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DESPERTANDO O OLHAR CIENTÍFICO

PARA O ESTUDO DA LÍNGUA MATERNA


Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Faculdade de Letras/UFMG

D468 Despertando o olhar científico para o estudo da língua materna /


organizadoras Mayara Nicolau de Paula e Ana Luiza de
Oliveira Melo. – Belo Horizonte : Editora FALE/UFMG, 2020.
61 p.

Inclui bibliografia.

ISBN: 978-65-87237-10-7.

Vários autores.

1. Língua portuguesa – Gramática – Estudo e ensino. 2.


Língua portuguesa – Gramática – Métodos de ensino. I. Paula,
Mayara Nicolau de. II. Melo, Ana Luiza de Oliveira. III. Título.

CDD : 469.507

1
Organizadoras

Mayara Nicolau de Paula


Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7319444862237756
E-mail: maynicolau@gmail.com

Ana Luiza de Oliveira Melo


Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4250613690464789
E-mail: oliveirameloanaluiza@gmail.com

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Sumário
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................5

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 7

CAPÍTULO 1 - DESCONSTRUINDO A GRAMÁTICA TRADICIONAL ....................................................................................9

Atividade 1 ............................................................................................................................................................... 10
O uso da crase - Ana Luísa Gonçalves, Daniel Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira,
Melina Gonçalves e Poliane Alves de Souza ..................................................................................................10
Atividade 2 .............................................................................................................................................................. 13
Formação de palavras - Aline Cristina Marques, Ana Luiza de Oliveira Melo, Gabriela Caroline Alves
Claudino, Sarah Teixeira da Silva ....................................................................................................................13
Atividade 3 .............................................................................................................................................................. 16
Concordância verbal e nominal - Amanda Noronha Oliveira, Élder Henrique Attala e Paiva, Gabriela
Berndt de Souza, Letícia Campos Silva ............................................................................................................16
Atividade 4 .............................................................................................................................................................. 19
Compreendendo a estrutura da oração e o uso da vírgula - Ana Luísa Gonçalves, Daniel
Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina e Poliane Alves de Souza ....................19
Atividade 5 ............................................................................................................................................................. 22
A estrutura da oração e o uso da vírgula - André Pinto, Bruna Tobias, Helena Alevato, Maria
Carolina, Paulina Praxedes .............................................................................................................................. 22
CAPÍTULO 2 - MOBILIZANDO CONSTITUINTES......................................................................................................... 25

Atividade 1 .............................................................................................................................................................. 26
Aplicando a identificação de constituintes na análise morfossintática e na leitura e produção de
textos - Amanda Noronha Oliveira, Élder Henrique Attala e Paiva, Gabriela Berndt de Souza, Letícia
Campos Silva ....................................................................................................................................................... 26
Atividade 2 .............................................................................................................................................................. 31
Os elementos mínimos da sentença - Alexandra Aparecida de Freitas Trindade Barbosa, Jhennifer
Vieira Rodrigues Pinto, Nayara de Almeida Faria, Rubens Rodrigues Viegas Junior. ..............................31
Atividade 3 ............................................................................................................................................................. 35
Investigando estruturas ambíguas - Amanda Noronha Oliveira, Élder Henrique Attala e Paiva ........ 35

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CAPÍTULO 3 - CONVERSANDO SOBRE VERBOS ...................................................................................................... 40

Atividade 1 ...............................................................................................................................................................41
O que é um verbo? - Gabriela Berndt de Souza e Letícia Campos ................................................................41
Atividade 2 ............................................................................................................................................................. 45
Formando orações: predicadores verbais e subordinação - Ana Luísa Gonçalves, Daniel Vasconcelos
Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves de Souza..... ...................45
Atividade 3 .............................................................................................................................................................48
Formando orações: período composto por coordenação - Ana Luísa Gonçalves, Daniel Vasconcelos
Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves de Souza ...................... 48
Atividade 4 .............................................................................................................................................................. 51
Formando orações: predicadores nominais - Ana Luiza de Oliveira Melo e Sarah Teixeira da Silva ...51
CAPÍTULO 4 - MANIPULANDO SENTIDOS ................................................................................................................ 55

Atividade 1 .............................................................................................................................................................. 56
Escolhas lexicais e efeitos de sentido em letras de música - Ana Luísa Gonçalves, Daniel
Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves de Souza
.................................................................................................................................................................................56
Atividade 2 ............................................................................................................................................................. 59
Escolhas lexicais e efeitos de sentido no texto jornalístico - André Pinto, Bruna Tobias, Helena
Alevato, Maria Carolina, Paulina Praxedes ..................................................................................................59
Atividade 3 ............................................................................................................................................................. 62
A escolha lexical e sua relação com o público-alvo - Aline Cristina Marques, Ana Luiza de Oliveira
Melo, Gabriela Caroline Alves Claudino, Sarah Teixeira da Silva ........................................................... 62
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ..................................................................................................................................67

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Apresentação

Este livro reúne parte das reflexões construídas no âmbito da disciplina GramáticaS na
escola, ministrada por mim no segundo semestre de 2019 no curso de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais. A proposta da referida disciplina nasce a partir de reflexões e
inquietações relativas à distância que existe entre os conhecimentos científicos desenvolvidos
no mundo acadêmico e a sala de aula de educação básica. Desse modo, me propus a ofertar
uma disciplina optativa cuja ementa girasse em torno de uma questão central: o ensino de
gramática.
Inspirada pela obra de Pilati (2017), vislumbrei um curso que fugisse dos moldes
tradicionais de uma sala de aula de graduação, onde existe apenas um protagonista que
assume o papel de detentor de todo o conhecimento. Desse modo, o curso foi pensado no
seguinte formato: uma parte inicial, que corresponde à carga horária de 30 horas, de aulas
teóricas que trabalharia conceitos básicos de linguística, teorias e algumas propostas para o
ensino de gramática. A segunda parte do curso, com uma carga horária também de 30 horas,
contaria com o protagonismo dos alunos e, assim como apresentado em Pilati (2017), seriam
elaboradas oficinas com temas previamente selecionados e com um objetivo principal:
relacionar de maneira concreta noções teóricas e procedimentos práticos em uma proposta
de aula direcionada à educação básica. Todo o conteúdo aqui apresentado é, portanto, fruto
de um trabalho conjunto entre os estudantes inscritos na disciplina e as reflexões teóricas
propostas por mim ao longo do semestre.
O ensino de língua portuguesa nas escolas brasileiras já tem sido pauta de trabalhos
anteriores, cito aqui apenas alguns, como o material organizado por Martins, Vieira e Tavares
(2014), os diversos trabalhos da professora Bortoni-Ricardo (2004, 2006 entre outros), Perini
(2006), Oliveira e Quarezemin (2016) e diversas outras contribuições importantes para a área.
Por mais que o tema já tenha sido amplamente trabalhado, as reflexões não se esgotam e se
fazem cada dia mais relevantes, especialmente mediante ao atual cenário de graves ataques à
educação em geral e à educação básica. Acredito que, por conta dessa relevância, a proposta
da disciplina despertou grande interesse por parte dos alunos da UFMG e a adesão ao pesado
cronograma de apresentações de trabalhos em forma de oficinas foi unânime, fazendo com
que fosse possível a organização do presente material.
Ao adentrar as salas de aula da grande maioria das escolas brasileiras, os estudantes
irão se deparar com um conjunto de normas e regras que supostamente compõem a língua
portuguesa, mas são muito distantes da realidade linguística que os cerca. Aliado a isso, os
professores também enfrentam uma série de dificuldades que vão desde problemas
estruturais das escolas até questões relativas à sua formação em cursos de licenciatura. O
quadro cria um cenário complexo para o ensino de língua materna no Brasil. Embora estivesse
consciente desses percalços, optei por não abordar diretamente essas questões neste livro.
Busco aqui, simplesmente, apresentar um caminho que foi construído coletivamente, dentre

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os muitos possíveis, e espero poder contribuir e expandir a reflexão sobre o ensino de
gramática.
Na esteira de autores como Pilati (2017), Oliveira e Quarezemin (2016) e Lobato (2015),
acredito que a combinação de conhecimentos teóricos com a prática didática seja o caminho
para começarmos a transformar a realidade do ensino. Foi isso que o curso se propôs a fazer:
mostrar para os graduandos que é possível levar as noções aprendidas no curso de graduação
para dentro da sala de aula, sem precisar que estudantes de nível básico dominem conceitos
da Teoria Gerativa ou da Sociolinguística, por exemplo.
Por fim, meu trabalho aqui foi o de simplesmente fazer uma pequena curadoria das
oficinas apresentadas no curso e colocá-las no formato de capítulos para o presente livro.
Assim como as atividades que foram pensadas de maneira coletiva, a organização desse
material não foi feita de maneira solitária. Contei com a extrema dedicação e trabalho duro da
Ana Luiza, aluna de iniciação científica voluntária que embarcou comigo nessa ideia sem nem
saber qual seria nosso destino final. O resultado que apresento a vocês é, portanto, uma
mostra do que é possível ser construído na sala de aula.

Mayara Nicolau de Paula1

1
Agradecemos a contribuição atenta e cuidadosa das pareceristas Prof° Doutora Patrícia Ferreira
Botelho e Prof° Doutora Juliana Barros Nespoli.

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Introdução

Optamos por trazer para esta discussão dois pilares teóricos para nortear as reflexões:
as assunções da Teoria Gerativa a respeito da natureza do conhecimento linguístico do ser
humano (CHOMSKY, 1986 e outras publicações posteriores) e a proposta de Chevallard (1991)
que trata especificamente da construção da ponte entre teoria e conteúdo a ser levado para
sala de aula.
As atividades aqui propostas partem de uma premissa básica sobre o conhecimento
gramatical: todo indivíduo é detentor de um conhecimento gramatical de natureza biológica
adquirido de maneira inata e espontânea ao longo da infância. Isso significa dizer que os
alunos entram na escola com um repertório linguístico muito vasto e complexo e o ensino de
língua materna deveria levar em conta esse conhecimento. Não vamos desenvolver conceitos
teóricos aqui, mas uma lista com referências sobre o tema pode ser encontrada ao final do
livro.
No âmbito do projeto de pesquisa: “Reflexões sobre o ensino de gramática:
transposição didática e a aproximação da teoria com a escola” coordenado pela professora
Mayara Nicolau de Paula, são utilizadas três noções importantes adaptadas de Chevallard que
giram em torno do que o autor denomina “objetos de saber” e elas foram aplicadas de maneira
analítica a cada uma das atividades propostas nos capítulos deste livro.
A primeira noção é o que chamamos de conhecimento linguístico. Ela engloba
objetos concretamente reconhecíveis no contexto escolar de uma aula de gramática, tais
como: classes de palavras, funções sintáticas, organização do período. A segunda noção é
chamada de conhecimento paralinguístico e não trata de objetos necessariamente
concretos presentes no contexto do ensino básico. Noções paralinguísticas são saberes
auxiliares que se dividem em duas grandes áreas: (i) saberes que competem ao aluno e (ii)
saberes que competem ao professor. No caso dos saberes ligados ao aluno, podemos pensar
no conhecimento gramatical inato que os alunos detêm, por exemplo: consciência de que a
língua se divide em categorias e o sistema se organiza em torno das oposições. Esse é um tipo
de saber que deve ser ativado nas aulas de gramática, mas não será tema de nenhuma aula
da educação básica. Relativamente aos saberes auxiliares por parte dos professores,
acreditamos que conhecimentos teóricos trabalhados no ensino superior podem ser
necessários na sala de aula. Então, se o professor domina um tema da área da sintaxe em
níveis mais profundos, por exemplo, a aula pode se desenvolver de modo mais produtivo. Por
fim, o conhecimento protolinguístico gira em torno de noções mais implícitas que definimos
como ligadas à capacidade do aprendiz de manipular o conhecimento a que ele é exposto. O
desenvolvimento de habilidades de produção de texto, compreensão e interpretação de
enunciados, enfim, todo o saber que advém inicialmente do conhecimento de mundo dos
alunos e é desenvolvido no processo escolar. A gradual elaboração de conhecimentos de
natureza protolinguística é, portanto, um dos objetivos últimos do processo escolar. É essa

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habilidade de ativar um complexo repertório linguístico e social que será cobrada em
avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio.
A teoria da transposição didática vai nos orientar sobre como olhamos para o processo
de ensino-aprendizagem e qual o papel que cada participante desse processo deve assumir
na construção de um objeto de saber. Além disso, é imprescindível que as elaborações estejam
alinhadas ao que propõe a Base Nacional Comum Curricular, documento que baliza os
parâmetros para o ensino atualmente.
Os capítulos do nosso livro são divididos em propostas de atividades e cada uma delas
está organizada nas seguintes seções: (i) Experiência linguística - onde apresentamos a
proposta e uma pequena sensibilização que coloca o aluno em contato concreto com dados
da língua; (ii) Reflexões gramaticais - momento da análise crítica dos dados, formulação de
hipóteses e confronto com a gramática normativa; (iii) Consolidando as reflexões - aqui entram
as atividades que permitem avaliar como as discussões foram incorporadas pelos alunos e,
por fim, (iv) Análise - nessa seção fazemos uma breve discriminação dos níveis de
conhecimento linguístico ativados com base na transposição didática.

