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UNGER, Roberto Mangabeira. Depois do Colonialismo Mental: Repensar e Reorganizar o Brasil.

São
Paulo, Autonomia Literária, 2018.

PREFÁCIO POR CAETANO VELOSO

Caetano Veloso ficou fascinado com o pensamento de Mangabeira, em função da forma como o autor
enxerga o Brasil e a esquerda de uma forma desvencilhada das fórmulas mistificadoras habituais. Seu
projeto se diferencia de uma mera humanização dos esquemas injustos por três razões: (1) o retorno
do pragmatismo numa versão desacorrentada, (2) o reconhecimento da dimensão religiosa e (3) o
ensinamento de que a produção precede a esperança e não o contrário. Esses aspectos explicam a
percepção do liberalismo junto ao socialismo e à democracia como gritos igualmente deflagradores da
revolução a ser reaprendida e vivida.

PARTE I – REPENSAR O BRASIL

1. Pontos de Partida

Vitalidade, esperança e grandeza (p. 13)

As ideias que mais importam são aquelas que ligam o entendimento do existente à imaginação do
possível adjacente, que pode ser alcançada partindo do ponto onde estamos, com os meios que já
existem ou podem ser providenciados.

No Brasil, a desorientação vem de onde geralmente se procura a luz. Isso dificulta a compreensão do
país, bem como a imaginação do que ele pode vir a ser.

O traço mais importante do Brasil é a vitalidade. O Brasil mói os sistemas, porque o sincretismo nele
parece problema e solução e também porque o país transborda de vida. A valorização da vitalidade
está ligada ao que há de mais forte no movimento revolucionário dos últimos 250 anos, em seu aspecto
político (democracia, liberalismo e socialismo) e feição pessoal (cultura romântica popular).

A proposta de Mangabeira para dar braços, asas e olhos à vitalidade se funda em três grandes projetos
entrelaçados: (1) a qualificação e democratização do aparato produtivo do país rumo a uma forma
inclusiva de economia do conhecimento, (2) a construção de maneira de ensinar e de aprender no
Brasil que aproveite nossos pendores em vez de guerrear contra eles e (3) a construção de uma
democracia de alta energia que dispense as crises como condição de mudança. Essa transformação
precisa ocorrer nas instituições econômicas e políticas e das práticas de educação, assim como no
campo dos sentimentos e das ideias.

A vitalidade brasileira e os obstáculos para torná-la fecunda (p. 15)


A vitalidade brasileira se exprime atualmente nas ações e emoções de multidão de emergentes
(segunda e mestiça classe média; pobres) e no desejo da maioria popular de segui-los.

Há diferença entre democratizar a demanda e democratizar a oferta. A demanda pode ser


democratizada redirecionando recursos. A oferta é democratizada mudando instituições e
consciências. É necessário que haja uma democratização do mercado e isso só é possível por meio da
democratização da oferta.

Os obstáculos à democratização do mercado se resumem em três pontos: (1) a insuficiência dos


agentes políticos e partidários disponíveis, (2) a falta das ideias necessárias e (3) a predominância de
emoções e atitudes que continuam a barrar nosso melhor caminho.

Comparação com os Estados Unidos (p. 16)

Brasil e EUA possuem muitas semelhanças em suas bases, porém o desenvolvimento posterior que foi
conferido a elas deu características diferentes a cada país. A diferença mais importante entre o Brasil
e os EUA para a doutrina do livro é a devoção às instituições. Nos EUA, os americanos seduzem-se pela
idolatria delas. No Brasil, as instituições são quase todas copiadas, o que não permite a criação de
instrumentos que satisfaçam a energia desmedida dos brasileiros.

O partido da mensagem e o partido da onda: dois descaminhos (p. 17)

A proposta do partido da onda, que quase sempre governou o Brasil, foi sempre surfar na onda,
aceitando a situação e as vantagens comparativas reservadas ao país pela correlação de forças no
mundo da época.

Por sua vez, o partido da mensagem foi o partido dos intransigentes, sejam eles liberais ou socialistas,
e raramente governou o país; sonhou grande, com o desejo de se tornar igual aos países que eram
admirados por ele, e acreditava que a melhor maneira de realizar esse desejo era por meio da
importação das instituições e das práticas deles. Paradoxalmente, o partido da mensagem não tinha
mensagem, apenas cópia.

O colonialismo mental: natureza, consequências e superação (p. 18)

O colonialismo mental se define como a disposição de interpretar nossa experiência e nossos futuros
possíveis pelos olhos de ideias trazidas de outros países, os países de referência. A experiência é vivida;
a representação e a explicação são importadas. É importante que as ideias de outros países sejam um
instrumento que possa ser usado, mas nunca se deve reconstruí-los à luz do que a experiência
brasileira revela.

O país deixa de estar na posse de si mesmo no momento que se rende ao colonialismo mental.
No contexto do colonialismo mental há uma falta de relação íntima entre a alta cultura, a respeito da
sociedade e suas instituições, e a cultura popular.

O culturalismo e as ciências sociais positivas convivem pacificamente numa sociedade em comandita,


na qual aquele é sócio oculto e estas são sócias ostensivas do colonialismo mental.

O primeiro passo para o entendimento e construção das instituições e estruturas é a formulação de


ideias contrárias às ideias dominantes dos países de referência, permitindo uma originalidade coletiva
na construção e entendimento dessas instituições.

No império do colonialismo mental, todos podem cantar desde que cantem acorrentados. O
colonialismo mental é expressão de desesperança e apologia de submissão.

As causas do colonialismo mental estão atreladas erroneamente ao fatalismo e ao moralismo. O


fatalismo atribui o colonialismo mental às origens do Brasil e à fraqueza de afirmação nacional que
resultou da formação do país. O moralismo vê o colonialismo mental como falta de convicção e
coragem na defesa da causa nacional (regime de Vichy permanente). Ambos não apontam caminhos
para a superação do colonialismo mental. Estão atrelados erroneamente, porque nenhuma consegue
explicar o curso do colonialismo mental no Brasil. O moralismo não explica sua persistência e o
fatalismo não explica sua variabilidade.

O autor propõe três explicações, uma a respeito das características de nossa experiência nacional que
nos deixaram desde cedo vulneráveis ao colonialismo mental e as outras duas tratando dos fatores
que aumentam ou diminuíram o colonialismo mental em diferentes períodos da história brasileira.
Essas explicações servem de orientação para livrar o país do colonialismo mental.

A explicação da nossa vulnerabilidade está ligada a traços conhecidos da trajetória nacional, dos quais
três merecem relevo: (1) a primazia da produção primária e predatória, (2) a escassez de rupturas de
força e de guerras na construção do Brasil e (3) a força de um conjunto de interpretações do Brasil que
a cada hora ameaça tornar-se uma profecia que se cumpre por si mesma.

1 – Quanto menos complexa a produção e menos assistida pela inteligência, menos exige o
desenvolvimento de formas superiores de cooperação.

2 – Foi na guerra e nos sacrifícios que nações antigas ou modernas afirmaram sua personalidade e
aprenderam a pagar o custo da independência.

3 – Enxerga-se aí o Brasil da cooptação, da entrega, da cordialidade, do sincretismo, dos meios-termos,


do lusco-fusco, dos panos quentes.
Há duas explicações para a variabilidade do colonialismo mental: a primeira diz respeito à presença ou
ausência de projetos de desenvolvimento nacional e a segunda tem a ver com a base intelectual e
acadêmica de resistência à mentalidade da rendição.

Organização deste livro (p. 24)

A segunda parte do livro é dividida em 7 partes.

Parte I – O caminho do Brasil: Aborda a natureza geral da alternativa (tem por objetivo o
engrandecimento do Brasil e dos brasileiros; tem por método a transformação institucional cumulativa
da economia de mercado e da democracia representativa) de que precisa o país.

Parte II – Emergentes e batalhadores: Trata das forças sociais que podem sustentar essa alternativa,
com uma discussão de transformações obscuras no imaginário dos brasileiros.

Parte III – Política e poder: Discute a relação da alternativa que defende com a luta pelo poder do
Estado, provocado por eventos e inflexões na história recente do país.

Parte IV – O modelo de desenvolvimento e sua reconstrução: Discute os elementos que compõem o


primeiro (estratégia de desenvolvimento econômico que toma por fundamento a reconstrução
institucional da economia) dos três eixos de sua proposta.

Parte V – A capacitação dos brasileiros: Analisa a prática de educação e de política social que a
alternativa desejável e factível requer.

Parte VI – A reinvenção da democracia brasileira: Leva a tarefa e o método da transformação


institucional para a política e o Estado.

Parte VII – Ideias, atitudes, emoções: Volta-se para as concepções e os sentimentos por que se teria
de guiar e em que se haveria de inspirar a alternativa defendida.

