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SANTA MARIA (RS) | ANO 2020 | N°18

AÇÃO DE CHOQUE
A FORJA DA TROPA BLINDADA DO BRASIL

ISSN 2316-2090

AÇÃO DE CHOQUE 1
5 EDITORIAL
6 O FUTURO DAS FORÇAS
BLINDADAS DO BRASIL
Cel Alex Alexandre de Mesquita
O autor apresenta uma visão sobre
alternativas de obtenção de viaturas
blindadas a partir da perspectiva do mercado
internacional de blindados e da Base
Industrial de Defesa brasileira, destacando
circunstâncias que poderão torná-las
factíveis.

14 O TREINADOR
SUMÁRIO SINTÉTICO

DE BLINDADOS E SEU
IMPACTO NA
PRONTIDÃO
PARA O COMBATE
Maj Alceu Lopes De Menezes Júnior
Instrutor do CI Bld apresenta as capacidades
do Treinador Sintético de blindados e analisa
seus benefícios na prontidão para o combate
da tropa blindada.

20 ATUAÇÃO DO
INSTRUTOR 
AVANÇADO
DE TIRO NO PROCESSO
DE PLANEJAMENTO DE
OPERAÇÕES MILITARES
Cap Augusto Cezar Mattos Gonçalves De
Abreu Pimentel

O presente estudo traz à luz o debate sobre


a atuação do Instrutor Avançado de Tiro no
processo de planejamento das operações no
nível subunidade.

2 AÇÃO DE CHOQUE
28 CCL-SL SK105A2S E 54 VIATURA BLINDADA DE
O SIGNIFICADO 
DOS COMBATE 
OBUSEIRO
CARROS DE COMBATE AUTOPROPULSADO
NO CORPO DE 155 MM M109 A5+BR:
FUZILEIROS NAVAIS NOVAS CAPACIDADES
1° Ten João Paulo de Souza
PARA O APOIO DE FOGO
Oficial da Marinha do Brasil apresenta
como o Corpo de Fuzileiros Navais emprega
EM ÁREAS 
URBANAS
o Carro de Combate Leve sobre lagartas
SK105A2S em operações anfíbias.
HUMANIZADAS
Cap Henrique Lima Guedes

34 A IMPLANTAÇÃO DA Neste artigo, o autor descreve diversos recur-

VBMT-LSR NO ROL sos técnicos que tornam a VBCOAP M109 A5+


BR o meio de apoio de fogo mais adequado do

DA TROPA BLINDADA EB para o emprego da Função de Combate Fo-


gos em áreas urbanas humanizadas.

NACIONAL E SEUS
IMPACTOS PARA 60 O EMPREGO DA AVIAÇÃO
CAVALARIA MECANIZADA DO EXÉRCITO DOS
Cap Anderson Medeiros Demutti
ESTADOS
UNIDOS EM
O autor apresenta as principais características
da VBMT-LSR e ressalta as mudanças adivindas
PROL DAS TROPAS
da implantação desta viatura para a Cavalaria
Mecanizada do Exército Brasileiro.
BLINDADAS
Cap Richard Carvalho Spindola

44 EMPREGO DE BLINDADOS Esse trabalho pretende ampliar as possibilida-

BRASILEIROS EM des de emprego das tropas blindadas em con-


junto com a aviação do exército, apresentando

ÁREAS EDIFICADAS as principais formas de emprego simultâneo


desses dois tipos de tropas segundo a doutri-

LÍBIA 2015-2020 na norte-america.

Prof. Expedito Carlos Bastos

Este artigo tem como objetivo mostrar o emprego


em áreas edificadas do veículo blindado sobre ro-
das mais bem sucedido, projetado, desenvolvido
e produzido no país, o blindado EE-9 cascavel.

