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Relatório final aprovado como requisito parcial à obtenção da Graduação dos Cursos de Rádio
e TV da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Comunicação da Universidade do Vale do
Paraíba, São José dos Campos, SP, pela seguinte banca examinadora:
Banca Examinadora:
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Prof. Dr. Manoel Otelino da Cunha Peixoto
Diretor da FCSAC – UNIVAP
São José dos Campos, 27 de novembro de 2014.
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTACT
This work describes the processes of idea conceptualization, research and production
of a short film, considering the history of cinema and the advancement of it's language, as
well as the evolution of digital image capture and sound equipment. The cinematography of
important names in cinema of the last four decades are aesthetic and linguistic references to
this work, which aims to produce an independent short film with a low budget and financial
support by businesses in the cities of São José dos Campos and Sao Paulo for causes that help
develop the arts and culture. Cinematic productions, bibliographies of critics, theorists and
film professionals and audiovisual production world were analyzed. Also, theoretical study of
the production process and audiovisual practice analysis, which related, makes understanding
the format of short films possible.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................................... 5
ABSTACT .............................................................................................................................................. 6
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 9
JUSTIFICATIVA................................................................................................................................ 11
OBJETO............................................................................................................................................... 12
OBJETIVO GERAL ............................................................................................................................. 13
OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................................................ 13
PROBLEMA ........................................................................................................................................ 13
MODALIDADE................................................................................................................................... 16
METODOLOGIA ............................................................................................................................... 16
1. O TEMA ................................................................................................................................... 17
1.1. A HISTÓRIA DO CURTA-METRAGEM ....................................................................... 17
1.2. PRODUÇÕES DE BAIXO CUSTO ................................................................................. 18
2. A CONSTRUÇÃO DE A MORTE DE NOSSO PAI ............................................................. 20
2.1. REFERÊNCIAS CONCEITUAIS .................................................................................... 20
2.2. CONTO ............................................................................................................................. 20
2.3. ORIGEM E CONCEPÇÃO DAS PERSONAGENS ........................................................ 20
2.4. HISTÓRIA E DESCRIÇÃO DAS PERSONAGENS ....................................................... 21
2.5. SINOPSE ........................................................................................................................... 22
2.6. ARGUMENTO ................................................................................................................. 23
3. CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIO .................................................................................... 26
3.1. ANÁLISE VISUAL .......................................................................................................... 26
3.2. ESTUDOS ESPECÍFICOS ............................................................................................... 26
4. O ROTEIRO DE A MORTE DE NOSSO PAI ...................................................................... 28
4.1. O QUE É ROTEIRO? ....................................................................................................... 28
4.2. ADAPTAÇÃO: DO CONTO AO ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO ........................... 28
4.3. INTENÇÕES DO ROTEIRO............................................................................................ 30
5. A PRÉ–PRODUÇÃO DE A MORTE DE NOSSO PAI ........................................................ 31
5.1. PRODUÇÃO EXECUTIVA ............................................................................................. 31
5.2. PRODUÇÃO ARTÍSTICA ............................................................................................... 36
5.3. PRODUÇÃO TÉCNICA ................................................................................................... 46
6. A GRAVAÇÃO DE A MORTE DE NOSSO PAI .................................................................. 50
6.1. PRODUÇÃO ..................................................................................................................... 50
6.2. DIREÇÃO ......................................................................................................................... 53
8
INTRODUÇÃO
prática, mostrando que a reflexão ainda é o elemento central que sustenta uma obra
audiovisual de qualidade.
Nos capítulos que se seguem serão apresentadas todas as fases de pré-produção, produção
e pós-produção de A Morte de Nosso Pai, contendo, ainda, uma breve abordagem a respeito do
conceito e da história do curta-metragem no mundo e também do uso, até hoje, do seu formato
dentro do mercado audiovisual. Você leitor terá a oportunidade, inclusive, de conhecer as
referências estilísticas utilizadas para a concepção visual e linguística do curta-metragem
apresentado.
11
JUSTIFICATIVA
“A arte deve ter sentido? Utilidade? [...] Por que escolhemos a arte? Para tocar,
emocionar, se expressar? Sim, isso tudo é importante, para você, para mim, mas isso
faz alguma diferença para o mundo? Isso muda algo? [...] Eu tento me apropriar
daquilo que me toca e incomoda pra transformá-lo em arte, emocionar, mobilizar [...]
E quanto a vocês? O que lhes toca, o que lhes incomoda, o que vocês querem devolver
para a sociedade?” (CIRCULAR, 2012)
Segundo Jane Barnwell (2013, p. 9), “O cinema é uma parte importante do nosso dia a
dia. Nós não só passamos tempo consumindo e discutindo cinema, ele também se infiltra em
nossas consciências e constrói ideias sobre o mundo e seus habitantes”. Sendo assim,
produtores de cinema, cujo objetivo é levar outras pessoas à reflexão de sua arte, têm a
responsabilidade de levar à consciência e à construção das ideias na cabeça das pessoas
trabalhos feitos com o devido cuidado.
A experiência do Cinema Novo, influenciado pelo lema “uma câmera na mão, e uma
ideia na cabeça”, foi um movimento importante como atitude política em um momento do
Brasil no qual faltava oportunidade para produções nacionais preocupadas com o contexto
social e cultural do país. Contudo, o lema pode ter sido mal interpretado, desconsiderando o
papel da “ideia” nas produções e valorizando sobremaneira o equipamento (SOUSA, 2009).
Nesta perspectiva, o cineasta italiano Michelangelo Antonioni, citado por Sousa, observa:
“Penso que o advento da eletrônica no cinema poderá confrontar-se com uma situação
análoga àquela que se veio a criar, no mundo da pintura, com o advento da arte
abstracta, quando milhares, dezenas de milhares de pessoas, sempre em virtude da
habitual necessidade de se exprimirem, começam a garatujar 1 com as cores, convictas
de poderem ser artistas, muito embora desenhando círculos e linhas. E só agora, à
distância de anos, sabemos que aqueles que significaram algo para esta arte são só
aqueles cinco, ou dez, que todos nós conhecemos: apenas se salvaram aqueles que
daquele meio conseguiram fazer verdadeiramente seu meio de expressão. Sucederá o
mesmo com a eletrônica: veremos filmes feitos pelo homem da rua; o varredor pegará
nos sacos de lixo e fará com eles o seu filme. Mas, tal como a arte abstracta, também
para a eletrônica, que só aparentemente simplificará a profissão de autor de cinema e
abrirá a praticamente a todos, sucederá aqueles que farão autêntico cinema, mesmo –
porque não? – sobre os sacos de lixo, feitas as contas, serão poucos, pouquíssimos.”
(ARISTARCO; ARISTARCO2, 1990, apud ANTONIONI, 19833)
A comparação entre pintura e cinema é bastante cabível. Naquela época, como cita o
autor, foram poucos os artistas que conseguiram fugir dos traços e características típicas do
classicismo, desenvolvidas durante anos desde a antiguidade grega, e resgatadas no
1
v.t. Fazer garatujas, rabiscar. (Disponível em: http://www.dicio.com.br/garatujar/)
2
ARISTARCO, Guido e Teresa. O Novo Mundo das Imagens Eletrônicas. Lisboa: Edições 70 Ltda., 1990
3
Entrevista a Anna Maria Mori de Michelangelo Antonioni, in La Republica, 15 de novembro de 1983.
12
renascimento. Esses artistas criaram novas abordagens conceituais e estéticas, mas, antes
disso, tiveram todo o conhecimento clássico para dar suporte à sua nova forma de utilizar da
pintura e escultura. Aqueles que tentaram copiar os novos movimentos de arte sem nenhum
embasamento e estudo prévio não se destacaram. No cinema isso não ocorre de forma
diferente. Para que produtor e/ou diretor realizem uma obra e possam experimentar novas
abordagens e linguagens, é necessário ter conhecimento e bagagem da linguagem clássica,
desenvolvida por mestres como Edwin Porter, Sergei Eisenstein, David Griffith, Georges
Méliès, entre outros, que até hoje a estudam e a desenvolvem. De outro modo, no entanto,
serão poucos os profissionais de vídeo que terão seus trabalhos reconhecidos e valorizados,
ainda que possa não ser esse o objeto de um realizador específico. Sendo assim, esses
profissionais precisam conhecer a forma clássica de se produzir vídeos para que, só depois,
comecem a estabelecer suas próprias linguagens de forma que façam sentido a quem assiste,
afinal de contas, um dos objetivos do cinema é o de atingir sentimentalmente uma pessoa, e
para isso ele tem que ser passivo de compreensão.
