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A Liderança Militar Estratégica: Experiências

e Reflexões
General de Exército (Reserva) Paulo Cesar de Castro, Exército Brasileiro

A experiência e a doutrina, a
História Militar e a literatura civil têm
sido fontes inspiradoras para sucessivas
palestras e debates com os coronéis alunos do
civil; e operações de manutenção da paz, com
tropa e observadores militares.

O Nível Estratégico Militar em


Curso de Política, Estratégia e Alta Administração Tempos de Paz
do Exército (CPEAEx)1. O Manual de Campanha C 20-10, Liderança
O curso é desenvolvido na Escola de Comando Militar, identifica três níveis de comando e
e Estado-Maior do Exército (ECEME), durante exercício de liderança: pequenos escalões,
um ano. Liderança Militar, uma de suas disciplinas organizacional e estratégico3. Essa publicação
curriculares, visa, dentre outros, aos seguintes doutrinária afirma que “A liderança, no nível
objetivos2: de comando estratégico, é exercida pelos
●●Caracterizar liderança estratégica. responsáveis por conduzir os grandes rumos da
●●Identificar as analogias e as diferenças entre Instituição EB”4.
as lideranças civil e militar. O desafio emerge quando se tenta contextualizar
●●Estabelecer princípios de liderança o nível estratégico no Exército Brasileiro, que vive
estratégica adotados na área civil que possam tempos de paz e de normalidade por sucessivas
ser aplicados na área militar. décadas. Ao examinar a estrutura, a distribuição
●●Caracterizar as principais analogias e geográfica das forças e as práticas em curso,
diferenças relativas ao exercício da liderança em concluo ser arriscado vincular o nível estratégico a
função do grau hierárquico e das situações vividas um só parâmetro, a hierarquia militar. Os generais
pelo militar: tempo de paz, operações de combate, de exército (Gen Ex) conduzem os grandes
operações logísticas, trato com autoridades civis rumos do EB e, portanto, exercem liderança no
e com o público em geral ou outras situações. nível estratégico. Contudo, esse nível não lhes é
●●Propor estratégias, técnicas e procedimentos exclusivo.
que estimulem o desenvolvimento de atributos Como general de divisão, tive a felicidade de
que caracterizam a liderança militar estratégica. comandar a então 4ª Região Militar e 4ª Divisão
O propósito deste artigo é compartilhar de Exército (4ª RM e 4ª DE)5, um grande comando
experiências e reflexões, a par de contribuir para operacional e administrativo, com jurisdição
a evolução doutrinária no Exército Brasileiro sobre o Estado de Minas Gerais (MG)6.
(EB), cujas armas silenciaram em 8 de maio de Com território aproximadamente igual ao da
1945, vitorioso na Segunda Guerra Mundial. França, Minas Gerais é uma unidade geopolítica
Desde então, seu emprego tem sido frequente, isolada dos Estados vizinhos pelas serras do Mar
mas restrito a: operações de garantia da lei e da e da Mantiqueira, integrada ao sertão nordestino
ordem; ações subsidiárias, como as de defesa e justaposta ao planalto central. As manifestações

O General de Exército Paulo Cesar de Castro é graduado 4ª Região Militar e a 4ª Divisão de Exército. Como Gen
pela Academia Militar das Agulhas Negras, na arma de Ex foi chefe do Departamento de Educação de Cultura do
Artilharia. É pós-graduado pela Escola de Comando e Exército até 11 de maio de 2011, quando foi transferido para
Estado-Maior, pela Escola de Guerra Naval (EGN) e a reserva. Atuou nas operações Rio-92, Rio, Minas Gerais
pela Escola Superior de Guerra, do Exército Argentino. e Ouro Preto, todas de garantia da lei e da ordem. É doutor
Comandou, como coronel, o 21º Grupo de Artilharia de em Ciências Navais pela EGN.
Campanha; como Gen Bda, a ECEME; como Gen Div, a

