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UFSM

FERNANDO SILVA FERRAZ DA CRUZ

O HERÓI TRANSMÍDIA: ANÁLISE DO CASO NARUTO.

Santa Maria, RS, Brasil


2010
2

FERNANDO SILVA FERRAZ DA CRUZ

O HERÓI TRANSMÍDIA:
ANÁLISE DO CASO NARUTO.

Monografia apresentada à Comissão de


Trabalho de Conclusão de Curso, do
Departamento de Ciências da Comunicação da
Universidade Federal de Santa Maria como
requisito para obtenção do Grau de Bacharel
em Comunicação Social – Publicidade e
Propaganda.

Orientador: Prof. Janderle Rabaiolli

Santa Maria, RS, Brasil


2010
3

Universidade Federal de Santa Maria


Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda

A Comissão Examinadora abaixo assinada aprova a Monografia

O HERÓI TRANSMÍDIA:
ANÁLISE DO CASO NARUTO.

Elaborada por

Fernando Silva Ferraz da Cruz

Comissão Examinadora

__________________________
Prof. Ms. Janderle Rabaiolli (UFSM)
Presidente/Orientador

__________________________
Prof. Ms Luciano Mattana (UFSM)

__________________________
Profª Juliana Petermann (UFSM)

__________________________
Mestrando Maurício Dias (UFSM)
(suplente)

Santa Maria, 14, de Dezembro de 2010.


4

Dedico este trabalho aos meus pais e minha


irmã, por todo apoio e incentivo aos meus
estudos. Também dedico ao meu irmão, pela
compreensão e ajuda em momentos difíceis. E
dedico principalmente à minha namorada que
sempre me apoiou e incentivou a nunca
desistir.
5

Agradeço primeiramente a Deus pela dádiva de ser um


homem feliz. Agradeço também aos meu pais, por terem
me dado a oportunidade de estudar e chegar a uma
universidade pública. Agradeço aos meus irmãos pelo
amor com o qual sempre posso contar. Agradeço à
minha namorada por estar sempre ao meu lado e por
dedicar-me um amor incondicional. Agradeço ao grupo
de danças adulto do Departamento Tradicionalista
Querência das Dores pela amizade e pela compreensão
que sempre tiveram comigo. Agradeço aos meus colegas
Pâmela, Tássia, Fabrício e Emílio pela amizade e grande
experiência que tivemos em dois semestres de agência.
Agradeço imensamente ao meu orientador Janderle pela
paciência com um orientando dançarino. E finalmente
agradeço aos meus colegas da 36ª Turma de Publicidade
e Propaganda, por estarem ao meu lado lutando nesses
quatro anos de Faculdade.
6

“A profunda concentração faz manifestar a


força que está dentro de você. Sentimento,
vontade e mente concentrada”.

Genkai
7

RESUMO

Através da análise do animê Naruto, este trabalho visa compreender


como ocorre a convergência alternativa na construção narrativa do produto em
questão. Realizando um estudo das funções do herói na composição
morfológica do seriado, busca-se identificar os padrões de sua construção
narrativa, para então comparar o produto original com o material desenvolvido
por fãs, obtendo como resultado a identificação de uma similaridade de
construção entre os materiais originais e os materiais de produção alternativa.

Palavras-chave:
convergência; convergência alternativa; gênero narrativo; animê; herói.
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ABSTRACT

By the analyzing of the anime Naruto, this work aims to understand how
the convergence occurs in the narrative construction of an alternative product in
question. Conducting a study of the functions in the morphological composition
of the hero of the series, we seek to identify the patterns of their narrative
construction, and then compare the original with the material developed by fans
product, obtaining as a result the identification of a similarity between the
materials of construction original materials and alternative production.

Keywords:
convergence, convergence alternative; narrative genre, anime, hero.
9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Página 1 do Mangá 218 ..................................................................... 62


Figura 2 - Página 2 do Mangá 218 ..................................................................... 63
Figura 3 - Página 6 do Mangá 218 ..................................................................... 64
Figura 4 - Página 7 do Mangá 218 ..................................................................... 64
Figura 5 - Página 10 do Mangá 218 ................................................................... 65
Figura 6 - Página 16 do Mangá 218 ................................................................... 66
Figura 7 - Página 18 do Mangá 218 ................................................................... 67
Figura 8 - Página 19 do Mangá 218 ................................................................... 68
Figura 9 - Animê Naruto 128 - 1 ......................................................................... 69
Figura 10 - Animê Naruto 128 - 2 ....................................................................... 70
Figura 11 - Animê Naruto 128 - 3 ....................................................................... 70
Figura 12 - Animê Naruto 128 - 4 ....................................................................... 71
Figura 13 - Animê Naruto 128 - 5 ....................................................................... 72
Figura 14 - Animê Naruto 128 - 6 ....................................................................... 73
Figura 15 - Animê Naruto 128 - 7 ....................................................................... 74
Figura 16 - Animê Naruto 128 - 8 ....................................................................... 75
Figura 17 - Animê Naruto 128 - 9 ....................................................................... 76
Figura 18 - Animê Fan - 1 .................................................................................. 77
Figura 19 - Animê Fan - 2 .................................................................................. 78
Figura 20 - Animê Fan - 3 .................................................................................. 79
Figura 21 - Animê Fan - 4 .................................................................................. 80
10

LISTA DE TABELAS

Quadro 1 - Categorias e gêneros dos programas na TV brasileira .................... 39


Quadro 2 - Descrição das 31 funções de Propp................................................. 54
Quadro 3 - Esferas de ações dos personagens de Naruto ................................ 60
11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
1. CONVERGÊNCIA E NARRATIVAS TRASMÍDIA ......................................... 15
1.1. NARUTO: DO SURGIMENTO NO BRASIL À CONVERGÊNCIA ............... 15
1.2. NARRATIVA TRANSMÍDIA......................................................................... 17
1.3. NARRATIVAS ORIENTAIS NO BRASIL ..................................................... 22

2. GÊNEROS DO DISCURSO ANIMAÇÃO....................................................... 35


2.1. GÊNERO DESENHO ANIMADO ................................................................ 35
2.2. NARRATIVAS SERIADAS .......................................................................... 41

3. NARUTO ........................................................................................................ 46
3.1. A HISTÓRIA DE UM NINJA ........................................................................ 46
3.2. A ABORDAGEM MORFOLÓGICA.............................................................. 52
3.3. CONFRONTO DE DOIS AMIGOS .............................................................. 61
3.3.1. Companheiros de Konoha..................................................................... 61
3.2.2. Um Grito Para Ouvidos Surdos............................................................. 69
3.2.3. Naruto X Sasuke: Uma Batalha de Fãs................................................. 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 81


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INTRODUÇÃO

Este projeto possui como tema a análise da atuação da cultura


participativa na (re)construção de narrativas transmídia para produtos
nipônicos. Sua delimitação situa-se na análise da participação ativa dos fãs no
processo de (re)construção de narrativas relacionados ao conteúdo original.
Tem como objetivo analisar o processo de transmediação no seriado Naruto a
fim de abordar a convergência alternativa e a participação dos fãs na produção
e distribuição do produto midiático em questão. Terá como método um estudo
de caso e uma análise morfológica das produções elaboradas para diferentes
plataformas.
A problemática abordada neste trabalho busca apresentar e debater o
contexto de consumo midiático atual e como a identificar faz como os fãs se
apropriem de determinado personagem de uma série produzindo materiais de
sua autoria, relacionada e estes personagens. Assim, neste contexto, pode-se
verificar que a facilidade de acesso a programas de edição de imagens e
vídeos, junto a uma posterior distribuição via blogs e sites de
compartilhamento, como Youtube e Videolog, possibilitam a atuação de fãs na
discussão, produção e distribuição de produtos audiovisuais com histórias
relacionadas à trama original de seriados televisivos.
Muitos desses materiais trazem pontos de vista diferentes da trajetória
de um determinado personagem, sendo em boa parte personagens
secundários de uma trama, mas que, no entanto, possuem aberturas para um
aprofundamento maior de suas histórias, como também a possibilidade de
contribuírem de forma mais intensa para a trama principal.
Entretanto, em outros casos, encontram-se produções (baseadas na
história produzida para mangás) que podem ser classificadas como
antecipações dos capítulos de um seriado que ainda não foram exibidos ou
sequer produzidos.
É justamente neste ponto que se situa a intenção de pesquisa deste
trabalho. Frente ao fenômeno de “invasão” de produtos nipônicos no Brasil na
década de 80, principalmente de animês veiculados pela extinta Rede
Manchete de Televisão, as relações da audiência com estes produtos deixaram
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de ser restritas a pequenos grupos de aficcionados, passando a fazer parte do


gosto de considerável parcela da audiência televisiva de nosso país.
Desse modo, este processo de (re)construção da história a partir da
plataforma inicial, o mangá, possibilita que estes produtos de mídia apresentem
características que ultrapassam o planejamento inicial, tornando-se “narrativas
transmídia”, que para Jenkins (2009, p. 384), são “histórias que se desenrolam
em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma
distinta para nossa compreensão do universo”.
Compreendendo então que a produção de histórias com personagens
de um seriado faça parte de uma apropriação de enredos e histórias já
existentes, o movimento de participação ativa de fãs como uma forma de
expressão sobre tramas, personagens e universos que fazem parte de seus
gostos de consumo audiovisual, situa-se no conceito de “cultura participativa”,
a qual Henry Jenkins (2009, p. 378) afirma ser uma “cultura em que fãs e
outros consumidores são convidados a participar ativamente da criação e da
circulação de novos conteúdos”.
Porém, esta participação não se dá de forma igualitária entre os
indivíduos atuantes no processo, pois

nem todos os participantes são criados iguais. Corporações – e


mesmo indivíduos dentro das corporações de mídia – ainda exercem
maior poder do que qualquer corporação individual, ou mesmo um
conjunto de consumidores. E alguns consumidores têm mais
habilidade para participar dessa cultura emergente do que outros.
(JENKINS, 2009, p.30)

Portanto, para apresentar a conexão do conceito de narrativas transmídia com


os produtos nipônicos, foi escolhido um produto que obtenha um grande
consumo e procura do público brasileiro, sendo então escolhido o anime Naruto
como objeto de estudo.
Buscando apresentar diretrizes que apontem os motivos das ação dos
fãs, este projeto trará uma análise do seriado Naruto comparando o mesmo
ponto cronológico da história em diferentes plataformas: o mangá, suas
produções para a TV aberta, o animê, e produções colaborativas realizadas por
fãs. Para executar essa comparação, será usado como metodologia
primeiramente um estudo de caso, e logo após uma análise morfológica,
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baseada no método desenvolvido por Propp, buscando identificar padrões


narrativos no seriado.
No que se refere à limitação de pesquisa, pode-se identificar a
deficiência de reter o foco na análise morfológica e estrutural do seriado
Naruto, porém busca-se como intuito, assim como fez Jenkins, analisar e
descrever o objeto de pesquisa, eximindo-se do contexto histórico- social com
o qual a produção original possui ligação.
Entende-se que a necessidade de ter uma descrição baseada em
métodos bem definidos é o passo primordial para oferecer bases de análise
que sustentem um estudo do contexto no qual as narrativas são produzidas,
assim como fez Propp ao focar seu estudo da morfologia dos contos de magia.
Quanto à estrutura, o trabalho monográfico está dividido três capítulos.
O primeiro capítulo tem como objetivo apresentar a relação entre convergência
midiática e as narrativas transmídia, bem como no qual se estruturam as
narrativas produzidas nessa modalidade de produção. Através do
encadeamento destas teorias, busca-se mostrar a evolução do modo de
produção de produtos culturais planejados para serem distribuídos em
diferentes plataformas de mídia, tendo em Jenkins, a única base para estudos
que abordem a questão da convergência midiática.
O segundo abordará a discussão acerca da conceituação de gêneros do
discurso para produtos animados. Compreendendo a animação como uma
esfera específica da atuação humana, na qual se busca reproduzir situações
de realidade e ficção em simulações, ilusões de ótica que passam a impressão
de movimento e seqüencialidade das narrativas.
No terceiro e último capítulo, será realizada a análise do objeto de
pesquisa. Para realizá-la será usado um aparato teórico da literatura,
embasado nos estudos de Vladimir I. Propp, em seu livro Morfologia do Conto
Maravilhoso, valendo-se de seu método de análise da narratologia, que busca
estudar as narrativas de ficção e não-ficção analisando suas estruturas e
elementos através de um detalhamento morfológico, e que neste trabalho, será
utilizado para analisar a estrutura das funções dos personagens atuantes nos
capítulos analisados. Desse modo, será possível então comparar e conceituar
a construção de narrativas transmídia para produtos nipônicos.
15

CAPÍTULO I

CONVERGÊNCIA E NARRATIVAS TRANSMIDÍA

1.1. NARUTO: DO SURGIMENTO NO BRASIL À CONVERGÊNCIA

Ao final dos anos 80, a extinta Rede Manchete de Televisão passou a


investir na exibição de produtos direcionados para uma parcela de público até
então pouco explorada pela emissora: o público infantil. A partir dessa nova
proposta, atinge considerável audiência com a transmissão de seriados
japoneses de animação, mais conhecidos como “animês”. Dessa forma, a
emissora de televisão inaugura “a fase dos super heróis japoneses no Brasil e
o surgimento de uma verdadeira grife de brinquedos em geral, como bonecos,
armas e outros acessórios vistos nos episódios” (Rede Manchete, 2006).
O impacto da nova estética de “desenhos animados”, com personagens
de olhos grandes e traços arredondados, apresentados em narrativas
recheadas de referências ao mundo oriental desencadeou o surgimento de
uma nova modalidade de fãs, que devido ao seu objeto de adoração,
receberam o nome de “Otakus”.
A denominação “Otaku” é considerada no ocidente uma gíria que
engloba todos os fãs de animês e mangás, porém possui um sentido diferente
do original em japonês, que se refere a um tratamento respeitoso na segunda
pessoa.
A partir do surgimento desta nova comunidade de fãs, as emissoras de
televisão brasileiras passaram a diversificar os produtos veiculados ao público
infantil, buscando cada vez mais seriados japoneses que pudessem alcançar
esta parcela da audiência televisiva.
Devido ao sucesso de seriados como Cavaleiros do Zodíaco (Saint
Seyia), Dragon Ball e Pokémon, emissoras como a Globo e o SBT passaram a
veicular animês (com cortes e adaptações) em sua programação matinal. Em
Julho de 2007, a emissora SBT iniciou a transmissão do seriado japonês
“Naruto” no programa Bom Dia & Cia., obtendo consideráveis picos de
audiência neste ano, pois Naruto
16

rendeu ótimo desempenho ao programa infantil Bom Dia e Cia que


ganhou título de melhor programa do ano e conseguiu médias
incríveis nos dados da audiência televisiva segundo o IBOPE.
Girando em torno de 08 e 09 pontos de média logo em sua estréia a
atração fez a participação do SBT ”triplicar” e crescer 20% no horário
das 11h55min á 12h15min. (TV BRASIL AUDIÊNCIA, 2009)

Naruto é uma série de mangás de autoria de Masashi Kishimoto


publicada na revista semanal japonesa Shonen Jump desde 1999. Sua
adaptação para Animês deu-se no ano de 2003, com a produção da primeira
temporada de nome homônimo desenvolvida pelo Studio Pierrot e exibida pela
TV Tokyo, seguida da segunda temporada intitulada Naruto Shippuden
(Crônicas de um Furacão) em fevereiro de 2007, correspondendo à segunda
saga do mangá.
A partir da veiculação da série em uma emissora aberta, o SBT, a
quantidade de buscas relativas ao nome Naruto em sites como Google Trends,
a partir de 2007, indicam considerável aumento. Essa procura por produtos
relacionados à trama leva muitos aficcionados a buscarem e conhecerem o
seriado em seu formato original: primeiramente com a busca do animê sem
cortes, legendados por grupos de fansubbing; e posteriormente buscando
spoiling sobre a saga em seu material original, o mangá.
Henry Jenkins, em seu livro Cultura da Convergência apresenta as
definições de fansubbing, sendo a ação de “tradução e legendagem amadoras
de desenhos animados japoneses” (JENKINS, 2009, p. 380), e spoiling “o
processo ativo de localizar informações que ainda não foram ao ar na
televisão” (Ibid., p.387).
Esses dois processos, de desenvolvimento de fansubbing e localização
de spoiling, fazem parte da crescente linha estética de produção de conteúdos
midiáticos, a convergência

palavra que define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e


sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura.
Algumas das idéias comuns expressas por este termo incluem o
fluxo de conteúdos através de várias plataformas de mídia, a
cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de
novas estruturas de financiamento das mídias que recaiam sobre os
interstícios entre antigas e novas mídias, e o comportamento
migratório da audiência, que vai a quase qualquer lugar em busca
das experiências de entretenimento que deseja. (JENKINS, 2009,
p.377)
17

Compreendendo-se que devido às mudanças tecnológicas,


principalmente com o avanço da internet, a facilidade da troca de dados entre
pessoas de diferentes países torna o acesso a seriados, que em décadas
anteriores demorariam mais de anos a chegarem a países como o Brasil,
praticamente instantâneo.
Dessa forma, fãs de Naruto que começaram a assistir o seriado no SBT,
podem buscar capítulos da série que ainda não foram exibidos em TV aberta,
chegando ao ponto de conseguirem acompanhar os últimos episódios com
uma defasagem de apenas algumas horas do público japonês.
É justamente nesse ponto que este trabalho busca apresentar um
panorama da ação destes fãs acerca do consumo, produção e (re)significação
do seriado Naruto, enquadrando-o como um produto midiático que ultrapassou
as fronteiras da mídia convencional, passando a fazer parte do consumo de
espectadores em múltiplas plataformas.

