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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

GABRIELA BIRNFELD KURTZ

PIKACHU VERDE E AMARELO:


A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL

Porto Alegre
2012
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GABRIELA BIRNFELD KURTZ

PIKACHU VERDE E AMARELO:


A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como


requisito para obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social, com habilitação em
Publicidade e Propaganda, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Profª Dra. Silvia Orsi Koch

Porto Alegre
2012
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GABRIELA BIRNFELD KURTZ

PIKACHU VERDE E AMARELO:


A SAGA DA FRANQUIA POKÉMON NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como


requisito para obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social, com habilitação em
Publicidade e Propaganda, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovado em: ____de__________________de________.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________

Profª Dra. Silvia Koch - PUCRS

______________________________________________

Prof Dr. José Fernando Azevedo - PUCRS

______________________________________________

Prof Dr. Roberto Tietzmann - PUCRS

Porto Alegre
2012
4

AGRADECIMENTOS

Minha trajetória na graduação foi repleta de pessoas especiais. Sem elas,


possivelmente eu não teria aproveitado tanto esta fase da minha vida, com
perseverança e resiliência. Gostaria de agradecer primeiramente à toda a minha
família, em especial aos meus pais, Sandra e Alexandre, meu irmão, Leonardo e à
minha avó Sara, por me apoiarem em todos os momentos, acreditarem e sentirem
orgulho de mim. Expresso também minha gratidão ao meu namorado, Gustavo, que
ficou ao meu lado em todos os momentos de minha graduação, com paciência e
carinho. Também às minhas melhores amigas, parceiras desde o de jardim de
infância, Anelise e Jéssica, que me tiravam da rotina universitária, me lembrando
sempre de que há vida fora do campus.
Na PUCRS, fiz muitos amigos, aprendi com muitos mentores. Quero
agradecer à Ana Carolina (Aninha) e à Renata (Rê), por se tornarem não só
excelentes colegas de trabalhos em grupo, mas amigas para toda a vida. Aos
queridos professores da FAMECOS, em especial a Silvia Koch, minha paciente e
atenciosa orientadora e o Fernando Azevedo, meu primeiro “chefe” no Espaço
Experiência e grande amigo. Agradeço também ao Ir. Albino Trevisan, que me deu a
oportunidade de participar de sua bolsa de iniciação científica, que me proporcionou
muito aprendizado e crescimento pessoal.
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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo avaliar quais foram os efeitos da série
Pokémon no Brasil. Foram analisados aspectos como audiência, economia e
popularidade da série no Brasil, sempre fazendo a relação com os países onde
Pokémon se originou e foi adaptado, Japão e Estados Unidos, respectivamente. As
diferenças e semelhanças analisadas foram entre o herói principal, cortes de
episódios e cenas, mudanças na imagem, trilha sonora e diálogos. A história
originalmente japonesa surgiu das tradições dos mangás, também conhecidos como
“histórias irresponsáveis”. Pokémon foi modificado nos EUA em diversos aspectos e
a estratégia de lançamento dos produtos também se diferenciou da nipônica. No
Brasil, a narrativa permaneceu a mesma dos norte-americanos, com algumas
adaptações nos nomes dos monstros de bolso, gadgets e músicas. Os lançamentos
e popularidade dos produtos relacionados a Pokémon seguiram as tendências
econômicas da época: lenta recuperação do poder aquisitivo dos brasileiros entre
1999 e 2001. Por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, se fez possível
identificar a importância da ‘localização’ de Pokémon para o ocidente. O fato de os
‘localizadores’ se preocuparem com o contexto sócio-histórico e os referenciais da
audiência ocidental neutralizou a influência nipônica, tornando a franquia global.

Palavras-chave: Pokémon. Cultura. Narrativa transmídia.


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ABSTRACT

The present work has as an objective to evaluate which were the effects of the
Pokémon series in Brazil. Aspects like audience, economy and popularity of the
series in Brazil were analyzed, always making a relation to the countries where
Pokémon has originated and was adapted, Japan and United States, respectively.
The differences and similarities analyzed were between the main hero, cuts in
episodes and scenes, image changes, soundtrack and dialogues. The originally
Japanese story emerged from manga tradition, also known as “irresponsible stories”.
Pokémon was modified in the USA in several aspects, and the launch strategy also
differentiated from the Nipponese one. In Brazil, the narrative remained the same as
the North-Americans’, with some adaptations in the pocket monsters’ names,
gadgets and songs. The launch and the popularity of Pokémon’s related products
followed the economical tendencies of the time: Brazilians’ slow acquisitive power
recovery between 1999 and 2001. Through bibliographic and documental research, it
has been made possible to identify the importance of Pokémon’s ‘localization’ to the
west. The fact that the ‘localizers’ were concerned about the social and historical
context and the western audience’s references neutralized the Nipponese influence,
making the franchise global.

Keywords: Pokémon. Culture. Transmedia Storytelling.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Pippi, Pokémon principal nos quadrinhos..................................... 17

Figura 2 – Pikachu, personagem principal nas séries de TV......................... 17

Figura 3 – Caracteres japoneses no primeiro episódio.................................. 24

Figura 4 – Os caracteres japoneses foram inteiramente removidos.............. 24

Figura 5 – Versão original do banner............................................................. 25

Figura 6 – Na tradução para o inglês, o significado é: “Vai, Ash, Vai!”.......... 25

Figura 7 - O Pokémon Pidgey não se parece com um pombo....................... 59

Figura 8 - Paras possuía mais semelhanças com um crustáceo................... 59

Figura 9 - Revista Pokémon CLUB custava R$ 3,90...................................... 63

Figura 10 - Envelopes continham 3 cromos custando R$ 0,35...................... 64

Figura 11 - Cards promocionais entregues no primeiro filme......................... 65

Figura 12 – Miniaturas Pokémon Grud-Grud, da Estrela............................... 66

Figura 13 – Ioiô Pokémon, da Estrela............................................................ 66

Figura 14 – Jogo Poké-Tapa, da Estrela........................................................ 67

Figura 15 – Guaraná Caçulinha...................................................................... 67

Figura 16 – Cartões telefônicos LigMania Pokémon...................................... 68

Figura 17 – Tazos Pokémon Elma Chips....................................................... 68

Figura 18 – Jó-Kén-Pokémon Elma Chips..................................................... 69

Figura 19 – Cartas de batalha Pokémon Elma Chips..................................... 69

Figura 20 - Pokémon Bulbasauro................................................................... 76

Figura 21 – Estratégia de ‘localização’........................................................... 81

Figura 22 – Estratégia transmídia................................................................... 84

Figura 23 – Estratégia Pokémon no Brasil..................................................... 85


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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Diferenças entre narrativa central de Pokémon x cultura............. 72

Tabela 2 – Música de abertura de Pokémon na primeira temporada............. 73

Tabela 3 – Pokémons e suas traduções......................................................... 75

Tabela 4 – Diálogos do episódio “The Kangaskhan Kid”................................ 79

Tabela 5 – Estratégias de lançamento............................................................ 82


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10

2 QUEM É ESSE POKÉMON? ........................................................................ 14

2.1 O NASCIMENTO DE UM “SONHO DE MARKETING” .............................. 14

2.2 A VIAGEM DE POKÉMON PARA O OCIDENTE ....................................... 20

3 CULTURA E NARRATIVA TRANSMÍDIA .................................................... 29

3.1 NOÇÃO DE CULTURA NO CONTEXTO ATUAL ....................................... 29

3.2 A CULTURA E O DISCURSO DAS MÍDIAS .............................................. 34

3.3 A NARRAÇÃO ONIPRESENTE: NARRATIVA TRANSMÍDIA.................... 38

3.3.1 O poder da narrativa das marcas ......................................................... 38

3.3.2 Narrativa, hipertexto e hipermídia ....................................................... 42

3.3.3 Narrativa transmídia .............................................................................. 44

4 PIKACHU VERDE E AMARELO: A NARRATIVA NO BRASIL ................... 49

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................... 49

4.2 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO .............................................................. 51

4.3 A TRAJETÓRIA DE POKÉMON NO BRASIL ............................................ 57

4.4 ANÁLISE DA TRAJETÓRIA POKÉMON NO BRASIL ................................ 70

4.4.1 Localização e narrativa ......................................................................... 70

4.4.2 Estratégia transmídia ............................................................................ 81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 86

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 90
10

1 INTRODUÇÃO

A franquia Pokémon tomou conta do mundo inteiro entre os anos de 1997 e


2001. Milhões de crianças foram englobadas por uma completa estratégia de
narrativa transmídia: assistiam ao desenho animado, trocavam cards colecionáveis,
jogavam os games e consumiam toneladas de brinquedos. Fenômenos assim
ocorreram no passado, mas não com a mesma extensão e escala. Um produto
oriundo do oriente conseguiu cruzar o oceano e invadir o ocidente. Contudo, o quão
japonês é Pokémon? Ao ser exportado para outros países, a Nintendo of America se
encarregou de adaptar a franquia aos padrões estadunidenses, para não causar
estranhamento por parte da audiência ocidental.
A identidade cultural é um fator muito importante quando se analisam formas
simbólicas e suas relações com os receptores. A partir de suas experiências, de
seus contextos sócio-históricos, e da forma com a qual esses indivíduos se
enxergam no mundo, a maneira de interpretar um discurso torna-se diferente. Além
disso, no que tange as estratégias de marketing, nem todo o tipo de mídia e
abordagem funciona com todos os grupos, haja vista que estes são permeados
pelas variáveis citadas anteriormente.
O presente trabalho de conclusão busca explorar a questão da ‘localização’ –
termo de Katsuno e Maret (2004) - e narrativa transmídia no Brasil. A ‘localização’ é
uma expressão criada para explicar adaptações de discursos em âmbitos que vão
além da tradução do texto. Essa tradução é também de formas simbólicas, como
trilha sonora, ícones visuais e estrutura narrativa. Este esforço é sempre permeado
por um contexto sócio-histórico, que define as estratégias adotadas. Já a narrativa
transmídia é o desenrolar de uma história em várias mídias, que trabalham em
conjunto, para complementar a narrativa.
Assim, o problema de pesquisa é: quais foram os efeitos da série Pokémon
no Brasil? Dentro de efeitos, englobam-se aspectos como audiência, economia e
popularidade da série no país, sempre fazendo a relação com os países onde
Pokémon se originou e foi adaptado, Japão e Estados Unidos, respectivamente.
Para responder a esse questionamento central, alguns objetivos específicos foram
elencados.
Primeiramente, é necessário contextualizar Pokémon na perspectiva sócio-
histórica do Brasil e do mundo, já que tal visão explica muito de fenômenos como
11

esse. No momento seguinte, objetiva-se realizar a comparação entre a série no


Japão, nos EUA e em nosso país, para encontrar semelhanças e diferenças na
‘localização’ da série, relacionando, sempre, com fatores culturais que levaram a tais
configurações. No âmbito da estratégia transmídia, se tem por objetivo comparar e
identificar a repercussão da narrativa transmídia de Pokémon nos três países
citados acima, bem como suas particularidades e similaridades.
O caráter da pesquisa é o do estudo exploratório. Este é classificado por não
ser conclusivo, auxiliando o pesquisador a solucionar e/ou aumentar sua expectativa
em função do problema que determinou. Tal estudo é uma opção quando não se
tem informação suficiente sobre determinado tema e se deseja conhecê-lo.
A escolha do caráter exploratório para essa pesquisa é buscar conhecimento
em um assunto não tão explorado, que é Pokémon no Brasil. O tipo de pesquisa é
qualitativo, pois os dados aqui obtidos não são quantificáveis e são dotados de certo
grau de ambiguidade, sendo passíveis de interpretações distintas. A metodologia
empregada na análise dos dados é a Hermenêutica de Profundidade, que se
constitui de três movimentos, que são interdependentes entre si: Análise Formal ou
Discursiva, Análise Sócio-Histórica e Interpretação/Reinterpretação.
Para encontrar informações que contribuíram para a pesquisa, foram
utilizadas técnicas de pesquisa como a bibliográfica e a documental. Na
bibliográfica, autores relacionados ao tema foram utilizados para a base da análise a
fim de delimitar conceitos e pontos de vista. Esta etapa é importante para o trabalho,
pois dá embasamento para a análise posterior. Já na pesquisa documental, foram
levantadas notícias, material publicitário, revistas e imagens na Internet. É
importante destacar que, por Pokémon ser um tema relativamente novo, e
pertencente a uma história que se encontra em constante movimento, a Internet foi o
meio escolhido para buscar os dados necessários para a análise, na falta de
documentos formais sobre o assunto.
Este trabalho é constituído de três capítulos. No primeiro, “Quem é esse
Pokémon?”, foi contextualizada a franquia, desde seu nascimento no Japão –
contido no subcapítulo “O nascimento de um sonho de marketing” - até os esforços
de adaptação da série nos Estados Unidos – no subcapítulo “A viagem de Pokémon
para o ocidente”. Neste é realizada a reflexão acerca da produção de Pokémon e até
que ponto a estratégia contou com a sorte, ou com planejamento puro. Os principais
12

autores abordados neste capítulo são: Anne Allison (2004), Paul Gravett (2006),
Koichi Iwabuchi (2004), Hirofumi Katsuno (2004) e Jeffrey Maret (2004).
No segundo capítulo, “Cultura e narrativa transmídia”, são abordados
conceitos culturais e narrativos. Os autores escolhidos para este capítulo teóricos
são: Denys Cuche (1999), Manuel Castells (2001), John B. Thompson(2009), Patrick
Charaudeau (2006), Lev Manovich (2001) e Henry Jenkins (2009). O primeiro
subcapítulo, “Noção de cultura no contexto atual” aborda o assunto de identidade
cultural, responsável por uma parte da definição nossa como indivíduos. No segundo
subcapítulo, “A cultura e o discurso das mídias”, é discutida a questão da relação
entre a identidade cultural e a análise de discurso, sendo esta análise permeada por
diferenças e semelhanças culturais. No terceiro subcapítulo, “A narração
onipresente: narrativa transmídia”, é abordado o poder que as narrativas têm sobre
as marcas, o hipertexto e a hipermídia – conceitos que vêm antes dos estudos de
transmídia –, convergência de mídias e a própria narrativa transmídia.
Já o terceiro capítulo, “Pikachu verde e amarelo: a narrativa no Brasil”
compreende a análise dos dados obtidos permeado pelo problema de pesquisa e
seus objetivos específicos. No primeiro subcapítulo, é apresentada de forma
detalhada a metodologia utilizada para este trabalho, e os principais autores desta
etapa são: Neves (1996), Thompson (2009), Oliveira (2008) e Duarte (2008). No
segundo subcapítulo, são reunidos dados de contexto sócio-histórico, tanto do Brasil
quanto do mundo, no período que compreendeu o auge da série Pokémon em nosso
país: de 1999 a 2001. No terceiro subcapítulo, “A trajetória de Pokémon no Brasil”, é
o levantamento de dados acerca dos efeitos que a franquia teve nos consumidores
brasileiros, nos âmbitos social, econômico e histórico.
O quarto subcapítulo “Análise da trajetória Pokémon no Brasil” compreende a
interpretação dos dados obtidos durante todo o trabalho de conclusão, por
intermédio de quatro autores considerados mais relevantes: Thompson (2009),
Charaudeau (2006), Castells (2001) e Vincent (2005). Nesta análise, são discutidos
aspectos da adaptação e da narrativa transmídia de Pokémon do Japão para os
EUA, até chegar ao Brasil. Assim, busca-se entender quais os aspectos da
‘localização’ da série são semelhantes e quais são diferentes, e encontrar relações
com os teóricos descritos acima. Também faz parte da análise trazer à tona as
estratégias transmídia distintas que foram empregadas em cada um dos países, com
o intuito de entender os motivos das escolhas dos profissionais de marketing.
13

A motivação para este trabalho partiu do interesse da autora pelo tema, uma
vez que este teve um papel importante em sua infância e pré-adolescência. Em sua
vida acadêmica, ao se deparar com a literatura de Henry Jenkins, “Cultura da
Convergência”, encontrou uma pequena passagem sobre estratégias transmídia
japonesas. E, entre elas, estava Pokémon. A identificação com o assunto foi
imediata, e a pesquisadora desejou buscar mais informações sobre a série, o que
culminou na definição deste TCC. A curiosidade, então, surgiu para avaliar até que
ponto os efeitos – e o sucesso - da série Pokémon foram influenciados pela
identidade cultural.
14

2 QUEM É ESSE POKÉMON?

O primeiro capítulo da presente monografia irá abordar o objeto de pesquisa,


a franquia transmídia Pokémon. Iniciará com uma contextualização histórica da
série, bem como as mudanças que ocorreram no andamento da mesma de acordo
com diferentes mídias e aspectos culturais. O referencial teórico predominante
desse capítulo é o livro Pikachu’s Global Adventure: The Rise and Fall of Pokémon,
organizado por Joseph Tobin. Os autores principais são Anne Allison (2004), Paul
Gravett (2006), Koichi Iwabuchi (2004), Hirofumi Katsuno e Jeffrey Maret (2004).

2.1 O NASCIMENTO DE UM “SONHO DE MARKETING”

Luigi Longinotti-Boutoni (1999, p. 57), em seu livro Vendendo Sonhos,


escreve: “Uma empresa que vende sonhos nunca pode se limitar a vender
simplesmente produtos ou serviços; ela precisa vender uma experiência”. O ex-CEO
da Ferrari North America inseriu no vocabulário de marketing a expressão
“sonharketing” para definir a estratégia de “vender sonhos” para o cliente. Mas o que
exatamente são esses sonhos?

[...] sonhos são compostos de símbolos, chamamos de consumo simbólico


os impulsos multissensoriais que ligam emocionalmente a fantasia do
cliente ao produto físico. Do ponto de vista do consumo simbólico, os
produtos são vistos menos como entidades objetivas e muito mais como
símbolos subjetivos. [...] Os produtos e serviços de que os sonhos são feitos
contêm naturalmente muito mais peso simbólico do que aqueles que
satisfazem necessidades.
(LONGINOTTI-BOUTONI, 1999, p. 67)

O “sonharketing”, então, baseia-se na interpretação juntamente com a


moldagem dos desejos mais fortes dos consumidores. As empresas precisam cativar
os clientes por meio de sua imaginação, criando experiências fantásticas. O objeto
de pesquisa atual faz parte dessa gama de produtos e serviços (como a Ferrari,
Revlon e Coca-Cola) considerados verdadeiros sonhos que se tornaram realidade.
(LONGINOTTI-BOUTONI, 1999)
No final dos anos 80, a era de ouro dos games iniciava. Daquele para este
século, muito mudou, e a tendência no desenvolvimento de games tem sido na
direção de jogos mais complexos, que compele os jogadores para formas solitárias
de engajamento. Perturbado com essa tendência recorrente para o atomismo, um
jovem japonês de 18 anos chamado Tajiri Satoshi idealizou realizar um jogo que
15

promovesse interação social – denominando-o Pokémon. (ALLISON, 2004). Como


Anne Allison (2004) descreve, aos 12 anos, Tajiri era um viciado em games, e
costumava jogar Space Invaders em um fliperama de sua cidade. Tajiri foi fisgado
por esses mundos virtuais como se estivesse na natureza.
Tajiri Satoshi realizou uma entrevista para a revista Time (CHUA-EOAN e
LARIMER 1999), contanto sua trajetória no universo Pokémon. Os próximos dois
parágrafos abordam essa matéria da revista. Juntamente com alguns amigos
(incluindo Ken Sugimori, o designer dos 151 primeiros Pokémons), Tajiri iniciou uma
revista em 1982 chamada Game Freak. Nela havia publicações de dicas e códigos
secretos de seus jogos favoritos. No entanto, Tajiri perseguia algo maior: "Nossa
conclusão foi: não havia muitos jogos de boa qualidade, então vamos fazer o nosso.”
Dessa forma, ele desmontou um console da Nintendo e aprendeu a fazer jogos
sozinho. Em 1989, com o lançamento do Game Boy da Nintendo, Tajiri descobriu
novos horizontes: no console portátil havia um cabo que poderia ligar dois aparelhos
juntos. "Eu imaginei um inseto se movendo para frente e para trás pelo cabo. Foi
isso que me inspirou”. Tajiri encontrou a fórmula que faria Pokémon ser um “sonho
de marketing” (GRAVETT, 2006, p. 75). Coletar criaturas levaria a trocas via Game
Boys, e eventualmente entre colecionadores de cartas e bonecos.
Ainda nesta entrevista (CHUA-EOAN e LARIMER 1999), Tajiri relata que,
mesmo após assinar o contrato para desenvolver o jogo, foram seis anos até sua
conclusão, em meio a altos e baixos. Dessa maneira, quando Pokémon foi
finalizado, em 1996, a tecnologia do Game Boy estava ultrapassada. Masakazu
Kubo, produtor executivo da companhia de publicações Shogakugan Inc. comenta:
“Nenhuma revista ou programa de TV estava interessada. [...] Nem criadores de
brinquedos”.
Contudo, os consoles portáteis ainda eram muito mais acessíveis para os
jovens japoneses. A companhia de Masakazu Kubo entendeu a mensagem e
lançou, juntamente com o game, uma série em mangá e os primeiros cards
colecionáveis. E esse foi apenas o início de parcerias:
Entrando na produção e em acordos de licença com companhias japonesas
- Game Freak, Creatures, Shogakukan and TV Tokyo, entre outras – e com
companhias estrangeiras, incluindo a subsidiária completamente deles, a
Nintendo of America, Wizards of the Coast (agora uma divisão da Hasbro),
4 Kids Enternainment e a Warner Brothers Network, a Nintendo criou um
leque de produtos inter-relacionados que dominaram o consumo infantil
entre 1996 e 2001, aproximadamente (TOBIM, 2004, p. 3, tradução nossa).
16

Antes mesmo de ser conhecido como o animê, Pokémon inciou como jogo
para Game Boy, mangá e cards colecionáveis. No game, o objetivo era capturar 151
Pokémons durante a trajetória de um herói. Conforme Buckingham e Sefton-Green
(2006), o jogo Pokémon foi desenvolvido para explorar os pontos fortes da
plataforma (Game Boy), de uma maneira que iria à contramão das tendências
dominantes da indústria. Longe de aspirar aos realismos 3D da mesma forma que os
consoles contemporâneos, Pokémon visa à simplicidade gráfica. Apesar de criar um
mundo completamente ficcional como em Zelda e Final Fantasy – ambos voltados
para jovens adultos -, ele possibilita às crianças imaginarem a maior parte do mundo
elas mesmas.
Pokémon é um exemplo de narrativa transmídia, assunto que será abordado
no próximo capítulo. Contudo, é preciso contextualizar a história nesse ambiente
onde muitas mídias interagem em conjunto. Dessa forma, sem muito
aprofundamento nesse capítulo, narrativa transmídia, segundo Henry Jenkins:
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas
plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e
ao comportamento migratório do público dos meios de comunicação, que
vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento
que desejam. (JENKINS, 2009, p. 29)

Nesse contexto, com um produto multiplataforma, a franquia constantemente


se reinventava. Na criação das revistas em quadrinhos (que vieram logo após o
lançamento do game) e na série de televisão, Pippi e Pikachu foram escolhidos
como os personagens principais, respectivamente. Contudo, nem Pippi ou Pikachu
eram os protagonistas no jogo para Game Boy (IWABUCHI, 2004). Iwabuchi ainda
completa:
Pippi (em inglês Clefairy) foi selecionado como o principal personagem
Pokémon para fazer a série de revistas em quadrinhos mais “engajante”.
Contudo, para atrair telespectadores mais jovens e meninas, bem como
suas mães, Pikachu substituiu Pippi como o personagem principal quando a
série de TV foi introduzida em 1997 (IWABUCHI, 2004, p. 63, tradução
nossa).
17

Figura 1 – Pippi, Pokémon principal nos quadrinhos

Fonte: DOCTRUYEN. Disponível em: <http://doctruyen.vechai.info/pokemon-pippi-chap-3/>


Acesso em: 11 nov. 2012.

