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CENTRO DE ARTES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARTES PLÁSTICAS
NATACHA DE SOUZA
VITÓRIA
2023
NATACHA DE SOUZA
VITÓRIA
2023
Orientador: Prof.______________________
Co-orientador: Prof.____________________
NATACHA DE SOUZA
BANCA EXAMINADORA
_______________________
Prof. Dr. David Ruiz Torres
Universidade Federal do Espírito Santo
DTAM/UFES
Orientador
_______________________
Prof. Dr. Erly Milton Vieira Junior
Universidade Federal do Espírito Santo
Comunicação Social/UFES
Avaliador Interno
_______________________
Profª. Drª. Priscilla Maria Cardoso Garone
Universidade Federal do Espírito Santo
DDI/UFES
Avaliador Interno
“Faça apenas o que você faz de melhor. Faça boa arte.”
Discurso de Neil Gaiman na The University of Arts.da Philadelphia.
AGRADECIMENTOS
Agradeço também a alguns dos meus colegas de turma, que compartilharam suas
jornadas e seus desafios e superações comigo. Aos meus colegas de trabalho que
me encorajaram a prosseguir mesmo nos momentos mais sombrios, e também, ao
meu eterno namorado Eduardo Borém que esteve em todos os momentos desde o
início da minha jornada acadêmica.
E por último, porém não menos importante, agradeço a toda a minha banca avaliadora
e ao meu orientador David Ruiz Torres que é um professor muito profissional, gentil e
um excelente incentivador, isso de fato contribuiu muito para que eu me sentisse
confiante e confortável para produzir esta pesquisa.
RESUMO
Esta pesquisa tem como propósito o estudo sobre Concept Art e a animação para
justificar a análise em torno do processo criativo de Concept Art do artista Alberto
Mielgo para o curta metragem de animação digital Jibaro (2022). Com base nestes
objetivos, a pesquisa se estrutura em três capítulos. No primeiro capítulo escrevo
sobre as animações, fazendo um breve panorama histórico, suas definições e seus
diversos tipos. No segundo capítulo, faço uma definição, com a funcionalidade e
processos da Concept Art, pontuando as suas etapas de execução em grandes
projetos e os tipos de Concept Art. E no terceiro capítulo, explica a concepção e
execução de momentos fundamentais do processo criativo do artista Alberto Mielgo
na animação Jibaro como suas ideias iniciais, produção e renderização.
This research aims to study Concept Art and animation to justify an analysis around
the creative process of Concept Art by artist Alberto Mielgo for the digital animated
short film Jibaro (2022). Based on these objectives, this research is structured in three
chapters. In the first chapter it is written about animations, making a brief historical
overview, their definitions and their different types. In the second chapter, I make a
definition, with the functionality and processes of Concept Art, punctuating its
execution stages in large projects and the types of Concept Art. And in the third
chapter, it explains the conception and execution of fundamental moments of the
creative process of the artist Alberto Mielgo in Jibaro animation, such as his initial
ideas, production and rendering.
1. INTRODUÇÃO 13
2. A ANIMAÇÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA 15
2.1. DAS CAVERNAS ÀS TELAS DE CINEMA 15
2.2. A IMAGEM EM MOVIMENTO 35
2.2.1. Tempo: Uma variável 36
2.2.2. Tipos de animações 38
2.2.2.1. Animação tradicional 38
2.2.2.1.1. Rotoscopia 40
2.2.2.2. Animação de recorte 40
2.2.2.3. Animação limitada 40
2.2.2.4. Pixilation 41
2.2.2.5. Animação com fantoches 42
2.2.2.6. Animação por Stop Motion 43
2.2.2.7. Animação Digital 43
2.2.2.7.1. Animação 2D 44
2.2.2.7.2. Animação 3D 45
2.2.2.7.3. Motion Graphics 46
3. CONCEPT ART 48
3.1. APROXIMAÇÃO AO TERMO E PAPEL DA CONCEPT ART 48
3.2. TIPOS DE CONCEPT ART 55
3.2.1. Design de personagens (Character design) 56
3.2.1.1. Briefing 58
3.2.1.2. Thumbnails 59
3.2.1.3. Silhuetas 59
3.2.1.4. Model sheet 60
3.2.2. Design de cenários (Environment design) 61
3.2.3. Design de acessórios/objetos (prop design) 64
4. ESTUDO DE CASO “JIBARO” 67
4.1. O ARTISTA 67
4.2. LOVE, DEATH + ROBOTS. 69
4.3. “JIBARO” OU “FAZENDEIRO”. 74
4.3.1. Produção 78
4.3.1.1. Dos Concepts para a renderização 81
4.3.2. Concept Art de Jibaro 87
4.3.2.1. A mulher dourada. 87
4.3.2.2. Cenário da floresta. 95
5. CONCLUSÃO 100
6. REFERÊNCIAS 102
13
1. INTRODUÇÃO
O termo Concept Art se refere às artes que dão visibilidade para um conceito, sendo
parte fundamental de um projeto de criação que influi diretamente em seu resultado.
Geralmente, estas artes são associadas a anúncios, livros de arte e documentários a
respeito de produções de jogos, animações ou outras produções audiovisuais. Muitas
destas artes são mostradas como rascunhos, mas, ao aprofundar sobre o assunto,
revelam-se uma série de fatores ocultos que explicam sua real função dentro da
produção audiovisual, e neste trabalho, nas animações digitais. Além disso, o termo é
dotado de variantes e funções. Com base nesta premissa, esta pesquisa tem como
propósito o estudo sobre Concept Arts para justificar a análise em torno do processo
criativo de Concept Arts do artista Alberto Mielgo para o episódio de curta metragem
Jibaro (2022) da terceira temporada da série antológica animada Love, Death +
Robots, distribuído pela Netflix.
A maioria das fontes deste estudo vêm do meio digital devido a que o tema abordado
é relativamente novo e tem experimentado uma grande procura devido à tecnologia
após os anos da década de 2000 (CELESTINO, 2016). Grande parte das fontes
utilizadas nesta pesquisa são recortes de escritas e falas de artistas relevantes no
meio da Concept Art e da animação do Brasil e do contexto internacional, como Luiz
Celestino (2016), Chris Solarski (2012), dentre outros, e também de sites específicos
sobre animação e Concept Art. Inicialmente escrevo sobre o processo de existência e
funcionalidade das animações, pontuando desde dados cronológicos a respeito da
história até a forma como acontecem suas etapas de execução em meio aos grandes
projetos audiovisuais, finalizando a primeira parte desta pesquisa com a explicação
sobre os tipos de animação. Neste momento, foi importante entender que a narrativa
se torna um elemento e um dos mecanismos cognitivos primários para a compreensão
do mundo, se mostrando como fundamental, e que estaria presente como forma de
desenvolvimento, a entender como esta grandeza permeia entre as estruturas por trás
de qualquer produção. Usando o chamado “cinema de animação” (Tassara, 1996) e
a “animação em termo amplo” (Aumont, 2006), que existem na premissa de viabilizar
a compreensão e construção das imagens em movimento, escrevo a respeito da
relação dos fundamentos e funcionalidades da animação com a Concept Art. Sendo
14
Nas palavras de Guillhermo Del Toro no making of de “Pinóquio: Cinema feito a mão”
exibido pela Netflix: “A animação se tornou, na mente de um consumidor, um gênero.
Mas também é uma forma de arte” (TORO, 2022). Diferente dos filmes que mostram
realidades, por mais inventivas que sejam, ainda são elementos reais, na animação
não, ela cria e precisa simular a captura. Assim, o processo de animar é dar alma a
algo sem vida ou sem movimento, se dá vida àquilo que está desenhado e isto chega
a ser mágico. A animação surgiu de uma demanda do cinema para fazer coisas
mágicas acontecerem. Georges Méliès, um dos pioneiros na sétima arte, era um
mágico ilusionista e trouxe elementos desta magia para os filmes, conhecidos por
desafiar o real. Muito mais que contar uma história, as animações passeiam pela
subjetividade e pela imaginação humana e, com narrativas fortes, demostram valores
capazes de modificar o pensamento e a sociedade presente e futura.
Nossos ancestrais já queriam contar suas histórias e registar suas caças e rituais,
para isso desenhavam personagens e animais em posições que sugeriam movimento,
ilustrando suas ações, mostrando que a narrativa era um elemento fundamental e que
estaria presente. Sendo o homem estritamente oral, havia àqueles que já observaram
outras formas de comunicação através dos desenhos.
Em 1600 a.C., o faraó Ramsés II construiu para a deusa Isis um templo que tinha 110
colunas. Na Figura 02, um detalhe destas colunas. Engenhosamente, cada coluna
tinha uma imagem da deusa pintada em uma pose progressivamente modificada. Para
os cavaleiros e as carruagens que passavam, Isis parecia mover-se.
1
Athanasius Kircher foi um jesuíta, matemático, físico e inventor nascido em Geisa, Rhön, famoso por sua
versatilidade de conhecimentos e particularmente sua habilidade para o conhecimento das ciências naturais.
18
Apesar do sucesso dos filmes de Reynaud, demorou algum tempo até que a animação
fosse adaptada na indústria cinematográfica. O pioneiro do cinema Georges Méliès,
ocasionalmente usou animações de objetos em seus filmes.
Em 1868 uma novidade chamada “flíper book” ou bloco de folhear, surgiu no mundo
todo, e tornou-se o aparato mais simples e muito popular. Ele se dá em um bloco de
desenhos presos por uma das bordas, como um livro. Para que funcione, é preciso
segurar o bloco em uma mão pela borda presa e com a outra mão apenas folhear
rapidamente as páginas para ver os desenhos se movimentarem. O resultado é a
animação – “a ilusão de ação contínua. Desenhos no tempo.” (Willians, 2016, p.14).
Ainda hoje, o animador dito como “clássico” passa seus desenhos como em um bloco
de folhear antes de testar o vídeo ou numa câmera filmadora. Coloca-se os desenhos
2
IMDb, também conhecida como Internet Movie Database (em português: Base de Dados de Filmes na Internet),
é uma base de dados online de informação sobre cinema, TV, música e games.
20
em sequência, com os números menores para baixo e então folheia toda a ação, de
baixo para cima.
Figura 07 - Montagem de frames de Humorous Phases of Funny Faces. Blackton. EUA, 1906.
Fonte: YouTube. Humorous Phases of Funny Faces. Blackton. EUA, 1906. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wGh6maN4l2I›. Acesso em: 28 out. 2022.