O pensamento como antidestino: o imperativo da visão estrutural (p. 27)

Varia na história dos regimes institucionais e ideológicos a distância entre dois tipos: há os atos
corriqueiros e os atos excepcionais e transformadores. Os atos corriqueiros são empreendidos dentro
do arcabouço institucional e ideológico, que deixamos de questionar ou reconstruir. Os atos
excepcionais e transformadores são os pelos quais mudamos, de tempo em tempo, provocados por
conflitos e crises.

Na vertente maior da teoria social clássica, a noção das estruturas institucionais e ideológicas da
sociedade como construções políticas, no sentido amplo, ficou comprometida por aquilo que o autor
chama de ilusões de falsa necessidade.
Um dos métodos de humanização dos regimes estabelecidos é a redistribuição compensatória operada
pelo Estado: o objetivo das filosofias de justiça distributiva.

O ideal do engrandecimento e a prática da inovação institucional (p. 32)

Para reimaginar e reconstruir as instituições é necessário enfrentar a maneira de manejar os


problemas emergentes ou os choques inesperados, que pode ser chamada de linha de menor
resistência. A linha de menor resistência é o conjunto de respostas a tais choques e problemas que
menos perturba os interesses e as ideias dominantes e, portanto, menos ameaça a estrutura
estabelecida.

A ditadura da falta de alternativas (p. 34)

No Atlântico Norte rico só se tolera um mínimo de ajuste institucional. O que se considera avançado é
uma família de projetos políticos e econômicos que recebeu rótulos como a “terceira via” ou o “modelo
nórdico”. Dissolve garantias de trabalhadores estáveis, limita o ônus tributário e regulatório, abre
espaço para empresas privadas participarem do fornecimento de serviços públicos, mas também
fortalece direitos e proteções universais.

Sob a perspectiva do autor, é necessário rejeitar o modelo de debate ideológico das últimas gerações,
que afirma que o Estado é contra o mercado.

Para não dourar a pílula do modelo econômica: a crítica à ideia da Suécia tropical (p. 37)

De acordo com a ideia da Suécia tropical, não temos de buscar no Brasil grandes inovações na maneira
de organizar o mercado e a democracia, mas aceitar e reproduzir variante do conjunto de acertos
institucionais e de políticas públicas que está estabelecido nos estados livres e ricos do Atlântico Norte.

A grande tarefa da política é reconciliar o social com o mercado, sem cultivar ilusões e entrar em
desvios. Há que se reconciliar o compromisso social com a integridade das políticas e das instituições
econômicas que asseguram o crescimento e o emprego.

Deve-se democratizar a economia de mercado, mudar seu conteúdo institucional para que ampliem
as oportunidades para produzir, trabalhar e aprender, para que mais gente tenha acesso às formas
avançadas da produção e para que o trabalho seja livre de fato.

Sob determinado aspecto, porém, o projeto da Suécia tropical representa passo para frente. Define
como finalidade a aproximação dos padrões de vida dos países que tradicionalmente são admirados.
Toma como meio a reprodução no Brasil das instituições e das práticas desses países. Esse exercício
resulta de um mal-entendido, em nada diverge dos hábitos do partido da mensagem.
O propósito da Suécia tropical é humanizar, não sacudir ou transformar. Portanto, presta-se a
acompanhar a estratégia de crescimento baseada na popularização do consumo e no aproveitamento
dos recursos agropecuários e minerais do país.

Os agentes políticos da Suécia tropical: PSDB e PT (p. 41)

O PSDB e o PT não são fiadores políticos do nosso avanço, mas duas cabeças da mesma serpente. A
serpente tem o chiado próprio da linguagem da Suécia tropical, porem injeta em suas vítimas o veneno
da rejeição de alternativas institucionais e agrada aos que se deixaram seduzir pelo colonialismo.

Lições da história dos Estados Unidos: aprender com o que fizeram, desconfiar do que dizem (p. 43)

No quadro da economia de guerra, a produção foi conduzida por coordenação flexível e negociada
entre o Estado e as grandes empresas, enquanto a tributação progressiva da renda superava, na
alíquota superior, 90%.

Quando os americanos da primeira metade do século XIX promoveram inovações institucionais na


agricultura e nas finanças estavam reconstruindo o conteúdo institucional e jurídico da economia de
mercado nesses dois setores.