1.2 NARRATIVA TRANSMÍDIA

A possibilidade de interação como o produto, a busca por


complementos, histórias paralelas, fóruns de discussão acerca da evolução de
um personagem e muitas outras experiências que expandem um conteúdo
para além das mídias tradicionais, trazem o intuito de maximizar a experiência
do consumidor com o produto, como também atrair a audiência de modo
planejado, caracterizando dessa forma uma narrativa transmídia,
compreendida como

uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das


mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores e
depende da participação ativa de comunidades de conhecimento. A
narrativa transmídia é a arte da criação de um universo. Para viver
uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores
devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo
pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas
observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line,
e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e
energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica.
(JENKINS, 2009, p.49)

Lançada em março de 2009, a produção cinematográfica Matrix instigou


a imaginação e a experiência de seus expectadores em níveis até então pouco
18

explorados pela indústria do cinema. Para Jenkins (2009), a obra dos irmãos
Wachowski incentivou o público a desvendar e completar o quebra-cabeça da
trama buscando resposta em diversos níveis de envolvimento, realizando uma
verdadeira lição de casa para compreender o desenvolvimento da trama.
Muito do que fora proposto na obra sugeria aos expectadores ações
além do cinema, gerando uma diferenciação de níveis de compreendimento de
cada indivíduo, relacionada aos seus diferentes níveis de experiência com as
plataformas para as quais a obra fora expandida, pois

nunca uma franquia de filmes exigiu tanto de seus consumidores. O


filme original, Matrix, levou-nos a um universo onde a linha entre a
realidade e a ilusão constantemente se fundiam, e onde os corpos
de humanos são estocados como fonte de energia para abastecer
máquinas, enquanto suas mentes habitam um universo de
alucinações digitais. Neo, o hacker-messias protagonista, é
conduzido ao movimento de resistência Zion, lutando para aniquilar
os “agentes”, que estão moldando a realidade para servir a seus
próprios e ambíguos fins. (JENKINS, 2009, p.136)

Matrix torna-se a interseção de vários textos, segundo Jenkins (2009),


desenvolvidos para possuírem um sentido autônomo, possibilitando que o
acesso a uma única franquia da obra desperte o interesse do consumidor, no
entanto, sem necessariamente ter que assistir ao filme para gostar do game, e
vice-versa.
Ao desenvolver uma obra de tamanha profundidade e possibilidade de
expansão, os irmãos Wachowski proporcionam ao público um “ativador cultual”,
tipo de obras que para Jenkins (2009, p.374) “funcionam como catalisadores,
desencadeando um processo de construção compartilhada de significados”.
Dessa forma, Matrix expandiu-se em diversas plataformas, desde o
lançamento do filme, passando por games, animês, quadrinhos, chegando até
aos jogos on-line para múltiplos jogadores em massa (MMOG – Massive
Multiplayer Online Game) nos quais o jogador passa a explorar o universo da
franquia usando um personagem como identidade fictícia.
Esse processo de desenvolvimento planejado para múltiplas plataformas
surge como resposta aos anseios dos consumidores da era da convergência,
estimulando-os através da busca da compreensão em diversas mídias,
evitando assim a obviedade das narrativas tradicionais e o possível
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desinteresse do fã devido a uma redundância de narrativa, como acontecia


com os modelos de filmes que eram usados antigamente.
Com o surgimento de Matrix, as grandes indústrias cinematográficas
passaram a ter um exemplo de como iniciar o desenvolvimento de narrativas
que possam sustentar, através de um universo, uma gama variada de produtos
e franquias relacionadas a um contexto principal, pois

mídias diferentes atraem nichos de mercado diferentes. Filmes e


televisão provavelmente têm os públicos mais diversificados;
quadrinhos e games os mais restritos. Uma boa franquia transmídia
trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando um pouco o tom do
conteúdo de acordo com a mídia. Entretanto, se houver material
suficiente para sustentar as diferentes clientelas – e se cada obra
oferecer experiências novas –, é possível contar com um mercado
de intersecção que irá expandir o potencial de toda franquia.
(JENKINS, 2009, p.138-139)

Matrix obteve grande sucesso junto às bilheterias em seu primeiro filme,


no entanto é considerado como uma obra que deixou a desejar em vários
aspectos da conexão entre seus textos complementares, pois muitas críticas
foram feitas às seqüências por não serem suficiente autônomas, como se
esperava que fossem. Apesar das críticas, Jenkins (2009 p.139) afirma que
“não temos ainda critérios muito bons para avaliar obras que se desenvolveram
através de múltiplas mídias”.
A obra dos irmãos Wachowski desencadeou um processo de busca
incessante pelos códigos ocultos existentes em seu conteúdo. Comparando-o a
Casablanca (1942), obra considerada um filme Cult clássico por sua
quantidade de remissivas e referências a obras anteriores, Jenkins (2009,
p.141) considera Matrix como “o filme emblemático da cultura da
convergência”.
Algumas referências contidas no filme são compreendidas à primeira
vista, como a alusão a “Alice no Espelho”, o uso de nomes mitológicos como
Morfeu, Perséfone, Trindade. No entanto, o filme contém muitas outras
referências as quais os fãs que se dedicam a explorar a fundo, muitas vezes
analisando quadro a quadro, descobrem e relacionam a variadas teorias, em
um processo que se desenvolve através de comunidades de conhecimento.
O processo de desenvolvimento de estímulos à busca de mensagens
ocultas em Matrix aconteceu de forma planejada, criada pelos irmãos
20

Wachowski para que os fãs mais atentos pudessem descobrir conexões


decifrando códigos ocultos em cenas do filme ou de alguma outra mídia,
por exemplo, no curta de animação Final Flight of the Osiris (2003), a
protagonista, Jue, sacrifica a própria vida para entregar uma
mensagem à tripulação de Nabucodonosor. A carta contém
informações sobre as máquinas que abrem caminho em direção a
Zion. Nos momentos finais do anime, Jue joga a carta numa caixa de
correio. Na abertura do game Enter the Matrix, a primeira missão do
jogador é resgatar a carta do correio e levá-la a nossos heróis. E as
cenas de abertura de Matrix Reloaded mostram os personagens
discutindo a “última transmissão de Osíris”. (JENKNIS, 2009, p.145)

As críticas direcionadas a Matrix provêm diretamente da sua negação


dos padrões de narrativa clássica de Hollywood, pois esse antigo sistema
dependia da redundância para manter o espectador mesmo se ele perdesse
alguma cena crucial ao estar distraído. Parte desta negação provém do
planejamento realizado para desenvolver a obra. No entanto, a intenção de que
os espectadores buscassem os significados nos outros produtos da franquia
não obteve o resultado esperado.
Matrix é um dos exemplos recentes e discutidos em referências
bibliográficas sobre transmediação, e por isso aqui abordado. Assim, a busca
de interação dos espectadores de modo planejado obedece a uma lógica de
produção chamada de Convergência Corporativa, que para Jenkins (2009,
p.377) refere-se ao “fluxo comercialmente direcionado de conteúdos de mídia”.
A lógica de (re)significação que vem ao encontro desse processo compreende-
se como Convergência Alternativa, que segundo Jenkins (ibid, p.377) refere-se
ao “fluxo informal e às vezes não autorizado de conteúdos de mídia quando se
torna fácil aos consumidores arquivar, comentar os conteúdos, apropriar-se
deles e colocá-los de volta em circulação”.
Apesar de o conceito de narrativa transmídia referir-se á criação de
universos de forma planejada, buscando a participação ativa das comunidades
de conhecimento, a experiência de produções orientais no ocidente acontece
de uma forma que pode ser considerada inversa ao que comumente ocorre,
aproximando-se do que ocorre em uma convergência alternativa.
Parte desta possível inversão tem seu início no modo como as
comunidades de fãs passaram a tomar conhecimento dos animês japoneses.
Jenkins (2009) relata o sucesso mundial da animação japonesa, que chega a
arrecadar cerca de 9 trilhões de ienes (U$$ 80 bilhões) com a venda de
21

franquias de animações e produtos a elas relacionados. Notavelmente, o autor


afirma que a conquista desse sucesso deve-se à tolerância que as empresas
japonesas tiveram com as atividades alternativas dos grupos de fãs.
Também é conhecido o caso dos EUA, que sobre o efeito de reformas
na televisão ocorridas no país ao final dos anos 1960, as animações japonesas
que até então eram exportadas para aquele país passaram a sofrer sérias
críticas e restrições de veiculação. Seu conteúdo era considerado inapropriado
para crianças americanas, pois, assim como ocorre no Brasil, consideravam-se
os “desenhos animados” como produtos para o público infantil. No entanto
alguns animês veiculados na época eram destinados ao público adulto no
Japão.
Então, devido às restrições impostas pela reforma, muito da
experimentação de mercado e do desenvolvimento de público para estes
produtos passaram a ser realizados pela atuação de fã-clubes que segundo
Jenkins (2009), passaram a apoiar o armazenamento e a circulação de
animações japonesas, tanto de material legal, quanto de material pirateado,
com legendas e dublagens produzidas por eles.
Dessa forma, a partir do advento da internet, as legendas que antes
exigiam grandes investimentos em aparelhos para realizar sua sincronização
com fitas VHS e S-VHS, passaram a ter um custo muito baixo, devido ao uso
de programas de edição de vídeos gratuitos. Estes baixos custos possibilitaram
aos fã-clubes uma distribuição dos animês com um alcance muito maior do que
em décadas anteriores.
Após alguns anos de ausência no mercado americano, segundo Jenkins
(2009), os artistas e distribuidores de animes voltaram a ter contato com o
público deste mercado através de convites dos fã-clubes para a participação
em grandes eventos de animês nos EUA.
Ao se deparem com uma cultura tão próspera em torno de seus
produtos, conforme relata Jenkins (2009), os japoneses ficaram
impressionados e motivados a buscar atrair o interesse comercial desses
consumidores. A partir de iniciativas de algumas figuras fundamentais da
indústria japonesa iniciou-se então a distribuição de animês nos EUA com a
profissionalização de fã-clubes que passaram a adquirir os direitos de
distribuição dos produtos junto às empresas japonesas.
22

Um ponto importante desse processo relatado por Jenkins (2009) está


no fato de que esses grupos de fãs começaram a desenvolver um nicho de
mercado para os produtos japoneses, fazendo testes para novos gêneros a
serem explorados, algo que poucas empresas do ramo correriam o risco de
fazer.
Do ponto de vista legal, muitos desses grupos de fãs, como relata
Jenkins (2009), passaram a exibir legendas com avisos que solicitavam aos
usuários que “cessassem a distribuição quando o vídeo fosse licenciado”.
Estava evidente a intenção dos fã-clubes: buscava-se ampliar o número de
aficcionados que compartilhavam o mesmo gosto pelos seriados que era objeto
de sua adoração, e não lucrar sobre um produto não licenciado.
Sobre esta iniciativa tomada pelos clubes de fãs, Jenkins (2009) afirma
que ao contrário das empresas japonesas, muitas empresas americanas
tratariam a ação dos clubes de fãs como pirataria, tomando medidas legais
para se precaverem dessas ações. No entanto, no Japão, as empresas do
ramo incentivam este tipo de “cultura participativa”, chegando a patrocinar
feiras e eventos em busca de divulgação e recrutamento de novos talentos.
Este modo de encarar os grupos de fãs traz consigo uma forma nova de
compreender o espectador, passando a considerar sua opinião muito mais
relevante na hora de decidir expandir ou cessar a distribuição dos seriados,
pois segundo Jenkins (2009, p.224), “ao cortejar os fãs, as empresas ajudaram
a construir uma “economia ética”, que aliou seus interesses em alcançar um
mercado ao desejo dos fãs em ter acesso a mais conteúdo”.
Chega-se então ao conceito de “cultura participativa”, a qual Jenkins
(2009, p.378) considera uma “cultura em que fãs e outros consumidores são
convidados a participar ativamente da criação e da circulação de novos
conteúdos”. Dessa forma, após o retorno dos investimentos em mercados
ocidentais, a ação das comunidades de fãs em uma cultura participativa
passou a ditar as tendências dos gostos do público de animês no ocidente.

1.3 NARRATIVAS ORIENTAIS NO BRASIL

Anteriormente foram apresentadas as questões do surgimento dos


animês no Brasil, o modo como o conceito de convergência em torno destes
23

tipos de produtos pode ser abordado e a forma como se configura a narrativa


transmídia. Logo após foi apresentado um caso recente de grande
receptividade no Brasil, e que demonstra o forte apelo junto ao público deste
país. No entanto, existiram e existem vários casos que obtiveram sucesso,
como também fracasso e até problemas legais, assim como ocorreu nos EUA
na década de 1960.
Antes de analisar alguns casos, primeiramente é importante elucidar o
conceito de Narrativa, para então posteriormente expor alguns exemplos de
animês. Para Todorov (2008, p.20-21) “a narrativa se constitui na tensão de
duas forças”, essas forças das quais o autor fala estão sempre em constante
interação, sendo a narrativa o resultado do confrontamento de ambas, nunca
obedecendo a uma ou a outra, pois uma

narrativa ideal começa por uma situação estável que uma força
qualquer vem perturbar. Disso resulta um estado de desequilíbrio;
pela ação de uma força dirigida em sentido inverso, o equilíbrio é
restabelecido; o segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas
os dois nunca são idênticos. (TODOROV, 2008, p.137)

Para Gancho (2006, p.3), “narrar é uma manifestação que acompanha o


homem desde sua origem”, então desse modo, os desenhos nas cavernas, os
mitos e as passagens bíblicas podem ser compreendidos como narrativas ou
como coletâneas de narrativas, assim como modernamente temos as novelas
de TV, filmes de cinema, desenhos animados, etc.
Compreendendo os animês como narrativas modernas, torna-se
possível classificá-los como produtos elaborados para uma convergência
corporativa, situação na qual as grandes corporações de mídia buscam
oferecer ao público conteúdos de mídia de forma comercialmente direcionada,
mas que, no entanto, em alguns casos passam a ter um circuito de distribuição
que não obedece fielmente o direcionamento dado pelas empresas detentoras
de seus direitos.
Para entendermos o modo como os animês chegaram a uma
singularidade de características, a ponto de possuírem traços marcantes que
os identificam e diferenciam dos demais desenhos animados, devemos
compreender um pouco do texto que levou à sua origem: o mangá.
A partir da década de 20, segundo Luyten (2001) a afirmação dos
quadrinhos japoneses como gosto popular no Japão possibilitou o
24

desenvolvimento de um estilo próprio, aliado às suas tradições de ilustração.


Devido ao acelerado crescimento econômico do país, a possibilidade de se ler
revista em quadrinhos, aliado a um gosto natural dos japoneses pela estética
visual, propiciou o surgimento de uma indústria próspera que se adaptava aos
tempos difíceis de pós-guerra, como quando se passou a utilizar papel-jornal
para a produção de revistas, barateando os custos e criando um formato usado
até hoje.
Este gosto natural dos japoneses pela estética visual tem uma possível
explicação no modo como se originou sua escrita, derivada de ideogramas
chineses, pois segundo Luyten (2001, p.32), “a própria história da escrita
japonesa tem essa tradição de absorção de traços de figuras reais, isto é,
signos que representam e expressam visualmente a idéia das palavras”.
Parte da grande afeição que o povo japonês tem por ilustrações e
animações, segundo Luyten (2001) provêm de sua forma de compreender a
língua oral em uma escrita de representações visuais, diferentemente da
escrita alfabética que não transmite sensorialmente nenhum sentido.
É claro que somente estes motivos não são o suficiente para explicar
sem sombra de dúvidas o sucesso de histórias em quadrinhos, há também
indícios de que os quadrinhos expressam o desejo de muitos japoneses de
poder fugir de sua realidade, de ter em determinado momento de seu dia um
lazer que o distraia de sua rotina maçante e do rígido controle de uma
sociedade que impõe a busca pelo sucesso profissional desde a infância.
As histórias em quadrinhos passam a ser uma válvula de escape, e de
certa forma uma projeção daquilo que cada cidadão gostaria de ter como sua
trajetória de vida, pois

uma das explicações pode ser encontrada nos personagens do


mangá, que a contrário dos super-heróis produzidos no Ocidente,
são heróis concebidos a partir do mundo real, nos quais as pessoas
podem encontrar, além de uma espécie de miniatura de suas vidas,
os ingredientes para vivenciar suas fantasias. São abundantes e
oferecem uma válvula de escape silenciosa, afeita aos japoneses,
que preferem reprimir ou interiorizar seus sentimentos. (LUYTEN,
2001, p. 40)

Do ponto de vista do formato, segundo Luyten (2001), os mangás


diferenciam-se dos tradicionais quadrinhos ocidentais por possuírem uma
25

densa quantidade de conteúdo, tendo as mesmas características físicas de


formato: 18 por 25 centímetros, de 150 a 600 páginas.
Os mangás tendem a apresentar histórias que geralmente possui uma
seqüência cronológica, além de apresentar, diferentemente dos quadrinhos
americanos, histórias de heróis que chegam ao fim de uma jornada,
diferentemente dos quadrinhos americanos em que os heróis não são atingidos
pelo tempo. Os mangás possuem assim um processo de produção narrativa
que se aproxima de livros ou novelas, pois

as várias histórias apresentadas no interior das revistas são, em sua


maioria, serializadas, continuam de um para outro (convocando o
leitor para a compra na semana ou quinzena seguinte) e, uma vez
terminadas, são compiladas no formato de livros de capa mais
grossa e papel de qualidade superior. (LUYTEN, 2001, p.44)

Vimos dessa forma que os mangás tiveram seu crescimento e aceitação


do público devido ao gosto pela linguagem estética visual e pelo seu conteúdo
recheado de referências ao cotidiano dos japoneses. Assim, frente ao grande
sucesso dessas histórias era natural que a indústria cinematográfica japonesa
começasse a desenvolver adaptações de mangás de sucessos para a televisão
e para o cinema.
Destaca-se nesse contexto o aumento considerável na vendagem dos
mangás devido a essas adaptações para os animês. Luyten (2001, p.225)
destaca que “em 1994 a indústria cinematográfica japonesa destinou mais de
meio bilhão de yenes (cerca de cinco milhões de dólares) exclusivamente ao
desenho animado Tanuky Gassen Ponpoko”.
Esta indústria de produção baseia-se em uma lógica que obedece a
etapas de teste e experimentação do conteúdo narrativo junto ao público, uma
lógica que se aproxima do conceito já apresentado de convergência
corporativa, pois

