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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

Júlia Delgado Bourdoukan

IDENTIFICAÇÃO COM PERSONAGENS DE ANIMES


E MANGÁS

SÃO PAULO - SP

2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

Júlia Delgado Bourdoukan

IDENTIFICAÇÃO COM PERSONAGENS DE ANIMES E


MANGÁS

Projeto de Pesquisa elaborado para uso no


Trabalho de Conclusão de curso de Psicologia
da Faculdade de Ciências Humanas e da
Saúde da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo sob a orientação da Professora
Doutora Ivelise Fortim de Campos

SÃO PAULO - SP

2022
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família e toda a força que me ofereceram ao longo desta


jornada. Em especial, meu pai, que me presenteou com livros ao longo do ano passado.
Meus olhos agradecem.

Agradeço aos meus amigos, que ouviram minhas reflexões, dúvidas e ansiedades
ao longo do caminho, apesar de mal entenderem sobre o que eu estava falando.
Giovanna, Eduarda, Julio, Claudio, e todos que se interessaram minimamente pelo
tema, eu agradeço, e sem vocês eu não estaria aqui.

Às minhas amigas da faculdade, Bianca, Clara, Isa, Nath, Laura, Ju, Bruna,
Sofia e Livia também agradeço. Por estarem passando pelo processo ao mesmo tempo
que eu, não havia ninguém melhor do que vocês para desabafar, pedir ajuda, dar e pedir
forças. Em especial, Laura, a amiga sem a qual eu não me formaria neste curso, com
toda a certeza.

Agradeço aos professores que me inspiraram ao longo dos anos e me fornecerem


o arcabouço teórico suficiente para simplesmente ser capaz de pensar no tema do
trabalho. Com muito destaque, agradeço Ivelise Fortim, minha orientadora, quem
admiro extremamente e com quem tenho as intersecções de interesses necessárias para
que o trabalho viesse a realidade.

Agradeço aos meus primos Andrew e Matheus, que me levaram ao caminho de


fã de animes e mangás, atualmente uma das minhas maiores paixões e que me inspirou a
adquirir uma gama de novos interesses, hobbies e habilidades. Sem vocês, este trabalho
definitivamente não existiria.

Por fim, agradeço os participantes da pesquisa, que demonstraram interesse


genuíno pela pesquisa e uma abertura ao processo que possibilitou o aparecimento de
diversos materiais interessantes. Agradeço pela confiança, pelo tempo, pelo interesse, e
pelo apoio. Em especial, agradeço ao meu professor de japonês, que foi um apoiador
essencial.
RESUMO

A presente pesquisa pretende explorar a influência que a identificação com personagens


de animes e mangás tem sobre a construção da persona e da identidade, conceituados
com base na psicologia analítica de Carl G. Jung. Além da teoria junguiana, foram
utilizados conceitos da psicologia da mídia e estudos de mídia, para uma compreensão
mais abrangente do fenômeno. A identificação é um processo importante para o
crescimento e desenvolvimento do ego, e procura-se entender como este conceito se
estende para além das relações interpessoais, levando em consideração as relações
parassociais. A grande variedade de personagens oferecidos pelos animes e mangás
tornam este meio um excelente instrumento de estudo para compreender quais são os
motivadores destas identificações. Através de entrevistas semiabertas com jovens
adultos, buscou-se apreender o máximo do processo de identificação consciente e
inconsciente que eles estão vivenciando e vivenciaram, e quais suas relações com as
mudanças na personalidade deles.
Palavras-chave: identificação; animes e mangás; psicologia analítica.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6
2 OBJETIVOS ............................................................................................................................. 8
2.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................... 8
2.2 OBJETIVO ESPECÍFICO ................................................................................................... 8
3 ANIMAÇÃO JAPONESA E MANGÁS........................................................................................ 9
3.1 Animes e mangás no Brasil.......................................................................................... 12
4 DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE ................................................................................. 16
5 EXPOSIÇÃO À MÍDIA ............................................................................................................ 24
6 IDENTIFICAÇÃO ................................................................................................................... 30
6.1 Identificação com personagens midiáticos ................................................................. 32
7 HISTÓRIAS E PROCESSOS INCONSCIENTES .......................................................................... 35
8 MÉTODO .............................................................................................................................. 37
8.1 PARTICIPANTES ........................................................................................................... 38
8.1.1 Tamanho da amostra .......................................................................................... 38
8.1.2 Seleção da Amostra ............................................................................................. 39
8.1.3 Critérios de Inclusão ............................................................................................ 39
8.1.4 Critérios de Exclusão ........................................................................................... 39
8.2 INSTRUMENTOS .......................................................................................................... 39
8.2.1 Duração e Sequência de aplicação de instrumentos .......................................... 39
8.3 LOCAL DE COLETA DE DADOS...................................................................................... 39
8.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE DADOS .................................................................... 39
8.5 CUIDADOS ÉTICOS ....................................................................................................... 40
8.6 RISCOS ......................................................................................................................... 40
8.7 BENEFÍCIOS .................................................................................................................. 40
9 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ................................................................................................. 42
9.1 Identificação instantânea ............................................................................................ 42
9.2 Identificação com aspectos positivos dos personagens ............................................. 44
9.3 Identificação com aspectos negativos ........................................................................ 45
9.4 Identificação com o contexto do personagem............................................................ 46
9.5 Personagens como modelo e inspiração..................................................................... 47
9.6 Aparência dos personagens ........................................................................................ 48
9.7 Herói ............................................................................................................................ 49
9.8 Gênero e identificação ................................................................................................ 51
9.9 Momentos difíceis ....................................................................................................... 52
9.10 Adolescência e identificações ..................................................................................... 53
9.11 Autoconhecimento, perspectiva e identificação ........................................................ 55
9.12 Persona e identificação ............................................................................................... 55
9.13 Reações emocionais .................................................................................................... 56
9.14 Círculos Sociais ............................................................................................................ 57
9.15 Cosplay ........................................................................................................................ 58
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 61
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 63
12 APÊNDICE A: QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA ....................................... 68
6

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende compreender o fenômeno da identificação com


personagens de animes e mangás entre adolescentes, através de entrevistas
semidirigidas e análise segundo a teoria da psicologia analítica, considerando também
conceitos da psicologia da mídia. O tema da pesquisa surgiu essencialmente durante
conversas com colegas de curso, que estavam realizando atendimentos com
adolescentes que demonstraram grande interesse no universo de animações e histórias
em quadrinho japonesas e os personagens pertencentes a elas. Durante estas conversas,
percebi o quão emergente é este interesse e o quão grande é o investimento emocional
de jovens e adolescentes nestas obras, e que seria interessante um estudo aprofundando
o quão importante na vida desses jovens é a ligação e a identificação que eles
desenvolvem com estes personagens.

Após maior investigação dentro das comunidades online onde jovens se reúnem
através de fã clubes para interagir com outros que partilhem dos mesmos interesses,
uma palavra em específico chamou-me atenção: “kin”, que é uma abreviação para
“fictionkin”. Fictionkin, em comunidades mais extremas, significa alguém que acredita
ser a reencarnação de um personagem fictício, e é um derivado da expressão “otherkin”,
que é alguém que acredita ser a reencarnação de um ser não-humano. Entretanto, para
grande parte da comunidade fãs de personagens fictícios, a expressão se limita a uma
forte identificação com determinado personagem, sem necessariamente a existência da
crença de que algum dia já se foi este personagem. Uma simples busca no Twitter com a
palavra “kin” gera milhares de resultados, e sua hashtag no Tiktok têm
aproximadamente 442,8 milhões de visualizações. Para os adolescentes que interagem
nestas redes sociais, é comum a definição de si mesmo através de seus “kins”, existindo
diversos motivos geradores desta identificação, seja personalidade, trauma, e alguns até
mesmo desejam manter secretos os motivos pelos quais se identificam com determinado
personagem. O fenômeno “kin” é particularmente comum entre fãs de animações e
quadrinhos japoneses e jogos digitais.

É emergente a necessidade de pesquisas que proponham uma ligação entre as


formas de entretenimento e a psicologia, uma vez que vivemos numa era midiática e da
informação, e estes conteúdos são constantes em nosso cotidiano. É essencial que a
psicologia, como todas as outras ciências, acompanhe a evolução das tecnologias que
alteram como o ser humano interage com o mundo, para compreender melhor seu
contexto e as consequências provenientes destes contextos. Para isso, é importante
acompanhar as tendências, o que se mostra importante para os indivíduos que se deseja
estudar. Tendo em vista a popularização dos animes e dos mangás e o seu peso
emocional para jovens e adolescentes, surge a necessidade de estudar este fenômeno sob
diferentes ângulos, incluindo qual a sua importância para o desenvolvimento egóico, da
persona e da identidade destas faixas etárias.

Os capítulos “Animação Japonesa e Mangás”, “Desenvolvimento da


Identidade”, “Exposição à Mídia, “Identificação” e “Histórias e Processos
Inconscientes” exploram diversos conceitos e teorias que elucidam o tema a ser
investigado nas entrevistas e trazem as ferramentas necessárias para a interpretação dos
materiais emergentes nos discursos dos participantes. Em seguida, o capítulo “Método”
elucida o porquê de o método escolhido ser a entrevista semi-dirigida, bem como foi a
escolha dos participantes, a forma da coleta de dados e os cuidados éticos tomados. O
capítulo “Resultados e Discussão” apresenta a análise das entrevistas sob o viés dos
diversos conceitos explorados nos capítulos teóricos. Por fim, no capítulo
“Considerações Finais” são levantadas as principais conclusões e quais pontos merecem
ser mais explorados e estudados nas seguintes pesquisas sobre o tema.
1 OBJETIVOS
1.1 OBJETIVO GERAL

A pesquisa pretende verificar a identificação de jovens adultos com personagens, em


específico de animes e mangás.

1.2 OBJETIVO ESPECÍFICO

A presente pesquisa pretende:


• Verificar se a identificação de fato ocorre em indivíduos com alta exposição a
animes e mangás;

• Procurar entender os motivadores desta identificação;

• Procurar entender como os indivíduos manifestam tais identificações.


2 ANIMAÇÃO JAPONESA E MANGÁS

Os mangás são histórias em quadrinhos japonesas, lidos da direita para esquerda,


que incluem uma imensidade de temas, gêneros e visam públicos de todas as idades,
que geralmente têm seus capítulos publicados semanalmente.

Um dos grandes diferenciais dos mangás para as comics, além de sua variedade
de temas, universos e personagens, é a sua linearidade. A história de um mangá é
geralmente escrita e desenhada pelo mesmo autor, que permanece o mesmo até a
finalização da obra, diferente das comics de super-herói americanas, em que diferentes
autores escrevem sobre o mesmo personagem.

Os mangás passaram a ser mais conhecidos no ocidente a partir da publicação


em 1983 de Ronin, por Frank Miller, famoso desenhista norte-americano, influenciado
pela obra O Lobo Solitário, de Kazuo Koike e Goseki Kojima. Tamanho foi o sucesso
de Ronin, que algumas obras de mangás foram traduzidas e publicadas nos Estados
Unidos poucos anos depois (SANTOS, 2011). Atualmente, o mangá mais popular já
vendeu mais de 490 milhões de cópias ao redor do mundo.

Já os animes, no ocidente, são as animações produzidas no Japão (ou que


apresentem estrutura e códigos de linguagem semelhantes). Os animes são normalmente
baseados nas histórias de mangás bem-sucedidos, e costumam seguir fielmente a obra
na qual foram inspirados, entretanto, podem também ser animações originais, chamadas
de OVA (Original Video Animation). É importante ressaltar que anime não é um gênero
por si só, mas um formato de animação que apresenta uma pluralidade de gêneros. As
divisões de gênero em animes e mangás são feitas por faixa etária e sexo, os gêneros
mais populares sendo shounen e shoujo, destinados para garotos e garotas,
respectivamente. Algumas temáticas são constantes dentro dos gêneros, histórias de
romance são marcadas registrada dos shoujo, enquanto os shounen são marcados por
histórias de aventura, com temas recorrentes de autodisciplina, superação, perseverança
e competição. (LUYTEN, 1991).

A exportação de animes para o ocidente levou algum tempo. Durante as décadas


de 1960 e 1980, no próprio Japão ainda existiam diversas críticas aos animes e mangás,
e eles ainda não estavam suficientemente desenvolvidos para a exportação. A partir de
1994, a indústria cinematográfica japonesa destinou uma verba consideravelmente alta
para o desenvolvimento e criação de animações, e os animes se multiplicaram em
quantidade e qualidade. Foi então que a exportação para os Estados Unidos e o ocidente
tornou-se maciça (LUYTEN, 2003).

Uma particularidade em relação a estética dos animes e mangás são os olhos dos
personagens, desenhados de maneira desproporcionalmente grandes. Foram
primeiramente desenhados desta forma por Osamu Tezuka, nos anos 1950, e desde
então esta característica tornou-se um marco dos desenhos orientais. Moliné (2004)
propõe que existe uma maior facilidade para a transmissão de sentimentos sinceros e
psicologicamente profundos, para os autores, através dos olhos grandes e brilhantes.
(apud. SANTOS, 2011).

Essa maior facilidade de transmissão de sentimentos é considerada um dos


grandes atrativos dos mangás e animes em relação a animações ocidentais. Sato (2007)
levanta que as animações japonesas possuem um alto nível de dramaticidade, de
maneira que até mesmo confundia e assustava a geração de pais. Essa característica, por
outro lado, é muito apreciada pelos filhos, e foi conquistando cada vez novos amantes
desta geração.

Acompanhando as obras, o telespectador sabe o que passa na cabeça do


protagonista, seus sentimentos, suas angústias, e até mesmo sua história de vida,
retomada através de flashbacks em momentos importantes. A expressão externalizada
dos sentimentos e emoções pelos personagens facilitam a identificação e a conexão que
o público desenvolve com estes. Até mesmo outros personagens secundários ganham
mais destaque e personalidade através dessa mecânica. Isso potencializa o sentimento de
estar presente naquele universo, conhecer os personagens, sentir-se absorvido pela obra,
todos pontos essenciais para que conteúdos midiáticos tenham efeito durante e após o
consumo da mídia pelo telespectador, como será abordado nos capítulos sobre
Exposição à mídia e Identificação.

Um ponto de congruência entre histórias em quadrinhos americanas e os mangás


é que ambas são lançadas com certa regularidade, seja semanalmente, quinzenalmente
ou mensalmente. A regularidade permite com que o leitor acompanhe a história
conforme esta se desenrola, crie suas próprias teorias em relação ao que acontecerá e
desenvolva uma relação de intimidade e familiaridade com os personagens e seu
universo (RIBEIRO; HORTA, 2016).
Por outro lado, outro diferencial dos animes é que por serem baseados nos
mangás, possuem histórias complexas e com mais nuances em relação as animações
americanas. Por este motivo, chama não somente a atenção de crianças, como também
de adolescentes e até mesmo adultos. O ritmo de narrativa mais longo permite o
desenvolvimento de uma história mais detalhada em profunda em relação a uma
narrativa episódica, sem linearidade fixada, além de maior envolvimento com os
personagens. Outro atrativo das obras são os valores que atravessam grande parte das
histórias, como a honra, o altruísmo e o auto sacrifício, princípios altamente presentes
na cultura nipônica (LUYTEN, 1991). Talvez por diferenciarem-se dos princípios
valorizados e sempre presentes na mídia ocidental, em especial na norte-americana, de
individualismo e liberdade, a valorização da honra, de códigos de conduta rígidos, e a
valorização coletivo desperta certo fascínio nos telespectadores.