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culturais de sua gente evidenciam idiossincrasia Essa característica ficou-me bem clara
própria. Meu superior imediato, o Comandante quando, em junho de 2004, a Polícia Militar,
Militar do Leste (CML), era um Gen Ex com a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar
quartel-general (QG) no Rio de Janeiro, outra e os agentes penitenciários paralisaram
realidade geopolítica, cujos complexos problemas suas atividades, o que configurou uma das
absorviam sua atenção, total e diariamente. Em hipóteses de emprego de minha tropa. O
decorrência, minha liberdade de ação era quase Plano de Operações da 4ª RM / 4ª DE estava
absoluta, o que implicava ligação permanente pronto, os reconhecimentos tinham sido
com o governo estadual, instituições públicas realizados ao longo dos dois últimos anos e os
e privadas, autoridades federais, estaduais e planos dos comandos subordinados estavam
municipais da minha área de responsabilidade. atualizados. Com liberdade de ação e apoio
Implicava, também, os planejamentos decorrentes integral do Cmt CML, em permanente ligação
das hipóteses de emprego em vigor, notadamente com o governador do Estado, desencadeou-se
as de operações de garantia da lei e da ordem a Operação Minas Gerais, concluída com
(GLO) e de ações subsidiárias. êxito absoluto. O Cmt CML, Gen Ex Manuel
Outros grandes comandos (G Cmdo) Luiz Valdevez Castro, fez-se presente em
apresentam características similares: a 5ªRM /5ª Belo Horizonte e conversamos juntos com
DE e a 8ª RM/8ª DE, assim como as 6ª e 10ª RM. o governador. O Gen Castro visitou todas as
Em todos esses comandos de generais de divisão, tropas em operações. A ele minha gratidão
seus comandantes exercem liderança que flutua, pela confiança, solidariedade e apoio irrestrito.
segundo a situação, do nível organizacional para Não me resta dúvida de que, naquela operação,
o estratégico, muito mais integrada a este último continuava a exercer o comando no nível
nível. estratégico, o que viria a se repetir durante a
Marco Domino

O então Presidente do Haiti, René Préval, recebe o Gen Div Santos Cruz e o tunisiano Hédi Annabi, respectivamente o Force
Commander e o Representante do Secretário-Geral da ONU para a MINUSTAH, à época. Annabi seria vitimado fatalmente
pelo terremoto que abalou o Haiti em janeiro de 2010.

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CComSEx

Tropa do Exército executa cerco e isolamento do prédio da Assembleia Legislativa da Bahia, durante greve de policiais
militares naquele Estado, Fev 2012.

“Operação Ouro Preto”7, quando minha tropa A Essência da Liderança


foi empregada para garantir a segurança da Aos meus irmãos de armas concito, com
reunião dos chefes de Estado do MERCOSUL veemência, que se dediquem à liderança
e de países associados. Foi desafiador cumprir especificamente militar. Sua essência é idêntica
a missão não apenas comandando forças do à da liderança civil, mas suas características são
Exército, mas coordenando suas ações com as próprias e sem similar nos ramos profissionais
de outras agências policiais e governamentais externos à caserna. Apenas dos líderes militares
com culturas e valores bem distintos dos que é exigida preparação, em casos extremos, para
praticamos. ordenar o uso da força letal.
Pergunto-me pelos generais brasileiros Preciosa literatura sobre liderança inunda
que comandaram forças de paz na República livrarias e atrai, cada vez mais, líderes empresariais
Dominicana, em Angola, Moçambique e no e religiosos, desportivos e políticos, comunitários
Equador: em que nível exerceram sua liderança? e... militares (sim, nós também, por que não?).
E os que comandaram e ainda comandam Algumas obras se destacam por apresentarem
no Haiti? Nos casos em apreço tratava-se de a essência da liderança, em seus três domínios:
exercer liderança estratégica militar sobre o do ser (domínio afetivo), o do saber (domínio
forças brasileiras e de diferentes países, em cognitivo) e o do fazer (domínio psicomotor).
cumprimento a mandatos da ONU e da OEA, em Bernardo Rocha de Rezende, o Bernardinho, é
íntima ligação com autoridades internacionais e o mais vitorioso treinador brasileiro de voleibol,
dos países hospedeiros. Reafirmo, pois, que a tendo acumulado mais de trinta títulos importantes
liderança no nível estratégico militar não está em sua carreira como líder de seleções nacionais
vinculada apenas ao grau hierárquico. masculinas e femininas8. Sua obra “Transformando
Suor em Ouro”9 é valioso manual de liderança.

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Em minhas palestras, invariavelmente, recorro às cujo enunciado destaco, como valores, a Pátria,
suas palavras: “trabalho + talento = sucesso” e, a hierarquia, a disciplina, a lei e a ordem. A
não por acaso, o trabalho vem antes do talento. esse “núcleo duro”, reflexões e experiências
Em termos militares, significam que se deve certamente acrescentam outros tantos valores
exigir muito — e sempre — na instrução e no necessários ao exercício da liderança militar,
adestramento de homens com vocação e talento dentre os quais: o exemplo e o comprometimento;
para o combate. Suor poupa sangue. a prática da verdade e a honestidade; a retidão e
Recorro, também, a James C. Hunter, autor a coragem moral; a coragem física, a dedicação e
de “O Monge e o Executivo”10 e de “Como se a responsabilidade. Por certo essa é uma relação
tornar um líder servidor”11. De sua primeira incompleta, mas seu resumo diz tudo: “o líder
obra, lembro aos coronéis que “Você gerencia militar é exemplo de caráter e dignidade”.
coisas e lidera pessoas” 12. Ao aplicar esse
princípio, qualquer que seja o nível em que O Comandante é o Líder Militar
esteja exercendo seu comando, o líder militar O C 20-10 definiu que “A liderança militar
será o defensor e amigo de seus liderados, consiste em um processo de influência interpessoal
sensível às suas aspirações, limitações e do líder militar sobre seus liderados, na medida
emoções. Será, ainda, leal e justo, exigente e em que implica o estabelecimento de vínculos
imparcial, educador e paciente, disciplinador afetivos entre os indivíduos, de modo a favorecer
e respeitoso, e exemplo de militar e cidadão. o logro dos objetivos da organização militar em
Em sua segunda obra, o autor afirma que “a uma dada situação”17. Acrescenta que a liderança
liderança servidora é um estilo de vida — é uma ferramenta do comandante18 para mover
ela não é conquistada, mas construída com homens e mulheres por meio de sua qualificação
serviço e sacrifício” 13. Observe o leitor que profissional, de seu desempenho pessoal, além de
Bernardinho e James C. Hunter chegam ao leis e regulamentos.
mesmo fundamento. Em termos castrenses, Ao refletir sobre a doutrina e conjugá-la com
afirmo que o líder estratégico se prepara experiências de quarenta e seis anos de serviço
desde tenente e líder de pequenas frações, ativo, julgo ser indispensável que o comandante
“dedicando-se integralmente ao serviço da
Pátria, respeitando os superiores hierárquicos,
tratando com afeição os irmãos de armas e com Apenas dos líderes militares é
bondade os subordinados”, palavras que todos
pronunciamos cerimoniosamente à frente da
exigida preparação, em casos
Bandeira do Brasil. É imperioso executá-las extremos, para ordenar o uso
em plenitude para se tornar um líder militar.
A essência da liderança pode ser resumida por da força letal.
duas palavras sinônimas: princípios e valores.
Essa não é uma reflexão; é certeza absoluta.
A obra de Michael Jordan “Nunca deixe de lidere sua tropa, seja uma simples esquadra, seja
tentar” foi publicada no Brasil com comentários um grande comando e seja, até mesmo, o Exército
de Bernardinho14, muito feliz ao sintetizar o Brasileiro. Se tal não ocorrer, o comandante
pensamento do autor e citar o de um empresário: não estará cumprindo sua missão. Todos são
“Os grandes líderes têm uma enorme capacidade preparados e têm o dever de se aperfeiçoar ao
de realização, mas o que realmente os diferencia longo da carreira no exercício da liderança militar.
são os princípios e valores que trazem consigo. O Ocorrendo vácuo de liderança, não há exercício
empresário Marcel Telles usa a seguinte definição: do comando, mas ilusória rotina burocrática,
‘Líder é o guardião de princípios’...”15 resumida aos sinais exteriores de respeito e
A essência da liderança militar, em qualquer produção de documentos de eficácia duvidosa.
nível de comando, orienta-se pelo mesmo Portanto, o exercício da liderança militar constitui
postulado. Não me canso de lembrar aos ouvintes dever inalienável do comandante. Só será
a destinação constitucional do Exército16, de comandante quem liderar.

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Experiências e Suas Lições Secretário, seus generais de Intendência e oficiais
O sucessivo desempenho dos cargos de de estado-maior às regiões militares. Das sugestões
Comandante da 4ª RM/ 4ª DE, de Secretário do Assistente e de convicções que formei,
de Economia e Finanças (SEF) e de Chefe do moldou-se rotina inovadora para as VOT: duração
de uma jornada completa; testes de conhecimentos
aplicados a cada agente da administração, os
Para ser comandante com comandantes inclusive; oficinas sobre temas
específicos e, naturalmente, devolução dos
letras maiúsculas é necessário resultados pela cadeia de comando. Os resultados
querer liderar sua tropa, o que foram estimulantes, tendo envolvido comandantes
em todos os escalões, com o consequente
implica ser exemplar soldado, aprimoramento na capacitação técnica geral. Foi
recompensador ter ouvido o Assistente.
modelo de cidadão e fazer o A segunda lição refere-se à relevância da
insubstituível presença do comandante em
que tem de ser feito, vinte e todas as unidades subordinadas. Diretrizes
quatro horas por dia. e ordens escritas, contatos telefônicos e
videoconferências têm reconhecido valor.
Julgo-os valiosos instrumentos complementares,
Departamento de Educação e Cultura do Exército19 inclusive no nível estratégico, mas que não
(DECEx) proporcionou-me experiências e lições, substituem frequentes visitas às unidades.
algumas das quais passo a compartilhar com meus Inspeções, exercícios no terreno, solenidades
irmãos de armas. internas e olimpíada militar são algumas das
A primeira lição é ouvir. Esforcei-me por oportunidades que o líder militar não pode
praticá-la com os oficiais de meu estado-maior. desperdiçar. São momentos preciosos que se
Recém chegado à 4ª RM/4ª DE, fui procurado oferecem ao líder para conversar e compartilhar
pelo oficial de operações, Tenente-Coronel refeições com oficiais e praças, transmitir-lhes,
de Cavalaria Alvorcem, objetivo e conciso. pessoalmente, a orientação de comando, e
Apresentou-me o plano de operações para a estimulá-los a expressarem seus pontos de vista,
hipótese de paralisação da Polícia Militar e aspirações e realizações, inclusive pessoais.
disse-me: “General, precisamos realizar os São, enfim e sobretudo, ocasiões que permitem
reconhecimentos”. Em consequência, ainda fortalecer os laços de confiança e camaradagem
em 2003, todos os comandantes envolvidos recíprocas entre líder e liderados. É pela presença
e seus estados-maiores deslocaram-se para pessoal que a liderança é fortalecida. Nesses
Belo Horizonte, capital de Minas Gerais e, encontros o líder agrega e orienta seu grande
à paisana, discretamente, em viaturas civis, comando rumo à missão que lhe está confiada.
reconheceram itinerários, pontos de acolhimento, Uma terceira lição é a de que o líder militar
acantonamentos, zonas de ação e limites. estratégico é um planejador por excelência. Seu
Testamos o sistema de comando e controle, estado-maior é seu aliado nesse mister e deve ser
reajustamos medidas de coordenação e nivelamos estimulado ao máximo a contribuir com ideias
os conhecimentos de inteligência. Idênticas ações inovadoras. Em Minas Gerais, por exemplo, a
foram repetidas no início de 2004, em razão da missão era dupla, a de região militar e a de divisão
substituição anual de comandantes e da chegada de exército. Sintetizávamo-la em duas palavras:
à área de novos oficiais de estado-maior. Assim “combater e apoiar”. Conciliar todas as atividades
foi possível, em 3 de junho de 2004, desencadear militares com a representação do Exército em
a Operação Minas Gerais, concluída em 10 do Minas Gerais parecia dificílimo, mas não resistiu
mesmo mês, com a missão plenamente cumprida. a um bom planejamento. Vali-me da experiência
Na SEF fui procurado pelo Cel Campos, meu das escolas do Exército que, no ano anterior, já
assistente, com quem passei a discutir as visitas têm prontos seus respectivos “Planos Gerais de
de orientação técnica (VOT), realizadas pelo Ensino” (PGE), detalhando dia a dia as atividades

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do ano seguinte. Encarreguei meu chefe de estado- um quarto verbo aos que me ouvem: querer.
maior de preparar documento similar, a que De pouco adianta ser nomeado comandante,
chamamos “Plano Geral de Atividades” (PGA). dominar os assuntos técnico-profissionais
Seu trabalho foi primoroso e, com base nele, ficou que lhe estão afetos e fazer apenas o que está
exequível realizar todas as atividades previstas previsto nas leis e regulamentos em vigor.
e, ainda, desencadear operações e atender a Para ser comandante com letras maiúsculas
situações inopinadas. Experiências sucessivas na é necessário querer liderar sua tropa, o que
SEF e no DECEx ratificaram-me de que é pelo implica ser exemplar soldado, modelo de
planejamento que o líder militar estratégico revela cidadão e fazer o que tem de ser feito, vinte
sua arte em aplicar o poder de que dispõe. e quatro horas por dia. Aos líderes militares
A quarta lição refere-se à intenção do estratégicos apresento as afirmativas que se
comandante, que deve ser divulgada e estar seguem e com as quais concordo plenamente20:
na mente de todos os liderados. Como exemplo, “Se o general permanece em silêncio
transcrevo a intenção que expressei na Operação enquanto o governante leva a nação à
Minas Gerais: guerra com meios insuficientes, assumirá a
“A minha intenção é: responsabilidade pelos riscos”.
●●cumprir a missão com o máximo de “O general que fala bem alto sobre o
apoio da população e com o mínimo de preparo para a guerra, enquanto a nação
desgaste para a imagem do Exército; está em paz, coloca em risco sua posição
●●manter ou restabelecer a ordem pública e seu status. Entretanto, o general que fala
no mais curto prazo; muito baixo coloca em risco a segurança de
●●empregar a tropa com o máximo de sua nação”.
segurança, evitando-se, dentro do possível, Experiências e reflexões permitem-me
danos ao pessoal militar e civil, assim como concluir que a essência da liderança independe
ao patrimônio público; do nível de comando. Militar ou civil,
●●evitar o confronto direto com as forças estratégico, organizacional ou tático, na paz
policiais paralisadas; e na guerra, o líder é, em sua verdadeira
●●atuar com tropa que se apresente grandeza, um “guardião de valores”. Afastado
muito bem perante a população local, dos campos de batalha desde a Segunda
demonstrando sua capacidade de agir e Guerra Mundial, o Exército Brasileiro tem
fazer-se presente na área”. participado de operações de manutenção da paz
A intenção do comandante não está entranhada e de garantia da lei e da ordem. Seus líderes
na cultura do Exército em tempo de paz. Sustento dedicam-se primordialmente ao preparo da
que todo líder militar, em qualquer escalão de Força. Nesse contexto é arriscado vincular a
comando, deve transmitir sua intenção em todas liderança estratégica, exclusivamente, ao posto
as missões de tempo de paz. Isso quer dizer,
por exemplo, que não deveria haver ordem
de instrução ou de serviço sem a intenção do
respectivo comandante. É ela que estimula e
permite aos comandados tomar iniciativas e
decidir com oportunidade. A intenção não deve
se limitar às operações, mas estar internalizada na
cultura da Força, como qualquer outro princípio
básico de comando.

Reflexões sobre Liderança e


Comando
A preparação integral do líder inclui,
O técnico Bernardinho transmite instruções aos jogadores
necessariamente, os três domínios: o do ser, da Seleção Brasileira Masculina de Vôlei: seus atributos de
o do saber e o do fazer. Tenho apresentado liderança são bem conhecidos dos brasileiros.

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de máximo da hierarquia. Ao contrário, há comandados-liderados são armas poderosas para
generais de divisão e de brigada que cumprem decidir com vigor, oportunidade e acerto em
suas missões em nível claramente estratégico. qualquer situação.
No nível estratégico importa saber ouvir, Eis as vias de acesso que tenho apresentado
planejar, deixar clara sua intenção e fazer-se para que o líder militar construa e fortaleça os
presente junto à tropa. A presença do comandante vínculos afetivos que conduzem ao cumprimento
e líder é insubstituível. Ela faz a diferença. da missão. E cumprir a missão é, sem discussão,
Conheça seus liderados, faça-se conhecer, conquistar a vitória na guerra, nas operações de
estimule-os, exija-os ao máximo, elogie-os, manutenção da paz, de GLO e subsidiárias.
puna-os se necessário e torne-se defensor e amigo Finalmente, lembro que, em qualquer situação e
de sua tropa. escalão, o comandante deve estar obcecado em ser
Importa, também, estar preparado para o líder militar de sua tropa, sob pena de se arrastar
enfrentar e superar desafios inéditos que as pelas casernas em enfadonhas tarefas burocráticas
escolas nem sequer visualizam, hoje. A par da e de não comandar. Não permitir jamais vácuos de
rica preparação institucional que o Exército poder por tibieza e falta de liderança. Lembro ao
proporciona, acompanhar os cenários externos irmão de armas que tu és o exemplo de soldado total
e internos, autoaperfeiçoar-se e preparar os para teus comandados-liderados. Ao combate!MR

REFERÊNCIAS
1. Coronéis do Exército, selecionados pelo mérito, capitães de mar e guerra 2004.
da Marinha do Brasil e coronéis da Aeronáutica, todos alunos do CPEAEx. 11. HUNTER, James C. Como se tornar um líder servidor. Rio de Janeiro:
2. BRASIL, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, CPEAEx, Sextante, 2006.
Documento de Currículo. Aprovado pelo Boletim Interno da Diretoria de 12. Ob. cit. página 25.
Formação e Aperfeiçoamento Nº 081, de 25 de outubro de 2007, p. 6 e 7. 13. Ob. cit. segunda capa.
3. BRASIL, Estado-Maior do Exército, Liderança Militar. Portaria Nº 102- 14. JORDAN, Michael. Nunca deixe de tentar. Rio de Janeiro: Sextante,
EME, de 24 de agosto de 2011, Capítulo 6, Artigo III, parágrafo 6-7. 2009.
4. Id. parágrafo 6-8. 15. Ob. cit., p. 78.
5. Abril de 2003 a junho de 2005. 16. República Federativa do Brasil, Constituição, 1988, Art. 142.
6. Exceto a região conhecida como Triângulo Mineiro. 17. BRASIL, Estado-Maior do Exército, Liderança Militar. Portaria Nº
7. Segurança de chefes de Estado do MERCOSUL, recepcionados e 102-EME, de 24 de agosto de 2011., pag. 3-3.
hospedados em Belo Horizonte e que se reuniram em Ouro Preto. A hipótese 18. Comandante, chefe ou diretor, em todos os escalões de comando,
de emprego configurada foi “segurança de grandes eventos”, para a qual se chefia e direção.
contava com forças policiais federais e estaduais. 19. O autor foi o último Chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP)
8. Disponível em: http://www.wikipedia.org/wiki/. e o primeiro do Departamento de Educação e Cultura do Exército, denominação
9. REZENDE, Bernardo Rocha de (Bernardinho). Transformando suor em por ele proposta ao Comandante do Exército em substituição à de DEP.
ouro/Bernardinho. Rio de Janeiro: Sextante, 2006. 20. YINGLING, Ten Cel Paul. “Uma falha no generalato”. Armed Forces
10. HUNTER, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, Journal, maio de 2007.

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