Os mangás bem sucedidos originam roteiros para animes que


estimulam a venda de mais revistas, seguidas de reedições em
forma de pocket-books, merchandising e assim por diante. Alguns
mangás e animes ainda tornam-se peças de teatro, óperas, novelas,
sem falar dos CDs, dos leilões de edições raras e de acetatos, dos
concursos de fantasias de mangás, etc. (LUYTEN, 2010, p.225)

Dessa forma, os mangás passam a ser o ponto de partida para o


desenvolvimento de uma série de produtos ligados a franquia de suas séries.
26

Como relatado anteriormente, sucesso de suas histórias alavancará a


produção e a distribuição da série no Japão e em casos mais recentes, na
distribuição para países ocidentais. Por meio do animê, segundo Luyten (2001)
o ocidente passa a ter contato com esses produtos midiáticos japoneses,
transmitidos por canais de TV e telas de cinema de todo o mundo, apoiados em
um ótimo sistema de divulgação.
Este crescente volume de produtos importados do oriente despertou o
interesse das grandes corporações de mídia ocidentais, e ao unir o interesse
das empresas ocidentais com a reintrodução das narrativas nipônicas nos
EUA, têm-se o desenvolvimento de uma indústria de ação global, pois

três tipos distintos de interesses econômicos estão em jogo na


promoção dessas novas trocas culturais: produtores nacionais ou
regionais, que vêem a circulação global de seus produtos não
apenas como expansão dos lucros, mas também como fonte de
orgulho nacional; conglomerados multinacionais, que não mais
definem suas decisões de produção e distribuição em termos
nacionais, mas buscam identificar conteúdos potencialmente
valiosos, estendendo-os ao maior número possível de mercados; e
distribuidores de nichos, que procuram por conteúdos diferenciados
como meio de atrair consumidores de maior poder aquisitivo,
distinguindo-se das coisas que já estão no mercado. (JENKINS,
2009, p.153)

No entanto, apesar de esta indústria de ação global se desenvolver a


passos largos, nota-se em alguns casos, uma grande inconformidade com os
objetivos esperados pelas empresas da recepção da audiência, muitas vezes
por serem adotadas estratégias erradas de exploração das franquias, em
outras vezes por não serem destinadas ao real público para o qual os animês
são produzidos, e em casos particulares, por haver grandes falhas na
dublagem e também alterações drásticas devido a cortes e edições para forçar
uma adaptação de classificação indicativa.
Um dos casos de maior repercussão no Brasil, e considerado por muitos
a porta de entrada dos animês no país, é a saga “Os Cavaleiros do Zodíaco”
(Saint Seiya), veiculada a partir do ano de 1994 pela extinta Rede Manchete de
Televisão, que naquele ano, “virava mania nacional, registrando média de 16
pontos de audiência em cada uma de suas duas seções diárias”. (Rede
Manchete, 2006)
É importante ressaltar que a Rede Manchete de Televisão na época de
estréia do animê passava por uma grave crise, devido a diversos problemas de
27

dívidas, vínculo empregatício e saída de artistas renomados devido à sua


venda, pois “em junho de 92 o empresário, Amílton Lucas de Oliveira,
presidente do Grupo IBF responsável pela impressão de loterias instantâneas,
compra a Manchete e, em um mês, demite por volta de 668 funcionários”.
(Rede Manchete, 2006)
Dessa forma, segundo relato do site da Rede Manchete, após a
denúncia de falta de pagamento de salários veiculada com slides em 1993, a
emissora retorna para as mãos do Grupo Bloch, devido ao cumprimento de
uma liminar acionada por Adolpho Bloch em 1993. Assim, ao retomar a
emissora o grupo Bloch aposta em inovações, e dentre elas esteve a estréia de
Cavaleiros do Zodíaco, já citada anteriormente, que serviu de ferramenta de
repopularização da emissora, sendo veiculado em duas seções diárias.
Os Cavaleiros do Zodíaco é o animê mais citado como marco da
“invasão” de produtos nipônicos no Brasil, porém vale ressaltar que já havia
séries que obtiveram relativo sucesso, mas que, no entanto, segundo Peres
(2008, p.29) “o que tínhamos em um primeiro momento eram veiculações
esporádicas, sem grande expressividade, pelo menos não como o fenômeno
que viria a se tornar”.
É importante lembrar que anteriormente aos animês, produtos japoneses
eram veiculados no Brasil desde a década de 1980, os chamados tokusatsus,
com alguns casos veiculados esporadicamente mesmo antes desta década,
sendo que os principais foram, nas décadas de 1960 e 1970, National Kid,
Ultraman, UltraSeven, Spectreman nos seriados e Godzilla nos filmes, e na
década de 1980, veiculados massivamente pela Rede Manchete, os Metal
Heros - heróis com armadura metálicas, ex: Jaspion, Jiraya, Metalder, Jiban,
etc; os Super Sentai - Grupo de guerreiros, em média 5 que apresentavam
cores de uniforme diferentes, ex: Changeman, Maskman, Flashman, etc;
Henshin Heros - heróis que lembram insetos, ex: Black Kamen Rider, Kamen
Rider Black RX, etc.

Tokusatusu é uma palavra que deriva do termo “Tokushu Kouka


Satsuei”, e que se refere a efeitos especiais. Tal referência se dá em
torno da utilização de monstros no cinema e nas produções de
seriados de heróis denominados “live-action” (ação ao vivo),
consistindo em produções que utilizam atores. (PERES, op. cit.,
p.29)
28

Apesar de já existirem produções japonesas anteriormente, a série Os


Cavaleiros do Zodíaco tornou-se um marco na veiculação de produtos japonês
no Brasil, pois devido à excelente aceitação do público, proporcionou a entrada
de outras séries no país, com suas respectivas franquias e variados produtos
que de seus personagens se utilizaram, desde miniaturas de personagens com
armaduras, artigos escolares, até fitas K7 com as versões em português das
trilhas sonoras. Nota-se que além das franquias de produtos relacionados à
série, a obra proporcionou um consumo de mangás de uma forma que pode
ser considerada inversa ao que costumeiramente acontece em seu país de
origem, o Japão,

lá, os mangás de sucesso acabam tendo uma versão em anime.


Esta por sua vez chega aqui e, conforme a aceitação do público,
passa a ser publicada a versão em mangá. Contudo, o processo
começou a mudar, o interesse por parte do público faz com que este
procure novos títulos de mangá, antes mesmo que animês referentes
a estes sejam veiculados na mídia brasileira. (PERES, ibid. p.33)

A partir da veiculação e do sucesso de Os Cavaleiros do Zodíaco junto


ao público infantil, outros animês começaram a ser veiculados pela Rede
Manchete, como Samurai Warriors, Sailor Moon e Shurato, porém nenhum
desses animês conseguiu repetir o sucesso da série. A Rede Manchete de
Televisão obteve altos índices de audiência com o animê Os Cavaleiros do
Zodíaco, e precisava de outra série que possibilitasse a mesma rentabilidade e
aceitação do público, pois havia o interesse de explorar comercialmente
diversos produtos de outra franquia, assim como eram comercializados os
produtos da franquia de Os Cavaleiros do Zodíaco. Somente com a estréia de
Yu Yu Hakusho, em março de 1997, a emissora conseguiu emplacar um animê
com potencial para
ser o “sucessor de CDZ”, que até o mesmo esquema de exibição foi
usado: duas vezes ao dia, de manhã e à tarde, visando atrair tanto a
molecada quanto o público jovem. E a Tikara realmente fez um
trabalho bonito. Da mesma forma que Shurato, Yu Yu ganhou uma
dublagem primorosa e sua abertura e encerramentos foram ao ar
totalmente em português – com arranjos produzidos por Hans Zeh e
sua equipe no estúdio paulista Schema 336. (Site JBox, 2007)

No entanto, a série obteve um retorno diferente do esperado pela


emissora e pela Tikara Filmes, empresa que atuava no licenciamento de séries
japonesas no período entre 1992 a 1998, fundada por Toshihiko Egashira, e
29

detentora de diversas séries de tokusatsus e animês. Yu Yu Hakusho obteve


pouco retorno na área comercial, pois apesar de ter todo um plano de
marketing para o lançamento de um CD com as trilhas sonoras da série,
a Tikara ficou a ver navios por licenciar vários produtos, e ver tudo
mofar nas prateleiras, e a Manchete, que na época já dava seus
últimos suspiros, precisava de algo que atraísse anunciantes
maciçamente, o que não aconteceu. Segundo o próprio Toshi (dono
da Tikara), Yu Yu acabou só dando prejuízo, pois só atraia um
público jovem que não é consumidor potencial e voraz como as
crianças. A coisa foi tão feia que Manchete nem conseguiu pagar a
última leva de episódios. O anime teve pouca repercussão comercial,
a ponto de render apenas uma coleção de bonecos (cujo resultado
final decepcionou até o Sr. Toshi), um game de tabuleiro (ambos
pela Estrela) e uma coleção de artigos escolares (merenderiras e
lancheiras). (Site JBox, 2007)

Apesar do grande sucesso obtido pela série no Japão que, segundo o


Site Jbox (2007), chegou a conseguiu a proeza de chegar aos 18/19 pontos de
audiência naquele país, Yu Yu Hakusho sofreu com uma série de erros de
marketing e de divulgação no Brasil. No entanto, a experiência da Rede
Manchete com produtos japoneses teve grande importância na divulgação e no
lançamento dos seriados de animê, podendo ser compreendido como um
período de desenvolvimento e experimentação de público, e possibilitando
dessa forma, que outras emissoras de televisão começassem a ver os animês
como alternativas rentáveis de audiência.
Um caso de animê que despertou o interesse das grandes emissoras do
país foi o animê Dragon Ball. Desenvolvido por Akira Toriyama, a série de
mangá publicada na revista japonesa Weekly Shōnen Jump a partir de 1986
teve sua adaptação para animê em duas sagas: Dragon Ball e Dragon Ball Z.
Posteriormente teve a produção de uma continuação denominada Dragon Ball
GT, mas que, no entanto, não se baseava no mangá.
No Brasil a veiculação de Dragon Ball teve seu início em 1996, no
programa Sábado Animado. Em 1998 passa a ser veiculada a continuação da
série, Dragon Ball Z pelo canal pago Cartoon Network. No ano 2000, a Rede
Bandeirantes compra os direitos de exibição do animê e passa a veiculá-lo em
TV aberta no programa Band Kids. Em 2002, a rede Globo comprou e exibiu os
153 episódios de Dragon Ball com uma redublagem feita pelo estúdio
de dublagem brasileiro Álamo. Neste mesmo ano, o Cartoon Network passa a
30

última saga do animê, Dragon Ball GT, chegando ao seu fim no ano de 2003, e
que posteriormente também seria veiculado pela Rede Globo.
A marca Dragon Ball no Brasil é administrada no Brasil pela agência de
licenciamento ANGELOTTI – Licensing & Entertainment Business, de
propriedade de Luiz Angelotti, que também detém a marca Os Cavaleiros do
Zodíaco. Em entrevista ao site JBox, Luiz Angelotti fala sobre a sua experiência
com o licenciamento de produtos nipônicos no Brasil, tendo início em 1999,
quando ainda trabalhava na empresa DALICENÇA LICENCIAMENTO. Nesta
entrevista, Angellotti afirma que

em 1996, a série Dragon Ball já tinha sido trabalhada por outro


agente no Brasil e foi um enorme fracasso, trazendo prejuízos a
inúmeras empresas nacionais. Iniciamos em setembro de 1999 com
a estréia de DBZ na BAND. Em 2001 o anime foi transferido para a
Rede Globo e o sucesso permanece até hoje. (Jbox, 2009)

Percebe-se que pelo roteiro de emissoras percorrido pelo animê Dragon


Ball, o fato de ter despertado o interesso da audiência infantil, como também,
em decorrência da receptividade, o interesse comercial das grandes emissoras
do país na veiculação do animê. No entanto, a atuação de empresas
mediadoras, com contratos de licenciamento, nem sempre corresponde ao
esperado, tanto pela audiência, quanto pelas próprias emissoras, ávidas por
resultados que proporcionem contratos de anúncios relacionados à série.
Nesse contexto, devemos entender que a grande oferta de produtos
passou a deixar as emissoras um tanto confusas e até receosas no momento
de escolher o horário da programação que o animê será inserido, pois nem
sempre séries que obtém altos índices de audiência no Japão, conseguem
obter o mesmo no Brasil. Porém, ao se verificar a disputa de emissoras, tanto
canais abertos, como fechados, pode-se considerar a série Dragon Ball, como
também as suas seqüências, um exemplo de produção que deu certo no país,
pois quando a sequência Dragon Ball Z

estreou na BAND, a série teve uma audiência considerável e


despertou a atenção de outras emissoras. A Rede Globo com um
time muito bem preparado, viu na trilogia um potencial que nenhuma
outra emissora tinha visto. Assim, as negociações se iniciaram e hoje
a Rede Globo detém os direitos sobre todos os episódios e longas. A
exibição é mantida desde 2001 e já transforma o Brasil em uma
referência internacional em DBZ e conseqüentemente para a
animação japonesa. (Jbox, 2009)
31

A partir de toda essa seqüência de trocas de emissoras e conseqüente


sucesso obtido pela série no país, pode-se compreender que o esquema de
veiculação de animês no Brasil ainda obedece a uma lógica receosa e bastante
negociada de distribuição. Contrariamente a esta dificuldade de licenciamento,
estão as comunidades de fãs que se organizam por meio da internet para
obterem “direto da fonte” as seqüência dos animês que obtiveram
conhecimento, em sua grande maioria, através das veiculações de canais
abertos. Este esquema de licenciamento obedece a uma proposta pré-definida
para as diferentes regiões do mundo, que segundo site Jbox (2009), é definidas
pelos detentores dos direitos de cada série, com um cronograma de trabalho
para inicio de venda para regiões, como por exemplo: Japão; restante da Ásia;
EUA; Europa; América Latina. Dessa forma, Luiz Angelotti afirma que

o Brasil é inserido em um contexto comercial e temos que seguir


conforme estratégias estabelecidas. Nas feiras internacionais de TV
(Natpe, MipTV, Mipcom, etc.), as séries são apresentadas
oficialmente e as negociações começam. Preço por episódio,
número mínimo de capítulos para venda (para não dividir demais
uma série e perder sua seqüência e características), dublagem,
validade contratual – onde será definido o tempo para veiculação por
determinada emissora e quantas repetições no máximo poderão ter
– e outros pontos que são apresentados às diversas emissoras de tv
do mundo. A partir daí é que um projeto se viabiliza, com os
licenciadores se credenciando junto das produtoras ou agentes.
(Jbox, 2009)

Um caso que desperta o interesse comercial no país, por ser um dos


animês que figura seguidamente no topo das listas de mangás e animês mais
rentáveis no mundo, é a série One Piece. Produzida pela Toei Animation,
estreou no Japão pela Fuji TV em 20 de outubro de 1999, e no Brasil, foi
veiculado pelo canal pago Cartoon Network, com a dublagem da distribuidora
4Kids, dos EUA, e posteriormente pelo SBT, a partir de 2008, no programa
Bom Dia & Cia.
Apesar de ter estreado na liderança no SBT em outubro de 2008,
segundo site Jbox (2008), conseguindo manter uma média de 8 pontos com
pico de 9, One Piece não obteve o retorno esperado no Brasil. Muito da culpa
por não ter conseguido uma boa repercussão foi creditado as cortes e
modificações feitas pela empresa americana 4Kids, que é conhecida por
trabalhar com animês reeditando-os e os modificando para poder enquadrá-los
32

em uma classificação indicativa mais infantil, e em conseqüência disso,


acabava adulterando a história original.
Dessa forma, boa parte da audiência, que já tinha conhecimento do
animê, passou a criticá-lo, devido aos desvios e modificações, tanto na história,
com a retirada de alguns capítulos e a edição de vários em um mesmo
episódio, como a edição de costumes de alguns personagens, como a troca
dos cigarros fumados pelo personagem Sanji por pirulitos, e ainda a troca de
todas bebidas alcoólicas por suco de laranja, desse modo,

apesar de ser um mega-sucesso no Japão, o anime One Piece não


teve muita sorte no ocidente (sobretudo nas Américas), graças ao
trabalho mal feito pela distribuidora 4Kids, que de tanto cortar e
editar, descaracterizou totalmente a série. Por aqui One Piece teve
sua primeira temporada exibida pelo Cartoon Network e mais
recentemente pelo SBT e em nenhum dos casos conseguiu
emplacar. (Jbox, 2009)

Conforme relatos do site Jbox (2009), a americana Funimation, empresa


que produz, comercializa e distribui animês e propriedades de entretenimento
nos Estados Unidos e em mercados internacionais, juntamente com empresas
as japonesas Toei Animation, a editora Shueisha e a TV Fuji, passaram a
disponibilizar os episódios de One Piece na internet, no ano de 2009, com
defasagem de apenas 1 hora, porém, apenas para os fãs dos EUA. Além desta
ação, a empresa norte-americana Viz Media, responsável pelo licenciamento
de vários animês e mangás nos EUA, passou a publicar os capítulos de One
Piece na revista semanal Shonen Jump daquele país em conformidade com os
capítulos da revista Shonem Jump japonesa. Todas estas ações buscam barrar
ações consideradas pirataria digital, para assim evitar perder a massa de
leitores e espectadores que baixam os capítulos mais recentes da série
traduzidos por fãs.
Estas ações que buscam disponibilizar aos fãs os capítulos dos animês
com pouca defasagem da exibição japonesa aparecem como solução para
combater a atuação dos grupos de fansubbing. No entanto, restringe-se
apenas aos Estados Unidos, deixando os demais países sem esta
possibilidade de acompanhar a exibição dos animês de forma legal. Dessa
forma, vemos que na América Latina em geral, a preocupação com a atuação
desses grupos é mínima, pois não existe a preocupação de combater sua
atuação.
33