2. Uma proposta de rumo para o Brasil


A ruína do modelo de desenvolvimento no Brasil: genealogia sumária da situação atual (p. 48)
O modelo de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma (cujas raízes fazem parte do governo FHC)
teve duas bases. Sua primeira base foi a ampliação do acesso da maioria pobre ou remediada do país
ao consumo; elevação do salário real, programas de transferência, democratização do crédito ao
consumo, apreciação do câmbio, medidas que elevaram a renda popular, pela democratização da
demanda. A segunda base foi a produção e exportação de commodities. A agricultura, pecuária e
mineração pagaram o preço do consumo urbano.
Democratizar a demanda e o consumo era muito mais fácil do que democratizar a oferta e a produção,
já que democratização da oferta exige mudar estruturas, inovar em instituições.
Ideia geral da alternativa: dar instrumentos à vitalidade frustrada do país (p. 52)
O autor faz uma proposta em três eixos para equipar o país com instrumentos econômicos,
educacionais e políticos para empoderar os brasileiros.
O primeiro eixo é a construção de um novo modelo de desenvolvimento econômico baseado na
qualificação da produção e da oferta, não apenas na elevação da demanda agregada e da renda
popular. Há dois pontos decisivos: (1) o vínculo a estabelecer entre aumento de produtividade e
democratização de oportunidades e capacitações e (2) a construção de novas vantagens comparativas
da economia brasileira a partir de nossas vantagens comparativas estabelecidas.
O segundo eixo é a educação que capacite. Propõe alternativas políticas e econômicas que requerem
formação em grande escala de trabalhadores e cidadãos com capacitações mais altas do que aquelas
exigidas por nossas instituições e práticas econômicas e políticas atuais. Para tanto, é preciso formar
uma vanguarda pedagógica que possa assumir como seu este projeto e reordenar o federalismo
brasileiro, nesse como em todos os setores da política social.
O terceiro eixo é a construção de democracia de alta energia, pautada pelo esquentamento da política
(a elevação do grau de participação organizada dos cidadãos na vida pública, a aceleração da política,
a superação rápida de impasses entre os poderes do Estado e o favorecimento do experimentalismo
na política) e a oportunidade dada a estados e municípios para divergir do caminho tomado pelo poder
central. O aprofundamento da democracia tem por contrapartida a construção do Estado por meio de
três agendas, de profissionalismo, eficiência e experimentalismo, e por ponto de partida a
reconstrução da relação entre política e dinheiro no Brasil.
O refinanciamento do Estado como condição da alternativa necessária: realismo fiscal e valor
estratégico da poupança pública e privada (p. 54)
Assegurar as condições fiscais e financeiras é a preliminar do produtivismo includente, para a
alternativa proposta pelo autor. É um assunto que envolve dois temas: o primeiro é a reorganização
das finanças públicas e o segundo é a organização da poupança privada e sua relação com a economia
real e o sistema produtivo.
Em matéria de redistribuição da renda e da riqueza, o que mais importa é o acesso institucionalizado
às oportunidades econômicas e educativas que decide a distribuição primária das vantagens,
oportunidades e capacitações.
A redistribuição corretiva da renda e da riqueza tem papel legítimo, para o qual importa o nível
agregado da receita e como se gasta.
A tributação progressiva tem papel útil, porém subsidiário, no conjunto de arrecadação e de gasto
público, assim como arrecadação e gasto público tem papel útil, porem secundário, em relação ao
efeito maior da inovação institucional sobre a distribuição de vantagens relativas dentro da sociedade.
Produtivismo includente: reindustrialização e economia do conhecimento (p. 59)
A situação do Brasil dentro da economia mundial se complicou ainda mais com o surgimento da
economia do conhecimento ou pós-fordista. É confundida com a manufatura avançada, porém não
está limitada a qualquer setor da economia. Em princípio, ela pode transformar qualquer setor da
produção.
As características maiores da economia do conhecimento são de três ordens: (1) a possibilidade de
atenuar ou reverter o que tem sido, em toda a história da economia, a regularidade mais constante e
universal da atividade econômica e a única que merece ser chamada de lei: o retorno marginal
decrescente aos insumos e fatores de produção. Na economia do conhecimento, há o potencial de
retornos marginais crescentes. A segunda marca é (2) a aproximação íntima e interna entre o esforço
da produção e o avanço da ciência, entre a maneira de cooperar e o trabalho de imaginar. O terceiro
atributo é (3) requerer e construir outra cultura moral da produção.
A causa mais plausível da relativa estagnação econômica é o confinamento da prática mais produtiva
a vanguardas relativamente isoladas e sua negação à maior parte da força de trabalho.
Até agora, a economia do conhecimento conseguiu pouca entrada no Brasil. De maneira geral, nossa
realidade é a de um fordismo industrial tardio e de uma massa de pequenos empreendimentos em
todos os setores descapitalizados e, sobretudo, restritos a tecnologias e práticas que os condenam a
baixa produtividade.
Em matéria de indústria e política industrial, há duas obras a executar no Brasil de hoje. A primeira,
nos centros industriais do país, é organizar a conversão progressiva do fordismo industrial em
manufatura avançada. A segunda é organizar fora desses centros industriais travessia direta do pré-
fordismo ao pós-fordismo industrial, sem que o país todo tenha de penar no purgatório de um
fordismo tardio. A travessia precisa ocorrer em todos os setores da produção.
Nas relações entre governos e empresas, há dois modelos disponíveis no mundo: (1) o modelo norte-
americano de um Estado que regula as empresas a distância e (2) o modelo do nordeste asiático, de
formulação de política industrial e comercial unitária, imposta de cima para baixo pelo aparato
burocrático.
Produtivismo includente: informalidade, precarização e inovação (p. 68)
Apresenta-se duas agendas para organizar as relações entre o capital e o trabalho no Brasil. A primeira
é a neoliberal, quase sempre sob o véu do discurso social-democrata ou social-liberal
institucionalmente conservador. A segunda é a do corporativismo sindical.
A agenda neoliberal prega a substituição do regime corporativista no direito do trabalho por
sindicalismo opcional e voluntário, a livre negociação entre as partes e erosão dos direitos do trabalho
em nome da flexibilidade: maior liberdade do empregador para demitir trabalhadores, para contratá-
los por tempo limitado e para terceirizar partes da produção. Possuem justificativas de duas ordens:
econômicas e de justiça.
A agenda do corporativismo sindical defende o sistema atual e luta para preservar o que resta da
unicidade sindical, a sindicalização supostamente automática de todos os trabalhadores numa
estrutura paraestatal. Denuncia todas as formas contratuais de trabalho que não sejam o assalariado
de tempo integral.
A alternativa de curto prazo, consistente com os objetivos e premissas do produtivismo inclusivo tem
três partes. A primeira parte diz respeito aos efetivamente sindicalizados, sobretudo no emprego
público e nos setores intensivos em capital de economia privada. A segunda parte diz respeito aos que
permanecem na economia informal, tipicamente em empreendimentos rudimentares. A terceira parte
diz respeito aos precarizados na economia formal. A terceira é a mais importante, tanto porque lida
com a parte da PEA que mais cresce como porque sinaliza mais claramente do que as outras duas o
caminho a percorrer no futuro.
O regime corporativista no direito do trabalho e na organização sindical se pauta por dois princípios
básicos: (1) a sindicalização universal e automática, independente de opção e assegurada pela
unicidade sindical e (2) a incorporação subordinada do movimento sindical ao Estado, mediada pelo
Ministério do Trabalho ou seu equivalente em outra estrutura de governo e reforçada pelo
financiamento público organizado tradicionalmente, no Brasil, na forma de imposto sindical.
O regime contratualista se caracteriza pela sindicalização opcional ou voluntaria, por analogia à
constituição de associação privada ou à celebração de um contrato privado, e a completa
independência da estrutura sindical com relação ao Estado.
A melhor solução é o desenvolvimento de um regime híbrido que aproveite do regime contratualista
o princípio da completa independência (sindicato deixa de ser aparato paraestatal) e do regime
corporativista o princípio da sindicalização abrangente e automática.
Produtivismo includente: política regional e projeto nacional (p. 75)
O objetivo menor e estritamente econômico da política regional é organizar no Brasil uma dialética de
vanguardismos. O objetivo maior é ajudar a nação a construir sua diversidade: as diferentes maneiras
de ser brasileiro.
Educação que capacite: como educar o Brasil sem desnaturá-lo (p. 78)
A forma tradicional de ensino no Brasil – o enciclopedismo raso e dogmático – é incompatível com
produtivismo inclusivo e com democracia de alta energia.
Quatro traços distinguem o paradigma pedagógico (a maneira de ensinar e aprender) de que
precisamos. Aplicam-se, com as adaptações necessárias, tanto ao ensino básico geral como ao ensino
técnico. Os traços são (1) priorizar capacitações de análise e de síntese sobre a memorização de
conteúdos, (2) valorizar o aprofundamento seletivo, o ensino organizado em torno de temas e
projetos, (3) facilitar a cooperação entre alunos, professores e escolas para a antecipação de trabalhos
em equipes em todos os graus de ensino e (4) tornar o ensino dialético, ou seja, cada matéria deve ser
ministrada de pelo menos dois pontos de vista contrastantes.
Educação que capacite: o federalismo cooperativo e a qualificação dos serviços públicos (p. 82)
Há três requisitos para reconciliar gestão local com padrões nacionais. O primeiro é um sistema
nacional de avaliação de desempenho de cada escola. O desempenho deve focar, sobretudo, as
capacitações analíticas, verbais e numéricas, que estão no coração do novo currículo. O segundo é o
da redistribuição de recursos e até de quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres. O
Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação) representa um começo na execução desse princípio. O terceiro requisito é
que órgãos transfederais (representativos dos três níveis da federação) socorram redes de escolas
locais que deixarem de alcançar o patamar mínimo de qualidade repetidamente.
Democracia de alta energia e construção do Estado (p. 85)
Todas as democracias que existem no mundo são frágeis, de baixa energia. Todas continuam a
depender de crises, na forma de ruína ou guerra, para tornar possíveis mudanças de fundo. Todas
perpetuam o governo dos vivos pelos mortos e dificultam a submissão da estrutura da sociedade às
construções coletivas, manifestas nas leis.
A vida política de uma sociedade pode ser ao mesmo tempo institucional e mobilizadora. Uma política
rica em conteúdo de mudança estrutural é necessariamente uma política e alta mobilização. Só
deixará, porém, legado duradouro se esse legado se expressar nas leis e, sobretudo, nas instituições.
A temperatura da política significa o nível de engajamento popular organizado na vida pública. As
instituições políticas com maior utilidade para elevar, organizadamente, a temperatura da política são
de três tipos: (1) os regimes eleitorais, cujo efeito depende da trajetória de que emergem e da
circunstância em que se inserem, ou seja, um sistema proporcional pode suscitar efeito mobilizador
numa circunstância, ao introduzir novas vozes e agentes, e efeito desmobilizador em outra, ao
dificultar a formação de uma nova maioria política transformador; (2) as regras que organizam o
financiamento público da atividade política e eleitoral e restringem o uso do dinheiro privado; e (3) as
medidas que franqueiam, tanto para os movimentos sociais organizados como para os partidos
políticos, o acesso aos meios de comunicação em massa, como condição das licenças concedidas às
empresas de mídia.
Para combinar iniciativa central forte com espaço para divergência, há duas etapas a percorrer: a
primeira é a do fortalecimento da cooperação federativa, vertical (entre níveis da federação) e
horizontal (entre unidades federadas do mesmo nível) e a segunda etapa é a quebra do princípio de
uniformidade no grau de divergência permitida a partes do Estado. Enquanto todas as partes gozarem
ao mesmo tempo, da mesma faculdade de divergência, a própria divergência nunca poderá ser grande:
sua generalização começaria a solapar a unidade legal e política do Estado e dar razão aos que alegam
haver incompatibilidade da iniciativa central forte com divergência expressiva.
A tradição constitucional republicana brasileira se resume à combinação do liberalismo
protodemocrático, expressa no presidencialismo e no federalismo americano, com um weimarismo
tardio. O weimarismo tardio é a parte da tradição constitucional brasileira que se inspira nas
constituições e na prática constitucional da Europa no século XX a partir da Primeira Guerra Mundial e
tem dois elementos: (1) a incorporação à constituição de longa lista de promessas de direitos de toda
a ordem, sem que se desenhe a transformação do regime econômico e político capaz de assegurar o
cumprimento daqueles direitos e (2) o apelo a combinações dos regimes parlamentar e
presidencialista que reservem ao presidente poder maior ou menor de arbitragem e de iniciativa.
Nas circunstâncias do Brasil, duas iniciativas têm natural primazia para acalorar a política: a (1)
reorganização da relação entre a política e o dinheiro e a (2) ampliação do acesso gratuito aos meios
de comunicação em massa.
Na construção do Estado há três agendas, associadas a séculos diferentes, que teriam de ser
executadas ao mesmo tempo, em passos gradativos. A primeira é a agenda do profissionalismo e da
meritocracia no serviço público, projeto inacabado do século XIX. A segunda é a agenda da eficiência,
do século XX. A terceira é a agenda do experimentalismo, de papel crescente no século XXI.

3. Base social

Base social, ação política e ideário programático (p. 97)

A base social não é algo que exista antes e à parte de ação política.

Há dois equívocos contrapostos a evitar na abordagem da relação entre bases sociais e construção
política e programática. O primeiro equívoco é o do construtivismo ou do voluntarismo. O segundo
equívoco é o de naturalizar os interesses de classe e grupos.