Além disso, os animes e mangás procuram trabalham com dilemas emocionais,


morais e éticos. Um trecho de Ken Mogi, autor e cientista japonês, ilustra qual o
objetivo dos japoneses em trabalhar com temas complexos e profundo nestas obras. O
autor coloca que:

A Weekly Shonen Jump, uma revista de mangá publicada pela


Shueisha, em Tóquio, tem circulação de mais de dois milhões de
exemplares. Ao longo dos anos, o mangá semanal que mais vende no
mundo usa três valores para definir a mensagem do trabalho que exibe:
amizade, luta e vitória. Esses três alicerces da vida foram originalmente
determinados com base em questionários apresentados a alunos de
quarto e quinto ano, do fundamental I. As crianças japonesas crescem
com uma percepção acurada dos valores importantes da vida, em que os
vários padrões para lidar com dificuldades e superá-las pela colaboração
com os amigos são alimentados na mente delas pelo trabalho dos
mangás. (MOGI, 2017, p. 174).
O entretenimento é utilizado como ferramenta de ensino da moral, ética e
valores às crianças, e de certa forma, estes temas também interessam e influenciam os
jovens e adultos que se apaixonam pelas obras. O povo japonês aproveitou o espaço que
o entretenimento ocupa na vida do ser humano para irradiar seus valores culturais para
as gerações mais novas. E, de alguma forma, estes valores prenderam a atenção de
ocidentais.

Luyten (1991) apresenta outra característica que distingue os animes e mangás


de HQ americanas: o protagonista. Nos animes e mangás, o protagonista-herói é
humanizado. Ele também é possuidor de falhas que deve superar ao longo de seu
percurso para alcançar seus objetivos. Raramente estes personagens são Os Escolhidos,
que nasceram diferente dos outros e por isso são especiais, como os super-heróis. São
pessoas comuns que com sua tenacidade, esforço e dedicação, alcançam seus objetivos,
ajudam seus amigos e aliados, tornam-se alguém importante. Além de inspirar os
leitores com a filosofia de que o esforço traz resultados, eles impulsionam maior
identificação por semelhança para os telespectadores do que personagens perfeitos que
raramente falham e não possuem defeitos. Outro fator que humaniza estes personagens
“são desenhados a partir do mundo real” (LUYTEN, 1991, p. 73). Eles podem ocupar
diversas profissões, como funcionário de companhia, estudante, esportista, dona-de-
casa, e realizaram coisas fantásticas ao longo da história, apesar de sua aparente
natureza ordinária. A autora propõe que: “O leitor se identifica com os heróis porque
eles retratam a sua vida diária e o remetem para esse mundo de fantasia. O leitor poderia
ser o próprio herói da história justamente porque ele está próximo da sua realidade”
(LUYTEN, 1991, p.73 e 74).

Levando em consideração suas singularidades, não é de se assombrar que os


animes e mangás tenham ganhado tanta popularidade nas últimas décadas no ocidente, e
tenha um impacto tão grande em seus fãs.

2.1 Animes e mangás no Brasil

Os mangás primeiro chegaram ao Brasil em 1908, com a onda de imigração


japonesa no país, e o objetivo desta importação era manter a cultura nipônica viva entre
os japoneses habitando o país. Entretanto, a popularização dos mangás se deu no
ocidente somente após a popularização dos animes, entre as décadas de 70 e 80, devido
à dificuldade para a tradução e a resistência de editores em relação a direção de leitura
contrária em comparação a leitura ocidental (BATISTELLA, 2014).

Diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil, já na década de 1970 havia a


transmissão de programas japoneses na televisão aberta, como Ultraman na TV Tupi,
Fantomas na TV Record e Princesa Safire e Jaspion na TV Manchete, entre outros. O
boom de sua popularização se deu na década de 1990, com animes como Cavaleiros do
Zodíaco, Dragon Ball e Dragon Ball Z, Sailor Moon, Yu Yu Hakusho, Street Fighter e
Pokémon, exibidos em diversos canais na TV aberta. Surge uma busca de mangás
relacionados às obras pelos fãs destes animes, e assim o mercado de mangás começa a
se expandir no Brasil (LUYTEN, 2003).
Ou seja, devido a grande quantidade de imigrantes japoneses no Brasil, a
importação, e mais do que isso, a popularização de conteúdos oriundos do Japão deu-se
anteriormente quando comparado ao resto do Ocidente.

Para Luyten (2014), a difusão mais intensa da moderna cultura pop japonesa
iniciou-se no começo dos anos 2000, quando jovens que cresceram assistindo desenhos
animados convencionais ficaram mais velhos e foram em busca de conteúdos animados
que retratassem temas mais adultos, de alguma forma, como os animes.

A internet teve um papel essencial na difusão destes conteúdos. Ao final dos


anos 90 e início dos anos 2000 a demanda por conteúdos oriundos do Japão tornou-se
maior do que a oferta disponível, então os interessados passaram a buscar novos meios
para consumir estes conteúdos, como a internet, onde foi iniciado a onda de traduções
amadoras e não-lucrativas, chamadas de fansubs, e a disponibilização de conteúdos de
fãs para fãs. Na última década, houve o crescimento das plataformas de streaming como
alternativa para o acesso a estes conteúdos, como o Netflix e a Crunchyroll, o que
ampliou ainda mais a disponibilidade para os interessados (URBANO; ARAUJO,
2020).

O bairro da Liberdade, em São Paulo, é um ponto de referência para amantes da


cultura japonesa no país inteiro. Existem galerias inteiras dedicadas somente a venda de
produtos relacionados a animes, mangás, games e pop coreano, além de uma enorme
gama de restaurantes e cafeterias tradicionais japonesas, e até mesmo livrarias que
vendem jornais, revistas e mangás inteiramente em japonês. É um ponto de encontro e
lazer para os fãs de animes e mangás, especialmente os que vivem em São Paulo, que
por conta de todo a arquitetura e simbolismo da região, permite com que os fãs
encontrem um “ambiente onde podem falar sobre certos assuntos, onde podem vestir
certas roupas, onde certas brincadeiras são entendidas” (ISSA, 2013, p. 159).

Outro componente de destaque relacionado ao tema são os eventos sazonais


dedicados a cultura geek e otaku. O primeiro evento realizado no Brasil foi a Mangácon,
já nos anos 90, organizado pela Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e
Ilustrações (ABRADEMI), devido ao crescimento no interesse de fãs em animes e
mangás na época. A maior convenção atualmente é chamada de Anime Friends. O
Anime Friends ocorre anualmente em São Paulo, e em 2019 atraiu cerca de 60 mil
visitantes, segundo o site OGlobo. O Anime Friends teve sua primeira edição em São
Paulo, em 2003, no mês de julho, e ao longo dos anos foi ganhando dimensões cada vez
maiores e atraindo mais e mais fãs. Outro evento de grande porte que ocorre anualmente
em São Paulo é a Comic Con Experience (CCXP), que teve sua primeira edição em
2015 e já se tornou a maior Comic Con do mundo, em termos de visitantes.
Diferentemente do Anime Friends, a Comic Con é voltada para a cultura Geek. Se no
Anime Friends são convidadas bandas de J-Pop e J-Rock, além de dubladores e
cosplayers, na CCXP são convidados atores de séries e filmes americanos, bem como
roteiristas de comics, entre outros. Apesar disso, há uma grande intersecção no público-
alvo de ambos os eventos, logo é possível encontrar conteúdos relacionados a cultura
pop japonesa na CCXP e vice-versa. Outros eventos ocorrem anualmente, em diferentes
datas e diferentes lugares do Brasil.

Um elemento importante da sub-cultura de fãs de animes e mangás que se


mostra muito presente nestes eventos são os “cosplays”. A palavra é originada do
neologismo entre a palavra “costume” (fantasia, do inglês) e “play” (brincar, do inglês).
O termo designa o ato de fantasiar-se de maneira similar a um personagem fictício, seja
por diversão ou para competição em concursos. Segundo o site AkibaCosplay, na
competição mundial de cosplay (World Cosplay Summit), que ocorre no Japão, o Brasil
é tricampeão, o que indica o tamanho do interesse de brasileiros pelo cosplay.

Alguns autores, como Napier (2007), entende a prática de cosplay como uma
tentativa de tornar-se alguém além de si mesmo, uma vez que é comum que os
cosplayers ajam conforme os personagens que se vestem. Por outro lado, Bonnichsen
(2011), acredita que a prática deve ser encarada como uma atividade em grupo na qual,
além de outras funções, é uma forma de construção de identidade. Bonnichsen realizou
uma pesquisa com cosplayers em grupos focais, a noção de que o cosplay atua como um
disfarce temporário não foi “suportado” pelas discussões. Ambos os “grupos””
mencionaram, na verdade, que a atividade os auxiliou no desenvolvimento de suas
identidades.

Tanto o cosplay quanto os eventos promovem a interação social entre os fãs de


animes e mangás e o sentimento de pertencimento a um grupo. De maneira similar,
várias comunidades online em diferentes redes sociais oferecem um espaço de
socialização para os fãs da cultura pop asiática.
Outra maneira de afirmação de pertencimento a um grupo é através de bens de
consumo, que carregam e comunicam significado social (DOUGLAS E ISHERWOOD,
1978 apud. MCCRACKEN, 2007). A aquisição de action figures é comum entre os fãs
de animes e mangás. No bairro da liberdade, vitrines e vitrines expõe diversas action
figures, dos mais variados valores, atraindo diversos colecionadores. Os bens de
consumo são uma forma de materializar uma cultura, e apresentam importante papel na
construção de identidade e no sentimento de pertencimento a determinado grupo social
(MCCRACKEN, 2007).

Existem alguns motivos para que a cultura pop japonesa tenha encontrado um
mercado tão ávido no Brasil. O Brasil é o país com maior quantidade de descentes de
japoneses fora do Japão, o que foi um fator para que a importação de animes e mangás
ter iniciado anteriormente no país em comparação ao resto do ocidente, uma explicação
parcial para o crescimento da popularidade dos animes e mangás entre os brasileiros nos
últimos 50 anos. Todavia, outros fatores devem ser considerados, como a cultura
participativa que este meio oferece, onde os fãs não somente consomem, como também
produzem conteúdos, através de cosplays e fansubs, por exemplo; e a representatividade
que a gama diversa de personagens oferece ao brasileiro, seja estética ou de
personalidade (SOARES, 2019).

Santos (2011) defende que existe uma nova sub-cultura entre os jovens,
influenciados pela cultura pop japonesa, e é importante estudar a influência dos animes
e mangás dentro do contexto brasileiro no século XXI. A autora discorre sobre o
preconceito existente no meio acadêmico sobre estudos de quadrinhos e mangás, e a
importância de ultrapassar este preconceito para compreender melhor a realidade
diversa brasileira, em especial de sua juventude, e seu contexto cultural.
3 DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE

O que é identidade? Carl Gustav Jung (1976) utilizava a palavra para referir-se a
casos de igualdade psicológica. Para ele, “A identidade é sempre um fenômeno
inconsciente, pois uma identidade consciente pressuporia já a consciência de duas coisas
iguais entre si, logo uma separação entre sujeito e objeto, com o que o fenômeno da
identidade ficaria anulado” (p. 511). A identidade envolve os fenômenos de
identificação, projeção, introjeção e “participation mystique”, conceitos que serão
explorados no capítulo sobre Identificação. Por isso, neste capítulo será explorado como
a psicologia analítica compreende o desenvolvimento egóico e da persona do sujeito,
além de como outros teóricos enxergam a construção da identidade.

De acordo com Erikson (1968), a construção da identidade é a tarefa mais


importante da adolescência, onde o sujeito define quem é, quem deseja ser e quais são
seus valores. O autor introduz o conceito de estágios de desenvolvimento, nos quais
ocorrem as crises de identidade, que se repetem ao longo da vida humana. Foram
identificados por ele oito estágios, nos quais há um conflito entre dois polos opostos, e a
resolução destes conflitos prepara o indivíduo para a formação e resolução dos
próximos. Entretanto, a formação da identidade não está restrita a adolescência, é um
processo que se inicia na infância e alcança até a velhice (SANTROCK, 2003 apud.
SCHOEN-FERREIRA, 2007).

Na adolescência, tipicamente, ocorre o confronto entre identidade e confusão de


identidade, que pode acarretar comportamentos aparentemente contraditórios e nos
questionamentos de quem sou eu, o que os outros esperam de mim, o que eu desejo para
mim, quais são meus valores, como sou visto pelos meus iguais etc. Erikson propõe que
o objetivo desta crise é alcançar um senso de totalidade interior, no qual o jovem
experimenta uma sensação de continuidade entre o que foi ao longo dos anos e o que é
visto e esperado dele pelos outros (ERIKSON, 1968).

Para Erikson (1968), identidade é a combinação entre as identificações da


infância, sejam elas provenientes de quem a criança desejava ser ou que os cuidadores
desejavam que ela fosse, e as novas identificações formadas na adolescência, entre os
grupos da mesma idade ou figuras de poder fora do núcleo familiar.
Grinberg (2003) levanta diversos aspectos em relação a adolescência sob o ponto
de vista junguiano que são similares aos de Erikson, como a busca por autonomia,
autoafirmação e de uma identidade profunda e única. Há uma busca solitária pela
identidade que é acompanhada ao mesmo tempo pela identificação e pertencimento a
grupos compostos de indivíduos que apresentam gostos, aparência e/ou interesses
semelhantes, que sob a visão da psicologia analítica poderia ser entendido como
indivíduos com personas semelhantes.

O desenvolvimento da persona é um fator importante para o adolescente e o


jovem adulto. Existe uma pressão maior para que o sujeito se adapte ao mundo social e
suas exigências, e a persona é a ferramenta que lhe permite fazê-lo sem que abra a mão
completamente de sua liberdade e individualidade, que balanceia as necessidades do ego
de independência e de relacionar-se. A busca por independência e novas relações levam
o adolescente a identificar-se com grupos de iguais, que facilita no processo de
emancipação dos cuidadores (STEIN, 2006).

Para a psicologia analítica, todo o desenvolvimento do self é coordenado


segundo algum arquétipo (BYINGTON, 1987). Na adolescência, o arquétipo do herói é
despertado para auxiliar o indivíduo a superar desafios apresentados e fortalecer o ego
para entrada no desconhecido e a saída da infância (GRINBERG, 2003). O primeiro
contato com os arquétipos da alteridade (Anima e Animus), dependendo da cultura e do
contexto socioeconômico, também se dá durante a adolescência (BYINGTON, 1987;
GRINBERG, 2003).

Penna e Araújo (2021) colocam que a energia arquetípica do herói, apesar de


estar presente durante todo o processo de individuação, é singularmente importante na
vigência do dinamismo patriarcal. A autora coloque que: “O entusiasmo e a disposição à
luta são inevitáveis nos momentos de crise decisivos no processo de individuação,
quando o herói entra em cena aceitando o chamado para a aventura do crescimento”. O
herói é uma figura que representa força, determinação e coragem. Em sua luta, estão
presentes vitórias e derrotas. Sua energia arquetípica fornece ao ego o que ele precisa
para “lutar a batalha do desenvolvimento”, na diferenciação entre consciente e
inconsciente. A potência arquetípica do herói auxilia o ego em sua jornada de
construção de uma individualidade sólida e livre das influências patriarcais e
matriarcais.
“O herói é o homem da submissão auto conquistada" (CAMPBELL, 1997, p.
12). O herói é o indivíduo que venceu suas limitações e de alguma forma, obteve um
triunfo, seja este de grande ou pequena magnitude. Campbell (1997) coloca que não
importa o impacto que este herói teve em seu universo, sua jornada sofre poucas
variações no plano geral. O arquétipo do herói ativa as possibilidades de superação e as
ambições, assim como auxilia na mediação da tensão entre opostos.