Pretende-se unir todos os conhecimentos obtidos dentro e fora de sala, orientados pelas
disciplinas da universidade, para chegar aos objetivos do projeto, entre eles o principal que é a
criação de uma obra audiovisual, preocupada com o que, e como é dito, através das imagens e
diálogos. Como definiu Manuel de Oliveira4, citado por Sousa, “A facilidade do fazer pode
contribuir para a inutilidade do que se faz” (p. 107).
OBJETO
Esse projeto tem como objeto o estudo da técnica e a execução prática de um curta-
metragem. Diferente de um longa-metragem, um curta-metragem cinematográfico conta de
forma breve a história e a personalidade de uma pessoa, não abrindo espaço para discursos
vazios, uma vez que o espectador não tem muito tempo para se envolver e conhecer uma
personagem, sendo fundamental que se exponha as características e traços dessa de forma
mais rápida e prática.
Para a realização desse, o conto original Pai, de autoria de Daniel Leite, recebeu
adaptação para o formato de roteiro cinematográfico, cujo título é A Morte de Nosso Pai.
4
ARAUJO, Inácio, in MACHADO, A. (org.). Manuel de Oliveira, São Paulo: Cosac Naify, 2005, pp. 100-1
13
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
PROBLEMA
mais pessoas possam produzir seu próprio conteúdo, por meio de câmeras portáteis e do
acesso, cada vez mais fácil, a equipamentos de vídeo, assim como afirma Hilário J.
Rodrigues: “Hasta hace poco no era posible conseguir lo anterior por que los equipos eram
demasiado pesados, ahora, sin embargo, lá revolución digital a hecho el cine más accesible
para todos5. (RODRIGUEZ, 2003, p.9).
E ainda como diz o cineasta Francisco Cesar Filho no prefácio do livro de Alex
Moletta:
[…] nunca foi tão acessível e disseminada a prática de criação de imagens: com a
proliferação dos equipamentos portáteis de captação (câmeras MiniDV, celulares com
câmeras etc.) e dos programas de edição para computadores domésticos, em cada
esquina do país existem potenciais realizadores, produzindo pequenos filmes que vão
circular pela internet, por exemplo. (MOLETTA, 2009, p. 9).
Fazer um filme de verdade envolve escolher as imagens precisas que você necessita
para contar a história. [...] Inevitavelmente, isso leva ao estudo da Semiótica, que é,
essencialmente, o estudo dos ‘signos’, a análise da comunicação, e que pode ser
aplicada a qualquer forma de comunicação. (HUNT; MARLAND; RAWLE, 2013, p.
13).
O cinema novo carrega o lema “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, porém,
assim como Alex Moletta, acredita-se que:
5
Até pouco tempo não era possível conseguir os equipamentos pois eram muito pesados, porém agora, com a
revolução digital estão mais acessíveis a todos. TL
15
[...] uma ideia na cabeça e uma câmera na mão não são suficientes para fazer cinema.
É preciso saber o que fazer com a ideia, como transportá-la para as páginas de um
roteiro cinematográfico – ou seja, um roteiro de imagens, ações e diálogos. Não basta
ter a câmera na mão sem saber como construir a imagem descrita no roteiro, como e o
que enquadrar diante do objeto na luz ou no escuro. (MOLLETA, 2009, p. 13)
HIPÓTESE
MODALIDADE
O termo curta-metragem começou a ser utilizado nos Estados Unidos ainda na década
de 1920, quando boa parte das produções já começava a exceder o tempo padrão de até 15
minutos.
O curta-metragem é bastante valorizado no mercado cinematográfico, haja vista o
número de festivais nacionais e internacionais específicos e mostras com espaço reservado à
sua exibição.
O formato específico do curta-metragem tem o custo e o tempo de produção menores,
sendo assim um excelente meio para estudantes de cursos ligados à produção audiovisual
desenvolverem suas habilidades técnicas e artísticas.
METODOLOGIA
6A arte da pesquisa bibliográfica na busca do conhecimento (PIZZANI; SILVA; BELLO; HAYASHI. Revista
Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação. Campinas, v. 10, np. 1, p. 53/66, jul./dez. 2012)
http://www.sbu.unicamp.br/seer/ojs/index.php/rbci/article/download/522/pdf_28
17
1. O TEMA
[…] de uma forma breve e intensa de contar uma história ou expor um personagem.
[…] tem como principais características a precisão, a coerência, a densidade e a
unidade de ação ou impressão parcial de uma experiência humana. (MOLETTA,
2009, p. 17)
7
Le Voyage Dans La Lune. França: Star, 1902.
8
The Great Train Robbery. EUA: Edison,1903.
9
The Birth of a Nation. EUA: D.W. Griffth&Epoch, 1915
10
Um Chien Andalou. França, 1928.
18
Produções profissionais de cinema são, por questões técnicas e artísticas, caras, uma
vez que contam com uma vasta equipe de pessoas e serviços específicos, como locação de
espaços e equipamentos. Mercados com Hollywood, nos Estados Unidos, e o Bollywood, na
Índia, com produções que ultrapassam os milhões de dólares, são o perfeito exemplo disso. O
11
Glauber Rocha recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes de 1977 pelo curta-metragem
“Ninguém Assistirá ao Enterro de tua Última Quimera, Somente a Ingratidão, Aquela Pantera, Foi Sua
Companheira Inseparável”, verso de Augusto dos Anjos, a qual mostra o enterro de seu amigo, o pintor Di
Cavalcanti.
12
www.portacurtas.com.br, www.curtaagora.com e www.curtaocurta.com.br
19
que existe, neste caso, é uma indústria fortíssima de cinema, com funções e sindicatos
específicos para cada área de atuação dentro de uma produção.
Engana-se, no entanto, quem acredita que o cinema industrial seja ruim, afinal é ele o
responsável por produzir filmes em larga escala, que gera a necessidade de contratação de
muita mão obra especializada, oferecendo, assim, muitos empregos e movimentando muito
dinheiro. Isso tudo só fortalece a produção de cinema, que tem a possibilidade de realizar
novos filmes.
Comparado à escala industrial desses dois mercados, que se paga sozinha, os
orçamentos dos filmes brasileiros ainda são baixos, tanto para longas-metragens quanto para
curtas-metragens, com produções bancadas por licitações e leis de incentivos fiscais, além de
muito apoio cultural e inserções de merchandising durante a exibição.
O cinema no Brasil, apesar disso tudo, tem se mostrado promissor, com cada vez mais
produções e pessoas interessadas em se profissionalizar e atuar nesse meio. Com isso, é cada
vez mais comum a presença efetiva dos sindicatos, fato que obriga as produções profissionais
a colocarem em seus orçamentos os valores mínimos para a contratação de um profissional e
serviços necessário.
O conceito de baixo custo para produções independentes, no entanto, é visto como
uma obra audiovisual que não dependa, necessariamente, de patrocínio público ou privado,
valendo-se, normalmente, de investimento pessoal dos próprios idealizadores ou, como é
comum, do apoio cultural, através da prestação de serviços e/ou investimentos financeiros de
pessoas físicas ou empresas interessadas em ajudar, que são beneficiadas com a inclusão de
seus nomes ou marcas nos créditos e no material de divulgação do produto audiovisual criado
, como também afirma MOLETTA (2009). Outro ponto muito importante para uma produção
de baixo custo nesse contexto é a excelência artística, que é aplicada de maneira inteligente e
criativa para se atingir o resultado desejado, já que a utilização de muitos equipamentos e a
mão de obra são limitadas.
A execução das funções necessárias para uma produção desse tipo se restringe a uma boa
conversa entre os idealizadores e profissionais interessados na realização da obra, que, muitas
vezes, trabalham voluntariamente ou a valores bem abaixo do praticado no âmbito sindical. O
que ocorre é a troca de experiência e, muitas vezes, o enorme prazer em se trabalhar com
cinema.
