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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE ARTES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES PLÁSTICAS

NATACHA DE SOUZA

CONCEPT ART NAS ANIMAÇÕES: Estudo do processo


criativo do artista Alberto Mielgo para o curta-metragem de
animação digital Jibaro (2022).

VITÓRIA
2023
NATACHA DE SOUZA

CONCEPT ART NAS ANIMAÇÕES: Estudo do processo


criativo do artista Alberto Mielgo para o curta-metragem de
animação digital Jibaro (2022).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Departamento de Artes da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Artes Plásticas.

Orientador: Prof. Dr. David Ruiz Torres

VITÓRIA
2023
Orientador: Prof.______________________
Co-orientador: Prof.____________________
NATACHA DE SOUZA

CONCEPT ART NAS ANIMAÇÕES: Estudo do processo


criativo do artista Alberto Mielgo para o curta-metragem de
animação digital Jibaro (2022).

Trabalho de conclusão de curso apresentado


como requisito parcial para obtenção do título
de Bacharel em Artes Plásticas, pela
Universidade Federal do Espírito Santo.

BANCA EXAMINADORA

_______________________
Prof. Dr. David Ruiz Torres
Universidade Federal do Espírito Santo
DTAM/UFES
Orientador

_______________________
Prof. Dr. Erly Milton Vieira Junior
Universidade Federal do Espírito Santo
Comunicação Social/UFES
Avaliador Interno

_______________________
Profª. Drª. Priscilla Maria Cardoso Garone
Universidade Federal do Espírito Santo
DDI/UFES
Avaliador Interno
“Faça apenas o que você faz de melhor. Faça boa arte.”
Discurso de Neil Gaiman na The University of Arts.da Philadelphia.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a está universidade e seu corpo docente, que oportunizaram


ao que hoje vislumbro como profissional, pela confiança e por toda dedicação aqui
presente.

Agradeço também a alguns dos meus colegas de turma, que compartilharam suas
jornadas e seus desafios e superações comigo. Aos meus colegas de trabalho que
me encorajaram a prosseguir mesmo nos momentos mais sombrios, e também, ao
meu eterno namorado Eduardo Borém que esteve em todos os momentos desde o
início da minha jornada acadêmica.

E por último, porém não menos importante, agradeço a toda a minha banca avaliadora
e ao meu orientador David Ruiz Torres que é um professor muito profissional, gentil e
um excelente incentivador, isso de fato contribuiu muito para que eu me sentisse
confiante e confortável para produzir esta pesquisa.
RESUMO

Esta pesquisa tem como propósito o estudo sobre Concept Art e a animação para
justificar a análise em torno do processo criativo de Concept Art do artista Alberto
Mielgo para o curta metragem de animação digital Jibaro (2022). Com base nestes
objetivos, a pesquisa se estrutura em três capítulos. No primeiro capítulo escrevo
sobre as animações, fazendo um breve panorama histórico, suas definições e seus
diversos tipos. No segundo capítulo, faço uma definição, com a funcionalidade e
processos da Concept Art, pontuando as suas etapas de execução em grandes
projetos e os tipos de Concept Art. E no terceiro capítulo, explica a concepção e
execução de momentos fundamentais do processo criativo do artista Alberto Mielgo
na animação Jibaro como suas ideias iniciais, produção e renderização.

Palavras-chaves: Concept Art – Animação digital – Audiovisual – Jibaro – Alberto


Mielgo.
ABSTRACT

This research aims to study Concept Art and animation to justify an analysis around
the creative process of Concept Art by artist Alberto Mielgo for the digital animated
short film Jibaro (2022). Based on these objectives, this research is structured in three
chapters. In the first chapter it is written about animations, making a brief historical
overview, their definitions and their different types. In the second chapter, I make a
definition, with the functionality and processes of Concept Art, punctuating its
execution stages in large projects and the types of Concept Art. And in the third
chapter, it explains the conception and execution of fundamental moments of the
creative process of the artist Alberto Mielgo in Jibaro animation, such as his initial
ideas, production and rendering.

Key-words: Concept Art – Digital Animation – Audiovisual – Jibaro – Alberto Mielgo.


LISTAS DE FIGURAS

Figura 01 - Javali com oito patas. Cavernas de Altamira. Espanha. 15

Figura 02 - Templo de Ramsés II. 1600 a.C. 16

Figura 03 - Ilustração da Lanterna Mágica de Athanasius Kircher. 17

Figura 04 - Ilustração do dispositivo fenaquistoscópio. 18

Figura 05 - Ilustração do dispositivo zootropo. 18

Figura 06 - Frame do curta metragem Pauvre Pierrot de Émile Reynaud. 19


1892.

Figura 07 - Montagem de frames de Humorous Phases of Funny Faces. 20


Blackton. EUA, 1906.

Figura 08 - Frame de Fantasmagorie de Émile Cohl (1908). 21

Figura 09 - Frames de Winsor McCay. Little Nemo. USA. 1911. 22

Figura 10 - Fotografias do Otto Messmer em diferentes momentos da 24


carreira.

Figura 11 - Frame de Steamboat Willie. 25

Figura 12 - Frame de The Skeleton Dance (1929). 26

Figura 13 - Poster do primeiro curta-metram de animação a cores Flowers 27


and Trees.

Figura 14 - Frame do filme “Os Três Porquinhos”. 29

Figura 15 - Mr. Magoo e seu cachorro de estimação e McBarker. 30

Figura 16 - Uma cena do curta-metragem Gerald McBoing-Boing. 31

Figura 17 - Frame do filme Cassiopéia. 33

Figura 18 - Frame do filme Toy Story. 34

Figura 19 - The Horse in Motion. 37

Figura 20 - Reportagem sobre a produção de Akira de Katsuhiro Ôtomo. 39

Figura 21 - Frame de South Park. 40

Figura 22 - Frame de The Marvel Super Heros. 41


Figura 23 - Frame de Pas de deux. 42

Figura 24 - Frame de The Beautiful Lukanida. 42

Figura 25 - Frame do filme Viagem à lua. 43

Figura 26 - Frame de O segredo além do jardim. 44

Figura 27 - Exemplo de trabalho de animação 2D digital no software 45


ToomBoom Harmony.
Figura 28 - Exemplo de setup de um personagem pronto para animação 3D. 45

Figura 29 - Abertura do filme Vertigo. 46

Figura 30 - Concept Art do Character Design James Paick para portfólio. 51

Figura 31 - Concept Art do jogo eletrônico The Last Of Us Part II (Cena da 52


luta final).
Figura 32 - Frame da cena da luta final do jogo eletrônico Last Of Us Part II. 52

Figura 33 - Concept Arts da cena da morte do Mufasa com o Simba. 57

Figura 34 - Concept Arts da cena da morte do Mufasa com o Simba. 57

Figura 35 - Thumbnails da personagem Ellie de The Last Of Us Part II. 59

Figura 36 - Silhueta de diversos personagens. 60

Figura 37 - Model sheet da Princesa Mulan de Mark Henn. 61

Figura 38 - Montagem do processo de construção de cenário de “The Cube 62


Challenge”.
Figura 39 - Thumbnails cena nave “millennium falcon” em Star Wars: The 64
rise of Skywalker.
Figura 40 - Processo de produção de objetos em The Skillful Huntsman, 65
2006.
Figura 41 - Frame de Windshield Wiper. 68

Figura 42 - Montagem de dois frames de Love, Death + Robots. 70

Figura 43 - Montagem de Episódios da 2ª temporada de Love, Death & 72


Robots.
Figura 44 - Frame de JIRABO. 73

Figura 45 - Frame de Jibaro da subordinação religiosa dos conquistadores. 75

Figura 46 - Frame do momento do beijo da sereia. 76

Figura 47 - FFrame de Jibaro cansado à margem do lago. 77


Figura 48 - Ensaios gravados de Sara Silk para Golden Woman. 80

Figura 49 - Ensaios gravados de Sara Silk para Golden Woman. 80

Figura 50 - Frame câmera subjetiva de Jibaro. 80

Figura 51 - Frame da floresta com zoom. 82

Figura 52 - Frame da floresta com zoom. 82

Figura 53 - Frame do processo de montagem da floresta de Jibaro. 83

Figura 54 - Planos detalhes das narinas dos personagens principais de 84


Jibaro.
Figura 55 - Planos detalhes das narinas dos personagens principais de 84
Jibaro.
Figura 56 - Cópia da tela de uma demonstração do plugin Ragdoll Dynamics. 86

Figura 57 - Concept Art da mulher dourada por Alberto Mielgo. 88

Figura 58 - Design Inicial da Mulher Dourada. 89

Figura 59 - Concept Art de Cena da mulher dourada. 90

Figura 60 - Design final da mulher dourada por Alberto Mielgo. 91

Figura 61 - Render 3D no software Maya Autodesk da mulher dourada. 92

Figura 62 - Render 3D final da mulher dourada. 93

Figura 63 - Montagem do Concept art da cena da sereia submersa e sua 94


cena final.
Figura 64 - Montagem das referências de Alberto Mielgo na produção. 96

Figura 65 - Montagem de alguns Concept Art da floresta. 97

Figura 66 - Montagem de duas cenas renderizadas da floresta. 98

Figura 67 - Cópia da tela do Maya Autodesk de um dos animadores da 99


equipe de animação.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 13
2. A ANIMAÇÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA 15
2.1. DAS CAVERNAS ÀS TELAS DE CINEMA 15
2.2. A IMAGEM EM MOVIMENTO 35
2.2.1. Tempo: Uma variável 36
2.2.2. Tipos de animações 38
2.2.2.1. Animação tradicional 38
2.2.2.1.1. Rotoscopia 40
2.2.2.2. Animação de recorte 40
2.2.2.3. Animação limitada 40
2.2.2.4. Pixilation 41
2.2.2.5. Animação com fantoches 42
2.2.2.6. Animação por Stop Motion 43
2.2.2.7. Animação Digital 43
2.2.2.7.1. Animação 2D 44
2.2.2.7.2. Animação 3D 45
2.2.2.7.3. Motion Graphics 46
3. CONCEPT ART 48
3.1. APROXIMAÇÃO AO TERMO E PAPEL DA CONCEPT ART 48
3.2. TIPOS DE CONCEPT ART 55
3.2.1. Design de personagens (Character design) 56
3.2.1.1. Briefing 58
3.2.1.2. Thumbnails 59
3.2.1.3. Silhuetas 59
3.2.1.4. Model sheet 60
3.2.2. Design de cenários (Environment design) 61
3.2.3. Design de acessórios/objetos (prop design) 64
4. ESTUDO DE CASO “JIBARO” 67
4.1. O ARTISTA 67
4.2. LOVE, DEATH + ROBOTS. 69
4.3. “JIBARO” OU “FAZENDEIRO”. 74
4.3.1. Produção 78
4.3.1.1. Dos Concepts para a renderização 81
4.3.2. Concept Art de Jibaro 87
4.3.2.1. A mulher dourada. 87
4.3.2.2. Cenário da floresta. 95
5. CONCLUSÃO 100
6. REFERÊNCIAS 102
13

1. INTRODUÇÃO

O termo Concept Art se refere às artes que dão visibilidade para um conceito, sendo
parte fundamental de um projeto de criação que influi diretamente em seu resultado.
Geralmente, estas artes são associadas a anúncios, livros de arte e documentários a
respeito de produções de jogos, animações ou outras produções audiovisuais. Muitas
destas artes são mostradas como rascunhos, mas, ao aprofundar sobre o assunto,
revelam-se uma série de fatores ocultos que explicam sua real função dentro da
produção audiovisual, e neste trabalho, nas animações digitais. Além disso, o termo é
dotado de variantes e funções. Com base nesta premissa, esta pesquisa tem como
propósito o estudo sobre Concept Arts para justificar a análise em torno do processo
criativo de Concept Arts do artista Alberto Mielgo para o episódio de curta metragem
Jibaro (2022) da terceira temporada da série antológica animada Love, Death +
Robots, distribuído pela Netflix.

A maioria das fontes deste estudo vêm do meio digital devido a que o tema abordado
é relativamente novo e tem experimentado uma grande procura devido à tecnologia
após os anos da década de 2000 (CELESTINO, 2016). Grande parte das fontes
utilizadas nesta pesquisa são recortes de escritas e falas de artistas relevantes no
meio da Concept Art e da animação do Brasil e do contexto internacional, como Luiz
Celestino (2016), Chris Solarski (2012), dentre outros, e também de sites específicos
sobre animação e Concept Art. Inicialmente escrevo sobre o processo de existência e
funcionalidade das animações, pontuando desde dados cronológicos a respeito da
história até a forma como acontecem suas etapas de execução em meio aos grandes
projetos audiovisuais, finalizando a primeira parte desta pesquisa com a explicação
sobre os tipos de animação. Neste momento, foi importante entender que a narrativa
se torna um elemento e um dos mecanismos cognitivos primários para a compreensão
do mundo, se mostrando como fundamental, e que estaria presente como forma de
desenvolvimento, a entender como esta grandeza permeia entre as estruturas por trás
de qualquer produção. Usando o chamado “cinema de animação” (Tassara, 1996) e
a “animação em termo amplo” (Aumont, 2006), que existem na premissa de viabilizar
a compreensão e construção das imagens em movimento, escrevo a respeito da
relação dos fundamentos e funcionalidades da animação com a Concept Art. Sendo
14

assim, torna-se pertinente trazer as colocações de artistas animadores, como Norman


McLaren (1968) e Richard Willians (2016), para relacionar com os pensamentos de
artistas e escritores na pesquisa a respeito dos fundamentos da Concept Art, como
Anjin Anhut (2014) e Luiz Celestino (2016), este último como principal teórico base
para esta pesquisa. Assim, disserto a respeito dos métodos e técnicas para se
construir uma imagem adotados pelo autor.

Em seguida trato os pontos que formam os fundamentos da Concept Art e,


sinteticamente falando, este momento permeia os fundamentos, as funcionalidades,
e os diferentes tipos que envolvem o termo Concept Art, mostrando a importância das
relações dos fundamentos das pinturas e do desenho na construção destes. Sendo a
Concept Art a protagonista desta pesquisa, introduzo algumas reflexões a respeito
das diferenças com a ilustração digital, finalizando a segunda parte com alguns
processos de artistas para assim distinguir e evidenciar as diferentes áreas em que a
Concept Art se materializa.

E por fim, há a análise do processo criativo do artista Alberto Mielgo na construção de


Concept Arts da personagem “mulher dourada” e dos cenários da floresta para o
episódio de animação na curta-metragem Jibaro (2022). Mielgo é um Diretor,
Animador e Concept Artist espanhol que possui um trabalho intrínseco e hiper-realista,
pois se conduz através das referências de elementos da figura humana e de toda sua
naturalidade e, assim, constrói as suas Concept Arts por meio das mídias tradicionais,
como lápis, borracha e papel, e posteriormente os digitaliza. Para este momento da
pesquisa, escrevo a respeito do briefing do projeto e os primeiros esboços do artista
que revelam as ideias iniciais, por meio dos cadernos de artista e da Concept Art,
construídas com base em pesquisas visuais e referências audiovisuais de movimento
de dança e contorcionismo. Com essas ideias iniciadas, analiso o processo criativo
do artista através de pequenos estudos de caso, com o objetivo de apontar conceitos,
técnicas e soluções encontradas por Mielgo para executar o trabalho.
15

2. A ANIMAÇÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA

Nas palavras de Guillhermo Del Toro no making of de “Pinóquio: Cinema feito a mão”
exibido pela Netflix: “A animação se tornou, na mente de um consumidor, um gênero.
Mas também é uma forma de arte” (TORO, 2022). Diferente dos filmes que mostram
realidades, por mais inventivas que sejam, ainda são elementos reais, na animação
não, ela cria e precisa simular a captura. Assim, o processo de animar é dar alma a
algo sem vida ou sem movimento, se dá vida àquilo que está desenhado e isto chega
a ser mágico. A animação surgiu de uma demanda do cinema para fazer coisas
mágicas acontecerem. Georges Méliès, um dos pioneiros na sétima arte, era um
mágico ilusionista e trouxe elementos desta magia para os filmes, conhecidos por
desafiar o real. Muito mais que contar uma história, as animações passeiam pela
subjetividade e pela imaginação humana e, com narrativas fortes, demostram valores
capazes de modificar o pensamento e a sociedade presente e futura.

2.1. DAS CAVERNAS ÀS TELAS DE CINEMA

A ideia de animação é milênios mais antiga que os filmes ou a televisão. Há mais de


35 mil anos, há registro de pinturas de animais nas paredes das cavernas, as vezes
desenhando quatro pares de pernas para expressar o movimento (Figura 01).

Figura 01 - Javali com oito patas. Cavernas de Altamira. Espanha.

Fonte: Autor Desconhecido. Disponível em < https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Javali-com-


oito-patas-Cavernas-de-Altamira-Espanha-Foto-Copia-Autor_fig1_343797968>. Acesso em: 20 out.
2022.
16

Nossos ancestrais já queriam contar suas histórias e registar suas caças e rituais,
para isso desenhavam personagens e animais em posições que sugeriam movimento,
ilustrando suas ações, mostrando que a narrativa era um elemento fundamental e que
estaria presente. Sendo o homem estritamente oral, havia àqueles que já observaram
outras formas de comunicação através dos desenhos.

A narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos primários para a


compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais
construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até
a comunidade global reunida diante do aparelho de televisão. Nós contamos
histórias de heroísmo uns aos outros, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós
nos compreendemos mutuamente através dessas histórias, muitas vezes
vivemos ou morremos pela força que elas possuem. (Murray, 2003, p.9).

O conceito de imagem e visualidade é muito importante para a descrição desta


importante fase da narrativa. O autor Rubens Fernandes Junior em sua tese de
doutorado (2002) diz que “A imagem é o resultado de um jogo de luz e sombra, e
através dos tempos espertou a curiosidade dos homens neste jogo dos contrários.

Em 1600 a.C., o faraó Ramsés II construiu para a deusa Isis um templo que tinha 110
colunas. Na Figura 02, um detalhe destas colunas. Engenhosamente, cada coluna
tinha uma imagem da deusa pintada em uma pose progressivamente modificada. Para
os cavaleiros e as carruagens que passavam, Isis parecia mover-se.

Figura 02 - Templo de Ramsés II. 1600 a.C.

Fonte: Pré-cinema. Disponível em <https://precinema.wordpress.com/2009/10/28/pre-historia-a-idade-


media/>. Acesso em: 28 out. 2022.
17

Porém, as primeiras tentativas de que se tem conhecimento de projetar desenhos em


uma parede foi feita em 1640 por Athanasius Kircher 1em sua “lanterna mágica”. A
ilustração da Figura 03 exemplifica o aparato.

Figura 03 – Ilustração da Lanterna Mágica de Athanasius Kircher.

Fonte: History of photography, 2020. Disponível em


<https://br.pinterest.com/pin/296674694189312833/>. Acesso em: 28 out. 2022.

Kircher desenhou cada figura da cena em pedaços de vidro separadas, as quais


colocou em seu aparato e projetou em uma parede. Então ele movia os vidros a partir
de fios presos em sua parte superior. Um deles mostrava a cabeça de um homem
dormindo e um rato. O homem abria e fechava a boca, e quando abria, o rato corria
para dentro dela.

O aparato foi muito utilizado como experimentação e se tornou objeto de estudos de


cientistas e artistas, a respeito de desvendar as potencialidades do olho humano. A
lanterna mágica de Kircher, “despertou grande interesse, levando os cientistas a
explorar seu potencial como entretenimento” (LUCENA, 2001).

Em meados do século XIX, iniciou-se os primeiros experimentos de movimentar uma


imagem, com maneiras diferentes de explorar este fenômeno visual. Dispositivos de
animação iniciais, como o fenaquistoscópio em 1833 (Figura 04), o zootropo em 1834
(Figura 05), criaram a aparência de movimento com uma série de imagens fixas.

1
Athanasius Kircher foi um jesuíta, matemático, físico e inventor nascido em Geisa, Rhön, famoso por sua
versatilidade de conhecimentos e particularmente sua habilidade para o conhecimento das ciências naturais.
18

Figura 04 - Ilustração do dispositivo fenaquistoscópio e Figura 05 - Ilustração do dispositivo


zootropo.

Fonte esquerda para direita: Maria Eusébio Blog. Disponível em:


<https://mariaeusebio12av1.wordpress.com/historia/brinquedos-opticos/fenaquistoscopio/>. Acesso
em: 28 out. 2022. Quebec Cinema. Disponível em:
<https://lab.quebeccinema.ca/uploads/document/guide_animation.pdf>. Acesso em: 28 out. 2022.

O fenaquistoscópio foi o primeiro brinquedo que realmente criava a ilusão de


movimento. Inventado entre 1828 e 1832 pelo cientista belga Joseph Plateau, é
formado por dois discos de papel ligados um ao outro por meio de uma haste fixada
em um buraco no centro de cada disco. Um dos discos possui uma sequência de
imagens pintadas em torno do eixo e o outro possui frestas na mesma disposição.
Quando os discos são girados, o espectador vê as imagens do primeiro disco em
movimento através das frestas do segundo. Já o zootropo, era basicamente uma
variante cilíndrica de um fenaquistoscópio. É uma máquina criada em 1834 por William
George Horner, composta por um tambor circular com pequenas janelas recortadas,
através das quais o espectador olha para desenhos dispostos em tiras. Ao girar, o
tambor cria uma ilusão de movimento aparente.