O autor caracteriza a base social da alternativa nacional que propõe de três maneiras: (1) os
emergentes, (2) os interesses do trabalho e da produção e (3) o Brasil profundo.

Os emergentes (p. 98)

São o agente social mais importante no Brasil. Têm sido chamados como segunda ou nova classe média
para distingui-los da classe média tradicional.

Há três realidades sociais distintas ligadas ao conceito de emergentes: (1) os que superaram a pobreza
e ganharam certo grau de independência econômica, constituem pequena burguesia empreendedora;
(2) os batalhadores, trabalhadores pobres determinados a seguir o caminho da pequena burguesia
empreendedora; e (3) a multidão carente do país, atraída pelo exemplo dado por empreendedores e
batalhadores.

Segundo um preconceito antigo da esquerda, os emergentes são massa de manobra do grande capital
e da direita política. Demonizada pela esquerda, a pequena burguesia virou sustentáculo dos
movimentos de direita.

Os interesses do trabalho e da produção (p. 100)


Os interesses do trabalho não podem ser apenas os da minoria organizada, sediada nos setores
intensivos em capital. Os interesses também têm de ser os dos trabalhadores, dos informais e
precarizados.

Os interesses do capital não podem ser apenas os dos industriais favorecidos pelo desenvolvimentismo
do século passado. A tarefa é qualificar a multidão de pequenos e médios empreendimentos que
representam a maior força da economia brasileira. São elas que respondem pela maior parte do
produto e pela vasta maioria dos empregos.

Uma das maneiras de promover a economia do conhecimento é qualificar empresas de qualquer


escala em setores, como o do agronegócio, da bioenergia, da saúde e da defesa.

O Brasil profundo (p. 103)

Nesse Brasil, o papel central dos emergentes na experiência e na consciência populares aparece com
mais clareza. Os valores do trabalho e da produção costumam gozar de natural e superior autoridade
e a frustração com o rumo ou a falta dele do desenvolvimento e da política brasileiros ficam mais
evidentes.

4. Ideias e Sonhos

Inovação institucional, luta de ideias e transformação de consciências (p. 105)

Hoje, as ideias predominantes nas disciplinas de direito e economia, no Brasil e nos países de onde são
importadas as teorias, mistificam a ordem estabelecida, confundindo o real com o racional no espírito
do hegelianismo de direita.

O coro do destino e a destruição do colonialismo mental (p. 107)

A mais influente das ciências sociais, a teoria econômica dos teóricos do marginalismo do final do
século XIX, pratica a racionalização de maneira singular.

No mundo fora do Atlântico Norte, sobretudo na China, Índia e Brasil, espera-se que existam nas
academias rebeldia contra as correntes racionalizadoras, humanizadoras e escapistas, mas não é o que
ocorre.

A forma característica desse colonialismo é hoje a entrega de grande parte da vida intelectual, no
estudo da sociedade e da história a duas correntes de ideias: (1) o marxismo encolhido, que rejeita a
parte boa da teoria de Marx, as aspirações transformadores e usa apenas o fatalismo histórico e (2) a
das ciências sociais praticadas no sistema universitário dos Estados Unidos, a começar pela teoria
econômica. Junto com essas duas correntes, convivem na academia brasileira uma terceira: o
determinismo culturalista, o qual exalta a cultura brasileira, sem estar imune ao colonialismo mental.
Para pensar o Brasil com mais realismo e maior esperança é preciso rejeitar essas correntes que juntas
ocupam a quase totalidade dos estudos sociais no país.

Outra consciência e o sonho brasileiro (p. 116)

O rumo proposto pelo autor e as inovações institucionais que definem os passos tomam por dado o
repúdio à sentimentalização das trocas desiguais.

PARTE II – REORGANIZAR O BRASIL

1. O caminho do Brasil

Pôr a mão nas feridas: o que o Brasil requer – 18/10/2015 (p. 123)

O desenvolvimento brasileiro repousa em duas bases desde a redemocratização: consumo e


commodities.

Mesmo quando tudo parecia estar bem, não estava. A bonança escondia baixa produtividade na
economia brasileira.

Ajuste fiscal (p. 124)

O ajuste fiscal é apenas preliminar a uma agenda nacional. Para que cumpra seu papel, é preciso que
o país se livre de duas ilusões. De acordo com a primeira ilusão, o ajuste seria para ganhar confiança
dos mercados financeiros e, com ela, investimento e crescimento. Precisamos fazer o ajuste pela razão
contrária, para que o governo e o país não dependam da confiança financeira e não tenham de traçar
seu caminho de acordo com as preferências dos financistas. A segunda ilusão vem do keynesianismo
vulgar, no qual os partidos e economistas ditos progressistas se refugiaram quando abandonaram o
marxismo e perderam a fé nas heterodoxias do passado.

Educação (p. 126)

O Brasil possui feridas de incapacidade e a educação é uma delas. A melhor maneira de desvendar o
rumo da democratização de oportunidades e capacitações, como base de um novo ciclo de
desenvolvimento nacional, é pôr a mão nessas feridas (educação, produção, trabalho, ambiente,
gestão e controle e federalismo).

O Brasil avançou no acesso à escola, mas a qualidade continuou miserável.


Produção (p. 127)

O Brasil possui uma grande cultura empreendedora, mas a maior parte de nossas empresas continua
afundada num primitivismo produtivo, sem práticas ou tecnologias avançadas.

Trabalho (p. 128

Parte cada vez maior da força de trabalho está em situação de terceirizado ou temporário ou
autoemprego, sem a proteção efetiva das leis.

Ambiente (p. 129)

O problema é que não há regras ambientais suficientes, que deem tratamento diferente a áreas
ocupadas ou virgens.

Gestão e controle (p. 129)

No Brasil, o gestor público mal consegue trabalhar. É necessário organizar o controle das ações de
governo como maneira de qualificar a gestão pública.

Federalismo (p. 129)

É necessário dar vida à federação, para isso deve-se seguir dois requisitos. O primeiro é assegurar
partilha tributária que não obrigue governadores e prefeitos a ir de pires na mão ao Palácio do Planalto
e ao Ministério da Fazenda. O segundo é definir outro paradigma de política regional.

Brasil desacorrentado – 04/12/2001 (p. 131)

A realidade institucional é a falta de regime de partidos políticos fortes e democráticos. Os partidos


brasileiros costumam ser fracos e despóticos. A realidade social é a desinformação popular. A realidade
psicológica é a resistência, comum entre os endinheirados e a classe média. A realidade ideológica é a
rendição de nossos quadros dirigentes e pensantes às ideias prestigiosas nos EUA e na Europa.

2. Emergentes e Batalhadores

O Brasil dos emergentes – 23/10/2001 (p. 143)

Três iniciativas ajudariam a levantar e reformar o Brasil dos emergentes, para que eles pudessem, por
sua vez, ajudar a soerguer o Brasil. A primeira iniciativa é econômica: assegurar a essa classe aceso aos
instrumentos da produção (crédito, tecnologia e conhecimento). A segunda iniciativa está na política
social, deve-se conquistar os emergentes para a escola e a medicina públicas, livrando-os do fardo da
escola particular e do plano de saúde. A terceira iniciativa é social e ideológica, um adensamento da
vida associativa (cooperativas, clubes, igrejas) desviaria os emergentes do egoísmo individualista e
familiar.

3. Política e poder

A sucessão em São Paulo – 04/06/2006 (p. 151)

A política de emprego tem de incluir três elementos: (1) intervenção direta e pontual (obras públicas,
sobretudo na construção de habitações populares, à base da regularização da posse de terra nos
loteamentos irregulares e da parceria com as comunidades, para gerar empregos em regime de
emergência), (2) incentivo sistêmico (benefício fiscal para empresas, grandes ou pequenas, que se
comprometerem a contratar empregados menos qualificados e a trabalhar com o governo para
qualifica-los), e (3) parceria capacitadora (associação com o Sebrae e outras entidades para dar à
multidão de empreendedores emergentes meios para ganhar acesso aos instrumentos da produção).

A sucessão refocalizada – 17/09/2002 (p. 152)

Três grandes questões estavam em jogo na sucessão presidencial: (1) a integridade das instituições
republicanas, (2) a independência do Brasil e (3) a mudança do modelo econômico.

Como enfrentar os perigos da oposição – 15/10/2002 (p. 155)

Ao enfrentar a crise de confiança, a preocupação prioritária deve ser evitar que a confusão financeira
contamine a economia real – o sistema produtivo.

Duas iniciativas, encaminhadas no início do novo governo, podem ser decisivas para lançar as bases
do crescimento e para ganhar a confiança. A primeira iniciativa é simplificação tributária que
transforme imposto federal sobre o valor agregado no instrumento principal da arrecadação e
compense o cunho regressivo desse imposto com medidas de justiça tributária. A segunda iniciativa é
a imposição de teto único da previdência aos funcionários públicos e aos assalariados privados.