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Capítulo 1 - Desconstruindo a gramática tradicional

Neste capítulo, apresentamos atividades que buscam aplicar uma visão reflexiva a
conteúdos tipicamente tradicionais, demonstrando como é possível instigar a adoção de uma
postura científica por parte dos alunos que permita a tomada de consciência acerca do seu
objeto de estudo, mesmo ao lidar com convenções da norma padrão.
As atividades aqui propostas buscam identificar os padrões e regularidades que regem
o funcionamento da língua portuguesa enquanto um sistema, por meio da construção de
gramáticas e da comparação entre as diferentes variedades da língua. Mas por que os alunos
adotariam uma postura diferente diante de tópicos como o uso da crase, a derivação por meio
de afixos e a concordância nominal e verbal? Acreditamos que, ao inserirmos o português
falado pelos alunos à equação, a perspectiva científica pela qual pretendemos analisar a língua
ficará mais evidente, despertando sua postura crítica diante de um objeto que dominam e que
está presente em seu cotidiano. Buscamos, portanto, estimular o confronto entre aquilo que
é efetivamente praticado pelos falantes e aquilo que é prescrito pela norma padrão, levando
à construção de uma gramática contrastiva entre as diferentes variedades da língua.

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Atividade 1
O uso da crase - Ana Luísa Gonçalves, Daniel Vasconcelos Resende, João Renato
Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves de Souza

Público-alvo: 3º ano do Ensino Médio

A ocorrência de crase costuma gerar muitas dúvidas nos alunos. Isso pode ser
explicado pela ausência de correspondência entre a língua escrita e a língua falada. No caso
da crase, é importante conhecer as regências de acordo com a norma padrão, que podem ser
distintas em uma variedade informal. Por exemplo, o verbo “ir”, que pode ser usado com a
preposição ‘a’ ou com a preposição ‘em’. Uma das inovações aqui proposta, portanto, é partir
do conhecimento prévio dos estudantes, mostrando como eles possuem uma intuição quanto
ao uso de preposições após determinados verbos e substantivos, ainda que por vezes a
preposição intuída seja distinta daquela proposta pela norma padrão.
Esperamos que os alunos entendam o fenômeno representado pelo acento da crase e
se familiarizem com nomes e verbos que exigem a preposição ‘a’ na norma padrão. Além disso,
almejamos incentivar os estudantes a se colocarem na posição de conhecedores e
investigadores da própria língua, na medida em que são capazes de identificar as regras que
compõem o sistema linguístico.

Experiência linguística

Em um primeiro momento, as seguintes frases são apresentadas aos alunos que, em


grupos de três, devem analisar como se dá a complementação dos verbos em cada caso. Existe
alguma semelhança entre os diferentes complementos verbais? Que fenômenos os alunos
observam?

(1) Eu vou ao teatro.


(2) Ele vai à padaria.
(3) Posso ir no banheiro?
(4) Mostrou a menina.
(5) Mostrou à menina o irmão.
(6) Ele ficou próximo à janela.
(7) Ele ficou próximo da janela.
(8) Eu sou favorável para a votação.
(9) Eu sou favorável à votação.
(10) Chego ao trabalho às 7 horas.
(11) Chego no trabalho às 7 horas.

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Nesse momento, os alunos atuarão como linguistas, analisando os dados apresentados
em busca de padrões dentro da língua. Os alunos podem concluir, com base no corpus, que
existem complementos com preposição, como em (1), (2) e (3), e sem preposição como em (4)
e (10), podem concluir que alguns verbos aceitam os dois tipos de complemento, como em
(5) ou em (10) e (11) e ainda que alguns verbos podem apresentar regências diferentes, a
depender do tipo de registro considerado como a variedade coloquial em (3) ou a norma
padrão em (1) e (2). É importante que os alunos tenham espaço para tirarem suas próprias
conclusões acerca daquilo que observam e que compartilhem suas conclusões com a turma,
permitindo que o professor entre no momento da reflexão coletiva, atuando apenas como
mediador. O professor deve usar esse momento inicial como uma forma de avaliação dos
conhecimentos prévios da turma no que diz respeito ao tema e mapear as dificuldades que
ficarem mais evidentes nos momentos de debate.

Reflexões gramaticais

Com base na sistematização proposta pelos alunos, o professor deve então perguntar
como os alunos observam o fenômeno da crase. Em qual categoria de complemento a crase
se enquadra? Esse é o momento de aproximar a crase de exemplos como (3) e (7). O professor
guiará as reflexões buscando alcançar dois pontos principais: (a) alguns verbos requerem a
presença de uma preposição devido à sua regência - e que essa regência faz parte da intuição
dos falantes de português brasileiro, (b) essas preposições podem se combinar com outras
classes gramaticais, como os artigos, conforme observado nos exemplos analisados. A crase
é, portanto, um sinal que indica a combinação de duas letras iguais em grafia, porém distintas
em função gramatical, a preposição “a” requerida pela regência de um verbo e o artigo “a”
que acompanha o complemento que se segue a essa preposição. Sua origem fica evidente
pelo confronto dos exemplos (1) e (2).
Após essas reflexões, os alunos devem então, junto com o professor, construir uma
gramática (uma lista de padrões de regularidades) que explique o corpus analisado,
contemplando as diferentes regências verbais bem como o uso da crase nesse contexto. Em
seguida, o professor pode apresentar a crase sob a ótica da gramática normativa, analisando
com os alunos as situações contempladas pela norma padrão e como a nova gramática
construída se aproxima ou difere do que prevê o livro texto.

Consolidando as reflexões

Os alunos devem coletar exemplos do seu cotidiano, seja em textos de revistas,


publicações de redes sociais, cartazes publicitários etc, que apresentem situações semelhantes
de complementos verbais preposicionados combinados a outras classes gramaticais, com pelo
menos um exemplo de crase. Os alunos devem identificar o verbo e sua regência conforme
apresentado no exemplo e considerar outras possíveis regências para este verbo elencando
as situações nas quais ocorrem tais regências.

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Análise

Espera-se com essa atividade que os alunos sejam capazes de entender o fenômeno
que origina o acento crase, eliminando a necessidade de memorização de regras e permitindo
que o aluno analise criticamente não só a gramática normativa, mas como os fenômenos
discutidos em sala de aula se fazem presentes na língua cotidiana. Conforme previsto pela
teoria da transposição didática de Chevallard (1991), essa atividade apresenta a crase
enquanto objeto palpável para o aluno, considerada enquanto noção linguística. No entanto,
a reflexão gramatical permite acionar conhecimentos paralinguísticos, como a seleção de
argumentos por um predicador verbal, que permite que o aluno entenda a crase não apenas
como um acento, mas como um fenômeno relacionado à preposição requerida por um dado
predicador verbal. O nível protolinguístico é acionado como consequência da ativação destes
conhecimentos tácitos, que permitem ao aluno reconhecer conscientemente as ocasiões de
aplicação do conhecimento que é acionado de modo inconsciente pelo uso da língua.

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Atividade 2
Formação de palavras - Aline Cristina Marques, Ana Luiza de Oliveira Melo, Gabriela
Caroline Alves Claudino, Sarah Teixeira da Silva

Público-alvo: 8º do Ensino Fundamental

Essa atividade tem como objetivo conscientizar os alunos acerca dos elementos que
se articulam dentro das palavras e que colaboram para a construção do seu sentido. Os alunos
poderão usar seus conhecimentos tácitos acerca da formação de novas palavras para
manipular as unidades mínimas de modo a analisar as diversas combinações possíveis por
meio da sua movimentação.
Propomos inovar a metodologia tradicional ao levar para sala de aula os processos
atuais de formação de palavras como: twittar, googlar, blogueira, x-tudo, etc. Ao expandir os
exemplos para além dos clássicos da gramática tradicional, pretendemos mostrar que,
constantemente, os alunos formam novas palavras sem perceber que existe uma lógica nessa
formação. Esperamos que os alunos percebam que os neologismos surgem de uma base de
itens do léxico e que existem regras que o aluno manipula intuitivamente ao se confrontar
com palavras recém-criadas ou desconhecidas.

Experiência linguística

Os alunos devem ser divididos em grupos de quatro. Cada grupo recebe uma caixa
com afixos, um dado e um tabuleiro contendo palavras. O objetivo é que os alunos construam
novas palavras a partir da combinação dos seus afixos com as palavras do tabuleiro. Eles
podem separar essas palavras entre: palavras inexistentes, palavras que eles acreditam serem
possíveis de se construir no português e palavras que eles sabem que existem.

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O professor deve pedir que cada grupo compartilhe as palavras que formou e as
categorias nas quais elas foram encaixadas. Essas palavras serão organizadas no quadro. O
professor pergunta então (i) qual critério foi usado para construir essas palavras? (ii) as novas
palavras formadas apresentam sentido diferente das palavras presentes no tabuleiro do jogo?
Durante esse momento de discussão oral, o professor deve mapear o grau de intimidade que
os alunos têm com a nomenclatura relacionada à área e avaliar os conhecimentos que a turma
consegue elaborar e aqueles em que apresentam mais dificuldades ou um nível de
desconhecimento.

Reflexões gramaticais

Os alunos devem então atribuir significados para esses afixos com base nas palavras
que formaram. Que outras palavras não listadas eles conhecem com esses afixos? Nessas
outras palavras os afixos também possuem os sentidos propostos pelos alunos?
Professor e alunos definem, em conjunto, os sentidos que cada afixo possui de acordo
com a amostra analisada. O professor pode explorar a lista de palavras propostas pelos alunos
mas que não são usadas no português brasileiro devido às convenções da língua, seria possível
propor um sentido para as palavras que não existem apenas com base nos elementos que as
constituem? Neste momento o professor pode consultar o dicionário ou a gramática
normativa com os alunos para apresentar como os manuais de descrição da norma padrão

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abordam tais definições. Os alunos concordam com o que está nos livros? Quais usos deixaram
de ser contemplados pelo padrão?
O fenômeno analisado é a derivação que pode ocorrer pela inserção de prefixos ou de
sufixos a palavras já existentes na língua. Que outras palavras vocês conhecem que surgiram
por meio da derivação? Os alunos podem explorar palavras do seu próprio léxico ou ainda
usar o dicionário e a gramática para experimentar com as listas de prefixos e sufixos neles
sistematizados. Neste momento o professor consegue verificar a compreensão dos alunos
sobre os limites entre radicais e afixos e como estes podem se combinar juntos ou
separadamente para criar novas palavras.
A atividade pode ainda se estender, permitindo que os alunos analisem criticamente
as categorias derivacionais propostas pela gramática tradicional, agrupando palavras
compostas e neologismos que encontrarem ao longo do ano e buscando encaixá-los nessas
categorias. Quando a palavra não se encaixar nos processos padrões de derivação, o aluno
deve propor uma nova categoria e explicar os elementos e sentidos que se articulam neste
neologismo. A possibilidade de o aluno propor categorias é um exercício importante de
autonomia linguística e recuperação de uma intuição de falante nativo muitas vezes abalada
pela pressão normativa.

Consolidando as reflexões

Os alunos devem realizar a leitura do texto Substância, de Guimarães Rosa,


identificando os elementos mínimos que constituem alguns dos neologismos criados pelo
autor. Com base nas unidades mínimas, devem explicar o sentido dos neologismos. Em
seguida, devem encontrar exemplos de derivação ou neologismos presentes em seu dia a dia,
explicando os elementos que os constituem e o novo sentido adquirido por meio da junção
de novos afixos e radicais.

Análise

A atividade proposta considera, enquanto noção linguística, a derivação por meio da


prefixação e da sufixação e mobiliza, no nível paralinguístico, os conceitos de morfe e
morfema. A mobilização de tais conceitos permite atingir, no nível protolinguístico, a
consciência acerca das unidades mínimas que formam vocábulos no português brasileiro e
sua identificação mesmo frente a palavras desconhecidas. Espera-se que as reflexões
propostas ajudem os alunos a refletir criticamente quando confrontados com novos termos e
expressões, seja na educação formal ou em seu cotidiano.

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Atividade 3
Concordância verbal e nominal - Amanda Noronha Oliveira, Élder Henrique Attala e Paiva,
Gabriela Berndt de Sou za, Letícia Campos Silva

Público-alvo: 1º ano do Ensino Médio

Por meio dessa atividade, esperamos demonstrar que existem diferentes padrões de
concordância verbal e nominal dentro da língua portuguesa. Por meio do contato com
estruturas do português brasileiro coloquial e da forma padrão da língua, os alunos serão
capazes de traçar as regras que regem cada padrão de concordância, refletindo sobre quando
cada um será mais adequado.
Essa atividade é importante para a reformulação dos conceitos de certo e errado
dentro da língua, demonstrando que todas as formas legitimadas por seus falantes seguem
princípios pré-determinados. Esperamos que, após essa atividade, os alunos sejam capazes de
reconhecer as leis que determinam os diferentes padrões de concordância e que tenham uma
ideia mais ampla sobre o que é gramática. Essa atividade abre uma boa oportunidade para
que discussões relativas à variação e preconceito linguístico sejam desenvolvidas.

Experiência linguística

O professor deve indicar, no quadro, uma lista de sentenças (propostas abaixo em


Atividade 1 e Atividade 2) contendo tanto exemplos agramaticais quanto exemplos de
variação de concordância verbal e nominal no português brasileiro (PB) e pedir que os alunos
indiquem quais dessas sentenças não podem ocorrer no PB. O que causa estranhamento nas
sentenças avaliadas como agramaticais (impossíveis de ocorrerem no PB)? Em quais contextos
de comunicação é mais provável que certos exemplos sejam encontrados, mas não outros?