Em 1892, o francês Emile Reynaud produziu os primeiros filmes de animação. Aqui


remonta-se aos primeiros momentos do cinema mudo. Feita no dispositivo
praxynoscópio – modificado por Reynaud, foi um curta-metragem de animação
francês chamado de Pauvre Pierrot (Figura 06) de aproximadamente 500 a 600
imagens pintadas individualmente, projetado no seu próprio “théatre optique”
(parecido com projetor de filme), no Musée Grévin em Paris, França, em 28 de outubro
de 1892. Possui originalmente, cerca de 15 minutos, considerada como um filme
19

perdido, no entanto, de acordo com o IMDb2, há uma reconstituição de 1996 com 4


minutos.

Figura 06 - Frame do curta metragem Pauvre Pierrot de Émile Reynaud. 1892.

Fonte: Pauvre Pierrot. Disponível em: <http://dvdtoile.com/FILMS/6/6209.jpg.. Acesso em: 28 out.


2022.

Apesar do sucesso dos filmes de Reynaud, demorou algum tempo até que a animação
fosse adaptada na indústria cinematográfica. O pioneiro do cinema Georges Méliès,
ocasionalmente usou animações de objetos em seus filmes.

Em 1868 uma novidade chamada “flíper book” ou bloco de folhear, surgiu no mundo
todo, e tornou-se o aparato mais simples e muito popular. Ele se dá em um bloco de
desenhos presos por uma das bordas, como um livro. Para que funcione, é preciso
segurar o bloco em uma mão pela borda presa e com a outra mão apenas folhear
rapidamente as páginas para ver os desenhos se movimentarem. O resultado é a
animação – “a ilusão de ação contínua. Desenhos no tempo.” (Willians, 2016, p.14).

Ainda hoje, o animador dito como “clássico” passa seus desenhos como em um bloco
de folhear antes de testar o vídeo ou numa câmera filmadora. Coloca-se os desenhos

2
IMDb, também conhecida como Internet Movie Database (em português: Base de Dados de Filmes na Internet),
é uma base de dados online de informação sobre cinema, TV, música e games.
20

em sequência, com os números menores para baixo e então folheia toda a ação, de
baixo para cima.

Em 1896, um cartunista do jornal de Nova York, James Stuart Blackton, entrevistou o


inventor Thomas Edison, que estava fazendo experimentos com imagens em
movimento. Blackton fez alguns esboços de Edison, que ficou impressionado com sua
velocidade e facilidade para desenhar e lhe pediu para fazer alguns desenhos em
sequência. Depois, Edison fotografou-os – a primeira combinação entre desenhos e
fotografias. Em 1906, eles publicaram “Humorous Phases Of Funny Faces” (Figura
07) em livre tradução “Fases Cômicas De Faces Engraçadas”. Um homem baforava
um charuto e soprava alguns anéis de fumaça em sua amiga, ela rolava os olhos, um
cachorro pulava por um aro e um malabarista atuava. Blackton usou cerca de 3 mil
“desenhos tremeluzentes” para realizar seu primeiro filme animado – o antecessor dos
desenhos animados

Figura 07 - Montagem de frames de Humorous Phases of Funny Faces. Blackton. EUA, 1906.

Fonte: YouTube. Humorous Phases of Funny Faces. Blackton. EUA, 1906. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wGh6maN4l2I›. Acesso em: 28 out. 2022.

Alguns autores, como Charles Solomon, conferem a criação do filme animado a


Blackton. Porém, Marcelo Tassara (1996) afirma que: “No entanto, a maioria dos
estudiosos – como Lo Duca, por exemplo – atribui a Emile Cohl, nascido em Paris, em
1857, a verdadeira paternidade do desenho animado”.

Um ano depois, Emile Cohl produziu e exibiu seu primeiro filme animado na casa dos
espetáculos Folies Bergère 3em paris: Fantasmagoria (Fantasmagorie, França, 1908),

3
O Folies Bergère é uma casa de música parisiense do tipo cabaré que esteve no ápice de sua fama
e popularidade da década de 1890 até à década de 1920. Atualmente ainda funciona com espetáculos.
21

as imagens eram infantis – linhas brancas sobre um fundo preto (Figura 08) – mas, a
história era relativamente sofisticada: o conto de uma garota, um amante ciumento e
um policial.

Desenhou uma série de figuras a traço negro em folhas de papel branco e


fotografou-as. Na tela, utilizou o negativo e conseguiu, assim, um movimento
executado por figuras brancas sobre um fundo escuro. No seu caso, podemos
dizer que estava menos interessado em desenvolver uma determinada
técnica do que mostrar o encanto simples de seus bonecos de um só traço.
Mesmo neste estágio primitivo, a ênfase era artística e não técnica. Os
primeiros filmes alemães de silhuetas foram também motivados por
considerações artísticas e não técnicas. (HALAS; MANVELL, 1979, p.28.).

Figura 08 – Frame de Fantasmagorie de Émile Cohl (1908).

Fonte: http://www.animatingapothecary.com/gafantas.GIF. Acesso em 28, out. 2022.

Ele também deu movimento aos postes e casas, com emoções e temperamentos
próprios. A obra de Cohl prefigurou o que viria a ser um ditado da animação: “Não
faça o que uma câmera pode fazer – faça o que uma câmera não pode fazer!”.
(Willians, 2016, p.16).

Crafton (1993, p. 61) aponta que “Emile Cohl foi o maior responsável por transformar
os esforços de seus antecessores filmes de truques na única arte do século XX, mas,
paradoxalmente, suas próprias raízes se estendem no passado”. Uma arte que
nasceu propriamente de suas experiências que mais do que qualquer outro, merece

Disponível em: <http://www.artandarchitecture.org.uk/fourpaintings/manet/folies_bergere/history.html>.


Acesso em 08 de novembro de 2022.
22

a extensão de seu reconhecimento não apenas ao desenho animado, mas também


ao cinema de animação em sua complexidade, pois definitivamente foi o primeiro
artista reconhecido a se consagrar com técnicas inovadoras e abrir caminho para uma
nova arte.

O primeiro cineasta nascido em solo americano a se interessar pela animação, foi


Winsor McCay (1867-1934), criador da popular tirinha “Little Nemo” (Pequeno Nemo),
foi o primeiro a tentar desenvolver a animação como forma de arte. De acordo com o
historiador e realizador norte-americano John Canemaker:

Winsor McCay é o primeiro mestre de duas das formas de arte nativas


americanas: a história em quadrinhos e o desenho animado. Embora
inventado por outros, ambos os gêneros evoluíram para uma duradoura arte
popular, de mais alta imaginação, através do gênio inovador de McCay.
(CANEMAKER, 2004).

McCay fez 4 mil desenhos do “Pequeno Nemo” moverem-se (Figura 09). Eles foram
um grande sucesso quando exibidos em uma tela de teatro Hammerstein em Nova
York em 1911.

Figura 09 – Frames de Winsor McCay. Little Nemo. USA. 1911.

Fonte: Museum of Modern Art. Por Barbara Flueckiger. Disponível em: <https://filmcolors.org/wp-
content/uploads/2013/05/MoMA_LittleNemo_100241_HandColored_IMG_0002.jpg>. Acesso em: 28
out. 2022.
23

Em 1914, desenhou “Gertie, o Dinossauro”, e o próprio McCay atuou “ao vivo” diante
da animação projetada, segurando uma maça diante de Gertie, convidando-a a comer.
Gertie baixou seu longo pescoço e engoliu a fruta – causando assombro à plateia.
Essa era a primeira animação de “personalidade” – os primórdios da individualidade
nos desenhos animados. “Era tão realista que a plateia conseguia identificar-se com
Gertie. Foi uma sensação. “(WILLIANS, 2016. P.16).

A importância desses artistas para o cinema de animação vai além do


pioneirismo. Eles descobriram e desenvolveram primeiramente as técnicas
fundamentais do filme animado, além de apontarem novas possibilidades
para as próximas gerações de animadores. (QUINTÃO, 2008, p. 69).

Nos anos 1920, Gato Felix, criado em 1919 pelo desenhista Otto Messmer (Figura 10)
com parceria do cineasta e animador Pat Sullivan, tornou-se tão popular quanto
Charlie Chaplin. Essas curtas animações do Félix eram visualmente inventivas,
fazendo o que uma câmera não podia fazer. Mas, mais importante, uma verdadeira
personalidade emergiu dessa enxurrada de desenhos silenciosos em preto e branco
e o próprio Félix conectou-se com as plateias do mundo todo. O que houve é que após
a I Guerra Mundial, que dificultou a produção cinematográfica da Europa, deixando
toda hegemonia cinematográfica aos norte-americanos, visto a grande força que
esses estúdios passaram a ter, em grande parte em decorrência do conflito bélico.
Um estouro de cartoons exploravam os cinemas e em menos de duas décadas, o
cartoon animado passou por importantes aprimoramentos técnicos, possibilitando o
desenvolvimento de um estilo de animação, filiado ao modelo realista e de
continuidade de cena proposto por Griffth4 que seria conhecido como animação
clássica. O diretor e animador Celso d´Elia define que:

Dentro das diferentes modalidades de animação, uma outra forma de divisão


se faz: quando o movimento busca uma expressão natural, querendo tornar
crível a relação personagem-tempo-espaço, falamos de animação clássica;
ela possibilita a identificação do espectador com o filme nos níveis emocional
e narrativo. Quando as leis naturais são ignoradas e prevalecem o exagero e
o delírio, estamos falando de animação cartum. (D´ELIA, 1996, p. 167.).

4 David Llewelyn Wark Griffith, foi um diretor de cinema estadunidense e apontado por muitos críticos,
cineastas e especialistas como o mais influente diretor da história do cinema, foi o introdutor de diversas
inovações profundas na forma de fazer cinema, sendo considerado o criador da linguagem
cinematográfica. É mais conhecido pelo seu controverso filme O Nascimento de uma Nação de 1915.
Disponível em: <https://www.ebiografia.com/d_w_griffith/>. Acesso em 08 de novembro de 2022.
24

O autor define bem os conceitos de animação tradicional e os famosos cartoons –


animações predominantes neste período histórico, marcado por grandes conflitos e
consolidando o cinema estadunidense como potência mundial. O Gato Felix é de fato
um cartoon – demonstrações exageradas e levemente humoradas. Seu sucesso é
atrelado a maneira simples de contar piadas visuais, descritas de forma linear. Sua
forma não realista ou verossímil contribuía com seu sucesso: era um gato preto, com
a cabeça maior do que o corpo e grandes olhos caricatos.

Figura 10 - Fotografias do Otto Messmer em diferentes momentos da carreira.

Fonte: Skwigly Magazine. Disponível em: <https://d5y9g7a5.rocketcdn.me/wp-


content/uploads/2021/04/gato-felix-historia-do-primeiro-personagem-animado-da-televisao-
2.jpg.webp.>. Acesso em 30 out. 2022.

É importante mencionar que neste período a indústria já tinha se adentrado no


universo das animações e da mesma forma que agia dentro de uma fábrica, a
animação passou a ter uma linha de montagem para produção. Foi um momento na
qual vários estúdios começaram e novas técnicas foram criadas a fim de trazer fluidez
e agilidade ao trabalho. Um exemplo é o uso de “in-betweening”. De acordo com
Crafton (1993, p. 6): “O animador poderia esboçar as poses iniciais e finais de uma
sequência, então as poses intermediárias poderiam ser desenhadas por assistentes
de menor remuneração”. Outras técnicas foram implantadas, como o uso de acetato,
a animação de corte e a animação limitada.

Felix foi um sucesso inegável e seu legado levou diretamente ao advento de Walt
Disney e, em 1928, Mickey Mouse decolou com sua aparição em Steamboat Willie (O
Vapor Willie) – o primeiro desenho animado com som sincronizado (Figura 11).
25

A trama de Steamboat Willie é negligente: Mickey, o piloto de um barco fluvial,


tem um relacionamento difícil com o ‘cara mau’, João Bafo de Onça, tanto
quanto com Minnie. A história é apenas uma desculpa para se utilizar os
efeitos de sincronização sonora. Os personagens, e mesmo o barco, dançam
perfeitamente ao ritmo da música, e mesmo as gags5 são orientadas pelo
som; [...] um filme-bailado brilhante, cômico e ousado ao mesmo tempo, o
filme é centrado no gosto do público americano pelo teatro de variedades.
(BENDAZZI, 1994. p. 63.)

Figura 11 – Frame de Steamboat Willie.

Fonte: Steamboat Willie. Walt Disney, Ub Iwerks. (American, 1901–1966), (American, 1901–1971).
1928. 35mm film (black and white, sound), 8 min. Disponível em:
<https://www.moma.org/learn/moma_learning/walt-disney-ub-iwerks-steamboat-willie-1928/>. Acesso
em: 30 out. 2022.

A recepção foi tão calorosa, que se tornaria o personagem de maior sucesso dos
estúdios Disney. Steamboat Willie de certa forma obrigou a encontrar novas soluções
e procedimentos que permitissem ao cinema animado ganhar a mais dinamismo que
é exigida pelo som. A primeira coisa que mudou foi a necessidade de um planejamento
mais apurado, ou seja, a pré-produção se tornou um momento na qual necessitava
mais atenção. Antes, o ritmo da história era construído de modo mais livre, agora,
teriam que dividir espaço que seriam orientados pelo som.

As imagens agora tinham uma relação intrínseca com o tempo e com o ritmo,
ditada pela música e pelos efeitos sonoros. Isso levou a algumas alterações
na folha de continuidade dos filmes, que começaram a incluir cada vez mais
detalhes de planejamento. (QUINTÃO, 2008. p. 152).

5São piadas rápidas, como situações de esticamento ou aquelas envolvendo o aumento de volume,
como um “estouro” do personagem.
26

Logo depois, Os Estúdios Disney continuaram com a o uso do som como elemento
para elucidar as ações dos personagens. Trouxe então, outro desenho animado que
também se consolidou na história da animação: The Skeleton Dance (A dança dos
esqueletos) de 1929. Nessa animação, a música ainda se encaixa como elemento
principal, sendo que a trama e as animações seriam quase que ilustração para a trilha
sonora. Pela primeira vez a ação foi coordenada com uma trilha musical adequada.
Essa foi a primeira Silly Symphony (Sinfonias Tolas ou Sinfonias Ingênuas). A nova
série apresentava um conceito inteiramente novo dentro do contexto do cinema de
animação industrial norte-americano.

Figura 12 – Frame de The Skeleton Dance (1929).

Fonte: The Skeleton Dance. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8n0J2c1aYpQ>.


Acesso em: 30 out. 2022.

Na Figura 12 mostra esqueletos dançando juntos, de mãos dadas e girando em


círculos, apreciando a noite. Em um ponto, um esqueleto se desfaz para se
transformar em um xilofone para o outro tocar. Perto do final do desenho animado de
5 minutos e meio, um galo canta para significar a manhã, e todos os esqueletos correm
de volta para um túmulo.

The Skeleton Dance também é creditado por ser o primeiro desenho animado de som
não pós-sincronizado. Isso significa que tanto o som quanto o desenho foram feitos
para serem sinônimos um do outro. A música estava sendo feita ao mesmo tempo que
a animação e não de forma independente posteriormente feita.
27

A Dança do Esqueleto continua sendo uma parte importante da história da animação


e do cinema. Em 1994, Jerry Beck, um historiador de animação, escreveu um livro
intitulado “Os 50 melhores desenhos animados: selecionados por 1.000 profissionais
de animação” e The Skeleton Dance chegou em 18º lugar.

Outro grande momento na indústria de cinema de animação, foi em 1932, quando os


estúdios Disney, novamente, deram um salto com “Flowers and Trees” (Flores e
árvores), sendo o primeiro desenho animado totalmente em cores com as técnicas de
Technicolor. Também é um curta metragem que faz parte da série Silly Symphonies.
O curta-metragem animado (Figura 13) foi um sucesso comercial e de crítica,
ganhando o primeiro Oscar de curta-metragem de animação em 1932 de acordo com
o site Academy Awards, responsável pela premiação.

Figura 13 - Poster do primeiro curta-metram de animação a cores Flowers and Trees.

Fonte: IMDb. Flores e Árvores (1932). Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt0022899/>.


Acesso em: 30 out. 2022.

Walt Disney continuava investindo em melhoria técnica e artística, e o novo processo


colorido da Technicolor – que permitia três faixas de cores, fez com que a Disney
pudesse reproduzir uma paleta de cores muito mais rica do que aquela alcançada por
qualquer outro processo de duas cores. Além disso, Disney já havia compreendido o
28

enriquecimento expressivo que as cores dariam ao desenho animado. Como observa


O pesquisador Alberto Lucena Júnior:

Para atingir o que ambicionava com a animação, a cor era imprescindível.


Instruíra seus técnicos para pesquisas com nitrato e outras soluções, mas foi
a Technicolor que chegou ao sistema de combinação das cores primárias em
três tiras de negativo. (BARBOSA JUNIOR. 2002. p.108).

Lucena Jr ainda analisa o impacto das cores no desenho animado:

O acréscimo desse elemento visual implicava, notadamente para o desenho


animado, em novas considerações de design e abordagem de animação. Se
as cores abriam novas dimensões para o desenho animado, também traziam
problemas. Antes era simples destacar um personagem contra um fundo. Já
as cores estabelecem relações complexas que exigem muita atenção,
afetando a configuração espacial, o clima psicológico, a legibilidade e a
caracterização dos personagens - que devem ser considerados sempre em
função do movimento, das variações de cenário e encenação. (BARBOSA
JUNIOR. 2002. P 109).

O que Disney esperava das cores era comparável ao que a trilha sonora já havia
proporcionado ao seu cinema de animação: teriam um papel de enaltecer e ser o
elemento capaz de redimensionar a qualidade narrativa e expressiva dos filmes
animados.

Como o estúdio continuava progredindo para projetos mais ambiciosos, a presença


de animadores ambiciosos como o caso do artista suíço Albert Hurter (1883 – 1942),
permitia que este trabalhasse com técnicas mais ousadas e criativas e, em 1933, ele
projetou os cenários e os personagens principais para aquele que se tornou o maior
sucesso de Disney daqueles tempos: “Os Três Porquinhos” (Three Little Pigs, EUA,
1933). O desenho teve um grande impacto devido ao pleno amadurecimento de sua
animação de “personalidade”. Ou seja, os personagens eram distintos e claramente
definidos, além de criveis “atuando de forma tão convincente que a plateia podia
identificar-se e torcer por eles” (WILLIANS, 2006).
29

Figura 14 - Frame do filme “Os Três Porquinhos”.

Fonte: IMBd. Three Little Pigs. 1933. Cor. 9 min. Disponível em:
<https://www.imdb.com/title/tt0024660/>. Acesso em: 30 out. 2022.

A história dos três porquinhos (Figura 14) é certamente um dos contos infantis mais
conhecidos (ASHLIMAN, D. 2000). Existem várias versões da história, inclusive um
conto dos irmãos Grimm, mas a versão da Walt Disney onde um lobo tenta devorar
três porquinhos se tornou muito popular.

Quatro anos depois, houve o lançamento de “A Branca De Neve E Os Sete Anões”


(Snow White and the Seven Dwarfs, EUA, 1937). O primeiro longa-metragem
totalmente animado, que levou os desenhos animados ao nível de arte e manteve a
plateia fascinada por 83 minutos. Willians (2006) informa que foi “um feito realmente
assombroso, realizado em um espaço curto de tempo”.

Branca de Neve e os Sete Anões – Este é o primeiro filme de longa duração


dos Estúdios Disney. Levou três anos para ser produzido e sua estreia, em
21 de dezembro de 1937, deu início a uma carreira de grande sucesso. Em
1939, Disney recebeu o Oscar pelo desenho - reconhecido como significativa
inovação cinematográfica - e sete réplicas da estatueta em tamanho
pequeno. Além das inovações no aspecto da animação, o filme foi um marco
também por iniciar uma linha de longas-metragens que resolveu a crise dos
desenhos animados de curta duração, cujos custos de realização
aumentavam mais do que os lucros provenientes desta forma de produção.
(BRUZZO, 1996. p. 180.)

Seu sucesso de público e crítica tornou-se a fundamental para a produção de Disney


e deu início ao que estudiosos chamam de a “Era De Ouro” da animação. Outros
sucessos de animação surgiram posteriormente como “Pinóquio” (Pinocchio. EUA,
1940, Disney), “Dumbo” (Dumbo. EUA, 1941, Disney), “Bambi” (Bambi. EUA, 1942,
Disney) e “Fantasia” (Fantasia. EUA, 1940, Disney).
30

Em torno do potente centro da Disney estavam os outros estúdios que também


trabalhavam com animação clássica e buscavam hegemonia no mercado, assim como
os estúdios Walt Disney. Os nomes de destaque neste período são Max Fleischer
(1883 – 1972) com o seu filme “As Viagens de Gulliver” (Gulliver´s Travels, EUA, 1939,
Max e Dave Fleischer), os estúdios da Warner Bros com seus Looney Tunes (1930 a
1969) e Merrie Melodies (Série de TV) com Pernalonga, Patolino, Gaguinho (1943). A
MGM (Metro-Goldwyn-Mayer) com Tom e Jerry (William Hanna e Joseph
Barbera.1940) e Droopy (1943) e os grandes curtas anárquicos de Tex Avery, e Walter
Lantz (1889 – 1994) com o Pica-pau (Walter Lantz Productions.1940).