Um ano depois, Emile Cohl produziu e exibiu seu primeiro filme animado na casa dos
espetáculos Folies Bergère 3em paris: Fantasmagoria (Fantasmagorie, França, 1908),
3
O Folies Bergère é uma casa de música parisiense do tipo cabaré que esteve no ápice de sua fama
e popularidade da década de 1890 até à década de 1920. Atualmente ainda funciona com espetáculos.
21
as imagens eram infantis – linhas brancas sobre um fundo preto (Figura 08) – mas, a
história era relativamente sofisticada: o conto de uma garota, um amante ciumento e
um policial.
Ele também deu movimento aos postes e casas, com emoções e temperamentos
próprios. A obra de Cohl prefigurou o que viria a ser um ditado da animação: “Não
faça o que uma câmera pode fazer – faça o que uma câmera não pode fazer!”.
(Willians, 2016, p.16).
Crafton (1993, p. 61) aponta que “Emile Cohl foi o maior responsável por transformar
os esforços de seus antecessores filmes de truques na única arte do século XX, mas,
paradoxalmente, suas próprias raízes se estendem no passado”. Uma arte que
nasceu propriamente de suas experiências que mais do que qualquer outro, merece
McCay fez 4 mil desenhos do “Pequeno Nemo” moverem-se (Figura 09). Eles foram
um grande sucesso quando exibidos em uma tela de teatro Hammerstein em Nova
York em 1911.
Fonte: Museum of Modern Art. Por Barbara Flueckiger. Disponível em: <https://filmcolors.org/wp-
content/uploads/2013/05/MoMA_LittleNemo_100241_HandColored_IMG_0002.jpg>. Acesso em: 28
out. 2022.
23
Em 1914, desenhou “Gertie, o Dinossauro”, e o próprio McCay atuou “ao vivo” diante
da animação projetada, segurando uma maça diante de Gertie, convidando-a a comer.
Gertie baixou seu longo pescoço e engoliu a fruta – causando assombro à plateia.
Essa era a primeira animação de “personalidade” – os primórdios da individualidade
nos desenhos animados. “Era tão realista que a plateia conseguia identificar-se com
Gertie. Foi uma sensação. “(WILLIANS, 2016. P.16).
Nos anos 1920, Gato Felix, criado em 1919 pelo desenhista Otto Messmer (Figura 10)
com parceria do cineasta e animador Pat Sullivan, tornou-se tão popular quanto
Charlie Chaplin. Essas curtas animações do Félix eram visualmente inventivas,
fazendo o que uma câmera não podia fazer. Mas, mais importante, uma verdadeira
personalidade emergiu dessa enxurrada de desenhos silenciosos em preto e branco
e o próprio Félix conectou-se com as plateias do mundo todo. O que houve é que após
a I Guerra Mundial, que dificultou a produção cinematográfica da Europa, deixando
toda hegemonia cinematográfica aos norte-americanos, visto a grande força que
esses estúdios passaram a ter, em grande parte em decorrência do conflito bélico.
Um estouro de cartoons exploravam os cinemas e em menos de duas décadas, o
cartoon animado passou por importantes aprimoramentos técnicos, possibilitando o
desenvolvimento de um estilo de animação, filiado ao modelo realista e de
continuidade de cena proposto por Griffth4 que seria conhecido como animação
clássica. O diretor e animador Celso d´Elia define que:
4 David Llewelyn Wark Griffith, foi um diretor de cinema estadunidense e apontado por muitos críticos,
cineastas e especialistas como o mais influente diretor da história do cinema, foi o introdutor de diversas
inovações profundas na forma de fazer cinema, sendo considerado o criador da linguagem
cinematográfica. É mais conhecido pelo seu controverso filme O Nascimento de uma Nação de 1915.
Disponível em: <https://www.ebiografia.com/d_w_griffith/>. Acesso em 08 de novembro de 2022.
24
Felix foi um sucesso inegável e seu legado levou diretamente ao advento de Walt
Disney e, em 1928, Mickey Mouse decolou com sua aparição em Steamboat Willie (O
Vapor Willie) – o primeiro desenho animado com som sincronizado (Figura 11).
25
Fonte: Steamboat Willie. Walt Disney, Ub Iwerks. (American, 1901–1966), (American, 1901–1971).
1928. 35mm film (black and white, sound), 8 min. Disponível em:
<https://www.moma.org/learn/moma_learning/walt-disney-ub-iwerks-steamboat-willie-1928/>. Acesso
em: 30 out. 2022.
A recepção foi tão calorosa, que se tornaria o personagem de maior sucesso dos
estúdios Disney. Steamboat Willie de certa forma obrigou a encontrar novas soluções
e procedimentos que permitissem ao cinema animado ganhar a mais dinamismo que
é exigida pelo som. A primeira coisa que mudou foi a necessidade de um planejamento
mais apurado, ou seja, a pré-produção se tornou um momento na qual necessitava
mais atenção. Antes, o ritmo da história era construído de modo mais livre, agora,
teriam que dividir espaço que seriam orientados pelo som.
As imagens agora tinham uma relação intrínseca com o tempo e com o ritmo,
ditada pela música e pelos efeitos sonoros. Isso levou a algumas alterações
na folha de continuidade dos filmes, que começaram a incluir cada vez mais
detalhes de planejamento. (QUINTÃO, 2008. p. 152).
5São piadas rápidas, como situações de esticamento ou aquelas envolvendo o aumento de volume,
como um “estouro” do personagem.
26
Logo depois, Os Estúdios Disney continuaram com a o uso do som como elemento
para elucidar as ações dos personagens. Trouxe então, outro desenho animado que
também se consolidou na história da animação: The Skeleton Dance (A dança dos
esqueletos) de 1929. Nessa animação, a música ainda se encaixa como elemento
principal, sendo que a trama e as animações seriam quase que ilustração para a trilha
sonora. Pela primeira vez a ação foi coordenada com uma trilha musical adequada.
Essa foi a primeira Silly Symphony (Sinfonias Tolas ou Sinfonias Ingênuas). A nova
série apresentava um conceito inteiramente novo dentro do contexto do cinema de
animação industrial norte-americano.
The Skeleton Dance também é creditado por ser o primeiro desenho animado de som
não pós-sincronizado. Isso significa que tanto o som quanto o desenho foram feitos
para serem sinônimos um do outro. A música estava sendo feita ao mesmo tempo que
a animação e não de forma independente posteriormente feita.
27
O que Disney esperava das cores era comparável ao que a trilha sonora já havia
proporcionado ao seu cinema de animação: teriam um papel de enaltecer e ser o
elemento capaz de redimensionar a qualidade narrativa e expressiva dos filmes
animados.
Fonte: IMBd. Three Little Pigs. 1933. Cor. 9 min. Disponível em:
<https://www.imdb.com/title/tt0024660/>. Acesso em: 30 out. 2022.
A história dos três porquinhos (Figura 14) é certamente um dos contos infantis mais
conhecidos (ASHLIMAN, D. 2000). Existem várias versões da história, inclusive um
conto dos irmãos Grimm, mas a versão da Walt Disney onde um lobo tenta devorar
três porquinhos se tornou muito popular.
No entanto, depois da Segunda Guerra Mundial a situação mudou. Uma das grandes
mudanças foi a chegada da televisão e seu apetite voraz por um conteúdo produzido
rapidamente. Isto fez que de fato exigisse trabalhos mais simples e grosseiros, uma
vez que a produção em massa seria o fator mais importante neste período. A
animação simplificada ou limitada emerge com mais força.
A estilização dos anos 1950 deu início aos estúdios United Productions of America,
popularmente conhecida como UPA, em Hollywood. A UPA foi fundada após a greve
dos animadores da Disney em 1941, que resultou no êxodo de vários funcionários da
Walt Disney. Mr. Magoo na figura 15 (Série. 130 episódios. 1949 – 1977) e Gerald
McBoing Boing (1950. 7 min.) na figura 16.
Fonte: iMDB. Mr. Magoo. Direção: Stephen Bosustow. Série de Tv. 1949 - 1961. 5min. Cor.
Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt1044551/?ref_=vp_vi_tt>. Acesso em: 30 out. 2022
31
Fonte: iMDb. Gerald McBoing-Boing .Direção: Robert Cannon; John Hubley. 1950. Cor. 8 min.
Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt0043581/>. Acesso em 30 out. 2022.
A abordagem da UPA foi considerada mais sofisticada que o da Disney e fez o uso da
animação limitada e de fato muito menos realista. A nova abordagem encontrou
aprovação crítica (CAVALIER, 2011. P. 15). Ao mesmo tempo, houve no mundo todo
uma abundância de filmes animados autorais, experimentais e “de arte”, feitos de
novas maneiras, com muitas técnicas diferentes e conteúdo muito diferenciado do
produto de Hollywood. Wiliams (2006) afirma que “os animadores estavam
reinventando a roda em termos estilísticos”. A UPA terminou nos anos 2000 e seu
catálogo foi adquirida posteriormente pela Universal Pictures6, após a aquisição bem-
sucedida da DreamWorks Animation7
apesar de não se industrializar até os anos 50, e mesmo então apenas Londres
mantinha uma indústria comparável a Los Angeles e Nova York (CAVALIER, 2011.p.
18). Porém, disponibilizava um ambiente mais fértil para a experimentação e
vanguarda. Opunham-se aos cineastas estadunidenses e encontraram grupos de
apoio também norte-americanos. Nos EUA surgem então grupos alternativos
inspirados pelas vanguardas europeias, o “Cinema Novo Americano” de Maya Deren
8e a liberdade criativa encorajada pela “geração beat” (CAVALIER, 2011. P. 15). Este
momento foi primordial para o “renascimento” da animação. Dos anos 1960 aos 1970,
cineastas vanguardistas criam animações abstratas por meio de computadores. Esse
trabalho pioneiro abre espaço para o que, muitas décadas depois, será a técnica
dominante no mercado: o CGI (Computer Generated Imagery – Imagens Geradas por
Computador).
8Reconhecidamente pioneira no campo da dança no cinema, Maya Deren é considerada uma das
maiores e mais influentes cineastas do cinema experimental.
33
Com o uso do computador fez com que os custos caíssem e a qualidade aumentasse,
chegando ao ponto de se criar animações totalmente digitais (HILTY e PARDO, 2013),
como no caso de “Cassiopéia” (VIEIRA, 1996) e “Toy Story” (Jonh Lasseter, 1995) –
Figuras 17 e 18 respectivamente, e assim, milhares de filmes de animação seriam
criados e não mais no papel, mas sim dentro dos computadores.