Jung (1986) coloca que o herói é um “ser que possui natureza mais do que mera
humana”, e é um “deus em potencial”. É comum que fantasias de herói surjam no
período da puberdade, e para Jung nossas fantasias atuais foram, em algum tempo,
verdade para povos antigos. A fantasia tem a função da realização de algum desejo
incabível com a realidade, assim como um sonho. Para ele:

“O herói, na qualidade de Animus, age em substituição ao indivíduo


consciente, faz aquilo que o indivíduo deveria, poderia ou gostaria de
fazer, mas não faz. O que poderia acontecer na vida consciente, mas não
acontece, passa-se no inconsciente e consequentemente aparece em
figuras projetadas.” (JUNG, 1986, p. 368)
O arquétipo do herói, que ao mesmo tempo humano e deus em potencial, exerce
grande fascínio sobre o consciente, e o ego facilmente cede à tentação de identificar-se
com o herói, especialmente em momentos de fragilidade. A luta do herói é a luta pelo
renascimento, pelo recomeço, e muitas vezes encontra e batalha em seu caminho figuras
que remetem à mãe devoradora ou o pai obstrutor, que ao mesmo tempo significam a
infância, significam a regressão, o retorno ao início, e por isso são um obstáculo para o
recomeço e o renascer buscado pelo herói (JUNG, 1986). Esta batalha, busca por um
novo recomeço, desta vez proporcionado pelo próprio indivíduo, assemelhasse muito ao
processo que o jovem passa durante a adolescência, e deve negar a tentação de regredir
a infância e manter-se como uma extensão dos próprios pais.

Para o adolescente que busca diferenciar-se do núcleo familiar e seu conforto e


partir em direção ao mundo, o complexo do herói fortalece o ego para que ele passe
pelos “ritos de iniciação” da adolescência, que são fato ritos em algumas culturas e ritos
simbólicos em outras (GRINBERG, 2003). Como Henderson (1964, p. 128) define: “do
ponto de vista psicológico, a imagem do herói não deve ser considerada idêntica ao ego
propriamente dito. Trata-se, antes, do meio simbólico pelo qual o ego se separa dos
arquétipos evocados pelas imagens dos pais na sua primeira infância”. É importante
colocar que o complexo de herói não se une ao ego, e sim trabalha com ele de maneira
simbólica e parcialmente inconsciente.

Tendo isto em vista, é comum que imagens arquetípicas de herói se transformem


em imagens simbólicas muito importantes para os adolescentes, uma vez que dialogam
com sua necessidade inconsciente de expansão, recomeço e busca de aventura, e
mostrem-se essenciais para o desenvolvimento do ego nesta fase da vida (JUNG, 1964;
VON FRANZ, 1990).

Um ponto essencial é que Jung (1986) acredita que o “mito do herói é um drama
inconsciente que só parece na projeção” (p. 459). Portanto, o adolescente busca e se
apega a imagens simbólicas que representem o arquétipo do herói para que seu impulso
inconsciente de dialogar com este arquétipo encontre uma válvula de escape. A
tendência de identificação com essas figuras torna-se especialmente fortes durante esta
fase, mas não é exclusivo a ela.

Alguns autores consideram que o desenvolvimento é constante na vida do


indivíduo, devido as contínuas mudanças que ela estabelece em sua relação com o
ambiente, e ele é influenciado por diversos fatores, tornando- o um fenômeno muito
complexo de ser estudado por somente uma disciplina. Esta visão decorreu da síntese de
diversas teorias propostas pela sociologia, psicologia e biologia, nos anos 1970. Eles
propõem que: “Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre por meio de forças
internas e externas, denominadas de coação, que atuam de modo complementar e
bidirecional no sentido de adaptar e manter o equilíbrio e a harmonia do sistema diante
de situações novas ou adversas” (SENNA; DESSEN, 2012, p. 103). É a combinação
entre processos genéticos, processos culturais, eventos biológicos, eventos sociais,
dentre muitos outros fatores que desencadeiam o desenvolvimento do indivíduo
(SENNA; DESSEN, 2012).

Esta visão apresenta semelhanças com a visão de Jung (1986) sobre a


personalidade. O autor entende que a personalidade raramente é de início o que será um
dia. Por isso, durante a primeira metade da vida, há a possibilidade de ampliação ou
modificação dela, que pode se dar por influências exteriores ou interiores, apesar da
frequente crença de que somente conteúdos exteriores tem o poder de alterar a
personalidade. Jung entende que se um conteúdo externo toca um indivíduo, é porque
ele ressoa com algum conteúdo interno que este ainda não teve capacidade de
reconhecer (JUNG, 1986).

Para Jung, o processo de desenvolvimento se dá conforme o desenrolar da vida.


A psique pessoal precisa se complexificar e diversificar para lidar com a vida extra e
intrapsíquica. A este processo, ele deu o nome de individuação. Penna coloca que:

“Ao longo do processo de individuação, o ego recebe influências


advindas dos arquétipos do inconsciente coletivo e dos fatos e eventos
existenciais, os quais movem e comovem o ego na forma de símbolos”
(PENNA; ARAÚJO, 2021, p. 168)

Ou seja, falar sobre os estágios de desenvolvimento da psique é falar sobre os


estágios arquetípicos. Os diferentes graus de consciência do ego têm caráter arquetípico
(NEUMANN, 2006). O primeiro arquétipo que exerce grande influência sobre o ego é o
arquétipo da Grande Mãe. É um arquétipo com as características de ligação à natureza,
vida instintual. Em seguida, o arquétipo do pai exerce sua influência sobre a inserção do
ego no mundo, apresentando-lhe as regras sociais e as “leis dos homens”. Segundo
Penna:

“O herói patriarcal luta contra o dragão dos instintos e os vence para


atender aos desígnios do Pai, garantindo a inserção do indivíduo no
mundo das relações sociais para além do âmbito do arquétipo da Grande
Mãe.” (PENNA; ARAÚJO, 2021, p.169)

Durante a fase influenciada pelo arquétipo do Pai, o ego torna-se rígido, com
pouca possibilidade de transição entre os polos opostos, ou é belo ou é feio, ou eu amo
ou odeio. A criança aprende a viver em sociedade, aprende as consequências que têm
suas ações, aprende a seguir regras, ter disciplina, a ler e a escrever.

Em seguida, quatro arquétipos passam a exercer maior influência sobre o


desenvolvimento do ego: o arquétipo do Herói, o arquétipo da Alteridade (Anima e
Animus), o arquétipo de Eros e os arquétipos de Puer-Senex. A importância do
arquétipo do Herói para o desenvolvimento do ego, especialmente na adolescência, foi
descrita nos parágrafos anteriores. A influência do arquétipo da alteridade é percebida
na revisão dos valores e exigências parentais e familiares. O ego já tem determinada
facilidade em transitar entre os mundos matriarcais e patriarcais, da natureza instintiva e
do social, e está preparado para prosseguir além destes caminhos. A energia criativa
provinda do arquétipo da alteridade impulsiona o ego nesta jornada.
Já o arquétipo de Eros conecta as várias esferas da vida. Sua energia tem o papel
de promover a conexão entre o ego e os outros arquétipos. Penna e Araújo colocam que:
“Eros humaniza os arquétipos em sua relação com a consciência e ainda funciona como
um moderador de suas características positivas ou negativas, criativas ou destrutivas”
(2021, p. 174). Já Puer e Senex agem em conjunto, um olhando para o novo, o futuro, a
busca por mudanças e enfrentamento dos medos, e o outro mantendo relação com o
passado, a sustentação, que busca respaldo nas experiências anteriores. Penna resume a
maneira combina pela qual estes arquétipos atuam no desenvolvimento do ego:

“A entrada na vida adulta conta ainda com a assertividade e força para


suportar as dificuldades e frustrações inerentes ao processo, advindas
das energias arquetípicas do Herói, que devem se somar ao amor, à
empatia e ao desejo de Eros. O entusiasmo (Eros) e a tenacidade (herói)
necessários para transformar sonhos e ideais (puer) em planos e metas
factíveis e consistentes (senex) refletem um bom exemplo da associação
entre puer-senex, Eros e Herói.” (PENNA; ARAÚJO, 2021, p. 174)

Assim como descrito para o arquétipo do Herói, imagens arquetípicas da


Alteridade, Eros e Puer-Senex terão grande importância para a psique dos indivíduos
nesta fase do desenvolvimento, apesar de com diferentes intensidades a depender das
necessidades arquetípicas específicas daquele indivíduo. A individualidade é construída
através do encontro entre as potencialidades arquetípicas e as possibilidades que o
contexto sociocultural do indivíduo proporciona.

Um fenômeno que começou a ser discutido nos últimos tempos é a


adultescência, um neologismo que une as palavras adulto e adolescência. O termo
designa uma parcela da população que têm dificuldade em adentrar a vida adulta em sua
totalidade, e se agarra a alguns aspectos da adolescência para isso. Penna e Araújo
(2021) colocam que: “Tornar-se adulto tem se mostrado uma tarefa difícil para uma
parcela significativa da população jovem, e o prolongamento da adolescência tem se
mostrado um fenômeno contemporâneo típico”. O marco do final da adolescência, mais
frequentemente proposto por estudiosos da área, segundo Penna e Araújo (2021), é a
conquista da autonomia, ou seja, a aquisição de habilidades que permitam a descoberta
de sua individualidade, diferenciação da consciência e estabelecimento de uma vida
própria. O adultescente é um indivíduo que ainda não adquiriu esta autonomia, seja no
campo profissional ou socioafetivo. Pode ser um indivíduo cuja insegurança dificulta
sua afirmação na vida adulta, e o leva a buscar na infância e na adolescência a
segurança psicológica que era promovida pelos pais, ou o ambiente familiar.
A cultura é considerada, também, como um acarretador deste fenômeno. A
juventude passou a ser encarada como um valor, não uma fase do desenvolvimento
humano, assim como a velhice. Logo, mais do que a idade, certos comportamentos
ditam a juventude, ela torna-se um valor a ser conquistado, independente da idade
cronológica (DEBERT, 2010).

Logo, por um lado, vemos a extensão da adolescência para a vida adulta, um


prolongamento da fase de desenvolvimento mais intensa da identidade e da
personalidade. Por outro lado, culturalmente, temos a valorização da juventude, e cada
vez mais jovens adultos mantendo interesses e comportamentos que até então eram
considerados incomuns para a idade, como o interesse em super-heróis, animações,
colecionar action figures, entre outros.

De qualquer forma, não há dúvidas sobre o papel da cultura sobre o


desenvolvimento, em especial na primeira metade da vida, quando o ser é mais
propenso a ser tocado por conteúdos externos. E considerando a cultura atual, é
importante reconhecer de que maneira a sociedade do consumo está influenciado a
forma de construção de identidade dos jovens e adolescentes.

Alguns autores que preconizam a influência cultural sob a adolescência, propõe


que esta é um conceito permeado por contextos, ganhando novas características a
depender da época. Na pós-modernidade a adolescência é permeada pelo consumismo,
numa sociedade onde a imagem e a estética ditam as relações. A identidade é formada
pela adoção de estilos e imagens, o pertencimento a um grupo se dá pela conformidade
aos seus ideais de beleza, estilo e consumo. O consumo ganhou valor simbólico, o que é
consumido e a maneira com a qual se consome serve para estabelecer signos de
pertencimento e reconhecimento a determinados grupos, maneiras de ser e pensar. Os
adolescentes são, ao mesmo tempo, um poderoso mercado consumidor e um argumento
para o consumo, seus grupos cada vez mais cristalizados e mercantilizados como
marcas identitárias, como o punk, emo, e até mesmo o geek e otaku. O mercado utiliza a
necessidade de pertencimento a grupos e a busca por identidade para vender bens
materiais que tenham este valor simbólico para os jovens (CASTRO, 1999. ROCHA;
GARCIA, 2008). Como citado anteriormente, é muito comum que indivíduos
pertencentes a estes grupos identitários, geek e otaku, sejam colecionadores. As
coleções tornam-se símbolos de pertencimento àquele grupo e sub-cultura.
O cosplay é outra forma de mostrar ao mundo externo a qual grupo o indivíduo
pertence, é uma maneira de reafirmar sua identidade e posição social. Na pesquisa
“Cosplay: playing or creating identity”, a autora defende a ideia de que a atividade é
uma forma de afirmar pertencimento a determinado grupo e subcultura e, assim,
reafirmar sua identidade. Uma vez que o cosplay é uma atividade que se dá
principalmente em grupos, ela oferece aos amantes desta arte um espaço ideal para a
formação de vínculos e relacionamentos.

Assim, é possível entender a expansão da cultura pop como um crescimento da


indústria do entretenimento, e enxergar os adolescentes e jovens adultos como mercado
consumidor, que se utilizam dos símbolos presentes nas mídias para a construção de sua
própria identidade. São escolhidos determinados grupos ao qual se quer pertencer, e a
adesão de símbolos pertencentes a este grupo validam a identidade e o próprio
pertencimento. Segundo este ponto de vista, entretanto, esta é uma maneira superficial
de construção de identidade, cada vez mais frequente na sociedade pós-moderna e
consumista.

Em suma, neste trabalho buscou-se identificar a influência que os personagens


de animes e mangás tiveram na identidade dos entrevistados tanto na esfera social e
cultural, explorando como esta influência se deu em sua maneira de se relacionar com o
mundo e os outros, quanto na esfera pessoal e psíquica, e como esta influência alterou
sua imagem pessoal, suas motivações, comportamentos e valores.
4 EXPOSIÇÃO À MÍDIA

Com a expansão do uso de tecnologias, novas pautas surgiram nos campos de


estudos da influência destes sobre o desenvolvimento humano. Uma pesquisa do IBGE
de 2019 sobre o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação mostra que 78,3%
da população brasileira acima de 10 anos faz uso da internet, sendo o celular o principal
meio de acesso desta. 53,1% dos adolescentes de 13 a 17 anos têm o hábito de
permanecer mais de 3 horas diárias em contato com alguma tecnologia, seja televisão,
videogames, celulares etc. 81% da população geral do país usaram a internet em 2020,
segundo pesquisa TIC Domicílios. A internet tornou-se um meio de obter apoio social e
emocional quando estes, de alguma forma, estão indisponíveis no ambiente do
indivíduo (YAO; ZHENG; FAN, 2015, apud. ABADE E PEREIRA, 2021). E este não é
um cenário tão recente.

Já televisão, que foi um dos principais acesso à informação e entretenimento no


país por muitas décadas antes da popularização dos computadores e celular com acesso
a internet. foi introduzida no Brasil nos anos 1950 e foi acompanhando o crescimento da
economia brasileira. Nos anos 1960, a televisão passa a chamar atenção pelo seu
potencial publicitário. Assim, foi feita uma redução nos preços e melhoria nas condições
de pagamento, para aumentar o alcance dos aparelhos e os comerciais que seriam
televisionados. Havia cerca de 200 televisores no país em 1950. Nos anos 2000, mais de
58 milhões de aparelhos eram contabilizados. (MATTOS, 2002).

Com isso, cresce a importância e a necessidade de estudos que investiguem as


relações humanas com as mídias e seus afluentes, bem como suas consequências. O
estudo de envolvimento com histórias e personagens fictícios não é recente, já nos anos
50 foi escrito o artigo “Identification and social learning from films”, por Maccoby e
Wilson (1957). E com a expansão do acesso à tecnologia, cada vez mais estudos foram
feitos sobre o tema.

Brown (2015), em um estudo bibliográfico, explora quatro formas de


envolvimento da audiência com personae midiáticas, sendo estas: transporte, interação
parassocial (PSI), identificação e adoração. O autor propõe que estes processos estão
altamente relacionados e podem ocorrer concomitantemente. O transporte e a PSI são os
processos mais comuns e iniciais que ocorrem no envolvimento da audiência com
narrativas midiáticas, que são influenciados por fatores exógenos. O transporte é
definido como o processo de estar inteiramente absorvido em uma narrativa durante seu
consumo, ou seja, o consumidor pensa e sente como se fosse um indivíduo dentro do
mundo fictício da mídia que consome. Os fatores exógenos que influenciam a
ocorrência do transporte são familiaridade com o universo/personagens e/ou realismo da
narrativa. Já a PSI é definida como o processo de formação de uma relação imaginária
com a persona midiática tanto durante quanto após o consumo da mídia, que leva a um
sentimento de conhecer a persona midiática. Os fatores exógenos que influenciam sua
ocorrência são atração social e/ou semelhanças que o consumidor enxerga entre ele e a
persona midiática.