No entanto, depois da Segunda Guerra Mundial a situação mudou. Uma das grandes
mudanças foi a chegada da televisão e seu apetite voraz por um conteúdo produzido
rapidamente. Isto fez que de fato exigisse trabalhos mais simples e grosseiros, uma
vez que a produção em massa seria o fator mais importante neste período. A
animação simplificada ou limitada emerge com mais força.

Recurso que dispensa o uso de número suficiente de desenhos para cada


segundo de ação, resultando movimentos mais duros e quebrados. Bastante
utilizado na produção de séries para a televisão. Os bonecos têm poucas
cores e movimentos, e passam a maior parte do tempo falando. (BRUZZO,
1996, p. 210.)

A estilização dos anos 1950 deu início aos estúdios United Productions of America,
popularmente conhecida como UPA, em Hollywood. A UPA foi fundada após a greve
dos animadores da Disney em 1941, que resultou no êxodo de vários funcionários da
Walt Disney. Mr. Magoo na figura 15 (Série. 130 episódios. 1949 – 1977) e Gerald
McBoing Boing (1950. 7 min.) na figura 16.

Figura 15 - Mr. Magoo e seu cachorro de estimação e McBarker.

Fonte: iMDB. Mr. Magoo. Direção: Stephen Bosustow. Série de Tv. 1949 - 1961. 5min. Cor.
Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt1044551/?ref_=vp_vi_tt>. Acesso em: 30 out. 2022
31

Figura 16 - Uma cena do curta-metragem Gerald McBoing-Boing.

Fonte: iMDb. Gerald McBoing-Boing .Direção: Robert Cannon; John Hubley. 1950. Cor. 8 min.
Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt0043581/>. Acesso em 30 out. 2022.

A abordagem da UPA foi considerada mais sofisticada que o da Disney e fez o uso da
animação limitada e de fato muito menos realista. A nova abordagem encontrou
aprovação crítica (CAVALIER, 2011. P. 15). Ao mesmo tempo, houve no mundo todo
uma abundância de filmes animados autorais, experimentais e “de arte”, feitos de
novas maneiras, com muitas técnicas diferentes e conteúdo muito diferenciado do
produto de Hollywood. Wiliams (2006) afirma que “os animadores estavam
reinventando a roda em termos estilísticos”. A UPA terminou nos anos 2000 e seu
catálogo foi adquirida posteriormente pela Universal Pictures6, após a aquisição bem-
sucedida da DreamWorks Animation7

Produtores de TV de meados dos anos 50 em diante reduziram a qualidade de


trabalhos animados pelos próximos 30 anos (CAVALIER, 2011. P. 15). Nesses
tempos de animação barata para televisão, os nomes no campo mais consagrados
foram os diretores William e Hanna Barbera, cuja companhia Hanna-Barbera tornou-
se o maior destaque em cartoons para TV.

Enquanto isso, a animação experimental, foi um fenômeno particularmente europeu


até o fim dos anos 1950. A Europa foi o berço dos primeiros avanços em animação,

6Fundada em 1912, é uma empresa americana de produção e distribuição de filmes de propriedade


da Comcast através da divisão NBCUniversal Film and Entertainment da NBCUniversal. Disponível em:
< https://www.universalpictures.com/>.
7É um estúdio de animação americano fundada em 1994. Está sediada em Glendale, Califórnia, e
produz filmes animados, programas de televisão e jogos virtuais online. Atualmente, o estúdio lançou
um total de 38 longas-metragens, começando com FormiguinhaZ (1998) até seu filme mais recente
Os Caras Malvados (2022). Disponível em: < https://www.dreamworks.com//>.
32

apesar de não se industrializar até os anos 50, e mesmo então apenas Londres
mantinha uma indústria comparável a Los Angeles e Nova York (CAVALIER, 2011.p.
18). Porém, disponibilizava um ambiente mais fértil para a experimentação e
vanguarda. Opunham-se aos cineastas estadunidenses e encontraram grupos de
apoio também norte-americanos. Nos EUA surgem então grupos alternativos
inspirados pelas vanguardas europeias, o “Cinema Novo Americano” de Maya Deren
8e a liberdade criativa encorajada pela “geração beat” (CAVALIER, 2011. P. 15). Este
momento foi primordial para o “renascimento” da animação. Dos anos 1960 aos 1970,
cineastas vanguardistas criam animações abstratas por meio de computadores. Esse
trabalho pioneiro abre espaço para o que, muitas décadas depois, será a técnica
dominante no mercado: o CGI (Computer Generated Imagery – Imagens Geradas por
Computador).

Entretanto no final da década de 1980, o renascimento da animação como forma de


entretenimento de massa fez-se ressurgir o antigo conhecimento das animações
tradicionais. A partir de 1989, com a recepção positiva de “A Pequena Sereia” (The
Little Mermaid. EUA), restaura-se o interesse do público na companhia com uma série
de títulos aclamados como “A Bela e a Fera” (Beauty and the Beast. EUA) de 1991, e
“O Rei Leão” (The Lion King, EUA) de 1994. Cavalier (2011. P. 16) diz que “o mundo
televisivo se depara com uma onda de séries animadas que voltaram a investir
cuidado, inteligência e inovação em seus projetos, revigorando a animação para TV”.

Várias produções de impacto apareceram na década de 1990, dentre eles temos


“Batman: A Série Animada” (Batman: The Animated Series) em 1992, “O Laboratório
de Dexter” (Dexter's Laboratory) de 1995, e “Os Simpsons” (The Simpsons) de 1990.
Este novo “boom” da animação e o interesse pela população pela animação
novamente fez-se propícia a permitir que estúdios aprovassem projetos inusitados,
tais como “O Estranho Mundo de Jack” (The Nightmare Before Christmas) em 1993
que trouxe o Stop Motion puro como uma opção comercial válida. Todavia, um dos
pontos mais importantes dos anos 90, que afetará consideravelmente indústria do

8Reconhecidamente pioneira no campo da dança no cinema, Maya Deren é considerada uma das
maiores e mais influentes cineastas do cinema experimental.
33

século XXI, é o trabalho da Pixar 9com o CGI. As inovações incrivelmente bem-


sucedidas da animação computadorizada transformaram a animação em uma parte
significativa da indústria de entretenimento.

Se a animação “clássica” é uma extensão do desenho, então a animação por


computador pode ser vista como uma extensão do teatro de marionetes –
marionetes de alta tecnologia. Ambos compartilham os mesmos problemas
sobre como oferecer uma performance que contenha movimento, peso,
timing e empatia. (Willians, 2016, p.20).

Com o uso do computador fez com que os custos caíssem e a qualidade aumentasse,
chegando ao ponto de se criar animações totalmente digitais (HILTY e PARDO, 2013),
como no caso de “Cassiopéia” (VIEIRA, 1996) e “Toy Story” (Jonh Lasseter, 1995) –
Figuras 17 e 18 respectivamente, e assim, milhares de filmes de animação seriam
criados e não mais no papel, mas sim dentro dos computadores.

Figura 17 - Frame do filme Cassiopéia.

Fonte: iMDb. Cassiopéia. Direção: Clóvis Vieira. Brasil. 1996. Cor. 80 min. Lançamento 2005.
Disponível em: < https://www.imdb.com/title/tt0136748/>. Acesso em: 30 out. 2022.

9É um estúdio americano de animação por computado. Uma subsidiária da Disney Studios Content de
propriedade da The Walt Disney Company. A Pixar começou em 1976 como parte da divisão de
computadores Lucasfilm, conhecida como Graphics Group, antes de sua cisão como uma corporação
em 3 de fevereiro de 1986, com financiamento do co-fundador da Apple, Steve Jobs, que se tornou seu
acionista majoritário. A Disney comprou a Pixar em 2006. Disponível em: < https://www.pixar.com/>.
34

Figura 18 - Frame do filme Toy Story.

Fonte: iMDb. Toy Story. Direção: John Lasseter. Estados Unidos. 1995. Cor. 81 min. Disponível em:
<https://www.imdb.com/title/tt0114709/>. Acesso em: 30 out. 2022.

Ainda que haja controvérsias a respeito da primeira animação feita totalmente no


computador, alguns autores consideram Toy Story (1995) como o primeiro longa-
metragem feito totalmente em computação gráfica da história. De acordo com John
Lasseter, grande produtor de efeitos de computação gráfica e cofundador da Pixar “A
arte desafia a tecnologia, a tecnologia inspira a arte!”.

O contentamento do público foi tão expressivo que fomentou vários filmes de


animação com a mesma tecnologia. Filmes como “Vida de Inseto” (A Bug's Life) em
1998, “Monstros S.A” de 2001 surgiram neste período. Uma das causas do aumento
das produções está na facilidade de se fazer uma animação 3D com os recursos da
computação gráfica.

Pensando no modo clássico de se fazer cinema de animação, no sentido técnico, é


necessário para sua realização uma equipe numerosa que realize uma quantidade
muito grande de desenhos. A tecnologia digital, sendo em 2D ou 3D reduz o tempo
de execução e finalização das animações, sobretudo nas animações 3D. O uso de
novos sistemas para animação criados pelos softwares proporcionou uma maior
agilidade aos envolvidos. Deste modo as animações 3D garantiram seu espaço,
tornando-se mais frequentes. Já as animações em 2D tiveram quedas consideráveis
de produção nos últimos anos.

É interessante entender que o cinema de animação teve várias transformações ao


longo dos anos, desde a técnica e ao estilo. É importante salientar que a tecnologia
pode ser uma excelente ferramenta nos processos de produção, mas utilizá-la com
35

cautela é a melhor saída para a realização do trabalho. O animador deve perceber e


explorar a criatividade e os recurso técnicos de modo a não deixar as animações
mecânicas e repetitivas.

Outros países também foram importantes para a evolução da técnica e estética da


animação em sua história, como na Europa, que teve grande envolvimento da técnica
de stop motion, (Com Reynaud e Cohl) e também com as animações experimentais
durante as Vanguardas Modernas. No continente Africano que, depois de crescer
bastante com a produção de animação, principalmente no Egito, Nigéria e Argélia que
nos anos 2000 traz produções de extrema qualidade e também, o Oriente –
principalmente o Japão, que é conhecido por sua estética de personagens de olhos
grandes e tomadas cinematográficas com muito movimento, e ao mesmo tempo,
possuem cenas longas, com personagens que mexem-se pouco, mas contam muitas
histórias (FARIA, 2018), além do Brasil, que também se torna uma referência
cinematográfica de animação, exportando muitas vezes artistas e obras que
marcaram a história.

2.2. A IMAGEM EM MOVIMENTO

A animação é uma arte que, embora milenar, ainda precisa ser mais bem conhecida.
E não apenas pelos produtores e estudiosos das imagens. A animação se
desenvolveu, a rigor, antes do cinema fotográfico e do cinema de animação, nutrindo-
se das experiências dos brinquedos ópticos e de todos os atributos herdados de outras
manifestações artísticas e gráficas com os primeiros experimentos da imagem em
movimento. Foi graças à engenhosidade de cientistas e artistas que puderam inventar
os mais variados dispositivos de simulação da imagem em movimento.

A história da animação reflete o desenvolvimento de uma arte que dá ao


homem a capacidade de trabalhar expressivamente com imagens, tempo e
tecnologia, produzindo uma das mais fascinantes formas de representação
da cultura contemporânea, em todos os níveis. (QUINTÃO, 2008, p.01).

Apesar de existir há quase tanto tempo quanto a própria existência do homem, a


animação, como conhecemos hoje, passou por grandes mudanças e melhorias no
século XX e continua evoluindo. A animação tem origens pré-históricas, quando os
primeiros artistas tentaram para capturar os animais que eles viram não apenas com
redes e lanças, mas também com imagens.
36

Antes de tudo é necessário distinguir a animação de cinema de animação, que se faz


necessário para melhor compreensão desta arte. Marcelo Tassara assinala que

Convém deixar bem claro que existe uma nítida diferença conceitual entre
animação (no sentido mais amplo e puro da palavra) e cinema de animação
propriamente dito. Enquanto o primeiro conceito cobre qualquer técnica que
vise reproduzir a ilusão de movimento (os flipbooks e os anúncios luminosos
animados são bons exemplos disto), o segundo refere-se especificamente ao
emprego das técnicas cinematográficas com esse mesmo objetivo: um caso
especial de animação. (TASSARA, 1996, p.14).

Esta diferença é interessante para se ter o básico no entendimento da arte da


animação. Além do uso das técnicas cinematográficas, o cinema de animação se
diferencia pela necessidade do amplo conhecimento das diversas áreas das artes
plásticas, como os fundamentos do desenho e da pintura por exemplo. Nesse aspecto,
o cinema de animação ultrapassa as exigências do cinema fotográfico, pois, sem os
domínios específicos das artes envolvidas em sua realização, não se concebe a
animação na indústria cinematográfica, seja como entretenimento, como expressão
artística ou da linguagem como sentindo amplo e suas formas de comunicação e de
ensino.

Segundo Jacques Aumont e Michel Marie (2006, p. 18), animação é “o termo para
designar formas de cinema nas quais o movimento aparente é produzido de maneira
diferente da simples tomada de cena analógica”, ou seja, não se trata de uma
captação imagética apenas, mas, da reprodução repetitiva de um mesmo desenho
para conquistar o efeito de movimento. O termo animação vem de anima, uma palavra
latina que significa “alma” ou “o sopro da vida”. E isso é o que um animador faz - ele
ou ela dá vida a personagens bidimensionais dando-lhes coração, alma e
personalidade. Artistas que trabalham com lápis e bloco de desenho ou um mouse,
uma mesa digitalizadora e computador criam personagens que se levantam e pulam
da página ou do monitor.

2.2.1. Tempo: Uma variável

Nos anos 1820 começaram os estudos com ilusões de ótica e assim, começaram a
explicar o fenômeno da “Persistência da visão”, que permite a ilusão de movimento
baseada em desenhos estáticos. NAMIKATA (2010) define que a persistência da
visão, ou persistência retiniana, designa o fenômeno ou a ilusão provocada quando
37

um objeto visto pelo olho humano persiste na retina por uma fração de segundo após
a sua percepção. Ou seja, a retina do olho retém uma imagem que viu por um
momento antes de processar outra imagem. Se uma série de imagens são exibidas
diante de seus olhos a 10 quadros por segundo, o cérebro pensa que vê uma única
imagem em movimento.

As sucessivas partes de um movimento são congelados e na projeção, essas partes


são vistas como um contínuo movimento. Este sistema pode variar sua velocidade,
apesar de que 1/10 de segundo de exposição já seria suficiente para dar impressão
de movimento. Entretanto, sabe-se que quanto maior for a velocidade, melhor ficaria
a qualidade do movimento registrado, pois equivaleria a dividir em mais quadros e,
portanto, mais precisamente seria o movimento. Entretanto, utilizar uma velocidade
muito alta significa muito mais trabalho para capturar o mesmo tempo de um
movimento, e a relação entre o custo e o benefício não justificam grandes velocidades
de captação. Os primeiros animadores e cineastas logo descobriram que precisavam
gerar uma sequência de cerca de 16 a 18 imagens para criar uma segundo de
movimento sem costura.

Figura 19 – The Horse in Motion.

Fonte: MUYBRIDGE,Eadweard. The Horse in Motion,1872, domínio público.

Na década de 1880, um britânico fotógrafo Eadweard Muybridge resolveu uma


questão muito debatida, que se todas as quatro pernas de um cavalo de corrida saiam
38

ou não do chão quando o animal está galopando. A sequência de Muybridge de


fotografias (Figura 19) provaram que sim. Seu livro de 1887, Animal Locomotion.,
ainda é um recurso valioso para animadores que estudam como os humanos e os
animais se movem.

A padronização dos 24 quadros por segundo veio com o cinema sonoro, quando da
invenção do Sistema Movietone10, ou som gravado diretamente na película. Isso
aconteceu porque a projeção em 16 ou 18 quadros por segundo sonoros causavam
grandes distorções no som, pela pouca velocidade com que a película passava no
leitor óptico do projetor. Assim, era necessário aumentar a velocidade da projeção
para que o som respondesse satisfatoriamente. Mas aumentar a velocidade de
projeção exige também que se aumente o padrão de captação, pois ambos devem
rodar na mesma velocidade para simular um movimento corretamente.

2.2.2. Tipos de animações

Antes de iniciarmos sobre o estudo da animação no cinema de animação e nas artes


visuais, é necessário definir os tipos de animações existentes. Neste cenário, temos
as Animações tradicionais; Animação de corte; Animação limitada; Animação por Stop
Motion; Pixilation; Animação por fantoches; e Animações digitais.

2.2.2.1. Animação tradicional

A animação tradicional, ou animação por célula ou animação desenhada à mão, é a


mais velha e historicamente a mais popular forma de animação. Em um desenho
animado de forma tradicional, cada quadro é desenhado à mão. Os desenhos são
feitos a mão e retraçados ou copiados num plástico transparente chamado célula.
Depois coloca-se a célula sobre um fundo pintado e os movimentos são fotografados
um a um com uma câmara. O uso de células se tornou ultrapassado desde que os
desenhos passaram a ser scaneados para o computador e transferidos digitalmente
para as películas de 35mm. Até o início dos anos 2000, a animação tradicional era um

10
O sistema de som Movietone é um método óptico de som em filme de gravação de som para filmes
que garante a sincronização entre som e imagem. Ele consegue isso gravando o som como uma faixa
óptica de densidade variável na mesma tira de filme que grava as imagens.
39

dos tipos de animação mais utilizados pelos grandes estúdios. Um exemplo é o da


Figura 20.

Figura 20 - Reportagem sobre a produção de Akira de Katsuhiro Ôtomo.

Fonte: Akira. Edição Especial 20 anos. Direção: Katsuhiro Ôtomo. Focus Filmes, 2008, 2 DVD, Cor.

Akira (1988), 11é uma animação japonesa realizada de forma tradicional. No total, o
longa-metragem tem 2.212 tomadas e mais 160 mil quadros desenhados à mão, mais
do que o dobro do que outros animes costumavam ter, o que garante uma fluidez de
movimentos inédita até então. O filme também usa 327 cores diferentes, sendo que
50 delas foram criadas especificamente para esta produção.

Na era digital, com o avanço tecnológico, também é possível para animadores


desenhar diretamente em um computador usando uma mesa digitalizadora. Os
desenhos são compostos em um programa de computador em muitos transparentes
"camadas" da mesma forma como eles são com células e transformado em uma
sequência de imagens que pode ser transferido para filme ou convertido para um
formato de vídeo digital.

11 Akira. Edição Especial 20 anos. Direção: Katsuhiro Ôtomo. Focus Filmes, 2008, 2 DVD, Cor.
40

2.2.2.1.1. Rotoscopia

Ele pode ser considerado um precursor da moderna captura de movimento digital. É


uma técnica na animação tradicional que permite aos animadores redesenhar quadros
de filmagens para ser usado em animação. Pode ser usado para animar seguindo
uma referência filmada. Foi utilizada como ferramenta para efeitos especiais em
filmes.

2.2.2.2. Animação de recorte

Técnica bastante antiga, também conhecida como “cut off”. São feitos bonecos com
articulações, que são fotografados quadro a quadro, e depois é feito um vídeo em
cima das fotos. Um exemplo de animação de recorte é o desenho animado South Park
(1997) como mostra a Figura 21. É um tipo de movimento bem único, mas que pode
ser explorado de formas criativas para criar peças incríveis.

Figura 21 – Frame de South Park.

Fonte: SOUTH PARK STUDIOS. Direção e Produção: Trey Parker; Matt Stone. 1997 - Atualmente.
Cor. Amazon Prime.

2.2.2.3. Animação limitada

Os personagens desenhados em partes, quando são sobrepostas transmitem o efeito


de continuidade do desenho. Modalidade muito praticada pelos estúdios de animação
comercial, pois há uma economia em relação à animação tradicional. A técnica
consiste em que são usados uma arte abstrata, com simbolismo e menor número de
quadros por segundo, criando movimentos limitados que têm o mesmo efeito narrativo
de uma animação total. Na era da cultura de massa proporcionada pelo aparecimento
41

e popularização das Tv’s, foi uma técnica muito usada devido seu baixo custo e seu
rápido processo de execução. Na Figura 22 há um exemplo de uma produção que
utilizou este método.

Figura 22 – Frame de The Marvel Super Heros.

Fonte: THE MARVEL SUPER HEROS, Estados Unidos; Canadá: Grantray-Lawrence Animation;
Marvel Comics [Séries de Tv]. 1966. 195 episódios. 1 temporada. Cor.