Nova política externa brasileira terá de reconciliar duas tarefas: (1) reconstruir a relação com os EUA
sobre bases que ultrapassem a agenda das negociações comerciais e (2) trabalhar com os outros países
continentais periféricos em defesa dos nossos interesses comuns.

Os progressistas e o governo do PT – 10/12/2002 (p. 157)

Três vertentes formam o primeiro rumo que pode ser seguido pelo governo do PT, condenando o
governo a um fracasso: (1) primazia dada à conquista da confiança financeira, (2) negociações setoriais
(pactos), sob a égide do governo, entre os interesses organizados da sociedade brasileira, para acertar
o que muda e quem paga e (3) políticas sociais de compensação, como programas contra a fome,
destinadas a atenuar o sofrimento dos mais pobres. Se o PT tomar esse caminho, produzirá
agravamento da situação econômica e frustração das expectativas populares.

O segundo rumo, aparentemente mais difícil de executar, mas indispensável ao desenvolvimento


democratizante, possui seis diretrizes: (1) manutenção do sacrifício fiscal, para se libertar dos
interesses financeiros, (2) uso do poder de barganha produzido pelo sacrifício fiscal para pressionar os
juros para baixo, (3) restrição à livre saída do capital brasileiro, imposta como escudo protetor
temporário de uma política de crescimento e reconstrução, (4) reformas, como participação nos lucros,
desoneração da folha salarial e simplificação dos impostos, que aumentem a parcela da renda nacional
destinada aos salários e que ajudem a salvar da informalidade dois terços dos trabalhadores, (5)
ruptura das relações incestuosas entre o poder e o dinheiro, começando com o financiamento público
das campanhas e com a privatização do resgate de empresas falidas e (6) choque meritocrático, por
meio de políticas que, ao assegurar educação para todos, propiciem também o financiamento amplo
das crianças mais talentosas ou aplicadas, sobretudo quando pobres e de cor.

Como avaliar o governo Lula – 15/04/2003 (p. 159)

As maiores virtudes do governo Lula são a honestidade e a prudência. O defeito básico é sua
mediocridade continuísta, imprópria para país com o potencial e os problemas do Brasil.

O precipício – 13/05/2003 (p. 160)

Três conjuntos de fatos, sem conexão aparente, demarcam o abismo em que o governo Lula ameaça
cair. O primeiro grupo de fatos é o descompasso entre a impressão do estado em que se encontra a
economia brasileira e o estado em que ela de fato está. A impressão é de êxito no afastamento de crise
de confiança, aplausos mundiais à solidez da política econômica, reversão do déficit das contas
externas e consequente prontidão do país para iniciar novo ciclo de crescimento. A realidade é de
rendição a um ideário que jamais assegurou crescimento em qualquer país grande na história
contemporânea. As políticas monetária e fiscal continuam a conspirar contra o crescimento. O
segundo grupo de fatos é o esvaziamento das instituições e das práticas republicanas em proveito da
hegemonia política. Os lobbies e as corporações são contemplados ou punidos de acordo com o
mesmo cálculo de intimidação e cooptação. A terceira soma de fatos é a afirmação de que nada indica
que o primeiro escalão do governo se aproveite pessoalmente da relação com a plutocracia.

Raízes da rendição – 08/07/2003 (p. 162)


A primeira raiz da rendição do governo Lula é a confusão de flagelação do país com prudência
econômica. O governo respondeu com política recessiva aos constrangimentos que pesam sobre a
economia e o Estado brasileiro.

A segunda raiz da rendição é o silencio das ideias. O mercantilismo superficial e irrealista vem
ocupando o espaço de alternativa consequente à política recessiva. A proposta mercantilista é
mobilizar o país para exportar, gerando excedentes o suficiente para libertar o país do
constrangimento externo. A realidade é que exportação só vem com produção.

A terceira raiz da rendição é a perversão das práticas. O governo se considera posicionado


precariamente em país ainda controlado por plutocracia bem relacionada ao mundo. O núcleo do PT
identifica na consolidação de sua hegemonia política o pressuposto para o salvamento do Brasil.

A quarta raiz da rendição é a perversão das pessoas. Viciam-se o presidente e seus colaboradores em
forma corruptora de gozo. Um exemplo, que ocorre com todas as políticas públicas, é a história do
boné. Lula coloca o boné do MST para poder não fazer a reforma agrária, gestos em troca de
realizações.

Oposição – 25/11/2003 (p. 163)

A política brasileira está sendo organizada de forma a negar ao país uma oposição capaz de oferecer a
alternativa democratizante, produtivista e moralizadora. Surgem duas oposições incapazes de
desempenhar esse papel. A primeira é o PSDB, não pode ser oposição porque já está no poder em tudo
menos na identidade dos que ocupam cargos de governo. A segunda oposição incapaz é a esquerda
do PT, tem proposta estreita e sectária que reflete os interesses e as ideias da base histórica que o PT
no poder abandonou.

Hoje a tarefa prioritária na política brasileira é preparar oposição ampla que ponha no centro do
debate nacional a democratização das oportunidades de trabalho e ensino e o rompimento dos
vínculos entre os poderosos e os endinheirados.

Organizando uma surpresa – 08/06/2004 (p. 165)

A preocupação dos candidatos para eleição presidencial é conquistar a confiança da massa popular
sem causar sobressalto para a plutocracia.

As premissas do jogo presidencial são as seguintes: (1) os partidos são fracos, mas o Congresso é forte,
(2) candidatos presidenciais devem pertencer ao elenco de políticos já nacionalmente conhecidos, (3)
quem integra a lista ou não quer ver grandes mudanças realizadas no país ou não tem suficiente clareza
a respeito de seu conteúdo para resistir aos envolvimentos a que fica sujeito qualquer candidato
presidencial.

Momento e missão – 05/10/2004 (p. 166)

O projeto abraçado pelo PSDB e pelo neo-PT não funciona ou funciona muito mal. Dá ao país
crescimento medíocre, bem inferior ao dos outros países continentais em desenvolvimento, e avanço
medíocre na solução de seus problemas sociais.

O PSDB foi o centro da coalização que governou o país por oito anos. O PT palaciano é o centro da
coalização que o governo agora. As forças governantes de ontem e hoje atraíram hordas de políticos
e o tempo oficial de televisão.

Classe média e futuro nacional – 16/11/2004 (p. 168)

Quem sinaliza no Brasil o rumo que o país tomará é a classe média. Todas as renovações brasileiras
ocorreram quando a classe média se desgarrou da plutocracia neocolonial e passou a propugnar, em
nome de todos, outra ideia do futuro da nação.

O caminho da classe média e do Brasil depende do surgimento de forças, agentes e propostas capazes
de oferecer a alternativa genuína que a falsa rivalidade das duas coalizões partidárias dominantes
sonega ao país.

Para além da corrupção – 31/05/2005 (p. 169)

A corrupção mora no centro, não na periferia, do nosso sistema político. É necessário reformar o
financiamento eleitoral. Deve-se criar uma democracia mais mudancista e experimentalista do que
aquelas do Atlântico Norte.

Fugindo do que importa – 09/08/2005 (p. 171)

O problema do Brasil é falta de dissenso. O país precisa mudar de rumo. Temos de mudar nossas
instituições políticas.

Com que forças podemos contar? – 18/10/2005 (p. 172)

Há, na classe média tradicional, uma minoria com imensa influência: a do aparato de segurança do
Estado – juízes, procuradores, promotores, policiais federais e oficiais das Forças Armadas. Há, na nova
classe média dos emergentes, uma minoria com influência potencial até maior: a dos movimentos
sindicais, religiosos e associações que formam o ambiente desconhecido. Essas duas minorias não
compartilham o cinismo comodista dos que desesperam da política, não aceitam que o país tenha de
optar entre duas vertentes do mesmo projeto antirrepublicano, antinacional, antiprodutivista,
antitrabalhista e anticapacitador, e se dispõem a lutar para que o Brasil tenha uma alternativa de
projeto e poder.

A obra do próximo presidente – 14/02/2006 (p. 174)

É exigido do Lula uma mudança de rumo que resgate o país de uma mediocridade duradoura, ruidosa
e desnecessária.