Brown levanta estudos que afirmam que para que a identificação ocorra, é
essencial primeiro a ocorrência de PSI e PSR (relações parassociais), uma vez que é
necessário que o indivíduo acredite que conheça a persona para identificar-se com ela. É
também colocado que uma forte PSR geralmente leva a identificação. Por último,
Brown coloca adoração como a forma mais intensa de envolvimento com personae
midiáticas, e define como o processo em que se expressa devoção, comprometimento e
amor a uma persona midiática durante e após o consumo da mídia. Tanto a identificação
quanto a adoração podem levar o indivíduo a adotar valores, comportamentos, crenças e
atitudes de uma persona midiática.

Em um estudo mais recente, considerando a relação parassocial entre ídolos e


fãs, Abade e Pereira (2021) procuraram entender de que maneira a PSR pode fornecer
uma rede de apoio emocional para os fãs. Elas colocam que a idolatria pode tornar-se
um refúgio da realidade e ao mesmo tempo proporcionar ao adolescente uma maneira
de lidar com suas crises. Propõem também que a relação parassocial entre ídolo e fãs é
subjetivamente tão importante quanto as relações com a comunidade de fãs, uma vez
que ambas podem tornar-se fontes de apoio emocional para os jovens.

Ou seja, ambos estudos mostram que as relações e interações parassociais, tanto


com personagens fictícios ou com personae midiáticas, pode afetar a formação da
identidade de jovens de diversas maneiras, como na adoção de comportamentos,
crenças, valores e atitudes, ou fornecendo uma rede de apoio emocional para estes
jovens. Estes processos podem ocorrer concomitantemente, tornando-se tanto fonte de
inspiração como rede de apoio.
Já em uma pesquisa sobre adoração de celebridades, Malby et al, (2004)
encontrou, através da participação de 372 ingleses de 18 a 47 anos, que as dimensões de
adoração de celebridades (Celebrity worship dimensions) e as dimensões de
personalidade de Eysenck (personality coping dimensions) estão positivamente
correlacionadas. Ou seja, extroversão foi positivamente correlacionada a atitudes de
entretenimento-sociais em relação a celebridades, neuroticismo foi positivamente
correlacionada a adoração de celebridades por motivos intensos e pessoais, e o
psicotismo foi positivamente correlacionado a atitudes quase-patológicas em relação a
adoração de celebridades. Através desta pesquisa, pode-se inferir que a personalidade
do indivíduo e seu modo de enfrentar a realidade estão relacionados ao nível de devoção
que dedicam às relações parassociais e a adoração, que é definida por Brown como uma
forma mais intensa de PSR. É possível que o fanatismo e a devoção a personalidades
famosas e até mesmo personagens fictícios seja um fenômeno comum entre
adolescentes uma vez que estão construindo as maneiras pelas quais enfrentam crises e
a nova realidade que lhes sobrepõem. Ao adentrar na vida adulta, se outras formas de
enfrentamento da realidade não são lhes mostrada, podem seguir agarrados a estas
maneiras.

Ainda sobre adoração de ídolos, em uma pesquisa de 2003, Cheung e Yue citam
diversos autores que propõe que a adoração de ídolos é importante para a formação do
adolescente, que ganha uma nova esfera para exploração de sua personalidade e
autopercepção, apesar de ser uma forma rasa de exploração quando comparada com
relações interpessoais com outros indivíduos. Neste estudo com adolescentes de Hong
Kong, os pesquisadores obtiveram resultados de que a adoração de ídolos como
popstars pode ser alienante e prejudicial para a formação intelectual de jovens.
Entretanto, a adoração de ídolos “luminosos”, que são ídolos que admirados por suas
conquistas intelectuais ou morais, como grandes cientistas, pensadores, entre outros,
pode promover, através da modelação, jovens com maior autoeficácia. O tipo de ídolos
adorados pode interferir no resultado que essa adoração pode gerar, uma vez que a
adoração envolve a identificação psicológica e o apego emocional (CHEUNG; YUE,
2000).

Por outro lado, colocando em perspectiva como o consumo de determinados


tipos de conteúdo pode afetar os comportamentos, atitudes e valores dos indivíduos, em
especial jovens e adolescentes, em um estudo, feito por Ward e Carlson (2013), foi
encontrado que o consumo regular de reality shows está positivamente correlacionado a
exibição de comportamentos socialmente agressivos em adolescentes, através de uma
pesquisa feita com 174 estudantes de 14 a 18 anos do Michigan. Programas de reality
show apresentam um número consideravelmente maior de comportamentos socialmente
agressivos, como fofocas, manipulações, traições e mentiras, do que outros tipos de
programas (COYNE ET AL. 2010 apud. WARD; CARLSON, 2013).

Analisando mais profundamente o aspecto dos personagens fictícios, alguns


estudos sugerem que eles podem ser usados como fonte de informações sobre o mundo
real, e as pessoas constroem relacionamentos afetivos com os personagens. (HOORN;
KONIJI, 2003). Como exemplo, o autor cita pessoas que escrevem cartas de amor a
personagens de novelas e pessoas que perduram alho nos tetos para protegerem-se de
vampiros. A ficção e os personagens fictícios são uma forma segura de experienciar
situações perigosas, ou que fujam de sua realidade, sem os riscos reais que estas
situações oferecem. Horn e Koniji (2013) colocam que com o aumento da exposição a
televisão e mídias digitais, o papel da relação entre pessoas e personagens fictícios pode
ganhar um propósito educacional ou no auxílio do desenvolvimento emocional.

O estudo propõe que personagens fictícios podem cumprir quatro funções


relacionadas ao bem-estar do sujeito. Primeiramente, podem cumprir a função de
modeladores de comportamentos, ensinando ao sujeito qual o comportamento adequado
para alguma situação específica, como role models. Em segundo lugar, como colocado
anteriormente, na ficção, é passível de exploração cenários emocionais assustadores
com segurança. Personagens fictícios podem também saciar a necessidade de
experiências emocionais, combatendo o tédio e apatia, e promovendo o bem-estar do
sujeito. E por último, tem a função de relaxar e entreter, uma vez que é divertido assistir
eventos improváveis em sua vida cotidiana acontecendo com personagens fictícios.

É discutido, também, a concepção clássica de que o realismo em ficção promove


maior envolvimento por parte do telespectador. Alguns autores discordam desta
concepção, uma vez que uma descrição fantástica de eventos pode ser mais
“absorvedoras, vividas e mais reveladoras de verdades morais, sociais e emocionais”.
Segundo esta corrente de pensamento, uma história extremamente realista pode estar
próxima demais a realidade do telespectador, de seus medos e desejos, aumentando o
envolvimento num nível que deixaria de ser prazeroso.
Esta perspectiva está alinhada a perspectiva de outra pesquisa, que através de
revisões na literatura, explora as maneiras nas quais personagens e histórias fictícias
podem promover benefícios para o desenvolvimento e bem-estar pessoal. Um dos
pontos explorados é que a ficção pode tornar-se uma maneira de um lidar com suas
emoções e memórias. A ficção pode provocar o acontecimento de memórias
autobiográficas na mente do telespectador (MAC DONALD ET AL., 2015).
Revisitando estas memórias, o telespectador tem a oportunidade de ressignificar as
emoções que experenciou, especialmente as mais difíceis de lidar. Com o estímulo da
ficção, o telespectador pode experenciar suas emoções e verdades pessoais e entender
aspectos delas que ficaram obscuros quando as mesmas surgiram no contexto original
(OATLEY, 2008 apud. DILL-SHACKLEFORD ET AL., 2016). O ambiente seguro
promovido pelas histórias fictícias permite com que o telespectador explore suas
emoções, e os valores, crenças e ideias atrelados a elas, de maneira segura, com menos
consequências do que no mundo real. Através do que Dill-Shackleford et al. (2016)
chamam de “empatia dual”, quando o telespectador sente tanto por si quanto pelo
personagem, as histórias e personagens fictícios podem auxiliar no confronto e até
mesmo na resolução de conflitos pessoais.

Nesta mesma pesquisa, outros pontos são levantados em relação as funções


desempenhadas por histórias fictícias e personagens fictícios, como estimulação social,
desenvolvedor de habilidades sociais, conexão social, experiência de fã e redução de
preconceitos. Em relação a estimulação e processamento social, por exemplo, foi
levantado que das cinco áreas do cérebro associadas ao processamento de histórias
fictícias, quatro também estão associadas ao processamento social. A imersão numa
história estimula as experiências de pensar, sentir e agir de maneira similar a contextos
sociais. Em 2013, Bal e Veltkamp, chegaram ao resultado de que aqueles que leem
ficção são mais empáticos do que os que não leem ficção, mas somente quando são
transportados a história. Ou seja, uma história que verdadeiramente envolva o seu
telespectador pode acabar promovendo atitudes posicionamentos mais empáticos, talvez
pela atividade de transposição do seu ponto de vista para o ponto de vista do
personagem que a ficção promove.

A conexão entre histórias, emoção e ação as levam a ser chamadas de “ensaio


para a vida” por Rose (2012, apud. DILL-SHACKLEFORD ET AL., 2016). Conexões
com mídias com significados profundos pode ajudar indivíduos a aperfeiçoarem e
treinarem certas habilidades, e colocar o indivíduo em contato com uma situação que
não estaria disponível em seu contexto real, auxiliando-os a adotar novas perspectivas e
treinando a habilidade de se colocar em outras posições.

As tecnologias da informação e da comunicação já alteraram o modo de se


relacionar, e ampliaram a janela de influência que os indivíduos têm acesso além dos
ambientes e pessoas que os circundam fisicamente. Com isto em vista, é importante
incluir os novos tipos de relações virtuais e parassociais provindas deste meio para
adaptar os estudos do desenvolvimento da identidade na era contemporânea. É
importante identificar quais as possíveis redes de apoio acessíveis aos jovens em fase de
desenvolvimento na atualidade, quais suas manifestações e consequências para seu
desenvolvimento psicossocial. (ABADE; PEREIRA, 2021).
5 IDENTIFICAÇÃO

Para Jung (1976, p. 512): “deve-se entender por identificação um processo


psicológico por meio do qual a personalidade dissimila-se (ver Assimilação), totalmente
ou em parte. A identificação é um alheamento do sujeito em favor de um objeto, de
cujas características, em certa medida, o sujeito se reveste”. Ou seja, a identificação
pode ser parcial ou total, e seu efeito dependerá disso. Através de uma identificação
parcial, o indivíduo adota certas características do objeto com o qual se identifica, mas
esta identificação não domina completamente o ego, e o sujeito ainda reconhece partes
de si alheias a esta identificação. Já numa identificação completa, o ego é sobrepujado.

Ademais, a identificação é uma imitação inconsciente, e serve ao propósito da


superação de algum obstáculo, em casos normais, e impede o desenvolvimento do
indivíduo colocando-o numa situação de comodidade, em casos patológicos. Não há
identificação sem uma semelhança inconsciente com o objeto. Jung (1976, p. 513)
coloca que: “a identificação tem sempre por objetivo obter uma vantagem pelo estilo e
maneira de outras pessoas, ou desembaraçar-se de um obstáculo ou resolver um
problema”. A identificação parcial pode auxiliar o desenvolvimento do ego, oferecer
forças ao indivíduo que se encontra em uma crise desconhecida, para a qual não tem
repertórios para enfrentar. Para que ocorra a identificação, é essencial que exista uma
ligação inconsciente com o objeto, logo, a identificação pode fornecer pistas sobre o
inconsciente pessoal e até mesmo mostrar-se como um caminho de acesso a este.

Entretanto, uma identificação total com um complexo pode dominar


completamente o ego, colocá-lo de lado, e impedir seu crescimento. Jung usa de
exemplo uma identificação com a persona, que é muito frequente. Persona é “o sistema
da adaptação ou estilo de nossa relação com o mundo” (p. 128). Ou seja, ela é a película
que reveste o ego, é a identidade social do indivíduo, através do qual ele interage com
outros indivíduos. Ela é moldada pelas pressões sociais externas. A identificação com a
persona esvazia o indivíduo ao seu papel social, sua profissão, ou o que quer que seja
que sua persona representa. Sobre esta identificação, Jung diz: “[...] daí a desgraça. É
que, então, se vive apenas em sua própria biografia, não se é mais capaz de executar
uma atividade simples de modo natural.” (p. 128).
O ego apresenta uma tendência a se identificar com os papéis sociais que exerce
na vida. Apesar de seu núcleo arquetípico imutável, o ego é permeável de influências
externas, ele “aprende” com novas identificações. Um indivíduo pode estar altamente
investido na identificação com a persona e definir-se através de uma série de dados,
memórias pessoais e adjetivos, dependendo completamente da persona e assim, da sua
relação com o externo, para seu senso de identidade e valor pessoal (STEIN, 2006).

Para a psicologia analítica, o mundo interno é tão importante quanto o externo, e


o desafio para o homem é não priorizar um em detrimento do outro. Um indivíduo que
depende de sua relação com o externo para validar sua identidade possui uma relação
muito fraca com os outros elementos de sua psique e possui um ego muito fragilizado.
Por outro lado, um indivíduo que não reconheça a força que símbolos externos podem
exercer sobre seu inconsciente, encontra-se tão preso num mundo pequeno quanto o
outro.

Outros fenômenos no qual ocorrem uma relação inconsciente com objetos


externos ou terceiros são a projeção e a introjeção. Jung considera que estes processos
se contrapõem: na introjeção, o sujeito assimila conteúdos do objeto ao Ego; na
projeção, o sujeito dissimila conteúdos do Ego ao objeto. Em suas palavras: “A
introjeção subentende uma assimilação do objeto ao sujeito; a projeção, pelo contrário,
uma diferenciação entre objeto e sujeito, em virtude de um conteúdo subjetivo que se
projeta no objeto” (Jung, 1976, p. 528). A introjeção é um processo que pode ser tanto
ativo quanto passivo, e pode ser tanto patológico quanto não-patológico. Jung considera
ativos os casos de transferência, que é um processo de projeção que ocorre dentro do
ambiente terapêutico, principalmente o objeto atrai o sujeito de forma absoluta. De
forma passiva, a introjeção pode ser um mecanismo de adaptação.

Sobre projeção, Jung ainda especifica o tipo de conteúdo que mais comumente
são “expelidos” pelo sujeito e projetados no objeto. Em relação a estes conteúdos, Jung
(1976) coloca que: “Trata-se, muito mais ainda, de conteúdos penosos, incompatíveis,
de que o sujeito se desembaraça por projeção, ou de valores positivos que, por qualquer
motivo — a autodepreciação, por exemplo — são inacessíveis ao sujeito” (p. 537). Os
conteúdos projetos são, por muitas vezes, incompatíveis com a identidade que o sujeito
acredita possuir. Ademais, ele coloca que o fenômeno só pode ser chamado de projeção
quando a necessidade de reconhecimento destes conteúdos se impõe, e o alheamento
desta parte da identidade prejudica essencialmente a adaptação do indivíduo. Assim
como para a introjeção, a projeção pode ser ativa ou passiva. A passiva é considerada
como grande parte das projeções, patológicas ou não, que ocorrem automaticamente,
sem um propósito explicito. A ativa envolve o processo de compenetração, que é uma
forma de introjeção do objeto.