Neste tipo de animação, os personagens são animados em partes, apenas são


animadas as partes do personagem, como a boca, ou os braços. A imagem associada
ao som. O humor verbal e a interpretação da voz são os fatores mais importantes para
dar emoção para o personagem.

2.2.2.4. Pixilation

Utilizada pela primeira vez em 1911 no filme “Jobard Ne Peut Pas Voir Les Femmes
Travailler” pelo francês Émile Cohl, é uma das mais antigas técnicas de animação,
onde atores vivos ou objetos reais são utilizados e captados quadro a quadro criando
uma sequência de animação. Funciona como uma animação tradicional, só que
tirando fotos em vez de desenhá-los. O canadense Norman McLaren revolucionou o
cinema com os seus desenhos e bailarinas; a técnica que McLaren desenvolveu
consiste em pegar num negativo de filme e pintar em cada frame uma imagem
diferente, exatamente como é feito nas animações tradicionais (com lápis e papel)
onde cada folha é uma continuação do movimento, a diferença é que McLaren
desenhava diretamente no filme. A figura 23 mostra a técnica empregada por
McLaren:
42

Figura 23 – Frame de Pas de deux.

Fonte: Youtube. MCLAREN, Norman. Pas de deux. 1968. PB. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=j69mePDyZ7A>. Acesso em: 02 nov. 2022.

2.2.2.5. Animação com fantoches

É um tipo de animação feita com bonecos ao invés de desenhos. A primeira animação


deste tipo foi The Beautiful Lukanida (1910) do diretor polonês Wladyslaw Starewicz
(Figura 24).

Figura 24 – Frame de The Beautiful Lukanida.

Fonte: MUBI. The Beautiful Lukanida (Prekrasnaya Lyukanida). Direção: Wladyslaw Starewicz.
Rússia, 8 min. 1912. Disponível em: <https://mubi.com/pt/films/the-beautiful-lukanida>. Acesso em:
02 nov. 2022.
43

2.2.2.6. Animação por Stop Motion

Modalidade de animação que utiliza modelos reais em diversos materiais sendo a


massa de modelar o mais usado em toda sua história, uma vez que o material utilizado
tem que ser mais resistente e maleável, já que pelo trabalho do processo, os modelos
têm que durar meses. Os modelos são movimentados e fotografados quadro a quadro.
Estes quadros são posteriormente montados em uma película cinematográfica,
criando a impressão de movimento.

A história do Stop Motion remonta aos primórdios do cinema. George Mélies usou esta
técnica para dar sequência aos seus truques misteriosos e a partir da mesma, ele
produziu o filme “Viagem à Lua” (Le Voyage Dans La Lune), de 1902. No curta, a
chegada na Lua de um foguete com tripulação humana é criada a partir desta técnica,
a figura 25 exemplifica a estadia dos tripulantes à lua, em um sonho na qual muitos
elementos aparecem repetidamente na tela, brincando com as ilusões que esta
técnica foi capaz de criar.

Figura 25 - Frame do filme Viagem à lua.

Fonte: Youtube. Viagem À Lua (Le Voyage Dans La Lune). Direção: Georges Méliès. França: Star
Film. 1902. 14 min. Pb. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=UHbpgsD8zCM>.
Acesso em: 02 nov. 2022.

2.2.2.7. Animação Digital

Não é de hoje que a tecnologia influencia a sociedade. Dessa mesma forma, o avanço
tecnológico também se adentou nas animações. Animação Digital é a arte em que se
combinam imagens para fazer movimentos fluídos por meio do computador. Trata-se
44

da interseção da arte visual e arte digital, pois a ilusão do movimento é focada na


percepção visual, e sua produção acontece dentro de um ambiente virtual. Ou seja, a
mescla vários elementos e o computador é usado para gerar imagens em movimento,
revelando narrativas que trazem emoções à tona e promovem reflexões. Existem
diversos tipos de Animação Digital, incluindo: 2D, 3D, Motion Graphics e também o
Stop Motion.

2.2.2.7.1. Animação 2D

A animação bidimensional (ou 2D) é caracterizada por ter seus objetos e personagens
criados no espaço bidimensional. Isso significa que eles possuem somente altura e
largura. É a mesma técnica empregada de forma tradicional, porém com o intermédio
do computador, ou seja, é um processo feito por meio de vários softwares e programas
de animação com a opção de desenhar os personagens e planos de fundo
diretamente no computador. A minissérie animada “O segredo além do jardim” de
2014 é um bom exemplo desta técnica, como mostra a Figura 26.

Figura 26 – Frame de O Segredo Além Do Jardim.

Fonte: O Segredo Além Do Jardim. Direção: Patrick McHale. Estados Unidos: Warner Bros.
Television. Minissérie. 2014. 11 min. Cor. HBO Max.

Com a inserção da tecnologia, é possível trabalhar em várias camadas ou desativá-


las ao mesmo tempo. Além disso, há como definir quantos frames anteriores e
posteriores deseja ver à distância de um clique, otimizando tempo ao animador. A
Figura 27 mostra o processo na qual é possível configurar quantos frames anteriores
e posteriores você quer ver.
45

Figura 27 - Exemplo de trabalho de animação 2D digital no software ToomBoom Harmony.

Fonte: ARTGEIST. Disponível em: <https://artgeist.com.br/wp-content/uploads/2019/01/toon-boom-


onion-skin.png>. Acesso em: 29 out. 2022.

2.2.2.7.2. Animação 3D

A animação 3D é o processo de manipular imagens tridimensionais (3D) criadas por


CGI (Computer Generated Imagery – Imagens Geradas por Computador), onde
podemos escolher quantos frames cada segundo possui, apesar de 24 ainda ser um
bom número para as produções. Os princípios da animação 2D e 3D são muito
semelhantes, o que muda aqui é a forma que a animação 3D é construída: Enquanto
na animação 2D precisa desenhar tudo o que será mostrado, na animação 3D não
existe ilustração direta, então, é necessário construir todos os modelos previamente
para assim serem movidos na hora da animação.

Figura 28 - Exemplo de setup de um personagem pronto para animação 3D.

Fonte: ARTGEIST. Disponível em < https://artgeist.com.br/wp-content/uploads/2019/01/animacao-3d-


rigging.jpg>. Acesso em: 29 out. 2022.

Na Figura 28 mostra que é como se o personagem criado fosse um boneco com vários
controladores, que ao selecioná-los assim cria-se o movimento que deseja. De grosso
modo é necessário esculpir digitalmente todos os objetos e personagens da
46

animação. Posteriormente, criar o rigging (controlador) que funciona como uma


espécie de esqueleto digital para tudo que foi modelado e que precisarem de
animação para depois começar a fazer a animação da cena. Assim, o animador 3D
move os controladores como se fossem um tipo de boneco e o computador é
responsável por fazer o preenchimento entre os frames principais
(intervalos/inbetweens). Porém, após essa etapa de produção, é necessário inserções
de novas etapas, como as etapas de iluminação – luzes e sombras na cena, e, render,
que é o processo de salvar cada imagem, para, aí sim, termos a cena finalizada.

2.2.2.7.3. Motion Graphics

Este recurso dá movimento a elementos gráficos por meio de animação. É uma


técnica que une princípios de design gráfico e audiovisual. Como o próprio nome diz,
é gráfico em movimento na tela e no decorrer do tempo.

Embora esteja mais atrelado à animação digita, está recente, sua origem tem raízes
há algum tempo. Saul Bass (1920-1996), considerado por muitos o precursor da
técnica, inovou ao tornar os créditos finais e iniciais dos filmes numa grande parte da
experiência de cinematográfica. “Vertigo” (“Um corpo que cai”) em 1958 de Alfred
Hitchcock, Bass criou uma sequência de créditos dinâmicos (Figura 29). Não só
deixou esteticamente mais agradável como deu uma nova maneira de reforçar a
narrativa, mostrando como os títulos poderiam reforçar a mensagem do filme.

Figura 29 - Abertura do filme Vertigo.

Fonte: VERTIGO. Direção: Alfred Hitchcook, Estados Unidos: Paramount Pictures; Universal Pictures.
1958. 128 min. Cor. Youtube Premium.

Essas obras tiveram então um grande impacto em Hollywood e no cinema como um


todo. Afinal, os créditos deixaram de ser só um informativo acerca de questões legais
47

e burocráticas dos filmes. Passaram então a ser espaços de experimento, e mais que
isso, de definição da temática e estéticas das obras cinematográficas.

Posteriormente, a técnica ainda usada, é referência para grandes obras


cinematográficas como na saga Star Wars, do diretor estadunidense George Lucas
12que revolucionou o cinema com suas habilidades de efeitos especiais usando o Stop
Motion.

12 É um produtor cinematográfico, roteirista e diretor de cinema americano. Mundialmente famoso como


criador das franquias Star Wars e Indiana Jones. Disponível em: <
https://www.imdb.com/name/nm0000184/>. Acesso em 08 de novembro de 2022.
48

3. CONCEPT ART

A Concept Art ou arte de conceito ganhou muito espaço nas últimas duas décadas,
uma vez que foi percebido que o valor do artista de Concept Art durante o processo
de produções de jogos, publicidade, e, finalmente, no audiovisual é algo
indispensável, já que o artista de Concept é alguém que resolve problemas de maneira
visual dentro da produção, ou seja, gera opções visuais para assim resolver
problemas que surgem na construção de personagens, cenários e objetos de cena. É
uma etapa de pré-produção que é fundamental para criar uma obra concisa,
homogênea e coesa e que de alguma forma, consiga causar identificação a quem
consome.

3.1. APROXIMAÇÃO AO TERMO E PAPEL DA CONCEPT ART

Para a criação de qualquer animação, há um intenso trabalho de pré-produção. São


milhares de desenhos que juntos dão essa ilusão ótica que chamamos de movimento.
Com isso, o desenho é essencial para que aconteça, este, é uma ferramenta
fundamental para qualquer artista, em qualquer meio que sua arte se materialize. O
domínio do desenho e seus fundamentos são indissociáveis ao artista animador.

“[...]Eles estudaram desenho de linha, treinamento em Holbein, Degas,


Daumier, Da Vinci; eles observavam as cortinas em movimento, notando a
diferença entre lenços transparentes, lenços de lã saias, capas esvoaçantes
e até calças largas; eles aprenderam o valor de um afiado, a nítida linha
contra uma forma grande e macia; eles sabiam como manter um design no
fluxo livre e alterar as formas de animação em vez de fazer uma cópia rígida.
quanto os desenhos. (STANCHFIELD, Walt. In: Gesture of Animation. 2018.
P. 11. Tradução nossa).

Em parte, transpor o que está na cabeça, e também no coração, e colocar essas ideias
em um pedaço de papel é um processo importante para que impasses aconteçam. É
uma forma de pensar: “era isso que eu tinha na cabeça. Ou não.”. Isso acaba trazendo
outra ideia que pode surgir novas indagações: “Se eu fizer isso, posso então ajustar
isto...”. Na animação não é um processo diferente. A comunicação inclusive é muito
importante, pois, se tenta comunicar as ações e emoções dos personagens para quem
está assistindo. Jin Kim, Character Designer dos Walt Disney Animation Studios
menciona:

“Se tem uma coisa que me faz viver esse processo, é meu amor por
desenhar. Se você não ama desenhar, não pode fazer esse trabalho. Todo
49

dia você tem que produzir vários desenhos. [...] eu acho que isso que me fez
continuar.”.13(KIM, 2022).

Este processo de vários desenhos para que enfim, a ideia original se materialize de
forma mais madura, ou até se torne outra coisa do que foi pensado, é primordial para
a confecção de uma obra de animação ou arte de meios digitais. É um processo da
pré-produção na qual chamamos de Concept Art.

Uma coisa que se encaixa em várias áreas diferentes na animação em especial, é a


ideia de sinceridade e credibilidade. Porque obviamente os artistas não lidam de fato
com a realidade. O “Bambi” 14 não é um cervo de verdade, mas o Bambi e um cervo
crível. A “Ariel”15 é muito convincente como sereia. Os personagens criados precisam
ser verossímeis e isso é o que faz o artista de Concept ser fundamental numa
produção. É esse artista que mergulha fundo nas emoções e características dos
personagens, trazendo verdade e credibilidade para a produção.

Para que estes impasses aconteçam, todo artista animador deve pelo menos manter
um caderno de artista ou sketchbook para “desenhar, desenhar e desenhar da vida
ao seu redor a cada oportunidade possível!” (WHITE, 2009). O uso dos sketchbooks
nas artes já é algo discutido e observado nas artes plásticas, sobretudo na
contemporaneidade e da mesma forma, os artistas de animação o também usam. O
sketchbook do artista funciona como um registro de reflexões, esboços, anotações
diversas sobre suas produções. Para o pesquisador e professor, Paulo Silveira o livro
de artista “é o livro em que o artista é autor e livro-obra é a obra de arte dependente
da estrutura de um livro”. (SILVEIRA,2001, p. 47).

Sobre o termo Concept Art, a percepção pública do que significa é severamente


distorcida. Muitas vezes sua definição está atrelada a uma forma de ilustração onde o
objetivo principal é transmitir uma representação visual de um design, ideia e/ou

13 KIM Jin. PETER PAN/CAPITÃO GANCHO. (temporada 1, ep. 4). Do esboço à realidade
[Documentário]. Direção: Leanne Dare, Andrew McAllister, Jason Sterman. Produção: Walt Disney
Animation Studios. Estados Unidos: Walt Disney Company, 2022. Disney Plus. son., color.
14BAMBI. Direção: James Algar, Samuel Armstrong, David Hand. Produção: Walt Disney. Estados
Unidos: RKO Radio Pictures, 1942. Disney Plus. Color. 70 min.
15A PEQUENA SEREIA. Direção: Ron Clements, John Musker. Produção: Walt Disney Feature
Animation. Estados Unidos: Walt Disney Studios, 1989. Disney Plus. Color. 83 min.
50

humor para uso na indústria de entretenimento audiovisual antes de ser produto final.
Embora este conceito não esteja tecnicamente errado, este ignora a maior parte do
trabalho de um artista de Concept que é mostrado como rascunhos, mas revelam-se
uma série de fatores ocultos que orbitam dentro do termo. Apenas uma fração do que
os artistas de Concept pintam mais tarde é usada como material de referência para a
produção. Anhut (2014) diz que “Construir um universo é um grande empreendimento
e incorporar a visão de todos os envolvidos significa produzir grandes volumes de
designs”. O autor ainda menciona:

Para cada folha de modelo final, há toneladas e toneladas de arte de


exploração, maquetes, coleções de referência, esboços em miniatura,
pinturas rápidas, variações, iterações e designs rejeitados. Não importa o
quão habilidoso seja um Concept Artist, ele ou ela geralmente criará mais
cestas de papel do que projetos que realmente são colocados no produto
final. (ANHUT, 2014, tradução nossa).

A ilustradora e Concept Artist Patrícia Kelen Takahashi, no seu artigo proposto para
X Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital em Salvador/Bahia, diz que:

O Concept Art, pode ser considerado como representações visuais que


buscam a materialização de conceitos idealizados para a indústria de
entretenimento (como filmes de animação, ação livre e jogos eletrônicos), de
forma a auxiliar de forma relevante no desenvolvimento dos projetos, pois
acelera e torna mais coesa a produção, tornando possível incorporar, alterar
e interagir visualmente com as ideias propostas.”. (TAKAHASHI, 2011, p. 1.).

O Concept Artist Luiz Celestino16, que já trabalhou para a Netflix na série “3%” (2016),
em seu blog “Brushworkatelier”, em referência a Feng Zhu17, escreve:

[...] segundo Feng, Concept Art/Concept Design não é o que VOCÊ quer
fazer, e sim o que seu CLIENTE quer que você faça! Você não é pago para
sentar no computador e desenhar o que você quer, você é pago para resolver
um problema e entregar para tal uma representação visual. (CELESTINO,
2016).

Ou seja, com base nestas colocações, Concept Arts são desenhos e/ou pinturas
elaborados com o intuito de desenvolver o conceito de algum elemento que estará
presente numa obra de meio audiovisual, seja um jogo, uma animação, ou uma

16 Pesquisador e Concept artist, fundador do site e grupo de pesquisa sobre Concept Art
“Brushworkatelier” – onde compartilha sobre artistas e estudos sobre o universo e produção de Concept
Art. É um dos pioneiros no Brasil na pesquisa deste campo.
17Feng Zhu é Concept artist e já trabalhou na empresa Blizzard e filmes da franquia Star Wars. Hoje é
fundador da FZD, a maior escola de artes digitais da Ásia voltada ao entretenimento.
51

história em quadrinhos, desenvolvidos por artistas capacitados com o propósito de


transmitir ideais para atender seus respectivos clientes ou projetos audiovisuais em
questão. Além disso, o termo é dotado de variantes que constituem sua grandeza e
corroboram para o seu propósito. São elas: Design de personagens (Character
Design); Design de criaturas (Creature Design); Design de cenários e/ou ambientes
(Environment Design), Design de veículos (Vehicle Design) e Design de objetos e
adereços (Props Design)18. Na figura 30 há um exemplo do processo de construção
de um personagem, desde ao seu Concept Art até a colorização e renderização do
personagem.

Figura 30 - Concept Art do Character Design James Paick 19para portfolio.

Fonte: JAMES PAICK ART. More sketch to final process shots. 02 de outubro de 2018. Instagram:
@jamespaickart. Disponível em https://www.instagram.com/p/BodGedAh8mY/. Acesso em: 14 de
julho de 2022.

Uma coisa interessante de mencionar é o fato de o Concept Art ser comumente


associado ou confundido com a ilustração. Sobre a ilustração, esta é produzida
pensando em ser apresentada por si só, já os Concepts são desenvolvidos pensando
num produto final:

Isso significa que o produto final de uma ilustração será ela, já produzido e
finalizado. Já o de um Concept, de um personagem em uma animação 3D,

18Não existe uma regra exata em relação aos nomes dessas áreas que constituem o universo da
Concept Art, isso varia entre as instituições e estúdios, porém existem três vertentes que sempre
aparecem e são elas: Character design, Environment design e Prop design. CONCEPT ART EMPIRE.
“Characters, Props or Environments: Picking a Concept Art Specialty”. 2016. Disponível em:
<https://conceptartempire.com/picking-a-concept-art-specialty/>. Acesso em: 13 de julho de 2022.
19James Paick, é um artista renomado por trabalhos em jogos como Uncharted 2, Prey 2, The Last of
Us, Tomb Raider e Guild Wars 3.
52

por exemplo, será o resultado de todo o desenvolvimento dele renderizado.


(EIKO, 2020.).

Figura 31 – Concept Art do jogo eletrônico The Last Of Us Part II (Cena da luta final).

Fonte: The Last of Us Part II Art Gallery: Ellie and Abby Final Battle Artt. Disponível em:
<https://www.creativeuncut.com/gallery-38/tlou2-ellie-and-abby-final-battle.html>. Acesso em: 14 de
julho de 2022.

Figura 32 – Frame da cena da luta final do jogo eletrônico Last Of Us Part II.

Fonte: THE LAST of Us: Part II. Naughty Dog, LLC. Sony Interactive Entertainment, 2020. Jogo
eletrônico.

Na Figura 31, disponível no livro The Art of the Last of Us Part II Deluxe Edition (2020),
a Concept Art da artista Ashley Swidowsk20 relata a última cena de confronto do jogo

20Renomada diretora de arte e Character Design da Naughty Dog Studios, responsável por diversos
personagens da franquia Last Of Us, como a protagonista e a antagonista, além de outros projetos
como Silent Hill 3 e 4.
53

eletrônico Last Of Us Part II21, contextualizando, se passa no momento na qual as


duas garotas se enfrentam em uma batalha definitiva de vingança, e só quando Ellie
– a protagonista e personagem no primeiro plano, começa a afogar Abby (segundo
plano) sob as ondas, logo, ela sente a futilidade desta matança. Ellie libera Abby e
esta sai de cena enquanto Ellie chora na praia. Na Concept Art há umas diferenças
com a renderização final (Figura 32), como por exemplo os cabelos da personagem
Abby que são longos e sua camiseta de manga comprida, além da questão do ângulo
mostrado, inicialmente seria um plano geral mostrando de forma completa as duas
personagens, mas na ilustração final definiram em criar um plano detalhe da
protagonista para criar aproximação do jogador com a cena, além de mudanças sutis
em cabelo e roupas. Detalhes que são debatidos durante a produção juntamente com
a equipe de animação. Porém, o detalhe do sangramento da mão esquerda da Ellie
era algo estabelecido desde o Concept, mostrando que determinadas questões estão
pré-determinadas.

O que é curioso é que mesmo se tratando de áreas distintas no campo da produção


de imagem, a questão terminológica acontece de forma subjetiva pois, segundo
Celestino (2016), que faz menção a trajetória de Feng Zhu para evidenciar
historicamente o processo de difusão do termo Concept Art, não havia distinção entre
ilustradores e Concept Artist em uma produção audiovisual: “Quando Feng começou,
quase 20 anos atrás, na Origin Systems [...] o título de Concept Artist era bem raro.
Dos 400 funcionários que a empresa possuía na época, ele foi o primeiro com esta
titulação.”. O autor nos diz que criar os Concept Arts era destinado aos desenhistas
que mais se destacavam dentro dos estúdios, além de ter sido algo restrito às grandes
corporações de audiovisual. Ele completa dizendo:

A maioria dos estúdios utilizava quem desenhava melhor para fazê-lo. Nesta
época quase não existiam jogos 3D, então como o processo era
bidimensional você tinha vários funcionários na equipe que sabiam desenhar,
então buscava aqueles com um bom design e viravam seus Concept
Designers. (CELESTINO, 2016).

