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DO MUNDO MILITAR
(publicada originalmente em Novembro de 2010 pela Harvard Business Review Brasil)
TT: 045
Emissão: 22/12/2010
Revisão: 00
Data da Revisão: 21/12/2010
Aprovação: 1530200110
NEGOCIAÇÕES EXTREMAS
Em geral não é fácil "chegar ao sim", sobretudo com o ritmo da atividade empresarial é a
estrutura das organizações de hoje. Presidentes e altos executivos correm contra o tempo,
administrando diálogos complexos e de grande repercussão entre setores e divisões da empresa,
com parceiros em alianças, com fornecedores críticos, com clientes e autoridades. Para muitos, a
sensação é de estar constantemente em modo de negociação — tentando obter a aprovação para
negócios envolvendo centenas de milhões (e às vezes bilhões) de dólares, no mais curto prazo
possível, de gente que talvez tenha em suas mãos o futuro da empresa (e até do próprio líder).
Para esses executivos, negociar já não envolve uma mera transação, mas a adaptação a
informações e circunstâncias em rápida evolução.
Todo dia, ao redor do mundo, oficiais das forcas armadas americanas enfrentam esse tipo de
desafio — na patrulha de zonas de conflito como Afeganistão e Iraque, na tentativa de convencer
líderes locais ressabiados a partilhar informações valiosas e, ao mesmo tempo, distinguir o amigo
do inimigo, no equilíbrio da necessidade de proteger as tropas com a necessidade de obter apoio
local para interesses regionais e globais dos Estados Unidos.
Embora o contexto empresarial seja muito distinto do militar, líderes nas duas esferas
enfrentam negociações nas quais ciladas são muitas e bons conselhos, escassos. É o que
chamamos de "negociações perigosas" — pois, embora não sejam necessariamente destinadas a
solucionar uma crise imediata de vida ou morte, os interesses em jogo colocam intensa pressão
sobre o líder.
Nitidamente, o perigo para um dirigente empresarial que tenta chegar a um acordo com um
fornecedor único, fechar um negócio de bilhões de dólares com uma empresa visada antes que
suas ações caiam ainda mais ou renegociar preços com um cliente insatisfeito difere do de um
soldado que tenta obter de moradores locais informações sobre a fonte do disparo de foguetes.
Mas a percepção do perigo leva líderes empresariais e militares a exibir o mesmo tipo de
comportamento. Em geral, ambos se sentem pressionados a fazer rápido progresso, a projetar
força e controle (sobretudo quando não tem nenhum), a apostar na coerção e não na
colaboração, a oferecer recursos em troca de cooperação em vez de obter genuíno apoio e a fazer
concessões unilaterais para mitigar possíveis ameaças.
Militares americanos em serviço no Afeganistão tentam manter sob controle essa pressão em
meio a negociações perigosas travadas, em geral, diariamente. Nos últimos seis anos, estudamos
como resolvem conflitos e influenciam outros indivíduos em situações nas quais o grau de risco e
incerteza e absurdo. Descobrimos que os mais hábeis desses oficiais se valem de cinco estratégias
altamente eficazes: (1) entender o quadro geral, (2) descobrir agendas ocultas e colaborar com o
outro lado, (3) obter genuíno apoio, (4) estabelecer relações fundadas na confiança, não no medo,
e (5) dar atenção ao processo, não só a resultados desejados. Usadas em combinação, essas
estratégias são a marca de quem é eficaz na negociação in extremis, para empregar um termo
usado pelo coronel Thomas Kolditz, professor da Academia Militar Americana em West Point e
autor do livro In Extremis Leadership.
Comportamentos de negociação tendem a ser profundamente arraigados e em geral são
reativos, não deliberados — sobretudo em situações perigosas. Essas cinco estratégias podem
ajudar o negociador de uma empresa não só a reagir com rapidez a mesa de negociação, mas
também a reformular suas ideias em antecipação ao acordo. Vejamos em detalhe cada uma delas
e como foram implementadas por militares no Afeganistão.
Ideia em resumo
Dirigentes de empresas sentem, hoje, a constante necessidade de negociar acordos complexos
com gente com poder sobre todo o setor ou sua própria carreira. A sensação de estar em
constante perigo faz com que queiram agir rápido, projetar controle (ainda que não tenham
nenhum), apostar na coerção e reduzir a tensão a qualquer custo.