20
Após viver a experiência de morte de uma tia avó, Daniel Leite, autor do conto
original, de título Pai, co-roterista de A Morte de Nosso Pai e co-autor deste trabalho de
conclusão de curso, ainda no enterro de sua parente, concebeu a essência do que se tornaria a
história contada na obra audiovisual. A partir da observação de seus familiares, até então
distantes, reunidos para se despedir daquela que morreu, chegou-se à conclusão de que a
morte, apesar de causar uma grande dor, é capaz de promover o encontro e a troca de
lembranças e memórias das pessoas que partilham, ou não, dessa dor.
Refletindo sobre isso, foi desenvolvida a story-line do conflito, que descreve a
passagem do reencontro de duas irmãs que ficaram sem se ver durante oito anos antes da
morte de seu pai.
2.2. CONTO
No dia 17 de junho de 2013 o conto, que serviu de pano de fundo para o roteiro de A
Morte de Nosso Pai, foi escrito. Os diálogos são corridos, postos para fora da maneira que
vinham à mente, sem pré-julgamentos, sem preconceitos, sem amarras. Ali, a inspiração veio
e as palavras jorraram. Depois disso já haviam 4 atos, divididos de acordo com a tensão e a
emoção sentida e transmitida por Daniel Leite através de suas personagens, essas, ainda sem a
estruturação psicológica completamente definida, embora já bastante criveis.
A construção do conto recebe muita influência de Charles Bukowski, autor americano
do movimento beat, cuja literatura é fluída, sem se fazer valer de descrições exageradas,
dando espaço às falas das personagens.
13
VERISSIMO, Erico. A Liberdade de escrever: entrevistas sobre literatura política. São Paulo: Globo, 1999.
21
Alice e Clara são duas irmãs cuja mãe morreu quando a segunda tinha 2 anos. A partir
disso, foram criadas pelo pai, senhor que as educou com severidade e dureza, esquecendo-se,
muitas vezes, de dar o carinho e o amor que ambas necessitavam.
Sendo a filha mais velha, com o peso da obrigação de ser um exemplo para Clara,
Alice foi a que mais sofreu com a severa criação. O pai era frio, tratando a menina de um
modo que beirava a de um regime militar. Com essa pressão, e com Alice crescendo, virando
adolescente, amadurecendo, criou-se em sua cabeça a ideia de que o pai não a amava, fazendo
com que eles se distanciassem. Os dois discutiam muito, como afirma Alice no trecho do
diálogo em que diz que eles não se bicavam. Tudo era motivo para discussão, culminando no
momento em que Alice explode e resolve fugir de casa, por volta dos seus 17 anos.
Alice via Clara como a filha preferida, sentindo-se ao mesmo tempo enciumada e
frustrada por Clara, simplesmente, não enxergar o modo como o pai a tratava, já que para ela,
Clara recebia mais amor e atenção. Após a fuga de Alice, Clara ainda sofre com a severidade
22
do pai, mas depois de algum tempo, ao descobrir que estava doente, o pai começa a afrouxar
as rédeas, amolecendo seu duro coração. A partir daí Clara e o pai começam a se entender e
sua relação é estreitada. Clara é quem cuida do pai durante todo o período da doença, e antes
da morte chegar, o pai pede perdão a Clara por ter sido um pai tão severo, e que gostaria de
ter a oportunidade de chegar a pedir perdão e de recebê-lo de Alice também. Isso nunca chega
a acontecer. Além disso, o pai diz a Clara que quando ele já estivesse morto ele acreditava que
as duas irmãs iriam se ver de novo.
Durante o tempo em que Alice esteve fora, sustentando-se das aulas de piano que
lecionava no centro da cidade, Clara sofreu muito com a distância entre elas.
Desde o momento em que Alice vai embora, até o encontro na casa, após a morte do
pai, as duas não se viram. Os 8 anos que estiveram longe foi suficiente para torná-las pessoas
completamente diferentes. Alice recebeu da vida que escolheu - livre das obrigações
familiares - amores vagos e relações fracas, acabando ela por se tornar uma pessoa fechada,
silenciosa, egoísta e autoritária, reflexos claros da criação dada pelo pai. Suas emoções
permanecem escondidas, mas ela explode com muita facilidade, falando coisas sem pensar
nas consequências. A única pessoa que ela realmente ama é a irmã, mas ela tem uma
dificuldade muito grande de admitir isso, preferindo não a ver mais. Clara, por outro lado,
sempre foi calma e sociável. Por ter uma facilidade grande de se relacionar com os outros,
demonstra mais seus sentimentos, embora agir com a razão seja algo crucial em suas ações e
atitudes.
O curta-metragem pretende, a partir disso, mostrar os contrastes da personalidade de
cada uma. Se por um lado Alice é fria e descontrolada, Clara é emotiva e racional. Buscar-se-
á mostrar Alice como uma personagem de extrema força e solidez no começo do diálogo e
Clara pacífica e passível. No entanto, após a agressão que Clara sofre, ao levar um tapa de
Alice, os papeis se invertem. Clara ganha força e Alice a perde, ocorrendo, assim, a
construção e desconstrução de uma personagem (Alice), e a partida do aparente estado de
repouso ao desenvolvimento e solidificação de outra (Clara).
2.5. SINOPSE
Anos após ter fugido e abandonado sua família, Alice está de volta à antiga casa onde
nasceu e cresceu. Ela vai ao encontro de Clara, sua irmã mais nova. Esse reencontro acontece
justamente e somente após a morte do pai das moças, evento que irá trazer lembranças e
mágoa às duas. Alice nunca se relacionou bem com o pai, e para ela, Clara aceitava a situação
de olhos e ouvidos fechados para a real verdade. Clara, por outro lado, acusa a irmã de tê-la
deixado com todo o peso. A Morte de Nosso Pai traz a ideia de que a morte pode ter o poder
de promover a união de pessoas que estavam distantes, sendo capaz ainda de gerar mudanças
significativas no sentimento delas quanto à vida e no modo como se enxergam em relação ao
mundo.
2.6. ARGUMENTO
1. É inverno. O dia está claro, com céu nublado. ALICE, morena, 25 anos, com modernas
roupas de frio, caminha pela rua, indo até a antiga casa de seu pai.
2. ALICE entra pela porta da sala, observando o ambiente como se não mais o
conhecesse. CLARA, 22 anos, que já está ali, recebe ALICE, dando-lhe um abraço. O abraço
é recíproco, mas é mecânico e formal.
3. ALICE observa os porta-retratos sobre o piano, retirando um que emoldura uma foto
sua, mais nova, com seu pai. CLARA pergunta a ALICE por que ela não havia ido ao enterro,
já que ele é o pai delas. ALICE afirma que ele era o pai, enfatizando o verbo no passado,
dizendo ainda não gostar de funerais. CLARA fica abismada com a frieza de ALICE.
4. Após momentos de estranho e absoluto silêncio, ALICE e CLARA conversam sobre o
destino que darão as coisas de seu pai.
24
11. CLARA diz à irmã que antes de morrer o pai só falava a respeito de ALICE,
arrependido. CLARA confessa saber o que ALICE passava com o pai quando mais nova, e
diz ter sofrido também. ALICE diz saber a respeito disso, mas que não entende como CLARA
consegue manter ideia de que o pai delas fora o melhor pai do mundo. CLARA diz que o pai
queria o perdão de ALICE, alegando que ela própria havia dado o dela.
12. CLARA e ALICE estão agora na cozinha. CLARA prepara um chá para as duas.
CLARA as serve. ALICE prova e diz estar ótimo. Mais calmas, as duas conversam sobre a
vida de ALICE. CLARA questiona a respeito das aulas de piano ministradas por ALICE.
ALICE diz que está tudo bem, e que mantém o curso no centro da cidade. CLARA diz achar
uma boa ideia elas venderem a casa, dizendo a ALICE que ela poderá comprar um lugar
melhor para dar as aulas.
13. ALICE finalmente confessa ter sentido falta de CLARA e que poderia ter ligado para
ela. CLARA pergunta por que ela não havia feito isso e ALICE responde que era para ficar
longe da responsabilidade. CLARA pergunta se ALICE quer ver alguém da família e ALICE
diz não.
14. No final da tarde, agora na varanda, ambas concordam, que apesar das lembranças
ruins, ali seria um bom lugar para morar, embora já tivessem tomado a decisão de não fazê-lo.