Além destes processos, existe ainda um quarto, chamado de “Participation


Mystique”. Jung (1976) descreve este processo como um “modo peculiar de vinculação
psíquica ao objeto” (p. 532), onde o sujeito não consegue diferenciar-se nitidamente do
objeto, “vinculando-se a ele em virtude de uma relação direta a que poderíamos dar o
nome de identidade parcial” (p. 532). A participation mystique é um estado baseado na
unidade entre sujeito e objeto, um “remanescente deste estado primordial” (p. 533).
Jung (1976) levanta que nas sociedades civilizadas, raramente este fenômeno ocorre
entre sujeito-objeto, sendo mais comum observar sua ocorrência entre sujeito-sujeito.
Procurar coisa do jung falando sobre duplo. Diferenciação do imaginário do concreto.

5.1 Identificação com personagens midiáticos

Estudos sobre efeitos de conteúdos midiáticos adotaram o conceito de


identificação da psicologia e da sociologia por considerá-lo essencialmente importante
na relação entre telespectador e programa de entretenimento. Cohen (2001) coloca que é
difícil imaginar qualquer conteúdo midiático possuindo efeitos sem que haja
identificação. A comoção emocional causada pela identificação motiva um
telespectador a continuar consumindo aquele conteúdo, e quanto maior a exposição a
estes conteúdos, maior será esta identificação. Ou seja, a identificação transforma o
consumo de mídia num sistema retroalimentado. O autor define a identificação como a
perda temporária de autoconsciência e adoção dos ideais, objetivos e emoções dos
personagens com o qual se identifica. Para ele, a identificação dura somente quando o
indivíduo está em contato com a mídia. Seu papel para além da mídia na qual aparece, a
identificação pode ser utilizada como ferramenta de persuasão e propagação de
propagandas ideológicas e de consumo, como por exemplo, a identificação como uma
celebridade levar o indivíduo a consumir produtos dos quais a celebridade faz
propaganda.

Hoffner e Buchanan (2005) abordaram o conceito de identificação desejosa


(Wishful Identification), que, ao contrário da definição dada por Cohen, extrapola a
interação entre o indivíduo e o conteúdo midiático. Para os autores, a identificação
desejosa é tanto uma consequência durante a exposição à mídia quanto um efeito a
longo-termo a exposição à mídia. Vários estudos são levantados sobre a influência da
mídia sobre atitudes, comportamentos, aspirações e a aparência de sua audiência, como
por exemplo o de Harrison (1997), que descobriu que a identificação com personagens
magras foi associada com níveis mais altos de distúrbios alimentares. A identificação
desejosa é definida por uma identificação que o ultrapassa o tempo de contato com a
mídia e suas consequências são a introjeção de atitudes, valores, objetivos etc., do
personagem com o qual se identifica, e esta identificação não se limita somente a
infância, mas também engloba a adolescência e pode adentrar até mesmo a vida adulta,
como um desejo de ser mais como o personagem favorito.

Brown (2015) procura oferecer uma definição de identificação que ao mesmo


tempo, inclua as diferentes formas que o conceito foi utilizado nos estudos dos efeitos
da mídia, bem como delimite o conceito de maneira que ele não se confunda com as
outras formas de envolvimento com personae midiáticas. A definição oferecida pelo
autor é: a identificação é o processo de conformar-se a personalidade percebida de uma
persona midiática durante e após o consumo da mídia [...], que se inicia quando o
consumidor da mídia passa a assumir a identidade da persona através do
compartilhamento ou adoção de suas atitudes, valores, crenças ou comportamentos.

Reysen et al. (2021), levantaram variadas pesquisas com fãs de anime em seu
livro “Transported to Another World: The Psychology of Anime Fans”, e em uma delas
abordou a identificação dos fãs de anime com seus personagens favoritos. Nesta
pesquisa, mais de 20% dos participantes indicaram que se sentem fortemente
identificados com seus personagens favoritos, obtendo uma correlação positiva entre
esta identificação e a definição de identificação segundo Cohen e uma correlação
positiva entre esta identificação e entender as atitudes e valores do personagem
identificado similares ao seus. Hoffner e Buchanan (2005) levantaram que similaridades
entre os personagens o indivíduo são facilitadores para a identificação. As similaridades
entre o indivíduo e o personagem identificado podem atuar como sinalizador de que é
possível para o indivíduo tornar-se mais parecido com o personagem em outros
aspectos, nos quais diferem.

Entretanto, os participantes da pesquisa cujos personagens favoritos eram


personagens secundários ou de fundo se identificavam mais com estes do que os
participantes cujos personagens favoritos são protagonistas. Reysen et al. (2021)
consideraram que uma das possíveis explicações para isto seria a projeção, fenômeno no
qual o indivíduo espelha aspectos inconscientes os quais não reconhece em si mesmo,
devido à incompatibilidade com sua identidade, no outro (JUNG, 1976). Uma vez que
estes personagens são menos caracterizados que os protagonistas, suas lacunas
permitem que os telespectadores projetem conteúdos próprios nos personagens e
intensificam o grau da projeção. Uma vez carregados de conteúdos inconscientes, estes
personagens podem funcionar como símbolos para estes indivíduos.

Em outra pesquisa trazida no mesmo livro, Reysen et al. (2021) relacionaram os


personagens favoritos dos entrevistados a alguns traços de personalidade, e encontrou
uma correlação positiva entre pessoas cujos personagens favoritos são violentos e
pessoas com maior tendência a agressividade, bem como uma correlação positiva entre
pessoas cujos personagens favoritos são vilões e pessoas mais hostis e prováveis de
apoiarem ideias etnocêntricas. Os autores levantam que existe a possibilidade de fatores
inconscientes estarem ligados a escolha desses personagens favoritos.

Num estudo qualitativo sobre a influência de anime sobre jovens brasileiros,


Portes e Haig (2013) identificaram padrões arquetípicos nos relatos autobiográficos dos
participantes da pesquisa com os personagens favoritos escolhidos pelos mesmos, bem
como uma descrição destes personagens e como os jovens se identificavam a eles. Os
autores revelaram que os jovens mostravam altos níveis de excitabilidade ao citar os
personagens, o que demonstra o valor emocional e simbólico que estes carregam.
Personagens e histórias com temáticas de independência, separação do núcleo familiar,
buscas por aventura são atrativos pelo seu teor simbólico que apela ao desejo
inconsciente presentes em jovens na adolescência.
6 HISTÓRIAS E PROCESSOS INCONSCIENTES

A psicologia analítica sempre demonstrou um carinho especial em relação às


lendas, mitos e contos de fadas. Von Franz (1990) coloca que os contos de fadas são as
produções humanas que mais se aproximam dos materiais do inconsciente coletivo,
sendo sua mais pura expressão, enquanto os mitos e lendas carregam o caráter nacional
da civilização na qual se originaram, ou seja, estão ligados ao inconsciente coletivo
cultural daquela civilização. Porém isso somente significa que as imagens arquetípicas
estão enterradas mais profundamente nestes do que nos contos de fadas, onde aparecem
de forma mais livre de implicações culturais.

Jung (2000), e depois dele, Campbell (1997), Henderson (1964) e muitos outros
se desdobraram sobre os estudos de mitos e lendas de diferentes lugares e diferentes
épocas para estudar imagens arquetípicas e o inconsciente coletivo. Jung define o
inconsciente coletivo como:

(...) é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente


pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal,
não sendo, portanto, uma aquisição pessoal. [...] os conteúdos do
inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto, não
foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à
hereditariedade”. (JUNG, 2000, p.53)

Em seus estudos, estes autores fizeram estudos comparativos entres diversos


mitos e lendas para compreender as diferentes facetas dos arquétipos presentes nessas
histórias, e traçar um paralelo entre estes. Campbell (1997) coloca que, não importa a
forma que ela se apresente a nós, a história que conta a jornada do herói é
“prodigiosamente constante” (p. 5). Os arquétipos são, para Jung (2000), formas
existentes na psique que estão presentes em todos lugares e tempos, e em todas as
pessoas. Um arquétipo possui diversas potencialidades, e seus significados nunca se
extinguirão. Em uma narrativa, a imagem a qual o arquétipo toma forma é chamada de
imagem arquetípica, e constela uma das muitas possibilidades de ser daquele arquétipo
específico. Por exemplo, o arquétipo da Grande Mãe pode tomar a forma da Madrasta
Má ou da Virgem Maria, ambas são imagens arquetípicas que constelam a maternidade,
apesar de possuírem aspectos muito diferentes em relação a esta.

Atualmente, as imagens arquetípicas se apresentam através de filmes, seriados,


desenhos animados, quadrinhos, entre outros. Beebe (2001 apud. BILOTTA, 2010)
entende que a análise de filmes para a compreensão de arquétipos atualmente é válida,
uma vez que as imagens cinematográficas surgem de ansiedades e preocupações atuais,
e assistir a filmes pode ser considerado um ritual contemporâneo. Campbell (1990)
discorda que a ida ao cinema seja ritualística, uma vez que grande parte dos filmes são
produzidos visando somente o lucro, mas coloca que alguns filmes podem possuir uma
perspectiva mitológica válida, citando Star Wars como exemplo.

Segundo Henderson, em épocas de guerra há um aumento de interesse em obras


de Homero, Shakespeare e Tolstoi, que dão à guerra um sentido “arquetípico”, e
evocam reações muito mais profundas naqueles que já viveram uma guerra do que aos
que nunca viveram, torna-se um símbolo para àquelas pessoas quando conecta-se uma
faceta do arquétipo de guerra com suas experiências pessoais com guerras.

Histórias que se relacionam com as necessidades psíquicas de um grupo podem


tornar-se símbolos para estes, ou seja, atuarem como uma ponte entre consciente e
inconsciente, carregar em si um significado que não pode totalmente ser traduzido sem
que perca dele uma parte essencial (JUNG, 1964).

As histórias contemporâneas, apesar de ainda mais carregadas de conteúdos


culturais que as lendas e os mitos, também apresentam padrões e imagens arquetípicas,
que podem se ligar ao inconsciente de seus telespectadores e adquirir um caráter
numinoso para estes.
7 MÉTODO

Este presente trabalho utilizou conceitos da psicologia analítica e conceitos da


psicologia social e estudos de mídia, curados através de artigos, teses, periódicos, livros
e outras fontes acadêmicas, para a análise dos discursos recolhidos através de
entrevistas semi-dirigidas realizadas com jovens que se declaram fãs de animes e
mangás. Os conceitos recolhidos para a análise dos discursos foram: identificação,
identificação com personagens fictícios, construção e desenvolvimento da identidade,
arquétipos, em especial, o arquétipo do herói, entre outros.

Tendo em vista que a pesquisa foi realizada dentro da perspectiva da psicologia


analítica, considerou-se que o uso da entrevista semi-dirigidas era o mais apropriado. O
instrumento permite a colheita de informações com mais profundidade e dados de
qualidade, uma vez que permite que o participante demonstre sua subjetividade. Como
Penna (2005, p.79) propõe: “Os métodos qualitativos de pesquisa propõem uma
abordagem compreensiva e interpretativa dos fenômenos.”

A entrevista semi-dirigida é um instrumento que possibilita a flexibilidade e o


surgimento espontâneo de conteúdos por parte do entrevistado. É um caminho que
possibilita o aparecimento de conteúdos simbólicos e até mesmo inconscientes na
narrativa dos entrevistados, além de oferecer espaço para a criação de um vínculo entre
pesquisador e participante que é inexistente através de outras formas de coleta de dados.

Nas palavras de Penna:

A pesquisa qualitativa caracteriza-se como uma abordagem


interpretativa e compreensiva dos fenômenos, buscando seus
significados e finalidades. Essa metodologia baseia-se numa
perspectiva epistemológica em que o conhecimento resulta de
processos dinâmicos que fluem dialeticamente (PENNA, 2005,
p. 80).
Para a psicologia analítica, o mundo e o homem são seres de caráter simbólico, ou
seja, não são meramente físicos. A psique abarca tanto os fenômenos do mundo
subjacente (inconsciente) quanto os fenômenos do mundo manifesto (consciente) numa
totalidade indissociável. É importante que pesquisas pautadas na abordagem da
psicologia analítica sejam capazes de captar conteúdos de ambas os âmbitos, dando a
liberdade para o florescimento de conteúdos conhecidos e desconhecidos (Penna, 2005).
7.1 PARTICIPANTES

Cinco jovens adultos voluntários que se identificam como fãs de animes e mangás
e possuem uma ligação que descrevem como identificação com algum(s) personagem(s)
fictício destas obras. Todos os nomes utilizados para referir-se aos participantes da
pesquisa são fictícios, para preservarmos o sigilo das entrevistas.

A primeira pessoa entrevistada foi Nic, que é não-binária e tem 24 anos. Nic
colocou que a presença de animes e mangás em sua vida era, de certa forma,
“onipresente”, pois além de consumir muitos conteúdos relacionados ao tema, a
decoração de seu quarto envolve animes e mangás, logo, sua exposição a este tipo de
conteúdo é contínua.

O segundo participante foi Hector, homem cis e homossexual, de 29 anos,


professor de língua japonesa, que devido à sua profissão, considera sua exposição a
conteúdos relacionados a animes e mangás bem alta, diariamente,

A terceira participante foi Patrícia, mulher cis de 24 anos, que descreveu sua
exposição a conteúdos relacionados a animes e mangás como cotidiana, através das
interações com amigos que consomem este tipo de conteúdo, mas que o consumo direto
havia sido mais intenso em sua adolescência.

A quarta participante foi Denise, mulher cis de 21 anos, estudante de psicologia,


que se interessou pela pesquisa através da rede social Twitter. Denise considera que sua
exposição a conteúdos relacionados a animes e mangás é alta, diariamente,
principalmente através de redes sociais e interações com outros fãs.

O último participante foi Lourenço, homem cis de 21 anos, que, assim como os
outros participantes, considerou que sua exposição a conteúdos relacionados a animes e
mangás é intensa, apesar da maior parte desta exposição dar-se de forma indireta, como
conversas com amigos, consumo de conteúdo produzido de fãs para fãs, e não direta,
como assistindo animes ou lendo mangás diariamente.

7.1.1 Tamanho da amostra

A amostra foi de cinco participantes.


7.1.2 Seleção da Amostra

A pesquisa foi divulgada através das redes sociais pessoais da pesquisadora. Os


interessados que se encaixavam nos critérios de inclusão a contataram voluntariamente
e assim foram marcadas as entrevistas.

7.1.3 Critérios de Inclusão

Os critérios de inclusão a serem considerados serão: ter acima de 18 anos de idade, se


identificar como fã de animes e mangás, declarar que possui ou já possuiu forte
identificação com um ou mais personagens de animes e/ou mangás.

7.1.4 Critérios de Exclusão

Os critérios de exclusão a serem considerados serão: Não se identificar como fã de


animes e mangás e declarar que não possui ou nunca possuiu forte identificação com
personagens de animes e/ou mangás.

7.2 INSTRUMENTOS

Devido ao enfoque qualitativo da pesquisa, o instrumento utilizado foi a entrevista


semidirigida.

7.2.1 Duração e Sequência de aplicação de instrumentos

O único instrumento utilizado foi a entrevista. As entrevistas tiveram duração de


aproximadamente 30 minutos, apesar de certas entrevistas terem sido mais curtas, a
depender da fala do participante.

7.3 LOCAL DE COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi feita de maneira remota e presencial. Três foram feitas através da
plataforma Zoom, uma foi feita através da plataforma Google Meets e uma foi feita
presencialmente.

7.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE DADOS

A análise de dados foi feita levando em consideração os conceitos da psicologia


analítica, em especial de arquétipos, projeção e identificação, e os conceitos de estudos
psicológicos de mídia, em especial o de identificação cognitiva e identificação desejosa,
e as funções de personagens fictícios.
Após feita a coleta e transcrição dos dados, seus conteúdos foram separados em
categorias de análise, criados a partir dos conteúdos que surgiram nos discursos dos
participantes. Para a análise e criação de uma categoria, não foi necessário que está
aparecesse em todos os discursos, respeitando o caráter subjetivo da pesquisa e das
entrevistas. Ao final da análise, foram criadas 15 diferentes categorias, sendo elas:
“Ciclos Sociais”, “Cosplay”, “Identificação instantânea”, “Identificação com aspectos
positivos dos personagens”, “Identificação com aspectos negativos”, “Identificação com
o contexto do personagem”, “Personagens como modelo e inspiração”, “Aparência dos
personagens”, “Herói”, “Gênero e identificação”, “Momentos difíceis”, “Adolescência
e identificações”, “Autoconhecimento, perspectiva e identificação”, “Persona e
identificação” e “Reações emocionais”.