O resultado pode ser um meio-termo que não contempla o problema ou oportunidade em
questão, maior resistência do outro lado (inviabilizando o acordo), um ressentimento que azeda
futuras negociações, incapacidade de forjar relações fundadas em respeito e confiança mútuos ou
um acordo que o deixa exposto a enorme risco no futuro.
Para evitar tal perigo, o executivo pode aplicar as mesmas estratégias usadas por militares
altamente treinados em zonas de conflito como Afeganistão e Iraque. Esses negociadores in
extremis ouvem o ponto de vista dos outros, propõem várias soluções e aceitam críticas da outra
parte, usam fatos concretos e o princípio da justiça para convencer o outro lado, sistematicamente
promovem a confiança e o compromisso ao longo do tempo e tomam medidas para reformular o
processo de negociação, bem como o resultado.
EM GERAL, UM NEGOCIADOR TEM MAIS TEMPO DO QUE PERCEBE PARA FALAR, PENSAR E
REAGIR.
PRIMEIRA ESTRATÉGIA
UMA SITUAÇÃO PERIGOSA FAZ COM QUE A PESSOA QUEIRA PARECER MAIS FORTE E MAIS EM
CONTROLE DO QUE PROVAVELMENTE É.
Dubay precisava depressa de informação. Poderia ter seguido o instinto e começado a fazer
duras exigências. Mas reconheceu o medo das mulheres — e o próprio — e decidiu ir mais
devagar, colocar a prova a hipótese de que as mulheres estavam colaborando com o inimigo e
mudar a abordagem para obter a informação de que precisava.
Tirou os óculos escuros, pendurou a arma no ombro e se postou, agachado, logo na saída do
cômodo. Garantiu as mulheres que sua casa agora estava protegida tanto por forcas afegãs como
americanas e disse que só queria entender por que estavam todas amontoadas ali naquela sala.
Por 15 ou 20 minutos falou em voz calma, reconhecendo o pavor de todas de terem sido pegas no
meio do fogo cruzado. A certa altura, uma mulher veio à frente e contou que um grupo de homens
tinha juntado todas elas ali dentro e, em seguida, assumido posições. Dubay agradeceu. Outra
mulher falou. Os homens não eram afegãos, disse ela; pareciam combatentes estrangeiros. Outras
três ou quatro deram mais detalhes.
Dubay tomou nota e mudou de meta: além de colher as informações de que precisava sobre
essa situação em particular, iria tratar de estabelecer uma relação continua com o grupo de
mulheres para obter informações no futuro. Deu a elas um cartão com o telefone da central no
distrito; prometeu voltar para ver como estavam dali a dois dias, quando o pelotão novamente
estaria em patrulha no vilarejo; e pediu que, assim que soubessem de algo, Ihe repassassem a
informação. Estabeleceu um respeito mutuo com moradores de Azrow — relação que rendeu
frutos nos meses que se seguiram.
SEGUNDA ESTRATÉGIA
Informe-se e colabore
Descubra o que motiva e o que preocupa a outra parte. Proponha
várias soluções e peça a quem está do outro lado da mesa ideias para
melhorá-las.
Além de colocar pressão para que aja depressa, uma situação perigosa
faz com que a pessoa queira parecer forte e mais em controle do que
provavelmente é.
Nesse estado de espírito, o negociador tende a assumir posições
extremadas e a fazer duras exigências. Infelizmente, quase sempre isso
provoca ou exacerba a resistência do outro lado. O diálogo se torna hostil e
ineficaz e o risco e que as duas partes cheguem a um impasse.
Vejamos o caso de Chris Caldwell. O capitão recebeu a informação de
que soldados de sua companhia tinham infligido baixas ao inimigo.
Caldwell sabia que só havia um centro médico afegão na área equipado
para tratar os feridos. No afã de afirmar o controle de sua companhia na
região, o capitão foi ao hospital falar com um médico que era,
notoriamente, um simpatizante do Talibã. Como não deixaram que
entrasse, Caldwell abriu caminho a força, achou indícios de que
combatentes inimigos estavam sendo tratados ali e deteve o médico para
interrogatório.
