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Disciplina: Psicologia da Educação

Autora: D.ra Yara Rodrigues de la Iglesia

Revisão de Conteúdos: D.ra Soeli Terezinha Pereira

Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm

Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima

Ano: 2022

Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas


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Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança
de direitos autorais.

1
Yara Rodrigues de la Iglesia

Psicologia da educação
1ª Edição

2022

Curitiba, PR

Faculdade UNINA

2
Faculdade UNINA
Rua Cláudio Chatagnier, 112
Curitiba – Paraná – 82520-590
Fone: (41) 3123-9000

Coordenador Técnico Editorial


Marcelo Alvino da Silva

Conselho Editorial
D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Marli Pereira de Barros Dias /
D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno /
D.ra Yara Rodrigues de la Iglesia

Revisão de Conteúdos
Soeli Terezinha Pereira

Designer Instrucional
Alexandre Kramer Morgenterm

Revisão Ortográfica
Lucimara Ota Eshima

Desenvolvimento Iconográfico
Juliana Emy Akiyoshi Eleutério

Desenvolvimento da Capa
Carolyne Eliz de Lima

FICHA CATALOGRÁFICA

LA IGLESIA, Yara Rodrigues de.


Psicologia da educação / Yara Rodrigues de la Iglesia. – Curitiba: Faculdade
UNINA, 2022.
135 p.
ISBN: 978-65-5944-192-1
1. Ciência. 2. Estudos. 3. Psicologia.
Material didático da disciplina de Psicologia da educação – Faculdade UNINA,
2022.

Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870

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PALAVRA DA INSTITUIÇÃO

Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA!

Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier,


nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de
dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão
Universitária.
A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e
comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do
desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas
também brasileiros conscientes de sua cidadania.
Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar
comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as
ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão
de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e
grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e
estudantes.

Bons estudos e conte sempre conosco!


Faculdade UNINA

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Sumário
Prefácio ..................................................................................................... 07
Aula 1 – Introdução ao estudo da Psicologia ............................................. 10
Apresentação da aula 1 ............................................................................. 10
1.1 A evolução da ciência psicológica ................................................. 10
1.1.1 Wilhelm Maxilian Wundt: o nascimento da psicologia científica 15
1.1.2 As diferentes escolas de pensamento ....................................... 22
Conclusão da aula 1 .................................................................................. 26
Aula 2 – Psicologia da Educação e seu campo de estudos ....................... 27
Apresentação da aula 2 ............................................................................. 27
2.1 Psicologia da Educação: conceito e objeto de estudo ................... 28
2.1.1 Psicologia da Educação no Brasil .............................................. 37
Conclusão da aula 2 .................................................................................. 41
Aula 3 – Teorias de aprendizagem: primórdios do behaviorismo .............. 42
Apresentação da aula 3 ............................................................................. 42
3.1 A controvérsia natureza-educação ............................................... 43
3.1.1 Conceito de aprendizagem ........................................................ 47
3.1.2 Aprendizagem a partir da perspectiva behaviorista: Watson e
Pavlov ........................................................................................................ 50
Conclusão da aula 3 .................................................................................. 59
Aula 4 – Condicionamento operante: o behaviorismo radical de Skinner .. 60
Apresentação da aula 4 ............................................................................. 60
4.1 O Condicionamento operante ....................................................... 61
4.1.1 Conceitos básicos ...................................................................... 63
4.1.2 Implicações do Condicionamento Operante para a Educação ... 68
Conclusão da aula 4 .................................................................................. 74
Aula 5 - Desenvolvimento e aprendizagem na teoria de Jean Piaget ........ 74
Apresentação da aula 5 ............................................................................. 74
5.1 A Psicologia e a Epistemologia Genética: noções gerais ............. 75
5.1.1 Aprendizagem: acomodação, assimilação e equilibração .......... 80
5.1.2 Estágios de desenvolvimento da inteligência ............................. 84
Conclusão da aula 5 ................................................................................... 90
Aula 6 – Memória ....................................................................................... 91
Apresentação da aula 6 ............................................................................. 91
6.1 O processamento da informação .................................................. 92

5
6.1.1 Conceitos básicos e definições da memória .............................. 94
6.1.2 Modelo de memória de três componentes ................................. 97
Conclusão da aula 6 .................................................................................. 102
Aula 7 – Motivação ..................................................................................... 103
Apresentação da aula 7 ............................................................................. 103
7.1 A motivação desde diferentes perspectivas .................................. 103
7.1.1 Perspectivas teóricas da motivação ........................................... 105
7.1.2 A Teoria da Motivação de Maslow: a satisfação das
necessidades humanas ............................................................................. 110
Conclusão da aula 7 .................................................................................. 115
Aula 8 – Teoria da aprendizagem: Lev Semionovitch Vygotsky ................. 116
Apresentação da aula 8 ............................................................................. 116
8.1 Psicologia histórico-cultural ........................................................... 117
8.1.1 Noção de desenvolvimento de aprendizagem dentro da
psicologia histórico-cultural ........................................................................ 120
8.1.2 A noção de zona de desenvolvimento próximo ......................... 125
Conclusão da aula 8 ................................................................................... 129
Índice Remissivo ........................................................................................ 131
Referências ............................................................................................... 133

6
Prefácio

Caro estudante, esperamos que você esteja animado para iniciar a


disciplina de Psicologia da Educação e que encontre razões que o mantenha
motivado com as aulas propostas. Este material foi escrito para você que se
preocupa com sua formação acadêmica.
Durante o decorrer das aulas, incluiremos exemplos práticos e quadros
com sistematizações de conceitos, para tornar o conteúdo mais relevante e
significativo. Não queremos que este material didático substitua a leitura das
obras originais, é com esse espírito, que, em certos momentos, recomendamos
o estudo de certas obras para quem estiver interessado em aprofundar
determinados temas específicos. Isso não significa que não possam existir
outras obras, talvez até melhores, sobre determinado tema, mas apenas que não
omitimos a menção às obras com as quais tivemos contato.
Para que você compreenda como será o desenvolvimento das aulas, é
importante sinalizar que existem diferentes formas pelas quais poderíamos ter
organizado este material introdutório de Psicologia da Educação. Poderíamos
ter optado por adotar um enfoque teórico específico, abordado por um único
autor ou adotar diferentes abordagens.
Destacamos que a Psicologia da Educação integra os saberes da
Psicologia e da Educação e tem suas raízes em uma diversidade de
pensamentos e concepções que, por sua vez, constitui um corpo diversificado
de correntes teóricas estudadas e veiculadas na área da Educação, de forma a
dialogar com outros conhecimentos.
Diante do exposto, a possibilidade de escolher apenas um viés teórico,
talvez, fosse o caminho mais fácil, no entanto, assumimos o desafio de
apresentar diversas teorias relevantes e, por vezes, polêmicas, para abordar a
contribuição da Psicologia da Educação. A adoção de um único enfoque tem a
vantagem da simplicidade e da uniformidade, porém também pode conduzir-nos
a um olhar reducionista.
Entretanto, advertimos que não apresentaremos, por questões didáticas,
todas as correntes teóricas da Psicologia, mas, aquelas que julgamos que
tiverem um impacto maior na educação. Destacamos que o objetivo geral desta
disciplina é o de compreender e explicar os processos de ensino-aprendizagem

7
que ocorrem principalmente na escola. Aqui nos concentraremos no tema da
aprendizagem, um dos temas mais fecundos dentro do âmbito da Psicologia da
Educação.
Caberá a você analisar cada uma das abordagens apresentadas e suas
repercussões nos contextos educacionais, mantendo sempre presente a ideia
de que cada abordagem apresentada esteve sempre vinculada a questões ético-
políticas. Portanto, cada escola de pensamento aqui apresentada é discutida
como um movimento inserido em um contexto histórico e social que traz
determinadas repercussões tanto para a Psicologia quanto para a Educação.
Importante destacar que a razão de comparar teorias não é concluir qual
é a melhor, a pior, a certa ou a errada. Nós as apresentamos e as comparamos
para que você possa entender a contribuição única que cada uma dá ao
entendimento abrangente do desenvolvimento humano. Talvez a questão mais
relevante que precisa ser respondida por qualquer teoria psicológica, diz respeito
à sua utilidade para prever e explicar.
Sabidamente, não esgotaremos em profundidade os temas abordados,
pois esta tarefa supera os limites de uma disciplina introdutória, portanto é
importante esclarecer que, caso você pretenda aprofundar suas incursões à
Psicologia da Educação, precisará realizar as leituras que serão apontadas em
todas as aulas. Não deixe de assistir às videoaulas, pois muitos temas serão
aprofundados e elucidados durante este momento.
Aqui apresentaremos um material introdutório, escrito de maneira sintética
e simples, mas não superficial. Portanto, em muitos momentos, você precisará
reler os conceitos apresentados, pois, apesar da escrita ser simples, não
significa que deixam de ter sua complexidade teórica.
Vale destacar que, apesar das aulas serem escritas e gravadas pela
autora, você é o protagonista de sua aprendizagem. Existe uma
corresponsabilidade na construção dos conhecimentos aqui propostos. Cabe a
você, estudante, apropriar-se criticamente, problematizando os conteúdos
propostos, fazendo relação com aquilo que já conhece.
Tenho certeza de que juntos trilharemos um bonito caminho de reflexões
e aprendizagens. Para isso, é muito importante que você leia de maneira crítica
este livro, assista às videoaulas e faça as atividades propostas, pois estas são

8
as ferramentas pedagógicas que lhe darão suporte para a apropriação dos
conhecimentos propostos para esta disciplina.
Além disso, minha expectativa é que você vá além do que está sendo
proposto na disciplina, que busque ampliar seus conhecimentos por meio das
indicações que serão apontadas no decorrer das aulas. Almejo que esta
disciplina sirva como um disparador e que acenda em você o desejo pelo
conhecimento.

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Aula 1 – Introdução ao estudo da Psicologia

Apresentação da aula 1

Prezado estudante, seja bem-vindo à primeira aula da disciplina de


Psicologia da Educação. Levando em conta a complexidade e profundidade dos
conceitos que serão abordados, não temos a pretensão de esgotar a discussão,
visto que nosso objeto de estudo é a Psicologia da Educação, optamos em fazer
um recorte. Apresentaremos uma sequência evolutiva das abordagens que
definiram a Psicologia Geral ao longo dos anos, mas com vistas a aprofundar
alguns desses conceitos nas aulas posteriores, relacionando-os com a
educação. Esperamos que você tenha uma excelente leitura! Não hesite em reler
aquilo que não conseguiu entender, pois, muitas vezes, é preciso várias leituras
para compreendermos um novo conceito.

1.1 A evolução da ciência psicológica

No que se refere aos primeiros passos da psicologia, é interessante


registrar que as suas raízes se encontram na Grécia. A psicologia, originalmente,
teve suas primeiras raízes na filosofia, ou seja, durante séculos, os problemas
psicológicos foram abordados a partir de perspectivas filosóficas de caráter
reflexivo ou de abordagens naturalistas ligadas à alquimia e à magia.
Já no século V a.C., Platão, Aristóteles e outros filósofos gregos discutiam
muitas questões comuns aos psicólogos de hoje. Desse modo, um início possível
para o estudo da história da psicologia poderia nos levar aos antigos textos
filosóficos sobre problemas que, mais tarde, foram incluídos na disciplina
formalmente conhecida como psicologia.
Para ilustrar a questão, daremos um pequeno exemplo: Hipócrates (460-
377 a. C) foi conhecido por sua grande capacidade de diagnosticar, para ele
todos os problemas tanto físicos quanto psíquicos tinham suas origens em
lesões e desequilíbrios nos fluídos ou “humores do corpo”. Hipócrates foi o
primeiro a fazer um catálogo de doenças mentais e suas respectivas curas. Entre
elas, a histeria, enfermidade que séculos depois assumiu um papel de grande
protagonismo na história da psicologia.

10
Baseando-se nas primeiras dissecações do corpo humano, Hipócrates
sustentou que no cérebro residia a origem dos nossos problemas emocionais.
Ele estabeleceu quatro temperamentos nos indivíduos: temperamento
sanguíneo, temperamento melancólico, temperamento colérico e temperamento
fleumático. Nasceu assim, de maneira rudimentar, a “Teoria da Personalidade”,
que, com algumas variações, segue vigente até a atualidade (BUR, 2003).
A partir desse exemplo, você pode perceber que na Antiguidade, por
exemplo, os médicos já entendiam que para identificar as doenças era
necessário saber descrever a consciência do ser humano e descobrir as causas
dos seus atos. Entretanto, o mundo psicológico do homem e sua consciência
foram vistos durante séculos como fenômenos do tipo especial, isolados de
todos os outros processos naturais. Os filósofos assumiam diferentes posições
em relação à consciência, considerando-a manifestação da razão divina ou
resultado de sensações subjetivas [...] e por isto sua análise não podia ser feita
a partir da explicação causal dos fenômenos” (LURIA, 1979, p. 2).

Importante

“O próprio termo “psicologia” vem do grego “psyché", que significa o estudo da


alma e de logos, significa razão. Portanto, etimologicamente, psicologia significa
“estudo da alma”. A alma ou o espírito eram concebidos como parte imaterial do
ser humano e abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a
irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção” (BOCK; TEIXEIRA;
FURTADO, 2009, p. 33).

Até o último quarto do século XIX, os filósofos estudavam a natureza


humana, intuindo e generalizando com base em suas próprias experiências. É
verdade que suas teorias possuíam sistemas elaborados e ofereciam respostas
para as questões psicológicas; a profundidade de suas reflexões influenciaram
vários outros pensadores e se tornaram o fundamento de diferentes áreas do
conhecimento, principalmente a psicologia.
O próprio termo “psicologia”, tem sua origem no grego, que designa o
estudo da alma. O símbolo da psicologia moderna é a vigésima terceira letra do
alfabeto grego, a letra PSY(Ψ).

11
Fonte: Google, 2021

Atualmente, não se concebe mais o “mundo psíquico como sinônimo de


alma e, sim, sobre os registros simbólicos e emocionados que vamos
construindo a partir de nossas vivências no mundo material e social” (BOCK;
TEIXEIRA; FURTADO, 2009, p. 33).
De acordo com as considerações anteriores, você pode estar se
perguntando: qual é a razão do surgimento da psicologia? O que a diferencia da
filosofia, visto que foram os filósofos os primeiros a criarem teorias sobre a
existência humana?
A filosofia e a psicologia compartilham muitos temas de estudo, por
exemplo: a sensação, a percepção, a inteligência, a memória, o desejo, entre
outros. No entanto, existe um ponto que separa as duas áreas do
conhecimento. Esta separação pode ser definida pela forma de estudar
estes temas.
Embora seja verdade, como já ressaltamos, os filósofos se preocupavam
com problemas que ainda hoje são de interesse da psicologia, entretanto, eles
abordavam estes problemas de modo diferente da maneira usada pelos
psicólogos atualmente. Aqueles estudiosos não eram psicólogos no mesmo
sentido utilizado hoje em dia.
Para Daiane Schultz e Sydney Schultz (2019), dois grandes
pesquisadores da história da psicologia, “a distinção entre psicologia e filosofia
não se relaciona tanto com os tipos de perguntas sobre a natureza humana, mas
com os métodos para responder tais perguntas” (p. 17). Em outras palavras,
o que diferencia estes dois campos do conhecimento é a abordagem e as
técnicas empregadas para o estudo de tais problemas, ou seja, a psicologia

12
utiliza o método científico para estudar o psiquismo humano. Enquanto os
filósofos estavam

imbuídos da convicção de que a vida psíquica devia ser entendida


como manifestação de um mundo subjetivo especial, que podia ser
revelado somente na auto-observação, sendo inacessível à análise
científica objetiva ou à explicação científica (LURIA, 1979, p. 2).

Diante de tal afirmação, é importante destacar que conforme a


humanidade foi evoluindo, surgiram outras formas de construir o conhecimento.
O conhecimento de uma maneira ampla pode ser entendido como a maneira
como descobrimos, entendemos e explicamos a natureza, a existência, a
realidade e o mundo em seus inúmeros aspectos.
Existem diversos tipos de conhecimento e eles podem ser classificados
de diferentes formas. Para Marconi e Lakatos (2003, p. 76), “podem ser
nomeados como: popular, religioso/teológico, filosófico e científico”.

Saiba mais

Se você quiser saber mais sobre os diferentes tipos de conhecimento, sugerimos


que leia o livro Fundamentos de Metodologia Científica, de Marina de Andrade
Marconi e Eva Maria Lakatos. O terceiro capítulo do livro vai tratar
especificamente sobre o conhecimento científico e outros tipos de conhecimento.
Disponível no link: http://joinville.ifsc.edu.br/~thiago.alencar/Tecnologo_Mecatronica/TC
C1/outros/Fundamentos%20de%20Metodologia%20Cien%20-%20Eva%20Maria%20L
akatos(1).pdf

Fundamentos de Metodologia Científica


Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRUrAKW1rL1-w6Q1K
XX8DPSvIaEW4MF8iWs5hZA9BSKuGlKM-O1OQooqmdfZM98dMdwD-M&usqp=CAU

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Foi no século XIX que o conhecimento científico teve um grande avanço,
tornando-se imprescindível, diante da nova ordem econômica, o capitalismo,
visto que o crescimento dessa nova ordem econômica trouxe consigo o processo
de industrialização, exigindo respostas e soluções aos problemas existentes.
Não é o nosso objetivo discutirmos os fundamentos do capitalismo, mas é
importante sinalizar que existe uma inter-relação entre as exigências do
conhecimento em cada momento histórico e a realidade socioeconômica e
política.
Podemos dizer que no século XIX se deu as condições materiais para o
desenvolvimento da ciência moderna, permitindo “ao cientista observar o real e
construir um conhecimento racional, sem interferência de suas crenças e
valores. Assim, surge a ciência moderna experimental, empírica e quantitativa”
(BOCK, 2007, p. 15).

Graças ao desenvolvimento da técnica e à aplicação dos métodos


científicos no estudo de diferentes fenômenos, várias disciplinas, que
antes faziam parte da filosofia, foram paulatinamente se destacando
da mesma e tornando-se ciências autônomas (BAZARIAN,1994, p.
33).

Importante

Um ponto a ser destacado acerca da ciência e do conhecimento científico é que


para serem considerados como tal, exige-se alguns critérios, normas e métodos,
são esses elementos que diferenciam a ciência dos demais conhecimentos. “A
ciência desconfia da veracidade de nossas certezas, de nossa adesão imediata
às coisas, da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Por isso, ali onde
vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê problemas e
obstáculos, aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos,
afastadas” (BOCK: FURTADO: TEIXEIRA, 2009, p. 28).

Nessa direção é importante salientar que a ciência é uma forma moderna


de compreender, explicar e representar elementos do mundo. De acordo com as
considerações anteriores, podemos concluir que, na atualidade coexistem várias
maneiras de compreendermos e explicarmos a nossa realidade, esses
conhecimentos fazem parte do repertório sociocultural da humanidade.

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A ciência é uma das formas, mas o que diferencia a ciência dos demais
conhecimentos é o método com que essas ideias são produzidas: o método
científico.

Reflita

Você leu no decorrer desta primeira aula que existem diferentes tipos de
conhecimento. Suponhamos que um amigo lhe procure para compartilhar um
problema. Ele inicia contando que se sente um pouco deprimido e que vai
abandonar os estudos, afirmando, em seguida, que adora falar com você porque
“você sabe ouvir e tem muita psicologia para entender as pessoas”. Será que é
essa a psicologia dos psicólogos? Que tipo de conhecimento seria esse? Pense
sobre isso.

Em relação à reflexão anterior é importante dizer que as pessoas em geral


apropriam-se do conhecimento acumulado pela psicologia, mesmo que de
maneira superficial, permitindo-lhes explicar ou compreender o cotidiano desde
um ponto de vista psicológico, inclusive, existe um dito popular que afirma que
“de psicólogo e louco, todo mundo tem um pouco”, mas é importante diferenciar
os diferentes conhecimentos, visto que a capacidade de ouvir e aconselhar,
apesar de serem características desejáveis em um amigo, não o torna um
psicólogo.
Desatacaremos a seguir as contribuições de um grande fisiologista e
psicólogo alemão, considerado como o pai da psicologia moderna: Wilhelm
Wundt (1832-1920).

1.1.1 Wilhelm Maxilian Wundt: o nascimento da psicologia científica

Wilhelm Wundt (1832-1920) nasceu em 31 de agosto de 1832, em


Mannheim, Alemanha. Provinha de uma família dotada de forte tradição
acadêmica e ele “decidiu tornar-se médico por duas razões: desejava trabalhar
com a ciência e queria ganhar a vida. No decorrer do curso, percebeu não ter
tanta inclinação para a medicina e decidiu especializar-se em Fisiologia”.
(SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019, p. 84).

15
Foi a pesquisa fisiológica uma das áreas que estimulou e orientou a nova
psicologia. Muitas das experiências realizadas até agora não pertenciam
claramente ainda ao campo da psicologia. Podemos dizer que pertenciam ao
campo da física e/ou da fisiologia. Foram os fisiologistas que realizaram o
mapeamento das funções cerebrais, ou seja, determinaram as partes
específicas do cérebro responsáveis pelo controle das diferentes funções
cognitivas. Importante destacar que o termo “psicologia fisiológica pode dar
margem a interpretações equivocadas, já que, naquela época, o vocábulo
fisiológico era sinônimo da palavra alemã que queria dizer experimental”
(SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019, p. 85).
Um marco importante para a autonomia da psicologia como ciência, foi a
criação do primeiro laboratório de psicologia experimental, em 1879, por Wundt,
em que permaneceu até se aposentar em 1917. Foi a partir de então que a
psicologia passou a se tornar uma ciência totalmente independente da filosofia.
Oficialmente, o laboratório criado por Wundt marcou os primórdios da
psicologia como uma disciplina separada e distinta da filosofia. Durante todo o
último quarto do século XIX,

o Laboratório de Leipzig atraiu estudantes de várias partes do mundo


e tornou-se o primeiro e maior centro de formação de toda uma
geração de psicólogos, que posteriormente regressaram a seus locais
de origem e fundaram novos laboratórios nos moldes wundtianos
(ARAÚJO, 2005, p. 101).

Wilhelm Wundt (1832-1920) e seus discípulos


Fonte: Google, 2021

16
Na primeira edição do seu livro, Principies of physiological psychology,
traduzido para o português como Princípios da psicologia fisiológica, Wundt
deixa claro que seu objetivo era promover a psicologia como uma ciência
independente e formaliza a psicologia como uma ciência com um método
experimental. Considera-se que ele conseguiu realizar seu objetivo, criando uma
instituição destinada à pesquisa e ao ensino de psicologia. Wundt foi responsável
pela formação de profissionais de psicologia, muitos vinham, inclusive, de outros
países para estudar com ele.

Saiba mais

Um dos experimentos de Wundt realizado no laboratório improvisado em sua


casa, que ainda hoje tem uma aplicação impactante, é sobre a impossibilidade
de prestarmos ou mantermos o foco em mais de uma coisa ao mesmo tempo.
Uma grande quantidade de novas pesquisas reafirmam, com consistência, que
o cérebro humano não consegue prestar atenção a mais de uma coisa
concomitantemente (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019).

Para estudar os fenômenos conscientes simples, Wundt utilizava, entre


outros métodos, a introspecção. A introspecção pode ser entendida como o ato
em que a pessoa analisa seus estados mentais, tomando consciência deles. Em
outras palavras, a introspecção é a autoanálise da mente, a fim de inspecionar
e relatar pensamentos e/ou sentimentos pessoais.
Wundt utilizava instrumentos de laboratório que lhe permitiam controlar
com precisão os resultados de suas experiências. Nelas, por exemplo, pedia aos
sujeitos que percebessem internamente determinadas sensações que se
encontravam em sua consciência, cores, tons, entre outros e que se encontram
acompanhadas de sentimentos, tensão, relaxamento, entre outros. Este tipo de
introspecção denomina-se “introspecção experimental”. Mesmo que Wundt,
incialmente, estivesse convencido de que este tipo de estudos experimentais era
um bom caminho para poder estudar cientificamente certos fenômenos,
posteriormente, comprova que nem todos os processos psicológicos se podem
conhecer dessa maneira (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019).
Discutimos, de modo conciso, o nascimento da psicologia científica,
principalmente a contribuição de Wundt, mas, como já mencionamos, as

17
mudanças em uma área do conhecimento não ocorrem de maneira isolada,
alheia ao que vem acontecendo no restante do mundo.
Nesse sentido, abordaremos a seguir a influência de dois cientistas
ingleses: Charles Darwin (1809-1882) e Francis Galton (1822-1911), e como
suas teorias repercutiram na psicologia. Mesmo que nenhum dos dois possam
ser considerados psicólogos, suas teorias tiveram um impacto relevante na
psicologia.
Para a psicologia, Darwin revolucionou a maneira como se entendia o ser
humano, visto que, de acordo com o darwinismo, somos uma espécie a mais
que se desenvolveu ao longo da evolução natural. Darwin questionou o lugar
absoluto e excepcional que o ser humano ocupava.
A obra de Charles Darwin (1809-1882), A origem das Espécies, foi
publicada em 1859. Não temos a pretensão de abordar a obra de Darwin, mas
discorreremos brevemente sobre a tese da nossa ancestralidade comum e a
seleção natural.
Darwin foi um grande biólogo britânico, que apresentou a ideia de que
todos os seres vivos descendem de um ancestral comum. O conceito de
evolução, proposto por Darwin, teve uma grande repercussão no pensamento
da humanidade, visto que todas as áreas do conhecimento sofreram algum
impacto por essa nova ideia. Com o prestígio das ciências naturais e biológicas
e do evolucionismo de Darwin, o homem pode ser estudado como um organismo,
da mesma forma que os outros seres vivos. Essa ideia revolucionou a ciência,
pois perde-se a unidade entre corpo e alma.
Já, em 1870, a evolução por seleção natural teve apoio da maioria dos
intelectuais. Na natureza, o processo de seleção natural tem como resultado a
sobrevivência dos organismos mais bem adaptados a seu ambiente e a
eliminação dos demais, ou seja, as espécies que não se adaptam não
sobrevivem.
Em sua teoria, Darwin propôs que possuímos diferentes características,
as quais podemos passar de uma geração para outra. Herdamos as
características que nos conferem vantagem de sobrevivência, maior chance de
nos desenvolver e nos reproduzir, passando essas características vantajosas
aos nossos descendentes.

18
É verdade que a teoria de Darwin não pode ser extrapolada para o nível
psicológico, já que se trata de uma teoria fundamentalmente de ordem biológica,
mas a noção de adaptação desperta muito interesse para quem estuda a
psicologia (BUR, 2003).

Charles Darwin e a Teoria da Evolução da Espécies


Fonte: Google 2021

Sem nos aprofundarmos nestas questões, queremos apenas salientar


que sua teoria abre um campo muito fecundo para as pesquisas psicológicas
posteriores, provocando uma mudança no objeto de estudo na psicologia.

Saiba mais

Conhecido como o livro que abalou o mundo, A Origem das Espécies foi lançado
em 1859 e as cópias da obra do biólogo e naturalista Charles Darwin se
esgotaram logo no primeiro dia de lançamento. Este livro reúne o relato dessa
pesquisa. Você pode baixar o livro de maneira totalmente gratuita no link:
https://www.baixelivros.com.br/biologicas-e-saude/botanica/a-origem-das-espec
ies, ePub, MOBI ou Ler Online | Le Livros

Outro cientista que julgamos importante mencionar é o matemático e


estatístico inglês Francis Galton (1822-1911), considerado um excêntrico
milionário e uma das mentes mais criativas do século XIX. Inspirado na obra de
seu primo, Charles Darwin demonstrou interesse em medir a capacidade
mental dos indivíduos. Podemos dizer que ele foi um dos primeiros cientistas
a compreender as implicações da teoria evolucionista de Darwin e como ela

19
abriria a possibilidade para a manipulação científica da própria espécie
humana (BUR, 2003).
A teoria da evolução suscitou a intrigante possibilidade de Galton descrever
e mensurar as diferenças individuais. Galton propôs o desenvolvimento de testes
de inteligência para selecionar homens e mulheres brilhantes, destinados à
reprodução seletiva e recomendou que os melhores recebessem incentivos
financeiros para se casarem e procriarem (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019,
p. 124). Foi Galton quem deu origem ao conceito de testes mentais.
Francis Galton era fascinado pelos números e medidas e, a partir da obra
de seu primo, entendeu que o intelecto é uma ferramenta criada pela evolução
e seleção dos indivíduos mais bem adaptados. Este conceito, reunido com sua
convicção de que tudo o que se podia medir é hereditário, ou seja, herdamos
de nossos antepassados, levou-o a postular uma das teorias mais polêmicas,
questionada e ainda vigente na psicologia: a teoria do caráter hereditário da
inteligência (BUR, 2003). “Seu argumento era de que a superioridade ou a
ausência dela deviam-se exclusivamente a uma função hereditária e não a
oportunidades” (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019, p. 124).
Galton teve uma influência no desenvolvimento da psicologia americana
e muitos temas pesquisados por ele proporcionaram a base necessária para que
se desenvolvesse uma série de desdobramentos na psicologia moderna, tais
como: adaptação, hereditariedade versus ambiente, comparação das espécies,
desenvolvimento infantil, o método do questionário, técnicas estatísticas,
diferenças individuais e testes mentais.