Aproximando-se do que acontecia com os grupos de fã-clubes após a


década de 1970, a atuação de sites de fansubbing possibilita que os fãs mais
assíduos podem acompanhar as discussões acerca dos personagens junto aos
consumidores japoneses e norte-americanos. Porém não conseguem ter esta
preocupação dispensada pelas empresas produtoras, devido a certo descaso,
como também devido aos problemas de enquadramento de classificação
indicativa, sendo um exemplo ocorrido no Brasil, o caso do animê Yu-Gi-Oh.
Criado por Kazuki Takahashi, o mangá Yu-Gi-Oh foi lançado em 1996
na revista semanal Shonen Jump, obtendo grande sucesso de vendas. No
Brasil, a série foi veiculada pelo canal pago Nickelodeon, pela Rede Globo e
posteriormente pela RedeTV.
Passou a chamar a atenção de autoridades no Brasil, segundo o site do
Centro Brasileiro de Mídia para a Criança e o Adolescente, o MIDIATIVA
(2004), devido a um caso ocorrido no Chile, no qual se suspeita que a morte de
dois meninos, Patricio Mieres, 13 anos, e Camilo Latrach, de 9 anos, estejam
ligadas à rituais copiados dos jogos de cartas associados à franquia Yu-Gi-Oh.
Devido ao caso ocorrido no país vizinho, autoridades brasileiras
decidiram impor restrições à veiculação do anime no Brasil,

em comunicado veiculado no Diário Oficial do dia 27 de janeiro de


2004, o Ministério da Justiça proibiu a Rede Globo de exibir Yu-Gi-
Oh em sua grade infantil matinal, que será reformulada em março. A
decisão do Ministério da Justiça restringe o horário de exibição do
desenho para após as 20h, sendo impróprio para menores de 12
anos, por conter “violência leve”. De acordo com os critérios
estabelecidos pelo Ministério da Justiça, a “violência leve” ou de 4º
grau é aquela em que há cenas de brigas e tiroteios sem que haja
morte. Na animação japonesa há cenas de morte, mas como essas
não são protagonizadas por seres humanos o desenho foi
enquadrado na categoria anterior, como violência grau 3. (Midiativa,
2004)

Considerou-se dessa forma que o animê é prejudicial às crianças


brasileiras, devido ao seu conteúdo compreendido pelo Ministério da Justiça
como pertencente a uma classificação indicativa de adultos. Questionam-se os
critérios de separação entre o bem e o mal, e a forma com a qual as resoluções
de conflitos são realizadas no desenho, baseadas na agressividade e no
confrontamento que resultam na eliminação dos personagens de um jogo
holográfico, comandados por um personagem principal.
34

Para não entrar no mérito de serem válidas ou não as críticas feitas á


produção, pode-se obter como conseqüência desta divergência entre as
empresas de mídia e entidades governamentais, o compreendimento de que a
diferença entre culturas acentua a discordância de conceituação e
entendimento dos conteúdos narrativos direcionados ao público infantil. Ambos
os lados possuem argumentos plausíveis, no entanto na busca por aumentar o
consumo de produtos da franquia, empresas de licenciamento e canais de TV
arriscam a veiculação de animês em horários considerados de grande
audiência do público infantil. Em ambos os casos, One Piece e Yu-Gi-Oh, a
atuação de grupos de fãs no primeiro caso, e de entidades governamentais no
segundo, foram decisivos na relação de medição do sucesso ou fracasso
comercial dos seriados.
Compreendendo-se parte do histórico de veiculação de animês no
Brasil, pode-se propor a idéia de que a valorização do mercado brasileiro pelas
indústrias japonesas ainda é pequena. Em um mercado de consumo global, no
qual cada vez mais as comunidades de fãs possuem voz e capacidade de
interferir na produção de conteúdos de entretenimento, o descaso de atenção
dado a países como o Brasil tende a ser convertido em prejuízo de valores
financeiros, como o encalhamento de produtos, e prejuízos de imagens de
marcas, atribuindo-se descrédito a empresas que atuam de forma contrária ao
gosto dos fãs de uma série em potencial.
35

CAPÍTULO II

GÊNEROS DO DISCURSO ANIMAÇÃO

2.1. GÊNERO DESENHO ANIMADO

No ano de 2003, estreou na TV japonesa um animê intitulado Fullmetal


Alchemist. A história baseia-se no mangá desenvolvido por Hiromu Arakawa
publicado na revista mensal japonesa Shonen Gagan desde Janeiro de 2001.
O lançamento da série na revista Shonen Gagan alavancou o crescimento da
empresa Square Enix, mundialmente reconhecida pelo desenvolvimento de
games (dentre eles a famosa saga Final Fantasy), no ramo editorial de
mangás.
Fullmetal Alchmist surpreendeu o mercado de quadrinhos japoneses
naquele ano por ter atingido altos índices de vendagem, mesmo sendo
publicado em uma revista que possuía pouca expressividade que, no entanto,
comercializou “cerca de 1 milhão de cópias logo na primeira semana de
vendas” (ANMTV..., 2010).
A narrativa da série é desenvolvida em um mundo paralelo no qual a
alquimia foi intensamente desenvolvida pelos governos mundiais,
proporcionando aos seres humanos a capacidade de realizar “trocas
equivalentes”, transmutando matérias por outras formas de igual equivalência.
O ponto inicial da trama é desenvolvido através da tentativa dos irmãos Edward
Elric e Alphonse Elric reviverem sua falecida mãe quebrando o maior tabu da
alquimia: a transmutação humana.
Devido ao conhecimento de alquimia herdado dos livros do pai
desaparecido, Edward e Alphonse conseguem transmutar o corpo da mãe,
porém sem alma. Como conseqüência de seu ato, Edward perde sua perna
esquerda e Alphonse seu corpo inteiro como punição. Então, Edward sacrifica
seu braço direito, trocando-o pela alma do seu irmão e selando-a em uma
armadura.
Após o acontecimento ocorrido no episódio inicial, Edward recebe
próteses mecânicas perfeitas, chamas de “Automails”, e a narrativa passa a ser
36

desenvolvida na busca dos irmãos Elric pela pedra filosofal, que segundo a
crença existente naquele mundo, seria o único instrumento capaz de devolver
os corpos originais aos protagonistas.
No Brasil, a primeira adaptação da obra para animê, com 51 episódios,
foi veiculada pelo canal pago Animax, e pelo canal Rede TV em transmissão
aberta. No entanto, o fato interessante da série situa-se no modo como a
primeira adaptação para o animê, e a história original tomaram rumos
diferentes a partir de certo ponto da saga. Devido a não finalização da série no
mangá, a produção do animê se diferenciou da narrativa desenvolvida pela
autora ao coincidir no mesmo ponto cronológico. Ocorreram modificações
consideráveis ao comparar a narrativa do mangá com a da primeira versão do
animê, chegando-se ao ponto de serem inseridos novos personagens e
suprimidos alguns outros presentes no texto original, além de haver um
desfecho completamente diferente do planejado pela autora.
A diferenciação das histórias não afetou diretamente a audiência no
Japão, pois a primeira adaptação para o animê obteve grande sucesso, porém,
além das diferenças de enredo nota-se que, como no caso de Fullmetal
Alchemist, as produções de animês em geral possuem várias diferenciações
dos textos originais dos mangás quando são adaptados para o formato de
animê. Entendendo ambos os textos como plataformas de mídia que
possibilitam o desenvolvimento de histórias com a mesma base de enredo,
podemos verificar que as discussões do confrontamento entre o texto do
mangá e o texto do animê assemelham-se às discussões que ocorrem acerca
das diferenças de linguagem e de conteúdo ao adaptar best-sellers literários
para o cinema, como por exemplo, as seqüências de O Senhor dos Anéis e
Harry Potter.
A obra de Hiromu Arakawa recebeu uma nova adaptação para o animê,
produzida a partir de 2009, com 64 episódios, intitulada Fullmetal Alchemist:
Brotherhood. Desta vez, foi desenvolvida com base na história original do
mangá, e tendo esse caso como exemplo, pode-se perceber que a
diferenciação na produção de conteúdos para plataformas distintas, em um
ramo que tradicionalmente se baseia em uma seqüencialidade de
transmediação narrativa, além de proporcionar conflitos de interesses
37

comerciais, também resulta em uma metamorfose dos gêneros discursivos


utilizados na adaptação de um gênero para o outro.
Dessa forma, para melhor diferenciar conceitualmente as três instâncias
da narrativa transmídia que serão analisadas neste trabalho, optou-se por
apresentar o conceito de gêneros discursivos, suas diferenciações e utilizações
para as plataformas de produção que serão posteriormente estudadas.
Mikhail Bakhtin (1997) compreendia o enunciado como elemento através
do qual se efetua a utilização da língua. Através do enunciado, as diferentes
esferas da atividade humana são expressas,

o enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de


cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por
seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da
língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas
também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três
elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional)
fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são
marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação.
Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual,
mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1997, p.280)

A variedade de gêneros discursivos, segundo Bakhtin (1997), é infinita,


porque o desenvolvimento de cada esfera da atividade humana vai se
modificando e se ampliando na medida em que ocorrem as relações entre as
diferentes esferas, criando-se novos repertórios de gêneros do discurso que
evoluem conforme o desenvolvimento da esfera fica mais complexo. O autor
afirma que os gêneros do discurso são heterogêneos, sendo a maioria dos
estudos existentes ligados aos gêneros literários, gêneros retóricos e gêneros
do discurso cotidiano. No entanto, nesse ponto Bakhtin apresenta o que
considera a diferença essencial existente entre as classes de gêneros,
dividindo-as em gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso
secundário (complexo).

os gêneros secundários do discurso — o romance, o teatro, o


discurso científico, o discurso ideológico, etc. - aparecem em
circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e
relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística,
científica, sociopolítica. Durante o processo de sua formação, esses
gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários
(simples) de todas as espécies, que se constituíram em
circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. [...] O
romance em seu todo é um enunciado, da mesma forma que a
38

réplica do diálogo cotidiano ou a carta pessoal (são fenômenos da


mesma natureza); o que diferencia o romance é ser um enunciado
secundário (complexo). (Ibid., 1997, p.281)

Dessa forma, os gêneros primários considerados por Bakhtin (1997) são


os tipos do diálogo oral: linguagem das reuniões sociais, dos círculos,
linguagem familiar, cotidiana, etc. Por outro lado, considera como gêneros
secundários os literários, científicos, ideológicos.
Trazendo esta abordagem de gêneros para o campo televisivo, segundo
Machado (2005), a televisão concentra um grande conjunto de eventos
audiovisuais, sendo que cada um desses eventos possui características
singulares, e cada uma dessas características constituem os enunciados
televisivos. Cada enunciado concreto é uma singularidade que se apresenta de
forma única, porém produzido em uma esfera de intencionalidades, de modo
que na televisão, a variabilidade desses enunciados é praticamente infinita.

existem esferas de produção mais ou menos bem definidas, no


interior das quais os enunciados podem ser codificados e
decodificados de forma relativamente estável por uma comunidade
de produtores e espectadores até certo ponto definida. Esses
campos de acontecimentos audiovisuais são herdados da tradição,
mas não apenas da tradição televisual (muitos derivam da literatura,
outros do cinema, ou do teatro popular, do jornalismo e assim por
diante), tampouco esses “replicantes” são assimilados tais e quais,
havendo sempre um processo inevitável de metamorfose que os faz
evoluir na direção de novas e distintas possibilidades. (MACHADO,
2005, p.70).

É de grande importância compreender como se desenvolvem os


enunciados, pois segundo (Machado, loc. cit.) “essas esferas de
acontecimentos – ou diríamos mais tecnicamente: esses modos de trabalhar a
matéria televisual – podem ser chamados de gêneros”. Desse modo os animês
podem ser compreendidos como pertencentes a uma modalidade específica de
produção televisual, pois são produzidos com referência em diferentes gêneros
do discurso, provenientes da mescla de discursos de gêneros primários e
secundários, e seu enquadramento nessa ótica de análise torna possível
classificá-los em uma discussão de gêneros televisivos.
No capítulo anterior, foram apresentadas as séries japonesas pioneiras
na prospecção do público brasileiro. Desde as séries de tokusatsus, nas quais
era recorrente o desenvolvimento de narrativas televisivas baseadas na
utilização de efeitos especiais, com histórias de monstros e catástrofes ao
39

estilo Godzilla, até a série Os Cavaleiros do Zodíaco, marco da introdução


massiva de produtos nipônicos no país, os gêneros televisivos de
entretenimento no Brasil passaram a receber uma nova variedade de
produções.
Para exemplificar de forma mais clara como os animês passaram a se
constituírem como pertencentes a uma parcela das programações televisivas
no Brasil, recorreu-se a Souza (2004, p.19) e seu quadro classificativo dos
gêneros televisivos do país, no qual identificou “37 gêneros e 31 formatos que
compõe os quadros, separados em cinco categorias: entretenimento,
informação, educação, publicidade e outros.”

CATEGORIA ENTRETENIMENTO CATEGORIA INFORMAÇÃO


DEBATE
AUDITÓRIO DOCUMENTÁRIO
COLUNISMO SOCIAL ENTREVISTA
CULINÁRIO TELEJORNAL
DESENHO Animado
DOCUDRAMA CATEGORIA EDUCAÇÃO
ESPORTE EDUCAÇÃO
FILME INSTRUTIVO
GAME SHOW (Competição)
HUMORÍSTICO CATEGORIA PUBLICIDADE
INFANTIL CHAMADA
INTERATIVO FILME COMERCIAL
MUSICAL POLÍTICO
NOVELA SORTEIO
QUIZ SHOW (Perguntas e Respostas) TELECOMPRA
REALITY SHOW (TV Realidade)
REVISTA CATEGORIA OUTROS
SÉRIE ESPECIAL
SÉRIE BRASILEIRA EVENTOS
SITCOM (Comédia de Situações) RELIGIOSO
TALK SHOW
TELEDRAMATURGIA (Ficção)
VARIEDADES
WESTERN (Faroeste)

Quadro 1 - Categorias e gêneros dos programas na TV brasileira.

Ao verificar as divisões do quadro de classificação, pode-se perceber


que a desenho animado pertence à categoria entretenimento, e que a
variedade de gêneros é maior nesta categoria. No entanto, apesar dos animês
serem em sua essência desenhos animados, possuem diferenças pontuais ao
compará-los a desenhos animados de origem ocidental, tanto no que se refere
40

a enredo, pois tendem a ser desenvolvidos seguindo uma linearidade ao longo


dos capítulos, quanto nas características físicas dos personagens e traços de
seus desenhos.
Desse modo, a diferença entre as produções de um mesmo gênero
estão ligadas a idéia de formato, que pode ser entendido como uma
característica que ajuda a definir o gênero, pois segundo Souza (2004, p.45)
“em televisão, vários formatos formam um gênero de programa; esses gêneros
de programa, agrupados, formam uma categoria”.
É importante apontar que ocorreram gradativas transformações,
segundo Souza (2004), no formato e no conteúdo do gênero desenho animado
no Brasil. Os desenhos animados inicialmente eram voltados exclusivamente
para o público infantil, no entanto, para acompanhar o público que cresceu
assistindo desenhos importados de países estrangeiros, inclusive do Japão, as
emissoras passaram a modificar a linguagem e o conteúdo desse gênero para
reconquistar essa parcela de audiência.
Um exemplo desse gênero, segundo Souza (2004), são os animês
veiculados principalmente na extinta Rede Manchete, hoje Rede TV. Apesar de
serem classificadas como desenhos orientais no gênero infantil, havia uma
explicação no boletim de programação salientando que “a projeção da
realidade funciona como via de catarse, o que explica por que os adultos se
tornam fãs dos desenhos japoneses”. (MIRANDA, 1996, apud SOUZA 2004,
p.103).
A audiência dos desenhos animados em geral, nas parcelas de público
adulto, cresce a cada ano. Tendo como referência o estudo das animações
japonesas, podemos citar obras de expressivo sucesso, mesmo não sendo
veiculadas em canais abertos, como por exemplo, os seriados Cowboy Bebop,
Neon Genesis Evangelion, Ghost in the Shell e recentemente Death Note, que
freqüentemente aparecem em citações de fãs adultos de animês como
seriados de qualidade.
Apesar de pertencerem ao gênero desenho animado, estas obras
possuem uma classificação indicativa adequada apenas para o público adulto.
Assim, para poder classificá-las, devemos reconhecê-las como um formato
específico do gênero desenho animado, detentor de características narrativas
que não são adequadas para a audiência infantil. A constatação está no fato
41

desses animês terem sido veiculados somente em canais por assinatura no


Brasil, como HBO e Animax, sempre em horários noturnos.

2.2. NARRATIVAS SERIADAS

Do mesmo modo como foi relatado ao final do capítulo anterior, a


respeito da classificação indicativa, pode-se perceber que as características de
narrativas voltadas para o público adulto não são exclusiva dos animês. Há um
seguimento de desenhos animados norte-americanos, segundo Souza (2004),
classificado como humor trash, tendo como exemplos seriados como Os
Simpsons, Family Guy e South Park. Estes títulos podem ser considerados
parte da nova safra de desenhos animados que surgiu em resposta a parcela
de adultos que cresceram assistindo este gênero televisivo. Desse modo, os
atuais desenhos animados freqüentemente são desenvolvidos em formatos
que as emissoras classificam com a denominação de série,

o que aponta para a principal característica deste gênero quanto a


sua formatação. O gênero é produzido em escala industrial, e
comercializado em pacotes formando uma série de desenhos de
pequena ou média duração (de cinco minutos a meia hora). Os
desenhos de longa duração passam para um formato que é
programado como um especial. Há os que foram produzidos para o
cinema e acabam fazendo parte de pacotes comprados pelas
emissoras. (SOUZA 2004, p.103).

