agenciado o salão principal no espaço correspondente ao corpo avançado
central. Este salão, como de costume, comunicava-se lateralmente com duas peças menores, o escritório, à direita, e a sala da
senhora, talvez, à esquerda, recintos cujas aberturas frontais davam para os terraços já mencionados. Na parte posterior do corpo
principal da casa situava-se, à esquerda, a grande sala de jantar de cerimônia, em posição tradicional, isto é, próxima da cozinha e
perpendicular ao eixo longitudinal da casa. Ainda nesse piso, ao fundo, à direita, havia espaço suficiente para o agenciamento de
uma sala de estudos e nas duas alas posteriores, de um só pavimento, concentravam-se, sem dúvida, como sempre, a copa, a
cozinha e, decerto, as demais dependências de serviço.
A atribuição de autoria dessa casa foi feita de início por Yan de Almeida Prado, sem apresentar fonte que a corroborasse. Há
pouco tempo, porém, tivemos a oportunidade de confirmar essa atribuição a partir de uma matéria publicada em jornal (BOLETIM
do dia. Correio Paulistano, 12 de fevereiro de 1884, p.2).
Totalmente alheia a essa série de residências que vimos descrevendo (idealizadas decerto por projetistas havia algum tempo
estabelecidos na cidade e, portanto, em maior ou menor grau, já culturalmente aclimatados) e inaugurando uma nova classe de
construções privadas, surge nos altos de Santa Cecília a primeira vila burguesa de São Paulo (c.1882-1885), perfeitamente
manifestada em seus mínimos detalhes.
Projetada na Europa por um arquiteto de nome infelizmente ignorado, e construída pelo engenheiro paulista Luís
Augusto Pinto – e não Luís liberal Pinto, como reza a tradição originada de uma confusão cometida por Yan de Almeida Prado em
sua velhice37 – a mansão pertencia a D. Veridiana Prado (1825-1910), grande dama paulista cujo estilo de vida era aparentemente
o mais aburguesado da sociedade de então. Revestia-se a residência de todas as particularidades formais das vilas suburbanas
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cosmopolitas: planimetria assimétrica, atenuada pela tendência à regularidade, própria do gosto francês; silhueta bastante
variada, em consequência da presença de varanda de ferro, mansardas recobertas de ardósias, trapeiras, chaminés e torreão; ampla
liberdade na utilização do vocabulário ornamental, no caso, baseado no Classicismo francês (com a presença de chaînes de pierre
harpeés, nichos, hermas etc.) (fig.63).
Internamente, o petit château não fazia nenhuma concessão ao tradicional modo de vida dos brasileiros. Havia serviços e
cozinha no porão; peças de representação providas de lareiras, no primeiro pavimento, e dormitórios e peças de recepção íntima,
no segundo. As acomodações para criados e as demais dependências estavam alojadas sous les combles. Sem compartilhar do
consumismo ostentatório e vulgar que principiava a infestar o interior das demais casas ricas brasileiras, onde o excesso de móveis
e de objetos de decoração afetavam um artificioso desalinho, a sóbria e elegante Vila Maria foi muito louvada por suas qualidades
pelo escritor português Ramalho Ortigão (1836-1915).
Isolada no meio de vastíssimos jardins, arranjados à inglesa pelo famoso paisagista Auguste Glaziou (1833-1906), radicado na
Corte, esta luxuosa residência, ainda não de todo concluída, causou profunda admiração à princesa imperial em visita São Paulo
em fins de 1884, e só encontraria rivais em algumas opulentas construções residenciais de igual tipologia erigidas no decênio
seguinte, tais como, as casas de D. Maria Angélica Aguiar de Barros (1845-1922) e do dr. Antônio da Silva Prado, ambas iniciadas
em 1891, durante o período republicano portanto.
Embora a Vila Maria ocupe uma posição de destaque no conjunto das edificações residenciais de luxo erguidas na cidade de
São Paulo durante o ocaso da era monárquica, não podemos deixar de mencionar ao menos dois exemplares executados, ou ao
menos planejados, nos últimos instantes desse período histórico. Referimo-nos a duas ricas moradias que julgamos mereçam ser
lembradas por se tratarem de obras de autoria do arquiteto Ramos de Azevedo, profissional que atingiria o máximo de seu prestigio
durante a Primeira República. Exemplares que certamente anunciavam, de diferentes maneiras, a forma de morar republicana e
cuja datação aproximada foi estabelecida a partir de nossas pesquisas.
No álbum de realizações de Ramos de Azevedo editado por volta de 1904, da época imperial o arquiteto só permitiu passar
pelo rigoroso crivo de sua autocrítica duas obras oficiais – a Tesouraria de Fazenda e o Quartel dos Permanentes – e apenas dois
palacetes, projetados para homens de grande fortuna, Antônio Pais de Barros (1840-1909) e José Vasconcelos de Almeida Prado
(1840-1926), sendo que a moradia deste último, excepcionalmente, é ainda hoje existente, situada na Rua Brigadeiro Tobias,
esquina da Rua Beneficência Portuguesa.
Embora tivesse sido construído como sede de uma grande chácara, o palacete de Almeida Prado apresentava plenas
características urbanas, constituindo um projeto de qualidade. Nele funcionou o antigo colégio Pucca; depois o imóvel pertenceu
às Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e hoje abriga um colégio bilíngue para crianças chinesas. No tempo em elaborávamos
nossa tese de doutorado defendida em 1997, visitamos o local e verificamos que a construção se achava extraordinariamente em
boas condições até aqueles dias, apresentando características estilísticas bem definidas. A concessão do auto de alinhamento
correspondente foi lançada em 17 de março de 1888, conforme documentação mantida no Arquivo Histórico de São Paulo, e isso
confere à casa de 132 anos o alto – e inadvertido – privilégio de constituir o mais antigo exemplar doméstico de autoria do
arquiteto ainda hoje existente na cidade de São Paulo.
Embora tenha perdido o jardim fronteiro original, ocupado durante anos por anexos espúrios hoje demolidos e substituídos
por um horrível estacionamento privado, o prédio, situado em esquina, mantém, externamente, a tradicional forma prismática no
seu corpo principal, decorado com uma bossagem bastante acentuada, responsável pelo aspecto tenso da construção. A porta do
ingresso principal do antigo palacete acha-se protegida por um alpendre existente na fachada secundária, voltada para a rua
Beneficência Portuguesa, e por ela penetramos num pequeno vestíbulo central após atravessar um corredor. Posicionada na parte
mais interna da construção, a encantadora peça de distribuição, de alto pé direito duplo, reserva grata surpresa aos visitantes,
causando-lhes profunda impressão. Iluminado por claraboia, e todo em arcadas, o saguão seduz de imediato, graças às suas bem
equilibradas e graciosas proporções e à luz suave que o inunda a partir do alto (fig.64a).
Como há muito não visitamos o edifício, não saberíamos dizer se esse agenciamento interno ainda perdura intacto. Na fachada
principal, constata-se, porém, que a recente reconstrução do balcão do primeiro andar se deu de forma desastrada, sem levar em
consideração as linhas arquitetônicas pré-existentes vistas em antiga foto. Não obstante, é-nos incompreensível a atitude de
omissão dos órgãos de proteção ao patrimônio arquitetônico, em nível nacional, estadual e municipal (IPHAN, Condephaat
e Conpresp), com relação a esse relevante exemplar, legitimamente merecedor de ser preservado e valorizado por meio do
instrumento legal do tombamento.
Quanto ao palacete de Antônio Pais de Barros, iniciado na rua Florêncio de Abreu a que tudo indica por volta de 1887 ou 1888,
também ele, tal como o palacete acima aludido, pertence por seu luxo e distinção à fase da arquitetura republicana. A composição
serena e a estrita simetria da fachada, estilisticamente filiada à Renascença italiana, deixavam-no, no entanto, um tanto deslocado
ao lado das habitações burguesas contemporâneas, que estavam sendo erguidas, em geral, cheias de pitoresco graças ao exótico
repertório formal então ecleticamente empregado (rústico, gótico, renascentista do norte, árabe etc.), à planivolumetria
assimétrica e complexa (alcançada por meio do uso simultâneo de telhados altos à francesa, empenas de chalé, frontões
escalonados, pináculos, torreões cupulados, alpendres e bay windows) e à sobrecarga ornamental a que recorriam habitualmente.
Observando grandes recuos, tanto frontal quanto laterais, ocupados por amplos jardins, e guarnecido com um soberbo muro
de fecho, em que se destacavam grossos pares de pilares a sustentar vastas urnas de cimento, o palacete conseguia conciliar
adequadamente fausto, refinamento e discrição. O corpo principal da residência, protegido com um telhado baixo de quatro águas
(ao contrário da maioria das casas republicanas), tinha o frontispício dividido verticalmente em três partes, como de costume nas
composições classicizantes. A parte central, ligeiramente recuada, abria-se em arcadas em ambos os pisos, ao típico gosto italiano,
enquanto os corpos laterais, maciços, estavam providos de salientes balcões de alvenaria, que acentuavam o avanço dessas
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porções da fachada. A platibanda, reta, lisa e corrida, completamente sem ornatos, encarregava-se de reforçar a horizontalidade
italianizante da construção (fig. 64b).
Em seu álbum datado de cerca de 1904, o autor fez acompanhar a esplêndida imagem externa dessa residência de um aspecto
da sala de jantar, e por meio dessa imagem se observa que internamente era sombria e grave, como todos os interiores
republicanos, malgrado pinturas parietais de inspiração rococó tentassem atenuar a atmosfera soturna, enfatizada pelas
esquadrias e portas de madeira escura envernizada, pelas alcatifas, sem dúvida de tons ricos e quentes, e pelos móveis
neomaneiristas então em uso (fig.65).
Em franco contraste com as moradias das pessoas abastadas, nas quais até agora nos detivemos exclusivamente, estavam as
habitações dos estratos sociais mais baixos. Durante todo o período aqui enfocado, as famílias remediadas – então muito
reduzidas, pois as condições econômicas do Império não permitiram o surgimento de uma camada média numerosa – tiveram de
se contentar em morar em casas térreas, de pequena altura e exígua testada, quase sempre alugadas, submetidas às condições de
insalubridade características desse tipo de edificação. Só a partir de 1850, e sobretudo de 1870, começaram a despontar aqui e
acolá, casas de tijolos com um único pavimento, mas providas de porão, chamadas na época “casas assobradadas”. Seria, daí por
diante, nesse tipo de moradia, quando erguidas em lotes de reduzidas dimensões, que as camadas médias habitariam de modo
salubre; ao menos, o assoalho não estaria mais apoiado diretamente sobre o solo úmido, tão temido por sua nocividade, num
tempo em que predominavam as teorias miasmáticas de contágio.
Além das duas conquistas técnicas representadas pela alvenaria autoportante de tijolos e pela caixa de ar a isolar a construção
do solo úmido, pouco há para ser dito sobre as habitações modestas. Não tinham elas quase nenhum acesso às novidades
apresentadas pelas residências das camadas superiores: nem luz a gás, nem equipamentos hidráulicos, nem muitas vezes luz direta
em todos os cômodos (afinal as alcovas subsistiam), nem isolamento e intimidade, pois dada a exiguidade das testadas dos lotes
nem sempre era possível agenciar um corredor longitudinal que, levando da frente ao fundo, garantisse a independência das
acomodações. Nas habitações pobres, de porta e janela como eram então chamadas, permanecia a tradição colonial: um lanço, ou
correr, de compartimentos sucessivos, todos em comunicação direta uns com os outros. O programa dessas habitações
permanecia imutável e somente o número variável de divisões determinava a que faixa orçamentária estava a casa destinada. As
mais simples constavam geralmente de três peças (sala, alcova e cozinha) ou talvez quatro: sala, alcova, saleta (ou varanda) e
cozinha. Outras, melhores, dispunham de dispensa, ou separavam a cozinha do corpo da casa por um puxado. A verdade é que
nessas casas as designações de função, no caso de famílias pobres numerosas, não correspondiam à realidade, pois diante da
exiguidade dos cômodos não havia possibilidade, na prática, de separação das atividades domésticas. A situação mais grave, no
entanto, ocorria nos cortiços, construídos muitas vezes por pessoas de posses para serem alugados aos recém-chegados
imigrantes. Podiam reduzir-se a um único cubículo de pequena metragem quadrada e reduzido pé-direito, mantido em plena
imundície, constituindo por isso um perigoso foco de enfermidades.
Vemos assim que os preceitos de conforto e higiene, tão apreciados pelas pessoas das camadas superiores, mal atingiam as
casas remediadas e, muito menos, as pobres. De fato, será principalmente para este último tipo de moradia que se promulgarão
os padrões edilícios de 1850/1853, 1874, 1886 e 1889 (com prescrições mínimas para altura de pés-direitos e bitolas de vãos
posicionados nas fachadas) e os padrões de cortiços datados de 1886 e 1889, que exigiam janelas em todos os cômodos, embora
sem a necessária sustentação jurídica. Enquanto vigorou o Regimento de 1828, revogado com a dissolução das Câmaras Municipais
em 1890, foi vedado ao poder público aquilo que era considerado uma abusiva ingerência na esfera do privado, numa atitude de
proteção à liberdade individual e à inviolabilidade da propriedade particular. No Brasil, só a República implementaria uma ação de
franco caráter pós-liberal, iniciada, no âmbito da municipalidade paulista, com o estabelecimento da exigência de aprovação das
plantas dos edifícios a construir (Lei Municipal n.8 de 24 de maio de 1893). E, no ano seguinte, no plano estadual, com a criação do
Código Sanitário pela Decreto n. º 233 de 2 de março de 1894, no qual havia um capítulo especialmente dedicado à regulamentação
higiênica das edificações, até mesmo de suas partes internas. Foi somente a partir daí que as camadas superiores se viram
obrigadas a introduzir itens básicos de higiene e conforto nas construções de imóveis de aluguel para as famílias de poucos
recursos.
Sob a República, a sociedade paulistana teria melhores condições de fazer avançar o Ecletismo, sobretudo durante a
febricitante fase do Encilhamento (1889-1894). Deve ter sido por essa época, “quando o dinheiro [...] era uma espécie de água”38que
a imprensa especializada estrangeira começou a abarrotar os escritórios de arquitetura em funcionamento na cidade, contribuindo
de modo definitivo para o enraizamento da cultura arquitetônica burguesa na Capital. Somente uma atmosfera como essa, com
amplos recursos financeiros, materiais e culturais propiciando o fácil acesso a modelos estrangeiros atualizados, explicaria a súbita
disseminação do palacete burguês em São Paulo logo no alvorecer do novo regime, com todas as características que ele
apresentava contemporaneamente nos países adiantados do mundo ocidental. Externamente, a aparência desse tipo de
arquitetura doméstica era obtida mediante uma fórmula que combinava estilos exóticos, planivolumetria complexa e excesso de
sobrecarga ornamental. Na parte interna, tornavam-se obrigatórios o agenciamento de pequenas peças acessórias em
comunicação direta com as peças principais; a total independência dos diversos compartimentos, com a circulação sendo feita por
meio de vestíbulos e corredores, e a renúncia definitiva ao andar nobre.
Nas palavras de Maria Teresa Schörer Petrone39 (1929-2018), a transformação do regime monárquico para o republicano no
Brasil pode ser encarada como uma crise de crescimento: crescimento econômico, crescimento social em busca de novas formas,
crescimento institucional – à procura de instituições mais condizentes com a nova realidade. A essas variedades de “crescimento”,
ajuntaríamos mais uma, o “crescimento “cultural, que no âmbito da Arquitetura, consistiu na manifestação das primeiras obras
ligadas ao pleno Ecletismo, cujo ápice de desenvolvimento só seria alcançado com o desdobramento das forças reformadoras e
modernizadoras ocorrido durante a Primeira República. Mas cuja evolução vinha sendo liderada ao longo das duas últimas décadas
pela burguesia cafeeira paulista, de tão recente origem.
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Um relatório encaminhado ao governo estadual logo no início do regime recém-instaurado (1891)40 analisava a situação vivida
por uma cidade submetida a um processo de intensa e descontrolada expansão:

Comquanto fundada ha mais de 330 annos, S.Paulo é uma cidade nova, cujo aspecto geral assignala-se agora por uma
constante renovação das edificações antigas, as quaes desapparecem rapidamente e pelas multiplicadas construcções que
constituem os bairros novos.
Seguramente duas terças partes da cidade actual é de data muito recente.
Examinada em globo, S.Paulo é uma cidade moderna com todos os defeitos e qualidades inherentes ás cidades que se
desenvolvem muito rapidamente. Desigualdades nas edificações e nos arruamentos, desigualdades de nivel muito sensiveis,
irregularidade nas construções realisadas sem plano premeditado, largas superficies habitadas sem os indispensaveis
melhoramentos reclamados pela hygiene, grandes espaços desoccupados ou muito irregularmente utilisados, e a par de tudo
isso uma população que triplicou em dez annos, grande movimento, muito commercio, extraordinaria valorisação do solo e das
edificações e clima naturalmente bom.

A descrição acima resume muito bem os graves problemas enfrentados por uma São Paulo às vésperas do século XX,
problemas que realmente só se acentuariam com o tempo. Caberia agora aos protagonistas da jovem sociedade republicana que
então se organizava tentar enfrentar os graves sintomas manifestados pela cidade, muito embora qualquer atitude que viesse a
ser tomada nesse sentido pelos grupos hegemônicos paulistanos estaria necessariamente vinculada a poderosos e inevitáveis
interesses de classe, como fatos posteriores, ocorridos já nos primeiros anos do século seguinte, mostrariam muito bem.

4-Epílogo

O enfoque interpretativo adotado neste capítulo considerou as mudanças pelas quais passou a cidade de São Paulo durante o
século XIX, como aspectos da formação da cultura burguesa local, consequência direta das profundas transformações que se
vinham operando nas condições históricas do sudeste brasileiro.
Ao longo do Oitocentos, São Paulo se transformou de uma cidade tradicional em cidade capitalista. De uma situação em que
a terra urbana constituía o patrimônio municipal e o Estado, representado pela corporação municipal, era quem produzia
diretamente o espaço urbano, emergiu uma São Paulo onde a terra urbana começava a ser privatizada e considerada mercadoria.
Embora na cidade tradicional o Estado já atuasse como instrumento de dominação de classe, pois só as pessoas de relativas posses
tinham assento na Câmara de Vereadores (não nos esqueçamos que durante quase toda a era imperial as eleições estiveram
sujeitas ao regime censitário), não havia praticamente disputa pela terra por conta da ausência de forças econômicas que
conduzissem a cidade a um estado de desenvolvimento. Quando essas forças por fim irromperam, prenunciadas pela tão esperada
construção da ferrovia inglesa, principiaram a despontar os primeiros sinais de especulação fundiária, com numerosas datas de
terra se concentrando nas mãos de poucas pessoas influentes.
Durante os últimos dias da Monarquia, já se observavam efeitos da disputa das camadas sociais superiores pelas terras de
melhor localização (com boas condições de acessibilidade e/ ou centralidade): membros dos estratos privilegiados apropriavam-se
do espaço urbano e direcionavam o desenvolvimento da cidade conforme seus interesses privados, por meio de manobras
especulativas e dos primeiros loteamentos particulares. Ao Estado cabia agora tão somente o controle normativo dos novos
arruamentos.
Logo se tornaram patentes os aspectos negativos da cidade capitalista: formação de uma estrutura urbana fracionada, de
caráter tentacular, cheia de áreas desocupadas e sem interligação entre as diversas partes; intensa especulação fundiária; expulsão
das camadas populares dos espaços centrais, ou privilegiados, e degradação progressiva da paisagem urbana. Um processo que
perduraria e se intensificaria pelo Novecentos afora.
A evolução da arquitetura paulistana seguiu um caminho paralelo. Afastou-se das técnicas construtivas, dos partidos, dos
programas e das formas tradicionais luso-brasileiras para tentar reproduzir com fidelidade progressiva, com o concurso de
profissionais qualificados, mão de obra estrangeira e materiais importados, os programas, os partidos, as linguagens e os tipos
arquitetônicos gerados no mundo burguês europeu e norte-americano.
Em fins do Oitocentos, era por meio de ostentosos edifícios isolados, mais do que por meio de intervenções urbanísticas –
ainda raras e de pequena envergadura – que a burguesia local exteriorizava seu predomínio. Teremos de aguardar o início do século
XX para surpreender a concretização do ambicioso cenário urbano que essa classe julgava estar à altura de sua própria imagem 41.

Notas
1-BARROS, Gilberto Leite de. A cidade e o planalto. São Paulo: Martins, 1967. 2v.t.1p.224.
2-SÃO PAULO (Cidade). São Paulo antigo, plantas da cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954. Planta n.1.
3- ATAS das sessões da Câmara Municipal (Conselho da Intendência) de São Paulo, 1890. São Pulo: Espinola & Comp., 1905. p.3
4-BUENO, Francisco de Assis Vieira. A cidade de São Paulo, recordações evocadas de memória. São Paulo. Academia Paulista
de Letras, 1976. passim.
5-TAUNAY, Afonso de E. História da cidade de São Paulo no século XVIII. São Paulo, Divisão do Arquivo histórico, 1949, v.1, 2ª
parte. p.106.
6-Esse exemplar foi identificado em:
CAMPOS, Eudes. Quatro moradias do tempo do Império. São Paulo: trabalho de disciplina do CPG, FAUUSP, 1990.s.p.
30