Fonte: iMDb. Cassiopéia. Direção: Clóvis Vieira. Brasil. 1996. Cor. 80 min. Lançamento 2005.
Disponível em: < https://www.imdb.com/title/tt0136748/>. Acesso em: 30 out. 2022.
9É um estúdio americano de animação por computado. Uma subsidiária da Disney Studios Content de
propriedade da The Walt Disney Company. A Pixar começou em 1976 como parte da divisão de
computadores Lucasfilm, conhecida como Graphics Group, antes de sua cisão como uma corporação
em 3 de fevereiro de 1986, com financiamento do co-fundador da Apple, Steve Jobs, que se tornou seu
acionista majoritário. A Disney comprou a Pixar em 2006. Disponível em: < https://www.pixar.com/>.
34
Fonte: iMDb. Toy Story. Direção: John Lasseter. Estados Unidos. 1995. Cor. 81 min. Disponível em:
<https://www.imdb.com/title/tt0114709/>. Acesso em: 30 out. 2022.
A animação é uma arte que, embora milenar, ainda precisa ser mais bem conhecida.
E não apenas pelos produtores e estudiosos das imagens. A animação se
desenvolveu, a rigor, antes do cinema fotográfico e do cinema de animação, nutrindo-
se das experiências dos brinquedos ópticos e de todos os atributos herdados de outras
manifestações artísticas e gráficas com os primeiros experimentos da imagem em
movimento. Foi graças à engenhosidade de cientistas e artistas que puderam inventar
os mais variados dispositivos de simulação da imagem em movimento.
Convém deixar bem claro que existe uma nítida diferença conceitual entre
animação (no sentido mais amplo e puro da palavra) e cinema de animação
propriamente dito. Enquanto o primeiro conceito cobre qualquer técnica que
vise reproduzir a ilusão de movimento (os flipbooks e os anúncios luminosos
animados são bons exemplos disto), o segundo refere-se especificamente ao
emprego das técnicas cinematográficas com esse mesmo objetivo: um caso
especial de animação. (TASSARA, 1996, p.14).
Segundo Jacques Aumont e Michel Marie (2006, p. 18), animação é “o termo para
designar formas de cinema nas quais o movimento aparente é produzido de maneira
diferente da simples tomada de cena analógica”, ou seja, não se trata de uma
captação imagética apenas, mas, da reprodução repetitiva de um mesmo desenho
para conquistar o efeito de movimento. O termo animação vem de anima, uma palavra
latina que significa “alma” ou “o sopro da vida”. E isso é o que um animador faz - ele
ou ela dá vida a personagens bidimensionais dando-lhes coração, alma e
personalidade. Artistas que trabalham com lápis e bloco de desenho ou um mouse,
uma mesa digitalizadora e computador criam personagens que se levantam e pulam
da página ou do monitor.
Nos anos 1820 começaram os estudos com ilusões de ótica e assim, começaram a
explicar o fenômeno da “Persistência da visão”, que permite a ilusão de movimento
baseada em desenhos estáticos. NAMIKATA (2010) define que a persistência da
visão, ou persistência retiniana, designa o fenômeno ou a ilusão provocada quando
37
um objeto visto pelo olho humano persiste na retina por uma fração de segundo após
a sua percepção. Ou seja, a retina do olho retém uma imagem que viu por um
momento antes de processar outra imagem. Se uma série de imagens são exibidas
diante de seus olhos a 10 quadros por segundo, o cérebro pensa que vê uma única
imagem em movimento.
A padronização dos 24 quadros por segundo veio com o cinema sonoro, quando da
invenção do Sistema Movietone10, ou som gravado diretamente na película. Isso
aconteceu porque a projeção em 16 ou 18 quadros por segundo sonoros causavam
grandes distorções no som, pela pouca velocidade com que a película passava no
leitor óptico do projetor. Assim, era necessário aumentar a velocidade da projeção
para que o som respondesse satisfatoriamente. Mas aumentar a velocidade de
projeção exige também que se aumente o padrão de captação, pois ambos devem
rodar na mesma velocidade para simular um movimento corretamente.
10
O sistema de som Movietone é um método óptico de som em filme de gravação de som para filmes
que garante a sincronização entre som e imagem. Ele consegue isso gravando o som como uma faixa
óptica de densidade variável na mesma tira de filme que grava as imagens.
39
Fonte: Akira. Edição Especial 20 anos. Direção: Katsuhiro Ôtomo. Focus Filmes, 2008, 2 DVD, Cor.
Akira (1988), 11é uma animação japonesa realizada de forma tradicional. No total, o
longa-metragem tem 2.212 tomadas e mais 160 mil quadros desenhados à mão, mais
do que o dobro do que outros animes costumavam ter, o que garante uma fluidez de
movimentos inédita até então. O filme também usa 327 cores diferentes, sendo que
50 delas foram criadas especificamente para esta produção.
11 Akira. Edição Especial 20 anos. Direção: Katsuhiro Ôtomo. Focus Filmes, 2008, 2 DVD, Cor.
40
2.2.2.1.1. Rotoscopia
Técnica bastante antiga, também conhecida como “cut off”. São feitos bonecos com
articulações, que são fotografados quadro a quadro, e depois é feito um vídeo em
cima das fotos. Um exemplo de animação de recorte é o desenho animado South Park
(1997) como mostra a Figura 21. É um tipo de movimento bem único, mas que pode
ser explorado de formas criativas para criar peças incríveis.
Fonte: SOUTH PARK STUDIOS. Direção e Produção: Trey Parker; Matt Stone. 1997 - Atualmente.
Cor. Amazon Prime.
e popularização das Tv’s, foi uma técnica muito usada devido seu baixo custo e seu
rápido processo de execução. Na Figura 22 há um exemplo de uma produção que
utilizou este método.
Fonte: THE MARVEL SUPER HEROS, Estados Unidos; Canadá: Grantray-Lawrence Animation;
Marvel Comics [Séries de Tv]. 1966. 195 episódios. 1 temporada. Cor.
2.2.2.4. Pixilation
Utilizada pela primeira vez em 1911 no filme “Jobard Ne Peut Pas Voir Les Femmes
Travailler” pelo francês Émile Cohl, é uma das mais antigas técnicas de animação,
onde atores vivos ou objetos reais são utilizados e captados quadro a quadro criando
uma sequência de animação. Funciona como uma animação tradicional, só que
tirando fotos em vez de desenhá-los. O canadense Norman McLaren revolucionou o
cinema com os seus desenhos e bailarinas; a técnica que McLaren desenvolveu
consiste em pegar num negativo de filme e pintar em cada frame uma imagem
diferente, exatamente como é feito nas animações tradicionais (com lápis e papel)
onde cada folha é uma continuação do movimento, a diferença é que McLaren
desenhava diretamente no filme. A figura 23 mostra a técnica empregada por
McLaren:
42
Fonte: Youtube. MCLAREN, Norman. Pas de deux. 1968. PB. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=j69mePDyZ7A>. Acesso em: 02 nov. 2022.
Fonte: MUBI. The Beautiful Lukanida (Prekrasnaya Lyukanida). Direção: Wladyslaw Starewicz.
Rússia, 8 min. 1912. Disponível em: <https://mubi.com/pt/films/the-beautiful-lukanida>. Acesso em:
02 nov. 2022.
43
A história do Stop Motion remonta aos primórdios do cinema. George Mélies usou esta
técnica para dar sequência aos seus truques misteriosos e a partir da mesma, ele
produziu o filme “Viagem à Lua” (Le Voyage Dans La Lune), de 1902. No curta, a
chegada na Lua de um foguete com tripulação humana é criada a partir desta técnica,
a figura 25 exemplifica a estadia dos tripulantes à lua, em um sonho na qual muitos
elementos aparecem repetidamente na tela, brincando com as ilusões que esta
técnica foi capaz de criar.
Fonte: Youtube. Viagem À Lua (Le Voyage Dans La Lune). Direção: Georges Méliès. França: Star
Film. 1902. 14 min. Pb. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=UHbpgsD8zCM>.
Acesso em: 02 nov. 2022.
Não é de hoje que a tecnologia influencia a sociedade. Dessa mesma forma, o avanço
tecnológico também se adentou nas animações. Animação Digital é a arte em que se
combinam imagens para fazer movimentos fluídos por meio do computador. Trata-se
44
2.2.2.7.1. Animação 2D
A animação bidimensional (ou 2D) é caracterizada por ter seus objetos e personagens
criados no espaço bidimensional. Isso significa que eles possuem somente altura e
largura. É a mesma técnica empregada de forma tradicional, porém com o intermédio
do computador, ou seja, é um processo feito por meio de vários softwares e programas
de animação com a opção de desenhar os personagens e planos de fundo
diretamente no computador. A minissérie animada “O segredo além do jardim” de
2014 é um bom exemplo desta técnica, como mostra a Figura 26.
Fonte: O Segredo Além Do Jardim. Direção: Patrick McHale. Estados Unidos: Warner Bros.
Television. Minissérie. 2014. 11 min. Cor. HBO Max.
2.2.2.7.2. Animação 3D
Na Figura 28 mostra que é como se o personagem criado fosse um boneco com vários
controladores, que ao selecioná-los assim cria-se o movimento que deseja. De grosso
modo é necessário esculpir digitalmente todos os objetos e personagens da
46
Embora esteja mais atrelado à animação digita, está recente, sua origem tem raízes
há algum tempo. Saul Bass (1920-1996), considerado por muitos o precursor da
técnica, inovou ao tornar os créditos finais e iniciais dos filmes numa grande parte da
experiência de cinematográfica. “Vertigo” (“Um corpo que cai”) em 1958 de Alfred
Hitchcock, Bass criou uma sequência de créditos dinâmicos (Figura 29). Não só
deixou esteticamente mais agradável como deu uma nova maneira de reforçar a
narrativa, mostrando como os títulos poderiam reforçar a mensagem do filme.
Fonte: VERTIGO. Direção: Alfred Hitchcook, Estados Unidos: Paramount Pictures; Universal Pictures.
1958. 128 min. Cor. Youtube Premium.
e burocráticas dos filmes. Passaram então a ser espaços de experimento, e mais que
isso, de definição da temática e estéticas das obras cinematográficas.