Figura 2 – Pikachu, personagem principal nas séries de TV

Fonte: POKEMON VERSUS DIGIMON. Disponível em:


<http://pokemonversusdigimon.blogspot.com.br/2010/06/pikachu.html>
Acesso em 11 nov. 2012.

Ainda segundo Iwabuchi (2004), o desenvolvimento da estratégia de


Pokémon foi obtido por tentativa e erro no mercado japonês. No momento em que
os componentes dessa estratégia se encaixaram no Japão, eles poderiam ser
utilizados sistematicamente para introduzir Pokémon ao mercado global. A
promoção da série no ocidente foi formada por um conjunto de desenhos animados,
revistas em quadrinhos, filmes, merchandising dos personagens e jogos de Game
Boy.
A tradição japonesa, até muito recentemente, foi de fornecimento de
eletrônicos. Conhecido como um produtor de tecnologia de alta qualidade
(automóveis, videocassetes, televisões), o selo Japonês na esfera cultural de
tecnologia ‘suave’ – música, dramas de televisão, ídolos pop – têm sido bem mais
18

limitado. Como o designer do Walkman da Sony lamenta, enquanto a tecnologia


japonesa circula abertamente ao redor do mundo, poucas pessoas (fora do Japão)
têm sido similarmente impressionadas ou comovidas pela cultura japonesa
(ALLISON, 2004).
A dificuldade de emplacar sucessos culturais se devia, de maneira geral, ao
“odor cultural” que o oriente possui sobre o ocidente. Segundo Koichi Iwabuchi
(2004), professor de mídia e estudos culturais no Japão, o termo “odor cultural” é
utilizado para se referir à maneira em que cada característica cultural do país de
origem é associada a um produto em particular no processo de consumo.

Culturalmente, o oriente sempre demonstrou diferenças muito grandes em


relação ao ocidente. No Japão, segundo Paul Gravett (2006), a palavra “estrangeiro”
não existe. O que há é a palavra “gaijin”, que significa “pessoa de fora”. Dessa
forma, o país forjou uma imagem de autoisolamento, “selado pelo sangue e pela
tradição”. O primeiro país a interferir nessa cultura foi os Estados Unidos, em 1863,
quando seus navios entraram na baía de Edo. Contratos comerciais foram
assinados, cessando o isolamento oriental:

Dessa forma, já que os japoneses não podiam mais evitá-lo, o contato com
o mundo exterior seria ao menos feito em seus próprios termos, como parte
de seu dever patriótico para tornar a nação mais forte. (GRAVETT, 2006,
p.14)

Após os primeiros contatos, os japoneses se tornaram bons em aprender com


“as pessoas de fora” (GRAVETT, 2006). O fenômeno que ocorreu com o automóvel
e com o chip de computador, segundo Gravett (2006), onde os japoneses superaram
os EUA em seu próprio campo – tecnologia -, se repetiu com o mangá (a origem dos
desenhos animados japoneses, jogos e outras manifestações). Com a base dos
quadrinhos americanos e seu amor tradicional pela arte popular de entretenimento,
os japoneses “os ‘niponizaram’, de forma a criar um veículo narrativo com suas
próprias características” (GRAVETT, 2006, p.14). E, ainda segundo Gravett (2006,
p.14), excedendo os limites das tiras diárias ou dos gibis americanos de 32 páginas,
eles criaram quadrinhos com “narrativas longas e livres, feitas para ambos os sexos
e quase todas as idades e grupos sociais. Os japoneses transformaram os
quadrinhos em uma poderosa literatura de massa”.
Contudo, isso tornou o “odor cultural” (IWABUCHI, 2004, p.47), japonês muito
mais forte, abrindo margens para preconceitos do ocidente. Podem-se citar alguns
19

exemplos contidos no livro de Paul Gravett - Mangá: como o Japão reinventou os


quadrinhos (2006, p. 13). Palavras como “excessos sadistas”, “canibalismo” e
“decapitações” descreviam os mangás em artigos de revistas britânicas como a New
Society e a The Great Hallway Bazaar nos anos 60 e 70. A própria palavra mangá
surgiu na língua inglesa com tom pejorativo. Um estudo realizado por Frederik
Schodt deu início a isso. Em sua publicação, ele explicava que os ideogramas “man”
significava “involuntário” e “ga”, “imagens”:

O ideograma “man”, Schodt completava, “tem um significado secundário e


‘moralmente corrupto’”, o que produziu a tradução “imagens irresponsáveis”.
E essa foi a definição que foi divulgada à exaustão pela mídia e pelos
críticos da área, assegurando a estigmatização do mangá no
Ocidente.(GRAVETT, 2006, p.13)

Segundo GRAVETT (2006, p.156), “O fato de que a aceitação do mangá fora


do Japão seja frívola e distorcida não deveria ser nenhuma surpresa”. O mesmo
ocorre para todas as outras manifestações do entretenimento japonês,
diferentemente do mercado tecnológico:
Sony é o principal exemplo de uma companhia japonesa que desde o início
aspirou ser uma companhia global. O nome da companhia e de seus
produtos, como o Walkman, é em inglês, ‘a língua mundial’. O que
caracteriza a Sony (e os manufaturadores japoneses em geral) é a
estratégia de marketing sensível às diferenças do mercado local. [...] ela é
mais bem expressa por algo que a Sony chama de ‘localização global’, ou
‘glocalização’. Para ter sucesso simultaneamente em mercados locais
diferentes, as companhias tentam ‘transcender diferenças nacionais
vestigiais e criar mercados globais padronizados, ainda continuando
sensível às peculiaridades de mercados locais e segmentos de
consumidores diferentes (IWABUCHI, 2004, p. 67, tradução nossa).

Dessa forma, o Japão se tornou famoso por exportar produtos tecnológicos e


‘culturalmente neutros’, em contraste à indústria de entretenimento norte-americana.
(IWABUCHI, 2004). Ainda de acordo com Iwabuchi (2004, p.56, tradução nossa):
“Hoskings e Mirus contrastam a facilidade de exportar commodities culturalmente
neutras com a dificuldade muito maior de exportar produtos que são culturalmente
enredados”. Esses produtos são, por exemplo, filmes japoneses, programas de
televisão e música (IWABUCHI, 2004). Isso também se deve à imagem negativa que
circula no ocidente, em que o Japão é uma terra de nerds que “evitam contato físico
e pessoal e estão ‘perdidos para o cotidiano’ por causa de sua imersão na realidade
computadorizada” (IWABUCHI, 2004, p.59, tradução nossa).
Em face desses desafios, os japoneses precisariam criar um produto para
exportação diferente do que existia para eles, onde as histórias eram feitas “para
20

japoneses, culturalmente específicos e baseados em valores compartilhados,


criados sem preocupação com possíveis respostas estrangeiras à sua abordagem
do sexo, do cristianismo e de outras questões polêmicas” (GRAVETT, 2006, p. 156).
O diretor da versão animada do aclamado Ghost In The Shell (CREATOR..., [200?]),
Oshii Mamoru, diz que os animadores e cartunistas japoneses inconscientemente
escolheram não desenhar personagens nipônicos realistas, e sim, personagens
baseados em pessoas caucasianas (IWABUCHI, 2004).

2.2 A VIAGEM DE POKÉMON PARA O OCIDENTE

A entrada positiva e definitiva do entretenimento japonês nos mercados


ocidentais (especialmente nos EUA) se deu com ajuda da Marvel Comics e da onda
“cyberpunk”, liderada por Neuromancer, romance de William Gibson, de 1984. Em
1988, a Marvel Comics lançou os quadrinhos originais de Akira, escrito por Katsuhiro
Otomo com a diferença de ter trabalhado em uma colorização que lembrava o
cinema (os originais eram em preto-e-branco) (GRAVETT, 1996). Em novembro de
1995, o filme animado Ghost in the Shell - O Fantasma do Futuro, no Brasil (FILHO,
[2000-2010]) - foi às telas simultaneamente no Japão, América e Grã-Bretanha
(IWABUCHI, 2004):

[...] esse mercado nascente foi ameaçado em vários países por excessos na
produção, escolhas editoriais malfeitas e cobertura tendenciosa por parte da
imprensa. Apesar disso ele sobreviveu e prosperou atraindo novas
gerações de jovens leitores com adaptações de sucesso da TV e jogos para
computadores, além da internet, já que se tornou mais fácil baixar e assistir
a trechos ou episódios completos de anime, ler amostras de mangás e
compartilhar descobertas [...] com as comunidades globais (GRAVETT,
1996, p. 159).

Segundo Iwabuchi (2004), nos anos 90, a Nintendo, a Sony e a Sega – três
companhias japonesas – dominavam o mercado de jogos digitais. Jogos como
Super Mario Brothers e Sonic exemplificam a popularidade dos softwares nipônicos.
De acordo com uma pesquisa de 1995 – citação de Iwabuchi (2004) do livro Sekai
Shohin no Tsukurikata: Nihon Media ga Sekai o Sesshita hi, de Akurosu
Henshushitsu -, Mario havia se tornado um personagem mais conhecido que o
Mickey Mouse entre as crianças norte-americanas. E, foi nesse contexto que surgiu
Pokémon no mundo ocidental.
21

Jenkins (2009, p. 183) afirma que “A narrativa transmídia mais elaborada, até
agora, talvez esteja nas franquias infantis, como Pokémon e Yu-Gi-Oh!”. Jenkins
(2009, p. 283) cita os professores de pedagogia David Buckingham e Julian Sefrom-
Green, que dizem: “Pokémon é algo que você faz, não algo que você apenas lê, vê
ou consome.” A série foi exibida pela primeira vez no Japão em 1997. Iniciou como
um jogo para Game Boy, mas “[...]passou a ser desenho de TV, cardgame, mangá,
brinquedo, filme e sonho de marketing” (GRAVETT, 2006, p. 75).
Diferentemente do Japão, onde Pokémon começou como um jogo para Game
Boy, a franquia surgiu nos Estados Unidos primeiramente como um programa de
televisão. A Nintendo of America (NOA) e a Warner Brothers juntaram forças para
criar uma campanha massiva para o programa de televisão. Dessa forma, alguns
meses depois, os jovens telespectadores norte-americanos esperavam pelo próximo
passo da narrativa de Pokémon. A série de televisão, então, preparou o mercado
para games, cards colecionáveis e merchandising que logo seriam introduzidos
(KATSUNO;MARET, 2004).
Contudo, não foi apenas a ordem dos esforços midiáticos que foi alterada
nessa exportação de Pokémon do oriente para o ocidente. “A série de TV Pokémon
apresentada nos Estados Unidos (e em qualquer outro lugar do mundo fora da Ásia)
não é a mesma série que foi ao ar no Japão” (IWABUCHI, 2004, p. 67, tradução
nossa). Ainda conforme Iwabuchi (2004), copiando os esforços de marketing das
commodities tecnológicas, Pokémon foi adaptado para o mundo globalizado.
Nesse ponto, é importante fazer distinção entre os termos ‘tradução’ e
‘localização’1. Tradução é o ato de traduzir, que por sua vez significa “transpor,
transladar, de uma língua para outra, verter” (FERREIRA, 1993, p. 541). Para
entender o processo de ‘localização’, Katsuno e Maret (2004, apud Delabastita 1990,
p. 101-102) descrevem um texto audiovisual sendo constituído de três signos: signos
verbais transmitidos acusticamente (diálogo), signos não verbais transmitidos
acusticamente (efeitos sonoros e música de fundo) e signos linguísticos transmitidos
visualmente (expressões faciais, entre outras). Como termo “tradução” se refere
apenas a palavras, para descrever o que foi realizado com a série de televisão em
questão ao ser exportada para os Estados Unidos, o termo “localização” é mais

1
Tradução nossa do termo em inglês citado por Katsuno e Maret: ‘localization’.
22

adequado, pois indica o processo de modificação de todos os signos contemplados


acima (KATSUNO;MARET, 2004).
Dessa maneira, em 1998, ao ser contratada pela Nintendo of America para a
dublagem e adaptação da série de TV, a 4Kids Entertainment precisava fazer
esforços para que o desenho animado fosse acessível e atraente para as crianças
estadunidenses e sem objeções por parte de seus pais. Outra preocupação era a
forma com a qual a narrativa da televisão iria interagir e dar suporte aos produtos
relacionados, como videogames, cards colecionáveis, brinquedos, livros e roupas.
(KATSUNO;MARET, 2004). Já que, embora Pokémon estivesse focado em uma
audiência jovem, a série é oriunda da tradição do animê. É necessário aqui fazer um
adendo, com a definição do iDicionário Aulete ([2000-2010]) em relação à palavra
‘animê’. É um desenho animado japonês, gerado por adaptações de histórias em
quadrinho homônimas, conhecidas como mangá. Sendo o animê tipicamente
japonês, alguns episódios estavam predestinados a incluir temas que normalmente
não são encontrados nos desenhos animados ocidentais, mais especificamente,
norte-americanos (KATSUNO;MARET, 2004).
Para Katsuno e Maret (2004), o processo de ‘localização’ da série de
Pokémon nos Estados Unidos precisava estar de acordo com o estilo mais limitado
de desenho animado normalmente assistido pelas crianças norte-americanas. Para
que isso ocorresse, alguns elementos da série japonesa acabaram por ser
modificados ou eliminados, e novos pontos de referência e associações foram
criados. Em algumas situações, novos significados totalmente diferentes do original
surgiam em virtude dessa ‘localização’.
Enquanto nas narrativas japonesas “[...] Bem e mal são raramente
apresentados em preto e branco, e heróis normalmente questionam suas
motivaçoes e valores” (KATSUNO;MARET, 2004, p.83, tradução nossa), nas
narrativas norte-americanas, a dicotomia entre o bem e o mal é claramente definida.
Dessa forma, os ‘localizadores’ adaptaram a série para que Ash fosse, sem sombra
de dúvida, o herói. (KATSUNO;MARET, 2004). Diferentemente das “histórias
irresponsáveis” descritas por Gravett (2006, p.13), os comics norte-americanos
necessitavam um compromisso com a moral e lógica, como David Kunzle (1973)
comenta em The Early Comic Strip.
Um problema identificado na ‘localização’ da série foi a necessidade de retirar
traços de violência contidos nela. Segundo Katsuno e Maret (2004), o episódio: “A
23

Lenda de Dratini” é um exemplo da incapacidade dos ‘localizadores’ de suprimir a


violência. Este episódio nunca foi ao ar nos Estados Unidos. Nesta parte da história,
Satoshi, Kasumi e Takeshi (Ash, Misty e Brock) vão para um local chamado “Safari
Zone”. Lá eles encontram um homem estilo cowboy chamado Kaiza, com uma
personalidade facilmente irritável. Enquanto conversa com Ash, ele aponta uma
arma para o protagonista e o ameaça. Neste mesmo episódio, Kaiza atira nos vilões
da Equipe Rocket, apesar de ninguém ter ficado seriamente machucado.
De acordo com Katsuno e Maret (2004, p.90, tradução nossa), “está claro
porque este episódio foi suprimido do mercado dos EUA. A ameaça de violência
com armas, particularmente nas escolas dos EUA, faz dessa paródia de um cowboy
fanfarrão e violento problemática”. Os autores ainda lembram que, em 1998, ano
que Pokémon estreou nos Estado Unidos, quatro massacres ocorreram em escolas
no país, e nove crianças perderam suas vidas. O massacre de Columbine ocorreu
na primavera seguinte, no momento em que a febre Pokémon estava no auge.
Segundo Jorge Nóvoa (2006), no documentário Tiros em Columbine, Michael Moore
“procura despertar o povo americano para algo que se encontra inevitavelmente
cada vez mais no centro da propulsão do capitalismo mundial: a indústria de
armamentos” (NÓVOA, 2006, p.4). Ainda segundo Nóvoa (2006), o número de
mortes anuais por armas de fogo nos Estados Unidos era de 11 mil em 2006.
Outro aspecto importante na mudança no tom da narrativa foi na trilha sonora.
De acordo com Katsuno e Maret (2004, p. 84, tradução nossa):
“[…] O time de ‘localizadores’ dos EUA alteraram a trilha sonora japonesa
significativamente. […] A série Pokémon japonesa possui uma partitura
orquestral dramática que tende a dar peso e intensidade e intervalos de
silêncio para construir uma tensão dramática. […] A adaptação americana
de Pokémon não utiliza a música , como na versão japonesa, para
aumentar a tensão e drama, mas na tradição dos desenhos animados
americanos, para sinal de entrada aos telespectadores para o tom da ação
na tela. A trilha sonora dos EUA tem muito mais qualidade pop do que a
original japonesa.

Além da evidente alteração na trilha sonora, aspectos visuais também


englobaram a ‘localização’ da série. De acordo com Katsuno e Maret (2004), os
‘localizadores’ da 4Kids Enterntainment procuraram retirar todos os traços exóticos
ou exclusivamente japoneses da série para a audiência estadunidense. Muitas
características do original caracterizadas como japonesas foram escondidas,
suavizadas e até removidas. Logo, o processo foi muito mais do que apenas traduzir
o script para o inglês. Uma das mudanças mais consistentes foi a remoção de letras
24

japonesas. Outras referências visuais relacionadas à cultura, cotidiano e


alimentação foram por vezes eliminadas ou colocadas em segundo plano no
processo de edição, como sugerem as imagens a seguir:

Figura 3 – Caracteres japoneses no primeiro episódio

Fonte: DOGASU’S BACKPACK. Disponível em:


<http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>.
Acesso em 19 ago. 2012.

Figura 4 – Os caracteres japoneses foram inteiramente removidos

Fonte: DOGASU’S BACKPACK. Disponível em:


<http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>.
Acesso em 19 ago. 2012.
25

No blog Dogasu’s Backpack ([2000-2012]) é realizada uma análise minuciosa


de todos os episódios da primeira temporada de Pokémon, no que tange o esfoço de
‘localizar’ a série. As imagens acima são do episódio de número 1, marcando a
primeira mudança na parte visual. Em outras situações, o que ocorria era a
eliminação de caracteres japoneses e a colocação de uma tradução, nem sempre
literal, como sugere o autor do blog Dogasu’s Backpack ([2000-2012], tradução
nossa): “Quando a mãe do Satoshi traz todas aquelas pessoas para o laboratório de
Ochid-Hakase para torcer para ele, essas pessoas estão segurando um banner que
diz Ganbare Satoshi! (Boa sorte, Satoshi!). Isso foi traduzido pelos dubladores”.

Figura 5 – Versão original do banner

Fonte: Dogasu’s Backpack. Disponível em:


<http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>.
Acesso em 19 ago. 2012.

Figura 6 – Na tradução para o inglês, o significado é: “Vai, Ash, Vai!”

Fonte: Dogasu’s Backpack. Disponível em:


<http://dogasu.bulbagarden.net/comparisons/kanto/ep001.html>.
Acesso em 19 ago. 2012.

Outra cena que merece atenção nesta análise ainda se refere ao primeiro
episódio. No blog Dogasu’s Backpack ([2000-2012], tradução nossa), há a descrição
dessa cena: “Quando Kasumi pesca Satoshi para fora da água, ela diz: ‘Você está
bem?’ Satoshi diz que ele está bem e Kasumi lhe dá um tapa na cara, dizendo que
ela estava perguntando sobre o Pokémon dele, não sobre ele.” O que ocorre na
26

versão norte-americana, segundo o autor do blog, é o congelamento da cena no


rosto de Ash (Satoshi) para remover o tapa.
Como Katsuno e Maret (2004) observam, é provável que a remoção deste
tapa ocorreu para amenizar indícios de um relação amorosa entre Satoshi (Ash) e
Kasumi (Misty). Em filmes clássicos de Hollywood, quando uma mulher bate em um
homem no rosto, especialmente em seu primeiro encontro, indica um envolvimento
romântico futuro, que normalmente se torna real no final do filme, como em E O
Vento Levou e Indiana Jones.
Em outras situações, diálogos inteiros são modificados de forma a reduzir
estranhamento em relação à cultura. Conforme analisado por Katsuno e Maret
(2004), na cena final de “Nibi Jimu no Tatakai”, Brock encontra seu pai
desaparecido. Após sua partida, Brock ficou incumbido de cuidar de seus dez (10)
irmãos. Neste episódio, seu pai se oferece para cuidar das crianças para que Brock
possa perseguir seu sonho de ser um treinador de Pokémons. Takeshi (Brock)
dispara rapidamente as instruções de como cuidar das crianças a seu pai.
Na versão japonesa traduzida por Katsuno e Maret (2004, p. 87, tradução
nossa), Takeshi diz: “Jiro gosta de aka-miso, Saburo sempre toma shiro-miso, mas
Imoko sempre comerá apenas azu-miso. E Goro insiste em sumashi-jiru”. Já na
versão americana, lançada pela 4 Kids, a fala é diferente: “Suzy sempre rasga seus
vestidos então é melhor você aprender a costurar, e Timmy come apenas espaguete
gelado no café da manhã. Tommy gosta de cereal no jantar”.
Essa obviamente não é uma tradução literal do script japonês. Aka-miso,
shiro-miso, azu-miso e sumashi-miso são tipos de sopas japonesas. Sem uma
adaptação, muitos telespectadores americanos não entenderiam que se tratava de
comida. Em contraste a isso, “espaguete gelado para o café da manhã” e “cereal no
jantar” são acessíveis para a audiência ocidental. Além disso, continua
demonstrando a caótica maneira de Brock cuidar das crianças (KATSUNO;MARET,
2004).
De certa forma, traduzir desenhos animados japoneses é muito mais fácil do
que traduzir mangás. Paul Gravett discorre sobre o assunto:

Além do tamanho considerável das histórias e as dificuldades de tradução,


os quadros precisavam ser rearranjados para poder ser lidos da esquerda
para a direita. E não é só uma questão de “inverter” a página inteira como
num espelho: isso pode levar personagens destros a se tornarem canhotos
ou as dobras e nós das roupas tradicionais podem acabar ficando fora de
ordem. Por outro lado, se você mantiver os quadros “não invertidos”, mas
27

inverte sua sequência, as falas dos personagens podem acabar ficando fora
de ordem (GRAVETT, 2006, p. 156).

Em comparação, ainda segundo Gravett (2006), os desenhos animados


nipônicos demandavam, proporcionalmente, alterações significativamente menores:
títulos adaptados, dublagem, e alguns cortes nas cenas com traços de violência,
para a adequação às normas televisivas do país de destino. Citado por Iwabuchi
(2004), Kubo Masakasu, um dos encarregados pela produção da série de televisão,
explica que ele e outros produtores acreditavam que Pokémon seria relativamente
fácil de ‘localizar’ para o mercado Global, pois na maioria das aventuras de Satoshi e
Pikachu parecem ser mukokuseki (ocidentais) e não há aspectos religiosos
envolvidos. Parecia fácil produzir versões internacionais apenas apagando
caracteres japoneses o máximo possível.
No entanto, o trabalho de ‘localização’ se deu de maneira muito mais intensa
do que Kubo previa: segundo Iwabuchi (2004), o produtor que primeiro trouxe
objeções às mudanças propostas, admite que a estratégia agressiva contribuiu para
o sucesso global de Pokémon. Assim, comprovando a hegemonia da cultura norte-
americana sobre a japonesa, a versão refeita nos EUA foi exportada para o resto do
mundo. A ambição da NOA (Nintendo of America) era justamente de tornar
Pokémon um produto global, em vez de japonês (IWABUCHI, 2004).
Nesse sentido, de acordo com Buckingham e Sefton-Green (2006 p. 19), “[…]
a diferença entre Pokémon e fenômenos anteriores pode ser uma questão de escala
ou grau, em vez de tipo”. O jogo para Game Boy foi traduzido para inglês, francês,
alemão, espanhol e português. O programa de televisão e os filmes foram ainda
mais longe, incluindo versões em italiano, mandarim, cantonês, coreano, hebraico e
grego. (IWABUCHI, 2004)
Como foi observado nesse capítulo inicial, Pokémon conquistou o mundo com
sua narrativa transmidiática com dimensões dificilmente vistas em outras febres do
mesmo gênero. Contudo, não bastou apenas a criação de uma estratégia no oriente:
grande parte do trabalho de disseminação da franquia se deu graças a esforços de
‘localizadores’ da Nintendo of America (NOA). Neutralizando aspectos culturais da
narrativa e adaptando-a a valores morais estadunidenses, Pokémon é a prova de
que nada que ocorre no mercado atual é por acaso. A sorte esteve ao lado de Tajiri
nos primeiros momentos, mas foi a preocupação por parte da NOA com a cultura e
com as diferentes modalidades da narrativa que realmente configuram a série como
28

notável. No próximo capítulo serão abordados temas teóricos relacionados ao objeto


de pesquisa, iniciando por aspectos culturais, passando por narrativa e narrativa
transmídia.
29

3 CULTURA E NARRATIVA TRANSMÍDIA

Como foi visto no capítulo anterior, a influência da cultura na construção e


adaptação da série Pokémon é direta e também um dos fatores de sucesso da
franquia. Sem a preocupação de ‘localizadores’, a narrativa em si não poderia ser
entendida em outros locais fora do Japão, e o efeito transmidiático não ocorreria
com a mesma abrangência. Nesse capítulo será abordada a noção de cultura, sua
importância na construção de discursos, e a narrativa transmídia. Os principais
autores escolhidos são: Denys Cuche (1999), Manuel Castells (2001), John B.
Thompson (2009), Patrick Charaudeau (2006), Lev Manovich (2001) e Henry
Jenkins (2009).

3.1 NOÇÃO DE CULTURA NO CONTEXTO ATUAL

De acordo com Denys Cuche (1999), a cultura é necessária para estudar as


diferenças humanas além do âmbito biológico. De certa forma, ela dá explicações
mais satisfatórias para a diferença entre os povos. Ainda segundo o autor:
O homem é essencialmente um ser de cultura. O longo processo de
hominização, começado há mais ou menos quinze milhões de anos,
consistia fundamentalmente na passagem de uma adaptação genética ao
meio ambiente natural a uma adaptação cultural (CUCHE, 1999, p. 9-10).

Cuche (1999, p. 10) pondera que “a noção de cultura se revela então o


instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes dos
comportamentos humanos. A natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela
cultura”. O antropólogo Lévi-Strauss (2003) conceitua a cultura como todo e
qualquer conjunto etnográfico que demonstra diferenças significativas em relação a
outros. No entanto, a definição de cultura é muito abrangente. Segundo Cuche
(1999), a palavra ‘cultura’ passou por diversas modificações ao longo dos anos. No
início do século XIV a palavra significava a ação de cultivar a terra, e foi apenas no
meio deste mesmo século que se forma o sentido conotativo, e ‘cultura’ “pode
designar então a cultura de uma faculdade, isto é, trabalhar para desenvolvê-la”.
(CUCHE, 1999, p.19)
O sentido figurado de cultura começou a se popularizar no século XVIII, na
França. Sua entrada no Dicionário de Academia Francesa em 1718 é seguida
normalmente de um complemento, como “cultura das artes”, “cultura das letras”,
30

entre outros. (CUCHE, 1999). O autor ainda complementa dizendo que, com o
passar dos tempos, a palavra foi se desvencilhando dos complementos anteriores e
passa a ser ligada à “educação” ou “formação” do espírito. Trata-se de “ter cultura”
no sentido oposto à natureza: ser culto. Assim, no Iluminismo a cultura é “a soma
dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade” (CUCHE, 1999, p. 20). O
surgimento da palavra “civilização”, utilizada para classificar povos com mais ou
menos cultura, dá origem aos pensamentos na cultura como vemos atualmente
(CUCHE, 1999).
Ainda no século XVIII, na Alemanha, surge a palavra Kultur, que parece a
transcrição exata da palavra francesa. (CUCHE 1999). Cuche (1999) destaca a
diferença entre a aristocracia e a burguesia alemã. Na primeira, o Francês era a
língua utilizada, remetendo à cultura e grande saber. Já na burguesia, a palavra
Kultur é oriunda do alemão e é uma forma de oposição à cultura relacionada à
civilização da nação francesa, com sua maneira cerimonialista e superficial. Para a
classe sem poder, Kultur significava o enriquecimento intelectual e espiritual.
A concepção universalista da palavra cultura irá surgir muitos anos mais
tarde, com o fundador da antropologia britânica, Edward Burnett Tylor, de acordo
com Cuche (1999). Em 1871, Tylor escreve que:
Cultura e significação [...] são um conjunto complexo que inclui o
conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as
outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro
da sociedade (CUCHE apud TYLOR, 1999, p. 35).

Em oposição à Tylor, com a concepção de cultura particularista, Franz Boas,


em 1986, nos Estados Unidos, traz outra visão antropológica para a cultura. Para
ele, a principal diferença entre os povos e grupos humanos é cultural, e não racial.
Ele abandona o conceito de “raças” e passa a estudar “as culturas” e não apenas a
“cultura” de Tylor (CUCHE, 1999). Assim, Boas se preocupava em “não somente
descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los juntando-os a um conjunto ao
qual eles estavam ligados” (CUCHE, 1999, p. 45).
Durkheim trouxe o conceito de estudos das culturas para a França. No
entanto, o pai da sociologia moderna não se interessava diretamente aos estudos
antropológicos, mas trouxe elucidações interessantes ao termo ‘civilização’ ao
descartar a ideia de povos primitivos e civilizados (CUCHE, 1999). Muitos outros
estudos na área culminaram na teoria de Lévi-Strauss, citado no início desse
31

subcapítulo. Segundo Cuche (1999, p. 95), em 1950, Strauss definiu a cultura dessa
maneira:
Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas
simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as
regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião.
Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e
da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de
realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos
estabelecem uns com os outros.

De acordo com Cuche (1999), a marca da antropologia estrutural de Strauss


é: além de estudar as variações culturais, pretende analisar a invariabilidade da
cultura. Para Strauss, não se pode fugir da referencia da ‘cultura’ como “capital
comum”. Este é a referência para que grupos sociais criem seus próprios modelos
(CUCHE, 1999). Nesse sentido, apesar da amplitude do termo cultura para os
estudos da sociedade, a linha utilizada na presente monografia seguirá
primariamente o conceito de Strauss.
Cuche (1999) pondera que apenas as diferenças culturais não são fatores de
separação entre grupos etno-culturais. Para o professor de antropologia, “o que cria
a separação, a ‘fronteira’, é a vontade de se diferenciar e o uso de certos traços
culturais como marcadores de sua identidade específica” (CUCHE, 1999, p. 200).
Dessa forma, pode-se perceber que as diferenças culturais são importantes quando
se considera que elas possuem uma “identidade cultural”:
Não se pode pura e simplesmente confundir as noções de cultura e
identidade cultural ainda que as duas tenham uma grande ligação. Em
última instância, a cultura pode existir sem consciência de identidade, ao
passo que as estratégias de identidade podem manipular e até modificar
uma cultura que não terá, então, quase nada em comum com o que ela era
anteriormente [...] A identidade remete a uma norma de vinculação,
necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas (CUCHE,
1999, p. 176).

Tal identidade é descrita por Castells (2001, p. 23) como “o processo de


construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto
de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras
fontes de significado”. Esses atributos são a forma de uma cultura ser conhecida
pelos outros, a noção de “nós e eles” (CASTELLS apud CALHOUN, 2001). A
construção de identidades, ainda segundo Castells (2001, p. 23), é sempre oriunda
da “história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória
coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho
religioso”. Assim, indivíduos, grupos sociais e sociedades interpretam o significado
32

dos aspectos citados anteriormente em função de tendências sociais e culturais que


estão dentro de sua estrutural social, assim como seu ponto de vista no contexto
espaço-temporal (CASTELLS, 2001).
Assim, é crucial, quando se leva em conta o conceito de cultura, pensar
nessas manifestações também como criações de identidades culturais que vão além
das diferenças entre os sistemas de cultura. Segundo Lévi-Stauss (2003), esses
sistemas são diversos, podendo ser universal, continental, nacional, provincial, local,
familiar, profissional, confessional, político, entre outros. Todavia, pensar em cultura
apenas no sentido de diferenciação é insuficiente.
Em um mundo globalizado, diferentes sistemas se comunicam (CUCHE,
1999). Para Richard Sennett (2006), a globalização possui diferentes interpretações,
como a do sociólogo Leslie Sklair, que considera o fenômeno apenas no âmbito de
corporações multinacionais, e sustenta que o jogo não irá mudar de acordo com o
país dominante (ele sustenta que os chineses podem um dia desempenhar o mesmo
papel que as multinacionais estadunidenses fazem hoje). Ainda segundo Sennett
(2006), críticos da página nova (referente ao novo capitalismo, com teorias opostas
aos ensaios Marxistas) acreditam que há mais a ser observado:
[...] a ascensão de imensas cidades interligadas numa economia global
própria; inovações que, na área da tecnologia de comunicações e dos
transportes, muito pouco tem a ver com as maneiras como os indivíduos
costumavam viver, com suas formas de fazer contato ou os tipos de
transportes dos bens e produtos (SENNETT, 2006, p. 25).

A sociedade atual passa por um momento onde identidade e globalização são


tendências presentes, mas conflitantes. (CASTELLS, 2001). De acordo com Castells
(2001), o novo capitalismo e as inovações na tecnologia de informação trouxeram
uma configuração social diferente: a sociedade em rede. Essa nova configuração
está sendo difundida em todo o mundo, e se caracteriza por uma cultura de
“virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado
e altamente diversificado” (CASTELLS, 2001, p.17), onde o padrão de vida está se
transformando. Há mais flexibilidade e instabilidade nas estruturas de produção.
Pierre Lévy (1999) introduz a ideia de sociedade em rede quando aborda a
cibercultura. Segundo Lévy, o Ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela
interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY,
1999, p. 92). Este está em constante mutação, como sugere o autor, já que o digital
é “fluido [...], desprovido de qualquer essência estável” (LÉVY, 1999, p. 27). A
33

sociedade em rede de Castells (2001) obrigatoriamente perpassa o conceito


levantado por Lévy: a inteligência coletiva (1999). Esta é uma das grandes
responsáveis da mutação do espaço cibernético. Lévy (1999) resgata a ideia de
Chardin em relação ao pensamento coletivo, em que já não é possível negar que
uma rede de filiações econômicas e psicológicas está em formação em crescente
velocidade, e se encontra na vida das pessoas cada vez mais entrelaçada.
Atualmente, é muito difícil agir ou pensar de maneira que não a coletiva.
Para Pierre Lévy, a inteligência coletiva “é uma inteligência distribuída por
toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta uma
mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 1999, p. 28). De certa forma, a
inteligência coletiva é a forma mais viva da sociedade em rede. Para essa realmente
florescer, Lévy (1999) destaca que é necessário existir o Ciberespaço, pois ele
funciona como suporte dessa inteligência e é também uma das principais condições
para seu desenvolvimento.
Seria falacioso, no entanto, dizer que a inteligência coletiva e a sociedade em
rede proporcionam a homogeneização completa da cultura e das identidades
culturais. De acordo com Castells (2001), a humanidade se encontra em uma era em
que expressões de identidade coletiva vão à contramão da globalização em virtude
das diferenças existentes entre sociedades. Para o autor, “Essas expressões
encerram ações múltiplas, são altamente diversificadas e seguem os contornos
pertinentes a cada cultura, bem como às fontes históricas da formação de cada
identidade” (CASTELLS, 2001, p.18). No segundo volume de seu livro “O poder da
identidade” (2001), Castells estuda as diferentes manifestações sociopolíticas que
envolvem diversos países, a fim de entender processos sociais que são ao mesmo
tempo diferentes, mas interligados quanto a seu significado, formando então uma
relação direta com a monografia em questão.
Logo, pode-se perceber que a cultura e identidade cultural são, ao mesmo
tempo, propícias para a separação e para a convergência. A globalização trouxe
muitos pontos de contato entre diferentes nações e grupos sociais, mas também
acentuou diferenças. Assim, a definição de Castells (2001, p. 19) de “sociedades
culturalmente inter-relacionadas” serve a presente monografia para trazer a
compreensão de por que a ‘localização’ da série Pokémon foi tão importante para
que se tornasse um fenômeno transmídia por todo o mundo.
34

3.2 A CULTURA E O DISCURSO DAS MÍDIAS

No subcapítulo anterior foi contextualizado o termo cultura e suas diferentes


interpretações. Foi observado que a cultura pode ser ao mesmo tempo força
divergente e convergente em relação à identidade. Retomando o conceito de que a
natureza do homem “é inteiramente interpretada pela cultura” (CUCHE, 1999, p.10),
as ideias abordadas a seguir serão no âmbito dos espaços de interação entre as
pessoas e o discurso, permeados pela cultura.
Em seu livro Ideologia e Cultura Moderna (2009), Thompson propõe uma
nova análise cultural, por meio do estudo das formas simbólicas. Esta é denominada
como concepção estrutural da cultura. Esta vem para enfatizar tanto o caráter
simbólico dos fenômenos culturais, como a maneira que tais fenômenos se inserem
nos seus contextos sociais estruturados. (THOMPSON, 2009). O autor ainda
enfatiza que, sendo formas simbólicas, os fenômenos culturais se constituem na
interpretação por parte das pessoas em suas vidas cotidianas. Esta interpretação
está sempre inserida em contextos e processos socio-históricos, e, por meio destes,
se produz, se transmite e se recebe.
As formas simbólicas são, para Thompson (2009), expressões de um sujeito e
para um sujeito (ou sujeitos). O sujeito produz, constrói ou emprega uma forma
simbólica perseguindo certos objetivos ou propósitos e busca expressar por si
mesmo o que quer dizer. Este sujeito produtor também possui a intenção de ser
entendido por outro sujeito (ou mais de um) recebe a mensagem e a interpreta de
acordo com seu entendimento. (THOMPSON, 2009). Assim, as formas simbólicas
serão produzidas e compreendidas pelos sujeitos nas cinco características das
formas simbólicas: intencional, convencional, estrutural, referencial e contextual.
De maneira resumida, as características podem ser entendidas como formas
de interação cultural. A primeira, intencional, implica em dizer que as formas
simbólicas são sempre intencionais, a transmissão de algo de um sujeito para outro
(ou outros). A convencional supõe que toda a produção, construção e interpretação
das formas simbólicas precisam passar por regras, códigos e convenções. Tais
formas também são estruturais, ou seja, possuem uma estrutura normalmente inter-
relacionada com outros elementos da cultura e do contexto, por exemplo. Em
relação ao seu aspecto referencial, tais formas sempre irão representar, referir-se ou
dizer algo sobre alguma coisa. Já a última característica é a mais pertinente à
35

presente monografia: o aspecto contextual das formas simbólicas. Essas são


sempre inseridas em contextos e processos sociais e históricos, sendo específicos
dos âmbitos em que são produzidas, transmitidas e recebidas (THOMPSON, 2009).
O conceito do aspecto contextual das formas simbólicas dialoga diretamente
com o pensamento de Cuche (1999). Uma das naturezas humanas é a
comunicação, e as formas simbólicas são produzidas para significar algo para a
alguém (THOMPSON, 2009). Tais formas irão possuir uma interpretação por parte
de quem recebe a mensagem, cujo entendimento irá depender do aspecto
contextual destas. Ao examinar tal aspecto, Thompson (2009) afirma que, a inserção
das formas simbólicas em um contexto social implica que, mesmo sendo produção
de um sujeito, este está inserido em um contexto sócio-histórico específico, e dotado
de habilidades e recursos que nem sempre todos possuem. Da mesma maneira, os
sujeitos interpretantes também se encontram na mesma situação, o que influenciará
diretamente a interpretação da forma simbólica.
Adentrando no conceito sócio-histórico, há alguns aspectos deste que
merecem atenção. Para se entender como a influência da cultura se dá em uma
produção simbólica, é importante entender que há diversos tipos de situações que
ocorrem no contexto sócio-histórico: as espaço-temporais, os campos de interação,
a estrutura social e a mídia. (THOMPSON, 2009). O autor (2009) conceitua que as
situações espaço-temporais podem ser mecanismos sociais e ambientes
histórico/geográficos, enquanto os campos de interação se constituem em círculos
mais específicos que os espaço-temporais (de aspectos familiares e de instituições
religiosas, por exemplo). A estrutura social também é outro fator contextual,
juntamente com a mídia, que atua como fator de envelopamento do receptor. Tais
situações nunca ocorrem sozinhas, pois sempre irão influenciar uma na outra no
processo de produção e interpretação de formas simbólicas.
Para complementar as ideias de Thompson (2009), Patrick Charaudeau
(2006) traz seus conceitos em estudos de recepção. Para ele, a significação
discursiva é uma resultante de dois componentes:
[...] dos quais um pode ser denominado linguístico, já que opera com
material verbal (a língua), sendo ele mesmo estruturado de maneira
significante segundo os princípios de pertinência que lhe são próprios, e
outro, situacional, já que opera com material psicossocial, testemunha dos
comportamentos humanos, que colabora na definição dos seres ao mesmo
tempo como atores sociais e como sujeitos comunicantes (CHARAUDEAU,
2006, p. 6).
36

Dessa maneira, tais componentes agem como uma resultante nessa


equação: mesmo ambos sendo simultaneamente autônomos, são também
interdependentes quando se fala em efeitos, ou seja, na análise de um discurso, não
é possível chegar a conclusões sem levar em conta estes dois aspectos
(CHARAUDEAU, 2006). O autor comenta também que a análise dos fatos de
linguagem “tornou-se pólo em torno do qual gravitam diferentes correntes das
ciências da linguagem: pragmática, etnometodológica, conversacional,
sociolinguística, etc.” (CHARAUDEAU, 2006, p. 6). Ao mesmo tempo, de acordo com
Charaudeau (2006), houve um consenso em como abordar tal problemática da
significação discursiva, convencionando-se em denominá-la “uso da fala”.
Tal consenso foi construído em torno de três proposições: proposicional X
relacional, explícito X implícito, interno X externo (CHARAUDEAU, 2006). Ainda em
conformidade com as ideias do autor, pode-se entender que a primeira oposição –
proposicional X relacional - “produziu uma mudança definitiva sobre a maneira de
conceber a língua: esta não tem mais por vocação quase exclusiva voltar-se para o
mundo referencial para segmentá-lo, estruturá-lo e representá-lo de maneira factual”
(CHARAUDEAU, 2006, p.7). A função dessa proposição vai além da linguagem em
si, e parte para significar a relação que ocorre entre os parceiros no momento em
que ocorre o ato de linguagem. Mais do que isso: essa relação não é apenas entre o
locutor e o interlocutor, é um triângulo, “que subordina a referência ao mundo (a
proposicional) à intersubjetividade dos interlocutores (a relacional)” (CHARAUDEAU,
2006, p.7).
Já a segunda oposição, a explícita X implícita, tem como cerne a mudança de
pensamento em relação à construção de sentido. Este não é unicamente concebido
por junções de vocábulos e por regras semânticas: este é apenas o que está
explícito. Há um leque muito maior de significados contidos no espaço implícito, que
atua de maneira inter-relacionada com o espaço explícito, denominando-se um
“intercâmbio linguageiro” (CHARAUDEAU, 2006, p.8).
A oposição interno X externo é uma correlação das duas oposições citadas
anteriormente. Dessa maneira, Charaudeau (2006) defende que aceitar que existe
um sentido relacional e um sentido implícito no significado de um discurso é aceitar
o chamado “fora da linguagem”. Este ainda não está totalmente definido, sendo o
maior desafio apontado pelo autor:
37

E é aí que está o problema. Porque se nenhuma das abordagens da


linguagem definidas anteriormente chega a negar a existência desse “fora
da linguagem” empírico, os métodos de análise e sua teorização não lhe
dão todos o mesmo estatuto. Para alguns, trata-se somente de um dado
empírico que não pode ser integrado no estudo da linguagem; para outros,
ele pode ser estudado, mas permanece exterior à linguagem enquanto
outros se contentam em realizar pequenas incursões nesse terreno
(CHARAUDEAU, 2006, p.8).

O que Patrick Charaudeau (2006) defende então é: uma teoria do discurso


que impossibilita a construção do jogo de comunicação sem levar em consideração
um espaço externo e um espaço interno de forma simultânea. Assim, o autor sugere
que “a significação é construída por meio de duas inter-relações que se articulam ao
mesmo tempo uma sobre a outra” (CHARAUDEAU, 2006, p. 8). A primeira, como
sugere o autor (1996), é entre os dois espaços de produção de sentido: o externo e
o interno. A segunda é entre dois espaços de enunciação: o de produção
(conceituado como EU) e de interpretação (nesse caso o TU), com a interposição da
avaliação.
Assim como Thompson (1999) traz à luz seu conceito de situações espaço-
temporais como forma de interpretar formas simbólicas, Charaudeau (2006) utiliza o
termo sociolinguageiro para a análise de um discurso. Recapitulando as ideias
anteriores, o autor (2006) escreve que um ato de linguagem indica que há uma
intenção dos sujeitos falantes, que são parceiros nesse ato, não podendo existir um
sem o outro. Tal ato depende da identidade deles, que é resultante de um “objetivo
de influência”, sendo portador de um “propósito sobre o mundo”. Junto a isso, ele se
realiza em uma situação espaço-temporal, denominada por Charaudeau (2006)
como “situação”.
Nota-se então a relação direta das ideias de Charaudeau (2006) de que não
há uma análise de discurso sem a noção situacional e de identidade dos sujeitos
parceiros de um intercâmbio, com as propostas de Cuche (1999) e Castells (2001).
Para o primeiro autor (1999), tudo o que é da natureza humana necessariamente é
perpassado pela cultura. Castells (2001) complementa com uma descrição de
identidade cultural, como sendo a construção de significados com base em
características culturais, o que gera a noção de “nós e eles”.
38

3.3 A NARRAÇÃO ONIPRESENTE: NARRATIVA TRANSMÍDIA

Como abordado no primeiro capítulo, Pokémon iniciou sua trajetória no


Japão, passou por adaptações de conteúdo nos Estados Unidos, e essa versão
“ocidentalizada” foi exportada para o restante do mundo, o que inclui o Brasil. Pode-
se perceber, no subcapítulo anterior, que a noção de cultura é de suma importância
para a produção e compreensão de discursos. O presente subcapítulo abordará a
relação entre cultura, narrativa das marcas, bem como linearidade e não linearidade
desta, e narrativa transmídia.

3.3.1 O poder da narrativa das marcas

Em seu livro, Marcas Legendárias (2005), Laurence Vincent escreve sobre a


importância da narrativa para as marcas atuais. Essas, que possuem um forte valor
na vida das pessoas são conceituadas por ele como Marcas Legendárias. O autor
cita o advento do consumismo como um dos fatores que originaram essa
configuração de marca:
Não tenha dúvida a respeito; vivemos em uma sociedade muito mais
focalizada no consumo do que na produção de bens e serviços. O consumo
é rei. Definimos a nós mesmos, nossas vidas e nosso bem-estar por aquilo
que consumimos. Nossos hábitos de consumo constituem presentemente
uma forma de aceitação social. [...] A cultura do novo consumidor cria uma
grande demanda por bens e serviços que servem para nos diferenciar
(VINCENT, 2005, p.10-11).

Segundo Vincent (2005), tal cultura consumista é vista com pessimismo por
muitos, chegando a inspirar reações agressivas de sociólogos. Estes colocam o
peso de muitos problemas sociais nas marcas que oferecem ao consumidor valor
existencial, metafísico ou pessoal. Ignoram o fato de que os consumidores atuais
são muito mais esclarecidos e céticos em relação às mensagens de marketing que
os rodeiam. Ainda de acordo com Vincent (2005), manipular as pessoas não é uma
estratégia válida, já que “os consumidores anseiam por marcas que representem
efetivamente algo, marcas que ajudem a proporcionar significado e ordem em suas
vidas” (VINCENT, 2005, p.12).
Como escreve Vincent (2005), as pessoas estão expostas a um número cada
vez maior de mídias diferentes. Contudo, esse não é o maior desafio para as
empresas. Estas tantas formas de comunicar uma mensagem possuem um volume
39

de informação sem precedentes, e o alcance e a rapidez da propaganda nunca


estiveram em tamanhas proporções. Assim, “durante os últimos 25 anos, o mundo
da propaganda evoluiu para uma indústria sofisticada” (VINCENT, 2005, p. 13). A
técnica, ainda segundo o autor (2005), precisava também aliar a narrativa. Essa, por
sua vez, precisava ser contada com muito mais rapidez e apelo visual do que no
passado. Ou seja, as pessoas possuem uma inclinação a serem convencidas mais
facilmente de algo quando há uma história envolvida. “A velha técnica de gritar
repetidamente ‘compre’, para os consumidores, chegou ao fim” (VINCENT, 2005, p.
13). Para distinguir a marca comum da Marca Legendária, Vincent conceitua:
Existe uma distinção básica entre as Marcas Legendárias e todas as demais
marcas de produtos. A mitologia da marca usa a narrativa para transmitir
uma visão de mundo, um conjunto de crenças sagradas que transcendem
os atributos funcionais e cognitivos do produto. A narrativa, que une o
consumidor e a marca em um tipo de vínculo existencial, constitui o
fundamento da força da marca. A mitologia da marca opera em um ciclo
autogratificante que envolve a participação do consumidor (VINCENT, 2005,
p. 19).

Vincent (2005) afirma que a mitologia da marca atua na parte cognitiva das
pessoas de maneira semelhante a religiões e crenças. O autor realiza um paralelo
entre a mitologia ocidental das civilizações antigas e a mitologia da marca,
apontando que ambas têm o intuito de explicar o mundo à sua volta e que tanto uma
quanto outra opera por meio de instrumentos narrativos. Conforme Vincent (2005, p.
25), “é de nossa natureza buscar uma prova para nossas crenças”. Para o autor,
isso normalmente é encontrado como um agente. Este é a prova tangível de que a
nossa visão de mundo é verdadeira. Nem sempre esse agente é uma pessoa, mas
precisa ser algo físico, com o qual sejamos capazes de vincular tal visão de mundo a
uma pessoa, a um local ou a alguma coisa.
No caso de Pokémon, o agente físico mudou de acordo com o local onde se
encontrava: no Japão era o rato amarelo Pikachu, e no ocidente (por conta dos
esforços de ‘localização’) era o menino Ash. Isso ocorreu porque os aspectos
culturais diferentes propiciavam identificações igualmente distintas, como abordado
no primeiro capítulo.
Vincent (2005) acrescenta que, embora os agentes de marca sejam
indispensáveis para tal conjunto de crenças, eles não têm sustentação sem a
narrativa. Para o autor, a narrativa é o componente mais importante da mitologia da
40

marca. Ele faz valer as palavras de Robert McKee2 para comprovar seu ponto de
vista: “contar uma história é a demonstração criativa da verdade. Uma história é a
prova viva de uma ideia, a conversão da ideia em ação. A estrutura de eventos de
uma história é o meio pelo qual você primeiro expressa e então prova sua ideia”
(VINCENT apud MCKEE, 2005, p. 27). Vincent (200) ainda vincula a narrativa a um
processo cognitivo que o torna essencial a um sistema de crenças sagradas: a
narrativa vincula suas crenças a um agente, o que dá credibilidade à história, já que
a torna tangível. Após essa etapa, a narração estimula a parte emocional e subjetiva
das pessoas, tornando a crença mais forte ainda. Por fim, essa narrativa “prescreve
o comportamento exigido para se viver o sistema de crenças e adaptar-se à cultura
de marca” (VINCENT, 2005, p. 27-28).
No momento em que a narrativa dita o costume e “o comportamento
necessários para a pessoa beneficiar-se do sistema de crenças” (VINCENT, 2005, p.
33), ela naturalmente convida essa pessoa a “conversar” com a marca, interagindo
com ela. Para obter êxito, ela agrega comportamentos humanos ao sistema, como a
formação de sociedades e grupos, a prática de rituais e o uso de símbolos.
(VINCENT, 2005). Criando um paralelo entre os conceitos de Vincent e o objeto de
pesquisa, as Marcas Legendárias normalmente “ganham força pela formação de
tribos que compartilham uma aceitação das crenças sagradas da marca” (VINCENT,
2005, p. 34).
O autor (2005) ainda pondera que, os consumidores que fazem parte das
tribos o fazem a fim de confirmar mais uma vez que sua crença é correta. No caso
da franquia Pokémon, os fãs se reuniam e, imersos na mitologia existente, trocavam
informações e produtos, o que criou uma “compreensão social” (VINCENT, 2005, p.
35), facilitando a confirmação dessas crenças. Os rituais de troca de informações, de
brincadeiras e jogos criavam justamente estes vínculos. O último comportamento
significativo diz respeito ao uso de símbolos:
[...] as tribos de culturas de marcas usam símbolos para se vincular à
marca. Símbolos, muitas vezes, são a insígnia da tribo. Símbolos agradam
a nossa mente orientada visualmente. A afirmação de que uma imagem
vale mil palavras é mais verdadeira do que a maioria das pessoas pensa.
Uma simples imagem pode provocar uma resposta emocional co muito mais
rapidez do que uma frase em um livro. [...] Símbolos proporcionam uma
representação visual instantânea de uma criação significativa. Em termos

2
Criador de histórias de Hollywood, que descreve em seu livro Story: Substance, Structure, Style, and The
Principles of Screenwriting (2006), a ligação entre narrativa e crenças.
41

simples, provocam uma crença lógica ligada às emoções (VINCENT, 2005,


p. 35).

Vincent (2005) afirma que as Marcas Legendárias usam os símbolos de um


modo diferente. Eles relembram a pessoa de uma narrativa da marca. No caso de
Pokémon, por ser uma franquia completamente visual, símbolos iguais transitavam
por entre as várias mídias, facilitando o reconhecimento da narrativa como unidade.
Por exemplo: no jogo para Game Boy, a Pokébola (uma espécie de repositório para
armazenar Pokémons) possuía as mesmas características e utilidade que no
desenho animado.
Vincent destaca que as Marcas Legendárias precisam estar presentes no
cotidiano das pessoas: “Como os consumidores baseiam suas vidas nas narrativas,
e as marcas tentam se tornar parte das narrativas, o entretenimento e o consumo se
fundem” (VINCENT, 2005, p. 77). É importante levar em consideração também a
necessidade que o ser humano tem por entretenimento, por práticas lúdicas.
Joah Huizinga (2000), constata que, mesmo nas formas mais primitivas e
simples, o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico,
ultrapassando os limites de uma atividade apenas física:
É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo
existe alguma coisa "em jogo" que transcende as necessidades imediatas
da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não
se explica nada chamando "instinto" ao princípio ativo que constitui a
essência do jogo; chamar-lhe "espírito" ou "vontade" seria dizer demasiado.
Seja qual for a maneira como o considerem, o simples fato de o jogo
encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em
sua própria essência (HUIZINGA, 2005, p. 5).

Conforme Huizinga (2005), apesar de haver diferentes estudos nas áreas de


psicologia e fisiologia, há sempre o consenso: estas pesquisas procuram determinar
a natureza e o significado do jogo, fornecendo-lhe uma participação no sistema
cotidiano. Dessa maneira, não importa o campo de estudo: “a extrema importância
deste lugar e a necessidade, ou pelo menos a utilidade da função do jogo são
geralmente consideradas coisa assente, constituindo o ponto de partida de todas as
investigações do gênero” (HUIZINGA, 2005, p. 5).
Pode-se observar que há alguns elementos importantes que atuam
juntamente com a narrativa: aspectos do comportamento humano, como formações
de tribos, realização de rituais e uso de símbolos; agentes de marca (VINCENT,
2005); e a capacidade que a narrativa tem de interagir com o público, utilizando o
potencial lúdico do ser humano (HUIZINGA, 2005). Assim, para uma história
42

realmente chegar ao ponto de emocionar, engajar e mover as pessoas, ela precisa


ser completa e sincera, para se adaptar ao consumidor cada vez mais exigente
(VINCENT, 2005).

3.3.2 Narrativa, hipertexto e hipermídia

Como foi observado anteriormente, a narrativa é um recurso poderoso para


gerar identificação entre o consumidor e a marca, principalmente quando propicia a
interação e participação no processo por parte das pessoas. Antes de conceituar a
narrativa transmídia propriamente dita, é importante trazer a distinção entre os
conceitos de hiperxtexto e hipermídia, sendo essa última importante para explicar o
fenômeno de integração de diferentes mídias em uma narrativa.
De acordo com Vicente Gosciola (2003), “a arte de contar histórias é uma
qualidade por vezes deixada em segundo plano quando uma nova técnica ou uma
nova tecnologia surge” (GOSCIOLA, 2003, p. 19). Em seu livro “Roteiro para as
Novas Mídias” (2003), o autor escreve que, no começo do cinema, as histórias
contadas eram muito menos complexas que a literatura da época, mas a evolução
da tecnologia propiciou narrativas mais elaboradas. E esse fenômeno não ocorreu
apenas em uma mídia:
As novas tecnologias de comunicação e de informação, ou as novas mídias,
abriram-se também para as possibilidades de contar histórias. Assim como
no caso do cinema, no período inicial de contar histórias através das novas
mídias, as histórias eram mais simples. Porém, agora, elas são contadas de
maneira complexa, isto é, graças aos recursos das novas mídias, podem
ser apresentadas por diversos pontos de vista, com histórias paralelas, com
possibilidade de interferência na narrativa, com opções de continuidade ou
descontinuidade da narrativa e muito mais (GOSCIOLA, 2003, p. 19).

Um exemplo dessa mudança da narrativa conforme a evolução tecnológica é


o desenho animado inspirado em Charles Chaplin, parte da programação do canal
de Tv a cabo Gloob. Pela primeira vez, o personagem de Chaplin, O Vagabundo,
dos anos 20 (FLOOD, 2012), ganhou uma nova roupagem na forma de uma
animação em 3D (MUNDOGLOOB, 2012a). A produção é francesa e cada episódio
tem cerca de 7 minutos. Apesar de ser inspirada no personagem, a histórias se
passam nos dias atuais, mas a vestimenta e os trejeitos de Carlitos são os mesmos,
e não há falas (SANTOS 2012). Além da série de televisão, há também jogos e
vídeos na temática do desenho animado no site do canal Gloob (MUNDOGLOOB,
43

2012b). Dessa maneira, há extensões da narrativa que não poderiam existir na


época do cinema mudo, e novas experiências são trazidas ao telespectador – que
se torna também um usuário, ao ir além da série na televisão e buscar outras formas
de interagir na internet.
Essas mudanças influenciadas pelo contexto tecnológico das mídias também
afetam programações para jovens adultos. Pode-se exemplificar isso com o seriado
Dallas. Entre os anos 1978 e 1991 (IMDB, [2000-2012]), Dallas foi uma série
dramática de sucesso nos EUA e em muitas partes do mundo, com personagens
marcantes e assuntos da época. Assim, quando o novo seriado foi proposto, tornou-
se fundamental adequar o discurso ao público de jovens adultos, consumidores
ativos de seriados norte-americanos. Na nova trama, Dallas entra no século 21 com
intrigas por e-mail e preocupação com novas formas de energia, mas com a mesma
fórmula de novela que a primeira possuía (REUTERS, 2012).
Aqui entra um importante adendo: o que são as novas mídias propriamente
ditas? Lev Manovich, em The Language of the New Media (2001), conceitua as
novas mídias como objetos que podem ser descritos matematicamente. Assim, elas
são programáveis. As mídias anteriores se encaixavam em um pensamento
industrial: no momento em que um “modelo” (podendo ser uma fotografia, um filme,
entre outros) é criado, numerosas cópias podem ser produzidas a partir de sua
matriz. As novas formas midiáticas correm então, à contramão da sociedade pós-
industrial, trazendo customização individual ao invés de padronização massificada.
(MANOVICH, 2001)
Gosciola (2003) pondera que, uma vez que a narrativa torna-se não-linear e
estruturada pelas novas mídias, ela gera usuários, e não leitores apenas. O usuário,
diferentemente do leitor, interage com a narrativa, utiliza-a para seus próprios fins e
comunica-se com ela de forma singular. Seguindo essa lógica, Manovich (2001)
explica que, ao invés de “empurrar” as mesmas informações para uma audiência
massificada, o marketing agora tenta atingir cada indivíduo separadamente.
Ainda de acordo com Manovich (2001), as novas mídias são interativas: em
contraste com a mídia antiga, onde a ordem da apresentação é fixa, o usuário atual
pode interagir com o objeto. Nesse processo o indivíduo pode escolher quais
elementos serão mostrados, ou quais caminhos serão seguidos, gerando, assim,
uma peça única. Seguindo essa linha de raciocínio, o usuário torna-se co-autor de
uma peça. No entanto, é preciso tomar cuidado com as generalizações. Manovich
44

(2001) ressalta que, nem todo o objeto de mídia obedece aos princípios
estabelecidos por ele em seu livro. Esses objetos não podem ser considerados leis
absolutas e sim, tendências gerais de uma cultura passando por mudanças
tecnológicas.
Na era da “cultura da informação”3, há uma estrutura popular chamada de
hipermídia. Segundo Manovich (2001), na hipermídia, os elementos multimídia que
compõem um documento são conectados por meio de hiperlinks. Os elementos e a
estrutura tornam-se, então, independentes uns dos outros. O hipertexto é um caso
particular da hipermídia que utiliza apenas um tipo de mídia: o texto. Seguindo os
links, o usuário pode acessar um texto por diversas entradas, e irá ler uma versão
particular do mesmo. Dessa maneira, pode-se dizer que o hipertexto “é um texto que
faz referência a outros textos e que possibilita ir ao encontro deles” (GOSCIOLA
apud KILIAN, 2003, p. 30). O hipertexto possibilitou que os usuários realmente
escolhessem o que desejassem consumir, e essa lógica se estende à hipermídia.
A hipermídia, por sua vez, é uma versão ampliada do hipertexto, pois “permite
acesso simultâneo a textos, imagens e sons de modo interativo e não-linear,
possibilitando fazer links entre elementos de mídia” (GOSCIOLA, 2003, p. 34). Ainda
segundo o autor (2003), o usuário controla a navegação entre as informações, e
pode extrair textos, imagens e sons que formarão uma sequência única, gerando
uma versão pessoal criada pelo indivíduo. A hipermídia, então, traz “ênfase na
interatividade e no acesso não-linear promovidos pelos links entre os conteúdos”
(GOSCIOLA, 2003, p. 35).
Com tantas maneiras diferentes de acessar um conteúdo, é necessário um
comprometimento especial com o roteiro/narrativa para sua realização. Isso exige
uma equipe inteira para elaborar processos que trabalham com o relacionamento
entre obra e usuário. (GOSCIOLA, 2003). O que nos leva ao tipo mais completo de
narrativa envolvendo diferentes mídias: a narrativa transmídia.

3.3.3 Narrativa transmídia

A complexidade da hipermídia propiciou um importante desafio para os


criadores de roteiros. Na hipermídia, “se quisermos agir (interagir) com os objetos

3
Conceito utilizado por Manovich (2001) para situar a cultura atual. Tradução nossa do inglês:
“information culture”
45

presentes (ou representados) na interface que estamos utilizando, temos de achar


modos para dizer exatamente o que e com o que interagimos como interagimos e
quais mecanismos utilizamos para essa interação” (GOSCIOLA, 2003, p. 35).
Ainda segundo o autor (2003), a hipermídia é um dos conceitos utilizados
para obras que usufruem das novas mídias de forma integrada. Essas novas
convergências podem ser encontradas em diversos segmentos do entretenimento,
arte, ciência e comunicação, e “resultam em uma nova forma de expressão através
da capacidade de síntese das linguagens” (GOSCIOLA, 2003, p. 37). Em relação à
convergência, Henry Jenkins (2009) entende que:
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas
plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e
ao comportamento migratório do público dos meios de comunicação, que
vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento
que desejam (JENKINS, 2009, p. 29).

Segundo Jenkins (2009), a convergência traz uma mudança não apenas


tecnológica, mas também cultural. Os consumidores são incentivados a buscar
informações em diversas mídias e a fazer conexões entre elas (assim como ocorre
com a hipermídia). Além disso, há uma crença falaciosa de que a convergência
ocorre por meio de aparelhos. Jenkins (2009) acredita que, ao invés de todas as
novas mídias convergirem entre si e tornarem-se um único dispositivo, elas irão se
pulverizar em vários gadgets diferentes.
A verdadeira convergência, então, ocorre dentro do cérebro de cada
indivíduo, e também na sociedade onde ele vive. Esse fenômeno “[...] altera a
relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos”
(JENKINS, 2009, p. 43). Jenkins descreve que “a convergência altera a lógica pela
qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o
entretenimento” (2009, p. 43).
A sociedade evoluiu para uma “sociedade em rede” (CASTELLS, 2001), e de
certa forma aprendeu a buscar informações e selecionar o que consome. No
entanto, essa seleção só ocorre por que há uma variedade imensa de opções.
Lipowetsky (2007, p. 14) sustenta que “[...] desvanecem-se os antigos limites de
tempo e espaço que emolduravam o universo do consumo”. Ainda segundo o autor
(2007), o consumidor contemporâneo é hiperindividualista e dessincronizado. Agora,
46

cada um pode remodelar seu espaço-tempo e a maneira como consome,


diferentemente de tempos de comunicação puramente massificada.
É dentro desse contexto que emerge a narrativa transmídia. Uma narrativa
não-linear, convergente, permeada fortemente pela nova cultura de consumo:
Uma narrativa transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de
mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para
o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de
melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser
expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser
explorado em games ou experimentado como atração em um parque de
diversões (JENKINS, 2009, p.138).
Newton Cannito, em seu livro A televisão na era digital (2010), fala sobre o
suposto antagonismo entre interatividade e narrativa. Segundo o autor, parece
estranho que uma história com apenas um narrador possa ser interativa, e a era
digital parecia pôr em risco a ideia de histórias lineares. Contudo, Cannito afirma que
“a narrativa não está em crise e o digital não é o seu fim [...] A popularidade da
narrativa é permanente, pois ouvir histórias é uma demanda cultural da espécie
humana, assim como contá-las é uma atividade social [....]” (CANNITO, 2010, p.
167).
Na era da convergência, a narrativa é novamente indispensável. No entanto,
a narrativa também precisa, para se sustentar por mais tempo, da resposta e
interação do público. Pierre Lévy (1999) teoriza que deve existir uma sinergia entre
as mídias e os públicos, sendo muito importante a construção e manutenção de
memórias em comum e a criação de modos de cooperação, flexíveis e transversais.
Esses e outros fatores contribuem para que a apropriação pelo público seja um
sucesso.
Segundo Jenkins (2009), o marco fundador da narrativa transmidiática foi
Guerra nas estrelas. O filme e suas produções posteriores (inclusive por fãs)
geraram debates sobre quem é realmente o dono da produção. Os filmes passaram
a ser a narrativa central, enquanto outros acontecimentos periféricos ou que não
apareciam nas películas eram narrados em histórias em quadrinhos, livros e
animações:
Criou-se um universo complexo que permite a visualização de várias
narrativas e a busca de mais informações sobre personagens secundários e
outros fatos que foram abordados superficialmente nos filmes. Essas novas
informações fazem o espectador se surpreender e ter vontade de rever os
47

episódios anteriores, para aprender cada nuance da história (CANNITO,


2010, p. 170).

Cannito (2010) sugere que narrar é mais do que construir histórias. O


roteirista precisa aprender a criar universos. Assim, o autor estabelece os seguintes
princípios para guiar esse processo criativo: “construir um universo, não apenas uma
narrativa; incentivar rituais; favorecer a formação de comunidades” (CANNITO, 2010,
p. 170).
Dentro dessa nova realidade, a geração que se adapta mais facilmente são
as crianças. De acordo com Jenkins (2009, p. 183), “habitar um universo assim
acaba sendo brincadeira de criança – literalmente”. O autor (2009) escreve ainda
que, crianças que cresceram imersas na cultura transmidiática produzirão novos
tipos de mídia, à medida que a dinâmica atual se torne mais intuitiva. Jenkins ainda
diz que: “na sociedade da informação, elas [as crianças] brincam com informação”
(JENKINS, 2009, p. 185). E é nesse contexto que se insere a franquia de Pokémon,
abordada mais detalhadamente no primeiro capítulo.
Segundo Buckingham e Sefton-Green (2004), Pokémon claramente não é
apenas um “texto”. Não é também apenas uma coleção de textos, como uma série
de TV, jogo de cartas, brinquedos, revistas ou um jogo de computador. Não é um
conjunto de objetos que podem ser analisados de forma isolada como nos estudos
mais ortodoxos de mídia. É mais apropriado que Pokémon seja descrito como, em
termos antropológicos, uma “prática cultural”.
Junto a isso, houve a preocupação dos criadores em utilizar as diversas
mídias de forma a segmentar seus públicos, mesmo que se faça uso de uma mesma
narrativa. Como um exemplo disso, Buckingham e Sefton-Green (2004, p.16)
escrevem que, Pokémon também foi feito para atingir as diferenças de gênero, ou
ao menos oferecer atrativos para ambos. Na cultura de azul-e-rosa, isso é algo bem
incomum. Enquanto o herói da série e do jogo Ash Ketchum é um menino, ele é
obviamente pré-adolescente e assexuado. Os temas do desenho animado e as
atividades do jogo incorporam tanto valores estereotipados femininos e masculinos.
A narrativa em si é sobre colecionar e competir (atividades mais masculinas), mas
também é sobre cuidado e cooperação (características mais femininas).
Além da já citada preocupação com a localização da série Pokémon, o
esforço em criar um universo e adaptá-lo às necessidades de um público alvo
exigente e abrangente como o infantil e infanto-juvenil foi um desafio que configurou
48

a importância da série Pokémon para a narrativa transmídia. Há diversos estudos


sobre recepção de Pokémon no mundo, mas muito pouco sobre como esse
fenômeno ocorreu no Brasil. No próximo capítulo, será realizada uma análise em
relação aos efeitos observados pela autora a respeito dessa franquia no país, sob os
fundamentos da narrativa e dos conceitos de cultura.
49

4 PIKACHU VERDE E AMARELO: A NARRATIVA NO BRASIL

Como descrito nos dois capítulos anteriores, a narrativa de Pokémon não


obteve sucesso por acaso. O esforço de profissionais capazes de adaptar o discurso
à realidade cultural de cada ambiente onde ele se encontrava foi determinante para
a disseminação tão abrangente de Pikachu e seus amigos. Por mais que a franquia
tenha sido exportada dos EUA para o Brasil, é importante destacar que há contextos
e públicos diferentes envolvidos. Esse capítulo irá abordar os procedimentos
metodológicos utilizados para realizar a pesquisa em questão e a apresentação e
análise dos dados coletados sobre a recepção de Pokémon no Brasil.

4.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para realizar a análise em questão, serão utilizados procedimentos


metodológicos de caráter exploratório. O tipo de pesquisa escolhido é o qualitativo,
já que os dados obtidos não serão quantificáveis, e sim, fenomenológicos. Tais
fenômenos são singulares e “dotados de certo grau de ambiguidade.” (NEVES,
1996).
A metodologia empregada será a Hermenêutica de Profundidade, que se
constitui em três movimentos de análise, que não ocorrem de formar linear: Análise
Formal ou Discursiva, Análise Sócio-Histórica e Interpretação/Reinterpretação.
(THOMPSON, 2009)
A análise Sócio-Histórica compreende a contextualização do período em que
as obras foram produzidas e/ou apropriadas. Para a pesquisa em questão, é crucial
entender o momento pelo qual o Brasil passava enquanto a série fazia sucesso
entre os jovens (período que compreende os anos de 1999 e 2001). Para isso, serão
analisadas as Situações espaço-temporais (mecanismos sociais, ambientes
históricos/geográficos), os Campos de Interação(família, instituições religiosas), a
Estrutura Social (quem foram os consumidores de Pokémon?) e a Mídia (como fator
de envelopamento do receptor). (THOMPSON, 2009)
Já a análise Formal ou Discursiva constitui-se pela análise dos elementos
internos das formas simbólicas, sendo uma descrição do objeto a ser pesquisado
(OLIVEIRA, 2008). A descrição das formas simbólicas foi realizada em parte no
primeiro capítulo, quando foi contextualizado o fenômeno de Pokémon no Japão e
50

nos Estados Unidos. A segunda parte diz respeito às formas simbólicas no Brasil e
irá dialogar com a primeira. Esta análise contribuirá para o trabalho no sentido de
retratar as formas simbólicas da série Pokémon, no que tange significado e
apropriação por parte do público-alvo. Para essa segunda parte, será feita
primeiramente uma análise Narrativa, que engloba a narrativa transmídia de
Pokémon no Brasil (em comparação a outros lugares do mundo, com análise de
episódios de televisão e produções gráficas da série como cardgames e álbuns de
figurinhas), seguida da análise do Discurso propriamente dito (discurso cotidiano
envolvendo as práticas em torno da série em questão) e, por fim, a análise Sintática
(que ajudará a realçar algumas das maneiras como o significado é construído dentro
das formas cotidianas do discurso). (THOMPSON, 2009)
A Interpretação/Reinterpretação é realizada durante todo o processo. “Nessa
fase os significados são criados. /.../ a Interpretação ou Reinterpretação é a reflexão
sobre os dados obtidos anteriormente, relacionando contextos e elementos de forma
a construir um significado à forma simbólica.” (OLIVEIRA, 2008, p.43). É importante
definir qual foi o significado da série Pokémon para os brasileiros e, mais ainda, o
significado da estratégia transmídia que envolveu a franquia. Não se pode deixar de
lado, também a relação entre os espaços interno X externo descritos por
Charaudeau (2006), já que a relação do mundo com o indivíduo é crucial para se
conceber uma análise satisfatória da Interpretação/Reinterpretação dos públicos
com a série.
O enfoque tríplice, nesta monografia, está apoiado nos alicerces de uma
estratégia transmídia: produção e transmissão, construção e recepção e
apropriação. Todos eles são decorrentes do contexto sócio-histórico, de estruturas
lingüísticas e da interpretação do público, ou seja, é a partir da Investigação
Hermenêutica que será possível encontrar a cerne do estudo em questão.
(THOMPSON, 2009)
A técnica que irá auxiliar a coleta de dados acerca do objeto de pesquisa é a
pesquisa documental. Os documentos são, de maneira geral, textos escritos, não
importando a mídia na qual esteja alocado. Para a pesquisa documental, podem ser
considerados: relatórios, registros governamentais, estatísticas oficiais, conteúdo de
mídia de massa, discursos, romances, fotografias, desenhos, peças, mapas,
documentos pessoais, diários, entre outros materiais (MAY, 2004). Serão feitos
levantamento de dados em revistas como Veja, Época e Istoé; em jornais como Zero
51

Hora e Folha de São Paulo; em lançamentos temáticos da série Pokémon como a


revista Pokémon Club.
Unindo esta técnica de pesquisa, bem como o enfoque tríplice que envolve a
série Pokémon, será realizada a análise dos dados obtidos durante toda a
monografia (primários e secundários). Os dados serão cruzados e analisados de
forma a refletir sobre a questão principal: “Quais foram os efeitos da série Pokémon
no Brasil?”, bem como os outros objetivos subsequentes.

4.2 CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

Nesta parte da pesquisa foi realizado um levantamento dos fatos mais


relevantes no mundo e no Brasil nos anos de 1999, 2000 e 2001, época em que
Pokémon esteve no auge no país. Foram utilizadas reportagens e notícias da revista
Veja Online, do site Globo.com, do site da BBC Brasil e do jornal Folha de São
Paulo Online. A escolha de sites jornalísticos é fundamentada no fato de que se trata
de história recente, que está sempre em movimento e, por isso, não há tantas
publicações acerca disso. Sabe-se que colunas, reportagens e notícias dos veículos
escolhidos carregam dados opinativos com posições parciais, por isso tomou-se
cuidado para resgatar apenas os fatos históricos, sem se valer da opinião dos
meios. Esses dados servirão para uma posterior análise do contexto sócio-histórico.
O ano de 1999 marca o fim de século, mas também época de inúmeras
inovações tecnológicas no Brasil. A implementação das redes de fibra óptica é uma
delas. Essas redes diminuiriam os preços dos serviços de telecomunicações e
tornaria a qualidade de transmissões telefônicas, de rádio e TV muito melhor. Além
disso, a fibra óptica permitiria avanços na Internet, com banda larga e maior
velocidade (VELOZ..., 1999). Todas essas previsões mostraram-se fortuitas, e a
comunicação passou por um salto muito grande por conta desse advento. Nesse
ano também houve o aumento de pessoas comprando televisores com mais de 29
polegadas. Até o final de 2009, 15%das casas brasileiras já estavam equipadas com
aparelhos maiores (A TV..., 1999). Outro ponto marcante foi o crescimento das
compras pela Internet no Brasil. Sites como o Submarino, que haviam aberto o e-
commerce há 4 meses, já contavam com 1.000 (mil) compras diárias na época do
natal (NÃO..., 2000).
52

Este também foi o ano do apagão, algo que apenas havia ocorrido em 1985.
De acordo com reportagem do Portal Terra (BRASIL..., 2009), dez estados e o
Distrito Federal foram atingidos pelo blecaute que ocorreu por volta das 22h do dia
11 de março de 1999, e é considerado o maior já enfrentado pelo Brasil. Cerca de
60 milhões de pessoas ficaram no escuro, a maioria delas nas regiões Sul, Sudeste
e Centro-Oeste. Este fato reforçou a ideia de que haveria uma grande crise com o
sistema de energia brasileiro, que culminou no racionamento de energia no ano de
2001.
No âmbito econômico, no início de 1999, as perspectivas de crescimento do
país eram pessimistas. Na Veja Online de 27 de janeiro (A VOLTA..., 1999), eram
realizadas comparações com a inflação que chegou a 2000% antes do plano de
estabilização econômica, de 1994. O Plano Real estava se fortalecendo, mas a
sombra da inflação que atingiu a tantos brasileiros não deixava de existir.
Felizmente, muitas dessas previsões mostraram-se exageradas e, no final do ano,
foi publicada na mesma revista uma reportagem sobre os reais efeitos. Muito
dependente do capital estrangeiro, o país recebeu investimentos e entrada de
empresas internacionais. A inflação não se elevou, mas houve desvalorização da
moeda brasileira em relação ao dólar (APESAR..., 1999).
Ainda nessa mesma reportagem, uma pesquisa em relação ao o que mais
preocupava os brasileiros na época foi realizada, revelando que o maior problema
era o desemprego. O índice de 7,5%, ainda que estagnado, era alarmante, haja vista
que muitos jovens entravam no mercado de trabalho ano após ano. Outros fatores
como saúde, drogas e salário também figuravam esse ranking.
No mundo, uma grande transformação econômica estava ocorrendo. O ano
de 1999 marcou o lançamento do euro. O euro foi lançado em 1º janeiro de 1999
como moeda escritural para ser utilizada, em transações eletrônicas, pelos bancos,
operadores de câmbio, grandes empresas e bolsas de valores. No entanto, por se
tratar de uma moeda nova, com muitas incertezas entre os membros de seu
conselho de governadores, houve um primeiro momento de enfraquecimento nos
mercados internacionais (A HISTÓRIA..., [200?]).
Nos EUA, um dos massacres mais violentos ocorreu. Conhecido como o
Massacre de Columbine, aconteceu em 20 de abril de 1999. Dois estudantes
portando armamentos pesados mataram 12 colegas e um professor, e cometeram
53

suicídio em seguida (ATAQUE..., 2007). Esse episódio trouxe à tona discussões


sobre violência nas escolas, bullying e armas em todo o mundo.
No final de 1999, havia a especulação do conhecido “bug do milênio”
(DANTAS, [200?]). O problema central do “bug do milênio” era o fato de que os
sistemas antigos desenvolvidos no século XX apenas guardavam e reconheciam
datas com os dois últimos dígitos do ano. Assim, foi previsto que, ao passar para os
anos 2000, todas as datas seriam interpretadas como se fosse o ano de 1900. Se
realmente ocorresse, o caos irromperia no sistema econômico mundial, em uma
crise maior do que 1929. No entanto, em razão de esforços no ramo tecnológico,
essa previsão não ocorreu.
O ano de 2000 chegou com muitas perspectivas novas. A Internet wireless foi
uma delas. A Internet sem fio traria novas possibilidades no campo das
telecomunicações, mas comenta que a entrada dessa rede no Brasil seria difícil, por
conta da qualidade da rede telefônica (no ano passado estavam iniciando a troca
das redes com fio de cobre para fibra óptica). No entanto, mesmo sem afetar
diretamente o país, a Internet em si recebeu mais estímulos para crescer (A
REDE..., 2000).
Ainda sobre tecnologia, um lançamento revolucionou os anos 2000. O
Playstation 2, com qualidade superior ao seu antecessor, era muito mais do que
apenas plataforma de jogos (O VIDEOGAME..., 2000). O aparelho era capaz de
tocar CD, DVD e acessar a internet. O console também suportava jogos mais
complexos, com gráficos mais próximos da realidade. Esse grande passo
tecnológico consolidou ainda mais a participação japonesa nos mercados ocidentais,
reafirmando sua força no mercado.
No âmbito televisivo, uma atração foi destaque na virada do milênio. O
programa No Limite marcou a entrada dos realities shows no Brasil. Tendo seu início
em março de 2000, o programa atingiu 45 pontos no Ibope, superando a novela das
8 da época, Laços de Família (O POVO..., 2000). No cinema, uma produção
brasileira voltada ao público infantil entrou em cartaz. Castelo Rá-Tim-Bum – O
Filme estreou nesse mesmo mês com um investimento de 7,5 milhões de reais, boa
parte por conta de leis de incentivo, marcando o início de outros longas nacionais (O
SENHOR..., 2000). Esse ano também foi auspicioso para empresas de TV a cabo.
De acordo com o jornal Folha de São Paulo (INTERATIVIDADE..., 2001), com o
mercado formado por cerca de três milhões de assinantes, “a TV por assinatura foi o
54

veículo que mais cresceu, em faturamento publicitário, no terceiro trimestre de


2000”. Conforme o Inter-Meios, a TV paga, no final dos anos 2000, registrou
faturamento 160% superior ao do mesmo período no ano anterior.
Quanto à sociedade, algumas preocupações estavam em voga na época. A
população estaria rumando para a obesidade, afetando 13% das mulheres, 7% dos
homens e 15% das crianças. Em países desenvolvidos como os EUA, este índice
chegava a 28% para mulheres e 27% para homens, mostrando ser um problema de
saúde pública de ordem mundial (RISCO..., 2000).
A virada de século também marcou uma tendência na sociedade: o aumento
de famílias com pais separados. De 11% dos casamentos realizados, pelo menos
um dos cônjuges já estava se casando pela segunda vez. Isso revela uma tendência
de novas famílias, com crianças desenvolvendo pensamentos diferentes em relação
a compromissos e convenções civis (A HORA..., 2000).
No mundo, os anos 2000 marcaram a eleição conturbada de George W. Bush
nos EUA. Bush, com posicionamento conservador e pró-pretróleo, venceu as
eleições com uma diferença de 0,3% para Al Gore, candidato conhecido por
defender causas ambientais (UM PRESIDENTE..., 2000). Esse ano colocou em
evidência que a economia norte-americana não era mais tão forte quanto se
pensava, com aumento no índice de desemprego, maior inflação, juros mais altos e
decrescimento econômico (COM GREENSPAN..., 2000).
O ano de 2001 marcou algumas transformações importantes no mundo. As
tensões entre os EUA de Bush e o Iraque de Saddam tornam-se latentes e, no início
do ano, bombardeios e ataques ao Iraque vão tomando força, de acordo com a Veja
Online (O BIGODUDO..., 2001). Ainda nessa reportagem, menciona o maior motivo
para o início dos ataques: suspeitas de que o Iraque esteja fabricando armas de
destruição em massa. No entanto, há outra forte razão: o Iraque é um dos maiores
produtores de petróleo do mundo. De lá saem por dia mais de 3 milhões de barris –
responsáveis por 95% da receita do país. Assim, os EUA estavam em uma posição
contraditória, e tentando depor o ditador utilizando a força bruta.
Com as tensões cada vez mais latentes, grupos terroristas começaram a
ameaçar o ocidente, até uma das maiores tragédias do mundo contemporâneo
ocorrer: o ataque às torres gêmeas. Foram 2.752 mortos e aproximadamente 10 mil
feridos em decorrência do atentado (DIAS..., 2011). O terrorista Osama Bin Laden
se responsabilizou pelo ataque e, desde então, tornou-se um dos homens mais
55

procurados do mundo. A guerra tornou-se mais violenta, passando para a luta


terrestre na semana anterior, com o aparente objetivo de capturar Bin Laden (A
LUTA..., 2001).
Após o atentado, outra ameaça começou a abalar as estruturas dos norte-
americanos: a guerra biológica. A substância com potencial letal anthrax estava
chegando via correio para alvos específicos nos EUA, e causou uma morte. Os
ataques, no entanto, não eram destinados a matar em massa, e sim, a causar
pânico e insegurança nos governos e altos escalões. Unindo os ataques do 11 de
setembro, o anthrax e muitos outros incidentes como o atentado ao pentágono, a
sombra da violência e terrorismo trouxe medo para o mundo todo (O MAL..., 2001).
O ano seguinte à virada do século também marcou preocupação com o meio-
ambiente. Um grupo de cientistas da Organização das Nações Unidas revelou um
relatório que apontava uma série de catástrofes climáticas devido ao aquecimento
global (TEMPO..., 2001). Dentre elas, enchentes, secas e o aumento da temperatura
em 5,8 graus Celsius em 100 anos. A reação mundial dividiu-se em ceticismo e
pânico, mas um consenso existia: era necessário cuidar do meio-ambiente encontrar
novas soluções.
No Brasil, a economia mostra indícios de recuperação. A população começa a
comprar mais carros zero quilômetro, resultado dos esforços do Plano Real de 1994,
que aumentou o poder aquisitivo da população e melhorou as condições de crédito e
financiamento. Além disso, o mercado brasileiro foi aberto a produtos
automobilísticos importados, que eram mais modernos que os nacionais e possuíam
preços mais competitivos. Uma pesquisa realizada pelas montadoras revela que o
consumidor com renda de até 4.000 reais por mês corresponde a 82% do aumento
das vendas nos últimos dez anos (O 1º ZERO..., 2001).
No âmbito social, uma tendência começava a surgir. Os “bebês de proveta”
tornaram-se alternativa para casais que não podiam ter filhos, ou que apresentavam
dificuldades para tal. A técnica, aprimorada desde os anos 70, agora possuía alta
taxa de sucesso, e mais de 7.000 crianças nasceram no Brasil dessa forma até
aquele ano (TUDO..., 2001). Isso significou mães e pais mais velhos (por vezes
quase na idade de serem avós) com filhos recém-nascidos, o que mudou também
estruturas familiares como um todo.
Ainda no ambiente familiar, a palavra bullying começa a ser apropriada pelos
brasileiros para indicar um problema que sempre ocorreu nas escolas: a
56

discriminação e violência entre crianças. Segundo reportagem da Veja Online


(INFERNO..., 2001), estudos nos EUA revelaram comportamentos comuns entre
agressores e agredidos, e também formas de prevenir e remediar essa situação. O
tema violência na idade infantil e infanto-juvenil também abrangeu o mundo dos
games, quando foi criada a classificação de videogames por idade. Essa
classificação viria para tornar mais fácil para os pais escolherem o que é adequado
para seus filhos, e evitar que entrem em contato com materiais dotados de temas
muito avançados para seu entendimento, como violência, sexo e drogas (AGORA...,
2001).
No âmbito dos desenhos animados, animações como “Os Anjinhos”
(LUCRO..., 2001) e “Shrek” (A AMEAÇA..., 2001) começavam a chamar a atenção
das crianças, revelando uma tendência por histórias e produções mais elaboradas.
Além disso, marca a descentralização das produções 2D da Disney. O estúdio
pioneiro da DreamWorks, criador de “Shrek” traz novos horizontes à animação em
3D, e uma narrativa mais profunda em relação às produções da concorrente.
No campo tecnológico, a popularização dos gravadores de CDs no país. Uma
matéria da Veja Online (QUEM..., 2001) demonstra um comportamento agora
comum entre usuários de computadores: “queimar CDs”. Junto a isso, sites que
distribuem músicas sem autorização se propagam na Internet. Diversos endereços
com esse fim se propagavam na web, como o Napster, o Gnutella, o AudioGalaxy e
o Aimster – voltado para trocas utilizando o AOL Instant Messenger. Grandes
empresas como a Amazon.com, prevendo essa tendência, fecharam contratos com
bandas para que algumas músicas fossem disponibilizadas gratuitamente
(NAPSTER..., 2001). Contudo, as grandes gravadoras já se sentiam ameaçadas por
uma tendência crescente e praticamente impossível de conter.
Nesses três anos que compreenderam o ápice da série Pokémon no Brasil, o
mundo passou por diversas transformações, como a Guerra no Iraque, os ataques
terroristas e a implantação do euro. Já em terras brasileiras, as inovações
tecnológicas começavam a ser implantadas pouco a pouco, como as redes de fibra
óptica, a internet wireless e o Playstation 2. A economia se recuperava pouco a
pouco desde o Plano Real de 1994, aumentando o poder aquisitivo da população.
As famílias tornaram-se mais enxutas e divididas. A preocupação com a qualidade
de vida também foi um tópico muito discutido, com o aumento da obesidade entre os
57

brasileiros. Bullying e classificação de videogames demonstram a atenção dada à


violência entre crianças.

4.3 A TRAJETÓRIA DE POKÉMON NO BRASIL

Nesta etapa da pesquisa documental foi realizado um levantamento de


reportagens e textos relacionados ao Pokémon no Brasil. Revistas como a Veja, a
Istoé e a Folha de São Paulo foram as principais fontes jornalísticas. Fan Sites
relacionados ao assunto também proveram informações importantes referentes aos
produtos e brinquedos comercializados na época. Novamente, vale salientar que o
motivo da pesquisa na Internet é por se tratar de um assunto recente, e sobre a
franquia no Brasil, algo que não foi muito explorado por teóricos. Estes dados irão
contribuir no sentido de relacionar o contexto sócio-histórico às interpretações e
reinterpretações dos fãs da série.
Na Revista Veja de 03 de novembro de 1999 (A FEBRE..., 1999), eram
anunciados os primeiros números da febre Pokémon no Brasil: “Atenção, senhores
pais, se seu filho anda berrando palavras ininteligíveis como Pikachu ou Raichu e
finge estar treinando monstros imaginários a lutar, não se preocupe. Esses são os
principais sintomas da mania do momento, o desenho Pokémon (monstros de bolso,
em inglês à maneira japonesa)”. Nesta matéria, conta-se que Pokémon chegou ao
Brasil como videogame da Nintendo no ano anterior (1998), mas que apenas se
popularizou após a transmissão do desenho animado no programa Eliana & Alegria,
da Rede Record. Com a chegada do merchandising licenciado apenas em setembro
de 99, muitos produtos “piratas” eram vendidos nos camelôs, e já obtinham grande
aprovação. Ainda de acordo com a reportagem, a marca de brinquedos Estrela havia
colocado 140 mil brinquedos no mercado com previsão de venda até o Natal. No
entanto, os produtos acabaram em duas semanas, no Dia das Crianças.
Em 2009 a franquia movimentou US$ 14 milhões em vendas no varejo – o
mesmo que os produtos da Turma da Mônica e 25% menos que o obtido pela
Disney. De acordo com Ana Kasmanas, diretora da Exim Licensing Group, empresa
responsável pelo licenciamento da marca japonesa no País, “E isso representa
apenas o mercado oficial, que deve ter sido 20% do total”. Contando produtos
importados e piratas, estima-se que um faturamento de US$ 70 milhões
(POKÉMANIA, 2000).
58

a) Pokémon e a TV
Para fins de organização e melhor entendimento, a trajetória de Pokémon no
Brasil será dividida em televisão, filmes, impressos e merchandising. A série de
televisão foi fundamental para alavancar a popularidade da série no mundo
inteiro, e no Brasil não foi diferente. Por isso, ela é considerada o centro da
narrativa, que levou os fãs a procurarem outras fontes de informações.
De acordo com um artigo sobre a trajetória do desenho animado de Pokémon
no Brasil, encontrado no site Boyrex (A TRAJETÓRIA..., [200?]) - os próximos
parágrafos contarão com informações deste artigo - a estreia da série ocorreu no
dia 10 de maio de 1999, no canal Record, durante o programa Eliana & Alegria,
às 9 horas e vinte da manhã. Ao perceber o sucesso do desenho animado, o
horário foi fixado às 11 horas e trinta da manhã. As informações a seguir também
são oriundas desse mesmo artigo. No Japão, a animação estreou muito tempo
antes, no dia 1º de abril de 1997. A versão localizada dos EUA foi distribuída no
Brasil pela Swen Entretenimentos, e foi rejeitada pelas grandes emissoras Globo
e SBT. Mesmo assim, a Swen decidiu dublar os episódios para português.
De modo a facilitar o processo de dublagem e distribuição da série no
ocidente, Pokémon foi dividido nos Estados Unidos por temporadas pela 4Kids. A
primeira temporada constituía-se de 52 episódios da saga da Liga Pokémon de
Kanto, enquanto a segunda continha 28 episódios de conclusão da saga. Essa
divisão acarretava em problemas com contratos com estúdios de dublagem, e as
duas temporadas poderiam ser tratadas com locais diferentes.
Em 1999, quando a primeira temporada chegou ao país, a Swen contratou
a extinta Master Sound, considerado um dos melhores estúdios de São Paulo e,
consequentemente, com o maior preço. Apesar das dificuldades – eram 52
episódios, com muitos personagens e um vasto vocabulário do mundo Pokémon
-, essa é considerada uma das melhores dublagens da série.
Um dos esforços de localização que ocorreu no Brasil foi a respeito dos
golpes dos Pokémons. Os ataques dos monstros de bolso eram oriundos do jogo
para Game Boy, o qual a maioria dos brasileiros não tinha acesso por conta dos
altos preços. Dessa maneira, ao invés de traduzir os nomes em inglês, os
tradutores optaram por dar nomes aos golpes de acordo com o visual e efeito
dos mesmos. Por exemplo, o ataque chamado Disable (desabilitar, em
português) utilizado por um Pokémon chamado Psyduck foi chamado de
59

Congelamento, pois ele utilizou para imobilizar os inimigos. Já o golpe Confusion


(confusão em português) do mesmo Pokémon foi chamado de Arremesso, pois
era esse o efeito que ele aparentava ter.
Além disso, havia um vasto vocabulário que compreendia o nome dos
Pokémons, das pessoas e de gadgets utilizados na série. Na maioria das vezes,
os nomes de cidades e de Pokémons foram mantidos em inglês, traduzindo
quando era realmente necessário. Muitas traduções foram bem aceitas. Os
nomes dos Pokémons Miau (Meowth) e Bulbassauro (Bulbasaur), são utilizados
por fãs até hoje. Outras trocas que funcionaram foram a Pokébola (Pokéball), a
Pokéagenda (Pokédex) e o nome do Professor Carvalho (Professor Oak).
Contudo, ocorreram trocas estranhas, como a tradução de alguns monstros,
como Pombo (Pidgey) e Parasita (Paras), muito provavelmente porque os nomes
não condiziam com sua aparência. Esses problemas foram corrigidos com o
tempo.

Figura 7 - O Pokémon Pidgey não se parece com um pombo

Fonte: POCKET MONSTERS. Disponível em: <http://www.pocketmonsters.net/characters/1840>.


Acesso em: 15 nov. 2012.

Figura 8 - Paras possuía mais semelhanças com um crustáceo

Fonte:IGN. Disponível em: <http://faqs.ign.com/articles/824/824188p1.html>. Acesso em: 15 nov.


2012.
60

A exibição dos cinquenta e dois (52) episódios se deu de forma diária na


Rede Record, o que esgotou a temporada em dois meses e meio. Até a próxima
temporada ser dublada, foram 8 meses de espera, e de reprises. Alguns meses
depois da estreia na Tv aberta, a primeira temporada de Pokémon chegou ao
canal de TV a cabo Cartoon Network. De forma mais organizada, os episódios
eram exibidos às 17 horas, com reprises às 22 horas. Apesar de ser o mesmo
desenho animado, o Cartoon Network exibia o encerramento norte-americano do
episódio, com a música PokéRap, enquanto a Rede Record omitia essa parte.
A segunda temporada de Pokémon estreou na Rede Record no dia 21 de
fevereiro de 2000, e apresentou algumas diferenças relacionadas à dublagem. O
autor do artigo comenta não saber o motivo, mas outro estúdio foi contratado,
dispensando a Master Sound e trocando pela BKS. Por maiores que fossem os
esforços, nem todo o elenco conseguiu ser mantido, e a voz do Narrador e do
Pokémon-vilão Miau foram alteradas, o que causou certo impacto, pois tanto o
narrador quanto Miau apareciam em praticamente todos os episódios. Outras
mudanças ocorreram nos nomes dos golpes dos Pokémons, como o golpe do
personagem Bulbassauro, Vine Whip, que antes era chamado de Chicote de
Vinha, começou a ser chamado de Chicote de Cipó. A pronúncia dos nomes de
alguns Pokémons também mudaram, e alguns nomes voltaram ao original em
inglês, como Magikarp – que antes era chamado Magicarpa.
Após as duas temporadas serem exibidas e um longo hiato de novos
episódios ter ocorrido – sem, no entanto, diminuir a popularidade da série -, a
Liga Laranja (que também fazia parte da segunda temporada, de acordo com o
pacote dos EUA) estreou no Brasil em meados de abril de 2000 na Rede Record.
Esse segmento foi transmitido pelo Cartoon Network alguns meses depois,
novamente com uma música de encerramento – Karaokémon -, que tinha a
finalidade de promover o primeiro CD com a trilha sonora da franquia: Pokémon
– Para ser um Mestre.
A partir desse momento, o envio de episódios para o Brasil se tornou mais
esparso. No Japão e nos Estados Unidos o desenho animado era exibido
semanalmente, e os episódios eram enviados ao Brasil em pacotes a serem
dublados ao longo do ano. Aqui, as emissoras exibiam Pokémon diariamente. O
resultado foi a transmissão da terceira temporada no dia 1º de Janeiro de 2001
no Cartoon Network, quase oito (08) meses da estreia da Liga Laranja no
61

programa da Eliana. Com novos episódios chegando cada vez mais tarde, o que
ocorreu foi uma série de reprises, principalmente na TV aberta, onde a Rede
Record optou por esperar a temporada ser dublada por inteiro para iniciar a
exibição, que sucedeu no final de março de 2001. Toda a espera e reprises
acabaram desgastando a série, que perdeu a audiência de forma significativa –
passou de 14 (POKÉMANIA, 2000) para 6 pontos no Ibope (FELTRIN, 2001).
Ricardo Feltrin (2000), editor-chefe da Folha Online na época escreve em sua
coluna Ooops!: “Não dá mais pra aguentar as repetições de ‘Pokémon’. São 104
capítulos, mas a Record repete só uma dúzia, de forma interminável. Eliana deve
estar dormindo”.
Nesse meio tempo, outra moda se iniciava. Em meados da segunda
temporada de Pokémon, no auge de seu sucesso, uma criação da Toei
Animation desviou a atenção das crianças. Digimon possuía o mesmo princípio
dos monstros de Tajiri Satoshi: seres que lutam entre si e são capazes de evoluir
em criaturas maiores e mais fortes, acompanhando um grupo de crianças em
suas aventuras. O animê Digimon foi adquirido pela Fox Kids norte-americana
com a intenção de derrubar a audiência implacável de Pokémon na Kids’ WB – a
emissora que exibia Pokémon nos EUA.
No Brasil, a Rede Globo passou a transmitir Digimon, com o intuito de barrar
a audiência da Record. Segundo notícia da Revista Istoé Dinheiro de 31 de maio
de 2000 (POKÉMANIA, 2000), a série atingia picos de 14 pontos no Ibope. Na
TV aberta, a rivalidade entre os monstros de bolso (Pokémon) e os monstros
digitais (Digimon) ganhou força, enquanto na TV a cabo ambos eram exibidos em
horários diferentes. Digimon se popularizou principalmente por esforços de
marketing da Rede Globo, e ajudou a diminuir a popularidade de Pokémon, que
decaiu durante a exibição desorganizada da quarta temporada, em 2002. De
acordo com a coluna Ooops! (FELTRIN, 2001), nessa época a série passou a ter
6 pontos no Ibope.

b) Pokémon e os filmes
Até o ano de 2012 foram lançados 13 filmes relacionados à série (POKÉMON
MYTHOLOGY, 2012a). No entanto, as películas analisadas nessa parte são duas
– que compreendem o período de ápice da franquia no Brasil: Pokémon – O
Filme e Pokémon – O Filme 2000. No dia 10 de novembro daquele ano,
62

Pokémon, The First Movie (filme lançado no Japão em 1998) estreou nos
Estados Unidos, e faturou 10 milhões de dólares em um dia. No final da primeira
semana, os cinemas haviam arrecadado 56 milhões de dólares com 20 milhões
de espectadores, a maior bilheteria de um filme infantil e a quinta de toda a
história do cinema em sete dias de exibição (O SUCESSO..., 1999).
No Brasil, ainda de acordo com a reportagem anterior, o filme estava previsto
para ter sua estreia em abril de 2000, mas foi antecipada para janeiro do mesmo
ano. Conforme o Diário de Cuiabá de 21 de janeiro de 2000 (ALMEIDA, 2000), o
longa entrou em cartaz no país no dia 7 de janeiro de 2000, em 270 salas de
cinema. Em três dias, 480 mil pessoas foram assistir às aventuras de Ash e
Pikachu e, ao final do período de exibição, mais de 1 milhão de pessoas haviam
feito o mesmo. Tal audiência tornou-se recorde de bilheteria infantil no Brasil até
então.
O segundo filme, lançado nas férias de julho do mesmo ano, contava com
estimativa de público de 2 milhões de pessoas (POKÉMANIA, 2000). O segundo
longa Pokémon - O Filme 2000 passou por esforços agressivos dos localizadores
norte-americanos. O desenho foi produzido no Japão, com o uso de animação
tradicional e computação gráfica. O roteiro, então, era repleto de referências
culturais compreensíveis apenas por japoneses. Para a versão internacional,
foram aproveitadas as imagens e o esqueleto da história, mas criaram-se novos
diálogos e situações, de maneira a tornar a narrativa mais clara para os
ocidentais (POKÉMON..., 2000).

c) Pokémon e impressos
Além do desenho animado e dos filmes, outros produtos que conquistaram a
população brasileira foram impressos. Revistas, álbuns de figurinha e cards
colecionáveis foram responsáveis por grande parte do faturamento da franquia.
Lançada em setembro de 1999, a revista Pokémon CLUB chegava às bancas
pela Conrad Editora (POKÉMON MYTHOLOGY, [200?]). De acordo com a
Revista Veja de 24 de novembro de 1999 (VEJA ONLINE, 1999f), a primeira
tiragem de 70 mil revistas esgotou-se em dias, e mais 250 mil cópias foram
vendidas. O sucesso tornou a revista quinzenal, e alcançou mais de um milhão e
500 mil leitores. A revista foi publicada até 2003, quando tornou-se uma seção da
Nintendo World (POKÉMON MYTHOLOGY, [200?]).
63

De acordo com o prefácio da primeira edição da Pokémon CLUB (1999),


esta era “Uma revista feita na medida para os jovens Treinadores Pokémons
brasileiros [...] Aqui será possível saber tudo a respeito dos monstrinhos de
bolso, Suas origens, curiosidades, os Treinadores e muito mais”. De certa forma,
a publicação tornou-se um importante guia para os fãs. Ela centralizava as
informações, com seções de textos sobre as aventuras da TV, sobre os jogos
para as diversas plataformas e atividades. Em seu ápice, as revistas chegavam a
ter uma tiragem quinzenal de 300 mil exemplares (POKÉMANIA, 2000).

Figura 9 - Revista Pokémon CLUB custava R$ 3,90

Fonte: POKÉMON MYTHOLOGY. Disponível em:


<http://www.pokemonmythology.110mb.com/viewpage.php?page_id=408> Acesso em 15 nov.
2012.

O álbum de figurinhas Temos que pegar, lançado pela Panini, consistia de


mais de 100 cromos normais e mais alguns brilhantes, ilustrando os 150
Pokémons conhecidos na época, os personagens principais e as 8 insígnias
(espécie de brasão que um treinador recebia ao vencer um treinador importante)
(MORAES, 2011). Na primeira semana foram vendidas mais de 15 milhões de
figurinhas, que logo ficaram em falta nas bancas (A FEBRE..., 1999). Em matéria
da Revista Istoé Dinheiro de 31 de maio de 2000 (POKÉMANIA, 2000), “a Panini
teve de trabalhar 24 horas durante dois meses para atender à demanda por
64

figurinhas. Vendeu 61 milhões de envelopes de figurinhas com imagens dos


monstrinhos. O recorde anterior, com os personagens da Família Dinossauro, era
de 40 milhões”.
O sucesso do álbum de figurinhas é uma repetição do que ocorreu na França,
quando a Panini lançou o livro ilustrado. De acordo com Gilles Brougère (2004),
as figurinhas tiveram um papel importante na divulgação da série em seu país:
“Isso repetiu uma estratégia de marketing de sucesso na França, asscociada a
cartas colecionáveis distribuídas pela Panini apresentando jogadores de futebol,
heróis de programas de TV para crianças e tazos, mas levou a um nível mais
alto” (BROUGÈRE, 2004, p. 195, tradução nossa).

Figura 10 - Envelopes continham 3 cromos custando R$ 0,35

Fonte: ZIRO. Disponível em: <http://emulaziro.blogspot.com.br/2010_10_06_archive.html>.


Acesso em 11 nov. 2012.

A estratégia de divulgação dos cards colecionáveis no Brasil se deu com a


distribuição de algumas cartas promocionais em salas de cinema e lojas. Esta
promoção é inspirada na norte-americana, e servia justamente para divulgar o
jogo e estimular a compra de envelopes com mais cartas colecionáveis. Na
distribuição durante o primeiro filme, no lançamento do DVD e VHS do mesmo, e
do lançamento do jogo de cartas para Game Boy, as cartas não haviam sido
traduzidas para o português, mas alavancaram as vendas mesmo assim. Foi na
65

exibição do segundo longa que a Devir Livraria iniciou a tradução das cartas,
denominando-as estampas ilustradas (POKÉMON BY PSYDUCK, [200?]).

Figura 11 - Cards promocionais entregues no primeiro filme

Fonte: POKÉMON BY PSYDUCK. Disponível em:


<http://www.reocities.com/TelevisionCity/satellite/5722/tcg4.html>. Acesso em 15/11/2012.

d) Pokémon e merchandising
A série de televisão, os filmes, o álbum de figurinhas e a revista quinzenal
foram os principais motores da estratégia transmídia no Brasil. Outros produtos
também tiveram destaque, licenciados por marcas de brinquedos como a Estrela
e marcas de bebida, como a Antartica. Estes estavam sempre de acordo com o
mote “Temos que pegar!” da série, que estimula a prática de colecionar os
personagens.
Os brinquedos da Estrela fizeram muito sucesso entre as crianças. Como
citado anteriormente, a empresa havia colocado 140 mil produtos relacionados a
Pokémon em setembro de 1999, esperando vendê-los até o Natal. Estes se
esgotaram no Dia das Crianças, e outro lote igual foi encomendado para as
festividades de final de ano. Ao todo eram 35 produtos, que, em 2000, já
representavam 7% do faturamento da marca (POKÉMANIA, 2000). Entre eles
estavam miniaturas colecionáveis, jogos de tabuleiro, ioiôs, e chapas metálicas.
66

Figura 12 – Miniaturas Pokémon Grud-Grud, da Estrela

Fonte: TODA OFERTA UOL. Disponível em: <http://todaoferta.uol.com.br/comprar/pokemon-


estrela-pikachu-colecao-gurdgrud-TPKKJZWLFR#rmcl>. Acesso em 15 nov. 2012.

Figura 13 – Ioiô Pokémon, da Estrela

Fonte: MERCADO LIVRE. Disponível em: <http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-441683809-


brinquedo-antigo-estrela-io-io-do-pokemon-pidgey-anos-90-_JM>. Acesso em 15 nov. 2012.
67

Figura 14 – Jogo Poké-Tapa, da Estrela

Fonte: QUE BARATO. Disponível em: < http://sp.quebarato.com.br/louveira/brinquedo-pokemon-


poke-tapa-da-estrela-incompleto__44413.html>. Acesso em 15 nov. 2012.

O Guaraná Antártica também se valeu do sucesso da franquia para lançar


seu produto promocional. Em 20 de setembro de 2000 foi ao ar o comercial do
Guaraná Caçulinha Pokémon, que retratava uma mãe vestida como o
protagonista Ash e caçando as criaturas entre as prateleiras com o produto da
Antártica. Eram 40 miniaturas diferentes, entre monstros e personagens
humanos. Além disso, havia 5 rótulos colecionáveis, com Pokémons diferentes
(DM9DDB PUBLICIDADE LTDA, 2009).

Figura 15 – Guaraná Caçulinha

Fonte: MINILUA. Disponível em: < http://minilua.com/brinquedos-que-marcaram-epoca-3/>.


Acesso em 15 nov. 2012.

A Tele Centro Sul, empresa de telecomunicações atualmente pertencente à


Oi (nome fantasia da Brasil Telecom) (TUDO EM FOCO, 2011), foi responsável
pela confecção dos cartões telefônicos com os personagens da franquia.
68

Inicialmente, a empresa encomendou 6 milhões de cartões LigMania Pokémon.


No entanto, antes de lançá-los, realizou uma pesquisa e ampliou o pedido para
18 milhões de unidades (POKÉMANIA, 2000).

Figura 16 – Cartões telefônicos LigMania Pokémon

Fonte: TODA OFERTA UOL. Disponível em: < http://todaoferta.uol.com.br/comprar/rarissima-


serie-pokemon-telems-12000-tiragem-PQXNUWMTUX#rmcl>. Acesso em 15 nov. 2012.

A Elma Chips também lançou coleções dos personagens favoritos da


franquia. Em épocas separadas, promoções eram criadas com brindes
diferentes, e poderiam ser encontradas nos salgadinhos Cheetos, Fandangos,
Stiksy e Pingo D’Ouro (POKÉMON MYTHOLOGY, 2012b). Os primeiros a serem
lançados foram os Tazos (COISAS OLDS, 2009a), seguidos por um jogo de
cartas de “pedra papel e tesoura” ilustrado com os personagens (COMERCIAL,
2011) e cartas de batalha (COISAS OLDS, 2009b).

Figura 17 – Tazos Pokémon Elma Chips

Fonte: COISAS OLDS. Disponível em: <http://coisasolds.blogspot.com.br/2009/04/pokemon-


tazos-3.html>. Acesso em 11 nov. 2012.
69

Figura 18 – Jó-Kén-Pokémon Elma Chips

Fonte: COISAS OLDS. Disponível em: < http://coisasolds.blogspot.com.br/2009/04/cards-


pokemon-elma-chips-2.html html>. Acesso em 11 nov. 2012.

Figura 19 – Cartas de batalha Pokémon Elma Chips

Fonte: COISAS OLDS. Disponível em: < http://coisasolds.blogspot.com.br/2009/04/cards-


pokemon-elma-chips-2.html html>. Acesso em 11 nov. 2012.

No ramo alimentício, a Arisco ilustrou seu macarrão instantâneo com os


personagens, a Plus Vita fez o mesmo com seus bolos e a Danone realizou a
mesma estratégia com seus iogurtes. Foram mais de 70 produtos licenciados,
entre doces, shampoos, roupas, material escolar, entre outros (POKÉMANIA,
2000).
Como foi observado, a febre Pokémon tomou conta do país entre os anos
1999 e 2001. Centrada principalmente na televisão, se propagou no cinema, na
mídia impressa e no merchandising. O jogo para Game Boy não obteve uma
participação tão expressiva no faturamento relacionado à franquia,
70

principalmente por conta do preço elevado – apenas o game Pokémon Gold


custava R$ 94,05 nos anos 2000 (LOJAS..., 2000).

4.4 ANÁLISE DA TRAJETÓRIA POKÉMON NO BRASIL

Nesta etapa da pesquisa, serão relacionados os dados obtidos sobre a


trajetória da narrativa Pokémon com os autores da fundamentação teórica. Foram
escolhidos os principais teóricos abordados: Castells (2001), Charaudeau (2006),
Thompson (2009) e Vincent (2005). Serão realizadas comparações entre o Japão,
Estados Unidos e Brasil nos quesitos: localização e narrativa, linguagem – fala,
imagem e cultura – e estratégia transmídia.

4.4.1 Localização e narrativa

Quando a franquia Pokémon foi exportada do Japão para os EUA, houve uma
série de modificações. Essas foram denominadas por Katsuno e Maret (2004) como
‘localização’. Tal esforço vai além de apenas traduzir os diálogos, mas também
modificar e adaptar tais signos verbais transmitidos acusticamente, bem como os
signos não verbais – efeitos sonoros e música de fundo – e signos linguísticos
visuais, como expressões faciais, placas de sinalização, entre outros. Dessa forma,
serão relacionados aspectos da linguagem – fala, imagem, narrativa e cultura – aos
autores Vincent (2005), Castells (2001), Charaudeau (2006) e Thompson (2009),
comparando as mudanças que foram realizadas por responsáveis pela série fora do
Japão.
Conforme foi descrito no primeiro capítulo dessa monografia, Pokémon foi
criado no Japão aos moldes do gênero anime/mangá: com personagens que fossem
mais genéricos possíveis, sem marcas evidentes de serem orientais. Apesar de os
japoneses terem muito forte a noção entre “nós” e “ eles”, descrita por Castells
(2001), há uma tradição contrária a isso quando se fala de produtos para
exportação. A identidade cultural (CASTELLS, 2001) japonesa possui diversas
facetas, fruto de uma nação que, por muito tempo, esteve isolada do mundo
ocidental. Para se adaptar ao sistema capitalista e exportar produtos, o Japão
71

desenvolveu produtos que fossem culturalmente neutros, e se tornou uma potência


em artigos tecnológicos e eletrônicos.
No entanto, por muitos anos, as produções de entretenimento japonesas não
obtinham o mesmo êxito que os insumos tecnológicos, justamente por conta das
influências da identidade cultural. Castells (2001) considera que a formação dessa
identidade envolve mais do que a cultura, mas sim, aspectos históricos, geográficos
e biológicos. Além disso, instituições de produção, memória coletiva, fantasias
pessoais, aparatos de poder e religião também influenciam tal formação. Para
popularizar o entretenimento também no ocidente, as histórias nipônicas precisaram
sofrer uma desconstrução da identidade cultural, tornando-a neutra. Dessa forma,
outras sociedades poderiam compreender e interpretar as histórias mais facilmente,
podendo relacionar as narrativas com seus diferentes pontos de vista em seus
contextos espaço-temporais (CASTELLS, 2001).
Mesmo com o esforço de tornar Pokémon o mais neutro possível
culturalmente, a série continuava contendo valores e temas orientais. A tradição que
surgiu do mangá trouxe uma narrativa que abordava assuntos que não se observa
nas histórias ocidentais para crianças – especialmente norte-americanas. Questões
como sexualidade, violência e a não polarização entre o bem e o mal ainda
confundiriam a audiência infantil ocidental, por ser de difícil relação com seus
contextos sócio-históricos (THOMPSON, 2009). Assim, para aproximar a franquia ao
ocidente, muitas formas simbólicas (THOMPSON, 2009) precisaram ser alteradas,
obscurecidas e até omitidas completamente. Pode-se observar, na tabela a seguir,
algumas diferenças na narrativa central – que também engloba os filmes - de
Pokémon no Japão e nos EUA e a influência cultural exercida para modificar tal
história no ociente.
72

Tabela 1 – Diferenças entre narrativa central de Pokémon x cultura

Japão EUA

Temática central: Temática central: o garoto é o


aprendizado de um garoto herói, que tem o intuito de
que se prepara para a vida vencer o mal, com a ajuda de
adulta, com a ajuda de Forte cultura de heróis. amigos e Pokémons.
amigos e Pokémons. Foco na Desenvolvimento dos
evolução e amadurecimento personagens ofuscados.
dos personagens.
Vilões: veia cômica; vencer o Vilões: veia cômica; vencê-
Importância da polaridade
mal não era o foco principal. los era o foco do desenho
entre o bem e o mal.
animado.
Fonte: A autora (2012).

As músicas também refletem essa diferença na história central. No Brasil, as


faixas foram quase que completamente, à exceção de PokéRap, que apresentava o
nome dos personagens em inglês. Na tabela a seguir, podem-se perceber as
diferenças entre as versões original japonesa, norte-americana e brasileira da
música de abertura da primeira temporada da série.
73

Tabela 2 – Música de abertura de Pokémon na primeira temporada


Japão EUA Brasil
Adeus, cidade de Pallet, Eu quero ser o melhor Esse meu jeito de viver
adeus. Como ninguém nunca foi Ninguém nunca foi igual
Estou começando minha Pegá-los é meu teste real A minha vida é fazer
jornada com esse cara aqui Treiná-los é minha causa O bem vencer o mal
(Pikachu!) (LETRAS.MUS.BR, (LETRAS.MUS.BR,
Vencer e vencer e vencer [200?a], tradução nossa). [200?b]).
Primeira
com uma técnica perfeita
estrofe E fazer amigos na próxima
cidade
Sempre e o tempo todo, irei
avançar de forma habilidosa
(MEIKO ANIME, [200?],
tradução nossa).
Mesmo através de fogo, Pokémon! Temos que Pokémon! (Temos que
água, na grama, em florestas pegar todos. pegar)
Dentro da terra, através das É você e eu. Isso eu sei, pegá-los eu
nuvens, embaixo da saia Eu sei que é o meu tentarei! Pokémon!
daquela garota destino Juntos teremos que o
É uma tarefa muito, muito, Pokémon mundo defender!
Refrão muito, muito ruim, mas Ooh, você é meu melhor (LETRAS.MUS.BR,
Eu certamente pegarei! amigo, em um mundo [200?b]).
Eu pegarei Pokémons! que precisamos defender
(MEIKO ANIME, [200?], (LETRAS.MUS.BR,
tradução nossa). [200?a], tradução
nossa)..

OBS.: A música japonesa apresenta um arranjo musical completamente


diferente das versões ocidentais (INDIGO..., 2007).
Fonte: A autora (2012).

De acordo com as ideias de Vincent (2005), juntamente com a narrativa em si,


há o agente da marca. Este é responsável por conferir veracidade a uma história,
sendo a prova tangível desta. No Japão, a cultura da fofura (ALLISON, 2006) elegeu
o personagem Pikachu como agente. Diferentemente dos EUA, que, com a cultura
de heróis enraizada na sociedade e no entretenimento, promoveu Ash como prova
de tangibilidade narrativa.
74

Prestar tanta atenção aos aspectos da trama do desenho animado foi o


cuidado que encaminhou a franquia à fama mundial. Vincent (2005) atribui à
necessidade inata do ser humano de contar e ouvir histórias o sucesso de muitas
marcas que desenvolvem narrativas coesas. E Pokémon não foi apenas uma
sequência de fatos narrados. Também ditou costumes e comportamentos
indispensáveis para a participação dos receptores. O autor de “Histórias
Legendárias” (2005) pondera que, quando isso ocorre, a narrativa naturalmente atrai
a audiência a conversar com a marca, e também interagir com ela. Com isso,
sociedades e grupos são formados, e a prática de rituais e uso de símbolos são
comportamentos agregados. Na franquia tratada neste trabalho, diversas práticas
estimulando tais formações podem ser observadas.
No estudo de Helen Bromley (2004) sobre jogos narrativos envolvendo
Pokémon, muitos comportamentos comuns foram observados nas crianças. A
professora e estudiosa na área da educação acompanhou um grupo de crianças de
até 6 anos que deveria criar narrativas com brinquedos relacionados à série. O
primeiro comportamento observado foi: a primeira preocupação das crianças era
sobre a posse dos Pokémons. Isso explica um comportamento estimulado pela
narrativa, onde o slogan da franquia é: “Temos que Pegar!”. Obter o maior número
de monstros significava maior status, prática replicada pelo público infantil fora do
programa de TV.
No Brasil, a narrativa Pokémon foi exportada dos Estados Unidos, por isso,
não apresenta mudanças significativas na narrativa. Os ‘localizadores’ da Nintendo
of America realizaram uma estratégia que adaptaria Pokémon para toda a audiência
ocidental, que, por sua vez, já estava acostumada com os cartoons norte-
americanos. Os próximos parágrafos retratarão de forma mais aprofundada os
aspectos da ‘localização da série’.

e) Fala, imagem e cultura


Charaudeau (2006) observa que, no “uso da fala” há três oposições que são
responsáveis por completar o significado de um discurso. Por isso, dizer que
apenas a junção de vocábulos organizados semanticamente constitui uma
produção de sentido é falacioso. Há, além do discurso em si, a visão de mundo
do interlocutor e do receptor, o espaço externo à realidade de ambos – que
influencia nessa visão de mundo – e o que está fora da linguagem. Dessa
75

maneira, se o desenho animado fosse apenas traduzido da versão japonesa para


o ocidente, muitos aspectos culturais tipicamente nipônicos não seriam
compreendidos pela audiência, o que ocasionaria no fracasso da série.
Um exemplo disso é citado por Katsuno e Maret (2004), em relação aos
nomes dos Pokémons. Na versão japonesa, dois monstros com características
de lutadores são chamados Sawamura e Ebiwara, trocadilhos com nomes de
lutadores famosos no país nos anos 70. Para manter esse espírito, os
‘localizadores’ renomearam essas criaturas como Hitmonlee e Hitmonchan
(referências a Bruce Lee e Jackie Chan, respectivamente). Houve, então, uma
preocupação com a referência de mundo que a audiência possuía. No Brasil,
alguns Pokémons obtiveram nomes traduzidos para o português, principalmente
por conta da pronúncia. Na tabela abaixo, há alguns nomes que foram trocados
ao longo das exportações:

Tabela 3 – Pokémons e suas traduções


Japonês EUA Brasil
Fushigidane Bulbasaur Bulbasauro
Nyaasu Meowth Miau
Koikingu Magikarp Magicarpa
Poppo Pidgey Pombo
Fonte: BULBAPEDIA ([200?])

A maioria dos Pokémons não foi traduzida para uma versão próxima ao
português e nomes como Pombo e Magicarpa só se mantiveram assim na
primeira temporada. No entanto, um exemplo interessante relacionado à
referência de mundo dos receptores é o nome do personagem Miau. No Japão, a
interjeição “nyan” está relacionada ao miado de felinos, enquanto nos Estados
Unidos, esse som é caracterizado por “meow” (NYAN, 2008). Para seguir a regra,
os dubladores optaram por utilizar a interjeição brasileira: “miau” (MIAU, [2000-
2010]). O Pokémon Bulbasauro também passou por mudanças, ainda que sutis,
no nosso país. A diferença pode-se perceber entre o original e o americano.
“Fushigidane” é a junção das palavras “fushigi”, que significa mistério e “tane”,
semente (ANGELFIRE, [200?]). Na ‘localização’, o monstro, por sua aparência,
foi relacionado às palavras “bulb” e “dinosaur” – bulbo e dinossauro, por,
provavelmente, ser a referência de mundo mais próxima dos ocidentais.
76

Figura 20 - Pokémon Bulbasauro

Fonte: PIXEL JOINT. Disponível


em:<http://www.pixeljoint.com/forum/forum_posts.asp?TID=15172>. Acesso em: 15. nov. 2012.

Uma particularidade ocorre nos nomes dos Pokémons no Brasil: apesar de


alguns terem sido traduzidos, essa estratégia não foi coordenada com os outros
meios. No álbum de figurinhas, na revista Pokémon Club e nos brinquedos, por
exemplo, os nomes foram mantidos em inglês. Além disso, músicas que estavam
no animê como o PokéRap não eram completamente traduzidas, apresentando
os nomes das criaturas em inglês e o resto da letra em português (AS 5
PARTES..., 2012). No entanto, essas diferenças não afetaram o sucesso da
franquia no Brasil, o que demonstra a familiaridade da audiência brasileira com
fonemas e nomes estadunidenses. A questão do contexto sócio-histórico citado
por Thompson (2009) ilustra que, tanto a audiência nacional quanto a norte-
americana possuem habilidades e recursos semelhantes para interpretar as
nomenclaturas dos monstros de bolso.
Durante as batalhas que ocorrem no desenho animado, os Pokémons utilizam
golpes para atacar seus oponentes, e estes movimentos têm nomes distintos.
Originalmente, esses golpes são oriundos dos jogos para Game Boy. Assim,
para os japoneses e norte-americanos, que têm fácil acesso à tecnologia e aos
games, a transcrição direta dos movimentos do jogo para o desenho animado e
para os cards colecionáveis é algo natural, já fazendo parte do referencial de
mundo descrito por Charaudeau (2006).
Já no Brasil, como citado anteriormente, o acesso às práticas relacionadas
à tecnologia era muito menor. Melhorias como a internet wireless e a fibra óptica,
por exemplo, demoraram a chegar ao país. Os games ainda contavam com a
barreira dos altos preços. Logo, para a maioria das crianças, o referencial
77

relacionado aos golpes dos Pokémons era quase inexistente. Por isso, na
dublagem, os nomes dos ataques eram dados de acordo com o que eles
aparentavam. Alguns, por coincidência, mantinham-se semelhantes aos originais
em inglês, como o caso do ataque “vine whip” (THE POKEMON DATABASE,
[2008-2012]), do personagem Bulbasauro. Em português, foi transcrito
literalmente para “chicote de vinha”. O que ocorria na maioria das vezes,
contudo, era uma adaptação. O golpe, “confusion”, do personagem Psyduck
tornou-se “arremesso”, pois era isso que o movimento aparentava no desenho
animado. Com esse cuidado, os dubladores brasileiros evitaram o estranhamento
por parte da audiência que, em sua maioria, não possuía intimidade com os
games que originaram a série televisiva.
Pode-se perceber que, os esforços de mudança de nomenclaturas tanto
no Brasil quanto nos EUA refletem os referenciais culturais que ambas as nações
possuem. Para Charaudeau (2006), não existe uma análise de discurso que não
leve em conta dimensões proposicionais, situacionais e externas ao uso da fala
em si. Logo, tomando como base os conceitos de Thompson (2009), essas
diferenças não são fruto do acaso, e sim, oriundas de um planejamento e um
pensamento voltado à adaptação de formas simbólicas para audiências que
estão inseridas em contextos sócio-históricos.
Outra forma simbólica que foi alterada significativamente na ‘localização’
se encontra nos signos visuais. Foram traduzidos ou apagados todos os indícios
de língua japonesa do desenho animado. No Brasil, não houve nenhuma
alteração nas imagens, provavelmente por conta dos altos custos e da demora
deste processo, o que causaria atraso no lançamento dos episódios. As trilhas
sonoras durante os episódios foram alteradas significativamente na versão norte-
americana, que foi exportada sem mudanças para o Brasil. No primeiro capítulo
deste estudo mencionam-se tais alterações, analisadas por Kastuno e Maret
(2004). Segundo os autores, a trilha sonora japonesa tendia a ser muito mais
dramática e orquestrada, enquanto a norte-americana dava um tom mais leve,
humorístico e pop. Tanto as modificações nas imagens, quanto nas músicas de
fundo são reflexo de um estilo cartunesco estadunidense, onde desenhos infantis
não podem transmitir drama ou seriedade intensos. Logo, se estas formas
simbólicas não tivessem sido alteradas, seria mais difícil para a audiência se
78

identificar com o ritmo do desenho animado, bem como a presença de signos


orientais iria aumentar a sensação de estranhamento.
Seguindo essa ideia da influência intrínseca do contexto sócio-histórico na
interpretação das formas simbólicas citada por Thompson (2009), outro aspecto
do “uso da fala” constitui relevância: o diálogo entre os personagens. Conforme
mencionado no primeiro capítulo desta monografia, muitos dos diálogos do
desenho animado foram adaptados para a realidade da audiência. Falas
relacionadas a comidas típicas, como por exemplo, o episódio em que Brock fala
das preferências culinárias de seus irmãos, foram modificadas completamente. A
citação de pratos que não existem no ocidente causaria confusão na
interpretação do discurso, justamente por não estar inserida no contexto cultural
desses locais. Dessa forma, as sopas miso foram trocadas por “espaguete” e
“cereal”, alimentos genéricos e sem traços culturais fortes.
Thompson (2009) discorre que, dentro do contexto sócio histórico, há
situações espaço-temporais, campos de interação e mídia. Um campo de
interação de influenciou a narrativa Pokémon foi o de família. No Japão, os laços
de sangue são considerados como a definição de união familiar. Todavia, essa
realidade não era a mesma no ocidente no final dos anos 90 e entrada do novo
milênio. Tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, o divórcio já era tratado
como uma situação natural da sociedade, e novas configurações de família
tornavam-se cada vez mais comuns. Pode-se perceber o reflexo desses valores
diferentes no episódio “The Kangaskhan Kid”. Neste episódio, Ash e seus amigos
encontram um menino que foi criado por Pokémons selvagens. No diálogo
analisado por Katsuno e Maret (2004), Ash (Satoshi), Brock (Takeshi) e Misty
(Kasumi) discutem sobre como o menino irá lidar com a situação de estar reunido
à sua família. A tabela a seguir ilustra as diferenças entre os diálogos japonês,
estadunidense e brasileiro. Pode-se perceber que, entre a versão norte-
americana e a brasileira, não há diferença no conteúdo do discurso:
79

Tabela 4 – Diálogos do episódio “The Kangaskhan Kid”


Versão japonesa Versão estadunidense Versão brasileira

Satoshi: Você acha que o Ash: Você acha que Tommy e Ash: Será que Tommy e
trio Tarzan será capaz de sua família podem realmente seus pais podem ser uma
ser uma família real? ser uma família? família?
Takeshi: Não se preocupe Brock: Ash, eles se amam. Eles Brock: Ash, eles se amam.
com isso! Afinal, eles são ficarão bem. Eles vão ficar bem.
verdadeiramente pais e Misty: Mas isso será difícil. Misty: Mas deve ser difícil...
filho. Afinal, eles ficaram longe uns também, ficaram longe por
Kasumi: Eles ficaram cinco dos outros por cinco anos. cinco anos!
anos separados. Ash: E vai ser difícil até para Ash: E vai ser bem difícil
Satoshi: É mesmo. [Taro] eles se comunicarem para eles se comunicarem
passou todo esse tempo (KATSUNO;MARET, 2004). (POKÉMON..., [200?]).
vivendo entre os Pokémons
Kangaskhan. Isso não será
fácil (KATSUNO ;MARET,
2004).
Fonte: A autora (2012)

É possível notar que, no diálogo original, não se fala em problemas de


comunicação, algo que ocorre nas outras duas versões. Além disso, a referência
ao Tarzan só aparece explicitamente na fala de Satoshi (versão japonesa). A
maior diferença, no entanto, encontra-se na noção de família. Enquanto para os
japoneses os laços sanguíneos são o que determinam um grupo familiar, o amor
é o que une pais e filhos no ocidente. Como citado anteriormente, o contexto
deste campo de interação é semelhante tanto nos EUA quanto no Brasil, sendo
possível uma tradução apenas linguística do discurso.
Outro campo de interação citado por Thompson (2009) em seus estudos
em Hermenêutica de Profundidade é o religioso. Sendo um dos campos que
incita mais polêmica, os produtores da série televisiva do Japão optaram por não
inserir qualquer traço de religião. Essa estratégia teria sido traçada para facilitar a
exportação do desenho animado para o restante do mundo (KATSUNO;MARET,
2004).
Nem sempre se fazia possível apenas alterar diálogos, pois as imagens
que os acompanhavam impediam que fizessem sentido. Além disso, alguns
episódios apresentavam temáticas que fugiam completamente dos valores da
80

sociedade ocidental, como sexualidade e violência. Sempre que possível, os


‘localizadores’ cortavam sequências e montavam novas cenas, como citado no
primeiro capítulo, quando foi feito um corte na cena do primeiro episódio, onde
Misty desferiu um tapa no rosto de Ash. Esse ato seria, culturalmente, uma
indicação que um romance estava para ocorrer, temática considerada pouco
aceitável para desenhos infantis ocidentais. Quando se fazia inviável montar
novas sequências, episódios inteiros eram banidos, como foi o caso de “Férias
em Acapulco”, onde um dos vilões, James, aparece utilizando seios falsos para
participar de um concurso de beleza.
Castells (2001) disserta sobre a identidade cultural, que é composta por
diversos fatores, entre eles, o histórico. Assim como no teatro grego, no Japão
antigo, apenas homens poderiam participar de peças dramatúrgicas (PORTAL,
[200?]). A ideia de pessoas “travestidas” não é algo incomum no oriente, pois faz
parte de sua história e, consequentemente, de sua identidade como cultura. No
episódio de Pokémon “Férias em Acapulco”, a caracterização de James é reflexo
dessa característica cultural e, portanto, não causa estranhamento para a
audiência nipônica. Quando essa história chegou aos EUA, os ‘localizadores’,
optaram por não exibi-la, pois este assunto é polêmico para a sociedade
ocidental.
Pokémon no ocidente pode ser considerada uma narrativa completamente
transformada. No Brasil, apenas mudanças pontuais na tradução foram
realizadas, e não houve diferença significativa no cunho da história, por conta de
semelhanças culturais que possibilitaram a exportação dessa maneira. O
diagrama a seguir representa a estratégia de ‘localização’ relacionada aos
autores estudados.
81

Figura 21 – Estratégia de ‘localização’

Contexto sócio-histórico
(THOMPSON, 2009)
Fazem parte da
Identidade cultural
Aspectos externos à (CASTELLS, 1999)
linguagem
(CHARAUDEAU, 1996)
Estratégia de ‘localização’ de
Pokémon levando em conta a
identidade cultural

Marca legendária
(VINCENT, 2005)
Fonte: A autora (2012)

Por meio da análise das formas simbólicas foi possível perceber que
aspectos do contexto sócio-histórico (THOMPSON, 2009) e os aspectos externos
ao “uso da fala” (CHARAUDEAU, 2006) fazem parte do que se denomina
identidade cultural (CASTELLS, 1999). Prestar atenção nos fatores
influenciadores desta em uma narrativa exportada e adaptar a realidade de um
povo determinado à mesma foi a estratégia adotada pelos ‘localizadores’ para
tornar Pokémon uma história que tornasse marca legendária (VINCENT, 2005).

4.4.2 Estratégia transmídia

A estratégia transmídia de Pokémon se deu de maneira diferente nos países


para os quais foi exportada. Aspectos culturais, sociais e econômicos foram cruciais
para tais adaptações, pois mesmo com muitas semelhanças nesses âmbitos, os
países do ocidente possuem particularidades que deveriam ser observadas na hora
de traçar a estratégia transmidiática de Pokémon. Neste subcapítulo serão utilizados
os autores Castells (1999), Charaudeau (2006) e Thompson (2009), relacionados à
condução da narrativa Pokémon por meio de diversas mídias.
O Japão, por muitos anos, se destacou na economia como fornecedor de
eletrônicos, sendo eles com pouco ou nenhum traço oriental. O fato de as nações
orientais causarem estranhamento para a cultura ocidental dificultava a exportação
de produtos relacionados ao entretenimento, como música, programas de televisão,
comics e desenhos animados. Para vencer preconceitos, os japoneses precisaram
82

ocidentalizar seus personagens, tornando-os mundiais. Jogos como Sonic e Mario


fizeram sucesso por contarem com protagonistas que claramente eram do ocidente.
Assim, na criação de Pokémon, esse cuidado também foi tomado. Pode-se perceber
a diferença da estratégia no Japão, EUA e Brasil na tabela abaixo:

Tabela 5 – Estratégias de lançamento


País Ordem de lançamento Duração do auge
Meio mais popular
da estratégia do fenômeno
1) Jogo para Game Boy Desenho animado 1997 - 2001
2) Merchandising
Japão
3) Mangá
4) Desenho animado
1) Desenho animado Desenho animado 1998 - 2001
EUA 2) Merchandising
3) Jogo para Game Boy
1) Jogo para Game Boy* Desenho animado 1999 - 2001
Brasil 2) Desenho animado
3) Merchandising
* O jogo para Game Boy foi o primeiro produto a aparecer no Brasil, mas sem promoção.
Fonte: A autora (2012)

A estratégia transmídia no Japão teve início no jogo para Game Boy,


passando para mangá, sendo adaptado para o anime e cards colecionáveis.
Merchandising em geral foi criado logo após o jogo para Game Boy, e distribuído
para os fãs. Já nos EUA, foi preferido lançar primeiro o desenho animado, que
serviria de “cama” para toda a narrativa, para depois divulgar o game. No Brasil, o
jogo importado já estava nas lojas, mas somente recebeu atenção após o
lançamento do desenho animado no canal Record, em 1999. O merchandising
começou a ser distribuído pouco depois, o que ocasionou na falta dos brinquedos,
revistas, figurinhas e cards colecionáveis em algumas semanas do início das
vendas.
O desenho animado foi o centro da narrativa em todos os países analisados,
mesmo que tenha sido lançado muito depois dos games no Japão. Já o tempo de
duração da febre Pokémon apresentou uma diminuição conforme era exportado.
Gilles Brougère (2004) realizou uma análise do fenômeno na França, e observou
esse movimento de condensação: “Mas o que mais distingue o marketing de
Pokémon na França da história de Pokémon no Japão e nos Estados Unidos é seu
83

curto e condensado ciclo de vida” (BROUGÈRE, 2004, p.189, tradução nossa).


Pode-se obervar muitas semelhanças entre a estratégia transmídia na França e no
Brasil, que são descritas por Brougère:
Pokémon cards and, to a lesser extent, stickers, played an important role as
a focus for collective practice. This repeated a successful marketing formula
in France associated with trading cards distributed by Panini featuring
soccer players, heroes of children’s TV shows, and pogs, but took it to a
higher level. Pokémon as a social practice for most children was introduced
by the TV series and reinforced by the trading cards. [...] The TV series
provided the central myth and the cards the central rituals of children’s
Pokémon communities (BROUGÈRE, 2004, P. 195).

No Brasil, as figurinhas distribuídas pela mesma Panini da França alcançaram


um sucesso sem precedentes, também alavancadas pelo sucesso do programa de
televisão. A diferença foi que os cards colecionáveis não obtiveram o mesmo êxito
aqui no país, principalmente por possuírem um valor elevado e por não estarem
traduzidos para o português. No geral, todos os produtos que envolviam esforços de
tradução e eram importados dos Estados Unidos não alcançaram o mesmo sucesso
em vendas como produtos ditos como “nacionais”, como os brinquedos da Estrela,
as miniaturas do Guaraná Caçulinha e os Tazos da Elma Chips.
Pode-se perceber então, que, aspectos econômicos foram cruciais para a
escolha da ordem de lançamento e divulgação dos produtos. Os sujeitos
interpretantes de Thompson (2009) são também sujeitos consumidores, inseridos
em um cotexto sócio-histórico definido. No caso do Brasil, a economia em
recuperação desde o salto inflacional entre 1992 e 1994 e a implementação de uma
nova moeda – o Real -, influenciou na natureza das vendas de Pokémon. Pacotes
de figurinha vendidos a 35 centavos, ou revistas a 3 reais e 90 centavos eram muito
mais rentáveis para os pais do que um jogo para Game Boy que, na época, estava
em torno de 94 reais. Logo, mesmo que os sujeitos interpretantes pudessem
entender e interagir com a mídia eletrônica, a situação espaço-temporal e a estrutura
social (THOMPSON, 2009) ditava quais produtos estavam fadados a vender mais. A
figura a seguir resume este raciocínio.
84

Figura 22 – Estratégia transmídia

Situação espaço-temporal No Brasil Lenta recuperação da


(THOMPSON, 1995) economia

No Brasil Classe média brasileira


Estrutura social
ainda com baixo poder
(THOMPSON, 1995)
aquisitivo

Popularização de produtos
com preços mais baixos

Em Pokémon

Venda de Tazos, figurinhas,


revistas, produtos com
brindes Pokémon,
brinqueodos da Estrela

Fonte: A autora (2012)

Os avanços tecnológicos, no final dos anos 90 e início dos anos 2000


começavam a chegar com mais rapidez em países como o Brasil, ainda que
impedidos por barreiras burocráticas e de infraestrutura. Cabos de fibra óptica e
internet wireless, realidade para os países desenvolvidos em meados dos anos 90
eram novidade no século XXI. De acordo com Charaudeau (2006), os espaços
implícito e explícito são cruciais para a análise de um discurso. Ainda de acordo com
o autor, os sujeitos falantes – emissor e receptor – não podem existir um sem o
outro, e ambos têm uma identidade, que resulta em um “objetivo de influência”.
Logo, os realizadores da estratégia Pokémon precisaram entender os contextos e as
identidades culturais (CASTELLS, 1999) de cada país para traçar seu plano. Um
país como o Brasil, com pouca tradição em produtos tecnológicos, e fortemente
atrelado à televisão e folhetins, necessitou de adaptações na venda dos produtos.
Como foi observado nesta análise, Pokémon passou por adaptações não
somente na ordem com a qual apresentava seus esforços midiáticos. Foi apontado
como uma das razões do sucesso da franquia o esforço em ‘localizar’ a série para
85

identidades culturais distintas. Logo, tanto a estratégia transmídia, quanto a


‘localização’ de Pokémon se mostraram importantes agentes na divulgação da
franquia, pois havia uma preocupação constante com a realidade sociocultural de
cada local onde a febre se instalava. Dessa forma, é possível relacionar os quatro
autores com estes aspectos de Pokémon e como estes se deram no Brasil na figura
abaixo:

Figura 23 – Estratégia Pokémon no Brasil

Contexto sócio-histórico
(THOMPSON, 2009) Aspectos externos à
Constituem os
linguagem
Estrutura social (CHARAUDEAU, 1996)
(THOMPSON, 1995)

Situação espaço- Que fazem parte da


temporal
(THOMPSON, 1995)
Identidade cultural
Espaços de Interação (CASTELLS, 1999)
(THOMPSON, 1995)

Levou a diferenças na
Identidade cultural do estratégia e ‘localização’ de
Brasil Pokémon em relação aos
outros países

Elevou Pokémon no Brasil


a status de

Marca legendária
(VINCENT, 2005)
Fonte: A autora (2012).

A última parte da figura, onde há o campo “identidade cultural do Brasil”, pode


ser substituída por qualquer outro país onde a febre Pokémon existiu. Estudos de
recepção de Pokémon em outros países, como o de Brougère (2004) na França, e o
de Lemish (2004), no Iraque, ilustram a influência da identidade cultural na formação
desses fenômenos.
86

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto para este trabalho de conclusão foi realizado com base na análise
da estratégia transmídia de Pokémon no Brasil. No entanto, ao ler o livro Pikachu’s
Global Adventure: the rise and fall of Pokémon (2004), a autora deste TCC
identificou uma questão tão importante quanto à estratégia transmidiática: a questão
da ‘localização’ da série quando foi exportada do oriente para o ocidente. Dessa
maneira, foi necessário ajustar a proposta inicial, de forma a englobar não só os
aspectos transmidiáticos, mas também no que tange a adaptação da série para a
audiência ocidental. Do título, então, foi retirada a expressão “narrativa transmídia”,
pois não traduzia o trabalho como um todo, sendo essa apenas uma parte da
análise dos fatores que levaram a franquia Pokémon ao sucesso mundial.
Os autores que mais contribuíram para a análise foram Charaudeau (2006),
Thompson (2009), Castells (2001) e Vincent (2005). Charaudeau (2006) aborda a
questão do “uso da fala” e das três oposições: proposicional X relacional, explícito X
implícito, interno X externo. Para o autor, não há como analisar discursos sem levar
em conta a interpretação do receptor, bem como tudo o que permeia esse indivíduo,
sendo aspectos externos ao discurso. Já Thompson (2009) aborda uma questão
semelhante: a Hermenêutica de Profundidade. Em sua teoria, as formas simbólicas
sempre serão interpretadas e reinterpretadas de acordo com o contexto sócio-
histórico. Dessa maneira, a audiência dispõe de recursos limitados para interpretar
símbolos, que são consequência do contexto onde vivem.
Para Castells (2001), todos possuímos uma identidade cultural, que nos
acompanha e delimita a fronteira entre “nós” e “eles”. Já para Vincent (2005), a
narrativa é um recurso fundamental para as marcas se tornarem legendárias, e
serem apropriadas pelo público. O uso de certos recursos como o agente da marca,
potencializa o diálogo entre produtor e receptor.
Para a análise da trajetória Pokémon no Brasil, estes quatro autores
contribuíram em suas áreas, e foi realizada uma relação entre eles e as diferenças e
semelhanças encontradas na narrativa, nas formas simbólicas e na estratégia
transmídia no Japão, nos Estados Unidos e no Brasil. Desejou-se, para tanto, expor
os dados coletados de forma sintética e analítica. Foram confeccionadas pela autora
tabelas e esquemas gráficos, que propiciam uma visualização mais clara dos pontos
em comum e divergentes da ‘localização’ de Pokémon em cada país, possibilitando
87

melhor comparação. Pôde-se perceber que a estratégia da marca foi planejada


desde o começo para tornar-se global. O caráter genérico dos personagens – ou
seja, sem demonstração de ser de qualquer nacionalidade – e a ausência de
religiões situaram a série na fronteira entre “nós” e “eles”, de forma a não influenciar
em marcas que são fortes na identidade cultural. Assim, foi mais viável exportar os
monstros de bolso para o ocidente.
Ao chegar nos EUA, país com fortes princípios entre o bem e o mal, tradição
de cartoons e comics com heróis como protagonistas, e com casos crescentes de
violência com armas de fogo em escolas, Pokémon necessitou de severos ajustes.
As famílias norte-americanas não aceitariam um desenho animado com valores ou
características japonesas, principalmente por conta da imagem negativa que o país
possui, de jovens isolados por conta da tecnologia e supervalorização do trabalho.
Além disso, muitos assuntos abordados naturalmente nos desenhos animados e
mangás japoneses, como sexualidade, amor e crescimento pessoal não são tópicos
normais nas casas da terra do Tio Sam. A Nintendo of America precisou ‘localizar’
Pokémon tanto em suas imagens quanto em seu conteúdo, de forma a tornar o
personagem principal, Ash, um herói que luta contra o bem e o mal - enquanto a
história japonesa trata de crescimento e amadurecimento dos personagens, e da
busca constante pela perfeição.
A história que foi distribuída para o ocidente, então, foi ‘localizada’ por
produtores estadunidenses, onde seu roteiro era mais infantil, superficial e com trilha
sonora dentro da tradição dos cartoons que a audiência estava acostumada a ver.
Logo, esse esforço contribuiu de maneira direta para o sucesso da franquia. Os
produtores fizeram valer as referências que o público possuía para interpretar as
formas simbólicas contidas em Pokémon, o que possibilitou a identificação do
público com a narrativa. História esta que teve seu agente da marca modificado, de
Pikachu, no Japão, para Ash, no ocidente. É interessante observar que o mote
central da série, “Temos que pegar”, não foi modificado em nenhum país. Este
incentivava as crianças a comprar mais e mais produtos relacionados ao tema, a
“colecionar” tudo o que houvesse para possuir.
No Brasil, a série seguiu o mesmo plano narrativo dos Estados Unidos, pois
contamos com referências muito semelhantes às do primeiro mundo, no que tange
desenhos animados. Isso porque nos acostumamos a consumir cartoons
importados, e porque possuímos diversas características de identidade cultural
88

semelhante aos EUA. Certos nomes de Pokémons foram substituídos – alguns com
mais sucesso que outros -, e expressões como “Pokébola” (Pokeball) e
“Pokéagenda” (Pokedex) foram bem aceitas pela audiência. A maioria das músicas
foi traduzida, mas os nomes norte-americanos dos Pokémons se mantiveram
originais em todas as mídias onde se encontravam – revistas, álbuns de figurinhas,
cartões telefônicos, jogos eletrônicos, entre outros.
O que mudou no Brasil foram as formas de apresentar a franquia à audiência
infantil. O país era muito dependente dos lançamentos e pacotes dos EUA, o que
transformou o lançamento de episódios dos desenhos animados irregular e repleto
de reprises, o que esgotou Pokémon em aproximadamente três anos. Muitos
produtos que eram populares no Japão e nos países ocidentais desenvolvidos não
obtiveram a mesma popularidade, como os jogos para Game Boy. Isso ocorreu
porque o Brasil estava recuperando-se de uma crise econômica, o que tornava difícil
para as pessoas consumirem produtos com valores elevados. Brindes oriundos de
salgadinhos e outros insumos alimentícios, álbuns de figurinhas com envelopes a
trinta e cinco centavos, cartões telefônicos e revistas, por serem mais acessíveis
fizeram sucesso em nosso país.
Ao perceber esses e outros padrões e diferenças na narrativa e nos esforços
transmídia, foi possível configurar resumos esquemáticos relacionando os autores
com a estratégia de globalização de Pokémon. O contexto sócio-histórico, a
estrutura social, a situação espaço-temporal e os espaços de interação propostos
por Thompson (2009), têm semelhanças e distinções de acordo com cada país. Este
grupo constitui os aspectos externos à linguagem de Charaudeau (2006), onde não
há análise de discurso sem levar em conta o que está fora do receptor. Estes
aspectos fazem parte da identidade cultural de cada indivíduo, conceito de Castells
(2001), que determina como nos vemos perante outras culturas.
Logo, a identidade cultural do Brasil levou a adaptações na estratégia de
Pokémon perante outros países, o que elevou Pokémon ao status de Marca
Legendária, conceito de Vincent (2005). Este esquema pode ser realizado para os
demais países que venham a ser analisados, basta que se conheça e se relacione
os aspectos externos à linguagem às adaptações realizadas na série. Pode-se
perceber, então, que não foi apenas a característica transmidiática de Pokémon que
o transformou em marca global. Os ‘localizadores’ da Nintendo of America e da
4Kids Entertainment estavam conscientes da importância de adaptar todos os
89

aspectos da franquia para a audiência ocidental, e isso foi de suma importância para
ser apropriada pelo público infantil, e permitida pelos pais dessas crianças.
Assim como Pokémon, muitas outras narrativas foram exportadas do Japão
para o ocidente, algumas com mais ou menos renome. Histórias como Sailor Moon e
Yu-Gi-Oh! também conquistaram a atenção das crianças. Partindo da ideia de
identidade cultural e da análise do discurso sob a ótica da Hermenêutica de
Profundidade, estas e outras narrativas poderiam também ser exploradas. Este
trabalho pode então gerar outros assuntos, que levem em conta principalmente a
questão da cultura e recepção. Vale atentar que esta recepção não é passiva, sendo
ela repleta de interpretações e reinterpretações, gerando uma inversão entre
produção e audiência, onde a segunda é que faz o papel da primeira.
A experiência obtida neste trabalho acadêmico impulsionou a autora a buscar
novas fontes de conhecimento, e trouxe surpresas durante a pesquisa, como a
importância de entender a identidade cultural para posicionar a narrativa Pokémon
nos diferentes mercados e a influência decisiva dos ‘localizadores’ da série para o
sucesso da mesma em escala mundial. Assim, a autora espera poder dar
continuidade a seu trabalho em uma dissertação de mestrado, trazendo Pokémon
para os dias de hoje, na era da sociedade em rede, onde são os receptores que
apropriam a narrativa já consolidada na história do entretenimento e produzem
novos conteúdos em cima desta. Também, espera-se que esta monofgrafia
interesse aos profissionais que trabalham para tornar as marcas cada vez mais
emocionais, pois atenta para a importância de conhecer a cultura na qual um
produto ou serviço está incluído, e que isto pode ser decisivo para o sucesso ou
fracasso de uma marca.
90

REFERÊNCIAS

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