O que o novo governo deve fazer para que o Brasil possa levantar: (1) usar a persistência no sacrifício
fiscal, a força de pressão do governo e a falta de opção dos rentistas para forçar baixa dramática do
juro, (2) acelerar a desvalorização cambial que o rebaixamento do juro provocará, (3) cercar os meses
iniciais de tensionamento com controles mais fortes sobre as entradas e saídas de dinheiro, deixando
claro que o objetivo é caminhar em direção a uma moeda conversível, (4) eleger como a reforma
tributária mais urgente a supressão de todos os encargos e impostos sobre a folha de salários, pagos
os direitos trabalhistas com os impostos gerais, (5) usar os órgãos paraestatais existentes e criar outros,
para adaptar e transferir tecnologias e práticas avançadas à multidão empreendedora que surge de
baixo, (6) organizar investimento público e privado em fomento de energia de base hídrica e biológica,
usando esse projeto energético para ocupar e soerguer a Amazônia brasileira, (7) definir como
prioridade da política social a melhora da qualidade do ensino público, a começar pela universalização
do segundo ciclo e (8) acabar com as práticas, de financiamento eleitoral e de entendimento sorrateiro,
por meio das quais endinheirados compram governantes e governantes achacam endinheirados.

Voz ainda inaudível – 06/07/2004 (p. 175)

Há duas vozes que dominam a discussão no Brasil: a primeira se identifica com o ideário que está há
muitos anos no poder, vê o governo do PT como caudatário, embora mais inepto e envergonhado, do
caminho de aceitar a disciplina da globalização, adaptando ao Brasil as mesmas instituições que deram
certo nos países ricos. A segunda voz prima pela superioridade irônica, atribui a semelhança de ideias
e práticas entre os governos de FHC e Lula à pobreza inescapável da política contemporânea e às
limitações intrínsecas do Brasil.

Há uma terceira voz, dos muitos que levam a sério a pregação em favor de um modelo de
desenvolvimento baseado na mobilização forçada dos recursos nacionais, na democratização das
oportunidades de trabalho e de ensino e na quebra dos vínculos entre poder e dinheiro.

4. O modelo de desenvolvimento e sua reconstrução

Hora de dizer não – 23/03/2004 (p. 177)


É preciso afirmar três verdades que definem ponto de partida para a ação de que o Brasil necessita:
(1) não falta alternativa de rumo, (2) não atua como estadista quem se apresente, em nome da
governabilidade, para escudar o governo, (3) o país não deve optar entre um não-governo, uma não-
oposição e um sectarismo de esquerda.

O tema secreto da sucessão – 28/08/2001 (p. 180)

As primeiras vítimas da nova situação são os países, como a Argentina, que embarcaram na versão
exagerada da incorporação passiva à economia mundial. O Brasil só embarcou pela metade.

O que está em gestação mundo afora é um rumo com três vertentes. Seu primeiro eixo é a invenção
de novas maneiras de transmitir equipamento educativo e econômico às maiorias excluídas dos
setores avançados da economia. Seu segundo eixo é o aprofundamento da democracia através da
combinação da democracia representativa com traços da democracia direta e participativa. Seu
terceiro eixo é o reordenamento da globalização para facilitar uma diversidade maior de trajetórias
nacionais e de formas de civilização.

Dínamo desconhecido – 28/11/2006 (p. 181)

Juro mais baixo e moeda menos valorizada são condições necessárias para que o Brasil rompa a
camisa-de-força que o impede de caminhar. Necessárias, mas não suficientes.

Como ter um empresariado nacional – 02/10/2001 (p. 182)

O Brasil é hoje o país campeão em características que medem o vigor da cultura empresarial, como a
porcentagem de pessoas com empreendimento próprio.

Há seis condições básicas para consolidar grandes empresas nacionais que ajudem a retomar e a
reorientar o desenvolvimento brasileiro: (1) diminuir a dependência nacional de recursos externos, (2)
substituir, nas grandes empresas, o nepotismo pela meritocracia e os caprichos do controlador pelo
respeito a quem trabalha ou investe, (3) superar a escolha entre o modelo americano de um Estado
que se limita a regular as empresas a distância e o modelo do nordeste asiático de um plano estratégico
acertado entre burocratas e empresários, (4) negociar com as multinacionais os termos de sua atuação
no país, (5) aprofundar o potencial tecnológico nacional de ponta e torna-lo acessível a muitos e (6)
fechar a porta: quem vai à falência deve ficar pobre, não rico, e viver de trabalhar e produzir devem
ser mais vantajoso do que viver de renda.

Brasil, país de inovadores – 27/11/2001 (p. 185)

A fonte maior da prosperidade é a reunião da capacidade de inovar com a capacidade de cooperar.


Enriquecem os países quando desenvolvem práticas e instituições que reconciliam melhor esses dois
imperativos. Temos como dar grande salto no fornecimento da nossa capacidade cooperativa e
inovadora se soubermos aproveitar e combinar duas oportunidades: a primeira oportunidade vem de
fora, do mundo. É o surgimento nas sociedades contemporâneas de um conjunto de práticas que
permite aliança mais íntima entre a cooperação e a inovação. A segunda oportunidade vem de dentro,
do Brasil, é o vigor da nossa nova cultura de iniciativa, reforçado pela flexibilidade do nosso
trabalhador. O que falta para juntar essas duas oportunidades resume-se em três iniciativas: (1)
diminuir nossa dependência de financiamento externo, que periodicamente interrompe o crescimento
da economia brasileira, tornando inacessível o crédito, (2) avançar na disponibilidade do ensino
público de qualidade e (3) dar voz e vez a nossa cultura empreendedora emergente.

Três dados da economia brasileira – 15/01/2002 (p. 187)

Há três dados da realidade econômica do Brasil que ultrapassam em importância todos os outros: (1)
o juro real (o juro descontada a inflação) é maior do que a taxa média de retorno dos negócios em
todos os setores da economia brasileira, exceto os bancos, (2) ocorrem milagres de renovação do
nosso padrão produtivo e (3) metade dos brasileiros vive de biscate presa no mercado informal de
trabalho.

A situação gerada pelo primeiro dado é insustentável, porque (1) viver de renda passa a ser melhor do
que viver de trabalhar e produzir, (2) o próprio governo não pode continuar pagando a festa dos que
vivem de renda, emprestando dinheiro ao Estado.

Como o Brasil voltará a crescer – 23/04/2002 (p. 189)

Há duas condições para que se instaure a logica dinamizadora e democratizante. A primeira condição
é que o governo não gaste mais do que arrecade. A segunda condição é mobilizar a poupança de longo
prazo para o investimento de longo prazo.

O problema e a solução – 18/06/2002 (p. 190)

O problema interno é que precisamos crescer para controlar a dívida pública e controlar a dívida para
poder crescer. Para quebrar o círculo vicioso da dívida e dos juros, o governo tem de elevar o saldo
primário da arrecadação.

O problema externo é que a fraqueza da capacidade exportadora nacional reduz as perspectivas do


Brasil, limita o poder de importar as tecnologias necessárias, aumenta a dependência do capital
estrangeiro e transforma qualquer surto de crescimento em ameaça de crise na balança de
pagamentos.

Como quebrar o Brasil – 25/02/2003 (p. 192)


A pressão inflacionária vem da desvalorização cambial e do endividamento do Estado.

Nenhum país enriquece com o dinheiro dos outros. A poupança estrangeira apenas suplementa os
esforços nacionais. A confiança financeira importa, porém menos do que as condições objetivas para
recuperar a economia. A valorização dos salários e a democratização de oportunidades são decisivas
para que se retome o crescimento. Deve-se impor, quando necessário, controles mais rigorosos sobre
a saída de capital brasileiro. O instinto de sobrevivência sempre acaba por prevalecer sobre o
sentimento de intimidação.

Qual o melhor negócio no Brasil? – 25/03/2003 (p. 193)

Há quem sustente que o melhor negócio no Brasil seja falir, porém só se aplica a alguns poucos
magnatas, que ficam ainda mais ricos quando conseguem ir à falência.

O melhor negócio no Brasil é o narcotráfico. É imune à desestruturação de nossa infraestrutura


produtiva, não exige segurança dispensa o esforço lento de formação intelectual, reconcilia grandeza
de escala com descentralização de operações, combina o autofinanciamento típico das antigas
estratégias nacionais de produção com a aceleração de prazos com a flexibilidade de métodos que
marcam os empreendimentos internacionalizados de última geração, estreita vínculos com vizinhos
sul-americanos ao mesmo tempo que antecipa nossa integração no espaço econômico dos EUA,
relativiza soberania, como exige a globalização.

Duas ilusões ruinosas – 29/04/2003 (p. 195)

O fiscalismo, a economia política dos rendidos, é a aceitação integral da cartilha dos mercados
financeiros: não só austeridade fiscal, mas também tudo o que coloque o governo de mãos atadas
diante do capital financeiro. Contra o fiscalismo, levanta-se o mercantilismo: tudo pela exportação,
para poder superar o constrangimento externo ao crescimento.

Como dar a volta por cima – 07/02/2006 (p. 201)

Deve-se tomar iniciativas certas em cinco áreas decisivas. A primeira área é a do juro e do câmbio. A
segunda área é a estrutura energética. A terceira área é a difusão de práticas econômicas
vanguardistas em grandes setores da economia brasileira. A quarta área é a da qualificação do ensino
público. A quinta área é do conserto da política.