7.5 CUIDADOS ÉTICOS

O projeto desta pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil e ao comitê de Ética em


Pesquisa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Os procedimentos
realizados nesta pesquisa obedeceram aos Critérios da Ética na Pesquisa com Seres
Humanos, conforme a RESOLUÇÃO N° 510, DE 07 DE ABRIL DE 2016, do
Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa recebeu aprovação tanto do Comitê de Ética
quanto da Plataforma Brasil, número de aprovação: 54151521.3.0000.5482.

7.6 RISCOS

A pesquisa não apresentou riscos aos participantes, entretanto, caso o participante se


sentisse desconfortável com algum assunto abordado durante a entrevista semidirigida,
ele poderia solicitar atendimento na Clínica Ana Maria Poppovic.

7.7 BENEFÍCIOS

A pesquisa trouxe novas perspectivas sobre a relação de jovens e seus personagens


fictícios favoritos, qual a importância e as consequências deste vínculo, e ampliou o
conhecimento de como os animes e mangás impactam a vida de adolescentes e seu
desenvolvimento. Fomentou o tema investigado e ampliou os conhecimentos do campo
de estudos da influência dos conteúdos midiáticos sobre o cotidiano e formação dos
jovens.
8 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

As 15 categorias de análise de alguma forma se relacionam com identificação ou


formas de construção de identidade. As categorias “Identificação instantânea”,
“Identificação com aspectos positivos dos personagens”, “Identificação com aspectos
negativos”, “Identificação com o contexto do personagem” se relacionam com a
maneira com a qual os participantes descrevem suas identificações, quais seus
motivadores e a forma com as quais se deram.

As categorias “Gênero e identificação” e “Adolescência e identificações” exploram


coincidências entre os discursos dos participantes em relação a fase de vida na qual as
identificações surgiram e tiveram maior intensidade e as semelhanças entre o gênero dos
participantes e dos personagens com os quais se identificam.

“Autoconhecimento, perspectiva e identificação”, “Persona e identificação”,


“Personagens como modelo e inspiração”, “Momentos difíceis”, “Reações emocionais”
e “Herói” exploram as diferentes funções que estes personagens fictícios ocuparam na
vida dos participantes, sendo como uma ferramenta de autoconhecimento, de formação
da persona, como fonte de inspiração, carregando a imagem arquetípica do herói, entre
outras maneiras.

“Círculos Sociais”, “Cosplay” e “Aparência dos personagens” exploram os efeitos


que estes personagens tiveram no mundo externo do participante, seja através da
formação de novas amizades, de atividades de cosplay ou até mesmo incorporando
características do personagem a sua maneira de se vestir.

Todas estas categorias nos ajudam a compreender diferentes esferas do fenômeno


de identificação com personagens fictícios, porque ocorrem, de que forma ocorrem,
quais as suas consequências para o desenvolvimento do ego e da persona dos
indivíduos, entre outros aspectos.

8.1 Identificação instantânea

Durante as entrevistas, três participantes levantam identificações que ocorreram


de forma instantânea: assim que tiveram contato com o personagem, se identificaram
com ele. “Foi quase instantâneo, eu olhei ela e vi ela, e uau”, conta Denise sobre sua
identificação com Faki, personagem do anime Zombieland Saga. Lourenço, ao
relembrar sobre sua identificação com o personagem Neji, do anime Naruto, conta que:
“[...] desde que eu tinha uns 8 anos de idade e eu vi ele pela primeira vez na tela [...]. Já
Nic, ao contar sobre sua identificação com o personagem Franky, de One Piece, relata:
“Eu já me identifiquei com o Franky logo de cara, [...] foi muito instantâneo, é muito
engraçado você ver o personagem quase como se fosse você ali vendo as coisas em
terceira pessoa”.

As identificações instantâneas, que ocorrem sem que o personagem tenha


revelado aspectos o suficiente para a geração de uma identificação como definida pelos
estudos de psicologia social, pode indicar a presença de alguma necessidade
inconsciente do participante, seja essa qual for. Jung (1976) coloca que as identificações
possuem um caráter de similaridade inconsciente com o objeto de identificação. Por
mais que os participantes tragam descrições dos personagens e motivos do porquê se
identificaram, estas justificativas são racionalizações da consciência, que vieram depois
da identificação ocorrer de fato. O inconsciente do participante entrou em diálogo com a
mídia, encontrou naquele personagem um símbolo para alguma necessidade
inconsciente que pode, ou não, ter sido descoberta e explorada pelo participante após
sua ocorrência.

No caso de Nic, sua identificação com o personagem Franky de One Piece


aparece de forma tão intensa que o participante descreve como se estivesse observando-
se em terceira pessoa. Este fenômeno pode ser interpretado como Participação Mística,
no qual, segundo Jung (1976), o sujeito não é capaz de diferenciar-se nitidamente do
objeto. Nic relata, em outro momento da entrevista, que o personagem já foi tema de
suas sessões de psicoterapia. Nic coloca que: “em muitos momentos, eu fui à terapia
trazer questões e tal usando o Franky como ponto de referência”. O personagem possui
uma “imagem tão forte em minha vida”, e foi uma peça essencial para o processo
terapêutico e de autoconhecimento que Nic passou durante anos. Nic reconhece
conscientemente a força simbólica que este personagem possui para si, e o quão
importante foi este símbolo em seu processo terapêutico apesar de sua terapia não seguir
o viés da psicologia analítica. A integração de conteúdos, processo de
autoconhecimento e até mesmo de construção de identidade de Nic só foram possíveis
graças a sua forte identificação com o personagem e todo o caminho ao seu inconsciente
desbloqueado por esta identificação.
Como Nic propõe, “quando rola essa conexão é uma coisa bem intuitiva, mas se
for dar uma destrinchada eu consigo saber o porquê, eu sou uma pessoa com bastante
autoconhecimento e consciência, acho que não é assim pra todo mundo, deve ter gente
que só se vê no personagem e não sabe direito o porquê ou assimila aquilo de forma
superficial”.

8.2 Identificação com aspectos positivos dos personagens

Quando a pergunta sobre identificação com personagens foi levantada para os


participantes, cada um levantou aspectos específicos do personagem para justificar tal
identificação. Alguns levantaram qualidades do personagem, outros levantaram
defeitos, e outros levantaram o contexto do qual o personagem fazia parte.

Somente uma participante levantou somente aspectos positivos das


identificações que possuía com personagens fictícios. Cita características como
“engraçada”, “líder”, “corajosa”, entre outras. Mostra um alto nível de excitabilidade
falando sobre a personagem, e conta que é uma identificação recente. Quando
questionada sobre o que essa e outras identificações significam para ela, Denise conta
que “as vezes eu me sinto um pouco pra baixo de vez em quando né, ninguém é de ferro
[...] é como se ela me ajudasse a relembrar tipo, eu consigo pensar que eu me vi nessa
personagem, ela é muito foda, então calma aí cara”. Nos momentos em que se sente
para baixo, ou “dissociada”, como ela mesma coloca, a identificação com as
características positivas das personagens a ajudam a “se colocar novamente no eixo”.
Denise coloca que se em algum momento se identificou com esta personagem e acha ela
incrível, deve ser porque a própria também é. Há uma equivalência entre determinadas
características do ego com a personagem identificada, e quando estas características
estão entrando em esquecimento pelo próprio ego, a identificação auxilia a trazê-las à
tona.

Diferentemente de outros participantes, como veremos mais a frente, a


identificação de Denise com as personagens de animes e mangás não se trata de uma
identificação desejosa (HOFFNER; BUCHANAN, 2005). Ela enxerga-se como é
atualmente nos personagens. Ela coloca que: “eu olhei para eles e me vi neles, meio que
estas características já estavam em mim antes mesmo de eu conhecer eles”.
Conscientemente, ela não enxerga esforço para tornar-se mais parecida com os
personagens com os quais se identifica. Entretanto, a identificação com a personagem
Faki foi descrevida por ela como instantânea, o que pode indicar fatores inconscientes
presentes nesta identificação que ainda não são claros para a participante.

Nic descreve alguns aspectos que considera positivos pelos quais se identifica
com o personagem Franky, de One Piece. Entretanto, coloca que esta identificação tem
mais relação com o jeito que se vê do que o jeito que se comporta. “Às vezes, eu
gostaria até de ser um pouco mais assim (extravagante como o personagem), mas eu sou
meio chata e meio certinha com as coisas”, o que revela aspectos de uma identificação
desejosa com o personagem, onde o indivíduo deseja conscientemente tornar-se mais
similar àquele personagem.

Lourenço foi um dos participantes que mais explorou identificações com


diferentes personagens. A primeira que levantou durante a entrevista foi com Josuke,
personagem de Jojo’s Bizarre Adventure, e levantou aspectos positivos do personagem
com os quais se identificava, ressaltando o lado de importar-se muito com seus amigos e
querer ajudar os outros, apesar da imagem de delinquente do personagem. Apesar de ser
a primeira identificação levantada pelo participante, foi uma das menos exploradas ao
longo da entrevista, e as outras identificações se relacionavam mais com aspectos do
contexto do personagem ou considerados negativos pelo participante.

8.3 Identificação com aspectos negativos

Os participantes que levantaram aspectos negativos dos personagens pelos quais


se identificavam com eles também levantaram aspectos do contexto concomitantemente,
entretanto, nos discursos, os aspectos negativos ou do contexto tiveram mais destaque a
depender do personagem relatado.

Um dos participantes que definiu sua identificação com um personagem


majoritariamente através de aspectos negativos foi Lourenço, em sua identificação com
Neji de Naruto e com o protagonista do anime Megalobox. Ele descreve Neji como:
“totalmente rabugento e poucas ideias com todo mundo, era chatão” e o protagonista de
Megalobox como: “desleixado”, “meio aéreo”, “não costuma mostrar os sentimentos
dele” e “erra bastante”. O participante também trouxe aspectos positivos destes
personagens. De Neji, fala que depois de seu encontro com o protagonista do anime,
Naruto, ele vira: “uma pessoa muito mais amável e até gentil”. Do protagonista de
Megalobox, ele coloca: “ele é muito persistente” e que “ele tem alguma coisa que
sempre é a luz dele, e ele não deixa isso apagar”. Ou seja, o participante reconhece
aspectos positivos nestes personagens, mas não enxerga em si estes aspectos. Sobre
Neji, ele coloca que: “eu me pego desse jeito reclamão e chato com as coisas, e percebo
que o Neji também era do mesmo jeito e depois ele virou um cara da paz, e eu tenho que
parar de ser assim”. Sobre o protagonista de Megalobox, ele coloca: “a parte boa (do
personagem) me inspira, a parte mais humana dele errar eu me vejo bastante também”.

Hector também relata sobre sua identificação com Naruto, protagonista do anime
Naruto, inicialmente através de aspectos negativos. Ele descreve o personagem e todos
os protagonistas de shonen como: “excluídos”, “tem que provar alguma coisa” e “nunca
são os melhores do grupo”, e sobre Naruto especificamente, coloca que: “Mas com o
Naruto eu me identificava total, porque eu era sempre o burro, burrinho, que ninguém
dava nada”. Sua identificação com as características negativas e com o contexto do
personagem, de ser excluído pelos colegas e adultos o fizeram adotar o objetivo de
Naruto como seu objetivo de vida também: “ser uma pessoa importante, uma pessoa
inteligente, que alcançou seu objetivo e se tornou alguém na vida”.

Ou seja, é possível enxergar uma identificação desejosa com estes personagens.


Como proposto por Hoffner e Buchanan (2005), as similaridades entre o indivíduo e o
personagem identificado podem atuar como sinalizador de que é possível para o
indivíduo tornar-se mais parecido com o personagem em outros aspectos, nos quais
diferem. Para Lourenço, a identificação com os aspectos positivos nestes personagens
indica que ele também é capaz de parecer-se mais com eles em seus aspectos positivos.

8.4 Identificação com o contexto do personagem

Dois participantes levantaram aspectos referentes ao contexto do personagem ao


buscarem uma explicação para o início desta identificação. Patrícia traz que sente uma
identificação com a personagem Sakura, do anime Naruto, desde que era criança. Ela
descreve: “eu acho que eu era bastante assim, gado do menino, fazia tudo por ele, só
pensava no menino, a rivalidade com a amiguinha dela, [...] a gente é assim quando
criança”. Ela descreve esta identificação como infantil, pois não tinha grandes motivos
para se identificar com a personagem além disso, e atualmente não sente mais essa
identificação.
Uma das identificações mais exploradas por Lourenço em sua entrevista foi sua
identificação com o personagem Punpun, do mangá Boa Noite Punpun. Lourenço
relaciona sua infância com a infância do personagem, quando ambos eram inocentes e,
segundo ele, abusados na escola por conta de sua inocência e bondade. Lourenço conta
que não teve uma infância muito boa na escola, assim como Punpun, que tinha uma
relação complicada com os amigos e foi abandonado pela namorada de infância de
repente. O personagem tornou-se muito importante para ele devido a semelhança de
suas infâncias.

Lourenço coloca que ver sua infância refletida naquele personagem o fez pensar
sobre seu momento atual. Ele diz: “ver tipo a trajetória dele me fez pensar o que eu teria
feito no lugar dele, sabe? Se eu tivesse continuado no mesmo caminho que ele tava,
porque minha vida melhorou depois disso, só que a dele não”.

Em primeiro lugar, como colocado pelo estudo de Hoorn e Koniji (2003),


cenários emocionais assustadores podem ser explorados com segurança na ficção. Ao
imaginar-se no lugar de Punpun, Lourenço está imaginando como seria sua vida caso
ela nunca tivesse melhorado. Além disso, a obra e o personagem podem ter servido para
Lourenço como uma oportunidade para ressignificar as emoções que experenciou em
sua infância, conforme proposto por Oatley (2008).

8.5 Personagens como modelo e inspiração

Para todos os participantes, os personagens aparecem como uma forma de


inspiração, seja o personagem com o qual o participante identifica-se ou algum outro
que somente admira.

Para alguns participantes em especial, essa inspiração ganha um destaque


especial. Para Hector: “o que eu sou hoje, sério, é o que esses personagens, as histórias
de vida que eles passaram dentro do anime, é o que me fez chegar onde estou. Não sou
uma pessoa religiosa, de ficar acreditando em Deus e que as coisas vão acontecer, não,
eu me inspirava, como pessoas se inspiram em pessoas de verdade, eu, a minha vida
inteira, me inspirei em personagem de desenho, jogo, filme, que eram as pessoas com
quem eu me identificava”.

O discurso de Hector tem um caráter especial, emocional, de demonstração do


impacto que estes personagens tiveram em sua vida. Ele conta que acompanhar o
crescimento de Naruto o fez enxergar que havia um caminho para o sucesso, para
alcançar seus objetivos. Conforme o proposto por Dill-Shackleford et al. (2016), uma
das funções que personagens fictícios podem executar é a de Role Model. Este foi um
dos lugares que Naruto ocupou para Hector. Hector conta que na idade em que todos
estavam estudando para faculdade, ele não tinha quem dissesse a ele para fazer o
mesmo. Ele estabeleceu seus objetivos de acordo com o personagem Naruto, dizia a
todos que seu sonho era tornar-se Hokage, que para ele era equivalente a tornar-se
professor de japonês. Hector conta que os outros ao seu redor riam quando contava seu
sonho, pois, “você? Você nem sabe falar português direito”. Hokage tornou-se um
símbolo para ele. Em suas palavras: “hokage era mais do que o anime passava. Hokage
era tipo chegar onde eu quero, realizar o meu sonho de ser uma pessoa importante, uma
pessoa inteligente, e se tornar alguém na vida, sabe? Sempre foi meu lema, desde que eu
assisti Naruto.”