CLARA diz a ALICE que o pai delas era um sábio. ALICE não entende. CLARA revela que
o pai disse que a morte dele iria trazer ALICE de volta, e por isso ele seria um sábio. ALICE
diz a CLARA que ela havia acertado. Ambas sorriem.
3. CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIO
O cinema é uma arte que evoluiu e vem evoluindo ao longo do último século. Logo
nos primeiros anos, importantes nomes contribuíram para o desenvolvimento de sua
linguagem, seja na estrutura de montagem do filme, com Sergei Eisenstein, na trucagem, com
George Méliès.
Mesmo o cinema sendo uma arte, entendida como um “processo criativo [que] se dá a
partir da percepção com o intuito de expressar emoções e ideias, objetivando um significado
único e diferente para cada obra”14, é fundamental que os profissionais conheçam a linguagem
audiovisual, uma vez que o cinema, um dos tipos dessa arte, deve ser passivo de compreensão
por parte do público.
Desse modo, a análise do trabalho de outros produtores de vídeo é um importante
meio de obtenção de referências conceituais e estéticas, sendo um dos principais campos de
estudo de profissionais do meio audiovisual. Através desse estudo é possível compreender a
teoria audiovisual na prática, o que possibilita a compreensão de como e onde são aplicados
cada conceito dessa teoria.
3.2.1. DOGMA 95
14
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte (acessado em outubro de 2014)
15
A tendência do cinema francês. TL
27
16
Movimento pós 2ª Guerra Mundial, época que o cinema europeu passava por dificuldades financeiras para
realizar grandes produções. A alternativa era produzir filmes de baixo orçamento, com luz natural, atores
amadores contracenando com atores profissionais, e, o mais importante, abordando temas sociais, mostrando o
“povo” do pós-guerra.
28
[...] as histórias são fundamentais para os seres humanos, e estruturar bem a sua antes
de contá-la aos outros é primordial – tanto para o prazer de quem assiste ou ouve
quanto para o de quem conta. (MOLETTA, 2009, p. 22).
A elaboração do roteiro é uma das primeiras fases no processo de criação fílmica; dela
sairá todo o conceito desejado para um filme. Diferente de uma obra literária, o roteiro deve
conseguir transmitir sua história em imagens para seu leitor, pois é a partir dele que o diretor,
junto com sua equipe, vai trabalhar para transformar as palavras em imagens.
O roteiro deve permitir que o leitor observe o filme desenrolar em sua mente [...] Você
deve tentar “mostrar” por meio da descrição do visual e da ação, em vez de “contar” por meio
excessivo de diálogos. (HUNT, MARLAND e RAWLE, 2013, p.31).
17
Carolina cunha para o site: http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/49774 (acessado em setembro
de 2014.
30
Pai, que necessitava ser o mais verossímil possível, já que, primordialmente, o que se queria
era um filme naturalista.
Foi utilizado o programa Celtx, disponível para uso online18 e para download gratuito.
O Celtx é um software de pré-produção de filmes, televisão e cinema, onde é possível
escrever ou adaptar um roteiro de uma forma bastante fácil e prática, formatando textos e
páginas dentro dos padrões de roteiros profissionais.
18
https://www.celtx.com/index.html
31
O custo de fazer um filme pode variar de produção para produção, mas, qualquer que
seja o custo é importante criar um orçamento. (BARNWELL, 2013. p 56)
5.1.3. PATROCINADORES
19
http://www.sindcine.com.br/site/conteudo_site/tabelas/tabelas_pisos_salariais_2013_2014/TABELA_DE_PIS
OS_SALARIAS_PARA_PROFISSIONAIS_DE_LONGA_MEDIA%20_CURTA_METRAGEM_E_DOCUME
NTARIOS.pdf Acessado em setembro de 2014.
20
http://www.ar.art.br/index.php/docs-da-ar/150-tabela-de-ar-valores-2013 Acessado em setembro de 2014.
34
Quando não se tem dinheiro, a melhor forma de realizar uma obra audiovisual
independente é o trabalho em grupo. É fundamental reunir pessoas que tenham os
mesmos interesses artísticos e disposição [...]. Para fazer cinema e vídeo, basta
contagiar algumas pessoas para tirar uma ideia do papel [...]. (MOLLETA, 2009,
p.15)
No entanto, mais do que escolher pessoas com vontade, teve-se a preocupação de que
as pessoas selecionadas tivessem experiência profissional na função que iria desempenhar. As
duas atrizes eram, na época, formadas do curso de interpretação para teatro e cinema da
Escola de Atores Wolf Maya. O cinegrafista tem uma produtora de vídeos em Tremembé,
sendo um profissional atuante em todos os seguimentos do audiovisual, cuja experiência e
técnica só agregaram ao projeto. O operador de áudio é um estudante do curso de Imagem e
Som da UFSCAR, a Universidade Federal de São Carlos, tendo obtido experiência na
captação de som nos diversos curtas-metragens feitos na instituição. O preparador de elenco,
que auxiliou Daniel no trabalho com as atrizes, é um ator, formado em teatro, mas com
experiência cinematográfica, tendo realizado curtas-metragens próprios. A maquiadora é a
profissional responsável pela maquiagem dos apresentadores da TV Vanguarda, filiada da
Globo do Vale do Paraíba. Nossa figurinista é uma estudante do curso de Moda da UNIVAP,
35
tendo sido indicada pessoalmente pela coordenadora do curso, uma vez que demonstrou em
sala ideias e preparo para auxiliar o diretor de arte na composição do figurino das
personagens. O assistente de direção é um ex-aluno do curso de Rádio e TV, tendo
experiência na produção de curta-metragem, uma vez é um formato bastante semelhante ao
desenvolvido por ele em seu TCC. A continuísta e o assistente de áudio são alunos do curso
de Rádio e TV da UNIVAP atuantes no mercado e que demonstraram, na faculdade, ter
capacidade suficiente para as funções que lhes foram encaminhadas.
O design de produção é o departamento que tem por objetivo criar um conceito capaz
de sustentar a história e as caraterísticas das personagens, sendo uma fase crucial ao
desenvolvimento do curta-metragem, uma vez que é nela que toda a sua identidade visual é
estabelecida. “Tudo o que é selecionado dentro do quadro da imagem tem um significado, da
cor do vestido de uma atriz ao padrão do papel de parede”. (HUNT; MARLAND; RAWLE,
2013, p. 119).
A estética proposta busca um visual natural, onde são utilizados elementos plásticos
genuínos, criando, assim, um ambiente real, conectando-o, desse modo, à realidade daqueles
que observam, sendo assimilado com mais facilidade pelos espectadores.
De forma a trazer as lembranças e memórias das personagens, o visual é composto de
forma a exaltar a nostalgia, com uma paleta de cores inspiradas em fotos e objetos antigos,
cuja cor é envelhecida e alterada pelo tempo, escolhida através do estudo de cor de Leatrice
Eisman (2006, p. 90). Um conjunto apresentado pela autora faz parte das cores sentimentais,
que são capazes de evocar pensamentos do passado.
5.2.3. LOCAÇÃO
Pintura da locação
Os móveis da sala, onde acontece a maior parte do diálogo, são antigos, gastos, como
se já estivessem ali há anos, comprados décadas atrás. Um ou outro objeto mais moderno será
adicionado para mostrar, no entanto, que o tempo passou, e o ambiente, de forma singela,
também se transformou. Todos os objetos foram escolhidos seguindo a paleta de cores, de
modo que todos eles entrassem em harmonia com o ambiente. Foram escolhidos objetos
comumente encontrados nas casas das pessoas, todos esses, no entanto, refletindo o ambiente
nostálgico. Para isso, os objetos selecionados são rústicos, com tratamento artístico.
38
5.2.4. FIGURINO
O figurino de Alice passa a ideia de alguém que não pertence mais àquele lugar,
mostrando uma modernidade influenciada pelos anos de sua vivência em outro ambiente,
tendo recebido referências diferentes de Clara, cujo figurino é composto por roupas contidas e
tradicionais.
A idealização do figurino de A Morte de Nosso Pai foi pensada juntamente com a
criação das personagens, uma vez que a vestimenta de uma pessoa revela muito sua
personalidade. Desse modo, ainda no ano de 2013, mais exatamente no mês de agosto, foram
feitas as primeiras pesquisas de campo, onde foram visitadas lojas, para que fossem
escolhidas cores e texturas de tecidos.
