Você está na página 1de 7
CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA Professor Emérito na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Federal de Minas Gerais INSTITUIGOES DE DirEITO CIVIL Volume I INTRODUGAO AO DIREITO CIVIL TEORIA GERAL DE DIREITO CIVIL 23° edigao De acordo com 0 Cédigo Civil de 2002 Revista e atualizada por: Maria Celina Bodin de Moraes %, | Nad FORENSE Rio de Janeiro Oliveira Matos Advogados 2009 BLIOTECA OS ODmmwssaDwo 3 1. NocAo be Direito. Direto positivo. DiREITO NATURAL. DireEito E MORAL m todo tempo, e tao longe quanto o investigador mergulhe no passado, onde quer que encontre um agrupamento social, onde quer que homens coexistam, seja na célula menor que é 0 organismo fami- liar, seja na unidade tribal, seja na entidade estatal, ainda que em estagio rudimentar, encontra sempre presente o fendmeno juridico. Hé e sempre houve um minimo de condigées existenciais da vida em sociedade, que se impde ao homem através de forgas que contenham sua tendéncia a expan- so individual e egoista. Estas forgas ora se objetivam no aparelho intimi- dador do Estado, ora se impdem pela conteng&o mistica da religido, ora se concentram na absor¢ao autoritdria de um chefe eventual. A forma, pois, de sua atuacao varia. Na escala dos valores, sua afirmagao ideal é insusce- tivel de padronizagao. Mas na apuragdo de sua incidéncia é uma constante. Ha e sempre houve uma norma, uma regra de conduta, pautando a atuacao do individuo, nas suas relagdes com os outros individuos. A plurivaléncia semantica do vocabulo direito comporta numerosas manifestagdes conceituais. Quando o individuo sustenta as suas faculda- des e repele a agressdo aos seus poderes, diz que afirma ou defende o seu direito; quando 0 juiz dirime a controvérsia invocando a norma ditada pelo poder publico, diz que aplica o direito; quando o professor se refere ao organismo juridico nacional, denomina-o 0 direito de seu pais; quando alguém alude aos principios que compdem uma provincia institucional menciona 0 direito civil, ou o direito penal, ou 0 direito administrativo; quando o homem de pensamento analisa uma fase de crise da ordem juri- dica e critica os mandamentos legislados em nome do ideal de justiga, fala que eles se afastam do diretro. . Em razao talvez desta generalizagaio do vocdbulo, ou porque fal- ta 4 mente capacidade maior de abstragao para formular um conceito abrangente de todo o fenémeno juridico nas suas causas remotas, na sua expresso pura, na coercibilidade da norma e na sujeigéo, tanto do in- dividuo, quanto do Estado, ao seu imperativo, é dificil encontrar uma formula sucinta que dé a nogo do direito, independentemente de qual- quer restrig&o. As manifestagdes juridicas ordinarias (Del Vecchio) sao facilmente perceptiveis. Qualquer individuo as identifica, mas a deter- minagao da idéia abstrata do direito como conceito cultural, sua estre- 4 Instrruicdes De Dinero Civ. + INTRODUCAO Ao DiretTo Civ... mago, com os conceitos afins, a fixagdo dos elementos essenciais, nao encontram uma formula¢ao imediata.' O fenémeno juridico é perceptivel, e mais patentemente ainda a idéia de direito em contraposigao @ sua negagdo: diante da ofensa, da contra- riedade ou da distoreao, aparece viva a idéia de direito. Nao seria, porém, de todo razodvel que o jurista se julgasse habilitado a conceituar o direito apenas em face da idéia contraria, como se dissesse que a idéia de ser fosse téo-somente a antinomia do ndo-ser. Existe uma realidade juridica, que Haesart acentua ser reconhecivel entre os fenémenos do comportamento humano, realidade tao perceptivel que é quase visivel, palpavel e mensuravel.? Mas a formulagao do direito como conceito na origem do conhecimento tem sido deduzida com imper- feic&io pelos maiores espiritos, ninguém conseguindo oferecer uma defini- do satisfatéria. Demasiadamente influenciados pelo espirito de escola, os positivistas o confundem com a lei. Mas pecam pelo excesso, podendo-se objetar-lhes 0 que Cicero ha dois milénios j4 vislumbrava, quando tachava de mais que estulto admitir que 0 furto ou assassinio se tornassem justos em razio de o legislador, num gesto tresloucado, o permitir como norma de comportamento.* Mais felizes nao foram os historicistas, os normativis- tas, os finalistas, os socidlogos do direito, eivando as suas concepgdes dos prejuizos decorrentes da visdo unilateral em que se colocaram. Diante de todas as tentativas dos grandes pensadores, Kant, ou The- ring, Regelsberger ou Levy-Ullman, Kelsen ou Del Vecchio, Savigny ou Radbruch, impotentes para darem nogdo que se consagrasse por uma re- ceptividade pacifica, limitemo-nos a dizer que 0 direito é 0 principio de adequagdo do homem a vida social. Esta na lei, como exteriorizagao do comando do Estado; integra-se na consciéncia do individuo que pauta sua conduta pelo espiritualismo do seu elevado grau de moralidade; esté no anseio de justica, como ideal eterno do homem; esta imanente na neces- sidade de contengdo para a coexisténcia. Principio de inspiragao divina para uns, principio de submissao a regra moral para outros, principio que © poder piiblico reveste de san¢do e possibilita a convivéncia grupal, para outros ainda. Sem ele, no seria possivel estabelecer 0 comportamento na sociedade; sem esta, nao haveria nem a necessidade nem a possibili- 1 Del Vecchio, Lezioni de Filosofia del Dirito, pag. 195. 2 Haesart, Théorie Générale du Droit, pig. 69. 3 Cicero, De Legibus, I, 15.

Você também pode gostar