Relacionando dessa forma os desenhos animados, em especial os


animês, com o processo de produção industrial que busca uma continuidade e
conseqüente manutenção da audiência, pode-se entender a questão de um
gênero do discurso televisivo que em seus primórdios era desenvolvido de
forma descontínua, ou seja, sem uma linearidade e um objetivo final de
desenvolvimento de trama, ser produzido atualmente seguindo moldes que se
assemelham aos formatos dos teledramas e novelas.

chamamos de serialidade essa apresentação descontínua e


fragmentada do sintagma televisual. No caso específico das formas
narrativas, o enredo é geralmente estruturado sob a forma de capítulos
ou episódios, cada um deles apresentado em dias ou horário diferente
e subdividido, por sua vez, em blocos menores, separados uns dos
outros por breakes para a entrada de comerciais ou de chamadas para
outros programas. (MACHADO, 2005, p.83).
42

Essa formatação serializada possui diversas variações, porém, segundo


Machado (2005), existem basicamente três tipos principais de narrativas
seriadas na televisão: as narrativas únicas, que seguem uma linearidade
temporal, podendo ou não estar entrelaçadas com narrativas paralelas; as
narrativas que possuem histórias autônomas a cada veiculação; e as narrativas
em que se preserva apenas o espírito geral das histórias ou a temática.
Os três principais tipos de narrativas seriadas encontradas no meio
televisivo são classificados por Pallotini, citado por Machado (2005, p.85),
como: “capítulos os segmentos do primeiro tipo de serialização; episódios
seriados os segmentos do segundo tipo; e episódios unitários as narrativas
independentes do segundo tipo”.
As narrativas seriadas, no entanto, não seguem esta classificação
sempre como regra, pois os três tipos muitas vezes podem estar mesclados,
intercalados conforme uma demanda de audiência e de produção. Um exemplo
do entrelaçamento de modelos de serialização, segundo Machado (2005), está
nas telenovelas brasileiras, pois possuem como característica o
enquadramento no seguimento de capítulos, tendo como padrão um
desequilíbrio inicial principal no primeiro capítulo, que se desenvolve até o
desfecho no capítulo final, mas que, no entanto seguidamente repetem-se as
mesmas situações em diferentes pontos cronológicos da narrativa, com
personagens principais ou secundários, buscando manter altos índices de
audiência. Assim, ao introduzir capítulos com início, meio e fim, e histórias que
se concluem sem manter uma continuidade no capítulo posterior, as
telenovelas podem também apresentar características de episódios seriados.
A similaridade de construção narrativa dos mangás com as novelas está
vinculada ao modo como as animações são produzidas, sendo em sua grande
parte adaptações de mangás de sucesso. Conforme Machado (2005), a forma
narrativa, antes de ser largamente utilizada pela televisão, já existia na
literatura epistolar (cartas, sermões, etc.), nas narrativas míticas, nos folhetins
de jornais, nas radionovelas e nos seriados de cinema.
Considerando-se o contexto nipônico de produção, a tradição de
desenvolver mangás com narrativas seriadas teve seu início, segundo Luyten
(2001, p.104), no ano de 1902, quando Rakuten Kitazawa “criou os primeiros
43

quadrinhos seriados com personagens regulares e esforçou-se pela adoção do


termo mangá para designar as histórias em quadrinhos”.
O desenvolvimento desse formato de produção de mangás iniciado por
Kitazawa teve forte influência de produtos norte-americanos que, segundo
Luyten (2004), a exemplo de seriados para jornais como o Yellow Kid,
publicado em 1896 no jornal New York Word, o autor buscou inspiração neste
tipo de serialização narrativa, em que se podia perceber a utilização de
personagens recorrentes e o uso de balões.
Assim, a absorção intensa de fatores da cultura ocidental no Japão, a
partir do início do século XX, proporcionou o desenvolvimento dos mangás
como narrativas seriadas. A adaptação dos mangás para o que conhecemos
hoje como animês também absorveu o formato seriado de publicação, pois os
mangás sempre saem em períodos semanais ou quinzenais, o que justifica o
seu fracionamento e a conseqüente serialidade.
As similaridades de construção narrativa com as telenovelas, por
possuírem padrões serializados, também pode ser explicada pela recorrência
de temas com os quais os animês são desenvolvidos. Para Luyten (2001,
p.225) “na vasta produção podemos distinguir certos temas recorrentes nos
mangás que tornaram-se animês (e vice-versa) e aspectos novos que
merecem atenção”.
Um dos temas que mais intrigam é a ênfase no sobrenatural, de forma
psíquica ou espiritual. Para Luyten (2001), a visão do mundo sobrenatural nas
narrativas de mangás e animês em sua grande maioria apresenta-se como
algo que deve ser respeitado, que pode ser usado, e em alguns casos até visto
de modo engraçado. Nos títulos voltados para o público masculino, é
recorrente o uso do conceito de Ki, que quer dizer “força”, tendo como exemplo
seriados que seguem a linha de Dragon Ball, Yu Yu Hakusho e Naruto.
Outro tema que figura recorrentemente nos mangás e animês, assim
como nos quadrinhos em geral, segundo Luyten (2001), é o aspecto da
destruição e hecatombe. Neste tipo de temática costumam aparecer o uso de
ficção científica e catástrofes de destruição do planeta e da humanidade. A
explicação dessa recorrência está no fato de o Japão ter sido, em sua história,
um país em que correram freqüentes guerras civis e catástrofes naturais, como
44

também o país a sofrer diretamente com a hecatombe nuclear de Hiroshima e


Nagasaki.
Existem ainda alguns temas freqüentemente abordados em vários
seguimentos, que segundo Luyten (2010), enfatizam características como: a
continuidade do caráter japonês e a hierarquia, devido a um comportamento
fortemente codificado e um considerável grau de autocontrole, como também
um conceito bem rígido de hierarquia e lealdade à variadas instituições; a
questão do sexo, explicada no contexto oriental como modo de extravasar
desejos reprimidos por meio do consumo de mangás e animês, ajudando o
homem adulto a manter seu equilíbrio psíquico; a posição da mulher, que
inicialmente era apresentada em mangás e animês com um perfil de mulher
tímida fraca e submissa, embora com forte força de caráter, passando a
heroínas que buscam cada vez mais relacionamentos de igual para igual com
seus parceiros.
Desse modo, ao conhecer os temas que freqüentemente são
abordados em mangás, que posteriormente se tornam animês, podemos
perceber que estas mídias fornecem histórias cativantes. Elas apresentam
conflitos de caráter individual e existencial, ao abordarem temas que envolvem
a questão do sexo e da posição das mulheres na sociedade, como também
apresentam temas que se dedicam a ênfase no sobrenatural, e dessa forma
exemplificam problemas e aspirações comuns a todos os seres humanos,
como a busca da auto-afirmação social e o desejo de realizar façanhas
heróicas e superar os limites impostos a existência humana.
Ao enquadrar as produções de mangás e animês na abordagem de
gêneros discursivos, podemos perceber a quantidade de influências culturais
com as quais estes produtos são desenvolvidos. Desde conteúdos narrativos
de características extremamente nipônicas, com lendas e mitos daquele país,
até formatos de produção narrativa que seguem um padrão ocidental,
fragmentado em capítulos ou episódios seriados, as produções da indústria de
mangás e animês situam-se em um contexto de hibridismo,

quando um espaço cultural absorve e transforma elementos de


outro, quase sempre uma estratégia por meio da qual culturas
nativas reagem à influência dos conteúdos da mídia ocidentalizada,
apropriando-se deles. (JENKINS, 2009, p.381).
45

E desse modo, as produções nipônicas, além de apresentarem produtos


que confrontam a cultura ocidental e mantém os discursos e a referência nas
tradições daquele país, também passaram a influenciar de forma massiva o
gosto dos consumidores e a produção de desenhos animados em todo o
mundo.
46

CAPÍTULO III

NARUTO

3.1. A HISTÓRIA DE UM NINJA

Ao ser atacado pelo monstro Bijuu Kyuubi (uma raposa gigante de nove
caudas), um vilarejo chamado Konoha vê em seu chefe, o Yondaime Hokage a
única esperança de salvação. Após uma árdua batalha, este homem derrota o
monstro selando seu espírito no corpo do recém-nascido Uzumaki Naruto.
Assim começa a história do seriado Naruto. Em um mundo fictício dividido em
cinco grandes nações ninjas, Naruto, um garoto órfão de pai e mãe, é um
menino que luta para ser aceito pela sociedade, buscando realizar seu maior
sonho: tornar-se o Hokage da vila e finalmente ser reconhecido por todos.
No mundo de Naruto, as vilas mais importantes são as “vilas ninjas
ocultas”, nas quais vivem a elite ninja responsável direta pelo poderio militar de
cada uma das cinco grandes nações. Estes ninjas possuem habilidades
especiais, provenientes de rigorosas seleções desde a infância, nas quais se
ensina o aperfeiçoamento das técnicas em escolas especiais para aspirantes a
ninjas. As habilidades que os alunos devem aprender são divididas em três
categorias: ninjutso, considerada uma “arte ninja” para luta; genjutso,
habilidade ninja para a criação de ilusões; e taijutso, habilidade ninja de luta
corporal (uma referência clara às famosas artes marciais).
Todas estas habilidades são provenientes de uma força sobre-humana
chamada de chacra, que na trama faz uma referência direta à filosofia ioga,
cuja qual o considera como a junção de canais dentro do corpo humano por
onde circula a energia vital que nutre órgãos e sistemas, e que na história, é a
fonte de energia para o desenvolvimento do Ninjutso, Genjutso e Taijutso.
O Universo de Naruto possui, além dessas, muitas outras referências,
tanto à cultura tradicional japonesa, quanto às culturas ocidentais, como na
referência existente no monumento aos antigos líderes da aldeia, os Hokages,
representados por faces esculpidas em uma montanha próxima ao vilarejo,
fazendo clara alusão ao Monte Rushmore, famoso monumento norte-
47

americano esculpido em uma montanha homenageando quatro dos mais


importantes presidentes daquele país.
Existem também outras referências, como a ligação de nomes dados
aos poderes especiais de personagens como Sasuke, que adquire no decorrer
da trama a habilidade de realizar golpes que possuem nomes de deuses da
mitologia japonesa, como Izanagi, Amaterasu e Susanoo.
Fica claro que a construção da narrativa de Naruto baseia-se em
referências, tanto da tradicional cultura japonesa, por tratar-se da história de
um ninja em desenvolvimento e apresentar um universo paralelo em que há
uma mescla do Japão feudal com traços de modernidade, como também a
referência a traços da cultura ocidental com a alusão ao monte Rushmore.
Essa modalidade de referências também pode ser compreendida pelo
perfil do próprio personagem principal, que apresenta características físicas
mais próximas a um de um europeu, de cabelo loiro, pele clara e olhos azuis,
do que com a aparência um japonês, que normalmente é caracterizada por
olhos escuros e cabelos negros.
O processo de construção narrativa que se vale de várias fontes pode
ser compreendido dessa forma como uma tendência no desenvolvimento de
histórias para mangás e animês. Esse traço de construção é identificado em
outras obras de sucesso em mercados ocidentais, como no caso da série Os
Cavaleiros do Zodíaco, na qual se pode identificar uma mistura de elementos
da cultura oriental com narrativas de mitos e lendas ocidentais. Há também
inúmeras referências no sucesso Dragon Ball, segundo Silva (2006), nessa
obra encontra-se a mistura de uma lenda chinesa, que fala da existência de
sete esferas que poderiam invocar um dragão que concedia desejos, com uma
lenda indiana sobre o macaco de pedra Sun Wun-Kun, possuidor de um bastão
mágico e de uma nuvem voadora. No entanto, além dessa mescla de lendas,
Dragon Ball também apresenta referências a elementos da cultura japonesa e
pitadas da visão futurista da humanidade, lembrando filmes de ficção científica.
Esta tendência de desenvolvimento de narrativa baseada em citações e
referências pode ser comparada ao processo de desenvolvimento de filmes
cult, que o para Eco, citado por Jenkins (2008, p.140), é um tipo de filme que é
feito para ser citado, pois é constituído de citações, arquétipos, alusões,
referências retiradas de uma série de obras anteriores.
48

Dessa forma, os textos de mangás e animês, ao possuírem diversas


fontes de referências identificáveis em seus conteúdos, tendem a facilitar o
compreendimento dos fãs, além de oferecerem estímulos para que se
identifiquem com a obra de modo mais rápido com algum dos vários
personagens e continuem a acompanhar a história no capítulo ou revista
posterior.
A partir dessa ótica, podemos entender seriado Naruto como, além de
pertencente a uma franquia de produtos de mídia desenvolvidos como
narrativas transmídia, pois se constituem da adaptação de uma plataforma para
a outra, um produto de características seriadas, desenvolvido na mescla de
gêneros discursivos textuais e televisivos, originários de uma mesma trama.
Segundo artigo da revista Época (2006) o jornal The New York Times
considerou Naruto o melhor animê em exibição nos EUA, pois “Naruto captura
a solidão, os desejos e a exuberância infantis sem dever nada a qualquer
programa americano do momento”. Entendendo nesse contexto que, a
facilidade de acesso a qualquer espécie de produto midiático pela internet
proporciona a divulgação de produtos para qualquer país, Naruto já em 2006
era considerado pela revista Época como um animê de sucesso no Brasil,
mesmo sendo divulgado pela internet, por intermédio de grupos de fãs, e sem
ainda haver um lançamento televisivo, que só veio a acontecer em 2007.
Assim, compreendendo o seriado como um gênero discursivo produzido
para plataformas de mídias distintas e com forte apelo junto ao público
brasileiro, o intuito de pesquisa desse trabalho passa a ser trabalhado neste
capítulo, buscando analisar o processo de transmediação no seriado Naruto a
fim de abordar a convergência alternativa e a participação dos fãs na produção
e distribuição do produto midiático em questão.
Assumindo-se a existência de um confrontamento das expectativas dos
fãs com o material distribuído pela mídia tradicional, torna-se adequada a
utilização do estudo de caso como método inicial de análise para o produto.
Sendo o seriado Naruto um fenômeno de mídia que ultrapassou as fronteiras
do consumo televisivo, a sua inserção em um contexto de realidade de
consumo e participação ativa na internet requer um método que analise
individualidades, ou seja, entidades que se qualificam como objetos.
49

Desse modo, torna-se importante a utilização do estudo de caso,


considerado por Yin (2001, p.32) como “uma inquirição empírica que investiga
um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a
fronteira entre fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde
múltiplas fontes de evidência são utilizadas”. No entanto, o estudo de caso tem
como maior limitação o fato de que fornece pouca base para generalizações
científicas, pois, segundo Bruyne, Herman e Schoutheete (1991, p.224-225)
estudo de caso é uma “análise intensiva, empreendida numa única ou em
algumas organizações reais”.
Então, como técnica de coleta de dados para o estudo de caso será
realizada uma observação de produtos relacionados à narrativa Naruto em
instâncias diferenciadas, realizando uma análise que verifique, no mesmo
ponto cronológico, um determinado capítulo do seriado Naruto: (a) em seu
material primordial (Mangá); (b) em um capítulo veiculado em emissoras de TV
de canal aberto; (c) em materiais colaborativos, produzidos por fãs, que
expressem suas expectativas em relação a este capítulo.
Para esta análise de diferentes instâncias, que compreendem materiais
de empresas produtoras, e de grupos colaborativos, será utilizado o estudo da
Narratologia, que tem o intuito de estudar as narrativas de ficção e não-ficção
(como a História e a reportagem), por meio de suas estruturas e elementos.
Assim, a análise será realizada valendo-se do método de Vladmir I. Propp,
propostos em seu livro Morfologia do Conto Maravilhoso.
Propp apresentar a classificação do herói em contos de magia em sua
obra, o modo como ocorre o processo de construção dos contos ditos
maravilhosos e as variações de tramas mais usuais nas narrativas. Segundo
Propp (1984, p. 25), “o conto maravilhoso atribui freqüentemente ações iguais a
personagens diferentes”, sendo então este o motivo pelo qual se pode estudar
os contos a partir das funções dos personagens.
Segundo Propp (1984, p. 26) “as funções dos personagens representam
as partes fundamentais do conto maravilhoso”, sendo possível através de sua
definição identificar sua uniformidade e sua repetibilidade, pois

para destacar as funções é preciso, primeiro, defini-las. Esta


definição deve ser resultado de dois pontos de vista. Em primeiro
lugar, não se deve nunca levar em conta o personagem que executa
a ação. Na maioria dos casos, a definição se designará por meio de
50

um substantivo que expressa a ação (proibição, interrogatório, fuga,


etc.). Em segundo lugar, a ação não pode ser definida fora de seu
lugar no decorrer do relato. Deve-se tomar em consideração o
significado que possui uma dada função no desenrolar da ação.
(Ibid., p. 26)

Desse modo, o autor desenvolve um método que identifica as funções


de cada personagem nos contos maravilhosos. Propp (Ibid., p. 26) afirma que
“por função compreende-se o procedimento de um personagem, definido do
ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação”. Assim é possível
compreender as ações e funções de cada personagem em termos, pois:

os elementos constantes, permanentes, do conto maravilhoso são as


funções dos personagens, independentemente da maneira pela qual
eles a executam. Essas funções formam as partes constituintes
básicas do conto; [...] o número de funções de contos de magia é
conhecido e limitado; [...] a seqüência das funções é sempre
idêntica; Todos os contos de magia são monotípicos quanto à
construção. (PROPP, 1984, p.27-28).

Segundo Meletínski (1984 p.147), “Propp descobriu que as funções dos


personagens são os elementos constantes e repetitivos dos contos de magia”.
Estes elementos são no total 31 funções: afastamento; proibição e
transgressão; interrogatório e informação sobre o herói; embuste e
cumplicidade; dano (ou carência); mediação; início da reparação; partida;
primeira função do doador e reação do herói; recepção do objeto mágico;
deslocamento no espaço; combate; marca do herói; vitória; reparação do dano
ou carência; regresso do herói; perseguição e socorro; chegada incógnito;
falsas pretensões; tarefa difícil e tarefa cumprida; reconhecimento e
desmascaramento; transfiguração; castigo; casamento.
No entanto, Meletínski (1984, p.147) constata que “nem todas estas
funções estão sempre presentes, mas seu número é limitado e a ordem em
que aparecem no decorrer do desenvolvimento da ação é sempre a mesma”.
Há também as sete classes de personagens, que para Meletínski (Id., p.147)
“se distribuem de determinada maneira entre os personagens concretos do
conto como seus atributos”, sendo eles: o antagonista (ou agressor); o doador;
o auxiliar; a princesa, ou seu pai; o mandante; o herói; o falso herói.
Um ponto interessante da análise de Propp é a operação à qual submete
o texto, fazendo um fracionamento que possibilita a compreensão de cada
passagem em separado, pois
51

todo o conteúdo de um conto pode ser enunciado mediante frases


curtas, como as seguintes: os pais partem para o bosque, proíbem
que os filhos saiam à rua, o dragão rapta a jovem, etc. Todos os
predicados refletem a composição do conto e todos os sujeitos,
complementos e demais partes da oração definem o enredo.