O figurino, no entanto, só ficou completamente definido a partir do aprofundamento
da história e das reuniões feitas com a figurinista, que, junto das atrizes, encontrou a melhor
forma de representar a idealização da equipe de criação.
Figurino de Alice
Clara, por outro lado, recebe poucas peças, dando mais naturalidade à personagem.
Seu figurino é composto por vestido off-white com detalhes florais na mesma cor, sobreposto
por casaco marrom de tricô. Em suas orelhas, pérolas, que remetem ao lado mais delicado e
feminino de sua personalidade.
Figurino Clara
Maquiagem de Alice
42
Maquiagem de Alice
Para o visual de Clara foi desenvolvido uma maquiagem mais natural e que
apresentasse o luto da personagem. Seus olhos e bocas foram pintados com tons de marrom,
parte da paleta específica de Clara, ressaltando sua personalidade neutra e branda. Seus
cabelos presos, buscam demonstrar uma personagem ativa na manutenção do lar, sendo esse
um penteado prático e confortável, além de mostrar bem seu rosto, cuja expressão é muito
importante para a personagem.
Maquiagem de Clara
Maquiagem de Clara
43
Primeiro ensaio
Posterior a esse árduo processo, também foram feitos exercícios específicos, cada um
com um objetivo final:
44
Um dos exercícios utilizados foi o que trabalha o corpo e a expressão do rosto e dos
olhos, uma vez que o silêncio predomina em muitos momentos do roteiro, sendo, desse modo,
a comunicação não verbal fundamental para a manutenção da tensão e estranheza entre as
duas personagens.
Outro exercício fora o de reconhecimento do espaço, utilizado para que as atrizes
conhecessem os espaços em que iriam atuar, obtendo, a partir disso, a exata noção do
posicionamento de sua parceira em cena e dos objetos do cenário. Além disso, o
reconhecimento do espaço ajudou as atrizes na criação de lembranças, utilizando sua
imaginação, e também as instruções do diretor e do preparador. Esse aspecto do exercício
possibilitou uma criação interna das personagens, fator que permitiu que fossem explorados
elementos construtivos de forma externa, como quando nas adaptações do diálogo e na
execução das ações.
Ensaio
Ensaios
Houveram dois exercícios que aconteceram em apenas dois ensaios, estes eram
exercícios especiais, um para impulsionar os sentimentos das atrizes e o outro era para saber o
quanto elas cresceram com as personagens Clara e Alice.
Outro importante exercício, muito utilizado em preparo de atores, é a busca de
memórias reais. Esse exercício consistia em colocar uma música com momentos de alegria e
tranquilidade, e depois e raiva e tristeza. Enquanto a música estava alegre e tranquilizante, o
preparador orientava as atrizes a lembrarem de momentos felizes, lugares tranquilos e
relaciona-los com suas personagens. Quando a música ficava pesada, o preparador orientava
que se lembrassem de coisas ruins em suas vidas e relacionassem com seus personagens.
Desta forma, as atrizes conseguiram de forma mais palpável os sentimentos de suas
personagens.
Após metade dos ensaios estarem feitos, era necessário ter a certeza dos resultados dos
ensaios. A pedido das atrizes, foi realizado o que se chamou de “entrevista”, onde foram
elaboradas perguntas de aspectos interno e externos às duas atrizes, incorporadas em suas
respectivas personagens. As entrevistas foram gravadas em vídeo, para análise futura, e nela
foi possível constatar que as atrizes já haviam conseguido captar a real essência das
personagens, com poucos pontos a serem acertados, trabalhados nos ensaios que se
sucederam.
46
Tudo isso possibilitava que os ensaios fluíssem com as atrizes interpretando suas
personagens de forma mais natural, o que seria de extrema importância nas gravações finais.
Tem por objetivo garantir que todo o processo conceitual definido com o diretor tenha
possibilidade técnica de ser executado.
Desde a concepção do roteiro foi definido que o tom adotado seria naturalista – com
iluminação natural. Para tanto, foram necessários testes de luz para as cenas dentro da
locação, utilizando iluminação artificial com temperatura de 5600k, semelhante a da luz
natural, com o intuito de que condições de luz diferentes fossem analisadas previamente para
evitar a presença de sombras e composições que não fossem pertinentes à proposta do curta.
Notou-se, contudo, a possibilidade de aliar a sombra a essa iluminação, intensificando
a carga dramática das cenas.
Decidido o que seria feito nas gravações internas, no que diz respeito à luz, a parte
externa passou a ser o objeto de estudo.
Respeitando o roteiro, em duas das cenas, estas gravadas fora da casa, optou-se por um
dia nublado, transmitindo, assim, a melancolia impressa na narrativa. Foi escolhido então um
dia típico de inverno, para, inclusive, envolver as atrizes no contexto da história.
47
Testes de vídeo
Também nessa fase procurou-se dar bastante foco ao progresso das atrizes, onde foi
trabalhado a familiarização delas com a câmera, para que sentissem mais à vontade com ela.
Juntamente a isso, houve os primeiros processos de integração de equipe, onde continuísta,
assistente de direção e assistentes de produção tiveram a oportunidade de conhecer os planos
escolhidos, a evolução do roteiro e as concepções estilísticas dos cenários.
Em edições previas semanais, trabalhando imagens captadas nos ensaios, a relevância de cada
plano foi avaliada, bem como sua permanecia ou não no projeto final, fato que facilitou muito
48
o desenvolvimento final do Storyboard, que se utilizou das melhores imagens captadas nesses
ensaios.
5.3.2. EQUIPAMENTOS
21
Um filme nada mais é que um amontoado de fotos que ao colocada de forma sequenciada se tem a ilusão de
movimento, para cada unidade de foto dá se o nome de frame.
49
22
Cannon X Leatch Ruber, ou XLR, conector utilizado em aplicações de áudio. No mercado existem versões
macho, com três pinos, e a versão fêmea, com entrada para três pinos.
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6.1. PRODUÇÃO
Set montado
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Com toda a estrutura maior posicionada, foram colocados os objetos menores, como
vasos, abajures, livros, porta-retratos e caixas, tudo para dar a autenticidade requerida na
concepção artística. A paleta de cores para esse ambiente passa pelas tonalidades de marrom,
vermelho queimado, verde e off white. Os objetos foram emprestados de uma loja de
decoração, sendo escolhidos um a um. A escolha levou em conta suas cores, texturas,
estruturas e design. Os livros também precisavam obedecer a aparência antiga e à paleta de
cores, e, para tanto, foram selecionados exemplares da Biblioteca Central da UNIVAP da
sessão de literatura francesa, todos encadernados em couro e de aspecto envelhecido.
Decoração de set
Decoração de set
elementos. Basicamente foi trocada a geladeira original da casa por uma emprestada, marrom,
necessária para compor o ambiente. Também foram afixadas telas decorativas e posicionados
objetos de decoração e de cena que transmitissem, mais uma vez, a autenticidade do ambiente.
Sendo uma cozinha, louças, com tons da paleta de cores da casa, foram colocadas, além de
toalhas e itens específicos desse ambiente, como a batedeira e o liquidificador. Diferente da
sala, o ambiente é mais claro, com tons de azul, amarelo, branco, terra cota e off white, que,
no roteiro, representa um momento de menor dramaticidade interpretativa.
Decoração de set
Para que tudo ocorresse de forma ordenada e eficiente foi necessário que a produção
ficasse atenta a todos os aspectos da produção, desde a chegada e da alimentação da equipe,
até o cumprimento de cronograma de diária e de gravação, bem como a execução das funções
de cada um.
Previamente a todas as diárias, todos os membros da equipe receberam as instruções
quanto ao horário do início de todas as atividades do dia, como horário para gravação de cada
cena, pausa para almoço, retorno à gravação e encerramento. Era feita uma reunião preliminar
com todos antes do início de cada diária, cujo objetivo era explicar, juntamente ao
cronograma, como o dia seria guiado.
53
Cronograma de diária
6.2. DIREÇÃO
A direção de um filme assegura que todo o processo criativo seja aplicado de forma
eficiente, trabalhando, junto à produção, no cumprimento de planos e metas. Ele é quem vai
unificar a mão de obra de toda a equipe, além tomar decisões importantes durante todas as
fases da produção de um filme.