Atividade 1
(1) [As pessoas bonitas]SN gostam de comer pão de queijo.
(2) [As pessoas bonita]SN gostam de comer pão de queijo.
(3) [As pessoa bonita]SN gostam de comer pão de queijo.
(4) *[A pessoas bonitas]SN gostam de comer pão de queijo.
(5) *[A pessoa bonitas]SN gostam de comer pão de queijo.
(6) *[As pessoa bonitas]SN gostam de comer pão de queijo.
(7) [A cadeira macia]SN quebrou.
(8) *[O cadeira macio]SN quebrou.

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Atividade 2
(1) Eu bebi o refrigerante daquela geladeira.
(2) Você bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(3) Ele bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(4) A gente bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(5) Nós bebemos o refrigerante daquela na geladeira.
(6) Nós bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(7) Vocês beberam o refrigerante daquela geladeira.
(8) Vocês bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(9) Eles beberam o refrigerante daquela geladeira.
(10) Eles bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(11) *Eu bebeu o refrigerante daquela geladeira.
(12) *A gente bebi o refrigerante daquela geladeira.
(13) *Nós beberam o refrigerante daquela geladeira.
(14) *A gente beberam o refrigerante daquela geladeira.

Reflexões gramaticais

Os estudantes devem ser levados a perceber que existe concordância de gênero e de


número entre os nomes, e de número e pessoa nos verbos. Além disso, devem notar que
existem padrões (regras) que regem essa concordância, que nunca é aleatória. Em última
instância, os alunos devem perceber que o reconhecimento dos padrões de concordância é
uma habilidade que eles já possuem e aplicam o tempo todo independentemente do domínio
das normas da gramática normativa. Com base nos exemplos apresentados, os alunos podem
sistematizar as regras de concordância e marcação de número encontradas para o PB, a saber:
(i) todos os elementos de um sintagma nominal devem concordar em gênero com o
núcleo desse sintagma;
(ii) dentro do sintagma nominal é possível haver variação na marcação de número,
sendo aceitável tanto que todos os elementos concordem com o núcleo (norma padrão) ou
que a marcação de número seja feita somente à esquerda (as pessoa bonita), mas não apenas
no elemento à direita (a pessoa bonitas) e nem interpolada (as pessoa bonitas);
(iii) um verbo deve sempre concordar com o seu sujeito, mas existem diferentes
paradigmas de concordância verbal possíveis no português brasileiro.
Os estudantes deverão desenvolver, em grupo, um esquema explicitando as regras de
concordância verbal e nominal do português. A elaboração de uma tabela, contendo o
paradigma de concordância verbal característico do idioleto de cada aluno também pode ser
útil. O material produzido será afixado em um mural, organizado em sala, a fim de que todos
os grupos possam discutir os resultados obtidos além de entrar em contato com diferentes
maneiras de se organizarem as ideias. Ao final dessa etapa de reflexão, o professor terá uma
boa noção de como os conhecimentos prévios e possíveis equívocos, advindos do senso

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comum, estão postos na cabeça dos estudantes e poderá desenvolver um trabalho mais bem
direcionado.

Consolidando as reflexões

Nessa etapa, propõe-se o trabalho com textos orais e escritos, desenvolvido da


seguinte maneira: (1) apresentar um texto de circulação comum (uma reportagem curta, por
exemplo) e pedir aos alunos que identifiquem as marcações de concordância; (2)
paralelamente a essa análise, exibir um material audiovisual em que se observe um contexto
mais informal de comunicação (entrevistas, vlogs, podcasts, etc). Durante a análise desse
material, o professor deve observar com os alunos como a concordância entre os elementos
das sentenças se estabelece. Que diferenças estruturais são distinguíveis entre o texto escrito
e o texto oral? É importante sempre motivar a reflexão acerca dos diferentes contextos
comunicativos e como a língua se modifica em cada um deles.

Análise

Ao manipular as unidades que se articulam na sentença e a concordância que elas


desencadeiam, a atividade apresenta a concordância nominal e verbal no nível das noções
linguísticas, que ativa no nível paralinguístico a noção de constituinte bem como a noção de
alomorfia para os novos paradigmas de concordância verbal. No nível protolinguístico, a
atividade mobiliza os diferentes padrões de concordância e as variedades linguísticas a eles
associadas. Cabe aqui uma reflexão guiada pelo professor sobre a avaliação social que
determinadas formas linguísticas recebem e o peso que alguns estigmas colocam sobre um
determinado grupo de falantes.

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Atividade 4
Compreendendo a estrutura da oração e o uso da vírgula - Ana Luísa Gonçalves, Daniel
Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina e Poliane Alves de Souza

Público-alvo: 5º ano do Ensino Fundamental

A vírgula é um dos temas mais difíceis de serem abordados em sala de aula devido à
imprecisão da gramática normativa em relação ao seu uso, sendo fonte de muita confusão
entre os alunos. No texto da norma, a vírgula é abordada como a representação de uma
parada da fala ou como a representação do silêncio, ignorando-se que, na verdade, a vírgula
possui uma função sintática. Essa atividade pretende desvincular a relação entre vírgula e som,
demonstrando seu uso na explicitação das relações sintagmáticas dentro de uma oração,
evidenciando sua função estrutural.

Experiência linguística

O professor deve apresentar algumas orações aos alunos e pedir que identifiquem seus
constituintes. Como podemos reconhecer as unidades mínimas que se movimentam na
sentença? O professor pode retomar alguns testes de constituintes simples como a
topicalização, os elementos que se deslocam em conjunto formam um constituinte, e os
fragmentos de sentença, “quem?”, “o que?”, “onde?”, as respostas a essas perguntas
representam constituintes. É importante que o professor retome brevemente como realizar a
análise sintática de uma sentença, para que os alunos possam dividir os constituintes por meio
de cores diferentes de acordo com sua função sintática: sujeito com uma cor, o verbo com
outra etc. Dando destaque às funções de sujeito, verbo, objeto e adjunto, deve-se perguntar
aos alunos: Qual a ordem mais frequente dos elementos na sentença? Essa ordem pode ser
alterada? Exemplo:

A Maria foi à praia.


A Maria foi à praia no domingo.
No domingo, a Maria foi à praia.
*A Maria, foi à praia.
Foi a Maria quem foi à praia.
Foi à praia, no domingo, a Maria.

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Reflexões linguísticas

O professor deve propor que os alunos pensem em novas formas de expandir essas
sentenças e também de reorganizá-las por meio do embaralhamento de constituintes. Como
podemos dar ênfase a determinados elementos da oração? Onde deveríamos usar a vírgula
nas novas orações propostas? Como exemplo:

A Maria, minha vizinha, foi à praia.

A reflexão deve ser guiada de modo a evidenciar o uso da vírgula na representação da


quebra da ordem direta da oração, seja pela alteração na ordem de seus elementos ou pela
inserção de um elemento explicativo. Para evidenciar essa estrutura, os alunos podem segurar
bambolês, já que a utilização de elementos concretos pode ter grande valia na apreensão de
alguns conteúdos, cada um representando um dos constituintes da sentença. Os alunos são
dispostos na frente da sala segundo a ordem direta da sentença, sendo, em seguida,
exploradas as diferentes ordenações e a necessidade ou não de se colocar a vírgula nas novas
sentenças formadas. Dois alunos devem representar as vírgulas e se deslocar entre os
elementos segundo as sugestões da turma. Após a discussão, deve-se entrar em consenso
sobre onde a vírgula deve ser posta e porquê.

Na sequência da reflexão, o professor deve pegar um dicionário ou gramática e discutir com


os alunos a definição apresentada para a vírgula:

(vír.gu.la)
sf.
1. Gram. Sinal (,) us. na escrita para indicar uma pequena pausa entre os termos da oração.

Fonte: <http://www.aulete.com.br/v%C3%ADrgula.>
Acesso em outubro/2019

A definição formal de vírgula contempla os fenômenos descritos?

20
Consolidando as reflexões

Os alunos devem então ver um pequeno vídeo e transcrever seu conteúdo marcando
as pausas advindas da oralidade. Após a transcrição, as orações estruturadas segundo a língua
falada devem ser transformadas para se adequarem ao texto escrito. Existe alguma relação
entre a pausa oral e as vírgulas sintáticas utilizadas na escrita? Espera-se que, por meio dessa
atividade, os alunos possam reconhecer a diferença entre a pausa sonora e a vírgula escrita.

Análise

Esta atividade pretende desfazer o equívoco causado pela definição formal e pelo
senso comum de que a vírgula é uma pequena pausa, ou que a vírgula representa a pausa
para a respiração. A noção linguística do uso da vírgula é abordada sob a luz da relação
sintagmática entre os elementos da oração no nível paralinguístico, permitindo a atribuição
de uma “motivação sintática” para a vírgula. A compreensão da relação entre as funções
sintáticas e sua ordem na sentença, bem como entre a vírgula e a quebra dessa ordem
permitem, no nível protolinguístico, a manipulação da estrutura hierárquica que rege a
produção de sentenças dentro de uma língua.

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Atividade 5
A estrutura da oração e o uso da vírgula - André Pinto, Bruna Tobias, Helena Alevato,
Maria Carolina, Paulina Praxedes

Público-alvo: 1º ano do Ensino Médio

Durante a produção de textos escritos, os falantes de PB nem sempre têm consciência


acerca dos fenômenos que nos levam a optar ou não pelo uso da vírgula. Por se tratar de um
sinal gráfico da língua escrita, a associação entre a vírgula e propriedades prosódicas é
infrutífera e acaba por gerar ainda mais confusão acerca do seu uso. A presente atividade
busca evidenciar as propriedades sintáticas da vírgula, permitindo que os alunos ganhem
consciência para identificar as situações nas quais o emprego da vírgula se faz necessário ou
não.

Experiência linguística

O professor deve dar sentenças aos alunos e pedir que eles coloquem a vírgula onde
acreditam ser necessário. Como exemplo:

1. João era solteiro vivia só e era feliz.


2. O tempo nosso inimigo escapa por entre os dedos.
3. Comece José a comer aveia todos os dias.
4. Comemos maçãs peras cajus e bananas.
5. Ele cheio de tristeza chorou a morte da sua avó.
6. Não há portanto razão para ter medo.
7. Ela se rebelou isto é brigou com seus pais.
8. Felizmente consegui ir bem na prova.
9. Trabalhos mais importantes já os apresentei.
10. Barcelona 07 de novembro de 2019.

Em seguida, o professor deve apresentar o conceito equivocado de que a vírgula


possui função prosódica. Tal discussão pode ser motivada por um meme ou pela definição de
vírgula segundo a norma.

22
Fonte: <http://www.naoentreaki.com.br/1746110-ta-quentinho.htm.>
Acesso em outubro/2019

O que motivou a opção dos alunos por colocar ou não a vírgula nas orações? As
vírgulas postas têm relação com a pausa para respirar?

Reflexões gramaticais

Os alunos devem organizar as sentenças de acordo com as motivações que levaram


ao uso da vírgula em cada uma. O professor pode apresentar as categorias de antemão,
pedindo que os alunos as reconheçam nas sentenças, ou pedir que especulem os motivos
primeiro para, em seguida, apresentar as motivações sintáticas para o uso da vírgula:

1) Indicar a ruptura da ordem direta (SVO), termos inseridos, termos topicalizados ou


retirada dos verbos.
2) Separar termos explicativos, ou seja, uma oração adjetiva ou um aposto.
3) Separar termos de mesma função sintática: enumerações e orações coordenadas.

Consolidando as reflexões

Buscando exercitar as reflexões acerca do uso sintático da vírgula, o professor deve


apresentar aos alunos orações selecionadas de um texto, para que possam analisar e discutir
juntos seus diferentes contextos de uso. Em seguida, propor aos alunos a divisão das orações
em constituintes, para que façam o manuseio desses constituintes de diferentes modos, a fim
de evidenciar a quebra da estrutura hierárquica e seus efeitos de sentido, com a finalidade de
conduzir os alunos a perceber a intencionalidade e função da vírgula na estrutura da oração.

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Análise

Esta atividade tem por objetivo romper com o senso comum de que a vírgula
representa a pausa para a respiração. A atividade busca discutir a noção linguística da vírgula
por meio das motivações sintáticas para seu uso, articulando no nível paralinguístico a ordem
direta, sujeito, verbo e objeto, mais objetiva e natural das orações de uma língua. No nível
protolinguístico, articula-se a noção da estrutura hierárquica que guia as sentenças do PB e
sua representação, levando à subversão da representação linear do texto escrito.

24
Capítulo 2 - Mobilizando constituintes

Ao iniciarmos os estudos linguísticos em nível superior somos apresentados ao


conceito de constituinte e aos diferentes tipos de sintagmas que podem ser articulados para
formação desses constituintes. Entender as relações estabelecidas entre as unidades mínimas
da sentença não depende de se saber o que é um constituinte, afinal de contas, alunos do
ensino fundamental e médio seguem estudando essas relações sem nunca terem contato com
o termo. A mobilização consciente dos constituintes, no entanto, pode ajudar os alunos a
olharem mais criticamente para suas escolhas enquanto falantes e facilitar a análise desses
elementos na sentença.
Nesse contexto, a famigerada análise sintática ganharia uma nova abordagem, na qual
analisamos criticamente quais são os elementos mínimos da sentença a partir da intuição do
falante, como podemos identificá-los com o auxílio de testes e como eles são organizados na
sentença. Com as atividades apresentadas neste capítulo, buscamos evidenciar os mecanismos
que afetam o julgamento de sentenças como gramaticais ou agramaticais com base na
estrutura dos constituintes, como a organização das sentenças pode causar ambiguidade e
ajudar os alunos a perceberem os aspectos que guiam suas escolhas enquanto falantes.

25
Atividade 1
Aplicando a identificação de constituintes na análise morfossintática e na leitura e
p r o d u ç ã o d e t e x t o s - Am a n d a N o r o n h a O l i v e i r a , É l d e r H e n r i q u e A t t a l a e P a i v a , G a b r i e l a
Berndt de Souza, Letícia Cam pos Silva

Público-alvo: 3º ano do ensino médio

A presente atividade tem como objetivos: (i) revisar os conhecimentos sobre análise
das funções sintáticas a partir da identificação de constituintes e (ii) promover o
desenvolvimento de habilidades de interpretação e produção textual críticas por meio de
discussões sobre as nuances de sentido associadas a diferentes organizações dos constituintes
de uma oração. Para o bom desenvolvimento desta proposta, espera-se que os alunos já
tenham conhecimentos prévios dos anos anteriores sobre funções sintáticas e análise
morfossintática. Apesar de os conhecimentos prévios serem tomados como certos,
recomendamos que o professor faça uma pequena revisão selecionando conceitos centrais e
esclarecendo dúvidas e noções equivocadas.
A inovação central aqui é construir junto com os alunos a noção de função sintática a
partir do conceito de constituinte e não da nomenclatura tradicional. Esperamos que, ao final,
a concretização do conhecimento estrutural das sentenças, que todos nós já dominamos,
esteja acessível e o aluno seja capaz de reconhecer as relações sintáticas que se apresentam
na língua e o que está por trás delas.

Experiência Linguística

Com o intuito de instigar a reflexão, o professor iniciará um exercício, no quadro, em


que frases gramaticalmente estruturadas serão contrastadas com exemplos agramaticais,
indagando aos estudantes acerca das possíveis motivações que fazem com que em alguns
casos a oração seja compreensível e, em outros, seja pouco compreensível ou mesmo
completamente agramatical. É importante que se atente também para o fato de que existe um
arranjo entre os componentes da oração e uma ordem básica (SVO) de disposição estrutural.
Nesse momento da oficina, o principal objetivo é fazer com que os alunos possam identificar
os constituintes e entender de que maneira as orações se organizam em função dessas
estruturas para, então, aplicar tais conhecimentos na análise morfossintática.
Algumas das atividades propostas foram baseadas em Kennedy (2015). Na Atividade
1, o professor apresentará alguns exemplos de sentenças no quadro e deverá solicitar que os
alunos façam as substituições correspondentes. Ou seja, que troquem os substantivos
encontrados nas frases pelos pronomes substantivos adequados, realizando o Teste da
pronominalização. Dada a agramaticalidade das sentenças formadas após a substituição, os
alunos deverão então reformular as sentenças, de modo que as substituições resultem em

26
sentenças possíveis no português. Realizadas as mudanças apropriadas, o professor
demonstrará aos alunos que as unidades substituídas constituem os sintagmas (ou
constituintes) formadores da oração e então pedirá que indiquem as funções sintáticas
desempenhadas por essas unidades:

a. A partir da definição da Gramática Tradicional de que os pronomes substantivos são


elementos que podem substituir substantivos, pedir aos alunos que realizem as seguintes
substituições nas sentenças abaixo. Isto é, que substituam os substantivos primas, Pedro, José
e amigos pelos pronomes pessoais correspondentes.

A1. As primas do Pedro não gostam do José.


* As elas do Pedro não gostam do José.
* As primas de o ele não gostam do José.
* As primas do Pedro não gostam de o ele.

A2. Os amigos do José viram o Pedro ontem.


* Os eles do José viram o Pedro ontem.
* Os amigos de o ele viram o Pedro ontem.
* Os amigos do José viram o o ontem.
* Os amigos do José viram o ele ontem.

b. Em seguida, os estudantes devem realizar as substituições de maneira a formar


sentenças possíveis no português.

B1. As primas do Pedro não gostam do José.


Elas não gostam do José.
As primas dele não gostam do José.
As primas do Pedro não gostam dele.

B2. Os amigos do José viram o Pedro ontem.


Eles viram o Pedro ontem.
Os amigos dele viram o Pedro ontem.
Os amigos do José viram-no ontem.
Os amigos do José viram ele ontem.

c. O professor deve, então, mostrar aos alunos que as unidades substituídas pelos
pronomes constituem sintagmas (ou constituintes). Reflexão: dados os exemplos
apresentados acima, como definir o que são os pronomes substantivos? O que é um
constituinte?

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C1. SN[As primas SP[dSN[o Pedro]] não gostam SP[dSN[o José]].
C2. SN[Os amigos SP[dSN[o José]] viram SN[o Pedro] ontem.

d. Demonstrar que são essas unidades, denominadas constituintes, que estão


associadas às funções sintáticas de uma oração (sujeito, objeto, adjunto, etc.). Pedir que os
alunos, então, classifiquem as funções sintáticas dos termos identificados como constituintes.
Reflexão: o que é uma função sintática?

D1. As primas do Pedro não gostam do José.


As primas do Pedro = sujeito
do Pedro = adjunto adnominal
do José = objeto indireto

D2. Os amigos do José viram o Pedro ontem.


Os amigos do José = sujeito
do José = adjunto adnominal
o Pedro = objeto direto

Reflexões gramaticais

A Atividade 2 atuará de maneira complementar à Atividade 1, trabalhando um segundo


teste de identificação de constituintes, o deslocamento, tendo em vista as limitações que
alguns testes apresentam em relação a certos tipos de constituintes e também a possibilidade
de direcionamento das análises para a aplicação dos conhecimentos em textos. O objetivo
principal é salientar que, embora exista uma ordem canônica SVO no português, alguns
elementos apresentam certa mobilidade linear na oração, mas que a movimentação só pode
acontecer respeitando-se os limites das unidades identificadas como constituintes. Assim, a
Atividade 2 será executada em 4 etapas.

2.1 Para esses fins, na primeira etapa da atividade, as seguintes sentenças serão
apresentadas no quadro:

1.O Pedro comprou o bolo de chocolate ontem.


2.A Luiza é inocente verdadeiramente.
3.Os amigos foram para o cinema no centro da cidade.
4.Minha mãe assou um bolo de chocolate muito gostoso.
5.A Francisca comprou blocos de borracha para o meu filho mais novo.

2.2 O professor deve, então, dividir a turma em cinco grupos e atribuir uma sentença
para cada grupo.

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2.3 Estabelecidos os grupos e as sentenças, os alunos devem:
(i) Testar as diferentes ordenações possíveis em cada sentença, contrastando com
aquelas que não são possíveis. Discutir o porquê de, em alguns casos, a mobilidade gerar
sentenças agramaticais.
(ii) Discutir os efeitos de sentido produzidos por cada ordenação.
(iii) Identificar os constituintes a partir tanto do deslocamento como da
pronominalização.
(iv) Indicar qual a função sintática desempenhada pelos constituintes identificados,
quando possível.

2.4 O professor distribuirá folhas de ofício A4 coloridas para os grupos, para que então
os alunos possam reescrever os constituintes, identificando cada função sintática por meio de
diferentes cores. Os grupos devem então recortar esses constituintes de maneira a formar
“blocos” ou “unidades” para representação das diferentes ordenações das sentenças em um
mural coletivo na sala de aula.

Consolidando as reflexões

A etapa final da aula deve ser um momento de conversa entre o professor e os alunos.
Após o momento anterior, o professor deve ajudar os alunos a desenvolverem ideias acerca
dos fenômenos encontrados, atentando-se para não “dar as respostas”, mas sim instigá-los às
conclusões pretendidas. O conteúdo da reflexão estará voltado principalmente para os
seguintes conceitos: teste de constituintes; conceito de constituinte; funções sintáticas e
ordenação dos constituintes dentro da sentença. A teoria não precisa ser evidenciada, o foco
deve ser nas noções de categoria linguística trazidas pelos testes trabalhados.
Aqui o objetivo é que os alunos, após o momento de reflexão guiada com o professor,
consigam, em grupo, montar suas próprias definições, generalizações e predições. Focados
nos contextos centrais tanto da Atividade 1 como da Atividade 2, os estudantes devem chegar
a conclusões sobre como identificar constituintes, o que são constituintes e quais suas relações
com as funções sintáticas da sentença, usando como base o trabalho desenvolvido nas
atividades. É importante também que os alunos demonstrem terem aprendido como usar os
testes de identificação de constituintes, que foram essencialmente o tema das atividades.
Os grupos deverão preparar uma breve apresentação das conclusões a que chegaram
a partir da Atividade 2, destacando: (i) os constituintes identificados; (ii) a função sintática de
cada constituinte e (iii) as nuances de sentido de cada ordenação possível para a sentença
analisada.
O professor distribuirá folhas de ofício A4 coloridas para os grupos, para que então os
alunos possam, após estabelecerem um “código de cores” para cada função sintática (ex. azul
para sujeito, vermelho para predicado, rosa para objeto direto, etc.), reescrever os constituintes

29
identificados nas folhas correspondentes de cada função sintática (quando possível). Os
grupos devem então recortar esses constituintes de maneira a formar “blocos” ou “unidades”
para representação das diferentes ordenações das sentenças. Em seguida, a turma ficará
responsável por elaborar um mural para afixação das diferentes combinações possíveis a partir
das unidades recortadas em papel colorido.

Análise

O ponto central desta atividade foi construir noções bem fundamentadas sobre
funções sintáticas, utilizando o conhecimento teórico sobre constituintes e os testes utilizados
pelos linguistas para identificá-los. Seguindo esse percurso, acreditamos que o aluno vai ser
capaz de gerenciar futuras análises sintáticas sem maiores dificuldades, já que a identificação
dos termos a serem classificados pode ser feita usando a técnica aqui trabalhada. As noções
linguísticas de função sintática foram desenvolvidas a partir da ativação de noções
paralinguísticas, testes de constituintes, capacitando o aluno para uma análise mais
consciente.
Além das etapas apresentadas acima, o professor pode expandir a atividade e
apresentar aos alunos sentenças e fragmentos de textos de diferentes gêneros textuais
(narrativa, poesia, reportagem, músicas, etc), nos quais se observem alterações da ordem
básica SVO. Os fragmentos devem ser analisados tal como dispostos no original. O professor
promoverá discussões acerca das possíveis interpretações suscitadas pelos textos, atentando
principalmente para a mobilidade dos constituintes e, se houver, as nuances de interpretação
suscitadas pela alteração da ordem. Além disso, o aluno poderá aplicar esses conhecimentos
não só na interpretação de textos, mas também na produção textual, evitando ambiguidades
e a formulação de sentenças que, a depender da ordenação dos constituintes, podem oferecer
dificuldades à interpretação.

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Atividade 2
Os elementos mínimos da sentença - Alexandra Aparecida de Freitas Trindade Barbosa,
Jhennifer Vieira Rodrigues P into, Nayara de Almeida Faria, Rubens Rodrigues Viegas
Junior.

Público-alvo: 9º ano do Ensino Fundamental

A atividade tem como proposta demonstrar ao aluno que há uma estrutura profunda
por trás das sentenças. Tal estrutura faz com que certas orações sejam produzidas pelos
falantes da língua e outras não e essa habilidade de julgar estruturas possíveis ou não na sua
língua é um conhecimento inato que todo falante traz consigo.
Com a atividade, pretendemos ativar a capacidade nos alunos de reconhecer os
constituintes de uma oração. Para tanto, será apresentado o teste de topicalização como uma
estratégia possível para o reconhecimento das estruturas mínimas da sentença. O teste
configura um nível de conhecimento paralinguístico que pode ser de grande valia para os
alunos ativarem um novo olhar para a estrutura sintática. O modelo da atividade busca ainda
explorar a participação ativa dos alunos, primando pela habilidade de pensar criticamente a
língua, o trabalho em equipe e a capacidade de produzir.

Experiência linguística

A turma será dividida em grupos de 05 alunos e será solicitado aos grupos que criem
uma frase. Posteriormente será solicitado que os alunos transfiram cada palavra da sua frase
para folhas de ofício, recortem e depositem em um envelope. Em seguida, os envelopes serão
recolhidos e distribuídos aleatoriamente para que cada grupo tenha uma frase que não seja a
sua.

Exemplo:

Depois será realizada a seguinte atividade: um membro de cada grupo irá pegar
palavra por palavra dentro do envelope e formará uma nova oração obedecendo a ordem em
que as palavras foram sorteadas. Cada grupo escreve a sua oração no quadro.

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Exemplo: e o Maria Paulo o na bolo casa a João do comeram.

Depois dessa atividade serão feitas as seguintes perguntas:

1.Por que estas orações não são usuais / comuns no português?


2.Como as orações se organizam?
3.Como as orações se dividem?

Ao final dessa etapa inicial, o professor será capaz de avaliar os conhecimentos prévios
dos alunos acerca da organização da sentença.

Reflexões gramaticais

Em seguida, os alunos deverão colocar em ordem as palavras que foram sorteadas


refletindo sobre:

a) A melhor ordem para as palavras;


b) Os tipos de modificações feitas para adequação da oração.

É importante que os alunos pensem ainda sobre como a ordem dos elementos da
sentença poderia ser alterada sem que fosse perdido seu sentido/gramaticalidade. Ao
identificar os elementos mínimos que podem ser deslocados na sentença, os alunos estarão
identificando os constituintes dessa sentença. Quantos constituintes podemos identificar em
cada uma das sentenças analisadas?

O professor deve mediar a discussão evidenciando o fato de que não existe uma
maneira única de dispor os itens em uma sentença, no entanto algumas ordenações são
bloqueadas pelo sistema da língua. As combinações bloqueadas são naturalmente rejeitadas
por todos, ou seja, todos temos dentro da nossa mente uma intuição sobre o que podemos
ou não fazer com os elementos da nossa língua e é na aula de língua materna que essa intuição
deve ser explorada.

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Consolidando as reflexões

Buscando consolidar as reflexões, propusemos a seguinte atividade:

1. Distribuir algumas fichas de perguntas para cada aluno. A resposta às perguntas


deve ser colocada no primeiro espaço em branco, conforme modelo:

2. Os alunos devem então identificar quantos e quais são os constituintes da sentença


do quadrinho “Resposta”.

Será que podemos mover um constituinte para o início da frase? Vejamos:


Essa sentença é aceitável?

O professor deve demonstrar que constituintes podem ser movidos para o início da
sentença, chamado de posição de tópico, e que esse é um dos testes que fazemos quando
precisamos identificar constituintes. Além disso, os efeitos de sentido gerados pela alteração
na ordem dos elementos também devem ser explorados.

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Análise

Com essa atividade, espera-se evidenciar para os alunos os constituintes mínimos da


sentença e sua articulação, despertando uma reflexão intencional acerca de um conhecimento
mobilizado tacitamente durante a fala. O teste da topicalização também pode ser explorado
para reflexões sobre como a organização dos elementos na sentença muda a intenção do
falante. Os alunos podem trazer de casa uma música, um poema ou uma notícia que
contenham uma topicalização, ou seja, o deslocamento de um elemento da sequência
canônica, sujeito, verbo e objeto. É importante ressaltar que, neste tipo de exercício, os alunos
precisam reconhecer que as estruturas topicalizadas estão presentes tanto nos meios de
comunicação quanto em poemas ou músicas. Essa atividade permite que possamos perceber
a manipulação consciente da ordem dos constituintes a depender da mensagem que se deseja
transmitir para o leitor.
A proposta transpõe conhecimentos tipicamente paralinguísticos no nível do ensino
básico, a ideia de constituinte e o teste de topicalização, trabalhando-os enquanto noções
linguísticas. A consciência acerca dos constituintes da sentença mobiliza no nível
protolinguístico a coerência na produção linguística. A atividade explicita a relação existente
entre os constituintes, permitindo que os alunos acessem com mais facilidade as estruturas
que pretendem produzir e a ligação lógica entre elas, bem como a progressão de suas ideias,
seja na oralidade ou na construção do texto escrito.

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Atividade 3
Investigando estruturas ambíguas - Amanda Noronha Oliveira, Élder Henrique Attala e
Paiva

Público-alvo: 3º ano do Ensino Médio.

A atividade tem como objetivos (i) fazer com que os alunos percebam as diferentes
maneiras pelas quais a ambiguidade pode surgir na língua, formulando suas próprias
generalizações e (ii) promover a reflexão acerca dos efeitos de sentido que uma ambiguidade
pode causar, tanto na leitura e interpretação como na produção de textos.
Espera-se que os alunos já tenham conhecimentos prévios dos anos (e de aulas)
anteriores sobre identificação e ordenação dos constituintes, efeitos de sentido e polissemia.
Observamos que a inovação desta proposta consiste em trabalhar a ambiguidade como um
recurso linguístico possível e não como algo sempre negativo e prejudicial ao texto.
Reconhecer as diferentes ambiguidades e saber localizá-las nos textos é mais uma forma de
expandir o repertório linguístico do aluno.

Experiência Linguística

A atividade terá início com a projeção de duas imagens ambíguas para a turma,
explorando a ambiguidade visual. Na sequência, o professor introduzirá o tema da oficina,
ambiguidades, a partir de perguntas como: (i) O que as duas imagens têm em comum? (ii) O
que é possível ver em cada uma das imagens? (ii) O efeito visual duplo parece ter sido
intencionalmente produzido em ambos os exemplos? (iv) Quais as consequências que essa
duplicidade traz para cada um deles? Por fim, o professor deve perguntar para a turma o que
eles entendem por ambiguidade e também de que forma esse fenômeno pode ser observado
na língua, avaliando assim qual nível de conhecimento formal/consciente os alunos já
possuem sobre o assunto.

Imagem 1

Disponível em: <http://www.oqueeoquee.com/imagens-ambiguas/>


Acesso em outubro/2019

35
Imagem 2

Disponível em: <https://cheezburger.com/9553925/stupid-design-failures-that-need-


some-help>
Acesso em outubro/2019

Reflexões gramaticais

O professor solicitará aos alunos que apresentem exemplos de sentenças ambíguas,


indicando-as no quadro[1]. Neste momento, o professor atuará apenas como mediador das
discussões, instigando a reflexão dos estudantes, de modo que: (1) eles próprios tentem
descrever de que maneira a ambiguidade é originada nos exemplos apresentados e quais os
efeitos de sentido obtidos e (2) sejam capazes de agrupar as sentenças a partir de
generalizações sobre a natureza das ambiguidades analisadas (sintática, lexical, semântica, por
correferência, etc)[2]. Por último, o professor encerrará esta etapa retomando e sumarizando
as discussões da turma, sem focar muito em definições formais ou em explicar demais os
contextos, permitindo que os alunos intervenham com o que sabem e com o que entenderam
das discussões.

Observação: ao guiar as discussões, especial atenção pode ser dada à análise das
ambiguidades estruturais. Desse modo, o professor poderá determinar qual é o grau de
conhecimento que a turma consegue ativar e definir a melhor abordagem para prosseguir
com a atividade.

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Apresentamos, como sugestão, os seguintes exemplos[1] a serem acrescentados às
sentenças indicadas pelos alunos em aula, caso necessário. O objetivo principal é fazer com
que eles percebam as semelhanças entre as ambiguidades encontradas, os “mecanismos”
linguísticos que podem fazer surgir a ambiguidade, sem obrigatoriamente nomeá-las. Por
exemplo, as sentenças (3), (5), (6) e (12) surgem da possibilidade de mais de uma interpretação
para uma mesma palavra.

(1) O Luís viu o incêndio da empresa.


(2) Ontem Mariana comprou um celular com um fone de ouvido que já estragou.
(3) O banco da praça quebrou.
(4) Nós entramos na loja de casaco.
(5) A Joana está ameaçando sair da escola.
(6) José teve que lavar a manga.
(7) Luiza esqueceu sua blusa em casa.
(8) O júri julgou o acusado inocente.
(9) O assaltante bateu no pedestre com uma garrafa.
(10) A empresa entregou um jornal para [os seus funcionários].
(11) Hoje eu encontrei a minha amiga com a sua mãe.
(12) O desenho do Pedro ficou horroroso.

Em relação aos exemplos (1), (2), (4), (8) e (9), nos quais a ambiguidade se deve a fatores
estruturais, seria interessante retomar, durante as discussões em sala, os conceitos trabalhados
na atividade de identificação das estruturas de constituintes. Desse modo, o professor poderia
demonstrar aos alunos que as duas interpretações possíveis se devem a duas organizações
estruturais distintas, que poderiam ser identificadas, e também, reorganizadas, a partir do teste
de deslocamento. Por exemplo:

O assaltante bateu no pedestre com uma garrafa.


(1) O assaltante bateu no pedestre [com uma garrafa]
O assaltante bateu [com uma garrafa] no pedestre.
O assaltante, [com uma garrafa], bateu no pedestre.
(2) O assaltante bateu [no pedestre com uma garrafa]
[No pedestre com uma garrafa], o assaltante bateu.

Os estudantes serão levados a perceber que a ambiguidade pode ocorrer de diferentes


formas e que existem fatores específicos que podem tornar uma sentença ambígua. A
discussão, no entanto, não deverá ser reduzida a isso, posto que nem sempre as ambiguidades
são facilmente enquadradas nessas classificações (ambiguidade sintática, lexical, semântica,
por correferência, etc). O relevante, neste ponto, é fazer com que os alunos tenham noção dos

37
mecanismos, internos à língua, que podem fazer surgir a ambiguidade e de que maneira isso
pode interferir ou servir aos propósitos comunicativos.

Consolidando as reflexões

Os alunos deverão elaborar um breve texto, contendo de 1 a 3 parágrafos,


condensando e sistematizando o que entenderam por ambiguidade, procurando responder
às seguintes perguntas: (i) Como a ambiguidade funciona? (ii) O que pode originar
ambiguidade na língua? (iii) De que modo as ambiguidades podem interferir na interpretação
das sentenças?
Em casa, os estudantes ficarão responsáveis por produzir textos (contos, quadrinhos,
anedotas, etc) que apresentem algum tipo de ambiguidade: um em que a ambiguidade seja
intencional e, portanto, positiva para o texto – isto é, que atenda aos propósitos comunicativos
do locutor (por exemplo, a ambiguidade utilizada para produzir humor, fazer uma crítica, etc)
– e outro em que, numa situação hipotética, poderia transmitir uma mensagem diferente
daquela que de fato se pretendia comunicar. Na aula seguinte, aqueles que se sentirem
confortáveis em apresentar suas produções textuais para o restante da turma o farão, e o
professor atuará como um mediador das apresentações, ressaltando pontos e características
relevantes de cada texto.

Análise

Como mencionamos acima, reconhecer a estrutura de constituintes da sentença pode


ser uma virada na forma como o aluno lida com questões de análise. Além disso, o domínio
desse conhecimento pode ser útil também no trabalho com o texto. A ambiguidade, tema
desta atividade, é elevada ao patamar de recurso textual e não é rotulada como um problema.
O aluno que sabe identificar a causa da ambiguidade também pode ser capaz de desfazê-la
se for necessário ou de interpretá-la com a leitura crítica de quem gerencia sua leitura. O
conhecimento de mundo (nível protolinguístico) é fundamental no trabalho com esse tema,
no entanto o domínio da estrutura sintática (nível linguístico) pode caminhar em paralelo.

38
Além das atividades apresentadas acima, foram pensadas outras formas de expandir o
trabalho. Como, por exemplo, com imagens retiradas da internet:

Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/br/rafaelcapanema/100-imagens-sobre-


o-dom-de-comunicacao-do-brasileiro#.rxm136VVNm>
Acesso em outubro/2019

Explorar a ambiguidade que surge tanto da ordenação dos constituintes e das orações
quanto da polissemia da preposição com e que produz, na comunicação (publicidade), um
efeito oposto do pretendido.
Compre armações e faça as lentes com a gente com o concorrente ali na frente. ou
Compre armações com a gente e faça as lentes enquanto o concorrente está ali na
frente.

[1]
Neste ponto da oficina, é útil que o professor tenha alguns exemplos pré-
estabelecidos, para o caso de a participação dos alunos não ocorrer como o esperado, ou
ainda caso seja necessária a interferência do professor para o redirecionamento da atividade
em busca dos objetivos pretendidos.
[2]
Esses tipos, no entanto, não precisam ser nomeados. A intenção é que os estudantes
apenas percebam o que as sentenças ambíguas em questão têm em comum, e que diferentes
fatores podem produzir ambiguidade nas sentenças.

39
Capítulo 3 - Conversando sobre verbos

Parte da competência linguística do falante de uma língua passa por saber como os
itens lexicais se estruturam na sentença. Desde muito cedo somos capazes de organizar os
itens lexicais mentalmente de acordo com as propriedades que eles compartilham entre si,
apesar de ainda não termos noção de como tais categorias se definem formalmente. Logo no
início do processo de aquisição da língua materna, a criança sabe que o item lexical “livro” é
diferente do item lexical “comer” e que essas categorias funcionam diferentemente na
sentença, sem, no entanto, saber que são nomeadas substantivos e verbos. Entendemos
também que cada um desses itens possui exigências diferentes e que determinam os
elementos que podem ser agregados a eles na construção da sentença.
As atividades propostas neste capítulo visam explorar a classe gramatical dos verbos e
demonstrar como nosso conhecimento linguístico pode nos orientar na análise da estrutura
das sentenças do português brasileiro. Trataremos das características da classe gramatical dos
verbos e como somos capazes de identificar suas propriedades, em seguida abordaremos a
função do verbo enquanto predicador e os argumentos que os diferentes tipos de verbos
selecionam, culminando na estrutura mais complexa do período composto. Acreditamos que,
por meio da abordagem reflexiva, os alunos serão capazes de reconhecer mesmo as estruturas
mais complexas na sua língua cotidiana, compreendendo como as sentenças se articulam de
forma não linear em torno da estrutura do predicador.

40
Atividade 1
O que é um verbo? - Gabriela Berndt de Souza e Letícia Campos

Público-alvo: 6º ano do Ensino Fundamental

O ensino das classes de palavras prevê a memorização de propriedades que permitam


ao estudante reconhecer e categorizar um dado item lexical. Essa perspectiva desconsidera a
intuição do falante e o fato de que qualquer falante do PB é capaz de reconhecer
intuitivamente as categorias nas quais se organizam os itens lexicais da sua língua.
Essa atividade tem como objetivo despertar a consciência do aluno para as
propriedades que permitem que todos os falantes do PB reconheçam o verbo enquanto
categoria gramatical e começar as discussões acerca do seu papel central na formação de
orações, seja devido ao seu papel semântico ou por meio da seleção dos argumentos que
comporão a oração.

Experiência linguística

Para começar as discussões, o professor deve apresentar aos alunos um texto centrado
em verbos, como o exemplo:

Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se.


Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou. Cumprimentou. Orientou. Controlou.
Advertiu. Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Preparou-se.
Examinou. Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. Conferiu. Vendeu.
Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. Burlou.
Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se.
Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. Repreendeu. Suspendeu. Demitiu.
Negou. Explorou. Desconfiou. Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou.
Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou. Convidou.
Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou.
Frustrou. Virou-se. Relaxou-se. Envergonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se.
Chegou. Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou. Sobressaltou-se.
Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Tentou. Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu.
Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu.
Dormiu. Acordou. Levantou-se. Aprontou-se.

MIMO.Como se conjuga um empresário. In: PINILIA, Aparecida; RIGONI,


Cristina;INDIANI,Maria Thereza. Coesão e coerência como mecanismo para a construção
do texto.

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É possível entender o texto mesmo sendo composto apenas por verbos? Que
características esses verbos compartilham entre si? Com base nesse questionamento, o
professor deve demonstrar aos alunos a centralidade do verbo nas sentenças do PB e
organizar as características que vierem a ser levantadas pelos alunos, aproveitando esse
momento para mapear os conhecimentos prévios que a turma apresenta.
Em seguida, exemplos de orações simples serão apresentados e também de orações
compostas. Em ambas os verbos serão retirados e os alunos deverão refletir sobre: quais
outros verbos poderiam substituir as lacunas? Como ficariam as flexões desses verbos?

Por exemplo:

Eu disse a verdade.
Eu [ ] a verdade.
Eu sei a verdade.
Eu prefiro a verdade.
*Eu gosto a verdade.

O objetivo dessa atividade é mostrar para os alunos que, apesar de o sujeito indicar a
flexão de número do verbo, o verbo determina quais elementos podem ocorrer na sentença,
sendo o verbo por si só capaz de garantir o sentido da oração. O professor deve guiar o aluno
e levá-lo a compreender o porquê da importância do verbo e do sujeito na oração. No que
diz respeito à concordância, o sujeito influencia o verbo, porém o verbo é indispensável. Essa
é uma etapa central da atividade, pois é a partir dessa noção que novos conhecimentos serão
construídos.

Reflexões gramaticais

Nesse momento, propomos mostrar palavras inventadas ou que não sejam do


conhecimento dos estudantes e pedir que os alunos identifiquem quais dessas palavras são
verbos. Por que eles têm convicção de que essas palavras são verbos mesmo sem saber seu
sentido? O professor pode estimular os alunos a retomarem as propriedades definidas no
momento da experiência linguística e usá-las como parâmetro de comparação. Queremos que
os alunos percebam como instintivamente eles sabem reconhecer, no mínimo parcialmente, a
classe a qual as palavras pertencem. Logo depois, pretendemos iniciar uma discussão com a
turma sobre como os verbos se comportam em uma oração (alguns pedem completo, outros
não, quais tipos de argumentos eles pedem etc.).

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Ana titiscou ontem lá na praça.
O titiscar que você faz é algo que me incomoda
Titisquei para o Paulinho ontem
Eu sofatoei a blusa
Carla sofatuou a manta do sofá
Minha mãe me deu uma tunda ontem
Amo o jeito que ele pocha o biscoito no café
Você não quer um pão pra pochar na sopa?
Ela atoxou a mala de japona.
Aqui nessa cidade tem muito cusco abandonado na rua
Ela arrumou um entrevero na escola
Nada melhor do que lagartear no Sol do inverno
Ela tá lagarteando lá no quintal
Tu quer matear comigo antes de ir pra aula?
Minha mãe tá mateando com o pai lá na varanda
Vou voltear com a Ritinha aqui no bairro
Ela é tansa demais
O José é um tanso de não namorar aquela guria
Levanta da cama, seu mandrião!
Tu deixou o cusco fugir, seu tanso?
O menino rebelde provocou o outro e levou uma tunda.
O rapaz mal-educado xingou meu amigo e eu dei uma tunda nele.

Com base nas discussões os alunos podem então organizar suas conclusões: o que é
um verbo? Como os verbos se comportam?

Consolidando as reflexões

A partir da discussão feita com os alunos, pretendemos apresentar o conceito


tradicional de verbo, “palavra com a função de indicar ação, estado ou fenômeno da natureza
e que se flexiona em número, pessoa e modo” e confrontá-la com as propriedades levantadas
pelas observações dos alunos. Como essas propriedades aparecem na gramática tradicional?
Alguma delas não está contemplada por esse conceito? Por fim, encerramos essa atividade
pedindo que os alunos criem palavras que cumpram os requisitos para estar na classe dos
verbos. A criação desses novos verbos tem como propósito elaborar um pequeno texto que
os utilize e tenha enfoque neles. Acreditamos que, criando seus próprios verbos, os alunos
serão capazes de assimilar mais profundamente os parâmetros que definem essa classe de
palavras e as estruturas sintáticas que dela derivam.

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Análise

Por meio dessa atividade esperamos que os alunos sejam capazes de sistematizar
propriedades que eles já manipulam inconscientemente ao eleger verbos para uso e construir
orações com base nos verbos selecionados. A noção linguística de classe de palavras, mais
especificamente da classe dos verbos, que normalmente é apresentada como algo bem
definido que deve ser memorizado pelo aluno, aqui é trabalhada sob a perspectiva do trabalho
científico, permitindo que os alunos observem empiricamente seu comportamento gramatical.
Ao externar as propriedades morfológicas, distribucionais e semânticas que permeiam
as categorias nas quais se dividem os itens lexicais, estamos manipulando o conhecimento no
nível paralinguístico. Considerando o nível protolinguístico, mais profundo do conhecimento,
estamos manipulando o sistema linguístico evidenciando as leis tácitas que regem os
elementos que nele se articulam.

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Atividade 2
Formando orações: predicadores verbais e subordi nação - Ana Luísa Gonçalves, Daniel
Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves
de Souza

Público-alvo: 3º ano ensino médio

O objetivo do trabalho é desenvolver no aluno a compreensão da formação estrutural


das orações, passando pela morfossintaxe até a aplicação pelo aluno de uma noção mais
complexa: a estrutura oracional exigida pelos elementos nucleares. Assim, o aluno começa a
compreender a construção de uma oração menos como uma exigência da gramática
normativa e mais como uma exigência da estrutura da língua.
O ensino tradicional inicia o estudo dos termos da oração a partir do sujeito e utiliza
definições problemáticas para essa função, como aponta Perini (2006). Esta atividade se
propõe a começar o estudo da oração a partir do predicador, como é feito nos estudos
linguísticos descritivos mais recentes.

Experiência Linguística

O ponto de partida é uma atividade de formação de períodos simples com alguns


verbos expostos no quadro. O professor deve selecionar predicadores verbais das mais
diversas naturezas a fim de suscitar na turma a discussão sobre os elementos que seriam
necessários para formar sentenças partindo daqueles verbos. Os alunos também devem
contribuir com predicadores verbais para a lista exposta no quadro, além de pensar em termos
que complementem as estruturas já expostas. A partir de uma reflexão guiada pela observação
da articulação e organização desses termos, a turma deve ser capaz de perceber qual é o
elemento que organiza as relações em seu entorno.
O professor deve explorar as observações levantadas pelos alunos e encorajar reflexões
de todos para que floresça na turma a confiança na intuição que temos sobre a seleção
sintática e semântica feita pelos predicadores da nossa língua. Com as sentenças formadas no
quadro, o professor deve então apresentar um saco com fichas contendo orações
subordinadas que deverão ser sorteadas pelos alunos. O novo complemento sorteado deve
então substituir algum dos elementos já selecionados no quadro, por exemplo:
Supondo que a partir do predicador “dizer” tenha se formado a sentença:
Eu digo a verdade.
E o aluno sorteia a oração subordinada “o que você quer ouvir”. Como podemos inserir
esse novo complemento na oração?
Eu digo o que você quer ouvir.

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Assim, a experiência pode começar a se direcionar para a construção de períodos
compostos. A atividade deve seguir o mesmo caminho da primeira parte com a seguinte lista
de verbos no quadro. O professor deve pedir que os alunos formem períodos simples e depois
períodos compostos com os verbos abaixo:

DIZER
FALAR
INFORMAR
PERGUNTAR

Reflexões gramaticais

Ao final da exposição oral, os alunos devem escrever no caderno as sentenças criadas


na etapa dois da atividade e o professor irá direcionar a análise fazendo perguntas que levem
os alunos a perceberem a semelhança entre o período simples e o período composto por
subordinação, como no modelo abaixo:
_____________ FALAR _____________________

Maria falou seu segredo.


Maria falou que não queria seu segredo revelado.

A identificação das funções sintáticas e dos termos constituintes da estrutura devem


ser retomadas aqui. Após a identificação dos elementos no período simples, a nomenclatura
das orações subordinadas substantivas deve ser introduzida, traçando-se um paralelo com a
função que exercem na oração principal. Nesse momento, serão discutidas apenas as orações
subordinadas substantivas que se relacionam diretamente ao predicador verbal: subjetiva,
objetiva direta e objetiva indireta.

Consolidando as reflexões

Essa etapa da atividade funcionará a partir da coleta de alguns títulos de notícias em


sites online e do desenvolvimento de um trabalho em conjunto, de divisão das frases e de
percepção de (i) quais complementos os verbos exigem e (ii) de que forma as orações se
relacionam. Posteriormente, os alunos devem partir para a classificação em período simples e
período composto por subordinação.

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Análise

Esperamos que, ao evidenciar as relações estabelecidas entre o predicador verbal e


seus argumentos, os alunos consigam compreender o que a relação de subordinação
representa em termos de estrutura do período composto, eliminando a ideia de “dependência
de sentido” em relação à oração principal. As noções linguísticas de período composto por
subordinação e as funções sintáticas são parte do currículo escolar e estão explícitas na
atividade. O professor, no entanto, tem consciência de que essas práticas acessam a noção
paralinguística de predicador verbal e argumentos a ele relacionados. No nível mais profundo,
o protolinguístico, espera-se que a conscientização acerca da estrutura do período composto
e das relações sintáticas entre oração principal e subordinada melhore a compreensão de
enunciados, principalmente de estruturas com orações intercaladas, e a produção de
enunciados, evidenciando a função da conjunção integrante “que” e a ocorrência de vícios de
linguagem como o “queísmo”. Assim, acreditamos que essa atividade permitirá que os alunos
manipulem a língua em diferentes contextos comunicativos.

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Atividade 3
Formando orações: período composto por coordenação - Ana Luísa Gonçalves, Daniel
Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves
de Souza

Público-alvo: 3º ano do Ensino Médio

Pensamos essa atividade como sequência da atividade sobre o período composto por
subordinação, dando prosseguimento às reflexões acerca da implicação da estrutura dos
predicadores verbais nas relações entre as sentenças. Aqui esperamos que os alunos sejam
capazes de ativar seus conhecimentos acerca do uso das conjunções e dos diferentes sentidos
que elas podem veicular no texto. A atividade será desenvolvida com foco nas conjunções
coordenativas, estimulando reflexões acerca das relações de sentido construídas no período
composto por coordenação, extrapolando aquelas previstas pela gramática normativa.

Experiência linguística

Para iniciar a discussão, o professor deve apresentar um texto que instigue reflexões
acerca do uso das conjunções. Qual o sentido veiculado pela conjunção “e” no poema? Quais
outras conjunções os alunos são capazes de identificar?

Ou se tem chuva e não se tem sol,


ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,


ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,


Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa


estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo dinheiro e não compro o doce,


ou compro o doce e não guardo o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...


e vivo escolhendo o dia inteiro!

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Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda


qual é melhor: se é isto ou aquilo.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. In: Ou isto ou aquilo. 2ª Edição. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira, 1977.
Reflexões gramaticais

Dando prosseguimento, o professor deve propor um jogo em que os alunos


completem as orações apresentadas com orações coordenadas que façam sentido. Quando
não houver mais combinações possíveis, incitar o acréscimo de adjuntos ou até mesmo de
novas orações.

Era bonito Sentiu vontade de sorrir Não conseguiu continuar

Comeu um chocolate Ela disse que sim O copo caiu

Chovia Beijou a menina Errou

Opções: mas era triste; ou outra coisa; portanto desistiu; portanto quis; porque quis;
porque desistiu; e era mentira; entretanto não queria; ou não queria?.
A partir disso, o professor deve pedir que os alunos discutam entre si sobre os valores
das conjunções, assim como certas exigências dos verbos (por exemplo, o verbo “querer”
pressupõe um sujeito humano). Além disso, os alunos devem comparar as estruturas das
orações conectadas, para isso, ao reescrever as orações no quadro, podem ser usados pincéis
coloridos que indiquem as diferentes relações semânticas encontradas em cada oração.
Que tipo de relação está estabelecida entre as orações formadas? Como a estrutura do
período composto por coordenação difere do período composto por subordinação? Espera-
se que os alunos consigam comparar as estruturas e perceber que cada oração do período
composto por coordenação possui todos os argumentos requisitados pelo verbo, enquanto
no período composto por subordinação, um dos argumentos do verbo da oração principal
será uma oração inteira. A partir daqui, as noções de dependência e independência sintática
podem ser introduzidas.

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Consolidando as reflexões

Essa etapa da atividade funcionará a partir da análise de alguns títulos de notícias em


sites online e desenvolvimento de um trabalho em conjunto, de divisão das frases e de
percepção de (i) quais complementos os verbos exigem e (ii) de que forma as orações se
relacionam. Posteriormente, os alunos devem criar manchetes explorando os diferentes
sentidos que as conjunções coordenativas podem acrescentar ao texto. Nesse momento, os
alunos podem inclusive confrontar a forma como as conjunções são utilizadas nos textos
coletados e como a gramática normativa prevê seu uso. A tabela de conjunções da gramática
contempla todos seus possíveis usos e sentidos? O professor deve estar atento ao fato de que
alguns equívocos na análise das orações podem aparecer e deve retomar o raciocínio básico
reforçando com a turma a seleção feita pelo predicador, as relações entre as orações, a função
sintática das mesmas e as relações semânticas que se dão entre elas.

Análise

A atividade propõe que o professor aborde de forma reflexiva a construção do período


composto por coordenação, que normalmente passa pela memorização das conjunções e
sentidos por elas conferidos às sentenças. Considera-se, portanto, o papel das conjunções e
as relações estabelecidas entre orações coordenadas enquanto noções linguísticas
mobilizadas pela atividade. No que diz respeito ao nível paralinguístico, articula-se mais uma
vez a noção de predicador verbal e de argumento e as estruturas sintáticas que derivam dessas
relações. Por meio dessas reflexões, espera-se que os alunos consigam acessar as relações
profundas que as sentenças estabelecem entre si, sendo capazes de perceber o impacto
semântico do uso de uma determinada conjunção ou as implicações de sua ausência para a
coesão textual. Acreditamos também que essa atividade permite que os alunos se libertem da
tabela de conjunções, analisando caso a caso de acordo com seu contexto, por exemplo, a
gramaticalização do advérbio “então” como conjunção conclusiva não causaria confusões a
um aluno independente e capaz de olhar criticamente para sua própria língua. Assim, serão
alcançadas melhorias na compreensão e produção de textos e enunciados, presentes no nível
protolinguístico.

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Atividade 4
Formando orações: predicadores nominais - Ana Luiza de Oliveira Melo e Sarah Teixeira
da Silva

Público-alvo: 9º ano do Ensino Fundamental

A abordagem tradicional divide a sentença em sujeito e predicado, considerando o


sujeito como ponto de partida da análise sintática. Essa abordagem dificulta o entendimento
da hierarquia que rege a formação de orações no PB e é principalmente problemática quando
o aluno precisa entender a diferença entre o predicado verbal e o predicado nominal e as
diferentes relações estabelecidas entre os verbos de ligação e o predicativo do sujeito e os
demais verbos e seus complementos.
Esperamos que, com essa atividade, os alunos consigam evidenciar as relações
hierárquicas entre os predicadores nominais e seu argumento, esclarecendo a função do verbo
de ligação na construção das orações com predicados não verbais. As reflexões também visam
distinguir entre complementos verbais e predicativo do sujeito, demonstrando os diferentes
sentidos veiculados por essas estruturas.

Experiência linguística

O professor apresentará no quadro quatro predicadores verbais que apresentam


estruturas diferentes e pedirá sugestões sobre como será possível completar a estrutura
desses verbos para que formem orações. Essa atividade deve ser apenas uma revisão sobre os
tipos de verbos, tópico já estudado pelos alunos. A atividade serve também como uma forma
de avaliar se os conhecimentos prévios sobre predicadores verbais estão bem consolidados.

51
É importante que o professor relembre o papel fundamental dos verbos na oração,
para tanto, ele pode remover os verbos e analisar as possíveis substituições, em seguida
remover o sujeito ou o objeto e fazer o mesmo exercício, demonstrando que a ausência do
verbo é limitante na estrutura da oração. Como exemplo:

O aluno entregou o livro para o professor.


O aluno [ ] o livro para o professor.
O aluno comprou o livro para o professor.
O aluno guardou o livro para o professor.

No entanto, se fizermos “[ ] entregou o livro para o professor” as possibilidade de


substituição são inúmeras desde que seja obedecido o traço “+animado”.
Em seguida o professor apresentará as seguintes estruturas para que, a partir delas,
sejam formadas orações:

Os alunos vão apresentar sentenças com a estrutura:

O menino é inteligente.
A criança está triste.

E se removermos o verbo dessa estrutura, como fica a compreensão da sentença?


O menino [ ] inteligente.
A criança [ ] triste.

Se removermos o adjetivo, no entanto, as possibilidades se tornam infinitas,


demonstrando que o verbo não impõe nenhuma restrição ao seu complemento. O mesmo
acontece se removermos o sujeito.
E se trocarmos “inteligente” ou “triste” por “azul” ou “pontiagudo”?
*O menino é azul.
*A criança está pontiaguda.

Em trios os alunos devem discutir as consequências de cada substituição e determinar:


qual palavra é fundamental para a estrutura dessas sentenças, o verbo ou o adjetivo? O
professor pode estimular o debate com mais sentenças a fim de reforçar um padrão.

52
Reflexões gramaticais

Que tipos de verbos são esses? O professor pode perguntar aos alunos o que eles
entendem por verbo de ligação, o que já sabem sobre o assunto. Em seguida, os alunos, ainda
em trios, receberão sacos com fichas de possíveis predicativos do sujeito e deverão construir
sentenças com base nos predicativos sorteados. No quadro, estarão escritos os verbos: ser,
estar, ficar, parecer, permanecer e continuar. Os alunos devem analisar as sentenças formadas
comparativamente com as sentenças de verbo transitivos que já estudaram. Existem objetos
nessas sentenças? Qual a diferença entre a estrutura das sentenças?

[otimista] - Nós permanecemos otimistas.


[cansado] - Eles ficaram cansados.
[alegre] - As crianças continuam alegres.

Espera-se que os alunos percebam que essas estruturas não apresentam objeto, como
as orações com verbos transitivos, e que a aplicação da concordância, que normalmente se
restringe ao verbo, agora também se estende ao predicado, reforçando sua ligação com o
sujeito. Nesse tipo de sentença, temos, portanto, um predicador nominal, que é o predicativo
do sujeito, e o verbo de ligação simplesmente estabelece a união entre os dois termos. O
professor pode apresentar o conceito de predicativo do sujeito e discutir com os alunos como
ele se difere das demais estruturas que já foram estudadas.

Consolidando as reflexões

Os alunos devem fazer uma análise das estruturas presentes no poema Identidade de
Carlos Queiroz Telles, buscando estruturas de predicação nominal e evidenciando a relação
entre o determinante e o determinado.

Cabelos molhados,
sol encharcado,
pele salgada,
vento nos olhos,
areia nos pés.

O corpo sem peso


é nuvem à-toa.
O tempo inexiste.
a vida é uma boa!

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Mergulho na água
azul deste céu.
Sou peixe de ar.
Sou ave de mar.

Mergulho em mim mesmo,


silêncio profundo.
Sou eu e sou Deus
de passagem no mundo,
nadando sem rumo
entre conchas e paz.

TELLES, Carlos Queiroz. Identidade. Em: Sonhos, grilos e paixões, São Paulo,
Moderna: 1990.

Ao analisar o poema, os alunos encontrarão estruturas de predicação nominal explícita,


como em “O corpo sem peso é nuvem à-toa” ou “a vida é uma boa” e implícitas como em
“Cabelos molhados”, que poderia ser uma sentença como “Os cabelos estão molhados”. Essa
atividade permite que os alunos manipulem as estruturas que acabaram de analisar e
percebam os diferentes sentidos que podem ser explorados pelo uso dessas estruturas no
texto.

Análise

Esperamos que os alunos sejam capazes de reconhecer as diferenças entre as


estruturas de predicação verbal e nominal e como essas estruturas afetam o sentido do texto
quando aplicadas à comunicação. A atividade mobiliza a categoria dos verbos de ligação e de
predicativo do sujeito no nível das noções linguísticas, no entanto, procura despertar a
consciência do aluno para a estrutura do predicador nominal e seu argumento e das relações
estabelecidas entre determinante e determinado, presentes no nível paralinguístico. O
domínio de como se dá a formação de orações no PB permite que alcancemos no nível
protolinguístico objetivos como a melhoria da compreensão e produção de sentidos a partir
de enunciados e uma maior autonomia linguística dos alunos. Tais objetivos são
particularmente importantes nas estruturas com predicadores nominais, pois os alunos serão
capazes de perceber a diferença entre a relação do predicativo do sujeito com o verbo e dos
complementos verbais com o mesmo elemento.

54
Capítulo 4 - Manipulando sentidos

As discussões apresentadas no início deste livro demonstram a urgência de se


considerar o conhecimento prévio dos alunos que, afinal de contas, dominam sua língua
materna e a usam cotidianamente. Mas se o aluno domina a língua, qual é então o papel da
escola e do ensino de língua materna? Acreditamos que um dos principais objetivos do ensino
de língua materna nas escolas seja promover a competência textual do aluno, ampliando seu
repertório de atuação. Não se trata, portanto, do conhecimento que o aluno possui sobre a
língua, mas do que ele é capaz de fazer com esse conhecimento.
Assim, a competência comunicativa é atingida quando o aluno domina a transição
entre diferentes registros da língua, sabendo se adequar a diferentes contextos. A fluência nas
diferentes variedades do PB garante ao aluno o pleno domínio da sua língua e a capacidade
de dominação da produção de sentidos por meio da leitura e da construção de enunciados.
Desse modo, as atividades deste capítulo visam à autonomia do estudante, elucidando os
mecanismos que se articulam no texto e os fatores que devem ser levados em consideração
durante sua produção.

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Atividade 1
Escolhas lexicais e efeitos de sentido em letras de música - Ana Luísa Gonçalves, Daniel
Vasconcelos Resende, João Renato Carneiro Ferreira, Melina Gonçalves e Poliane Alves
de Souza

Público-alvo: 8º ano do Ensino Fundamental

A escolha do léxico é fundamental na construção de sentido dentro do texto. Portanto,


essa atividade tem o objetivo de despertar a consciência dos alunos para como nossas
escolhas linguísticas podem auxiliar ou prejudicar na produção de sentido. Partindo da
comparação de letras de música, gênero mais criativo, esperamos que os alunos desenvolvam
a capacidade de seleção de estruturas linguísticas adequadas aos seus objetivos dentro do
texto.

Experiência linguística

O professor explorará com os alunos a escolha lexical a partir de músicas populares


sobre o tema “amor romântico”. Pode-se dar destaque ao papel que é construído sobre as
figuras do homem e da mulher dentro das canções. Como exemplo:

“Quem cai uma vez


Vai cair três
Só que eu 'to caindo pela décima vez
E quando eu decido que vou te esquecer
'Cê fala que me ama só pra me prender”

Milu, Gusttavo Lima

“Eu vou trocar meu celular num Nokia tijolão


Que só manda mensagem e faz ligação
Se eu ver mais um vídeo seu, sem eu, sendo feliz
Certeza que a minha vida vai 'tá por um triz
Me mata não, essa internet virou arma na sua mão”

Tijolão, Jorge e Matheus

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“Ele chegou na voadora
E o coração, tadin, num golpe foi pra lona
Rancou de mim minhas bebida e a farra
Só consigo pensar em serenata”

Serenata, Marília Mendonça

Com base na análise dessas três músicas, os alunos devem, em grupos, identificar
campos semânticos a partir das letras de músicas. Quais palavras são associadas à mulher? E
ao homem? Como o amor é retratado?
Por exemplo: Em Milu, do cantor Gusttavo Lima, o eu lírico representa o homem, e ao
homem podem ser associados termos como submissão, vulnerabilidade, vítima, enquanto à
mulher podem ser associados termos como controle, manipulação, poder. Na letra de Marília
Mendonça, o eu lírico assume a posição da mulher, a quem podem ser associadas palavras
como vulnerabilidade, desamparo, arrebatamento, enquanto ao homem, são associados
termos como, força, determinação, atitude.

Reflexões gramaticais

O professor deve então pedir que os alunos reflitam sobre os ganhos de sentido
permitidos pela estrutura dos textos. Qual a importância da perspectiva do eu lírico? Quais
elementos textuais permitiram as associações semânticas do exercício anterior? Como seria
possível construir novos significados alterando elementos específicos das letras de música?
Por meio dessas reflexões, espera-se que os alunos possam compreender as escolhas
linguísticas realizadas na construção dos textos e as diferentes possibilidades de sentido
veiculado pelas alterações vocabulares realizadas.

Consolidando as reflexões

Cada aluno deve escolher uma música e descrever como o amor romântico está
retratado nessa música. Quais são os indivíduos envolvidos e como eles são retratados na
letra? Qual a perspectiva do eu lírico? O professor pode fazer fichas para que os alunos
sorteiem um aspecto a ser alterado na letra da música: a perspectiva do eu lírico, a forma com
que o amor é retratado, o posicionamento da outra parte.

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Análise

Esperamos que essa atividade permita que os alunos manipulem seus textos com mais
autonomia e sejam capazes de realizar uma leitura crítica dos enunciados que vierem a
encontrar na vida, sabendo que cada escolha lexical é intencional e serve a um propósito
dentro do texto. No nível linguístico, a atividade articula o uso de recursos linguísticos dentro
do texto, que permite desvelar no nível paralinguístico noções de análise do discurso como a
perspectiva comunicativa e como ela se expressa na superfície do texto. No nível
protolinguístico esperamos alcançar um maior domínio de enunciados em geral, dado que o
aluno será capaz de reconhecer as estruturas e intenções que se articulam por trás do texto.

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Atividade 2
Escolhas lexicais e efeitos de sentido no te xto jornalístico - André Pinto, Bruna
Tobias, Helena Aleva to, Maria Carolina, Paulina Praxedes

Público-alvo: 8º ano do Ensino Fundamental

As escolhas lexicais bem como o contexto comunicativo no qual os enunciados se


inserem estão intimamente relacionados, permitindo que o leitor faça inferências acerca do
posicionamento dos veículos de comunicação sobre um dado evento. Mesmo ao lidar com
textos jornalísticos, notoriamente objetivos, o aluno deve estar preparado para encontrar
vieses sutilmente expressos na estrutura do texto. Essa atividade visa permitir que os alunos
aprimorem sua capacidade crítica de interpretação e produção de texto, garantindo que
entendam a importância de uma boa seleção lexical na veiculação de sentidos dentro do texto.
Buscamos ainda explorar os conceitos de sinônimos, antônimos e eufemismo, demonstrando
como se dá a relação de sentido entre as palavras e diferentes contextos comunicativos.

Experiência linguística

O professor deve apresentar aos alunos algumas sentenças semelhantes, porém com
escolhas lexicais chave que alterem seu sentido e pedir que os alunos expliquem as diferenças
entre elas. Exemplo:

I) a) Nicolas não é feio. b) Nicolas é bonito.


II) a) Baco Exu do Blues é um dos maiores rappers da música contemporânea e tem
apenas 23 anos.

b) Baco Exu do Blues é um dos maiores rappers da música contemporânea e já tem 23


anos.
Por meio dessas sentenças, os alunos poderão acessar seus conhecimentos prévios
acerca do valor da seleção lexical.

Reflexões gramaticais

O professor deve então apresentar manchetes e notícias de jornal para que os alunos
analisem a forma com que o vocabulário é selecionado.

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Texto I

Esposa de Piqué, Shakira se destaca como filantropa

Além de ter uma lista de sucessos musicais


impressionante, a musa do jogador da Seleção Espanhola de
Futebol Gerard Piqué também se destaca por seu trabalho
social, por meio de uma fundação própria e em parceria com
o Unicef
Fonte: <https://www.terra.com.br/diversao/gente/>
Acesso em março/2020

Quais termos a notícia usa para se referir a Shakira? O que esses termos evidenciam?

Texto 2

Marido de Beyoncé entra oficialmente para o time de bilionários da ‘Forbes’

Jay-Z ganhou o posto de primeiro bilionário do


rap após ‘rebaixamento’ de Dr. Dre.

Fonte: <https://oglobo.globo.com/cultura/musica/>
Acesso em março/2020

Como é construída a imagem de Jay-Z na manchete?

Texto 3

Bioquímica e estudantes de medicina são presos com 150kg de maconha em Maringá

Fonte: <https://www.jornaldooeste.com.br/noticia/>
Acesso em março/2020

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Texto 4

Traficante é preso com 100 gramas de maconha

Fonte: <https://paticionunes.blogspot.com/>
Acesso em março/2020

O que determina a diferença de abordagem entre as duas manchetes?

Durante essas reflexões, os alunos podem ainda refletir sobre as relações de sinonímia
e antonímia. Como termos de mesmo valor semântico podem ser explorados no texto? Se
substituirmos uma palavra por seu sinônimo o sentido do texto irá se manter? Os alunos
podem ainda refletir sobre a figura de linguagem do eufemismo e como ela atua na
manipulação dos sentidos dentro do texto.

Consolidando as reflexões

O professor deve pedir que os alunos recolham recortes de jornais e revistas para a
organização de um painel. Neste painel, devem ser destacados os termos chave para a
construção do texto e propostas de substituições que possam afetar como o texto será
recebido pelo leitor. Os alunos podem ainda buscar notícias sobre um mesmo evento em
diferentes veículos comunicativos, evidenciando as escolhas vocabulares em cada texto e
como tais escolhas alteram a percepção do leitor acerca dos fatos contados.

Análise

Esperamos que essa atividade permita que os alunos percebam como os leitores
podem ser manipulados por meio da linguagem e estruturas utilizadas em um dado texto,
permitindo-lhe uma leitura mais crítica dos enunciados que os cercam. No nível linguístico, a
atividade articula o uso de recursos linguísticos dentro do texto, que permite desvelar no nível
paralinguístico noções de análise do discurso como a perspectiva comunicativa e como ela se
expressa na superfície textual. No nível protolinguístico esperamos alcançar um maior domínio
de enunciados em geral, dado que o aluno será capaz de reconhecer as estruturas e intenções
que se articulam por trás do texto.

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Atividade 3
A escolha lexical e sua relação com o público -alvo - Aline Cristina Marques, Ana Luiza de
Oliveira Melo, Gabriela Caroline Alves Claudino, Sarah Teixeira da Silva

Público-alvo: 1º ano do Ensino Médio

Um dos principais objetivos do ensino de língua materna é permitir que o aluno transite
entre diferentes gramáticas do PB, sabendo adequar sua linguagem a diferentes contextos
selecionando estruturas tanto da gramática normativa quanto da gramática da fala. A
adequação da linguagem passa pelas escolhas lexicais, que garantem uma comunicação
efetiva com o leitor/público-alvo do enunciado produzido. Desse modo, antes de se produzir
qualquer texto, é fundamental sabermos a que público esse texto se destina, ou quem
almejamos atingir por meio dele.
Essa atividade tem como objetivo discutir como a audiência determina a escolha de
estruturas e do léxico durante a construção do texto, garantindo uma manifestação linguística
adequada ao seu contexto de produção, seja no texto escrito ou no texto oral.

Experiência linguística

O professor deve iniciar as reflexões com os alunos por meio de duas ou mais
manchetes sobre um mesmo acontecimento advindas de veículos comunicativos diferentes,
ou de plataformas diferentes. Os alunos devem identificar elementos que distingam as duas
manchetes e que as aproximam. Como exemplo:

Texto 1

'Tsunami da miséria': coronavírus pode empurrar meio bilhão para a pobreza

As consequências econômicas do coronavírus podem empurrar até 500 milhões de


pessoas para a pobreza.

Fonte: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52235230>
Acesso em março/2020
Texto 2

Coronavírus pode levar 500 milhões de pessoas para a pobreza

Alerta de entidade internacional pede plano emergencial global

Fonte: <https://www.poder360.com.br/coronavirus/>
Acesso em março/2020

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Texto 3

Uma pandemia como a #COVID19 pode aprofundar a pobreza de comunidades e


populações. Temos que ter a certeza que os mais vulneráveis estão protegidos. Acesse:
http://bit.ly/ods1onu

Informe-se:
<http://onu.org.br/coronavirus>. Acesso em março/2020
<http://paho.org/bra/covid19>. Acesso em março/2020

#ObjetivosGlobais

Fonte: <https://twitter.com/onubrasil>
Acesso em março/2020

O professor deve instigar os alunos a refletirem sobre quais fatores estariam por trás
das escolhas lexicais e das diferentes estruturas apresentadas nos textos. Após essa breve
discussão, os alunos apresentam as conclusões às quais chegaram. Neste momento deve-se
relembrar a presença de um locutor e um interlocutor nos enunciados analisados, colocando
o público-alvo em evidência para os alunos.

63
Reflexões gramaticais

Em grupos, os alunos devem discutir textos de origens diversas buscando, por meio
da análise dos elementos que nelas se estruturam, identificar seu público alvo. Por exemplo:

Fonte: <twitter.com/folha>
Acesso em março/2020

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Fonte: <http://capes.cienciahoje.org.br/viewer/?file=/revistas/pdf/chc_284.pdf.>
Acesso em março/2020

Durante a apresentação das conclusões, o professor deve discutir com os alunos a


adaptação de textos para diferentes audiências. A forma com que uma notícia aparece no
jornal ou na conta do Twitter desse jornal é um exemplo de adaptação à audiência, outro
exemplo são as notícias de divulgação científica, que adaptam os resultados de uma pesquisa
para o conhecimento do público leigo. O que deve ser observado ao se fazer a adaptação de
um texto para outro público-alvo?

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Consolidando as reflexões

Após a leitura e socialização das percepções dos alunos acerca da adaptação de textos,
o professor deve pedir que cada aluno escolha um texto e o adapte para um novo público-
alvo. Quais estruturas foram alteradas na adaptação? Como o léxico foi explorado para
favorecer a compreensão do público? Os alunos devem explicar as escolhas realizadas.

Análise

Esperamos por meio dessa atividade permitir que os alunos percebam como o público-
alvo é fator determinante na produção de um texto e que a adequação da linguagem é
fundamental para garantir sua compreensão. No nível linguístico, a atividade articula o uso de
recursos linguísticos dentro do texto tendo em vista uma certa audiência, que permite desvelar
no nível paralinguístico noções da estética da recepção e o papel do leitor na produção de
sentidos no texto. No nível protolinguístico, esperamos alcançar um maior domínio de
enunciados em geral e a ampliação do poder de adequação linguística e mudança de
gramática, nos termos de Duarte e Serra (2015) dado que o aluno será capaz de reconhecer a
relação entre contexto e público-alvo e as estruturas que se articulam no texto.

Considerações finais

Muito se tem discutido sobre o ensino de língua materna no ensino básico: devemos
ensinar gramática? Devemos colocar o foco na produção textual? Buscar uma abordagem
gramatical contextualizada? Tais discussões, no entanto, ignoram o ponto mais importante, o
fato de que o aluno domina plenamente essa língua, usa essa língua todos os dias para se
comunicar, pensa nela e até sonha por meio dela.
A teoria gerativista e a abordagem metacognitiva estão há anos discutindo a
importância de se valorizar as competências do indivíduo no ensino de língua materna,
contudo, sua presença na sala de aula ainda é tímida. Esse livro surgiu da tentativa de colocar
todas as ideias que já floresceram no papel para aplicação direta em sala de aula. As atividades
são resultado do esforço conjunto, tanto de proporcionar aos alunos da licenciatura a
oportunidade de atuar como professores planejando aulas reais, adaptadas ao cotidiano da
sala de aula, quanto da tentativa de ajudar os professores que estão na linha de frente,
diariamente inspirando seus alunos. Não apresentamos mais uma teoria para ser levada em
consideração na preparação das aulas, mas almejamos criar uma ferramenta que permita aos
professores trazer a ciência para a sala de aula, apresentando as infinitas possibilidades de
aprendizado advindas do olhar científico. Por enquanto nossa contribuição também está só
no papel, apesar de ter passado por diversas cabeças para chegar até aqui, mas esperamos
inspirar os professores de língua portuguesa para que essas 15 propostas deixem o livro e se
tornem realidade.

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Referência bibliográfica

BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula.


São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

_____. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística e educação. 2.ed. São Paulo:
Parábola Editorial, 2006.

CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: Del saber sabio al saber enseñado. Traduzido


por Claudia Gilman. Editora Aique: Buenos Aires, 1991.

DUARTE, E. e SERRA, C. Gramática(s), Ensino de Português e ‘Adequação Linguística’. In:


Matraga, Rio de Janeiro, 2015.

KENEDY, E. Curso básico de linguística gerativa. Contexto: São Paulo, 2013.

LOBATO, L. Linguística e Ensino de línguas. Brasília: Editora UnB, 2015.

MARTINS, M. A.; VIEIRA, S.; TAVARES, M. A. Ensino de português e sociolinguística. São


Paulo: Contexto, 2014.

OLIVEIRA, R. P.; QUAREZEMIN, S. Gramáticas na escola. São Paulo: Editora Vozes, 2016.

PERINI, M. A. Princípios de Linguística Descritiva. São Paulo: Parábola Editora, 2006.

PILATI, E. Linguística, gramática e aprendizagem ativa. 1. ed. Campinas: Pontes, 2017.

Referências complementares sobre noções de gramática

CHOMSKY, N. Knowledge of Language: Its Nature, Origin, and Use. New York: Praeger
Publishers, 1986.

DUARTE, M. E. L.; SERRA, C. R. Gramática(s), ensino de português e “adequação linguística”.


Revista Matraga. Rio de janeiro, v.22, n.36, jan/jun, 2015.

FARACO, C. A.; ZILLES, A. M. Para conhecer norma linguística. São Paulo: Contexto, 2017.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2009.

FRANCHI, C; NEGRÃO, E. V.; MÜLLER, A. L. Mas o que é mesmo “gramática”? In: POSSENTI,
S. (Org.). Mas o que é mesmo “gramática”?. São Paulo: Parábola, 2006.

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