3. CONCEPT ART
A Concept Art ou arte de conceito ganhou muito espaço nas últimas duas décadas,
uma vez que foi percebido que o valor do artista de Concept Art durante o processo
de produções de jogos, publicidade, e, finalmente, no audiovisual é algo
indispensável, já que o artista de Concept é alguém que resolve problemas de maneira
visual dentro da produção, ou seja, gera opções visuais para assim resolver
problemas que surgem na construção de personagens, cenários e objetos de cena. É
uma etapa de pré-produção que é fundamental para criar uma obra concisa,
homogênea e coesa e que de alguma forma, consiga causar identificação a quem
consome.
Em parte, transpor o que está na cabeça, e também no coração, e colocar essas ideias
em um pedaço de papel é um processo importante para que impasses aconteçam. É
uma forma de pensar: “era isso que eu tinha na cabeça. Ou não.”. Isso acaba trazendo
outra ideia que pode surgir novas indagações: “Se eu fizer isso, posso então ajustar
isto...”. Na animação não é um processo diferente. A comunicação inclusive é muito
importante, pois, se tenta comunicar as ações e emoções dos personagens para quem
está assistindo. Jin Kim, Character Designer dos Walt Disney Animation Studios
menciona:
“Se tem uma coisa que me faz viver esse processo, é meu amor por
desenhar. Se você não ama desenhar, não pode fazer esse trabalho. Todo
49
dia você tem que produzir vários desenhos. [...] eu acho que isso que me fez
continuar.”.13(KIM, 2022).
Este processo de vários desenhos para que enfim, a ideia original se materialize de
forma mais madura, ou até se torne outra coisa do que foi pensado, é primordial para
a confecção de uma obra de animação ou arte de meios digitais. É um processo da
pré-produção na qual chamamos de Concept Art.
Para que estes impasses aconteçam, todo artista animador deve pelo menos manter
um caderno de artista ou sketchbook para “desenhar, desenhar e desenhar da vida
ao seu redor a cada oportunidade possível!” (WHITE, 2009). O uso dos sketchbooks
nas artes já é algo discutido e observado nas artes plásticas, sobretudo na
contemporaneidade e da mesma forma, os artistas de animação o também usam. O
sketchbook do artista funciona como um registro de reflexões, esboços, anotações
diversas sobre suas produções. Para o pesquisador e professor, Paulo Silveira o livro
de artista “é o livro em que o artista é autor e livro-obra é a obra de arte dependente
da estrutura de um livro”. (SILVEIRA,2001, p. 47).
13 KIM Jin. PETER PAN/CAPITÃO GANCHO. (temporada 1, ep. 4). Do esboço à realidade
[Documentário]. Direção: Leanne Dare, Andrew McAllister, Jason Sterman. Produção: Walt Disney
Animation Studios. Estados Unidos: Walt Disney Company, 2022. Disney Plus. son., color.
14BAMBI. Direção: James Algar, Samuel Armstrong, David Hand. Produção: Walt Disney. Estados
Unidos: RKO Radio Pictures, 1942. Disney Plus. Color. 70 min.
15A PEQUENA SEREIA. Direção: Ron Clements, John Musker. Produção: Walt Disney Feature
Animation. Estados Unidos: Walt Disney Studios, 1989. Disney Plus. Color. 83 min.
50
humor para uso na indústria de entretenimento audiovisual antes de ser produto final.
Embora este conceito não esteja tecnicamente errado, este ignora a maior parte do
trabalho de um artista de Concept que é mostrado como rascunhos, mas revelam-se
uma série de fatores ocultos que orbitam dentro do termo. Apenas uma fração do que
os artistas de Concept pintam mais tarde é usada como material de referência para a
produção. Anhut (2014) diz que “Construir um universo é um grande empreendimento
e incorporar a visão de todos os envolvidos significa produzir grandes volumes de
designs”. O autor ainda menciona:
A ilustradora e Concept Artist Patrícia Kelen Takahashi, no seu artigo proposto para
X Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital em Salvador/Bahia, diz que:
O Concept Artist Luiz Celestino16, que já trabalhou para a Netflix na série “3%” (2016),
em seu blog “Brushworkatelier”, em referência a Feng Zhu17, escreve:
[...] segundo Feng, Concept Art/Concept Design não é o que VOCÊ quer
fazer, e sim o que seu CLIENTE quer que você faça! Você não é pago para
sentar no computador e desenhar o que você quer, você é pago para resolver
um problema e entregar para tal uma representação visual. (CELESTINO,
2016).
Ou seja, com base nestas colocações, Concept Arts são desenhos e/ou pinturas
elaborados com o intuito de desenvolver o conceito de algum elemento que estará
presente numa obra de meio audiovisual, seja um jogo, uma animação, ou uma
16 Pesquisador e Concept artist, fundador do site e grupo de pesquisa sobre Concept Art
“Brushworkatelier” – onde compartilha sobre artistas e estudos sobre o universo e produção de Concept
Art. É um dos pioneiros no Brasil na pesquisa deste campo.
17Feng Zhu é Concept artist e já trabalhou na empresa Blizzard e filmes da franquia Star Wars. Hoje é
fundador da FZD, a maior escola de artes digitais da Ásia voltada ao entretenimento.
51
Fonte: JAMES PAICK ART. More sketch to final process shots. 02 de outubro de 2018. Instagram:
@jamespaickart. Disponível em https://www.instagram.com/p/BodGedAh8mY/. Acesso em: 14 de
julho de 2022.
Isso significa que o produto final de uma ilustração será ela, já produzido e
finalizado. Já o de um Concept, de um personagem em uma animação 3D,
18Não existe uma regra exata em relação aos nomes dessas áreas que constituem o universo da
Concept Art, isso varia entre as instituições e estúdios, porém existem três vertentes que sempre
aparecem e são elas: Character design, Environment design e Prop design. CONCEPT ART EMPIRE.
“Characters, Props or Environments: Picking a Concept Art Specialty”. 2016. Disponível em:
<https://conceptartempire.com/picking-a-concept-art-specialty/>. Acesso em: 13 de julho de 2022.
19James Paick, é um artista renomado por trabalhos em jogos como Uncharted 2, Prey 2, The Last of
Us, Tomb Raider e Guild Wars 3.
52
Figura 31 – Concept Art do jogo eletrônico The Last Of Us Part II (Cena da luta final).
Fonte: The Last of Us Part II Art Gallery: Ellie and Abby Final Battle Artt. Disponível em:
<https://www.creativeuncut.com/gallery-38/tlou2-ellie-and-abby-final-battle.html>. Acesso em: 14 de
julho de 2022.
Figura 32 – Frame da cena da luta final do jogo eletrônico Last Of Us Part II.
Fonte: THE LAST of Us: Part II. Naughty Dog, LLC. Sony Interactive Entertainment, 2020. Jogo
eletrônico.
Na Figura 31, disponível no livro The Art of the Last of Us Part II Deluxe Edition (2020),
a Concept Art da artista Ashley Swidowsk20 relata a última cena de confronto do jogo
20Renomada diretora de arte e Character Design da Naughty Dog Studios, responsável por diversos
personagens da franquia Last Of Us, como a protagonista e a antagonista, além de outros projetos
como Silent Hill 3 e 4.
53
A maioria dos estúdios utilizava quem desenhava melhor para fazê-lo. Nesta
época quase não existiam jogos 3D, então como o processo era
bidimensional você tinha vários funcionários na equipe que sabiam desenhar,
então buscava aqueles com um bom design e viravam seus Concept
Designers. (CELESTINO, 2016).
21The Last of Us Part II é um jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido pela Naughty Dog e
publicado pela Sony Interactive Entertainment. É o segundo jogo da franquia, lançado em 2020, The
Last of Us Part II detém o recorde de mais prêmios de Jogo do Ano de todos os tempos.
54
Porém, de acordo com a plataforma digital “Nuts Computer Graphics”: “ao contrário
do que muitos ilustradores pensam, a Concept Art não é de forma alguma uma
especialização recente.”. No texto entende-se que podemos encontrar o
desenvolvimento da Concept Art há mais de um século, na preparação de filmes de
animação.
22Em tradução livre, sketch significa esboço — ou seja, qualquer trabalho ou obra em estado inicial.
Também pode ser definido como rudimento ou noção inicial de alguma coisa.
23 Foi um estúdio de animação norte-americano, que funcionou de 1928 a 1973 e que foi o principal
fornecedor de desenhos animados para a Universal Studios, agora parte da NBC Universal. Disponível
em: < https://walterlantz.fandom.com/wiki/Walter_Lantz_Productions>. Acesso em 13 de julho de 2022.
24Foi uma corporação em Nova Iorque e fundada em 1921 com o nome de Inkwell Studios pelos irmãos
Max Fleischer e Dave Fleischer e comprada pela Paramount Pictures em 1942, e foi uma forte
concorrente da Walt Disney Productions, com seus personagens em desenho animado, dos quais os
mais conhecidos são Betty Boop, Popeye e Superman. Disponível em: <
https://www.fleischerstudios.com/>. Acesso em 13 de julho de 2022.
25Série de ilustrações ou imagens arranjadas, com uma sequência cronológica, feitas com o objetivo
de pré-visualizar a mídia audiovisual. Ele deve interpretar o roteiro já produzido e organizá-lo em uma
narrativa visual. Disponível em: < https://revospace.com.br/artigo/o-que-e-um-storyboard/ >. Acesso em
13 de julho de 2022.
26 Marca as principais passagens da história e a gradatividade/ritmo das cenas. Disponível em: <
https://boords.com/animatic/what-is-the-definition-of-an-animatic-storyboard>. Acesso em 13 de julho
de 2022.
55
De forma geral, o termo e seu universo, por ser recente e pouco estudado no meio
acadêmico, ainda há divergências entre as instituições e os estúdios que os usam,
então não há uma maneira regular ou formal de definições exatas de suas áreas e
subáreas de especificação. Dentro da Concept Art existem vertentes que possuem
muitos nomes. Durante o processo de investigação é possível encontrar sites e livros
que dividem em três e outros estendem as definições como: Vehicles Design, Creature
56
Design, Gun Design e outros, como é o caso da escola Revolution27. Contudo, aqui
recortará para as áreas mais comumente encontradas, que são Character,
Environment e Prop Design – que dentro delas, acabam englobando as demais.