Importante

Francis Galton cunhou o termo “eugenia” em 1883, que pode ser definido como
“a ciência do melhoramento biológico do tipo humano". Galton fundou uma
corrente teórica que propôs a melhora da espécie por meio da descendência
seletiva, prática que se denomina Eugenia e que será o argumento que vai
legitimar, anos mais tarde, o assassinato de milhões de seres humanos durante
a Segunda Guerra Mundial. Se você quiser saber mais sobre este polêmico
assunto, sugiro a leitura do artigo: Francis Galton: eugenia e hereditariedade,
escrito por Valdeir Del Cont. Você pode acessar o artigo no seguinte link:
https://www.scielo.br/j/ss/a/nCZxGgFHn8MVtq8C9kVCPwb/?format=pdf&lang= pt

20
Jornal da época “Boletim da Eugenia”
Fonte: https://www.cafehistoria.com.br/wp-content/uploads/2021/03/Boletim-de-Eugeni
a-2.jpg

Como você pode ver, o movimento eugênico foi difundido em diversos


países, inclusive no Brasil, com contornos bem específicos e polêmicos.
Note-se que, embora tenha sido na Alemanha, mais especificamente com
Wundt, que surgiu as primeiras abordagens das teorias psicológicas, que direta
ou indiretamente, deram origem às inúmeras teorias que existem atualmente, é
nos Estados Unidos que ela tem um rápido crescimento, “resultado do grande
avanço econômico que colocou os Estados Unidos na vanguarda do sistema
capitalista” (BOCK; TEIXEIRA; FURTADO, 2009, p. 41).
Em seguida, abordaremos como a psicologia se desenvolveu por distintas
escolas de pensamento.

21
1.1.2 As diferentes escolas de pensamento

A psicologia se separou da filosofia e o marco dessa separação é o primeiro


laboratório de psicologia experimental, criado por Wundt, na Alemanha. Mas, qual
é, então, o objeto específico de estudo da Psicologia? O que a psicologia científica
estuda? Ela estuda o ser humano? Se levarmos apenas em consideração o
objeto humano como estudo da psicologia, ela pode ser, de certa forma,
confundida com outras ciências humanas, como: sociologia, história, antropologia
e economia. Então, o que a diferencia das demais ciências humanas?
Eis o grande dilema da psicologia. Existem diferentes constructos teóricos
que tentam responder, sob diferentes enfoques, a estas perguntas. Na atualidade,
se perguntarmos a diferentes psicólogos o que eles estudam, ouviremos, com
certeza, diferentes respostas, dependendo de qual é a perspectiva teórica em que
ele esteja ancorado para dar tais respostas. No decorrer das aulas, você vai
conseguir entender melhor esta afirmação.

Reflexão
Fonte: Google 2021

Para ilustrar a questão, imaginemos que você converse com um psicólogo


comportamentalista, ele dirá: o objeto de estudo da psicologia é o comportamento
humano. Se perguntarmos a um psicólogo cognitivo, ele dirá: o objeto de estudo
da psicologia são os processos mentais. Cada escola representa visões
diferentes do ser humano e do fenômeno psicológico e cada uma possui sua
base epistemológica e metodológica. Você sabe o que significa uma escola de
pensamento?

22
Saiba mais

As diferentes escolas de pensamento representam diferentes teorias, com


diferentes concepções de mundo e de ser humano. Cada uma dessas escolas
possui um corpo de conhecimentos, um sistema e métodos específicos de como
realizar as suas pesquisas. Os seus membros compartilhavam dessa orientação
teórica. Cabe, aqui, evidenciar que no passado os psicólogos identificaram-se
quase que exclusivamente com uma única escola de pensamento.

Em geral, os membros de uma escola de pensamento compartilham da


mesma orientação sistemática e teórica e investigam problemas semelhantes.
“O surgimento de várias escolas de pensamento, seu posterior declínio e a
consequente substituição por outras são características marcantes da história da
psicologia” (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019, p. 18).
A psicologia científica se constituiu inicialmente de três escolas: o
Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927); o Funcionalismo, de William
James (1842-1910); e o Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949).
Foram as principais escolas de pensamento do final século XIX que
impulsionaram a construção da psicologia como ciência. Posteriormente, essas
escolas deram origens a outras teorias que serão discutidas no decorrer dessa
disciplina.
A seguir, faremos uma breve descrição de cada uma dessas escolas
teóricas, limitando-nos aos fatos mais sobressalientes, sem esquecer que não
são os únicos que são significativos ou importantes.

a) Pensadores importantes associados com o estruturalismo incluem


Wilhelm Wundt e Edward Titchener (1867-1927). Titchener foi aluno
de Wundt na Alemanha, ele era inglês de nascimento, mas
desenvolveu seu trabalho nos Estados Unidos da América (EUA),
contribuindo muito com o rumo da psicologia nesse país. A
psicologia, para Titchener, era uma ciência puramente de
laboratório, opondo-se a aplicação dos conhecimentos psicológicos
a problemas práticos. O enfoque da escola de pensamento
estruturalista baseava-se na análise do conteúdo da consciência. O

23
estruturalismo é considerado como a primeira escola de
pensamento da psicologia e seus métodos de pesquisa se baseiam
na observação, experimentação e medição, eram, cientificamente
falando, os mais tradicionais. O objeto de estudo para os
estruturalistas era a experiência consciente. Titchener, assim como
de Wundt, utilizava a técnica da introspecção para analisar os
processos internos da mente humana. Posteriormente, o
estruturalismo recebeu muitas críticas, principalmente no que se
refere ao método de introspecção, no entanto, apesar das críticas,
embora o objeto de estudo e “os propósitos dos estruturalistas não
sejam mais fundamentais, o método de introspecção, mais
amplamente definido como relato oral baseado na experiência,
ainda é empregado em diversas áreas da psicologia” (SCHULTZ, D.;
SCHULTZ, S., 2019, p. 121).

b) Funcionalismo: William James (1842-1910) foi o precursor da


psicologia funcional, que é considerada o primeiro sistema de
psicologia, puramente norte-americano. Existem controvérsias
sobre ser ele ou não o precursor. O que é certo é que esse
movimento teve a contribuição de inúmeros intelectuais da época.
Pode-se dizer que houve várias psicologias funcionais e, embora
apresentassem algumas diferenças, todas compartilhavam o
interesse no estudo das funções da consciência. Coexistindo com o
estruturalismo, o funcionalismo foi uma maneira de protesto contra
a psicologia experimental de Wundt e a psicologia estrutural de
Titchener. “Essas primeiras escolas de pensamento não podiam
responder às perguntas que os funcionalistas estavam fazendo: O
que a mente faz? Como age?” (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019,
p. 124). Os autores dessa corrente tinham um grande interesse em
conhecer a razão dos processos mentais, buscando compreender o
funcionamento da consciência. Para eles, o objetivo da psicologia
era o de estudar o modo em que a mente podia auxiliar o organismo
a se adaptar ao ambiente. Diferentemente de Wundt, os
funcionalistas consideram a psicologia uma ciência prática e

24
procuram aplicar suas descobertas na melhoria da vida. Esta escola
do pensamento pode ser considerada como uma junção de uma
preocupação prática da psicologia, da ênfase no indivíduo e da
teoria da evolução de Darwin (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019);

c) O principal representante do associacionismo é Edward L.


Thorndike (1874-1949), que, em 1899, publicou um artigo intitulado,
Inteligência Animal, lançando-se, assim, para a vanguarda do
emergente campo da psicologia da aprendizagem. Pode ser
considerado um dos principais pesquisadores para o
desenvolvimento da psicologia animal. Thorndike elaborou uma
teoria de aprendizagem objetiva e mecanicista com enfoque no
comportamento manifesto. “O termo associacionismo origina-se da
concepção de que a aprendizagem se dá por um processo de
associação de ideias, das mais simples às mais complexas” (BOCK;
TEIXEIRA; FURTADO, 2009, p. 24). Para Thorndike, a
aprendizagem é uma série de conexões ou vínculos estímulo-
resposta (E-R). A sua teoria da aprendizagem descrevia o modo
como estas conexões podiam ser fortalecidas (recompensa) ou
enfraquecidas (punição). Essa lei é conhecida como a “Lei do
Efeito”. No final da sua vida ele chegou à conclusão de que a
recompensa fortalecia muito mais a aprendizagem do que a punição
a enfraquecia (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019).

Saiba mais

Se você quiser se aprofundar nesse maravilhoso mundo da psicologia, uma


sugestão seria baixar de maneira gratuita o livro Psicologia Fácil, que faz parte
da série FácilCom. Este livro, de forma didática e objetiva, traça um diálogo
crítico e de qualidade sobre os temas abordados. O livro e seu conteúdo são de
domínio público e são disponibilizados de forma totalmente gratuita. Os autores
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25
Finalizando nossa primeira aula, fica evidente que a psicologia representa
hoje um sistema amplamente ramificado de disciplinas, que estudam a atividade
psíquica do ser humano em diferentes aspectos. No entanto, na atualidade, os
pesquisadores tentam evitar um tipo de adesão rígida a uma única perspectiva
teórica, em vez disso, adotam diferentes perspectivas teóricas para explicar e
estudar o desenvolvimento e a aprendizagem humana.

Conclusão da aula 1

É conveniente recordar que a psicologia, para alcançar o status de


ciência, precisou romper com suas raízes na filosofia e iniciar a utilizar os
métodos das ciências físicas e biológicas. Lembre-se de que, na filosofia, os
resultados são baseados na lógica do pensamento e não exigem
experimentação, enquanto a psicologia está fortemente baseada em fatos,
tentando estabelecer leis e padrões.
Durante toda a trajetória da psicologia moderna, coexistiram diferentes
perspectivas teóricas, mas todos os teóricos tinham uma coisa em comum,
acreditavam que a psicologia deveria ser afastada de temas metafísicos. Wundt,
como pesquisador, queria inaugurar uma nova psicologia e, para isso, precisava
se afastar da filosofia e se ater somente à experiência psicológica propriamente
dita, assumindo o método de investigação das ciências naturais como critério
rigoroso de construção do conhecimento. Wundt promoveu a Psicologia como
uma ciência.
É importante destacar que as mudanças que ocorreram no campo da
psicologia, ao longo do tempo, não foram lineares, mas produto da coexistência
de diferentes abordagens, discussões e rupturas que ainda perduram. Note-se
que estas mudanças não estão desconectadas do contexto social cultural e
tecnológico. Por isso, é fundamental conhecer os contextos históricos em que se
deram tais acontecimentos, para entender melhor as mudanças paradigmáticas
da psicologia.

26
Atividade de Aprendizagem

Qual é o significado da expressão “escola de pensamento”? Explique sua


resposta.
Você consegue lembrar de quantas escolas de pensamento aprendemos
nesse tópico? Faça uma síntese sobre as principais características de cada
uma delas.

Aula 2 – Psicologia da Educação e seu campo de estudos

Apresentação da aula 2

A psicologia da educação tem como ponto de partida a confluência dos


interesses de pedagogos e psicólogos. Se por um lado, surge o interesse dos
pedagogos em buscar uma fundamentação psicológica para a teoria e a prática
pedagógica; por outro, há interesse dos psicólogos em aplicar os princípios
psicológicos no contexto educacional. Mas, este ponto de encontro não ocorreu
sem grande debates e divergências.
Na aula anterior, mencionamos que as diferentes escolas de pensamento
deram respostas diferentes sobre qual é o objeto de estudo da psicologia, apesar
de também termos mencionado que na atualidade os psicólogos são mais
ecléticos e não se mantêm ligados exclusivamente com uma única escola de
pensamento. Apesar de, na atualidade, não existir uma afiliação teórica rígida,
existem enfoques psicológicos considerados clássicos. Nas aulas seguintes
abordaremos este tema com maiores detalhes.
Se a psicologia da educação é, então, uma psicologia que trata sobre
educação, talvez seria importante definir o que entendemos por educação.
Infelizmente, apesar do interesse e da importância que pode suscitar o tema, por
questões de delimitação teórica, não entraremos nesse debate. É certo que, ao
definirmos o que entendemos por psicologia da educação, dependerá, em certa
medida, a maneira que entendemos a psicologia e a educação.

27
Pois bem, o próprio nome da nossa disciplina nos remete à ideia de que
é uma disciplina psicológica que trata da educação, ou seja, tem relação com a
psicologia e a educação. Aqui reside outro problema, visto que para os
psicólogos é um saber psicológico, enquanto para os pedagogos, é um saber
que pertence às ciências da educação. A seguir nos concentraremos na
definição conceitual da psicologia da educação.

2.1 Psicologia da Educação: conceito e objeto de estudo

Preliminarmente, cabe considerar que o termo psicologia da educação se


encontra, por vezes, como equivalente à psicologia escolar e à psicologia
educacional. Na literatura, uma das formas encontradas considera a psicologia
educacional e da educação como sinônimos, compreendendo as duas
expressões como equivalentes. Enquanto a psicologia da educação é uma área
do conhecimento, a psicologia escolar pode ser entendida como um campo de
atuação ou prática do psicólogo em diferentes contextos educativos. Aqui, nosso
foco é a psicologia da educação.

Psicologia educação
Fonte: Google 2021

Como vimos na primeira aula, as três escolas de pensamento deram


origem a diferentes abordagens da psicologia, que, na atualidade, contribuem
muito para compreendermos o fenômeno educativo. Após aprender sobre essas
teorias, você deve estar se perguntando qual delas é a mais adequada para
solucionar os problemas encontrados no contexto educacional. Em relação a

28
esta questão, nosso objetivo não é analisar as diferentes abordagens em termos
de certo ou errado, mas, antes, conhecê-las para poder compará-las e avaliá-las
de maneira crítica.
Diante do exposto, é importante destacar que na psicologia da educação
não existe uma super teoria que possa dar conta de todos os problemas
enfrentados pela prática educacional. Você lembra de William James, o
precursor da psicologia funcional, que estudamos na aula passada?
James é considerado um dos mais importantes psicólogos educacionais
norte-americanos. Para ele o ensino é um processo que nunca entenderemos
completamente e que “temos que nos contentar com uma série de aproximações
a boas ideias e boas práticas, em vez de ideias e práticas perfeitas”
(SPRINTHALL, N.; SPRINTHALL, R., 1990, p. 3).
É conveniente recordar que a formulação de cada teoria pela psicologia,
quer pela concepção de sujeito que contém, quer pelos pressupostos teóricos
adotados ou pelos seus desdobramentos práticos, necessariamente, implica
uma estrutura que envolve uma dada política educacional, um conjunto de
objetivos específicos na formação acadêmica e um projeto sociocultural.

Importante

Não existe neutralidade nas diferentes perspectivas da psicologia, pois cada


teoria apresenta uma visão de mundo, de sujeito e de educação. Não existe
educação neutra. No processo histórico da humanidade, diferentes
compreensões sobre a forma de educar foram construídas, tendo em vista
algumas prioridades de ordem social, econômica, política e ideológica da época.

Naturalmente, como principiante na disciplina de psicologia da educação,


não lhe pode ser exigido que avalie com rigor as diferentes teorias, entretanto é
fundamental que as avalie com profundidade, para que, futuramente, seja capaz
de intervir eficazmente na educação, visando à formação de sujeitos que possam
exercer plenamente sua cidadania e atuar na transformação da sociedade.
Todas as teorias precisam ser contextualizadas para que possam ser
compreendidas na sua essência. Uma teoria nunca pode ser dada como
concluída, existirão sempre lacunas em termos de compreensão da sua
totalidade. Pode-se dizer que existirá sempre um processo vivo e contínuo de
29
formulação, reflexão e questionamento, implicando em movimentos de
elaboração e reelaboração de conceitos, posições, interpretações e movimento,
esse gerado pelas próprias mudanças das necessidades humanas.

Vocabulário

Teorias: o objetivo das teorias é compreender e explicar os fenômenos de uma


forma mais ampla [...], a teoria fornece-nos dois aspectos relacionados com os
fenômenos: de um lado um sistema de descrição e, de outro, um sistema de
explicações gerais (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 123).

Isto posto, acercar-nos-emos do debate referente às diferentes formas de


concebermos as relações entre a psicologia e a educação. Para isso, partimos
do pressuposto que não é fácil definir psicologia da educação, inclusive, como
você já viu na primeira aula, não é simples definir a psicologia. Uma das causas
da dificuldade em compreender psicologia da educação é a natureza híbrida da
ciência e da educação. Preocupações tanto teóricas quanto práticas são
inerentes à natureza de cada um dos campos.
Importante destacar que o processo educativo é um fenômeno complexo,
portanto a escola pode ser considerada como uma instituição gerada pelas
necessidades produzidas pela sociedade, que, por sua complexidade crescente,
em cada momento histórico, demandava formação específica de seus membros.
Diante do exposto, pode-se dizer que entendemos a educação como
prática social humanizadora e intencional, cuja finalidade é transmitir a cultura
construída historicamente pela humanidade. Espera-se, nesse sentido, que o
conhecimento transmitido pela escola seja um saber metódico, científico,
elaborado e sistematizado. Não se trata, portanto, “de qualquer forma de saber”
(SAVIANI, 2003, p. 14), isto é, na escola os saberes que devem ser transmitidos
não são os saberes espontâneos, não intencionais, mas um conhecimento
sistematizado e fundamentado.
Seguindo essa linha de raciocínio, é conveniente assinalar que a
discussão da relação da educação com a psicologia ou vice-versa não é recente.
Entretanto, podemos adiantar que mesmo diante da dificuldade de conceituar a

30
psicologia da educação, um número significativo de pesquisadores a definem
como uma disciplina-ponte de natureza aplicada.

Diante dessa definição de disciplina-ponte, a finalidade da Psicologia da


Educação seria a de “utilizar e aplicar os conhecimentos, os princípios e os
métodos da psicologia para a análise e o estudo dos fenômenos educativos.
Por esse motivo, a sua origem e a sua evolução são inseparáveis tanto na
origem da evolução da psicologia científica quanto da evolução das práticas
educativas, das funções que lhes são atribuídas socialmente e da sua
vinculação a outras áreas do conhecimento” (COOL et al, 2016, p.13).

Atualmente, uma parte significativa dos teóricos compreende que a


psicologia da educação é uma ponte essencial entre essas duas tradições, a
psicologia e a educação. A psicologia da educação tem seu ponto de partida no
cruzamento entre ambos os saberes, de um lado a psicologia e do outro a
educação.

Importante

A Psicologia da Educação está situada em um espaço intermediário, por um


lado, entre as exigências epistemológicas da psicologia científica, com as suas
coordenadas teóricas, conceituais e metodológicas e, por outro, entre as
exigências de uma ação prática, inserida em algumas coordenadas sociais,
políticas, econômicas e culturais, que lhe dão sentido (COOL et al, 2016, p.13).

Se, por um lado, a psicologia procura descobrir, por meio do rigor e da


objetividade da ciência, a natureza humana, por outro, precisa centrar suas
preocupações na prática educativa. Dito de outra forma,

enquanto a psicologia pode centrar sua atenção em procurar dados


científicos, por intermédio da pesquisa, para sustentar, por exemplo,
uma teoria acerca do desenvolvimento humano, já no último nem
sempre será possível suspender uma atividade para refletir melhor, na
teoria, sobre as implicações de seguir um determinado caminho em
detrimento de outro, se bem que a prática de nada valha sem uma
teoria que lhe sirva de suporte (PEIXOTO, 2013, p. 23).

Entretanto, nem todos os psicólogos pensam igual, muitos defendem que


a psicologia da educação nada mais é que a aplicação dos achados na

31
psicologia geral ao campo da educação. Para clarificar esta questão,
apresentaremos no quadro a seguir as duas principais correntes teóricas dentro
do campo da psicologia da educação: a psicologia da educação entendida como
um âmbito de aplicação da psicologia e a psicologia da educação definida como
uma disciplina-ponte entre a psicologia e a educação, retirados de Coll, et al.
(2016, p.24).
Apesar das diferenças, ambas as teorias estão plenamente vigentes na
atualidade, coexistindo entre si. A forma como entendemos essa disciplina tem
um impacto muito grande na maneira como explicamos o fenômeno educativo.

Duas visões nitidamente contrastantes da psicologia da educação

A psicologia da educação entendida como um âmbito de aplicação da


psicologia

➢ O conhecimento psicológico é o único que permite abordar e resolver


de maneira científica as questões e os problemas educacionais.

➢ O comportamento humano responde a leis universais que, uma vez


estabelecidas pela pesquisa psicológica, podem ser utilizadas para
compreender e explicar o comportamento humano em qualquer
ambiente, incluindo os ambientes educacionais.

➢ A Psicologia da Educação não se distingue das outras especialidades


da psicologia pela natureza dos conhecimentos que proporciona (que
são conhecimentos psicológicos e, portanto, próprio da psicologia
científica), mas pela área ao qual se aplicam tais conhecimentos: a
educação.

➢ A principal tarefa da Psicologia da Educação consiste em selecionar,


entre os conhecimentos proporcionados pela psicologia científica,
aqueles que em princípio podem ser mais úteis e relevantes para
explicar e compreender o comportamento humano nos ambientes
educacionais e poder intervir neles.

➢ A Psicologia da Educação não é uma disciplina ou subdisciplina em


sentido estrito (visto que não tem um objeto de estudo próprio e nem
pretende gerar conhecimentos novos), mas simplesmente um campo
de aplicação da psicologia.

A psicologia da educação entendida como uma disciplina-ponte entre a


psicologia e a educação

32
➢ A abordagem e o tratamento das questões e dos problemas
educacionais exige uma aproximação multidisciplinar.

➢ O estudo e a explicação do comportamento humano nos ambientes


educacionais devem ser feitos nesses ambientes e devem levar em
conta as suas características próprias e específicas.

➢ A Psicologia da Educação distingue-se das outras especialidades da


psicologia, porque proporciona conhecimentos específicos sobre o
comportamento humano em situações educacionais.

➢ A principal tarefa da Psicologia da Educação consiste em elaborar,


tomando como ponto de partida as contribuições da psicologia
científica, instrumentos teóricos, conceituais e metodológicos úteis e
relevantes, para explicar e compreender o comportamento humano nos
ambientes educacionais e poder intervir neles.

➢ A Psicologia da Educação é uma disciplina ou subdisciplina em sentido


estrito (visto que tem um objeto de estudo próprio e aspira a geração
de conhecimentos novos sobre ele) que se encontra no meio do
caminho entre os âmbitos disciplinares da psicologia e das ciências da
educação.
Fonte: (COLL, et al., 2016, p.24), adaptado pelo DI (2022).

Para alguns/algumas pesquisadores(as) e professores(as), a psicologia


da educação é um ramo da psicologia que se ocupa, em geral, de aplicar os
princípios das diferentes áreas ou especialidades da psicologia (psicologia do
desenvolvimento, psicologia da aprendizagem, psicologia social, psicologia da
personalidade, entre outros) na educação. De um modo mais específico, sua
tarefa consiste em retirar da psicologia geral os conhecimentos que são mais
pertinentes para a compreensão do fenômeno educacional.
Por outro lado, a segunda vertente considera a psicologia da educação
algo mais que um simples campo de aplicação. Apesar de concordarem que a
psicologia da educação é um conhecimento que está relacionado com a
aplicação dos princípios e explicações da psicologia às práticas educativas,
entendem que ela possui um caráter independente, ou seja, “configura-se como
uma disciplina específica que dispõe de alguns objetivos, de alguns conteúdos
e de alguns programas de investigação que lhe são próprios” (COLL et al., 1999,
p. 18).

33
As duas diferentes posições da psicologia da educação são vigentes
ainda hoje. Ambas têm em comum a busca para explicar e compreender os
fenômenos educativos. Entretanto, a primeira tem um caráter mais reducionista,
“para qual o estudo das variáveis e dos processos psicológicos é a única via
adequada para proporcionar uma base científica à teoria e à prática educativa”
(COOL et al., 1999, p. 39).
Enquanto a segunda, conhecida como disciplina-ponte, tem em comum
a ideia de que a principal finalidade da psicologia da educação é a de utilizar e
aplicar os conhecimentos, os princípios e os métodos da psicologia para análise
e estudo dos fenômenos educativos. Mas, fora isso, mantém uma estreita
relação com as disciplinas que se dedicam ao estudo dos fenômenos educativos,
por exemplo: política, história, sociologia, sociolinguística e antropologia, porém,
sem se deixar identificar ou confundir com um ou outro (COLL et al., 1999).
Nas palavras de Alexander Romanovich Luria (1902-1977), psicólogo
soviético e um dos maiores nomes da psicologia histórico-cultural, “a psicologia
só pode desenvolver-se em estreita ligação com outras ciências, que não a
substitui, mas lhe assegura informação importante para que ela possa ser bem-
sucedida na elucidação do seu próprio objeto” (LURIA, 1979, p.11).
Retomaremos a discussão referente à psicologia histórico-cultural nas próximas
aulas.
Além de áreas como a biologia, fisiologia, etologia e sociolinguística, as
ciências sociais têm uma importância muito grande para a psicologia da
educação.

Saiba mais

“Sem dúvida, todos os métodos e técnicas empregados para extrair informações


concernentes às experiências sobre a atenção, a fadiga, a memória, a
aprendizagem e a inteligência são importantes e úteis ao educador. Todavia, o
conjunto sistematizado ou orquestrado desses conhecimentos não basta para
fazer dele um pedagogo” (JAPIASSU, 1975, p.151). Se você quiser aprofundar
este tema, fica a dica de leitura do livro O mito da neutralidade científica, do
professor Hilton Japiassu.

34
Diante desse debate, entendemos que a psicologia da educação deve ser
entendida como uma disciplina-ponte, utilizando os conhecimentos da psicologia
científica, mas de maneira autônoma e com um domínio próprio, uma vez que o
domínio da psicologia da educação é o processo educativo.
Não devemos cair em reducionismos psicológicos que pressupõem que a
psicologia tem as respostas para todos os problemas da educação ou em um
reducionismo pedagógico que nega o papel e importância dos componentes
psicológicos, dando ênfase aos outros componentes (sociológicos, institucionais,
políticos, econômicos, entre outros).
Cabe à psicologia da educação estudar o comportamento e os processos
psicológicos gerados nos alunos como resultado da participação em atividades
educativas e explicar como as pessoas aprendem e como o desenvolvimento
cognitivo influencia na própria aprendizagem: teorias de aprendizagem. Dessa
forma, contribui na elaboração de uma teoria que permite compreender e explicar
melhor os processos educacionais.
Você pode estar se perguntando: por que é importante discutir essas duas
abordagens da psicologia da educação? E, por que assumimos que a segunda
posição é mais adequada? Para responder aos dois questionamentos,
utilizaremos as palavras de Fenstermacher e Richarson, citada por Cool et al.
(2016, p. 27), que, de maneira brilhante, assumem uma abordagem crítica da
psicologia da educação.

“A educação é uma prática social e que envolver-se uma prática social significa
necessariamente adotar determinadas opções ideológicas e morais, em vez
de refugiar-se em uma suposta e enganosa neutralidade de um enfoque
científico e disciplinar. Recuperando e assumindo, com todas as suas
consequências, o discurso e as preocupações do reformismo social dos
pioneiros e primeiros impulsionadores da disciplina, os psicólogos
educacionais não devem aceitar que não podem orientar seu trabalho para a
compreensão e a melhoria das práticas educacionais, sem formular-se e
responder algumas perguntas fundamentais sobre a educação que não são de
natureza psicológica em sentido estrito: quais devem ser as finalidades da

35
educação? Que tipo de pessoas se pretende contribuir para formar com as
práticas educacionais? Que tipo de sociedade se pretende contribuir para
engendrar com a educação das novas gerações? Como a educação deve
atender à diversidade das necessidades educacionais das pessoas? Que
papel a educação deve desempenhar na compreensão das desigualdades
econômicas, sociais e culturais das pessoas?”