Quando se inteiraram da atitude de Caldwell, os anciãos da aldeia
fizeram uma visita nada cordial ao capitão. Ele se defendeu; disse que, no
futuro, responderia de outra forma — mas só se a população começasse a ajudar, em vez de
atrapalhar, suas tropas. Os anciãos responderam que os moradores dali só iriam cooperar quando
tivessem um incentivo: ou seja, quando fossem tratados com respeito. Um sinal disso, segundo
eles, seria um grande reforço nos fundos de reconstrução. Caldwell disse que, se quisessem algo
dele, teriam de dar informações sobre os feridos no hospital. Isso enfureceu os velhos e tirou a
negociação dos trilhos.
Um hábil negociador in extremis busca fazer da negociação a resolução de um problema a
quatro mãos, não uma queda de braço. Outro capitão — Andrew Williams, comandante de uma
bateria de artilharia em Ghazni — foi informado de que seus soldados tinham visto a colocação de
um dispositivo explosivo improvisado (DEI) perto de uma estrada. O capitão instruiu os
subordinados a nao usar de forca; deviam monitorar o local e identificar quem estava plantando
os explosivos (mais tarde, a equipe removeria e detonaria os dispositivos num ambiente
controlado). Uma vez de posse dessa informação, Williams foi à aldeia onde viviam os envolvidos,
reuniu os anciãos e disse que queria que moradores dali deixassem de implantar DEIs na área. Os
anciãos disseram que, em troca de dinheiro, se certificariam de que a ordem fosse acatada pelos
habitantes.
Com toda a pressão que estava sentindo — de tempo, de segurança —, Williams teve a
tentação de perguntar "Quanto?". Em vez disso, indagou "Por quê?". Explicou que não podia
oferecer nada aos anciãos se não soubesse o que pretendiam fazer. No final, os velhos Ihe
disseram que teriam de pagar para obter informações sobre os responsáveis por plantar os
explosivos — e, obviamente, não havia dinheiro sobrando. Também queriam dar parte do dinheiro
a aldeia, para manter seu prestígio e provar que não eram meros informantes.
Williams pensou e fez uma contraproposta: seus homens fariam o trabalho de identificar os
culpados; aos anciãos, caberia levá-los ao posto de combate americano mais próximo. Na
tentativa de fazer os anciãos se abrirem e envolve-los como parceiros, o capitão perguntou: "Há
algo de errado com essa ideia?".
Para sua surpresa, os velhos gostaram do plano. Seu receio era que os capturados não fossem
extremistas, mas só gente querendo ganhar algum para sustentar a família. Williams disse que se
os anciãos levassem os envolvidos ao posto de combate para que os americanos inserissem o
nome de cada um num banco de dados, poderiam levá-los de volta a aldeia. Acrescentou que isso
aumentaria seu prestígio junto aos moradores, pois estariam lidando eles mesmos com a situação.
Os anciãos concordaram. Dois dias depois, chegaram com os procurados — cujos nomes foram
cadastrados. Depois de advertidos sobre ações futuras, os homens foram autorizados a voltar a
aldeia e a família.
Em pouco tempo, um numero recorde de esconderijos de armas estava sendo revelado;
moradores avisavam soldados em patrulha sobre DEIs no caminho e davam voluntariamente
informações sobre locais de uso de morteiros.
TERCEIRA ESTRATÉGIA
QUARTA ESTRATÉGIA
CEDER EM PONTOS CRÍTICOS PODE CRIAR UMA EXPOSIÇÃO AO RISCO QUE VAI MUITO ALÉM DA
AMEAÇA IMEDIATA.