27 Instituição de Ensino de Arte Digital Revolution é uma escola de artes digitais localizada em Curitiba.
57
por exemplo O Rei Leão (1994), conta em entrevista cedida ao documentário “Do
esboço à realidade (2022)”, produzido pela Walt Disney Company, sua experiência ao
criar o “Simba” e especificamente, a cena na qual ele perde o pai:
As Figuras 33 e 34 mostram as Concepts Art de uma cena do filme Rei Leão (1994),
28uma das melhores animações de todos os tempos e também, uma das cenas mais
impactantes da história do cinema. A morte de Mufasa (pai do Simba) arrancou
lágrimas de todo mundo. Foi a primeira morte em uma produção da Disney. Antes
houve filmes em que o assunto estava presente, como em Bambi, mas a plateia nunca
tinha visto o personagem morrer assim. O momento retratado, é justamente quando
Simba tenta reanimar o pai. Posteriormente, percebendo que nada acontece, Simba,
começa a chorar sob o braço de seu pai morto. O que mais importava aqui era como
28
REI LEÃO. Direção: Roger Allers, Rob Minkoff. Produção: Walt Disney Feature Animation, Walt
Disney Pictures. Estados Unidos: Buena Vista Pictures, 1994. Disney Plus. Color. 89 min.
58
As imagens detalham visualmente o que o redator Marcos Torres diz em seu blog:
“Quando construímos um personagem devemos ter em mente que não estamos
apenas fazendo uma ilustração, mas querendo dar vida à um ser imaginário, assim o
processo de criação pode ser bem mais metódico e detalhado.” (2017). Com isso, há
um longo processo de criação, e assim como em qualquer outro processo possui
algumas etapas fundamentais em seu desenvolvimento: Briefing, Thumbnails,
Silhuetas e Model sheet.
3.2.1.1. Briefing
3.2.1.2. Thumbnails
São pequenos esboços que abrangem o personagem de forma geral, como revela a
Figura 35.
Fonte: Naughty Dog Studios. The Art of the Last of Us Part II Deluxe Edition. United States of
America: Dark Horse Books. 1ª ed. 2020. p.19.
3.2.1.3. Silhuetas
Fonte: SOLOMON, Charles. A Disney Sketchbook: Introduction 201. United States of America:
Disney Editions. 2012.p.124.
Na Concept Art da Figura 37 da princesa Mulan do filme “Mulan” (Walt Disney Feature
Animation e Walt Disney Pictures, 1998), o artista Mark Henn constrói um Model sheet
de busto, enfatizando as expressões da personagem. Na imagem é possível
compreender as características físicas do rosto. A personagem estava submersa na
água e está subindo a superfície. No modelo percebe-se o balançar do cabelo e sua
interação com a água. É o objetivo do Model sheet compreender a estrutura do
personagem para que os trabalhos posteriores, como modelagem 3D e a ilustração
consigam entender ao máximo possível o conceito desenvolvido previamente.
Não é recente que artistas em diversas áreas possuem interesse em reproduzir, reler
ou criar cenários. Estes, quando bem executados, proporcionam experiências
inesquecíveis. O trabalho não se resume apenas aos elementos físicos e exige um
planejamento detalhado e muito bem adequado ao local de realização e tema da obra.
Como o próprio nome já diz, esta é a categoria que cuida do desenvolvimento de
cenários e ambientações, criando cidades, construções e paisagens de acordo com a
realidade da história, incluindo cenários internos como cômodos de uma casa,
estabelecimentos e etc., ou seja, tudo o que envolve a ambientação do projeto
audiovisual. Para que isto aconteça, é imprescindível que o design de cenários tenha
conhecimentos sólidos sobre perspectiva, composição, desenho espacial e
62
Também precisam ser rápidos com suas obras de arte. É crucial que o artista possa
trabalhar com qualquer tipo de ambiente, seja ele real ou não. Muitas vezes a
ambientação se baseia em uma fantasia, como planetas ou galáxias, por exemplo. O
trabalho desse artista é muitas vezes imaginar mundos que não existem e torná-los
realidade, e isso requer muito mais do que fundamentos de arte.
29Thiago Klafke é um artista de Concept de cenários muito consolidado no mundo. Seus trabalhos são
reconhecidos mundialmente e atuou nos principais estúdios de desenvolvimento de jogos eletrônicos
como a Blizzard, Lightspeed e Ubisoft de São Paulo.
63
Essas estruturas verticais não fariam muito sentido na vida real, mas essa é
a graça de ser um artista 3D: você pode usar sua imaginação e ter geometria
abstrata em seus trabalhos que as pessoas geralmente nem se incomodam
com isso. Claro que tudo isso é subjetivo e aberto à discussão, mas se você
quiser estudar mais sobre esse assunto, recomendo ler sobre os Princípios
da Gestalt de Percepção Visual. Aqui está um bom ponto de partida.
(KLAFKE, 2020. Tradução nossa).
Ou seja, o artista precisa entender objetos básicos como plantas, animais, natureza e
geologia, não a um nível científico, mas o mais genuíno possível. O cenário precisa
interagir com o personagem, ele também precisa demostrar as emoções, os exageros
e a clareza da jornada. Dentre os princípios indispensáveis, estão a criação de
thumbnail, composição, estudos de valores, formas e técnicas digitais da pintura.
Esses princípios servirão de alicerce para criação dos mais variados tipos de cenários
com diferentes contextos contando as mais diferentes estórias.
Os thumbnails também são importantes para esta etapa, porém aqui há alguns
elementos a mais para serem considerados como são a perspectiva e a justaposição
de elementos. Para isso, são possuídos muitos thumbnails do mesmo local com
perspectivas e relações de massas diferentes para explorar possibilidades. Assim,
selecionando os thumbnails que mais se destacarem, começa a construção da
imagem explorando melhor a perspectiva e as formas para posteriormente adicionar
questões de luminosidade, escalonando seus valores e cores.
30
STAR WARS: The Rise Of Skywalker. Direção: J. J. Abrams. Produção: Lucasfilm Ltd., Bad Robot
Productions. Estados Unidos: Walt Disney Studios, Motion Pictures. 2019. Disney Plus. Color. 142 min.
64
imagem da direita, vemos que a nave no mesmo plano só que desta vez a nave está
mais distante do observador, dando a sensação de que ela sumirá no horizonte.
Figura 39– Thumbnails cena nave “millennium falcon” em Star Wars: The rise of Skywalker.
Fonte: SAUNDERS, Phil. THE ART OF STAR WARS: the rise of Skywalker.2019 [?]. Disponível em: <
https://www.iamag.co/the-art-of-star-wars-the-rise-of-skywalker-by-phil-saunders/>. Acesso em: 14 jul.
2022.
Assim como nas outras áreas que constituem a Concept Art, aqui também se aplicam
os conhecimentos avançados e plenos nos fundamentos da arte. O design de
adereços precisa ter em mente que esses conhecimentos são essenciais para
desenvolver elementos de qualquer ângulo e perspectiva. Além, precisa sempre
atualizar seu repertorio de referências visuais, consumindo conteúdos visuais em suas
diversas formas, como filmes ou qualquer conteúdo audiovisual, exposições de arte,
livros e revistas, fazendo viagens e investigações, pois, uma coisa que é corriqueira
no dia-a-dia do design de adereços é o fato de poder enfrentar desafios na construção
do projeto, como, por exemplo, construir utensílios para uma cozinha no estilo
vitoriano em uma mansão abandonada para uma animação de terror, ou desenvolver
equipamentos para uma sala de máquinas em uma nave espacial alienígena.
65
Outro fator que deve estar presente no processo criativo do design de adereços é o
objetivo de construir muitas e variadas opções de acessórios para os projetos. No livro
“The Skillful Huntsman: Visual Development of a Grimm Tale at Art Center College of
Design”, reúne a documentação de quatro grandes artistas: Scott Robertson31, Khang
Le32, Mike Yamada 33e Felix Yoon34. A Figura 40 detalha o que foi mencionado:
Fonte: LE, K.; YAMADA, M.; YOON, F.; ROBERTSON, S. The Skillful Huntsman: Visual development
of a Grimm tale at Art Center College of Design. Culver City: Design Studio Press, 2006, p. 71-72.
31
Artista e fundador da Design Studio Press que é uma editora sediada no sul da Califórnia. Autor do
livro “How to draw”. Disponível em: < https://designstudiopress.com/>. Acesso em 15 de julho de 2022.
32Diretor de Arte e Artista de Desenvolvimento Visual. Khang Le é um diretor de arte vencedor do
Emmy, baseado em Los Angeles. Ele é especialista em desenvolvimento visual, incluindo todos os
aspectos do design para animação, como personagens, planos de fundo, adereços e efeitos. Disponível
em: < https://www.khangleart.com/about>. Acesso em: 15 de julho de 2022.
33Como ele mesmo diz: é um solucionador de problemas multidisciplinar com 15 anos de experiência
em cinema, jogos e espaços temáticos. Ele é designer de produção da Netflix em um projeto de
animação. Disponível em: < http://myamada.com>. Acesso em: 15 de julho de 2022.
34Artista de desenvolvimento visual da Netflix. Disponível em: < https://www.felixyoon.com/>. Acesso
em: 15 de julho de 2022.
66
Portanto, o Concept Art configura, sem dúvida, algo de crucial importância para o
desenvolvimento de projetos voltados para o audiovisual. E, sem dúvidas, é
necessário que o artista possua sólidos conhecimentos nos fundamentos da arte.
Assim, independente da mídia de atuação, sobretudo na animação, foco desta
pesquisa, o desenvolvimento dessas habilidades possibilita que o projeto fique mais
conciso, previsível e diminui exponencialmente as chances do perder o foco,
proporcionando um melhor planejamento, o que possibilita de se tornar algo material.
Para o artista, ver uma pilha de desenhos, deixando de ser uma pilha de desenhos e
tornando-se movimento, dando vida ao que foi feito, é algo muito emocionante.
67
“Jibaro” (2022) é uma daquelas animações que prende do início ao fim. Encanta com
sua beleza e hipnotiza com sua história. A direção de arte de “Jibaro” (2022) é hiper-
realista e tecnicamente impecável e a sua narrativa, que é um mergulho nos mitos
antigos e faz uma releitura de um momento devastador e cruel da história do homem.
O curta-metragem explora uma dança literal entre os personagens e traz referências
a figura mitológica da sereia e outros arquétipos e signos.