Diante do exposto, entendemos que é fundamental que a psicologia da


educação supere o primeiro modelo de atuação e de produção de pesquisas,
que enfatizam, por exemplo, o fracasso escolar como próprio dos estudantes,
sem considerar as condições socioeconômicas, as desigualdades estruturais e
a exclusão social que assolam nosso país.
Acreditamos que não é possível naturalizar questões originárias das
desigualdades sociais e educacionais e culpabilizar os indivíduos como únicos
responsáveis pelo seu fracasso escolar, por exemplo. Não podemos atribuir ao
fracasso escolar, exclusivamente, a falta de inteligência do estudante, problemas
de ordem socioemocional ou culpabilizar a família. Por muito tempo a psicologia
enfatizou apenas os aspectos individuais da criança, do jovem, das famílias ou
do meio sociocultural, desconsiderando outros fatores que estão envolvidos na
problemática, principalmente em relação à aprendizagem (BOCK, 2003). É
imprescindível incluirmos nessa análise os elementos históricos, políticos e
sociais do momento presente. Veremos com maiores detalhes essas questões
a seguir.
No seguinte subponto abordaremos, de maneira muito sucinta, um pouco
da história da relação entre a psicologia e a educação no Brasil. A esse respeito,
Campos e Jucá (2006, p. 37) afirmam que

a psicologia escolar no Brasil se configurou menos como ciência


experimental, voltada para a pesquisa básica e produção de
conhecimentos, e mais como um campo de aplicação na medicina e
na educação. Estava voltada para o trabalho técnico, para a
implementação das teorias desenvolvidas em países como os Estados
Unidos e os da Europa.

36
E, diante do exposto, estudaremos a seguir a psicologia em relação à
educação no Brasil.

2.1.1 Psicologia da Educação no Brasil

Fonte: Google 2021

Como já foi mencionado, nesse subponto levantaremos alguns aspectos


sobre a relação entre a psicologia e a educação no Brasil, isto é, das construções
ocorridas na interface da ciência psicológica com o sistema educacional.
No decorrer dessa exposição se evidencia a relação estabelecida entre a
psicologia e a educação no Brasil. A prova disso é que a psicologia se
desenvolveu no Brasil, principalmente, para atender problemas da educação,
sobretudo a formação de professores. “Nesse âmbito, a psicologia tornou-se
necessária como ciência básica e instrumental para a Pedagogia, o que
acarretou seu desenvolvimento, quer no plano teórico, quer no plano prático”
(ANTUNES, 2014, p. 63).
Respeitando os limites desse livro didático, no que se refere à sua
finalidade, mas com o cuidado de não simplificar exageradamente o assunto face
à sua complexidade, deixaremos sugestões de dois livros, caso você queira se
aprofundar neste tema.

Mídias

O primeiro livro é A psicologia no Brasil: Leitura histórica sobre a sua


constituição, escrito por Mitsuko Aparecida Makino Antunes. A autora discute o
desenvolvimento de ideias e práticas psicológicas específicas, sua base
epistemológica e os fatores contextuais envolvidos. O segundo livro, Produção
do fracasso escolar: Histórias de submissão e rebeldia, é escrito por Maria

37
Helena de Souza Patto, considerado uma obra de referência para profissionais
da educação.

Ao longo do século XX, várias mudanças econômicas e sociais


ocorreram no Brasil e, junto com o desenvolvimento econômico, acentuaram-se
as desigualdades sociais, principalmente, no que diz respeito às precárias
condições de saneamento, alimentação e saúde do povo brasileiro, a
mortalidade infantil assombrosa e as inúmeras doenças infectocontagiosas
assolavam o país.
Para alguns intelectuais da época, a educação poderia ser a solução para
os problemas, não apenas como remédio para o atraso econômico, mas,
principalmente, como meio de conquista da liberdade pelo povo brasileiro. Diante
desse contexto, a preocupação com a educação tornou-se assunto dos que
detinham o poder, quer pela difusão da ideologia dominante quer pela
necessidade de formação de futuros trabalhadores. Por conseguinte, as
transformações históricas impuseram uma maior preocupação com as questões
educacionais e, consequentemente, com a problemática pedagógica.
Esperava-se que a psicologia trouxesse respostas aos problemas de
aprendizagem e desenvolvimento das crianças brasileiras e, para atingir esse
objetivo, foram criados, em diferentes estados brasileiros, laboratórios de
psicologia ligados às escolas normais, que eram responsáveis pela formação de
professores e professoras.

Curiosidade

Manoel Bomfim (1868-1932) foi quem dirigiu o primeiro Laboratório de Psicologia


no Pedagogium, no Rio de Janeiro, a partir de 1906. Ele era médico, com
bastante influência na definição do projeto educacional da nascente República
brasileira (ANTUNES, 2014). “O laboratório do “Pedagogium”, embora não tenha
registros sistemáticos de sua produção, pode ser considerado um celeiro
riquíssimo de reflexões sobre a psicologia, por meio das obras publicadas por
seu genial diretor” (ANTUNES, 2014, p. 70).

38
No livro que deixamos como sugestão, Antunes (2014) sugere que alguns
pioneiros da psicologia no Brasil, como Plínio Olinto, Lourenço Filho e Annita
Cabral, não definem uma data de fundação da psicologia brasileira. Entretanto,
todos mencionam a inauguração do laboratório de psicologia do “Pedagogium”,
criado por Bomfim, como um marco para a psicologia brasileira.
Isso implica dizer que a psicologia, com certeza, contribuiu muito com as
discussões referentes à educação, principalmente sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento. Mas é importante salientar que a psicologia no Brasil, como
área de conhecimento, esteve ligada a “uma tradição de controle, categorização
e classificação, apresentando-se como uma profissão e um saber a serviço dos
interesses das elites brasileiras” (ANTUNES, 2014, p. 32).
Do ponto de vista deste subponto, o que interessa destacar são as
contradições de um corpo de conhecimento, que pode ser utilizado para libertar,
para formar ou para oprimir. Para ilustrar esta questão, utilizaremos como
exemplo os instrumentos de medida de inteligência e personalidade criados por
Galton. Você lembra? A explicação de que algumas crianças eram mais capazes
do que outras, devido a fatores hereditários, receberam respaldo dos
instrumentos de medida de inteligência e personalidade criados por Galton e
desenvolvidos por Binet, na França. Aqui no Brasil, esses testes padronizados
tinham como objetivo classificar as crianças que necessitavam de educação
escolar especial em “normais e anormais”.
Esses testes possibilitaram o início de um movimento pioneiro de
assistência a crianças com deficiência, ao qual, mais tarde, engajar-se-ia a
psicóloga e educadora Helena Antipoff, chegada ao Brasil em 1929. Esse
aspecto foi muito importante no desenvolvimento do trabalho com as crianças
com deficiência.
Por outro lado, os mesmos testes aplicados de forma massiva para medir
a inteligência das crianças criaram uma postura segregadora, desconsiderando
as diferenças individuais, como a classe social, a etnia, o gênero, entre outros.
Explicando dessa forma, as dificuldades de aprendizagem principalmente das
crianças negras ou indígenas que viviam na extrema pobreza, como falta de
inteligência. Dessa forma, oferecia-se uma explicação “científica” do porquê os
“mais capazes” ocupavam as melhores posições na sociedade. Os “mais

39
capazes”, em sua maioria, eram pessoas brancas de origem europeia, que
tinham condições socioeconômicas melhores, tendo acesso à cultura, a livros, a
viagens, a alimentação adequada e assim por diante.
Diante do exposto, podemos concluir que a psicologia da educação no
Brasil teve, sem dúvidas, uma grande contribuição no avanço da educação.
Entretanto, no seu surgimento, em muitos momentos, foi utilizada para manter e
reforçar a posição social que a criança ocupava na escola, desconsiderando os
aspectos sociais e culturais, culpabilizando dessa maneira a criança em situação
de pobreza ou de sua família por seu fracasso escolar.
Muitos desses dogmas e inverdades continuam a fazer parte das
representações sociais dos profissionais da educação, daí a importância de você
conhecer e refletir sobre teorias que explicam os processos de desenvolvimento
e de aprendizagem.
Seguindo esta linha de raciocínio, abordaremos no decorrer das seguintes
aulas os dois grandes enfoques que dominaram, sucessivamente, o panorama
da psicologia da educação, desde as primeiras décadas do século passado.
Estes dois enfoques podem ser classificados em: behaviorismo e cognitivismo.
Entendemos que esta é uma disciplina introdutória, por isso é importante
que você conheça essas duas perspectivas clássicas produzidas no campo da
psicologia. Clássico é entendido aqui como “aquilo que se firmou como
fundamental, como essencial. Pode, pois, se constituir em um critério útil para a
seleção dos conteúdos do trabalho pedagógico” (SAVIANI, 2003, p. 13). Para
Saviani, “o clássico é aquilo que resistiu ao tempo, logo sua validade extrapola
o momento em que ele foi proposto” (SAVIANI, 2003, p. 101).
Importante destacar que nenhuma teoria está errada ou totalmente
superada, algumas se complementam, outras se contrapõem, mas todas estão
vinculadas aos seus contextos históricos e sociais. Como autores, nossos
posicionamentos teóricos, muitas vezes, também serão expressos.
Lembre-se de que a sua prática em sala de aula sempre estará
fundamentada em uma ou outra perspectiva ou em várias, mesmo que você as
desconheça. Cada uma delas defende uma concepção de ser humano, de
aprendizagem, de desenvolvimento e assim por diante. Por isso, não existe uma
prática educativa neutra.

40
Conclusão da aula 2

Abordamos o conceito e objeto de estudo da psicologia da educação e o


fato de não existir um único alinhamento nos leva a concluir que esta disciplina
ainda se encontra em busca de uma definição precisa e, consequentemente, de
delimitação de seus objetivos e conteúdo. No entanto, diante dessas limitações,
concluímos que a psicologia da educação pode ser entendida como uma
disciplina-ponte, a qual se utiliza dos conhecimentos da psicologia científica, mas
de maneira autônoma e com um domínio próprio, tendo como campo de estudo
o processo educativo.
Como você pode perceber, no Brasil o início das atividades psicológicas
aplicadas surgiu em um período de mudanças econômicas, sociais e políticas,
com o início do processo de industrialização, absorvendo certas ideias em voga
nos países desenvolvidos. Diante desse contexto, a preocupação com a
educação tornou-se assunto dos que detinham o poder, quer pela difusão da
ideologia dominante quer pela necessidade de formação de futuros
trabalhadores.
Ainda hoje, necessitamos olhar para a contribuição da psicologia da
educação com um posicionamento crítico quanto ao uso, pelo capitalismo, dos
seus instrumentos de avaliação psicológica para manuntenção de uma
sociedade elitista e desigual.

Atividade de Aprendizagem

A partir dos aspectos abordados, defina, em poucas palavras, o que você


entende por psicologia da educação.

41
Aula 3 – Teorias de aprendizagem: primórdios do behaviorismo

Apresentação da aula 3

Estamos iniciando um tema que por séculos tem originado muita polêmica
e divisões entre os teóricos. Esse problema é formulado, frequentemente, assim:
é possível por meio da educação formar em uma pessoa certas capacidades ou
qualidades mentais que não tinha anteriormente? Sendo a resposta afirmativa,
como ocorre o processo de aprendizagem?
O primeiro problema que encontramos ao tentarmos responder a esta
pergunta é que não existe uma resposta, mas várias, ainda que nenhuma delas
seja tão conclusiva que nos permita adotá-la, descartando as demais. Sem
dúvidas, esta é uma das maiores queixas feitas pelos profissionais da educação:
que a psicologia oferece demasiadas teorias, às vezes difíceis de entender,
outras difíceis de aplicar na prática educativa, mas, acima de tudo, a psicologia
não explica exatamente como atuar diante de um determinado problema na sala
de aula.
É verdade. A psicologia da educação oferece princípios gerais, sugerindo
a utilização de determinadas estratégias e técnicas de ensino, mas estes
princípios são flexíveis. Cada perspectiva teórica oferece normas fundamentais
que darão a sustentação à prática pedagógica, jamais prescreverão normas
específicas de como atuar em cada situação específica.
Na psicologia da educação diversas teorias têm sido criadas acerca da
aprendizagem, tratando desse tema de maneira muito diferente pelas diferentes
explicações teóricas. A aprendizagem é um processo muito complexo e, ao
mesmo tempo, inclui diferentes tipos de aprendizagem. Os estudantes na sala
de aula não aprendem somente conhecimentos teóricos; aprendem também
valores, hábitos e modos de comportamento, cuja aquisição é explicada de uma
maneira mais clara e efetiva por uma ou outra teoria. Cabe destacar que esses
sujeitos, ao adentrarem o ambiente escolar, já são portadores de uma cultura,
de saberes e de valores próprios do seu contexto social e familiar, que devem
ser considerados no processo educativo.
Todos nós temos, implícita ou explicitamente, uma “teoria” sobre como se
ensina e aprende. Pare e pense um pouco. Como você ensina sua irmã mais

42
nova a atar os sapatos? Como você aprendeu a cozinhar? Como você aprendeu
o nome da capital do seu estado?
No entanto, também podemos constatar que há pessoas que quando
ensinam têm mais êxito do que outras, assim como há indivíduos que nas
mesmas condições aprendem melhor do que outros. Como compreender estas
situações?
Uma análise das diversas teorias da aprendizagem pode nos ajudar a
compreender melhor essa realidade. Conhecer os princípios científicos sobre a
aprendizagem nos possibilitará desenvolver práticas pedagógicas
fundamentadas, refletidas e conscientes.
Como dissemos, a aprendizagem precisa ser entendida desde uma
perspectiva ampla, dentro da qual seja explicitada as principais teorias. O leque
é bastante grande, mas nós nos centraremos em duas abordagens principais: a
psicologia behaviorista, também denominada comportamental e a psicologia
cognitiva. O fato de a psicologia cognitiva ter desbancado a psicologia
comportamental não significa que muitas das explicações behavioristas
perderam totalmente sua validade explicativa.
Nesta aula, o tema central será a aprendizagem, iniciando-se pela
perspectiva da teoria behaviorista. Também abordaremos as implicações desta
teoria para o processo de ensino-aprendizagem, embora esta teoria tenha sido
alvo de muitas críticas, continua servindo de referência teórica para muitas
práticas pedagógicas.

3.1 A controvérsia natureza-educação

Como já mencionamos, a aprendizagem significa tantas coisas diferentes


que as controvérsias, muitas vezes, são simplesmente o resultado de diferentes
teorias estudarem diferentes aspectos da aprendizagem. A aprendizagem pode
ser entendida desde a criança que aprendeu a agradecer ao adolescente que
aprendeu a dirigir, ao jovem que aprendeu a fumar ou que aprendeu um conceito
de astronomia. No subponto seguinte, retomaremos este assunto apresentando
a definição e características da aprendizagem a partir de diferentes teorias. É
conveniente recordar que as diferentes teorias da aprendizagem são tentativas
sistemáticas de explicar essas mudanças.

43
Diante do exposto, encontramos duas posturas teórico-epistemológicas
que defendem pontos de vista opostos: o inatismo, que defende que o
conhecimento de um indivíduo já estaria presente desde o seu nascimento e o
empirismo, segundo o qual todo o conhecimento provém unicamente da
experiência.
Sem nos aprofundarmos nessas questões, queremos apenas apontar que
a busca por respostas começou na Antiguidade grega, com os filósofos, mais
especificamente com Platão e Aristóteles.

➢ Inatismo: Platão (427- 347 a.C.)

Mas o Deus que vos modelou, àqueles dentre vós que eram aptos para
governar, misturou-lhes ouro na sua composição, motivo por que são
mais preciosos; aos auxiliares, prata; ferro e bronze aos lavradores e
demais artífices” (PLATÃO, no livro A República).

Platão (427- 347 a.C.)


Fonte: Google, 2021.

A primeira abordagem, a inatista, defendida por Platão, compreende que


o homem nasce com certas características e que elas justificam a posição social
de cada um e que isso depende da vontade de Deus. Não se considera nenhuma
possibilidade de mudança.

44
A hipótese subjacente a essa concepção é a de que a criança recém-
nascida está predeterminada pela herança genética: tudo o que ela será já está
determinado, de alguma forma, nos seus genes, na sua bagagem hereditária ou,
ainda, na sua alma ou na sua inteligência. Você lembra de Francis Galton?
Galton defendia que a inteligência e muitas outras características físicas e
mentais dos humanos eram herdadas e baseadas biologicamente. Foi ele quem
criou os primeiros testes para medir o potencial intelectual. Os defensores dos
testes destacavam tradicionalmente a hereditariedade.
Dentro dessa concepção se entende o processo de desenvolvimento e de
aprendizagem como o desabrochar de características internas, genéticas ou
constitutivas. Espera-se que a criança “amadureça naturalmente” ou, pior ainda,
não podemos ter muitas expectativas daquelas crianças que por herança
genética ou cultural não apresentam bom prognóstico, ou seja, que não
nasceram com potencial, por isso os processos educativos podem contribuir
pouco para com elas.
Ainda hoje, lamentavelmente, encontramos docentes que justificam o
baixo rendimento educacional de certos discentes a fatores inatos. Você já deve
ter ouvido o refrão: “filho de peixe, peixinho é” ou “pau que nasce torto morre
torto”.
Por outro lado, a segunda abordagem entende que a mente é uma “tábula
rasa” sobre a qual se escreve a experiência. Quem não conhece a famosa frase
do filósofo John Locke (1632-1704): a criança é uma “tábula rasa”, uma folha em
branco e sobre essa folha vão sendo impressas suas experiências sensório-
motoras. Ele acreditava que as crianças não sabem nada quando nascem e que
todas as ideias que os seres humanos desenvolvem vêm da experiência. Para
os defensores do meio, a criança não é mais do que um pedaço de barro que
pode ser moldada e trabalhada pelas mãos de um mestre artesão, ou seja, o
meio, de modo a ficar na forma que se pretenda.
Nos séculos XVI e XVII essa perspectiva ganha força com filósofos como
Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-
1704). No entanto, sua origem remete ao filósofo Aristóteles (384-322 a.C.).

45
➢ Empirismo: Aristóteles (384-322 a.C.)

As virtudes, portanto, não são geradas em nós nem através da


natureza nem contra a natureza. A natureza nos confere a capacidade
de recebê-las, e essa capacidade é aprimorada e amadurecida pelo
hábito (ARISTÓTELES, no livro Ética a Nicômaco).

Inatismo: Platão (427- 347 a.C.)


Fonte: Google, 2021

Para Aristóteles, não é a natureza a responsável por nossos saberes, mas


o resultado da prática quando se tornam hábito. Este debate também ficou
conhecido como natureza versus criação ou como herança versus cultura.

Reflita

Imagine uma criança que é muito boa em matemática. Essa é uma habilidade
inerente que ela possui? Ou ela teve mais acesso a jogos lógicos, a brincadeiras
que envolvem a quantificação e seriação? Ela herdou de seus pais essa
capacidade ou desenvolveu porque estudou em escolas que desenvolvem
atividades de raciocíno lógico-matemático?

Para alguns pesquisadores, esse dualismo da separação radical entre a


natureza e a cultura é uma forma reducionista de entender o ser humano e
asseguram que essa dicotomia precisa ser superada. Diante desse debate,
argumentam que privilegiar uma ou outra dimensão: biológica ou cultural, “reduz

46
as possibilidades de compreensão da sociedade humana, uma vez que cultura
e natureza formam um híbrido, trabalhando uma sobre a outra, não como causa
e efeito, mas de um modo mais recíproco, sistêmico e complexo” (PROUT, 2013,
p. 21). Para este autor, a superação do dualismo natureza-cultura só será
alcançada por meio do diálogo interdisciplinar. Retomaremos este debate em
aulas posteriores.
A seguir, apresentaremos algumas definições propostas para a
aprendizagem, contudo adiantamos que não é possível eleger uma, que é
suficientemente satisfatória, capaz de encontrar apoio de todos os
pesquisadores. Se você fizer uma leitura atenta, poderá perceber nas definições
apresentadas que cada uma delas privilegia mais aspectos internos (teorias
cognitivistas) ou aspectos aprendidos (teorias behavioristas/comportamentais).

3.1.1 Conceito de aprendizagem

Estímulos
Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSwQ2BY1eHSfyllbaK
vS4KWB1ykkQShD0bFwKiTjcX2B7PWCOx4egFeUvt9V-B7_SPctB8&usqp=CAU

A aprendizagem recebeu inúmeras e distintas definições, não existe uma


definição aceita por todos os pesquisadores. Essas diferentes visões sobre a
aprendizagem, por si só, não são um problema, são antes uma vantagem, já que
nos possibilita uma visão mais eclética e integral desta função psicológica.
Elencaremos algumas dessas definições que são as mais utilizadas nos livros,
que tratam do tema da aprendizagem:

47
➢ Kimble (1961): aprendizagem é uma mudança relativamente
permanente do comportamento, que ocorre como resultado da
experiência;
➢ Gagné (1974): aprendizagem é uma mudança de estado interior que
se manifesta por meio da mudança de comportamento e na
persistência dessa mudança;
➢ Good e Brophy (1990): aprendizagem é como a aquisição ou
reorganização das estruturas cognitivas pelas quais as pessoas
processam e armazenam informações;
➢ Campos (1986, p.30): “a aprendizagem pode ser definida como uma
modificação sistemática do comportamento, por efeito da prática ou da
experiência, com um sentido de progressiva adaptação ou
ajustamento”.

Como já dissemos, optar por uma única definição de aprendizagem nos


conduz a uma perspectiva teórica específica, aqui, o que nos interessa destacar
é que estas definições mantêm três características fundamentais da
aprendizagem: produz uma mudança, ocorre por meio da experiência e deve
ser relativamente permanente (SCHUNK, 2012).

➢ Todos os pesquisadores concordam que sem uma mudança, que pode


ser favorável ou desfavorável, não existe aprendizagem. Somente
podemos inferir que houve aprendizagem se uma pessoa, em
circunstâncias similares, apresenta um comportamento diferente do que
tinha anteriormente, ou seja, a aprendizagem envolve uma mudança no
comportamento ou na capacidade de se comportar. As pessoas
aprendem quando adquirem a habilidade de fazer algo diferente. Como
tudo na psicologia não existe consenso, as diferentes perspectivas
teóricas entendem de maneira diferente em que consiste essa mudança.
Para os psicólogos behavioristas, aprendizagem consiste em uma
mudança no comportamento externo e observável. A aprendizagem é
vista como o resultado de uma resposta manifestada por um estímulo,
sendo o sujeito relativamente passivo nesse processo. Enquanto para os
psicólogos cognitivistas, a aprendizagem é uma mudança interna, que

48
permite ao sujeito responder adequadamente a uma situação concreta;
esta mudança pode estar relacionada à capacidade que se tem para fazer
algo ou uma modificação das atitudes, interesses e valores.
➢ A aprendizagem se adquire por meio da experiência, visto que nem todas
as mudanças que ocorrem conosco podem ser definidas como
aprendizagem, somente aquelas adquiridas, por exemplo, por meio da
prática ou da observação dos outros. Isso implica saber que existem
algumas mudanças que não podem ser consideradas como
aprendizagem, tais como: as mudanças que ocorrem em função do
desenvolvimento físico como o crescimento, o peso, entre outros; ou as
mudanças que ocorrem em função da maturação biológica, ou seja, as
modificações que são uma consequência do crescimento ou
desenvolvimento normal das estruturas internas do sujeito.
Provavelmente, você deve estar se perguntando: andar, falar ou controlar
os esfíncteres dependem da aprendizagem realizada pelo sujeito ou da
maturação biológica? Resposta difícil. A diferença entre o
amadurecimento e o aprendizado nem sempre é muito clara na
psicologia. Muitos psicólogos defendem que somos geneticamente
predispostos a agir de determinada maneira, mas o desenvolvimento de
comportamentos específicos depende do ambiente. Em outras palavras,
existe uma influência recíproca entre a maturação biológica e a
aprendizagem. Para ilustrar a questão, imaginemos um bebê que já tem
condições biológicas de falar, será que falaria se nunca tivesse ouvido
ninguém falar ao seu redor? Possivelmente não. Mesmo que para falar
seja necessário certa maturidade biológica, também é resultado direto das
práticas culturais realizadas. Retomaremos este debate nas aulas
posteriores. Outros tipos de mudança que também não se podem
considerar aprendizagem são as mudanças relacionadas à fadiga ou às
drogas. Isso exclui mudanças temporárias no comportamento (por
exemplo, fala arrastada) causadas por fatores como drogas, álcool e
fadiga. Esses tipos de mudanças são temporários, porque revertem assim
que eliminamos o fator que as causa.
➢ Outro aspecto que caracteriza a aprendizagem é que deve ser
relativamente permanente, possível de ser transferível para outras

49
situações. As mudanças não podem ser momentâneas ou pouco
duradouras. Só podemos considerar que houve aprendizagem se a
mudança se mantém durante um longo período em nossas vidas. Esta
aprendizagem duradoura pode ser transferida para a aquisição de novas
aprendizagens.

Na atualidade, as teorias que adquiriram maior importância dentro da


psicologia para explicar a aprendizagem foram as teorias behavioristas, em que
a aprendizagem é entendida como o resultado de uma resposta manifestada a
um estímulo, sendo o sujeito relativamente passivo nesse processo e as teorias
cognitivistas, em que a aprendizagem é vista como um processo dinâmico de
codificação, processamento e recodificação da informação. O estudo da
aprendizagem centra-se nos processos cognitivos que permitam estas
operações e nas condições contextuais que as facilitam. O sujeito é visto como
um ser ativo e é graças a esta interatividade que se aprende.
No entanto, outra perspectiva que não poderíamos deixar de mencionar e
que trouxe grandes contribuições é a psicologia histórico-cultural. Esta teoria
fundamenta-se nos princípios do materialismo dialético e procurou integrar todas
as outras abordagens em uma só, “o homem enquanto corpo e mente, enquanto
ser biológico e social, enquanto membro da espécie humana e participante de
um processo histórico" (OLIVEIRA, 1993, p. 23). Trataremos dessa Teoria nas
aulas. Iniciaremos discutindo a abordagem behaviorista sobre a aprendizagem.

3.1.2 Aprendizagem a partir da perspectiva behaviorista: Watson e Pavlov

Possivelmente o mais eloquente defensor da ideia de que os indivíduos


não são pessoalmente responsáveis pelos seus atos, dado que são produto do
meio em que vivem, foi o psicólogo americano John Broadus Watson (1878 –
1958). Watson defendia que as pessoas eram feitas, não nasciam; um bebê
pode ser moldado de modo a vir a ter qualquer forma adulta: podemos ensinar
tudo a um bebê, a ser músico ou um criminoso, por meio do uso das técnicas de
condicionamento. Dito de outra forma, Watson defendia que, por intermédio da
manipulação do ambiente, as crianças podiam ser ensinadas para ser ou fazer
qualquer coisa.

50
Em 1919, o professor e pesquisador John Watson e sua estudante de pós-
graduação, Rosalie Rayner, decidiram realizar um experimento com um bebê,
conhecido como o pequeno Albert, para comprovar sua teoria. Veja o vídeo
indicado a seguir.

Mídias

A história do pequeno Albert é uma das mais controvertidas da psicologia. John


B. Watson é considerado o pai da escola behaviorista. Veja o vídeo e entenda
por que este “experimento” causou tanta polêmica. Experimento John Watson -
Pequeno Albert (legendado) - behaviorismo - Somos condicionados - Bing vídeo
Disponível m: https://www.youtube.com/watch?v=kIZBQgMCEyk

Watson e sua colaboradora queriam testar se as reações emocionais


poderiam ser adquiridas pela experiência, particularmente, o medo. Como você
deve ter visto no vídeo, os pesquisadores condicionaram Albert a ter medo de
toda uma variedade de objetos (estímulos).
Isso foi possível apresentando a Albert um certo estímulo condicionado
(EC), um rato branco e depois batendo com um martelo em uma tábua de aço
poucos centímetros atrás da cabeça do bebê. Watson sabia que o rato branco
(estímulo condicionado) era inicialmente neutro, não causava medo no bebê.
Sabia, contudo, que o som forte (estímulo incondicionado (EI)) produziria,
automaticamente, uma resposta de medo por parte do bebê (SCHULTZ, D.;
SCHULTZ, S., 2019).

Experimento com o pequeno Albert


Fonte: Google, 2021

51
Albert aprendeu a associar o rato ao forte ruído e, segundo Watson,
aprendeu a ter medo do rato. Mais tarde, o bebê Albert começou a apresentar
medo, por meio de um processo denominado generalização de estímulos, de
qualquer estímulo que lhe fizesse lembrar um rato.