7-Esse edifício, como vermos adiante, teria sido reformado nos meados do século XIX por um de seus filhos, o senador Sousa
Queirós, depois barão desse nome.
8-Ver esta ilustração reproduzida em:
SEGAWA, Hugo. Prelúdio da metrópole. São Paulo: Ateliê Editoria, 2000. p.14.
9-CAMPOS, Eudes. Palacetes paulistanos: a evolução do ambiente doméstico sob o império. Columbia (EUA), Historical
archeology in Latin America, n.6, p.89-103, jan.1995.
10-IANNI, Octavio. A idéia do Brasil moderno. Campinas, Resgate, v.1, p19-38, 1990, p.20.
11-CORREIO Paulistano, 11.7.1854. Apud BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: José
Olympio,1954, 3v. v.2. p.447.
12-O-Y ao Z, II. Correio Paulistano. São Paulo, 12.7.1854, p.1.
12a- Casos citados por:
BRUNO. História e tradições da cidade de São Paulo.3v. V.2. p.264.
ATAS, 1851. p.275.
O SR. Segismundo. Diario de São Paulo. São Paulo, 9 de fevereiro de 1873. Apud: FREHSE, Fraya. O tempo das ruas na São Paulo
de fins do Império. São Paulo: Edusp, 2005. p.233.
13- LEMBRANÇA feliz. São Paulo: Cabrião, ano 1, n.26. in:______Ed. fac-similar. São Paulo: IMESP/DAESP, 1982. p.203 e206.
14- TRANSCRIPÇÃO. Correio Paulistano. São Paulo, 4.5.1860, p.4.
15- A esse respeito, consultar:
AZEVEDO, Militão Augusto de. Álbum comparativo da cidade de São Paulo,1862-1887. Textos de Benedito de L. Toledo, Boris
Kossoy e Carlos A. C. Lemos. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 1981.passim.
SÃO PAULO (Estado). São Paulo em três tempos. Textos introdutórios de Ilka Brunhilde Laurito, Carlos A. C. Lemos. São Paulo:
IMESP/Arquivo do Estado, 1982. passim.
TAUNAY, Afonso de E. Velho São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, [1954? ], 3v., v.3. passim.
16-ATAS da Câmara da cidade de São Paulo, 1860. São Paulo; Departamento de Cultura, 1941. v. XLVI. p.22.
17-O que segue é baseado em:
PETRONE. Maria Thereza Shörer. As crises da monarquia e o movimento republicano. São Paulo, Revista do IEB, 16, 1975, p.31-
41.
18-MELHORAMENTOS na capital. Correio Paulistano. São Paulo, 2.12.1873, p.2.
19-A FALTA de predios na capital. Correio Paulistano. São Paulo, 1.5.1875, p.2.
20-ANNAES da Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo. Sessão de 1874. São Paulo: Typ. Americana, 1874. p.45.
21-RELATORIO apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo pelo Exmo. Sr. Dr. João Theodoro Xavier. 14.2.1875.
São Paulo: Typ.do Diario,1875. p.37.
22- VASCONCELLOS, Lins de e GUIMARÃES, Arthur. O capitão Quartim ou o popular A.B. Q., em scena. A Província de S. Paulo.
25.3.1875, p.2.
23-O POLICHINELLO, ed. fac-similar. São Paulo : IMESP/DAESP, 1981. passim.
24-CAMPOS, Eudes. O engenheiro Eusébio Stevaux e a arquitetura paulistana. <www. academia.edu> passim.
25-A história dos padrões edilícios paulistanos é um tanto complexa. Para esclarecimentos acerca de algumas confusões
tradicionais cometidas pelos historiadores, sugerimos a leitura do cap. 6 de nossa tese de doutorado Arquitetura paulistana sob o
Império, publicada na íntegra em <www. arquipaulistana .com>
26-DINIZ, Firmo de A. (Junius). Notas de viagem. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978. p.78.
27- RAFFARD, Henrique. Alguns dias na Paulicéia. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1977. p.49.
28-ALMEIDA Júnior, JOÃO Mendes de. Monographia do municipio da cidade de S. Paulo. São Paulo: Jorge Seckler. 1882. p.36-
41.
29- Para observar o perímetro do rossio paulistano medido em 1887, consultar a seguinte planta: SÃO PAULO (Cidade). São Paulo
antigo, plantas da cidade. Planta n.11.
Num destaque posicionado na parte inferior da planta geral da cidade de São Paulo realizada por Gomes Cardim em 1897,
podemos identificar a área quadrangular sob o nome de Perímetro antigo.
29ª- RELATORIO de 1918 apresentado á Camara Municipal de S. Paulo pelo Prefeito Dr. Washington Luís Pereira de Sousa. São
Paulo: Typ.Casa Vanorden, 1919.2v. p. XXXII-XXXIX, 151-159.
30-CAMPOS, Américo de. A cidade de São Paulo em 1877. In Almanach litterario de S. Paulo para o ano de 1876. 3anno, ed. fac-
similar. São Paulo: Governo do Estado, IHGSP, [1982?]. p.2-3.
31-Embora se tratasse a platibanda de um elemento arquitetônico cuja única função prática era esconder o telhado, dando a
impressão de que o edifício estava coberto por um terraço, era a platibanda que atestava, por meio de sua presença, estar o
proprietário em sintonia com a cultura arquitetônica internacional. Foi esse valor simbólico que levou a população paulistana a
promover uma onda de reformas nas construções da cidade a partir dos anos de 1880 aproximadamente.
32-KOENISGWALD, Gustavo. São Paulo por Gustavo Koenigswald. São Paulo: 1895.p.65 (ilustração n.47).
33-PRADO, José Fernando de Almeida (Yan de Almeida Prado). S. Paulo antigo, e sua arquitetura. Rio de Janeiro, Illustração
brasileira, n.109, s.p., set. 1929.
34-Idem. Apontamentos para a história da arquitetura em São Paulo. In GFAU. Depoimentos. São Paulo:1960.
35-Ver a esse respeito, por exemplo:
DOWNING, A.J. The architecture of the country houses. New York: Dover, 1869. passim.
36-SEVERO, Ricardo. A arte tradicional no Brasil. Revista do Brasil. v.4, jan.-abr., 1917. p.415.
31

37- A respeito da inexistência do engenheiro Luís Liberal Pinto, ver:


CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império, aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese de
doutorado defendida na FAUUSP, 1997.4v. v.1.p.125, nota n.204. (versão corrigida e atualizada, publicada em
www.arquipaulistana.com).
38-SOUSA, Everardo V. P. Reminiscências acadêmicas., 1887-1891. São Paulo, Revista do Arquivo Municipal, n.93, out- dez., 1943,
p.123 -127.
39-PETRONE, op. cit., p. 40.
40-SÃO PAULO (Cidade). Relatorio da commissão de saneamento das varzeas. Manuscrito datado de 7.11.1891, p.1-2. Biblioteca
Mário de Andrade. Obras Raras.
41- Ver a esse respeito:
CAMPOS, Eudes. São Paulo em reconstrução – a formação de uma cenografia urbana para o centro paulistano, entre 1899 e 1926.
Seis estudos de caso, [2016]. Academia
Disponível em:< https://www.academia.edu/37198920/S%C3%A3o_Paulo_em_reconstru%C3%A7%C3%A3o_-
_a_forma%C3%A7%C3%A3o_de_uma_cenografia_urbana_para_o_centro_paulistano_entre_1899_e_1926>

* * * *
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOCUMENTAÇÃO PRIMÁRIA MANUSCRITA


SÃO PAULO (Cidade). Biblioteca Mário de Andrade. Obras Raras. Relatorio da commissão de saneamento das varzeas.
Manuscrito datado de 7.11.1891, p.1-2.

DOCUMENTAÇÃO OFICIAL IMPRESSA


ANNAES da Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo. Sessão de 1874. São Paulo: Typ. Americana, 1874.
ATAS da Câmara da cidade de São Paulo, 1860. São Paulo; Departamento de Cultura, 1941. v. XLVI.
ATAS das sessões da Câmara Municipal (Conselho da Intendência) de São Paulo, 1890. São Pulo: Espinola & Comp., 1905. p.3.
RELATORIO apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo pelo Exmo. Sr. Dr. João Theodoro Xavier. 14.2.1875. São
Paulo: Typ.do Diario,1875.
RELATORIO de 1918 apresentado á Camara Municipal de S. Paulo pelo Prefeito Dr. Washington Luís Pereira de Sousa. São Paulo:
Typ.Casa Vanorden, 1919.2v.

FONTES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS IMPRESSAS


ALMEIDA Júnior, JOÃO Mendes de. Monographia do municipio da cidade de S. Paulo. São Paulo: Jorge Seckler. 1882.
AZEVEDO, Militão Augusto de. Álbum comparativo da cidade de São Paulo,1862-1887. São Paulo: Prefeitura do Município de
São Paulo, 1981.passim
BARROS, Gilberto Leite de. A cidade e o planalto. São Paulo: Martins, 1967. 2v.t.1p.224.
BUENO, Francisco de Assis Vieira. A cidade de São Paulo, recordações evocadas de memória. São Paulo. Academia Paulista de
Letras, 1976.
CAMPOS, Américo de. A cidade de São Paulo em 1877. In Almanach litterario de S. Paulo para o ano de 1876. 3anno, ed. fac-
similar. São Paulo: Governo do Estado, IHGSP, [1982?].
CAMPOS, Eudes. Palacetes paulistanos: a evolução do ambiente doméstico sob o império. Columbia (EUA), Historical archeology
in Latin America, n.6, p.89-103, jan.1995.
CAMPOS, Eudes. Quatro moradias do tempo do Império. São Paulo: trabalho de disciplina do CPG, FAUUSP, 1990.s.p.
CORREIO Paulistano, 11.7.1854. Apud BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: José
Olympio,1954, 3v. v.2. p.447.
DINIZ, Firmo de A. (Junius). Notas de viagem. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.
DOWNING, A.J. The architecture of the country houses. New York: Dover, 1869.
IANNI, Octavio. A idéia do Brasil moderno. Campinas, Resgate,v.1, p19-38, 1990, p.20.
KOENISGWALD, Gustavo. São Paulo por Gustavo Koenigswald. São Paulo: 1895.
PRADO, José Fernando de Almeida (Yan de Almeida Prado). Apontamentos para a história da arquitetura em São Paulo. In
GFAU. Depoimentos. São Paulo:1960.
______. S. Paulo antigo e sua arquitetura. Rio de Janeiro, Illustração brasileira, n.109, s.p., set. 1929.
PETRONE. Maria Thereza Shörer. As crises da monarquia e o movimento republicano. São Paulo, Revista do IEB, 16, 1975, p.31-
41.
RAFFARD, Henrique. Alguns dias na Paulicéia. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1977.
SÃO PAULO (Estado). São Paulo em três tempos. Textos introdutórios de Ilka Brunhilde Laurito, Carlos A. C. Lemos. São Paulo:
IMESP/Arquivo do Estado, 1982.
SEGAWA, Hugo. Prelúdio da metrópole. São Paulo: Ateliê Editoria, 2000.
SOUSA, Everardo V. P. Reminiscências acadêmicas., 1887-1891. São Paulo, Revista do Arquivo Municipal, n.93, out- dez., 1943,
p.123 -127.
TAUNAY, Afonso de E. História da cidade de São Paulo no século XVIII. São Paulo, Divisão do Arquivo histórico, 1949, v.1, 2ª
parte.
TAUNAY, Afonso de E. Velho São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, [1954? ], 3v., v.3.

ARTIGOS DE PERIÓDICOS
A FALTA de predios na capital. Correio Paulistano. São Paulo, 1.5.1875, p.2.
32

LEMBRANÇA feliz. São Paulo: Cabrião, ano 1, n.26. in:______Ed. fac-similar. São Paulo: IMESP/DAESP, 1982. p.203 e206.
MELHORAMENTOS na capital. Correio Paulistano. São Paulo, 2.12.1873, p.2.
O POLICHINELLO, ed. fac-similar. São Paulo : IMESP/DAESP, 1981.
O-Y ao Z, II. Correio Paulistano. São Paulo, 12.7.1854, p.1.
TRANSCRIPÇÃO. Correio Paulistano. São Paulo, 4.5.1860, p.4.
VASCONCELLOS, Lins de e GUIMARÃES, Arthur. O capitão Quartim ou o popular A.B. Q., em scena. A Província de S. Paulo.
25.3.1875, p.2.

FONTES SECUNDÁRIAS ONLINE


CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império, aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese de
doutorado defendida na FAUUSP, 1997.4v. v.1. (versão corrigida e atualizada). Arquipaulistana
Disponível em :<www.arquipaulistana.com>
Acesso: 5 de maio de 2020
CAMPOS, Eudes. O engenheiro Eusébio Stevaux e a arquitetura paulistana. Academia
Disponível em :< file:///C:/Users/Escritorio/Downloads/O_engenheiro_Eusebio_Stevaux_e_a_arquite%20(3).pdf>
Acesso: 5 de maio de 2020
CAMPOS, Eudes. São Paulo em reconstrução – a formação de uma cenografia urbana para o centro paulistano, entre 1899 e 1926.
Seis estudos de caso, [2016]. Academia
Disponível em:< https://www.academia.edu/37198920/S%C3%A3o_Paulo_em_reconstru%C3%A7%C3%A3o_-
_a_forma%C3%A7%C3%A3o_de_uma_cenografia_urbana_para_o_centro_paulistano_entre_1899_e_1926>
Acesso: 5 de maio de 2020

DOCUMENTAÇÃO CARTOGRÁFICA IMPRESSA


SÃO PAULO (Cidade). São Paulo antigo, plantas da cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954. Plantas n.1 e n.11.
33

fig.1- SÃO PAULO. Casas antigas. Desenhos feitos a partir do natural e de antigas fotografias por José Wasth Rodrigues para o seu
Documentário arquitetônico. A identificação dos exemplares é de responsabilidade do Autor.
Vemos aqui antigas casas datáveis quase todas, provavelmente, do século XVIII e quase todas situadas na Capital. O que caracteriza
formalmente essas construções é o seu baixo pé-direito, os largos beirais encachorrados, as indefectíveis gelosias protegendo as
aberturas, a ausência de modenatura clássica e as fachadas de composição assimétrica, não estando os vãos nem uns sobre os outros
nem sequer regularmente espaçados: a (exemplar de Santana) e b (exemplar da antiga rua do Ouvidor, em São Paulo) mostram ainda a
existência de vãos superiores tocando no beiral, iluminando um sobrado de pé-direito reduzidíssimo, outra característica da velha
arquitetura urbana paulista; c, d e e são sobrados com balcões treliçados, que existiram na antiga rua do Rosário, em São Paulo. Os
exemplos c e d ainda mostram assimetria entre os vãos do primeiro e do segundo pavimento. O terceiro, e, deve datar dos últimos anos
do setecentismo, e, tal como g, pegado com a igreja de São Pedro da Pedra (este último talvez datado de 1781, conforme antigas
referências documentais), já exibe fachada regular, arcos de inspiração barroca e alguma modenatura; buscam, enfim, e e g transmitir
uma maior dignidade urbana, imitando a arquitetura civil dos centros mais adiantados. Os exemplos f e h, situados na velha e modesta
rua das Flores (atual rua Silveira Martins), ainda conservavam suas rótulas: f exibia fachada com eixo de simetria central, assinalado pela
presença da porta de entrada, construção talvez datada da primeira metade do XIX. Quanto a h, já provido de vidraças, retinha folhas de
rótulas de abrir para fora na parte inferior dos vãos, para a proteção da intimidade do lar. As sobrevergas retas surgem nessa última casa
como indício de um incipiente Neoclassicismo, o que a faz provir provavelmente da década de 1850.
FONTE: RODRIGUES, José Wasth. Documentário arquitetônico relativo à antiga construção civil no Brasil. 4a ed. Belo Horizonte: Itatiaia;
São Paulo: Edusp, 1979.
REPRODUÇÃO DIGITAL
34