21The Last of Us Part II é um jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido pela Naughty Dog e
publicado pela Sony Interactive Entertainment. É o segundo jogo da franquia, lançado em 2020, The
Last of Us Part II detém o recorde de mais prêmios de Jogo do Ano de todos os tempos.
54

Porém, de acordo com a plataforma digital “Nuts Computer Graphics”: “ao contrário
do que muitos ilustradores pensam, a Concept Art não é de forma alguma uma
especialização recente.”. No texto entende-se que podemos encontrar o
desenvolvimento da Concept Art há mais de um século, na preparação de filmes de
animação.

Muitos artistas e ilustradores se especializaram gradualmente na criação


desse tipo de Sketch22, que estúdios de animação como Walter Lantz
Productions23 e Fleischer Studios24 começaram a usar constantemente
desde a década de 1920. Uma década depois, nasceram os storyboards25,
inventados pela Walt Disney Company. [...] roteiros visuais reais que teriam
guiado a produção posterior do desenho animado. Com o tempo, essas
visualizações gráficas evoluíram para o chamado Animatic26, com um visual
igualmente bruto e primitivo (que muitas vezes é uma característica da
Concept Art), mas que também aplica edição, música e às vezes até
movimentos. (NUTS COMPUTER GRAPHICS, 2018. tradução nossa).

Embora a Concept Art exista como efetivamente um processo anterior ao processo


de produção, na forma de materializar o processo pensado, desde o início do século
XX, de certa forma, a perpetuação do termo Concept Art da maneira que o
conhecemos hoje, ocorre em meio a imersão dos meios de comunicação em massa.
O fato de que as redes sociais existirem não só implica em mudar o que fazemos, mas
também quem somos. Luiz Celestino (2016), usando o recorte da produção de jogos
eletrônicos em seu blog, menciona:

22Em tradução livre, sketch significa esboço — ou seja, qualquer trabalho ou obra em estado inicial.
Também pode ser definido como rudimento ou noção inicial de alguma coisa.
23 Foi um estúdio de animação norte-americano, que funcionou de 1928 a 1973 e que foi o principal
fornecedor de desenhos animados para a Universal Studios, agora parte da NBC Universal. Disponível
em: < https://walterlantz.fandom.com/wiki/Walter_Lantz_Productions>. Acesso em 13 de julho de 2022.
24Foi uma corporação em Nova Iorque e fundada em 1921 com o nome de Inkwell Studios pelos irmãos
Max Fleischer e Dave Fleischer e comprada pela Paramount Pictures em 1942, e foi uma forte
concorrente da Walt Disney Productions, com seus personagens em desenho animado, dos quais os
mais conhecidos são Betty Boop, Popeye e Superman. Disponível em: <
https://www.fleischerstudios.com/>. Acesso em 13 de julho de 2022.
25Série de ilustrações ou imagens arranjadas, com uma sequência cronológica, feitas com o objetivo
de pré-visualizar a mídia audiovisual. Ele deve interpretar o roteiro já produzido e organizá-lo em uma
narrativa visual. Disponível em: < https://revospace.com.br/artigo/o-que-e-um-storyboard/ >. Acesso em
13 de julho de 2022.
26 Marca as principais passagens da história e a gradatividade/ritmo das cenas. Disponível em: <
https://boords.com/animatic/what-is-the-definition-of-an-animatic-storyboard>. Acesso em 13 de julho
de 2022.
55

Após 2010, os jogos começaram a ganhar muita exposição[...] estavam em


todos os lugares, internet, Youtube, tv, etc. Milhões de pessoas começaram
a falar de vídeo games, algo que simplesmente não existia. [...] Muitas
pessoas se questionam então "vídeo games são legais, eu gosto de jogar,
quero trabalhar com isso também". Eles começam então a mapear as
diferentes oportunidades de trabalho na área e veem uma gama enorme que
inclui modelagem 3D, texturização, animação, VFX, programação, som,
Game Design e Concept Art, dentre muitos outros. Neste momento, muitos
tendem a escolher Concept Art porque para o mundo externo parece ser
muito divertido e até mesmo "fácil" [...] O que quem entende um pouco mais
sabe que não está nem perto de ser verdade. Este trabalho é tão difícil quanto
qualquer outra coisa dentro de uma produção. (CELESTINO, 2016).

A chegada e a expansão da internet trouxeram consigo a promessa do contato e as


redes sociais e o avanço dos meios de comunicação em massa acabaram
aproximando as relações entre as detentoras das produções audiovisuais e o público
consumidor de forma jamais vista até então. Embora a prática esteja atrelada ainda
na década de 1920, podemos considerar que Concept Art é um termo recente. Foi
somente a partir no século XXI, principalmente após 2010 com o advento da
popularização das redes sociais, que o termo se concretizou dentro do meio de
produção audiovisual. Sendo assim, é possível dizer que tanto a animação quanto os
jogos eletrônicos foram relevantes para a consolidação da Concept Art como
conhecemos atualmente.

No contexto apresentado, a Concept Art oferece, para o artista, uma condição


interessante para estabelecer diálogos com suas ideias através da imagem na medida
que elas vão surgindo, a partir de uma interlocução com os materiais, o suporte, a
memória ou referências, e o momento presente. Isto, caracteriza um processo de
descoberta e construção da figura idealizada. Nas seções deste processo ocorrem
diálogos que buscam, através do fazer, descobrir acontecimentos plásticos e
emocionais e, assim, constituir as figuras e materializar suas percepções.

3.2. TIPOS DE CONCEPT ART

De forma geral, o termo e seu universo, por ser recente e pouco estudado no meio
acadêmico, ainda há divergências entre as instituições e os estúdios que os usam,
então não há uma maneira regular ou formal de definições exatas de suas áreas e
subáreas de especificação. Dentro da Concept Art existem vertentes que possuem
muitos nomes. Durante o processo de investigação é possível encontrar sites e livros
que dividem em três e outros estendem as definições como: Vehicles Design, Creature
56

Design, Gun Design e outros, como é o caso da escola Revolution27. Contudo, aqui
recortará para as áreas mais comumente encontradas, que são Character,
Environment e Prop Design – que dentro delas, acabam englobando as demais.

Algo interessante para mencionar é que, independentemente da área dividida, a


Concept Art – em sentido amplo, está intimamente ligada ao processo criativo e é nele
que acontecem embates instigantes. Na medida em que há uma convergência de
percepções e enfrentamentos, apesar de potencializar as diferenças individuais,
também exacerba as semelhanças. É um canal importante para vivenciar e ritualizar
esse processo intenso de produção. Desse modo, a Concept Art, está intimamente
ligada ao indivíduo e seu estar no mundo, seja real ou não.

3.2.1. Design de personagens (Character design)

No documentário Do esboço à realidade (2022), o Character Designer Jin Kim, que


trabalha na Walt Disney Animations Studios, responsável pelo personagem Capitão
Gancho, diz que: “pra você desenhar o personagem, aprendi que não deve desenhar
o que eles fazem e sim desenhar o que eles pensam. As vezes as pessoas agem de
uma forma, mas estão pensando de outra.’’. Então mais do que criar ou desenhar
alguma coisa, o design de personagens tem o poder de criar narrativas, crenças,
expectativas e reações do público quanto aos aspectos formais, físicos e de caráter
de suas criações. Isso é bem interessante já que é uma área muito consolidada e
mundialmente conhecida pela criação de personagens. As questões abordadas aqui
devem retratar o tipo físico o que inclui traços marcantes de etnia, culturais, biotipo
entre outras características, o que exige de forma avançado o domínio dos
conhecimentos de anatomia e naturalidade do movimento, expressões faciais,
desenho de observação da figura humana, além de entender, precisa saber sua
desconstrução para transformar em variantes estilizações, como no caso de
personagens cyberpunks, criaturas antropomórficas e caricaturas. Ainda, o design de
personagem também é responsável pela criação da personalidade, a cultura, e até
mesmo a função dentro da história. Mark Henn, animador da Walt Disney Animations
Studios há mais de 40 anos e responsável por grandes sucessos de animação como

27 Instituição de Ensino de Arte Digital Revolution é uma escola de artes digitais localizada em Curitiba.
57

por exemplo O Rei Leão (1994), conta em entrevista cedida ao documentário “Do
esboço à realidade (2022)”, produzido pela Walt Disney Company, sua experiência ao
criar o “Simba” e especificamente, a cena na qual ele perde o pai:

No filme “Rei Leão”, a cena da morte do Mufasa, o Simba desce, olha em


volta e procura pelo pai. E então ele o vê. Esse é o pior momento para o
Simba no filme, e bom, esse é o tipo de coisa que um ator almeja. Trazendo
o que acontece no início do filme, quando você vê pela primeira vez o Simba
e Mufasa juntos, ele chega saltando em cima do pai, puxando a orelha dele,
e dizendo” vamos pai, pai, pai, pai, pai!”, então tínhamos que ter essa base
preparada, pra quando ele tentasse reanimar o pai. E lá ele está puxando a
orelha dele e nada acontece. Bate um vazio no peito, e isso corta o nosso
coração. Para um animador, um ator com lápis, isso é ouro. Mas também é
um desafio, poderia ter estragado tudo, precisava ser verossímil e genuíno
que esse filhote pensasse que era responsável pela morte do seu pai e ele
nunca lidou com nada do tipo e agora de uma hora pra outra precisava
encarar. (HENN. 2022).

Figura 33 e 34 – Concept Arts da cena da morte do Mufasa com o Simba

Fonte: SCURVIES DISNEY BLOG – Disponível em:


<https://scurviesdisneyblog.tumblr.com/post/186047207923/in-honor-of-the-lion-king-movie-being-
released>. Acesso em: 14 jul. 2022.

As Figuras 33 e 34 mostram as Concepts Art de uma cena do filme Rei Leão (1994),
28uma das melhores animações de todos os tempos e também, uma das cenas mais
impactantes da história do cinema. A morte de Mufasa (pai do Simba) arrancou
lágrimas de todo mundo. Foi a primeira morte em uma produção da Disney. Antes
houve filmes em que o assunto estava presente, como em Bambi, mas a plateia nunca
tinha visto o personagem morrer assim. O momento retratado, é justamente quando
Simba tenta reanimar o pai. Posteriormente, percebendo que nada acontece, Simba,
começa a chorar sob o braço de seu pai morto. O que mais importava aqui era como

28
REI LEÃO. Direção: Roger Allers, Rob Minkoff. Produção: Walt Disney Feature Animation, Walt
Disney Pictures. Estados Unidos: Buena Vista Pictures, 1994. Disney Plus. Color. 89 min.
58

demostrar todos esses sentimentos de Simba. A expressão de alerta e desespero na


Figura 34 retrata bem como a cena seria construída.

As imagens detalham visualmente o que o redator Marcos Torres diz em seu blog:
“Quando construímos um personagem devemos ter em mente que não estamos
apenas fazendo uma ilustração, mas querendo dar vida à um ser imaginário, assim o
processo de criação pode ser bem mais metódico e detalhado.” (2017). Com isso, há
um longo processo de criação, e assim como em qualquer outro processo possui
algumas etapas fundamentais em seu desenvolvimento: Briefing, Thumbnails,
Silhuetas e Model sheet.

3.2.1.1. Briefing

Mais comumente utilizada no campo do design, o briefing é uma série de perguntas


vitais para o projeto, na qual define-se e conhece-se as características gerais do
personagem em questão, identificando os possíveis problemas em desenvolvê-las e
resolvendo. Aqui a parte da pesquisa de material é essencial assim como saber utilizá-
la. Segundo Seegmiller (2008, p.22.), uma das mais importantes habilidades do artista
seria a capacidade de discernir informações úteis e inspiradoras em prol do design do
personagem. Posteriormente, a etapa mais difícil no momento criativo é adquirir a
ideia básica inicial do personagem. Para isso, o uso dos sketchs são fundamentais
para entender a ideia inicial e discernir a direção correta. São nos sketchbooks que o
artista é livre para criar, anotar ou desenvolver a ideia. Ali é onde o desenvolvimento
floresce, e onde também ideias são projetadas de forma livre.

Sketching não só transfere nossos pensamentos para o papel para que


possamos consultá-los posteriormente, como o processo persistente do
desenho também melhora nossa habilidade de representar ideias com
clareza. Estimula a coordenação mão-cérebro e, finalmente, torna-se tão
natural quanto escrever os nossos nomes. Desenhando a partir da
imaginação e do mundo real é igualmente importante - até mesmo na arte de
fantasia, o mais realista dos personagens, objetos e fundos, maior o impacto
da fantasia. Leve um sketchbook com você todas as vezes, e tentar gravar
notas visuais nele sempre que puder. (LIPPINCOTT 2007 apud TAKAHASHI,
ANDREO; 2011, p. 21).

Todos os trabalhos desenvolvidos no sketchbook são para entender como funcionam


as ideias do projeto e o que o artista conseguiu materializar. É como uma pasta de
ideias e inspirações que faz parte durante todo o projeto e também, da vida do artista.
59

Nenhum desenho é apagado, o sketchbook traz consigo apenas testes e um


compilado de inspirações que auxilia num processo de Concept.

3.2.1.2. Thumbnails

São pequenos esboços que abrangem o personagem de forma geral, como revela a
Figura 35.

Figura 35 – Thumbnails da personagem Ellie de The Last Of Us Part II.

Fonte: Naughty Dog Studios. The Art of the Last of Us Part II Deluxe Edition. United States of
America: Dark Horse Books. 1ª ed. 2020. p.19.

O objetivo é captar a essência do personagem com o mínimo de informação possível.


Seu propósito também é traçar a forma geral do personagem e fazer vários modelos
com o objetivo de pré-seleção para futuros rascunhos e estabelecendo uma visão
macro.

3.2.1.3. Silhuetas

Outra etapa de extrema importância é silhueta do personagem. Raynes & Raynes


(2000. p. 16) sugerem que:
60

[...] desenho da silhueta é uma das habilidades mais importantes que um


artista precisa desenvolver, pois, sem fixar-se de antemão em áreas restritas
como os olhos ou o rosto, permite que se pense a forma de maneira integral.
Se a figura consegue se sustentar por si própria, então o design do
personagem será mais bem sucedido. (RAYNES, RAYNES, 2000, p. 16.
Tradução nossa).

Seu propósito é que o personagem seja identificado com o mínimo de elementos


possíveis. Esse exercício propõe um aumento na capacidade de desenvolver um
personagem que seja facilmente reconhecível e permite que o artista se concentre em
um aspecto de produção por vez. Um exemplo disto está na Figura 36, que compila
diversas silhuetas de personagens já conhecidos na indústria da animação.

Figura 36 – Silhueta de diversos personagens.

Fonte : Z- DESIGNS. Cartoon Silhouettes Font. 2011. Disponível em : <


https://characterdesignreferences.com/visual-library-2/character-design-silhouette>. Acesso em: 14
jul. 2022.

3.2.1.4. Model sheet.

O Model sheet ou Folha Modelo do personagem consiste em uma etapa para


desenvolver o personagem para visualização de diferentes ângulos e também para
indicação de vestimentas e acessórios, além de enfatizar gestos e atitudes de um
personagem animado. É a etapa para que tudo o que foi previamente estabelecido
possa ser visualmente compreendido pelo restante da equipe do projeto em questão.
Geralmente não são de domínio público, os direitos autorais são de propriedade do
estúdio ou do criador.
61

Figura 37 – Model sheet da Princesa Mulan de Mark Henn.

Fonte: SOLOMON, Charles. A Disney Sketchbook: Introduction 201. United States of America:
Disney Editions. 2012.p.124.

Na Concept Art da Figura 37 da princesa Mulan do filme “Mulan” (Walt Disney Feature
Animation e Walt Disney Pictures, 1998), o artista Mark Henn constrói um Model sheet
de busto, enfatizando as expressões da personagem. Na imagem é possível
compreender as características físicas do rosto. A personagem estava submersa na
água e está subindo a superfície. No modelo percebe-se o balançar do cabelo e sua
interação com a água. É o objetivo do Model sheet compreender a estrutura do
personagem para que os trabalhos posteriores, como modelagem 3D e a ilustração
consigam entender ao máximo possível o conceito desenvolvido previamente.

3.2.2. Design de cenários (Environment design)

Não é recente que artistas em diversas áreas possuem interesse em reproduzir, reler
ou criar cenários. Estes, quando bem executados, proporcionam experiências
inesquecíveis. O trabalho não se resume apenas aos elementos físicos e exige um
planejamento detalhado e muito bem adequado ao local de realização e tema da obra.
Como o próprio nome já diz, esta é a categoria que cuida do desenvolvimento de
cenários e ambientações, criando cidades, construções e paisagens de acordo com a
realidade da história, incluindo cenários internos como cômodos de uma casa,
estabelecimentos e etc., ou seja, tudo o que envolve a ambientação do projeto
audiovisual. Para que isto aconteça, é imprescindível que o design de cenários tenha
conhecimentos sólidos sobre perspectiva, composição, desenho espacial e
62

referências visuais acerca de lugares, objetos, fenômenos naturais, dentre outros.


Sobre as referências, deve haver uma profunda pesquisa após estabelecido como
será a ambientação e o período do projeto.

Também precisam ser rápidos com suas obras de arte. É crucial que o artista possa
trabalhar com qualquer tipo de ambiente, seja ele real ou não. Muitas vezes a
ambientação se baseia em uma fantasia, como planetas ou galáxias, por exemplo. O
trabalho desse artista é muitas vezes imaginar mundos que não existem e torná-los
realidade, e isso requer muito mais do que fundamentos de arte.

Thiago Klafke29, artista e criador de cenários da Blizzard Entertainment, compartilhou


algumas de suas opiniões:

Acredito que o objetivo de um artista de cenários e ambientes virtuais é


transportar temporariamente o usuário para dentro de uma realidade outra.
Um ambiente bem articulado tem o poder de transmitir uma série de
sentimentos e emoções. [...] Porque ao projetar estes cenários, estamos
dando forma a um mundo de ficção, e isso nos dá total liberdade para projetar
estes espaços de uma forma que potencialize a narrativa que queremos
construir. Podemos mudar as coisas de lugar, projetar edifícios e estruturas
impossíveis, compondo sequências espaciais que não necessariamente
fazem sentido, mas são capazes de transmitir a sensação exata que
queremos despertar no usuário. Entretanto, este poder ilimitado que nos é
outorgado pode ser uma faca de dois gumes, isso significa que se formos
longe demais e nos afastarmos muito da realidade como ela é, todo o encanto
será perdido. (KLAIFKE, 2020).

Figura 38– Montagem do processo de construção de cenário de “The Cube Challenge”.

Fonte: KLAFKE, Thiago. Making of DM_Zest. 2020. Disponivel em:


<https://www.thiagoklafke.com/tutorials/making-of-dm_zest/>. Acesso em: 14 jul. 2022.

Na Figura 38 mostra detalhes em forma digital de um cenário produzido por Thiago.


Os planos e as diferentes texturas dos materiais são questões já abordadas acima,
inclusive a composição da cena. Sobre a figura 38, o próprio diz:

29Thiago Klafke é um artista de Concept de cenários muito consolidado no mundo. Seus trabalhos são
reconhecidos mundialmente e atuou nos principais estúdios de desenvolvimento de jogos eletrônicos
como a Blizzard, Lightspeed e Ubisoft de São Paulo.
63

Essas estruturas verticais não fariam muito sentido na vida real, mas essa é
a graça de ser um artista 3D: você pode usar sua imaginação e ter geometria
abstrata em seus trabalhos que as pessoas geralmente nem se incomodam
com isso. Claro que tudo isso é subjetivo e aberto à discussão, mas se você
quiser estudar mais sobre esse assunto, recomendo ler sobre os Princípios
da Gestalt de Percepção Visual. Aqui está um bom ponto de partida.
(KLAFKE, 2020. Tradução nossa).

Ou seja, o artista precisa entender objetos básicos como plantas, animais, natureza e
geologia, não a um nível científico, mas o mais genuíno possível. O cenário precisa
interagir com o personagem, ele também precisa demostrar as emoções, os exageros
e a clareza da jornada. Dentre os princípios indispensáveis, estão a criação de
thumbnail, composição, estudos de valores, formas e técnicas digitais da pintura.
Esses princípios servirão de alicerce para criação dos mais variados tipos de cenários
com diferentes contextos contando as mais diferentes estórias.

Os thumbnails também são importantes para esta etapa, porém aqui há alguns
elementos a mais para serem considerados como são a perspectiva e a justaposição
de elementos. Para isso, são possuídos muitos thumbnails do mesmo local com
perspectivas e relações de massas diferentes para explorar possibilidades. Assim,
selecionando os thumbnails que mais se destacarem, começa a construção da
imagem explorando melhor a perspectiva e as formas para posteriormente adicionar
questões de luminosidade, escalonando seus valores e cores.