AÇÃO DE CHOQUE 3
AÇÃO DE CHOQUE
A FORJA DA TROPA BLINDADA DO BRASIL

CONSELHO EDITORIAL

COMANDANTE DO CI BLD
TC Camilo Pereira Antunes

EDITORES
Maj Gabriel Santiago
Cap Ezequiel Strassburger

REVISÃO
TC Alisson Rodrigues de Oliveira
Maj Marcelo Vitorino Alvares
1° Sgt Olmiro Patric Silva Flores
1° Sgt Marcelo Krusche
Amanda Vianna Lung (UFSM)
Bárbara Elisa Marmor da Silva (UFSM)

PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E


FOTOGRAFIAS
Marcos Amaral de Oliveira (UFSM)
Sd Arthur Machado Menezes

ADMINISTRAÇÃO, REDAÇÃO E
DISTRIBUIÇÃO
CI Bld – Seção de Doutrina
Avenida do Exército, nº 2650, Bairro Boi
Morto, Santa Maria-RS
CEP: 97030-110
Tel: (55) 3212 5505 / (55) 3212-5474
www.cibld.eb.mil.br
e-mail: doutrina@cibld.eb.mil.br

Os conceitos emitidos nas matérias assinaladas


A638 Ação de choque: a forja da tropa blindada do Brasil. / Centro de Instrução são de exclusiva responsabilidade dos autores,
de Blindados General Walter Pires. – n 18 (2020) – Santa Maria: Centro de não refletindo, necessariamente, a opinião do CI
Instrução de Blindados General Walter Pires, 2020. Bld. A revista não se responsabiliza pelos dados
cujas fontes estejam citadas. Salvo expressa
Anual disposição contrária, é permitida a reprodução
ISSN 2316-2090 total ou parcial das matérias publicadas desde
que mencionados o autor e a fonte.
1. Assuntos Militares. 2. Força Terrestre – Blindados. I. Centro de Instru-
ção de Blindados General Walter Pires. II. Título.
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Ficha catalográfica elaborada por Eliziane do Carmo Lopes CRB10/2330

4 AÇÃO DE CHOQUE
EDITORIAL
TC Camilo Pereira Antunes

Por ocasião da celebração de 24 anos da criação do com um relato sobre o histórico dos blindados e em-
Centro de Instrução de Blindados, é com honra e ale- prego do Carro de Combate Leve sobre Lagartas SK
gria que publicamos um novo número da tradicional 105A2S no Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do
Ação de Choque. Brasil.
Nesta edição, agregamos conhecimento em oito ar- No campo da modernização das tropas mecani-
tigos de especialistas na tropa blindada, que estudam zadas, o Capitão Demutti busca fomentar os pensa-
e vivenciam experiências profissionais, abordando va- mentos e discussões sobre os principais e iminentes
riados assuntos e pontos de vista sobre o tema. impactos à tropa de cavalaria mecanizada por ocasião
Abrindo esta edição, o Coronel Alex, antigo coman- de um processo completo de implantação de uma nova
dante do CI Bld, nos apresenta uma importante re- plataforma possuidora de blindagem para o Grupo de
flexão sobre as alternativas de obtenção das Viaturas Exploradores do Pel C Mec: a Viatura Blindada Multita-
Blindadas de Combate Carros de Combate e Viaturas refa Leve sobre Rodas.
Blindadas de Combate Fuzileiros a partir da perspec- O EE-9 Cascavel e seu emprego no combate urbano
tiva do mercado internacional de blindados e da Base da Líbia nos últimos anos foi alvo da análise do pes-
Industrial de Defesa brasileira, destacando circunstân- quisador de assuntos militares Expedito C. S. Bastos.
cias que poderão torná-las factíveis. O autor descreve de que forma o Cascavel está sendo
Destacando a importâncias da simulação de com- empregado no conflito em tela, mostrando que mesmo
bate para as tropas blindadas o Major Menezes traz não sofrendo modificações complexas, um blindado
acurado estudo acerca do Treinador Sintético de Blin- nacional com mais de 40 anos, projetado, desenvolvi-
dados e seus benefícios na preparação de tropas para do e produzido no Brasil ainda auxilia no combate de
o combate, não só pela economia de meios e redução forma expressiva e eficaz.
de riscos, mas também por massificar procedimentos Dentro do contexto de transformação e moderniza-
e permitir uma melhor consciência situacional para as ção da Artilharia de Campanha, o Capitão Guedes apre-
guarnições de CC. senta as características da Viatura Blindada de Comba-
No campo da atuação do Instrutor Avançado de te Obus Autopropulsada 155 mm M109 A5+ BR, recém
Tiro o Capitão Pimentel apresenta embasamentos te- adquirida pelo Exército Brasileiro, relativas ao subsis-
óricos e argumentações favoráveis ao assessoramen- tema Linha de Fogo, concluindo sobre sua atuação em
to do especialista no processo de planejamento de Operações de Guerra em áreas urbanas humanizadas.
operações militares no escalão subunidade. De modo Por fim, no último bloco, temos o artigo feito pelo
original, considerando a inexistência de uma base con- capitão Spíndola. O autor descreve brevemente as tro-
ceitual que permita delimitar a atuação do referido pas blindadas do Exército dos Estados Unidos e a Avia-
especialista, o autor propõe por meio de exemplos e ção do Exército daquele país, para em seguida apre-
instrumentos próprios, uma perspectiva metodológica sentar as principais formas de emprego combinado
a ser implementada. desses dois tipos de tropa.
Expandindo os assuntos abordados na presente Boa leitura.
edição o Tenente Fuzileiro Naval João Paulo nos brinda Aço! Boina Preta! Brasil!

AÇÃO DE CHOQUE 5
1° TEN FELIPE MATHEUS GOMES GUERRERO

Foto: Misrata TV

EMPREGO DE BLINDADOS
BRASILEIROS
EM ÁREAS EDIFICADAS LÍBIA 2015 - 2020
Expedito Carlos Stephani Bastos

ANTECEDENTES
O ENGESA EE-9 Cascavel começou a ser desenvol- peças produzidas pela então indústria automotiva bra-
vido em 1970, numa parceria que envolveu o Parque sileira. Esse cuidado o tornou um carro robusto, fácil de
Regional de Motomecanização da 2ª Região Militar – operar, com manutenção simples e barata. Sua mobili-
PqRMM/2 e a Engenheiros Especializados S/A – ENGE- dade foi outro ponto positivo graças a então suspensão
SA, ambos sediados em São Paulo, SP. “Boomerang”, capaz de realizar manobras rápidas em
Produzido durante 18 anos (1975/1983), este blin- qualquer tipo de terreno, mantendo as rodas traseiras
dado sobre rodas 6x6, concebido para operações de sempre em contato com o solo. Ele pode também alcan-
reconhecimento e segurança, teve como maior trunfo a çar velocidades elevadas, cobrindo grandes distâncias
simplicidade. Durante o projeto foi eliminado qualquer em pouco tempo. Considerado um excelente veículo na
sofisticação desnecessária, utilizando-se ao máximo as sua categoria, possuindo um eficaz poder de fogo em ra-

44 AÇÃO DE CHOQUE
EXPEDITO CARLOS STEPHANI BASTOS

zão de seu armamento localizado na torre, onde possui depósitos líbios, onde muitos blindados sobre rodas EE-9
um canhão de 90 mm e sistemas de direção de tiro com Cascavel se encontravam armazenados fruto das 400 uni-
uma eficácia acima da média. No início de sua produ- dades adquiridas nos anos de 1970.
ção seriada era equipado com canhão 62 F1 e torre, Os veículos acabaram inicialmente sendo usados
ambos de origem francesa, sendo que a partir da ver- por forças policiais e milícias que controlavam as prin-
são M-2S3 passou a usar canhão e torre de concepção cipais cidades líbias, como Trípoli, Bengasi, Tobruque,
brasileira, modelo EC-90 com canhão de 90 mm e me- Misratale, Sirte, sendo que a partir do momento em
tralhadora 7,62 mm. que diversas facções terroristas como as do ISIS/Da-
A sua produção total, incluindo todas as suas ver- esh começaram a adentrar e dominar o território Lí-
sões, alcançou a cifra de 1738 unidades, das quais o bio, a guerra passou a ter uma nova conotação, pois
maior comprador foi o Exército Brasileiro com 409 fez-se necessária a junção de diversas forças para com-
unidades, seguido da Líbia (400), do Iraque (364), bater aquele grupo extremista.
Colômbia (128), Chipre (124), Chile (106), Zimbábue
(90), Equador (32), Paraguai (28), Bolívia (24), Uru-
guai (15), Gabão (12) e Suriname (6), sendo o blindado
nacional de maior sucesso. Como curiosidade, seu cus-
to unitário, em 1988 era da ordem de US$243.000,00
(versão motor Mercedes-Benz) e US$258.000,00 (ver-
são motor Detroit diesel).
O seu batismo de fogo se deu em 1977, entretanto, ain-
da continua em operação em diversos conflitos na África,
Oriente Médio e América do Sul.

BREVE HISTÓRICO DOS ACONTECIMENTOS Figura 1: EE-9 Cascavel M3-S2 (Líbio) em ambiente urbano dando
cobertura à infantaria e aos carros de combates e outros veículos
NA LÍBIA blindados, atuando rapidamente para neutralizar posições inimigas
do EI. Notar que o mesmo se encontra em sua configuração
original, nos arredores de Sirte.
A Primavera Árabe é um nome dado a uma onda de Fonte: Misrata TV.
protestos, revoltas, revoluções e manifestações popula-
res ocorridas no Oriente Médio e Norte da África a par- A Líbia foi um grande comprador de modernos equipa-
tir de 18 de dezembro de 2010, iniciando-se na Tunísia mentos militares tanto no Ocidente como no Oriente, um
e logo alcançando o Egito, espalhando-se na forma de cliente de primeira linha das diversas empresas da Base
Guerra Civil na Líbia e Síria, com grandes protestos na Industrial de Defesa Brasileira daquela época, acabando
Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iêmen. por abastecer os arsenais líbios com material de emprego
No início foi vista pelo Ocidente como uma onda militar brasileiro que iam de coturnos até veículos blin-
que traria a democracia para a região, mas seus resul- dados, em expressiva quantidade e, na maioria das vezes,
tados não foram dos melhores, tanto que na Líbia uma com pagamentos sempre à vista.
guerra civil se alastra desde 2011. Dentre essas empresas, uma que se beneficiou enor-
O curioso é que o esfacelamento da Líbia com apoio memente foi a Engenheiros Especializados S/A - ENGE-
Europeu, em virtude da necessidade de petróleo, acabou SA, que com a venda de seus blindados Cascavel e Urutu
por desmantelar o Exército Regular Líbio, perdendo o con- conseguiu construir uma grande planta industrial em São
trole de seus arsenais que acabaram por cair em mãos de José dos Campos, SP, onde se produzia de caminhões até
milicianos logo após a queda do ditador Muamar Kadafi, carros de combate, alguns seriadamente e outros que fi-
executado em 20 de outubro de 2011. caram apenas na fase de protótipos.
A grande quantidade de material militar dos mais va- Desde 2019 a situação se agravou na Líbia, mesmo
riados tipos e tamanhos acabaram sendo saqueados dos tendo derrotado o Estado Islâmico (EI), as forças que

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EMPREGO DE BLINDADOS BRASILEIROS EM ÁREAS EDIFICADAS LÍBIA 2015 - 2020

estavam unidas para aquela finalidade acabaram por Líbio, que os conduzem e orientam nas missões para re-
se desentenderem e estão em conflito entre si. Desta- tomada de grandes áreas urbanas nas principais cidades
cando-se nesse primeiro semestre de 2020 o GNA (Go- líbias que se encontram sob domínio do EI.
vernment of National Accord) liderados pelo Primeiro
Ministro Fayez al-Sarraj, com apoio da Turquia, Itália e
Catar, que estão em luta contar o LNA (Lybian National
Army) liderados pelo Marechal de Campo Khalifa Haf-
tar, apoiado por Rússia, Egito, França, Arábia Saudita,
Estados Árabes Unidos e Sudão. Esses atores que es-
tão se enfrentando tanto na capital Trípoli como nas
principais cidades líbias, como Misrata, Sirte, e Benga-
si, que vêm sendo conquistas uma a uma com grande
vantagem para o LNA.
Ocorre que mais uma vez encontramos os blinda- Figura 3: EE-9 Cascavel do LNA, com proteção lateral e frontal
devidamente camuflado, operando nas proximidades de Ain Zar,
dos EE-9 Cascavel operando nestas lutas, só que ago- na Tripolitânia, em 09 de dezembro de 2019.
ra em ambos os lados e muitos deles sendo capturados Fonte: Military Information Division – Libyan Armed Force Channel.

e colocados novamente em combate, apenas mudan-


do de mãos (Fig 2). O emprego do EE-9 Cascavel na Líbia é bem mais com-
plexo pois ele atua em área urbana, dando apoio aos carros
de combate mais pesados e a veículos transporte de tropas
que se movimentam ao longo de avenidas largas ou em
ruas estreitas nas principais cidades líbias já citadas.
Os veículos atuam no ataque direto aos integrantes
do EI que dominam grandes áreas dentro das cidades
mais importantes e de onde precisam ser desalojados ou
mesmo neutralizados como forma de acabar com seu do-
mínio e ocupação de áreas compostas por bairros muito
bem construídos do ponto de vista urbanístico.
Inicialmente, o uso de drones é de vital importân-
cia para a localização dos combatentes e seus veícu-
Figura 2: EE-9 Cascavel pertencente ao LNA, capturado pelas los bombas que se encontram escondidos nos mais
forças do GNA nas cercanias do aeroporto internacional de Trípoli
em 04 de junho de 2020.
variados pontos de prédios e residências. Quando
Fonte: Aljazeera Arabic Channel. são localizados e identificados, permanecem sendo
monitorados e imediatamente um grupo de milícias
EMPREGO EM ÁREAS EDIFICADAS, ALGUMAS apoiadas por integrantes do Exército Líbio iniciam a
OBSERVAÇÕES TÁTICAS operação de deslocamento das forças.
No decorrer dos anos, os combates tornaram-se mais
Na Líbia, o emprego do EE-9 Cascavel caracteriza-se agressivos, obrigando principalmente ao EE-9 Cascavel
por ser amplamente utilizado em área urbana, totalmen- operar em ruas estreitas e até mesmo em grandes ave-
te o oposto do que ocorreu no Iraque. nidas, proporcionando cobertura e segurança às cami-
Os Líbios, ao longo de sua guerra civil que se mantém nhonetes equipadas com metralhadoras, em sua maioria
em curso desde 2011, intensificada a partir de 2015, não Toyota Land Cruise, onde aqueles dão cobertura quando
se preocuparam em fazer modificações nos seus veículos essas entram em combate inicial contra o inimigo. A táti-
blindados. Eles são operados, principalmente, pelas milí- ca usada é simples, uma dupla de pick-ups avançam nas
cias locais supervisionadas por integrantes do Exército vias públicas sempre dispostas em marcha ré, como uma

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EXPEDITO CARLOS STEPHANI BASTOS

forma de proteger o motorista e alinhar as metralhado- Dessa forma, os imóveis são cercados e atacados ini-
ras pesadas russas duplas que se encontram montadas cialmente pelas pick-ups, que são protegidas pelos EE-9
na carroceria, com um escudo metálico que protegem o Cascavel e acompanhados pelos blindados mais pesados,
atirador e com uma cadência de tiro extraordinária, no incluindo os de transportes de tropas. A medida que a área
calibre 23 mm, que causam grandes danos nas instala- urbana aumenta, os meios das milícias vão nas mesmas
ções onde se encontram os combatentes do EI. proporções, primeiro os EE-9, depois os T-55 e T-72 e, em
seguida, os obuseiros autopropulsados Palmaria e M-109
empregados como se fossem carros de combate, efetuan-
do disparos diretos contra os prédios a curta distância.
Logo em seguida, a infantaria, apoiada pelos blindados so-
bre rodas EE-9 Cascavel, iniciam a varredura e a tomada
desses prédios em combates francos contra os integrantes
do EI, numa luta mortal para aquele grupo, praticamente
sem prisioneiros.
Quando as ruas são mais estreitas, usa-se o Cascavel
para contornar os quarteirões. Na intercessão das ruas
ele faz tiro direto contra os alvos indicados pelos drones
e dão cobertura à infantaria que os acompanham.
Como o EE-9 Cascavel possui grande mobilidade e
velocidade e pouca blindagem, eles foram recebendo
acréscimos em suas carcaças como proteções laterais de
todos os tipos, aço e borracha, como forma de proteger
Figura 4: EE-9 CASCAVEL operando em área urbana na cidade de suas rodas e pneus.
Bengasi, em fevereiro de 2016 na luta contra integrantes do EI.
Excepcionalmente os veículos se deslocam com as
Fonte: BBC News Arabic.
escotilhas da torre abertas, devido principalmente ao
Como a região é muito plana e na maioria das vezes calor, e em situação de combate a tripulação anda esco-
nas ruas e avenidas pavimentadas fica muito difícil em tilhada como no Iraque.
se criar os “baluartes” com terra e areia como acontece Normalmente operam como seção de carros (duplas),
no Iraque. A solução então encontrada foi bastante inte- que compõem o apoio das milícias, sendo identificadas, na
ressante, a utilização de containers vazios, os quais são maioria das vezes, com adesivos coloridos (vermelho, azul,
carregados por pás carregadeiras, empurradas por tra- amarelo) colados nos veículos que os apoiam, bem como
tores de lagartas blindados ou não e até mesmo reboca- nas roupas dos combatentes, facilitando assim a identi-
dos por obuseiro autopropulsado Palmaria de 155mm ficação do grupo que está atuando naquele setor. Toda a
e M-109, carros de combate T-54, T-55 e T-72. Esses comunicação é realizada por veículos pick-up fechados que
containers são posicionados como barreiras que fecham levam grandes antenas e conjuntos de rádio.
as grandes avenidas, impedindo não só os tiros diretos Com o agravamento da luta, os EE-9 Cascavel, em
do inimigo, como também evitando que carros bombas seus avanços na proteção da infantaria em cruzamento
com grande quantidade de explosivos que possam vir de ruas e avenidas, passaram a se tornar um alvo em po-
em sua direção pilotados por suicidas do EI. Quando os tencial, sofrendo grandes danos em seus conjuntos de ro-
veículos blindados sobre rodas, lagartas, e as pick-ups das, mesmo possuindo o sistema run-flat (pneus à prova
Toyotas armadas com metralhadoras pesadas em sua de balas) que oferecem uma sobrevida maior aos pneus.
carroceria estão posicionadas, um container é retirado A solução encontrada inicialmente foi aplicar chapas de
e inicia-se o avanço. Algumas vezes os containers são aço soldadas na carcaça do veículo, na forma de saias que
puxados por aqueles blindados dando proteção à infan- protegem as rodas traseiras do veículo, e logo em seguida
taria que seguem ao seu lado, em seu avanço. esta solução também acabou por ser usada para proteger

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EMPREGO DE BLINDADOS BRASILEIROS EM ÁREAS EDIFICADAS LÍBIA 2015 - 2020

as rodas dianteiras, em nada comprometendo a sua mo- calibres 12,7mm ou 14,5mm, no lugar do canhão de
bilidade tática e sua dirigibilidade. 90mm.

Figura 5: EE-9 Cascavel M3-S2 (Líbio) todo pintado de preto e com saias de proteção laterais, frontal e traseira, confeccionadas em chapas
de aço, as quais podem ser abertas para acesso aos pneus, operando na cidade de Sirte em 22 de novembro de 2016. O interessante é que
sua mobilidade não foi prejudicada. Nas laterais pintados em branco: Batalhão Al-Jazira.
Fonte: Misrata FM 99.9.

Diversas torres do EE-9 Cascavel dos modelos M3 S1 Da mesma forma que no Iraque, os EE-9 Cascavel
e S2 são encontradas adaptadas e montadas sobre um com todas as suas modificações e adaptações para o
suporte giratório em uma plataforma na carroceria da ambiente urbano, em nada deixaram a desejar aos seus
pick-up Toyota Land Cruise, mantendo apenas o canhão usuários Líbios para o cumprimento de suas missões,
de 90 mm, o mantelet e uma pequena parte da torre que mantendo as suas principais características: mobilida-
vai até a culatra do canhão. Nessas situações, o disparo de, velocidade e poder fogo.
é realizado por meio de uma corda que se estende para Alguns EE-9 Cascavel foram preparados com pro-
fora do veículo. O curioso é que em muitos casos a pon- teção blindadas ao seu redor, tendo um sido todo pin-
taria é feita através da visão do operador que coloca sua tado em preto, e outro devidamente camuflado com
face na abertura da culatra do canhão, apontando para o proteção inclusive na sua parte frontal, onde apareceu
alvo, fixando-o e, a partir daí, realizando o carregamen- nas cercanias de Trípoli em dezembro de 2019, perten-
to do mesmo com a munição para realizar os disparos cente ao LNA.
necessários e mudar rapidamente de posição. Cabe aqui salientar, que o EI também utilizava dro-
Desta forma, verificamos que na Líbia não existe um nes em suas operações, os quais são na maioria das ve-
setor de engenharia, seja do Exército Líbio ou Milícias, zes abatidos a tiro por parte das milícias líbias.
voltados para a produção de componentes extras, que Os combates acabam sendo travados de rua em
melhore a blindagem dos veículos, tanto os sobre rodas rua e casa em casa, e a varredura se faz necessária,
como os de lagartas. Percebemos ainda, muita improvi- pois ao abandonarem os prédios o EI sempre dei-
sação, diferentemente do Iraque onde as modificações xa uma grande quantidade de Artefatos Explosivos
nos armamentos empregados pelos diversos tipos de Improvisados (IED) como armadilhas para os seus
veículos blindados são realizados e supervisionados opositores, o que amplia em muito o trabalho de
por um corpo técnico de engenheiros. O EE-9 Cascavel reocupação dessas áreas. Um detalhe curioso é que
no Iraque vem recebendo outros tipos de canhões além esses combates estão sempre acompanhados por
de haver uma padronização com a aplicação de metra- grande parte da imprensa Líbia que cobre todo o
lhadoras em suas torres, simples ou geminadas e nos conflito.

48 AÇÃO DE CHOQUE
EXPEDITO CARLOS STEPHANI BASTOS

Normalmente a maior parte dos combates são travados nando um giro de aproximadamente 180º em ângulos
durante o dia, mas não raramente eles acontecem a noite, diversos para o tiro.
tanto que pelos menos um EE-9 Cascavel foi posto fora de
ação conjuntamente com um T-55 totalmente destruído,
por uma arma do tipo lança-rojão, em Trípoli.
Outro componente interessante que merece aten-
ção, mesmo não sendo blindado, é a utilização dos
canhões do EE-9 Cascavel, tanto o modelo francês (mo-
delo 62 F1) como o brasileiro (modelo Engesa EC-90),
montados sobre pick-ups Toyota e até em veículos mi-
litares do tipo Humwee e empregados com sucesso nos
combates urbanos, utilizados como artilharia sobre ro-
das, denominados Technicals e em diversos exércitos Figura 7: Technical Toyota Land Cruiser armada com canhão Enge-
modernos, como o americano, inglês, francês e russo, sa EC-90 capturada em 11 de junho de 2020 em Sirte. Notar que
recebeu algumas marcações de número sobre o emblema na porta.
Fonte: Aljazeera Arabic Channel.

Figura 6: Líbia 16 de maio de 2019. Technical Toyota Land Cruiser


armada com canhão Engesa EC-90 realizando disparo próximo a Figura 8: Versão de um Technical pesado montado sobre um Ca-
Trípoli. Notar o tiro lateral e a estabilidade do veículo. minhão russo KAMAZ 43118 6x6 do Novo Exército Líbio em 08 de
Fonte: Libya Alahrar. TV maio de 2017, em Bengasi.
Fonte: 152 Infantry Battallion.

classificados como Non-standard Tactical Vehicles (Ve- O veículo em questão foi exibido em diversos des-
ículos Táticos Não Padronizados). files ocorridos ao longo do ano de 2017 em várias
Das três versões de Technicals (Leve, Média e Pe- cidades líbias, sendo esta a versão mais curiosa e des-
sada) desenvolvidas, foi possível encontrar em duas conhecida.
delas (Leve e Pesada) a existência dos canhões Engesa
EC-90, sendo que a versão pesada foi montada sobre CONCLUSÃO
um caminhão KAMAZ 43118 6x6, onde foi instalado
um conjunto geminado (duplo em paralelo) daqueles Finalizando, podemos afirmar que dos estudos,
canhões montados sobre uma plataforma de canhão fontes pesquisadas e analisadas sobre o emprego do
antiaéreo russo, o qual teve suas rodas removidas EE-9 Cascavel ou de seu canhão à parte, foi possível
sendo fixado na carroceria do caminhão proporcio- observar, e que muito chamou atenção, que na Líbia

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EMPREGO DE BLINDADOS BRASILEIROS EM ÁREAS EDIFICADAS LÍBIA 2015 - 2020

muitos veículos foram capturados de grupos pró- do produto”, os torna um produto nacional, genuina-
-Kadafi por volta de 2014 e reincorporados ao LNA mente brasileiro.
(2015/2016), que os passou a diversas milícias, com
Professor Expedito Carlos Stephani Bastos: Bacharel em di-
diversos Batalhões sem precisar sofrer modificações reito, pesquisador de assuntos militares da Universidade
significativas. Federal de Juiz de Fora/MG no período de 2003 a 2019.
Atualmente, exerce a função de coordenador do ECSB/De-
Os EE-9 Cascavel da Líbia, mesmo não sofrendo fesa.
modificações complexas, auxiliaram no combate urba-
no de forma expressiva e eficaz, dando escolta, suporte
de fogo e cobertura às tropas (milícias) na retomada
REFERÊNCIAS
de cidades estratégicas que se encontravam nas mãos
Bastos, Expedito C.S. ENGESA EE-9 Cascavel 40 anos de comba-
do EI, onde esta fase da luta está chegando ao final.
tes 1977-2017, Coleção Blindados no Brasil, número 7, Edição
Sem dúvida, foi o EE-9 Cascavel o mais expressivo do autor, ISBN 978-85-915398-6-4, Juiz de Fora, 2017;
produto produzido e amplamente melhorado em suas
______. Technicals: A guerra das Toyotas Land Cruiser – A Con-
versões mais modernas, mantendo sua simplicidade tribuição brasileira, série Conflitos Assimétricos -1, Edição do
autor, ISBN 978-85-915398-8-8, Juiz de Fora, 2019;
e fácil manutenção, sendo o que melhor representou
os anseios da Cavalaria Brasileira. Como um produ- ______. Uma Realidade Brasileira - As Exportações dos veículos
militares Engesa, in Revista Da Cultura, Ano VI, nº 10, Junho de
to genuinamente nacional que, mesmo transcorridos
2006, ISBN 1984-3690, Fundação Cultural do Exército - FUN-
mais de quarenta anos, continua inabalável e íntegro CEB, páginas 36/41, Rio de Janeiro, RJ, 2006;
em plena e eficaz atividade, combatendo ao lado de
Cobo, Ignacio Fuente. LIBIA, LA GUERRA DE TODOS CONTRA
verdadeiros mitos da indústria estrangeira e ficando
em nada a dever, além de receber modificações que
nunca foram sequer imaginadas pelos seus criadores.
Os inúmeros equipamentos concebidos ou não
para o emprego militar marcaram, e ainda marcam,
TODOS, Documento de Análisis 46/2014, Instituto Español de
o desenvolvimento de como foram empregados nos
Estudios Estratégicos, 10 septiembre de 2014;
diversos conflitos ao longo dos séculos, alguns com
maior ou menor grau de importância, complexos ou
extremamente simples, mas de grande eficácia.
O custo benefício é sem dúvida o fator decisivo
para sua criação ou adaptação como forma de se evi-
tar uma complexidade tecnológica que nem sempre
se encontra disponível ao alcance do usuário. Sendo
necessário, muitas vezes, partir para adaptações fun-
cionais e que não envolvam tecnologias complexas.
O conceito do emprego aqui analisado e estuda-
do, usado nos conflitos atuais, mostrou-se capaz de
ser importante para seu resultado final, conflitos es-
tes que são muito mais próximos da nossa realidade.
Porém, ao invés de aprendermos com a experiência
alheia, partimos para criar algo “novo”, moderno,
caro e altamente dependente das empresas estran-
geiras, acreditando que o fato de se ter uma filial des-
sas empresas por aqui, concebendo sua montagem
localmente e com um corpo técnico brasileiro acom-
panhando o que se denomina de “desenvolvimento

50 AÇÃO DE CHOQUE
1° TEN FELIPE MATHEUS GOMES GUERRERO

CENTRO DE INSTRUÇÃO DE BLINDADOS GENERAL WALTER PIRES


AV. DO EXÉRCITO, S/NR - SANTA MARIA - RS
WWW.CIBLD.EB.MIL.BR

SOMOS, PORQUE QUEREMOS SER!

68 AÇÃO DE CHOQUE

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