Reflita

É importante esclarecer que atualmente vivemos em uma época de maior


consciência social e senso político, portanto, alguns dos procedimentos usados
nos experimentos, como o realizado com o pequeno Albert, são considerados
inaceitáveis, segundo fundamentos morais e éticos. É verdade que nem sempre
houve uma reflexão ética sobre os possíveis impactos das pesquisas científicas
na vida das pessoas. Atualmente, para qualquer tipo de pesquisa com seres
humanos, o pesquisador deve ter a aprovação prévia por parte de um rigoroso
Comitê de Ética. Existem também diretrizes para o tratamento de animais em
pesquisas. Muitos ativistas defendem os direitos dos animais e são totalmente
contra qualquer tipo de pesquisa que cause dor ou sofrimento a um animal. Além
disso, os pesquisadores devem demonstrar que os possíveis benefícios de seus
estudos para populações humanas ou animais são maiores do que qualquer
possível dano aos sujeitos. O que você pensa sobre esse assunto? Você acha
que os benefícios advindos das pesquisas justificam a utilização de animais em
certas circunstâncias?

Embora as inconsistências metodológicas (falta de ética) do estudo de


Watson sejam inadmissíveis, o estudo contribuiu de maneira decisiva para o
avanço da psicologia. Watson é considerado um porta-voz do behaviorismo.
De acordo com as considerações anteriores, o behaviorismo tornou-se
um caminho muito auspicioso na época, porque propôs uma alternativa à
introspecção e estava comprometido com a resolução de problemas, atendendo
à crescente demanda da sociedade por conhecimento prático, principalmente na
área da educação.

Vocabulário

Behaviorismo: o termo behaviorismo foi consagrado pelo americano John B.


Watson, em 1913. O termo inglês behavior significa comportamento. Para
Watson, o behaviorismo é o estudo científico do comportamento humano.

52
Por isso, essa perspectiva teórica é conhecida como
comportamentalismo, análise experimental do comportamento, análise do
comportamento, entre outros. A principal referência intelectual de Watson foi
Ivan Petrovitch Pavlov (1849 -1936). A seguir vamos conhecer um pouco da vida
deste grande pesquisador russo.

Curiosidade

Pavlov era filho de um pastor de um vilarejo muito pobre na Rússia. A família


havia decidido que ele seguiria os passos do pai. Seu desempenho escolar era
próximo do medíocre; ninguém nem sonhava que um dia ele ganharia o prêmio
Nobel. O grande fisiologista Ivan Petrovich Pavlov foi o primeiro russo a ganhar
o Prêmio Nobel, em 1904. Ele foi premiado por suas descobertas sobre os
processos digestivos de animais e condicionamento na psicologia do
comportamento de animais (LEFRANÇOIS, 2009).

Pavlov realizou as primeiras descobertas sobre o condicionamento


clássico, ele estudou as secreções gastrointestinais de um cachorro e conduziu
experimentos para mostrar a relação entre as funções autônomas e o sistema
nervoso. Esta pesquisa fez Pavlov desenvolver seu conceito mais importante: o
reflexo condicionado. Pavlov notou que os cães salivavam não só quando a
carne era diretamente colocada nas suas bocas, mas também, por exemplo, ao
som dos passos do homem que costumava alimentá-los.

Mídias

No experimento de condicionamento de Ivan Pavlov, o reflexo condicionado


pressupõe a associação de estímulos que provocam uma resposta
condicionada, ou seja, que é esperada pelo pesquisador. Veja o vídeo: O Cão
de Pavlov - Bing vídeo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hJaOAKkL
Gqc

Na tentativa de encontrar explicação científica para a salivação de seus


cães antes de serem alimentados, Pavlov desenvolveu uma série de
experimentos, hoje famosos, sobre condicionamento clássico. Veja se você

53
conseguiu perceber a seguinte sequência no vídeo: a) primeiro, Pavlov
apresentou o estímulo condicionado: o som de uma campainha; b)
imediatamente depois, ele exibiu o estímulo incondicionado: a comida; c) após
certo número de pareamentos do som da campainha e da comida, o animal
passou a salivar ao som da companhia.
Neste caso, formou-se uma associação ou uma ligação entre o som da
campainha e a comida e o animal foi condicionado a responder mediante a
apresentação do estímulo condicionado. Este tipo de aprendizagem do
behaviorismo é conhecido como condicionamento clássico. Observe a
sequência na imagem abaixo.

Fonte: Google, 2022

A comida é um estímulo incondicionado (EI): o estímulo


incondicionado é um dos elementos mais importantes do condicionamento
clássico. É um fenômeno que provoca uma reação no corpo sem a necessidade
de um processo de aprendizagem prévio. No experimento de Pavlov, o EI é a
comida. Este tipo de estímulo provoca sempre uma resposta natural, sobre a
qual não temos controle.
A salivação é uma resposta incondicionada (RI): é a resposta
produzida de maneira natural, ou seja, sem a necessidade de um processo de
aprendizagem envolvido diante de um estímulo incondicionado.

54
A campainha é um estímulo condicionado (EC): é o estímulo,
originalmente neutro, que antes do condicionamento não provocava resposta.
No experimento de Pavlov, o som da campainha é o estímulo condicionado.
Antes do experimento, o som da campainha não produzia uma resposta de
salivação, era um estímulo neutro. Somente mediante o pareamento dos
estímulos incondicionado (EI) e condicionado (EC) efetuado ao longo de um
período, tornou-se possível a salivação.

Importante

Um dos princípios importantes de Pavlov é a extinção, ou seja, a redução ou


eliminação da resposta aprendida. Pavlov descobriu que, se sistematicamente
se apresenta o EC sem ser seguido do EI, a RC começa a descender e,
finalmente desaparece. Se a campainha soa repetidas vezes sem que se
apresente também a comida, a salivação decresce paulatinamente.

Você deve estar se perguntando: as descobertas feitas por Pavlov podem


ser aplicadas à educação? Mesmo que a maior parte das experiências dentro do
condicionamento clássico foram realizadas com animais, não podemos pensar
que os resultados encontrados sirvam somente para o adestramento dos
animais. As pesquisas indicam que não são somente os animais, mas também
os seres humanos, que aprendem a assimilar estímulos que não apresentam
relação com seu comportamento e responderem a eles, como se tal relação
existisse.
Embora não estejamos sempre atentos a isso, o condicionamento
clássico, especialmente o das respostas emocionais, ocorre em todas as
escolas, todo o tempo, pelo menos em parte, é por meio dos processos não
conscientes do condicionamento clássico que os estudantes vêm a gostar ou
desgostar da escola, dos professores e de determinadas matérias. O
condicionamento clássico é um tipo de aprendizagem em que o organismo
aprende a transferir uma resposta natural perante um estímulo para outro
estímulo que inicialmente era neutro e se converte, então, em condicionado. O
indivíduo é totalmente passivo e involuntário, em que se trabalha mais a
associação estímulo-resposta (LEFRANÇOIS, 2009).

55
Importante

Para ilustrar o assunto, vamos assumir que, de início, uma determinada matéria,
como matemática, seja um estímulo neutro, ou seja, não acarreta nenhuma
reação emocional positiva ou negativa na maioria dos estudantes. Segue-se a
isso o que sabemos sobre o condicionamento clássico, isto é, que estímulos não
neutros que são repetidamente apresentados quando o estudante fica exposto
à matemática podem servir como estímulos incondicionados. Esses estímulos
incondicionados poderiam estar associados a reações positivas (um professor
sorridente e camarada, uma mesa confortável e um ambiente acolhedor) ou
poderiam estar associados a reações negativas (um professor severo e exigente,
cuja voz é desagradável, áspera; uma mesa desconfortável, fria ou um ambiente
não amistoso). Depois de um tempo, a matemática pode se tornar um estímulo
condicionado associado a reações positivas ou negativas, dependendo do
estímulo incondicionado com o qual é repetidamente associada. Assim, é
perfeitamente possível ensinar matemática enquanto se ensina os estudantes,
por meio do condicionamento clássico, a gostarem ou desgostarem da
matemática (LEFRANÇOIS, 2009, p. 44).

É possível que muitas de nossas respostas emocionais tenham sido


aprendidas por meio do condicionamento clássico. É bastante comum encontrar
estudantes que se sentem angustiados diante de situações que consideram
ameaçadoras, como falar em público ou realizar uma prova. De acordo com essa
teoria, estudantes em situações semelhantes tiveram uma experiência
desagradável.
Diante dessa situação, os professores podem tentar oportunizar que os
estudantes associem essas experiências, de falar em público ou fazer uma prova
com estímulos positivos. Para isso, pode utilizar-se da extinção gradativa, ou
seja, colocar o estudante em situações semelhantes, porém mais simples, de
maneira que progressivamente aproxime-se da situação real que se pretende
alcançar.
A seguir, retomaremos um teórico que já mencionamos na primeira aula,
aprofundando um pouco mais sua contribuição no campo da psicologia da
educação. Você já ouviu falar da caixa-problema de Edward L. Thorndike (1874-
1949)? Você lembra que na primeira aula nós apresentamos Thorndike como o
principal representante do associacionismo? Recorda-se de que ele é
considerado um dos maiores teóricos no campo da psicologia da aprendizagem?

56
À Thorndike é atribuído o mérito de ter estabelecido as bases do
condicionamento operante, tema que abordaremos na aula seguinte.
Para Thorndike a aprendizagem é uma série de conexões ou vínculos
estímulo-resposta (E-R). A sua teoria da aprendizagem descreve o modo como
estas conexões podem ser fortalecidas (recompensa) ou enfraquecidas
(punição). Essa lei é conhecida como a “Lei do Efeito”. Esse pesquisador realizou
vários experimentos com animais, o mais peculiar foi o que ele fez com um gato.
Conhecido como a caixa-problema de Thorndike.
Pois, bem. Está curioso para saber o que é a caixa-problema? Assista ao
vídeo.

Mídias

A caixa-problema de Thorndike. Para sair da caixa o gato deve puxar um cordão


que libera um dos trincos da porta, pisar na alavanca para liberar o segundo e,
então, empurrar as trancas da porta. Link: Caixa Problema de Thorndike - Bing
vídeo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Qw8Kyj7OO-s

Será que este comportamento do gato demonstra que os animais são


inteligentes? Para Thorndike, as pessoas ficam ansiosas para procurar qualquer
sinal de que os animais são capazes de raciocinar a respeito de relações
complexas. Para comprovar, os pesquisadores deveriam realizar experimentos
controlados.

Caixa-problema de Thorndike
Fonte: Google, 2021

57
A experiência que você acabou de assistir no vídeo é uma das muitas
caixa-problema criadas pelo pesquisador. Neste experimento Thorndike colocou
um gato faminto na caixa deixando a comida do lado de fora da caixa, como um
prêmio se ele conseguisse escapar. Para escapar, o gato tinha que puxar uma
alavanca ou uma corrente e às vezes repetir muito a manobra para afrouxar o
trinco e conseguir abrir a porta.
Qual foi a conclusão de Thorndike? Como você viu, no início, o gato fez
algumas tentativas aleatórias, como farejar e arranhar com as patas, tentando
alcançar a comida; por fim, por tentativa e erro, acabou executando o
comportamento certo, destrancando. Posteriormente, o gato passou a
demonstrar o comportamento apropriado assim que era colocado na caixa. Para
este pesquisador, nós aprendemos da mesma maneira: “esses fenômenos
simples, semimecânico [...] que a aprendizagem animal nos mostra, também
fundamentam a aprendizagem humana” (THORNDIKE, 1913b, p. 16).
A partir dos resultados desse experimento, Thorndike criou três leis
fundamentais de aprendizagem, destacaremos a lei da aprendizagem, a mais
conhecida e considerada a mais importante: a “Lei do Efeito”, conhecida por
aprendizagem por tentativa e erro.
O que diz esta lei? Aquelas ações que têm resultados agradáveis para o
animal tendem a se repetir, enquanto as que têm resultados desagradáveis,
tendem a desaparecer.

Muito de sua carreira posterior em psicologia envolveu generalizar


essa observação para a aprendizagem humana e para demonstrar
como os humanos também aprendem por tentativa e erro, como função
de recompensa ou punição (LEFRANÇOIS, 2009, p. 75).

Essa ideia influenciou muito a educação. Mesmo que ao final de sua vida,
revendo seu trabalho, ele chega a novas conclusões, de que a recompensa
fortalece muito mais as aprendizagens do que a punição as enfraquece.

58
Reflita

Antes de 1930, Thorndike chegou à conclusão de que a repetição (a lei do


exercício) era importante, mas rejeitou essa ideia após 1930. Essa ideia teve
muita repercussão na educação. Muitos docentes, ainda hoje, acreditam que a
repetição mecânica de uma atividade garante que haja aprendizagem. Você
consegue perceber a relação das descobertas científicas e a prática
pedagógica? Com base nisso, você concorda que a ciência é um processo
permanente de conhecimento? Consciente ou inconscientemente, integralmente
ou em parte, os profissionais da educação sempre fundamentarão sua prática
pedagógica em alguma teoria. O que você opina sobre esta afirmação?

Na próxima aula veremos que Burrhus Frederic Skinner, o mais


importante e respeitado representante da escola behaviorista, utilizou como
ponto de partida a Lei do Efeito de Thorndike para desenvolver sua teoria da
aprendizagem. A ideia de que os efeitos do reforçamento são fundamentais na
aprendizagem tem um impacto na educação que perdura até os dias atuais.

Conclusão da aula 3

Como você pode ver, a aprendizagem recebeu inúmeras e distintas


definições, não existe na literatura uma única definição aceita por todos os
pesquisadores. No entanto, existem três características fundamentais da
aprendizagem aceitas pelos maiores estudiosos do campo da aprendizagem,
nomeadamente: a aprendizagem produz uma mudança, ocorre por meio da
experiência e deve ser relativamente permanente.
Watson utilizou o condicionamento clássico para explicar a aprendizagem
das respostas emocionais nas pessoas. Para o autor, as reações de amor, medo
e ódio podem ter ligação com as experiências prévias em que os estímulos
neutros foram associados a estímulos produtores de emoção. Fundamentou
parte do seu trabalho em Pavlov, o grande pesquisador russo, famoso por sua
elaboração do condicionamento clássico.
Dentre as contribuições mais significativas de Thorndike, estão a ênfase
na importância das consequências do comportamento (recompensa e punição).

59
A Lei do Efeito de Thorndike é sua principal contribuição para o campo da
aprendizagem, muitos estudos posteriores fundamentaram seus estudos e
pesquisas na Lei do Efeito.
A modo de conclusão se pode dizer que nas teorias de aprendizagem
behavioristas podemos dar duas explicações diferentes para a aprendizagem: a
contiguidade ou o reforçamento. Uma associação é formada entre dois
estímulos, porque eles se apresentam em contiguidade (simultaneamente ou
bem próximos), enquanto o reforçamento defende que a aprendizagem ocorre
devido às consequências do comportamento.

Atividade de Aprendizagem

Segundo as ideias apresentadas, qual é a influência do trabalho de Pavlov no


behaviorismo de Watson?

Aula 4 – Condicionamento operante: o Behaviorismo radical de Skinner

Apresentação da aula 4

Como já mencionamos, Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) é um dos


nomes mais conhecidos dentro da teoria behaviorista. Dentro desta perspectiva
aparecem distintas explicações sobre a aprendizagem, no entanto, para as
Teorias E-R a aprendizagem é uma série de associações: os estímulos e as
respostas. Toda a aprendizagem se reduz a um processo de condicionamento,
que se divide em duas categorias principais: o condicionamento clássico e o
condicionamento operante.
O condicionamento clássico nós já estudamos na aula passada. Em
poucas palavras, podemos dizer que o condicionamento clássico explica a
aprendizagem baseada na contiguidade, ou seja, uma associação é formada
entre estímulos ou entre estímulos e respostas, porque eles se apresentam em
contiguidade (simultaneamente ou bem próximos). Dessa maneira, os animais e
nós seres humanos aprendemos a responder de uma maneira automática a
60
estímulos neutros que anteriormente não tinham efeito sobre o nosso
comportamento ou tinham um efeito diferente. Os estímulos têm de ser
perfeitamente simultâneos no condicionamento clássico.
O condicionamento operante (reforçamento) atribui a explicação da
aprendizagem ao reforçamento. Já evidenciamos a centralidade do
reforçamento nas teorias de Thorndike e agora aprofundaremos com Skinner,
que é o nome mais importante dentro desse enfoque.

4.1 O Condicionamento operante

Vamos iniciar com um pequeno retorno no tempo.

Reflita

Você lembra de algum professor que utilizava recompensas ou punições? Tente


lembrar das diferentes recompensas, tais como: carimbos no seu caderno,
doces, prêmios, certificados, tempo livre por ter acabado a tarefa primeiro,
quebra-cabeças ou leitura livre. Ele lhe fazia elogios diante de toda a turma? Ou
não cobrava a lição de casa? E as punições? As perdas de privilégios, tais como:
não se sentar onde você queria ou trabalhar com amigos. Tirava pontos ou notas
pelo seu “mau comportamento”? Ou, quem sabe, dava um trabalho extra: dever
de casa ou mais tarefas. Como se sente em relação a essas memórias? Você
costuma utilizar essas estratégias em sua vida diária? Ou em sala de aula?

Na aula anterior estudamos o condicionamento automático de respostas


involuntárias, semelhantes a reflexos, como salivação e medo, denominado de
condicionamento clássico. Claramente, nem todo aprendizado humano é
involuntário e nem todos os comportamentos são automáticos. As pessoas
“operam” ativamente em seus ambientes. Esses atos deliberados são chamados
operantes. O processo de aprendizagem que envolve o comportamento
operante é conhecido como condicionamento operante, porque aprendemos a
nos comportar de certa maneira à medida que operamos no meio ambiente. Para
Skinner, o condicionamento clássico descreve apenas como os comportamentos
existentes podem estar associados a novos estímulos; não explica como novos
comportamentos operantes são adquiridos.

61
Skinner em seu laboratório
Fonte: Google, 2022.

Porém, antes de passarmos adiante, é importante contar um pouco a


história de Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Ele nasceu em 20 de março
de 1904, em Susquehanna, na Pensilvânia, EUA. Filho de um advogado e uma
dona de casa, Skinner teve uma infância acolhedora e estável. A formulação de
sua teoria reflete em grande parte as próprias experiências de sua infância. De
acordo com o seu ponto de vista, a vida é produto da história de reforços. Para
Skinner, suas experiências estavam relacionadas exclusiva e diretamente aos
estímulos do próprio ambiente. Ele sonhava com um mundo idealizado, em que
as pessoas viveriam de forma harmônica e em paz.
Durante a sua juventude, Skinner descobriu as obras de John B. Watson
e Ivan Pavlov, que o fascinaram. Importante destacar que as ideias mais
relevantes de Skinner devem muito a Charles Darwin, bem como a Edward
Thorndike. Skinner se contrapõe aos psicólogos que tinham como objeto de
estudo a consciência, a ele interessava o estudo das respostas, não lhe
interessava explicar o comportamento, mas descrevê-lo.

A sua pesquisa tratava apenas do comportamento observável, e ele


acreditava que a tarefa da investigação científica era estabelecer as
relações funcionais entre as condições de estímulo controladas pelo
pesquisador e as respostas subsequentes do organismo (SCHULTZ,
D.; SCHULTZ, S., 2019, p. 266).

Dessa forma, o organismo humano seria controlado e operado pelas


forças do ambiente, pelo mundo exterior e não pelas forças internas.

62
Ele tinha uma visão determinista da natureza humana, ou seja, somos
controlados por forças ambientais, não agimos movidos por causas internas e
espontâneas. Para Skinner, nós não somos passivos porque interagimos com o
mundo e somos constantemente mudados pelo ambiente.

Saiba mais

Se você quiser saber mais sobre a vida de Skinner e sua obra, recomendamos
este vídeo. Link: Skinner - Coleção Grandes Educadores - Completo - Bing vídeo
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0Hn9dN1_W4U

A seguir, apresentamos de maneira suscinta os conceitos principais de


sua teoria, caso você queira aprofundar, deixaremos sugestões de leituras e
vídeos. Tentaremos ilustrar com alguns exemplos práticos como as ideias de
Skinner acerca do comportamento humano influenciaram, principalmente, no
que concerne ao processo de aprendizagem e aos métodos de ensino. É
conveniente recordar que esta abordagem teve uma influência muito grande na
educação nos anos 1960 e continua coexistindo com outras abordagens
teóricas.
Skinner manteve-se como um dos mais importantes teóricos da
aprendizagem e como o mais famoso representante do behaviorismo radical,
estabelecendo as bases dessa ciência.

4.1.1 Conceitos básicos

➢ Comportamento operante

Skinner (1938) acreditava que a maioria dos comportamentos importantes


nos quais as pessoas se envolvem é operante. Escovar os dentes, lavar a louça,
responder a uma pergunta, sorrir para o bebê, ler uma poesia e andar até a
escola são todos exemplos de comportamentos operantes. Estes tipos de
comportamentos são visíveis, tanto para quem se comporta quanto para um
observador externo. Mas, de acordo com Skinner, o comportamento é uma

63
manifestação do organismo, portanto, existem comportamentos que não são
visíveis, por exemplo: pensar, respirar, entre outros.
Pode-se dizer que um dos conceitos mais importantes de sua teoria é o
comportamento operante. A melhor maneira de compreender o comportamento
operante é examinar a situação experimental utilizada durante anos por Skinner.

Mídias

Skinner atribuiu fundamental importância aos estudos de comportamento em


laboratórios. Nesse sentido, argumentou que pombos, ratos, cães e macacos
têm exibido propriedades semelhantes no seu processo de aprendizagem e que
podem ser generalizados aos seres humanos. Link: #48 - A caixa de Skinner
(condicionamento operante / Behaviorismo) - Bing vídeo. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=zUSgQK3f348

Qualquer comportamento adquirido por causa do reforçamento pode ser


interpretado como exemplo de condicionamento operante. Para ilustrar a
questão, pense no rato na caixa de Skinner que você acabou de assistir: quando
o rato pressionava a barra, ele recebia água, mas somente recebia se
pressionasse a barra. Depois de conseguir água (os reforços), o
condicionamento costumava se estabelecer com rapidez. “As explicações de
Skinner para a aprendizagem por meio do condicionamento operante baseiam-
se na noção de que são as consequências do comportamento que determinam
a probabilidade de o comportamento ocorrer de no novo”. (LEFRANÇOIS, 2009,
p. 110).
Em outras palavras, o condicionamento operante é um mecanismo de
aprendizagem de um novo comportamento resultante das consequências
reforçadoras da sua ação sobre o meio.

➢ Reforçamento

As explicações de Skinner para a aprendizagem por meio do


condicionamento operante baseiam-se na noção de que são as consequências
do comportamento que determinam a probabilidade de o comportamento ocorrer
de novo. Nessa perspectiva, um reforço é “[...] qualquer estímulo que, quando

64
apresentado, aumenta a frequência do comportamento ao qual é contingente”
(SKINNER, 2007, p. 81, apud SILVA; AGUIAR).

Vocabulário

Contingência: este termo pode ser encontrado com diferentes significados,


“contingência no sentido técnico ressalta como a probabilidade de um evento
pode ser afetada ou causada por outros eventos” (CATANIA, 1999, p. 81).
Contingência significa dependente de e define uma relação se[...] então[...]. Se
você fez a tarefa (comportamento), então pode sair para o recreio.

O fato de que as consequências são reforçadoras provavelmente


depende da percepção do indivíduo sobre o evento e o significado que tem para
ele. Por exemplo, um pedaço de bolo pode ser um reforçador para seu amigo,
mas você não gosta de bolo, portanto, não é para você. Mas, Skinner acreditava
que era inútil falar sobre "construções imaginárias" como significado,
expectativas, necessidades ou tensões. Ele simplesmente descreveu a
tendência de um operante específico aumentar após certas consequências.
O comportamento tem consequências e uma propriedade importante do
comportamento é que ele pode ser afetado por suas consequências. Como você
pode ver no exemplo: se você fez a tarefa (comportamento), então pode sair
para o recreio, existe uma relação de dependência entre os eventos. O
comportamento humano é modelado pelas suas consequências reforçadoras. É
produto das contingências de reforço. Dito de outra forma: Skinner propôs que a
relação entre o ambiente e o comportamento pode ser produto de uma
contingência de reforçamento. Veja a imagem abaixo.

Fonte: Google, 2021

65
O comportamento (B) produz consequências (C) e essas consequências
determinam a probabilidade da ocorrência (frequência) desse comportamento
em situações futuras. Em outras palavras, a chave do condicionamento operante
é o reforçamento da resposta, ou seja, a pessoa faz algo que é reforçado pelo
ambiente. O que aumenta as chances de a mesma resposta ser emitida no futuro
em um contexto semelhante.
Mas não é reforçamento que causa o comportamento, aquele aumenta as
possibilidades de que este se repita no futuro. Importante destacar que no
condicionamento operante não se pode forçar a ocorrência da resposta, tem que
esperar que ela aconteça. Skinner demonstrou que o condicionamento pode ter
lugar quando se permite que as respostas ocorram e a seguir se apresentam
estímulos reforçadores. Por exemplo: a professora inicia a aula com uma
pergunta sobre uma questão trabalhada na aula passada e aguarda as possíveis
respostas. A resposta precisa surgir de maneira espontânea, a professora não
deve forçar os estudantes para que respondam. Se houver uma resposta correta,
a professora elogia o estudante que a emitiu e agradece a participação.
Para um condicionamento ótimo, o reforço deve seguir imediatamente a
resposta. Este é um importante princípio de Skinner. Skinner considera que, na
sala de aula, o aluno deve ser reforçado assim que a resposta apropriada seja
emitida. Para Skinner o que importa é a resposta, não considerando o que
acontece dentro do organismo.
Você deve estar se perguntando: como aprendemos, se nem tudo o que
fazemos recebemos um reforço imediato? Skinner (1953) respondeu a essa
pergunta com o método de aproximação sucessiva ou modelagem.
Vamos pensar em uma sala de aula na própria alfabetização, por
exemplo, que é adquirida por meio do processo de modelagem. Imaginemos
uma criança que ainda não reconhece as letras do alfabeto e, em cada tentativa
da criança de nomear a letra, a professora reforça com olhares afetuosos e uma
palavra carinhosa. Depois de um tempo, a professora recompensa essas
tentativas de modos diferentes, oferecendo recompensas mais fortes para
quando ela consegue juntar as sílabas. À medida que o processo continua, o
reforço se torna mais restrito, dado somente quando a criança consegue ler uma
palavra corretamente. A aprendizagem da leitura pela criança é moldada ao se
oferecer reforço diferenciado por fase.

66
A seguir, veja um outro aspecto muito importante da teoria de Skinner.
Quando um comportamento aumenta, diz-se que ele foi reforçado; quando o
comportamento diminui, diz-se que o comportamento foi punido. Para ilustrar
a questão apresentaremos quatro exemplos:

Importante

Lembre-se: o reforço ocorre quando uma consequência resulta em um aumento


na frequência de um determinado comportamento.
Reforço Positivo: Ana recebe um elogio da professora porque foi gentil com a
coleguinha. Existe a possibilidade de o comportamento aumentar porque foi
acrescentado um estímulo agradável.
Reforço negativo: Ana chora porque não consegue terminar de pintar o seu
desenho e a professora pede para a coleguinha terminar de pintá-lo. Existe a
possibilidade de o comportamento aumentar porque foi removido um estímulo
desagradável.

Importante

Lembre-se: a punição, ao contrário, enfraquece o comportamento.


Punição positiva: Ana insulta a coleguinha durante a aula de português e a
professora lhe dá uma advertência. Existe a possibilidade de o comportamento
diminuir porque foi acrescido um estímulo desagradável.
Punição negativa: Ana risca o trabalho da coleguinha e o professor de
matemática não a deixa sair para o recreio. Existe a possibilidade de o
comportamento diminuir porque foi retirado um estímulo agradável.

Fonte: Google, 2021

67
Às vezes, punições envolvem eliminar coisas boas, por exemplo: tirar o
celular, não deixar ver a TV ou administrar coisas desagradáveis como uma
repreensão ou um grito. “O que é confuso em relação a essas consequências é
que elas nem sempre fazem o que se pretende: elas nem sempre suprimem o
comportamento indesejado” (BEE; BOYD, 2011, p. 41).

Importante

Não confunda!!! No senso comum a palavra punição vem associada a um evento


nocivo que causa sofrimento, devemos aqui considerar apenas dentro da ciência
do comportamento, que é: a redução ou supressão de um comportamento. O
comportamento que é seguido de punição é menos provável de ser repetido em
situações semelhantes no futuro. Novamente, é o efeito que define uma
consequência como uma punição e pessoas diferentes têm percepções
diferentes do que uma punição significa.

4.1.2 Implicações do Condicionamento Operante para a Educação

É importante dizer que em relação à educação, Skinner pregou a


eficiência do reforço positivo, sendo contrário a punições e esquemas
repressivos.