4.1. O ARTISTA
Para além da indústria, Alberto tem propostas muito pessoais na qual se destacou na
crítica e o que fez ser um nome de peso na indústria. Uma dessas propostas é o “The
Windshield Whiper” (“O limpador de para-brisas”) de 2021, dirigido e coproduzido por
Alberto ao lado de Leo Sánchez. “Nós dois começamos do nada e crescemos”, conta
Mielgo em uma entrevista de 2021 para Chris Robinson, diretor artístico do Festival
Internacional de Animação de Ottawa (OIAF). À frente de uma equipe de mais de 40
pessoas, Alberto completa: “A animação precisa de muita gente, tanto de artistas
quanto de técnicos”. (MIELGO, 2021). O filme hispânico-americano que estreou no
Festival de Cinema de Cannes em julho, acabou ganhando o prêmio de Melhor Curta-
Metragem de Animação no 94º Oscar. Sua história de aproximadamente 15 minutos
68
é uma imersão poética que reflete sobre o amor. “Eu me desassociei um pouco do
trabalho comercial, gostaria que a animação seguisse caminhos diferentes aos quais
as pessoas estão acostumadas, aquele cinema familiar de 0 a 99 anos” (MIELGO,
2021).
Fonte: THE WINDSHIELD Wiper. Direção de Alberto Mielgo. Produção de Alberto Mielgo e Leo
Sànchez. Espanha: Pinkman.tv. 2021. 15 min. Son, color. Digital. Disponível em
<https://www.imdb.com/video/vi2733294361/>. Acesso em 12 dez. 2022.
O frame retirado do curta (Figura, 41), é uma cena interessante onde esses
personagens acabam encontrando seus perfis virtuais em um site de relacionamento,
mas não se conhecem pessoalmente. É notável o trabalho de pintura digital do artista,
aspecto que é visto em todas as suas produções. Em outra entrevista com o “Cartoon
Brew35” via Zoom, Mielgo diz um pouco sobre seu processo criativo e o uso dos
fundamentos da pintura para construção deste curta-metragem. Mielgo diz que em
termos de design, “venho de uma direção de arte e experiência em pintura. Quando
estou dirigindo, gosto de desenhar o personagem, desenhar as roupas, o visual geral
do filme. Isso é algo que me obceca.” (MIELGO, 2021). De forma mais técnica ele
completa:
35
Cartoon Brew é um site de notícias sobre animação criado por Amid Amidi e o historiador de animação
Jerry Beck, lançado em 2004.
69
Nesta entrevista Mielgo além de revelar um pouco do seu processo criativo, diz sobre
o seu apelo independente:
Atualmente em seu site pessoal, Alberto está com um projeto animado chamado
PINKMAN. Novamente um projeto pessoal que de acordo com o site terá “recursos
de animação mais legais e incríveis de todos os tempos.”(MIELGO,2022). Um projeto
que está aberto para crowdfunding sem intervenção de estúdios.
A arte é por muitas vezes descrita como um meio transformador social e o cinema de
animação, encontra-se como um desses canais importantes na arte, para questionar
e ritualizar processos de subjetividade e muito acentuado, processos sociais. Dentro
de uma narrativa com o objetivo de pura estranheza visual, a série antológica animada
de ficção científica, ou seja, cada episódio trata de uma história própria, em universos
diferentes, “Love, Death + Robots”, distribuída pela Netflix e de criação do Tim Miller,
o diretor de “Deadpool” (2016) e produzida por David Fincher – diretor de grandes
obras como “Clube da Luta” (1996) e “Seven – Os Sete Pecados Capitais” (1995); a
série cativa o telespectador acima de tudo por sua potência visual, que atravessa a
linha do vale da estranheza de maneira nítida para mostrar com muita destreza o quão
a humanidade é insignificante diante a imensidão do universo, transformando tudo em
nada, em um mergulho a crise existencialista que comove e perturba à todos. “Love
Death + Robots” é uma produção que desde sua estreia em 2019, recebeu críticas
vultosas e com aclamações consideráveis aos episódios que são muito estilizados,
com narrativas imersivas e principalmente são criativos e diversificados, além de
70
temas relevantes e eloquentes, que chamam atenção não apenas por suas artes e
suas técnicas, mas também pela narrativa análoga e eufônica.
A temática da série é seu próprio nome: Amor, Morte e Robôs. Essas são as três
temáticas exploradas onde cada episódio irá usar uma dessas temáticas ou duas ou
até as três para explorá-las e contar uma história em particular. De acordo com o site
da produtora brasileira Tubo Filmes, fundada em 2010, com produções e também um
blog especializado em cinema, Tim Miller fez questão de entregar cada roteiro na mão
de um time de artistas e animadores de estúdios diferentes, independentes ou de
franquias. Isso para que, propositalmente, nada ficasse homogêneo, criando uma obra
de diferentes técnicas, traços, ideias e valores que com uma excelente curadoria, que
faz com que cada animação desta série funcione conforme a sua proposta. Tem certos
episódios onde a animação é tão realista que há questionamentos o que de fato são
atores humanos ou se são produtos de computador, e, tem outros episódios que
mesmo usando recursos de cartoon, com sons e exagero, que muitas vezes seria uma
quebra da imersão à história, mas aqui funciona de forma contraria: enfatiza a
narrativa e enriquece a história.
Fonte da esquerda para direita: HISTÓRIA ALTERNATIVA. In: Love, Death + Robots. Criação de Tim
Miller. Direção de Víctor Maldonado e Alfredo Torres. Dinamarca: Sun Creature Studio, 2019. son.
Color. Temporada 1, episódio 17. Série exibida pela Netflix. Acesso em 12 dez. 2022.PARA ALÉM
DA FENDA DE ÁQUILA. In: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Léon Bérelle,
Dominique Boidin, Rémi Kozyra e Maxime Luère. França: Unit Image.2019. son. Color. Temporada 1,
episódio 7. Série exibida pela Netflix. Acesso em 12 dez. 2022.
Estrando em 2019, a primeira temporada tem dezoito episódios, que variam de seis
minutos até dezessete minutos. Por ser uma série animada, faz uso da animação
como um todo, usando vários estilos e mesclando técnicas, que vai desde uma
animação limitada, 2D, Stop Motion à uma animação ultrarrealista em CGI. Suas
71
histórias curtas fazem com que seus conceitos sejam condensados em uma pequena
narrativa de modo que tenha espaço para discussões e análises ao término de cada
episódio.
De fato, muitas coisas poderiam ser exploradas em cada uma das histórias,
vindo até a se estender por mais de uma hora, mas a intenção destes
pequenos contos animados é exatamente essa: provocar nossa mente com
conteúdo que nós mesmos precisamos completar. Quando temos a sensação
de que algo ficou no ar, nosso cérebro (essa máquina incrível que temos
preguiça de usar) começa a criar possibilidades. (LEVIAN. 2019).
Na montagem da Figura 42, exemplifica bem o que foi descrito. Na primeira imagem,
um frame do episódio “História alternativa (2019)” que brinca com a ideia de “e se tal
coisa nunca tivesse acontecido?”, deixando claro que não é uma mudança num fato
do passado que terá o poder de salvar nosso presente ou futuro. Nesta animação,
produzida na Dinamarca por Víctor Maldonado e Alfredo Torres com técnicas que
usam a animação limitada, tendo o cenário por muitas vezes estático e exacerbando
a gestualidade dos personagens a fim de criar diversão, mesmo que o personagem
seja o Hitler. Já na segunda imagem da montagem, o episódio 7, “Para Além da Fenda
de Áquila (2019)”, foi dirigido por Léon Bérelle, Dominique Boidin, Rémi Kozyra e
Maxime Luère da Unit Image, que é um estúdio de animação localizado em Paris na
França especializado em geração de computador e efeitos visuais. Neste curta de
dezessete minutos, há um CGI hiper-realista que muitas vezes confunde com a ideia
do que é real e o que não é. Sua história é uma das mais inquietantes: a distância e a
impossibilidade de voltar para um lugar onde possamos chamar de lar, a dúvida sobre
onde estamos, e a dura realidade de descobrirmos que estamos sozinhos no universo.
A segunda temporada, em 2021, com menos episódios – oito curtas animados, que
variam entre sete e vinte e três minutos, vêm com uma proposta mais sombria e nesta
temporada, embora continue sendo uma antologia, há um elo em comum que
atravessa o enredo geral. A série continua agradando sua legião de fãs. Apesar de
poucos episódios, estes estão com uma curadoria mais especifica e retornam com
suas críticas sociais enfatizando o horror cósmico36e as incertezas do desconhecido.
36 O termo “horror cósmico” foi muito usado pelo autor norte-americano Howard Phillips Lovecraft (1890
- 1937) para designar seu próprio projeto estético. Criador do aclamado "Mito de Cthulhu" – um universo
ficcional povoado por monstruosidades “mais antigas que o tempo e maiores que o espaço”. Nesta
72
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Víctor Maldonado e Alfredo Torres.
Dinamarca: Sun Creature Studio, 2021. son. Color. Temporada 2. Série exibida pela Netflix. Acesso
em: 12 dez. 2022.
No seu terceiro ano, em 2022, com nove episódios e com plena precisão em suas
execuções e nas suas críticas, a produção mostra com propriedade novamente
questões sociais e humanas e de forma ainda mais voraz e intenso, com plena
exatidão nos detalhes e apontando as retidões horrendas e perturbadoras que
assolam a sociedade, em momentos oportunos e objetivos, refere-se
crença, somos vagantes cósmicos pequenos e indefesos perante o universo, buscando entender nossa
própria existência e falhando miseravelmente.
73
Seus curta metragens oferecem uma diversidade de histórias diferentes seja uma
fascinante história de uma sereia mitológica à uma hilária história completa de Stop
Motion sobre zumbis tomando o mundo, com começo, meio e fim. É nesta temporada
que há um curta-metragem que se destaca nas avaliações de críticos e que está nas
listas de melhores animações da série. A animação “Jibaro” ou “Fazendeiro” em
tradução para o português. Dirigida, desenhada e animada, além de ser produzida por
Alberto Mielgo, produtor de outras obras de animação, “Jibaro” (Figura 44) é uma
viagem imersiva à América Central, com uma narrativa hipnotizante. Aqui, o uso do
CGI hiper-realista é uma descrição precisa, pois há uma fusão de realismo, com um
lado místico que estabelece o uso de outras técnicas de computação gráfica, como a
que retira a “definição” da vegetação local ou a que, ao contrário, amplifica o realismo
do metal que cobre o corpo da sereia.
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 24 dez.
2022.