A inspiração que Naruto teve em sua vida foi além de modelador de


comportamento, como o proposto pelo autor, foi a maneira de que Hector, em sua
adolescência, encontrou de estabelecer um objetivo e encontrar um sonho. Atualmente,
ele é professor de japonês e considera que se tornou hokage, e outra crise segue-se a
isso: e agora? Como o próprio personagem Naruto, sente-se deprimido, mas relata ser
devido a idade e ao envelhecimento.

Hector traz um ponto similar ao de Luyten (1991), de que as histórias japonesas


são fortes e profundas, e carregam mensagens de superação, de mostrar que através do
esforço, indivíduos comuns podem alcançar o extraordinário.

Para os outros participantes, como foi citado anteriormente, as identificações


desejosas, como proposto por Hoffner e Buchanan (2005), podem ser encaradas como
inspiradoras, pois representam quem o participante deseja tornar-se no futuro, ou
modeladoras de comportamentos, adicionando comportamentos sociais ao repertório
dos participantes.

8.6 Aparência dos personagens

Além da identificação gerar mudanças nos valores, comportamentos, e imagem


interna dos participantes, ela também pode gerar mudanças externas. Alguns
participantes relataram já terem modificado algo em sua aparência propositalmente
parar tornar-se mais parecido a determinado personagem.

Patrícia conta que em sua adolescência, pintou seu cabelo de rosa para tornar-se
mais parecida a personagem Sakura. Ela conta que decidiu assumir sua personalidade
como sendo a Sakura, e para isso, tingiu seu cabelo de rosa. Na adolescência, como
trazido anteriormente, uma das formas pelas quais a identidade se constrói é pela adoção
de estilos e imagens, o pertencimento a um grupo se dá pela conformidade aos seus
ideais de beleza, estilo e consumo. Na tentativa de parecer mais a personagem de anime
com a qual se identificava, Patrícia reforçava seu pertencimento àquele grupo através de
sua imagem. É possível interpretar que Patrícia gostaria que sua persona, sua imagem
percebida pelos outros, fosse equivalente a personagem com a qual se identificava. A
forma com que o reforçamento de terceiros a respeito da identificação reafirma a
identidade e a persona dos participantes serão explorados com mais profundidade nos
capítulos adiante.

Lourenço relata que sente muita vontade de vestir-se como Akira, protagonista
de Devilman Crybaby. Além deste personagem, Lourenço menciona que seu corte e cor
de cabelo atuais foram influenciados por personagens de Tokyo Revengers, e deseja
imitar outros cortes de cabelos de personagens que admira ou se identifica.

8.7 Herói

De uma forma ou outra, personagens que carregam imagens arquetípicas do


Herói surgiram nos discursos dos participantes.

Denise relatou que, apesar de não se inspirar nas personagens com as quais se
identifica, inspira-se em Luffy, protagonista de One Piece, e Naruto, protagonista de
Naruto. Para ela, é admirável a maneira com a qual ambos os personagens perseguem os
seus sonhos, apesar de serem desencorajados a alcançarem eles por muitas pessoas que
os cercam. Para ela, é belo a forma com a qual os dois personagens não desistem, apesar
de em certas situações o mundo parecer ir contra eles. O arquétipo do herói se expressa
através destes personagens, uma vez que eles são indivíduos que constantemente
vencem suas próprias limitações, triunfam sobre os desafios que surgem em seu
caminho, iniciam sua jornada como um indivíduo comum e tornam-se espetaculares ao
longo dela. Ambos os personagens seguem ao chamado da aventura, com um objetivo
claro em mente, e seus esforços para alcançá-los são imensuráveis.

Hector relata uma situação similar. As histórias de superação de todos estes


personagens se comunicavam com suas necessidades e ocuparam um espaço muito
especial em sua vida. Em suas palavras: “em todo meu período jovem, eu fui igualzinho
a estes personagens que citei, aí fui ficando um pouco mais velho, foi entrando a
pandemia, algumas coisas foram acontecendo, sinto sempre essa necessidade de me
reencontrar, de encontrar essa pessoa que eu sempre fui”. É possível que o ego de
Hector se identificou por muito tempo com a imagem do herói, uma vez que essa figura
exerce grande fascínio sobre a consciência, e o ego facilmente cede à tentação de
identificar-se com o herói, especialmente em momentos de fragilidade. A imagem de
Naruto, e outros representantes arquetípicos do herói ganharam tanto significado para
Hector pois, como Jung (1986) coloca, “mito do herói é um drama inconsciente que só
parece na projeção”. Ou seja, a imagem do herói, que dialogava intensamente com as
necessidades inconscientes de Hector, aparecia para ele através do símbolo de Naruto e
outros personagens citados por ele. Ao contrário de sua adolescência e início de sua
vida adulta, fases de instabilidade na vida do participante, como relatado por ele, Hector
encontra-se agora numa fase estável, e a identificação com o herói não é mais o
suficiente para que o ego se adapte a esta nova realidade. Hector expressa uma
necessidade de reencontrar-se após esta identificação tão longínqua perder o motor
inconsciente que a guiava. O poder que o arquétipo do Herói exerce sobre o
desenvolvimento do sujeito não se esgota após a adolescência e o início da fase adulta,
entretanto, outros arquétipos passam a ter mais importante e a relacionar-se mais com as
necessidades inconscientes destas outras fases da vida.

Lourenço traz, por sua vez, uma recusa ao Herói clássico, tarefeiro. Em dois
momentos de seu discurso essa recusa fica evidente. Primeiramente, ele expressa
incômodo em relação ao discurso de Naruto, o protagonista, para Neji, personagem com
o qual se identifica e que neste momento da história, age como antagonista. Loureço
menciona que durante muitos anos acreditava que o antagonista estivesse certo, e
somente com o passar dos anos aceitou o lado de Naruto. O discurso de Naruto
relaciona-se com destino: para o protagonista, cada constrói o seu próprio destino, nada
está escrito em pedra. Já Neji discorda, dizendo que todos nascem com seu destino
traçado, e quem nasceu para coisas pequenas nunca alcançará coisas grandes. O herói é,
segundo Campbell (1997), o homem da submissão auto conquistada. Neji aceita a
própria submissão, seu destino premeditado, enquanto Naruto luta para construir seu
futuro, apesar de ouvir de todos ao seu redor que isso não o levará a lugar algum.

Outro momento em que Lourenço traz a recusa ao Herói é quando expressa que:
“os heróis e tipo, nunca desistir, lutar até o final com as coisas, não sei, eu me vejo
muito mais pé no chão, os personagens que eu me identifico dessa forma são muito
mais mundanos”. A imagem arquetípica que dialoga com Lourenço provavelmente é a
do Homem Comum, e não a do Herói, um possível motivo para a recusa ao discurso de
Naruto.
No discurso de Patrícia, surge um elemento interessante: ao recordar de
personagens com as quais se identificava na adolescência, ela percebe o padrão de que
são as personagens femininas com maior importância em seus respectivos animes.
Patrícia reflete e diz que: “acho que isso se relaciona com meu complexo de
protagonista”. Por outro lado, é possível que estas protagonistas carreguem a imagem
arquetípica da Heroína para Patrícia, e por isso tenham tido uma importância tremenda
em sua juventude, numa fase que Patrícia descreve como confusa e difícil. A forma do
Herói pode tomar diversas formas, e para meninas, tomar a forma de Heroína, uma vez
que estas personagens também passam por superações, embarcam na jornada junto aos
protagonistas, passam por provações, vencem suas limitações e triunfam, apesar de
grande parte das vezes seus objetivos estarem atrelados ao romance ou vínculo com
personagem masculino.

8.8 Gênero e identificação

Curiosamente, através das entrevistas é possível perceber, em grande parte das


vezes, congruência entre o gênero dos participantes e o gênero dos personagens com os
quais se identificam. As participantes que se identificam com o gênero feminino citaram
somente personagens femininas com as quais se identificam. Os participantes que se
identificam com o gênero masculino citaram somente personagens masculinos com os
quais se identificam, com a exceção de uma personagem, citada por Hector, e o próprio
justifica esta identificação com ela da seguinte maneira: “acho que eu me identificava
mais com ela por eu ser gay, e pessoas gays se identificam mais com mulheres do que
personagens homens”. O participante não-binário citou somente identificações com
personagens masculinos.
8.9 Momentos difíceis

Todos os participantes responderam sim à pergunta: “este personagem lhe


ajudou durante algum período difícil em sua vida?”.

Lourenço conta sobre como a obra Boa Noite Punpun o ajudou nestes momentos
de sua vida: “quando eu fiquei bem mal uns meses atrás, eu parava para ler, folhear
algumas páginas que eu lembrava que tinha no mangá, reler algumas frases dele que eu
lembro que tinham ficado marcadas na minha cabeça”. Ele conta que reler era
confortável, encontrar-se novamente naquele mundo era sua zona de conforto. Em suas
palavras: “eu não sei direito o porquê eu estava fazendo isso e porque isso me deixava
bem, mas eu me sentia abraçado, sabe?”. Tanto o personagem quanto a obra ocuparam
um lugar de conforto conhecido para Lourenço, um lugar simbólico que o próprio
desconhece e não sabe explicar, mas sente seu efeito. Jung (2000) propõe que os
símbolos ganham valores importantes na vida do indivíduo pois são a única e a melhor
maneira de expressar algo específico, é a união de conteúdos da consciência e do
inconsciente, logo, impossíveis de serem explicados completamente pela consciência
sem que parte de seu sentido se perca. Lourenço não soube exatamente explicar o
conforto causado pelo personagem e sua história, nem o porquê começou, logo, é
possível inferir que Punpun carrega uma imagem arquetípica importante para Lourenço,
tornou-se um símbolo. É possível, também, analisar esta relação como uma relação de
“empatia dual”, como proposto por Dill-Shackleford et al. (2016), uma vez que
Lourenço sente tanto pela situação que passa tanto pela situação na qual o personagem
se encontra, confortando-se com isso. Através do personagem, ele é capaz de sentir por
seu sofrimento de uma forma distanciada.

Hector também conta como o personagem Naruto o inspirou em momentos


difíceis e mostrou-lhe que sempre havia um caminho. Neste caso, além da identificação
com o personagem e o símbolo que ele passou a ser para Hector, é plausível supor que o
mecanismo de empatia dual (DILL-SHACKLEFORD ET AL., 2016) estivesse em ação.

Patrícia conta que durante uma fase difícil de sua vida, a única parte boa era os
momentos que tinha com seus amigos para comentar de animes e mangás que assistiam
em conjunto. Ela conta que sua obsessão com a personagem Sakura serviu como uma
muleta, e lhe trouxe muito conforto nesta época de confusão. A definição da
personagem como uma muleta carrega um símbolo muito forte: durante uma fase em
que o ego de Patrícia estava fragilizado, a identificação foi o caminho que encontrou
para se fortalecer e superar esta fase. Patrícia conta que estava passando por um
processo depressivo, com acompanhamento psiquiátrico e uso de medicações. Como é
proposto por Jung (1986), o ego cede a tentação de identificação com figuras que
exercem fascínio sobre a consciência, especialmente em momentos de fragilidade.

Hector relata que o personagem lhe dava segurança de que ele não estava
sozinho. Em suas palavras: “eu direto ficava no quarto e pensava: o que será que o
Naruto faria? Estou com medo, eu sei que o Naruto está atrás da porta [...], ele vai me
defender”. Como o próprio participante trouxe, o símbolo do personagem tornou-se tão
forte para ele, que ocupou o lugar da religião, da fé.

Outra maneira de compreender o fenômeno que Hector, Patrícia e Lourenço


relataram seria através do ponto de vista de Abade e Ferreira (2021), que propuseram
que a idolatria é uma forma de refúgio para o adolescente em crise, e seus ídolos
tornam-se sua rede de apoio, em especial quando através de seus ídolos estes jovens
formam vínculos com outros fãs, como no caso de Patrícia.

8.10 Adolescência e identificações

A adolescência aparece como um período em que todos os participantes


experienciaram identificações, algumas especialmente importantes e duradouras, como
o Naruto para Hector e Neji para Lourenço.

Para Patrícia e Nic, entretanto, os personagens com os quais se identificaram


nesta época de sua vida não representam mais quem são atualmente, ou seja, não há
mais esta identificação.

Patrícia conta que não enxerga mais Sakura, personagem com quem se
identificou na adolescência, a representando atualmente. Ela conta que ainda existem
algumas semelhanças entre ela e a personagem, e que sente um carinho por ela, mas não
sente mais a identificação. Quando questionada sobre o significado disso, ela relata:
“ah, acho que isso significa que eu cresci, mas foi bom na época também, condizia com
a fase que eu estava na vida”.

Nic relata algo similar. Menciona que quando adolescente, assistia muitas séries
antes de começar a assistir animes, e sempre se identificava com algum personagem de
série. Um personagem muito importante para sua adolescência foi Tony Stark, dos
quadrinhos e filmes da Marvel, com quem se identificou fortemente por algum tempo.
Atualmente, relata não sentir mais identificação com este personagem, apesar do
carinho por ele perdurar, assim como o relato de Patrícia. Nas palavras de Nic, “o que o
Tony Stark foi para mim na adolescência, o Franky está sendo para mim na vida adulta,
por mais que os personagens tenham coisas parecidas, [...] as diferenças entre eles
representam para mim a evolução que eu fiz de quando eu era adolescente até agora”.

Para ambos os participantes, deixar de identificar-se com um personagem


significou crescimento, superação da adolescência e evolução, e tornou a evolução
mensurável para Nic.

Outro fator interessante é que dois dos participantes, ao relembrarem de suas


identificações durante a adolescência, utilizaram as frases: “Eu era a Sakura/Naruto”.
Ao descreverem-se no passado, há uma equivalência entre a identificação e o ego. É
possível interpretar que a identificação durante a adolescência com estes personagens
foi tão intensa que há uma indissociação entre o indivíduo e o personagem, uma
unidade. Ambas as identificações começaram quando os participantes eram muito
jovens, e apesar de eles terem conseguido justificar a identificação, tiveram dificuldade
de relembrar exatamente quando esta teve início. Jung (1976) propõe que a
identificação possui um viés inconsciente, e somente na identificação total ela sobrepõe-
se ao ego. Nos discursos dos participantes, é possível identificar que apesar da
equivalência do eu ao personagem, ainda havia certo nível de diferenciação entre o ego
e a identificação, e ambos tinham consciência de que queriam tornar-se mais parecidos
com os personagens identificados, concluindo-se que não foi, de fato, uma identificação
total como proposta por Jung (1976), e sim um caso de identificação parcial com
determinada introjeção. Nenhum dos dois participantes relatou lembrar-se de imitar
comportamentos conscientemente, logo, é possível que a introjeção de atitudes,
comportamentos e valores dos personagens tenha sido inconsciente, apesar de um dos
participantes expressar ter adotado os objetivos do personagem para si de forma
simbólica, como foi mencionado anteriormente (Hector e hokage).