Passam pelos olhos do diretor as escolhas adotadas pelo diretor de fotografia, pelo
diretor de arte, pela equipe de produção e pelo roteirista. Essa parte da função de um diretor é
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para que sua impressão sobre todos os aspectos visuais seja levada em conta. É aqui que o
diretor defende sua autoria, uma vez que ele, no comando de tudo, deve acreditar no que está
sendo feito, e, além disso, encontrar a uniformidade artística para todos os elementos.
O bom diretor, no entanto, sabe que não trabalha sozinho. A opinião de todos os
envolvidos na produção do filme é importante, visto a bagagem que cada um tem dentro de
suas especialidades. Assim, saber ouvir é primordial, muito mais do que simplesmente dar
ordens. A função principal do diretor, desse modo, é, a partir do trabalho de todos, mas,
obviamente de sua própria ideologia, orientar a todos acerca de como, por onde e o por quais
caminhos o trabalho vai ser executado.
6.2.1. CONTINUIDADE
Em A Morte de Nosso Pai, foi utilizada apenas uma câmera, e, para garantir a
continuidade entre as cenas, foi utilizada a gravação contínua dos diferentes planos listados no
Storyboard.
Uma cena pode ser composta por diferentes planos, mas, mesmo assim, pertencem à
mesma unidade dramática. Se uma cena contém planos abertos e médios, por exemplo, como
na maior parte de A Morte de Nosso Pai, é gravada inteiramente em plano aberto e, em
seguida, inteira em plano médio. Isso só é possível a partir da boa marcação das ações e da
velocidade e entonação corretas da fala das atrizes. Ambos os arquivos gerados serão
intercalados na ilha de edição, gerando a continuidade dentro dos planos distintos.
Mesmo com as atrizes, nesse ponto da produção, já bem ensaiadas, dificilmente se
consegue reproduzir ações e falas exatamente da mesma forma da sequência anterior. Por esse
motivo, todas as produções audiovisuais profissionais, principalmente de ficção, carecem de
um continuísta, que é quem vai cuidar para deixar tais falas e ações os mais parecidos
possíveis.
É função do continuísta estar atento aos movimentos das personagens, além da
posição dos objetos de cena, que, em decorrência da movimentação, podem ser deslocados
dentro do cenário. O figurino, a maquiagem e o cabelo também recebem atenção do
continuísta, uma vez que as cenas são gravadas em dias diferentes.
O modo ideal de garantir que tudo saia o mais parecido e contínuo possível é tirar
fotos dos cenários, das atrizes em cena, do figurino e tudo o que se fizer necessário, para se ter
uma referência e corrigir quando os erros aparecerem,
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Claro que, mesmo com o continuísta, alguns erros podem aparecer, e, como quase
tudo, esses erros podem ser salvos no momento de editar o material bruto.
Existem várias maneiras de dirigir um ator, mas, em A Morte de Nosso Pai, desde o
começo, enquanto ainda era feita a leitura branca do roteiro, que é a leitura apenas para o
conhecimento do enredo, a proposta era deixar as atrizes à vontade com o texto, sendo que o
que interessava era ver o roteiro fluindo naturalmente.
Enquanto se lia o roteiro, ou se fazia alguma cena, eu, Daniel Leite, dava orientações
de como tinha que ser o tom, a expressão dos olhos, o ritmo de respiração, mas sempre
deixando a coisa acontecer sozinha, para ter certeza que tudo aconteceria de forma orgânica.
No final da gravação de cada take eram analisados os resultados, havia uma conversa
com as atrizes para que fossem discutidas melhorias.
Para a captação do áudio foi desenvolvida pelo operador de áudio uma planilha,
preenchida com muita cautela.
A planilha de áudio contém informações referentes à cena, planos, takes e número do
arquivo de áudio digital, além de um campo para serem anotados as observações do arquivo
gravado, como por exemplo, se houve ruídos, barulho de carro, o latido de cachorros, etc.
57
Todas essas informações fazem diferença para o editor, já que, desta forma, ele não
precisa ficar procurando o áudio correto em todos os arquivos feitos.
Captamos som do ambiente para deixar o áudio do filme mais real, garantindo que não
parecesse que as atrizes estivessem em algum estúdio de locução. Esta captação de ambiente
deixa o áudio mais aberto, sendo executada no período da noite, mais silencioso, na sala,
cozinha e varanda, ambientes utilizados nas gravações. O silêncio era o que seria preciso,
visto que na edição, além de tornar mais orgânico o som, o editor faz uso desse áudio para
preencher espaços vazios na banda de áudio do software de edição.
Em uma das cenas a personagem Clara toca o piano. Como a atriz que interpretou
Clara não toca o instrumento, pedimos a uma pianista que ensinasse a ela os movimentos das
mãos para que a cena pudesse ser gravada. O que temos de áudio dessa cena é apenas o
captado na gravação dos planos detalhes da cena, feitas com a pianista verdadeiramente
tocando o piano, servindo como dublê para a atriz. A música do piano será capturada em
outro local, visto que o piano, emprestado, estava desafinado. O arquivo final será colocado
na edição, sincronizando com o movimento das mãos da atriz e da dublê.
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O conteúdo dos planos e composições do filme foram divididos para serem aplicados
de duas formas: a primeira divisão é a apresentação, ou uma espécie de prólogo, onde o
espectador é convidado a conhecer a casa, as irmãs e a analisar os elementos visuais e
simbológicos do filme.
Plano detalhe
Percebe-se um estilo visual formado para a segunda divisão. Cada cena começava em
plano detalhe, mostrando de perto alguma ação de relevância para a força narrativa, acabando
em planos abertos.
O segundo momento onde esses planos diferenciados são utilizados é quando Clara e
Alice estão sentadas à mesa da cozinha, mas agora, após toda a carga dramática da sala
acabada, a situação é inversa. Temos a valorização de Clara com a utilização do contra-
plongée, uma vez que houve a troca de poderes dentro do filme, e Alice, enfraquecida, em
plongée, inferiorizada em relação à Clara.
Contra-plongée Plongée
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7.1. EDIÇÃO
A edição de A Morte de Nosso Pai começou a partir da ficha de cenas feitas nos dias
de gravação. Nessa ficha foram anotadas as informações da claquete, para que o material que
valeu, segundo orientação do diretor, fosse separado na ilha de edição.
Compõem a ilha de edição um computador com programa específico para edição, no
nosso caso, o Adobe Premiere 6.0, além de monitores de referência de áudio e vídeo.
Então, a partir das informações da claquete, o material bruto foi separado, organizado em
pastas e, em seguida, colocado dentro do programa. Para que a montagem do filme
acontecesse de modo mais claro e organizado, todo o material bruto foi separado por cena
dentro do software de edição. Os arquivos de áudio, gravados separadamente, foram
organizados da mesma forma. Feito esse processo, áudio e vídeo foram colocados na timeline
(espaço onde o filme é montado), sincronizados e, a partir do conceito do roteiro e de
impressões finais, o filme foi sendo costurado.
A edição de A Morte de Nosso Pai se utiliza de cortes secos e planos variados. De
acordo com o desenvolvimento das cenas e da tensão dramática o ritmo é alterado, valendo-se
de planos gerais, planos médios e closes. O objetivo disso é aproximar o espectador dessa
tensão, ou afastá-lo, para que observe “mais de longe” o que acontece entre as personagens.
Desse modo, pulos intencionais foram colocados na edição, para que, com isso, o
público tivesse uma visão mais detalhada da expressividade de cada personagem, mas, ao
mesmo tempo, estranhasse tal corte, sentindo-se incomodado, tanto quanto as duas
personagens estão em seu reencontro. Cinema é a arte do sentido, e, para isso, são utilizados
todos os seus recursos para fazer o espectador sentir o que é esperado pelo roteiro.
Para MUNCH (2004) “a descontinuidade [...] nos permite escolher o melhor ângulo da
câmera para cada emoção e para cada momento da história, e esses planos, quando editados,
provocam um impacto crescente.” Isso quer dizer que, diferente do teatro, onde o público
pode “escolher” o que quer ver a partir do que está sendo apresentado no palco, no cinema é
papel do editor, juntamente ao diretor e ao produtor, escolher o que e como mostrar ao
espectador.