Desse modo, um estudo da composição morfológica da narrativa de


Naruto através do método desenvolvido por Propp torna-se possível, pois sua
narrativa é dividida em sagas que possuem divisões claras e bem definidas, o
que possibilita um fracionamento dos capítulos e uma análise separada de
cada elemento.
Sendo Naruto um produto que pode ser classificado em um gênero
discursivo, conforme as proposições do capítulo anterior, sua análise através
das classificações de Propp é cabível, pois segundo Meletínski (1984, p.150), o
livro de Propp “abre amplas perspectivas para a análise do conto maravilhoso e
da arte narrativa em geral”, sendo que a sua tradução para o Inglês em 1958
rendeu grande repercussão e aceitação das teorias de Propp no meio
acadêmico no ocidente, pois

a obra de Propp, realizada havia já trinta anos, foi recebida como


grande novidade, e utilizada como modelo de análise estrutural dos
textos folclóricos e depois também de outros textos narrativos,
influenciando consideravelmente os trabalhos da semântica
estrutural. (MELETÍNSKI, 1984, p. 150-151).

Portanto, a partir da identificação dos produtos de Naruto em diferentes


plataformas de mídia, valendo-se da narratologia e das categorias conceituais
desenvolvidas por Propp, será analisado separadamente cada um desses três
produtos, os quais fazem referência ao mesmo ponto cronológico da história, e
que se diferenciam por serem produzidos em primeira instância pelos
desenvolvedores, em segunda pelos tradutores de canais abertos, e em
terceira pelos próprios fãs. Assim é possível perceber que a convergência
alternativa ocorre de forma intensa, porém, sem modificar a história original na
transmediação para deste produto midiático.
Partindo para uma análise do conteúdo narrativo, podemos pensar que,
sendo Naruto uma série que se utiliza da narrativa do herói, desenvolvida
através da evolução de uma criança que passa por um árduo caminho cheio de
provações e conflitos existenciais, algumas considerações acerca da
construção desses mitos devem ser apreciadas, visto que no ocidente, existem
52

inúmeros personagens também consagrados como heróis (Batman, Super-


Homem, Homem-Aranha).
No entanto para o contexto nipônico, Sônia Luyten, em seu livro:
“Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses” apresenta uma explicação dos
motivos que levam os japoneses a consumir estes produtos culturais:

os homens têm uma necessidade interna de heróis. Eles são


campeões do bem, restauradores da ordem e praticamente
imutáveis no tempo e no espaço. Povoam um setor privilegiado do
nosso imaginário, governado pela fantasia (LUYTEN, 2001, p.69).

Tentando entender a constituição dos personagens, suas características


de perfil e comportamento, um possível motivo de seu grande apelo junto ao
público segundo Luyten (2001, p. 71) “é porque eles retratam a vida diária e
remetem para esse mundo fantasia. O leitor poderia ser o próprio herói da
história justamente porque ele está próximo da realidade.”
Dessa forma, Naruto será aqui analisado como uma obra que possui um
grande apelo junto ao público, pois devido a um processo de projeção, pois os
consumidores de mangás e animês se identificam com os personagens do
seriado, devido a uma narrativa cheia de referências a lendas e situações que
se assemelham ao cotidiano do espectador, diferentemente das ações dos
heróis pronto, que já nasceram com dons sobrenaturais e não precisam evoluir
durante suas jornadas.
Além da projeção, há também a facilidade de compreendimento deste
formato de produto, desenvolvido de modo seriado, que já foi amplamente
difundido no Brasil e aceito pelo público brasileiro devido às telenovelas,
teledramas e minisséries.

3.2. A ABORDAGEM MORFOLÓGICA

A análise do seriado Naruto será aqui realizada utilizando o


enquadramento de capítulos que enfatizam a realização de uma tarefa difícil
pelo herói, e que posteriormente, devido ao andamento do seriado, se
constituirá como o nó da intriga, pois é o momento crucial de desfecho da
primeira fase da série denominado por diversos sites de fãs como Naruto
Clássico.
53

É importante elucidar que a consideração deste ponto cronológico para a


análise deveu-se pelo material obtido através da consulta ao site Youtube. Na
busca por materiais produzidos pelos fãs que fizessem referência às
expectativas dos mesmos acerca da trama de Naruto. Nessa busca, encontrou-
se o vídeo “Naruto Flash Animation”, detentor de 9130 exibições entre o
período de 29/05/09 a 24/11/2010. O conteúdo deste vídeo consiste em uma
animação produzida por fãs, através do programa de animação gráfica Flash,
sendo produzida, segundo comentários do autor que se apresenta com o nome
de ozzyworld94, em um intervalo de tempo de seis a sete meses.
Dessa forma, o intuído de buscar o confrontamento entre o que fora
produzido por um fã, e os materiais disponibilizados pelas empresas
produtoras, tanto de mangá, quanto do animê dublado, podem nos dar um
panorama da aceitação dos produtos veiculados em meios de comunicação,
como também a expectativa dos mesmos acerca de um confrontamento crucial
da história que a seguir será enquadrado, primeiramente, segundo as
categorias de Propp (1984) inserido na categoria de uma tarefa difícil, mas que,
posteriormente dará um novo rumo à história do seriado, constituindo-se até o
momento de veiculação do seriado como o nó da intriga que proporcionou a
criação da segunda fase da série: Naruto Shippuden, Crônicas de Um Furacão.
Para Propp (1984), o conto maravilhoso possui uma situação inicial
predeterminada. Há a apresentação e contextualização de indivíduos
pertencentes a uma família, que no caso do seriado, seriam indivíduos
pertencentes à mesma vila. Dessa forma o autor afirma que este princípio da
história define a situação inicial. Após a situação inicial, apresenta uma lista de
trinta e uma funções que podem ser identificados nos contos maravilhosos, das
quais utilizaremos como base para enquadrarmos os capítulos que serão
analisados neste trabalho.
54

1. Um dos membros da família sai de casa Definição: afastamento


2. Impõe-se ao herói uma proibição Definição: proibição
3. A proibição é transgredida Definição: transgressão
4. O antagonista procura obter uma informação Definição: interrogatório
5. O antagonista recebe informações sobre sua
Definição: informação
vítima
6. O antagonista tenta ludibriar sua vítima para
Definição: ardil
apoderar-se dela ou de seus bens
7. A vítima se deixa enganar ajudando assim
Definição: cumplicidade
involuntariamente seu inimigo
8. O antagonista causa dano ou prejuízo a um
Definição: dano
dos membros da família
8a. Falta alguma coisa a um membro da família,
Definição: carência
ele deseja obter algo
9. É divulgada a notícia do dano ou da carência,
Definição: mediação, momento de
faz-se um pedido ao herói ou lhe é dada uma
conexão;
ordem, mandam-no embora ou deixam-no ir
10. O herói buscador aceita ou decide reagir Definição: reação
11. O herói deixa a casa Definição: partida
12. O herói é submetido a uma prova; a um
questionário; a um ataque; etc., que o preparam
Definição: primeira função do doador
para receber um meio ou um auxiliar mágico

13. O herói reage diante das ações do futuro


Definição: reação do herói
doador do auxiliar mágico
Definição: fornecimento – recepção do
14. O meio mágico passa às mãos do herói
meio mágico
15. O herói é transportado, levado ou conduzido Definição: deslocamento no espaço
ao lugar onde se encontra o objeto que procura entre dois reinos, viagem com guia;
16. O herói e seu antagonista se defrontam em
Definição: combate
combate direto
17. O herói é marcado Definição: marca, estigma
18. O antagonista é vencido Definição: vitória
Definição: reparação do dano ou
19. Dano inicial ou a carência são reparados
carência;
20. Regresso do herói Definição: regresso
21. O herói sofre perseguição Definição: perseguição
22. O herói é salvo da perseguição Definição: salvamento, resgate
23. O herói chega incógnito à sua casa ou a outro
Definição: chegada incógnito
país
24. Um falso herói apresenta pretensões
Definição: pretensões infundadas
infundadas
25. É proposta ao herói uma tarefa difícil Definição: tarefa difícil
26. A tarefa é realizada Definição: realização
27. O herói é reconhecido Definição: reconhecimento
28. O falso herói ou antagonista ou malfeitor é
Definição: desmascaramento
desmascarado
29. O herói recebe nova aparência Definição: transfiguração
30. O inimigo é castigado Definição: castigo, punição
31. O herói se casa e sobe ao trono Definição: casamento

Quadro 2- Descrição das 31 funções de Propp.


55

Para realizar a análise morfológica dos três materiais disponíveis,


buscaremos enquadrar uma seqüência de ações que se definem no
confrontamento do herói, com um personagem que primeiramente poderia ser
considerado falso herói, mas que posteriormente passa a ser antagonista da
história.
Sobre esse aspecto, deve-se frisar que há certas particularidades de
desenvolvimento de narrativas orientais, pois as motivações que levam os
antagonistas dos seriados japoneses a cometerem crimes ou agirem de forma
contrária aos protagonistas muitas vezes se originam em um trauma de
infância ou em alguma situação de carência devido a ações de terceiros.
Dessa forma, ao analisarmos a seguir a ação do personagem Sasuke,
que em muitos quesitos pode ser considerado superior ao protagonista da
história, Naruto, veremos que suas atitudes frente ao grupo e ao vilarejo ao
qual pertence passam a caracterizar o desenvolvimento de um antagonista, o
qual sofreu uma transfiguração de caráter devido à sua busca por respostas
pela morte de sua família e todo seu clã, os Uchiha, pelas mãos de seu irmão
mais velho Itachi, um ninja tido como renegado e procurado pela chacina do
próprio clã.
Para especificar melhor a situação, Sasuke é considerado um menino
prodígio, possuidor de uma linhagem sanguínea ímpar, e usuário de uma
técnica ocular de luta que só pode ser obtida através de herança genética, o
Sharingan. Esse personagem é alvo da cobiça de um ninja também renegado,
chamado Orochimaru, que através de técnicas proibidas de transferência de
alma deseja prolongar sua existência possuindo corpo de Sasuke.
Ao descobrir que Sasuke era o único sobrevivente do clã Uchiha na vila
Orochimaru infiltrou-se nos exames de avaliação final da academia de ninjas, o
exame Chunnin, conseguindo chegar até Sasuke através de uma emboscada e
tentando persuadi-lo a abandonar a vila da folha com a oferta mais poder e a
possibilidade de concretização de seu desejo de vingança contra seu irmão
Itachi.
Assim, Orochimaru passa a Sasuke, através de um veneno inserido por
uma mordida em seu pescoço, o poder do selo amaldiçoado, que aos poucos
começava a consumir seu corpo, e trazer a tona todo seu ódio e sua busca por
vingança. Desse modo, ao orquestrar um ataque à Konoha em meio à etapa
56

final do exame Chunnin (exame de graduação dos ninjas da academia para o


nível intermediário de Chunnin) Orochimaru enfrentou e matou Hiruzen
Sarutobi, o Sandaime Hokage, pois este era uma barreira poderosa contra as
suas intenções de possuir corpo de Sasuke. Sarutobi havia sido mestre de
Orochimaru quando este ainda era um ninja de Konoha, e era odiado por ele
pelo fato de, ao invés de escolher Orochimaru, ter escolhido Minato Namikaze
como quarto Hokage, homem que derrotou e selou a Kyuubi (raposa de nove
caudas) no corpo de Naruto.
De forma simplificada, fez-se aqui um resumo dos fatos que levaram o
personagem Sasuke até o ponto cronológico da história que será analisado.
Fazendo o contraponto com herói, Sasuke sempre foi alguém com quem
Naruto rivalizava, pois este era o aluno mais prodigioso da academia, ao
contrário de Naruto, considerado um moleque atrapalhado e arruaceiro, que
vivia pregando peças e fazendo traquinagens, mas que, no entanto, era um
garoto solitário que buscava uma forma de chamar a atenção para si, devido à
solidão e ao ódio que os cidadãos de Konoha tinham por Naruto ser possuidor
do espírito da Kyuubi selado em seu corpo.
Ainda existe uma situação atenuante para a disputa pessoal de Naruto
com Sasuke, pois ambos foram companheiros de equipe 7, um grupo formado
para a realização de tarefas ninjas, pré-requisito para o desenvolvimento das
habilidades ninjas em equipe. Essa equipe tinha também a presença de Sakura
Haruno, personagem feminina que pode ser, de certa forma, compreendida nos
termos de Propp (1984) como a princesa, e Kakashi Hatake, Jounin (classe
inferior apenas ao Hokage) líder e tutor da equipe 7, como também um dos
ninjas mais experientes de Konoha.
Kakashi pode ser enquadrado na categoria que Propp (1984) define
como doador, pois é responsável por ensinar técnicas à Naruto, como também
a Sasuke e Sakura. Neste quesito, ainda existem personagens que exercem
papéis fundamentais para o que Propp define como a transmissão do meio
mágico, sendo eles Jiraiya, o Ero-Sennin (Sábio Tarado), que passou a ser o
Sensei (professor) de Naruto para o exame Chunnin, transmitindo-lhe técnicas
e jutsus, também se tornando um doador de meio mágico, Tsunade Senju, que
viria a ser posteriormente a morte de Sarutobi ser a Godaime Hokage (quinta
Hokage), e responsável por ensinar técnicas e passar poderes à Sakura, como
57

também o próprio Orochimaru, que posteriormente é superado por Sasuke, que


aprende todas as suas técnicas, e posteriormente é morto pelo mesmo.
Dessa forma, ao elencar personagens chaves para o desenvolvimento
da trama e o processo de evolução e transmissão de poderes aos personagens
principais, podemos hierarquizar, conforme Propp (1984, p.73), “as numerosas
funções que se agrupam logicamente segundo determinadas esferas”, sendo
que essas esferas correspondem a esses três personagens que realizam as
funções principais: Naruto, Sasuke e Sakura.
Vemos nesta situação que a construção do foco principal da narrativa de
Naruto situa-se em torno de sua busca pela aceitação em um primeiro
momento, que será realizada na segunda parte do seriado, Naruto Shippuden,
pela disputa com Sasuke, através da incessante busca pela superação do
mesmo, que ainda não foi resolvida no estágio no qual o seriado está se
desenvolvendo, como também a tentativa de fazer com que haja uma redenção
de Sasuke, que ele volte atrás em sua decisão de vingar-se do irmão e
abandonar Konoha.
É importante ressaltar que, ao desenvolver a trama na segunda parte do
seriado, Naruto Shippuden, Sasuke confronta seu irmão, e descobre que toda a
chacina do clã Uchiha promovida por ele foi motivada por um segundo vilão
que substituiu o papel de Orochimaru, este homem é Danzou, líder de uma
facção extremista de Konoha que não aceitava o Sandaime Hokage (terceiro
Hokage). Danzou Shimura, que também era o coordenador das tropas AMBU
(esquadrão especial de rastreamento), ordenou a Itachi (que naquela situação
tinha se tornado um agente duplo inserido no esquadrão AMBU para espionar
suas ações, mas que na verdade espionava a própria família) eliminasse o clã
Uchiha para salvar Konoha.
Esta ação ocorreu devido ao fato dos Uchiha estarem preparando um
golpe de estado contra Konoha, e por Itachi ter recordações marcantes da
terceira grande guerra ninja, e dessa forma, desejava a paz, pois sabia que se
os Uchiha concretizassem o golpe, desencadeariam uma nova guerra entre as
grandes nações. Ciente dessa vontade de Itachi, Danzou aproveita-se da
situação e o manipula para realizar seu desejo de possuir mais poder, obtendo
os olhos dos Uchiha com seu Sharingans, e fazendo com que Itachi realizasse
a chacina, tornando-se um ninja renegado.
58

A análise que será feita dos materiais nas instâncias diferenciadas, que
compreendem materiais de empresas produtoras e grupos colaborativos, está
situada em ações anteriores aos fatos relatados no parágrafo acima, porém
está fortemente ligada às motivações que levaram Sasuke (que até o momento
narrativo no qual será feita a análise pode ser considerado um falso herói) a
abandonar a vila de Konoha e ir em busca de mais poder.
Naruto, o herói da história não se conforma com a decisão de Sasuke, e
busca de toda forma impedi-lo de chegar até o esconderijo de Orochimaru,
vindo a enfrentá-lo em um lugar conhecido como Vale do Fim, onde segundo a
lenda de Konoha os dois amigos e fundadores da vila se enfrentaram em uma
batalha épica, Hashirama Senju, o Shodaime Hokage (primeiro Hokage), e
Madara Uchiha decidiram o destino de Konoha e quem seria o primeiro líder da
vila.
Além das conexões históricas e da incrível capacidade de
Masashi Kishimoto desenvolver um universo auto-explicativo e recheado de
referências que levam a motivações de confrontamento sem uma definição
clara da fronteira entre o bem e o mal, a trama de Naruto também apresenta
uma característica que se constitui na tradicional formação de triângulos
amorosos.
Desde os tempos de Academia, Sakura é apaixonada por Sasuke, e
grande parte da motivação de Naruto tentar impedir que o amigo viesse a se
tornar um ninja renegado, estava no fato de Sakura ter-lhe pedido para que
impedisse Sasuke. Mesmo sendo apaixonado por Sakura, Naruto não se
conforma em vê-la triste, tomando a decisão de impedi-lo.
Ao realizar essa contextualização dos fatos ocorridos que motivaram o
capítulo a ser analisado, ainda é necessário apresentar, valendo-se de Propp,
as esferas de ação nas quais os personagens da trama principal atuam. Desse
modo, podemos encontrar, assim como nos contos maravilhosos, as seguintes
esferas de ação:

1. A esfera de ação do ANTAGONISTA (ou malfeitor), que


compreende: o dano (A), o combate e as outras formas de luta
contra, o herói (H), e a perseguição (Pr).
2. A esfera de ação do DOADOR (ou provedor), que compreende:
a preparação da transmissão do objeto mágico (D) e fornecimento do
objeto mágico ao herói (F).
59

3. A esfera de ação do AUXILIAR, que compreende: o


deslocamento do herói no espaço (G), a reparação do dano ou da
carência (K), o salvamento durante a perseguição (Rs), a resolução
de tarefas difíceis (N), a transfiguração do herói (T).
4. A esfera de ação da PRINCESA (personagem procurado) e
SEU PAI, que compreende: a preposição de tarefas difíceis (M), a
imposição de um estigma (J), o desmascaramento (Ex), o
reconhecimento (Q), o castigo do segundo malfeitor (U) e o
casamento (Wº). [...]
5. A esfera de ação do MANDANTE. Inclui somente o envio do
herói (momento de conexão: B)
6. A esfera de ação do HERÓI. Compreende: a partida para
realizar a procura (C↑), a reação perante as exigências do doador
(E), o casamento (Wº). [...]
7. A esfera de ação do FALSO HERÓI, compreendendo também
a partida para realizar a procura (C↑), a reação perante as
exigências do doador, sempre negativa (E neg), e, como função
específica, as pretensões enganosas (L). (PROPP, 1984, P. 73-74)

Comparando a conceituação anterior com enredo de Naruto, podemos


associar alguns personagens com as esferas de ação definidas por Propp. Vale
ressaltar que algumas ações não serão abordadas na análise, pois fora
escolhido um determinado ponto da trama e muitos personagens exercem
funções secundárias que competem a sagas que se intercalam com início,
meio e fim na série. Assim como na abordagem discutida no segundo capítulo,
estas sagas são intercaladas com a trama principal, muitas vezes
desenvolvendo conexões com os fatos ocorridos nessa trama, porém, em
outros casos, sem nenhuma conexão com a trama principal e com o produto
original, o mangá. Este é o caso das chamadas sagas Filer, que são
desenvolvidas apenas para a televisão, exercendo pouca ou nenhuma conexão
com a trama principal.
Dessa forma, os personagens principais, conforme a cronologia dos
materiais a serem analisados, e as esferas de ação a qual pertencem serão
divididos e ordenados no quadro abaixo.
60

ESFERA DE AÇÃO DO Orochimaru: na primeira parte do seriado, Orochimaru


ANTAGONISTA aparece como o principal antagonista da série, causador de
muitas das ações de confrontamento e lutas ocorridas na
saga.
ESFERA DE AÇÃO DO Kakashi: responsável por ensinar jutsus (técnicas) para
DOADOR Naruto, Sasuke e Sakura. No entanto caracteriza-se nesse
primeiro momento por ensinar a Sasuke o jutsu chamado
Chidori, sendo o único jutsu que é de sua autoria e que
possui grande poder de destruição.
Jiraiya: responsável por ensinar a Naruto a jutsu Rasengan
e a técnica de invocação de Sapos, o Kuchyose no jutsu.
Orochimaru: responsável por passar a Sasuke o selo
amaldiçoado que lhe dá uma grande quantidade de poder,
mas que, no entanto causa alterações de personalidade e
afloramento do lado sombrio de Sasuke.
ESFERA DE AÇÃO DO Animais Invocados: através do uso da técnica de
AUXILIAR invocação de sapos, Naruto consegue auxiliares que o
ajudam em batalhas, muitas vezes lutando contra outros
animais invocados.
ESFERA DE AÇÃO DA Sakura: apesar de ser uma ninja com grandes habilidades,
PRINCESA E/OU SEU Sakura será aqui considerada como a princesa que têm o
PAI seu amor em jogo conforme o resultado do confrontamento
entre o Herói e o Falso Herói.
ESFERA DE AÇÃO DO Sandaime Hokage: nesse contexto, Hiruzen Sarutobi pode
MANDANTE ser o considerado nessa esfera de ação por ser o
mandante da busca pelo retorno de Sasuke para Konoha.
ESFERA DE AÇA DO Sasuke: em um primeiro momento, Sasuke pode ser
FALSO HERÓI considerado como Falso Herói da série, pois se sobressai
frente à Naruto, que não possui as mesmas qualidades que
Sasuke. No entanto, Sasuke passa a se constituir, a partir
do confrontamento que será analisado, como um
Antagonista, assumindo dois papéis.

Quadro 3 – Esferas de ações dos personagens de Naruto.

Ao verificar que somente com a análise dos personagens principais, já é


possível identificar todas as esferas de ação que se pode obter em uma
narrativa, no entanto, torna-se importante frisar que a realização de um estudo
morfológico do seriado em um todo seria demasiadamente grande, e não seria
de muita valia para uma abordagem que busca analisar o processo de
transmediação no seriado Naruto, pois o intuito principal do trabalho é abordar
a convergência alternativa e a participação dos fãs na produção e distribuição
deste produto midiático.
Desse modo, com a análise de uma fração da série, que exerce grande
importância para a continuação da trama nas três instâncias a que se propõe o
estudo, podemos obter um retorno válido e consistente, sem deixar de
reconhecer que o universo do seriado abrange uma narrativa com inúmeras
outras tramas secundárias.
61

3.3. CONFRONTO DE DOIS AMIGOS

A análise será realizada primeiramente no material desenvolvido para


mangás, compreendendo o capítulo número 218 do seriado Naruto, intitulado
Companheiros de Konoha. Esta escolhe ocorreu devido ao último material a
ser analisado, pois é produzido por fãs, e faz menção ao episódio em que
Naruto e Sasuke se encontram no Vale do Fim, decidindo a luta que antes fora
interrompida por Kakashi e Sakura no capítulo 175 do mangá, intitulado Naruto
X Sasuke. É importante ressaltar que existe uma diferença na quantidade de
conteúdo que se tem entre o mangá e o animê.
Serão analisadas as funções dos personagens atuantes nos capítulos,
buscando identificar as designações pelas quais Propp (1984) define a ação
dos personagens e identifica a função de cada ponto cronológico da narrativa.
Costumeiramente, o animê consiste em uma união de vários mangás em
um mesmo capítulo. E além dessa junção, por vezes há alguma diferença na
ordem dos acontecimentos para melhor adaptar a história a seqüência
animada, mas, no entanto, devido á constatação advinda do produto feito por
fãs, decidimos nas ater a este capítulo do mangá, e ao capítulo 128 do animê
(dublado para o português) que correspondem ao mesmo ponto cronológico da
produção compreendida como integrante de uma convergência alternativa.

3.3.1. Companheiros de Konoha

Em um primeiro momento, temos a exposição da situação inicial, na qual


a chamada do texto da primeira página do mangá número 218 apresenta a
seguinte afirmação: “desde que os caminhos deles se separaram uma batalha
inevitável passou a esperá-los”.
Na segunda página, temos a idéia de localização espacial, pois os
personagens são colocados em um cenário de proporções grandiosas, sobre
duas estátuas que, por estarem frente a frente, reforçam a idéia de papéis
opostos. Além desta localização, há também o fato de a disposição dos
personagens no primeiro quadro da segunda página remeter à idéia de que
houve uma perseguição, pois conforme o resumo escrito anteriormente, sabe-
se que houve um afastamento do personagem Sasuke de sua vila de origem.
62

Desse modo, tem-se a remissiva dos fatores que geraram esta ação,
reforçando a situação inicial. Este fato remete à segunda etapa, definida por
Propp (1984) como a ação em que um dos membros da família sai de casa,
definida aqui pelo afastamento.
Há ainda nesta figura, a questão da proibição imposta ao herói, que
neste caso pode-se compreender que ao invés de uma proibição caracterizada
pela imposição, conforme Propp (1984, p.32), há a situação em que “uma
ordem pode também desempenhar papel de interdito”. Desse modo seria um
desejo de Sasuke obter mais poder, porém, viria contra os preceitos de sua
aldeia. Há ainda uma situação que pode ser considerada como de dupla
proibição. A primeira seria a que quer impedir Sasuke de deixar Konoha, e a
segunda, busca impedir Naruto de trazer o amigo de volta para a vila devido à
ambição de Sasuke. Temos assim caracterizada a proibição. Esta situação fica
evidenciada na chamada do texto da página 2 que afirma: “chega a hora do
encontro! Como Sasuke vai reagir ao chamado de Naruto?”.

Figura 1 – Página 1 do Mangá 218.


63

Figura 2 – Página 2 do Mangá 218.

Logo após esta situação inicial, há uma seqüência nas páginas 3, 4 e 5,


em que Naruto questiona Sasuke se ele realmente vai fugir. Nas páginas 6 e 7,
Sasuke faz com que Naruto recorde de uma situação anterior ao encontro dos
personagens, na qual Sakura pede a Naruto que traga Sasuke de volta, pois
ele seria o único a ter força suficiente para conseguir dissuadir o amigo.
Sasuke afirma que já havia conversado com Sakura a respeito de sua decisão,
e que não iria voltar atrás.
Dessa forma temos a caracterização da transgressão, e nesse caso
também uma transgressão dupla, pois Naruto foi ao encontro de Sasuke no
intuito de convencê-lo a voltar atrás, e Sasuke proporcionou transgressão de
Naruto devido a sua ação frente àquela situação de não aceitar os limites
impostos por Sasuke.
Vale ressaltar que nesse ponto, segundo Propp (1984, p.33) surge “um
novo personagem, que pode ser chamado antagonista do herói (agressor).” No
entanto, o antagonista não é o personagem Sasuke, embora ele apresente
algumas características similares, mas sim o personagem Orochimaru, que não
64

aparece na seqüência, mas é responsável direto pelo abandono de um


membro da vila, que no caso, é Sasuke.

Figura 3 - Página 6 do Mangá 218.

Figura 4 - Página 7 do Mangá 218.


65

Na página 10, pode-se identificar a questão do interrogatório, situação


na qual se tem como intenção obter uma informação, solicitada através do
questionamento de Naruto: “por que... Sasuke... Por quê? Por que você ficou
desse jeito?”.
No entanto, ao invés de ser um interrogatório no qual o antagonista
procura obter uma informação configura-se no tipo definido como casos
isolados, que segundo Propp (1984, p.32) são neles que “encontra-se o
interrogatório feito por meio de outras pessoas”, que neste caso seria o próprio
herói. Logo após, nas páginas 11, 12, 13, 14, 15 e 16, Sasuke afronta Naruto
afirmando que esforço dos companheiros de Konoha era desnecessário, e que
eles não tinham a menor importância para ele, deixando assim Naruto furioso e
proporcionando um ataque de Naruto a Sasuke. Nesse contexto, vale ressaltar
a posição dos auxiliares do herói, apresentados como companheiros de
Konoha.

Figura 5 - Página 10 do Mangá 218.

Tem-se então na seqüência de páginas 17, 18 e 19, a questão do recebimento


da informação. No entanto neste contexto temos o que Propp (1984, p.34)
define como um “interrogatório invertido, ou de outro tipo.” Desse modo,
66

através da exposição de suas intenções Sasuke deixa claro a Naruto que não
deseja mais estar junto aos companheiros, pois com eles não iria conseguir a
quantidade de poder necessária para realizar seu desejo de vingança contra
seu irmão. Assim aparece o diálogo em que Sasuke indaga Naruto: “eu vou
ficar mais forte por causa desses companheiros?”. Nota-se aqui a forte
oposição de sentimento de Sasuke, e a tentativa de dissuadir o herói a
continuar a segui-lo. Dessa forma, Sasuke apresenta o posicionamento que
tomou, deixando bem claro a sua intenção: “eu vou ficar com o Orochimaru”.

Figura 6 - Página 16 do Mangá 218.

Nesse ponto, podemos achar o que Propp (1984, p.34) entende como uma
tentativa do antagonista de “ludibriar sua vítima para apoderar-se dela ou de
seus bens”, que neste caso seria o corpo de Sasuke e seus poderes
provenientes de sua linhagem sanguínea. Esta atuação ocorre devido ao que
Propp (1984) compreende como uma forma de o antagonista atuar por meio de
fraudes e de coação, além de também utilizar meios mágicos, pois deu a
Sasuke um selo amaldiçoado que lhe dá acréscimo de poderes. Aqui temos a
definição de uma ação ardil. Desse modo, na seqüência do diálogo, Naruto
insiste em dissuadir Sasuke de sua decisão: “Orochimaru foi quem matou o
terceiro e tentou destruir a vila de Konoha! Você acha que ele vai te dar poder
67

sem pedir nada em troca? Ele só quer usar o seu corpo como recipiente para a
alma dele! Você pode não voltar! Você pode acabar morto! Não posso te deixar
ir para um lugar desses!”

Figura 7 - Página 18 do Mangá 218.

Vemos então que há uma conformação do personagem Sasuke que está


sendo ludibriado pelo antagonista, porém, mesmo ciente de que Orochimaru
tem intenções de tomar-lhe corpo, assume o risco devido a suas intenções de
vingança. Aqui, percebe-se, a situação em que o personagem vítima deixa-se
persuadir pelo antagonista, pois segundo Propp (1984, p.35), “a proposta
enganosa e a aceitação correspondente tomam uma forma particular no pacto
ardiloso”, e dessa forma o inimigo percebe uma situação difícil da vítima
aproveitando-se de alguma forma. Assim, podemos ir para a seqüência do
diálogo, no qual Sasuke responde: “eu não ligo. Eu só me preocupo em cumprir
o meu objetivo. Não é minha culpa o fato de você querer ficar no meu
caminho.”
68

Figura 8 - Página 19 do Mangá 218.

Torna-se bem claro que a vítima, Sasuke, está ciente dos riscos que
corre, sabendo de como o antagonista pretende passar-lhe poderes, pois como
afirma Naruto, ele irá querer algo em troca. Confirma assim a questão da
cumplicidade. Porém Sasuke passa a realizar a tentativa de dissuadir Naruto
de tentar impedi-lo, afirmando que não se importa como os antigos
companheiros. Desse modo, inconformado com a afirmação de Sasuke, Naruto
responde: “você não pode fazer isso! Eu vou usar todas as minhas forças para
te levar de volta”.
Podemos perceber dessa forma que a ação de um antagonista
subentendido no texto fez com que um personagem pertencente à trama
principal tomasse rumos diferentes do personagem herói, causando um conflito
de interesses e uma ausência que deve ser reparada. Segundo Propp (1984) o
afastamento, a infração a interdito, a informação, o êxito do embuste são
funções que preparam o nó da intriga, que está ligada a última constatação
deste capítulo e que é a concretização de um dano pelo antagonista.
Esta ação se concretiza devido ao fato de Sasuke estar certo da decisão
que tomou, e mesmo após todo o questionamento e a tentativa de Naruto em
69

persuadir Sasuke do contrário, a decisão estava tomada e o dano assim


concretizado. Este Dano pode ser classificado como aquele em que o
antagonista, segundo Propp (1984, p.36), “faz exigências ou extorsão à sua
vítima”, sendo geralmente uma conseqüência de um pacto. Assim, o capítulo
analisado termina no ponto em que se estabelece o nó da intriga, que ainda
será resolvida e dará a possibilidade de que aconteçam mais ações na
tentativa de o herói restaurar a carência proveniente do afastamento inicial do
personagem Sasuke.

3.2.2. Um Grito Para Ouvidos Surdos

Para esta segunda análise, será utilizado o capítulo 128 do animê


conhecido como Naruto Clássico. Aqui será analisada a narrativa do animê
comparativamente ao que foi relatado na análise do mangá. Compreenderá
uma abordagem mais simplificada, visto que as diferenças serão na quantidade
da narrativa do mangá condensada em um capítulo de animê.
Em um primeiro momento, têm-se a situação espacial de onde ocorrerá
a história. É demonstrado o local no qual Naruto e Sasuke terão seu
confrontamento. Podemos ver que a disposição é análoga ao mangá, porém,
não existe a chamada de texto para o capítulo. Dessa forma, por remissiva aos
fatos explicados anteriormente, temos a situação inicial de um afastamento do
personagem Sasuke, de Konoha.

Figura 9 – Animê Naruto 128 - 1.


70

Passamos então para o segundo momento, no qual será estabelecido o


diálogo entre os indivíduos atuantes da cena. Naruto dessa forma questiona
Sasuke enfaticamente: “Sasuke! Você vai fugir de novo é?”.

Figura 10 - Animê Naruto 128 - 2.

Ao escutar Naruto, Sasuke vira-se e mostra sua face já alterada pela


ação do selo amaldiçoado dado a ele por Orochimaru. Aqui podemos perceber
que Orochimaru além de antagonista, também apresenta o papel de doador,
passando um objeto mágico que proporciona poderes a Sasuke. Assim, ao ser
indagado, Sasuke responde a Naruto: “então é você. O cabeça oca inútil! Ela te
mandou não foi?”.

Figura 11 - Animê Naruto 128 - 3.


71

Aqui se encontra a questão do afastamento, devido à tentativa de


Sasuke de fugir de Naruto, pois tem a intenção de deixar Konoha em busca de
poderes que o ajudarão a realizar seu desejo de vingança.

Figura 12 - Animê Naruto 128 - 4.

Sasuke faz com que Naruto se recorde dos fatos ocorridos após o
primeiro confrontamento que ambos tiveram. Por meio de uma simulação de
recordações, um flashback, Naruto remonta as palavras de Sakura que o
motivaram a ir em busca de Sasuke, a fim de impedi-lo de deixar a vila. Assim,
neste contexto de memórias, Sakura explica a situação a Naruto e faz um
pedido: “eu fiz tudo que eu pude. Eu tentei mas não consegui impedi-lo de
deixar a aldeia. E agora, só tem uma pessoa que vai conseguir impedi-lo. Só
você poderá salvá-lo, Naruto! Tudo depende de você. Naruto, esse é o único
favor que eu vou pedir a você. Traz ele para casa! Traz o Sasuke de volta para
mim!”
Dessa forma, o pedido de Sakura a Naruto configura a situação de uma
proibição transfigurada. Assim como fora relatado no mangá, o pedido de
Sakura se configura em uma ordem, que faz com que o herói saia em busca de
algo que fora perdido, e que nesse caso não deseja voltar.
72

Figura 13 - Animê Naruto 128 - 5.

