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Colisões de validade
Nesse sentido, em primeiro lugar, o jurista alemão procura observar a inter-relação entre
validade jurídica e validade social. Para tanto, ele destaca como essa inter-relação se
caracteriza nos sistemas normativos, isto é, no ordenamento jurídico vigente em dado
país, e como se caracteriza também nas normas individuais, ou seja, nos diferentes
diplomas legais constituintes desse ordenamento jurídico vigente.
1) Que as normas que integram esse sistema normativo sejam socialmente eficazes,
isto é, atinjam os objetivos para os quais elas foram produzidas;
2) Que o ordenamento jurídico que as envolve tenha em si mesmo determinado os
requisitos e procedimentos para a elaboração dessas normas, obtendo-se, assim, a
sua validade jurídica.
3) Cabe lembrar também que essa validade em termos globais qualificadora das
normas integrantes de um ordenamento jurídico tem a sua explicação no fato de
que, ainda que determinada norma perca sua imperatividade e deixe de ser
observada socialmente, nem por isso, o ordenamento jurídico se desmancha no ar.
Pois, ainda que leis aqui e ali não “peguem”, o sistema jurídico como um todo
continua válido, em virtude de que a sociedade sobre a qual incidem as suas leis
o observa como um todo, isto é, grande parte de suas normas são respeitadas.
Dessa forma, a inter-relação entre validade jurídica e validade social em um sistema
jurídico consiste no fato de que o sistema jurídico enquanto ordenamento legal vigente
em dado país só é juridicamente válido se possuir os requisitos e procedimentos para a
produção legislativa e essas leis geradas a partir dele sejam, como um todo, capazes de
atingirem os objetivos para os quais foram criadas, por exemplo: o estatuto do consumidor
consiga garantir a efetiva proteção do cidadão em suas relações de consumo, o código
civil consiga regular, fundamentando-se nos princípios da socialidade, eticidade e
operabilidade, as relações jurídicas dos cidadãos em seus diferentes papéis, como
proprietário, contratante ou contratado, em suas questões relacionadas ao direito de
família e de sucessões, etc.
Após a análise da inter-relação entre validade jurídica e validade social, Alexy procurará
mostrar como se dá a inter-relação entre validade jurídica e validade moral.
Primeiramente, ele destaca que, em relação aos sistemas normativos, somente os sistemas
normativos que formulam explicita ou implicitamente uma pretensão à correção podem
ser considerados válidos juridicamente.
Contudo, ele faz uma comparação entre a relação existente entre validade jurídica e
validade social, de um lado, e validade jurídica e validade moral, de outro lado. Pois, o
jurista alemão denota que (eu cito):
Um sistema jurídico que não seja socialmente eficaz em termos globais entra em colapso como sistema
jurídico. Em contrapartida, um sistema jurídico pode conservar sua existência como tal, embora não possa
ser moralmente justificado em termos globais.
Ou seja, com essas palavras, Alexy acentua o fato de que se um ordenamento jurídico
vigente em dado país contiver em sua maioria leis que não são observadas pela sociedade
e não atingem os objetivos para os quais elas foram geradas, esse ordenamento tende a se
dissolver juridicamente. Por outro lado, se um ordenamento jurídico contiver em sua
maioria leis que não possuam uma pretensão reformista, ou, se se quiser, pedagógica, em
suas sanções, mesmo assim ele pode se manter válido juridicamente.
Nesse ponto, o jurista alemão aborda um questionamento sobre essa validade que não
pretendo tratar aqui em razão do tempo.
Passando, agora, para o segundo ponto desse seminário. Robert Alexy irá tratar, em seu
capítulo “A Norma Fundamental”, de dissolver a circularidade presente no conceito de
validade jurídica por meio da análise de três formas paradigmática de norma fundamental,
quais sejam: norma fundamental analítica elaborada por Kelsen, norma fundamental
normativa pensada por Kant e norma fundamental empírica forjada por Hart. Em razão
dos limites desse seminário, se observará somente como Alexy analisa norma
fundamental analítica elaborada por Kelsen.
O jurista alemão afirma que a tese sobre a validade jurídica de uma norma recai em uma
afirmação circular, na medida em que se compreende que uma norma é válida
juridicamente quando ela é estabelecida segundo os ditames do ordenamento jurídico a
partir do qual ela foi criada. Ou seja, se recorre ao próprio ordenamento jurídico para
atestar a validade da norma, sendo que ela foi construída a partir desse mesmo
ordenamento.
Para resolver essa questão da circularidade na validade jurídica das normas, Kelsen
postula, segundo Robert Alexy, a norma fundamental, a qual seria a norma que
fundamenta a validade de todas as normas de um sistema jurídico, exceto a sua própria.
Ou seja, como aprendemos pelas aulas do Bittar, embora existam muitas críticas acerca
dessa perspectiva positivista, todo o ordenamento jurídico, inclusive o brasileiro, pode ser
observado como uma estrutura hierarquizada onde cada diploma legislativo encontra sua
validade na produção legislativa imediatamente superior, até o auge máximo que é a Carta
Política do País, no nosso caso, a Constituição da República Federativa do Brasil.
1. Constituição Federal
2. Emenda Constitucional
3. Lei Complementar
4. Lei Ordinária
5. Medida Provisória
6. Decretos
7. Resoluções
8. Portarias
9. Ordens de Serviço
Contudo, o que Robert Alexy põe em questão é: se toda produção legislativa encontra sua
validade jurídica na legislativa hierarquicamente superior, qual seria a validade jurídica
de uma Constituição, uma vez que ela se encontra no ápice do ordenamento jurídico?
Como o trecho do texto desse seminário parece focar na discussão entre diferente teóricos
sem resolver completamente essa questão, eu vou tentar apresentar, grosso modo, a
solução que Kelsen traz a essa questão.
Em seu livro Teoria Pura do Direito, p. 222, Kelsen diz que a norma fundamental é a
instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada
como Constituição no sentido lógico-jurídico, para a distinguir da Constituição em
sentido jurídico-positivo. Ela é o ponto de partida de um processo: do processo da
criação do Direito positivo. Ela própria não é uma norma posta, posta pelo costume ou
pelo ato de um órgão jurídico, não é uma norma positiva, mas uma norma pressuposta,
na medida em que a instância constituinte é considerada como a mais elevada autoridade
e por isso não pode ser havida como recebendo o poder constituinte através de uma outra
norma, posta por uma autoridade superior.”
Ou seja, o que Kelsen diz aqui é que é preciso observar as duas perspectivas existentes
no campo da produção legislativa. A primeira perspectiva trata da legislação existente,
essa que, na leitura positivista de Kelsen, inicia pela CF e se desenvolve a cada nível
hierarquicamente inferior do Direito, como se fosse um escalonamento de normas. Ele
chama essa perspectiva de jurídico-positivo, uma vez que trata da legislação posta,
publicada.
Do ângulo lógico-jurídico, a constituição consigna a norma fundamental hipotética não positiva, pois sobre
ela embasa-se o primeiro ato legislativo não determinado por nenhuma norma superior de Direito positivo.
Já o sentido jurídico-positivo [...] surge como grau imediatamente inferior ao momento em que o legislador
estabelece normas reguladoras da legislação mesma. (Curso de Direito Constitucional, p.103)