5% - 21/11/2006 (p. 206)

É possível crescer 5% ao ano com os seguintes passos:

I. Reafirmar os compromissos com a responsabilidade fiscal e com a estabilidade monetária;


II. Sinalizar rigor fiscal;
III. Endurecer na pressão para baixar o juro, operando no limite com o mercado financeiro;
IV. Cuidar para que o efeito repercuta mais em crédito para produção do que em crédito para o
consumo;
V. Aproveitar e facilitar o efeito que o tensionamento com o mercado financeiro terá na
desvalorização cambial;
VI. Providenciar desoneração tributária do investimento privado;
VII. Desobstruir juridicamente o investimento público, com emendas da Lei de Responsabilidade
Fiscal para aumentar a capacidade dos estados e municípios de endividar-se para investir em
saneamento básico e em educação;
VIII. Reformar a legislação ambiental;
IX. Desonerar os encargos que pesam sobre a folha de salários;
X. Deixar de dar dinheiro de trabalhador, em forma de empréstimo subsidiado, a grandes
empresas;
XI. Estabelecer práticas contemporâneas de gestão no setor público.

Impostos e futuro – 27/02/2007 (p. 209)

É necessário compreender que (1) tanto os imposto quanto as transferências de renda do governo
para pobres são instrumentos acessórios, ainda que úteis, na diminuição das desigualdades; (2)
quando se quer avaliar a justiça de impostos, o que importa é o resultado, não a aparência; (3) o
tributo para o qual converge o mundo é um imposto abrangente, e de alíquota única, sobre o valor
agregado, o IVA, é o que menos distorce os preços relativos; (4) por ser o IVA um imposto regressivo,
só deve ser aceito como eixo quando instituído no bojo de um projeto maior de desenvolvimento
com inclusão; (5) a melhor maneira de tornar o regime tributário mais justo é construir, sobre a base
do IVA, dois outros impostos, um que alcance a hierarquia dos padrões de vida, incidindo sobre a
diferença entre a renda e a poupança de cada contribuinte e outro que incida sobre a própria
riqueza, sobretudo quando transmitida por meio de doação familiar ou herança.

Os aparelhos e o ar – 10/04/2007 (p. 210)

Deve-se usar os poderes e os recursos do Estado não para dirigir ou suprimir os mercados, mas para
tomar iniciativas que deem a mais gente mais acesso a mais mercados de mais maneiras.

5. A capacitação dos brasileiros


Como cuidar do social – 19/06/2001 (p. 212)
Os três programas sociais que mais deram certo na história moderna do Brasil são, pela ordem de
importância, a escola pública, o salário mínimo e a aposentadoria rural.
Deve-se flexibilizar o federalismo.
Como melhorar o ensino – 26/02/2002 (p. 213)
A solução começa na convergência entre três séries de iniciativas. A primeira iniciativa é a organização
de um núcleo de reformadores que dirija a reorientação do nosso ensino. A segunda iniciativa é a
formação do professorado. A terceira iniciativa é a associação do governo federal, dos estados e dos
municípios em órgãos transfederais que vigiem e assegurem o preenchimento de mínimos de
investimento por aluno e de desempenho por escola.
Ensino já – 18/03/2003 (p. 216)
A realização mais benéfica do governo FHC foi o aumento da escolaridade, especialmente a difusão da
escola média.
Três conjuntos de iniciativas permitiriam a transformação da vida brasileira. A primeira tarefa é
assegurar o cumprimento de mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola,
primária ou secundária, em todo o Brasil. A segunda tarefa é mudar a natureza do ensino, deve ter por
orientação o aprofundamento seletivo em substituição ao enciclopedismo superficial. A terceira tarefa
é radicalizar a meritocracia por meio da educação.
Social fora de foco – 16/12/2003 (p. 218)
Focalizar as políticas sociais significa dirigir apenas aos mais carentes os recursos disponíveis para o
social. A focalização se opõe a políticas ditas universais: destinadas a todos.
Revolucionar o ensino público – 04/10/2005 (p. 221)
As prioridades hoje são universalizar o ensino médio, reconstruir e refinanciar o regime de formação
inicial e de requalificação periódica do professorado, disponibilizar materiais pedagógicos muito mais
ricos na sala de aula, fazer a transição para a escola em turno integral, evitar que “progressão
continuada” degenere em aprovação automática e monitorar obsessivamente a qualidade do
desempenho de escolas, alunos e professores.
Educação: escolhas – 18/07/2006 (p. 225)
Sociedade muito desigual tem de gastar mais em educação do que sociedade menos desigual: a escola
luta contra o meio.
Educação sem romantismo – 03/10/2006 (p. 226)
Dinheiro só pode vir, na realidade fiscal atual, de duas fontes: rebaixamento dramático dos juros que
o governo paga aos credores da dívida pública internar e aumento da idade da aposentadoria.
Oito medidas para educar – 12/12/2006 (p. 228)
É necessário gastar mais com educação. Quanto mais desigual o país e menos forte nele a tradição de
cultivar o estudo em casa, maior tem de ser o gasto em educação. A melhora da qualidade da educação
surte efeito imediato, não só a longo prazo.
I. Assegurar piso salarial e plano de carreira aos professores em todo o país;
II. Construir sistema nacional de “escolas normais” e de faculdades de educação para formar e
atualizar os professores ao longo de suas carreiras;
III. Medir várias vezes por ano o desempenho de todas as escolas;
IV. Ter o governo federal como intervir e consertar quando, em períodos seguidos, o desempenho
seja inaceitável;
V. Focar a formação dos professores e os textos escolares na pedagogia das operações
conceituais básicas;
VI. Engajar as associações de pais no trabalho das escolas e na execução de um plano de estudo
para cada criança;
VII. Combinar o ensino direto com o ensino a distância e com a comunicação entre escolas;
VIII. Oferecer programas especiais aos alunos, sobretudo pobres, mais talentosos e esforçados.

Redistribuir a renda? – 01/08/2006 (p. 230)

Redistribuição de renda pode ocorrer de duas maneiras diferentes. Uma maneira é por transferências
compensatórias de recursos. O governo tributa e usa a receita pública, quer para transmitir dinheiro
diretamente aos mais pobres, como nos casos da Aposentadoria Rural ou da Bolsa Família, quer para
financiar políticas sociais que lhes melhorem o padrão de vida. A outra maneira de redistribuir a renda
é por meio da democratização de oportunidades econômicas e educativas.

6. A reinvenção da democracia brasileira

O Estado, a classe média e os pobres – 19/02/2002 (p. 233)

Escola pública, hospital público e previdência pública só para pobres não servem ninguém. A classe
média continuará fragilizada enquanto tiver de pagar o plano privado de saúde, a mensalidade escolar
e a previdência particular. Não se avança na política social sem converter a classe média em defensora
dela e da tributação necessária para financiá-la.

A encruzilhada – 27/03/2001 (p. 234)

O centro recomenda à periferia aceitar o inevitável e humanizá-lo.

Como conter o crime – 19/01/2002 (p. 236)


A organização comunitária e sua complementação por meio do policiamento comunitário formam o
primeiro elemento do antídoto à criminalidade. O segundo elemento é o reforço decisivo da
capacidade de atuação da polícia e do judiciário.

Democracia direta? – 06/08/2002 (p. 237)

Não há como avançar na reconciliação do crescimento econômico com a inclusão social sem
democratizar a economia de mercado.

A tarefa mais urgente é sanear a política por meio do financiamento público das campanhas eleitorais.
Em seguida, promover reformas que construam bases para um regime de partidos políticos fortes,
condição preliminar a qualquer esforço sério de caminhar em direção ao parlamentarismo.

O foco da corrupção – 14/06/2005 (p. 239)

Dois perigos rondam o Brasil. Um perigo é que a reação contra a corrupção desvie o país da tarefa de
construir alternativa política e programática. O outro perigo é que o esforço para pôr fim ao vale-tudo
fique na periferia da corrupção em vez de alcançar seu centro.

As Forças Armadas e a Nação – 23/08/2005 (p. 240)

O país desconhece a penetração insidiosa de nossas fronteiras, sobretudo amazônicas, pelo


narcotráfico e pelo contrabando. A responsabilidade das Forças Armadas é defender nossa soberania
desde já.

Aprofundar a democracia – 27/09/2005 (p. 242)

A alternativa de que o Brasil precisa tem três componentes: mudar o modelo econômico, revolucionar
o ensino público e construir democracia capaz de acabar com o controle oligárquico do poder.

Dois equívocos são comuns entre os defensores da democracia radical no Brasil. O primeiro equívoco
é supor que ela seja uma preliminar às outras partes da alternativa nacional. O segundo equívoco é
deduzir do compromisso de enriquecer a democracia representativa com elementos de democracia
direta e participativa a conveniência de instaurar o parlamentarismo já.