“Ao contrário, devem ser reforçadas ou recompensadas quando


mudarem o comportamento na direção positiva. A posição de Skinner
de que o reforço positivo é mais eficaz que a punição para alterar o
comportamento é comprovada por várias pesquisas com animais e
seres humanos” (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2019, p. 274).

As práticas punitivas que ocorriam com certa normalidade nas escolas


foram questionadas pelos psicólogos comportamentais.
Nas próprias palavras de Skinner (1972),

“[...] Um dos grandes problemas do ensino, é o uso do controle


aversivo. Embora algumas escolas ainda usem punição física, em geral
houve mudanças para medidas não corporais como ridículo,
repreensão, sarcasmo, crítica, lição de casa adicional, trabalho
forçado, e retirada de privilégios. Exames são usados como ameaça e
são destinados principalmente a mostrar o que o estudante não sabe
e coagi-lo a estudar. O estudante passa grande parte do seu dia
fazendo coisas que não deseja fazer e para as quais não há reforços
positivos. Em consequência, ele trabalha principalmente para fugir de
estimulação aversiva. Faz o que tem a fazer porque o professor detém

68
o poder e autoridade, mas, com o tempo o estudante descobre outros
meios de fugir. Ele chega atrasado ou falta, não presta atenção
(retirando assim reforçadores do professor), devaneia ou fica se
mexendo, esquece o que aprendeu, pode tornar-se agressivo e recusar
a obedecer, pode abandonar os estudos quando adquire o direito legal
de fazê-lo” (SKINNER, 1972, p. 43-44).

Para Skinner, é muito mais eficaz incentivar cada avanço de um estudante


do que enfatizar o que ele ainda não conseguiu. Além disso, a repetição
constante do fracasso e da falta de reconhecimento pode causar consequências
negativas no desempenho do estudante.
Veja algumas sugestões do uso adequado do elogio, propostas por Anita
Woolfolk (2010).

a) Seja claro e consistente na aplicação do elogio. Certifique-se de que o


elogio esteja diretamente ligado ao comportamento adequado. Verifique se o
estudante compreende a ação ou realização específica pela qual está recebendo
o elogio. Diga: "estou impressionado que você tenha garantido que todos em seu
grupo tivessem a chance de falar”, em vez de: "você fez um bom trabalho
liderando o grupo".

b) Tente manter o elogio “apreciativo” e não “avaliativo” (GINOT, 1972).


Elogie e aprecie os esforços, realizações e ações dos estudantes, especialmente
quando as ações ajudam os outros. Não avalie o caráter ou personalidade do
estudante. Elogie a ação e não a pessoa.

c) Estabeleça padrões para elogios baseados em habilidades e limitações


individuais. Elogie o progresso ou realizações em relação aos esforços
individuais. Concentre a atenção do estudante em seu próprio progresso, não
em comparações com os outros.

d) Faça do elogio realmente um reforçador. Não tente influenciar o


restante do grupo elogiando alguns estudantes. Essa tática geralmente tem
efeitos negativos e contraproducentes, pois os estudantes realmente sabem o
que está acontecendo. Além disso, você corre o risco de envergonhar os
estudantes que estão sendo elogiados. Não dê elogios imerecidos aos

69
estudantes apenas para compensar as falhas. Isso é desconfortável e chama a
atenção para a incapacidade do estudante de obter um reconhecimento genuíno.
Não aplique "um final ruim", ou seja, evite fazer uma crítica no final, por exemplo:
“você fez um bom trabalho terminando sua lição de casa esta semana. Por que
você não pode fazer isso toda semana?” (KAZDIN, 2008).

Para Skinner, “ensinar é arranjar contingências de reforço [...], ensinar é


o ato de facilitar a aprendizagem" (SKINNER, 1975, p. 4). Nesse sentido, uma
das contribuições mais notáveis de Skinner para a educação é a técnica de
ensino programado, que consiste em um material programado e
cuidadosamente planejado pelo professor, apresentando o conteúdo em
pequenas unidades, com grau de dificuldade crescente, favorecendo o acerto
dos alunos e facilitando, assim, a aprendizagem.
E a modificação do comportamento do estudante por meio do emprego de
esquemas de reforçamento. O professor pode mudar o comportamento do
educando na direção desejada com auxílio de reforço positivo adequado,
utilizado no momento certo e de acordo com determinada situação.
Como você pode ver, o condicionamento operante de Skinner não
consiste somente em um conjunto de princípios para compreender e explicar o
comportamento do ser humano, mas também ao mesmo tempo estabelece um
marco para o seu aperfeiçoamento e para a educação.

➢ Máquinas de ensino

Skinner visitou a escola de sua filha, que frequentava a Educação Infantil,


presenciando uma aula de matemática e afirmando mais tarde que, nesse dia,
testemunhou um processo de destruição das mentes dos estudantes. Em 1954,
escreveu um artigo intitulado A ciência da aprendizagem e a arte do ensino, em
que fez um diagnóstico dos problemas da educação tradicional e, ao mesmo
tempo, escreveu um conjunto de sugestões. O principal problema, de acordo
com Skinner, era o número excessivo de alunos em uma sala para um único
professor. Isso impossibilitaria que o professor conseguisse aplicar as
contingências de reforçamento de forma adequada.

70
De maneira resumida, as críticas de Skinner à educação tradicional
centraram-se em quatro pontos. Em primeiro lugar, que na sala de aula o
comportamento estava controlado, geralmente por estímulos aversivos, isto é,
os professores, em sua opinião, utilizavam mais o castigo que as recompensas.
As crianças trabalhavam para evitar consequências desagradáveis, tais como:
críticas do professor, notas baixas, fazer papel de ridículo diante dos amigos,
entre outros.
Em segundo lugar, quando se utilizavam as recompensas, o tempo que
transcorria entre a resposta e o reforçamento era excessivamente longo, ou seja,
os estudantes obtinham as recompensas com uma considerável demora em
relação ao momento em que se produziu a resposta desejada.
Em terceiro lugar, ausência de reforçamento em série. De acordo com
Skinner, os programas de educação não estavam organizados de maneira
sistemática, permitindo aos estudantes avançar passo a passo, por meio de uma
série de aproximações sucessivas, com os reforçamentos correspondentes até
chegar ao comportamento final desejado.
Por último e o mais importante de todos, era a pouca frequência de
reforçamento. A quantidade total de recompensas administradas aos estudantes
no transcurso de uma jornada escolar era extremamente baixa, pois não era
possível que o professor proporcionasse reforçadores adequados e, com
frequência, a todos os estudantes, visto que o número era excessivo.
A solução que propôs Skinner foi o ensino programado, que consiste em
um procedimento em que a cada aluno, de maneira individualizada, apresente-
se uma informação ou um conteúdo de aprendizagem breve. O estudante, após
a leitura, deve responder a uma pergunta e, imediatamente, recebe a informação
(reforçamento) acerca da correção de sua resposta.
Para resolver estes problemas, a solução que propôs Skinner não foi a de
construir novas escolas ou de aumentar o quadro de profissionais da educação,
mas o de organizar procedimentos de aprendizagem que permitissem organizar
os conteúdos de aprendizagem de maneira que o estudante pudesse avançar
progressivamente e a seu próprio ritmo em direção ao objetivo final de
aprendizagem e que ao mesmo tempo recebesse informação (reforçamento)
acerca das correções de suas respostas.

71
Foi assim que surgiram as máquinas de ensino e o ensino programado,
que é uma das contribuições mais importantes e duradouras de Skinner. O
pesquisador sugeriu também a definição e delimitação de objetivos
educacionais, o ensino personalizado e a modificação do comportamento.
A Máquina de Ensino é um instrumento para a apresentação de material
programado. Consiste em um dispositivo que em uma tela ou janela apresenta-
se sequencial e gradualmente aos estudantes uma série de perguntas ou
problemas que foram introduzidos em um tambor. Cada pergunta ou problema
inclui quatro respostas alternativas, das quais o aluno tem que escolher a correta.
Uma vez que a resposta era dada, se a resposta estivesse correta, um som de
sino ou outro tipo de recompensa era imediatamente produzido, enquanto o
tambor era liberado para passar para a próxima pergunta ou problema.

Máquinas de ensino
Fonte: Google, 2022

As máquinas de ensino tinham três características principais: reforço


imediato; o ritmo de aprendizagem era estabelecido pelo próprio aluno, com
pouca supervisão do professor; e o nível de dificuldade gradual e progressivo.
A máquina desenvolvida por Skinner permitia a apresentação de um
material cuidadosamente planejado, no qual cada problema dependia da
resposta ao anterior em que, por isso, era possível fazer progresso contínuo.
Além disso, a máquina era capaz de registrar os erros comuns de modo que os
exercícios pudessem ser modificados de acordo com as exigências de cada um.

72
Para Skinner, o uso de tecnologias no ensino facilitaria o trabalho do
professor, dando a ele tempo para se interessar por seus alunos e aconselhá-
los ou orientá-los.

Saiba mais

Caso queira saber mais em que consiste a instrução programada, acesse o livro
Tecnologia do Ensino, escrito por Skinner e publicado aqui no Brasil na década
de 1960. Neste livro o autor vai apresentar a ciência da aprendizagem e a arte
de ensinar. Livro interessante e polêmico!!!
Link: https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvb
WFpbnxwc2ljb2xvZ2lhYmVoYXZpb3Jpc3RhfGd4OjQ2OTQ3MTM1ZDU4MTNh
MjI

Apesar da simplicidade das máquinas de ensino, ter um número suficiente


de máquinas em sala de aula era muito caro e pensava-se desenvolver textos
programados que respeitando os princípios da aprendizagem poderiam substituir
as máquinas. É assim que o ensino programado aparece, concebido como um
sistema de ensino individualizado cuja filosofia é respeitar os princípios do
condicionamento operante, com o objetivo de que cada aluno progrida, de
acordo com seu ritmo de aprendizagem, por meio de pequenos passos. Em
outras palavras, Skinner propôs quatro princípios básicos para o ensino
programado: estabelecimento de objetivos claros; divisão de conteúdo
educacional; dificuldade crescente de aprendizagem e participação ativa dos
estudantes.
Enquanto para os behavioristas a aprendizagem ocorre em função de
mudança no comportamento manifestado, para os psicólogos cognitivos a
aprendizagem é uma atividade mental interna que não pode ser observada
diretamente. Como veremos na próxima aula, os psicólogos cognitivos que
estudam a aprendizagem estão interessados em atividades mentais não
observáveis, como pensar, lembrar e resolver problemas.

73
Conclusão da aula 4

A modo de conclusão é importante dizer que apesar da grande


importância dessa abordagem e de que ainda continua vigente muitos dos seus
princípios, ela recebeu e continua recebendo muitas críticas. Tanto o
behaviorismo clássico de Watson quanto o behaviorismo radical de Skinner são
acusados das mesmas falhas.
No Brasil, as ideias de Skinner tiveram grande repercussão e a proposta
da tecnologia educacional foi a grande inspiradora da Pedagogia Tecnicista
implantada durante o regime militar, que teve início no ano de 1964. A crítica
mais comum acusa o behaviorismo de ser reducionista e de tratar o homem como
uma máquina desprovida de pensamento, que somente responde a estímulos
ambientais.

Atividade de Aprendizagem

Diante do estudado, faça um breve texto com as principais características de


Skiner em relação ao Behaviorismo.

Aula 5 - Desenvolvimento e aprendizagem na teoria de Jean Piaget

Apresentação da aula 5

Antes de iniciarmos, há uma ressalva importante a ser feita. Não é fácil


apresentar um texto introdutório das ideias de Jean Piaget, por isso nos
propomos a apresentar alguns aspectos mais gerais, destacando, desde já, a
importância da leitura dos textos originais do autor.
Nesta aula, daremos ênfase especial à descrição de como aprendemos
utilizando os conceitos criados por Jean Piaget (1896-1980): assimilação,
acomodação, equilibração e esquemas para em seguida descrever os estágios
de desenvolvimento propostos pelo pesquisador. Como dizia o poeta Noah

74
Perry: “quem sabe o que uma criança pensa?” Arrisco dizer que Jean Piaget
sabia disso melhor do que ninguém.

5.1 A Psicologia e a Epistemologia Genética: noções gerais

As três tradições epistemológicas que mais influência tiveram na


psicologia em geral e na psicologia da educação em particular são o inatismo,
o empirismo e o construtivismo. As duas primeiras abordagens você já sabe
o que defendem e o construtivismo? O construtivismo é uma posição
intermediária entre os dois extremos, inatistas e empiristas, é uma abordagem
que defende que a mente humana constrói o mundo que conhecemos.
Abordagem defendida por Jean Piaget. A aquisição do conhecimento é
entendida como um processo de construção contínua do ser humano em sua
relação com o meio. Organismo e meio exercem ação recíproca (FOSNOT,
1998).

Vocabulário

Epistemologia: pode ser entendido como um ramo da filosofia interessada na


natureza e origem do conhecimento, seu objetivo é estabelecer uma teoria do
conhecimento.

A perspectiva construtivista teve grande repercussão nas teorias sobre o


desenvolvimento e aprendizagem atribuindo ao sujeito um papel ativo.

Em uma perspectiva construtivista, a finalidade última da intervenção


pedagógica é contribuir para que o estudante desenvolva a capacidade
de realizar aprendizagens significativas por si mesmo numa ampla
gama de situações e circunstâncias, que o estudante “aprenda a
aprender [COLL, 1994, p. 136].

Para Piaget (1896-1980), o conhecimento nunca é uma simples cópia por


parte do sujeito, nem algo que possa originar completamente à margem das
características dos objetos, “mas surge pela força da interação entre sujeito e
objeto. Conhecer implica sempre em atuar sobre a realidade de maneira ativa e
transformadora, física e mentalmente” (COLL et al, 2006, p. 88). Segundo ele, o

75
conhecimento é fruto das trocas entre o organismo e o meio. Sua teoria é
cognitiva, pois

sua preocupação recorrente é a representação mental. Também é uma


teoria desenvolvimentista: volta-se para os processos pelos quais as
crianças alcançam compreensão progressivamente mais avançada do
seu ambiente e de si próprias (LEFRANÇOIS, p. 68, 2009).

Quando Piaget começou a elaborar a sua teoria, a posição dominante


acerca do desenvolvimento da inteligência era a psicometria, campo que
primava por medir e estudar quantitativamente determinados comportamentos
por meio de testes como: traço de personalidade, função cognitiva e/ou
intelectual. Estes testes padronizados eram herdeiros da psicologia diferencial
de Galton, que, em 1905, inspiraram a primeira escala Binet-Simon.
Para Alfred Binet (1857-1911) e Theodore Simon (1873-1961) a
inteligência era considerada inata, estática, interna e abstrata. No início da
década de 1920, Piaget colaborou com Alfred Binet, em Paris, no seu projeto de
testes estandardizados, entretanto, Piaget logo percebeu que os métodos da
Psicologia Experimental não atendiam aos seus objetivos investigativos.

Alfred Binet
Fonte: google, 2021

A Piaget interessava saber o que a criança pensava e como ela


raciocinava e não meramente as respostas emitidas por elas, detectadas
naqueles testes. Baseado nessas constatações, Piaget rejeitou os testes

76
padronizados e adotou o método clínico em suas investigações, que consistia
em buscar as justificativas que as crianças davam para as suas ações.
Piaget e seus colaboradores perceberam que as crianças formulavam
perguntas, além disso, propunham hipóteses na tentativa de explicar a realidade.
As crianças buscavam regras que lhes ajudassem a entender o funcionamento
das coisas e dos acontecimentos que fazia parte de suas vidas. Segundo Piaget,
os meninos e meninas insistiam em manter suas hipóteses e, em muitos casos,
eram contrárias àquilo que os adultos consideravam evidente.
Piaget notou que a presença de um conflito cognitivo levava as crianças
a modificar suas hipóteses e, em muitos casos, a contradição era tão grande que
ficava evidente a necessidade de modificar o que elas haviam sustentado
anteriormente. Para o autor, as crianças eram como os cientistas, porque
tentavam compreender e explicar a realidade a partir de seus marcos de
referência.

Piaget e sua colaboradora


Fonte: Google, 2021

O método piagetiano de pesquisa não consiste em medir a


competência intelectual, mas, sim, em compreender como o indivíduo formula
suas concepções sobre o mundo que o cerca, como resolve problemas e como
explica fenômenos naturais.
O trabalho de pesquisa de Piaget tinha como objetivo compreender como
a criança formula suas concepções sobre o mundo que a cerca e como resolve
seus problemas. As explicações das crianças revelavam que a sua ideia de

77
como funciona o mundo é muito diferente da ideia que têm os adultos. Essa
constatação o levou a concluir que as crianças pensam de maneira diferente dos
adultos, como também que as de distintas idades pensam de modo diferente.
Essa ideia foi capaz de fazer avançar os conhecimentos sobre a cognição
humana, ao mesmo tempo em que criava uma forma de refletir sobre o potencial
infantil. Piaget propõe a superação do dualismo entre as posições inatistas e
empiristas existente na época, partindo da ideia de uma relação recíproca entre
o sujeito e o meio. Para Piaget, o conhecimento é fruto das trocas entre o
organismo e o meio.
Piaget concluiu que o conhecimento é um processo que evolui
progressivamente. A partir daí, passou a investigar as origens e os mecanismos
presentes nos avanços do conhecimento em diferentes etapas. Piaget criou uma
teoria do conhecimento: a “Epistemologia Genética”, que busca por meio do
método científico compreender como surge e se desenvolve o conhecimento.

Vocabulário

Epistemologia Genética: é a disciplina que estuda os mecanismos e os


processos mediante os quais passa “dos estados de menor conhecimento aos
estados de conhecimento mais avançados” (PIAGET, 1979, p. 16).

Importante destacar que a teoria de Piaget é denominada genética em


função da sua concepção sobre o conhecimento como sendo um processo e,
como tal, requer o estudo a partir da sua gênese e no seu percurso histórico.
Genético não tem relação com genes. O problema específico da epistemologia
genética é o do aumento do conhecimento, ou seja, a passagem do menor
conhecimento para um conhecimento mais avançado (na compreensão e
extensão).
Sua epistemologia tenta estudar como muda e evolui o conhecimento,
assim, sua preocupação esteve vinculada à compreensão do sujeito epistêmico.
É nesse contexto que Piaget realiza os seus primeiros trabalhos acerca do
estudo da inteligência. Ele se distancia do terreno estritamente filosófico e busca
respostas na pesquisa científica, tornando-se o maior pesquisador do
desenvolvimento cognitivo da criança.

78
As teorias cognitivo-desenvolvimentais, como a de Piaget, enfatizam
mais o desenvolvimento cognitivo do que a personalidade, dando centralidade
às ações da criança no ambiente e seu processamento cognitivo das
experiências. São teorias desenvolvimentais porque destacam a mudança
qualitativa sequencial, frequentemente em estágios que ocorre com a idade.
A partir das descobertas de Piaget, a história do desenvolvimento
cognitivo tomou outro rumo. Seu posicionamento lhe possibilitou romper com as
perspectivas existentes sobre a inteligência, passando a considerá-la como algo
dinâmico, que se desenvolve, que não está definida no nascimento e por isso
mesmo depende dos desafios e das vivências inerentes ao meio social onde a
pessoa está inserida. Piaget destaca o papel da criança na dinamização do seu
próprio desenvolvimento, fazendo um grande esforço na ânsia de superar os
reducionismos e dicotomias seculares na explicação do individual e do social.
Porém, antes de passarmos adiante, vamos conhecer um pouco mais da
história desse grande cientista, considerado um dos nomes mais influentes no
campo da educação, a ponto de quase se tornar sinônimo de pedagogia,
conhecido como o psicólogo da infância.
Jean Piaget nasceu em 9 de agosto de 1896, em Neuchâtel (Suíça), no
interior de uma família rica e culta. Sua curiosidade o levou a se interessar por
mecânica, pássaros, fósseis e conchas, aos dez anos publicou seu primeiro
trabalho em uma revista de história natural de sua cidade natal. Estudou
incialmente biologia na Universidade de Neuchâtel, em que concluiu o
seu doutorado e, posteriormente, dedicou-se à área da Psicologia,
Epistemologia e Educação.
Durante sua vida, Piaget escreveu mais de sessenta livros e em torno de
700 artigos. Piaget teve três filhas, que tiveram um papel importante no
desenvolvimento de sua teoria. A relevância e o significado da obra de Piaget
são incontestáveis, ele entrou para a história como um gênio, como um
revolucionário e como um trabalhador incansável. Recebeu inúmeros prêmios e
o seu legado não pertence somente à psicologia, mas à outras ciências como a
epistemologia e a pedagogia. É mundialmente conhecido por seu trabalho sobre
a inteligência e o desenvolvimento infantil, sendo base para inúmeros estudos
em psicologia e pedagogia até os dias atuais. A pegada piagetiana é profunda,

79
talvez indelével (BERMEJO FERNÁNDEZ, 1996). Caso você tenha interesse
em aprofundar-se na teoria piagetiana, consulte os títulos originais.

Saiba mais

Deixamos o título de dois livros que julgamos que podem contribuir para quem
está iniciando os estudos piagetianos: Seis estudos de psicologia, composto de
artigos e conferências, propõe-se a ser uma introdução à obra de Piaget, trata-
se de obra indispensável para professores, psicólogos, pedagogos e demais
profissionais da área de educação. No livro Psicologia e pedagogia, ele
apresenta tudo o que julgamos saber sobre a inteligência, sua origem, gênese e
fases diferentes do desenvolvimento, é o resultado de quarenta anos de
pesquisas.

O tópico seguinte vai discutir como Piaget descreveu e explicou o


desenvolvimento cognitivo.

5.1.1 Aprendizagem: acomodação, assimilação e equilibração

Para Piaget,

o curso do desenvolvimento precede sempre o da aprendizagem. A


aprendizagem segue sempre o desenvolvimento [...] o
desenvolvimento deve atingir uma determinada etapa, com a
consequente maturação de determinadas funções, antes de a escola
fazer a criança adquirir determinados conhecimentos e hábitos”
(VYGOTSKY, 2010, p. 104).

Para Piaget, a aprendizagem e o desenvolvimento são independentes


entre si, não havendo, pois, uma relação qualquer entre eles.

O desenvolvimento e a maturação destas funções representam um


pressuposto e não um resultado da aprendizagem. A aprendizagem é
uma superestrutura do desenvolvimento, e essencialmente não
existem intercâmbios entre os dois momentos (VYGOTSKY, 2010, p.
104).

Desde que nascemos, desenvolvemos capacidades e organizamos


nossos processos de pensamento em estruturas psicológicas para nos adaptar
melhor ao meio. Assim como para Darwin, para Piaget o objetivo do

80
desenvolvimento cognitivo é a adaptação e o conhecimento é fruto das trocas
entre o organismo e o meio. Essas trocas são responsáveis pela construção da
nossa própria capacidade de conhecer. A construção do conhecimento ocorre
quando acontecem ações físicas ou mentais sobre objetos que, provocando
desequilíbrio, resultam em assimilação ou acomodação e, assim, em construção
de esquemas ou conhecimento.
Piaget acredita que o que caracteriza o conhecimento é sua "novidade",
o fato de sempre envolver uma elaboração de novas estruturas a partir das
estruturas anteriores. O que ele quer dizer, de fato, é que as estruturas do
conhecimento não são pré-formadas internamente nem são uma cópia do
exterior. Piaget estende e aplica o modelo biológico do crescimento do
organismo vivo, proposto por Darwin, ao problema psicológico do
desenvolvimento da inteligência. Esta é uma forma superior de adaptação ao
meio ambiente.
Piaget define a inteligência como função e como estrutura. Enquanto
função ela deve ser entendida como adaptação (plano externo), ocorre quando
na interação do indivíduo com o ambiente, o organismo sofre mudanças
benéficas (sobrevivência). Nesse sentido, a inteligência tem a finalidade da
sobrevivência do indivíduo no meio em que está inserido.
No que tange à descrição do ponto de vista estrutural a inteligência é uma
organização e essas mudanças são integradas por meio da reestruturação
interna do sistema como um todo. Como a inteligência é uma organização,
“crescer é uma forma de reorganizar a própria inteligência de forma a ter maiores
possibilidades de assimilação” (PÁDUA, 2009, p. 22).
Os processos responsáveis pelas mudanças na estrutura cognitiva são,
segundo Piaget, assimilação, acomodação e equilibração. O primeiro
processo de interação adaptativa entre o organismo e o ambiente e entre o
sujeito e o objeto do conhecimento é a assimilação. Para Piaget (1996, p.47) "a
assimilação constitui um processo comum à vida orgânica e à atividade mental,
portanto, uma noção comum à fisiologia e à psicologia". Como o autor retira da
biologia este conceito, ele o utiliza no mesmo sentido: assimilar é retirar partes
do alimento para transformar em energia. Seria o processo pelo qual o indivíduo
se adapta cognitivamente ao ambiente e o organiza.

81
Quando nos referimos aos processos cognitivos, significa que quando
entramos em contato com o objeto do conhecimento, retiramos algumas
informações e retemos. A assimilação ocorre quando o sujeito tenta interpretar
e incorporar as informações do meio a partir dos esquemas já disponíveis.
Portanto, isso implica necessariamente em assimilar algumas informações e
deixar outras de lado. A assimilação é acompanhada por outro processo que
opera na direção oposta, a acomodação das estruturas anteriores.
Para Piaget, quando não conseguimos assimilar as informações podem
ocorrer dois processos: a mente desiste ou se modifica. Caso se modifique,
ocorre, então, a acomodação, levando a construção de novos esquemas de
assimilação e resultando no processo de desenvolvimento cognitivo, ou seja, em
cada troca com o objeto do conhecimento a assimilação é acompanhada por
outro processo que age na direção oposta: a acomodação das estruturas
anteriores aos novos elementos e às mudanças específicas que ocorrem nas
características de cada estímulo.
Piaget descreveu e explicou essas transformações pelo processo de
acomodação. Qualquer modificação das estruturas internas de acordo com as
variações nas condições externas, supõe acomodação. Trata-se de ajustar os
esquemas para torná-los consistentes com as novas experiências. Unindo os
processos indissociáveis e antagônicos de assimilação e acomodação, pode-se
concluir que conhecer um objeto é assimilá-lo, mas como este objeto oferece
certas resistências ao conhecimento é necessário que a organização mental se
modifique.
O processo de adaptação tanto biológico quanto cognitivo envolve
interação ou transação entre os componentes da assimilação e acomodação,
entre os quais deve haver algum equilíbrio. Em nossa interação com o meio,
somos submetidos a desequilíbrios (ou conflitos cognitivos) que tendem a
compensar nossas ações. E é a esse processo de busca do equilíbrio dessas
modificações que Piaget denominou equilibração.

Veja a imagem.

82
Fonte: elaborado pela autora (2022).

Para Piaget, a aprendizagem é um processo construtivo que ocorre como


resultado dos processos de assimilação e acomodação que o indivíduo realiza
para se relacionar e se encaixar nos novos conteúdos dentro de suas estruturas
de conhecimento. A capacidade de incorporar conhecimento ou aprender
dependerá, principalmente, do nível de seu desenvolvimento cognitivo e do
número e organização de seus esquemas. [...] O nível de competência intelectual
de uma pessoa em um determinado momento de seu desenvolvimento depende
da natureza de seus esquemas, do número deles e da maneira como se
combinam e se coordenam entre si. [...] (COLL, 1985, p.35).
A ideia do esquema é fundamental para Piaget, os esquemas são as
estruturas básicas para a construção do conhecimento. Importante destacar que
os esquemas são um conceito abstrato, uma metáfora, não uma estrutura
concreta. Um modelo cognitivo que procura representar a “mente”. Dito de outra
forma, os esquemas, para Piaget, seriam um sistema de pensamentos
organizados que nos permitem representar mentalmente os objetos e ações do
mundo, servindo como referência para adquirir conhecimento e orientar nosso
comportamento. Esquemas são as estruturas mentais ou cognitivas pelas quais
os indivíduos se adaptam e organizam intelectualmente o meio.
Piaget (1954) afirmou que à medida que a criança tenta construir uma
concepção do mundo, o cérebro em desenvolvimento cria esquemas, que são
algo diferente de ações ou representações mentais que organizam o
conhecimento. Os esquemas de um bebê são estruturados por simples atos
realizados sobre os objetos, como chupar, olhar e agarrar. As crianças mais

83
velhas têm esquemas que incluem estratégias e planos para resolver problemas.
Os esquemas cognitivos dos adultos são derivados dos esquemas sensório-
motores da criança.
Por outro lado, os esquemas não são estáticos, mas, à medida que a
pessoa avança em seu desenvolvimento, eles são modificados por assimilação
e acomodação, eles são expandidos e coordenam para dar origem ao
desenvolvimento de novos esquemas mais organizados e complexos. Nós
organizamos as novas informações que recebemos para acomodá-las aos
nossos esquemas mentais do momento. Se a nova informação divergir de
nossos esquemas mentais atuais, ajustamo-los para acomodarem a informação
nova.
Essas estruturas permitem falar de diferentes níveis ou estágios. De
acordo com Piaget (1979), os mecanismos que condicionam o desenvolvimento
cognitivo e a passagem por diferentes estágios serão determinados pela
maturação das estruturas físicas herdadas, pelas experiências físicas com o
ambiente, pela transmissão social de informação e pela busca contínua de
equilíbrio, que se dará por meio dos processos de assimilação e acomodação.
Dependendo, o autor vai dividir com maior ou menor precisão os
diferentes estágios e subestágios de desenvonvimento cognitivo. Optamos por
apresentar a divisão em quatro estágios.