74
Sobre a análise do curta, esta será debatida mais a frente, na qual a partir dos
elementos de estudo do artista, na construção dos personagens e cenários, haverá
uma análise plástico formal da obra, mas, bastando mencionar para fins de sinopse,
a história se trata de uma sereia porto-riquenha (a geografia é determinada pelo uso
da palavra “jibaro” que, aqui, também é o nome do protagonista masculino)
enfrentando conquistadores espanhóis de armadura com sua voz que os atraem para
as profundezas do lago que vive. Um deles, porém, é surdo e não cai na tentação, o
que automaticamente cria uma fascinação e uma conexão de amor e ódio entre os
dois que é a receita para a autodestruição mútua em uma narrativa que lida com o
colonialismo de maneira lírica, mas sem perder a força da crítica.
O que faz esse curta ser tão impactante é sua vera semelhança com o real. O trabalho
de hiper-realismo já é uma marca registrada do diretor. O valor do design de produção
sempre foi uma preocupação da sua produção e neste curta é altíssimo além de
também ser outro aspecto que desafia descrições.
Como informado, “Jibaro” é uma releitura poética de duas histórias que se encaixam
muito bem: a do conto folclórico do canto da sereia, contendo um diálogo mínimo e
centrado em um cavaleiro surdo que é imune ao canto dessa sereia em particular; e;
da dominação espanhola na América Central durante seu período de mercantilismo.
Na história, a sereia está intrigada com o cavaleiro, um fascínio do porquê não é
afetado por sua voz, e de contrapartida, o cavaleiro que também é atraído por ela pelo
ouro ornamentado e pelas joias de que ela é feita, criando uma atração perigosa e
cautelosa entre os dois personagens.
A história começa de fato com o título. “Jibaro” é uma palavra porto-riquenha que
significa agricultor, fazendeiro. Esta é uma informação importante para entendermos
onde a história se passa – em uma floresta em Porto Rico. Nesta floresta há um grupo
de cavaleiros que pela vestimenta das armaduras, identifica-se com os
conquistadores espanhóis que colonizaram as américas, e, em meados do século XV
foi quando passaram pelo atual Porto Rico. Uma outra referência a esses
colonizadores que o curta mostra é a forma que estes são subordinados ao poder
75
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 29 dez.
2022.
persegui-lo discretamente, observando-o. Ela está tão curiosa, tão encantada pelo
único homem que não é suscetível à sua música, que em um momento, à noite,
quando o homem repousava para posteriormente dar continuidade a sua jornada, ela
se deita ao lado dele enquanto ele dorme na floresta. Ele acorda e se assusta, porém,
como um bom Dom Quixote que começa acreditar na fantasia que ele vive, ele não a
quer perder de vista com todo aquele ouro.
Ambos ficam próximos um do outro. Uma sedução mútua. Em outra cena, uma criada
numa cachoeira (Figura 46), a sereia dança para Jibaro, numa tentativa de seduzi-lo
e Jibaro que se deixa conquistar por ter outros motivos. Ela o envolve e ele a toca.
Suas mãos passeiam por sua pele e ele retira uma das escamas de ouro da sereia.
Aquilo faz a sereia sangrar, mostrando que todos aqueles ornamentos fazem parte do
corpo dela, assim como ela faz parte daquele lugar, da natureza que ele está.
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 29 dez.
2022.
Eles se beijam e percebe-se que até a boca da sereia é formada por metais preciosos,
o que machuca Jibaro que sangra com isso, porém está determinado em conquistar
a confiança da sereia e mesmo assim resiste a dor até dar o seu golpe final
desmaiando sereia, começando assim o seu horror. No seu desmaio profundo Jibaro
vai retirando toda a sua pele de ouro. Escamando-a por completo e colocando toda
sua pele em um saco, deixando-a sem nada e a jogando no rio onde é carregada e
desaparece de vista. Aqui se percebe que ela faz parte de tudo aquilo e com toda a
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Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em 29 dez.
2022.
Jibaro percebe que se deu início ao seu fim. A mulher que desceu o rio flutuando de
volta para sua casa acorda e descobre que foi violentada e grita de raiva. O soldado,
que não está mais imune aos seus gritos, segue-a até a morte na água. Ela grita,
chora e isso vai tomando a sanidade de Jibaro, e da mesma forma que seus
companheiros, ele dança, enlouquece e afunda. A câmera acompanha seu
afogamento e vemos então o reino submerso desta sereia, com vários corpos de
outros homens que se atreveram a adentrar em seu território.
78
Jibaro” se destaca não apenas por sua narrativa inventiva, mas também por sua
ambiciosa abordagem visual. Devido a fluidez e o naturalismo dos movimentos de
todos os personagens, as texturas de água, refrações, a física do movimento e toda
sua mecânica, o sangue, o comportamento da luz além de uma infinidade de outros
fatores, quase parece que “Jibaro” é parcialmente live-action, ou possivelmente uma
mistura de animação e captura de movimento. Alberto Mielgo mostrou na curta
documentário da Netflix “Love, Death + Robots | Inside the Animation: Jibaro (2022)”
que a animação foi realmente feita de fato usando quadro-chave e combinando outros
materiais de referência para assim ganhar vida juntamente com a modelagem 3D
limitada para aumentar seu trabalho. “Gosto de usar técnicas clássicas” (MIELGO,
2022) diz nesta entrevista.
4.3.1. Produção
37No site do Emmy encontra-se as indicações e os prêmios que a animação ganhou e de Alberto Mielgo
por Jibaro. Informações disponíveis em https://www.emmys.com/shows/love-death-robots-0.
79
Alberto Mielgo revelou no evento Geeked Week da Netflix 38que o episódio foi criado
com locações e artistas reais para servir de base para os animadores e assim criar
uma espécie de rotoscopia. Sobre a história, o mesmo diz que falava sobre uma
história de amor. Mielgo informa que a obsessão do personagem por poder e
materialismo os leva a fins violentos e cruéis. Por exemplo, a sereia que cai sob a
impressão do soldado perde seus ornamentos graciosos, enquanto o soldado se torna
vítima de seus gritos mortais. Portanto, sua ganância o curou de sua surdez, o que
acabou levando à sua morte impiedosa.
“The Witness para mim foi uma história sobre um relacionamento do qual
você não pode sair. Este é um loop em que ambas as pessoas tentam se
comunicar, mas ao mesmo tempo não conseguem ouvir o parceiro. Jibaro,
por sua vez, fala sobre a relação extremamente tóxica entre os dois
predadores. Este é um relacionamento sensual baseado na atração um pelo
outro, não pelas melhores razões.”. (MIELGO, 2022. Tradução nossa.).
Falando sobre trabalhar no curta, Mielgo nesta entrevista confirmou que permanece
fiel a si mesmo em relação aos seus outros trabalhos em não usar captura de
movimento. Em vez disso, o diretor pega várias referências e trabalha em todas as
animações dos personagens à mão. Desta vez para referências, a equipe da Mielgo,
composta de 117 pessoas, chamou a coreógrafa Sara Silk e convidou um grupo de
dançarinos conhecidos para gravar vários vídeos para os animadores. Mielgo disse
que ele e sua equipe usaram imagens disso para corresponder aos movimentos do
personagem animado. Querendo manter essa linguagem visual não-verbal, a mesma
técnica também foi usada para os cavaleiros, usando dançarinos ao invés de atores,
gravando imagens deles encenando os movimentos e depois usando essas imagens
como referência para combinar com o movimento do cavaleiro (Figuras 48 e 49).
38O evento virtual gratuito de cinco dias dedicado aos fãs, que celebra as séries, os filmes e os jogos
Netflix de todos os géneros, está de volta de 6 a 10 de junho de 2022 no youtube.
80
Fonte: Love, Death + Robots | Inside the Animation: Jibaro. Netflix. 2022. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=JeUuk-g_Qws. Acesso em: 31 dez. 2022.
Outra técnica que já está presente com seus trabalhos anteriores o diretor usou um
efeito que simula a presença de um operador de câmera na cena.
“Eu gosto quando a câmera está “ao vivo”. Quando o espectador sente que
ele mesmo está na cena ou mesmo segurando a câmera. Se bem-feito,
acrescenta realismo. Também gosto quando a câmera não consegue focar
no quadro nem por um segundo. Na vida real, é difícil se concentrar durante
uma luta. Portanto, o uso de tal efeito transmite bem ao espectador uma
sensação de estresse e presença.”. (MIELGO,2022. Tradução nossa.).
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
81
39 Jibaro Q&A with Agora Animation Team - Love, Death + Robots Season 3. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XTFdytzohcc&t=0s>. Acesso em: 31 dez. 2022.
82
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
83
Fonte: Youtube. COMO FOI FEITO - Live Action ou CGI? Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=I9_897O71eo>. Acesso em: 31 dez. 2022.
Do lado do personagem, uma das coisas que se encontra olhando para o trabalho de
Alberto é seu cuidado com a iluminação e suas texturas muito gráficas, mas tangíveis.
Uma das coisas para se ter um critério de cuidado era trabalhar a renderização e a
84
Fonte: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv,
2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série exibida pela Netflix. Acesso em: 31 dez.
2022.
85
Nas Figuras 54 e 55, como pode se ver, os personagens principais da história não têm
narinas e a barba do cavaleiro e as sobrancelhas de ambos são apenas linhas
simples.
Por sua vez, há outros aspectos que necessitavam muitos detalhes e precisões, como
os metais, os líquidos e suas respectivas interações e colisões. Existe uma piada na
indústria da animação: você pode medir a habilidade de um animador pela forma como
ele interage com água. Simulações líquidas realistas são sempre uma grande fonte
de dor de cabeça para a equipe nos bastidores, e as magníficas cachoeiras e intensas
cenas subaquáticas em "Jibaro" quase confundem os olhos. Alberto enfatiza que
“tecnicamente, é muito complexo e foi muito difícil simular o choque de armaduras,
joias, o respingo da água e o efeito de todos se movendo e colidindo na água.”. Ele
completa:
“Quando a equipe ouviu pela primeira vez, todos disseram: "Oh não! Oh meu
Deus! Podemos simplificar", mas acho que era isso que estávamos tentando
alcançar, era a única coisa que não podia ser simplificada, eu queria para
empurrar a tecnologia, empurrar os visuais, levar a arte ao limite! E acabamos
fazendo isso, o que é ótimo, definitivamente não é fácil!". (MIELGO, 2022.
Tradução nossa.).