Fig.2- SÃO PAULO. Diversos modelos de sobrados urbanos de São Paulo, dos meados do século passado [século XIX]. Desenhos feitos
a partir de antigas fotografias por José Wasth Rodrigues para o seu Documentário arquitetônico. A identificação dos exemplares é
de responsabilidade do Autor.
Os sobrados paulistanos da primeira metade do Oitocentos permaneceram fortemente influenciados pelas características eruditas da
arquitetura lusitana do século anterior: pés-direitos mais altos, modenaturas de gosto clássico, vãos envidraçados, fachadas de
composição simétrica e estrita regularidade na fenestração. Em alguns exemplares veem-se águas-furtadas, em outros mirantes. As
vergas recurvas de tradição barroca predominam, porém já vemos portas de entrada de arco pleno, como é o caso de b (identificada por
nós como a casa de Aires Coelho da Silva Gameiro, Barão de Silva Gameiro, sita na Rua Direita, n. 45, em 1859, e n.40, em 1878, depois
da troca do sistema de numeração em 1865). Observamos também sobrevergas “à Maria I” e, no caso de a, vergas retas de inspiração
neoclássica. Este último sobrado, singelo, situado na rua da Constituição (Florêncio de Abreu), era semelhante a outras construções
encontráveis, em fotos de Militão, na rua do Paredão (Xavier de Toledo) e na rua Municipal (General Carneiro), todas datáveis, com
certeza, da década de 1850.
FONTE: RODRIGUES. Documentário Arquitetônico.
REPRODUÇÃO DIGITAL
35

Fig. 3 - Reconstituição digital da casa do senador Sousa Queirós, antiga moradia de seu pai, o brigadeiro Luís Antônio de
Sousa, tal como se apresentava por volta de 1862. Baseada em antiga documentação iconográfica. Acima, fachada da rua
São Bento e, abaixo, fachada da rua do Ouvidor, atual José Bonifácio. Desenho do Autor, executado com técnica digital,
2007.
36

Fig.4 - Vista do largo da Sé. Detalhe. Aquarela de Jean-Baptiste Debret, 1827.


À esquerda, vemos um pequeno sobrado de canto cortado. Trata-se da casa do alferes Joaquim Ribeiro dos Santos, cujo alinhamento foi dado
em 1823, conforme as Atas da Câmara. Provavelmente é o segundo agenciamento deste tipo adotado numa esquina da cidade (o primeiro seria
o canto cortado existente no sobrado do brigadeiro Luís Antônio ,ver fig.3), e a razão dessa medida foi o fato de a construção estar situada num
canto extremamente estrangulado do arruamento colonial: no largo da Sé, esquina da rua do Rosário, “fronteando a sahida da rua Direita”. Pelo
que observamos na aquarela de Debret (1768-1848), a porta principal do sobrado, pela qual saía a família que se dirigia à missa na catedral, era
a que se posicionava no canto cortado, donde se conclui que o agenciamento urbanístico estava a influir na disposição interna da construção. O
edifício visto nessa ilustração, já reformado, desapareceu em 1907, com as alterações viárias ocorridas no local.
FONTE: J. B. DEBRET - aquarelas. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, [1984].
REPRODUÇÃO DIGITAL
37

Fig.5- Reconstituição gráfica aproximada do sobrado de mirante de dois andares localizado numa das saídas da cidade (rua da
Consolação). Residência onde morava, nos meados do século XIX, o vereador Lúcio Manuel Félix dos Santos Capelo. Em 1838, aí
funcionou o Colégio Berthet. Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2012.
Este imóvel, de excepcional configuração, aparece ao longe em duas aquarelas de Edmond Pink, datadas de 1823, e em certas fotos de
Militão de Azevedo, de c.1862. Reconstituímos aqui sua aparência original a partir dessas imagens e de outras já da década de 20 do
século passado, quando o edifício abrigava o Colégio Coração de Maria. Remontando ao princípio do século XIX, pois sua projeção
horizontal aparece na planta da cidade datada de 1810, da autoria de Rufino José Felizardo e Costa (1784-1824), este imóvel, então
pertencente ao fazendeiro Adolfo Júlio de Aguiar Melchert, sofreu uma reforma classicizante no ano de 1880, segundo o lançamento do
auto de alinhamento do dia 17 de junho desse ano (Livro de lançamento dos autos de alinhamento, 1880-1886, folha 12), quando então
teve seu mirante diminuído de um andar. Situado na esquina da rua Major Quedinho, o prédio só foi demolido em 1942, por ocasião da
abertura da rua Martins Fontes e do prolongamento do Anel de Irradição, ocorridos no tempo da 1ª administração do prefeito Prestes
Maia (1938-1945).
38

Fig.6- Reconstituição gráfica aproximada da fachada e das respectivas plantas, térreo e primeiro andar (ver abaixo), do sobrado de
propriedade do futuro barão de Itapetininga, c. 1830. Desenhos do Autor, executados com técnica digital, 2011.
As plantas publicadas na imprensa periódica por ocasião da derrubada do imóvel (1889) e as informações colhidas no inventário do barão
(1799-1876) tornaram possível ensaiar a reconstituição dessa rica moradia, sem dúvida um dos mais importantes edifícios residenciais da
cidade na época de sua construção (c.1830).
Externamente o exemplar exibia moderada influência neoclássica, tanto na imponente composição simétrica da fachada principal,
quanto nos detalhes decorativos empregados, tais como, janelas de verga reta e portas de entrada rematadas com bandeiras
semicirculares. As portas-balcão do segundo piso, por sua vez, eram valorizadas por guarda-corpos de ferro, cujos cantos superiores
estavam rematados com maçanetas, ou pinhas, de vidro ou cristal colorido.
As características da edificação eram de fato excepcionais, por estar inteiramente consagrada ao uso residencial, ficando relegadas ao
pavimento no nível da rua as atividades de serviço e as peças de uso secundário. A implantação da casa numa das encostas do ribeirão
Anhangabaú permitiu aproveitar o acentuado declive do terreno para que fosse agenciado na parte posterior da moradia um piso inferior,
acessível através de arcos de pedra, conforme nos mostram antigas imagens. Aí estariam concentrados senzala, depósitos e outras
dependências.
O piso no nível da rua de São José (atual Líbero Badaró) possuía dois ingressos, um em cada extremidade da fachada. Esse tipo de
agenciamento era tão raro em regiões paulistas que sobre ele não há a menor referência na importante obra Casa paulista (1999), de
autoria do professor Carlos Lemos. Na cidade de São Paulo, contudo, essa solução incomum foi empregada, depois, ao menos mais duas
39

vezes: no solar do barão da Limeira (1813-1872), datado de 1853, sito na rua da Casa Santa (Riachuelo), ver fig.7, e numa casa da rua Alegre
(Brigadeiro Tobias), pertencente no final do século XIX a Augusto Cincinato de Almeida Lima.
À direita do edifício, ficava a entrada nobre, no eixo da rua Direita, e, à esquerda, a entrada de serviço. A primeira abria-se para um amplo
vestíbulo, no fundo do qual degraus de convite conduziam, sob um arco, à escada principal. À esquerda desse vestíbulo, sabemos ter
existido uma “salinha” provida de alcova. Tratava-se, de fato, do gabinete de trabalho do barão, sendo talvez a alcova anexa, neste caso,
destinada ao pernoite de hóspedes ligados ao proprietário por laços comerciais. De acordo com o inventário, na “salinha” se viam uma
escrivaninha, uma cômoda e um cofre de ferro. No fundo do vestíbulo, flanqueando a escada nobre, havia uma passagem discreta, sem
dúvida permanentemente fechada, que dava acesso à sala de jantar íntima, tradicional centro de convivência familiar e de onde
provavelmente a baronesa supervisionava todo o trabalho doméstico. A peça contígua localizada na extremidade da sala de jantar, à
direita do observador, era sem dúvida uma copa, que punha em comunicação a peça anterior com o puxado onde estava instalada a
cozinha, estranhamente ausente nas plantas publicadas em 1889.
Nesse andar existiam três passagens paralelas que, hierarquizadas na sua importância, levavam da frente ao fundo. Uma era a que
acabamos de mencionar, indo do vestíbulo à sala de jantar íntima. A essa poderíamos tipificar como uma circulação social restrita, em
que só amigos muito íntimos ou parentes próximos tivessem direito de penetrar além dos membros da família. E, na zona de serviço,
havia mais uma, que ligava a entrada secundária à escada usada pela escravaria doméstica, à copa e à cozinha, uma circulação para uso
exclusivo da criadagem cativa, portanto. Deve-se assinalar o fato de que o percurso tortuoso feito a partir da porta de ingresso de serviço
em direção ao fundo da casa, constituía um expediente habitual de que se lançava mão sempre que necessário fosse resguardar a
intimidade das famílias, impedindo que estranhos ao passar na rua devassassem o interior dos lares.
As demais repartições existentes nesse pavimento não estão identificadas no inventário do barão, mas como se mostravam ocupadas por
uma infinidade de móveis velhos (camas, armários, cadeiras, lavatórios, etc.), supomos fossem usadas ou como quartos de despejo, ou
como dormitórios secundários. A esse respeito, consulte-se o artigo de nossa autoria: Palacetes paulistanos; a evolução do ambiente
doméstico sob o Império. Historical Archeology in Latin America. Columbia (USA), n.6, p.89-103, jan.1995. Aliás, a existência de uma
grande quantidade de mobília usada nesse pavimento nos permite deduzir que o mobiliário da parte nobre da casa fora em algum
momento quase todo renovado, quem sabe por ocasião do segundo casamento do proprietário ocorrido em 1861.
O piano nobile, como o nome diz, estava inteiramente dedicado às nobres atividades de receber e repousar. Nesse andar, a escada
principal fazia a sua chegada junto da porta de uma das três salas da frente, cujas janelas se voltavam para a rua de São José (Líbero
Badaró). A primeira, à esquerda, devia ser a sala de espera. A segunda, em posição central com relação à fachada, estava decorada com
mais empenho, revelando ser o salão principal do sobrado, com consolos, sofá, cadeiras de braços, cadeiras singelas, espelhos de
molduras douradas, bibelôs e lustre de doze luzes, com pingentes (de cristal, provavelmente). A terceira sala parece ter sido usada ao
mesmo tempo como estar íntimo e quarto de vestir, ou seja, tinha a função de boudoir, ou quarto da senhora. O aposento que lhe ficava
contíguo, junto da escada de serviço, era o dormitório do casal. Em seguida, e comunicando-se com ele, vinha uma copa de apoio à grande
sala de jantar de cerimônia. Na peça auxiliar havia mesas e um aparador, onde eram guardados porcelanas e cristais. A sala de jantar de
cerimônia, por sua vez, ocupava vasto cômodo situado na região central da fachada posterior. Estava guarnecida de trinta cadeiras, quatro
aparadores, dois sofaletes, oito redomas para abrigar enfeites ou arranjos de flores artificiais, etc. Curiosamente, o arrolamento do
inventário não faz menção à mesa da sala de jantar (seria ela uma peça desmontável?) No andar nobre havia ainda três outras
acomodações, onde se dispunham móveis diversos. Como não foram arroladas camas nesses quartos, supomos que eles só raramente,
ou talvez nunca, fossem usados como dormitórios.
Observamos ainda que no piso de cima se mantinham as mesmas três passagens existentes no pavimento inferior. Enquanto duas faziam
a interligação entre a parte social de recepção, situada na frente da casa (sala de espera e salão principal), e a sala de jantar de cerimônia,
no fundo, a terceira era de estrito uso familiar e de serviço, pois comunicava o boudoir, o quarto de casal e a escada de serviço com a sala
de jantar de cerimônia e a copa do piso superior.
40
41