Logo, é possível concluir que a adolescência é uma fase na qual há certa


facilidade na formação de identificações, que podem ser duradouras ou não.
8.11 Autoconhecimento, perspectiva e identificação

Alguns dos participantes relataram que através da identificação, foram capazes


de adquirir maior autoconhecimento e ser capaz de colocar as próprias situações em
perspectiva. Nic, como citado anteriormente, utilizou o personagem com o qual se
identificava em sua análise terapêutica e através dele, teve a oportunidade de conhecer-
se melhor. Nic levanta também que uma das formas que o personagem a ajuda é que ele
permite que Nic saia do “olho do furacão” e enxergue a situação pela qual está passando
através de uma nova perspectiva. Para Nic: “acho interessante a gente ver isso, a gente
vê como ele era antes, as coisas que ele passou e a forma como ele conseguiu sair disso,
sabe?". A forma como o personagem supera seus problemas e dificuldades colocam em
perspectiva os problemas que ela enfrenta, e quais a formas que ela poderia lidar com
eles. Denise levanta pontos muito semelhantes aos de Nic, em relação a ser capaz de
aprender novas formas de lidar com os personagens com os quais se identifica. Ela
menciona que: “O manejar das coisas que a gente ta vivendo e que aquele personagem
também, e aí eu acho bem interessante”. Em ambos os discursos, os personagens e seus
contextos aparecem tanto como uma maneira de ressignificar realidade das
participantes, como de exploração de cenários através da segurança da ficção e também
como possibilidade de aprendizagem de novos comportamentos (HOORN; KONIJI
2003, OATLEY, 2006).

8.12 Persona e identificação

A relação entre a persona dos participantes e suas identificações foram variadas.


No caso de Patrícia e Lourenço, como citado no subtítulo Aparência dos Personagens,
houve a tentativa física de tornar-se mais parecido com os personagens. É possível
interpretar este fenômeno como uma tentativa de parecer mais o personagem
exteriormente e assim, ser reconhecido pelos outros como o personagem. Patrícia conta
que quando pintou o cabelo de rosa, as comparações com a personagem Sakura
aumentaram ainda mais, o que a deixou muito feliz. Ela coloca também que assumir que
gostava de animes e mangás foi como quebrar “amarras sociais”. Sua nova persona a
identificava como parte do grupo de fãs da cultura pop japonesa, e isso foi libertador
para ela.

“Tem muitos outros personagens que eu vejo no estilo que eu gosto muito e eu
acho que eles mudam a minha forma de querer aparecer, eu acho, sabe? Mudar minha
não só aparência, mas a forma de agir também” diz Lourenço. O conceito de persona
aparece quase explícito em seu discurso: os personagens que admira alteram a forma
com a qual ele deseja ser visto pelos outros, então, ele adota comportamentos e
elementos da aparência destes personagens para tornar-se mais parecido com eles, e
assim ser reconhecido como parecido com eles. A influência da identificação sobre a
persona é explicita e até mesmo consciente.

Em ambos os casos citados, há um esforço consciente para que a persona do


participante se assimile cada vez mais ao personagem com o qual se identificam, seja de
forma superficial ou comportamental.

No caso de Nic, entretanto, há uma divergência clara entre a identificação e a


persona. Nic coloca que: “(a identificação) pra mim, tem mais a ver com a forma com
que eu me vejo do que a forma como eu me comporto”. A identificação é egóica, uma
vez que T se considera “meio chata” e “certinha” externamente, apesar de sentir vontade
de ser “mais doida que nem o Franky”. Sua persona diverge da identificação, tanto que,
ao ser questionada sobre comparação de terceiros com personagens com os quais se
identifica, Nic coloca que: “dá a impressão que a pessoa tá falando aquilo porque sabe
que você se identifica” e “com o Franky nunca aconteceu, mas com outros sim”. Todos
os participantes citaram sentirem-se muito felizes ao serem comparados com os
personagens com os quais se identificam, em especial quando a comparação é
espontânea, o que reforça o ponto de que há uma tentativa de assimilação destes
personagens a própria persona.

8.13 Reações emocionais

Outro fator interessante foi que todos responderam que sentem incomodo
quando alguém fala mal dos personagens com os quais se identificam. Todos colocaram
que quando eram mais jovens, tinham reações mais exageradas, de brigar com amigos e
irritarem-se de fato. Alguns trechos sobre o tema foram: “eu ficava brava de verdade,
não gostava que falava mal dela e tudo que envolvia ela [...] tinha tudo que ser
protegido”; “em certos contextos, é uma coisa que dá aquela feridinha no ego”; “com
meus 13, 14 anos, eu ficaria tipo você não fale mal da Sakura, eu vou atrás da sua
família e pegar seu pé a noite”; “acho muita ignorância das pessoas (falar mal do
Naruto), você não sabe o que ele passou, o que ele sofreu”.
Estes relatos retratam que, quando mais jovens, a identificação era parcialmente
indissociada do ego, e a reação emocional dos participantes a um insulto ao personagem
era a mesma ou talvez mais intensa do que um insulto ao próprio participante. Os
insultos são levados para o lado pessoal, como colocados pelos próprios participantes,
porque de certa forma, eram interpretados como pessoais. Se não há separação clara
entre o ego e o objeto de identificação, um insulto ao objeto é um insulto ao ego. É
possível que o participante não tivesse a percepção de que estava defendendo a si
mesmo enquanto defendia o personagem. É coerente que com o passar dos anos, a
intensidade da reação emocional diminua, uma vez que a própria intensidade da
identificação diminuiu, como também o indivíduo na fase adulta é mais capaz de lidar
com críticas do que o indivíduo na adolescência.

8.14 Círculos Sociais

Em relação aos seus círculos sociais, todos os participantes indicaram um


crescimento deste devido ao consumo de animes e mangás, e em especial, através da
atividade de fazer cosplay. A relação do cosplay com a identificação será explorada no
próximo tópico.

Como é proposto por Grindberg (2003), a busca pela identidade é acompanhada


pela identificação e pertencimento a grupos compostos de indivíduos que apresentam
aparência e/ou interesses semelhantes, ou seja, personas semelhantes. Através do
interesse por animes e mangás, paixão por determinados personagens e cosplays, estes
jovens construíram sua rede, e reafirmaram sua identidade através do sentimento de
pertencimento a este grupo e relacionamento com seus pares. Ou seja, é uma etapa
importante na construção de sua identidade a integração com indivíduos semelhantes.

“Quando eu e esses meus amigos começamos a ficar mais ‘otakinhos’ e essas


coisas assim, começamos a fazer cosplay, frequentar esses meios, foi assim que
conhecemos pessoas, eu conheci meu ex-namorado dessa forma” disse Patrícia, quando
questionada se sua vida seria diferente caso nunca tivesse se identificado com algum
personagem. “Das amizades mais fortes que tenho hoje, a maioria pelo menos, eu fiz
por causa de cosplay” conta Nic, enquanto discorria sobre como a identificação e
atividade do cosplay lhe proporcionaram novas formas de interagir socialmente.
“Principalmente com o cosplay, eu comecei a conversar com outras pessoas que tinham
o mesmo Hobby, que gostavam dos mesmos animes e mangás, meio que abriu um
círculo social muito expandido” disse Denise, quando questionada sobre como os
animes e mangás alteraram sua vida social. “Hoje em dia pra dois meses atrás, que eu
não ‘tava’ indo em evento, mudou totalmente assim o tipo de pessoa que eu converso”,
relata Lourenço, quando questionado sobre seu ciclo social e sua relação com animes e
mangás.

Os participantes levantaram como a atividade de cosplay facilita a criação de


vínculos, uma vez que já estabelece entre você e o desconhecido um ponto de
semelhança: ambos gostam de determinado personagem. Tanto o cosplay quanto o
personagem tornam-se um facilitador para a formação de novos vínculos, vínculos estes
que podem vir a se tornar presenças muito importantes na vida destas pessoas, como um
namorado, ou amigos mais próximos, como citado por participantes acima.

Estes relatos entram em completa congruência com a ideia de Bonnich que


reafirmem suas identidades como pertencentes ao grupo “otaku” e criem vínculos e
relações através desta atividade.

É importante destacar que o único participante que não faz cosplays é o único
que também não citou um aumento de seu ciclo social por conta de animes e mangás
diretamente, entretanto, é professor de língua japonesa, e tem um contato muito
amigável com grande parte de seus alunos, com quem conversa sobre animes e mangás.

Outro aspecto interessante levantado por um dos participantes da pesquisa é a


introjeção de traços do personagem identificado e como isso alterou sua forma de
relacionar-se. “Eu ir me tornando mais como ele [...], abordando minhas relações de
uma forma mais como o Franky faria, não sei se isso faz sentido” coloca Nic, sobre sua
identificação com o personagem Franky, de One Piece. A identificação com um
personagem considerado extrovertido levou a participante a adotar comportamentos de
extroversão e causou uma certa mudança na forma como este “abordava” suas relações,
como colocado pelo próprio, apesar do participante considerar-se introvertido, e isto
aumentou seu ciclo de amizades.

8.15 Cosplay

Como citado acima, 4 dos 5 participantes da pesquisa tem como hobby a


atividade de fazer cosplays. Além do cosplay ter sido citado por todos como um
facilitador no estabelecimento de novos vínculos, dois participantes citaram que através
do cosplay, sentem que podem explorar outros aspectos de sua personalidade.

“Eu me sinto outra pessoa, não tipo outra pessoa, mas eu sinto que consigo
explorar outra faceta minha, que eu consigo me sentir mais confortável com ela” conta
Denise, ao ser questionada sobre a relação entre cosplay e identificação. Em seu
discurso, dois pontos chamam atenção: a exploração de aspectos que não enxerga em si,
como “séria” ou “forte” e a exploração de um visual fora de seu repertório cotidiano.
Através do cosplay, a participante consegue personificar aspectos que considera não
pertencentes a si, mas que admira no personagem o qual faz cosplay. A projeção que a
participante faz de características que considera incompatíveis com si mesma
transparecem através dos personagens que faz cosplay, e tornam-se, de certa maneira,
parte dela, mas de uma forma mais confortável, uma vez que ela está expressando estas
características através da personagem, e olhando-as como parte de si.

Denise demonstra ter consciência que o cosplay pode ser uma forma de
compensação de características que a participante não enxerga em si mesma. Ela diz:
“vem para esse lado também, onde falta, esse tipo de coisa”. Ela conta sobre uma
personagem cuja estética e personalidade define como: “ela é toda misteriosa, a estética
dela é muito bonita, tipo nada a ver comigo, nada a ver comigo at all”, e deseja muito
fazer cosplay dessa personagem por gostar muito dela, admirar sua estética, história e
personalidade. O cosplay é tanto uma forma de expressar admiração pela personagem
quanto de projetar na personagem características que ela não enxerga em si.

A participante Nic, que citou adotar comportamentos extrovertidos inspirada


pelo personagem identificado, relata que o cosplay facilita ainda mais a expressão
destas características. “[...] acho que a coisa do cosplay, quando você tá personificado
fica mais fácil de você assimilar certas atitudes, como se você estivesse atuando um
pouco, dá uma certa coragem”, conta Nic. Neste caso, é possível enxergar tanto a
projeção quanto a introjeção. Nic não enxerga como inerente a si a característica que
denominou como “extroversão”, ela é incompatível com sua persona. Entretanto,
através do cosplay, tem facilidade de assimilação desta característica, como se estivesse
“atuando”, ou seja, através da máscara que o personagem e o cosplay proporcionam, o
participante torna-se capaz de expressar-se e relacionar-se de uma forma desconhecida
até então, e diferente. Para Jung (1976), na introjeção, o sujeito assimila conteúdos do
objeto identificado ao Ego. A identificação é o passo para a introjeção desta
característica fora da caracterização e o escudo que o cosplay oferece: há o desejo
abordar relações da forma que este personagem faz. A característica não parece mais tão
estranha ao ego, ele percebe que tem capacidade de comportar-se desta maneira mais
social. Tanto a identificação quanto o cosplay ofereceram formas ao participante de
ampliar seu repertório comportamental e de atitudes, oferecendo-lhe novas formas de
enfrentar obstáculos e superar crises.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância de personagens fictícios no dia a dia e no desenvolvimento dos


indivíduos é expressa através da variedade de estudos que exploraram o tema durante
anos. Seja através da perspectiva junguiana, em que um personagem pode tornar-se
objeto de projeções introjeções, identificações ou participação mística, ou através da
perspectiva de estudos de mídia, em que os personagens podem servir como modelo e
inspiração, forma de exploração da realidade, rede apoio emocional, entre tantas outras
funções, é explícito a importância que eles possuem para o desenvolvimento humano,
em especial na era em que vivemos.

Através das entrevistas, a importância que estes personagens possuem na vida dos
indivíduos ganha um caráter subjetivo e realista, explicitando mais uma vez a
importância que estes personagens possuem num nível individual, diferentemente de
grande parte das pesquisas de estudos de mídia, que exploram este viés através de
pesquisas quantitativas, que, apesar de ricas em informações em grande escala, não são
capazes de captar a subjetividade a nível pessoal.

A adolescência apresentou-se como uma fase extremamente importante dentro


deste processo. Os jovens entrevistados relataram uma facilidade maior durante esta
fase para a formação de identificações, umas duradouras, outras nem tanto, mas que de
qualquer forma, foram essenciais na formação de suas identidades, personas e
personalidades. De forma congruente, os estudos teóricos sobre a adolescência
pressupõem que nesta fase há uma busca maior por identificações fora do núcleo
familiar, e, através da perspectiva junguiana, de símbolos arquetípicos do Herói.

O fator das identificações e o interesse por animes e mangás serem facilitadores


para a formação de novos vínculos, e assim, sedimentação da personalidade através da
interação com grupos de iguais, apareceu com grande importância nos discursos dos
participantes bem como nas pesquisas sobre formação da identidade na adolescência.

Os animes e mangás, por sua vez, com sua variedade de personagens, tanto em
estilo quanto em personalidade, proporcionam aos jovens uma facilidade ainda maior
para a formação da identificação.

Se os personagens geram maior identificação por serem 2D, logo, em questão de


aparência, distanciam-se da realidade e abrem espaço para a subjetividade do sujeito, é
um elemento possível de ser investigado em futuras pesquisas sobre o tema. Outros
fatores a serem investigados são a identificação com personagens em adolescentes,
quais as diferenças entre identificação com personagens 2D e 3D, quais os
desdobramentos terapêuticos que estas identificações podem trazer, entre outros
diversos temas.

O tópico de identificação com personagens de animes e mangás não se esgota, e sua


importância, como demonstrada pela pesquisa prática e a investigação teórica, só
aumenta. É importante que as pesquisas sobre a psicologia e o desenvolvimento humano
acompanhem os novos interesses e as novas formas de interação proporcionadas pelas
tecnologias, que com cada vez mais velocidade se transformam e evoluem.
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11 APÊNDICE A: QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA

Os dados serão obtidos por meio de uma conversação, e os Temas Geradores serão:
“Quanto do seu tempo livre você dedica a assistir animes, ler mangás ou realizar
atividades relacionadas a isso, como conversar sobre com seus amigos, ou procurar
fanart na internet, semanalmente?”, “Você considera que tem um alto nível de
exposição a animes e mangás, e conteúdos relacionados?”, “Se possui identificação
forte com mais de um personagem, com qual é mais forte?”, “Como é esta identificação,
o que ela significa para você?”, “Quando começou esta identificação, e por quê?”,
“Pensando neste personagem, você acha que ele representa quem você é atualmente?”,
“Você acha que este personagem é muito parecido com você?”, “Você se sente
emocionalmente apegado a este personagem?”, “Você acha que este personagem faz
parte de você?”, “Você acha que este personagem representa quem você deseja ser? Ou
que você seria melhor se fosse mais parecida com tal personagem?”, “Desde o início
desta identificação, você sente que foi ao longo do tempo tornando-se mais parecido
com tal personagem?”, “Você já foi comparado a este personagem por terceiros?”, “A
relação com este personagem com outros personagens da obra é boa?”, “Você considera
este um personagem popular entre os fãs?”, “O personagem com quem você se
identifica é o seu personagem favorito da obra?”, “Você sente que este personagem, de
alguma maneira, te ajudou em alguma fase difícil em sua vida?”, “Você diria que este
personagem serviu de inspiração para tornar-se quem você deseja ser?” e “Você acha
que seria uma pessoa diferente caso nunca tivesse se identificado com este
personagem?”

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