A Agora Studios40, equipe que trabalhou com Alberto, também revelou os bastidores
da produção dos acessórios de metal do filme. Remi Comtois revela em entrevista via
Zoom ao site Fox Renderfarm:
Sobre a animação da sereia, com todo o metal de seu corpo, Remi Comtois, completa:
40Agora é uma rede global de artistas profissionais que fornecem serviços freelancers de alta qualidade
para estúdios em todo o mundo. Site: https://agora.studio/about.
86
Ragdoll Dynamics (Figura 56) é uma nova calculadora de física em tempo real para o
software de modelagem 3D da Autodesk, o Maya. Essa ferramenta permite que os
animadores usem a física em tempo real nas ligações dos personagens, sejam
componentes mecânicos, tecidos, cabelos ou músculos, qualquer coisa na janela de
visualização do Maya pode gerar movimento secundário realista.
O software simula a física do movimento em 360 graus. Simulando o peso dos objetos
e seu movimento de acordo com as redes de vetores mostradas no quadrado.
Independente do movimento da personagem, seus adereços (independente também
do material que for), movimentará precisamente de acordo com a física aplicada.
Nos últimos anos, houve uma grande introdução das ferramentas de modelagem e
renderização 3D além da utilização de técnicas usando inteligência artificial tanto no
campo da arte, quanto nas produções audiovisuais e de games. A utilização de
ferramentas de 3D para a produção de entretenimento está em constante crescimento
devido ao seu valor, agilidade e flexibilidade que estas novas ferramentas
proporcionam. Não que não existe espaço para artes tradicionais na animação, porém
é uma parcela cada vez menor devido ao seu alto custo e o prazo de produção.
Enquanto isso, já existem artistas inovando com ferramentas que mesclam técnicas
de animação em 2D e 3D. Um desses artistas é o Alberto Mielgo em suas produções
pessoais e agora, em uma produção assinada pela Netflix.
O “desenho vai além do puro entendimento racional do mundo ao nosso redor, mas
sim nos abre para um nível muito mais de sutilezas, da intuição e da reflexão.”
(CELESTINO, 2019). É com essa afirmativa que se encaixa o estilo de Mielgo. O
artista recorre aos meios tradicionais para desenvolver os seus rascunhos no primeiro
momento de produção, adicionando linhas, manchas e texturas no papel.
Fonte: Zahed, Ramin. The Art of Love, Death + Robots. 2022. Nova York: Titan Books. P. 232.
Mielgo em entrevista com a prestigiosa revista The Hollywood Reporter, por Carolyn
Giardina em 2022, diz que tem como forte referência “principalmente no
impressionismo.”, e completa “Apesar de parecer muito rico, costumo retirar coisas
que não são necessárias e dou ênfase a coisas que são muito importantes, como os
olhos. (Tradução nossa).”. Na Figura 57, retirada do livro “The Art Of Love, Death +
Robots” publicado em 2022 por Ramin Zahed – que reúne algumas imagens dos
processos de alguns episódios da série, entre eles, o Jibaro, percebe-se a marca das
pinceladas da mulher de ouro, destacando as texturas que serão aplicadas em sua
pele. Nos desenhos em preto e branco, revelam a forma inicialmente planejada da
personagem.
89
Desta forma, o artista desenvolveu a maior parte do seu processo de trabalho – uma
vez que foram dois anos de pré-produção e oito meses de animação e pós-produção,
através de rascunhos às texturas e detalhes, e posteriormente digitalizando seus
processos e utilizando da pintura digital com adição de camadas e mais camadas de
manchas para dar aspecto de profundidade e tridimensionalidade, além de incluir
valores mais escuros para diferenciar os diferentes tipos de metais que a sereia
possui.
Fonte: MIELGO, Alberto. My JIBARO’s character design. Madri, 07 de jul. 2022. Instagram:
@albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/. Acesso em 03. jan. 2023.
Como está escrito na Figura 58, este é um design imaginado sem cor e sem os
ornamentos, que acabou não sendo utilizada na renderização final da personagem.
Nele, nota-se como o artista explora as possibilidades de transformação das formas,
o exagero das pinceladas e as ranhuras que remetem ao brilho de metal no cabelo da
sereia. Apesar de ser bem diferente do design escolhido, possui similaridades que
serão usadas posteriormente, como a profundidade do olhar, hipnótico da sereia, a
pincelada bem-marcada da pintura evidenciado nas sobrancelhas e na dinâmica da
luz e da sombra da personagem. Alguns aspectos serão retirados desta, como as
90
narinas que estavam nos designs iniciais e o cabelo que será menor e sem esse
aspecto de penteado. A personagem de fato não se assemelha com uma criatura
mitológica, estranha, dourada que representa um perigo para os cavaleiros. No
decorrer do processo que as texturas de fato foram aparecendo.
“Eu queria que fosse um tesouro ambulante, algo tão atraente e tão cheio de
joias, pedras preciosas e cores que você quase esquece que existe um ser
humano por trás [...]. Fiquei extremamente feliz por poder retratar tantas joias
e tantas civilizações em apenas um único personagem.”. (MIELGO,2022.
Tradução nossa.).
A maioria dos personagens foi desenhada de diversas formas para encontrar a melhor
forma de destacar toda a ambição de Alberto, e cada mudança de design significava
que a modelagem, a blocagem, a animação e outras etapas precisavam ser ajustadas
significativamente, o que levou a que as expressões faciais fossem adicionadas
posteriormente.
Fonte: MIELGO, Alberto. HERE 4 MINUTES of Jibaro Animatic. Madri, 28 de jul. 2022. Instagram:
@albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/. Acesso em 03. jan. 2023.
O frame mostrado da Figura 59 é uma parte do Animatic com seus Concept Art
enviado para a equipe para produção da blocagem e a animação dos elementos que
interagem com a personagem. Nesta etapa ainda não estava totalmente definido a
aparência final da sereia. Porém a movimentação e o tempo de cada cena sim, com
isso ajudou a produção, mesmo sem personagem definido. Mielgo fez cada cena do
Animatic a mão, usando lápis e depois montando por cima das pinturas digitais dos
cenários.
91
Fonte: Zahed, Ramin. The Art of Love, Death + Robots. 2022. Nova York: Titan Books. P. 235.
Pós muitos estudos sobre como seria a sereia, Alberto chegou num design final, na
qual mostra na Figura 60: uma mulher de cor dourada, toda ornamentada em joias de
ouro e outros metais preciosos, escamada como um peixe, com uma espécie de tiara
também preciosa. As diferenças com os primeiros esboços são nítidas, porém as
semelhanças são maiores: o olhar, as marcas das sobrancelhas, o cabelo curto e mais
emaranhado, a coroa como foi mostrado na figura 57. Em entrevista com o site Awards
92
Daily em junho de 2022, conduzida pelo jornalista Ben Morris, Alberto explica sobre
sua técnica de pintura:
O artista recorre às texturas digitais e brushes para dar mais realismo aos seus
conceitos da mulher dourada, o que é plausível para este momento da produção uma
vez que a principal fonte de inspiração do artista para a sereia que é uma figura
humana, é dotada de inúmeras texturas formatos e detalhes, torna-se viável recorrer
a um aspecto mais realista que é proporcionado pelas texturas digitais.
Em entrevista com o site The Nexus, Mielgo em junho de 2022, Alberto falou sobre a
sua abordagem para o curta explicando tanto seu ambicioso processo criativo quanto
sua abordagem de contar histórias:
“Precisávamos construir os personagens com base nos designs que fiz. [...]
Precisávamos pintar a textura. Precisávamos fazer o sombreamento dos
personagens [...] como a física da luz reage com as peles, as armaduras, na
água. Precisávamos criar as roupas, todas as superfícies de água com
densidades diferentes [...] íamos ter um pouco de vento, se íamos ter
mosquitos, se íamos misturar sangue com água. É muito sofisticado.”.
(MIELGO, 2022. Tradução nossa).
Figura 63 - Montagem do Concept art da cena da sereia submersa e sua cena final.
Fonte da esquerda para direita: MIELGO, Alberto. HERE 4 MINUTES of Jibaro Animatic. Madri, 28 de
jul. 2022. Instagram: @albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/.
Acesso em 03. jan. 2023. JIRABO. In: Love, Death + Robots. Criação de Tim Miller. Direção de
95
Alberto Mielgo. Espanha: Pinkman.tv, 2022. 15 min. Son. Color. Temporada 3, episódio 9. Série
exibida pela Netflix. Acesso em 03. jan. 2023.
O artista conta que reuniu variados tipos de referências visuais para ajudar no
processo de construção dos esboços iniciais. Na entrevista “Inside of Animation:
Jibaro da Netflix (2022)”, Alberto conta que para a produção foi-se necessário
encontrar locações que simulem a densidade das florestas da América Central. Foram
feitas fotografias com a equipe em regiões e estas foram eficientes como meios de
referência visual para Alberto como mostra na Figura 64.
“Bem, eu sempre quis fazer algo na natureza, que é bem mais orgânico, como
você diz muito bem. A maioria dos meus filmes eram como paisagens
urbanas. E neste caso, eu queria fazer uma homenagem à natureza, o som
da natureza que é muito, muito incrível, e o visual e como a luz está atingindo
os objetos dentro de uma floresta. É muito desafiador porque é orgânico.”.
(MIELGO, 2022).
96
Fonte: MIELGO, Alberto. HERE 4 MINUTES of Jibaro Animatic. Madri, 28 de jul. 2022. Instagram:
@albertomielgo. Disponível em: https://www.instagram.com/albertomielgo/. Acesso em 03. jan. 2023
5. CONCLUSÃO
Estudar o processo criativo da Concept Art é algo que abre os olhos da maioria dos
artistas, que devido ao caráter comercial ficam sem evidência, mas que por trás destes
rascunhos guardam ideias valiosas que, uma vez reveladas, esclarecem momentos
das etapas de produção e ao mesmo tempo relacionam os diversos estudos e fatores
que permeiam o termo. As premissas que envolvem a construção de Concept Arts
nesta pesquisa, têm como objetivo confirmar um entendimento mais apurado para o
conhecimento mais preciso deste ofício por parte de artistas que pretendem seguir
este caminho, ou de qualquer outra pessoa que deseja se informar com mais
propriedade a respeito do tema. Sendo assim, nesta pesquisa foi possível sintetizar
o que ocorre neste universo de produção de rascunhos para projetos audiovisuais –
em especifico na animação, seja nas produções de grande porte orçamentário ou
experimentais, considerando depoimentos de artistas que trabalham neste espaço
para construir esta pesquisa.
evidenciando o processo criativo para aqueles que pretendem construir o seu próprio
universo.
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