Fig.7 - Reconstituição digital do solar do barão da Limeira, tal como se apresentava por volta de 1862. Baseada em
documentação iconográfica pertencente ao acervo da Biblioteca da FAUUSP. Desenho do Autor, executado com técnica
digital, 2007.
Construção tradicional, de taipa, datada de 1853, com alguns detalhes neoclássicos e duas entradas, uma nobre e a outra de
serviços.
FONTE: Informativo Arquivo Histórico Municipal, n. 16, 2008.
REPRODUÇÃO DIGIT

Fig.8 - Túmulo de Júlio Frank, 1847. Autoria ignorada. Aquarela de Miguelzinho Dutra.
Túmulo de estilo neoclássico, composto de obelisco, frontões curvos e acrotérios em forma de palmeta, com sobrevivências
barrocas manifestadas nas formas onduladas dos candelabros chamados fogaréus.
FONTES: BARDI, P. M. (apresentação). Miguel Dutra, o poliédrico artista paulista. São Paulo: MASP, 1981.
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.9- Esquema representando o primeiro anel perimetral criado em torno da cidade de São Paulo a partir de meados do século XIX.
Construído entre 1855 e 1880, era formado basicamente pela rua Formosa (1855), rua 25 de Março (1858, primeira fase; 1869,
segunda fase), rua Riachuelo (1867-1868) e ruas do Hospício (1873), atual Frederico Alvarenga, e do Conde d’Eu (1875), a Glicério de
nossos dias, abertas estas duas últimas no tempo de João Teodoro. Todas vistas aqui em vermelho.
Em rosa, observamos trechos viários preexistentes ou posteriores que, supostamente, interligavam as vias acima citadas,
completando o anel.
A autoria do primeiro anel perimetral paulistano não pode ser atribuída a nenhum nome em particular. Foi antes o resultado de um
esforço coletivo, produzido ao longo de décadas no âmago da Câmara Municipal. Trata-se, provavelmente, da prova mais
contundente de que era possível, sim, durante o Império, haver uma visão de conjunto da cidade para a adoção de determinadas
soluções urbanísticas. O problema era que, por falta de verbas e de empenho, as obras se arrastavam indefinidamente. No caso do
anel viário, as obras demoraram tanto que ao serem concluídas já não produziram quase nenhum efeito. O anel fora concebido
para interligar as várias saídas da cidade e assim afastar o trânsito de tropas e carros de boi das vias mais centrais. Ao ser concluído,
esse problema já estava, ao menos momentaneamente, superado pelas ferrovias, que agora transportavam o grosso das
mercadorias quer em direção ao litoral, quer em direção ao interior.
Em 1880, foi aberta por iniciativa particular a rua Tamandaré, que também fazia parte do citado sistema viário, na medida em que
interligava a rua da Liberdade à várzea do Tamanduateí.
Como base para a apresentação do esquema foi usada a Planistória, planta histórica da cidade de São Paulo concebida pelo
historiador Afonso de Freitas.
Texto de nossa autoria, baseado no publicado no Informativo Arquivo Histórico Municipal n. 25-26, 2010.
FONTE:< http://www.arquiamigos.org.br/info/info25-26/i-logra.htm>
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.10- Teatro de São José (1858-1864). Foto de Militão Augusto de Azevedo, datada por volta de 1862.
Construção de estilo neoclássico, deixada inacabada pelo construtor e empresário teatral Antônio Bernardo Quartim, só concluída
após reforma empreendida pelo novo empresário Antônio da Silva Prado, mais de dez anos depois.
FONTE: SÃO PAULO (ESTADO). MIS.
REPRODUÇÃO: Reiche Bujardão.

Fig.11- Vista da cidade a partir da várzea do Carmo (detalhe). Fotografia atribuída a Militão Augusto Azevedo, datada
provavelmente de 1887.
Nesta foto, vê-se claramente, no centro e à direita, a ala neoclássica do palácio da Presidência, erguida entre 1862 e 1864 pelo
empreiteiro Antônio Bernardo Quartim. Foi-nos impossível descobrir quem era o projetista dessa reconstrução: se algum
engenheiro a serviço da Província ou se o próprio empreiteiro da obra.
FONTE: TOLEDO, Benedito L. Três cidades em um século. São Paulo: Duas cidades, 1981.
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.12- Vista da rua do Rosário. Ao centro, no fundo, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos com seu
frontispício construído a partir de 1858. Foto de Militão Augusto de Azevedo, datada por volta de 1862.
Por assentamentos encontrados no AHSP, sabemos hoje que o responsável pela reforma do edifício religioso foi o empreiteiro
português Caetano Ferreira Baltar. A ingenuidade revelada no desenho do frontão da fachada nos faz supor que o autor do risco
tenha sido, porém, um membro da irmandade, talvez um mestre de obras, sem suficiente tirocínio.
FONTE e REPRODUÇÃO: SÃO PAULO (CIDADE). Museu da Cidade de São Paulo. Seção Arquivo de Negativos.
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Fig.13- Vista do largo de São Gonçalo. À direita, três construções pegadas, erguidas concomitantemente em 1857. Foto de Militão
Augusto de Azevedo, datada por volta de 1862, artificialmente ampliada em seu campo de visão para melhor mostrar o conjunto
arquitetônico então erguido. Intervenção do Autor, por meio de técnica digital, 2013.
Conforme vimos em um de nossos estudos, nesta foto a partir do centro em direção à direita, pode-se surpreender um dos mais remotos
exemplos de cenografia urbana intencionalmente criada em São Paulo pela iniciativa particular.
Em fins de 1856, os proprietários de três casas localizadas no largo de São Gonçalo, pediram alinhamento com a intenção de reconstruir
seus imóveis e, ao mesmo tempo, regularizar uma das faces daquele logradouro. As novas construções, das quais ao menos uma estava em
andamento no ano seguinte segundo as Atas da Câmara, constavam de uma casa térrea, situada na esquina, de propriedade do cônego
Ildefonso Xavier Ferreira (1795-1871) ; do sobrado contíguo, com alguma influência neoclássica e água-furtada no alto do telhado, de
propriedade do capitão José Xavier Ferreira, irmão do precedente, e ainda de um outro sobrado, semelhante ao anterior, cujo dono era o
cônego Fidélis Alves Sigmaringa de Morais, e onde morou durante muito tempo o dr. João Mendes de Almeida (1831-1898), importante
jurisconsulto, que acabou dando nome à praça atual.
Dessas construções, erguidas durante a vigência do padrão edilício de 1850 (sob a forma aprovada pela Assembleia Legislativa em 1853),
emanava uma dignidade urbana que contrastava intensamente com as demais casas das imediações, cujo ar enfezado era fruto da antiga
e persistente tradição arquitetônica local.
FONTE E REPRODUÇÂO: SÃO PAULO (CIDADE). Museu da Cidade de São Paulo. Seção Arquivo de Negativos.
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Fig.14- SÃO PAULO. Bandeiras de janelas e base de sacadas. Desenhos feitos a partir de antigas fotos por José Wasth Rodrigues
para o seu Documentário arquitetônico. A identificação dos exemplares é de responsabilidade do Autor.
Bandeiras usadas nos meados dos anos de 1800, influenciadas via arquitetura portuguesa pelas fanlights inglesas do século XVIII. As três
bandeiras a são santistas. O modelo c parece com o que foi usado no solar de Fidélis Nepomuceno Prates (1786-1865), construído na Luz
entre 1857 e c. 1860. O modelo à esquerda de d, em formato de tulipa, sem identificação, é semelhante ao empregado no sobrado de
João Antônio de Borba Cujo, sito na rua de Santo Amaro (construção depois conhecida como cortiço Vaticano), cujo auto de alinhamento
foi lançado em livro próprio em 23 de julho de 1873 (Livro de lançamento dos autos de alinhamento, 1863-1877, folha 194 e 194 v); o modelo
d, com pinázios cruzados em aspas, pertencia ao sobrado de João Pedro Schwindt, localizado no largo do Capim, ou de São Francisco,
esquina da rua do Ouvidor, atual José Bonifácio, cujo alinhamento foi dado em 1851, conforme as Atas da Câmara.
FONTE: RODRIGUES. Documentário arquitetônico.
REPRODUÇÃO DIGITAL

Fig.15- Vista da Chácara Bresser. Foto de Militão Augusto Azevedo, datada por volta de 1862.
Também a sede da chácara Bresser exibia alguns elementos arquitetônicos pouco comuns para o tempo: cunhais canelados, empena
lateral imitando frontão, decorado com óculo elíptico, e pequenos respiradouros circulares no porão, posicionados entre os vãos das
janelas, infelizmente não visíveis nesta reprodução.
FONTE: SÃO PAULO (ESTADO) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (USP). Biblioteca. São Paulo em 1860. (álbum de fotografias).
REPRODUÇÃO: Paulo César Garcez Marins
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Fig.16- Seminário da Luz, tendo em primeiro plano, à direita, a ala de tijolos com o mirante de frei Germano d’Annecy. Foto
de Militão Augusto de Azevedo, tomada por volta de 1862.
FONTE e REPRODUÇÂO: Biblioteca Mário de Andrade.

Fig.17- Casa de Fidélis Nepomuceno Prates (1857-c. 1860). Foto de autor não identificado, datada do início do século XX.
O tenente-coronel Fidélis e seu irmão, o médico Fidêncio Nepomuceno Prates, eram ambos genros do barão de Antonina (1782-
1875), senador do Império, e tal como este último, provenientes do Rio Grande do Sul. A origem básica de suas respectivas fortunas
era, conforme estudos recentes, o tropeirismo. Fidélis concebeu e construiu a primeira sede de chácara paulistana em estilo
neoclássico, influenciado pela arquitetura da Corte. Dispondo de uma mentalidade ainda ligada ao escravismo, no entanto, mantinha
no fundo do imóvel um tronco para o castigo de seus escravos urbanos.
FONTE: SÃO PAULO antigo e São Paulo moderno, 1554-1904. São Paulo: Vanorden e Co. [1905].
REPRODUÇÃO: Reiche Bujardão
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Fig.18- Fachada da casa de José Maria Gavião Peixoto (1858 - 1860). Pormenor de foto de Augusto Militão de Azevedo,
datada por volta de 1862.
FONTE: SÃO PAULO (ESTADO) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (USP). Biblioteca. São Paulo em 1860. (álbum de
fotografias).
REPRODUÇÃO: Paulo César Garcez Marins
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fig.19- Reconstituição gráfica aproximada do sobrado neoclássico revestido de azulejos amarelos, erguido na rua da
Imperatriz (hoje 15 de Novembro). Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2011.

O exemplar aqui observado, provavelmente construído no final da década de 1850, é por mais de um motivo significativo. Além de
seu estilo neoclássico luso-brasileiro, bastante característico, sua tipologia, na época, era bastante incomum em São Paulo: prédio
de três pavimentos, de uso misto, com térreo reservado a comércio e pavimentos superiores com residências independentes em
cada andar. Distante prefiguração dos prédios de apartamentos, tipologia que só oitenta anos depois se firmaria na cidade.
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Fig.20- Confeitaria do Leão, inaugurada em 27 de setembro de 1862. Foto de Augusto Militão de Azevedo, provavelmente
datada desse mesmo ano.
O predinho visto na foto acima era o resultado evidente de uma reforma modernizante, executada num modesto térreo de linhas
luso-brasileiras tradicionais. O canto de esquina arredondado, a pintura multicolorida imitando mármore, as portas transformadas
em vitrinas e a platibanda enfeitada com peças decorativas de louça reportavam-se ao estilo arquitetônico das casas de comércio
em voga na Corte. Deve ter provocado sensação na São Paulo de 1862.
FONTE: SÃO PAULO (ESTADO) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (USP). Biblioteca. São Paulo em 1860. (álbum de
fotografias).
REPRODUÇÃO: Paulo César Garcez Marins

Fig.21 - Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência (1873-1876). Autoria de Manuel Gonçalves da Silva Cantarino (?-
?), projeto de 1866. Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2010.
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Fig.22- Reconstituição gráfica aproximada da aparência original do sobrado com porão situado na Rua São Domingos, n. n° 231 e
237, bairro da Bela Vista, até hoje existente. Datado de 1889, conforme data aposta na bandeira de ferro forjado da entrada que
serve o piso superior. Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2012.
Exemplar arquitetônico singelo, datado do início do período eclético, mas com fortes reminiscências neoclássicas, ainda que desprovido
de platibanda. Chama a atenção por sua tipologia, na época muito corriqueira: duas residências independentes sobrepostas.
No presente ensaio de reconstituição, a faixas horizontais atualmente existentes no embasamento foram interpretadas como resultado
de um reforço estrutural realizado no edifício na época dos renivelamentos das ruas do bairro do Bexiga, sucedidos na primeira metade
do século XX. Renivelamentos que teriam exigido a presença de degraus externos para permitir o acesso ao interior da casa. Também
teriam ocorrido descaracterizações no revestimento externo da fachada correspondente ao pavimento inferior da edificação, resultantes
de obras executadas para a introdução de instalações elétrica e pluvial.
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Fig.23- Canudo de João Teodoro, construído em 1874. Foto de autor não identificado, provavelmente datada da época da demolição
da obra em 1900.
Tosca construção de aparência neoclássica erguida no Jardim Público por Antônio Bernardo Quartim, empreiteiro de obras públicas e
administrador do jardim. De utilidade duvidosa, o edifício de 20 m de altura, logo saiu do prumo, tornando-se uma espécie de torre de Pisa
paulistana. Ao que parece, a concepção do mirante era do próprio Quartim, conforme críticas veiculadas pela imprensa. Em 1886 nele foi
instalado um observatório meteorológico, que recebeu o nome de João Teodoro. Demolido em 1900, por ordem do prefeito Antônio da
Silva Prado.
FONTE e REPRODUÇÃO: SÃO PAULO (CIDADE). Museu da Cidade de São Paulo. Seção Arquivo de Negativos.
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Fig.24 - Gravura de Jules Martin, mostrando a fachada do novo palácio da Presidência da Província, acrescida de um pórtico
não previsto originalmente na reconstrução do edifício. Projeto de autoria de Eusébio Stevaux, 1881- 1885.
Vemos aqui uma litografia com a versão final do palácio do Governo paulista, em que o edifício de aparência neorrenascentista
francesa, concebido por Stevaux, já aparece com o acréscimo de um pórtico, com reminiscências neoclássicas. A descoberta de
uma foto da autoria de Militão Augusto de Azevedo, com o edifício concluído, mas desprovido de pórtico, imagem que datamos
de 1884 ou 1885 e hoje pertencente ao acervo do Museu Paulista, levou-nos a entender o que se passou, a partir da leitura de
documentos depositados no Arquivo Público do Estado.
O projeto inicial de Stevaux certamente não incluía o pórtico, e a aparência do palácio pronto foi tão pouco convincente que teria
levado o vice-presidente Almeida Couto (1884-1885) a solicitar ao engenheiro francês que fizesse o acréscimo desse elemento
arquitetônico no intuito de melhorar a composição do frontispício.
Em fins de 1885, Eusébio Stevaux, que já se havia demitido do serviço público, tentou receber pelas peças de mármore por ele
fornecidas para a obra complementar do palácio: arquitraves e degraus, de mármore branco, e fustes de colunas, de mármore
verde. O engenheiro provincial que então acompanhava a finalização da obra do palácio da Presidência, informou que não havia
nenhum documento que comprovasse que tal serviço fora encomendado pelo governo da Província (talvez o vice-presidente
Almeida Couto o tivesse feito apenas verbalmente). De qualquer modo, quem deveria ser cobrado não era governo provincial, mas
o governo central, já que a este último pertenciam as antigas propriedades jesuíticas sequestradas no século XVIII, assim como as
despesas com a reforma do palácio em questão.
Como Raffard afirmou, em 1890, que os fustes do pórtico eram feitos de tijolo e não de mármore, deduzimos que Stevaux
provavelmente nunca tenha sido ressarcido das peças que forneceu e não foram empregadas.
FONTE e REPRODUÇÃO: SÃO PAULO (CIDADE). Museu da Cidade de São Paulo. Seção Arquivo de Negativos.
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Fig.25- Faculdade de Direito, antigo convento franciscano reformado entre 1884 e 1885. Projeto de Eusébio Stevaux. Foto de
autor não identificado, datada por volta de fins do século XIX.
FONTE: KOSSOY, Boris. Album de photographias do Estado de São Paulo, 1892. São Paulo: Kosmos, 1984.
REPRODUÇÃO DIGITAL

Fig.26- Viaduto do Chá. Foto de autor não identificado, datada por volta de 1892.
A versão finalmente realizada do viaduto do Chá, construída entre 1888 e 1892, pode, no entanto, ser de autoria do engenheiro
João Pinto Gonçalves, cujo nome aparecia em placa afixada na estrutura metálica do viaduto. Em março de 1886, oferecia-se o
profissional para elaborar, de graça, os orçamentos e planos da obra para a sociedade anônima que então se organizava, com o
objetivo de levar adiante a iniciativa de Martin.
FONTE: KOSSOY. Album de photographias... 1892.
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Fig.27- Paço da Assembleia Provincial e Câmara Municipal de São Paulo (1877-1879), projeto de Eusébio Stevaux. Foto de
Marc Ferrez (1843- 1923), datada por volta de 1880. Acervo do Instituto Moreira Salles.
Vemos nessa imagem o edifício da Assembleia Provincial recém-reformado, tendo à sua frente o jardim projetado pelo engenheiro
Fernando de Albuquerque para o agora chamado largo Municipal.
FONTE:<https://s-media-cache-akO.pinimg.com/originals/b9/12/8c/b9128cd496bacb7d2d40032ef8d801e2.jpg>
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Fig.28- Vista do palácio do Governo, do jardim gradeado e da cascata decorativa. Pormenor. Foto de Gaensly (1843-1928) e
Lindemann, por volta de 1898.
A fontezinha vista na foto foi concebida como um item complementar da nova cenografia urbana para o antigo largo de Palácio.
Unindo a linguagem clássica da arquitetura a elementos pitorescos, foi realizada em 1886 por Serafim Corso, mestre de obras
italiano, especializado na execução de elementos decorativos para jardins, O risco inicial, no entanto, que teve de ser interpretado
pelo executante, foi certamente fornecido por algum dos engenheiros a serviço da Província. Em primeiro plano, à esquerda, vê-se
um dos quiosques autorizados pela Câmara a se instalarem nas vias públicas da cidade, a partir de 1883.
FONTE: KOSSOY. Album de photographias...1892.
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Fig.29- Aspecto da rua do Príncipe (atual Quintino Bocaiúva). Pintura baseada em foto de Militão Augusto de Azevedo (1837-
1905) datada de 1887. Obra pertencente ao Museu Paulista. Autor não identificado; início do século XX.
A casa assobradada, ou abarracada, vista à esquerda teve seu auto de alinhamento lançado em livro de registro em 14 de outubro
de 1885 (Livro de lançamento dos autos de alinhamento, 1880-1886, folha 277 e 277v). Provida de porão, platibanda e alto pé-direito
rompia a escala da rua e contrastava, de modo radical, com a linguagem arquitetônica das construções térreas circunvizinhas, de
aspecto bastante modesto aliás. A casa que aqui nos ocupa possuía 5 m de testada e era propriedade de João Batista de Almeida.
No auto de alinhamento há menção ao canto visto à extrema esquerda da imagem, correspondente à esquina da antiga rua da
Princesa (atual Benjamin Constant).
FONTE: TAUNAY, Affonso E. Velho São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, [1953-1955?]. 3v. V.3.
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Fig.30-Aspecto da rua Sete de Abril. Foto de Alex Frisch, datada dos primeiros anos 1890.
Na foto, construções datáveis do final do Império. De aparência externa bastante diversificada, inclusive com pés-direitos muito
variáveis, conferiam um ar de grande variedade a essa rua paulistana. Viam-se lado a lado, o térreo humilde, de porta e janela e
largo beiral; a construção que mesclava elementos neoclássicos a elementos de chalé e a neogoticismos, e pretensiosas
construções neorrenascentistas, de alto pé direito, rusticações salientes e estátuas nas platibandas.
FONTE: KOENIGSWALD, Gustavo. São Paulo. São Paulo, s.n., 1895.
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Fig.31- Esquema de sucessivos padrões edilícios mínimos vigentes na São Paulo imperial. Desenho do Autor, executado com
técnica digital, 2012.
Aqui estabelecemos a comparação entre três padrões sucessivos: o de 1850, na forma que foi aprovada pela Assembleia em 1853;
o de 1874, de curta vigência, pois revogado conjuntamente com o código de 1873 em maio de 1875; e o último padrão do período
imperial, de 1889, que exigia pés-direitos ligeiramente inferiores aos de 1886, em razão do arredondamento dos centímetros.
É evidente o fato de as construções paulistanas irem adquirindo maior altura à medida que o século XIX avançava. Apesar de o
padrão de 1874 exigir pés-direitos mínimos inferiores aos de 1850, a existência de porões e platibandas em muitas das construções
erguidas nessa época, fez com que elas apresentassem maior altura total. E isso irá culminar com o último padrão do tempo do
Império, vigente a partir de 16 de fevereiro de 1889, quando os pés-direitos mínimos exigidos e a linguagem arquitetônica baseada
no Classicismo eclético estarão conferindo um aspecto particularmente altivo às fachadas dos edifícios. Este último padrão será
mantido até 1915, no que tange às alturas mínimas exigidas, embora anos antes os arquitetos já solicitassem, eventualmente, pés-
direitos mais baixos para projetos executados de acordo com estilos específicos, em geral de tendência regionalista.
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Fig.32- Vista do largo do Mercadinho, hoje praça Padre Manuel da Nóbrega, em foto datada provavelmente de 1877. Foto de
autor não identificado.
Ao fundo, à direita, na esquina da rua da Imperatriz (15 de Novembro) com a rua das Casinhas, depois de Palácio, nota-se a fachada
lateral do futuro Palácio do Tesouro Provincial, em fase de finalização. A arcada térrea do projetado mercado de verduras já aparece
entaipada (trabalho iniciado em 1876, mas só concluído no ano seguinte) e as platibandas, erguidas. Os vãos singelos do primeiro
andar seriam a seguir transformados em janelas de sacada, pois assim aparecem em foto de 1887.
Quem seria o personagem que se vê em primeiro plano? Seria porventura o engenheiro Felipe Hermes Trigo de Loureiro? De uma
coisa contudo podemos ter quase plena certeza, foi esse engenheiro quem projetou as alterações internas e externas então
introduzidas no edifício inicialmente erguido por Antônio Bernardo Quartim.
À esquerda e ao fundo desse lado, duas construções datadas dos anos 1850, com arcabouço tradicional e alguns elementos de
inspiração neoclássica: frontões retos sobre as janelas e bandeiras com o semicírculo inscrito, como já dito, influência das fan
windows georgianas inglesas.
FONTE e REPRODUÇÃO: SÃO PAULO (CIDADE). Museu da Cidade de São Paulo. Seção Arquivo de Negativos.
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Fig.33- Segunda residência de José Maria Gavião Peixoto, sita na rua Florêncio de Abreu (1876- c.1878). Identificada por Yan
de Almeida Prado como residência de Rafaela Cantinho. Foto provavelmente do próprio Yan, datada por volta de 1929.
Casado com Maria Cantinho, José Maria construiu uma nova residência, motivado sem dúvida pela rápida evolução do gosto e das
noções de conforto ocorrida em São Paulo em pouco menos de vinte anos. Os ornatos vistos na fachada eram de pedra artificial,
produzidos na fábrica do Bom Retiro, de propriedade de João Ribeiro da Silva, cunhado de seus irmãos Camilo e Bernardo Gavião
Peixoto. É possível que internamente não mais apresentasse alcovas, condenadas, agora, pelos novos conceitos de higiene. Por
outro lado, é provável que mantivesse o tradicional conceito de “andar nobre”, com as três portas do balcão existente no primeiro
andar correspondendo ao salão principal.
FONTE: PRADO, Yan de Almeida. São Paulo antigo e a sua arquitetura. Illustração brasileira. Rio de Janeiro, anno X, n. 109, s.p.,
set. 1929
REPRODUÇÃO Reiche Bujardão.
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Fig.34- Aspecto da fachada principal do palacete do 2º Barão de Piracicaba (1875-c.1877). Desenho de Augusto Esteves;
meados do século XX. Acervo do Museu da Escola de Medicina da USP.
Tal como o exemplar visto na ilustração anterior, este palacete mantinha a volumetria e a ordenança neoclássica, mas os
ornamentos já demonstram a mudança de gosto: capitéis coríntios no lugar de jônicos e sobrevergas adornadas com espiralados
de massa inspirados na Primeira Renascença.
FONTE: Museu da Escola de Medicina da USP
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.35- a) Representação do Grande Hotel (1876-1878), projeto de autoria de Hermann von Puttkammer (1842-1917) e Carlos
Arno-Gierth. Construção de Francisco Pires. Ilustração de anúncio publicado em almanaque paulista de 1896; B)
Reconstituição gráfica aproximada da fachada lateral do Grande Hotel (com acréscimo posterior erguido na rua Líbero
Badaró). Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2009.
À direita da fachada lateral do Grande Hotel, observa-se o acréscimo datado do início do século XX.
FONTES: COMPLETO almanak...do Estado de São Paulo para 1896. São Paulo: Ed. Industrial de S.Paulo, 1896 (a).
<http://www.arquiamigos.org.br/info/info24/i-logra.htm> (b)
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Fig.36- Reconstituição gráfica aproximada da fachada lateral do prédio projetado por Mateus Häussler na esquina da rua São
Bento com ladeira de São João, 1883. Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2011.
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Fig.37- Reconstituição gráfica aproximada da sede da Caixa Filial do Banco do Brasil (1884-1886). Acima, fachada voltada
para a rua São Bento; abaixo, fachada voltada para a rua da Quitanda. Desenhos do Autor, executados com técnica digital,
2010.
O auto de alinhamento concedido pela Câmara Municipal de São Paulo para essa edificação foi lançado em livro próprio datado de
1880-1886, folhas 296 e 296 v. (auto lançado em 15 de abril de 1884, referente à construção da Caixa Filial do Banco do Brasil).
Nessa edificação estava previsto um canto arredondado na esquina da rua São Bento com a rua da Quitanda, que conforme
fotografias de época acabou não sendo executado.
Em seu livro intitulado A cidade-exposição, a professora Heloisa Barbuy informou que o prédio do Banco do Brasil, n.8 (1887) e
depois n.18 (1910) da rua São Bento, era de autoria de Manuel dos Reis Pinto da Rocha, mestre de obras português que sabemos
ter sido muito atuante na cidade durante o período final do Império. Infelizmente não forneceu comprovação dessa atribuição. A
construção vista aqui, até hoje existente, foi na década de 20 do século passado reformada e acrescida de mais andares,
transformando-se na sede da antiga casa Fretin, quando então ganhou o canto quebrado que apresenta.

Fig.38- Vista do largo São Bento, arborizado e gradeado. Ao lado de dois chalés comerciais, vê-se, ao fundo, a fachada
principal do escritório central da Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais (1886-1888).Foto atribuída a Kowalsky e
Hensler, datada por volta de 1892.
Inaugurada em 1887, a sede da Companhia Paulista foi demolida em 1932.
FONTE: KOSSOY. Album de photographias...1892.
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Fig.39- Reconstituição gráfica aproximada da fachada da casa Garraux, sita na rua da Imperatriz (hoje 15 de Novembro).
Construção provavelmente datada dos anos c.1882-1884. Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2012.

A livraria Garraux foi fundada em São Paulo num prédio situado na esquina do largo da Sé com rua da Imperatriz. Aí permaneceu
até quase o final de 1871, quando passou para os ns. 36 e 38 da rua da Imperatriz. Garraux retirou-se definitivamente para a Europa
em julho de 1876, deixando a loja nas mãos de novos proprietários. Em dezembro de 1883, a casa Garraux transfere-se para seu
novo endereço, rua da Imperatriz, n.35 (depois de 1886 o n. passa a ser 40). Um ano depois, abre seus salões do 1º andar para uma
exposição de Natal. Os novos proprietários aproveitaram a oportunidade para declarar que o prédio onde se encontravam foi
especialmente construído para acomodação da loja (CASA Garraux. Correio Paulistano. 21 de dezembro de 1884, p.4).
Notemos que o imóvel ficava entre um sobrado de feições luso-brasileiras e o prédio do Restaurante Progredior, de estilo
neorrenascentista, construção também datada dos anos 1880. No lote da esquerda, a construção do Banco Alemão iniciou-se em
1896. Nesse mesmo ano a casa Garraux recebeu mais um andar, coroado com platibanda, frontão e um monumento escultórico de
bronze muito vistoso. O acréscimo era de autoria dos engenheiros italianos Luís Pucci (1853- ) e Giulio Michelli.
Hoje a platibanda do segundo andar e o monumento escultórico já não existem. A fachada do térreo, aqui reconstituída em sua
forma supostamente original, foi decerto reformada no início do século xx e hoje dela nada mais resta.
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Fig.40- Bela fachada do antigo Palacete Timóteo, construído pelo capitalista Joaquim Timóteo Araújo Júnior, nos primeiros
anos de 1880 e adquirido pela companhia Progredior em 1890, onde, depois de internamente adaptado, funcionaram um
restaurante e café de luxo, inaugurado em 20 de dezembro de 1892, e a sede do Jockey Club. Foto de autor desconhecido,
datada de começos do século XX.
Requintados interiores foram providenciados pelos novos proprietários para serem usufruídos pelas camadas privilegiadas da
sociedade paulistana. Notáveis eram as portas-janelas do primeiro andar, com belos vidros gravados a ácido, conforme uma
moda que permaneceria em vigor durante vários anos. Em razão de sua fragilidade, esse tipo de decoração deixou raros
testemunhos nos exemplares arquitetônicos remanescentes da cidade.
O edifício em tela seria inteiramente reformado ao passar a ser ocupado pelo Banco Comercial do Estado de São Paulo, em
1919.
FONTE:<http://saudadesampa.nafoto.net/photo20090617161111.html>
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.41- Reconstituição gráfica aproximada do Banco de Crédito Real de São Paulo, inaugurado na rua Direita em 1886.
Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2011.
O terreno em que foi erguida a sede do Banco de Crédito Real era de propriedade do coronel Manuel Antônio Bittencourt, e o
auto de alinhamento relativo a essa construção foi lançado em livro apropriado em 31 de janeiro de 1884. Todo o quarteirão em
que se situava seria demolido por volta de 1910, e nele seria edificada a sede do banco de Francisco Matarazzo, depois sede das
Indústrias Matarazzo. Atualmente no quarteirão ergue-se o Edifício Triângulo, com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-
2012).
69

Fig.42- Reconstituição gráfica aproximada da fachada lateral do edifício construído em 1887 para o 2º Barão de Piracicaba
na rua Direita, esquina do largo da Misericórdia. Desenho do Autor, executado com técnica digital, 2011.
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Fig.43-Vista da confluência da rua 15 de Novembro com a praça Antônio Prado. Foto de autoria não identificada, talvez de
Aurélio Becherini, c. 1916.
No centro, vê-se o n. 59 da rua da Imperatriz, prédio de três pavimentos que tinha sua empena parcialmente exposta. A correspondente
solicitação de concessão de alinhamento datava de 1886 e vinha assinada pelo empreiteiro português José Domingues da Silva Beleza,
a quem atribuímos a autoria do projeto, tendo em vista o aspecto conservador da construção. O edifício foi parcialmente adquirido em
1911 pela Prefeitura, para a regularização da rua 15 de Novembro.
FONTE:<http://hagopgaragem.com/saopaulo/sp_comparativo/sp_compa_373.jpg>
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.44 - Interior da capela do Seminário Episcopal. Foto atribuída a Militão Augusto de Azevedo.
Notar a singeleza interna da capela, muito bem iluminada graças ao lanternim instalado no teto da capela-mor. A decoração era
ingenuamente eclética, convivendo talhas de tardio gosto barroco – a balaustrada que separava o altar-mor do resto da nave, por
exemplo, ou os anjinhos, um tanto primitivos, assentados na cornija –, com retábulos de amena aparência neogótica, do tipo
conhecido por style troubadour, em moda na França nos anos 1830.
FONTE: Museu Paulista da USP, São Paulo.
REPRODUÇÃO: José Rosael
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Fig.45-Igreja anglicana, inaugurada em 1873. Foto de autor não identificado, datada por volta de 1895.
O projeto da igreja rural inglesa do século XV foi adaptado. Como não poderia ter campanário por motivos constitucionais, o pórtico
de entrada, geralmente localizado numa das faces laterais do edifício religioso, ocupou o lugar da torre, tradicionalmente erguida
na parte fronteira da igreja. Notem-se os desenhos que decoram as fachadas feitos com tijolos coloridos, uma moda tipicamente
vitoriana.
FONTE: KOENIGSWALD, Gustavo. São Paulo. São Paulo: s.n., 1895.
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.46 - Escola do Arouche, foto publicada no anuário da Inspetoria Geral de Ensino de 1908-1909.
Este é, sem dúvida, o primeiro exemplar de arquitetura oficial a seguir o Ecletismo na cidade de São Paulo. Foi construída entre
1876 e 1877, segundo projeto do engenheiro Elias Fausto Pacheco Jordão, então diretor de Obras Públicas. Com tijolos à mostra e
sobrevergas inspiradas no Gótico Perpendicular inglês, a pequena construção procurava, com sua aparência, filiar-se ao que existia
de mais moderno na época, o mundo cultural anglo-saxão.
FONTE e REPRODUÇÃO: SÃO PAULO (ESTADO). APESP
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Fig.47- Acima, elevação do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, projeto ganhador do concurso de 1879. Autoria do
engenheiro-arquiteto italiano Luís Pucci (1853-?).
Abaixo, a fachada tal como foi construída, com elementos góticos mais marcantes: torreões e águas-furtadas.
Um projeto do hospital havia sido inicialmente concebido para um lote situado no bairro da Bela Vista, de autoria do engenheiro
militar Azevedo Marques, mas com a transferência do local para os altos de Santa Cecília, hoje Vila Buarque, promoveu-se um
concurso exclusivo para engenheiros-arquitetos com o objetivo de selecionar a melhor planta. A proposta ganhadora acabou
sofrendo alterações na fachada, impostas pela Comissão de Concorrência. O partido, porém, já estava desde o início plenamente
definido, como se observa na perspectiva, com os pavilhões das enfermarias, paralelos entre si, interligados por extensas áreas de
circulação.
FONTE (acima): CARNEIRO, Nelson. O poder da Misericórdia. São Paulo: s.n., 1986. 2v. V1.
FONTE(abaixo): Acervo do museu Augusto Carlos Ferreira Velloso
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.48- Paço da Assembleia Provincial e Câmara Municipal de São Paulo (1877-1879), projeto do engenheiro francês Eusébio
Stevaux (1826-1904). Foto de Marc Ferrez (1843- 1923), datada por volta de 1880. Acervo do Instituto Moreira Salles.
Vemos nessa imagem o edifício da Assembleia Provincial recém-reformado, tendo à frente o jardim projetado pelo engenheiro
Fernando de Albuquerque.
FONTE:<https://s-media-cache-akO.pinimg.com/originals/b9/12/8c/b9128cd496bacb7d2d40032ef8d801e2.jpg>
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Fig. 49- Mairie do XIXº distrito, situada na Praça Armand-Carrel, defronte à entrada do Parc des Buttes-Chaumont, em Paris,
França. Projeto dos arquitetos franceses Gabriel Davioud (1824-1881) e Jules Bourdais (1835-1915), construída entre 1876 e 1878,
em estilo neorrenascentista flamengo. Foto de autoria de Patrick Verdier, 2003.
Seguramente, um dos protótipos arquitetônicos europeus para a reforma da velha Casa de Câmara e Cadeia paulistana transformada
por Eusébio Stevaux em sede da Assembleia Provincial e Câmara Municipal de São Paulo. Digna de nota é a semelhança entre ambos
os projetos na parte referente à cúpula com lanternim e à estrutura em forma de edícula que emoldura o mostrador do relógio.
Fonte:< http://fr.wikipedia.org/wiki/Jules_Bourdais>
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig. 50- Vista da parte central da maquete de gesso confeccionada porTomazzo Gaudencio Bezzi (1844-1915) e exibida ao
imperador D. Pedro II, em 1886, para que ele apreciasse a aparência do pavilhão principal do monumento do Ipiranga quando
concluído. A maquete só ficou totalmente pronta em 1890. Foto de José Rosael, c.1995.
Com a proclamação da República, alguns acabamentos não foram executados, como o relevo do tímpano e os acrotérios com suas
respectivas esculturas nos vértices do frontão norte.
FONTE:<http://www.mp.usp.br/sites/default/files/arquivosanexos/um_monumento_no_ipiranga_parte_1_0.pdf>
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.51- Vista do cemitério da Consolação. Foto atribuída a Militão Augusto de Azevedo, datada por volta de 1862 (?). Acervo
do Museu Paulista. Commons.wikipedia.org
Ao centro, capela funerária de planta centrada, octogonal, de autoria do engenheiro alemão Carlos Rath, construída entre 1857 e
1860, inspirada em batistérios e capelas do início da era cristã. Qualificada de “decente capela” por Antônio Egídio Martins (1860-
1922).
FONTE: Wikipédia.
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.52- Liceu e Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Foto de autor não identificado, datada provavelmente da década de
1920.
Nesta imagem a parte frontal do conjunto arquitetônico aparece concluída. No entanto, foto de Militão datada de 1887 mostra que
se naquela altura o bloco do liceu, à esquerda, já estava pronto, da basílica existia apenas a capela-mor (projeto do padre jesuíta
João Maria Alberani, 1830-1913, de Itu). Posteriormente, foi levantada a parte restante do templo, segundo a concepção de
Domingos Delpiano (1844-1920), que remonta aos anos 1888/1889 — primeiro projeto de igreja neorrenascentista realizado em
São Paulo —, enquanto o corpo da direita só seria erguido nos primeiros anos do século passado. O campanário, porém, só teve
sua construção completada com a instalação, em 1901, da imagem do Coração de Jesus, elemento talvez não previsto inicialmente.
FONTE: SÃO PAULO (Estado). GOVERNO DO ESTADO. Campos Elíseos; a casa e o bairro. São Paulo: [199-].
REPRODUÇÃO DIGITAL.
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Fig.53-Tesouraria de Fazenda (1886-1891), projeto de Ramos de Azevedo. Foto de autor não identificado, datada por volta
do início do século XX.
FONTE: SÃO PAULO antigo e São Paulo moderno, 1554 - 1904.
REPRODUÇÃO: Reiche Bujardão.
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Fig.54- Hospedaria dos Imigrantes (1886-1888), projeto de Mateus Häussler. Foto de Gaensly e Lindemann, por volta de
1897.
FONTE: KOSSOY. Album de photographias...1892.
REPRODUÇÃO DIGITAL.

Fig.55- Quartel dos Permanentes (1887-1892), de autoria de Ramos de Azevedo. Foto atribuída a Kowalsky, datada por
volta de 1892.
FONTE: KOSSOY. Album de photographias...1892.
REPRODUÇÃO DIGITAL.
82

Fig.56- Vista do Morro do Chá, de autoria de Militão Augusto de Azevedo, datada de 1887, mostrando o chalé construído no
Morro do Chá, no local onde muito depois foi erguido o edifício da loja Mappin. Trata-se provavelmente da construção aludida
num anúncio de jornal paulistano datado de 1877.
FONTE:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142008000100003>
REPRODUÇÃO DIGITAL

Fig.57- Outro pormenor da mesma foto anterior, em que se vê o pavilhão neogótico em que morou Abílio Aurélio da Silva
Marques (1851-1891), conhecido membro da colônia lusa de São Paulo.
Erguida entre 1879 e c.1881, a residência foi vendida na época da inauguração do viaduto do Chá (1892) e em seu lugar, iniciada a
construção de um hotel (1895) de propriedade de José Estanislau do Amaral Campos, que não prosseguiu. Mais tarde, as obras
abandonadas foram adaptadas pelo arquiteto sueco Carlos Ekman (1866-1940) para o Teatro São José, por sua vez demolido em
1924, para dar lugar ao atual Edifício Alexander Mackenzie, hoje ocupado pelo Shopping Light.
Notar que o então denominado chalé, com as águas do telhado dispostas em ângulo mais agudo que o das típicas construções
rurais suíças, pois na verdade copiava as empenas das casas urbanas tardogóticas, não passava de um pavilhão de fachadas
simétricas anexo a uma construção doméstica de tradicional aparência luso-brasileira, vista à esquerda.
FONTE: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142008000100003>
REPRODUÇÃO DIGITAL
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Fig.58- Pormenor da vista do centro antigo paulistano tomada a partir do bairro da Bela Vista. Vê-se em primeiro plano o
chalé pertencente ao engenheiro Fernando de Albuquerque, situado na Rua Santo Antônio, esquina da Rua Abolição, onde
hoje se ergue o Edifício Viadutos, de João Artacho Jurado (1907-1983). Chalé construído provavelmente no início da década
de 1880 (c.1882-c.1884). Fotógrafo não identificado, por volta de 1892.
FONTE: KOSSOY. Album de photographias...1892.
REPRODUÇÃO DIGITAL

Fig.59- Edificação residencial assobradada (i.e., com um só andar sobre porão), provida de mirante achalezado, comum em
São Paulo nos anos de 1880. Tipo de construção trazido, provavelmente, pelos mestres de obras portugueses oriundos dos
Açores, onde esse gênero edilício é chamado de casa com torre. Desenho do Autor, 2017.
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Fig.60- Antiga residência do major Benedito Antônio da Silva, em construção no ano de 1880. Foto de autor não identificado,
datada da década de 1920.
O primitivo proprietário desse sobrado, até hoje existente na rua Roberto Simonsen, foi um dinâmico empresário em atividade em
São Paulo nos últimos anos do Império. Conforme vimos num pequeno estudo que dedicamos a esse imóvel, coube ao major uma
parcela de responsabilidade na reconstrução da Capital a partir dos anos 1870. O edifício acha-se inteiramente restaurado e as
pinturas internas estão parcialmente preservadas. O seu partido residencial é notável por ainda reter o conceito já antiquado de
piano nobile. No entanto, é certamente um dos primeiros exemplares arquitetônicos paulistanos com aberturas totalmente
protegidas por venezianas, presentes nos dormitórios localizados no último andar.
FONTE e REPRODUÇÃO: SÃO PAULO (CIDADE). Museu da Cidade de São Paulo. Seção Arquivo de Negativos.
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Fig.61- Reconstituição gráfica aproximada do grande conjunto de edifícios, de propriedade do visconde, depois conde de São
Joaquim, que ocupava toda a extensão da travessa do Colégio (rua Anchieta), com faces para a rua da Imperatriz (15 de
Novembro) e para o largo de Palácio (pátio do Colégio). Acima, vemos as elevações desse conjunto voltadas para o largo de
Palácio (pátio do Colégio) e, abaixo, para a travessa do Colégio (rua Anchieta). Construções erguidas entre o final dos anos
1870 e início da década seguinte. Conjunto notável por apresentar mirantes em forma de chalé. Desenhos do Autor,
executados com técnica digital, 2008.
Em assentamentos depositados no AHSP, encontramos o lançamento, efetuado no dia 7 de agosto de 1879, do auto de
alinhamento concedido ao visconde de São Joaquim (1834-1909) para erguer um prédio na travessa do Colégio (Livro de
lançamento dos autos de alinhamento, 1877-1880, folha 152 v). Tratava-se certamente da construção de uma das unidades
pertencentes ao conjunto visto aqui. Nesse mesmo tipo de documentação, encontramos um outro auto de alinhamento, lançado
em 24 de agosto de 1881 (Livro de lançamento dos autos de alinhamento, 1880-1886, folha 81 v), referindo-se especificamente à
parte do conjunto vista na foto, localizada na esquina do largo do Colégio (ou antes, largo de Palácio) com travessa do Colégio
(atual rua Anchieta).
Os edifícios dispunham de mirantes com a cobertura em forma de chalé, além de terraços e claraboias para iluminação das escadas.
Em 1896, foi requerida à Intendência autorização para demolir o mirante correspondente ao prédio da rua 15 de Novembro, n.4, e
substituí-lo por telhado comum.
A obra seria executada pelo mestre de obras Manuel dos Reis Pinto da Rocha, que provavelmente era o autor do conjunto, já que
desde alguns anos trabalhava para o futuro conde de São Joaquim (Obras Particulares-Papéis Avulsos. V. E-5-122). O proprietário
desses imóveis habitava justamente o sobrado correspondente ao n.4 da rua da Imperatriz, e, segundo almanaques da época, tinha
no térreo o seu negócio, a famosa casa Lebre, dedicada ao o comércio de ferragens.
O que teria motivado a reforma do imóvel era a eminente transferência da Câmara dos Vereadores para o prédio. Não ficava bem
à instituição municipal alojar-se numa construção de uso misto, comercial e residencial, com uma prosaica aparência de chalé. No
ano seguinte, porém, a Câmara transferir-se-ia para o antigo palácio do Tesouro Provincial na rua de Palácio.
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Fig. 62a- Residência de Augusto de Sousa Queirós, projeto do engenheiro francês Eusébio Stevaux. Construção já existente em
1881, segundo planta da cidade desse ano. Foto de Alex Frisch, datada por volta de 1892.
FONTE: KOENIGSWALD. São Paulo.
REPRODUÇÃO: Biblioteca Municipal Mário de Andrade.

Fig.62b- Reconstituição gráfica aproximada das plantas (térreo e andar superior) da casa de Augusto de Sousa Queirós,
deduzidas a partir de fotos internas datadas da década de 1910/1920. Desenhos do Autor, executados com técnica digital,
2010.
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Fig.63 - Vila Maria, de d. Veridiana Prado (1825-1910), construída entre c. 1882 e 1885. Projeto
de arquiteto estrangeiro, de nome ignorado. Construída por Luís Augusto Pinto e não Luís
Liberal Pinto como afirmou erradamente, certa vez, Yan de Almeida Prado. Foto de autor
desconhecido, c. 1885, mostrando os jardins ainda inacabados.
FONTE: MIS
FOTO: Reiche BuJardão
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Fig.64a –Na página anterior, acima, residência de José Vasconcelos de Almeida Prado, sita na esquina das Ruas Tobias de Aguiar
e da Beneficência Portuguesa. Projetada pelo engenheiro e arquiteto Ramos de Azevedo e construída entre 1888-c. 1890.
Fotografia de Otto Rudolf Quaas, datada do início do século XX, provavelmente.
Em seu álbum de obras editado por volta de 1904, de toda a produção datada do período imperial, Ramos de Azevedo só publicou as
por ele projetadas para os governos central e da Província, além de apenas dois palacetes particulares, o visto acima, de José de
Vasconcelos Almeida Prado, e o visto abaixo, de Antônio Pais de Barros, ambos erguidos na mesma época, 1888-1890.
O exemplar visto acima constitui hoje a mais antiga construção residencial projetada pelo arquiteto existente na cidade de São
Paulo. Incompreensivelmente ainda não foi reconhecido e tombado pelos órgãos públicos responsáveis.
FONTE: AZEVEDO, F.P. Ramos d’. Album de construcções. São Paulo: Escriptorio technico do engenheiro ..., [c.1904].
REPRODUÇÃO: Reiche Bujardão.

Fig.64b- Na página anterior, abaixo, residência de Antônio Pais de Barros. Projeto de Ramos de Azevedo datado de c. 1888. Foto
de Otto Rudolf Quaas, datada do início do século XX, provavelmente. Imóvel não mais existente.
FONTE: AZEVEDO, F. P. Ramos de. Album de construcções. [1904]
REPRODUÇÃO: Reiche Bujardão.

Fig.65- Aspecto interno da residência Antônio Pais de Barros (c.1888 - c.1891): sala de jantar. Foto de Otto Rudolf Quaas, datada
do início do século XX, provavelmente.
FONTE: AZEVEDO. Album de construcções. [1904]
REPRODUÇÃO: Reiche Bujardão.

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