5.1.2 Estágios de desenvolvimento da inteligência

Na teoria piagetiana, o desenvolvimento da inteligência compreende


quatro estágios: sensório-motor (0 a 2 anos); o pré-operatório (2 a 6/7 anos); o
operatório concreto (7 a 11/12 anos); e o operatório formal (12 anos em diante).
De acordo com Piaget, o desenvolvimento da inteligência não é linear, mas se
dá por saltos e rupturas. Os estágios representam uma lógica do
desenvolvimento cognitivo. A ordem de sucessão desses estágios é fixa. Cada
estágio é uma preparação para o próximo. Portanto, as aquisições de cada
estágio são muito importantes para explicar a transição para o estágio seguinte.

84
Estágio sensório-motor
Fonte: google, 2022.

O estágio da inteligência sensório-motor corresponde a um período


cronológico, que se estende do nascimento até os dois primeiros anos de idade,
aproximadamente. Caracteriza-se por um extraordinário desenvolvimento
mental, basta olharmos para um bebê para entendermos a que Piaget se refere.
Suas realizações formam a base de todos os processos cognitivos posteriores.
A atividade de explorar durante os dois primeiros anos de vida forma o alicerce
essencial para todas as outras construções.
Este período é caracterizado por um tipo de inteligência prática, por isso
sensório-motora. Denomina-se assim porque a inteligência encontra-se
inteiramente ligada ao plano da experiência imediata, a presença física dos
objetos. Nesse estágio, não há ainda a capacidade de abstração e a atividade
intelectual da criança é de natureza sensorial e motora.
Nos dois primeiros anos de vida o bebê constrói noções práticas
importantes para sua evolução cognitiva, as conquistas intelectuais da criança,
ao longo desse período percorrem uma complexidade de evolução incrível,
estabelecendo as bases para a construção de quatro processos fundamentais,
os quais caracterizam a evolução intelectual desse período: as noções de objeto,
de espaço, de causalidade e de tempo. Vamos ver cada um desses conceitos
mais detalhadamente.

➢ Noção de objeto;

Ao explorar os objetos, a criança aprende que são fisicamente estáveis e


que continuam a existir, mesmo quando não está na sua presença e, desta

85
forma, constrói a noção de objeto permanente. Dito de outra forma: o termo
permanência do objeto, para Piaget, é usado para descrever a capacidade da
criança de saber que os objetos continuam a existir, mesmo que estejam fora do
seu campo visual. Quem nunca brincou de “sumiu-achou” com um bebê? Os
bebês adoram se esconder atrás de uma manta ou das próprias mãos e depois
revelar os próprios rostos ou que alguém faça isso. O bebê nasce equipado com
uma série de movimentos de reflexos e sistemas perceptuais, que,
gradualmente, começa a construir conhecimento sobre o mundo ao relacionar
ações físicas ao resultado dessas ações.

➢ Noção de causalidade;

A criança começa a perceber que o universo é regido por leis que se


aplicam a todos, inclusive a ela própria. Deixa de acreditar que tudo ocorre em
função de si. Piaget (1979) usa um exemplo sobre a construção da noção de
causalidade, quando acidentalmente o bebê puxa uma cordinha de um móbile
pendurado no seu berço e percebe um esquema causal entre o barulho e o
balanço do móbil. Esse tipo de aprendizagem é aquilo que, precisamente,
permite-lhe desenvolver a intencionalidade.

➢ Noção de espaço e de tempo.

Para Piaget (1945), o corpo é o ponto de partida de toda noção de espaço


e tempo. Entretanto, nos primórdios da vida sequer esse mesmo corpo tem
noção de sua posição no tempo e no espaço. Em relação a esta questão,
podemos utilizar como exemplos a falta de noção de dia ou noite do bebê recém-
nascido, por isso ele é incapaz de regular seu sono ou quando a criança pequena
não consegue levar a colher até a boca.
Com o desenvolvimento da função simbólica, a criança e os objetos
reorganizam-se em um novo plano, o plano representativo, marcando a
passagem para o próximo estágio. As condutas que anteriormente restringiam-
se à organização dos movimentos e das sensações, começam a dar lugar a
imitações, a brinquedos e a alguns indícios de representação. Os esquemas

86
sensório-motores, até então restritos a uma inteligência prática, começam a
organizar-se em um plano representativo.

Estágio pré-operatório
Fonte: google, 2022

Este estágio ocorre aproximadamente entre os 02 e os 6/7 anos. Com o


surgimento da capacidade de elaborar representações, a criança vai conseguir
interiorizar os esquemas que desenvolveu durante o estágio sensório-motor.
Depois de um longo período de elaboração a criança consegue diferenciar (uma
imagem ou palavra) daquilo que ela significa (um objeto que está ausente). Por
exemplo: se eu perguntar à criança qual a cor dos olhos e cabelos da sua
boneca, ela responderá mesmo que a boneca não esteja em seu campo visual.
A partir deste momento é possível a internalização de ações na forma de
pensamento. Contudo, ainda é mais fácil para a criança realizar uma ação do
que reproduzi-la em pensamento.
A linguagem, o jogo simbólico (brincadeiras de faz-de-conta), a imitação
diferida e o desenho são o resultado observável do aparecimento dessa função.
A criança progride e avança para o desenvolvimento da consciência de si
mesma, adquire as ferramentas para o pensamento simbólico e começa a
desenvolver e a usar imagens, símbolos e linguagens internas. A criança tem
que reaprender no plano de pensamento o que já sabia no das ações.
A aquisição da linguagem é responsável por acarretar modificações
profundas nos comportamentos da criança nos aspectos intelectual, afetivo e
social. Entretanto, existem lacunas dessa fase que serão superadas na
sequência, por exemplo: a ausência de reversibilidade leva a criança a ter um

87
tipo de raciocínio que Piaget denominou como transdutivo, invés de indutivo ou
dedutivo.
Em um raciocínio transdutivo a criança tem dificuldade em relacionar o
todo com as partes, considerando simultaneamente as consequências das
transformações causadas pela sua ação. Por exemplo, se você aceita a
generalização de que todos os seres humanos têm cabeça e se lhe dizem que o
Pedrinho é humano, você pode deduzir que ele tem cabeça. Esse raciocínio
pode resultar em conclusões corretas, mas não há garantia de que isso ocorra.
Entretanto, ausência de reversibilidade não significa insucesso, já que a
criança consegue chegar a conclusões verdadeiras quando se centra em
esquemas práticos que podem ser generalizados a partir das ações executadas
sobre objetos. O mesmo já não acontece quando tem de emitir um julgamento
ligando dois fatos isolados e particulares relacionando um como sendo a causa
do outro. Assista ao vídeo, ele consegue explicar melhor quando se pede a uma
criança pré-operatória para responder à tarefa piagetiana.

Mídias
Piaget - Conservação de quantidades - Bing vídeo. Disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=qyNGFOpRSE4

Essa é uma etapa de grande desenvolvimento da linguagem de conceitos,


embora muitos dos seus raciocínios sejam bastante simples. Veja como no
estágio seguinte a criança começa a ter acesso à noção de reversibilidade, o
que lhe possibilitará realizar operações.

Estágio operatório concreto


Fonte: google, 2022

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Estágio que ocorre entre os 7 e os 11 anos, aproximadamente. A criança
tem acesso à noção de reversibilidade, o que lhe possibilita realizar operações,
ou seja, ações internalizadas, reversíveis e coordenadas, porém somente no
nível do real, do concreto e do manipulável.
A grande conquista, nesse estágio, é a reversibilidade operatória, isto é,
a compreensão de que as operações consistem em transformações reversíveis,
podendo se constituir na forma. No entanto, o professor deverá ter o cuidado de
não privilegiar somente aulas expositivas, pois esta é uma habilidade que a
criança desse estágio ainda não domina, ela necessita operar sobre o concreto.

Estágio operatório formal


Fonte: Google 2022.

Entre os 11 e os 15/16 anos aproximadamente as operações se desligam


progressivamente do plano da manipulação concreta e as estruturas cognitivas
atingem seu nível mais elevado de desenvolvimento. Esta nova reequilibração
surge com o pensamento formal, quando o adolescente inicia um domínio
progressivo da capacidade de raciocinar por hipóteses.
Agora, poderá chegar a conclusões a partir de hipóteses, sem ter
necessidade de observação e manipulação reais. Essa possibilidade de operar
com operações caracteriza o período das operações formais, permite ao
adolescente raciocinar ao mesmo tempo sobre o que é real, o que é hipotético e
o que é possível. Como exemplo, são as noções matemáticas que agora podem
ser vistas por meio de fórmulas abstratas, demonstradas por símbolos como x,
y e z.

89
Diante do que foi exposto, é necessário que os profissionais da educação
proponham atividades desafiadoras que provoquem desequilíbrios e
reequilibrações sucessivas nas crianças e jovens. É fundamental que dentro da
perspectiva construtivista adotada por Piaget, o professor parta do saber do
cotidiano do estudante provocando o surgimento de hipóteses e criando conflitos
cognitivos para desenvolvimento do conceito desejado.
Portanto, é de fundamental importância dentro dessa perspectiva que o
professor crie situações compatíveis com o nível de desenvolvimento cognitivo
do estudante (de acordo com o estágio de desenvolvimento em que se encontra),
privilegiando atividades desafiadoras, em que os estudantes possam participar
de maneira ativa (MOREIRA, 1995).

Conclusão da aula 5

Piaget dedicou grande parte da vida a compreender e explicar


rigorosamente e de maneira interdisciplinar os processos do conhecimento, sua
gênese e evolução. A sua preocupação centrava-se em compreender como se
constroem e desenvolvem novas formas de pensamento ou de inteligência. A
sistematização desses estudos transformou-se na teoria que ficou conhecida
como Epistemologia Genética, configurando-se ao mesmo tempo como uma
teoria epistemológica do conhecimento e uma teoria sobre o desenvolvimento
da inteligência.
Para Piaget, os fatores internos preponderam sobre os externos: é pelo
interior do organismo que ocorre a articulação entre as estruturas do sujeito e as
da realidade externa. O pesquisador privilegia a maturação biológica, dessa
forma o conhecimento é elaborado espontaneamente pela criança, conforme o
estágio de desenvolvimento em que ela se encontra.
Mesmo que Piaget não tenha criado uma teoria educacional, visto que as
questões pedagógicas não eram o foco direto de suas investigações, foi um dos
teóricos que mais influenciou a educação contemporânea. Na atualidade, a
teoria cognitiva desenvolvimental de Piaget é um dos mais importantes aportes
teóricos nas pesquisas. Piaget contribuiu para o conceito moderno de crianças
como pensadores ativos e construtivos (MILLER, 2011).

90
É certo que algumas habilidades cognitivas surgem muito antes do que
Piaget pensava e outras muito mais tarde. Por exemplo, que existe uma noção
de conservação do número a partir dos três anos de idade, embora Piaget não
pensasse que surgisse antes dos sete anos. Ou que a cultura e a educação
exercem influências muito mais fortes no desenvolvimento infantil do que o que
Piaget acreditava. Por exemplo, a idade em que as crianças desenvolvem a
noção de conservação está relacionada com as oportunidades que a criança
teve de vivenciar situações de aprendizagem (COLE, 2006).
Mesmo diante dessas lacunas, a teoria piagetiana é uma das mais
robustas e que mais influenciou a educação nas últimas décadas. Como
afirmamos nas aulas anteriores, a ciência é viva e precisa de revisão constante,
mas essa construção ocorre por meio da revisão das teorias clássicas. A teoria
piagetiana é uma teoria clássica que precisa ser estudada e compreendida por
qualquer estudante de licenciatura.
Na próxima aula estudaremos a memória, entendendo que memória e
aprendizagem são dois processos indissociáveis e que estudar a memória é
outra forma de estudar a aprendizagem.

Atividade de Aprendizagem

Jean Piaget sugere que os processos cognitivos se desenvolvem em uma


sequência de estágios. Quais são estes estágios e como se organizam?

Aula 6 – Memória

Apresentação da aula 6

Por que estudar a memória? É bastante comum associarmos a memória


à memorização mecânica, como decorar a tabuada ou regras de ortografia em
associação com nossas experiências escolares. Acreditamos ser esse um dos
possíveis motivos de não atribuirmos a devida importância ao estudo da memória
e de sua implicação nos processos de aprendizagem.

91
Além do papel essencial que a memória tem em nossas vidas, na verdade,
é o elemento indispensável e básico para a realização de qualquer uma das
inúmeras atividades que compõem nosso trabalho diário. Tudo o que fazemos,
mesmo o que achamos que fazemos e depois não fazemos, exige a participação
da nossa memória, inclusive, há autores que afirmam que memória e
aprendizagem são dois processos indissociáveis e que estudar a memória é
outra forma de estudar a aprendizagem.
Portanto, discutiremos o que entendemos por memória e sua implicação
nos processos de ensino-aprendizagem.

6.1 O processamento da informação

Reflita

De acordo com o professor da Universidade Autônoma de Madrid, José Maria


Ruiz-Vargas, o primeiro capítulo da obra autobiográfica Meu Último Suspiro, do
brilhante diretor de cinema Luís Buñuel, oferece-nos um magnífico exemplo do
que significa memória, quando com evidente pesar ele confessa: “mas, com o
passar dos anos, essa memória em um tempo desdenhoso, torna-se cada vez
mais preciosa [...]. Você tem que ter começado a perder sua memória, mesmo
que apenas em pedaços, para perceber que essa memória é o que constitui toda
a nossa vida" (RUIZ-VARGAS, 2010, p.20).
Para refltir: existem pessoas que afirmam que para ter sucesso nos estudos o
que importa é a inteligência, que tem pouco ou nada a ver com a memória. O
que você pensa sobre isso? Seria possível lermos, escrevermos, falarmos e
dirigirmos se ficássemos sem memória? Qual a relação entre a memória e a
aprendizagem?

Diante da reflexão proposta, ainda seguindo a linha de raciocínio do


professor Ruiz-Vargas, é importante destacar qual é a função da memória:
“equipar os indivíduos com o conhecimento necessário para orientar seu
comportamento adaptativo independentemente da complexidade das situações"
(RUIZ-VARGAS, 2010, p. 27). Graças a essa capacidade, o ser humano pode
lidar com sucesso com uma diversidade de situações extraordinariamente
complexas, porque ele tem uma base de conhecimento recuperável, com
capacidade praticamente ilimitada de se reorganizar continuamente (RUIZ-

92
VARGAS, 2010). “O cérebro não calcula respostas e problemas, mas as
recupera da memória" (HAWKINS, 2004 apud RUIZ-VARGAS, 2010, p. 28).
Já discutimos nas aulas passadas que a ciência se adapta às condições e
exigências do contexto sociopolítico. Pautados nesse entendimento, a partir dos
anos 1960, principalmente nos Estados Unidos da América, o paradigma
behaviorista começa a ser deslocado pela perspectiva cognitiva, que recupera a
mente como protagonista da atividade psicológica. O estudante agora é um
sujeito essencialmente ativo, cuja missão é adquirir e reorganizar suas estruturas
cognitivas, que lhes permitirão processar e armazenar informações.
O principal interesse da psicologia cognitiva centra-se nos processos
mentais superiores, deixa-se de lado a pesquisa com animais e dá-se ênfase na
pesquisa com humanos. Entretanto, como já mencionamos anteriormente, não
é correto pensar que a psicologia cognitiva nasceu apenas como uma oposição
à teoria behaviorista. Surgiram alguns trabalhos científicos e disciplinas que
ajudaram sua gestação, por exemplo: a tecnologia da computação, que após a
Segunda Guerra Mundial estabelece uma analogia computador-cérebro, uma
vez que ambos realizam tarefas semelhantes.
A transição de um paradigma para outro começou com o Processamento
da Informação (PI), que adotou a metáfora do computador para estudar e
explicar o funcionamento da mente humana e o processamento da informação.
O computador e a mente são canais de transmissão da informação, desde sua
entrada até sua saída (desde o input até o output), cuja atividade consiste em
uma série de processos: recolhida da informação, processamento,
armazenamento, recuperação e uso dela quando necessitarmos. Todos estes
processos operam de maneira sucessiva e sequencial.
O motivo da teoria do Processamento da Informação adotar a metáfora do
computador para estudar e explicar o funcionamento da mente humana originou-
se na ideia de que a memória é considerada como o aspecto mais importante
no processamento da informação, deixando os demais processos em segundo
plano. “Entende-se que a atenção, a memória e a aprendizagem são
indissociáveis. Estudar a memória é, na verdade, outra forma de estudar a
aprendizagem” (LEFRANÇOIS, 2009, p. 303).

93
Processamento da Informação
Fonte: Google, 2022

Mente e computador são canais de transmissão de informações, cuja


atividade consiste em uma série de processos que operam sucessiva e
sequencialmente. A descrição e explicação desses processos e o conhecimento
das estruturas envolvidas neles é objeto dessa abordagem que passou a
dominar o panorama da psicologia nos últimos anos.

Saiba mais

A metáfora do computador para descrever a memória não é a única. Existe uma


lista de 43 metáforas diferentes para a memória, você pode saber mais sobre
elas lendo o livro As metáforas da memória: uma história das ideias sobre a
mente que apresenta uma pesquisa fascinante das ideias acerca da memória no
decorrer dos séculos, demonstrando o quanto elas nos ajudam a entender a
mente. Recentemente a metáfora do computador popularizou-se, já que ele tem
sistemas de armazenagem e de recuperação, duas características essenciais da
memória.

6.1.1 Conceitos básicos e definições da memória

Nas últimas décadas os cientistas têm apresentado teorias importantes que


nos falam sobre as estruturas, processos e mecanismos envolvidos no trabalho
da memória. Hoje, o conhecimento acumulado sobre a memória é abundante e
sólido, apesar de não existir na literatura científica uma definição única do que é
a memória. Apesar da complexidade deste tema, existem alguns modelos que

94
encontram maior apoio dos cientistas e um número mais expressivo de
pesquisas.
A maioria das pesquisas assumem a metáfora do computador para estudar
e explicar o funcionamento da mente humana e o processamento da informação.
Para esses pesquisadores,

nossa memória não é constituída por um único sistema, que teria que
lidar com todos os tipos de informação, mas por sistemas diferentes,
cada um deles especializado e preparado para o processamento de
um tipo específico de informação (RUIZ-VARGAS, 2010).

Importante

“No linguajar cotidiano, memória significa disponibilidade da informação e implica


a capacidade de recuperar habilidades ou informações previamente adquiridas.
Pressupõe aprendizagem, ou seja, envolve mudança. A metáfora do computador
nos leva à noção de que lembrar é ser capaz de recuperar o que foi armazenado”
(LEFRANÇOIS, 2009, p. 304)

Têm sido propostos, desde os finais da década de 1960, vários modelos de


processamento e circulação da informação. Existe consenso entre os
pesquisadores de que a memória envolve uma sequência de fases, por meio das
quais ocorre o fluxo e o processamento da informação, passando por
modificações e recodificação em cada uma dessas fases, de forma semelhante
ao que acontece no computador.

Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Podemos definir a memória como o processo cognitivo que permite


integrar, reter, recuperar informação e recordar o que aprendemos. Dessa forma
a memória é a função mental que permite reter informações, isto é, aprender o

95
sistema de armazenamento que permite manter informações; a capacidade de
evocar e de recordar as informações retidas.
Na figura abaixo apresentaremos um esquema do modelo proposto por
Richard Atkinson e Richard Shiffrin, da Universidade de Stanford, em 1968.
Apesar das críticas recebidas, o modelo Atkinson e Shiffrin continuam a exercer
uma grande influência nos pesquisadores como uma estrutura teórica e de
trabalho muito poderosa, guiando a maior parte da pesquisa da memória desde
sua aparição. Não podemos deixar de mencionar que com avanço da ciência na
última década um campo de pesquisa da memória surgiu com muita força e
aceitação entre os psicólogos e neurocientistas: a neurociência cognitiva.

Modelo modal da memória proposto por Atkinson e Shiffrin (1968).


Fonte: Google, 2022.

Uma característica essencial de todos esses modelos é que eles


consideram que o fluxo de informações passa por três estruturas ou armazéns
em que ocorre uma certa elaboração das mensagens. As informações
procedentes do meio são coletadas na memória sensorial, em que permanece
um curto espaço de tempo e passa para a memória de curto prazo, de onde pode
ser transferida para a memória de longo prazo. A transferência de informações
de um armazém para outro pode sofrer um declínio se certos processos de
controle não estiverem em vigor.
Não esqueça que esse modelo, como a maioria dos modelos psicológicos,
é uma metáfora, ou seja, é uma expressão utilizada em sentido figurado, um

96
modelo hipotético. Este modelo diz respeito a como estudamos a memória, uma
maneira didática de compreender e explicar. Sua existência e todas as suas
características e funções são algo que deve ser inferido a partir do que as
pessoas fazem nas chamadas tarefas de memória. A memória não trabalha de
maneira fragmentada, é um sistema que opera de maneira integrada.
A seguir consideraremos cada um desses componentes propostos pelo
modelo de Atkinson e Shiffrin com mais detalhes.

6.1.2 Modelo de memória de três componentes

➢ Memória Sensorial

Quando os estímulos procedentes do ambiente, visuais e auditivos,


principalmente incidem nos órgãos sensoriais e ativam os receptores, as
informações são armazenadas em uma estrutura chamada registro sensorial ou
memória sensorial. Este registro recebe o nome de memória sensorial
icônica (ou visual) quando os estímulos são percebidos por intermédio da visão
e de memória sensorial ecoica (ou acústica), quando os estímulos são
capturados por meio do ouvido.
Os processos de atenção e percepção são muito importantes neste
momento. Nossos receptores são afetados por inúmeros estímulos, porém
somente processamos e transferimos para a memória de curto prazo um número
limitado, precisamente aqueles a que dirigimos nossa atenção ou porque são de
forte intensidade ou porque têm um significado especial para atender nossas
motivações e interesses, pois nossa capacidade perceptiva é limitada.
Você já ouviu falar do efeito de coquetel? Ele recebe este nome porque
investiga como as pessoas reagem diante de aglomerações sociais em que há
muitas conversas simultâneas. De forma simples, poderia ser resumindo na
capacidade das pessoas de focar a atenção em um estímulo específico enquanto
filtra uma gama de outros estímulos.
Um ótimo exemplo poderia ser uma festa. Você já deve ter vivenciado essa
experiência várias vezes. Imagine-se conversando alegremente com um grupo
de amigos, você está concentrado em uma única conversa em uma sala
barulhenta. No entanto, se alguém no ambiente menciona algum assunto

97
interessante para você, a sua atenção vai ser captada imediatamente. Por isso,
nunca mencione o nome de alguém, se você não quiser que a pessoa escute o
que for falar, mesmo se ela estiver distante. Esse fenômeno sinaliza que mesmo
as impressões sensoriais às quais não estamos prestando atenção têm um
efeito, ao menos momentâneo, sobre nós.

Fonte Google, 2022.

O que estes experimentos ilustram mais claramente é que um número


limitado de estímulos permanece acessível por um curto espaço de tempo após
a apresentação, mesmo que não se esteja atento a eles. Entretanto, existe um
mecanismo atencional seletivo que filtra a informação menos necessária,
possibilitando-nos processar aquela que nos interessa.
Importante destacar que a atenção é um processo seletivo de capacidade
limitada, por isso podemos processar uma quantidade limitada de informações.
A percepção é a base de todos os nossos processos cognitivos e constitui a
porta de entrada para a informação. Perceber é dar sentido à informação que
nossos sentidos recebem e este significado é uma construção que realizamos a
partir da interpretação das informações que procedem de nossos sentidos com
as informações que já estão armazenadas em nossa memória. Na nossa
interpretação da informação, a forma como a organizamos desempenha um
papel fundamental.
A operação da memória sensorial pode ser exemplificada enquanto
estivermos dirigindo um carro. Enquanto dirigimos um carro, podemos perceber

98
vários sinais na estrada que indicam regras de trânsito, instruções sobre como
chegar ao destino, entre outros.
A permanência das informações neste registro é muito breve, alguns
centésimos de segundo quando as sensações são visuais e cerca de quatro
segundos quando são auditivas. Nesse contexto, os processos de atenção
(processo seletivo e capacidade limitada) e percepção (interpreta informações
sensoriais que lhe dão sentido) são muito importantes.

➢ Memória de curto prazo

A ideia de distinguir nas pessoas uma memória de curto prazo e uma


memória de longo prazo tem uma longa tradição em psicologia. Willian James
já distinguia esses dois tipos de memória, denominando-as como memória
primária e secundária, que corresponderiam ao que entendemos hoje por
memória de curto prazo e a memória de longo prazo. “Especificamente, a
memória de curto prazo diz respeito à consciência e à lembrança de itens que
não mais ficarão disponíveis assim que o indivíduo cessar de resgatá-lo”
(LEFRANÇOIS, 2009, p. 331). Dito de outra forma, a memória de curto prazo
possibilita a retenção de informações que não precisaremos necessariamente
no futuro, apenas as que precisamos nesse momento.
Esta ideia remete-nos para a compreensão de que a memória de curto
prazo tem limitações, a literatura aponta para duas, que são: o curto número de
elementos que pode reter e a falta de tempo que retem as informações. Em
relação ao número de elementos que pode reter, é em torno de sete elementos
com uma variação de dois, mais ou menos, entendendo aqui que os elementos
podem ser palavras, números ou uma frase.
Vamos lá!!! Teste sua memória a curto prazo. Veja quantos números você
consegue reter. Pense no número de seu celular, os nove dígitos 9 9 6 4 1 7 5 5
0, normalmente temos dificuldades em memorizar, porém se conseguirmos
organizá-los em quatro grupos (99-64-17-550) e se você for capaz de classificar
ou reunir conjuntamente as informações, é possível que aumente o número de
elementos que será capaz de lembrar. Provavelmente você já utiliza esta
estratégia.

99
Em relação ao tempo de reter as informações, giram em trono de até 30
segundos, porém, é possível incrementá-lo repetindo a sequência ou
proporcionando um significado aos elementos. Para que as informações sejam
mantidas por um tempo maior, inclusive por um tempo ilimitado, você vai precisar
utilizar alguma estratégia, como a repetição, por exemplo.
Isso ocorre, por exemplo, quando precisamos ligar para um
estabelecimento e encontramos o número na Internet. Conseguimos discar o
número em nosso celular se o repetirmos mentalmente, mas se alguém falar
conosco, o número desaparece de nossa memória e temos que olhar novamente
para a tela do computador. “Se as pessoas não funcionassem dessa maneira, é
provável que suas memórias de longo prazo fossem atulhadas com todo tipo de
informação inútil e a recuperação da memória de longo prazo fosse muito mais
difícil do que é” (LEFRANÇOIS, 2009, p. 314).
A repetição dos números poderia prolongar sua permanência, inclusive,
sua transferência para a memória de longo prazo. A memória de curto prazo é
também conhecida como memória de trabalho, porque é ali que se mantém a
informação que trabalhamos mentalmente quando pensamos em um problema
em um momento determinado. Quando você tenta aprender uma lição do livro,
memorizar uma senha ou se lembrar de algumas linhas de um poema, você está
usando a sua memória de curto prazo.
Concluímos, então, que a memória de curto prazo age como uma porta de
acesso para a memória de longo prazo ou como um depósito que possibilita a
retenção de informações que não precisaremos necessariamente no futuro,
apenas as que precisamos nesse momento. Em geral, a memória de longo prazo
exige a ativação prévia da memória de curto prazo.