Davis fez várias visitas a Ullah. Ouvia seus relatos inflamados, fazia perguntas. Em nenhum
momento ofereceu qualquer compensação. A certa altura, no entanto, disse a Ullah que analisaria
a questão e voltaria dentro de três dias. Os dois homens sentaram-se para um chá três dias
depois. O capitão se desculpou por tudo o que Ullah passara e Ihe repassou as informações que
apurara. Pediu ajuda a Ullah para achar um jeito de reparar o relacionamento e, em última
instância, reconquistar a confiança de outros líderes locais. Os dois discutiram maneiras de obter
informações sobre o irmão de Ullah, de melhorar a comunicação entre as forças americanas e
moradores, de deixar a população mais segura. Só então Davis voltou a questão da indenização,
dando sua estimativa do prejuízo sofrido por Ullah com base em parâmetros locais (era um cálculo
simples, mas ninguém se dera ao trabalho de fazê-lo). Ullah ruminou os números e dali a minutos
aceitava uma soma que considerou justa — e que era uma pequena fração do que exigira
inicialmente.
QUINTA ESTRATÉGIA
Michael Useem é professor de administração e diretor do Center for Leadership and Change Management
da Wharton School (University of Pennsylvania), nos EUA.
As forças armadas atuam no desenvolvimento de lideranças há muito mais tempo do que o
mundo empresarial. Os Estados Unidos, por exemplo, vem formando oficiais para a liderança
eficaz dentro e fora de combate por mais de dois séculos (a Academia Militar de West Point data
de 1802). Mas a guerra mudou — e a atividade empresarial também.
Líderes militares precisam de novas ferramentas e novas técnicas para enfrentar um novo tipo
de inimigo (que muda depressa e é imprevisível). Daí as forcas armadas treinarem seus oficiais de
modo a erguer uma cultura de prontidão e compromisso.
E exatamente essa cultura que líderes empresariais precisam para sobreviver e ter sucesso, já
que também enfrentam uma incerteza sem precedentes — e novos tipos de concorrentes.
Isso explica por que eu e colegas da Wharton incluímos princípios de liderança militar em
nossos programas de MBA e MBA executivo, promovendo o contato direto com membros do
Exército americano, do Corpo de Fuzileiros Navais e do Departamento de Defesa dos EUA. Isso dá
ao aluno a oportunidade de interagir com altos líderes das forças armadas, de participar de
exercícios de treinamento militar e de visitar campos de batalha históricos. A maioria dos eventos
tem curta duração — um ou dois dias —, mas todos são intensos.
A nosso ver, ancorar momentos de aprendizado nessas experiências da vida aos preceitos de
liderança. Neste artigo, vou me concentrar em quatro deles: conhecer a tropa, tomar decisões,
concentrar-se na missão e transmitir a intenção estratégica. A maioria dos gestores sabe que isso
tudo é essencial a liderança. Mas a verdadeira compreensão vem de ver cada principio desses em
ação, de vivê-los pessoalmente e de testemunhar onde fizeram uma diferença.
Conheça a tropa
Estabelecer vínculos pessoais é crucial para liderar os outros em tempos difíceis.
Um aspecto importante de nosso programa de liderança empresarial é trazer oficiais militares
para o campus. Vejamos como foi o dia em que o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças
Armadas americanas visitou a turma do MBA em sala de aula.
Faltando dez minutos para o inicio da aula, muitos dos 65 alunos do primeiro ano estão se
acomodando nos respectivos assentos no anfiteatro. O general entra no recinto — quatro estrelas
nas dragonas e uma meia dúzia de assessores e seguranças logo atrás. Vai direto para a primeira
fila e se apresenta ao aluno mais próximo. Aperta sua mão, troca um punhado de palavras de
caráter pessoal e passa, então, para o estudante seguinte. O que esta fazendo é "work the room"
— interagir com o publico. Minutos depois, chega a um aluno de Moscou na terceira fila.
O QUE É BOM PARA A PESSOA PODE NÃO SER PARA A EMPRESA. A MISSÃO DEVE VIR
PRIMEIRO.
Tome decisões
Tomar decisões boas na hora certa é a responsabilidade suprema de quem lidera.
Duas vezes por ano, levamos 90 alunos do MBA para participar de um exercício de
aprendizado na Escola de Candidatos a Oficiais do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA em
Quantico, no estado da Virginia. Ao chegarmos, um oficial da instituição da uma explicação sobre
o programa de treinamento; em seguida, instrutores assumem as rédeas. No dia seguinte, nossos
alunos começam os cursos de Combate e Reação de Liderança da escola.