O diálogo continua, e dessa vez Sasuke afirma a Naruto, assim como já


havia dito à Sakura, que não desejava voltar: “como eu já disse à Sakura.
Acabou! Agora me deixe em paz!”.
Nesse ponto temos a transgressão, que assim como no mangá,
configura-se de forma dupla, pois Sasuke abandona a vila, e Naruto sai em
busca de Sasuke devido a uma ordem compreendida com uma proibição
transfigurada, pois as conseqüências serão de igual valor. Para melhor
compreender esta constatação, vemos que Propp (1984, p.32) afirma em um
exemplo que “ao ordenar às crianças irem ao campo ou à mata, a execução
desta ordem terá as mesmas conseqüências que a desobediência à proibição
de ir à mata ou ao campo”, e desse modo, podemos comparar á um
ordenamento que tem conseqüências de igual valor a uma proibição.
Neste trecho, Sasuke incita raiva em Naruto com risadas de deboche,
fazendo pouco caso dos sentimentos dele e dos de Sakura, perguntando a
Naruto: “olha para você, porque essa cara de nervoso?”. Neste momento,
Naruto recorda da sua rivalidade com Sasuke, de como sempre desejou
superá-lo, o modo como enfrentaram muitas batalhas juntos, e também como,
com o passar do tempo, tornaram-se amigos. Desse modo, Naruto faz novos
questionamentos de forma enfática a Sasuke: “por quê? Por que esttá fazendo
isso com a gente? Sasuke. Eu não entendo. O que fez você ficar assim? Por
que você está fazendo isso?”. Aqui temos a situação na qual se procura obter
uma informação em resposta ao interrogatório, que neste caso, é realizada
pelo herói, e não pelo antagonista, pois se trata de um caso diferenciado.
73

Figura 14 - Animê Naruto 128 - 6.

Questionado por Naruto, e descontente com a situação em que se


encontra, Sasuke responde as perguntas de modo também enfático e
questiona Naruto sobre as motivações que o fazem se importar tanto com a
vida e o caminho que ele escolheu seguir: “por que você se importaria com o
que eu faço? “É problema meu. Não seu! Eu tenho meu próprio caminho para
seguir agora, e nem você, nem ninguém vai poder me desviar dele! Eu só vou
dizer isso: meus dias de brincar de ninja com vocês, garotos da aldeia da folha,
se acabaram!”
Naruto, novamente por meio de flashbacks, recorda de todos os
companheiros que lutaram contra os subordinados de Orochimaru, e que se
empenharam para proporcionar com que ele chegasse até Sasuke para tentar
salvá-lo. Nesse ponto novamente temos a exposição da questão dos auxiliares
do herói, responsáveis por levá-lo até o local onde acontece a ação.
74

Figura 15 - Animê Naruto 128 - 7.

Após a recordação, Naruto questiona Sasuke sobre a importância


desses companheiros para ele, através do diálogo: “todos, todos arriscaram
suas vidas. E por quê? Para salvar você!” Desse modo, fica indignado com a
resposta contrária ao que esperava ouvir de Sasuke, indo então atacá-lo após
ouvir as palavras de desdém pronunciadas por ele: “bom, não foi gentileza
deles?”.
Naruto então recorda o empenho dos companheiros em tentar resgatar
Sasuke, e na seqüência ataca-o antes que ele pudesse se afastar, pois não
concorda com o posicionamento dele em relação a esses companheiros que
arriscaram a vida. Assim ao se aproximar de Sasuke, Naruto grita: “parado aí!
Você vai me dizer que seus companheiros arriscaram suas vidas por nada?”.
Naruto então desfere um soco no rosto de Sasuke, expressando seu desgosto
com aquela situação, além de tentar usar da força para persuadir Sasuke a
recuar em sua decisão.
75

Figura 16 - Animê Naruto 128 - 8.

Aqui, Sasuke confirma sua decisão de abandonar a vila, deixando bem


claro a Naruto que seguirá Orochimaru, sabendo de todos os riscos que corre.
Desse modo, vemos que assim como no mangá, a ação do antagonista em
enganar a vítima, para apoderar-se de seu corpo foi bem sucedida, quando
Sasuke afirma: “meus companheiros, não é? Se eu ficasse com companheiros
como você, eu não teria ficado tão forte! Agora estou indo me encontrar com
Orochimaru”.
Vemos dessa forma que a vítima se deixa enganar conscientemente
pelo antagonista, devido ao desejo de poder. Então, agindo por meio da
persuasão e do oferecimento de um meio mágico para a vítima, Orochimaru
consegue atrair Sasuke para o seu lado.
Aproveitando-se da situação na qual a vítima se sente atraída pela
possibilidade de concretizar sua vingança com o auxílio de poderes cedidos
pelo antagonista, têm-se a confirmação, segundo Propp (1984) de um acordo
obtido à força, pois o selo amaldiçoado que Orochimaru deu a Sasuke, foi-lhe
entregue por meio de uma mordida no pescoço da vítima.
Assim, nesta seqüência, temos a confirmação da ação ardil, baseada em
uma ação persuasiva do antagonista, como também a confirmação da ação de
cumplicidade da vítima, deixando-se levar pelas ofertas do antagonista.
Na seqüência, Naruto volta a questionar Sasuke, direcionando-lhe
perguntas e afirmações sobre ações negativas das quais Orochimaru já havia
realizado e afirmando que Sasuke não tem condições de escapar das garras
do antagonista quando estiver em seu covil: “você enlouqueceu? Orochimaru
76

matou o terceiro Hokage e fez tudo para destruir a aldeia da folha! Não importa
o que esteja esperando dele, acha que ele dará isso de graça para você? Tudo
que ele quer é usar o seu corpo como uma roupa nova! Não sobrará nada de
você. Você nunca sairá de lá vivo! Você acha mesmo que eu vou ficar parado e
deixar você se destruir desse jeito?”.

Figura 17 - Animê Naruto 128 - 9.

Sasuke retruca Naruto, afirmando estar consciente da situação e


deixando claro dessa forma a existência do dano sofrido pela equipe 7, e
também Konoha, pois confirma-se a perda de Sasuke para Orochimaru: “nada
disso importa agora. Tudo que importa pra mim é alcançar o meu objetivo! Se
você insistir em ficar no meu caminho, bom, então não tem outro jeito”.
Ao constatar a existência do dano, vemos que nesse ponto, tem-se a
confirmação do que Propp (1984) apresenta como a questão do nó da intriga.
Chega-se então, comparativamente ao capítulo do mangá, ao fim do ponto
cronológico analisado anteriormente. Vale constatar que logo em seguida,
temos o confrontamento mais intenso de Naruto e Sasuke, a afirmação de que
Sasuke sente-se contente com o poder que recebeu, e também a recordação
de ambos do confrontamento anterior.
O episódio termina com uma retrospectiva das motivações que levaram
ao embate entre Naruto e Sasuke naquele local, repetições dos diálogos
importantes dando ênfase na decisão de Sasuke, terminando com a chamada
do próximo episódio. Pode-se perceber desta forma que ambos os produtos,
tanto animê como mangá, possuem construções similares, variando apenas a
77

quantidade de diálogos, conforme a interpretação do dublador, além da


seqüência de ações, que pode se alterar em alguns momentos. A seguir, será
analisado o material produzido por fãs, buscando perceber se há uma
similaridade de construção.

3.2.3. Naruto X Sasuke: Uma Batalha de Fãs

Remetendo a uma atmosfera de videogame, o vídeo “Naruto Flash


Animation” traz em seu conteúdo uma visão de um fã, identificado no próprio
vídeo como Ozzy Wallace, de como seria o embate entre Naruto e Sasuke.
Neste vídeo, o autor expõe a questão do confrontamento e das motivações que
levaram estes personagens criados por Masashi Kishimoto, a se confrontarem,
segundo um diálogo de sua autoria.
A análise deste conteúdo estará situada no posicionamento do fã,
conforme o diálogo criado para ilustrar um trabalho desenvolvido entre o
período de dezembro de 2008 a maio de 2009. Apesar de ser um vídeo
produzido na língua inglesa, fora realizada uma tradução do diálogo para
proporcionar o compreendimento da seqüência e a realização a análise.

Figura 18 – Animê Fan - 1.

Em um primeiro momento, é estabelecida a localização de onde os


personagens irão se confrontar. A paisagem trabalhada apresenta
características semelhantes às localidades analisadas nos materiais anteriores.
78

Assim, temos o diálogo em que o personagem Sasuke fala: "Naruto, esta será
a última vez que lutamos. Eu mal posso esperar para ver o seu jeito ninja”.

Figura 19 – Animê Fan - 2.

Aqui, podemos perceber o posicionamento de Sasuke, tomando a frente


do diálogo, estando dessa forma em situação oposta aos materiais analisados
anteriormente. No entanto, a situação inicial caracteriza-se ainda pelo
afastamento do personagem Sasuke, devido à localidade em que estão se
confrontando, pois esta possui traços similares ao Vale do Fim. Há ainda neste
ponto, a afirmação de Sasuke de que será o último confronto entre os dois,
diálogo também encontrado nos outros materiais. Em seguida, Naruto retruca o
questionamento de Sasuke: “Cala a Boca! Eu não vou deixar você ganhar ou
juntar-se ao lado do mal de Orochimaru. Eu vou quebrar todos os ossos do seu
corpo antes deixar você se juntar à sua equipe”.
Neste trecho é possível perceber o reforço de que o posicionamento do
antagonista Orochimaru está presente no diálogo, e dessa forma refere-se ao
contexto original de embate dos dois personagens. Aqui podemos perceber a
questão do afastamento de Sasuke, o membro da vila que a está deixando.
Sasuke responde a Naruto afirmando: “é isso mesmo!”. Desse modo, a
transgressão se define por Sasuke ir contra a vontade de Naruto em continuar
do lado do bem, o lado de Konoha. Na seqüência, Naruto questiona novamente
Sasuke: “Por que você mudou?”. Neste trecho então podemos perceber a
busca de uma informação, definido como interrogatório. Assim como nos
79

materiais produzidos para mangá e animê, o questionamento é realizado por


outra pessoa sendo o herói da história.

Figura 20 – Animê Fan - 3.

O recebimento da informação provém do diálogo no qual Sasuke explica


a Naruto porque motivo ele mudou: “porque eu não ganhei nenhum poder
lutando junto a equipe 7. É por isso que gostaria de me juntar a Orochimaru,
para ganhar o poder que eu quero”.
Vemos que neste caso não há a ação ardil, na tentativa de ludibriar a
vítima. Mesmo ocorrendo um diálogo parecido com a afirmação do lado mal de
Orochimaru, que nos outros materiais se configura como o antagonista, a
questão que se coloca é o confrontamento dos personagens do vídeo, estando
a ação de um antagonista não exposto na história deixada em segundo plano,
sem afetar o resultado da história produzida pelo fã.
Dessa forma, entendendo o material como até certo ponto isolado de um
contexto de continuidade, também não é possível identificar a situação de
cumplicidade, pois o herói não é persuadido e nem enganado pelo antagonista.
Mesmo se fosse entendido, neste contexto, o personagem Sasuke como o
antagonista, a ação de um personagem como Orochimaru só é compreendida
por fazer referência ao produto original, e não a uma historia desenvolvida por
um fã, buscando o entretenimento.
Assim, o nó da intriga já poderia ser identificado desde o início onde a
situação de dano pode ser associar com a questão que Propp (1984, p.37)
80

afirma ser o ato em que se “declara guerra”, sendo este um tipo de dano
limitado a poucos contos dos quais ele analisou, e a única variação de dano
que podemos identificar no material.
Os personagens confrontam-se, mas, no entanto, não há uma
indefinição clara do vencedor. Assim, ao final da história tem-se a promessa de
cada um dos personagem em derrotar o outro, sem haver uma definição de
preferência. Desse modo a história do vídeo chega ao fim com uma chamada
ao estilo de videogames, incentivando o espectador a escolher um vencedor.
Por fim, em uma referência ao produto original, expõe-se neste vídeo o
nó da intriga do seriado Naruto como um todo, pois no presente momento de
desenvolvimento da saga ainda não foi resolvida a questão do afastamento do
personagem Sasuke da vila de Konoha.

Figura 21 – Animê Fan - 4.


81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, buscamos compreender, no primeiro capítulo, o


percurso no qual animê Naruto se enquadra em uma abordagem de uma
narrativa transmídia, dando ênfase para a atuação da convergência alternativa,
exemplificando o modo pela qual este processo vem crescendo na produção de
entretenimento no mundo, e como, de forma gradual, vem sendo inserindo no
mercado brasileiro. Assim, ao verificarmos alguns casos que configuraram
conteúdos exibidos no país, pode-se perceber como ocorre o processo de
veiculação desses produtos em canais abertos.
No segundo capítulo fora analisado o modo como estes produtos se
configuram como gêneros discursivos, de modo que foram enquadrados na
discussão de pertencimento a um gênero do discurso televisivo voltado para o
entretenimento. Nesse sentido, também fora associado o desenvolvimento dos
animês ao estilo de produção de entretenimento em narrativas seriadas,
possuindo uma similaridade aos produtos de teledramaturgia veiculados no
Brasil.
Já em no terceiro capítulo, fora apresentado objeto de pesquisa, com
uma discussão acerca de seu conteúdo narrativo. Dessa forma buscou-se aliar
um resumo da história, para então associá-lo à teoria Propp, que visa estudar
contos do ponto de vista narratológico, delimitando as ações de cada
personagem segundo funções estabelecidas em sua obra.
A partir dos resultados obtidos através da análise comparativa dos
produtos originais com os de cultura participativa, podemos perceber que a
ação de identificação das funções dos personagens, conforme proposto por
Propp (1984), limita-se ao ponto em que se estabelece ao nó da intriga nos
materiais produzidos pelo autor, Masashi Kishimoto. Esta constatação provém
do fato de os capítulos do mangá e animê serem uma fração do seriado como
um todo, impossibilitando uma conclusão da história.
Assim, podemos identificar nos materiais produzidos por Kishimoto, as
funções de afastamento, proibição, transgressão, interrogatório, informação,
ardil e cumplicidade. Estas funções fazem parte de um momento de
preparação da história, pois introduzem a função do dano que está ligado ao nó
82

da intriga. No entanto, no material alternativo, estas funções são apresentadas


com alguma modificação, o que ajuda a constatar que houve uma apropriação
dos personagens e da trama do seriado, caracterizando uma (re)significação
de uma visão particular do produto original.
Ao verificar as funções dos personagens nos capítulos selecionados, e
compará-los ao produto originado em uma convergência colaborativa, vemos
que há uma proximidade com as motivações, nas quais, segundo Propp
(1984), apresenta-se as razões e objetivos dos personagens que os levam a
realizar alguma ação. Assim, podemos entender que as ações de cada
indivíduo, podem ser expressas pelo seu comportamento na história, pois

é na maior parte dos casos, motivado pelo próprio desenvolvimento


da ação, e somente o advento do dano ou carência, função primeira
e fundamental do conto, exige alguma motivação complementar.
(PROPP, 1984, p.68).

Podemos então perceber que a análise das funções dos personagens na


história de Naruto em um comparativo, tanto dos materiais produzidos pelo
autor da série, quanto do material produzido pelo fã, apresenta motivações que
se assemelham e dão a entender que a apropriação de personagens de uma
série conhecida, para ilustrar uma visão particular de um fã dessa série em um
material produzido para uma convergência colaborativa, promove o processo
de recebimento favorável da audiência desse produto midiático, pois como um
produto (re)significado, configura-se como uma forma de homenagem à história
desenvolvida por Kishimoto.
Então, à medida que o mangás e animês se constituíram como produtos
de entretenimento direcionados a seguimentos de públicos específicos, as
parcelas de audiência para estes produtos em canais abertos de televisão em
nosso país foram se alterando e se adequando ao produto que estava sendo
exibido. No entanto, devido à deficiência de algumas emissoras em
proporcionar uma continuidade na seqüência de alguns títulos, junto ao
crescente uso da internet, a tendência do público volta-se para o
acompanhamento das histórias junto ao que está sendo produzido em seu país
de origem, recorrendo a sites de grupos de fanssubing.
Parte dessa situação provém de uma compreensão indevida da
classificação indicativa animês no Brasil, pois a divergência entre o que as
83

empresas licenciadoras almejam lucrar com os produtos relacionados às


franquias, e as expectativas da audiência sobre a manutenção da qualidade e
da fidelidade á trama original fazem com que a atuação de grupos de
fanssubing obtenha bastante relevância no país.
Existe dessa forma um interesse dos fãs sobre este produto, na medida
em que se pode perceber um processo de identificação com os personagens
do seriado, tendo no vídeo “Naruto Flash Animation” a exemplificação da
apropriação e (re)significação de uma passagem crucial da história, o que
podemos analisar como uma diferença de gênero discursivo, entre o produto
original e o material alternativo, que fora proporcionada por esta apropriação
dos personagens e do universo do seriado para produção de uma visão
pessoal de um fã sobre suas expectativas a respeito do nó da intriga
estabelecido nos capítulos analisados.
Podemos então concluir que a atuação dos fãs no processo de
(re)significação dos animês interfere de modo parcial nas decisões de
produção do conteúdo do animê Naruto. Devido ao estudo da composição
morfológica, analisando as funções do herói no seriado, podemos identificar
que estas funções possuem traços em comum nos materiais originais com o
alternativo, tendo estes um padrão de construção aproximado ao modo como
se constituem os contos de magia, e dessa forma podemos entender que essa
modalidade de seriados, é influenciada por uma lógica de construção
semelhante à modalidade de contos, exercendo influência positiva na audiência
de uma narrativa seriada de caráter convergente.
84

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