➢ Memória de longo prazo

Algumas das informações que a memória de curto prazo recebe se perdem


e outras são processadas e transferidas para memória de longo prazo. Nela, o
armazenamento é permanente e sua capacidade é teoricamente ilimitada.
Segundo Shiffrin e Atkinson (1969), a preservação da memória de longo prazo é
permanente e as dificuldades ou impossibilidade de lembrarmos as informações

100
armazenadas ou memorizadas não é um problema de esquecimento, mas um
problema de recuperação. Experiências cotidianas como encontrarmos com
alguém que conhecemos e não sermos capazes de lembrar seu nome naquele
momento exato, mas um tempo depois conseguimos lembrá-lo
espontaneamente, levaram à suposição de que a informação da memória de
longo prazo nunca é perdida e que o esquecimento, em geral, poderia ser
explicado como uma falha na recuperação de uma determinada informação em
um determinado momento.
Entretanto, outros pesquisadores como Loftus e Loftus (1980) discordam
dessa visão e argumentam que uma informação pode ser perdida quando é
substituída por outra ou quando ocorre uma reorganização com outras
informações.
A memória de longo prazo é subdividida em memória explícita ou
declarativa e em memória implícita ou não declarativa.
A memória explícita ou declarativa é considerada a habilidade de
armazenar e reconhecer conscientemente fatos e eventos. Está relacionada à
capacidade de recordar palavras, cenas, rostos e histórias. As memórias
explícitas podem ser recordadas, expressas em palavras e declaradas
verbalmente.
Ela se divide em dois tipos: a episódica, que se refere ao armazenamento
de fatos, acontecimentos ou experiências pessoais que ocorreram em um
determinado momento e lugar, por exemplo, a primeira vez que você viu o mar
ou quando você conheceu seu/sua namorado/a. O conhecimento episódico é a
memória de ter feito coisas, por exemplo, o de lembrar de como estava vestida
sua amiga no casamento de seu irmão; e a semântica, ao contrário, não se
refere a fatos, mas ao conhecimento de conceitos relacionados à linguagem. É
um conhecimento estável e subjacente à linguagem, princípios e fatos.
Conhecer o significado de uma palavra, por exemplo, o que significa teorias
psicológicas ou conhecer a estrutura de uma frase.
Já a memória implícita ou não declarativa é a capacidade que envolve a
aprendizagem de habilidades motoras ou cognitivas, por meio da exposição
repetida e de maneira implícita, ou seja, não acessível à consciência. Por
exemplo, andar de bicicleta, dançar e caminhar são memórias que não podem
ser recuperadas rapidamente e explicadas em palavras. Mesmo que você saiba

101
andar de bicicleta, por exemplo, você não consegue verbalizar, ou seja, não pode
explicitar.
Na memória sensorial, as sensações duram uma fração de segundos; na
memória de curto prazo duram segundos ou frações de segundos e na memória
de longo prazo consiste em todos os efeitos relativamente permanentes da
experiência.
Na próxima aula conheceremos o papel da motivação no nosso
comportamento, especialmente nos processos de ensino-aprendizagem.

Conclusão da aula 6

Diferentes metáforas como a do computador tornaram-se muito populares


e foram usadas para comparar e explicar aspectos da memória humana. A
memória é definida como a capacidade de recuperar a informação, no entanto,
nem tudo o que é armazenado pode ser recuperado.
O modelo modal de memória descreve um processo que consiste em
memória de curto prazo e de longo prazo. Primeiro os sentidos detectam e
processam as informações. Essas informações podem ser armazenadas na
memória de curto prazo, passadas para a memória de longo prazo ou
deslocadas e removidas da memória. Vários tipos de fatores importantes como
o tipo de informação e as habilidades cognitivas dos indivíduos não foram
levados em consideração nesta versão.

Atividade de Aprendizagem

Como conseguimos manter uma conversa com uma única pessoa no meio de
uma sala lotada e ouvir o que ela está dizendo?

102
Aula 7 – Motivação

Apresentação da aula 7

Todas as explicações psicológicas da atividade humana conferem uma


importância decisiva para a motivação. Qualquer atividade que pensarmos em
realizar, assumimos que as variáveis motivacionais desempenham um papel
fundamental na sua execução e, especialmente, na qualidade delas.
Para que a aprendizagem ocorra de uma maneira relevante é necessário
estarmos motivados. Você já deve ter ouvido essa afirmação, pois diferentes
autores afirmam, inclusive, que sem motivação dificilmente haverá
aprendizagem. Em outras palavras, para aprender são necessárias duas
condições: poder e querer. Esta será a discussão que faremos nessa aula.
Tentaremos explicar o comportamento motivacional desde algumas perspectivas
teóricas e as possíveis implicações nas experiências educativas.

7.1 A motivação desde diferentes perspectivas

Durante muito tempo, os psicólogos, assim como os profissionais da


educação, explicaram o bom desempenho dos estudantes em função da sua
capacidade intelectual. É certo que a capacidade intelectual é um fator muito
importante para que ocorra a aprendizagem, no entanto, mesmo sendo a
inteligência um fator importante, nas últimas décadas cada vez mais estudiosos
sugerem que a capacidade intelectual é um fator entre muitos outros.
Sem nos aprofundarmos nessas questões, acreditamos ser importante
definir o que entendemos por capacidade intelectual. De acordo com diferentes
teóricos, tais como: Thorndike e Hagen (1977), Freeman (1962), Gage e Berliner
(1984), entre outros, a inteligência é definida de diferentes maneiras, que pode
ser agrupada em três categorias: a) a inteligência como capacidade de
aprendizagem; b) a inteligência como capacidade de adaptação; e c) a
inteligência como a capacidade de pensar de maneira racional (abstrata).
Estas três maneiras de entendermos a inteligência representam
concepções distintas que se mantiveram nas diferentes perspectivas teóricas,

103
porém, se refletirmos sobre elas, talvez possamos concluir que não são
excludentes entre si, mas que todas elas podem ser integradas dentro de uma
concepção ampla da inteligência. “A capacidade global de uma pessoa de agir
com propósito, de pensar racionalmente e de lidar efetivamente com seu meio
ambiente” (WECHESLER, 1994, p. 7).
No entanto, para que um estudante consiga aprender não depende
somente de sua capacidade intelectual, depende dela é claro, porém também
depende de outras variáveis. Se pensarmos em qualquer atividade que
precisamos realizar, a motivação desempenha um papel fundamental na sua
execução. A motivação é uma das palavras mais utilizadas nos mais variados
contextos, contudo, aqui, o nosso foco é o contexto educacional.
Mas, o que entendemos por motivação? Por que as pessoas se
comportam de determinada maneira? Seguramente, você já deve ter ouvido a
expressão “não tenho nenhuma motivação para ler este livro” ou “estou
totalmente desmotivada para assistir à videoaula de psicologia da educação”.
Além da capacidade cognitiva para que você seja capaz de aprender, é
importante algum conhecimento prévio, também é fundamental que você utilize
estratégias de estudo adequadas, mas isso não é suficiente. Para que ocorra a
aprendizagem você precisa estar motivado. Sem motivação não existe
aprendizagem.
A palavra latina movere deu origem ao vocábulo motivação e significa
mover. Daí o sentido de que motivação tem a ver com ação. Um motivo seria
uma força consciente ou inconsciente que incita a pessoa a agir ou, algumas
vezes, a não agir. Dito de outra maneira, a motivação é força que nos impulsiona
e nos orienta a atingirmos um objetivo. Motivação é aquilo que nos move.
Mas, como se ativa esse comportamento? Qual é a explicação que
podemos dar para um comportamento motivado? A motivação é um tema vasto
e complexo que engloba muitas teorias. Atendendo a complexidade do tema,
optamos por fazer uma seleção das principais abordagens, nomeadamente:
behavioristas, humanistas e cognitivistas. Antes de iniciarmos, sugerimos que
você assista ao filme O menino que descobriu o vento, uma grande fonte de
inspiração e motivação.

104
Mídias

Deixamos aqui a sugestão do filme O menino que descobriu o vento, que retrata
da história real do menino Willian Kamkwamba, que vivia com seus pais e irmãos
em Malawi, no continente africano. O filme conta a trajetória do menino, cujo
maior sonho era estudar e poder ajudar sua família e seu povoado diante da
seca que assola a região. O destaque do filme é a motivação de Willian que,
apesar de todos os obstáculos, nunca desistiu de lutar pelos seus sonhos. É,
sobretudo, um filme sobre força e sobre o que nos move na busca de nossas
realizações. A força do menino que descobriu o vento é verdadeira e pura e
ensina grandes lições ao longo de toda a sua projeção.

O menino que descobriu


Fonte: https://lh3.googleusercontent.com/Ldo1_hYnvjFRujpxlOW2SHGcdYPrVrKZSy0
30OyGa6Js1ih8GUeNuaVP1TkhLfV2nBB9NQ=s128

7.1.1 Perspectivas teóricas da motivação

➢ Explicações behavioristas

Os behavioristas, como você já sabe, explicam todo o comportamento em


função de conexões entre estímulos e respostas e a motivação não é diferente.
De acordo com essa perspectiva, a compreensão da motivação do estudante
começa com uma análise cuidadosa dos incentivos e recompensas que deverão
estar presentes na sala de aula. Nós já abordamos de maneira detalhada o que
são essas recompensas em outras aulas, importante destacar que os defensores
do uso desses incentivos enfatizam que eles aumentam à motivação dos
estudantes.
Um denominador comum que encontramos em todas as explicações
behavioristas sobre a motivação é que ela é extrínseca, isto é, que está
determinada pela obtenção das recompensas externas. Quando abordarmos a

105
diferença entre motivação intrínseca e extrínseca, examinaremos mais
detalhadamente estes conceitos.

➢ Explicações humanísticas

A psicologia humanista surgiu nos Estados Unidos da América (EUA) em


1940, aproximadamente, dois dos maiores representantes foram Abraham
Maslow (1908-1970) e Carl Rogers (1902-1987). A perspectiva humanista é
considerada como a terceira força da psicologia, sendo as duas primeiras a
psicanálise e o behaviorismo. Para os humanistas, nenhuma das escolas
dominantes, behaviorista ou freudiana, explicaram adequadamente porque as
pessoas agem como agem.
As interpretações humanísticas da motivação enfatizam as fontes
intrínsecas de motivação, como as necessidades de “autorrealização” e a
“tendência de autorrealização”. Assim, na perspectiva humanista, motivar
significa ativar nossos recursos internos: nosso senso de competência,
autoestima, autonomia e autorrealização. Posteriormente, retomaremos a teoria
da motivação de Maslow, que teve grande influência na explicação da
perspectiva humanista da motivação.

➢ Explicações cognitivas

De muitas maneiras, as teorias cognitivas da motivação também se


desenvolveram como uma reação às perspectivas comportamentais. O princípio
básico da motivação, dentro desta perspectiva, é que nós não respondemos de
maneira automática diante dos estímulos externos, mas atuamos mobilizados
por processos perceptivos e intelectuais.
Os teóricos cognitivos acreditam que o comportamento é determinado pelo
nosso pensamento, não apenas pelo fato de termos sido recompensados ou
punidos por este comportamento no passado. O princípio básico da motivação
na abordagem cognitiva é que nós não respondemos de maneira automática
diante da falta ou diante de estímulos externos. Para esta perspectiva, atuamos
movidos por processos perceptivos e intelectuais. Imaginemos que estejamos

106
na companhia de uma pessoa muito querida, mesmo que tenhamos fome, isso
não vai ser motivo para sairmos correndo atrás de comida.
Dentro das explicações que fundamentam a motivação em processos
cognitivos, existem duas teorias importantes: a de Tolman e a de Festinger.
Tolman (1951) propôs que o comportamento motivado está integrado a três tipos
de variáveis: o motivo, a expectativa e o incentivo. O motivo relaciona-se à
necessidade de algo e de algum objetivo em concreto; a expectativa é a
esperança de poder alcançar e o incentivo é o valor que o objetivo tem para a
pessoa.
Importante apontar a contribuição de Festinger (1957), que fundamenta a
motivação na dissonância cognitiva, ou seja, a alteração mental que se produz
quando duas ideias ou dois conceitos são incompatíveis e entram em conflito. A
dissonância ocorre quando existe uma incoerência entre as atitudes ou
comportamentos, que acreditamos serem certos e o que realmente praticamos.

Curiosidade

Quando uma pessoa possui uma opinião ou um comportamento que não condiz
com o que pensa de si, das suas opiniões ou comportamentos, ocorre uma
dissonância. A pessoa fica angustiada, sente-se desconfortável e pode gerar
muita ansiedade, tudo isso é causado quando existe inconsistência entre o que
se fala, o que se pensa e o que se faz. Esta angústia pode motivar a mudança.

Dissonância cognitiva
Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSbY3HcbczZaqttQLw
0JI-tpe72ojoNxISULU8fnLEpNJXUJaDSOQy9uYMm8vxf9f6cVFM&usqp=CAU

Em oposição às concepções behavioristas, a fonte de motivação para a teoria


cognitiva é intrínseca, ou seja, nas percepções que temos acerca das causas de

107
nossos fracassos ou sucessos, destacando o esforço como um fator importante
para obter o sucesso. Defende-se a ideia de que podemos controlar o ambiente,
estabelecendo metas, planejando e monitorando o progresso em direção a uma
meta.
Assim, enquanto a perspectiva behaviorista considera que a motivação do
estudante é consequência de incentivos externos, a cognitiva sustenta que se
deve minimizar a importância das pressões externas. De acordo com essa visão,
os estudantes deveriam ter mais oportunidades e responsabilidades para
controlar os resultados de seu desempenho.

Motivação
Fonte: Google 2022.

Antes de prosseguirmos no estudo das teorias da motivação, é importante


definirmos de maneira mais específica o que entendemos por motivação
intrínseca e extrínseca. Como você pôde ver até agora, algumas explicações de
motivação são baseadas em fatores internos e pessoais, como necessidades,
interesses e curiosidade; enquanto outras apontam para fatores externos e
ambientais, como recompensas, pressão social, punição, entre outros.
Uma abordagem clássica distingue a motivação intrínseca da extrínseca.

A motivação intrínseca é a tendência humana natural de buscar e


superar desafios à medida que buscamos interesses pessoais e
exercitamos capacidades. Quando estamos intrinsecamente
motivados, não precisamos de incentivos ou punições, pois a atividade
é recompensadora em si (WOOLFOLK, 2010, p.377).

Em outras palavras, a motivação intrínseca implica motivações internas,


geradas por nós mesmo. Por exemplo: além de ler este e-book e assistir às

108
videoaulas, você lê os livros recomendados porque gosta de psicologia. Você
tem uma motivação intrínseca, está intrinsecamente motivado.
Já, por outro lado, a motivação extrínseca é influenciada por fatores externos,
tais como prêmios e punições. Em vez disso, se você ler o material didático e
assistir às videoaulas somente para obter uma nota, evitar punições
(reprovação) ou para agradar o professor tutor ou por qualquer outro motivo que
tenha pouco a ver com a tarefa em si, seu comportamento está sendo guiado
pela motivação extrínseca. Não está realmente interessado na atividade; só
importa a aprovação na disciplina para obter o diploma.

Importante

Vários estudos indicam que a motivação intrínseca é autorregulada, quando


comparada com motivos extrínsecos, é mais eficaz na manutenção do
comportamento (BYRNES; ECCLES, 2006).

Na psicologia, as teorias devem ser interpretadas com certo cuidado e


rigor. É bastante difícil distinguir a diferença entre a motivação intrínseca e
extrínseca na aprendizagem de um estudante, porque é bem provável que esteja
atuando tanto por motivos intrínsecos quanto extrínsecos ao mesmo tempo.
Bruner (1960) e outros autores reconhecem o papel da motivação extrínseca, no
entanto, asseguram que o interesse pela aprendizagem somente se mantém
quando existe motivação intrínseca, o que é fácil conseguir, visto que, segundo
ele, existe nas crianças e nos jovens um motivo inato de curiosidade. Para ele,
a curiosidade nos leva a explorar e aprender pelo único prazer de aprender. Isso
fica bastante evidente nas crianças ou nos adolescentes que buscam informação
suficiente para resolver um problema no qual se sentiram desafiados. A
curiosidade é um motivo intrínseco que nos impulsiona a atuar sem criar
expectativas de reforços ou recompensas externas.
Entretanto, os desafios que nos são colocados como professores ou
como estudantes não podem ser realizados com sucesso se não forem levadas
em consideração ambas as perspectivas da motivação. Assim, no processo de
ensino-aprendizagem, ambas as motivações são importantes. Por exemplo,

109
incentivar a motivação intrínseca estimulando a curiosidade do aluno pelo tema
não implica que você não possa ao mesmo tempo utilizar um elogio.
Se você como professor nutrir a expectativa que encontrará sempre um
aluno motivado intrinsecamente, ficará desapontado. Existem situações em que
são necessários os incentivos e os apoios externos. Os professores devem
incentivar e estimular a motivação intrínseca e, ao mesmo tempo, garantir que a
motivação extrínseca ative o interesse e possibilite ao estudante iniciar o
processo de aprendizagem.
O ideal seria que, enquanto profissionais da educação, pudéssemos ser
capazes de despertar a curiosidade e provocar conflitos cognitivos para
conseguir que as forças intrínsecas se tornem o motor de suas aprendizagens.
Considerando os contributos teóricos mais relevantes para a
compreensão da motivação, a seguir descreveremos uma teoria explicativa da
motivação: a Teoria de Maslow. É importante destacar que existem outras teorias
que poderiam ser estudadas, tão importantes e interessantes como a que vamos
apresentar.

7.1.2 A Teoria da Motivação de Maslow: a satisfação das necessidades


humanas

A teoria de Abraham Maslow (1908-1970) é considerada uma das


explicações mais consensuais sobre a origem da motivação. Maslow pressupõe
que as necessidades humanas estão hierarquizadas e dividem-se em cinco
níveis, de acordo com seu grau de importância.
Dessa forma, na base da pirâmide estão as necessidades mais básicas e
primárias que são as necessidades fisiológicas e no topo da pirâmide estão as
necessidades mais elevadas, de autorrealização. Maslow (1968) assume que
esses sistemas de necessidade são hierarquizados no sentido de que os níveis
mais altos de necessidades não são alcançados se os níveis mais baixos não
forem satisfeitos. Ao satisfazer vários componentes de uma mesma
necessidade, sentir-nos-emos automaticamente mais capazes para atingir as
próximas etapas. Veja a figura abaixo.

110
Hierarquia das necessidades humanas, segundo Maslow (1968)
Fonte: Google, 2022

➢ Para Maslow, as necessidades fisiológicas são as mais básicas, porque


estão relacionadas à sobrevivência. Se elas não forem atendidas, não
conseguiremos focar nas outras demandas de nossa vida. Como exemplo,
pense em uma pessoa morta de fome ou de sede.

➢ Necessidade de segurança: consiste na necessidade de poder contar com


um ambiente ordenado, ausente de perigos físicos e psicológicos,
necessidade de segurança física e psicológica. Este grupo de necessidades
junto com as do primeiro nível, quando não forem satisfeitas, controlam o
nosso comportamento impedindo que atinjamos as necessidades superiores;

➢ Necessidades sociais: quando as necessidades fisiológicas e de segurança


estão relativamente satisfeitas, surge a necessidade de pertencermos e
sermos acolhidos, de sentir-nos parte de um grupo, ser membro de um clube,
receber carinho e afeto dos familiares. Segundo Maslow, quando estas
necessidades se veem constantemente frustradas, podem nos causar
diferentes desajustes psicológicos;

➢ Necessidades de estima: temos a necessidade de mantermos uma imagem


positiva de nós mesmos baseada na aprovação e no reconhecimento dos
111
demais. Sua realização nos produz sentimentos de confiança, de dignidade
e de força. Por outro lado, se não forem satisfeitas surgem sentimentos de
inferioridade e de fracasso, o que provoca inatividade e abandono;

➢ Necessidade de autorrealização: é a necessidade de desenvolver nossas


potencialidades e sentirmo-nos felizes e satisfeitos com isso. Nas palavras
de Maslow (1968, p. 67), “o que um homem pode ser, deve sê-lo”. Maslow
aponta que os jovens não conseguem se autorrealizar plenamente, pois,
antes, é necessário que se tenha um sistema estável de valores e uma
identidade própria.

Em seus estudos posteriores, Maslow identificou mais três sistemas de


necessidade, nomeadamente:

➢ Necessidade cognitivas: necessitamos conhecer e compreender o mundo.


Maslow não tem certeza de que o desejo de conhecer e compreender se
manifesta em todos nós da mesma maneira, como se manifesta as demais
necessidades que acabamos de ver. A curiosidade e o desejo pelo
conhecimento se apresentam com maior evidência em algumas pessoas que
em outras;

➢ Necessidade estéticas: seria a busca da ordem e da beleza. Para Maslow,


sobre este tipo de necessidades pairam algumas dúvidas. Porém, é evidente
que em muitos de nós existe uma necessidade de estética, de beleza, de
simetria e de ordem;

➢ Necessidades de autotranscedência: a necessidade de transcender o eu,


elevar-se acima do eu. Para Maslow, consiste na necessidade de ajudar os
outros, ligar-se a algo para lá de si mesmo.

Maslow defendia que para atingir o estado mais desenvolvido de


consciência e total potencial, é preciso que o sujeito descubra seu verdadeiro
propósito na vida e saia em busca dele, este estado chama-se autorrealização.
Apesar da excelente aceitação que supõe a teoria das necessidades propostas

112
por Maslow, ela não é isenta de críticas. Uma das mais importantes, refere-se
ao fato que nem todos nós nos comportamos exatamente como prevê a teoria.
A maioria de nós vai para cima e para baixo entre diferentes tipos de
necessidades e podemos até ser motivados por muitas necessidades diferentes
ao mesmo tempo.

E, em relação à Educação?
Essa teoria oferece um marco de referência para que possamos refletir
sobre a motivação dos estudantes. Pensemos nos estudantes que não têm
como satisfazer as necessidades dos níveis inferiores. Não podemos esperar
que uma criança, um adolescente ou um jovem que não têm coberta suas
necessidades básicas como a comida, por exemplo, sintam-se motivados para
aprender e adquirir novos saberes. Sabemos que a fome é uma realidade no
Brasil. Passar fome em um país como o Brasil, que é um dos maiores
exportadores de alimentos, é inadmissível. Esta situação é perversa e impõe
um desafio ético e político.
Outro aspecto importante a destacar é que se a escola é um lugar
ameaçador e imprevisível, em que o clima emocional e relacional seja inseguro
ou hostil, é provável que os estudantes estejam mais preocupados com a sua
segurança física e psicológica do que com o aprendizado e o ensino. Os
estudantes precisam sentir-se aceitos e integrados em seu grupo, precisam
sentir-se respeitados e com confiança em si mesmos.

Pelo que viemos estudando, podemos afirmar que para que ocorra a
aprendizagem é fundamental que o estudante esteja motivado. Nesse caso, o
que pode fazer o professor para facilitar este processo? Já indicamos alguns
aspectos, mas destacaremos outros princípios e estratégias, adaptadas de
Maicas (2012):

➢ Propiciar clima relaxado e seguro na sala de aula: a motivação


para aprendizagem surgirá mais facilmente em uma sala de aula
que se caracteriza por um clima de liberdade e segurança
psicológica. Isso ocorre quando os estudantes se sentem aceitos e

113
percebem que seus esforços são apreciados e valorizados pelo
professor;
➢ Propor objetivos e conteúdos de aprendizagem significativos:
os estudantes devem conhecer quais são os objetivos que devem
alcançar com suas aprendizagens. Os objetivos devem estar
relacionados com os interesses e as necessidades particulares dos
estudantes, ter um nível adequado de dificuldade, serem
relevantes e que estejam em conexão com o mundo real;
➢ Provocar a dissonância ou o conflito cognitivo: quando os
conteúdos ou as atividades se apresentam de maneira que
provocam no estudante uma dissonância ou conflito cognitivo,
surge a necessidade de resolver a situação, estimula sua
curiosidade e seu desejo de aprender;
➢ Selecionar e organizar as tarefas e condições de
aprendizagem de maneira que o estudante perceba que tem
potencial para alcançar o êxito;
➢ Separar na sala de aula as atividades orientadas e as
experiências de aprendizagem das atividades de avaliação: o
professor deve organizar e apresentar as atividades de maneira
que o estudante perceba que as tarefas e exercícios estão
orientados a promover e facilitar a sua aprendizagem e não mostrar
a sua competência. Evitando, desta forma, a aparição da
ansiedade e inibição do estudante. Não obstante, como as
avaliações também são necessárias, é importante fazer com que o
estudante perceba a sua finalidade e comprove seu progresso,
evitando as comparações com seus companheiros e a deterioração
de sua autoestima;
➢ Orientar a aprendizagem dos estudantes: as diferenças
individuais na sala de aula são um fato, motivo que leva os
estudantes a progredirem em suas aprendizagens com distintos
ritmos e com distintos níveis de desempenho. A motivação do
estudante para aprender se estimula quando ele percebe que o
professor se preocupa por seu progresso, recebe, dá orientações

114
e faz adaptações curriculares adequadas para que ele possa
superar suas possíveis dificuldades.

No entanto, sabemos que a promoção da motivação em contexto de


ensino-aprendizagem é bastante complexa e, a modo de conclusão, destacamos
uma estratégia desadaptativa muito comum e utilizada pelos estudantes: a
procrastinação, ou seja, adiar persistentemente a realização de uma tarefa na
esperança de não ter de fazê-la. Sabe aquele estudante que adia a realização
do trabalho até a última hora? Aquele que deixa para fazer tudo na última hora,
mesmo sabendo que este comportamento poderá afetar seu desempenho?
Não é incomum procrastinar ocasionalmente, no entanto, para alguns
estudantes esta tendência revela-se um problema crônico, que causa
desconforto e sofrimento psicológico considerável. A procrastinação pode ser
considerada um tipo de antimotivação, aquele adiamento contínuo e
desnecessário das tarefas. Na origem desse comportamento podem ser
identificadas situações de gestão do tempo ineficaz, dificuldade de
concentração, medo e ansiedade, baixos índices de autoeficácia, baixa
autoestima ou, até mesmo, o perfeccionismo. Aquela pessoa que não aceita
errar e, para evitar o fracasso, define objetivos exigentes e, por vezes,
inatingíveis. O perfeccionismo pode ser entendido como um traço de
personalidade motivado pelo medo do fracasso.
Os estudantes que são procrastinadores crônicos devem ser
encaminhados à psicoterapia, o que tem se revelado muito útil nestes casos,
pois foge às atribuições do professor lidar com problemas dessa ordem.

Conclusão da aula 7

Nós estudamos diferentes explicações e teorias sobre a motivação. As


comportamentais (behavioristas) nos dizem que o nosso comportamento é
movido pela necessidade de reforços externos, as cognitivas destacam a
importância das percepções e das expectativas sobre o nosso comportamento.
Por outro lado, a teoria humanista se caracteriza por conceber os seres humanos
com necessidades hierarquizadas que impulsionam a busca e o
desenvolvimento de nossa própria identidade e da nossa autorrealização.

115
A conclusão a que podemos chegar dessas explicações é a de que, para
compreender determinados comportamentos, encontramos uma justificativa
mais adequada em uma ou em outra teoria, o que é certo é que o comportamento
humano é sempre um comportamento motivado.
Por outro lado, se o comportamento humano é sempre um
comportamento motivado, de acordo com o que afirmamos, não tem sentido que,
às vezes, atribuamos o nosso fracasso à falta de motivação. O que pode
acontecer, na verdade, é que a nossa motivação não está orientada na direção
que desejam os professores, por exemplo. Aqui entra o papel do professor que
vai precisar utilizar todos os seus recursos para dirigir e estimular a motivação
de seus alunos para a aprendizagem. Por isso, não em forma de receita, mas
reunindo os achados das pesquisas em motivação, foram indicadas algumas
sugestões do que se pode fazer em sala de aula.

Atividade de Aprendizagem

Você já vivenciou alguma dificuldade de aprendizagem? Você consegue fazer


alguma relação com a motivação?

Aula 8 – Teoria da aprendizagem: Lev Semionovitch Vygotsky

Apresentação da aula 8

Gostaria de mencionar que nosso objetivo não é fazer um compêndio da


obra de Vygotsky, esforçar-nos-emos para sintetizar e apresentar brevemente
os principais aportes da Psicologia Histórico-Cultural, destacando a
compreensão de desenvolvimento e aprendizagem advinda dessa perspectiva,
tendo como fonte as obras de Vygotsky ou de autores brasileiros que estudam
suas obras.
Importante destacar que a psicologia para Vygotsky, por volta de 1920,
tinha assumido duas direções: a primeira que se limitava a analisar os processos
psicofisiológicos mais elementares e se recusava a examinar os fenômenos
116
complexos e especificamente humanos da atividade consciente; enquanto a
segunda, descrevia de maneira mecanicista e simplificada as habilidades
elementares. Portanto, a psicologia histórico-cultural teve como objetivo
converter em objeto da pesquisa as formas superiores e especificamente
humanas da atividade consciente, analisando-as de maneira científica.