A Figura 39 detalha o que foi apresentado. É quando a nave sobrevoa uma


determinada região no filme Star Wars: The Rise Of Skywalker (2019).30Percebe-se
vários ângulos da mesma região: o primeiro quadro da esquerda apresenta uma visão
de primeira pessoa da região que a nave irá sobrevoar, num voo baixo; na segunda
imagem da esquerda, muda-se a perspectiva e mostra um plano aberto com ângulo
de cima para baixo, na qual pode-se visualizar a nave em sua totalidade na parte de
cima e a região vista também pelo mesmo ângulo. A primeira imagem da direita, a
mesma região que as anteriores, porém sobrevoando mais alto e numa visão de
terceira pessoa, num plano geral, na qual podemos visualizar a parte de trás da nave
com a sensação de que ela está chegando em determinado local; já na segunda

30
STAR WARS: The Rise Of Skywalker. Direção: J. J. Abrams. Produção: Lucasfilm Ltd., Bad Robot
Productions. Estados Unidos: Walt Disney Studios, Motion Pictures. 2019. Disney Plus. Color. 142 min.
64

imagem da direita, vemos que a nave no mesmo plano só que desta vez a nave está
mais distante do observador, dando a sensação de que ela sumirá no horizonte.

Figura 39– Thumbnails cena nave “millennium falcon” em Star Wars: The rise of Skywalker.

Fonte: SAUNDERS, Phil. THE ART OF STAR WARS: the rise of Skywalker.2019 [?]. Disponível em: <
https://www.iamag.co/the-art-of-star-wars-the-rise-of-skywalker-by-phil-saunders/>. Acesso em: 14 jul.
2022.

3.2.3. Design de acessórios/objetos (prop design)

Esta, provavelmente, é uma das categorias mais abrangentes dentro da área de


Concept Art. O design de acessórios, como o artista é chamado, tem como função
desenvolver todos os objetos que fazem parte do universo que está sendo trabalhado.
Isso pode ir desde itens de decoração, até armadura e armas por exemplo.

Assim como nas outras áreas que constituem a Concept Art, aqui também se aplicam
os conhecimentos avançados e plenos nos fundamentos da arte. O design de
adereços precisa ter em mente que esses conhecimentos são essenciais para
desenvolver elementos de qualquer ângulo e perspectiva. Além, precisa sempre
atualizar seu repertorio de referências visuais, consumindo conteúdos visuais em suas
diversas formas, como filmes ou qualquer conteúdo audiovisual, exposições de arte,
livros e revistas, fazendo viagens e investigações, pois, uma coisa que é corriqueira
no dia-a-dia do design de adereços é o fato de poder enfrentar desafios na construção
do projeto, como, por exemplo, construir utensílios para uma cozinha no estilo
vitoriano em uma mansão abandonada para uma animação de terror, ou desenvolver
equipamentos para uma sala de máquinas em uma nave espacial alienígena.
65

Todos os grandes artistas aprendem a estudar com a vida e se inspiram em


coisas reais. A história é uma grande professora. Mas o mundo real também
é. Faça uma viagem para museus e passeios de casas antigas. Traga um
caderno de desenho e desenhe qualquer coisa que chame sua atenção.
Quanto mais você desenhar, mais você construirá uma biblioteca visual de
novas ideias. (CONCEPT ART EMPIRE, op. cit., tradução nossa).

Outro fator que deve estar presente no processo criativo do design de adereços é o
objetivo de construir muitas e variadas opções de acessórios para os projetos. No livro
“The Skillful Huntsman: Visual Development of a Grimm Tale at Art Center College of
Design”, reúne a documentação de quatro grandes artistas: Scott Robertson31, Khang
Le32, Mike Yamada 33e Felix Yoon34. A Figura 40 detalha o que foi mencionado:

Figura 40 - Processo de produção de objetos em The Skillful Huntsman, 2006.

Fonte: LE, K.; YAMADA, M.; YOON, F.; ROBERTSON, S. The Skillful Huntsman: Visual development
of a Grimm tale at Art Center College of Design. Culver City: Design Studio Press, 2006, p. 71-72.

31
Artista e fundador da Design Studio Press que é uma editora sediada no sul da Califórnia. Autor do
livro “How to draw”. Disponível em: < https://designstudiopress.com/>. Acesso em 15 de julho de 2022.
32Diretor de Arte e Artista de Desenvolvimento Visual. Khang Le é um diretor de arte vencedor do
Emmy, baseado em Los Angeles. Ele é especialista em desenvolvimento visual, incluindo todos os
aspectos do design para animação, como personagens, planos de fundo, adereços e efeitos. Disponível
em: < https://www.khangleart.com/about>. Acesso em: 15 de julho de 2022.
33Como ele mesmo diz: é um solucionador de problemas multidisciplinar com 15 anos de experiência
em cinema, jogos e espaços temáticos. Ele é designer de produção da Netflix em um projeto de
animação. Disponível em: < http://myamada.com>. Acesso em: 15 de julho de 2022.
34Artista de desenvolvimento visual da Netflix. Disponível em: < https://www.felixyoon.com/>. Acesso
em: 15 de julho de 2022.
66

A imagem da Figura 40 mostra uma série de possibilidades de armas, com diversos


ângulos e perspectivas a fim de alcançar designs interessantes e funcionais e, além
de tudo, inovadores para gerar uma experiencia mais imersiva ao expectador.

Portanto, o Concept Art configura, sem dúvida, algo de crucial importância para o
desenvolvimento de projetos voltados para o audiovisual. E, sem dúvidas, é
necessário que o artista possua sólidos conhecimentos nos fundamentos da arte.
Assim, independente da mídia de atuação, sobretudo na animação, foco desta
pesquisa, o desenvolvimento dessas habilidades possibilita que o projeto fique mais
conciso, previsível e diminui exponencialmente as chances do perder o foco,
proporcionando um melhor planejamento, o que possibilita de se tornar algo material.
Para o artista, ver uma pilha de desenhos, deixando de ser uma pilha de desenhos e
tornando-se movimento, dando vida ao que foi feito, é algo muito emocionante.
67

4. ESTUDO DE CASO “JIBARO”.

“Jibaro” (2022) é uma daquelas animações que prende do início ao fim. Encanta com
sua beleza e hipnotiza com sua história. A direção de arte de “Jibaro” (2022) é hiper-
realista e tecnicamente impecável e a sua narrativa, que é um mergulho nos mitos
antigos e faz uma releitura de um momento devastador e cruel da história do homem.
O curta-metragem explora uma dança literal entre os personagens e traz referências
a figura mitológica da sereia e outros arquétipos e signos.

4.1. O ARTISTA

Antes de entrar em “Jibaro” (2022), é interessante entender quem é o artista e suas


principais referências e técnicas para dar continuidade à análise. Em suas próprias
palavras encontradas no seu site pessoal, Alberto Mielgo (Madri, 1979) se define de
forma bem sucinta “Eu nasci e cresci na Espanha. Morei e trabalho em Londres, Paris,
Berlim, Tóquio e agora em Los Angeles. Eu me movo e viajo de bicicleta.” (MIELGO,
2022). O artista que está por trás de grandes projetos da indústria cinematográfica e
musical como videoclipes para a banda de rock Gorillaz, Concepts Arts para a franquia
de filmes britânicos “Harry Potter (2001 – 2011)” e para a série animada “TRON:
Uprising (2012–2013)” da Disney, onde ganhou seu primeiro Emmy. Trabalhou em
Los Angeles, onde chegou a assumir a direção de arte de “Spider-Man: Into the
Spider-Verse (2018)” porém por diversões artísticas acabou se retirando do cargo e
finalmente, foi convidado para assumir dois curtas da série antológica “Love, Death +
Robots”.

Para além da indústria, Alberto tem propostas muito pessoais na qual se destacou na
crítica e o que fez ser um nome de peso na indústria. Uma dessas propostas é o “The
Windshield Whiper” (“O limpador de para-brisas”) de 2021, dirigido e coproduzido por
Alberto ao lado de Leo Sánchez. “Nós dois começamos do nada e crescemos”, conta
Mielgo em uma entrevista de 2021 para Chris Robinson, diretor artístico do Festival
Internacional de Animação de Ottawa (OIAF). À frente de uma equipe de mais de 40
pessoas, Alberto completa: “A animação precisa de muita gente, tanto de artistas
quanto de técnicos”. (MIELGO, 2021). O filme hispânico-americano que estreou no
Festival de Cinema de Cannes em julho, acabou ganhando o prêmio de Melhor Curta-
Metragem de Animação no 94º Oscar. Sua história de aproximadamente 15 minutos
68

é uma imersão poética que reflete sobre o amor. “Eu me desassociei um pouco do
trabalho comercial, gostaria que a animação seguisse caminhos diferentes aos quais
as pessoas estão acostumadas, aquele cinema familiar de 0 a 99 anos” (MIELGO,
2021).

Figura 41 – Frame de Windshield Wiper.

Fonte: THE WINDSHIELD Wiper. Direção de Alberto Mielgo. Produção de Alberto Mielgo e Leo
Sànchez. Espanha: Pinkman.tv. 2021. 15 min. Son, color. Digital. Disponível em
<https://www.imdb.com/video/vi2733294361/>. Acesso em 12 dez. 2022.

O frame retirado do curta (Figura, 41), é uma cena interessante onde esses
personagens acabam encontrando seus perfis virtuais em um site de relacionamento,
mas não se conhecem pessoalmente. É notável o trabalho de pintura digital do artista,
aspecto que é visto em todas as suas produções. Em outra entrevista com o “Cartoon
Brew35” via Zoom, Mielgo diz um pouco sobre seu processo criativo e o uso dos
fundamentos da pintura para construção deste curta-metragem. Mielgo diz que em
termos de design, “venho de uma direção de arte e experiência em pintura. Quando
estou dirigindo, gosto de desenhar o personagem, desenhar as roupas, o visual geral
do filme. Isso é algo que me obceca.” (MIELGO, 2021). De forma mais técnica ele
completa:

“Como “The Witness”, The Windshield Wiper é muito simples em termos de


técnica. Da mesma forma que o Mestre Disney estava fazendo com Bambi.
Temos um plano de fundo que é como uma pintura 3D e, em seguida, um

35
Cartoon Brew é um site de notícias sobre animação criado por Amid Amidi e o historiador de animação
Jerry Beck, lançado em 2004.
69

personagem andando nesse espaço. Foi exatamente o que fizemos aqui e


com “The Witness”, mas em vez de ter um personagem 2D, você tem um
personagem 3D andando dentro desse espaço.”. (MIELGO, 2021).

Nesta entrevista Mielgo além de revelar um pouco do seu processo criativo, diz sobre
o seu apelo independente:

“Tenho trabalhado em comerciais porque preciso, mas adoraria gravitar em


direção a um trabalho mais pessoal de outra forma. É muito importante ser
puro com a minha arte. Acontece cada vez mais que grandes redes me
abordam com roteiros e ideias que não ressoam em mim. Eles são suculentos
em termos de dinheiro, mas eu me recuso a seguir esse caminho. Fico
lisonjeado que as grandes redes me abordem, mas depois dizem que não
querem nudez e sexo, o que faz parte do meu trabalho. É um pouco ofensivo
porque é como gostar de uma pessoa pelo quão bonita ela é, mas dizer para
ela não falar.” (MIELGO, 2021).

Atualmente em seu site pessoal, Alberto está com um projeto animado chamado
PINKMAN. Novamente um projeto pessoal que de acordo com o site terá “recursos
de animação mais legais e incríveis de todos os tempos.”(MIELGO,2022). Um projeto
que está aberto para crowdfunding sem intervenção de estúdios.

4.2. LOVE, DEATH + ROBOTS.

A arte é por muitas vezes descrita como um meio transformador social e o cinema de
animação, encontra-se como um desses canais importantes na arte, para questionar
e ritualizar processos de subjetividade e muito acentuado, processos sociais. Dentro
de uma narrativa com o objetivo de pura estranheza visual, a série antológica animada
de ficção científica, ou seja, cada episódio trata de uma história própria, em universos
diferentes, “Love, Death + Robots”, distribuída pela Netflix e de criação do Tim Miller,
o diretor de “Deadpool” (2016) e produzida por David Fincher – diretor de grandes
obras como “Clube da Luta” (1996) e “Seven – Os Sete Pecados Capitais” (1995); a
série cativa o telespectador acima de tudo por sua potência visual, que atravessa a
linha do vale da estranheza de maneira nítida para mostrar com muita destreza o quão
a humanidade é insignificante diante a imensidão do universo, transformando tudo em
nada, em um mergulho a crise existencialista que comove e perturba à todos. “Love
Death + Robots” é uma produção que desde sua estreia em 2019, recebeu críticas
vultosas e com aclamações consideráveis aos episódios que são muito estilizados,
com narrativas imersivas e principalmente são criativos e diversificados, além de
70

temas relevantes e eloquentes, que chamam atenção não apenas por suas artes e
suas técnicas, mas também pela narrativa análoga e eufônica.

A temática da série é seu próprio nome: Amor, Morte e Robôs. Essas são as três
temáticas exploradas onde cada episódio irá usar uma dessas temáticas ou duas ou
até as três para explorá-las e contar uma história em particular. De acordo com o site
da produtora brasileira Tubo Filmes, fundada em 2010, com produções e também um
blog especializado em cinema, Tim Miller fez questão de entregar cada roteiro na mão
de um time de artistas e animadores de estúdios diferentes, independentes ou de
franquias. Isso para que, propositalmente, nada ficasse homogêneo, criando uma obra
de diferentes técnicas, traços, ideias e valores que com uma excelente curadoria, que
faz com que cada animação desta série funcione conforme a sua proposta. Tem certos
episódios onde a animação é tão realista que há questionamentos o que de fato são
atores humanos ou se são produtos de computador, e, tem outros episódios que
mesmo usando recursos de cartoon, com sons e exagero, que muitas vezes seria uma
quebra da imersão à história, mas aqui funciona de forma contraria: enfatiza a
narrativa e enriquece a história.

Figura 42 - Montagem de dois frames de Love, Death + Robots.

Fonte da esquerda para direita: HISTÓRIA ALTERNATIVA. In: Love, Death + Robots. Criação de Tim
Miller. Direção de Víctor Maldonado e Alfredo Torres. Dinamarca: Sun Creature Studio, 2019. son.
Color. Temporada 1, episódio 17. Série exibida pela Netflix. Acesso em 12 dez. 2022.PARA ALÉM
DA FENDA DE ÁQUILA. In: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Léon Bérelle,
Dominique Boidin, Rémi Kozyra e Maxime Luère. França: Unit Image.2019. son. Color. Temporada 1,
episódio 7. Série exibida pela Netflix. Acesso em 12 dez. 2022.

Estrando em 2019, a primeira temporada tem dezoito episódios, que variam de seis
minutos até dezessete minutos. Por ser uma série animada, faz uso da animação
como um todo, usando vários estilos e mesclando técnicas, que vai desde uma
animação limitada, 2D, Stop Motion à uma animação ultrarrealista em CGI. Suas
71

histórias curtas fazem com que seus conceitos sejam condensados em uma pequena
narrativa de modo que tenha espaço para discussões e análises ao término de cada
episódio.

De fato, muitas coisas poderiam ser exploradas em cada uma das histórias,
vindo até a se estender por mais de uma hora, mas a intenção destes
pequenos contos animados é exatamente essa: provocar nossa mente com
conteúdo que nós mesmos precisamos completar. Quando temos a sensação
de que algo ficou no ar, nosso cérebro (essa máquina incrível que temos
preguiça de usar) começa a criar possibilidades. (LEVIAN. 2019).

Na montagem da Figura 42, exemplifica bem o que foi descrito. Na primeira imagem,
um frame do episódio “História alternativa (2019)” que brinca com a ideia de “e se tal
coisa nunca tivesse acontecido?”, deixando claro que não é uma mudança num fato
do passado que terá o poder de salvar nosso presente ou futuro. Nesta animação,
produzida na Dinamarca por Víctor Maldonado e Alfredo Torres com técnicas que
usam a animação limitada, tendo o cenário por muitas vezes estático e exacerbando
a gestualidade dos personagens a fim de criar diversão, mesmo que o personagem
seja o Hitler. Já na segunda imagem da montagem, o episódio 7, “Para Além da Fenda
de Áquila (2019)”, foi dirigido por Léon Bérelle, Dominique Boidin, Rémi Kozyra e
Maxime Luère da Unit Image, que é um estúdio de animação localizado em Paris na
França especializado em geração de computador e efeitos visuais. Neste curta de
dezessete minutos, há um CGI hiper-realista que muitas vezes confunde com a ideia
do que é real e o que não é. Sua história é uma das mais inquietantes: a distância e a
impossibilidade de voltar para um lugar onde possamos chamar de lar, a dúvida sobre
onde estamos, e a dura realidade de descobrirmos que estamos sozinhos no universo.

A segunda temporada, em 2021, com menos episódios – oito curtas animados, que
variam entre sete e vinte e três minutos, vêm com uma proposta mais sombria e nesta
temporada, embora continue sendo uma antologia, há um elo em comum que
atravessa o enredo geral. A série continua agradando sua legião de fãs. Apesar de
poucos episódios, estes estão com uma curadoria mais especifica e retornam com
suas críticas sociais enfatizando o horror cósmico36e as incertezas do desconhecido.

36 O termo “horror cósmico” foi muito usado pelo autor norte-americano Howard Phillips Lovecraft (1890
- 1937) para designar seu próprio projeto estético. Criador do aclamado "Mito de Cthulhu" – um universo
ficcional povoado por monstruosidades “mais antigas que o tempo e maiores que o espaço”. Nesta
72

O senso de sobrevivência, é o que permeia as oito aventuras de maneira às vezes


evidente, às vezes oculta, porém, sempre colocando os personagens em algum tipo
de situação que os fazem lutar por suas vidas por se sentirem ameaçados.

Figura 43 – Montagem de Episódios da 2ª temporada de Love, Death & Robots.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Víctor Maldonado e Alfredo Torres.
Dinamarca: Sun Creature Studio, 2021. son. Color. Temporada 2. Série exibida pela Netflix. Acesso
em: 12 dez. 2022.

Nessa temporada há uma ênfase na parte estética para o hiper-realismo. A qualidade


dos designs e das técnicas de animação em si, sempre foram deslumbrantes e
imediatamente cativantes. Nesta temporada há um uso extenso de computação
gráfica em grande parte dos seus episódios como mostra a Figura 43. Para alguns fãs
da série, é o que faz justamente esta temporada ser a mais fraca entre as três: a falta
de diversidade de técnicas devido a quantidade inferior de curtas animados.
Novamente, a quantidade reduzida de capítulos significa menos variedade estética,
algo bastante chamativo da primeira temporada e muito provavelmente que, muito
dessa redução veio após as produtoras serem afetadas pela pandemia da Covid-19.

No seu terceiro ano, em 2022, com nove episódios e com plena precisão em suas
execuções e nas suas críticas, a produção mostra com propriedade novamente
questões sociais e humanas e de forma ainda mais voraz e intenso, com plena
exatidão nos detalhes e apontando as retidões horrendas e perturbadoras que
assolam a sociedade, em momentos oportunos e objetivos, refere-se

crença, somos vagantes cósmicos pequenos e indefesos perante o universo, buscando entender nossa
própria existência e falhando miseravelmente.
73

minunciosamente o significativo da vida humana, desenvolvida por hierarquias e


segmentação social, colocando autoritarismo e o poder na relevância descrita a cada
episódio.

Os episódios da mesma forma que anteriormente, são individuais, mas que se


conectam com as propostas do título, desta forma, cria-se uma coerência explícita, o
que de fato é uma característica de uma produção imperativa e congruente. Nesta
temporada, destaca-se o terror, o amor, o sangue e a morte.

Seus curta metragens oferecem uma diversidade de histórias diferentes seja uma
fascinante história de uma sereia mitológica à uma hilária história completa de Stop
Motion sobre zumbis tomando o mundo, com começo, meio e fim. É nesta temporada
que há um curta-metragem que se destaca nas avaliações de críticos e que está nas
listas de melhores animações da série. A animação “Jibaro” ou “Fazendeiro” em
tradução para o português. Dirigida, desenhada e animada, além de ser produzida por
Alberto Mielgo, produtor de outras obras de animação, “Jibaro” (Figura 44) é uma
viagem imersiva à América Central, com uma narrativa hipnotizante. Aqui, o uso do
CGI hiper-realista é uma descrição precisa, pois há uma fusão de realismo, com um
lado místico que estabelece o uso de outras técnicas de computação gráfica, como a
que retira a “definição” da vegetação local ou a que, ao contrário, amplifica o realismo
do metal que cobre o corpo da sereia.

Figura 44 - Frame de JIRABO.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 24 dez.
2022.
74

Sobre a análise do curta, esta será debatida mais a frente, na qual a partir dos
elementos de estudo do artista, na construção dos personagens e cenários, haverá
uma análise plástico formal da obra, mas, bastando mencionar para fins de sinopse,
a história se trata de uma sereia porto-riquenha (a geografia é determinada pelo uso
da palavra “jibaro” que, aqui, também é o nome do protagonista masculino)
enfrentando conquistadores espanhóis de armadura com sua voz que os atraem para
as profundezas do lago que vive. Um deles, porém, é surdo e não cai na tentação, o
que automaticamente cria uma fascinação e uma conexão de amor e ódio entre os
dois que é a receita para a autodestruição mútua em uma narrativa que lida com o
colonialismo de maneira lírica, mas sem perder a força da crítica.

O que faz esse curta ser tão impactante é sua vera semelhança com o real. O trabalho
de hiper-realismo já é uma marca registrada do diretor. O valor do design de produção
sempre foi uma preocupação da sua produção e neste curta é altíssimo além de
também ser outro aspecto que desafia descrições.

4.3. “JIBARO” OU “FAZENDEIRO”.

Como informado, “Jibaro” é uma releitura poética de duas histórias que se encaixam
muito bem: a do conto folclórico do canto da sereia, contendo um diálogo mínimo e
centrado em um cavaleiro surdo que é imune ao canto dessa sereia em particular; e;
da dominação espanhola na América Central durante seu período de mercantilismo.
Na história, a sereia está intrigada com o cavaleiro, um fascínio do porquê não é
afetado por sua voz, e de contrapartida, o cavaleiro que também é atraído por ela pelo
ouro ornamentado e pelas joias de que ela é feita, criando uma atração perigosa e
cautelosa entre os dois personagens.

A história começa de fato com o título. “Jibaro” é uma palavra porto-riquenha que
significa agricultor, fazendeiro. Esta é uma informação importante para entendermos
onde a história se passa – em uma floresta em Porto Rico. Nesta floresta há um grupo
de cavaleiros que pela vestimenta das armaduras, identifica-se com os
conquistadores espanhóis que colonizaram as américas, e, em meados do século XV
foi quando passaram pelo atual Porto Rico. Uma outra referência a esses
colonizadores que o curta mostra é a forma que estes são subordinados ao poder
75

religioso, com as figuras de sacerdotes junto a eles, na missão de catequisar os povos


que encontram. A Figura 45 mostra um frame na qual revela essa subordinação.

Figura 45 – Frame de Jibaro da subordinação religiosa dos conquistadores.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 29 dez.
2022.

O líder de armadura dourada ajoelha-se em sinal de reverência aos sacerdotes de


vermelho, logo após, seus cavaleiros de armadura prateada o acompanham e
ajoelham-se perante os representantes da igreja. Em paralelo, é apresentado um
cavaleiro em específico. Este é o Jibaro. O recurso usado para revelar que este é
surdo é através do design de som. A câmera fecha em um plano detalhe de costas do
personagem e o som desaparece. Depois o corte em um plano geral revelando todos
os sons ao redor daquela floresta. Este recurso simples já introduz a condição física
do personagem.

Os colonizadores chegam em um lago que ao seu horizonte, com uma parte


submersa, está uma criatura que observa esses homens. Então ela se revela como
uma espécie de sereia, toda dourada e ornamentada de ouro e joias. Ela grita, e este
grito atrai esses homens como uma espécie de encantamento para o seu fim. Eles
começam a enlouquecer, a rirem sem parar e como se não pudessem mais controlar
seus corpos. Eles dançam, atacam uns aos outros e são atraídos para o fundo do
lago. Apenas um desses homens não se encanta. O Jibaro. Amedrontado, olha para
a sereia, que grita novamente e se espanta por ele não cair no seu canto. Jibaro em
desespero foge. A sereia fica encantada com ele por não sucumbir, então começa a
76

persegui-lo discretamente, observando-o. Ela está tão curiosa, tão encantada pelo
único homem que não é suscetível à sua música, que em um momento, à noite,
quando o homem repousava para posteriormente dar continuidade a sua jornada, ela
se deita ao lado dele enquanto ele dorme na floresta. Ele acorda e se assusta, porém,
como um bom Dom Quixote que começa acreditar na fantasia que ele vive, ele não a
quer perder de vista com todo aquele ouro.

Ambos ficam próximos um do outro. Uma sedução mútua. Em outra cena, uma criada
numa cachoeira (Figura 46), a sereia dança para Jibaro, numa tentativa de seduzi-lo
e Jibaro que se deixa conquistar por ter outros motivos. Ela o envolve e ele a toca.
Suas mãos passeiam por sua pele e ele retira uma das escamas de ouro da sereia.
Aquilo faz a sereia sangrar, mostrando que todos aqueles ornamentos fazem parte do
corpo dela, assim como ela faz parte daquele lugar, da natureza que ele está.

Figura 46 – Frame do momento do beijo da sereia.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 29 dez.
2022.

Eles se beijam e percebe-se que até a boca da sereia é formada por metais preciosos,
o que machuca Jibaro que sangra com isso, porém está determinado em conquistar
a confiança da sereia e mesmo assim resiste a dor até dar o seu golpe final
desmaiando sereia, começando assim o seu horror. No seu desmaio profundo Jibaro
vai retirando toda a sua pele de ouro. Escamando-a por completo e colocando toda
sua pele em um saco, deixando-a sem nada e a jogando no rio onde é carregada e
desaparece de vista. Aqui se percebe que ela faz parte de tudo aquilo e com toda a
77

fúria que possa existir, as águas se movimentam violentamente, o tempo muda, a


mata se fecha. O rio corre vermelho com o sangue dela. Enquanto isso, Jibaro percebe
que pegou mais do que pode carregar e sente cansado e sobrecarregado enquanto
anda pela mata. Exausto, decide parar para descansar e vai beber um pouco de água
do rio e então percebe que está vermelha. No que ele toma esse sangue, enojado e
assustado, sua audição volta e volta com força total. Como nunca escutou antes, se
sente perturbado com todo aquele som em sua volta. Em pânico e confuso com a
sobrecarga sensorial de agora ouvir pela primeira vez em sua vida, ele corre pela
floresta. Desorientado, ele bate nas árvores e bate com a cabeça no chão até cair de
volta na mesma margem do lago onde viu a sereia pela primeira vez (Figura 47).

Figura 47 – Frame de Jibaro cansado à margem do lago.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em 29 dez.
2022.

Jibaro percebe que se deu início ao seu fim. A mulher que desceu o rio flutuando de
volta para sua casa acorda e descobre que foi violentada e grita de raiva. O soldado,
que não está mais imune aos seus gritos, segue-a até a morte na água. Ela grita,
chora e isso vai tomando a sanidade de Jibaro, e da mesma forma que seus
companheiros, ele dança, enlouquece e afunda. A câmera acompanha seu
afogamento e vemos então o reino submerso desta sereia, com vários corpos de
outros homens que se atreveram a adentrar em seu território.
78

O breve episódio contado de maneira espetacular é ao mesmo tempo lindo e doloroso


de assistir. O episódio final de Love, Death + Robots é de acordo com a crítica de
cinema Isabela Buskov em sua análise crítica para o episódio exibida em junho de
2022 em seu canal pessoal do youtube, Jibaro “é um nocaute sensorial e uma orgia
estética". No IMDb, o episódio se destaca pela sua nota de 8,1/10. Em 2022, Jibaro
foi o grande responsável pela vitória de "Love, Death + Robots" - que venceu pela
terceira vez consecutiva, o Emmy de Melhor Série de Animação Curta. Alberto Mielgo
também venceu um troféu de Realização Individual e além disso, a atração levou o
Emmy de Melhor Edição de Som.37

Jibaro” se destaca não apenas por sua narrativa inventiva, mas também por sua
ambiciosa abordagem visual. Devido a fluidez e o naturalismo dos movimentos de
todos os personagens, as texturas de água, refrações, a física do movimento e toda
sua mecânica, o sangue, o comportamento da luz além de uma infinidade de outros
fatores, quase parece que “Jibaro” é parcialmente live-action, ou possivelmente uma
mistura de animação e captura de movimento. Alberto Mielgo mostrou na curta
documentário da Netflix “Love, Death + Robots | Inside the Animation: Jibaro (2022)”
que a animação foi realmente feita de fato usando quadro-chave e combinando outros
materiais de referência para assim ganhar vida juntamente com a modelagem 3D
limitada para aumentar seu trabalho. “Gosto de usar técnicas clássicas” (MIELGO,
2022) diz nesta entrevista.

O efeito final é fascinante e deslumbrante, há a consideração ainda de que os


personagens são silenciosos e assim colocam um maior trabalho e um aspecto que
precisa de mais cuidado sobre os animadores para assim transmitir cada aspecto da
história através do movimento e da cinematografia. Jibaro é fascinante em sua
ferocidade e desconfortável nas verdades que esconde nessa história de amor,
traição, sangue e ganância.

4.3.1. Produção

37No site do Emmy encontra-se as indicações e os prêmios que a animação ganhou e de Alberto Mielgo
por Jibaro. Informações disponíveis em https://www.emmys.com/shows/love-death-robots-0.
79

Alberto Mielgo revelou no evento Geeked Week da Netflix 38que o episódio foi criado
com locações e artistas reais para servir de base para os animadores e assim criar
uma espécie de rotoscopia. Sobre a história, o mesmo diz que falava sobre uma
história de amor. Mielgo informa que a obsessão do personagem por poder e
materialismo os leva a fins violentos e cruéis. Por exemplo, a sereia que cai sob a
impressão do soldado perde seus ornamentos graciosos, enquanto o soldado se torna
vítima de seus gritos mortais. Portanto, sua ganância o curou de sua surdez, o que
acabou levando à sua morte impiedosa.

“The Witness para mim foi uma história sobre um relacionamento do qual
você não pode sair. Este é um loop em que ambas as pessoas tentam se
comunicar, mas ao mesmo tempo não conseguem ouvir o parceiro. Jibaro,
por sua vez, fala sobre a relação extremamente tóxica entre os dois
predadores. Este é um relacionamento sensual baseado na atração um pelo
outro, não pelas melhores razões.”. (MIELGO, 2022. Tradução nossa.).

Falando sobre trabalhar no curta, Mielgo nesta entrevista confirmou que permanece
fiel a si mesmo em relação aos seus outros trabalhos em não usar captura de
movimento. Em vez disso, o diretor pega várias referências e trabalha em todas as
animações dos personagens à mão. Desta vez para referências, a equipe da Mielgo,
composta de 117 pessoas, chamou a coreógrafa Sara Silk e convidou um grupo de
dançarinos conhecidos para gravar vários vídeos para os animadores. Mielgo disse
que ele e sua equipe usaram imagens disso para corresponder aos movimentos do
personagem animado. Querendo manter essa linguagem visual não-verbal, a mesma
técnica também foi usada para os cavaleiros, usando dançarinos ao invés de atores,
gravando imagens deles encenando os movimentos e depois usando essas imagens
como referência para combinar com o movimento do cavaleiro (Figuras 48 e 49).

38O evento virtual gratuito de cinco dias dedicado aos fãs, que celebra as séries, os filmes e os jogos
Netflix de todos os géneros, está de volta de 6 a 10 de junho de 2022 no youtube.
80

Figura 48 e 49 - Ensaios gravados de Sara Silk para Golden Woman.

Fonte: Love, Death + Robots | Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em: 31 dez. 2022.

Outra técnica que já está presente com seus trabalhos anteriores o diretor usou um
efeito que simula a presença de um operador de câmera na cena.

“Eu gosto quando a câmera está “ao vivo”. Quando o espectador sente que
ele mesmo está na cena ou mesmo segurando a câmera. Se bem-feito,
acrescenta realismo. Também gosto quando a câmera não consegue focar
no quadro nem por um segundo. Na vida real, é difícil se concentrar durante
uma luta. Portanto, o uso de tal efeito transmite bem ao espectador uma
sensação de estresse e presença.”. (MIELGO,2022. Tradução nossa.).

Figura 50 - Frame câmera subjetiva de Jibaro.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
81

A Figura 50, um dos takes finais da história, na qual o personagem encontra-se em


desespero sob o efeito do canto da sereia, olha diretamente para câmera, gritando em
agonia extrema. O recurso de que como se houvesse de fato uma câmera, suja com
o sangue espirrado pela sua boca, perdendo a nitidez com o ar expelido de sua boca,
e com aspecto de uma lente grande angular, na qual seu rosto acaba se tornando
mais esférico e distorcido, além de todo o movimento que ela possui que vai de acordo
com o desespero de Jibaro, faz com que a cena se torne mais realista e impactante,
o que proporciona essa imersão e a confusão de que o que estamos vendo é
animação ou uma filmagem.

4.3.1.1. Dos Concepts para a renderização

Tanto os cenários de floresta quanto a construção da personagem da mulher dourada


serão mais a frente analisadas com seus respectivos Concepts Art de Alberto. Antes
disto, é interessante mencionar a relação entre estes e a equipe envolvida na
produção de Jibaro. Toda produção cinematográfica começa com um roteiro e um
roteiro visual. Depois de escrever o roteiro e desenvolver uma pilha inicial de
storyboards pintados à mão durante o período de isolamento da COVID-19 em 2020,
Mielgo pegou a estrada, viajando pela Califórnia, Oregon e Washington para encontrar
locações que combinassem com os ângulos e cenas que havia desenvolvido. Nesse
ponto, ele se sentou para planejar como executaria cada cena do filme e como
combinar suas obras-primas pintadas à mão com o mundo modelado em 3D. Segundo
a entrevista por Brent George do canal do Youtube “Agora. Community” 39 com Remi
Comtois e Jacob Gardner, supervisores de animação da equipe por trás de Jibaro,
eles informam que o diretor fez todo o Concept Art e o storyboard sozinho, o que levou
cerca de dois anos. Eles mencionam que Alberto está em todas as etapas desta
animação e que o próprio diretor desenhou todos os rascunhos, digitalizou-os, coloriu-
os e colocou-os nas cenas 3D correspondentes.

“O primeiro foi o design da armadura. O storyboard que o diretor deu à equipe


não incluía armaduras, então os animadores tiveram que encontrá-lo online
ou ir a museus para observar as texturas das diferentes armaduras e pensar
em sua forma e movimento.”. (COMTOIS, 2022. Tradução nossa).

39 Jibaro Q&A with Agora Animation Team - Love, Death + Robots Season 3. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XTFdytzohcc&t=0s>. Acesso em: 31 dez. 2022.
82

Outra questão interessante de mencionar é o fato do uso das técnicas de 2D e de 3D.


No caso das cenas ultrarrealistas e belas de Jibaro, à primeira vista pode ser ignorado,
mas assistindo com mais calma e atenção é possível encontrar os detalhes que
mostram cenas com pinceladas mais óbvias o que na verdade é uma pintura feita por
Alberto. Para dar a impressão de realidade, o truque é a maneira que as cenas são
compostas e são mostradas. A câmera é muito subjetiva, tremida e instável. Seus
planos são variados, desde um plano holandês para mostrar desconforto, a um plano
detalhe em uma escama solta da sereia. A montagem é frenética, sem parar. São
muitos cortes, o que é mais um recurso interessante para enganar os olhos, o que
contribui para não ficar analisando todos os detalhes.

Figura 51 e 52 - Frame da floresta com zoom.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
83

Na Figura 51, que poderíamos considerar inspirada no estilo pré-rafaelita, percebe-se


o trabalho de pintura do artista. Na Figura 52, com a aproximação percebe-se as
manchas que formam as arvores. Nas arvores do fundo que compõe a floresta, as
pinceladas são visíveis e o aspecto difuso da frente dá a sensação de foco atras. “Na
verdade, terminamos de modelar uma floresta inteira.” Essa foi a informação dada por
Mielgo em sua entrevista para a Netflix. Essa abordagem de mistura e combinação
para a criação era algo que Alberto tinha em mente desde o início. É uma mistura
interessante no ponto de vista técnico pois na verdade o 2D não se move. Há uma
mistura de planificações que enganam os olhos de quem assiste. A Figura 53 mostra
o processo de mesclagem das técnicas.

Figura 53 - Frame do processo de montagem da floresta de Jibaro.

Fonte: Youtube. COMO FOI FEITO - Live Action ou CGI? Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=I9_897O71eo>. Acesso em: 31 dez. 2022.

Na Figura 53 mostra um bom exemplo sobre a interação da equipe no


desenvolvimento de Jibaro, usando os referenciais de Alberto e alinhando com as
tecnologias do estúdio. No plano de trás se encontra a pintura de Alberto. Esta,
estática. A interação dos personagens com o ambiente se dá no primeiro plano ou no
médio plano. Este da frente é onde se encontra de fato a modelagem de animação.
Feita em softwares de modelagem 3D, neste caso, o Maia da Autodesk.

Do lado do personagem, uma das coisas que se encontra olhando para o trabalho de
Alberto é seu cuidado com a iluminação e suas texturas muito gráficas, mas tangíveis.
Uma das coisas para se ter um critério de cuidado era trabalhar a renderização e a
84

iluminação em 3D, mas também colocar o nível gráfico do Alberto em toda a


animação.

“Desenvolvemos ferramentas personalizadas que nos permitiram esculpir


meticulosamente os personagens em cada tomada, para que pudéssemos
obter o nível de grafismo exigido pelo estilo e direção de arte de Alberto,
preservando uma sensação muito mais artesanal.”. (MILLER, 2022.).

Os recursos de câmera mencionado são importantes para distanciar o espectador do


vale da estranheza e se sentir imerso pela experiência visual. Com isso, a aparência
dos personagens é muito simplificada, a razão pela qual eles parecem realistas é na
verdade o aspecto de iluminação e da renderização que desempenha com excelência
o seu papel, mas na verdade eles são muito mais simples do que uma verdadeira
renderização 3D hiper-realista. Alberto (NETFLIX, 2022) diz que costuma “remover
detalhes que não precisamos, e isso cria uma experiência visual melhor e mais
agradável para os olhos.”

Figuras 54 e 55 – Planos detalhes das narinas dos personagens principais de Jibaro.

Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
85

Nas Figuras 54 e 55, como pode se ver, os personagens principais da história não têm
narinas e a barba do cavaleiro e as sobrancelhas de ambos são apenas linhas
simples.

Por sua vez, há outros aspectos que necessitavam muitos detalhes e precisões, como
os metais, os líquidos e suas respectivas interações e colisões. Existe uma piada na
indústria da animação: você pode medir a habilidade de um animador pela forma como
ele interage com água. Simulações líquidas realistas são sempre uma grande fonte
de dor de cabeça para a equipe nos bastidores, e as magníficas cachoeiras e intensas
cenas subaquáticas em "Jibaro" quase confundem os olhos. Alberto enfatiza que
“tecnicamente, é muito complexo e foi muito difícil simular o choque de armaduras,
joias, o respingo da água e o efeito de todos se movendo e colidindo na água.”. Ele
completa:

“Quando a equipe ouviu pela primeira vez, todos disseram: "Oh não! Oh meu
Deus! Podemos simplificar", mas acho que era isso que estávamos tentando
alcançar, era a única coisa que não podia ser simplificada, eu queria para
empurrar a tecnologia, empurrar os visuais, levar a arte ao limite! E acabamos
fazendo isso, o que é ótimo, definitivamente não é fácil!". (MIELGO, 2022.
Tradução nossa.).

A Agora Studios40, equipe que trabalhou com Alberto, também revelou os bastidores
da produção dos acessórios de metal do filme. Remi Comtois revela em entrevista via
Zoom ao site Fox Renderfarm:

"Quando fizemos as prévias de pré-produção, percebemos que a armadura


do soldado que Alberto queria não era impossível de alcançar, mas também
difícil de realizar para o tipo de movimento em massa. Então, sugerimos
ajustar o modelo de acordo, respeitando o design original e felizmente o
diretor aprovou a sugestão e passou para a equipe de personagens
implementar. Uma boa sinergia entre as equipes foi essencial na pré-
produção.”. (COMTOIS, 2022. Tradução nossa.).

Sobre a animação da sereia, com todo o metal de seu corpo, Remi Comtois, completa:

“Foi um grande desafio para nosso montador Alex Mann automatizar ao


máximo todas as peças metálicas, animamos individualmente e depois
automatizamos alguns dos movimentos secundários com Ragdoll Dynamics.
Por fim, também passamos muito tempo limpando as malhas de interseção,
o que se feito corretamente ninguém notaria, mas foi um trabalho que exigiu

40Agora é uma rede global de artistas profissionais que fornecem serviços freelancers de alta qualidade
para estúdios em todo o mundo. Site: https://agora.studio/about.
86

muita paixão e dedicação e muito tempo e esforço dos membros da equipe.”


(COMTOIS, 2022. Tradução nossa.).

Ragdoll Dynamics (Figura 56) é uma nova calculadora de física em tempo real para o
software de modelagem 3D da Autodesk, o Maya. Essa ferramenta permite que os
animadores usem a física em tempo real nas ligações dos personagens, sejam
componentes mecânicos, tecidos, cabelos ou músculos, qualquer coisa na janela de
visualização do Maya pode gerar movimento secundário realista.

Figura 56 - Cópia da tela de uma demonstração do plugin Ragdoll Dynamics.

Fonte: FOX RENDER FARM. Disponível em https://www.foxrenderfarm.com/share/techniques-behind-


the-production-of-jibaro-love-death-and-robots. Acesso em: 31 dez. 2022.

O software simula a física do movimento em 360 graus. Simulando o peso dos objetos
e seu movimento de acordo com as redes de vetores mostradas no quadrado.
Independente do movimento da personagem, seus adereços (independente também
do material que for), movimentará precisamente de acordo com a física aplicada.

Finalizando a entrevista, Remi Comtois ainda menciona:

“Alberto fez todo o trabalho preliminar desse projeto sozinho. Embora


houvesse muitas iterações no meio, assim que ele sugeria uma mudança,
todos estavam dispostos a confiar que sua ideia tornaria todo o projeto
melhor, em vez de um desperdício de esforço, então todos deram tudo de si
do fundo do poço corações. Além disso, Alberto sabia exatamente o que
queria, então todas as instruções dadas eram bastante claras, o que foi uma
das razões pelas quais todos conseguiram terminar a tempo.”. (COMTOIS,
2022. Tradução nossa.).
87

4.3.2. Concept Art de Jibaro

Nos últimos anos, houve uma grande introdução das ferramentas de modelagem e
renderização 3D além da utilização de técnicas usando inteligência artificial tanto no
campo da arte, quanto nas produções audiovisuais e de games. A utilização de
ferramentas de 3D para a produção de entretenimento está em constante crescimento
devido ao seu valor, agilidade e flexibilidade que estas novas ferramentas
proporcionam. Não que não existe espaço para artes tradicionais na animação, porém
é uma parcela cada vez menor devido ao seu alto custo e o prazo de produção.
Enquanto isso, já existem artistas inovando com ferramentas que mesclam técnicas
de animação em 2D e 3D. Um desses artistas é o Alberto Mielgo em suas produções
pessoais e agora, em uma produção assinada pela Netflix.

Foram aproximadamente 02 anos para a conclusão do storyboard e dos Concept Art


de Jibaro. É notável perceber suas ideias e seu estilo pessoal durante o processo de
produção da obra o que faz com que essa produção, que marca novos limites na
técnica de animação de quadros-chave, não seria possível sem a busca profunda dos
procedimentos tradicionais do desenho e da pintura que Alberto trabalha. Nos
Concept Art usados como recorte para análise, não há necessidade de incluir todas
as aplicações diretas de desenho no produto, porém é possível entender a sua
importância na construção do processo e, possível encontrar o traço de Mielgo mesmo
após renderizado. Apesar de ser um artista individual, ele precisa de uma equipe para
realizar sua obra de arte, mas que ainda assim, o produto é absolutamente pessoal
assim como seus Concept Art.

A escolha dos recortes, a mulher dourada e os cenários de floresta, são os elementos


que mais ofereciam material para análise, uma vez que, uma visão dos personagens,
neste caso uma das personagens centrais da narrativa, juntamente com sua interação
com o ambiente, faz com que haja muitos recursos visuais, já que está participa de
grande parte da história e é mostrada em quase toda a curta animado. E, também, da
paisagem porque é parte da narratividade da personagem da sereia.

4.3.2.1. A mulher dourada.


88

O “desenho vai além do puro entendimento racional do mundo ao nosso redor, mas
sim nos abre para um nível muito mais de sutilezas, da intuição e da reflexão.”
(CELESTINO, 2019). É com essa afirmativa que se encaixa o estilo de Mielgo. O
artista recorre aos meios tradicionais para desenvolver os seus rascunhos no primeiro
momento de produção, adicionando linhas, manchas e texturas no papel.

Figura 57 – Concept Art da mulher dourada por Alberto Mielgo.

Fonte: Zahed, Ramin. The Art of Love, Death + Robots. 2022. Nova York: Titan Books. P. 232.

Mielgo em entrevista com a prestigiosa revista The Hollywood Reporter, por Carolyn
Giardina em 2022, diz que tem como forte referência “principalmente no
impressionismo.”, e completa “Apesar de parecer muito rico, costumo retirar coisas
que não são necessárias e dou ênfase a coisas que são muito importantes, como os
olhos. (Tradução nossa).”. Na Figura 57, retirada do livro “The Art Of Love, Death +
Robots” publicado em 2022 por Ramin Zahed – que reúne algumas imagens dos
processos de alguns episódios da série, entre eles, o Jibaro, percebe-se a marca das
pinceladas da mulher de ouro, destacando as texturas que serão aplicadas em sua
pele. Nos desenhos em preto e branco, revelam a forma inicialmente planejada da
personagem.
89

Desta forma, o artista desenvolveu a maior parte do seu processo de trabalho – uma
vez que foram dois anos de pré-produção e oito meses de animação e pós-produção,
através de rascunhos às texturas e detalhes, e posteriormente digitalizando seus
processos e utilizando da pintura digital com adição de camadas e mais camadas de
manchas para dar aspecto de profundidade e tridimensionalidade, além de incluir
valores mais escuros para diferenciar os diferentes tipos de metais que a sereia
possui.

Figura 58 – Design Inicial da Mulher Dourada.

Fonte: MIELGO, Alberto. My JIBARO’s character design. Madri, 07 de jul. 2022. Instagram:
@albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/. Acesso em 03. jan. 2023.

Como está escrito na Figura 58, este é um design imaginado sem cor e sem os
ornamentos, que acabou não sendo utilizada na renderização final da personagem.
Nele, nota-se como o artista explora as possibilidades de transformação das formas,
o exagero das pinceladas e as ranhuras que remetem ao brilho de metal no cabelo da
sereia. Apesar de ser bem diferente do design escolhido, possui similaridades que
serão usadas posteriormente, como a profundidade do olhar, hipnótico da sereia, a
pincelada bem-marcada da pintura evidenciado nas sobrancelhas e na dinâmica da
luz e da sombra da personagem. Alguns aspectos serão retirados desta, como as
90

narinas que estavam nos designs iniciais e o cabelo que será menor e sem esse
aspecto de penteado. A personagem de fato não se assemelha com uma criatura
mitológica, estranha, dourada que representa um perigo para os cavaleiros. No
decorrer do processo que as texturas de fato foram aparecendo.

“Eu queria que fosse um tesouro ambulante, algo tão atraente e tão cheio de
joias, pedras preciosas e cores que você quase esquece que existe um ser
humano por trás [...]. Fiquei extremamente feliz por poder retratar tantas joias
e tantas civilizações em apenas um único personagem.”. (MIELGO,2022.
Tradução nossa.).

A maioria dos personagens foi desenhada de diversas formas para encontrar a melhor
forma de destacar toda a ambição de Alberto, e cada mudança de design significava
que a modelagem, a blocagem, a animação e outras etapas precisavam ser ajustadas
significativamente, o que levou a que as expressões faciais fossem adicionadas
posteriormente.

Figura 59 – Concept Art de Cena da mulher dourada.

Fonte: MIELGO, Alberto. HERE 4 MINUTES of Jibaro Animatic. Madri, 28 de jul. 2022. Instagram:
@albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/. Acesso em 03. jan. 2023.

O frame mostrado da Figura 59 é uma parte do Animatic com seus Concept Art
enviado para a equipe para produção da blocagem e a animação dos elementos que
interagem com a personagem. Nesta etapa ainda não estava totalmente definido a
aparência final da sereia. Porém a movimentação e o tempo de cada cena sim, com
isso ajudou a produção, mesmo sem personagem definido. Mielgo fez cada cena do
Animatic a mão, usando lápis e depois montando por cima das pinturas digitais dos
cenários.
91

É pertinente analisar o processo de colorização dos conceitos produzidos


anteriormente pelo artista, uma vez que esta etapa é a especialidade do artista. Após
produzir os conceitos de forma tradicional, algumas Concept Arts do artista são
digitalizadas e passam pelo processo de aplicação de texturas digitais e colorização
por meio de softwares de edição de imagem. Este processo é a etapa final de
produção de Concept Art que será escolhido para finalizar a análise do processo
criativo de Alberto Mielgo.

Figura 60 – Design final da mulher dourada por Alberto Mielgo.

Fonte: Zahed, Ramin. The Art of Love, Death + Robots. 2022. Nova York: Titan Books. P. 235.

Pós muitos estudos sobre como seria a sereia, Alberto chegou num design final, na
qual mostra na Figura 60: uma mulher de cor dourada, toda ornamentada em joias de
ouro e outros metais preciosos, escamada como um peixe, com uma espécie de tiara
também preciosa. As diferenças com os primeiros esboços são nítidas, porém as
semelhanças são maiores: o olhar, as marcas das sobrancelhas, o cabelo curto e mais
emaranhado, a coroa como foi mostrado na figura 57. Em entrevista com o site Awards
92

Daily em junho de 2022, conduzida pelo jornalista Ben Morris, Alberto explica sobre
sua técnica de pintura:

“É o meu estilo; é o resultado de anos pintando e trabalhando com animação.


Na verdade, não tive a ideia do programa especificamente, mas é o que sei
fazer de melhor. Sou um artista autodidata. Toda vez que começo um projeto,
basicamente começo a pintar da maneira que sei pintar. Eu não diria que é
realismo; eu diria que é mais impressionismo. Os personagens não possuem
poros ou detalhes profundos na pele. Eu me livro de tudo que não preciso,
que é basicamente o que você faz com pinturas impressionistas.”. (MIELGO,
2022. Tradução nossa).

O artista recorre às texturas digitais e brushes para dar mais realismo aos seus
conceitos da mulher dourada, o que é plausível para este momento da produção uma
vez que a principal fonte de inspiração do artista para a sereia que é uma figura
humana, é dotada de inúmeras texturas formatos e detalhes, torna-se viável recorrer
a um aspecto mais realista que é proporcionado pelas texturas digitais.

Em entrevista com o site The Nexus, Mielgo em junho de 2022, Alberto falou sobre a
sua abordagem para o curta explicando tanto seu ambicioso processo criativo quanto
sua abordagem de contar histórias:

“Quero dizer, foi um desafio técnico total de verdade. E quando eu estava


chegando à minha equipe com o design da garota cheia de correntes, e então
ela colidiria com a água. Todo mundo estava tipo, “meu deus, podemos
simplificar isso?” Mas eu preciso que seja assim. Imagino que seja assim.
Tudo fazia sentido quando você o via.”. (MIELGO, 2022. Tradução nossa).

Figura 61 – Render 3D no software Maya Autodesk da mulher dourada.

Fonte: Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em


https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em 03. jan. 2023.
93

Na Figura 61 é um frame que foi disponibilizado pela Netflix. Mostra o processo de


modelagem da sereia, usando o modelo de desenho de Alberto. Na entrevista com a
Netflix em maio de 2022 conduzida por Ryan G. Smith na plataforma de apoio “Netflix
QUEUE”, Alberto Mielgo revela da dificuldade técnica de transformar seus
personagens em um ambiente tridimensional:

“Precisávamos construir os personagens com base nos designs que fiz. [...]
Precisávamos pintar a textura. Precisávamos fazer o sombreamento dos
personagens [...] como a física da luz reage com as peles, as armaduras, na
água. Precisávamos criar as roupas, todas as superfícies de água com
densidades diferentes [...] íamos ter um pouco de vento, se íamos ter
mosquitos, se íamos misturar sangue com água. É muito sofisticado.”.
(MIELGO, 2022. Tradução nossa).

Pós o processo de modelagem, entra o processo de aplicação de luz e sombras e


como estes reagem a pele dourada, ao ouro escamado e seus devidos metais
preciosos dispostos no corpo da sereia.

Figura 62 – Render 3D final da mulher dourada.

Fonte: Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em


https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em 03. jan. 2023.
94

Na Figura 62 do visual final em 3D da sereia temos de fato todas as aplicações


mencionadas acima. Uma questão a se observar de fato é a iluminação e a textura
completa da sereia, que são muito gráficas e orgânicas. A dificuldade técnica imposta
a equipe de animação foi encontrar a melhor forma para a aplicação da renderização
e da iluminação no 3D, sem que o nível gráfico do Alberto seja apagado, preservando
um ar muito mais artesanal.

Figura 63 - Montagem do Concept art da cena da sereia submersa e sua cena final.

Fonte da esquerda para direita: MIELGO, Alberto. HERE 4 MINUTES of Jibaro Animatic. Madri, 28 de
jul. 2022. Instagram: @albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/.
Acesso em 03. jan. 2023. JIRABO. In: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de
95

Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv, 2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série
exibida pela Netflix. Acesso em 03. jan. 2023.

A cena escolhida na Figura 63 é um exemplo de como o artista constrói os elementos


espacialmente em prol da narrativa. No caso desta figura na qual há o Concept
mostrando parte da sereia, torna-se fundamental o uso da perspectiva e da
composição da cena como meio de produção para desencadear a fácil leitura e
compreensão do que de fato o artista pretende mostrar com este conceito. Há um tom
ameaçador e predatório da personagem e toda sua glória. A refração na água das
joias que ornamentam seu corpo é de um detalhamento primoroso – também
destacado no seu Concept Art, que dá impressão de um “espelho d’agua” onde a
personagem surge.

A capacidade de transformar um ser humano em uma criatura que parece que


pertence a outro universo talvez seja o ponto mais brilhante no processo criativo do
Concept Artist.

“Desenhar e pintar da natureza, seja de uma paisagem, de uma figura ou de


qualquer outro elemento que signifique algo para você, é mergulhar nos
mistérios deste elemento que, como ele diz, são impossíveis de capturar.
Nestes mistérios podemos incluir, na minha opinião, a nossa visão deste
elemento, nossa bagagem com relação a isso, nossas experiências, ideias e
ideais do que entendemos, observamos e queremos representar.”.
(CELESTINO, 2019).

4.3.2.2. Cenário da floresta.

O artista conta que reuniu variados tipos de referências visuais para ajudar no
processo de construção dos esboços iniciais. Na entrevista “Inside of Animation:
Jibaro da Netflix (2022)”, Alberto conta que para a produção foi-se necessário
encontrar locações que simulem a densidade das florestas da América Central. Foram
feitas fotografias com a equipe em regiões e estas foram eficientes como meios de
referência visual para Alberto como mostra na Figura 64.

“Bem, eu sempre quis fazer algo na natureza, que é bem mais orgânico, como
você diz muito bem. A maioria dos meus filmes eram como paisagens
urbanas. E neste caso, eu queria fazer uma homenagem à natureza, o som
da natureza que é muito, muito incrível, e o visual e como a luz está atingindo
os objetos dentro de uma floresta. É muito desafiador porque é orgânico.”.
(MIELGO, 2022).
96

Figura 64 – Montagem das referências de Alberto Mielgo na produção.

Fonte: Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em


https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em 04. jan. 2023.

É interessante perceber como o artista constrói os elementos espacialmente. No caso


da Figura 65 com os Concept Art de duas das cenas na qual mostraria apenas a
floresta com a ideia de mostrar seu tamanho, densidade e sua quietude. O uso deste
plano geral, de forma estática, apenas com os sons da natureza (inseridos na pós-
produção) dão esse aspecto aqui citado.
97

Figura 65 – Montagem de alguns Concept Art da floresta.

Fonte: MIELGO, Alberto. HERE 4 MINUTES of Jibaro Animatic. Madri, 28 de jul. 2022. Instagram:
@albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/. Acesso em 03. jan. 2023

As árvores longas com plantas menores e agrupadas foram pensadas de forma


espacial, em que os elementos se revezam em ângulos distintos. Uma mais adentro
da floresta, dando noção que é um ambiente fechado, inexplorado. Na mesma
imagem, notam-se contrastes com intensidades tonais diferentes – aquele com menos
contraste de valor é na qual se refere já inserido na mata, na qual os elementos são
mais próximos. Além da sensação de perspectiva de ser alguém observando
reafirmando a ideia de vastidão, perigo e de imponência do lugar. Já o quadro com
mais contraste de valor é o referencial da floresta como um todo. A parte escura,
dando novamente a noção de perigo e inóspito, de não saber o que se encontra lá.
98

Alberto posteriormente escolhe adicionar profundidade, texturas e detalhes por meio


destes recursos de composição e de valor. Posteriormente, os Concepts são
digitalizados, pintados e, os que terão movimento ou interação direta com os
personagens, modelados em 3D.

Figura 66 – Montagem de duas cenas renderizadas da floresta.

Fonte: Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em


https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em 04. jan. 2023.

Com a imagem digitalizada e levada ao software de pintura digital podem acontecer


as inclusões de camadas de cores, ajustes de elementos, efeitos de luz e demais
edições que o software oferece como mostra a Figura 66. As imagens de fato revelam-
se como um ambiente muito profundo e fechado, contribuindo para desencadear a
99

ideia de um ambiente inóspito e inexplorado, contrastando com a ideia de descoberta


dos colonizadores, que foi posteriormente adicionada à composição das outras cenas.

Como mencionado, parcialmente a animação é feita com pinturas em 2D. Os planos


de interação que são animados em 3D. A modelagem também usa os recursos dos
Concept Art para simulação. Na Figura 67 é possível ver o processo de modelagem
baseado no Concept de Alberto.

Figura 67 – Cópia da tela do Maya Autodesk de um dos animadores da equipe de animação.

Fonte: Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em


https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em 04. jan. 2023.

A modelagem mostrada na Figura 67 é a mesma leitura das imagens da montagem


da Figura 65. As espécies das árvores, a folhagem e a forma que estão espalhadas
na composição são elementos já definidos por Mielgo. Aqui, provavelmente são
elementos que se mexerão com a cavalaria se aproximando e adentrando a mata.

A produção em si é um processo muito criterioso que no seu decorrer é reformulado


diversas vezes para melhor se encaixasse ao estilo do artista idealizador. E é a cada
um destes momentos, da utilização e aplicação destas experiências que se vai
construindo novas concepções visuais para Jibaro.
100

5. CONCLUSÃO

Estudar o processo criativo da Concept Art é algo que abre os olhos da maioria dos
artistas, que devido ao caráter comercial ficam sem evidência, mas que por trás destes
rascunhos guardam ideias valiosas que, uma vez reveladas, esclarecem momentos
das etapas de produção e ao mesmo tempo relacionam os diversos estudos e fatores
que permeiam o termo. As premissas que envolvem a construção de Concept Arts
nesta pesquisa, têm como objetivo confirmar um entendimento mais apurado para o
conhecimento mais preciso deste ofício por parte de artistas que pretendem seguir
este caminho, ou de qualquer outra pessoa que deseja se informar com mais
propriedade a respeito do tema. Sendo assim, nesta pesquisa foi possível sintetizar
o que ocorre neste universo de produção de rascunhos para projetos audiovisuais –
em especifico na animação, seja nas produções de grande porte orçamentário ou
experimentais, considerando depoimentos de artistas que trabalham neste espaço
para construir esta pesquisa.

Entender, evidenciar e relacionar os fundamentos e as funcionalidades da animação


com o processo criativo da Concept Art foi necessário, pois a ideia de animar as
imagens estão desde os primórdios da humanidade, sendo o desenho e a pintura
meios primários do registro destes movimentos. São também, os meios fundamentais
para a construção dos rascunhos e de esboços de ideias em projetos em geral, não
somente audiovisuais. Entender como funcionam as configurações dos elementos
visuais de construção de imagens são essenciais para o artista que se propõe a
exercer este trabalho. Portanto, foi necessário construir estas relações para
aprofundar no processo criativo do artista em questão.

Encontrei no trabalho de Alberto Mielgo, em Jibaro, a singularidade necessária para


expor seu processo criativo no qual se misturam mídias tradicionais com mídias
digitais para dar vida a esse estrondoso curta-metragem animado, que enche os olhos
com sua beleza e espanta com a qualidade técnica. Sendo assim, escrever a respeito
do trabalho de Mielgo não foi somente um exercício para fins de pesquisa acadêmica
acerca do processo criativo de Concept Art e de sua poética, mas também uma forma
de mostrar a beleza que antecede o os vinte e quatro quadros por segundo,
101

evidenciando o processo criativo para aqueles que pretendem construir o seu próprio
universo.

Entretanto, não cabe nesta pesquisa o aprofundamento na poética individual do artista


ou de toda a história da animação e seus desdobramentos, incluindo países que são
atuantes e revolucionários neste campo, pois estes campos extensos abrem lacunas
para infinitas possibilidades dentro de qualquer universo, inclusive o das Concept Arts,
além de desviar o foco e objetivo desta pesquisa que consiste em uma análise que
revela o processo criativo do artista na figura da mulher dourada e a construção do
cenário da floresta, mostrando as metodologias que funcionam dentro deste âmbito
para facilitar o processo de entendimento destes elementos. Portanto, os meios que
podem ser explicados dentro do processo de construção dos Concepts Arts de Alberto
Mielgo são os fundamentos da pintura e do desenho, muito influentes em seu trabalho
e também, ao naturalismo do movimento, pois este campo de estudos permite
compreender toda a estrutura de qualquer imagem sem a necessidade de entrar na
poética do artista.

Através do entendimento da animação e de toda a sua ramificação e funcionalidade,


foi possível desenvolver ideias utilizando as técnicas que permeiam a lógica para
tornar a imagem crível e objetiva para as demais pessoas. Portanto, torna-se
pertinente revelar os processos de desenvolvimento de Concept Art através dessas
premissas, pois está relacionado ao campo da técnica e da execução. Aqui, a técnica
é uma peça fundamental no campo das Concept Arts pois executa e materializa os
conceitos que estão por trás de toda grande produção.
102

6. REFERÊNCIAS

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