O dia esta raiando na base militar e estamos prontos para começar. Sob o efeito da ríspida
orientação dos instrutores do exercício e do sono entrecortado no quartel na noite anterior, os
alunos formam "equipes de fogo" — cinco pessoas — para uma das experiências de aprendizagem
mais intensas que qualquer um deles provavelmente vivera. Em determinado momento, por
exemplo, o instrutor explica que a equipe tem dez minutos para resolver um problema
aparentemente sem solução: levar um pesado tambor de aço de um lado de uma barreira quase
vertical de mais de três metros ao outro lado sem pisar na tinta vermelha que indica a presença de
explosivos.
Uma das equipes traça uma estratégia antes de agir, levando o tambor ao outro lado com
uma saída engenhosa. A comemoração dura pouco, no entanto, pois o instrutor dos fuzileiros
navais repreende a equipe por ter demorado muito a incorporar as sugestões de todos para
transpor a barreira. Agiram devagar demais, diz o instrutor; o mais provável é que o inimigo já
tivesse ocupado o outro lado quando chegassem lá. Embora abalados com a crítica, os alunos
aprenderam a lição. Ficaram muito tempo deliberando, sem muita liderança na equipe, antes de
agir.
Ideia em resumo
Uma cultura de adaptabilidade é vital para a sobrevivência nas forças armadas. Com o mercado
cada vez mais imprevisível, o executivo tem muito a aprender com o manual de operações
militar.
Estabeleça um vínculo pessoal com cada trabalhador — individualmente ou em grupo. O contato
direto reforça sua mensagem.
Aja rápido: não seja precipitado, mas tampouco espere pela perfeição.
Faça do interesse da organização sua prioridade máxima — não deixe que os outros sucumbam
enquanto você prospera.
Defina uma direção, mas não seja um microgestor — dê a todos liberdade para improvisar.
A capacidade de tomar com rapidez decisões boas que incorporem rapidamente subsídios de
todos aqueles na linha de frente e um dos atributos definidores da liderança pronta para o
combate. E algo codificado num princípio dos fuzileiros navais: quando estiver 70% pronto e tiver
70% de consenso, aja. Não se precipite, mas tampouco espere tudo estar perfeito. Naturalmente,
70% não é uma métrica rigorosa, mas sim uma metáfora para a necessidade de equilibrar
deliberação e ação.
A lição é diretamente aplicável a sala de reuniões da diretoria ou a ala executiva: se não puder
aprender a tomar decisões boas na hora certa e em condições ambíguas, você escolheu a
atividade errada.
Concentre-se na missão
Estabelecer um propósito comum, fortalecer quem o ajudara a atingi-lo e não buscar
vantagens pessoais.
Depois do jantar no clube de oficiais em Quantico, um general do corpo de fuzileiros navais
explica aos alunos do MBA que em combate um comandante deve se comprometer de forma
inequívoca com dois objetivos: (1) cumprir a missão e (2) trazer todo o regimento de volta ao
quartel, seja qual for sua condição. Primeiro a missão, depois a equipe e, por ultimo, eu.
Esse ponto central mereceu destaque em outro programa que ajudamos a conduzir com uma
equipe de executivos de uma das maiores instituições financeiras dos EUA.
Logo no começo do dia, os participantes são metidos numa sala de aula em West Point com
dois instrutores da academia — que dão sua visão sobre a liderança militar e as implicações para a
liderança empresarial. Em seguida, já com capacetes de Kevlar e camuflados com tinta, os
executivos do banco se lançam a parte física de um curso de reação de liderança semelhante ao
dos alunos do MBA que foram a Quantico. Uma série de tarefas difíceis — como transpor um vão
com pouco tempo e pouco material ou se deslocar por uma serie de correntes bambas, muito
separadas e sem qualquer rota obvia — espera por eles. As equipes enfrentam problema após
problema, suas fileiras se reduzindo sem parar à medida que cada indivíduo vai pisando em
pontos letais de tinta vermelha.
Enquanto os participantes se deslocam de volta ao centre de reuniões da empresa, há uma
avaliação pós-ação — o "after-action review", festejado método militar de esquadrinhar uma
missão para melhorar o desempenho no futuro. Um dos altos executivos é bem veemente.