8.1 Psicologia histórico-cultural

O período entre as duas Guerras Mundiais (1914-1945) teve como uma


de suas marcas a consolidação da primeira República Socialista, a União
Soviética. Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) nasceu em cinco de
novembro de 1896, na cidade de Orcha, na Bielo-Rússia e faleceu em 11 de
junho de 1934. Em 1923 mudou-se para Moscou, cidade em que fundou o
primeiro Instituto de Estudos das Deficiências, paralelamente, dirigiu um
departamento de educação de crianças deficientes físicas e com retraso mental.
A partir de 1925, Vygotsky reuniu um grupo de cientistas da área de psicologia
interessados no estudo das anormalidades físicas e mentais. Ele, na mesma
época, cursou medicina no Instituto Médico de Moscou (GOULARD, 2003).
Para Prestes (2010, p. 37),

ainda muito jovem Vygotsky foi acometido de tuberculose, doença de


que vem a falecer em 11 de junho de 1934, com 38 anos incompletos.
Em seu curto período de vida trabalhou intensamente, deixando
bastante desenvolvidas as bases de uma nova vertente teórica para o
estudo psicológico do homem, denominada, no início, de psicologia
instrumental e, posteriormente e até os dias de hoje, de psicologia
histórico-cultural.

Em outras palavras, para esta corrente nós somos seres de natureza


social, não nascemos com um conjunto de aptidões e capacidades que são
predeterminadas biologicamente. Diferentemente dos outros animais, nós
precisamos nos apropriar das qualidades humanas necessárias para vivermos
em nossa cultura. Nessa afirmação, podemos perceber uma das teses principais
da teoria histórico-cultural: o processo de desenvolvimento resulta do
processo de aprendizagem. Não esqueça! Lembra-se de quando falamos
sobre as metáforas? Pois bem, para a psicologia histórico-cultural a

117
aprendizagem puxa o desenvolvimento. Retomaremos este conceito
posteriormente.

Vygotsky
Fonte: Google, 2022.

É preciso recordar que a obra de Vygotsky, em função de sua morte


prematura e das circunstâncias históricas, as quais a sua obra esteve submetida
posteriormente no seu país, é, essencialmente, uma obra inacabada, mas é uma
teoria completa e bem-elaborada. Suas ideias continuam sendo pesquisadas e
divulgadas.

Reconhecendo as habilidades pouco comuns de Vygotsky, Leontiev e


eu ficamos encantados quando se tornou possível incluí-lo em nosso
grupo de trabalho, que chamávamos de “troika”. Com Vygotsky como
líder reconhecido, empreendemos uma revisão crítica da história e da
situação da psicologia na Rússia e no resto do mundo. Nosso
propósito, superambicioso como tudo na época, era criar um modo
mais abrangente de estudar os processos psicológicos humanos
(LURIA, 1988, p. 22).

Vygotsky, contagiado pelo entusiasmo e a efervescência cultural


vivenciados no período da Revolução Socialista de 1917, trabalhou arduamente,
mantendo sempre vivo o propósito de transformação e construção de uma nova
sociedade, uma nova cultura, uma nova ciência e, também, um novo homem. Do
ponto de vista da psicologia histórico-cultural, Vygotsky dedicou-se ao estudo da
relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Considerado um dos psicólogos
que mais contribuiu para uma alteração profunda da psicologia no século XX e
antecipando questões fundamentais estudadas na atualidade pela psicologia. A

118
obra do autor russo sobre o desenvolvimento e aprendizagem teve um impacto
muito grande na requalificação da prática pedagógica.
No entanto, “suas obras foram proibidas na União Soviética depois da
resolução de 1936. Ao longo de duas décadas, o seu nome ficou à margem dos
livros e sequer podia ser pronunciado” (PRESTES, 2010, p. 59). Foi somente a
partir dos anos 1960 que suas obras foram liberadas para a psicologia soviética
e começou a ser estudada por psicólogos e investigadores ligados à educação,
tanto da Europa ocidental quanto nos Estados Unidos da América.
Diferentes autores sinalizam que as primeiras obras de Vygotsky que
chegaram ao Brasil datam dos anos 1980, mas, de acordo com Prestes (2010),
existem algumas evidências de pesquisadores brasileiros que tiveram acesso à
sua obra, por meio das publicações em inglês, vindas do Estados Unidos da
América ainda em meados da década de 1970. No entanto, seu pensamento
começa a ser divulgado no meio acadêmico em meados dos anos 1980.

Saiba mais

Muitas outras obras de Vygotsky foram publicadas, destacamos aquelas que


foram publicadas no Brasil e nos ajudam a refletir sobre questões educacionais:
Pensamento e linguagem; A construção do pensamento e da linguagem; O
desenvolvimento psicológico na infância; Psicologia pedagógica; Psicologia da
arte e A Formação social da mente.

A psicologia histórico-cultural teve outros proponentes, todos grandes


pesquisadores russos, dos quais podemos destacar: Alexis Nikolaevich Leontiev
e Alexander Romamovich Luria, Piotr Y. Galperin, Daniil B. Elkonin, Vasili V.
Davído. Algumas obras destes grandes pesquisadores foram traduzidas para a
língua portuguesa. Não deixe de ler!!!
Note-se que, embora o trabalho de Vygotsky estivesse marcado pela
procura de soluções concretas para muitos dos problemas educacionais
existentes no seu país durante a Revolução Russa, sua teoria é uma teoria
psicológica e não uma teoria pedagógica, sua transposição para o campo da
educação escolar necessita articulações com preceitos pedagógicos coerentes
com os princípios propostos. À época sócio-histórica em que Vygotsky viveu
criou-lhe as condições necessárias para se interessar por questões da

119
aprendizagem e do desenvolvimento em uma perspectiva nova em relação às
existentes naquele momento: as origens sociais e as bases culturais do
desenvolvimento.

8.1.1 Noção de desenvolvimento de aprendizagem dentro da psicologia


histórico-cultural

Desenvolvimento de aprendizagem na psicologia histórico-cultural


Fonte: Google, 2022

Antes dos trabalhos de Vygotsky (1962, 1978), as noções dominantes de


desenvolvimento concebiam-no como estando separado da aprendizagem ou
como sendo anterior a esta. Você se lembra da teoria Piagetiana? Piaget
propunha que a maturação biológica (estruturas mentais naturais) estabelece as
pré-condições para o desenvolvimento cognitivo. Para Piaget, a aprendizagem
subordina-se ao desenvolvimento. Por desenvolvermo-nos é que podemos
aprender. Aprendemos porque estamos em um determinado estágio de
desenvolvimento.
Um dos grandes objetivos de Vygotsky foi justamente o de superar este
modelo biológico de desenvolvimento humano, apresentando uma nova
abordagem: o desenvolvimento segue a aprendizagem, podendo mesmo a
aprendizagem ser considerada o motor do desenvolvimento. É porque fizemos
coisas no mundo que aprendemos e nos desenvolvemos. Seria como se a
aprendizagem puxasse o nosso desenvolvimento, a aprendizagem antecede,
possibilita e impulsiona o desenvolvimento.
É adequado recordar que Vygotsky não negava a importância do biológico
no desenvolvimento humano, para ele todo o processo psíquico possui

120
elementos herdados biologicamente e elementos que surgem na relação e sob
a influência do meio.

Tais psicólogos afirmaram, então, que ambos os polos (matéria/ideia)


se formam em uma relação de interpenetração e interdependência,
sendo que a base orgânica, ponto de partida na existência de todos os
seres vivos, fornece apenas os elementos primários requeridos ao
desenvolvimento do psiquismo e da consciência. A consciência, por
sua vez, alterando a relação ativa do ser às circunstâncias, provoca
transformações no próprio organismo (MARTINS, 2016, p. 48).

Seguindo essa linha de raciocínio, para Vygotsky parece ser difícil


compreender o desenvolvimento humano como um simples processo de
adaptação, sendo necessário buscar nesse desenvolvimento as características
ou especificidades da espécie humana. Para esse autor o que interessa
compreender é aquilo que é específico dos humanos.
Nas palavras de Saviani (2003, p. 13),

o que não é garantido pela natureza tem que ser produzido


historicamente pelos homens, e aí se incluem os próprios homens.
Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao homem,
mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica.

Para a professora Suely Amaral Mello (2014, p. 139)

O homem é um ser social não porque ele viva ou goste de viver em


grupo, mas porque, sem a sociedade e sem os outros com quem
aprender a ser um ser humano, o homem não se torna humano com
inteligência, personalidade e consciência.

Dito de outra maneira, para Vygotsky as características tipicamente


humanas não estão presentes desde nosso nascimento, nem são meros
resultado das pressões do meio externo, uma maneira de nos adaptarmos ao
meio, como afirmava Piaget, mas, resultam da interação dialética do homem e
seu meio sociocultural.
Ao mesmo tempo em que transformamos o meio em que estamos
inseridos para atender nossas necessidades básicas, transformamo-nos a nós
mesmos. Portanto, o nosso desenvolvimento não é linear e não é imutável, vai
depender do meio social em que estivermos inseridos. Somos seres ativos, que
modificamos e somos modificados pela cultura na qual estamos inseridos.

121
A transformação da natureza pelo homem implica também a
transformação de sua própria natureza, emergindo, assim,
historicamente, a partir da atividade social humana, novas formas de
comportamento e novos processos psicológicos especificamente
culturais (MARTINS; DUARTE, 2016, p. 168).

Nesse sentido, Vygotsky (1995) afirma que as funções psíquicas


exclusivamente humanas são produto do desenvolvimento histórico do homem
em sociedade. O autor diferencia as funções psicológicas elementares, comuns
a homens e animais das funções exclusivamente humanas, que denominou
funções psicológicas superiores. As funções superiores têm gênese
fundamentalmente cultural e não biológica. No entanto, as funções psíquicas
elementares não são extintas, mas continuam existindo como instância
subordinada às funções superiores.
Para Vygotsky, todas as funções superiores, como o pensamento e a
linguagem, aparecem duas vezes no nosso desenvolvimento. De acordo com
Martins (2016, p.51), é importante esclarecer que

as funções elementares e superiores não são hierarquizadas, tendo-se


nas primeiras uma suposta base que conduzirá necessariamente às
segundas. O percurso do desenvolvimento não ascende do natural ao
cultural, mas imbrica essas linhas contínua e permanentemente à
medida das contradições geradas pela vida social entre o legado da
natureza e o requerido pela cultura (p. 51).

Importante

“[...] toda função no desenvolvimento cultural da criança entra em cena duas


vezes, em dois planos, primeiro no plano social e depois no psicológico, ao
princípio entre os homens como categoria Interpsíquica e logo no interior da
criança como categoria intrapsíquica. Esse fato se refere igualmente à atenção
voluntária, à memória lógica, à formação de conceitos e ao desenvolvimento da
vontade. Temos todo direito de considerar a tese exposta como uma lei, à
medida, naturalmente, em que a passagem do externo ao interno modifica o
próprio processo e transforma sua estrutura e funções” (VYGOTSKY, 1995, p.
150).

Para Vygotsky, todas as funções superiores, como o pensamento e a


linguagem, aparecem duas vezes no nosso desenvolvimento. Primeiro, como

122
atividade coletiva e social, portanto, como uma função interpsicológica. Depois,
como atividade individual, sob a forma de uma propriedade interna do nosso
pensamento, enquanto função intrapsicológica. A passagem de uma função
interpsicológica à intrapsicológica é o resultado de um processo de
internalização.
Em outras palavras, processos mentais superiores, como direcionar a
atenção e analisar problemas, são primeiramente construídos cooperativamente
durante atividades compartilhadas entre nós e outra pessoa. Imaginemos uma
criança que perdeu seu carrinho preferido e pede ajuda da sua mãe para
encontrá-lo. A mãe pergunta à criança onde ela estava brincando quando perdeu
o carrinho. Ela responde que não sabe. A mãe, então, formula várias perguntas.
Que cor era o carrinho? Não está no teu quarto? Você levou consigo quando foi
na casa do seu primo? Quando foi a última vez que você brincou com ele? A
criança, então, internaliza os processos e eles se tornam parte do seu
desenvolvimento cognitivo.
Quem lembrou onde estava o carrinho? A resposta não é nem a mãe nem
o filho, mas os dois juntos. A memória e a solução do problema foram
construídas em cooperação (entre sujeitos) por meio da interação. No entanto,
o menino e a mãe também podem internalizar estratégias para usar na próxima
vez que algo se perder. Até certo ponto, o menino poderá agir de forma
independente para resolver esses problemas. Assim, como a estratégia para
encontrar o brinquedo, as funções superiores aparecem primeiro entre uma
criança e um “professor”, antes de existirem dentro da criança individual
(KOZULIN, 2003).
É ao colaborar e ao discutir com outros sujeitos que consideramos novas
alternativas e reelaboramos ideias pessoais, criando-se, assim, a possibilidade
de nos apropriarmos dos conhecimentos. Mas, compreender o funcionamento
da noção de apropriação obriga a presença do processo de internalização.
Assim, o processo de internalização, ou seja, a transformação do cultural em
psicológico, decorre ao longo do desenvolvimento do sujeito de forma gradual.
Para Vygotsky,

todas as funções mentais superiores são relações sociais


interiorizadas [...] a sua organização, estrutura genética e meios de
ação são sociais [...] mesmo na sua própria esfera privada os seres

123
humanos conservam as funções da interação social. A construção das
capacidades humanas deve ser concebida como um movimento do
exterior para o interior, ou seja, do Interpsicológico para o
Intrapsicológico (WERTSCH, 1988).

Mas, como ocorre este processo de internalização? Para que ocorra a


internalização, Vygotsky introduziu a noção de mediação, que, de acordo com
muitos estudiosos, é um dos contributos mais importantes de sua teoria, pois nos
permite compreender a dinâmica entre interação social e os processos mentais.
Para Vygotsky, enquanto sujeito do conhecimento, o homem não tem acesso
direto aos objetos, mas acesso mediado, por meio de recortes do real e operados
pelos sistemas simbólicos de que dispõe.

Vocabulário

Mediação: é interposição que provoca transformações na instituição da imagem


subjetiva da realidade objetiva ao disponibilizar os conteúdos simbólicos que lhe
correspondem, enfim, uma condição externa e interpsíquica, que, internalizada,
potencializa o ato de trabalho, seja ele prático ou teórico (MARTINS, 2016, p.
57).

Em outras palavras, não atuamos diretamente, mas para que o processo


de internalização ocorra é necessário a presença de mediadores, como as
ferramentas que têm a função de regular nossas ações sobre os objetos, ou
seja, são objetos externos que utilizamos para o controle da natureza, por
exemplo, o machado que utilizamos para cortar um galho de uma árvore; e os
signos, que regulam as ações sobre o nosso psiquismo, constituindo-se uma
atividade interna dirigida para o controle de nós próprios.
Enquanto

o instrumento é provocador de mudanças externas, pois amplia a


possibilidade de intervenção na natureza (na caça, por exemplo, o uso
da flecha permite o alcance de um animal distante ou, para cortar uma
árvore, a utilização de um objeto cortante é mais eficiente do que as
mãos). [...] De modo geral, o signo pode ser considerado aquilo (objeto,
forma, fenômeno, gesto, figura ou som) que representa algo diferente
de si mesmo, ou seja, substitui e expressa eventos, ideias, situações e
objetos, servindo como auxílio da memória e da atenção humana. Por
exemplo, no código de trânsito, a cor vermelha é o signo que indica a
necessidade de parar, assim como a palavra copo é um signo que
representa o utensílio usado para beber água (REGO, 1995, p. 50).

124
Tanto o controle do nosso comportamento, por meio dos signos, quanto o
controle da natureza, por meio dos instrumentos, acarretam mudanças no nosso
funcionamento cognitivo. A invenção desses elementos mediadores significou o
salto evolutivo da espécie humana.
A partir da inserção da criança em um determinado contexto cultural com
seus membros do grupo e de sua participação em práticas sociais historicamente
construídas, a criança incorpora ativamente as formas de comportamento já
consolidadas na experiência humana. Na visão de Vygotsky, aos pais ou aos
professores cabe gerar uma dinâmica que permita a cada criança a apropriação
de ferramentas e signos, ou seja, as interações sociais são um elemento crucial
do desenvolvimento cognitivo, mas, mais ainda, a qualidade dessas interações.
O que significa qualidade das interações dentro dessa abordagem?
Qualquer ensino pode levar à aprendizagem? Vygotsky ajuda a responder a
essas questões quando discute a relação entre as zonas de desenvolvimento
real e próximo.

8.1.2 A noção de zona de desenvolvimento próximo

O termo Zona de Desenvolvimento Potencial (ZDP) é provavelmente


um dos conceitos criados por Vygotsky mais amplamente conhecido e difundido.
Qualquer pessoa que tenha lido um livro de pedagogia ou de psicologia da
educação ou do desenvolvimento deve ter entrado em contato com essa
terminologia.

Vocabulário

Zona de Desenvolvimento Potencial (ZDP): é a “distância entre o nível real de


desenvolvimento, determinada pela capacidade de resolver independentemente
um problema e o nível de desenvolvimento potencial, determinado mediante à
resolução de um problema com a orientação de um adulto ou em colaboração
com um outro companheiro mais capaz” (VYGOTSKY, 1979, p. 133).

Você pode encontrar na literatura diferentes formas da tradução para a


língua portuguesa, tais como: zona de desenvolvimento próximo, proximal,

125
potencial e imediato. A professora Zoia Prestes, em sua tese de doutoramento
intitulada Quando não é quase a mesma coisa: Análise de traduções de Lev
Semionovitch Vygotsky no Brasil: Repercussões no campo educacional, defende
que a tradução que mais se aproxima do termo russo é zona de desenvolvimento
iminente, cuja característica essencial, em suas palavras, é a das “possibilidades
de desenvolvimento”. Adotamos o termo zona de desenvolvimento próximo, é
importante destacar que você vai encontrar em muitos materiais traduzidos como
zona de desenvolvimento proximal.
Veja a figura abaixo, que tenta representar a metáfora de ZDP proposta
por Vygotsky.

Fonte: Google, 2022.

Como você pode observar na imagem, aquilo que a criança é capaz de


fazer de forma independente, ou seja, sem a ajuda de outros, Vygotsky define
como de zona de desenvolvimento real, uma vez que expressa o nível de
desenvolvimento psíquico já alcançado pela criança.

Se ingenuamente perguntarmos o que é nível de desenvolvimento real


ou, formulando de forma mais simples, o que revela a solução de
problemas pela criança de forma mais independente, a resposta mais
comum seria que o nível de desenvolvimento real de uma criança
define funções que já amadureceram, ou seja, os produtos do
desenvolvimento (VYGOTSKY, 1988b, p. 97).

A zona de desenvolvimento próximo se manifesta por aquilo que a criança


ainda não é capaz de fazer sozinha, mas já é capaz de fazer em colaboração

126
com um parceiro mais experiente, aqui destacamos a figura do professor e dos
colegas mais experientes. Esse nível de desenvolvimento refere-se às funções
psicológicas que estão em processo de desenvolvimento.
Nas palavras de Vygotsky:

a zona de desenvolvimento próximo da criança é a distância entre o


nível de desenvolvimento atual, definido pela realização autônoma de
tarefas, e o nível de desenvolvimento possível da criança, definido pela
realização de tarefas que são resolvidas por ela com a orientação de
adultos e em colaboração com companheiros mais aptos (VYGOTSKY,
2021, p. 190).

De acordo com Vygotsky, para fazer o desenvolvimento avançar, o ensino


não pode se limitar a aproveitar as possibilidades do desenvolvimento real, mas
agir, sobretudo, na ZDP, ativando novos processos internos de desenvolvimento.
Para o autor, “o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”
(VYGOTSKY, 2010, p. 114), ou seja, o bom ensino é aquele que atua na zona
de desenvolvimento próximo. "Aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal
hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma
criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha
amanhã" (VYGOTSKY, 1984, p. 98).
A ideia de Vygotsky de que a aprendizagem “puxa” o desenvolvimento,
implica que outras pessoas, principalmente os professores, desempenhem um
papel importante no desenvolvimento das crianças e jovens. A teoria de
Vygotsky sugere que os professores precisam fazer mais do que apenas
preparar o espaço, os materiais e agrupamentos para que os estudantes façam
descobertas por si mesmos.

Essa discussão destaca a importância da interferência intencional do


adulto (do planejamento competente do educador) e a importância de
atividades com grupos de crianças de diferentes idades e níveis de
desenvolvimento, em que quem sabe ensina quem não sabe. O
educador deve, portanto, intervir, provocando avanços que de forma
espontânea não ocorreriam (MELLO, 2014, p. 144).

Essa ideia de ZDP muda radicalmente a maneira de entendermos a


relação entre desenvolvimento e aprendizagem, não existe a necessidade de
esperarmos uma maturação biológica, este novo enfoque não deixa de buscar
tal apoio, mas com a finalidade de superá-lo. “O ensino seria totalmente

127
desnecessário se pudesse utilizar apenas o que já está maduro no
desenvolvimento, se ele mesmo não fosse fonte de desenvolvimento e
surgimento do novo” (VYGOTSKY, 2001a, p. 334). Com esta alteração
abandona-se uma perspectiva de índole biológica para explicar o nosso
desenvolvimento a favor de uma perspectiva sócio-histórica.
A modo de conclusão, é importante destacar que essa abordagem rejeita
a ideia de que o desenvolvimento é um processo espontâneo e natural, pois
entende que o ensino é uma fonte de desenvolvimento. Entretanto, é de
fundamental importância a participação de um interlocutor mais experiente, sem
o qual nós não teríamos como nos apropriar dos conteúdos culturais.
Aprendemos com o “outro” e nos desenvolvemos nesse processo. O
desenvolvimento individual está, assim, mediatizado pela interação com outros
sujeitos mais competentes e pelo uso de ferramentas culturais. É fundamental
que o professor problematize, forneça pistas aos alunos e fique atento ao curso
de raciocínio destes, reformulando questões ou problemas sempre que for
necessário.
Salientamos a importância do trabalho colaborativo em que os
estudantes, de diferentes níveis de desempenho, trabalhem juntos na resolução
de uma tarefa, podendo, dessa forma, desenvolver novos saberes. Outro
aspecto que destacamos é a valorização do diálogo entre os estudantes em uma
situação de aprendizagem, pois o diálogo entre os estudantes promove a
clarificação dos conceitos e dos conhecimentos envolvidos na resolução da
tarefa e o próprio diálogo do sujeito interno favorece a autorregulação da
aprendizagem.

Saiba mais

Sugerimos a leitura do artigo A zona de desenvolvimento próximo na análise de


Vygotsky sobre aprendizagem e ensino, escrito pelo professor e pesquisador do
Departamento de Educação da University of Bath, Reino Unido, Seth Chaiklin e
traduzido pela professora da UNESP, Bauru, Juliana Campregher Pasqualini.
Microsoft Word - 015_A zona Seth Chaiklin.doc (scielo.br).
Acesse no link: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/72713/2-s2.0-
84867638816.pdf?sequence=1&isAllowed=y

128
Conclusão da aula 8

Uma das premissas de Vygotsky é a de que o desenvolvimento e a


aprendizagem pressupõem um contexto social e um processo de interação entre
nós mesmos e os demais sujeitos, permitindo-nos internalizar as pautas
culturais. Todas as nossas funções psicológicas têm sua origem em um marco
interpessoal, em comunicação e em relação entre seres humanos, ou seja, o
desenvolvimento consiste em um processo de internalização, no qual
reconstruímos internamente qualquer operação externa. Os processos
psicológicos surgem primeiro como atividade coletiva e social, portanto, como
função interpsicológica e, em seguida, como atividade individual, sob a forma
interna do nosso pensamento, enquanto função intrapsicológica.
A teoria de Vygotsky rompe com a ideia de uma condicionalidade entre
desenvolvimento e aprendizagem, sinalizando um papel de destaque para a
escola como um contexto de aprendizagem. Desenvolvimento e aprendizagem
são interdependentes, não existe desenvolvimento sem aprendizagem e nem
aprendizagem sem desenvolvimento, entretanto a aprendizagem antecede o
desenvolvimento: as tarefas que a criança realiza hoje com a ajuda de um par
mais experiente, as internaliza e, amanhã, poderá realizá-la sozinha. A ideia de
uma aprendizagem assistida por um par mais competente (professor ou colega)
dá à criança que está tentando resolver uma tarefa, a ajuda que precisa para
progredir nas suas aprendizagens.
Muitas destas ajudas são comunicadas pelos professores por meio da
linguagem e podem ter a forma de pistas, chamadas de atenção de
demonstrações e simplificação da situação inicial, fornecendo exemplos ou outra
qualquer ajuda que possibilita a criança a aprender de forma independente, mas
sustentada.
Nesta perspectiva, a escola é entendida como local privilegiado de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, portanto uma educação
sistemática e organizada pode contribuir com o processo de aquisição do
sistema de conceitos científicos, o que vai modificar a estrutura do pensamento
do indivíduo.

129
Atividade de Aprendizagem

Explique a partir da perspectiva histórico-cultural a seguinte afirmação: a


aprendizagem “puxa” o desenvolvimento.

130
Índice Remissivo

A controvérsia natureza-educação ............................................................ 43


(Conhecimento; educação; natureza)

A evolução da ciência psicológica .............................................................. 10


(Ciência; evolução; psicologia)

A motivação desde diferentes perspectivas ............................................... 103


(Desempenho; motivação; perspectivas)

A noção de zona de desenvolvimento próximo .......................................... 125


(Conceito; desenvolvimento; psicologia)

A Psicologia e a Epistemologia Genética: noções gerais ........................... 75


(Epistemologia; genética; psicologia)

A Teoria da Motivação de Maslow: a satisfação das necessidades


humanas .................................................................................................... 110
(Maslow; motivação; teoria)

Aprendizagem a partir da perspectiva behaviorista: Watson e Pavlov ....... 50


(Pavlov; perspectiva behaviorista; Watson)

Aprendizagem: acomodação, assimilação e equilibração ......................... 80


(Aprendizagem; assimilação; equilíbrio)

As diferentes escolas de pensamento ....................................................... 22


(Ciência; escolas; pensamento)

Conceito de aprendizagem ........................................................................ 47


(Aprendizagem; conceito; conhecimento)

Conceitos básicos ...................................................................................... 63


(Comportamento; organismo; Skiner)

Conceitos básicos e definições da memória ............................................... 94


(Conceitos; definições; memória)

Condicionamento operante: o behaviorismo radical de Skinner ................ 60


(Behaviorismo; condicionamento; Skinner)

Desenvolvimento e aprendizagem na teoria de Jean Piaget ..................... 74


(Aprendizagem; desenvolvimento; Jean Piaget)

Estágios de desenvolvimento da inteligência ............................................ 84


(Desenvolvimento; estágios; inteligência)

Implicações do Condicionamento Operante para a Educação .................. 68


(Condicionamento operante; educação; implicações)

Introdução ao estudo da Psicologia ........................................................... 10

131
(Estudo; introdução; psicologia)

Memória ..................................................................................................... 91
(Estudo; memória; memorização)

Modelo de memória de três componentes ................................................. 97


(Ambiente; componentes; memória)

Motivação .................................................................................................. 103


(Aprendizagem; atividade; motivação)

Noção de desenvolvimento de aprendizagem dentro da psicologia


histórico-cultural ........................................................................................ 120
(Aprendizagem; desenvolvimento; psicologia)

O Condicionamento operante .................................................................... 61


(Behaviorismo; condicionamento operante)

O processamento da informação ............................................................... 92


(Conhecimento; informação; processamento)

Perspectivas teóricas da motivação .......................................................... 105


(Motivação; perspectivas; teoria)

Psicologia da Educação e seu campo de estudos ..................................... 27


(Educação; estudos; psicologia)

Psicologia da Educação no Brasil .............................................................. 37


(Brasil; educação; psicologia)

Psicologia da Educação: conceito e objeto de estudo ............................... 28


(Conceito; estudo; objeto)

Psicologia histórico-cultural ....................................................................... 117


(Cultura; história; psicologia)

Teoria da aprendizagem: Lev Semionovitch Vygotsky ............................... 116


(Aprendizagem; Lev Semionovitch Vygotsky; teoria)

Teorias de aprendizagem: primórdios do behaviorismo ............................ 42


(Aprendizagem; behaviorismo; teorias)

Wilhelm Maxilian Wundt: o nascimento da psicologia científica ................. 15


(Ciência; psicologia; tradição)

132
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