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Aqui são feitas as sincronizações áudio e vídeo. Após este primeiro processo, busca-se
assegurar a qualidade do áudio, e para isso devemos trata-lo em um software especial para
áudio, no caso o Adobe Audition 6.0. Limpamos o áudio de ruídos indesejáveis e
aumentamos um pouco o volume dos microfones. No áudio também se mantém a ideia do
natural, então apesar de limparmos o ruído indesejável do áudio, inserimos a gravação do som
ambiente
Nesse momento também são incluídos os efeitos sonoros, como batida de portas,
cachorros latindo, som de objetos se chocando um ao outro e passos, por exemplo.
A única trilha sonora utilizada é a que, em cena, funciona como se Clara a tocasse. É a
composição The Doppelganger, de Franz Schubert, que conta a história de um homem que
caminha por uma cidade morta e este homem vê a casa em que a mulher que ele amava
morou, na janela ele vê outro homem, este em agonia e sofrimento, ele reconhece o homem na
janela como seu Doppelganger23 música, simbológica à situação vivenciada pelas irmãs.
7.3. COLORIZAÇÃO
23
Segundo lenda Germânicas, Doppelganger é um monstro que tem a capacidade de representar uma forma
idêntica a uma pessoa que ele escolhe, simbolizando um mau presságio.
65
Para a divulgação do filme, quando esse for enviado para festivais e mostras de
cinema, serão desenvolvidos materiais gráfico como banners, pôsteres, encartes e mídias,
todos obedecendo o mesmo padrão artístico utilizado no desenvolvimento de arte de A Morte
de Nosso Pai. Serão liberados à imprensa um resumo de todo o trabalho, a sinopse, a ficha
técnica, além de locais e datas de exibição. Também será desenvolvido um trailer, que busca
atrair o público em plataformas como o YouTube, Vimeo, além de compartilhamentos em
redes sociais.
Vale lembrar que, por motivos de alguns festivais pedirem exclusividade dos curtas
concorrentes, o filme não será exibido de forma massiva. O plano é, em 2016, após percorrer
alguns festivais, ser feita uma exibição grande em São José dos Campos, e, posteriormente,
veiculado em plataformas de vídeo na internet.
67
9. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BERGAN, Ronald. Ismos para entender o cinema. São Paulo: Globo Livros, 2010.
EISEMAN, Leatrice. Pantone: the twentieth century in color. California: Chronicle Books
LLC, 2011.
_____. Color - messages & meanings: a Pantone color resource. Nova Iorque: F+W
Media, 2006.
_____. Pantone's guide to communicating with color. Nova Iorque: F+W Media,
2000.
FILHO, Daniel. O circo eletrônico: fazendo TV no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2011.
LEITE, Dante Moreira. Personalidade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
MUNCH, Walter. Num piscar de olhos: a edição de filmes sob a ótica de um mestre. Rio
de Janeiro: Zahar, 2004.
RODRIGUEZ, J. Hilario. Lars Von Trier: el cine sin dogmas. Madrid: Ediciones JC, 2003.
SOUSA, Tony de. Vivendo de cinema. São Paulo: LCTE Editora, 2009.
ANEXOS
Pai
- Devemos jogar as cinzas dele no alto da montanha, onde ele e a mamãe se beijaram pela
primeira vez.
- Era o que ele queria?
- Sim
- Então vamos jogar.
- Alice, ele perguntou de você.
- Eu poderia ter ligado... mas não liguei.
- Não se sinta mal Alice.
- Clara, temos que ver o que vamos fazer com as coisas dele.
- Lembra quando ele contava os contos do Bukowski para a gente quando estávamos
entediadas? Ele bebia sua cerveja, e se empolgava contando as histórias, andava pela sala
encenando e bebendo e bebendo.
- O pai tinha um senso de humor.
- A casa está tão triste. É estranho chegar aqui e não ver o papai sentado na poltrona limpando
seu cachimbo.
- Onde está o cachimbo dele?
- Na sala... porque? Está sujo.
- Vamos limpa-lo e fuma-lo, pelo menos a casa fica mais um pouco com o cheiro de fumo que
ele costumava deixar.
- Alice, nós vamos vender a casa?
- Nós duas precisamos de dinheiro Clara, eu não queria vender, mas...
- Porque não moramos juntas, aqui mesmo? Poderíamos pagar juntas as nossas dívidas e
começar do zero.
- Temos que pagar as dívidas do pai, Clara.
- Vendemos o carro, não há problema em andar de metro, graças a Deus o transporte público
funciona aqui.
- Não sei Clara, tenho que pensar.
- Alice, não quero ficar sozinha, não vá embora de novo.
- Não fale como se eu não quisesse ficar Clara, você sabe das coisas que eu tenho passado...
dos problemas...
-Não coloque a culpa nos seus problemas Alice, todos nós temos problemas, você sempre quis
sair daqui, sempre quis ser livre, era sempre o que você gritava nas suas brigas com o pai.
- Você quer mesmo falar sobre isso? Ele que semeou isso em mim Clara, todo esse ideal de
liberdade.
- Ele sentia a sua falta
- Pronto, limpei o cachimbo. Onde o pai guardava o fumo?
- Na escrivaninha dele
- Onde estão os livros do papai?
- Ali na estante
- Vamos ler algum conto enquanto fumamos.
...
- Alice, não quero brigar mais com você, quero fazer as pazes.
71
- Está tudo bem Clara, já ficamos tempo suficiente sem nos falarmos, me afastei de você e do
pai mais do que deveria.
- Lembra quando éramos crianças e brigamos pelo corredor da casa? Lembra que o pai
mandou a gente para o canto do quarto e fez a gente se abraçar e apanhamos abraçadas?
- Você chorava alto Clara
- Você não chorou... eu sei que você tentava me proteger das palmadas com seu abraço.
- Eu sofri muito com o pai nessa época
- Ele te pediu perdão Alice, ele sabia dos erros dele, ele chorava pelos cantos da casa.
- Eu o perdoei Clara, você sabe... mas a dor a gente nunca esquece, só fui perdoa-lo de
coração depois que fiquei sabendo da cirrose, senti pena dele.
- Pena? Isso é horrível Alice, querendo ou não o pai fez tudo por você...
- Por mais que eu quisesse a gente não se bicava Clara, você sabe.
- Ele tentava
- E você acha que eu não tentava?
- Acho Alice, acho sim... vamos ficar com as lembranças boas do pai...
...
- O chá está ótimo Clara, você sempre acerta na dose, quando eu faço sempre fica ou muito
fraco, ou muito forte.
- Não é difícil Alice, dois sachês de chá e três colheres de açúcar, não é nada impossível.
Como vão as aulas de piano?
- Estou com bastante alunos, todos se saindo muito bem.
- Fico feliz, você ainda aluga a sala da avenida Andrômeda para dar aula?
- Sim
- Se morássemos aqui, você poderia usar o piano que era da mamãe e dar aula, pense nisso
Alice, aqui é praticamente o centro da cidade.
- Eu prometo que vou pensar... Clara...
- Diz Alice.
- Porque ficamos tanto tempo sem se falar? Éramos tão unidas, tão amigas... Eu admito que eu
precisava de solidão, precisava sair desta casa, desta merda de cidade.
- Eu senti muito a sua falta Alice.
- Eu deixei tudo na sua mão...
...
O piso é antigo, assim como a pintura do portão e das paredes. O local é praticamente vazio,
com vasos de plantas quase mortas. Alice vai em direção à porta da sala.
A sala é grande, com paredes e piso claros, boa parte desse coberto por um tapete grosso. 3
janelas pequenas iluminam o ambiente e estão cobertas por uma cortina de tecido fino e claro.
De frente à porta, um sofá, e, a frente dele, uma mesa de madeira com pés baixos. Ao lado
direito do sofá, uma mesa que serve de apoio para um abajur alto. Sobre o encosto do sofá,
fixada à parede, uma tela grande emoldurada. Do lado esquerdo da porta um piano serve de
apoio com fotos emolduradas. As fotos mostram 4 pessoas, um homem e 3 mulheres.
Sobre o piano, fixado à parede, uma tela, também emoldurada. No lado esquerdo da sala, e ao
lado do sofá, uma estante alta com livros e objetos diversos. Ao lado, duas poltronas e, entre
elas, uma mesa de apoio. Sobre o encosto das poltronas, outra tela emoldurada fixada à
parede.