Segundo ele, é muito comum, no banco, um executivo assistir impávido a um colega pisar num
ponto vermelho — cometendo um erro letal para a carreira (assumir riscos demais, por exemplo).
No íntimo, muitos acham que subirão profissionalmente se a carreira dos outros afundar. Mas o
que é bom para o individuo não é necessariamente bom para a empresa. A missão deve vir em
primeiro lugar; em último, o interesse próprio. A meta de criar valor para a empresa, não para si
próprio, diz ele, deveria pautar os atos da liderança.
No curso de combate em West Point o pessoal do banco aprendeu — a duras penas — a
alertar outros "soldados" sobre a tinta vermelha. A lição foi assimilada depois de vários terem
tocado nos "explosivos" e saído de combate. Na hora da avaliação, esses executivos manifestaram
a necessidade visceral de instaurar uma cultura mais preventiva na empresa. Voltaram para lá
com a resolução renovada de advertir um colega quando este estivesse a ponto de cometer um
erro na carreira — mesmo quando o erro do outro pudesse ser benéfico para o indivíduo que
advertia.
UM APERTO DE MÃO, UM BREVE OLHAR NOS OLHOS — PEQUENOS GESTOS QUE DEIXAM
UMA IMPRESSÃO INDELÉVEL.
Em certa ocasião, fizemos uma visita a Gettysburg com 50 alunos do MBA, um executivo de
um banco, um investidor de uma firma de private equity e um guia do campo de batalha. Fomos
todos para a colina que ancorou o flanco mais a esquerda da linha de frente das forças unionistas
— formada, em 2julho de 1863, para a defesa contra o exercito confederado. Soldados do general
Robert E. Lee tinham invadido o norte para por um ponto final a Guerra Civil sob as condições do
sul; já o presidente americano Abraham Lincoln despachara o exército ianque para evitar
justamente isso.
No exercício, recordamos o momento no qual um comandante da União instala um
subordinado, o oficial Joshua Lawrence Chamberlain (e seus 400 soldados) naquele ponto extremo
da linha unionista. O comandante avisa: se a linha for invadida pelas forças confederadas, o
exército da União se desintegrará por inteiro. O oficial subordinado precisa proteger o flanco
esquerdo, aconteça o que acontecer. o comandante não diz como, mas dá esse recado de forma
inequívoca.
Minutos depois de recebida a ordem, começa o esperado ataque. Após duas horas de intenso
combate, o esquadrão de Chamberlain quase esgotara a munição. Chamberlain sabia que seu
posto em breve seria tornado — mas sabia também que precisaria usar de criatividade para
cumprir a ordem do comandante. No calor do combate, deu a ordem para uma tática raramente
empregada: afixar baionetas a espingardas dos soldados e sair em ataque ladeira abaixo.
Surpreendente, a manobra fez os atacantes recuarem e salvou o dia.
Pela bravura e criatividade. Chamberlain recebeu a Medalha de Honra, o maior
reconhecimento militar da nação americana. Nossa turma esta pisando no mesmo solo no qual o
oficial comandou o ataque. Ao visualizar o momento, somos lembrados de quão importante é
exprimir claramente a intenção estratégica para a realização de uma missão, seja ela qual for. Se o
comandante não tivesse dito claramente qual era a meta e se Chamberlain não tivesse liberdade
para decidir como atingi-la, seus atos naquela colina histórica poderiam ter tornado um rumo
muito distinto.
Entre o pessoal que acompanhava a turma do MBA, tanto o executivo do banco como o
investidor reiteraram a mensagem: transmitir a intenção estratégica é uma das habilidades
essenciais para alinhar todos na organização rumo a uma meta comum: todo líder deve contar
com a criatividade dos outros para chegar lá.
Na Wharton, buscamos as forcas armadas para assimilar preceitos de liderança como esses.
Observar em primeira mão o microcosmo no qual todo preceito desses e posto em prática permite
que, ao sair dali, levemos todos conosco para aplicar ao enfrentarmos nossos próprios momentos
de grande tensão, ambiguidade e urgência.
Travamos batalhas muito distintas na empresa. Mas as forças armadas dão uma lição
extraordinariamente boa para uma interação capaz de fazer a diferença. Quando olhamos bem
além, volta e meia podemos enxergar melhor o que está perto.