Reconstruir o Estado – 06/02/2007 (p. 245)

O Estado precisa ser ao mesmo retaguarda e vanguarda: experimentar, sem dogma ou preconceito,
novas maneiras de prover serviços.

7. Ideias, atitudes, emoções


Suécia tropical – 30/08/2005 (p. 251)

O binômio perverso – juros altos, cambio baixo – deve ser substituído pelo binômio virtuoso – juros
baixos, cambio alto. A condição para isso é reduzir drasticamente o gasto público, sem deixar de pagar
os juros da dívida pública.

Não é possível promover redistribuição de renda usando o sistema tributário e o gasto social focado
nos mais pobres para anular os efeitos de desigualdades gigantescas de acesso às oportunidades
econômicas e educativas.

Religião e política – 20/12/2005 (p. 257)

Na Índia, a democracia contemporânea mais vibrante, religião e política misturam-se como maneiras
convergentes de expressar as aspirações mais poderosas; não se confunde com lealdade aos princípios
republicanos com tentativa de isolar a política da religião. A abertura da fronteira entre religião e
política tem servido, na Índia, para insuflar ressentimentos sectários e violentos.

Nos EUA, as convicções religiosas também influem decisivamente nos posicionamentos políticos. O
dogma constitucional é fechar a fronteira entre religião e política e tratar a religião como matéria
apenas privada.

Ao contrário dos EUA, que o Brasil derrube as muralhas entre política e religião que cerceiam o
aprofundamento do debate nacional e que impedem a mobilização declarada da energia religiosa na
vida pública.

Paz sem marasmo – 03/01/2006 (p. 262)

A maior diferença entre o Brasil e as nações ricas e poderosas de hoje é que todas elas foram formadas
pela guerra enquanto o Brasil não foi.

A tarefa do jornalismo brasileiro – 01/01/2002 (p. 265)

Sofre, porém, o jornalismo brasileiro de três defeitos que negam ao país um meio indispensável de
autoconhecimento e libertação. O primeiro defeito é o triunfo das opiniões sobre as informações. O
segundo defeito é a pobreza e a inconfiabilidade das informações. O terceiro defeito é a atitude do
jornalista de tratar os operadores do sistema como aproveitadores e os inimigos do sistema como
aventureiros.

Humilhação – 02/09/2003 (p. 269)

A lógica das relações sociais no Brasil costumava e ainda costuma misturar dominação, troca e
sentimento. Sua fórmula característica é a sentimentalização das trocas desiguais.
Dois países – 09/03/2004 (p. 274)

Havia no século XIX, dois países cujas histórias tinham sido semelhantes. Essas duas nações divergiam.
A primeira pode ser chamada de protoneoliberal, o Brasil. Nesse país, as elites do poder, do dinheiro
e da cultura acreditavam que o progresso exigia convergência com as instituições e as práticas das
nações mais adiantadas. A técnica para atrasado avançar era imitar o que dera certo em países ricos e
poderosos. A segunda pode ser chamada de nasserista, os EUA. Nele os quadros dirigentes e os
ideólogos mais influentes partiam do pressuposto de que nenhuma instituição ou prática estabelecida
alhures podia prestar.

Lição americana – 02/11/2004 (p. 275)

O Brasil deve fazer, a seu modo, o que fizeram os EUA em seus dois séculos de ascensão à primazia
mundial: levantar escudo econômico, político e militar que proteja nossa insubordinação e nosso
experimentalismo; acreditar na democratização de oportunidades como o grande motor do avanço
nacional e ousar sermos diferentes para poder sermos nós mesmos.

Furtado e futuro – 23/11/2004 (p. 277)

Pensamento brasileiro – 06/01/2004 (p. 278)

Nas ciências sociais, prevalece no Brasil de hoje a justaposição de duas tradições fatalistas. De um lado,
um empirismo míope e conservador, trazido da academia americana, menospreza e trivializa a
reconstrução dos pressupostos institucionais e ideológicos de uma sociedade. De outro lado, o resíduo
fossilizado das teorias deterministas de outra época, como o marxismo, distorce a natureza dessas
estruturas ao apresentá-las como produtos de forças irresistíveis.

O método da reviravolta – 12/04/2005 (p. 282)

Há dois modelos básicos de mobilização na política das sociedades contemporâneas. Nenhum dos dois
não serve. Um modelo é o dramático: escalada de protestos de massa e de rua, como nas repúblicas
pós-soviéticas, para derrubar governantes predatórios. O outro modelo é o rotineiro, como nas
democracias ricas: a política como espetáculo encenado na televisão, assistido passivamente por uma
população que espera pouco e teme muito.

Brasil verde – 21/06/2005 (p. 284)

Nosso maior recurso natural é a biomassa brasileira e o que ela pode gerar de energia para nossa
economia, de empregos para a população e de segurança física e avanço médico para toda a
humanidade.
Justiça racial já – 13/01/2004 (p. 285)

Das injustiças que proliferam no Brasil, comprometendo nossa vitalidade e adiando nosso
engrandecimento, nenhuma é mais constante do que a injustiça racial.

Renasce o confronto ideológico – 11/04/2006 (p. 288)

Três ideologias dominaram os debates políticos dos últimos dois séculos: o liberalismo, o socialismo e
o nacionalismo.

Nosso futuro – 26/09/2006 (p. 290)

Contra tudo que há de promissor, levantam-se três ameaças ao futuro do Brasil. A primeira é ensino
público incapaz de equipar a energia frustrada do país. A segunda é vida pública. A terceira é a falta de
identificação de nossos quadros dirigentes com o futuro do Brasil.

Mania de pequenez – 19/12/2006 (p. 291)

Quatro fatores ajudam a explicar a calamitosa modéstia de nossa visão de nós mesmos: (1) fragilização
econômica e espiritual da classe média, (2) falta de tradições fortes e independentes de pensamento,
(3) formação da nação sem ter ocorrido em meio à guerra e (4) encontrarmo-nos numa época em que
as populações cultas dos países que nos acostumamos a tomar como referências se desiludiram da
política.

Inteligência brasileira – 20/03/2007 (p. 293)

Nas ciências sociais, prevalece a racionalização do estabelecido: explicar o que existe de maneira a
confirmar a necessidade, a naturalidade ou a superioridade das instituições estabelecidas e das
soluções triunfantes. Nas disciplinas normativas (filosofia política e teoria jurídica) prevalece a
humanização do inevitável: a justificativa da redistribuição compensatória e da idealização do direito
como meio para suavizar estruturas que não se sabe como reimaginar ou reconstruir. Nas
humanidades, prevalece a fuga da vida prática: divagações e aventuras no campo da subjetividade,
desligadas do enfrentamento da sociedade como ela é.

A questão nacional – 17/04/2007 (p. 295)

No Brasil, quem inveteradamente se identificou com a nação foi o povo pobre, trabalhador e mestiço.

Fazer a Abolição de novo – 13/05/2008 (p. 298)


Negros ganham muito menos do que brancos e ocupam, com grande desproporção, os lugares mais
subalternos e humilhantes na sociedade brasileira. A única coisa que sempre foi, e continua a ser,
barata no Brasil é o trabalho de negro ou negra.

É um erro interpretar o peso da miscigenação e a autoridade da tolerância no Brasil como êxito em


alcançar a democracia racial. Democracia racial é projeto, não realidade.

O Brasil está predestinado a engrandecer-se sem imperar. Para que esse destino se consume, porém,
a nação tem de unir-se.

Leonel Brizola e o futuro do Brasil – 23/06/2004 (p. 301)

EPÍLOGO

O que falta – 10/11/1998 (p. 305)

Nosso problema não é só dinheiro: é também a falta, tanto entre ricos e doutores quanto entre pobres
e iletrados, da ideia da grandeza e da experiência da esperança.

Há cinco requisitos para dar energia ao desenvolvimento do país. O primeiro requisito é que se
desarmem dilemas empobrecedores como o que opõe agora a estabilidade da moeda ao
desenvolvimento do país, pela mobilização dos recursos nacionais e pelo refinanciamento do Estado.
O segundo é que se dê a cada criança brasileira educação libertadora. O terceiro é que se quebre um
sistema de mídia que virou máquina de mentira. O quarto é que se formem instituições econômicas
que descentralizem radicalmente o acesso às oportunidades e aos recursos produtivos. O quinto é que
se estabeleçam instituições políticas que mobilizem a cidadania para dobrar as corporações e controlar
o Estado enquanto resolvem rápida e democraticamente os impasses produzidos por tentativas de
mudança.

Quixote – 01/12/1998 (p. 306)

Das muitas razoes para democratizar a sociedade e assegurar direitos ao indivíduo, a mais importante
é permitir a cada pessoa engrandecer-se, quebrando a múmia que a vai encobrindo e matando. As
ilusões políticas que mais temos a temer são aquelas que tomam certas instituições como a forma
definitiva da liberdade e param no meio a luta contra a mumificação.

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