Alice abre a porta pela metade, e aguarda.
Clara, 22 anos, morena, vestindo roupas casuais, interrompe a música tocada e permanece por
um tempo sentada no banco do piano olhando para Alice.
(ALICE)
Oi!
(CLARA)
Oi!
24
INT/DIA refere-se a uma indicação padrão no roteiro cinematográfico que orienta que agravação deverá ser
rodada em estúdio ou locação (INT = INTERIOR) e durante a manhã ou início da tarde (DIA = CLARO).
73
(CLARA)
Tudo bem com você?
Alice, não responde, entra com as mãos nos bolsos do casaco em silêncio e observa a sala.
Clara fecha a porta e dá um passo à frente, acompanhando com os olhos a movimentação de
Alice.
(CLARA)
Achei que você não fosse vir mais.
Alice parada, de costas para Clara, observa tela sobre o encosto das poltronas.
Alice se vira, cruzando os braços.
(ALICE)
Como você está?
(CLARA)
Como você acha que eu estou?
(ALICE)
Não precisa me olhar com
Essa cara.
(Desdenhosa)
(CLARA)
Porque você não foi no funeral?
(CLARA)
Você foi a única que não foi.
Alice pega e observa um porta-retratos com sua foto quando era mais jovem ao lado de um
senhor.
Mais silêncio.
(CLARA)
A família inteira tava lá.
(ALICE)
Qual o lado bom de enterrar
alguém, Clara?!
(Desdenhosa)
(CLARA)
Ele é nosso pai, Alice!
(ALICE)
Era...
(ALICE)
... e eu nunca gostei de
funerais, você sabe.
(CLARA)
E eu gosto?!
(Afrontando)
Alice vai até o sofá, sentando-se de movo desleixado, retirando o cachecol e o colocando no
braço do móvel.
Mais uma vez há silêncio na sala.
Clara permanece em pé.
(CLARA)
A gente tem que pegar as coisas do
pai na casa do tio.
(ALICE)
Eu posso tentar tirar folga
(CLARA)
Pode ser nessa semana?!
(ALICE)
Vou ver!
(CLARA)
Alice, não tem problema, eu posso
ir sozinha, mas quero que você saiba que...
75
(ALICE)
Clara, já disse que eu vou ver.
(De saco cheio)
Alice passa mão sobre os livros, retirando um livro do lugar, soprando-o levemente para
retirar o pó e airando as páginas. Ela leva o livro até o nariz, sentindo o cheiro.
Clara, sentada na poltrona, encostada, esboça um leve sorriso.
(CLARA)
Alice, lembra quando ele lia os
contos...
(ALICE)
Bukowski...
(Sussurrando)
(CLARA)
... Ele se empolgava tanto contando
essas histórias!
(ALICE)
Ele tinha um bom senso de humor.
(Sussurrando)
(CLARA)
É estranho não ver o
pai sentado na poltrona limpando o
cachimbo...
Alice começa a retirar seu caso e o coloca de maneira arbitrária no encosto da poltrona.
(CLARA)
A casa costumava ficar
com cheiro de tabaco...
(ALICE)
Vou beber alguma coisa, vai?
(CLARA)
Não!
76
(ALICE)
Cadê os copos?
(CLARA)
Levei tudo pra cozinha.
(CLARA)
A gente vai vender a casa?!
(ALICE)
A gente precisa de dinheiro!
(ALICE)
Então... Não queria vender, mas...
(CLARA)
Porque a gente não mora junto, aqui
mesmo?! A gente paga as nossas
contas e começa do zero!
(ALICE)
Ele não estava cheio de dívidas?
(CLARA)
Eu posso vender o carro.
(ALICE)
Como se isso fosse suficiente, né?!
(Debochando)
(ALICE)
Pega a garrafa aí pra mim!!!
Clara vai até a estante de livros, pega a garrafa, entrega a Alice, que se serve, e se senta no
acento extremo ao de Alice.
Alice enche seu copo e deposita a garrafa sobre o tampo da mesa lateral.
Clara, encurvada, com os braços apoiados sobre os joelhos, diz:
(CLARA)
Lembra quando a gente era criança e
brigamos no corredor?
(CLARA)
Lembra que ele mandou a gente pro
canto do quarto e fez a gente se
abraçar, e apanhamos abraçadas?
(CLARA)
Você não chorou...
(CLARA)
Você foi a primeira filha...
... Ele tinha medo de dar uma
criação errada para você.
(ALICE)
Por mais que eu quisesse a gente
não se bicava, Clara. Você sabe!
78
(CLARA)
Ele tentava!
Clara tenta tocar o braço de Alice, que desvia e deposita o copo sobre o tampo da mesa
lateral.
(ALICE)
E você acha que eu não tentava?!
(Afrontando)
(CLARA)
Acho... acho sim! Mas vamos ficar
com as lembranças boas do pai!
(Sínica)
(ALICE)
Não fale como se eu não tentasse.
Você sabe o jeito que a nossa
família criou a gente, então para
de fingir...
(CLARA)
Eu tô tentando me aproximar de você, mas
você é foda!
(CLARA)
Você sempre quis sair daqui...
(exaltando)
(CLARA)
... E você conseguiu!
(ALICE)
E você quer mesmo falar sobre isso?
(CLARA)
...E você aproveitou sua liberdade
de que maneira?
(CLARA)
Espero que da melhor!
(CLARA)
Você roubou todo o
dinheiro do pai para fugir e nunca
deu nenhuma satisfação!
Alice vira um tapa na face de Clara, como se quisesse que Clara calasse a boca.
A cabeça de Clara vira para o lado com a força do tapa.
Sua expressão é de fúria.
A respiração de Alice acelera. Ela mantém os braços rígidos para trás.
Clara, com o dedo indicador começa a dedar o peito de Alice de forma ameaçadora.
(CLARA)
Eu aguentei tudo sozinha enquanto
você esquecia que tinha uma família.
(ALICE)
Eu devolvi todo o dinheiro.
(perdida)
(CLARA)
Não é sobre o dinheiro, Alice. O
pai nunca fez questão que você
devolvesse aquele dinheiro...
(CLARA)
Ele só queria saber se você estava
bem.
(CLARA)
No final ele só perguntava de
você...
(CLARA)
Eu sei o que você passava com
ele... Eu também sofri!
(ALICE)
Eu sei que você sabe. O que eu não
entendo é porque você fala como
se ele fosse o melhor pai do mundo.
(CLARA)
E ele queria o seu perdão, da mesma
forma que ele queria o meu, e eu
perdoei.
Clara termina de preparar o chá nas duas xícaras grandes de louça branca apoiadas em um
pires sobre a pia. O líquido de dentro está fumegante.
Clara retira as xícaras da pia e as carrega, apoiando-as sobre a mesa: uma em frente onde está
Alice e outra onde irá se sentar.
Alice sopra o líquido de dentro de sua xícara, bebe um pouco e fecha os olhos, prazerosa.
(ALICE)
O chá tá ótimo. Quando eu faço
sempre fica muito fraco.
(CLARA)
Não é nada complicado.
Clara leva a xícara de chá até a boca...
(ALICE)
Você estava tocando piano quando
cheguei.
(CLARA)
Não era nada... Nunca fui tão boa
como você. Você ainda toca?
(ALICE)
81
(ALICE)
Eu poderia ter ligado pro pai...
Poderia ter ligado para você!
(CLARA)
E porque não ligou?!
(ALICE)
Queria ficar longe da
responsabilidade.
(ALICE)
Prefiro não ver ninguém.
(CLARA)
25
EXT/DIA refere-se a uma indicação padrão no roteiro cinematográfico que orienta que a gravação deverá ser
rodada em ambiente externo (EXT = EXTERIOR) e durante a manhã ou início da tarde (DIA = CLARO).
82
(CLARA)
... aqui é um bom lugar pra morar.
(ALICE)
Sim, é mesmo.
Silêncio
(CLARA)
O pai era um sábio.
(CLARA)
Ele falou que a morte dele ia
trazer você de volta...
(CLARA)
Você tem que aceitar o seu passado,
Alice.
(CLARA)
Prometo que não vou sumir...
Alice responde sem olhar para Clara.
(ALICE)
Eu sei!
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Equipe Técnica: